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Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Diretores da Série:

Prof. Dr. Harryson Júnio Lessa Gonçalves


(Unesp/FEIS)

Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto


(Unesp/IBILCE)

Comitê Editorial Científico:

Prof. Dr. Adriano Vargas Freitas Prof. Dr. Gilson Bispo de Jesus
Universidade Federal Fluminense (UFF) Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

Prof. Dr. Alejandro Pimienta Betancur Prof. Dr. João Ricardo Viola dos Santos
Universidad de Antioquia (Colômbia) Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)

Prof. Dr. Alexandre Pacheco Prof. Dr. José Eustáquio Romão


Universidade Federal de Rondônia(UNIR) Universidade Nove de Julho e Instituto Paulo Freire (Uninove e IPF)

Prof.ª Dr.ª Ana Clédina Rodrigues Gomes Prof. Dr. José Messildo Viana Nunes
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) Universidade Federal do Pará (UFPA)

Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Braz Dias Prof. Dr. Klinger Teodoro Ciriaco
Central Michigan University (CMU/EUA) Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)

Prof.ª Dr.ª Ana Maria de Andrade Caldeira Prof.ª Dr.ª Lucélia Tavares Guimarães
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS)
(UNESP)
Prof. Dr. Marcelo de Carvalho Borba
Prof. Dr. Antonio Vicente Marafioti Garnica Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP) Prof.ª Dr.ª Márcia Regina da Silva
Universidade de São Paulo (USP)
Prof. Dr. Armando Traldi Júnior
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo Profª. Drª. Maria Altina Silva Ramos
(IFSP) Universidade do Minho, Portugal

Prof.ª Dr.ª Deise Aparecida Peralta Prof.ª Dr.ª Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
(UNESP)
Profª. Drª. Olga Maria Pombo Martins
Prof. Dr. Eder Pires de Camargo Universidade de Lisboa (Portugal)
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP) Prof. Dr. Ricardo Cantoral
Centro de Investigação e Estudos Avanços do Instituto Politécnico
Prof. Dr. Elenilton Vieira Godoy Nacional (Cinvestav, México)
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Prof. Dr. Rodrigo Ribeiro Paziani
Prof. Dr. Elison Paim Universidade do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Prof. Dr. Vlademir Marim
Prof. Dr. Fernando Seffner Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Prof. Dr. George Gadanidis


Western University, Canadá
Pesquisa, Ensino &
Processos Formativos
Contribuições ao
III Congresso Brasileiro de
Ensino e Processos Formativos

Organizadores:
Harryson Junio Lessa Gonçalves
Ana Paula Leivar Brancaleoni
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni

O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são


prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira
e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor.

Todos os livros publicados pela Editora Fi


estão sob os direitos da Creative Commons 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR

http://www.abecbrasil.org.br

Série Processos Formativos - 5

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


GONÇALVES, Harryson Junio Lessa; BRANCALEONI, Ana Paula Leivar.

Pesquisa, Ensino & Processos Formativos: Contribuições ao III Congresso Brasileiro de Ensino e Processos
Formativos [recurso eletrônico] / Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) -- Porto
Alegre, RS: Editora Fi, 2019.

1492 p.

ISBN - 978-85-5696-634-6

Disponível em: http://www.editorafi.org

1. Pesquisa; 2. Processos Formativos; 3. Ensino; 4. Pedagogia; 5. Congresso; I. Título II. Série

CDD: 371
Índices para catálogo sistemático:
1. Professores, métodos e disciplinas 371
Sumário
Apresentação ............................................................................................................ 19
Ana Paula Leivar Brancaleoni

Prefácio..................................................................................................................... 21
Em movimento...
Humberto Perinelli Neto

1 ............................................................................................................................... 23
A abordagem dos Direitos Humanos nos telejornais da tv aberta
Flaviana De Freitas Oliveira
Ana Maria Klein

2 ................................................................................................................................ 41
A aprendizagem da docência a partir de uma experiência de formação inicial
utilizando Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)
Mariana de Oliveira
Marina Ferreira
Rosemary Rodrigues de Oliveira

3 ................................................................................................................................ 55
A concepção dos gestores e professores da escola regular sobre o atendimento
educacional especializado
Érika Volpe Marangoni
Solange Vera Nunes de Lima D’ Água

4............................................................................................................................... 69
A construção da cidade de Ilha Solteira: pessoas, segregações e espaço escolar
Simone dos Santos Bonfim
Humberto Perinelli Neto

5 ................................................................................................................................ 81
A educação inclusiva no ensino de história através do uso de imagens
Paulo Eduardo De Mattos Stipp

6............................................................................................................................... 99
A elaboração de significados associada a fatores motivacionais no processo de ensino
aprendizagem de língua portuguesa
Gabriela Mantovanelli Bevilaqua
Jackson Gois

7 ............................................................................................................................... 111
A extensão universitária como instrumento formador para educação em Direitos
Humanos e Mídia
Flaviana De Freitas Oliveira
Ana Maria Klein
8 ............................................................................................................................. 125
A formação de educadores ambientais: concepção teórico-metodológica de uma
disciplina no ensino superior
Daniel Fonseca de Andrade
Tainá Figueroa Figueiredo

9.............................................................................................................................. 139
A formação dos professores no ensino de ciências nos anos iniciais
Leiriani Abreu
Thaís Gimenez da Silva Augusto

10 ............................................................................................................................ 155
A gestão escolar na perspectiva da inclusão
Andrezza Santos Flores
Solange Vera Nunes de Lima D’Água
Harryson Júnior Lessa Gonçalves

11 .............................................................................................................................. 171
A importância da educação em Direitos Humanos na Educação Superior Continuada
Elizangela Cristina Begido Caldeira
Carlos Alípio Caldeira
Lygia Aparecida das Graças Goncalves Correa

12 ............................................................................................................................ 187
A inclusão de jovens com deficiência física do ensino médio: a CIF como parâmetro
na orientação profissional
Eber Pinheiro de Assis
Solange Vera Nunes de Lima D’Água

13 ........................................................................................................................... 203
A interface arte e matemática: em busca de uma perspectiva crítica e criativa para o
ensino de matemática
Edvan Ferreira Dos Santos
Harryson Junio Lessa Gonçalves

14 ............................................................................................................................ 217
A língua espanhola e o seu papel no Ensino Médio Integrado
Jean Carlos da Silva Roveri
Regiani Aparecida Santos Zacarias

15 ........................................................................................................................... 229
A materacia como recurso integrado à educação Matemática Crítica no Ensino
Fundamental I
Gislene Gutierre Assumpção Cordeiro
Rosimere Cleide Souza Desidério
Zulind Luzmarina Freitas
16 ............................................................................................................................247
A paleontologia nos cadernos do aluno e do professor na proposta curricular do
estado de São Paulo
Willian Franklin Sampaio
Thaís Gimenez da Silva Augusto
Adriana Coletto Morales

17 ............................................................................................................................ 261
A possibilidade de uma sistematização da etnomatemática, veiculada por meio da
cultura e língua indígena
Bianca Rafaela Boni Carlos Roberto Cardoso Ferreira
Wellington Gonzaga Brandão Harryson Júnio Lessa Gonçalves
Naiara Hernandes Carvalho

18 ............................................................................................................................ 273
A resolução de problemas como metodologia para o ensino de matemática no ensino
fundamental: desenvolvendo as habilidades para a prova Brasil
Alex Aparecido Felisardo

19 ........................................................................................................................... 287
A teoria do “labelling approach” como forma de análise da fundação casa
Paula Toledo Lara dos Santos
Roberto Aparecido Xavier Junior

20............................................................................................................................ 297
Ações de educação ambiental previstas nos planos de manejo de três unidades de
conservação do oeste paulista
Juliana Pinheiro De Matos
Carolina Buso Dornfeld
Elizete Aparecida Checon De Freitas Lima

21 ............................................................................................................................ 313
Ações dos bebês em diferentes formas de organização do espaço e dos materiais em
um ambiente de creche
Luciana Perpetuo Máximo
Maévi Anabel Nono

22 ........................................................................................................................... 329
Africanidades e processos formativos: reflexões à propósito da rede de ensino de um
município do noroeste paulista
Daniele da Cunha Pereira
Humberto Perinelli Neto

23 ............................................................................................................................345
Aplicativo colaborativo na inclusão escolar do aluno com Transtorno do Espectro
Autista (TEA)
Andréia Maria de Oliveira Teixeira
Andréa Rizzo dos Santos
24............................................................................................................................359
As políticas educacionais e a inclusão de autistas na rede regular: um olhar ontológico
Marcela Scotti Marin Silva
Maria Eliza Brefere Arnoni

25 ............................................................................................................................ 375
Avaliação dos impactos do PIBID na formação de graduandos em pedagogia da UNAERP
Heloisa Alves Rosa Gabriela Vansan
Claudinei De Souza Samila Bernardi Do Vale
Fabiana Buzo De Souza

26........................................................................................................................... 393
Avaliar no ensino de matemática
Alessandro Cruz de Lima
Thaís Paschoal Postingue
Deise Aparecida Peralta

27 ........................................................................................................................... 405
Cinema e escola na perspectiva da lei 13.006/2014
Aruana Mariá Menegasso
Humberto Perinelli Neto

28 ........................................................................................................................... 421
Cinema, modernidade e ensino: proposta para uma reeducação do olhar
Alexandre Cristiano Baldacin Junior
Humberto Perinelli Neto

29............................................................................................................................ 431
Ciranda infantil: a infância sem terrinha do MST
Luís Henrique dos Santos Barcellos
Julio Cesar Torres

30........................................................................................................................... 443
Comportamento(s) do estudante superdotado nas situações de bullying
Alex Almeida da Silva
Carina Alexandra Rondini

31 ........................................................................................................................... 459
Concepções de professoras de educação infantil sobre um programa de formação
continuada
Célia Regina da Silva
Maévi Anabel Nono

32 ............................................................................................................................ 475
Concepções sobre meio ambiente de professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental I: uma análise segundo as representações de SAUVÉ (2005)
Aline Patrícia Maciel
Carolina Buso Dornfeld
Ângela Coletto Morales Escolano
33 ........................................................................................................................... 489
Contribuição da Experiência da Aprendizagem Mediada (EAM), de Reuven
Feuerstein, na formação de um licenciando em ciências biológicas
Bruno da Silva
Ângela Coletto Morales Escolano

34............................................................................................................................ 513
Construindo vidas: a biografia nas aulas de história
Juliana Aparecida Lavezo

35 ............................................................................................................................529
Diversidade sexual e de gênero em documentos orientadores para prevenção e
resolução de conflitos na rede estadual paulista de ensino
Beatriz Segantini França Caio Samuel Franciscati da Silva
Isabella Delamain Fernandez Olmos Ana Paula Leivar Brancaleoni
Fábio Martins Gaioli Rosemary Rodrigues de Oliveira

36 ............................................................................................................................ 545
Diversidade sexual e de gênero e base nacional comum curricular: caracterizações e
proposições
Caio Samuel Franciscati da Silva
Ana Paula Leivar Brancaleoni
Rosemary Rodrigues de Oliveira

37 ............................................................................................................................563
Diversidade sexual e de gênero no ensino de matemática e a Base Nacional Comum
Curricular: reflexões do agir comunicativo
Flavio Augusto Leite Taveira
Thais Paschoal Postingue
Deise Aparecida Peralta

38............................................................................................................................ 575
Educação ambiental escolar: possibilidades para sua inclusão no currículo escolar
Marina Ferreira
Bianca Gonçalves de Sousa
Tatiana Noronha de Souza

39 ............................................................................................................................ 591
Educação das relações raciais e o livro didático de história: revisão de literatura
Manoel Ayusso Martins
Vânia de Fátima Martino

40 .......................................................................................................................... 607
Educação e a questão da individualidade em adorno
Alessandro Lombardi Crisostomo
41 ............................................................................................................................ 617
Educação histórica e formação do pedagogo: uma aproximação possível, uma
reflexão necessária
Sidney Miotti Neto
Tatiana Noronha de Souza

42............................................................................................................................635
Educação permanente: um sonho possível
Lucas Perdigão Pereira

43............................................................................................................................647
Elaboração de significados com experimentação no Ensino Superior: uma análise
através do estágio supervisionado em química
Teily Cristiane Bento

44 ...........................................................................................................................665
Ensino de minerais, minérios e mineração utilizando a poesia de Carlos Drummond
de Andrade como ferramenta pedagógica
Leonardo Rossi Hecke
Thales Vinícius Silva
Antonio Fernandes Nascimento Junior

45 ............................................................................................................................ 681
Ensino e cinema no conhecimento contemporâneo: pode o saber escolar ser
logopático?
Fernando Augusto Violin
Humberto Perinelli Neto

46............................................................................................................................697
Ensino médio integrado à educação profissional: perspectivas e reflexões
Elimeire Alves de Oliveira
Solange Vera Nunes de Lima D´Água

47 ............................................................................................................................ 717
Escrevivência: espaço de aprendizagem e cultura
Adalberto Vitor Raiol Pinheiro

48 ........................................................................................................................... 733
Estudo comparativo sobre reformas curriculares na América Latina: Brasil e Bolívia
Ana Clédina Rodrigues Gomes
Harryson Junio Lessa Gonçalves

49............................................................................................................................749
Experiência, narrativa, memória, processos formativos: encontros entre a estética
documental de Eduardo Coutinho e a concepção teórico-histórica de Walter Benjamin
Rodrigo Paziani
50 ............................................................................................................................ 787
Formação de professores de ciências biológicas e o ENADE: análise das questões da
prova do ano de 2014
Marcel Getaruck
Rosemary Rodrigues De Oliveira

51 ........................................................................................................................... 805
Formação do professor que ensina matemática nas séries iniciais e a utilização de
material concreto para o aprendizado de frações
Glauce Cristina Furtado
Ernandes Rocha De Oliveira

52 ............................................................................................................................ 815
Gênero e identidade: apontamentos sobre o cotidiano escolar e suas dimensões de poder
Wesley Piante Chotolli
Ana Paula Leivar Brancaleoni

53 ............................................................................................................................ 831
Gestão na educação infantil: saberes e fazeres de diretores de pré-escola
Renata Boiatti Migliorança Galisteu
Maévi Anabel Nono

54 ........................................................................................................................... 849
Há professores homens na educação infantil? Os fatores que configuram este cenário
Denis Cardoso Maciel
Maévi Anabel Nono

55 ........................................................................................................................... 867
Impacto da violência doméstica contra a mulher no desempenho escolar da criança:
uma revisão da literatura
Ediane da Silva Alves

56 ........................................................................................................................... 879
Intervenções preventivas de combate à violência escolar: bullying e cultura da paz
Lygia Aparecida das Graças Gonçalves Corrêa
Elizângela Cristina Begido Caldeira
Mariangela Catelani Souza

57 ........................................................................................................................... 893
Investigação das experiências de mães de crianças com deficiência
Letícia Amaral Mayara Nicolau
Isabela Olmos Ana Paula Leivar Brancaleoni
Gabrielle Vacari

58.............................................................................................................................911
Linguagem gráfica no livro didático de matemática: uma análise a partir da mediação
dialética
Alexsandra Cáceres Sampaio
Maria Eliza Brefere Arnoni
59 ............................................................................................................................ 921
Muito além de um direito de “papel”, a educação do campo precisa de um direito de
“coração”
Wellington Gonzaga Brandão
Ana Lúcia Braz Dias

60 .......................................................................................................................... 933
Noção de regras escolares de alunos da escola pública
Andressa Carolina Scandelai Parra
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz

61 ........................................................................................................................... 945
Novas formas de socialização juvenis, a escola e o protagonismo juvenil
Maisa Marchetti Barbosa
Edilson Moreira de Oliveira

62............................................................................................................................ 957
O clima escolar e o processo de ensino e aprendizagem
Kelly Regina Conde
Gláucia Juliana Freire Rangel
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz

63 ............................................................................................................................ 971
O conceito de energia no contexto escolar
Rafael Carlin
Cristiane Maria Cornelia Gottschalk

64........................................................................................................................... 987
O conceito de linguagem em Vigotski
Amanda da Silva Cuim
Maria Eliza Brefere Arnoni

65 .......................................................................................................................... 1001
O desenvolvimento e os desafios do ensino à distância na sociedade contemporânea
Daniela de Jesus Damaceno

66...........................................................................................................................1017
O ensino por meio do desenvolvimento de conceitos: alternativa de superação das
representações a partir da perspectiva da emancipação humana
Verena Marangoni Souza
Maria Eliza Brefere Arnoni

67 .......................................................................................................................... 1027
O gênero da pedagogia! pedagogos na educação infantil na microrregião de
Andradina/SP: discussões iniciais
Luan Angelino Ferreira
Maria José de Jesus Alves Cordeiro
68 ......................................................................................................................... 1041
O Panorama Nacional da Pesquisa sobre o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo
(PCK) e seu papel na formação docente
Vinicius Gorla Proto
Edson do Carmo Inforsato

69.......................................................................................................................... 1059
O papel da educação a distância na inclusão educacional, digital e social
Elizangela Cristina Begido Caldeira
Carlos Alípio Caldeira
Lygia Aparecida das Graças Goncalves Correa

70 .......................................................................................................................... 1075
O papel da educomunicação na efetivação da educação em Direitos Humanos
Elizangela Cristina Begido Caldeira Ligia Aparecida das Graças Gonçalves
Mariangela Catelani Souza Correa
Carlos Alípio Caldeira

71 .......................................................................................................................... 1083
O papel do coordenador pedagógico na Fundação Casa
Eveline Cristina da Fonseca
Tatiana Noronha de Souza

72 .......................................................................................................................... 1099
O papel que as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC’S)
desempenham na educação em Direitos Humanos
Elizangela Cristina Begido Caldeira
Carlos Alípio Caldeira
Lygia Aparecida das Graças Goncalves Correa

73 ........................................................................................................................... 1115
O papel social da escola no Século XXI
Samila Bernardi do Vale

74 ........................................................................................................................... 1131
O percurso do dinossauro: uma possibilidade real para o ensino-aprendizagem da
matemática, experiência com crianças de primeira etapa
Rosimere Cleide Souza Desidério

75 ........................................................................................................................... 1147
O percurso histórico da orientação educacional no Brasil
Flávia Pinheiro da Silva Colombini
Vânia de Fátima Martino

76 ........................................................................................................................... 1165
O PIBID na formação docente: contextos e perspectivas
Bruno Batista Gomes
77 ........................................................................................................................... 1179
“O Show da Luna!” no ensino de conceitos científicos na perspectiva da metodologia
da mediação dialética
Patrícia Vieira Ribeiro
Maria Eliza Brefere Arnoni

78 ........................................................................................................................... 1191
O tema meio ambiente e a formação docente em pesquisas acadêmicas
Aline Fabiane Silva Isabel Dias Da Rocha Clementino
Elisabeth Eduardo Oliveira Taitiâny Kárita Bonzanini

79 .......................................................................................................................... 1203
Os desafios da leitura e o professor como mediador do processo de aprendizagem
Luciano da Paz Santos
Harryson Junio Lessa Gonçalves

80 .......................................................................................................................... 1215
Os olhares de alunos surdos, professores e interlocutores de libras dentro da sala de
aula: um estudo de caso sobre os desafios e acessibilidade
Tabita Teixeira
Diego Fernando Do Nascimento
Fernanda Da Rocha Brando

81 .......................................................................................................................... 1233
Pensamento computacional-artístico nos anos iniciais do ensino fundamental
Ricardo Scucuglia R. da Silva Yeda Seron Portera
George Gadanidis Lara Martins Barbosa

82 .......................................................................................................................... 1251
Práticas colaborativas na coordenação pedagógica: possibilidades e desafios
Joana Inês Novaes
Deise Aparecida Peralta

83...........................................................................................................................1261
Processo formativo de alunos e professores no projeto de extensão comunitária
“literatura na escola”
Adriana Juliano Mendes de Campos Elienai Nogueira D’abadia
Alessandro Henrique Dias Cavichia Caio Fernando da Silva Santiago
Alessandra Joana Testi Souza Gabriela Cristina Crepaldi Cardoso
Célia Regina da Silva Zerbato Natália dos Santos Cardoso
Tamar Naline Shumiski Ana Caroline de Freitas
Widson Tainan Ros

84 ......................................................................................................................... 1275
Processos formativos na infância: brincadeiras no cotidiano da educação infantil
Aline Patricia Campos Tolentino de Lima
Evani Andreatta Amaral Camargo
85.......................................................................................................................... 1285
Professores em curso de formação sobre superdotação: percepção sobre
instrumentos de sinalização de alunos
Carina Alexandra Rondini
Carla Cristina Pereira Job

86 ......................................................................................................................... 1295
Programa de ensino integral: a apropriação dos dispositivos móveis no ensino
Marcos Antonio Fernandes Esteves
Solange Vera Nunes De Lima D'Agua

87 .......................................................................................................................... 1303
Projeto de cultura jovens pesquisadores: desafios e potencialidades da educação não
formal no município de Pradópolis
Claudinei de Souza
Samila Bernardi do Vale
Alessandra Fracaroli Perez

88 .......................................................................................................................... 1317
Racionalidade subjacente do conceito de avaliação no ensino de matemática
Thais Paschoal Postingue
Deise Aparecida Peralta

89 ......................................................................................................................... 1327
Relato de experiência do Núcleo Afrobrasileiro e Indígena de Ilha Solteira (NABISA)
Clara Campos Beltrame Simone dos Santos Bonfim
Júlia Jiacometi Marcondes Wellington Gonzaga Brandão
Rafael de Farias Barbosa

90 ......................................................................................................................... 1335
Repensando o projeto político pedagógico para a diversidade: um estudo comparado
entre Marabá-PA e Ilha Solteira-SP
Rubernéia da Silva de Oliveira
Jhemerson da Silva E Neto
Ana Clédina Rodrigues Gomes

91 .......................................................................................................................... 1347
Revisão sistemática sobre aprendizagem baseada em problemas no ensino de
ciências do ensino fundamental
Janaina Apolinario Mendes
Carolina Buso Dornfeld
Ângela Coletto Morales Escolano

92.......................................................................................................................... 1359
Revisão sistemática sobre o estudo do meio e suas relações com a educação ambiental
e a interdisciplinaridade
Diego Fernando do Nascimento
Tabita Teixeira
Fernanda da Rocha Brando
93 .......................................................................................................................... 1377
Saber matemático dos futuros professores e formação para a docência: o caso da
construção dos números reais
Giovana Aparecida Bertolucci
Inocêncio Fernandes Balieiro Filho

94.......................................................................................................................... 1387
Saberes e fazeres de uma professora de bebês na educação infantil
Raiza Fernandes Bessa de Oliveira
Maévi Anabel Nono1387

95 .......................................................................................................................... 1397
Sobre a formação ou sobre o desenformar do professor: uma abordagem crítica à
formação do docente em relação aos Direitos Humanos
Bruna Nogueira Machado Morato de Andrade
Priscila Oliveira Paraguassú de Macedo

96.......................................................................................................................... 1413
Terapia cognitivo comportamental: o ensino de habilidades para promoção de bem-
estar cognitivo e emocional
Eduardo Becker Machado
Regina de Cássia Rondina

97 .......................................................................................................................... 1423
Um estudo sobre o fomento da argumentação em uma atividade investigativa
Carolina Zenero De Souza
Zulind Luzmarina Freitas

98 ......................................................................................................................... 1431
Um olhar sobre a política municipal de educação ambiental de Ilha Solteira, SP
Thayline Vieira Queiroz
Carolina Buso Dornfeld

99.......................................................................................................................... 1441
Um ônibus prateado rompe o deserto: diálogos sobre diversidade sexual e de gênero
através do cinema e da produção textual
José Francisco Bertolo
Ana Paula Brancaleoni

100 ........................................................................................................................ 1459


Valorização docente: estudo comparativo entre Franca e São José do Rio Preto
Liuvânia Barcelos
Camila Fernanda Bassetto
Hilda Maria Golçalves da Silva

101......................................................................................................................... 1475
Violência escolar: uma experiência no ensino de ciências
Beatriz Segantini França
Átila Souza Oliveira Bonfim
Rosemary Rodrigues de Oliveira
Apresentação

Ana Paula Leivar Brancaleoni

O III Congresso Brasileiro de Ensino e Processos Formativos


teve por objetivo discutir o Ensino e as pesquisas na área,
problematizando o panorama atual do país, com destaque para a
questão da diversidade. Ocorreu no mês de outubro do ano de 2018,
em São José do Rio Preto, São Paulo, sendo uma realização do
Programa de Pós-graduação em Ensino e Processos Formativos da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
Entende-se, contudo, que um Evento é bem mais do que a
efetivação das atividades planejadas por uma comissão
organizadora, mas se concretiza por meio da relação construída com
os/as diversos autores/as que se propõem à partilha de suas
pesquisas, aos diálogos e trocas. Prolongar e ampliar a possibilidade
de encontros entre aqueles que sustentam a ciência como um fazer
público e coletivo também é nossa empreita. Intencionando
intensificar esse sentido de coletividade e publicização, assumido
por nosso Evento, apresentamos agora os seus Anais. O registro e a
organização dos trabalhos completos que seguem permitem que
nossas conversas acadêmicas, com os/as autores/as, prossigam e
que o III Congresso Brasileiro de Ensino e Processos Formativos se
estenda no tempo, chegue até outros e se constitua como memória,
movimento fundamental no desenvolvimento do conhecimento.
Ciência, diálogos, memórias, história... Está posto o nosso convite e
disposição para seguirmos para além de nós mesmos, para
favorecermos a construção de esquinas: lugares de diálogos e
encontros.
A terceira edição do Congresso reuniu trabalhos que se
dedicavam a um de quatro eixos, sendo eles: Educação Matemática,
20 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Infância e Adolescência, Ensino de Ciências e Tecnologias,


Diversidades e Culturas. Os mesmos estão organizados, na presente
publicação, por ordem alfabética dos títulos.
De forma mais detalhada, entre os trabalhos que versam
sobre Educação Matemática, abarcam-se temas que vão desde a
formação de conceitos matemáticos, organização e desenvolvimento
curricular em Matemática, formação de professores que ensinam
Matemática, até Etnomatemática.
Em Ensino de Ciências podemos ter acesso às pesquisas que
se dedicam à formação inicial e continuada de professores de
ciências, à educação ambiental, ao ensino em espaços formais e não
formais, a metodologias de ensino, assim como epistemologia das
ciências.
No que se refere aos estudos sobre Infância e Adolescência
encontramos trabalhos que versam sobre formação de professores,
de gestores e seus saberes, contextos de ensino e de aprendizagem e
desenvolvimento sociomoral.
Por fim, entre as pesquisas que tratam sobre Tecnologias,
Diversidades e Culturas podemos conhecer trabalhos que abordam
temas como: ensino e aprendizagem, emancipação humana,
linguagens, educação a distância, gestão, sexualidade, gênero, etnia,
inclusão, altas habilidades e identidades.
Destacamos que a construção do conhecimento é processo
contínuo. Assim, finalizamos a apresentação convidando você leitor
a também compor os próximos eventos organizados pelo Programa
de Pós-graduação em Ensino e Processos Formativos, assim como
das publicações deles decorrentes. Desejamos ainda que bons
encontros possam acontecer na leitura das páginas que seguem.
Outono de 2019.
Prefácio

Em movimento...

Humberto Perinelli Neto

A inquietude deve fazer parte da pesquisa e foi acreditando


nisso que o III Congresso Brasileiro de Ensino e Processos
Formativos aconteceu, entre 18 e 20 de outubro de 2018, no
anfiteatro da Universidade Paulista de São José do Rio Preto.
Neste tempo e espaço é que um conjunto de pessoas se
somaram, cada qual com diferentes objetivos, metodologias e
referenciais teóricos. Em comum, expressaram o desejo de trocar,
buscar, apreender e outros verbos do mesmo jaez, quando o assunto
é dizer e ouvir sobre pesquisas de si e de outros.
Trata-se, portanto, de evento acadêmico-científico que celebra
a velha tradição grega de acreditar no diálogo. Tal tarefa é sempre
nobre, mas historicamente difícil, porque levada adiante no Brasil,
portanto, numa sociedade forte e naturalizadamente hierarquizada,
bem como violenta de modos e maneiras diferentes. Não escapa a
essa lógica social a Universidade, ademais, quando o pragmatismo
dela se avizinha.
Visto desse ponto de vista, o III Congresso Brasileiro de Ensino
e Processos Formativos representa certo gesto de fé no humano e no
papel a ser exercido pela Academia de fomentar o conhecimento.
Isso porque, valoriza o potencial contido na voz daqueles que
apresentaram trabalhos nas sessões de comunicação e dos que
compuseram as mesas de palestras. Assim, sem exageros, cumpre
afirmar: o evento estampa aposta numa certa arte do encontro.
22 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A obra que o leitor tem em mãos reitera esse intento, já que


representa tentativa de perpetuar o evento ou, ao menos, o sopro
que o conduziu, o fez existir e definir seus contornos. Desta mirada,
nos deparamos com outra convicção caramente humana: a luta
contra o esquecimento, por meio do apelo à memória, aqui evocada
pela escrita. O formato digital e gratuito reveste esse desejo de maior
potencial, uma vez que os trabalhos se tornam mais acessíveis,
ganham muitos e incalculáveis caminhos pela internet, bem como
são alvos de partilhas nas e pelas redes sociais.
Atravessar essa obra por conta própria, conforme trajetos
variados, é convite feito aos leitores e leitoras, para possibilitar o
movimento em busca do humano e da continuidade, na recepção
que o confirma e o mantém... dele se apropria e o transforma...

UNESP\IBILCE\São José do Rio Preto


Outono de 2019, Mendoza\Argentina
1

A abordagem dos Direitos Humanos


nos telejornais da tv aberta

Flaviana De Freitas Oliveira


Ana Maria Klein

1. Introdução

Os direitos humanos, para que sejam devidamente


promovidos e aplicados, devem passar por três etapas. É necessário
que se conheça os direitos humanos, construa seus valores e
promova sua aplicação, por meio de ações práticas. A mídia,
principalmente a televisão, pode atuar nas três etapas, cumprindo
relevante papel social como educadora.
O presente estudo busca analisar como os telejornais das
principais emissoras de TV aberta do Brasil tratam assuntos de
direitos humanos no período de seis meses (julho a dezembro de
2018). A escolha pelos telejornais se justifica pela ampla penetração
da televisão, que é uma concessão pública e deve cumprir função
social, nos domicílios brasileiros.
O Brasil, por ser signatário de diversos tratados
internacionais de direitos humanos, deve agir no sentido de
promover a aplicação destes direitos. A TV, devido a sua
característica de concessão estatal, deve estar coadunada com os
princípios do Estado. Para que tal análise seja feita de forma efetiva,
é necessário entender o significado dos direitos humanos.
Pesquisar como a mídia tem lidado com a questão dos direitos
humanos, e se tem incitado ou não os discursos de intolerância, é
24 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

importante para que se possa traçar panorama atual e alertar sobre


a necessidade de políticas públicas sociais no campo midiático. Este
artigo toma como objeto de reflexão e análise a educação informal
para os Direitos Humanos veiculada pela televisão, um dos meios de
comunicação mais populares e presentes no cotidiano de brasileiros
de todos os níveis socioeconômicos.

Fundamentação teórica

2. Direitos Humanos

O conceito moderno de direitos humanos teve início com a


criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que
visou garantir os direitos do ser humano de forma igualitária. Foi
um movimento de repulsa às atrocidades cometidas durante a
Segunda Guerra Mundial, como forma de repudiar, principalmente,
as ideologias racistas e fascistas existentes na época.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, o grupo dos Aliados
criou a Organização das Nações Unidas (ONU). A DUDH foi produto
do processo legislativo da ONU e envolveu diversos organismos das
Nações Unidas (DEVINE; HANSEN; WILDE, 2007), se tornando um
corpo de instrumentos e normas consuetudinárias preocupados
com o bem-estar social.
A Declaração retomou os ideais da Revolução Francesa e, em
âmbito universal, reconheceu os valores supremos da igualdade, da
liberdade e da fraternidade entre os seres humanos (COMPARATO,
2015). A criação da DUDH acabou criando, de forma definitiva, um
movimento mundial em prol dos direitos humanos.
Após o documento de 1948, passou-se a universalizar os
direitos humanos com a elaboração de pactos e tratados, o que deu
caráter normativo aos direitos consagrados. O esforço para
implementar a declaração durou anos e envolveu milhares de
pessoas. Em 1966, finalmente, foram implantados o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 25

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que incluiu os direitos


de trabalho, à saúde, à educação e a um padrão de vida adequado.
Desde então, diversos tratados internacionais – cujo termo
engloba as Convenções, os Pactos, as Cartas e demais acordos
internacionais –, foram feitos com o objetivo de aumentar a
abrangência dos direitos humanos. O Brasil é signatário de quase
todos e, portanto, tem o papel de cumprir com a promoção dos
princípios que regem os direitos humanos, como igualdade,
liberdade, solidariedade e dignidade.
Nos dias de hoje, há certa dificuldade em se definir o que são os
direitos humanos. Henkin (1978, tradução nossa) os define como
“reivindicações morais e políticas que, no consenso contemporâneo,
todo ser humano tem ou deve ter perante sua sociedade ou governo”.
Para Bobbio (1992), os direitos humanos são históricos,
nascidos de lutas em defesa de novas liberdades contra velhos
poderes. O filósofo ainda sustenta que a expressão “direitos
humanos é muito vaga e indefinível, pois se trata de uma categoria
heterogênea e variável conforme as épocas históricas.
Comparato (2013) ressalta que a dignidade de cada homem
consiste em ser, essencialmente, uma pessoa, isto é, um ser cujo
valor ético é superior a todos os demais no mundo. E define os
direitos humanos:

É que os direitos humanos são direitos próprios de todos os


homens, enquanto homens, à diferença dos demais direitos, que
só existem e são reconhecidos, em função de particularidades
individuais ou sociais do sujeito. Trata-se, em suma, pela sua
própria natureza, de direitos universais e não localizados, ou
diferenciais. (p. 19)

Os direitos humanos, portanto, são inerentes aos homens, mas


só podem ser aplicados se houver consciência a respeito deles. Para
isso, é preciso conhecer quais são os direitos humanos, construir seus
valores e, por último, promover sua existência. Neste sentido, entra o
compromisso da Educação em Direitos Humanos (EDH).
26 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

2.2. Educação em Direitos Humanos e Mídia

O enfrentamento ao quadro de violações de direitos pode


encontrar na educação uma forte aliada. Trata-se de uma via para a
prevenção de violações, ou seja, entende-se que a formação de
pessoas sensíveis aos valores éticos que pautam os Direitos
Humanos e conscientes de que o respeito a estes direitos são o
fundamento de uma sociedade mais justa e igualitária. O preâmbulo
da DUDH destaca este papel:

[..] o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as


nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da
sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce,
através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses
direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de
caráter nacional e internacional, por assegurar o seu
reconhecimento e a sua observância universal e efetiva (ONU,
1948, Preâmbulo).

Além da liberdade, igualdade e fraternidade, princípios


mencionados no artigo 1º da DUDH, o Parecer CNE/CP nº 1/2012,
que versa sobre as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos, ressalta que a EDH se fundamenta também nos
princípios da dignidade humana; igualdade de direitos;
reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades;
laicidade do Estado; democracia na educação; transversalidade,
vivência e globalidade; e sustentabilidade socioambiental.
No Brasil, o principal marco de EDH é o Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos – PNEDH, criado em 2003, que foi
posteriormente detalhado pelo Programa Nacional de Direitos
Humanos 3 – PNDH-3, em 2010. Um dos eixos deste programa é
relativo à educação, apontando as diretrizes e quais são os principais
mecanismos para que se alcance uma efetiva educação para os
direitos fundamentais.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 27

De acordo com o PNEDH (BRASIL, 2007, p. 17), “a Educação


em Direitos Humanos é compreendida como um processo
sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de
direitos”, articulando as seguintes dimensões:

a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre


direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional,
nacional e local;
b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a
cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em
níveis cognitivo, social, ético e político;
d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de
construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos
contextualizados;
e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e
instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos
direitos humanos, bem como da reparação das violações. (BRASIL,
2007, p. 17)

Vale ressaltar que o PNEDH é considerado instrumento


orientador e fomentador de ações educativas nas seguintes áreas:
educação básica; ensino superior; educação não-formal; educação
dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança; e educação e
mídia. Quando falamos de mídia, referimo-nos à educação informal,
também contemplada pela Educação em Direitos Humanos.
Trilla, Ghanem e Arantes (2008) retomam a origem do uso
dos termos não-formal e informal para qualificar a educação.
Segundo os autores, a educação formal compreende o sistema
educacional institucionalizado, cronologicamente graduado e
estruturado hierarquicamente; a não-formal refere-se às atividades
educativas organizadas fora do marco oficial da escola e do sistema
de ensino; e a informal refere-se a um processo que se estende ao
longo da vida, durante o qual as pessoas adquirem conhecimentos,
habilidades, atitudes e modos de discernimento por meio de
experiências diárias.
28 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Entre os grandes eixos de atuação previstos no PNEDH, está


a mídia, dado seu relevante papel social. O PNEDH (2007), ao
colocar a mídia como eixo educador, descreve os meios de
comunicação da seguinte forma:

São espaços de intensos embates políticos e ideológicos, pela sua


alta capacidade de atingir corações e mentes, construindo e
reproduzindo visões de mundo ou podendo consolidar um senso
comum que frequentemente moldam posturas acríticas. Mas pode
constituir-se também, em um espaço estratégico para a construção
de uma sociedade fundada em uma cultura democrática, solidária,
baseada nos direitos humanos e na justiça social. (p. 53)

A mídia pode educar à medida em que contribui para o


processo de formação integral do indivíduo, ao transmitir valores ou
padrões de comportamento moral que podem afetar a construção
de sua identidade individual e social.
Para Belmonte Arocha e Guillamón Carrasco (2005, p.2), não
há dúvida em relação ao papel educativo da televisão,
independentemente de ser tratar de boa ou má educação. A
valoração da educação (boa ou má) que o contato com a televisão
proporciona dependerá daquilo que é analisado, de quem analisa e
dos critérios utilizados. Os pontos de vista dos telespectadores,
analistas ou críticos são distintos e podem resultar em valorações
opostas.
É fato que a mídia pode cumprir papel de reprodução
ideológica para reforçar o modelo de sociedade individualista, não
solidária e não democrática. Contudo, também pode exercer papel
fundamental na educação crítica em direitos humanos, visto que
tem potencial para atingir todos os setores da sociedade.

O papel da mídia na sociedade

Conforme explicita Alarcon (2005), os meios de comunicação


social, em especial a televisão, cumprem uma função social. Assim,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 29

são poderosos instrumentos de formação da opinião pública e


devem estar coadunados com os princípios constitucionais do
Estado. O artigo 221 da Constituição Federal dispõe:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e


televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à
produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística,
conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
(BRASIL, 1988)

A televisão e o rádio são concessões públicas, portanto deve


observar sua finalidade social. Os concessionários do serviço público
de telecomunicações e de radiodifusão sonora de sons e imagens, ao
utilizar um bem público, recebem delegação do Estado para atender
a finalidades e interesses públicos, conforme previsto no artigo 21,
incisos XI e XII, alínea “a”, da Constituição Federal.
Os meios de comunicação não podem desviar-se dos
princípios fundamentais, pois isso seria desvio de finalidade pública,
“contrapondo interesses privados dos detentores da concessão em
detrimento do interesse maior, da finalidade maior, vale dizer, o
interesse geral e público, de que, por excelência, se constitui a
concessão de serviços públicos de rádio e televisão” (ALARCON,
2005).
A mídia, nos dias de hoje, é parte integral do funcionamento
das instituições e da forma como a população recebe as mensagens
cotidianas. Nas palavras de Hjarvard (2012):

Uma parte significativa da influência que a mídia exerce decorre


do fato de que ela se tornou uma parte integral do funcionamento
de outras instituições, embora também tenha alcançado um grau
de autodeterminação e autoridade que obriga essas instituições,
em maior ou menor grau, a submeterem-se a sua lógica. A mídia
30 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

é, ao mesmo tempo, parte do tecido da sociedade e da cultura e


uma instituição independente que se interpõe entre outras
instituições culturais e sociais e coordena sua interação mútua. A
dualidade desta relação estrutural estabelece uma série de pré-
requisitos de como os meios de comunicação, em determinadas
situações, são usados e percebidos pelos emissores e receptores,
afetando, desta forma, as relações entre as pessoas. (p. 54-55)

Vale ressaltar que a mídia é produtora e reprodutora de


relações de dominação. Este fenômeno ocorre, conforme observa
Biroli (2011), porque a mídia ainda é insuficiente para potencializar
constelação plural de representações da vida social, embora coloque
em circulação número expressivo de informações. Segundo a
autora:

Assim, a mídia difundiria os estereótipos e, dada sua centralidade


na construção do ambiente social contemporâneo, colaboraria
desse modo para sua naturalização, confirmando cotidianamente
determinadas visões de mundo, em detrimento de outras. Parte
ampla da crítica feminista aos vieses de gênero na mídia pode ser
considerada como um exemplo dessa visão. Isso se dá, sobretudo,
quando as análises enfocam a naturalização do pertencimento da
mulher à esfera privada e dos arranjos familiares que o justificam
e reforçam, assim como o destaque dado ao corpo e à aparência
física das mulheres. Mas é possível, também, associar a essa
vertente análises voltadas para problemas de outra ordem, como o
impacto da socialização dos jornalistas dentro e fora das redações
para a percepção que têm do que é notícia, de quais atores
merecem ser ouvidos na cobertura noticiosa, e a que atividades e
competências esses atores estão associados. (p. 74)

Kellner (2001) explica que as relações de dominação ocorrem


por meio da valorização de uma ideologia que valoriza o branco,
masculino, classe média ou rico. Dessa forma, produz hierarquias e
classificações que vão de acordo com os interesses da elite
dominante. Para o autor, é necessário ter atenção ao que a mídia não
veicula, já que esta atitude mostra a ideologia de cada meio de
comunicação.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 31

Segundo Baudrillard (2001), a mídia interfere na forma como


percebemos a realidade. Dessa forma, um fato somente se torna real
quando as pessoas tomam conhecimento dele. Assim, a televisão é
responsável por criar uma hiper-realidade, já que leva para perto do
telespectador aquilo que é distante.

A televisão no cotidiano popular

De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia, divulgada em


2016 pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República e
realizada pela IBOPE Inteligência, a televisão é o principal meio de
comunicação que as pessoas usam para se informar no Brasil. Entre
TV, internet, rádio, jornal, revista e outros, 63% dos entrevistados
declararam preferir a televisão. Além disso, 77% das pessoas
afirmaram assistir TV todos os dias.
Os dados são importantes para ressaltar o papel fundamental
da televisão e, especificamente, do telejornalismo, como meio de
informação do público e de formação de laços sociais. Para Temer
(2012), o brasileiro enxerga na televisão uma continuidade de sua
própria vida, como forma de sentir-se parte de algo maior, de um
espaço onde coisas efetivamente importantes acontecem.
Martins (2008) descreve a relação entre a TV e seus
telespectadores:

Assim, os indivíduos assistem às mensagens jornalísticas e


assimilam conhecimento, sentindo-se parte. Pelos monitores
muitos acompanham o desdobramento dos fatos, muitas vezes em
tempo real, se informam, formam opinião, enfim adquirem
conhecimento. Vemos o mundo de dentro de casa: a televisão pode
em tese nos conectar a tudo o que acontece na nossa esquina ou do
outro lado do planeta. (p. 2)

A ampla penetração da televisão no cotidiano dos cidadãos


brasileiros e do uso desse meio de comunicação como fonte de
informação em geral mostra o papel da TV na forma como as pessoas
32 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

percebem os direitos humanos e seus princípios (RAMALHO et al,


2017). Assim, a TV faz mediação na maneira como representações dos
direitos humanos são construídas entre os cidadãos.
Pesquisa lançada em 2016 pela Agência de Notícias dos
Direitos da Infância (ANDI – Comunicação e Direitos), intitulada
Violações de Direitos na Mídia Brasileira – Volume III (VARJÃO,
2016), revelou que, em apenas 30 dias, narrativas de rádio e TV
promoveram 4.500 violações de direitos, cometerem 15.761
infrações a leis brasileiras e multilaterais e desrespeitaram 1.962
vezes normas autorregulatórias, como o código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros. A análise incidiu sobre 28 programas
“policialescos” produzidos em 10 capitais do País.
O levantamento mostra como programas jornalísticos têm
descumprido seu papel social de educar para os Direitos Humanos,
sendo constantemente violadores de direitos. “País em
desenvolvimento, recheado de desigualdades sociais e com fortes
traços de preconceito racial e econômico, o Brasil oferece violações de
sobra para gerar matérias jornalísticas” (ALMEIDA, 2008, p. 257-258).
Considerando a importância da televisão – e de outros meios
de comunicação – para a promoção da Educação em Direitos
Humanos (EDH) é conveniente fazer uma análise social e
educacional midiática, verificando as formas como os meios de
comunicação abordam os direitos humanos.
Diante do exposto, entendemos os telejornais como
formadores de opinião, visto que são formatos de mídia que estão
totalmente vinculados às pessoas e são instrumentos de transmissão
de credibilidade. Por isso, podem ser fundamentais ao apresentar –
ou não – discursos de preservação de direitos humanos e da
dignidade da pessoa humana.

Procedimentos metodológicos

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa cuja


natureza é aplicada, uma vez que visa gerar conhecimentos voltados à
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 33

pratica educativa não formal da mídia. Do ponto de vista de seus


objetivos, ela tem caráter exploratório, uma vez que visa explicitar o
problema proposto, e descritivo, já que descreve as características de
determinado fenômeno e utiliza técnicas padronizadas de coleta de
dados. A abordagem do problema é quantitativa e qualitativa e os
procedimentos técnicos são pesquisa bibliográfica e análise de
conteúdo.
A pesquisa bibliográfica tem a finalidade de explorar problemas
a partir de pressupostos teóricos sobre a abordagem do tema em
pesquisas científicas, de forma que esta referência "não é mera
repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia
o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a
conclusões inovadoras" (MARCONI e LAKATOS, 2002, p.71).
Segundo Gil (2002), a pesquisa bibliográfica caracteriza-se
por ser elaborada a partir de material já publicado, tais como livros,
artigos de periódicos e material disponibilizado em sites específicos
voltados às temáticas abordadas. Para o presente trabalho, foram
consultados livros e artigos científicos de autores que contribuíram
para uma reflexão sobre os conteúdos referentes aos Direitos
Humanos, à Educação em Direitos Humanos, e à função social e
educadora da mídia.
As fontes de pesquisa incluem sites que disponibilizam teses,
dissertações e demais produções científicas, como o Sistema
Integrado de Bibliotecas da USP (SIBiUSP) - responsável pela gestão
da informação, da produção intelectual e das bibliotecas
institucionais da USP, e o portal de periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que reúne
artigos, periódicos e demais produções acadêmicas. Além disso,
utilizamos a base de dados do Scientific Electronic Library Online
(Scielo), que abrange diversos periódicos científicos.
Elegemos para a análise cinco telejornais das principais
emissoras de TV abertas de amplitude nacional: Jornal da Cultura, da
TV Cultura, que é de emissora estatal; Jornal Nacional, da Globo, que
é o telejornal de maior audiência no país; Brasil Urgente, da Band, que
34 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

possui formato “policialesco”; SBT Brasil, do SBT, canal conhecido por


ter caráter “popular”; e Jornal da Record, da Record, que é de emissora
religiosa aberta. Os telejornais são assistidos diretamente nos canais
ou nos sites das emissoras, quando disponibilizados.
Para a análise dos telejornais, utilizamos a metodologia
proposta por Ramalho et al. (2017). O período analisado é de um
semestre: de julho a dezembro de 2018. A amostra de telejornais foi
feita a partir da técnica de semana construída (Krippendorff, 1990;
Stempel, Westley, 1989), em que o universo a ser observado é
reduzido sem que se comprometa a representatividade estatística.
Cada bimestre é representado por uma semana construída de
cada telejornal, em que os dias da semana serão sorteados
aleatoriamente (os mesmos dias para os cinco noticiários). Assim, a
amostra total englobará três semanas construídas de seis dias
(segunda a sábado), ou seja, 18 edições de cada telejornal,
totalizando 90 edições.
Após definidas as edições para análise, é preciso selecionar as
matérias relacionadas a direitos humanos, que serão submetidas à
análise de conteúdo. Para isso, elaboramos critérios para definir as
características que a matéria jornalística deverá apresentar para se
encaixar no objeto desta pesquisa.
Para a constituição deste corpus, usamos a regra da
representatividade, visto que “as pesquisas sociais, de forma geral,
abrangem um universo de elementos tão grande que se torna
impossível considerá-los em sua totalidade, sendo necessário
trabalhar com uma amostra” (FONSECA JÚNIOR, 2008, p. 292).
O processo de registro de notícias relacionadas aos Direitos
Humanos está sendo feito por meio da identificação de oito palavras
que representam os Direitos Humanos e seus princípios: (1) Direitos
Humanos (ou direitos fundamentais/direitos naturais quando
usados no sentido de direitos humanos), (2) dignidade, (3)
igualdade, (4) liberdade, (5) fraternidade e solidariedade, (6)
diversidade, (7) democracia e (8) laicidade. A fim de analisar o
conteúdo das notícias, elaborou-se uma ficha de codificação,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 35

conforme proposto por Fonseca Júnior (2008), cujo objetivo é


analisar de forma objetiva as notícias veiculadas pelos telejornais no
período escolhido. Os dados obtidos por meio deste instrumento
contribuirão para a análise técnica das notícias, possibilitando uma
leitura quantitativa e sistemática.
Esta ficha está estruturada em sete partes distintas, cada qual
com uma dimensão, e foi baseada e adaptada do protocolo
estabelecido por Ramalho et al. (2012). Assim, as matérias serão
analisadas nas fichas de codificação levando-se em conta:
características gerais; relevância; tema; tratamento; atores;
localização e observações sobre a notícia.

Resultados esperados

Após ser realizada a codificação das notícias referentes aos


telejornais escolhidos no período mencionado, todas as folhas de
codificação serão reunidas e sistematizadas, para que os dados
sejam analisados. Fonseca Júnior (2008, p. 295) explica que, para
uso da ficha de codificação, “o codificador irá colocar seu julgamento
para cada código na célula designada. Uma vez completa a
codificação, todas as folhas de codificação são juntadas e seus dados
transferidos para um computador visando à análise dos dados”.
A partir de então, será possível reunir os dados obtidos e
elaborar gráficos e estatísticas para quantificar a abordagem dos
Direitos Humanos e seus princípios nos telejornais. A partir destas
estatísticas, poderemos traçar como os noticiários enfocam o tema
e quais são os assuntos mais recorrentes.
Com o levantamento bibliográfico já realizado, foi possível
entender a dinâmica da televisão no cotidiano popular brasileiro e seu
papel educativo em relação aos Direitos Humanos. Com os resultados
parciais, foi possível construir adequadamente a ficha de codificação
para análise dos telejornais e elaborar um artigo científico.
Desde julho, iniciou-se a fase de coleta e análise dos
telejornais. Até dezembro será possível ter panorama completo da
36 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

análise de conteúdo para que, em 2019, seja possível analisar


adequadamente como os telejornais abordam os Direitos Humanos
e se estão cumprindo o papel de educador social.

Conclusões

A Educação em Direitos Humanos (EDH) é um compromisso


internacional datado do século XX, desde que a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (ONU, 1948) foi proclamada pela ONU e
afirmou em seu preâmbulo a importância da educação para os
Direitos Humanos. No Brasil, o compromisso do Estado com a EDH
tem como marco o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos – PNEDH (BRASIL, 2007).
As respostas aos questionamentos sobre o porquê de se levar
os Direitos Humanos para debate estão presentes em nosso
cotidiano, nos preconceitos, nas discriminações, nas desigualdades
sociais, nas violações de direitos que vivenciamos na sociedade.
Geralmente quando falamos em Direitos Humanos no Brasil,
referimo-nos à reparação de direitos violados. A Educação em
Direitos Humanos possibilita atuar numa outra via, a da promoção
e conscientização sobre os mesmos.
Neste contexto, sabe-se que a mídia, como educadora
informal, tem papel social de educar em Direitos Humanos e ocupa
um dos eixos do PNEDH (BRASIL, 2007). A partir deste cenário,
buscou-se desenvolver uma visão crítica de como a mídia lida com
os Direitos Humanos no cotidiano social.

Referências

ALARCON, Anderson de Oliveira. A televisão e o instituto da concessão


pública. 2005.

Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7654/a-televisao-e-o-instituto-da-


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Políticas públicas sociais e os desafios para o jornalismo. São Paulo:
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38 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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2

A aprendizagem da docência a partir de uma


experiência de formação inicial utilizando
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)

Mariana de Oliveira
Marina Ferreira
Rosemary Rodrigues de Oliveira

Introdução

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de


Ciências Naturais (PCN) enfatizam que um dos objetivos do Ensino
Fundamental no Brasil é o de contribuir para a formação de
cidadãos capazes de participar de modo ativo e consciente da vida
política e social do país, visando atitudes solidárias e democráticas.
Para tanto, de acordo com o documento oficial, a escola deve
possibilitar práticas que estimulem a tomada de decisão, o
posicionamento crítico, responsável e construtivo, tanto em ações
individuais quanto coletivas (BRASIL, 1998).
Dentro dessa perspectiva, o ensino de Ciências Naturais se
configura como uma das áreas do saber responsáveis pela
reconstrução das relações entre os seres humanos e a natureza,
possibilitando ao estudante a compreensão da vida humana de
modo geral, e si próprio de modo específico, desenvolvendo assim
uma “consciência social e planetária” (BRASIL, 1998), ou seja, a
consciência de que Terra e ser humano formam um único
organismo e cabe a nós nos reconciliarmos com as leis que regem
este complexo biológico.
42 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

As questões relativas à situação crítica ambiental pela qual o


nosso planeta está passando é ressaltada pela comunidade científica
e muito discutida em vários meios de comunicação. Cachapuz et. al.
(2005), relatam como é crescente o número de autores, ONG´s e
encontros (governamentais e científicos), que vem se preocupando
em alertar a humanidade sobre a emergência da situação planetária.
Para que a inserção da questão ambiental no processo de
ensino não se reduza a conteúdos que enfoquem apenas o ambiente
natural distante dos alunos e se mostre capaz de contribuir para a
formação de estudantes conscientes dos problemas ambientais
locais e globais, é necessário que os docentes possibilitem a esse
aluno um processo de ensino-aprendizagem que valorize uma ação
educativa problematizadora, que ressalte a importância dos
recursos naturais; que crie situações nas quais o estudante possa
exercitar procedimentos como os de compreender, refletir, analisar,
questionar e julgar os problemas do seu cotidiano correlacionando-
os com os problemas globais, ou seja, compreender não apenas as
questões próximas a ele, mas também as ações humanas que afetam
o planeta como um todo (SANTANA; SANTOS, 2009).
Desse modo, faz-se necessário que o professor elabore
estratégias para a construção de sua aula que despertem o interesse
e que envolvam o aluno diretamente no processo de ensino e
aprendizagem.
A literatura revela que as Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC), se configuram em estratégias de intervenção
que permitem a avaliação sob uma perspectiva processual, incluindo
as fases de planejamento, e desenvolvimento, podendo proporcionar
aos alunos um maior envolvimento com o assunto a ser trabalhado,
despertar o interesse e a curiosidade do mesmo sobre o conteúdo e
consequentemente possibilitar uma aprendizagem mais
significativa.
Para tanto cabe ao professor elaborar atividades que devem
ter como pressuposto o contexto social no qual o aluno está inserido,
o que ele sabe sobre o conteúdo a ser ministrado e a busca de fontes
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 43

confiáveis e variadas para fundamentar teoricamente o que vai


ensinar.
De acordo com Gutierrez (1978) apud Arroio e Giordan
(2006), os recursos audiovisuais são motivadores dos processos
educacionais, permitindo que as ideias possam ser percebidas e
sentidas de diferentes formas. Os vídeos, muitos deles ancoradas em
plataformas como o YouTube®, podem estimular a curiosidade e
motivar os educandos no estudo de diferentes temáticas, servindo
como uma ferramenta de auxílio e organização do ensino e, ainda,
permitem a promoção de competências que influenciem na visão
crítica de mundo dos alunos (ARROIO; GIORDAN, 2006). Além
disso, com o auxilio do recurso audiovisual, o docente pode fazer uso
de atividades em grupo que, por sua vez, influem na constituição
dos sujeitos, uma vez que seu aprendizado e os processos de
pensamento são mediados pela relação com o outro, permitindo
assim a formação de raciocínios individuais e de modificações de
pensamento.
Frente ao exposto, o objetivo do presente trabalho foi o de
analisar uma experiência de formação inicial de licenciandas,
futuras professoras de Ciências, em um recorte de quatro aulas de
uma sequência didática sobre a temática “poluição do ar, do solo e
da água”, utilizando o desenvolvimento de vídeos pelos alunos, a
serem ancorados na plataforma YouTube®, como estratégia de
ensino. Buscou-se averiguar se a forma de interação entre os
educandos e as licenciandas foi capaz de estimular a crítica, a
sensibilidade e a criatividade no processo de confecção dos recursos
audiovisuais.

Metodologia

O presente trabalho se caracteriza como uma investigação


qualitativa na qual o estudo de caso fora a metodologia de pesquisa
utilizada. Tal metodologia compreende a investigação minuciosa de
um contexto ou de um indivíduo, de uma fonte particular de
44 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

documentos ou de um fato específico (BOGDAN; BIKLEN, 1994).


Segundo Lüdke e André (1986) e Chizzotti (2006), o estudo de caso
possui limites claramente definidos, uma vez que representa uma
unidade dentro de um contexto mais amplo e, a princípio, não
tenciona generalizações. Todavia, nenhum caso se encontra isolado
e, sendo assim, as singularidades do contexto em estudo podem
revelar, posteriormente, semelhanças com outros casos.
As características associadas às pesquisas do tipo estudo de
caso se sobrepõem aos pressupostos da investigação qualitativa.
Dentre tais aspectos, Lüdke e André (1986) destacam que as
pesquisas do tipo estudo de caso: (1) objetivam a descoberta, estando
o pesquisador atento a novos elementos que possam surgir no
decorrer da investigação; (2) enfatizam a interpretação do caso à luz
do contexto no qual está inserido; (3) evidenciam a complexidade
das situações pesquisadas, retratando-as em profundidade; (4)
fazem uso de variadas fontes de informação; (5) permitem, a
posteriori, generalizações naturalísticas; e, (6) abarcam diferentes
perspectivas sobre o contexto em estudo.
No final do segundo bimestre de 2017 foi distribuído aos
estudantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
e após a devolutiva do mesmo, com o objetivo conhecer as
concepções prévias dos estudantes, foi solicitado que os mesmos
respondessem a um questionário. A partir das respostas dadas
pelos estudantes foi organizada a sequência de ensino. Tal
sequência foi aplicada no segundo semestre de 2017, sendo esta um
dos pré-requisitos para aprovação nas disciplinas de Estágio
Supervisionado e Metodologia de Ensino de um curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas de uma Universidade pública
do interior paulista.
A pesquisa foi desenvolvida em uma escola estadual do
interior paulista, com aproximadamente 28 estudantes, com idades
entre 11 e 12 anos em uma turma de sexto ano do período
vespertino. A sequência didática teve início no terceiro bimestre do
ano letivo de 2017. Foram realizados dezesseis encontros. Destes,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 45

foram realizadas atividades didáticas com o uso de vídeo em quatro


aulas: aulas 11, 12, 14 e 15. Nas duas primeiras, os alunos foram
orientados acerca de como elaborar um vídeo de até cinco minutos
a respeito da temática desenvolvida durante a sequência. Ainda,
nessas aulas, foram apresentados a eles exemplos de vídeos
disponíveis no YouTube®. As aulas 14 e 15 foram destinadas às
apresentações dos vídeos elaborados pelos alunos.
Para a coleta de dados, foi utilizado diário de campo, gravação
em áudio e vídeo de todas as aulas e documentos produzidos pelos
alunos (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Foram realizadas transcrições
referentes às gravações que, de acordo com Queiroz (1983),
permitem ao pesquisador refletir sobre sua experiência e
aprofundar suas observações.

Resultados e discussão

Nessa sessão será apresentada uma reflexão acerca das


escolhas efetivadas por nós, licenciandas, durante o
desenvolvimento de quatro aulas da sequência didática. O estágio de
regência se configura em um momento delicado de sensibilização de
futuros professores. Nesse sentido, a pesquisa realizada por Santos
e Freitas (2009), afirma que esse momento de formação na prática,
oferecido pelo estágio supervisionado, propiciará o início da
construção do pensamento e dos saberes práticos do professor, e
que isso poderá ser responsável por sua conduta em sala de aula.
As autoras reiteram ainda que os próprios licenciandos
reconhecem a importância do estágio por este proporcionar a
mobilização do aprendizado acadêmico e a descoberta de novos
conhecimentos. Santos e Freitas (2009) acreditam ainda que o
principal conhecimento adquirido durante o estágio, e talvez o mais
importante, seja exatamente o que as autoras chamam de “saber da
realidade”.
Como resultados, destacam-se três momentos significativos:
participação ativa dos alunos na atividade, mesmo diante de
46 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

momentos de indisciplina; problemas na compreensão e realização


da atividade, alguns grupos optaram por não fazer vídeos ou não
conseguiram trabalhar em grupo e, por fim, os elogios dos alunos
ao trabalho dos colegas.
Nas aulas 11 e 12, os alunos foram orientados a formar grupos
e foram dadas as instruções de como deveria ser realizada a
atividade. Os estudantes ficaram bastante interessados com os
exemplos de vídeos já postados na plataforma YouTube® por
alunos de outras escolas. O YouTube® é um serviço gratuito de
partilha que permite ao utilizador publicar, ver e compartilhar
vídeos da sua autoria, ou de outros utilizadores. Esta ferramenta
fornece um espaço de partilha, informação e feedback a todos os
utilizadores da rede (GREENHOW, 2007).
Inicialmente os alunos ficaram empolgados com a atividade,
combinando com seus pares sobre como fariam seus próprios
vídeos. Até esse momento, os resultados foram ao encontro dos de
Silva (2008), quando afirma que o trabalho em grupo dá a
oportunidade de o aluno se expressar socialmente, seja pela
comunicação, seja pela troca de interesses pessoais, até mesmo na
convivência, que pode ser trabalhada por meio dessa estratégia de
ensino. Acreditamos que essa empolgação inicial tenha se dado pelo
fato de que muitos indivíduos já conheciam a ferramenta.
O YouTube® tem potencial educativo por possuir vantagens
associadas a ele tais como: grande quantidade de informações
disponíveis; existência de programas educativos e documentários
que podem ser utilizados na educação; facilidade em concentrar
informações para enriquecimento das pesquisas; disponibilização de
informações de forma gratuita; capacidade de busca por vídeos
vinculados ao mesmo tema; facilidades de acesso, ou seja, todos
podem visitar, bem como inserir vídeos; número considerável de
acessos, conforme se pode constatar no número de exibições
disponível em cada vídeo do site; facilidade de utilização; desperta a
curiosidade; permite o comentário nos vídeos colocados por outros
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 47

colegas; possui uma gama muito variada de vídeos educativos,


informativos e animados entre outros aspectos.
Entretanto, entre o entusiasmo observado entre as aulas 11 e
12 e a apresentação dos trabalhos nas aulas 14 e 15 pudemos
observar uma dificuldade na condução das atividades. Nem todos os
grupos de alunos realizaram a atividade conforme combinado. Dos
sete grupos de estudantes, três não produziram vídeos conforme
solicitado. Um grupo apresentou um cartaz, com informações e
poemas acerca da poluição do ar, do solo e da água copiadas da
Internet, cuja apresentação foi filmada de última hora pelas
licenciandas. Dois outros grupos cantaram e dançaram uma música
sobre o tema, sendo também filmados pelas licenciandas.
Os três grupos restantes levaram seus vídeos prontos, sendo
que em um deles os integrantes do grupo escolheram como cenário
do vídeo um local poluído do município e, nos outros dois, os alunos
elaboraram paródias sobre o tema e as cantaram, inclusive
colocando legendas com a letra da música no vídeo.
Destacamos que nos dois grupos que apresentaram as
paródias, ficou evidente que não ocorreu verdadeiramente trabalho
em grupo, inclusive um dos alunos relatou que prefere fazer
trabalhos individualmente, não conseguindo realizá-los com
colegas.
Por fim uma aluna, que não realizou a atividade, entregou por
escrito um roteiro de como teria feito o vídeo, explicando suas ideias.
Como observado nos resultados acima descritos os
estudantes, de um modo geral, embora tenham se entusiasmado
inicialmente com a proposição de confecção de vídeos, não se
comprometeram totalmente com a proposta. Acreditamos que isso
possa ter ocorrido pelo fato de termos desconsiderado a função do
professor como mediador, como aquele que orienta e que conduz o
processo por meio de questionamentos. A respeito dessa mediação,
Rosa (2004, p. 56) também ressalta que:
48 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

[...] não adianta colocar o aluno em frente ao computador sem que


haja qualquer tipo de mediação de um professor, pois, dessa forma
não ocorrerá um encaminhamento pedagógico. O computador é
um meio que é utilizado pelo mediador e não o próprio mediador,
no sentido de educador.

Sendo assim, temos o aluno como um ser que é capaz de


construir suas próprias estruturas intelectuais a partir da existência
de encaminhamentos mediadores. Caberia a nós, licenciandas “[...]
estimular atitudes e promover um ambiente de investigação”
(ALLEVATO, 2005, p. 93), através de questões por nós levantadas.
Bicudo e Rosa (2010, p. 53), afirmam que é importante
avançarmos em pesquisas que sustentem o uso desses recursos - as
redes sociais na internet, entre elas o YouTube® - pois, para as
autoras,

[...] devemos investigar esses recursos e sua aplicabilidade,


buscando [...] utilizar esses novos mecanismos de informação e
comunicação, que são de interesse geral, como aliados ao
processo de ensino e aprendizagem de práticas cotidianas e, a
partir de uma análise crítica, revelar à sociedade acadêmica e à
sociedade como um todo, os resultados constatados em relação a
esse uso (BICUDO; ROSA, 2010, p. 53, grifo nosso).

Destacamos o grifo na citação direta acima pois a Tecnologia


da Informação e Comunicação (TIC) é uma aliada à aprendizagem e
não o próprio processo de aprendizagem. Se não auxiliarmos o
aluno a estabelecer relações diversas com os momentos antes –
durante – após a elaboração do vídeo, a saber: definição do tema,
planejamento, execução e avaliação, o estudante não irá aprender os
conteúdos específicos das Ciências que eram objetivo da atividade.
Após análise de nossos diários de campo acreditamos que
para que o processo tivesse sido efetivo deveríamos ter investido
mais tempo nas ações de descrição escrita das ideias (roteiro do
vídeo), envolvidas no ato de projetar (a descrição do produto, dos
atos que devem ser tomados para a construção do mesmo e etc.)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 49

bem como a ação de reflexão/discussão, em que é admitido o


construir em conjunto, promovido pelo debate de ideias, que pode
provocar um processo reflexivo em que é possível considerar outras
opiniões do grupo.
Por consideramos que os alunos são capazes de construir suas
estruturas intelectuais, deixamos a critério dos mesmos a opção de
como desenvolver os vídeos com o YouTube® e o que desenvolver
em cada um deles, de forma que o tema pudesse ser estudado por
meio do uso dessas TIC. Assim, acreditamos que o espaço para a
criatividade, para a interação, debates e, ainda, para o crescimento
intelectual e pessoal, estaria aberto.
Se tivéssemos elaborado a proposta numa estrutura
investigativa, poderíamos ter observado, dentre outros aspectos, o
processo de desenvolvimento e produção dos vídeos, os métodos e
as técnicas utilizadas pelos alunos, as potencialidades e as
fragilidades do processo. Poderíamos ter auxiliado o estudante a
compreender a importância de escreverem seus próprios roteiros e,
principalmente, observar algumas unidades de significações, por
meio das ações dos estudantes, que nos ajudariam a responder os
questionamentos que surgiriam. Desse modo, temos como principal
contribuição dessa pesquisa uma pergunta para uma nova pesquisa,
a saber: como o processo de construção de vídeos com YouTube®
pode contribuir com o ensino e aprendizagem de ciências, em
relação ao conteúdo de poluição?
Finalizadas as apresentações, foi discutido com os educandos
sobre as dificuldades encontradas na realização da atividade, o que
fariam de diferente, se gostaram de fazê-la e o que aprenderam
durante o processo. Todos participaram ativamente falando ao
mesmo tempo, o que ressalta a afirmação de Patrício (2011), de que
a discussão é um recurso que fortalece os princípios propostos e
promove maior integração entre os participantes.
Os vídeos, as apresentações e a escrita dos alunos foram
avaliados tendo como base a participação nas aulas 11 e 12 e o esforço
empreendido, considerando a comparação entre o que os educandos
50 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conseguiram conquistar de progresso em seu processo de


conhecimento e quais eram os objetivos pretendidos pelas
licenciandas (SANT’ANNA, 2002), a fim de finalizar a atividade com
a certeza de que estes foram cumpridos.
A experiência de confeccionar e desenvolver junto aos uma
sequência didática, propiciou que novos saberes sobre a futura
profissão e sobre nossa prática pedagógica fossem por nós
construídos. Porlán e Rivero (1998), afirmam ser necessário que esse
processo de construção de saberes ocorra através da reflexão
profissional sobre a prática, sobre o seu fazer e, os estágios de
observação e regência bem como as discussões na disciplina de
Metodologia de Ensino nos permitiram oportunidades de reflexão
sobre o nosso fazer, sobre a nossa prática, ocorrendo uma revisão dos
conteúdos específicos da área de Ensino de Ciências vistos durante o
processo formativo na Universidade associada à revisão de conceitos e
crenças pessoais. Nas palavras de Carvalho e Gil-Peres,

[...] ao se propiciar aos professores a oportunidade de um trabalho


coletivo de reflexão, debate e aprofundamento, suas produções
podem aproximar-se aos resultados da comunidade científica.
Trata-se então, de orientar o trabalho de formação dos professores
como uma pesquisa dirigida, contribuindo assim, de forma
funcional e efetiva, para a transformação de suas concepções
iniciais. (CARVALHO; GIL-PERES, 2001, p. 15)

Nossas reflexões iniciais sobre nossa prática pedagógica e


consequentemente, a produção de saberes produzidos durante essa
prática, as dúvidas e angústias vivenciadas, as escolhas efetivadas,
as descobertas de si enquanto sujeito-professor que se relaciona com
o conteúdo, com o aluno e com o entorno escolar, todos esses
aspectos enfrentados pelo docente em início de carreira, incluindo-
se aí a aprendizagem de resolução de conflitos, não estão
desvinculadas do universo no qual estão inseridas e de suas relações
ou, como bem explicita Charlot:
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 51

[...] não há saber senão para um sujeito, não há saber senão


organizado de acordo com relações internas, não há saber senão
produzido em um ‘confronto interpessoal’. Em outras palavras, a
idéia de saber implica a de sujeito, de atividade do sujeito, de
relação do sujeito com ele mesmo, de relação do sujeito com os
outros que co-constróem, controlam, validam, partilham esse
saber (CHARLOT, 2000, p. 61).

Conclusão

Os educandos inicialmente se empolgaram com a forma de


abordagem do conteúdo, a saber a utilização do recurso audiovisual
em sala de aula, se mostrando interessados em fazer, apresentar e
assistir ao trabalho dos colegas. O uso do vídeo em sala de aula
estimulou os alunos a buscar informações e aprender, a maioria se
sentiu motivada em apresentar uma produção autoral, cabe
destacar que os conteúdos específicos trabalhados em sala de aula
se mostraram explícitos nas letras de música elaboradas por dois
grupos, o que demonstrou o entendimento da temática.
No que tange a formação de professores, reconhecemos a
importância que a disciplina Estágio Supervisionado e Metodologia
de Ensino possuem para iniciar o futuro professor na vida escolar,
evitando uma ruptura brusca entre a condição de estudante e a de
professor. Essa experiência foi a responsável por mostrar um pouco
de como é a vivência cotidiana de um professor, e das diversas
situações que este encontra tanto dentro como fora da sala de aula.
Na medida em que estamos inseridas na realidade escolar,
nos aproximamos dos sujeitos pesquisados, e vivenciamos pela
primeira vez o papel de professoras, conseguimos refletir sobre o
desenvolvimento das atividades realizadas com os vídeos e criticar
nossa própria prática, pensando em alternativas para modificações
futuras. Reconhecemos que a atividade de construção de vídeos,
além de desenvolver as competências de informática, tem potencial
para estimular a criatividade, a síntese de ideias, a pesquisa, bem
como a curiosidade dos alunos sobre os conteúdos escolhidos.
52 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Observamos que os alunos sentiram-se orgulhosos com o resultado


de seu próprio vídeo ou do vídeo dos colegas.
Ainda, conseguimos refletir sobre o desenvolvimento das
atividades realizadas com vídeos e criticar nossa própria prática,
pensando em alternativas para modificações futuras e para uma
nova pesquisa: como o processo de construção de vídeos com
YouTube® pode contribuir com o ensino e aprendizagem de
Ciências em relação ao conteúdo de poluição?
É indispensável, portanto, que o professor conheça as
potencialidades da ferramenta para poder decidir se a mesma se
adequa melhor ao ritmo e ao estilo de aprendizagem de cada grupo
ou aluno específico e organize todo o processo de desenvolvimento
e produção dos vídeos, os métodos e as técnicas utilizadas pelos
alunos, as potencialidades e as fragilidades desse processo de modo
a intervir positivamente no mesmo.

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3

A concepção dos gestores e professores da escola


regular sobre o atendimento educacional especializado

Érika Volpe Marangoni


Solange Vera Nunes de Lima D’ Água

Introdução e justificativa

“Que as coisas continuem como antes, eis a catástrofe! ” Diz a


frase de Walter Benjamin, com a qual início este projeto. A
inspiração para ele surge então com a experiência do pesquisador,
vivida ao longo dos últimos seis anos de trabalho destinado à
Educação Especial. Na carreira docente, iniciou como professora de
Matemática do Ensino Fundamental II (anos finais) no estado do
Mato Grosso, no ano de 2005, em uma escola agrícola. Teve como
primeiras experiências a diversidade, a partir de trabalhos com
turmas de crianças heterogêneas que eram formadas por alunos da
zona rural, zona urbana, e de comunidades assentadas nas
proximidades da escola, esta contando também com alguns índios.
Em 2012, ingressou como professora de Ensino Fundamental
I (anos iniciais) no município de São José do Rio Preto, participando
em seguida de processo de seleção como professora de Atendimento
Educacional Especializado1. Tal experiência oportunizou a vivência
de trabalho com alunos com deficiência, público alvo da Educação
Especial, em Sala de Recursos Multifuncionais – sendo observada,
nesse período, a dificuldade de compreensão dos demais professores

1
Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009 (MEC)
56 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

e gestores da escola comum em relação ao trabalho proposto e


desenvolvido pelo Núcleo de Atendimento Educacional
Especializado (NAEE).
A possibilidade de trabalho do NAEE na escola regular incidia
a busca constante do auxílio pelos professores da sala de aula
regular, junto ao professor especialista, requerendo desses
profissionais possíveis recursos e soluções para os alunos com baixo
rendimento escolar.
No ano de 2017, foi convidada a atuar na Gerência de
Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação; trata-se de
um departamento responsável pela organização e regularização dos
serviços na representatividade desta modalidade de ensino. A partir
desta nova experiência, foi possível constatar que as observações em
sala de aula agora se potencializavam em nível macro, expandidas
por meio de atitudes e comportamentos dos professores da rede
pública municipal. A crença desses profissionais residia no fato de
que o insatisfatório desempenho acadêmico dos alunos da escola
comum estava comumente relacionado a questões de deficiência
intelectual, sendo requerido constantemente o trabalho do NAEE e
de seus profissionais.
Sabe-se que a forma de pensar do indivíduo moderno sofre
influências do meio em que vive, do ato de descobrir, do criar e do
refletir, fazendo com que as certezas se transformem em
questionamentos. Tempos estes, em que a relação com o
conhecimento experimenta mudanças advindas do diferente,
articulando o singular e o plural. A fim de acompanhar tais
transformações, é necessário ter uma visão crítica e ampla de novas
formas de ensinar e de aprender, especialmente em um ambiente
escolar. E é com base neste quadro que a Educação Inclusiva no
Brasil se instaura (ou, pelo menos, deve se instaurar), revelando que
todos podem aprender, uma vez que lhes sejam ofertadas condições
adequadas, num ambiente menos restritivo e comprometido com
transformações sociais e escolares.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 57

No contexto atual, surge a pergunta: a escola contemporânea


atende aos requisitos para promover uma educação de qualidade? O
que de fato é compreendido como qualidade? O termo inclusão ou
educação para todos, no ambiente escolar, implica, portanto,
propostas de ensino que atendam às exigências da sociedade atual,
sem espaço para preconceitos e discriminação entre os indivíduos,
promovendo a interação de todos com o mundo.
Reconhecer a diversidade e suas singularidades é tarefa básica
de todos aqueles que lidam com o humano; desta forma, o professor
na sala de aula precisa estar atento, percebendo seu aluno, a partir
da realidade em que vive, suas complexidades e suas possibilidades.
O não aprendizado no tempo regular, necessariamente, não
caracteriza fator interno (deficiência) de ordem patológica ou
biológica. A dificuldade pedagógica, de ensino ou de aprendizagem,
implica em fatores internos e externos ao contexto da criança,
podendo ser relacionado diretamente às metodologias inadequadas
propostas, ou à pouca significação dos currículos escolares. Para
Patto (2015, p. 15), estudiosa sobre as causas e os efeitos da exclusão
social, indica que:

... a experiência escolar é avaliada sem que a escola considere a


maneira como ela mesma se relaciona com a subjetividade do
aluno. Diretores, professores, orientadores educacionais,
assistentes pedagógicos, psicólogos e médicos – no processo de
estigmatizar e discriminar o aluno, quase sempre rotulado como
“deficiente mental”.

Dessa maneira, pensar a inclusão demanda uma alteração de


postura frente ao processo de ensino e de aprendizagem, com a
intenção de encontrar possibilidades de fazer acontecer a construção
de conceitos que subsidiem a prática pedagógica. Nesta perspectiva,
a condição de professor é ressignificada, todos são aprendizes,
havendo possibilidades inúmeras de criar e recriar por meio da
mediação nas relações.
58 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O modelo apresentado pelas políticas públicas propõe a


Educação para todos, sem distinção. “O direito de cada criança à
educação é proclamado na Declaração Universal de Direitos
Humanos e foi fortemente reconfirmado pela Declaração Mundial
sobre Educação para Todos” (UNESCO, 1994, p.3).
A organização linear e homogênea, à qual a escola regular foi
sedimentada, acaba por criar uma pseudo ilusão de que todos os alunos
aprendem no mesmo tempo e da mesma forma, e neste caso, muitos
professores se frustram quando essa expectativa não é alcançada.
Compreendendo que a escola e as pessoas que nela se inserem
são reais, não existe uma prescrição a priori que possa servir de
bula; reconhece-se que não há uma única forma que garanta o
atendimento pleno do aluno que apresente características
diferentes, principalmente aquele com dificuldade de aprendizagem
nas atividades pedagógicas. Nesses casos, é comum que o professor
faça questionamentos do porquê o aluno não aprende e a hipótese
inicial remete-se à sinalização de que há algo errado, e
possivelmente pode estar relacionado a uma deficiência. Eis que:

As comparações entre o “eu” e o “outro” ocorrem numa dimensão


de alteridade comprometida pelo modelo clínico ou pelo modelo
matemático que, segundo a teoria dos conjuntos, organiza e separa
os grupos em função de suas características diferenciadas. Dizendo
com outras palavras, trata-se da lógica da exclusão, pois a
indesejável comparação entre pessoas é feita em torno de certos
indicadores que “eliminam” aquelas que não se encaixam porque
fogem ao padrão estabelecido (CARVALHO, 2016, p.42).

Nesse caso, o sistema binário faz-se presente na educação,


‘normal e anormal’, mesmo que de forma velada, são estigmas que
se tornam reincidentes na escola e na sua organização. Deste modo,
sem que haja uma investigação mais aprofundada ou que se
esgotem as possibilidades de intervenção, este aluno é encaminhado
para o Atendimento Educacional Especializado – AEE, com o anseio
que seguidamente ao adentrar no plano de apoio individual o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 59

mesmo voltará “curado” após alguns meses de “reforço”, uma vez


que toda e qualquer discrepância diferenciada dos demais (dentro
de certos padrões adotados pela escolar regular) que seja notada na
criança acaba sendo motivo de encaminhamento para o professor
especialista que atua na Educação Especial.
De acordo com Tardif e Lessard (2011, p.31), “ensinar é
trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres
humanos. Esta impregnação do trabalho pelo objeto humano
merece ser problematizada por estar no centro do trabalho
docente”. Assim, ao eximir-se da realidade escolar, compactuamos
com o insucesso do aluno. Este, por sua vez, permanece inserido na
escola por penosos nove anos ou mais, alheio, desconfortável,
excluído das possibilidades que indiretamente lhe são negadas, ou
então, como pondera Bader (2001, p.9), “é constantemente incluído,
por mediações de diferentes ordens, nó que o exclui, gerando
sentimento de culpa individual pela exclusão”.
Diante deste contexto tão habitual e corriqueiro nas escolas de
educação básica, vai-se desvelando o objeto de pesquisa deste
trabalho, que busca investigar quais conceitos ou concepções este
professor de sala de aula regular tem a respeito do AEE, já que, nos
sistemas de ensino, muitos alunos, acabam por ficar a deriva, de
certa forma marginal a atual conjuntura educacional.
O modelo de sociedade industrial, a formação padronizada e
em série, durante muito tempo, serviu como parâmetro nas escolas
para que os estudantes fossem formatados e condicionados à
reprodução sem maiores questionamentos. Porém, com as
mudanças e novas demandas da sociedade contemporânea, com o
advento das tecnologias, da sociedade da informação e o
reconhecimento da pluralidade global essa condição de alterou
significativamente.
Mantoan, Prieto e Arantes (2006, p.40) observam que “a se
contrapor ao referido modelo, o objetivo da inclusão escolar é tornar
reconhecida e valorizada a diversidade como condição humana
favorecedora da aprendizagem”, deste modo, as limitações do sujeito
60 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

não podem servir de impedimento para que ele esteja integrado ao


sistema educacional, mas, contrariamente, o reconhecimento de sua
condição possa indicar à escola suas necessidades específicas.
A capacidade do aprendizado não pode restringir-se aos
conteúdos acadêmicos programados, pois, ainda conforme afirma
Mantoan (2004, p17) “a exclusão escolar manifesta-se das mais
diversas e perversas maneiras, e quase sempre o que está em jogo é
a ignorância do aluno diante dos padrões de cientificidade do saber
escolar”.
Para essa autora, não é possível praticar inclusão dentro de
uma escola de preceitos tradicionais. Podemos constatar essa
afirmação quando nos deparamos com as queixas apresentadas
pelos professores de sala de aula que se manifestam através de suas
angústias ao não atingirem as metas propostas no currículo definido
pelo sistema de ensino. Contudo, não se trabalha a diversidade com
base no aprendizado de conteúdos programados, contrariamente,
cada aluno tem um tempo de aprendizagem, um repertório
individual que se relaciona ao ambiente em que vive, por meio de
sua cultura, sua história e a sua vida social.
Considerando que nosso país é constituído por pessoas de
características multiculturalistas, é inegável a necessidade do
reconhecimento da diversidade e ao mesmo tempo é fundamental a
negação da noção de identidade fixa. A grande variedade das
identidades culturais, que se relacionam, a: classe, gênero, etnia,
raça, padrões culturais e nacionalidade devem ser consideradas em
práticas pedagógico-curriculares, voltadas à construção de uma
sociedade democrática, participativa e crítica, que prime pelo
desenvolvimento da cidadania.
Assim:

As representações mentais do indivíduo, as ideias sobre o outro, o


entendimento das situações humanas de conflito, as imagens que
elaboramos de nós com respeito aos demais, devem ser
consideradas. Esse é o terreno da educação. A cultura é algo que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 61

caracteriza grupos humanos diferenciados e que cada indivíduo


assimila de forma particular (SACRISTÁN 2007, p.20).

Os alunos com deficiência ou dificuldade de aprendizagem


não sentem diretamente sua desvantagem em relação às outras
crianças. Esta condição e suas restrições são apontadas pela
sociedade a partir de atitudes discriminatórias e preconceituosas.
D’Água (2011) registra que a inquietude, a insatisfação, o desejo
desenfreado por mais, quer seja, na ordem material, quer seja nas
realizações pessoais impregnam o homem de nosso tempo. Nesse
sentido, a reflexão, o olhar cuidadoso, as possibilidades de
construção e reconstrução devem ser ações corriqueiras nas
relações humanas, e, portanto, na sociedade. Diante dessa
constatação é mister aos profissionais da educação a necessidade de
buscarem soluções que sejam inerentes ao reconhecimento das
necessidades do ser humano.

Sobre a Rede Municipal de Educação de São José do Rio Preto a


ser pesquisada

A pesquisa proposta será realizada na rede pública -


Secretaria de Educação da cidade de São José do Rio Preto, em 05
escolas de Ensino Fundamental – Ciclo I, tendo como sujeitos de
investigação professores que atuam no terceiro ano do ciclo I do
Ensino Fundamental e os coordenadores destas escolas.
A escolha dos professores do terceiro ano se relaciona ao
período em que os alunos são submetidos a realização de avaliações
externas em língua portuguesa, que versam sobre a competência
alfabetizadora desenvolvida ou não nessa faixa etária.
O levantamento realizado na prova ABC em 20122, constatou
que apenas 44,5% das crianças têm aprendizagem adequada em

2
Prova Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização (Prova ABC) – trata-se de parceria da organização
não governamental Todos pela Educação com o Instituto Paulo Montenegro, a Fundação Cesgranrio e
o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), com o intuito de diagnosticar a
62 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

leitura e 30,1% na escrita. Os índices publicados acabaram por


denunciar problemas sérios relacionados a essa etapa do ciclo I e
paralelamente, concorreu para que no Plano Nacional Educação –
PNE, fosse proposto a meta 5 que indica: “alfabetizar todas as
crianças no máximo até o 3º ano do Ensino Fundamental”.
Tais indícios, realçam nossa hipótese, quanto as concepções
manifestas pelos professores quando alunos nessa faixa etária ‘não
dominam a leitura e escrita, conforme currículo prescrito’. Desta
feita, tem-se observado que quando tais aprendizagens não são
alcançadas, no âmbito escolar, torna-se muito recorrente os
professores dessas classes sugerirem que a não aprendizagem da
leitura e da escrita se relaciona alguma condição de deficiência,
recorrendo ao atendimento educacional especializado, o AEE, que é
um serviço da Educação Especial.

Objetivos

O presente projeto se apoia em duas premissas básicas:



O ensino regular pode ser um contexto favorável ao desenvolvimento
e à aprendizagem do aluno se for adotada a perspectiva de educação
inclusiva, não somente nos moldes sugeridos pelas políticas
educacionais, mas em constante atenção para as necessidades de todos
os alunos que estão na escola;
✓ A presença das pessoas com deficiência na escola, por meio do
convívio, da interação e das relações estabelecidas entre os sujeitos da
comunidade escolar, (incluindo professores, profissionais da
educação, comunidade, demais alunos), propiciam o desenvolvimento,
oportunizam a aprendizagem e contribuem para a coletividade.

Com base nessas premissas, temos que:


O objetivo geral é:

aprendizagem com objetivo de criar um indicador para identificar o nível de alfabetização dessas
mesmas crianças ao fim do ciclo I do Ensino Fundamental.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 63

✓ Compreender quais são as concepções dos professores e


coordenadores sobre oAEE.

E, como objetivos específicos:

✓ Investigar quais os conceitos de educação inclusiva são expressos pelos


professores da escola regular e pelo coordenador da unidade escolar;
✓ Reconhecer quais concepções de ensino estão presentes nos processos
de formação de professores oferecidos pela rede municipal e seus
reflexos na realidade escolar;
✓ Identificar as hipóteses dos professores sobre o AEE;
✓ Distinguir intervenções realizadas pelos coordenadores na educação
inclusiva.

Fundamentação teórica e procedimentos metodológicos

Segundo, Silva e Menezes (2001), quanto à classificação da


pesquisa, trata-se de pesquisa aplicada, pois tem como escopo gerar
conhecimentos para aplicação prática, sendo remetida à resolução
de questões específicas.
Em relação à abordagem do problema, pode-se inseri-lo como
parte de uma pesquisa quali-quanti (Kirschbaum, 2013); a escolha
por métodos quali ou quanti é tradicionalmente mediada pelo
debate entre paradigmas de construção de conhecimento, buscando
abranger diagnóstico representativo. Por se tratar de projeto de
pesquisa que visa abranger um número considerável de sujeitos,
acredita-se que os dados estatísticos poderão subsidiar e elucidar
maiores aprofundamentos de análise.
Do ponto de vista de objetivos, trata-se de uma pesquisa
exploratória-descritiva, pois visa retratar e identificar características de
determinada população, através da coleta de dados por meio de
questionários para dos professores e de entrevistas com coordenadores
diretamente envolvidos com o processo de encaminhamento de alunos.
Quanto aos procedimentos técnicos, serão utilizados estudo
bibliográfico e documental, compreendendo a necessidade de angariar
64 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

subsídios que permitam análises e estudos mais aprofundados para o


apoiar desta abordagem (SILVA E MENEZES, 2001).
Quanto aos instrumentos de coleta de dados, pretende-se
utilizar o Survey, ferramenta de questionários on line. Para a
pesquisa com os professores atuantes nos terceiros anos de cinco
escolas de Ensino Fundamental (anos iniciais), aplicar-se-á
questionário de múltiplas escolhas (fechadas, com uma série de
respostas possíveis). Para a pesquisa com os coordenadores, será
realizado entrevistas semiestruturadas. A amostragem da pesquisa
tem a intenção de levantar dados de regiões3 (setorizadas), segundo
organização da Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto – SP.

Plano de trabalho e cronograma de sua execução

Os instrumentos de pesquisa e as fontes de informações serão


coletados no momento de formação dos professores, que acontece
nos horários de trabalhos de preparo coletivo – HTPC.
A opção da escolha por regionalização pauta-se na
compreensão de que a divisão dos espaços territoriais com critérios
previamente estabelecidos representa diferentes populações
relacionadas à condição social, cultural e econômica da comunidade
a partir da sua localização.
Valendo-se de questionários e entrevistas semiestruturadas
pretende-se reunir dados e subsídios que poderão colaborar com
análises futuras, confirmando ou rejeitando hipóteses.
O registro das informações será constituído de:

a. Análise Documental: serão realizadas apreciações na Política Nacional


de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, Leis,
Decretos e Resoluções de âmbito nacional, estadual e municipal. A
análise documental tem características de fontes primárias que ainda
não receberam um tratamento analítico;

3
Dados organizados pela Secretaria de Saúde do Município de São José do Rio Preto e utilizado pela
Secretaria de Municipal de Educação.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 65

b. Bibliografia: estudos de livros, artigos, teses, dissertações de autores


nacionais e internacionais relacionados ao tema;
c. Questionários e entrevistas semiestruturadas: que serão realizadas
com professores e coordenadores, respectivamente, de cinco escolas
conforme descrito acima.

Sujeitos da Pesquisa:

Professores/Coordenadores das Unidades Escolares


relacionadas abaixo, conforme segue autorização para realização,
são elas:

Escola Municipal Flavio Fasanelli Rodrigues;

Escola Municipal João José Feres Prof.;

Escola Municipal Norberto Buzzini Dr.;

Escola Municipal Riscieri Berto Prof.;

Escola Municipal Ruy Nazareth Dr;

Procedimentos Éticos

O projeto será apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, via


Plataforma Brasil, e em conformidade com a Resolução CNS
466/2012. Para tanto, durante a investigação, os sujeitos de pesquisa
assinarão um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e,
bem como, por ocasião da divulgação dos resultados (relatórios finais,
artigos, etc.), terão resguardados os dados que levem às suas
respectivas identidades, como por exemplo, nomes dos sujeitos ou da
escola onde atua. Deste modo, usaremos no trabalho nomes fictícios.
Segue anexo nesse projeto Carta de Autorização da Pesquisa assinada
pela atual Secretária Municipal de Educação do município de São José
do Rio Preto – SP, referente à realização das pesquisas nas escolas, bem
como, as autorizações individuais de cada Unidade Escolar.
Abaixo o cronograma previsto para o desenvolvimento da
pesquisa.
66 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Cronograma

ATIVIDADES Mês Mês


Ano/Inicio Ano/Inicio

Reuniões com Orientador de mestrado 03/2018 12/2019

Apresentação de Projeto de Pesquisa em congressos e 03/2018 10/2019


seminários

Submissão de Projeto de Pesquisa ao Comitê de Ética 12/2018 02/2019

Curso das disciplinas de Programa de Pós-Graduação. 03/2018 11/2018

Participação em Eventos Acadêmicos/ Apresentação de 03/2018 10/2019


Trabalhos/ Envio de artigos para periódicos qualificados

Aprofundamento Teórico e Documental 03/2018 06/2019

Contato com as Escolas da Pesquisa 10/2018 11/2018

Estudo de Caso/Pesquisa de Campo 03/2019 004/2019

Análise de dados 05/2019 05/2019

Elaboração do documento dissertativo para exame de 10/2018 04/2019


qualificação.

Exame de qualificação 09/2019 09/2019

Redação final da dissertação 08/2019 12/2019

Defesa da pesquisa 01/2020 01/2020

Referencias
BADER, SAWAIA. As Artimanhas da Exclusão – Análise psicossocial e ética da
desigualdade social. Petrópolis, RJ - Editora Vozes, 2001.

BATISTA, C. A. M.; MANTOAN, M. T. E. Atendimento educacional Especializado


em Deficiência Mental. In: GOMES, A. L. L. et al. Atendimento educacional
especializado: Deficiência Mental. São Paulo: MEC/SEESP, 2007.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 67

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer 17/2001, de 3 julho de 2001.


Diretrizes nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
Brasília: CNE, 2001.

CARVALHO, ROSITA E. – Educação Inclusiva: com os pingos nos “is” – Porto


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D'AGUA, SOLANGEV. N.L.Aformaçãodocente frente a diversidade e ainclusão.


(IBILCE/UNESP/São José do Rio Preto) – Disponível em
<http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/139693/ISSN2236
-9708-2011-4713-4725.pdf?sequence=1> Acesso em 02 de nov.2016.

KIRSCHBAUN, C. Decisões entre pesquisas quali e quanti sob a perspectiva de


mecanismos causais. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v.28, n.82,
p.181, São Paulo, 2013.

MANTOAN, MARIA T. E.; PRIETRO ROSANGELA G.; ARANTES, VALERIA A. (org.)


– Inclusão Escolar: pontos e contrapontos – São Paulo: Summus, 2006.

__________, MARIA T. E. – Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer? –


São Paulo: Moderna, 2003. – (Coleção cotidiano escolar)

PATTO, MARIA H. S. – A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e


rebeldia – 4ª Edição, revista e aumentada – São Paulo: Intermeios, 2015.

SACRISTÁN, JOSÉ G. – A educação que ainda é possível: ensaios sobe uma cultura
para a educação – Porto Alegre: Artmed, 2007.

__________, JOSÉ G. – Compreender e transformar o ensino – 4.ed. – ArtMed, 1998.

SILVA, E. L.; MENEZES, E. M. Metodologia da Pesquisa e elaboração de


dissertação. 3 ed. rev. atual. – Florianópolis: Laboratório de Ensino a
Distância da UFSC, p. 121, 2001. Disponível: em. Acesso em 13 out.2016.

TARDIF, M.; LESSARD C. – O trabalho docente: Elementos para uma teoria da


docência como profissão de interações humanas – 6. ed.- Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.

UNESCO (1994). Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção na Área


das Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Instituto de Inovação
Educacional.
4

A construção da cidade de Ilha Solteira:


pessoas, segregações e espaço escolar

Simone dos Santos Bonfim


Humberto Perinelli Neto

Introdução

Segundo Diniz (2011), devido à crise hídricas e o aumento da


demanda, houve no Brasil a necessidade de investimentos em
estatais na indústria de geração de energia elétrica, a contar da
década de 1950. Em 1954 foi criado o fundo federal de eletrificação,
que instituiu o Imposto Único sobre Energia Elétrica (Lei nº 2.308
de 31/03/1954), destinado a financiar instalações de produção,
transmissão e distribuição de energia elétrica, o que gerou fonte de
receita para a consolidação dos ideais de eletrificação no Brasil e, em
especial, no estado de São Paulo. É neste contexto, impulsionado
pelo ciclo desenvolvimentista, que surge o interesse pela construção
de uma usina de geração de energia elétrica no Noroeste paulista
(SÁVIO, 2011).
Ilha Solteira, localizada no extremo Noroeste do estado de São
Paulo, às margens do rio Paraná, divisa com o estado do Mato
Grosso do Sul, região geograficamente favorecida por bacias
hidrográficas importantes e por grandes quedas d’água, foi criada
em 1968, para dar suporte a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira.
Embora a cidade tenha sido construída em 1968, Froelich
argumenta sobre o projeto de construção dessa usina:
70 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Tudo indica que o projeto Ilha Solteira, latente desde 1952, brotou
durante o período de governo de Juscelino Kubitschek,
representativo do “milagre” dos anos 50, como parte de um
conjunto de projetos hidrelétricos de caráter desenvolvimentista,
voltados para a aceleração do processo de industrialização do país
[...] (2001, p.62).

Não houve por parte população, por exemplo,


questionamentos sobre os possíveis prejuízos para a flora e fauna da
região, sobre a destruição das quedas d’água naturais, sobre a
alteração o curso dos rios, dentre outras possíveis consequências.
Tal postura colaborou para o fato de que “não foi realizado nenhum
estudo a respeito do impacto da usina sobre o meio ambiente ou
sobre a economia regional” (FROELICH, 2001, p.74).
Fatores são elencados para explicar abusos registrados na
construção da Usina Hidrelétrica. Para Froelich (2001), o baixo
desenvolvimento econômico da região Noroeste paulista e a falta de
indústrias podem explicar a pouca ou nenhuma resistência da
população local. O autor relata ainda que os partidos políticos da
época eram dominados por coronéis locais, sem falar na força e na
ligação da Cesp com os governos estadual e federal. Conforme tal
autor:

[...] a região praticamente não ofereceu nenhum tipo de


resistência, por vários motivos: o ineditismo do projeto, que a
surpreendeu; a fragilidade de suas forças, em comparação à dos
construtores; a falta de argumentos para barrar uma obra voltada
ao desenvolvimento do país; o desconhecimento do impacto
negativo de obras desse tipo e a esperança de que o projeto pudesse
trazer desenvolvimento à região. A aprovação do projeto foi rápida,
de forma que os interesses de Ilha Solteira sobrepujaram os da
região que a recebia (FROELICH, 2001, p.23-24).

Martin (2012) afirma que a falta de reação local se deve


também ao forte discurso ideológico elaborado e publicado pelo
poder dominante, que atrelava o desenvolvimento da região
Noroeste ao desenvolvimento do Estado de São Paulo e,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 71

consequentemente, ao desenvolvimento do Brasil. Esses discursos


foram publicados e legitimados pelo principal periódico de Ilha
Solteira, durante a década de 1960 e 1970, o jornal ‘O Barrageiro’. O
jornal ‘O Estado de São Paulo’, de abrangência nacional, também
contribuiu para a legitimação dessa obra, colaborando para
convencer de que a obra traria, além do desenvolvimento nacional,
significativa melhora à condição de vida dos moradores.
Cabe evidenciar ainda que o período em que a obra de fato
começou, 1968, o país vivia a Ditadura Civil Militar, isto é, época
marcada por regime autoritário e até mesmo totalitário, segundo
autores como Octavio Ianni, Eric Hobsbawn, Tom Bottomore e
Fernando Henrique Cardoso (FROELICH, 2011). O medo do
autoritarismo justificou a falta de “reação natural da região de
Urubupungá” (FROELICH, 2001, p.23). Conforme Martin, esse
regime político favoreceu os desmandos ocorridos ao longo da obra:

Cabe ressaltar que durante o regime militar, que este estabeleceu


a partir de 1964 e acompanhou a construção da Hidrelétrica de
Jupiá, até 1969/70, e posteriormente toda a obra de Ilha Solteira,
terminada em 1974, ambas pertencentes ao Complexo
Urubupungá, os periódicos foram utilizados como instrumento
para garantir a legalidade, assim como transparecer uma imagem
de um “bom” governo, eficiente, que estaria levando o país ao
desenvolvimento. Percebemos que o complexo hidrelétrico foi
articulado e apresentado por meios dos periódicos aqui analisados,
no caso do jornal O Estado de S. Paulo, como elemento
modernizador, que estaria contribuindo para levar o
desenvolvimento e melhorias na condição social dos brasileiros
(2012, p.245).

O enorme contingente de trabalhadores (15 mil, em dezembro


de 1972) e seus familiares exigiu gigantesco acampamento,
constituído por grande infraestrutura, voltada para abrigar
população que chegou a ser composta por 35 mil habitantes. Logo,
é possível afirmar o caráter definitivo da cidade (SÁVIO, 2011).
72 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O texto em questão apresenta estudo sobre a cidade e seus


trabalhadores, destacando o processo de segregação imposto às
pessoas, desde a fundação da localidade até os dias atuais. Esse
processo de segregação é estudado no seu caráter multifacetado,
inclusive e especialmente no campo das relações étnico-raciais e no
espaço escolar.

Fundamentação teórica

Para a fundamentação teórica, lançamos mão de autores que


promovem estudos sobre a micro-análise, isto é, perspectiva que
busca compreender, interpretar e extrair conclusões precisas do
local, delimitado, a saber: Geertz (1997; 2001; 2008), Levi (1992) e
Bourdin (2001). Além disso, empregamos estudos dedicados ao
negro (MUNANGA; GOMES, 2006) e a educação das relações étnico-
raciais (GOMES, 2012).

Procedimentos metodológicos

O trabalho baseia-se em revisão bibliográfica (GIL, 2002;


MINAYO, 2000; TRIVINÕS, 1987; GAMBOA, 1997; ALVES-
MAZZOTTI, GEWANDSZNAJDER, 2001). Foram empregadas obras
que versam sobre a cidade de Ilha Solteira (SÁVIO, 2011; FROELICH,
2011), assim como obras que destacam a segmentação étnico-racial
do trabalho e a situação do negro no Brasil, especialmente, diante da
construção das grandes hidrelétricas (CONCEIÇÃO, 2014; RIBEIRO,
1992).

Apresentação e discussão de resultados

Como resultados parciais obtidos até aqui, destacamos o


entendimento das relações sociais historicamente desenvolvidas em
Ilha Solteira, bem como as segregações espaciais, de classe,
culturais, étnico-raciais e educacionais advindas dessa lógica social.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 73

Sobre a origem dos trabalhadores braçais do enorme canteiro


de obras, denominados popularmente por “barrageiros”, registra-se
que boa parte havia se deslocado para Ilha Solteira após a conclusão
das obras da usina de Jupiá, portanto, de área próxima (66 Km),
embora fossem originários, em grande parte, da região Nordeste do
Brasil (FROELICH, 2011). Já os trabalhadores dos níveis técnico e
universitário eram oriundos da capital e de outras grandes cidades.
Ainda sobre o primeiro grupo, destaca Froelich:

A presença de nordestinos é em boa parte o resultado de políticas


migratórias, adotadas nos anos 50 e 60, voltadas para a redução
da densidade demográfica e, portanto do potencial de
explosividade social do Nordeste e para a ocupação do interior do
país, especialmente o Oeste e o Norte, dentro da perspectiva
geopolítica traçada com maestria pelo general Golbery do Couto e
Silva, para quem o preenchimento de vazios demográficos era uma
questão de segurança. Mesmo que as motivações originais da
migração de nordestinos para a região tenham sido outras, sem
dúvida, a construção de uma grande usina na região oeste de São
Paulo, via natural de penetração a região Centro-Oeste do país,
preencheu integralmente os requisitos geopolíticos estabelecidos
(2001, p.124).

Os trabalhadores e suas famílias foram segregados de acordo


com o nível funcional na obra. A lógica era a seguinte: quanto mais
alto o cargo ocupado mais alto era também o nível social e melhor
era a qualidade da moradia. De acordo com Conceição (2014), os
trabalhadores que ocupam vagas de trabalho secundárias no Brasil
e nos Estados Unidos, especialmente nas construções de usinas
hidrelétricas, são negros, majoritariamente. Logo, podemos
pressupor que em Ilha Solteira não foi diferente. Ribeiro (1992)
reforça essa ideia, ao dizer que há uma segmentação étnica do
trabalho e que o mercado não é o mesmo para todos.
A segregação das pessoas foi pensada e executada segundo
certa disposição espacial aplicada à cidade: um grande barracão para
solteiros de níveis funcionais considerados mais baixos (serventes,
74 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

braçais, vigias etc.), localizado na Zona Norte. Casas germinadas


(níveis 1, 2, 3 e 4) para as famílias dos trabalhadores de pouca
qualificação, localizadas, em sua maioria, na Zona Norte. Além de
casas espaçosas – e não germinadas - para os funcionários com nível
universitário e que exerciam cargos de chefia (níveis 5 e 6),
localizados exclusivamente na Zona Sul.
Durante toda a obra e mesmo após o fim dela, o aparato de
segurança imposto aos trabalhadores era extremamente rígido. A
Cesp mantinha um sistema de vigilância repressor de controle do
acampamento, que ultrapassava a legalidade (VIEIRA, 2011; SESSI,
2015). Tal sistema era apoiado nos pressupostos de segurança
adotados durante a Ditadura Civil-Militar e interferiu
profundamente no modo de vida das pessoas. Vieira destaca que:

[...] fora implementado um forte aparato de vigilância que


extrapolava em muito as funções padrões de segurança pública.
Isto por sua vez só era possível pelo fato desta função ser feita pela
AEIS (Administração Especial de Ilha Solteira), órgão criado pela
própria CESP, e ter a sua frente, por muitos anos, um
administrador que era militar (2011, p.119).

A decisão de relacionar a estrutura de moradia à estrutura


estamental “mostrou-se bastante inconveniente depois, dificultando
sobremaneira os rearranjos e contribuindo para o florescimento de
preconceitos de vários tipos entre os habitantes” (FROELICH, 2001,
p.84). A divisão entre as pessoas, segundo Conceição (2014), foi bem
delineada e garantiu à pequena elite técnico-administrativa de Ilha
Solteira grande acumulação de poder sobre a população menos
favorecida. De acordo com Froelich, em Ilha Solteira: “as diferenças
foram impostas arbitrariamente, de cima para baixo, impedindo a
livre manifestação das pessoas” (2001, p.84).
Com o passar dos anos, casas de diferentes níveis foram
ampliadas. Contudo, o estigma de residir em locais destinados às
pessoas consideradas inferiores permanece até os dias de hoje. Para
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 75

Conceição (2014), esses moradores, de origem étnico-racial


majoritariamente negra, estão condenados a segregação.
O tratamento das pessoas segundo níveis definidos pela
paisagem urbana criou estrutura discriminatória nos mais diversos
ambientes e causou/causa inúmeros desconfortos entre os
moradores de Ilha Solteira. De acordo com Froelich: “Além dos
embaraços criados com o impedimento de frequentar clubes de nível
mais alto por famílias de nível mais baixo, muitas brigas surgiam
entre as crianças nas escolas, igualmente separadas por níveis”
(2001, p.143). A partir da segregação espacial, Ilha Solteira
escamoteou outros tipos de segregações e de violências.
O apagamento das culturas das pessoas advindas das regiões
Norte e Nordeste também deve ser considerado. Mortes de
trabalhadores empregados na construção da usina foram ignoradas.
Seus corpos nunca foram retirados do local e muitas famílias sequer
foram informadas dessas mortes (FROELICH, 2001). Há ainda
relatos de moradores, como a senhora Gildete Adelina Barbeirina da
Cruz1, que descreveu como eram tratados os trabalhadores: “Os que
eram mais fracos tinham muito pouca assistência deles [CESP],
sofriam muito. Agora os engenheiros, encarregados, as casas deles
davam umas cinco dessas.” Sobre o tratamento dado aos
trabalhadores mortos em serviço, descreveu:

Teve muita morte, vinha uma turma do Norte, que não tinha
parente. Aqueles que morriam, que não tinham parentes, eles
enterravam, descartavam e ficavam as malas, as coisas. Quando foi
o término das obras, que eles estavam fazendo a limpeza, dizem
que saíram dois caminhões de malas do povo que morreu.

Essa categorização entre os trabalhadores dos níveis mais


altos e mais baixos, mostra claramente a segmentação étnico-racial
do mercado de trabalho. A discriminação racial daqueles menos
favorecidos contribuiu para a organização de uma cidade

1
Fonte: https://apublica.org/2015/03/ilha-solteira-pede-agua/ .Acessado em 02/09/2018.
76 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

absolutamente desigual e prejudicou na construção da identidade


desses moradores (CONCEIÇÃO, 2014).
O apagamento das origens étnico-raciais da população ilhense
talvez possa explicar a baixa porcentagem de moradores que se
autodeclararam pretos e pardos no Censo de 2010, em comparação
com a auto declaração registrada no estado de São Paulo.2 Tal censo
sinaliza o predomínio da raça/cor branca, que chega a mais da metade
dos moradores de Ilha Solteira (56,97%). Ora, se a cidade foi povoada
por pessoas, segundo os autores já mencionados, de raça/cor negra,
que migraram das regiões Norte e Nordeste, durante as décadas de
1960 e 1970, como pode apenas 4,47% se declararem pretas e 36,53%
se autodeclararem pardas, no Censo de 2010?
São nas relações sociais vivenciadas no ambiente escolar que
esse processo de segregação tem grande impacto. A cidade foi, a priori,
dividida entre Zona Norte (destinada aos moradores/trabalhadores
considerados de menor valor) e Zona Sul (destinada aos trabalhadores
considerados como parte da elite). Os filhos do segundo grupo têm
preferência na matrícula junto à melhor escola. Já os filhos do primeiro
grupo carregam até os dias atuais o estigma de pertencerem às escolas
consideradas para pobres.
O mesmo ocorre com as sete instituições de Ensino Infantil
(entre creches e escolas). A distribuição dessas unidades na área
urbana do município de Ilha Solteira ocorre de maneira
insatisfatória, visto que os bairros mais populosos e afastados não
dispõem de creches, demonstrando que a cidade ainda não privilegia
igualdade de oportunidade entre seus moradores.

Conclusões

Diante de todas essas especificidades levantadas acerca da


história da cidade de Ilha Solteira, desde sua criação, em 1968, até

2
Fonte:http://produtos.seade.gov.br/produtos/retratosdesp/view/index.php?locId=3520442&indId
=5&temaId=1. Acessado em 02/09/2018.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 77

os dias atuais, podemos concluir que a cidade e seus moradores tem


carregado um estigma socioeconômico, cultural, étnico-racial e
educacional que necessita ser compreendido e superado.
Mesmo com a aprovação da Lei 10.639/ (Brasil, 2003) há uma
década e meia, ainda é grande o número de estabelecimentos
escolares que não abordaram e/ou abordam com equívocos a
História e Culturas Africanas e Afro-brasileira (Africanidades),
tendo em vista inúmeros fatores (GOMES, 2012). Isso se aplica as
escolas de Ilha Solteira, visto ausência de enfrentamento do tema no
Plano Municipal de Educação.
O enfrentamento das segregações registradas em Ilha Solteira
coaduna duplamente com a Lei 10.639/2003. Por um lado, o
reconhecimento delas justifica uma série de ações nas escolas,
especialmente, práticas pedagógicas envolvendo Africanidades. Por
outro, dispõe de elementos do próprio cotidiano local para serem
refletidos nessas práticas.
Um ponto importante a ser ressaltado acerca da revisão
bibliográfica sobre a história de Ilha Solteira envolve o
reconhecimento da segregação étnico-racial existente nessa
localidade. Obras dedicadas à história da cidade e empregadas nessa
pesquisa destacaram as segregações espaciais e de classe
(FROELICH, 2001; SÁVIO, 2011), mas não abordaram o tema do
ponto de vista étnico-racial.
Ao longo de sua história, o Brasil estabeleceu um modelo de
desenvolvimento extremamente excludente, responsável por limitar
o acesso e/ou a permanência à/na escola pela maioria da população,
especialmente por negros/as. A escola é espaço do encontro da
diversidade de classe social e de raça-etnia, mas em que ocorrem
relações preconceituosas/discriminatórias.
Devemos lutar para inserção dos/as negros/as e dos
pardos/as na escola, assim como no combate à violência que sofrem.
O estudo das segregações que existiu/existe em Ilha Solteira
oportuniza reconhecer forma específica pela qual essa forma de
78 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

violência se processou e ainda processa no âmbito da localidade. Tal


reconhecimento constitui primeiro passo para seu combate.

Referências

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Altamira: condições de saúde e políticas públicas. Belém (Dissertação
Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Belém, 2014.

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Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 79

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História, v.1, nº1, jun-nov 2011, p.114-130.
5

A educação inclusiva no ensino de história


através do uso de imagens

Paulo Eduardo De Mattos Stipp

Introdução

Ninguém escapa à educação. (BRANDÃO, 1985, p.7)

Ninguém escapa à educação porque é com e através dela que


nos tornamos humanos. Racionalidade, autoconhecimento,
desenvolvimento de linguagem complexa... Pode se elencar uma
série de elementos que nos diferencia dos demais animais, mas a
educação é o que nos adapta ao mundo e nos possibilita transformá-
lo em benefício próprio (ou não).
A humanidade adquire conhecimento através da língua,
crenças, hábitos, costumes, normas de comportamento e outras
manifestações. A apreensão do mundo se dá pela mediação da
cultura que atribui valor e sentido à existência humana em um
processo de aprendizagem social. A cultura é a ferramenta de
percepção e de transformação da vida social, de diferentes jeitos de
ser, de fazer, de compreender, de experimentar, de explicar e de
vivenciar o mundo.
A educação é o processo de socialização que nos possibilita o
aprendizado de regras, valores e sentidos que nos torna humanos.
Sem educação o homem não se humaniza. Dito isso, sublinhamos a
compreensão da educação como um direito básico fundamental.
Como direito à socialização. Como direito à convivência humana.
Direito a um processo de educabilidade (de identidade e
82 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

pertencimento a um grupo social de referência, a uma família, grupo


cultural, religioso, etc.) antes mesmo do direito à escolarização. E,
por fim, direito à educação e à escola.
Há que se considerar, porém, que a escola de hoje é pensada
e concebida pela busca da homogeneização das culturas. Podemos
dizer que a escola é monocultural, onde apenas uma cultura é
valorizada. Não há exagero em se afirmar que a escola atual é
branca, patriarcal, heterossexual, judaico-cristã e ouvintista1 .
A instituição escolar parte de uma falsa promessa de
igualdade que compreende que “somos todos iguais”, e concebe uma
escola padronizadora, homogeneizadora, como se só existisse uma
única cultura. A igualdade na lei e nas oportunidades não pode
escamotear uma falsa igualdade entre todos os cidadãos, pois somos
uma sociedade plural, multicultural e diversificada. A diferença está
na sala de aula e, como tal, deveria ser pensada e praticada.
O direito à educação pressupõe o direito à diferença como um
direito humano. A escola é o local por excelência em que as
diferenças econômicas, sociais, cognitivas, sensoriais e culturais se
manifestam. Ao cercear as diferentes identidades culturais a escola
perde o elemento mais rico de sua constituição que é a pluralidade,
e acaba se transformando em local de excelência para o
desenvolvimento de práticas contemporâneas execráveis: a
exclusão, a estigmatização e o bullying.
Ao consolidar uma prática monocultural como norma, a
escola reproduz e perpetua situações de exclusão, preconceito,
discriminação, machismo, misoginia, racismo, homofobia e
intolerância religiosa.
Mais do que reconhecer a diversidade cultural, a escola deve
propor que as culturas dialoguem, conversem, troquem saberes,
experiências, conhecimentos científicos e de percepção de mundo.

1
Ouvintista, segundo Skliar (2016, p.15), “é um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do
qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte”, ou ainda, “o estudo do surdo
do ponto de vista da deficiência, da clinicalização e da necessidade de normalização” (PERLIN, 2016,
p.59)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 83

A escola deve buscar uma educação intercultural baseada no


diálogo. No ouvir o outro. No contar o outro. De ver e respeitar o
outro sem abrir mão das múltiplas identidades e culturas.
Houve um momento em que se discutia a educação dos surdos
como Educação Especial, isolada da educação geral da sociedade.
Segregando. Criando guetos físicos e de ideias.
Para se repensar a educação dos surdos a partir de uma
proposta inclusiva, devemos repensar em que moldes essa inclusão
pode se dar.
O presente artigo se apresenta nesse contexto. Trata de
reconhecer o potencial do uso de imagens no ensino de História a
um público que apreende e compreende o mundo a partir da
linguagem visual. Mais do que uma discussão acadêmica, o que se
pretende verificar aqui é o potencial do trabalho do professor de
História com o aluno surdo, não só no tocante ao aprendizado e a
análise das questões históricas, como, também, no processo de
socialização e integração dos surdos com os alunos ouvintes, com a
sociedade.
A historiografia recente tem consagrado o uso de imagens no
ensino de História. Tal prática, ao conferir uma maior ênfase à
imagem, se desenvolve a partir de uma pedagogia baseada na
oralidade. Mesmo frente à presença de alunos surdos, a imagem
visual é submetida ao discurso verbal.
Este trabalho propõe subverter a lógica ouvintista que sempre
norteou o processo ensino-aprendizagem e deixar as imagens
falarem através dos olhos de quem compreende o mundo
visualmente; é a tentativa de dar vez às imagens pela voz do sujeito
surdo.
A estratégia visual do uso de imagem no processo do ensino
da História é um elemento comum que aproxima e integra os alunos
surdos e ouvintes à uma mesma estrutura discursava. O uso da
imagem enquanto recurso didático-pedagógico democratiza a
participação em sala de aula ao delegar maior protagonismo ao
84 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

aluno surdo, que se emancipa – ao menos temporariamente – da


interlocução e intermediação do intérprete de libras.
O trabalho se desenvolve dentro da concepção dos Estudos
Visuais por comprometer-se, desde o início, a verificar uma série de
hipóteses que precisam ser testadas. Procura compreender a
imagem, o olhar sobre a imagem, e sua contextualização histórica,
como uma construção cultural, aprendida, apreendida e cultivada
por alunos surdos e ouvintes em suas especificidades culturais,
distintas. Trata-se de explorar o potencial do olhar surdo no
trabalho iconográfico, iconológico.

Quando o historiador não consegue moderar a força gravitacional


da palavra, tende a transformar a imagem em texto, e o pior nisso
é que se esvazia ou deforma a natureza visual da imagem visual,
que passa a ser tratada como um recipiente neutro, inodoro,
insípido, incolor, frágil embalagem à espera da inserção de um
significado a priori integralmente elaborado e tendo em si sua
própria identidade. Tal perspectiva idealista não se sustenta e, em
vez de reconhecer relações dinâmicas e dialéticas, ressuscita
dualismos estéreis, como espírito/matéria, pessoa/coisa,
sujeito/objeto, ativo/passivo. Enfim, também por aí se associa a
ideia a expressão verbal e, portanto, se faz dos objetos mera
duplicação de um discurso verbal ou verbalizável, desprezando a
materialidade não verbal do meio empregado e, por outro lado,
ignorando que tanto a ideia produz a forma, quanto é produzida
por ela. Em outras palavras, se há um pensamento visual, não é
apenas um pensamento verbal que se vale oportunisticamente de
vetores visuais complacentes, mas um pensamento que só pode
perfazer-se adequadamente de modo visual. (MENEZES, 2012, p.
251)

É com os olhos dos surdos que pretendemos abordar as


imagens e verificar sua força à discussão histórica em sala de aula.
A questão é explorar o potencial visual das imagens a partir de uma
percepção e reflexão também visual. A ideia é partir das construções
culturais dos surdos em seu cotidiano, para apreendermos as
representações históricas e as artes visuais. Busca-se compreender
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 85

aqui como os sentidos e as percepções do surdo (e dos ouvintes) são


produzidos para, a partir daí, tentar ressignificar o espaço da sala de
aula e os contextos de aprendizagem e de sociabilidade envolvidos.
A imagem exige o olhar. A imagem gera a reflexão. A imagem
quebra a passividade dos alunos que aguardam a informação da aula
expositiva ou do texto lido e delega um protagonismo ao aluno em
sala de aula. A imagem vista inquieta, comove, desagrada, gera juízo
de valores e faz pensar. A imagem como elemento gerador da
produção do conhecimento histórico tanto a alunos surdos como a
alunos ouvintes.

Conforme foi observado pelo semioticista Émile Benveniste, as


imagens são um sistema semiótico ao qual falta uma
metassemiótica: enquanto a língua, no seu caráter metalingüístico,
pode servir, ela própria, como meio de comunicação sobre si
mesma, transformando-se assim num discurso autorreflexivo,
imagens não podem servir como meio de reflexão sobre imagens.
O discurso verbal é necessário ao desenvolvimento de uma teoria
da imagem. Porém, a separação dos dois códigos, do verbal e do
visual, não é tão radical quanto à observação de Benveniste pode
sugerir. Na realidade, o código verbal não pode se desenvolver sem
imagens. O nosso discurso verbal está permeado de imagens, ou,
como Peirce diria, de iconicidade. Assim, a teoria das imagens
sempre implica o uso de imagens. A palavra “teoria”, aliás, já
contém na sua raiz uma imagem, pois “teoria”, na sua etimologia,
significa “vista”, que vem do verbo grego theorein: “ver, olhar,
contemplar ou mirar”. (SANTAELLA, 2015, pp.13-14)

O foco é explorar a diferença da experiência visual dos alunos


ouvintes e dos surdos e assumir essa diversidade cultural da
visualidade não só para compreender as transformações históricas
através das imagens, como, também, como meio de promover um
terreno propício para se examinar (e quem sabe superar) as
desigualdades sócio-educacionais entre ouvintes e surdos.
Mais do que focar em tecnologias assistivas, o que se propõe
é uma mudança na ética relacional no processo de desenvolvimento
da aula cotidiana. Ao partir da imagem como tema gerador da aula,
86 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

promove-se o envolvimento de todos os alunos (surdos e ouvintes)


de modo semelhante. Ao priorizar a imagem como elemento
disparador e ordenador da aula, reformula-se as relações com os
outros na pedagogia.

A educação dos surdos

Não é uma futilidade a ideia de que a inclusão deveria ser colocada


em outros termos e não, simplesmente, como uma resposta única
à exclusão mais óbvia, mais direta, mais brutal. Está claro que o
mesmo sistema político, cultural, educativo etc. que produz a
exclusão não poderia ter a pretensão de instalar impunemente o
argumento de um sistema radicalmente diferente – chama-se de
integração, inclusão, ou como bem se deseja nomear. (SKLIAR,
2006, pp.27)

A inclusão não pode ser pensada como mero contraponto à


exclusão. A inclusão não é um processo perfeito, coerente e
articulado. Pelo contrário. A inclusão é um caminho polêmico,
contraditório e conflituoso. Agressivamente conflituoso.
O resgate da história da educação dos surdos se revelou uma
tarefa complexa, não só pelas possíveis abordagens teórico-
metodológicas (visão clínica, visão sócio-antropológica), como,
também, e, principalmente, por ser uma discussão premente, viva,
pulsante. Por apresentar uma urgência política em seu atual estado
das coisas, em que onde tudo o que é sólido parece se desmanchar
no ar do cenário nacional atual. Uma contínua ameaça de conflitos
e controvérsias, atropelada por avanços significativos e retrocessos
bem intencionados, marcada por desconhecimentos e descasos.
O resgate da história dos surdos pode seguir diferentes
olhares, como propõe Karin Strobel (2009), se atendo às visões do
Historicismo, da História Crítica e da História Cultural.
O Historicismo concebe a educação do surdo através de uma
perspectiva clínico-terapêutica cujo objetivo principal seria a
reabilitação do surdo segundo os parâmetros dominantes dos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 87

ouvintes. O surdo é compreendido como um sujeito


patologicamente deficiente, e categorizados em diferentes graus de
surdez. A educação surda é pensada a partir do ponto de vista
dominante do ouvinte (visão do colonizador), e, enquanto tal,
considera a língua de sinais como prejudicial aos surdos, e, portanto
deveria ser abandonada para privilegiar uma educação focada no
ensino da fala (língua oral).
Já pela História Crítica, segundo a autora, as capacidades do
surdo são reconhecidas, mas de forma dependente. Se aceita a
língua de sinais como recurso, mas compreendem que os surdos
teriam maior dificuldade de aprendizado. A língua de sinais é vista
como um apoio.
Na História Cultural o resgate da história da educação do
surdo se liberta dos rígidos parâmetros da oralidade e da história
escrita, para compreender o processo de produção e transmissão do
conhecimento a partir das experiências visuais dos surdos,
enquanto uma diferença linguístico-cultural. A história da educação
dos surdos é compreendida a partir do respeito à identidade e a
cultura surda.
As diversas ideologias que perpassam o discurso sobre a
surdez, os embates entre o uso da língua sinalizada e o oralismo, as
disputas político-pedagógicas, os avanços legislativos podem ser
resumidamente apresentadas em um quadro histórico factual.
Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Média
pensava-se que os surdos não fossem educáveis. Aristóteles entendia
a condição humana a partir do domínio da linguagem, e, nesse
sentido, os surdos não eram compreendidos como seres humanos
competentes, nem aptos à educação. O sujeito surdo, por não ouvir,
não falava. E, por não falar, não teria uma linguagem, e sem
linguagem não desenvolveria pensamento.

Na Roma não perdoavam os surdos porque achavam que eram


pessoas castigadas ou enfeitiçadas, a questão era resolvida por
abandono ou com a eliminação física – jogavam os surdos no rio
Tiger. (...) Na Grécia, os surdos eram considerados inválidos e
88 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

muito incômodos para a sociedade, por isso eram condenados à


morte (...) [Durante a Idade Média aos...] surdos eram proibido
receberem comunhão porque eram incapazes de confessar seus
pecados, (...) Também existiam leis que proibiam os surdos de
receber heranças, de votar e enfim, de todos os direitos como
cidadãos. (STROBEL, 2009, pp.17-19)

O fato dos surdos não fazerem uso de uma língua oral os


condenou à dimensão de não humanos, foram confundidos com
retardados, tiveram seus direitos negados, e, por não poderem dizer
os sacramentos ou se confessar, não poderiam ser salvos, não teriam
uma alma imortal, não alcançariam o reino dos céus. Por não
utilizarem a linguagem oral, os surdos foram condenados à uma
vida de exclusão, sacrifícios e extermínio. A questão da oralidade vai
marcar toda a história da educação dos surdos.
Na Idade Média, o monge beneditino espanhol Pedro Ponce
de León (1520/1584) inicia a educação de surdos a partir da escrita
combinada a gestos simples criando um alfabeto bimanual. Ainda
não se tratava da língua de sinais propriamente dita, mas de um
alfabeto manual que permitia ao estudante que aprendesse a
soletrar (letra por letra) toda a palavra.
Ainda na Espanha, Juan de Pablo Bonet (1579/1629) publicou
o primeiro livro sobre educação de surdos “Reduccion de lãs letras
y arte para enseñar a hablar a los mudos”, em 1620. Partindo do
método de Ponce de León, Bonet ensinava os surdos a falar a partir
da combinação do alfabeto manual (unimanual ou datilologia), da
língua de sinais, da escrita e da articulação dos órgãos
fonoarticulaórios (LODI, 1997).
Centrado na oralidade, mas recorrendo ao uso dos sinais, do
alfabeto manual e da leitura labial, o método de Bonet se disseminou
pela Europa. Na Suíça, o médico Joham Conrad Ammond
(1669/1724) desenvolve uma pedagogia da fala e da leitura labial no
livro “Surdus Laquens”. Na França, Jacob Rodrigues Pereire
(1715/1780) dedicou sua vida na oralização de sua irmã surda,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 89

porém, no fim de sua carreira desistiu da oralidade e se convenceu


de que os sinais eram a forma natural dos surdos se expressarem.
O médico inglês John Bulwer (1614/1684) foi quem primeiro
desenvolve um método para se comunicar com surdos, centrado na
língua de sinais. No livro “Chirologia” (a língua natural da mão),
escrito em 1640, defendia a crença no caráter universal da língua de
sinais, pois seus sinais imitavam objetos reais do mundo (icônicos).
O abade L’Epée foi o primeiro educador a reconhecer que os
surdos têm uma língua natural própria, e, enquanto tal, não
precisam desenvolver oralidade – é considerado criador da língua
gestual, como o “pai dos surdos” e fundador do Instituto Nacional
de Surdos-Mudos da França.. A educação de surdos deixou de ter o
foco na oralização. A partir da criação dos sinais metódicos, L’Epée
combinou a língua de sinais com a gramática francesa, com a
estrutura da língua escrita francesa.
Por outro lado, em 1778, na Alemanha, Samuel Heinick
(1729/1790), estabelecia bases diferentes à educação de surdos,
rejeitando a língua de sinais e defendendo o oralismo puro. Novos
métodos orais são apresentados como meio de reabilitação dos
alunos surdos na obra “Observações sobre os surdos e sobre a
palavra”.
Nos EUA, Alexander Grahan Bell (1847/1917) dedicou-se aos
estudos sobre acústica e fonética, desenvolvendo não só a telefonia,
como também aparelhos de ampliação da audição. Bell terá
importante papel na mudança de concepção sobre os rumos que a
educação de surdos passaria a ter a partir do Congresso de Milão.
Até aqui, a educação dos surdos se baseava no chamado
método combinado em que o foco era a oralização, mas que recorria
aos sinais como apoio. Em 1880, com o Congresso de Milão a
educação de surdos assumiria uma nova dimensão:

1- Dada a superioridade incontestável da fala sobre os sinais para


reintegrar os surdos-mudos na vida social e para dar-lhes maior
facilidade de linguagem [...], [Este congresso] declara que o
90 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

método de articulação deve ter preferência sobre o de sinais na


instrução e educação dos surdos-mudos.
2- O método oral puro deve ser preferido porque o uso simultâneo
de sinais e fala tem a desvantagem de prejudicar a fala, a leitura
orofacial e a precisão de ideias. (GIROTO, 2012, p.99)

O Congresso de Milão de 1880 é um divisor de águas na


história da educação dos surdos, ao estabelecer que a educação de
surdos abandonasse em definitivo os sinais, em benefício do
desenvolvimento da fala, da oralidade; privilegiando, assim, o
método oral puro. Houve a demissão dos professores surdos e a
proibição do uso da língua de sinais no ambiente escolar.
Brasil e EUA estruturam suas línguas de sinais alguns anos
antes do Congresso de Milão a partir da língua de sinais francesa
(LSF), sendo consideradas línguas “irmãs”, por guardarem grande
semelhança. A Língua brasileira de sinais (Libras) e a língua de
sinais americana (ASL) têm maiores afinidades entre si do que com
as línguas gestuais de Portugal (LGP), que deriva do alfabeto sueco;
ou da língua gestual britânica (BSL).
Thomas Gallaudet (1787/1851) em viagem a Paris, estagiou no
Instituto Nacional para surdos-mudos de Paris (1816), onde
conheceu e estudou com Laurence Clerc (1785/1869). De volta aos
EUA, fundou em 1817 a primeira escola de surdos, a Hartford School
– Connecticut.
A primeira faculdade de surdos dos EUA Gallaudet University
foi fundada em 1864, em Washignton, por Edward Gallaudet, filho
de Thomas Gallaudet.
No Brasil, a educação de surdos tem no ano de 1857 a
fundação do Instituto Imperial dos Surdos-Mudos, hoje Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES), sob o patronato de D. Pedro
II e cuidados do professor surdo, com mestrado em Paris, Eduardo
Huet.
O Instituto funcionava sob regime de internato, recebendo
surdos de todos os cantos do Brasil. Nele, estruturou-se um sistema
de comunicação baseado na língua de sinais francesa (LSF), nos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 91

sinais metódicos e sinais que eram utilizados no Brasil. O retorno


desses surdos do INES a seus lugares de origem ajudou a disseminar
essa linguagem de sinais por todo território estabelecendo assim a
língua de sinais brasileira (LIBRAS).
Na virada do século XIX para o XX o Brasil acabou aderindo
ao movimento mundial do oralismo iniciado pelo Congresso de
Milão.
Como afirmamos anteriormente, o Congresso de Milão é um
divisor de águas frente a questão da educação de surdos pois
polariza a discussão em duas grandes concepções: a visão clínica e a
visão sócio-antropológica da surdez.
A visão clínica foca sua atenção na dimensão audiológica da
pessoa, nas diferentes manifestações e diferentes perdas auditivas.
Procura identificar suas causas: idade, fatores genéticos e fatores
ambientais (infecções, traumas, etc.). O surdo é visto pela ausência,
pela perda, por aquilo que ele não tem em relação à comunidade
ouvinte majoritária; o que faz com que a surdez seja compreendida
como uma deficiência, como uma desvantagem.
A educação concebida a partir da visão clínica é focada na
normalização dos indivíduos surdos. Quer que os surdos se tornem
ouvintes, ou que compensem seu déficit auditivo, e que se
comunique oralmente através da fala. Trata-se de uma educação
centrada no treino da audição e da fala, de leitura labial, ou até
mesmo através de próteses, implantes e cirurgias.
A visão clínica concebe a noção do desenvolvimento cognitivo
à eficiência oral da fala. Visão que tem suas raízes em Aristóteles, e,
que se perpetua quando usamos a expressão “surdo-mudo” ainda
hoje. Ignora-se a língua de sinais como uma língua natural, com
linguagem, regras e estruturas próprias.
A visão clínica concebe a educação de surdos como um espaço
à reabilitação, enquanto tratamento. A integração do surdo à
sociedade é pensada a partir da “cura” da surdez. A escola se
transforma assim em uma espécie de clínica, e o aluno surdo em um
tipo de paciente.
92 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Já a visão sócio-antropológica da surdez compreende a


educação de surdos exatamente como a educação de ouvintes, ou
seja, deve estar centrada em desenvolver o conhecimento.
A escola é pensada como escola e não como clínica. O aluno deve
ser pensado como aluno e não como paciente. O surdo não é
compreendido pela “falta de alguma coisa”, mas pela diferença
linguística.
A comunidade surda não precisa se adaptar à língua da
comunidade majoritária ouvinte. A compreensão da língua de sinais
como uma língua natural se estabelece como uma diferença linguística
e cultural. A comunidade surda é uma minoria linguística.
A língua brasileira de sinais (LIBRAS) é uma língua gestual-
visual, isto é, produzida majoritariamente por movimentos de mãos
e percebida pela visão. A língua brasileira de sinais (LIBRAS) não
substitui a língua portuguesa em sua modalidade escrita, o que
coloca a comunidade surda em uma situação de bilinguismo
forçado, onde além da LIBRAS, devem dominar o português na
modalidade escrita. O surdo usa a língua portuguesa escrita como
uma língua estrangeira.

Considerações finais

Um em cada sete brasileiros tem algum tipo de deficiência.


Praticamente um quarto da população brasileira (23,9% segundo o
CENSO populacional de 2010) apresenta algum tipo de deficiência
que necessita de recursos de acessibilidade. As limitações podem ser
de ordem física, mental, sensorial ou múltipla; e, varia de acordo
com o grau, o tipo e a gravidade da deficiência. Como se vê, uma
parcela significativa da sociedade deve ter garantido o respeito à
suas limitações, como também sua inserção social. Dos 45,6 milhões
de brasileiros com deficiência, 9,7 milhões declaram ter algum tipo
de deficiência auditiva.
As políticas públicas têm fomentado uma série de ações que
garantem e estimulam a inclusão e participação das pessoas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 93

deficientes nos mais variados setores da sociedade. Os novos estudos


da deficiência se centram na discussão do ambiente. Em como os
ambientes devem ser capacitados às variáveis individuais.
O ambiente deve respeitar as diversas naturezas humanas em
suas naturezas diferenciadas. Uma rampa, por exemplo, não deve se
concebida exclusivamente ao cadeirante, mas todo e qualquer
cidadão com dificuldade de locomoção – cadeirante, idoso, com
traumatismos ou fraturas momentâneas, pessoas com baixa visão,
etc.. Rompeu-se com a era do “Homem Vitruviano”. Não existe um
homem padrão, não existe um homem único. A acessibilidade aos
espaços sociais deve ser pensada pela quebra de suas barreiras
físicas, tecnológicas, metodológicas, comunicacionais, legais, e,
principalmente, atitudinais.
Por que, apesar da atual política de inclusão social, o sujeito
deficiente continua excluído? Mudar as leis, as políticas públicas, os
espaços físicos, têm se revelado mais fáceis do que mudar os
preconceitos arraigados na vida social.
Segundo o Plano Nacional da Educação (PNE) todos os
estudantes (independente da suas necessidades ou diferenças)
devem ser matriculados em qualquer escola do sistema regular de
ensino. A atual política nacional de educação defende um currículo
comum que contemple as diferenças e necessidades na escola
regular, contrariando a ideia de uma educação especial em paralelo
à educação regular. As escolas devem se reorganizar e se adequar
estruturalmente para garantir o acesso e condições igualitárias de
aprendizagem a todos os estudantes.
A superação das escolas especiais segregadas das escolas
regulares é um fato notável ao avanço da educação inclusiva, porém,
contraria a expectativa da comunidade surda que batalha pela
educação bilíngue.
A mera inclusão do aluno surdos em sala regular, do modo
como está sendo feito, gera um certo isolamento do aluno surdo no
espaço escolar. Os intérpretes não trabalham no planejamento das
aulas e das atividades, não são consultados pelos professores. A
94 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

educação dos alunos surdos fica “terceirizada” aos intérpretes, como


se a responsabilidade da educação e formação do aluno fosse única
e exclusivamente do intérprete. O aluno surdo não interage nem
com os professores, nem com os alunos ouvintes. Lei de Libras (lei
10.436, de 24 de abril de 2002) não substitui a língua portuguesa
em sua modalidade escrita, o que coloca a comunidade surda em
uma situação de bilinguismo forçado, pois além da libras, os surdos
devem dominar o português na modalidade escrita. Regulamentada
pelo Decreto 5,626, de 22 de dezembro de 2005,a educação de
surdos estabelece que, do ensino Infantila ao Fundamental I os
surdos tenham uma educação bilíngue, com um professor também
bilíngue, que domine o português e a Libras.
Do Ensino Fundamental II em diante o surdo deve frequentar
uma escola inclusiva com professores do ensino regular sensíveis às
diferenças lingüísticas dos surdos.
A manutenção das escolas de surdos, das escolas bilíngües,
não configura segregacionismo; elo contrário são espaços para a
construção do conhecimento que respeitam a especificidade da
cultura surda e de sua língua.

Inclusão e equidade na e por meio da educação são alicerce de uma


agenda de educação transformadora e, assim, comprometemo-nos
a enfrentar todas as formas de exclusão e marginalização, bem
como disparidades no acesso, na participação e nos resultados de
aprendizagem. Nenhuma meta de educação deverá ser
considerada cumprida a menos que tenha sido atingida por todos.
(UNESCO, 2015, p. 11)

A estratégia visual de recorrer ao uso de imagens no ensino


de História se dá no sentido de promover não só a discussão de
conteúdo histórico propriamente dito, como também de promover
uma maior integração, e porque não dizer inclusão, do aluno surdo
no ambiente escolar.
A ideia de inclusão está associada, em um primeiro momento
à noção de acesso. Mas não basta propiciar o acesso à escola
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 95

simplesmente. Garantir a presença física do aluno em sala de aula,


não significa incluí-lo. O acesso físico do aluno surdo o mantém em
uma situação de isolamento, de não inteiração-relação com os
demais sujeitos no processo educacional: professores, funcionários,
demais alunos que deveriam ser identificado como colegas, amigos.
O aluno surdo, quando muito se relaciona com um único outro
sujeito: o intérprete.
A inclusão deve garantir o acesso, a permanência a
participação e o sucesso de todos os alunos envolvidos no processo
educacional. Todos os alunos interessam, e interessam do mesmo
jeito. O uso de imagem no ensino de História busca criar uma base
comum de onde todos os alunos (surdos e ouvintes) possam
construir suas indagações, observações e pesquisas.
Trata-se de um passo simples, uma estratégia didática, mas
objetivando o envolvimento e participação de todos os alunos
envolvidos no processo educacional, na discussão histórica de
maneira equânime. O uso da imagem como estratégia à remoção
das barreiras à aprendizagem.
a simples presença do aluno surdo em sala de aula não faz
com que a escola seja inclusiva. Esse aluno precisa participar do
processo, ter uma educação bem sucedida, vivenciar a escola. O
sucesso que a cabe a cada um.
De nada adianta uma escola repleta de tecnologias assistivas,
se o aluno não se sentir membro da escola. Os alunos devem se
apropriar não só dos instrumentos físicos da escola, mas com os
simbólicos também. A inclusão não limita a equipamentos ou
professores especialistas. Equipamentos quebram, professores
mrrem, são transferidos. Inclusão deveria ser um valor transversal
da escola, como preconiza David Rodrigues (2006).
O aluno precisa vivenciar a escola, sentir-se membro
pertencente e atuante de seu processo de aprendizado, pois, afinal,
como sentencia Vigotsky: Nós tornamo-nos nós através dos outros!
96 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Referências

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Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

LODI, Ana Cláudia Balieiro.; MOURA, Maria Cecília de: HARRISON, Kathryn M.
R. História e educação: o surdo, a oralidade e o uso de sinais. IN: Lopes
FILHO, O. de C. Tratado de Fonoaudiologia SP ed Roca, 1997.

MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. História e Imagem: iconografia/iconologia e


além. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.). Novos
Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

PERLIN, Gladis T. T. Identidades surdas. SKLIAR, Carlos. A Surdez: um olhar


sobre as diferenças. 8. ed. Porto Alegre: Mediação, 2016.

SANTAELLA, Lúcia. NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São


Paulo: Iluminuras, 2015.

SKLIAR, Carlos. A inclusão que é “nossa” e a diferença que é do “outro”. In:


Rodrigues David (org.). Inclusão e Educação: doze olhares sobre a
educação inclusiva. – São Paulo: Summus, 2006.

______. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In:
_______ A Surdez: um olhar sobre as diferenças. 8.ed. Porto Alegre:
Mediação, 2016.

______. Os estudos surdos em Educação: problematizando a normalidade. In:


_______ A Surdez: um olhar sobre as diferenças. 8.ed. Porto Alegre:
Mediação, 2016.

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. 4ª ed. –


Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2016.

Referências on line

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Disponível em: http://conic-semesp.org.br/anais/files/2013/trabalho-
1000015175.pdf Acessado em: 27 nov. 2017
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 97

DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005. Regulamenta a Lei no


10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 17 nov. 2017.

GARBE, Douglas de Souza. Acessibilidade às Pessoas com Deficiência Física e


a Convenção Internacional de Nova Iorque. Revista da Unifebe (Online)
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MORI, Nerli Nonato Ribeiro & SANDER, Ricardo Ernani. História da Educação
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http://www.ppe.uem.br/publicacoes/seminario_ppe_2015/trabalhos/co
_04/94.pdf Acesso em: 22 out. 2017.
6

A elaboração de significados associada a fatores


motivacionais no processo de ensino aprendizagem
de língua portuguesa

Gabriela Mantovanelli Bevilaqua


Jackson Gois

Introdução

Há o crescente desafio de se buscar no atual contexto de


ensino de língua materna uma metodologia que agregue uma
didática diferenciada que contextualize ensino de gramática, leitura
e interpretação de textos que permita ao aluno não só apresentar
uma satisfatória competência linguística de sua língua materna, mas
também correlacionar conceitos e significados que são elaborados
ao longo de sua trajetória de ensino aprendizagem. Esse desafio é
constante, visto que a própria disciplina de Língua Portuguesa
propõe uma divisão trazida por livros didáticos e aplicada nas
escolas como se não houvesse relação entre Produção de Textos,
Gramática e Literatura.
Atualmente, podemos perceber nas aulas de Língua
Portuguesa as dificuldades de compreensão de texto em todas as
ciências, ou seja, os alunos realizam leituras e não conseguem
interpretar o que leem. Diante disso, é preciso pensar em formas de
conduzir o pensamento dos alunos para uma interpretação mais
aprofundada, com reflexões que vão além do que está sempre
explícito.
100 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Visando essa necessidade, buscaremos analisar como se dão


os processos de elaboração de significados dos alunos em um
contexto de sala de aula de Língua Portuguesa observando o
domínio da ferramenta cultural de gêneros discursivos. Para isso, a
teoria sociocultural de Vigotsky nos dará subsídio para entender
como se desenvolvem esses processos e como os fatores
motivacionais desses sujeitos interferem na significação dessa
ferramenta cultural que será material de análise nesse contexto.
Para isso, é de extrema importância que se entenda que os processos
mediadores que serão conduzidos pela professora nas situações de
ensino aprendizagem implicam em diferentes processos de
significação por parte do aluno. Em outras palavras, é relevante ter
convicção de que nem sempre os processos de ensino aprendizagem
vão ocorrer como a professora espera, seja em termos de conteúdos
ou de conhecimentos acerca do mundo à sua volta.
Em paralelo aos processos de significação, também
ressaltamos a relevância de compreender os fatores motivacionais
que estão relacionados a esse processo, visto que a unidade
cognição-afeto de Vygotsky (1983) identifica que o intelecto e o afeto
têm regularidades internas que pedem um funcionamento
integrado e, assim, não seria possível bifurcar motivação e
pensamento, pois o pensamento é gerado pela motivação, isto é,
nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções
(Pensamento e Linguagem, Vygotsky, p. 187). Em resumo, estudar
os processos de significação inclui conhecer as dinâmicas na relação
professor e aluno durante o processo de ensino aprendizagem, ou
seja, enfocar as interações sociais na busca da compreensão de
situações nas quais se desenvolva um processo de ensino
aprendizagem efetivo é essencial para que os processos de
significação do conhecimento por parte do aluno sejam analisados
em conjunto com os aspectos motivacionais.
Diante desses aspectos, percebemos que, no contexto de sala
de aula, quando o professor comunica qualquer mensagem, cada
aluno vai recebê-la significando-a de um modo específico, muitas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 101

vezes diferente daquela que o professor quis passar e isso se deve


por cada indivíduo ser único e fazer parte de um contexto social
diferente fora da escola.
O papel da professora em sala também será objeto de estudo,
visto que, para Vigotsky, a possibilidade de alteração no
desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é
fundamental. Portanto, o docente bem preparado saberá fazer as
perguntas que irão provocar desequilíbrio na estrutura cognitiva do
aluno, encaminhando-a a avançar em uma nova e mais elaborada
reestruturação de significados. Portanto, pretende-se responder as
seguintes questões de pesquisa: “Como os processos de elaboração
de significados contribuíram no ensino aprendizagem efetivo dos
alunos?” e “De que maneira ocorre o domínio da ferramenta cultural
de gêneros discursivos relacionados (ou não) a motivação?”

Fundamentação teórica

A Linguística, segundo Lobato (1986), é o estudo científico da


linguagem verbal humana (língua oral e escrita). O seu início como
ciência moderna se deu pela publicação de Cours de Linguistique
Génerale, o linguista suíço Ferdinand de Saussure, em 1916. Até
meados dos anos 60, a Linguística passou por momentos de
concentração de interesse em algumas áreas, tais como fonologia,
morfologia, sintaxe e semântica. Porém, a partir dos anos 60, os
pesquisadores demonstraram atenção para o uso e funcionamento
linguístico com implicações que são próprias das condições de
produção real da língua, ou seja, passou-se a integrar a Linguística
em seu sentido macro, abrangendo temas como: contexto, falante,
ouvinte, enunciador, enunciado, referente, espaço de interação,
fatores socioculturais, entre outros. Diante disso, algumas áreas
surgiram a partir de então, sendo uma delas a Linguística Aplicada.
A partir dessa nova abordagem, o fenômeno linguístico
passou a ser visto como um fenômeno sociocultural, heterogêneo e
102 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

em constante mudança. Sendo assim, a concepção de língua


ampliou-se, segundo afirmação de Marcuschi (2005, p.152):

A língua é um fenômeno cultural, histórico, social e cognitivo que


tempo e de acordo com os falantes: ela se manifesta no seu
funcionamento e é sensível ao contexto.

Nesse contexto, a partir dos anos 60, cresceu a preocupação


dos linguistas com o ensino de línguas e a Linguística Aplicada (LA)
se constituiu uma área de pesquisa. Na concepção atual, a LA é
considerada como área interdisciplinar que se empenha em
solucionar problemas humanos que derivam de vários usos da
linguagem, de acordo com Celani (1992, p.20) e (1998, p.132).
Segundo a autora, a LA poderia ser representada por uma
integração com muitas outras áreas, tais como: didática, sociologia,
psicologia do desenvolvimento, educação, história, entre outras, o
que a caracteriza como um campo de investigação autônomo.
A partir do momento em que faz uso da linguagem, o
indivíduo se encontra em um processo cultural, que, por meio de
símbolos, reproduz o contexto cultural que vivencia. Strey (2002)
aponta que o indivíduo tanto cria como mantém a sua cultura
presente na sociedade. Cada indivíduo, ao nascer, segundo o mesmo
autor, “encontra-se num sistema social criado através de gerações
já existentes e que é assimilado por meio de inter-relações sociais”
(2002, p.59) A formação da personalidade do ser humano é
decorrente, segundo Savoia (1989, p. 54), “de um processo de
socialização, no qual intervêm fatores inatos e adquiridos”. Entende-
se, por fatores inatos, aquilo que herdamos geneticamente dos
nossos familiares, e os fatores adquiridos provém da natureza social
e cultural.
Portanto, devemos considerar o aluno como sujeito ativo no
contexto cultural, no qual ele tem a liberdade de tomar decisões, por
meio de novas interpretações. Além disso, ele recebe a informação e
constrói, criativa e coletivamente, um processo cultural voltado à
época atual que vivencia. Se considerarmos a cultura como uma
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 103

herança social, que é transmitida por ensinamento a cada nova


geração, devemos conhecer a realidade cultural do aluno para
compreender suas práticas, costumes, concepções e as
transformações que ocorrem na sua vida e é nessa realidade
sociocultural que o indivíduo se socializa. Sua personalidade, suas
atitudes, opiniões se formam a partir dessas relações socioculturais,
em que controla e planeja suas próprias atividades. Assim,
Savoia (1989, p. 55) garante que “o processo de socialização consiste
em uma aprendizagem social, através da qual aprendemos
comportamentos sociais considerados adequados ou não e que
motivam os membros da própria sociedade a nos elogiar ou a nos
punir”.
Vigotsky (1978) abordou a interação social como um
componente essencial no desenvolvimento do conhecimento. Ele
acreditou que existem processos mentais entre as pessoas em
ambientes de aprendizagem social e que nesses ambientes, o
estudante desenvolve ideias para seu próprio mundo psicológico.
Essa transferência das ideias externas aos indivíduos,
compartilhadas no ambiente social, para aquelas que são
constructos pessoais internos, Vygotsky chamou de internalização.
De acordo com Vigotsky (1978), o ser humano é um ser social,
que constrói sua individualidade a partir das interações que
estabelece entre com outros indivíduos, mediadas pelos padrões da
cultura vigente. O desenvolvimento e aprendizagem são processos
ativos, no qual existem ações intencionais mediadas por várias
ferramentas. A mais importante dessas ferramentas é a
comunicação, mais propriamente a linguagem, que está na base do
intelecto humano. Todas as outras funções superiores do intelecto
desenvolvem-se a partir da interação social com base na linguagem.
A partir da teoria sociocultural de Vigotsky (1978) é que o
pesquisador norte-americano James Werstch desenvolveu seus
trabalhos na área de Psicologia e Educação, desenvolvendo a Teoria
da Ação Mediada.
104 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O conceito de motivação será norteado pelas autoras


Burochovitch e Neves (2004). Segundo as autoras, no âmbito
escolar, a motivação remete para o fator interno que move o aluno
para estudar, iniciar as tarefas de aprendizagem e nelas permanecer
até o fim. Dentre os tipos de motivação, têm-se a motivação
intrínseca e extrínseca. De acordo com Neves e Boruchovitch
(2004), a intrínseca se representa como uma tendência natural para
encontrar novidades e desafios. O indivíduo realiza determinada
atividade pela própria causa, por considerá-la interessante, atraente
ou por a mesma gerar satisfação. É uma orientação motivacional
que tem por marca a autonomia do aluno e a auto-regulação de sua
aprendizagem e pode ser influenciada por ações do professor. Já a
motivação extrínseca, segundo as mesmas autoras citadas
anteriormente, é aquela que se mostra como a motivação para
trabalhar em resposta a algo externo à tarefa ou atividade, como
para a conquista de recompensas materiais ou sociais, de
reconhecimento, objetivando atender aos comandos ou pressões de
outras pessoas ou para demonstrar competências e habilidades.

Procedimentos metodológicos

A metodologia dessa pesquisa terá uma abordagem com


características fundamentais do método qualitativo, tais como:
aprofundamento da compreensão do grupo social a qual os alunos
que serão investigados fazem parte e a posterior explicação e
compreensão dos fenômenos observados. Segundo Minayo (2011), a
pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde
a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis. Em síntese, de acordo com Gil (1994), a pesquisa
qualitativa considera que existe uma relação entre o mundo e o
sujeito que não pode ser traduzida em números, tal como aborda a
pesquisa quantitativa. A pesquisa qualitativa é criticada por seu
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 105

empirismo, pela subjetividade e pelo envolvimento emocional do


pesquisador (MINAYO, 2001, p. 14).
Essa pesquisa também pode ser considerada de caráter quali-
quantitativo, pois apesar do foco estar centrado no método
qualitativo, também haverá o levantamento de dados, através de
entrevistas e questionários que serão aplicados aos investigados a
fim de quantificá-los de acordo com as categorias que serão
futuramente elencadas para análises relevantes a pesquisa. Essas
informações coletadas garantirão um melhor entendimento dos
processos, além de possibilitar mais aspectos que permitam uma
análise estatística e o posterior cruzamento dessas informações
coletadas que possibilitarão ao pesquisador um entendimento
qualitativo. Em suma, conforme afirma Vilela (2011), a pesquisa de
caráter qualitativo tem como principal objetivo interpretar o
fenômeno que se observa e os processos pelos quais se chegará a
uma melhoria do ensino em sala de aula.
A coleta de dados será feita em três etapas (3 horas/aula).
Primeiramente iremos elaborar uma atividade direcionada para
sabermos os conhecimentos prévios dos alunos em relação a
ferramenta cultural gêneros discursivos. Pediremos para que eles
elaborem três textos em diferentes formas: em whatsapp, carta
formal e notícia jornalística. Todos os textos serão escritos sobre
um tema em comum. A segunda etapa se baseia em uma aula
expositiva dialogada na qual haverá a exposição de diferentes
gêneros discursivos por parte da professora e os alunos
participarão da exposição questionando dúvidas, inclusive sobre a
aula anterior na qual foi aplicada a atividade. Nesse momento
haverá a explicação da ferramenta cultural, bem como a
exemplificação de diferentes gêneros discursivos. Na terceira e
última etapa, a professora organizará os alunos em duplas e será
dada uma nova atividade direcionada sobre os gêneros para
verificarmos como ocorreu a elaboração de significados da
ferramenta cultural após ela ser apresentada aos alunos. Para a
106 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

análise de aspectos relacionados a motivação, será entregue aos


alunos, após a última etapa, um questionário direcionado.
A metodologia aqui descrita será aplicada a partir de
gravações em áudio e vídeo das próprias aulas de um dos
pesquisadores, durante o quarto bimestre de 2018, em uma escola
privada de São José do Rio Preto/SP, nas aulas de Língua
Portuguesa, área específica de Redação, para duas turmas do
primeiro ano do Ensino Médio (1º Ano A e 1º Ano B), no período
matutino. Os alunos que aceitarem participar assinarão um termo
de assentimento, bem como o termo de consentimento que será
assinado pelos seus respectivos responsáveis, visto que são alunos
menores de idade.
As aulas de redação propõem um trabalho com a língua que
envolve desde revisão conceitual até a prática de habilidades
específicas de leitura e escrita. As aulas são ministradas as terças e
quintas-feiras, contabilizando 2 horas/aula semanais para cada
turma e têm duração de 45 minutos cada. A gravação permitirá uma
posterior análise discursiva da ferramenta cultural que está sendo
analisada nesse contexto. Além da gravação, também serão
analisadas atividades de produções escritas que serão dadas aos
alunos para posterior entrega ao professor, bem como entrevistas
individuais e questionários abertos dialogados que serão anexados
nos apêndices.
Quanto ao tratamento de análise dos dados, com a posse das
gravações, as aulas serão transcritas para que os pesquisadores
tenham em mãos dados que serão triangulados posteriormente com
a posse de questionários abertos que serão aplicados a apenas alguns
alunos. Isso porque haverá um afunilamento na quantidade de
alunos que serão analisados a fundo, visto que a sala possui a
quantidade de 30 alunos e esse número total não é viável para que
seja analisado, pois a pesquisa conta um com tempo determinado
para seu término. Os dados retirados dos questionários serão
organizados em tabelas e/ou categorias para que possam ser mais
bem entendidos e organizados.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 107

É importante ressaltar que a interação com a professora


também será analisada, pois os processos de elaboração de
significados dos alunos dependem diretamente da atuação e da
linguagem da professora como mediadora em sala de aula.

Apresentação e discussão dos resultados

A presente pesquisa encontra-se na sua fase inicial de revisão


de bibliografia, portanto ainda não foram coletados dados que
possam ser analisados.

Conclusão

Essa pesquisa buscará contribuir para uma maior eficiência


tanto do trabalho do professor em sala de aula, quanto para o aluno
que está inserido no processo de ensino aprendizagem, visto que
serão analisados os processos de elaboração de significados dos
alunos de uma ferramenta cultural e também os aspectos
motivacionais relacionados a esses processos. Porém, como ainda
não houve a coleta de dados, não se pode chegar a conclusões
definitivas.
A Linguística Aplicada, mesmo sendo vista como um
fenômeno cultural, heterogêneo e em constante mudança, não dá o
enfoque necessário às interações sociais na busca da compreensão
de situações nas quais se desenvolve um processo de ensino
aprendizagem efetivo. Os dados que serão coletados buscarão
elucidar como acontecem os processos de elaboração de significados
de gêneros discursivos através da linguagem como ferramenta de
mediação via professora e alunos e dos próprios alunos entre si,
visto que, segundo Nery (2012), podemos pensar na linguagem
como interação, que possibilita articular várias áreas do
conhecimento, já que o homem é um ser de linguagem e de desejo.
A linguagem como interação pressupõe a construção de sentidos
entre indivíduos que agem, pensam e se relacionam através da
108 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

linguagem. Sendo assim, a linguagem – verbal ou não verbal - tem


papel fundamental na educação, pois permite a construção de
significados múltiplos para um conceito.
A língua portuguesa representa uma disciplina de grande
importância no sistema educativo, já que, nesse contexto, trata-se
de nossa língua materna, que gera um papel multidisciplinar,
servindo de suporte para aquisições a serem realizadas e/ou
possibilitadas em outras disciplinas. Em contraste a essa relevância,
vemos também uma desmotivação por parte dos alunos no
aprendizado da língua, que nos faz questionar os fatores que
contribuem e influenciam desmotivações de alunos para aprender a
própria língua materna.
Portanto, o projeto também levará em conta investigar a
fundo a relação desses fatores motivacionais diretamente com a
elaboração de significados de gêneros discursivos por parte dos
alunos.

Referências

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qualitativa. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

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2007.
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VILELA JUNIOR, Guanis de Barros. A pesquisa qualitativa. Disponível em


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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos


processos psicológicos superiores. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes,
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Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WERTSCH, J.V; Voices of the mind: a sociocultural approach to mediated action.


Cambridge: Harvard University Press, 1991b.
7

A extensão universitária como instrumento formador


para educação em Direitos Humanos e Mídia

Flaviana De Freitas Oliveira


Ana Maria Klein

Introdução

O Brasil apresenta um quadro de violação de Direitos


Humanos em diferentes âmbitos, seja pela inoperância estatal, pela
violência institucional e até mesmo nos preconceitos e desrespeitos
que se manifestam nas relações interpessoais. Reconhecendo a
necessidade e a importância dos Direitos Humanos, sobretudo em
sociedades plurais, globalizadas e multiculturais como a nossa, o
Estado brasileiro formulou em 2006 o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos – PNEDH (BRASIL, 2007), firmando o
compromisso de desenvolver uma educação comprometida com
conhecimentos, valores e práticas relacionadas aos Direitos
Humanos. Em 2010, o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 –
PNDH-3 (BRASIL, 2010) dedica um eixo inteiro à educação e cultura
da paz, ratificando a importância da educação para o respeito e
promoção dos Direitos Humanos.
A relação entre Direitos Humanos e educação não é casual, o
conhecimento acerca destes direitos demanda processos educativos
de diferentes naturezas, sejam eles formais e veiculados pelas
instituições de educação (escolas e universidades), sejam eles
informais como os veiculados pela mídia. Ambos os documentos
mencionados anteriormente dedicam especial atenção ao papel
112 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

educador que a mídia pode desempenhar na árdua tarefa de educar


em e para os Direitos Humanos.
Os meios de comunicação, portanto, têm papel na formação e
difusão da representação da dignidade da pessoa humana e dos
direitos fundamentais. A problematização da realidade é
fundamental à Educação em Direitos Humanos (EDH), pois os
Direitos Humanos não são apenas abstrações ou apenas um
conjunto de normas, eles tratam de direitos que deveriam fazer
parte da vida cotidiana de todos.
Assim, olhar para o mundo com a lente dos Direitos Humanos
possibilita perceber sua violação, reconhecer iniciativas voltadas a
sua promoção e desenvolver ações criativas, capazes de transformar
a realidade. Estudar como a mídia tem lidado com a questão dos
Direitos Humanos, e se tem incitado ou não os discursos de
intolerância, é importante para entender como as representações
dos Direitos Humanos são construídas entre os cidadãos.

Fundamentação teórica

Definição e histórico dos Direitos Humanos

Embora haja dificuldade em definir o que são os Direitos


Humanos, estes já foram conceituados por Henkin (1978, tradução
nossa) como “reivindicações morais e políticas que, no consenso
contemporâneo, todo ser humano tem ou deve ter perante sua
sociedade ou governo”.
Os Direitos Humanos são históricos, nascidos de lutas em
defesa de novas liberdades contra velhos poderes (BOBBIO, 1992).
Em 1948, foi redigida a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que visou garantir os direitos do ser humano de forma igualitária,
após as Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Nas palavras de Tosi
(2004):

Quando, após a experiência terrível dos horrores das duas guerras


mundiais, dos regimes liberticidas e totalitários, das tentativas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 113

“científicas” e em escala industrial de extermínios dos judeus e dos


“povos inferiores”, época que culminará com o lançamento da
bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki – os líderes políticos
das grandes potencias vencedoras criaram, em 26 de junho de
1945, em São Francisco, a ONU (Organização das Nações Unidas)
e confiaram-lhe a tarefa de evitar uma terceira guerra mundial e
de promover a paz entre as nações, consideraram que a promoção
dos “direitos naturais” do homem fosse a condição sine qua non
para uma paz duradoura. Por isto, um dos primeiros atos da
Assembleia Geral das Nações Unidas foi a proclamação, em 10 de
dezembro de 1948, de uma Declaração Universal dos Direitos
Humanos, cujo primeiro artigo reza da seguinte forma: “Todas as
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. São
dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas
às outras com espírito de fraternidade”. (TOSI, 2004, p. 14)

A Declaração retomou os ideais da Revolução Francesa e, em


âmbito universal, reconheceu os valores supremos da igualdade, da
liberdade e da fraternidade entre os homens (COMPARATO, 2015).
Após o documento de 1948, passou-se a universalizar os Direitos
Humanos com a elaboração de pactos e tratados, o que deu caráter
normativo aos direitos consagrados.
Embora a concepção de Direitos Humanos criada após a
Segunda Guerra Mundial garanta a igualdade e a liberdade entre os
povos, na prática os países têm lidado com dificuldades para
combater diversos aspectos que ferem os Direitos Humanos, como
desigualdade e discriminação.

Educação em Direitos Humanos

Juntamente com a Declaração Universal dos Direitos


Humanos (ONU, 1948) e a universalização dos direitos
fundamentais, veio o compromisso internacional da Educação em
Direitos Humanos (EDH). A própria Declaração, em seu preâmbulo,
ressalta como a educação é imprescindível para a aplicação destes
direitos.
114 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O principal marco brasileiro de EDH é o Plano Nacional de


Educação em Direitos Humanos – PNEDH (Brasil, 2007), criado em
2006, que foi posteriormente detalhado pelo Programa Nacional de
Direitos Humanos 3 – PNDH-3, (BRASIL, 2010). Um dos eixos deste
programa é relativo à educação, apontando as diretrizes e quais são
os principais mecanismos para que se alcance uma efetiva educação
para os direitos fundamentais.
A educação não é somente um meio de promoção dos Direitos
Humanos, pois é um fim em si mesma (CLAUDE; ANDREOPOULOS,
2015). O próprio artigo 30 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos dispõe que um dos objetivos da educação deve ser o
fortalecimento do respeito pelos Direitos Humanos e pelas
liberdades fundamentais.

(...) os termos introdutórios da Declaração esclarecem que “ensino


e educação” não são apenas novas funções do Estado após a
Segunda Guerra Mundial, entre as diversas funções
governamentais ligadas aos deveres dos membros das Nações
Unidas. Pelo contrário: reconhecendo a ação popular na esfera da
comunidade e o trabalho das organizações não-governamentais
(ONGs), as funções de “ensino e educação” são apresentadas como
sendo obrigação de “cada indivíduo e de cada órgão da sociedade”.
(CLAUDE; ANDREOPOULOS, 2015, p. 35)

A EDH é uma forma de preparar os cidadãos para participar


da formação de uma nova sociedade. Com esta forma de educação,
o indivíduo se torna preparado para o desenvolvimento de sua
autonomia política e para participação ativa em sua comunidade.
Desta maneira, concebe-se a formação de pessoas em Direitos
Humanos como uma forma de empoderamento, principalmente
concretizado em ações que visam prevenir as violações dos Direitos
Humanos em diferentes espaços (BRASIL, 2013).

EDH e os cursos de extensão


Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 115

A extensão universitária caracteriza-se como um processo


educativo e científico que articula o ensino e a pesquisa, de maneira
a produzir conhecimento e sistematizar uma relação
transformadora entre universidade e sociedade.
Para Ribeiro (1996), a Universidade, por meio da extensão,
tem conseguido ser menos solitária e mais solidária, ao efetivar as
tarefas que a especificam, na divisão social do trabalho: ao ensinar e
pesquisar, ela também aprende; ao se perceber agente ético, ajuda a
criticar e a criar; enquanto que a parceria em favor das boas causas,
contribui na formação de consciências e atitudes políticas mais
afinadas com a harmonia cultural democrática.
Gurgel (1986) coloca que, no início da década de 60 assistiu-
se ao aparecimento de toda uma série de experiências no sentido de
um relacionamento entre a universidade e a sociedade e que,
indiscutivelmente, a partir de 1968, a extensão passou a compor de
modo efetivo o discurso governamental, contando com meios para
a operacionalização de ações da universidade em relação à
comunidade.
A partir dessa visão do projeto de extensão como uma
interação entre universidade e sociedade, fica nítido o papel
universitário, perante a comunidade, de educar em Direitos
Humanos. Beretta e Andrade (2016, p. 2) afirmam que, por meio da
extensão, “a universidade avança seus limites, sai da exclusividade
acadêmica e, leva o conhecimento, criando cultura e um mundo
mais humano”.
O PNEDH (BRASIL, 2007) estabelece concepções, princípios,
objetivos, diretrizes e linhas de ação, contemplando cinco grandes
eixos de atuação, que são: educação básica; educação superior;
educação não-formal; educação dos profissionais dos sistemas de
justiça e segurança; e educação e mídia. Como a universidade está
incluída em um dos eixos do documento (educação superior), fica
ressaltado seu dever de educar em Direitos Humanos.
Os projetos de extensão, principalmente por meio de cursos
de difusão, são uma forma da universidade levar conhecimento para
116 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

a sociedade, cumprindo assim, papel social de divulgação


educacional e científica, coadunada com os princípios dos Direitos
Humanos.

O papel da mídia como educadora

Devido ao seu amplo poder de atenção, a mídia foi incluída


como um dos eixos para a EDH (Eixo V – Educação e Mídia) no
PNEDH (BRASIL, 2007). O documento descreve os meios de
comunicação:

São espaços de intensos embates políticos e ideológicos, pela sua


alta capacidade de atingir corações e mentes, construindo e
reproduzindo visões de mundo ou podendo consolidar um senso
comum que frequentemente moldam posturas acríticas. Mas pode
constituir-se também, em um espaço estratégico para a construção
de uma sociedade fundada em uma cultura democrática, solidária,
baseada nos direitos humanos e na justiça social. (BRASIL, 2007,
p. 53)

A mídia é produtora e reprodutora de relações de dominação.


Kellner (2001) explica que estas relações ocorrem por meio da
valorização de uma ideologia que valoriza o branco, masculino,
classe média ou rico. Dessa forma, produz hierarquias e
classificações que vão de acordo com os interesses da elite
dominante. De acordo com o autor, é necessário ter atenção ao que
a mídia não veicula, já que esta atitude mostra a ideologia de cada
meio de comunicação.
Baudrillard (2011) afirma que a mídia interfere na forma
como percebemos a realidade. Para o autor, um fato somente se
torna real quando as pessoas tomam conhecimento dele. Assim, os
meios de comunicação são responsáveis por criar uma hiper-
realidade, já que leva para perto do telespectador aquilo que é
distante.
Embora o PNEDH (BRASIL, 2007) tenha considerado a mídia
como um dos eixos primordiais para a educação em Direitos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 117

Humanos e a legislação brasileira exija imprensa livre e justa, os


números de violações de direitos cometidas pelos meios de
comunicação são absurdos. “País em desenvolvimento, recheado de
desigualdades sociais e com fortes traços de preconceito racial e
econômico, o Brasil oferece violações de sobra para gerar matérias
jornalísticas” (ALMEIDA, 2008, p. 257-258).
Pesquisa lançada pela Agência de Notícias dos Direitos da
Infância (ANDI – Comunicação e Direitos), intitulada Violações de
Direitos na Mídia Brasileira – Volume III (Varjão, 2016), revelou que,
em apenas 30 dias, narrativas de rádio e TV promoveram 4.500
violações de direitos, cometerem 15.761 infrações a leis brasileiras e
multilaterais e desrespeitaram 1.962 vezes normas
autorregulatórias, como o código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.
A análise incidiu sobre 28 programas “policialescos” produzidos em
10 capitais do País.
Os números da pesquisa mostram que, embora os meios de
comunicação tenham papel fundamental para a educação em
Direitos Humanos, a mídia tem falhado sistematicamente no seu
papel de promover a dignidade da pessoa humana.

Procedimentos metodológicos

Como forma de entender melhor a relação entre mídia e EDH,


criou-se um curso de extensão universitária, vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)
de São José do Rio Preto-SP, voltado para professores, estudantes de
graduação e pós-graduação, advogados, psicólogos, assistentes
sociais e profissionais de áreas afins. Trata-se do curso de difusão de
conhecimento “Grupo de Estudos sobre Educação em Direitos
Humanos e Mídia”, que está em andamento e conta com encontros
quinzenais presenciais e atividades não-presenciais, com carga
horária total de 90 horas.
118 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O curso de extensão foi aprovado em abril deste ano pela


Comissão Permanente de Extensão Universitária da Pró-Reitoria da
Extensão Universitária (PROEX) da UNESP. Segundo o parecer do
relator, a proposta contribui para consolidação do papel social da
universidade à comunidade interna e externa, dada sua relevância e
conveniência no momento presente. O primeiro encontro realizou-
se no dia 7 de junho de 2018 e o último encontro ocorrerá no dia 22
de novembro de 2018.
Com o curso, os participantes entenderão a dinâmica que rege
a EDH e o papel social da mídia. Os profissionais e estudantes
participantes do projeto serão capacitados a entender como utilizar
a EDH em seu cotidiano, principalmente com o auxílio de mídias
como redes sociais e blogs, e a ter uma visão crítica do que é
veiculado pelos meios de comunicação. Assim, será possível exercer
uma cidadania responsável e participativa dos fenômenos relativos
a nossa sociedade.
Os participantes inscritos no curso de difusão responderam a
um questionário, antes do primeiro encontro, para se verificar quais
suas concepções iniciais sobre Direitos Humanos e mídia. No final
do curso, responderão a outro questionário, para que se possa fazer
uma comparação de como as concepções de cada profissional
evoluíram e se a discussão realizada durante os encontros foi
eficiente.

Estrutura do curso

Quinzenalmente seus integrantes reúnem-se para discutir,


refletir e trocar experiências sobre o tratamento dado às
diversidades, sobre o desenvolvimento moral humano e sobre
projetos voltados aos Direitos Humanos e convivência ética. A
intenção é trocar experiências sobre o tratamento dado às
diversidades (étnico-racial, religiosa, sexual, promoção de direitos
nas escolas, medidas socioeducativas dentre outros) na sociedade e
na mídia, refletindo sobre valores morais e princípios éticos que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 119

sustentam estas práticas. São 14 encontros com 2 horas de duração.


Na primeira hora é discutido o texto enviado previamente e na
segunda hora o texto é problematizado a partir da realidade de cada
profissional.
A seguir é apresentada a abordagem temática de cada
encontro ao longo do curso:

Data do encontro (2018) Tema abordado


07/06 Direitos Humanos
21/06 A dimensão ética dos Direitos Humanos
05/07 Direitos Humanos e desenvolvimento moral do ser humano
19/07 Educação em Direitos Humanos e a importância da mídia
02/08 Direitos Humanos como produto midiático
16/08 O papel educador da mídia
30/08 Letramento digital
13/09 Televisão e rádio: concessões públicas e função social
27/09 Mídia, sociedade e estereótipos
04/10 Meios de comunicação e influência social
18/10 Mídia e Direitos Humanos
25/10 Mídia e Direitos Humanos
08/11 Cidadania e protagonismo profissional
22/11 Apresentação dos projetos desenvolvidos

Pretende-se que este grupo instrumentalize os participantes


para desenvolverem debates, discussões e projetos em suas
profissões. Além dos encontros quinzenais presenciais, o curso é
formado por leituras prévias, vídeos e orientação para o
desenvolvimento do projeto final, com base nos estudos e trocas de
conhecimentos. O objetivo é que os profissionais entendam a
dinâmica da EDH na mídia e criem um produto midiático para
promoção dos Direitos Humanos, como blogs, projetos em redes
sociais, folders ou vídeos, tornando-se capacitados a usar os meios
de comunicação de maneira educativa e para promover os Direitos
Humanos. Cria-se, assim, uma rede de troca e cooperação entre
sociedade e universidade.
Os participantes que cumprirem com os requisitos avaliativos
e de frequência receberão certificado de curso de extensão emitido
pela PROEX da UNESP. Os requisitos são: (1) participar de ao menos
75% dos encontros presenciais; (2) entregar 3 portfólios com
120 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

notícia, imagem, letra de música, poema ou fotografia relacionada


aos Direitos Humanos e uma explicação sobre o material escolhido;
(3) elaborar projeto midiático para difundir o conhecimento sobre
Direitos Humanos; (4) desenvolver o projeto e apresentar a versão
final.

Resultados parciais

Conforme exposto, os participantes responderam a um


questionário, no início do curso, que buscava traçar suas concepções
em relação aos temas ressaltados. O primeiro resultado relacionado
ao projeto é relativo ao primeiro questionário, que demonstra que
os participantes, embora entendam o que são os Direitos Humanos
e qual a sua importância, ainda não estabelecem conexão
suficientemente crítica para a relação entre educação, Direitos
Humanos e mídia.
Após a aplicação do segundo questionário, ao final do curso,
será possível comparar as mudanças das concepções dos
participantes e ver qual foi a efetividade do curso neste processo.
Nos questionários, há perguntas objetivas, que serão classificadas
estatisticamente com gráficos, e perguntas abertas, que serão
categorizadas.
A proposta de um curso de extensão voltado para
profissionais de áreas correlatas a educação, Direitos Humanos e
mídia parte do pressuposto da responsabilidade de cada profissional
com a cidadania. Assim, além do levantamento comparativo feito a
partir dos questionários, espera-se que o curso contribua para
melhorar a visão crítica dos participantes e sua autonomia moral.
Dessa forma, espera-se como resultado do curso de extensão
a contribuição para formar cidadãos conscientes e que reconheçam
os meios de comunicação como um espaço estratégico para a
construção de uma sociedade fundada em uma cultura democrática,
solidária, baseada nos Direitos Humanos e na justiça social.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 121

Conclusões

A Educação em Direitos Humanos (EDH) é um compromisso


internacional datado do século XX, desde que a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (ONU, 1948) foi proclamada pela ONU e
afirmou em seu preâmbulo a importância da educação para os
Direitos Humanos. No Brasil, o compromisso do Estado com a EDH
tem como marco o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos – PNEDH (BRASIL, 2007).
As respostas aos questionamentos sobre o porquê de se levar
os Direitos Humanos para debate estão presentes em nosso
cotidiano, nos preconceitos, nas discriminações, nas desigualdades
sociais, nas violações de direitos que vivenciamos na sociedade.
Geralmente quando falamos em Direitos Humanos no Brasil,
referimo-nos à reparação de direitos violados. A Educação em
Direitos Humanos possibilita atuar numa outra via, a da promoção
e conscientização sobre os mesmos.
Neste contexto, sabe-se que a mídia, como educadora
informal, tem papel social de educar em Direitos Humanos e ocupa
um dos eixos do PNEDH (BRASIL, 2007). A educação superior
também compõe um dos eixos do documento com a função de
promover a EDH.
A partir deste cenário, buscou-se criar um curso de extensão
universitária para promover a Educação em Direitos Humanos, em
uma interação entre universidade e sociedade, e para capacitar
profissionais de diferentes áreas a desenvolver uma visão crítica de
como a mídia lida com os Direitos Humanos no cotidiano social.

Referências

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8

A formação de educadores ambientais:


concepção teórico-metodológica de uma disciplina no
ensino superior

Daniel Fonseca de Andrade


Tainá Figueroa Figueiredo

Introdução

O presente texto visa apresentar a fundamentação teórico-


metodológica da disciplina de graduação intitulada ‘Educação
Ambiental e Cidadania’, oferecida pelo Instituto de Biociências da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Essa
disciplina é obrigatória para todos os cursos de licenciatura
(UNIRIO, 2013) desta universidade, em respeito ao previsto na Lei
da Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999).
‘Sociedades Sustentáveis’ é um conceito que foi difundido
mundialmente junto ao Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (FÓRUM…,
1992), produzido durante a Cúpula dos Povos, no âmbito da
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, no Rio de Janeiro (BRASIL, 2006). Entretanto,
mais do que um conceito, ‘Sociedades Sustentáveis’ é uma
terminologia que carrega em si toda uma proposta civilizatória, uma
alternativa de futuro àquela que nos é fornecida pela ideia de
Desenvolvimento Sustentável (IBID).
Como coloca Sachs (1995), Desenvolvimento Sustentável é
uma ideia difundida pelas Organizações das Nações Unidas que tem
126 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

como intenção maior incorporar, na noção tradicional de


desenvolvimento, a variável ambiental. Entretanto, como tal,
mantém como base os mesmos princípios da ideia original de
desenvolvimento, um processo evolutivo “linear e ilimitado” (LANG,
2016, p. 25) de implantação de uma economia de mercado que inclua
ao menos a maioria da população de um território (HEIDEMANN,
2009). Assim, desenvolvimento sustentável é uma concepção que
reduz a enorme diversidade social do planeta a suas economias. Pior
do que isso, dita, desde fora, o rumo dessas economias. Como
‘desenvolvimento sustentável’ é um projeto que mantém a ordem
global muito parecida às existentes durante os períodos de
colonização, para muitos o que propõe é basicamente a continuação
desses períodos, agora operacionalizados de outra forma
(ANDRADE e SORRENTINO, 2014a; LANG, 2016).
‘Sociedades Sustentáveis’, neste contexto, compreende o
planeta a partir de princípios diferentes e vislumbra outros futuros
possíveis. Como o próprio nome diz, ‘Sociedades Sustentáveis’ é um
conceito no plural, justamente por reconhecer a pluralidade
socioambiental existente e ter como princípio central o
fortalecimento dessa diversidade (FÓRUM…, 1992; BRASIL, 2006).
Assim, pensar na formação de educadores para Sociedades
Sustentáveis pressupõe, imediatamente, pensar em formações que
imputem na diversidade um valor. Diversidade que se remeta aos
mundos biológico e social, esse último manifestado na forma de
democracia. Do ponto de vista pedagógico, isso significa, no extremo,
focar na formação de educadores que se vejam, eles mesmos e aos
outros, na sua “absoluta singularidade” (BRANDÃO, 2007, p.4).

Fundamentação teórica

Diante da diversidade e complexidade do mundo, o papel da


educação ambiental (EA) se relaciona ao reconhecimento e extração,
de ações do cotidiano, da “hipercomplexidade” do campo
pedagógico. Na prática, isso significa ir muito além da resolução de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 127

problemas ambientais para incluir os aspectos políticos, filosóficos e


científicos relacionados a eles (ANDRADE e SORRENTINO, 2013).
Desta forma, a EA deve ser capaz de “transitar entre os
múltiplos saberes: científicos, populares e tradicionais, alargando a
visão do ambiente e captando os múltiplos sentidos que os grupos
sociais lhe atribuem” (CARVALHO, 2012, p. 125), carregando consigo
e nutrindo a diversidade como um princípio. Segundo Carvalho
(1998), a educação é uma prática produtora de subjetividades.
Também, é responsável pela inserção de indivíduos numa narrativa
espaço – temporal determinada, formando assim sujeitos
historicamente situados (CARVALHO, 2004), contribuindo dessa
forma para uma mudança de valores e atitudes a partir da
singularidade de cada ser. A intenção pela formação de sujeitos
históricos justifica o caminho teórico-metodológico da disciplina,
pautado em dinâmicas participativas e nas histórias dos fatos
considerados importantes para a compreensão da racionalidade atual.

A disciplina de Educação Ambiental e Cidadania da UNIRIO:


fundamentos e práticas

Formar educadores que se reconheçam, e aos outros, na sua


absoluta singularidade, é a intenção maior desta disciplina,
elaborada tendo como esteio o ‘Tratado de Educação Ambiental’ e
seus dezesseis princípios (FÓRUM…, 1992).
Em linhas gerais, o objetivo da disciplina é habilitar os egressos
ao exercício da educação ambiental formal e não formal. De forma
específica, os objetivos são compreender as origens da problemática
ambiental; compreender a complexidade da questão ambiental e do
campo da educação ambiental; identificar características da educação
ambiental crítica; e construir práticas pedagógicas de educação
ambiental. Isso se pretende alcançar ao longo de um planejamento de
45 horas-aula distribuídos em 15 semanas, com encontros semanais de
três horas. A diversidade, além de fundamento teórico-metodológico, é
também um componente das turmas dessa disciplina, já que são
128 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

compostas por estudantes de diferentes idades e áreas do


conhecimento, como por exemplo as licenciaturas em Biologia,
Ciências da Natureza, Matemática e Biblioteconomia, além também de
estudantes de bacharelado, como em Ciências Ambientais e Ciências
Biológicas.
A inspiração mais profunda para a composição da disciplina é a
obra Freire (1987), de onde extraímos o seu princípio fundamental que
é a ideia da formação educativa como um processo contínuo de ‘ser
mais’, reconhecendo, portanto que a educação não se limita àquilo que
o autor denomina de ‘educação bancária’. Sobre o princípio do ‘ser
mais’ se ancoram os demais princípios da disciplina: o princípio do
diálogo (BUBER, 1979; FREIRE, 1987; BOHM, 2005); dos conteúdos
como meios e fins (FREIRE, 1987); da noção da realidade fluida
(BOHM, 1995; 1999), constituída pelas dimensões subjetiva, objetiva e
intersubjetiva da vida (TASSARA; ARDANS, 2005); a noção de que os
estudantes precisam ser protagonistas dos seus processos formativos
(FREIRE, 1987); do aprender como ampliação dos domínios dos
discursos e da incorporação de novas possibilidades de compreensão
e participação (MORAES; GALIAZZI, 2003); e do seu papel enquanto
espaço de desenvolvimento da percepção de si enquanto sujeito
histórico (FREIRE, 1987; CARVALHO, 2004).
O princípio do diálogo é fundamentado no trabalho de Buber
(1979), Freire (1987) e Bohm (2005), e indica a intenção da
disciplina de identificar e lidar com assimetrias que possam se
colocar como obstáculos entre educadores e educandos, e que se
constituem assim como barreiras a sua criatividade e liberdade.
Nesse contexto, as aulas foram pensadas como espaços de encontro
entre sujeitos (BUBER, 1979; FREIRE, 1987; BOHM, 2005) em que a
diversidade dos educandos fosse também vista como um elemento
pedagógico relevante.
O princípio dos conteúdos como meios e fins emerge como uma
transcendência da tradição conteudista da educação tradicional. No
nosso caso, atribuímos aos conteúdos um papel de relevo em si e
também como mediadores de relações no fomento de outras
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 129

habilidades, competências e valores, conforme destacado pelos


Princípios da Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global (FÓRUM..., 1992). Conteúdos não são,
portanto, apenas fins, mas importantes meios para o fomento de
relações. Por fim, a reunião de conteúdos com essas habilidades,
competências e valores visa à potencialização do agir (COSTA-PINTO,
2013; SORRENTINO et al, 2013) de educandos e educadores para que
os mesmos ‘sejam mais’ (FREIRE, 1987). Como exemplo de habilidades
e valores promovidos pela disciplina destacamos o pensamento crítico
e integrado, a autonomia, a coletividade, a identidade e a afetividade.
Quanto ao princípio da realidade fluida, consideramos, a
partir de leituras de Bohm (1995, 1999), Morin (1990, 2001) e Santos
(2001), que a realidade é uma interpretação espaço-temporal tecida
a partir de um paradigma vigente e que abrange e se move pelas
dimensões objetiva, subjetiva e intersubjetiva da vida (TASSARA;
ARDANS, 2005). Portanto, o processo educativo deve deslocar
educandos da posição passivo-receptora de algo que é, para de
autores e atores de uma vida que está sendo, como protagonistas
nos seus mundos individual e coletivo (FREIRE, 1987). Assim, há um
foco destinado ao mundo em movimento e a si no mundo, que
transcende a dimensão objetiva da realidade.
Ainda sobre o protagonismo dos estudantes, a disciplina foi toda
construída para ser desenvolvida através de metodologias
participativas mediadas por estímulos pedagógicos diversos, como
textos, filmes, músicas, obras de arte e palestras. Assim, as aulas
tornam-se momentos de criação coletiva, o que é para nós a essência
do diálogo (BOHM, 2005). O uso dessas metodologias se fundamenta
nas teorias do diálogo (BOHM, 1995, 1999, 2005; BUBER, 1979;
ISAACS, 1999; FREIRE, 1987; ANDRADE e SORRENTINO, 2016) e de
participação (ARNSTEIN, 1969). Também, esse uso é inspirado pelo
conhecimento de que a participação democrática precisa ser
exercitada e desenvolvida intencionalmente (LEWIN, 1989) e que
nesse sentido a elaboração de pedagogias dialógicas se coloca ainda
como um desafio (ANDRADE e SORRENTINO, 2014b).
130 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Nesse contexto, as aulas da disciplina são compreendidas


como oficinas, onde quem ‘trabalha’ é o discente a partir de
estímulos fornecidos pelo seu professor e monitora, que assumem,
portanto, um papel de organizadores, mediadores e instigadores do
processo educativo, visando a emergência do protagonismo
discente. Consideramos nas nossas práticas que esse protagonismo
é inibido em práticas bancárias de educação fundamentadas na
memorização, que ensinam que o modo “certo” de se compreender
a realidade é por meio da apropriação das narrativas hegemônicas
consideradas verdadeiras. Diferentemente disso, na formulação
desta disciplina visamos a produção, pelos estudantes, de narrativas
próprias sobre si e o mundo, a partir da alquimia entre os estímulos
oferecidos por nós, seu repertório e sua identidade.
Isso tem a ver com o quinto princípio acima, do aprender como
ampliação dos domínios dos discursos. Em nosso trabalho,
compreendemos que “aprender” significa (re)edificar narrativas, que
construímos a partir de fragmentos que selecionamos
inconscientemente do mundo em função do nosso paradigma (BOHM,
1999; MORIN, 2001). Como consequência, a percepção de que a
interpretação da realidade que temos é uma construção social requer
que o educando assuma um papel ativo na vida, e não assivo, situado
no fluxo da história enquanto sujeito histórico (FREIRE, 1987;
CARVALHO, 1998), nosso sexto princípio. Portanto, assumimos que a
aprendizagem é um fenômeno absolutamente subjetivo e que se dará
de forma diferente com cada estudante, mesmo diante dos mesmos
estímulos (GALLO, 2017), sendo então um desafio identitário, quando
o desvelamento do objeto (uma visão mais nítida das coisas do mundo)
leva ao desvendamento do sujeito (à desestabilização e rearranjo do que
o sujeito “sabe”, e consequentemente de como ele vê o mundo)
(TASSARA; ARDANS, 2005).
Baseados nesses princípios e, em coerência com eles,
elaboramos um programa no qual todos os encontros se dão por
meio de metodologias participativas, nas quais os estudantes são
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 131

convidados a se relacionar, individual e coletivamente, com os


estímulos disponibilizados.
O planejamento da disciplina foi construído de forma a seguir
uma cronologia. Iniciamos, entretanto, nos dias atuais, fazendo um
diagnóstico dos mesmos do ponto de vista socioambiental, e a partir
daí, nos perguntamos “como chegamos a este estado?” A resposta para
tal questão foi construída com alguns elementos que consideramos
chave enquanto conteúdos para processos de formação de educadores
para Sociedades Sustentáveis: estudamos a formação do pensamento
moderno e a influência do pensamento científico para os dias atuais
(CAPRA, 1997); estudamos o processo de colonização (QUIJANO, 1992;
ADICHIE, 2009) e o ‘pacote’ que veio para a América Latina atrelado a
ele, com ênfase para o capitalismo e o racismo (LEWIS, 2012), e os
resquícios desse processo nos dias atuais; conhecemos, a partir de uma
representante, a cosmologia Guarani e a sua relação com a natureza;
estudamos a era do desenvolvimento (LANG, 2016), já no século XX,
seus pressupostos e como mantém a mentalidade colonizadora e a
organização mundial colonial; estabelecemos a relação entre a
proposta de desenvolvimento e aquilo que é conhecido como ‘a grande
aceleração’ (STEFFEN et al, 2015), ou seja, um curto período de tempo
em que as intervenções do ocidente com a natureza se intensificaram,
dando início aos problemas ambientais observados em grandes
escalas; estudamos o início das respostas a esses problemas,
configurando aquilo que chamamos genericamente por ‘movimento
ambientalista’ (KITCHELL, 2012); estudamos a evolução desse
‘movimento’ ao longo do tempo e como ele se complexifica, na medida
que passa a ser integrado por matrizes ideológicas diversas, que
passam a disputar o campo em busca da hegemonia (CARVALHO,
1998); estudamos a origem e diversificação da educação ambiental, a
identificando também como um campo diverso e conflituoso,
‘habitado’ por diferentes correntes de valores (CARVALHO, 2012;
DIAS, 1998; MEDINA, 1997; REIGOTA, 1998); dentre essas correntes,
estudamos os Princípios do Tratado de Educação Ambiental (Fórum…,
1992) como um ‘sul’ para a orientação da educação ambiental, e por
132 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

fim, estudamos a ciência do pensamento complexo (MORIN, 1990)


como possibilidade epistemológica alternativa ao cartesianismo como
forma de ver e organizar o mundo.
Na proposta, os estudantes entram em contato com os
conteúdos das aulas previamente aos encontros, para que sejam
desvelados coletivamente nas aulas, quando as narrativas
individuais dos estudantes são combinadas com as dos demais em
busca de complementos e contradições. Desta forma, a intenção é a
construção de uma narrativa coletiva a partir de diferentes pontos
de vista ao final dos encontros.
Nesse contexto e em função do foco colocado pela disciplina
no aprendizado, os estudantes são envolvidos em processos de
construção de práticas pedagógicas para que, à luz da teoria, se
autoanalisem enquanto educadores. Para tal, no início da disciplina
é solicitado que eles, a partir do diagnóstico socioambiental
realizado, construam uma prática para ser implementada junto aos
colegas. Essa prática é seguida pela sua autocrítica, feita a partir de
Freire (1987). Ao final do semestre, mais uma vez, são convidados a
construírem práticas, agora já conscientes não apenas da
importância dos conteúdos, mas também do fomento do
protagonismo, da criticidade e da criatividade dos educandos, o que
depende da metodologia utilizada. Assim, constroem suas práticas
para lidar com conteúdo e, ao mesmo tempo, promover um ou mais
princípios do Tratado de EA. Essa proposta visa que os estudantes
vivenciem a prática docente, percebam o quanto o modelo bancário
está naturalizado e o quanto é difícil fazer diferente.
Como forma de avaliação, propomos uma combinação de
métodos. Primeiro, avaliamos seus trabalhos individuais, nos quais os
estudantes respondem a questões sobre os materiais propostos e
expressam o que aquele determinado exercício (uma leitura, a análise
de filme, música ou obra de arte) ensejou em si (pensamentos,
reflexões, relações). Neste caso, são avaliados quanto ao diálogo com
os materiais e reflexões das aulas, pela capacidade crítica e o
estabelecimento de relações com outros materiais e com o mundo. Em
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 133

segundo lugar, são também avaliados pela elaboração e execução


coletiva de práticas pedagógicas, nas quais é observada a coerência
entre o que propõem e o que promovem. Finalmente, ao final do
semestre, são avaliados pela composição de um texto narrativo, no
qual são convidados a nos contar “o que aprenderam com a disciplina”.
É importante ressaltar que, por avaliar, compreendemos não a
atribuição de uma nota, mas o desenvolvimento de capacidades
críticas, integradoras e a coerência teórico-metodológica.
A pergunta sobre o que a leitura suscitou no estudante visa
propiciar um espaço de livre expressão onde os estudantes
relacionam a leitura com o seu eu interior, enquanto sujeito, e com
a sua história de vida, enquanto ser histórico, relacionando assim, o
texto às suas vivências. Segundo Souza (2008, p. 91), o processo de
escrita da narrativa pode ser considerado uma atividade formadora
“por potencializar no sujeito o contato com sua singularidade e o
mergulho na interioridade do conhecimento de si, e remete o sujeito
a refletir sobre sua identidade”. Esse contato é compreendido aqui
como elemento fundamental para a formação de educadores
conscientes de si, singulares e diversos, e também coerente com a
realidade educacional brasileira composta por uma multiplicidade
de contextos educativos.
Além da avaliação dos estudantes, consideramos importante
avaliar de forma contínua o processo pedagógico e a disciplina. Para
isso, ao final de cada encontro, os educandos são motivados a
resumi-lo em uma palavra. As palavras são registradas e se tornam
elementos de uma ‘nuvem’, que é composta por indícios da
percepção individual dos estudantes sobre a aula. Assim, a
compreensão da questão ambiental como uma nebulosa
(CARVALHO, 1998), composta por diversos valores, princípios e
interesses, fundamenta essa prática. Fundamenta também a
compreensão da EA como um campo composto por múltiplas
identidades. Por fim, fundamental a disciplina, que incorpora
diferentes participantes que dialogam com as aulas e materiais de
formas distintas. Ao final do semestre, os estudantes são convidados
134 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

a escrever o que felicitam, criticam, sugerem e perguntam sobre a


disciplina, de forma anônima, produzindo então uma avaliação
qualitativa, um panorama das suas visões em relação a ela,
acompanhadas de sugestões criativas de melhoria.

Considerações finais

Formar educadores para Sociedades Sustentáveis é formar para


um mundo que está por vir e que precisa ser construído ativamente
por meio da luta. Pedagogicamente falando, a luta passa pela
democracia, pela democratização da sala de aula e pelo exercício
cotidiano dessa democratização. Assim, processos formativos do tipo
não podem ficar centrados nos conteúdos, mas precisam buscar
coerência epistemológica e metodológica com as teorias que propõem.
No caso desta disciplina, o centro é o aprendizado de educandos e
educadores, em diálogo. O desafio é, portanto, multidimensional e
exige muita desconstrução e reconstrução daquilo que é sabido e do
que significa saber. No nosso caso, optamos por colocar o aprendizado
no centro dos processos pedagógicos e assumir nosso papel como
mediadores, como quem oferece inícios e meios, mas que não têm a
intenção de controlar os fins. Tais fins, à luz do valor da diversidade,
são construídos por cada educador em formação em suas práticas
presentes e futuras, a partir daquilo que se apropriaram da disciplina
e do diálogo dessa apropriação com o mundo.
Agradecemos à Pró-Reitoria de Graduação da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro, PROGRAD, pela cessão da bolsa
de monitoria para a segunda autora deste trabalho no ano de 2017, que
permitiu o desenvolvimento participativo da disciplina de Educação
Ambiental e Cidadania e gerou as condições iniciais para esta pesquisa.

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9

A formação dos professores no ensino de ciências


nos anos iniciais

Leiriani Abreu
Thaís Gimenez da Silva Augusto

Introdução

Desde a década de 1970, a implantação da Lei 5692, de 11 de


agosto de 1971, estendeu a obrigatoriedade do ensino de Ciências
para o Ensino de 1º e 2º Graus, o que continua válido atualmente
com a Lei nº 9394 (atual LDB), de 20 de dezembro de 1996. Para
tanto, a nova legislação, promulgada em 1996, instituiu a formação
obrigatória em nível superior para atuar na educação básica.
O professor que ensina Ciências nos anos iniciais do Ensino
Fundamental é considerado polivalente e generalista e, muitas
vezes, encontra dificuldades para ensinar essa disciplina, devido ao
seu reduzido contato com a prática pedagógica de Ciências durante
a sua formação (AUGUSTO; AMARAL, 2015).
Para Bizzo (2002),

Os professores polivalentes que atuam nas quatro primeiras séries


do Ensino Fundamental têm poucas oportunidades de se
aprofundar no conhecimento científico e na metodologia de ensino
específica da área, tanto quando sua formação ocorre em cursos de
magistério como em cursos de Pedagogia (p. 65).

Nesse sentido, durantes os cursos de formação para os


professores polivalentes que atuam multidisciplinarmente, os
140 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conhecimentos sobre os objetos de ensino com os quais os docentes


trabalharão futuramente são abordados superficialmente.
Entretanto, “o curso de formação de professores deve, assim, ser
fundamentalmente um espaço de construção coletiva de
conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem” (Parecer CNE/CP
009/2001, p. 36).
Para Carvalho et al. (2006) é necessário ajudar os professores
a analisar criticamente o ensino tradicional recebido durante sua
formação, assim como questionar e refletir sobre o currículo.
Assim, a visão construtivista do ensino propõe para a
formação de professores uma aquisição e uma (re)construção do
conhecimento e da aprendizagem sobre o ensino de Ciências. Nesse
sentido, os cursos de formação docente tem como objetivo as
mudanças didáticas e para isso é necessário criar atividades que os
levem a uma reflexão crítica e inovadora sobre o ensino
(CARVALHO E GIL-PEREZ, 1992).
A presente pesquisa tem como objetivo investigar como se deu
a formação inicial e o acesso à formação continuada, na área de
Ciências da Natureza, de professoras atuantes nos anos iniciais do
ensino fundamental de uma escola municipal de um município de
pequeno porte.

Fundamentação Teórica

No início da década de 1960, foi promulgada a Lei de


Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 4.024, de 21 de dezembro de
1961), que alterava algumas propostas do currículo de Ciências. Foi
incluída a disciplina de Iniciação à Ciência, desde a primeira série do
curso ginasial e houve o aumento da carga horária das disciplinas
científicas de Física, Química e Biologia. Nesse período, também
intensificou-se a incorporação de grandes projetos no ensino das
Ciências, que tinham como objetivo “permitir a vivência do método
científico como necessário à formação do cidadão” e não somente
para a preparação de um cientista (KRASILCHICK, 1987, p. 9).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 141

Entretanto, nesse período, o ensino continuava tradicional e os


professores eram transmissores de conhecimentos, acreditavam
que através de aulas expositivas os alunos absorviam todas as
informações (BRASIL, 1997).
Assim, a prática pedagógica nas décadas de 60 e 70 tinha como
objetivo modernizar os conteúdos com o propósito de estabelecer
princípios unificadores da Ciência, aulas práticas no laboratório e
discussão dos resultados, promovendo debates, participação em feiras
de Ciências, excursões e atividades de campo, mas mesmo assim o
ensino continuou sendo expositivo e fragmentado. O principal
material de apoio dos professores era o livro didático. As aulas de
laboratório aconteciam eventualmente apenas para a confirmação da
teoria ou em caráter ilustrativo, ou seja, continuou predominando o
tradicionalismo (FRACALANZA, 2002).
Para tanto, nos anos 80 questionou-se como acontecia o
processo de construção do conhecimento científico pelo aluno.
Nessa perspectiva, passou-se a exigir mais dos estudantes, que
tiveram que compreender a relevância da tecnologia, levando a
“alfabetização científica” a ser o centro das preocupações dos
professores (KRASILCHICK, 2000).
Assim, pesquisadores e formadores têm recomendado
práticas inovadoras e diferenciadas para tentar suprir a defasagem
na aprendizagem de Ciências. Krasilchick (1987) chama a atenção
para um problema relevante no ensino de Ciências: a falta de vínculo
com a realidade dos alunos, não são investigados os conhecimentos
prévios e os interesses dos estudantes, tornando o ensino sem
significado para os mesmos.
Considera Cardoso (1997) que a inovação pedagógica deve ser
uma mudança intencional e que exige esforço para melhorar a prática
educativa. Inovar significa fazer algo novo, de modernização, sem
modificar o essencial tido como exigência fundamental na educação.
Nesse sentido, durante os cursos de formação para os
professores polivalentes que atuam multidisciplinarmente, os
conhecimentos sobre os objetos de ensino com os quais os docentes
142 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

trabalharão futuramente são abordados superficialmente. Entretanto,


“o curso de formação de professores deve, assim, ser
fundamentalmente um espaço de construção coletiva de
conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem” (Parecer CNE/CP
009/2001, p. 36).
Considera Delizoicov, Lopes e Alves (2005) que os professores
necessitam de uma formação continuada para sanar as falhas da
formação inicial, articulando a prática pedagógica e os saberes
docentes.
Mizukami et al. (2002, p. 3) e Tardif (2008, p. 43) apresentam
a formação profissional como um continuun, ou seja, um processo
pelo qual o professor constrói seu conhecimento profissional, o qual
se estende por toda a carreira docente. Tornando-se uma obrigação
profissional, tanto individual quanto coletiva, que se é parte
integrante da profissão docente. De acordo com Tardif (2000, p. 7)
os profissionais devem “autoformar-se e reciclar-se através de
diferentes meios”, ou seja, os conhecimentos profissionais são
“evolutivos e progressivos”, pois necessitam de uma formação
contínua e continuada em todos os momentos de sua carreira.
Para Nóvoa (1995) o diálogo, a troca de experiência e saberes
entre os docentes é fundamental para a formação de professores e
para consolidar saberes emergentes da prática profissional.
A formação continuada tem se tornado muito importante na
vida profissional dos docentes quando visa um caráter reflexivo em
todas as propostas envolvendo a prática docente. Nessa perspectiva,
Shulman (2005) defende o desenvolvimento profissional como a
construção de saberes relativos ao exercício profissional docente.
Essa abordagem reflexiva é sempre um desafio, porque a própria
formação inicial dos professores não os prepara adequadamente
para pensar a respeito de sua prática.
Imbernón (2002) defende a ideia de uma inovação na cultura
profissional nas escolas, em favor da formação docente como
desenvolvimento profissional, tanto na formação inicial como na
formação contínua, indispensáveis nos contextos que determinam o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 143

trabalho do professor (como salário, carreira, clima de trabalho,


estruturas organizacionais, níveis de participação e de decisão),
referenciado no enfoque de aspectos implicados em sua prática
docente, ou seja, que faz parte da vida do professor.
Para tanto, Candau (1997) também entende que a formação
continuada deve valorizar o trabalho dos professores, através dos
saberes da experiência (prática) e a realidade das reformas que lhe
são propostas.
Nessa perspectiva, Passos et al. (2004) entende como saberes
docentes, o saber profissional, o saber disciplinar, o saber da
experiência e o saber da docência.
Para Tardif (2007) os saberes dos professores podem ser
classificados em cinco tipos, de acordo com a trajetória profissional
e a prática pedagógica, ou seja, segundo sua origem, sendo eles:

- saberes pessoais;
- saberes provenientes da escolaridade básica;
- saberes provenientes da formação profissional para o magistério;
- saberes provenientes de programas e livros didáticos;
- saberes provenientes da experiência profissional.

Assim, segundo o autor, o professor ao longo de sua profissão


adquire outras “fontes de aquisições sociais”, como através do
ambiente e da família, dos estágios supervisionados, da formação
inicial e continuada, entre outros.
O autor aborda que o professor diante de sua prática e da sua
função profissional desenvolve saberes específicos baseados no seu
exercício, através de seu cotidiano e conhecimento de sua vivência.
Desse modo, durante a prática pedagógica o professor adquiri uma
aprendizagem e um conhecimento com sua experiência.
Nessa perspectiva, Perrenoud (2002) considera os saberes da
experiência como o conhecimento construído ao longo da prática, ações
que enriquecem ou transformam nossas práticas, em que Bourdieu
chama de habitus, e Tardif (2007, p. 49) como “macetes” da profissão
que transformam traços da “personalidade profissional”.
144 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em síntese, a formação de professores deve ser contínua para


que surja espaços para reflexão sobre suas ações, produzindo novos
conhecimentos sobre a prática.

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa desenvolvida tem abordagem qualitativa,


investigativa e exploratória. Sendo assim possível, investigar sobre
a formação e experiência Ciências dos professores e seu ensino nos
anos iniciais. O campo empírico para a realização da pesquisa foi a
sala de aula, de 2º a 5º anos do Ensino Fundamental.
Para tal, foi realizado trabalho de campo em uma unidade
escolar pública municipal de uma cidade de pequeno porte no
interior de São Paulo, utilizando-se entrevistas com os professores.
As entrevistas foram realizadas em dois momentos: primeiro
foi realizada a entrevista para caracterização pessoal para
identificação das professoras participantes, e depois, foi realizado
uma entrevista semiestruturada.
O Questionário de Caracterização Pessoal realizado com as
professoras tinha como objetivo buscar informações sobre as
características das participantes da pesquisa como dados pessoais,
formação e experiência profissional.
O objetivo da entrevista semiestruturada foi conhecer a
formação em Ciências e sua formação continuada.
Os dados coletados, através da entrevista foram transcritos e
organizados de acordo com as técnicas de análise de conteúdo.

Apresentação e Discussão dos Resultados

As seis professoras participantes da pesquisa foram


denominadas da seguinte forma: Professora A (2º ano); Professora
B (2º ano); Professora C (3º ano); Professora D (4º ano); Professora
E (5º ano); Professora F (5º ano).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 145

Apresenta-se abaixo um quadro síntese da caracterização das


professoras investigadas, com relação a idade, formação, tempo de
experiência, ano de formação, curso de formação continuada, tempo
de experiência no ano, o ano em que leciona. Neste quadro estão
organizados os dados obtidos através do Questionário de
Caracterização Pessoal, que tinha como objetivo coletar dados sobre
a formação e atuação profissional das professoras participantes.

Quadro 1 –Caracterização das Professoras Participantes da Pesquisa.


Idad Formaç Tempo Ano de Cursos de Ano Experiên
e ão de Formaç Formação que cia
Experiên ão lecio no ano
cia na
Professo 46 Magisté 27 anos 1988 PACTO/ 2º 6 anos
ra A rio GESTÃO ano
Pedagog ESCOLAR
ia
Professo 38 Magisté 12 anos 2004 PACTO/ 2º 5 anos
ra rio GESTÃO ano
B Pedagog ESCOLAR
ia
Professo 43 Magisté 24 anos 1992 PROFA/ 3º 6 anos
ra rio PACTO ano
C Pedagog
ia
Professo 42 Magisté 13 anos 1995 GESTÃO 4º 4 anos
ra rio ESCOLAR/ ano
D Pedagog TEORIAS E
ia PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
Professo 55 Magisté 24 anos 1986 SUPERVISÃO e 5º 15 anos
ra E rio ORIENTAÇÃO ano
Pedagog EDUCACIONAL/
ia PSICOMOTRICID
ADE/
ED. ESPECIAL
Professo 51 Magisté 23 anos 1995 GESTÃO 5º 1 ano
ra F rio ESCOLAR/ ano
Pedagog PACTO/
ia PRÁTICAS ED.
INCLUSIVAS
Fonte: Elaborado pela autora.

Conforme apresentado no Quadro 1, as professoras


participantes da pesquisa têm idades entre 38 a 55 anos e entre 12 e
146 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

27 anos de experiência profissional. Todas têm formação em


Magistério (curso de nível médio) e Pedagogia. As professoras
lecionavam do 2º ano ao 5º ano do Ensino Fundamental no
momento da pesquisa, mas já trabalharam em outros anos escolares
durante sua carreira.
No questionário respondido, a última pergunta às professoras
era se atualmente faziam algum curso. As seis professoras
responderam “não”, ou seja, no ano da coleta de dados (2º semestre
de 2017) da pesquisa elas não faziam nenhum curso de formação
continuada.
Na questão sobre os Cursos de Formação realizados pelas
docentes, foi possível verificar que todas as participantes da
pesquisa já fizeram 2 cursos ou mais, tanto os oferecidos pelo
governo quanto uma especialização.
A Professora C realizou o curso do PROFa: Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores, implantado em 2001, com
a iniciativa do Ministério da Educação que pretendia contribuir para
favorecer a socialização do conhecimento didático hoje disponível
sobre a alfabetização e, ao mesmo tempo, reafirmar a importância
da implementação de políticas públicas destinadas a assegurar o
desenvolvimento profissional de professores (BRASIL, 2001).
As Professoras A, B, C, e F realizaram o curso do PACTO
(também conhecido como PNAIC), Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa, oferecido pelo Ministério da Educação, que atende à
Meta 5 do Plano Nacional da Educação (PNE) e que estabelece a
obrigatoriedade de “alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o
final do 3º (terceiro) ano do Ensino Fundamental”. Tendo assim,
como propósito apoiar todos os professores que atuam no ciclo de
alfabetização (BRASIL, 2012).
As Professoras D e E relatam nunca ter participado da
formação do PACTO.
Outros cursos de formação que as professoras participantes
da pesquisa realizaram ao longo dos anos são especializações (pós-
graduação lato sensu). As Professoras A, B, D e F, fizeram
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 147

especialização em Gestão Escolar. A Professora E realizou a


especialização em Supervisão e Orientação Educacional. A
Professora E fez especialização em Educação Especial e a Professora
F, em Práticas Educativas Inclusivas. A Professora D realizou a
especialização em Teorias e Práticas Pedagógicas. Já a Professora E
realizou a especialização em Psicomotricidade.
As perguntas da entrevista semiestruturada para análise
foram respondidas e transcritas conforme a seguir:
Sobre “A Formação em Ciências” apresenta as respostas das
professoras participantes sobre como eram as disciplinas
relacionadas a Ciências Naturais ou Metodologia em Ciências, na
Pedagogia ou Magistério, por elas cursadas. A seguir analisamos as
respostas das professoras entrevistadas.
Professoras que afirmaram não se lembrar de ter cursado
disciplinas relacionadas a Ciências Naturais ou Metodologia em
Ciências. Para tanto, essas professoras que não se recordam não
sabem muito sobre a disciplina e como eram ensinadas durante esta
prática. Abaixo seguem as falas dessas professoras:
Nossa, não me lembro de ter tido nenhuma matéria
relacionado a Ciências. Não me lembro. (Professora B)
No Magistério eu não me lembro muito bem, não acredito que
tivesse Ciências; já na Pedagogia não teve mesmo essas disciplinas.
(Professora D)
Outras professoras afirmaram se lembrar das disciplinas
relacionadas as Ciências Naturais ou Metodologia em Ciências:
Na Pedagogia eu não me recordo muito, mas no Magistério,
tínhamos que aplicar o conteúdo na sala de aula em que fazíamos os
estágios, de acordo com o bimestre. (Professora A)
Olha, no Magistério nós não tivemos Ciências, eu não me
lembro de ter feito Ciências no Magistério. Mas no normal superior,
era feito por videoaulas, tinha os vídeos que eram passados e nós
assistíamos, né? (Professora F)
Em meados da década de 70 e início da década de 80
começava-se a institucionalizar a “Didática das Ciências”, com o
148 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

objetivo de transformar a metodologia, o conteúdo a ser ensinado e


a utilização de diversas estratégias de ensino, e o professor passou a
ser considerado como o elemento fundamental do ensino (BAROLLI
E VILLANI, 2015).
Baseando-se nesta análise, é possível perceber que quando as
professoras estavam no Magistério ou no curso de Pedagogia, esta
disciplina já existia, ainda que não tenham cursado ou não se
lembrem.
Tardif (2000, p.18) citando Wideen et al. (1998) afirma que os
cursos de formação para o Magistério concebem um “modelo
aplicacionista do conhecimento”, ou seja, parte do tempo os alunos
assistem aulas das disciplinas e depois vão estagiar para aplicar esses
conhecimentos aprendidos. Após a formação, esses professores vão
para sala de aula colocar o seu ofício em prática, mas muitas vezes
esses conhecimentos não fazem parte da vivência dos estudantes.
Portanto, as disciplinas são regidas por “aprender é
conhecer”, já na prática, “aprender é fazer e conhecer fazendo”.
Assim, no modelo aplicacionista, conhecer e fazer são trabalhados
separados e distintos (TARDIF, 2000, p. 19).
Em seguida, perguntamos às professoras entrevistadas como
era, durante sua formação (desde o ensino fundamental até a
faculdade) a relação com a disciplina de Ciências. As seis professoras
relataram gostar muito da disciplina de Ciências.
A Professora A resgatou em sua memória como eram as aulas
do Magistério.
Até o Magistério não tinha muito contato, eu achava uma coisa
muito distante da realidade, era só questionário que tínhamos que
fazer e depois aplicar em prova. Aí, no Magistério que foi tendo
aquelas experiências, descobrindo outras formas de se aprender e
explicar. Foi muito gostoso. (Professora A)
A Professora B além de gostar da disciplina também relatou
sua afinidade com a graduação em Ciências Biológicas.
Eu gostava muito, ainda havia até o interesse pela graduação
em Ciências Biológicas. (Professora B)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 149

Já as Professoras C e F se lembraram com carinho de


professores que deixaram lembranças e marcas sobre o ensino de
Ciências no ensino fundamental. Assim, referiram-se não somente
ao aprendizado, mas também a relação que havia com o professor.
Eu gostava muito, porque eu tinha uma professora no 7º ano
que ela, assim..., transmitia essas Ciências com facilidade, ela assim,
tinha um certo carinho pelas Ciências, e ela transmitiu isso de uma
forma prazerosa. Foi assim..., bom, naquela época. (Professora C)
Eu gostava muito de Ciências, mesmo porque nós tínhamos
um professor que era bem velhinho e ele era vizinho meu, então, uma
coisa misturou com a outra, então eu gostava muito de Ciências.
(Professora F)
Percebe-se no relato que a Professora C, além de gostar da
disciplina, a professora que ensinava Ciências conduzia o conteúdo
de forma clara e com amor a sua profissão. Por isso, essa lembrança
ficou tão marcada em sua vida a ponto de se lembrar.
A Professora F teve a oportunidade de seu vizinho ser o
professor de Ciências, pela fala ela afirma que gostava de Ciências
também porque ele era um conhecido seu.
Quando perguntamos na entrevista sobre “O acesso à
formação continuada”, cada professora falou sobre a participação
em alguma formação continuada em Ciências e quem ofereceu.
Professoras que disseram já ter participado de formação
continuada em Ciências, conforme as falas abaixo:
No Pacto houve uma interdisciplinaridade nos assuntos de
Matemática e Português que falava um pouco de Ciências e foi assim.
No Sistema Anglo, nós tivemos um curso muito rápido, mas que
também foi bom. (Professora A)
Sim, o PACTO, oferecido pelo PNAIC. (Professora B)
Já participei, foi quando trabalhei a Apostila Anglo.
(Professora C)
Já a Professora E, foi a única que nunca participou de alguma
formação continuada em Ciências, conforme o relato abaixo:
Exclusivamente em Ciências não. (Professora E)
150 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

De acordo com as falas das professoras que já participaram de


alguma formação em Ciências, podemos observar que as formações
foram oferecidas pelo PNAIC (PACTO) ou pelo sistema de ensino em
alguma capacitação do município (Anglo).
Apenas uma professora (Professora E) relata nunca ter
participado de nenhuma formação em Ciências, pois como ela está
há 15 anos lecionando no 5º ano, então, não teve a oportunidade de
fazer o PACTO, pois era oferecido apenas para os professores dos
primeiros anos.
Weissmann (1998, p.54), aponta algumas mudanças na
formação e apoio aos professores dos anos iniciais que poderia
beneficiar sua didática:

• Promover na instituição escolar uma cultura reflexiva que


favoreça análise crítica e teórica da prática docente.
• Insistir na necessidade de uma reforma substantiva da formação
inicial, garantindo uma melhoria da qualidade e quantidade de
conhecimentos científicos e didáticos e integrando a formação
teórica com a prática.
• Desenvolver uma ampla variedade de ações de capacitação em
serviço.
• Oferecer aos docentes o fácil acesso a um repertório qualificado
de recursos: bibliografia, materiais de apoio, material
audiovisual, publicações de divulgação científica de qualidade
dirigidas a alunos e/ou docentes, equipamento, etc.
• Fomentar a organização e o planejamento de projetos
inovadores.
• Promover, em toda a comunidade, a tomada de consciência das
consequências que tem, para a sociedade, o fato de não
proporcionar uma educação de qualidade.

Enfim, a formação contínua deve corresponder às necessidades


dos professores, em que os docentes são ao mesmo tempo aprendizes
e formadores. Os cursos de formação devem apresentar um contexto
apoiado em métodos e inovações que favoreça a busca por objetivos
próprios de aprendizagem (TARDIF, 2008).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 151

Shulman (2005) afirma que durante a formação, os docentes


precisam refletir sobre o que ensinam para que possam
desempenhar suas práticas de forma satisfatória.
Assim, a última pergunta da entrevista sobre se a participação
em cursos de formação em Ciências contribui para a prática
pedagógica e tem a finalidade de buscar uma reflexão crítica sobre a
formação de cada docente.
Sim, sempre contribui, né? Por que quando não tem formação
na área, essas formações sempre vão auxiliando na prática pedagógica,
né. Vão tirando dúvidas, esclarecendo coisas que, às vezes, a gente tem
dúvida, para poder ajudar na hora das aulas. (Professora D)
Todo curso de formação acrescenta conhecimentos, onde a
cada dia aprendemos algo. (Professora E)
É muito importante, né? Nós devemos estar em constante
aquisição de conhecimento. Por que conhecimento não é algo estático
e sim deve estar sempre inovando, né? Principalmente agora com as
novas tecnologias, a gente tem que tá sempre inovando para
melhorar nosso conhecimento. (Professora F)
Nas falas das professoras, todas demonstram que reconhecem
a necessidade de uma formação em Ciências e afirmam contribuir
na melhoria do aprofundamento para suas práticas.
A formação precisa estimular a construção de uma identidade
profissional, pois trata-se de um investimento pessoal e de facilitar
a autoformação para consolidar a sua autonomia na profissão
docente. A troca de saberes e a partilha de experiências são grandes
aliadas na formação de professores (NÓVOA, 1995).
Considero que o saber da experiência também é algo muito
relevante, já que a maioria delas são professoras que lecionam entre
12 a 24 anos. Mas isso não quer dizer que as docentes não necessitem
de uma formação, pois é importante que aperfeiçoem suas práticas
educacionais e pedagógicas diante das dificuldades que permeiam a
sua formação polivalente.
Nos dias atuais, é preciso pensar na possibilidade do Ensino
Superior ou do Curso de Formação oferecer aos docentes um
152 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

currículo que inclua conteúdos específicos de Ciências dos anos


iniciais para que possam contribuir na prática pedagógica e na
formação desses professores.

Conclusões

A pesquisa com as professoras investigadas mostrou a


fragilidade da formação em Ciências das mesmas e a falta de cursos
de formação continuada específicos de Ciências voltados para os
anos iniciais, pois as mesmas não realizaram nenhuma formação
específica voltada ao Ensino de Ciências. Tivera somente cursos
mais gerais, oferecidos pelo Ministério da Educação ou por algum
sistema de ensino adotado pelo município. Para se oferecer uma
formação continuada eficaz e condizente com a prática dessas
professoras, devia-se procurar investigar as necessidades
formativas dessas professoras.

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10

A gestão escolar na perspectiva da inclusão

Andrezza Santos Flores


Solange Vera Nunes de Lima D’Água
Harryson Júnior Lessa Gonçalves

Introdução

A presente dissertação discorre sobre a temática gestão escolar,


refletindo aspectos relacionados à articulação do ensino regular e a
sala de recursos, visando a efetivação do Atendimento Educacional
Especializado (AEE), no caso envolvendo os professores de Ciências e
Biologia e a professora da sala de recursos para Deficientes Visuais
(DV) que atende alunos com cegueira total e baixa visão. Tal
investigação se relaciona à minha trajetória acadêmica que desde a
graduação encaminhou-se para pesquisas relacionadas ao estudo de
conteúdos de Ciências e Biologia e recursos didáticos para alunos com
Deficiência Visual (DV). Nesse contexto, percebeu-se o papel fundante
delegado a equipe gestora para que tais encaminhamentos fossem
viabilizados no espaço escolar.
Diante dessa inquietude, nasceu o desejo de aprofundar estudos
e pesquisas de modo a discutir e compreender possibilidades
inclusivas a partir das relações estabelecidas entre profissionais da
escola regular e profissionais advindos da educação especial, agora
locados na escola, atuando na sala de recursos com o AEE.
Desta feita, com o ingresso na Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) campus de Ilha Solteira para
cursar Ciências Biológicas, iniciei participação em projeto de
156 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

extensão na área da educação inclusiva. Esse percurso acadêmico foi


se constituindo, culminando no projeto de Iniciação Científica (IC) e
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado por “Recursos
Didáticos direcionados como complemento ao ensino de
Biologia para professores com deficiência visual: um estudo
de caso”; tendo como objetivo confeccionar e analisar a utilização
de recursos didáticos pedagógicos, voltados para o ensino de
Ciências e Biologia a serem empregados em uma sala de recursos
por uma professora DV em uma Escola Pública Estadual no Noroeste
Paulista (FLORES, 2016).
A partir da disponibilização de tais materiais foi possível à
professora da sala de recursos manusear o material com os seus
alunos e identificar as diferentes organelas da célula animal e da
célula vegetal, além de poder ampliar seu repertório para explanar
o processo da fotossíntese. A possibilidade de construir recursos
alternativos que colaboraram com o processo de ensino e de
aprendizagem de alunos com DV, assim como a ampliação de
materiais pedagógicos na perspectiva da educação inclusiva foram
aspectos importantes no trabalho (FLORES; ESCOLANO;
DORNFELD, 2017).
Posto isto, tais questionamentos gerados nesse trabalho
permitiram refletir, sobre a relevância do papel da gestão, tanto no
ensino regular como na sala de recursos para os alunos com DV,
implicando diretamente sobre as responsabilidades com relação ao
ensino inclusivo, como também os papéis do professor da sala de
recursos e do professor da sala regular mediados pela equipe de
gestão.
Portanto, considerando o contexto em que o projeto se
inseriu, pretendeu-se como objetivo geral: Analisar como a gestão
escolar viabiliza a articulação entre a professora da sala de recursos
e professores de Ciências e Biologia de uma escola pública do
interior paulista visando à efetivação do AEE.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 157

Fundamentação teórica

A constituição de mundo caracteriza-se pela diversidade e a


deficiência compõe o leque da heterogeneidade. Desta feita, vários
campos educacionais requerem transformações e, o ambiente
escolar é considerado um espaço propício para o estabelecimento de
ações que possibilitem essa vivência. Nessa conjuntura a gestão
democrática pode contribuir para que esse processo seja efetivado,
pois para sua concretude necessita do trabalho colaborativo entre a
escola e a comunidade.
Constitucionalmente, a democratização da gestão ocorreu
com a Constituição Federal de 1988, passando a ser garantida como
um dos princípios educacionais, mais especificamente no Art. 206,
inciso VI onde inscreve a “gestão democrática do ensino público, na
forma da lei” (BRASIL, 1988). Já em 1996, com a implementação da
LDBEN nº 9.394/96 indo de encontro com a Constituição Federal
de 1988, ficou acordado no Art. 3, no inciso VIII a “gestão
democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996).
De acordo com Cury (2002) a gestão democrática é baseada
na discussão pública, no qual viabiliza o crescimento dos indivíduos
como cidadãos na sociedade que estão inseridos. A gestão
democrática pauta-se na construção de um trabalho que prioriza a
coletividade por meio de uma administração concreta, pressupõe
uma autoridade compartilhada, estando em conformidade com o
bem comum, desenvolvendo ações que são contrarias a
desigualdade e aos processos de exclusão.
Nesse esteio, Monteblanco (2015) considera a figura do gestor
fundamental, visto que com as demandas que surgem diariamente,
a escola se depara com questões complexas relacionadas com a
educação inclusiva, atrelado a isto as discussões trazem
modificações teóricas, práticas e legislativas que possibilitam
repensar o espaço escolar para os alunos com deficiência. No
entanto, a busca de caminhos que visem a inclusão não é simples,
158 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

no qual o primeiro objetivo é melhorar a qualidade de ensino para


todos, onde a escola cumpra genuinamente seu papel social
(CARNEIRO, 2006).
Por outro lado, vários caminhos podem ser considerados
constructos para subsidiar uma educação de equidade no qual todos
os alunos sejam incluídos, tal como o Projeto Político-Pedagógico
(PPP) que poderá ser prescrito tendo como intento alcançar valores
que reconheçam a diversidade de sua comunidade e de seus
profissionais. Contribuindo com sua subjetividade e
proporcionando a representação de todos os que compõem esse
espaço (CURY, 2007).
Levando em consideração a história e as difíceis conquistas
alcançadas pelas pessoas com deficiência, cabe à escola e seus
membros considerarem a educação inclusiva, como um direito
adquirido, e nesse caso a gestão escolar direcionar-se ao AEE que
está instalado na escola de ensino regular, contribuindo para que
tenha seu pleno desenvolvimento e de fato aconteça sua efetivação.
Ademais, a gestão escolar e seus desdobramentos na escola
configuram-se como espaço preponderante para a mediação de tal
processo, visto que imbuída da envergadura de suas atribuições tem
possibilidades de acompanhamento, intervenção e planejamento.
Nesse contexto a formação dos profissionais que atuam na
escola incluindo gestão escolar e professores também é um dos
atributos que possibilitam a efetividade de uma educação inclusiva.
A formação favorece o fortalecimento para articulação de ações que
incentivem a formação dos professores, onde a escola por si só já é
contemplada como um espaço diverso que tem como intento propor
ações que visem a transformação.
Tezani (2004) também corrobora com a mesma afirmativa e
complementa ao ressaltar que além da escola inclusiva perpassar
pela formação inicial e continuada, requer o engajamento da
comunidade interna e externa atrelada a sensibilização,
compartilhamento de informações, propostas pedagógicas pautadas
em referenciais teóricos que envolvam os sujeitos da escola,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 159

formação de redes de apoio e avaliação diária dos serviços que forem


prestados.
A inclusão tem sido discutida por estudiosos e pesquisadores
da área de Educação Inclusiva, no entanto, embora as reflexões
tenham se aprofundado, ainda demonstra-se uma prática incipiente
no sentido de sua aplicação na realidade escolar.
Assim, esse cenário é constituído pela preocupação de pais,
professores e estudiosos, considerando que a inclusão só se tornará
efetiva a partir de transformações estruturais no sistema educacional
(MIRANDA, 2008). No caso do Brasil, inúmeros estudos discutem a
inclusão na escola tendo como base a história, filosofia e pedagogia;
porém, no que se refere à experiência gestora frente à educação
inclusiva, poucas referências são encontradas (SILVEIRA, 2009).
Portanto, mediante ao carecimento da literatura por estudos
que desvelem este cenário no qual gestão escolar, AEE e ensino
regular estão imbricados justifica a importância do estudo ora
realizado, dado que a gestão de uma instituição de ensino tem como
uma de suas prerrogativas viabilizarem a articulação entre seus
constituintes contemplando espaços dialógicos que atendam as
necessidades da diversidade.

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa


compreendendo a existência de relação entre o mundo real e o
sujeito, validando assim a interpretação dos fenômenos e a
atribuição de significados (SILVA; MENEZES, 2001). Ainda segundo
Gonsalves (2001), a pesquisa qualitativa está voltada para a
compreensão, com a interpretação do fenômeno considerando o
significado que os outros dão às suas práticas.
Algumas características da pesquisa qualitativa também são
destacadas por Bogdan e Biklen (1994) e estão presentes nesta
investigação, tais como: a origem direta de dados é o ambiente natural,
o pesquisador é o instrumento principal de constituição dos mesmos,
160 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

a pesquisa qualitativa é descritiva, o pesquisador dá ênfase aos


processos em relação aos produtos e, ainda preocupa-se em entender
o significado que os participantes atribuem às suas experiências.
De acordo com Silva e Menezes (2001), é uma pesquisa de
natureza aplicada, pois tem como escopo gerar conhecimentos para
aplicação prática, além de ser direcionada a resolução de questões
específicas.
No ponto de vista dos procedimentos técnicos, segundo Gil
(1991), dada a natureza da investigação, trata-se de um estudo de
caso que visa a interpretação de um contexto. Uma pesquisa que
privilegia um caso particular, considerada suficiente para análise de
um fenômeno, tornando possível uma abordagem minuciosa de
uma experiência podendo até mesmo, colaborar nas tomadas de
decisões sobre o problema estudado, incluindo as possibilidades de
modificações (GONSALVES, 2001).
Para Lüdke e André (1986, p. 18-19), o estudo de caso
oportuniza “[...] compreender melhor a manifestação geral de um
problema, as ações, as percepções, os comportamentos e as
interações das pessoas [...] retratando a realidade de forma
completa e profunda”. Nesse mesmo esteio, Yin (2001, p. 28)
salienta que “os estudos de caso apresentam questões do tipo ‘como’
e ‘porque’ sobre um conjunto contemporâneo de acontecimentos no
qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle”.
Giddens (1991) enfatiza que a pós-modernidade é
caracterizada por uma evaporação da grand narrative que é definida
como uma teoria capaz de explicar todos os elementos de uma
sociedade. Entretanto, a modernidade nunca foi constituída apenas
de grandes estudos, posto que os estudos específicos, bem como o
estudo de caso, sempre existiram, seja na modernidade ou pós-
modernidade. Então, o estudo pontual que foi realizado para a
escrita da dissertação envolveu a cultura de uma escola que, a partir
dos dados coletados, proporcionou a criação de pressupostos para
responder o problema de pesquisa.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 161

Os procedimentos metodológicos desse trabalho


constituíram-se inicialmente pela fase exploratória, mediante
investigações bibliográficas e documentais relacionados à temática,
oportunizando a ampliação de conhecimento sobre o assunto e
delimitando dessa forma, aspectos mais relevantes a consecução dos
objetivos e o recorte aos propósitos do estudo de caso, para posterior
entrada no campo de pesquisa, análise e escrita do trabalho
realizado (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
Os sujeitos da pesquisa são compostos pela equipe de gestão
escolar (Diretora, Vice-diretora e Coordenadora Pedagógica),
professora da sala de recursos e professoras de Ciências e Biologia.
A professora de Ciências lecionava para a aluna com cegueira total e
a professora de Biologia para o aluno com baixa visão e ambos eram
atendidos na sala de recursos no período inverso. A imersão no
ambiente de pesquisa ocorreu após a autorização do Comitê de Ética
por meio de observações e entrevista semiestruturada. Além disso,
outro instrumento utilizado foi a análise documental do Projeto
Político Pedagógico (PPP).
As observações ocorreram no período compreendido de
agosto a outubro de 2017, na sala regular, mais especificamente nas
aulas de Ciências e Biologia e na sala de recursos, além de reuniões
de ATPC, reuniões de pais, reunião de replanejamento e conselho de
classe, em um período de 12 semanas, totalizando 168 horas e 10
minutos de tarefas de campo.
A observação possibilitou, além de conhecer o contexto da
escola a partir da inclusão, a compreensão do trabalho pedagógico
das professoras tanto do ensino regular quanto da sala de recursos,
especialmente com relação às estratégias utilizadas junto aos alunos
com DV, observando o posicionamento da gestão e possíveis
intervenções da prática docente e da articulação do trabalho entre
as professoras.
A entrevista, tipo semiestruturada, foi realizada com os seis
sujeitos da pesquisa. No processo de planejamento da pesquisa, para
a entrevista foi elaborado um roteiro com perguntas distribuídas em
162 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

categorias. Segundo Lüdke e André (1986), a entrevista permite o


levantamento imediato das informações desejadas e, mais
especificamente, a semiestruturada possibilita que o entrevistador
faça as adaptações necessárias. Dessa forma, a entrevista
semiestruturada possibilita tanto ao entrevistador quanto ao
entrevistado destacar informações que considerem relevantes. Esse
procedimento metodológico, foi registrado por meio de gravação em
áudio mediante a autorização dos participantes e, posteriormente,
foram transcritas na íntegra.
A análise do PPP visou identificar se são previstos projetos na
área da educação inclusiva no contexto escolar e, em caso
afirmativo, como são desenvolvidos ou se os alunos com DV
participam dos demais projetos, além de analisar como a sala de
recursos está referenciada no documento, bem como a citação da
professora e alunos que são atendidos e como a diversidade é
abordada, assim como a gestão escolar.
Os dados constituídos foram analisados de acordo com o
referencial da análise textual discursiva que, segundo Moraes e
Galiazzi (2006), é uma abordagem de análise de dados que transita
entre duas formas consagradas de análise na pesquisa qualitativa,
que passam pela análise de conteúdo e análise do discurso.

Resultados e discussão

Com a triangulação de dados (observações, entrevistas e


fundamentação teórica) buscou-se angariar elementos que
possibilitaram o entendimento oriundo de reflexões que
contribuíram com indicativas para responder o problema de
pesquisa da presente dissertação.
Por ocasião da pesquisa de campo tratou-se do levantamento
do perfil dos sujeitos participantes, a equipe é composta por
profissionais com expressivo tempo de experiência na educação. Os
mesmos se deparam com desafios mediante as facilidades e
dificuldades para cumprimento das atribuições.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 163

Posto isto, como dificuldade a coordenador pedagógica


evidencia a duplicidade do seu trabalho, visto que a escola atende as
duas modalidades de ensino, ou seja, anos finais do Ensino
Fundamental e Ensino Médio, requerendo o desenvolvimento de
estratégias especificas para cada faixa etária.
Com relação às facilidades, a diretora acentua sua
predisposição para desenvolver um trabalho colaborativo. Para
Tezani (2009), o gestor pode promover a colaboração no espaço
escolar tendo como intento aprimorar o contato e a interação entre
os professores e os demais funcionários, concorrendo na
consolidação de equipes de trabalho colaborativos.
Quanto aos desafios, observou-se que muitos deles são
enfrentados pela equipe gestora. A aprendizagem é um dos itens
citado, assim para a diretora, o processo de instigar o aluno a gostar
de estudar para aprender, estará diretamente capacitando-o para o
mercado de trabalho. Nesse esteio Menin (2005) afirma que está
incumbência não é fácil, pois se deve ter como base o perfil do aluno,
ou do profissional que a escola deseja formar.
Outro desafio é a inclusão social, uma preocupação destacada
pela coordenadora, pois “[...] tem alunos que estão na escola
inclusos, mas a gente não tem uma formação especifica para
trabalhar com esse aluno, não tem material específico, o professor
tem salas heterogêneas, eu não tenho alunos nessa sala heterogênea
com o laudo [...]”.
Desta feita, percebe-se que a gestão deixa evidente a
importância do aluno apresentar um laudo, sendo que uma das
justificativas é a necessidade de a escola estar bem documentada.
Em contrapartida cabe salientar que de acordo com a Nota Técnica
Nº 4 de 2014, o laudo é um documento comprobatório e não
obrigatório, mas complementar, quando a escola julgar necessário.
Assim sendo, o direito da pessoa com deficiência a educação não
poderá ser cerceado pela exigência de laudo médico (BRASIL, 2014).
Com relação ao ensino de Ciências a professora utilizava com
a aluna DV materiais de percepção tátil. A utilização deste método
164 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de ensino passou a ser observada depois das reuniões denominadas


Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC), no qual a
coordenadora pedagógica viabilizou a articulação entre os
professores do ensino regular e a professora da sala de recursos que
apresentou metodologias pedagógicas que versavam a utilização de
materiais em alto relevo e percepção tátil, momento este que refletiu
na adoção deste método de ensino, nas aulas de Ciências.
As reuniões de ATPC são consideradas pela gestão, um
momento importante para o estabelecimento de parcerias e
articulação entre os professores referente a inclusão. Costa (2016)
declara que as reuniões de ATPC proporcionam a realização do
trabalho em conjunto, e isso requer uma organização que se da por
meio da elaboração de uma pauta que comtemple as atividades a
serem realizadas, no qual proporcione a troca de experiências com a
busca de um embasamento teórico para o estabelecimento de ações.
Nesse contexto cabe destacar assim como faz Ropoli et al.
(2010), a articulação entre o professor do AEE e os professores do
ensino comum é considerada indispensável, pois visa proporcionar
autonomia na escola e em outros espaços da sua vida social, tal como
melhorar o ensino para os alunos com deficiência.
Na escola participante as reuniões de ATPC ocorriam duas
vezes por semana, assim os professores optavam por um dos dias
de acordo com a disponibilidade de horário mediante suas aulas.
Devido a isto por participarem das reuniões em dias diferentes, a
articulação entre a professora de Biologia e da sala de recursos era
limitada, assim os encontros se restringiam aos intervalos entre
uma aula e outra. No entanto, no decorrer das observações das aulas
de Biologia averiguou-se que a professora fazia a leitura da apostila
oralmente e ampliava os esquemas na lousa, usando dessas
estratégias para o aluno com baixa visão acompanhar o ensino com
os demais.
Dado isto, o processo de ensino e aprendizagem voltados para
as disciplinas de Ciências e Biologia para estudantes com DV é
considerado um desafio e requer um aperfeiçoamento constante dos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 165

professores a fim de melhorar a sua didática com a utilização de


metodologias que contemplem a todos (MARIZ, 2014).
Assim para que isso ocorra de forma efetiva, a formação nesta
temática para os professores é fundamental. Porém a diretora
afirma que “[...] Não temos hoje nem um projeto de formação
continuada para eles, e nem a secretaria também oferece [...]”. Na
entrevista foi possível constatar que a gestão escolar e as professoras
do ensino regular não passaram por processos formativos nesta
área, devido a isto a presença da professora da sala de recursos era
primordial para abordagem desses assuntos. Nesse contexto, a
formação continuada que busca compreender o processo educativo
e a compreensão da diversidade em que a inclusão representa como
parte, não é realizada, dificultando a implementação das políticas
educacionais inclusivas.
Para Carneiro (2006, p.65) tão quanto importante a formação
do professor “a formação em serviço do diretor escolar é um fator
fundamental e urgente no nosso cenário educacional. A liderança
firme e desafiadora que a literatura aponta como necessária para o
diretor da escola inclusiva requer investigação”.
No que se refere a análise do PPP, o mesmo contempla a
diversidade e principalmente o respeito às diferenças, sendo este
considerado um dos desafios a serem vencidos pela escola, seja com
relação aos aspectos culturais, sociais, econômicos e com alunos com
deficiência. As funções dos membros são anunciadas tanto para
diretores, vice-diretor, quanto para coordenador pedagógico,
professores e comunidade.
Com relação aos projetos desenvolvidos na escola, nenhum
tem como foco a educação inclusiva, porém foi observado que os
alunos com deficiência, mas especificamente os alunos com DV
participam dos projetos, tal como o Projeto Folclore. Além disso,
constatou-se a necessidade do desenvolvimento de ações e objetivos
direcionados para a inclusão de alunos com deficiência, bem como
destacar o AEE.
166 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Conclusões

Acontecimentos indispensáveis que fizeram parte deste


estudo e que com os pressupostos teóricos foram se consolidando
no decorrer deste processo, mediante as ações que foram
vivenciadas para compreender setores importantes como gestão
escolar, ensino regular e sala de recurso para estabelecimento da
educação inclusiva.
A inclusão de alunos com deficiência é uma discussão que vem
se ampliando, fazendo parte de eventos científicos, como
congressos, simpósios e encontros que possibilitam a publicação
desta temática na literatura. Esses momentos tornaram-se possíveis
mediante os debates políticos que deram origem a políticas públicas
e legislações que passaram a legitimar os direitos de todos ao acesso
a educação.
Além disso, o espaço acadêmico carece de pesquisas que
desvelem a relação entre a articulação dos professores no ensino
regular, no caso da presente pesquisa Ciências e Biologia e a
professora da sala de recursos viabilizados pela equipe de gestão.
No presente estudo observou-se a articulação entre os
professores participantes mediados pela coordenadora pedagógica
nas reuniões de ATPC. Essa articulação ocorreu de forma efetiva
entre a professora de Ciências e sala de recursos, por outro lado,
pelo fato da professora de Biologia participar outro dia da reunião
esse encontro era restrito assim como as discussões acerca do AEE.
No entanto, outros fatores influenciam na efetividade da
inclusão, tal como excesso de trabalho desses professores, o número
excedente de alunos por turma, a falta de preparo e formação. É
essencial que essa temática seja pautada, para que estudos
periódicos sejam planejados e serem desenvolvidos. Nessa tessitura,
a Secretaria do Estado de São Paulo, assim como a Diretoria
Regional de Ensino, também precisam atuar juntamente com a
escola, pois se sabe que a inclusão não se relaciona apenas a alunos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 167

com deficiência, mas expande a discussão a heterogeneidade


encontrada na escola.
Portanto, é preciso atuar coletivamente, porém para que isto
aconteça a equipe gestora e seus constituintes precisam estarem
dispostos, dando início a ações plausíveis e exequíveis com o auxílio
da comunidade, nesse sentido, o PPP torna-se um instrumento legal
para registrar tais intenções que ao serem colocadas em prática
tendo como base a sensibilização possibilitará com que as diferenças
não sejam apenas aceitas, mas também reconhecidas.

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11

A importância da educação em Direitos Humanos na


Educação Superior Continuada

Elizangela Cristina Begido Caldeira


Carlos Alípio Caldeira
Lygia Aparecida das Graças Goncalves Correa

Introdução

O conjunto do ordenamento jurídico brasileiro contempla a


necessidade de inclusão da educação em direitos humanos na
educação escolar mediante a interdisciplinaridade e
transdisciplinariedade. O presente trabalho, tem como objetivo
analisar os marcos históricos, no que tange à inserção dos direitos
humanos em nossa legislação educacional, bem como a importância
da chamada educação continuada, para docentes que atuam no
ensino superior em cursos de formação docente e na educação
básica, em especial quanto ao tema transversal denominado
educação em direitos humanos. Isto porque, diante de uma
interpretação sistemática de nossa legislação educacional, atrelada
aos termos da Base Nacional Comum Curricular, podemos concluir
que o tema fora inserido como transversal a todo currículo
educacional, oportunidade em que os profissionais da educação
deverão se qualificar para tal competência.
Os direitos humanos são um importante instrumento de
proteção mundial a toda e qualquer pessoa e, para isso, são
garantidos por inúmeros tratados e documentos jurídicos em
diversos países, associados aos direitos individuais, sociais,
172 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

culturais, econômicos e políticos. Por se tratar de garantias


históricas que se alteram ao longo do tempo, adaptando-se às
necessidades atuais, relacionados aos direitos básicos inerentes à
humanidade, são vistos como sinônimos de direitos fundamentais.
Assegurar o princípio da igualdade, previsto
constitucionalmente, pelo qual, em regra, todos os indivíduos são
titulares de direito pelo simples fato de ser humano, requer, muitas
vezes, reconhecer as desigualdades existentes e trabalhar para criar
condições iguais de direitos e oportunidades para grupos sociais
historicamente marginalizados. Inclui assim, o reconhecimento e o
respeito às diferenças, inclusive de etnia, gênero, grupo social, faixa
etária, religião, orientação sexual e aptidões físicas, dentre outras.
As profundas contradições que marcam a sociedade brasileira
indicam a existência de graves violações de direitos em
consequência da exclusão social, econômica, política e cultural que
promovem a pobreza, as desigualdades, as discriminações, assim
segundo Genevois (1990) a educação em direitos humanos objetiva
formar a consciência do indivíduo para que ele seja o sujeito de sua
própria história; ao postularem a educação como direito devemos
lembrar que esta não é neutra em relação valores, ela visa incutir o
ideal de uma sociedade justa e democrática, o espírito de tolerância
e a fraternidade ao mesmo tempo em que a determinação de lutar
pelos que não têm direitos, nesse momento a informação e a
comunicação são ferramentas fundamentais para transformação
social e educacional.
Mais que mediadores, os educadores são sujeitos capazes de
formar opiniões, transformar a vida do educando e levantar
discussões a respeito de temáticas que podem levar os alunos à
integração, a superação e a transformação da sociedade, ressalta
(MACIEL, 2016). Desta forma, a formação não pode dar-se
isoladamente, ficando a cargo de um único sujeito, não devendo
tratar-se de uma mera transmissão de conhecimentos, pois precisa
respeitar e reconhecer os direitos, os deveres, os saberes a fim de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 173

promover uma prática pedagógica ética e igualitária; não


excludente.
Nesse contexto, os professores atuantes na educação básica e
educação superior congregam à sua ação pedagógica para além dos
conhecimentos adquiridos na formação inicial necessitando de uma
educação continuada que propõem a requalificação e a reciclagem
no processo de construção social do conhecimento.

Educação em direitos humanos e sua construção histórica.

Concebida no âmbito do período pós-segunda Guerra


Mundial, a ONU passou a assumir o desafio de reconstrução dos
chamados Direitos Humanos, tomando, para si, a tarefa de definição
de princípios que pudessem ser adotados por diferentes nações,
baseados nos conceitos de moralidade, ética e ideologia, passíveis de
serem assumidos universalmente ou, como ainda hoje alguns
advogam, que fossem portadores de validade universal.
No Brasil, os direitos humanos são garantidos em nossa
Constituição Federal de 1988, o que pode ser considerado um
grande avanço jurídico, ainda que marcado por contradições, já que
o país conta com uma história divida em episódios de graves
desrespeitos aos mesmos, sobretudo no período do regime militar,
conforme afirmação de Pinheiro (1998).
Em resposta a tais violações, a constituição federal brasileira
de 1988 trouxe um título dedicado aos chamados direitos e garantias
fundamentais, que devem ser protegidos e garantidos pelo estado,
pois são os direitos do homem jurídico‐institucionalizadamente
garantidos (SILVA, 2012), nesse sentido, devemos ressaltar que os
direitos e garantias fundamentais são a base da sociedade
constitucional e democrática, pois, inseridos em seus princípios
basilares encontram-se as linhas que guiam todos os procedimentos
democráticos da sociedade atual.
Um conceito de direitos humanos deve, portanto reconhecer
sua dimensão histórica e reconhecer o fato que eles não foram
174 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

revelados para a humanidade em um momento de luz, mas sim que


foram construídos ao longo da história humana, através das
evoluções, das modificações na realidade social, política, industrial,
econômica, ou seja, sua proteção é fruto de todo um processo
histórico (SIQUEIRA, 2012).
Os anos de luta pelos direitos humanos e a reflexão nos
levaram a concluir, que para a vigência de uma sociedade mais justa,
a ação mais eficaz a ser empreendida hoje é a Educação em Direitos
Humanos. As leis e as constituições são insuficientes, se não existem
valores para nortear os atos e se os cidadãos desconhecem seus
direitos e deveres, assim, a Educação em Direitos Humanos deve se
empenhar no ensino e na educação de modo a promover o respeito
por esses direitos e liberdades e objetiva formar a consciência do
indivíduo para que ele seja o sujeito de sua própria história; visa
incutir o ideal de uma sociedade justa e democrática, o espírito de
tolerância e a fraternidade ao mesmo tempo em que a determinação
de lutar pelos que não têm direitos (GENEVOIS, 1990).
Em 2012, com a publicação das Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos no Diário Oficial da União (BRASIL,
2012), cuja proposta introdutória fora elaborada pelo Ministério da
Educação (MEC) e enviada para apreciação pública, um avanço
maior ocorreu para a inserção do tema em cursos de todos os níveis
de ensino, estabelecendo uma série de metas educacionais, com
maiores especificações a educação superior, e em todas as áreas do
conhecimento, como é proposto no documento, uma vez que cabe
aos sistemas de ensino, gestores, professores e demais profissionais
da educação, em todos os níveis e modalidades, envidar esforços
para reverter essa situação construída historicamente (SILVA,
2017).
O estabelecimento da educação em direitos humanos no país
se deu, principalmente, pela elaboração do Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (PNEDH) finalizado em 2006, fruto
do compromisso do estado com a concretização dos direitos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 175

humanos e construção histórica da sociedade civil organizada


(BRASIL, 2007).
Atualizado em 2013 (BRASIL, 2013), o PNEDH- 3 trouxe
consigo o compromisso maior de promover uma educação de
qualidade para todos, entendida como direito humano essencial e
uma das principais articulações do Estado para a garantia do ensino
e discussão das diretrizes que compõem os direitos humanos, nos
diferentes níveis de ensino, o qual, registrado na história recente
(SILVA, 2017).
De acordo com Costa (2011) o PNDH- 3 destaca a efetivação
das diretrizes e dos princípios da política nacional de educação em
direitos humanos, com intuito de fortalecer a cultura de direitos,
assim como a necessidade de ampliar mecanismos de produção de
materiais pedagógicos e didáticos para a Educação em Direitos
Humanos; adoção de critérios de avaliação e seleção de obras
didáticas do sistema de ensino, em formato acessível a todos, e o
estabelecimento de diretrizes curriculares para todos os níveis e
modalidades de ensino para inclusão de educação e cultura em
direitos humanos.
A redemocratização da sociedade, exige necessariamente
informação, educação e conhecimento, para que o cidadão possa
argumentar, reivindicar e usufruir de seus direitos, desta forma,
Fernandes (2010) afirma que a consciência sobre os direitos
individuais, coletivos e difusos previstos constitucionalmente, tem
sido possível devido ao conjunto de ações de educação desenvolvidas
que incorporaram a promoção dos direitos humanos.
Assim, pensar a Educação em Direitos Humanos demanda um
projeto educativo emancipatório, relacionando-a com a educação
popular, que trás para sala de aula a realidade de vida social dos seus
educandos, oriundos das diversas classes populares, cujos princípios
praticados por Paulo Freire, que ressalta o fato de que não basta
transmitir conhecimento, é necessário formar pessoas que saibam
lidar com a realidade vivida de forma mais crítica e autônoma
(COSTA, 2011).
176 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Dentro desta linha de raciocínio, mais precisamente em 26 de


Junho de 2014, foi publicada a Lei n. 13.010, que alterou os termos
de uma das mais importante lei infraconstitucional relacionada à
educação, qual seja, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. A partir de então, a exegese do § 9º, do seu artigo 26, que
trata do curriculo da educação básica, passou a incluir o tema
direitos humanos como transversal ao ensino, ou seja, de
conhecimento dos educandos, passando a viger com a seguinte
redação: “Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção
de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente
serão incluídos, como temas transversais, nos currículos escolares
de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
observada a produção e distribuição de material didático adequado”.
E, recentemente, com a homologação, em 20 de Dezembro de
2017, da nossa tão esperada Base Nacional Comum Curricular, em
que pese relacionar-se tão somente às etapas do ensino infantil e
fundamental, passou a ser definida, como sua competência geral, a
promoção dos direitos humanos, corroborando a importância de seu
estudos em todas as etapas educacionais.
Dentro deste contexto, esclarece, tal documento normativo,
que a escola tem por escopo propiciar uma formação integral,
balizada pelos direitos humanos e princípios constitucionais
democráticos, afastando, desta maneira, qualquer tipo de violência
social. E, por fim, destaca que os mesmos se apresentam em todos
os campos e, de diferentes formas: seja no debate de ideias e
organização de formas de defesa dos direitos humanos (campo
jornalístico/midiático e campo de atuação na vida pública), seja no
exercício desses direitos – direito à literatura e à arte, direito à
informação e aos conhecimentos disponíveis, razão pela qual a
formação do docente se apresenta como primodial à propagação
esperada dos ensinamentos em relação ao tema.
Considerando o fato de que, são os professores os sujeitos que
realizam a mediação no processo educacional que é pautado nos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 177

valores e aspectos políticos, acentuado pela importância da


formação e atuação dos educadores em direitos humanos, a ações a
serem implementadas tem o encargo de formar cidadãos éticos,
comprometidos com a construção da igualdade.

A educação em Direitos Humanos na formaçao superior

O sistema educacional no Brasil é norteado por diretrizes


curriculares nacionais, fixadas pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE) e visam estabelecer bases comuns nacionais para educação.
A legislação educacional brasileira traz uma extensa quantidade de
diretrizes curriculares nacionais, que se tratam de normas
obrigatórias para a educação e possuem como objetivo maior a
orientação para elaboração dos planejamentos curriculares tanto
nas unidades escolares quanto nos sistemas de ensino, assegurando,
assim, a formação básica comum.
O processo de redemocratização do Brasil possibilitou os
primeiros encontros, oficinas, cursos e seminários para discussão da
proposta de educação em direitos humanos, após período
conturbado de violações, destacam-se, nesse sentido, a elaboração
do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) e a criação da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), nesse período as
ações se direcionavam para a profissionalização e valorização da
educação em direitos humanos, isto é, finalmente à entrada dessa
educação nas instituições de ensino (SILVA, 2017).
A partir de 2012, com a publicação das Diretrizes Nacionais
para a Educação em Direitos Humanos no Diário Oficial da União
(BRASIL, 2012) e, sua proposta preliminar, elaborada pelo
Ministério da Educação (MEC), ocorreu a inserção do tema educação
em direitos humanos nos níveis de ensino superior, uma vez que
questões pertinentes ao direitos humanos não fizeram parte dos
cursos de graduação e pós graduação responsáveis pela formação
dos profissionais da educação nas diferentes áreas do conhecimento.
178 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em relação à formação docente, o PNDH-3 trás a exigência de


formação inicial e continuada em direitos humanos, pois estabelece
o "Fortalecimento dos princípios da democracia e dos Direitos
Humanos nos sistemas de educação básica, nas instituições de
ensino superior e nas instituições formadoras", bem como o
reconhecimento da educação não formal como espaço de defesa e
promoção de direitos humanos com ênfase na ação programática de
promover a inserção da educação em Direitos Humanos nos
processos de formação inicial e continuada de todos os profissionais
da educação, que atuam nas redes de ensino e nas unidades
responsáveis por execução de medidas socioeducativas, o que restou
corroborado pelos termos da BNCC.
Essa noção de educação poderia atender às exigências
contidas na Lei de Diretrizes Básicas (Lei 9394/96 - LDB), que figura
como lei orgânica e geral da educação brasileira e estabelece níveis
para a educação, dita as diretrizes e as bases da organização do
sistema educacional e, o próprio Programa Nacional de Educação
em Direitos Humanos, que visa à formação cidadã do educando.
Nesse período, a capacitação de profissionais na área da
educação, para as temáticas relativas aos direitos humanos e
cidadania no Brasil, passa a ser tratada efetivamente como
compromisso e responsabilidade jurídica e social do país. Os
educadores, nesse contexto, tornam-se os principais responsáveis
pela implementação dessa educação na formação de seus alunos,
uma vez que a educação requer a construção de concepções e
práticas que compõem os Direitos Humanos e seus processos de
promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana.
Nesse sentido surgem os desafios na implantação de políticas
educacionais e metodologias de capacitação docente, diversas
iniciativas orientadas a formação e (re) educação de educadores,
através de grupo de estudos, seminários, cursos, palestras, fóruns,
debates, promovidos por diversas instituições, onde a
implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 179

Humanos (2003; 2006) tem exercido uma função fundamental de


estímulo, apoio e viabilização de diversas atividades.
Segundo (COSTA, 2011) considera-se que a formação superior
de profissionais da educação possui duas etapas, a inicial e a
continuada. A educação inicial seria aquela adquirida com a
conclusão do curso superior de bacharel ou licenciatura de uma
determinada área do conhecimento. Em contrapartida, a educação
continuada pode ser compreendida como a ampliação da formação
inicial do profissional que se da por meio de cursos de
especializações, aperfeiçoamentos, especialização e outras
atividades com o mesmo propósito.
A grande contribuição do PNDH-3 para a formação
continuada de professores é o fomento à criação de espaços e
oportunidades para que eles possam refletir sobre sua prática
educativa, ressaltando o exercício de uma prática pedagógica de
qualidade, alicerçados em uma fundamentação articulada a teoria e
pratica, de forma a garantir uma educação fundamentada na
tolerânia, na valorização da dignidade, nos princípios democráticos
e na promoção da não violência (COSTA, 2011).
O PNDH-3 trata ainda da educação não formal, ou seja, aquela
que ocorre fora do sistema formal de ensino, porém, complementar
a ela. Trata-se de um processo de aprendizagem social e voluntario
centrado no indivíduo, por meio do desenvolvimento de atividades
extra - escolares, vistas como um espaço possível para a educação
em Direitos Humanos.
Partimos do princípio que a educação em direitos humanos é
construída socialmente, tratando-se necessariamente de uma
educação continuada, o foco da formação de educadores deve estar
não em métodos padronizados, mas nas especificidades e
singularidades do grupo que está recebendo a formação, relacionado
à informação teórica com a prática social, isto é, do processo
educacional que busca a efetivação de uma cultura de direitos
humanos, devendo correr de forma interdisciplinar (MACIEL,
2016).
180 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Pensar na formação e nas práticas docentes orientadas pelo


Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos é desejar a
consolidação de uma cultura democrática, cidadã e não violenta. É
acreditar no papel imensurável do professor como transformador
social, pois como mostra Freire (1996, p. 98) “ensinar exige
compreender que a educação é uma forma de intervenção no
mundo”.
Segundo Candau (2013), existem alguns desafios inerentes ao
processo de transformação para que a educação em direitos
humanos seja inserida nos diferentes sistemas de ensino, na
formação de educadores e na sociedade, tais como; desconstruir a
visão do senso comum sobre os direitos humanos, disseminada por
meio de uma visão distorcida formada pela mídia, assumir uma
concepção de educação em Direitos Humanos e explicitar o que se
pretende atingir em cada situação concreta, articular ações de
sensibilização e de formação, construir ambientes educativos que
respeitem e promovam os Direitos Humanos, incorporar a educação
em direitos humanos no currículo escolar, introduzir a temática na
formação inicial e continuada e estimular a produção de materiais
de apoio.

Desafios de promover a educação em Direitos Humanos na


educação continuada

São inúmeros os desafios para que se supere essa visão da


escolarização em favor de ideais ligados à noção de uma formação
voltada para o bem comum. Qualquer transformação que diga
respeito a uma mudança dessa magnitude exigirá, inexoravelmente,
uma série de medidas complementares. Dentre elas uma que nos
interessa diretamente: a formação de professores, não só em seus
estágios iniciais, ao longo das licenciaturas, mas também na
formação continuada que se volta para os professores já em serviço
(CARVALHO, 2004).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 181

Apesar de constar no PNDH-3 e na Lei de Diretrizes Básicas,


exigências de formação inicial e continuada de todos os profissionais
da educação que atuam nas redes de ensino na educação em direitos
humanos, visando à formação cidadã do educando, muitos
profissionais da área tiveram sua formação anterior a 2012, período
da publicação das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos no Diário Oficial da União (BRASIL, 2012), quando
ocorrera a inserção do tema educação em direitos humanos nos
níveis de ensino superior. Por esta razão, podemos concluir que
educadores formados e atuantes na área da educação, anteriores a
esta data, ficaram em déficit com tal temática, surgindo dai a
necessidade de uma educação continuada, tanto na educação básica
como na educação superior, responsáveis pela formação docente.
A Educação em Direitos Humanos, proposta pelas Nações
Unidas, inclui especializações, treinamentos, comunicação,
disseminação e esforços de informação objetivando a construção de
uma cultura universal de direitos humanos através da partilha de
conhecimento, competência e habilidades e da moldagem de
atitudes, que são direcionadas ao fortalecimento do respeito aos
direitos humanos, destacando a promoção da compreensão,
fortalecendo o senso de tolerância e de igualdade pessoas e grupos
raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos; assim como a
capacitação para educação em direitos humanos (ONU, 1995).
As considerações gerais baseadas em informações teóricas
divergem da realidade docente e indicam a necessidade de construir
novas alternativas de organização curricular, comprometidas, de
um lado, com o novo significado do trabalho no contexto da
globalização e, do outro, com o sujeito ativo, a pessoa humana que
se apropriará desses conhecimentos para aprimorar-se no mundo
do trabalho e na prática social, neste caso o educador.
O paradigma do professor reflexivo, tida como uma boa
prática docente, no caso da formação continuada, ou seja, a
formação destinada aos professores que já se encontram em serviço,
consiste na reflexão do professor sobre sua própria prática, induz à
182 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

valorização não somente enquanto conhecimentos técnicos mas


também pratica docente, dessa forma, encontros de formação
continuada precisam aproximar-se da realidade do profissional
(MACIEL, 2016).
Partimos da afirmação da necessidade de “desnaturalizar” a
posição que supõe que basta a transmissão de conhecimentos sobre
Direitos Humanos que necessariamente a educação em Direitos
Humanos está presente, o processo deve produzir ao invés de
reproduzir conhecimentos para um resultado eficaz, como ressalta
(CANDAU, 2013).
Um aspecto relevante quando se discute o aprendizado da
docência é entendê-lo como um processo contínuo, que se dá ao
longo da vida profissional, articulado às práticas e ao contexto da
atividade dos professores, nesse sentido, a formação formal e não
formal de ensino superior precisa caminhar com novos enfoques:
partir da aproximação íntima entre teoria e prática; do diálogo; da
coerência entre objetivos que se deseja atingir e a prática nos cursos
de formação (MACIEL, 2016).
Nessa trajetória, os professores atuantes na educação básica e
educação superior, incorporam à sua ação pedagógica, além dos
conhecimentos adquiridos na formação inicial e continuada,
atitudes e procedimentos vivenciados no cotidiano escolar por meio
de sua experiência e interação.
Uma vez formado sem o confronto entre os conceitos
apreendidos e/ou vivenciados nos cursos de formação, torna-se
difícil para o educador o exercício da profissão dentro da visão crítica
e com a perspectiva de mudança da realidade, pois durante sua
própria formação não lhe foi mostrada a relação entre a educação
em direitos humanos e o seu contexto profissional, desta maneira,
possibilitar uma proposta político pedagógica que seja planejada
atendendo as necessidades e interesses de todos, auxilia na
formação e capacitação docente.
Assim, sobretudo no que diz respeito à programas de
formação contínua de professores, tem sido bastante freqüente o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 183

descolamento entre a reflexão sobre os conceitos difundidos e a


consideração das práticas correntes nas unidades educacionais.
Normalmente realizados fora da escola, os programas de formação
contínua se propõem a “reciclar” o repertório dos discursos dos
educadores em “temáticas e metodologias inovadoras” e, deste
modo, simplificam a questão da educação para a democracia e os
direitos humanos, tornando-a um problema de divulgação de idéias
a cargo de um indivíduo isolado de seus pares e da proposta
pedagógica de sua escola (CARVALHO, 2004).

Conclusão

Neste sentido, é importante mas insuficiente promover


eventos e atividades esporádicas de informação e conhecimentos
sobre a temática, orientadas fundamentalmente a sensibilizar e
motivar para as questões relacionadas com os Direitos Humanos,
sendo necessário utilizar estratégias pedagógicas que relacionem
teoria e prática, sejam ativas, participativas e de construção de
conhecimento favorecendo a educação em direitos humanos.
A inserção do tema educação em direitos humanos nos
diversos níveis só ocorreu a partir de 2012, questões pertinentes aos
direitos humanos não fizeram parte dos cursos de graduação e pós
graduação responsáveis pela formação dos profissionais da
educação nas diferentes áreas do conhecimento. Ressaltamos que a
formação superior de profissionais da educação possui duas etapas,
a inicial e a continuada, da qual pode ser compreendida como a
ampliação da formação inicial do profissional que se dá por meio de
cursos de especializações, aperfeiçoamentos, especialização e outras
atividades com o mesmo propósito.
Percebemos que o professor constrói suas concepções sobre a
docência a partir de múltiplas fontes de aprendizado, nesta
perspectiva, está presente a realização de processos formativos,
exigindo uma série de atividades articuladas e desenvolvidas em um
determinado período de tempo, mobilizando de maneira integrada
184 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

diferentes dimensões presentes nos processos de ensino-


aprendizagem, influenciando o ato de ensinar e refletindo na
aprendizagem dos alunos.
É preciso considerar que o contexto do trabalho docente tem
absorvido as transformações ocorridas na realidade social na qual
está inserido, hoje cada vez mas complexa, tornando o aprendizado
ao longo da carreira essencial para o exercício profissional, nesse
contexto seu papel é de transformar mentalidades, mudar atitudes
e comportamentos, repensar práticas cotidianas e educativas,
surgindo assim a necessidade da formação continuada tanto para
profissionais atuantes na educação básica como para profissionais
da educação superior que atuam em cursos de formação de
professores.

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12

A inclusão de jovens com deficiência física


do ensino médio:
a CIF como parâmetro na orientação profissional

Eber Pinheiro de Assis


Solange Vera Nunes de Lima D’Água

Introdução

A deficiência física é o comprometimento do aparelho


locomotor, pode acometer um ou vários sistemas do organismo,
como os sistemas osteoarticular1, muscular e nervoso. Doenças ou
lesões que afetam um ou mais desses sistemas, como lesão medular
e malformação congênita, podem levar a quadros de limitação física.
As complicações que ocorrem com o indivíduo que tem deficiência
física não se limitam à esfera motora, ela traz inúmeras
consequências envolvendo a pessoa, sua família, amigos e com isso
trazendo reflexos em sua inserção na sociedade como um todo. Seus
efeitos interferem sobre praticamente todas as funções vitais do
indivíduo, havendo a necessidade de auxílio e adaptações para
suprir as necessidades básicas, o que gera um custo emocional
incomensurável (AUAD; CONCEIÇÃO, 2008).
No decorrer da história humana, as pessoas com deficiência
física viveram ou ainda vivem uma exclusão na sociedade, com
reflexos para sua saúde física e mental, Azevedo e Barros (2004). A
sociedade ainda carrega preconceitos em relação as pessoas com

1
Termo da medicina relacionado a aquilo que é pertencente ao osso e a sua articulação.
188 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

deficiência, pois, não compreende que ter uma limitação física não
implica ter uma deficiência em todos os segmentos e funções do
corpo, uma vez que o ambiente no qual o indivíduo está inserido
pode não ser limitador para ele (AUAD; CONCEIÇÃO, 2008).
A inclusão é um tema que tem sido muito discutido pelos
educadores, profissionais da saúde e órgãos que buscam políticas
sociais inclusivas, e trata do respeito às diferenças e à participação
igualitária de todas as pessoas na sociedade, afirmam Roris, Amorim
e Rossetti-Ferreira (2010). Nesse sentido os movimentos inclusivos
visam nos entornos sociais produzir a igualdade de oportunidades
para todos. Quando focada sob a ótica individual, a inclusão supõe
que cada um tenha a oportunidade de fazer suas próprias escolhas
e construir sua identidade pessoal e social (TELES; RESEGUE;
PUCINNI, 2013).
Para Mantoan (2010), os grupos mobilizadores que lutam pela
inclusão, dentre eles profissionais da educação e saúde pública,
devem contestar as fronteiras entre o regular e o especial, o normal
e o deficiente, identificando os espaços simbólicos das diferentes
identidades. Para a pessoa com deficiência física as barreiras não são
somente sociais, mas inclusive físicas, pois dependem de um
ambiente que esteja preparado para atender suas características
funcionais, de modo que sua interação biopsicossocial ocorra de
forma integral (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
COMBATE À FOME, 2003).
Cury (2005), em seus estudos, afirma que as políticas
inclusivas podem ser entendidas como estratégias voltadas para a
universalização de direitos civis, políticos e sociais. As primeiras
formas de inclusão social de pessoas com deficiências datam do
início dos anos 1920, com a preocupação da Organização
Internacional do Trabalho – OIT, em garantir empregos para os
veteranos mutilados de guerra. A inclusão profissional de pessoas
com deficiências pode se dar em quatro modalidades: tipo de
deficiência, grau de deficiência, nível de autonomia do sujeito e a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 189

natureza do posto de trabalho ou função a ser exercida (REDIG e


GLAT, 2017).
Para a Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF) a incapacidade é entendida como um
problema da pessoa, consequência direta de uma doença, de um
traumatismo ou de outro problema de saúde, que necessita de
cuidados médicos fornecidos sob a forma de tratamento individual
(NUBILA, 2007).
É de extrema importância fornecer a pessoa que possui
alguma deficiência física um norteamento de qual profissão ela
poderá atuar, considerando sua incapacidade funcional, visto a
importância de adquirir a autonomia econômica, que é
compreendida como a capacidade do cidadão suprir suas
necessidades vitais, culturais, políticas e sociais, sob as condições de
respeito às ideias individuais e coletivas (AZEVEDO; BARROS,
2004).
Partindo por esse pressuposto, a avaliação funcional que é
oferecida pela CIF permite que um perfil do indivíduo com
deficiência física seja definido para que o fisioterapeuta possa
orientá-lo referente suas possibilidades funcionais para atuação nas
várias esferas do ambiente laboral. (FARIAS e BUCHALLA, 2005).
O principal objetivo desse estudo é investigar o
reconhecimento da utilização da Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) nos alunos do ensino
médio da rede pública da cidade de São José do Rio Preto que
possuem alguma deficiência física, como auxílio na inclusão
profissional.

Fundamentação teórica

A CIF pertence à família das classificações internacionais


desenvolvidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para
utilização em vários aspectos biopsicossociais, Sampaio et al. (2005).
De acordo com Nubila e Buchala (2008), o surgimento da CIF
190 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ocorreu pela necessidade de cobrir as questões que não eram


alcançadas pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), que, fornece uma
estrutura etiológica, a princípio as consequências das doenças, nesse
sentido tal classificação, foi amplamente publicado, avaliado e
revisado. A publicação da CIF neste caminho, como classificação
complementar a CID-102, com seu enfoque sobre a funcionalidade,
trouxe um interesse em explorar as sobreposições e interfaces das
duas classificações, no que tange aos próprios limites a serem
desenhados para definições de deficiência.
Esse sistema de avaliação define um perfil das habilidades de
uma pessoa, que são detalhadas de uma forma padronizada para
observação e mensuração (por exemplo, várias funções corporais,
mobilidade, autocuidados, cognição, relações interpessoais, etc.). As
descrições a partir da CIF oferecem uma ferramenta útil para chegar
aos critérios de avaliação conceitualmente compreensíveis e
culturalmente significantes.
A CIF pode ser compreendida como um instrumento de
inclusão, pois enfatiza as possibilidades do avaliado, identifica o que
uma pessoa com uma doença ou perturbação faz ou pode fazer,
superando o antigo modelo médico de avaliação que considerava
somente as consequências físicas / funcionais da pessoa que tem
deficiência, Sampaio et al. (2005). As características físicas de uma
pessoa podem influenciar diretamente na seleção das ocupações
profissionais ou podem conduzir a padrões de envolvimento
restritos e estereotipados (SOUZA et al., 2013).
Segundo Cury (2005), o conceito de políticas inclusivas, é o
direito à diferença, mesclam as questões de gênero com as de etnia,
idade, origem, religião e deficiência, entre outras. São estratégias
voltadas para a validação e cumprimento de leis que garantam os
direitos de determinados grupos marcados por uma diferença
2
A CID-10 fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais,
sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou
doenças.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 191

específica. Pode-se dizer que esses grupos são socialmente


vulneráveis, seja devido a uma história explicitamente marcada pela
exclusão, seja devido à permanência de tais circunstâncias em
sequelas manifestas.
Vasconcelos (2010) constatou em seus estudos que é
frequente o adolescente ou o jovem com deficiência traçar “projetos
de futuro” menos ambiciosos ao se deparar com as restrições de
ingresso à carreira profissional, o que é particularmente importante
nessa fase da vida, pois, o trabalho pode ser um meio da pessoa com
deficiência desenvolver um sentimento de “pertencimento” à
sociedade, aumentando sua autoestima e sua segurança no
enfrentamento das barreiras sociais.
A realidade brasileira atual mostra a ausência de ações
afirmativas para o acesso a bens, serviços e ao trabalho, percebe-se
a necessidade de critérios de avaliação médica mais detalhados em
relação a incapacidade ocupacional e para a vida independente,
segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(2003). Ao que tudo indica, os alunos oriundos das escolas públicas
não recebem orientações adequadas e/ou formação adequada para
a sua inclusão profissional.
É comum, diante de uma sociedade desigual, encontrarmos
grande parte das pessoas que têm deficiência trabalhando em
camelôs, como distribuidores de propaganda nos semáforos ou
pedindo nas ruas, não diminuindo a dignidade dessas ocupações,
mas, em via de regra, estão fora do ambiente formal de trabalho e
sem a proteção do sistema de seguridade social”, Ramalho e Souza
(2005). O percentual de pessoas nessas condições tem aumentado
mesmo com a existência da lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que
garante cotas para pessoas com deficiência, obrigando empresas
com 100 ou mais funcionários preencher de dois a cinco por cento
dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas que têm
deficiência, havendo inclusive multa por descumprimento.
Segundo dados da Central Brasileira do Setor de Serviços
(CEBRASSE) não há preenchimento das cotas disponibilizadas para
192 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

indivíduos com deficiência. Esses dados apontam que as empresas


não conseguem contratar pessoas com necessidades especiais
devido a alguns motivos, tais como: ausência de qualificação para a
vaga oferecida; ausência de capacitação, necessária inclusive quando
se tem que justificar o preenchimento da cota perante o Ministério
do Trabalho; e outro fator é que muitas pessoas que estão
aposentadas por conta da deficiência não querem retornar ou se
inserirem no mercado de trabalho.
Em contrapartida, Ribeiro e Carneiro (2009) em seus estudos,
afirmam que há protelação por parte das empresas no tocante a
contratação de pessoas com deficiência, aumentando o nível de
exigência de qualificação e experiência profissional para o
preenchimento das vagas ofertadas. Desse modo, a observância da
cota prescrita na lei somente tende a ocorrer quando esgotadas as
possibilidades da empresa recorrer a práticas protelatórias ou
quando o custo de adotá-las passa a ser percebido como
contraproducente. Essa estratégia é prática comum em diversas
empresas, pois há uma tentativa de justificar o descumprimento da
lei de cotas sob o argumento de que suas atividades são
caracterizadas por elevado grau de risco e periculosidade para
pessoa com deficiência.
Diante dessa constatação a adoção do modelo de
funcionalidade e incapacidade humana possibilita ao fisioterapeuta,
em seus procedimentos de avaliação e de intervenção, considerar
um perfil funcional específico para cada indivíduo. Norteado por
esse modelo, o profissional pode identificar as capacidades e as
limitações que envolvem a saúde (SAMPAIO et al., 2005).
É de grande importância que os profissionais da educação
tenham conhecimentos específicos sobre todo contexto que envolve
as condições e possibilidades do aluno que tem deficiência, para que
se estabeleça uma rede de apoio e cooperação entre os setores da
educação, saúde e assistência social, promovendo uma assistência
multidisciplinar, Melo e Pereira (2013). Quando se trabalha com
educação inclusiva é preciso elaborar diretrizes e métodos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 193

educacionais que coloquem em prática a integração da diferença


humana considerando seu valor pedagógico, (ZARDO, 2012).
Sendo assim, entende-se que é de sumo valor utilizar a CIF
como parâmetro na instrução e orientação da pessoa com
deficiência física com idade profissionalizante, elucidando as
possibilidades para alcançar a profissão desejada, oferecendo uma
perspectiva positiva para a inclusão profissional do jovem com
mobilidade reduzida.
Considerando o exposto, essa pesquisa se torna relevante por
sua aplicabilidade na vida da pessoa com deficiência física. Busca-se
não apenas levantar dados informativos, mas, sobretudo, promover
uma função social positiva por meio da pesquisa. Como pergunta de
pesquisa pretende-se responder a seguinte questão: “No que o
reconhecimento da CIF pode auxiliar na inclusão profissional do
jovem deficiente?”.

Procedimentos metodológicos

O presente estudo será realizado por meio de pesquisa


aplicada, que segundo Dalfovo et al. (2008), traz novos
conhecimentos para a prática sendo práxis para resolução de um
problema específico. O trabalho será desenvolvido através de
abordagem quali /quanti que compreende metodologia de
interpretação dinâmica e totalizante da realidade, segundo Severino
(2000), os fatos não podem ser relevados fora de um contexto social,
político, econômico etc, sendo possível também traduzir em
números as opiniões e informações para classificá-las e analisá-las.
Trata-se de uma pesquisa com objetivos exploratórios e descritivos,
já que visa proporcionar maior familiaridade com o problema com
vistas a torná-lo explícito e concomitantemente descrever e estudar
características de uma determinada população (SILVA E MENEZES,
2001).
No que tange aos procedimentos técnicos a investigação
compreenderá o caráter bibliográfico, documental e de
194 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

levantamento, por pautar-se em subsídios teóricos e documentais


ancorados nas temáticas de inclusão e envolver a participação direta
dos alunos com deficiência física, por meio da utilização de
instrumentos tais como, entrevista, questionário.
Segundo Lima e Mioto (2007, p.38), a organização do
trabalho bibliográfico “[...] implica em um conjunto ordenado de
procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e
que, por isso, não pode ser aleatório [...]”. Dentre os temas que serão
abordados neste estudo, temos como principais:

• Deficiência Física e Inclusão Social:

É de grande relevância que as instituições ou grupos que


lutam pela garantia dos direitos das pessoas que necessitam de
atendimento especial, pautem-se numa educação inclusiva que
organize os sistemas de ensino, tendo em vista a elaboração de
diretrizes e práticas educacionais que consideram a diferença
humana como valor pedagógico. É necessário questionar os
processos homogeneizadores de ensino, objetivando o
reconhecimento dos diferentes percursos de construção do
conhecimento, independentemente da condição física, intelectual ou
sensorial dos alunos (ZARDO, 2012).

• Deficiência Física e Inclusão Profissional:

Entendendo a diversidade como ponto importante a ser


considerado na inserção profissional no mercado de trabalho,
somente através da vontade política e técnica, com estratégias que
articulam os aspectos biopsicosociais nas empresas, será possível
incluir profissionalmente pessoas com necessidades especiais. Para
isso, são necessárias algumas ações por parte do campo profissional,
como: adequação do espaço físico, preparação do ambiente
organizacional, suporte clínico, quanto aos cuidados com a saúde,
orientação e qualificação profissional. Dessa forma, é possível
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 195

alcançar a real inclusão profissional da pessoa com deficiência


(CABRAL, 2008).

• Acessibilidade:

As barreiras que as pessoas com mobilidade reduzida


enfrentam em suas rotinas diárias não se restringem somente ao
aspecto físico, como à ausência de rampas e de elevadores, mas
envolvem também questões sociais indispensáveis para o exercício
de seus direitos que, embora garantidos por lei, ainda são pouco
observados. A conscientização da população em geral sobre os
obstáculos das pessoas com deficiência ajuda a diminuir a exclusão
social, porém, não se faz suficiente. É preciso instituir ações que
assegurem que os espaços e os equipamentos estejam acessíveis,
garantindo a convivência e a participação de todas as pessoas em
todos os espaços com autonomia e segurança, levando-se em conta
a diversidade (CALDAS et al., 2015)

• Desenho Universal:

O Desenho Universal, dito também Desenho para Todos, visa


a concepção de objetos, equipamentos e estruturas do meio físico
direcionados a utilização de todas as pessoas. Foi desenvolvido
considerando as possibilidades e limitações de todos os usuários,
com o objetivo de simplificar as formas de mobilidade, acesso aos
bens fundamentais e interação social, o que resulta em um desenho
acessível à diversidade humana no que diz respeito aos seus padrões
antropométricos (FREGOLENTE, 2008).
No quesito de documentos insere-se o Estatuto da Pessoa com
Deficiência que através da lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência) determina em seu
primeiro artigo que sejam instituídas ações que promovam
condições de igualdade em todo contexto do ser humano, garantia
dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com
deficiência, visando à sua inclusão social e participação
196 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

biopsicossocial. Em seu quarto artigo assegura que “toda pessoa com


deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais
pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.
Assim como, a Lei n. 9394/96, que estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, determinando em seu Artigo 59 que os
sistemas de ensino assegurem aos educandos com necessidades
especiais, entre outros aspectos: currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos e organização específica, para atender às suas
necessidades, e no mesmo aparato legal, as categorias de deficiência
ficam então diluídas no conceito de necessidades educacionais
especiais. (MELETTI e BUENO, 2011).
A fim de complementar o trabalho de investigação e
responder com maior fidedignidade a pergunta de pesquisa, este
estudo se propõe a pesquisa de campo, que para Suertegaray (2002)
é o conhecimento feito através da vivência em transformação, com
a interação do sujeito no seu caminhar e pensar com o objeto.
As equipes gestoras das unidades escolares serão previamente
contatadas e receberão todos os esclarecimentos relativos à proposta
do estudo. Os estudos de campos serão realizados em um período
aproximado de 60 dias, o que será organizado a partir da
disponibilidade dos sujeitos da pesquisa. Na primeira etapa da
pesquisa de campo, o meio digital será utilizado para envio de
questionário (Anexo 2) online através do Google Docs. A segunda
etapa da pesquisa se constituirá da aplicação da CIF junto aos
alunos3. Na terceira etapa da pesquisa será reaplicado o questionário
inicial, para posterior análise.
Em consonância com os caminhos éticos da pesquisa,
inicialmente, procurou-se a Diretoria Regional de Ensino de São José
do Rio Preto, ocasião que foi apresentado à Diretora Regional o pré-
projeto de pesquisa a fim de verificar sua exequibilidade nas escolas
de Ensino Médio da rede estadual de ensino do referido município.
3
Será aplicada com o auxílio de um aplicativo para aparelhos smartfones, o Crefito Mobile,
disponibilizado pelo Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia ocupacional (CREFITO) através do
link: https://play.google.com/store/apps/details?id=org.crefito4.crefitoMobileFisio/
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 197

A autorização para realização da pesquisa foi oficializada no dia


30/05/2018 por meio da assinatura da dirigente regional de ensino
no ofício (Anexo 1), onde foi esclarecido o pré-projeto anexado junto
a carta. Nessa data foi também fornecido ao pesquisador, pela
Diretoria Regional, o levantamento das escolas que possuem alunos
com deficiência física na cidade de São José do Rio Preto SP e que
estão matriculados nas escolas do ensino médio, até a presente data
foram identificadas 15 unidades, com o total de 21 alunos que
declararam apresentar alguma deficiência física.
Após a observância do comitê de ética em pesquisa, se
utilizará com os sujeitos participantes o termo de consentimento
livre e esclarecido (Anexo 3), tal investigação será realizada com
alunos que apresentam algum tipo de deficiência física, que se refere
a alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo
humano, acarretando o comprometimento da função física (Lei n°
10.690 de 10 de junho de 2003).

Considerações finais

Apesar do trabalho de pesquisa encontrar-se em fase inicial,


parte da crença que a CIF pode fornecer um parâmetro
fundamentado sobre a funcionalidade humana, por ser um
documento oficial e uma classificação de referência da OMS.
A oportunidade da pesquisa pode se tornar um indutor de
politicas públicas relacionadas a processos de inclusão, de forma
que, várias instituições poderão utilizá-la como instrumento de
inclusão social, bem como, auxiliar o jovem com deficiência física na
orientação profissional.
Espera-se que esse estudo elucide se a CIF tem valor
significativo para jovem com deficiência física, quanto a sua
profissionalização e inclusão no mercado de trabalho.
198 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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13

A interface arte e matemática:


em busca de uma perspectiva crítica e criativa para o
ensino de matemática

Edvan Ferreira Dos Santos


Harryson Junio Lessa Gonçalves

Introdução

Interface é um conceito demasiado amplo e pode ser utilizado


em diversos sentidos. O prefixo “inter” sugere ligação, relação ou
conexão entre, união de duas partes ou mais, ou de um ponto a
outro. Já o sufixo “face” nesse conceito, pode ser entendido como as
partes das quais a ligação se estabelece. Pensando em áreas do
conhecimento, é muito fácil indicar elementos de interfaces que se
estabelecem em campos próximos ou adjacentes, como por exemplo
a interface Ciência e Tecnologia. Nessa interface de cara podemos
elencar elementos tais como computadores, máquinas, aparelhos,
robôs, etc. Entretanto ao pensar em interfaces como Arte e Ciência,
ou Arte e Matemática, que pertencem a áreas do conhecimento, por
assim dizer, distintas e de certa forma um tanto distanciadas no
senso comum, listar elementos a elas pertencentes se torna uma
tarefa não muito óbvia. Neste momento introdutório objetivamos
construir uma contextualização da interface Arte e Matemática,
tomando Arte no sentido de área do conhecimento e aprendizado, e,
indicar alguns elementos que julgamos interessantes para o
trabalho no contexto educacional, para tanto, percorreremos o
caminho que intenta entender o que são cada uma dessas “faces” em
204 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

separado, num esforço maior de compreender a primeira que


apresenta maior complexidade em termos de definição de concepção
e a partir disso suas interrelações com a segunda.
Começamos pela Arte com os seguintes questionamentos: O
que é Arte? O que é uma obra de arte? Qual a função da Arte?
Encontrar uma resposta definitiva para a primeira pergunta é uma
tarefa extremamente difícil ou até mesmo impossível segundo
alguns teóricos, visto os inúmeros tratados de estética produzidos
na tentativa de solucionar tal problema. Além disso, esses escritos
apresentam ideias muitas vezes divergentes e contraditórias, o que
corrobora para o declínio da tentativa. No entanto, pensar nas
manifestações da Arte pode ser um caminho favorável dentro da
referida problemática a partir do ato de relacionar tais
manifestações, buscar uma compreensão sobre o que se trata.
As obras de arte são essas manifestações, que em sua forma
eurocêntrica clássica despertam sentimentos contemplativos e de
admiração como é o caso da “9ª sinfonia” de Beethoven, o painel
“Guernica” de Picasso, a escultura “Davi” de Michelangelo, o quadro
“Monalisa” de Da Vinci, a peça de teatro “Romeu e Julieta” de
Shakespeare, o ballet “Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, entre
outros. Olhando para elas poderíamos definir Arte, de maneira
simplista, como meio de manifestação de sentimentos ligados à
contemplação e admiração. No entanto, a problemática se intensifica
quando encontramos manifestações da Arte que não estão nessa
perspectiva como é o caso da “Fonte” de Marcel Duchamp, um
mictório de porcelana. Daí já nos esbarramos no segundo
questionamento (O que é uma obra de arte?), qualquer coisa pode
ser considerada obra de arte? Quem define o que é obra de arte?
Conforme nos aponta Coli (1995),

Para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui instrumentos


específicos. Um deles, essencial, é o discurso sobre o objeto
artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade. Esse
discurso é o que proferem o crítico, o historiador da arte, o perito,
o conservador de museu. São eles que conferem o estatuto de arte
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 205

a um objeto. Nossa cultura também prevê locais específicos onde a


arte pode manifestar-se, quer dizer, locais que também dão
estatuto de arte a um objeto. Num museu, numa galeria, sei de
antemão que encontrarei obras de arte; num cinema ‘de arte’,
filmes que escapam à ‘banalidade’ dos circuitos normais; numa
sala de concerto, música ‘erudita’, etc. (p. 10-11).

O terceiro questionamento, sobre qual a função da Arte pode


ajudar a responder às questões anteriores visto que as teorias da
Arte se constituem também por esse viés. Uma função ligada ao
discurso institucional sobre o objeto artístico (por nós abominada),
é a de distinguir e valorizar uma elite. Apenas a nossa cultura atribui
um papel elitizante à Arte, que é vista como algo que indica
superioridade (COLI, 1995). O aprimoramento artístico serve como
forma de afirmação da classe, pois denota a superioridade da qual
uma determinada casta confere a si mesma, nesse sentido,
interessar-se por Arte na nossa cultura e na nossa sociedade do
capital, significa ser mais culto, ser diferente dos demais, ter um
espirito mais elevado, etc. Até porque o acesso a museus, teatros,
salas de concerto, é de certa forma restrito aos poucos que possuem
capital material e/ou cultural para frequentá-los.
Dentre as funções: de representar algo (teorias
representacionalistas); de apresentar uma forma significante (teorias
formalistas); de expressar emoções (expressivistas); e de proporcionar
conhecimento (cognitivistas), entendemos que as mais relevantes para
o trabalho educacional são as de expressão e cognição.
A teoria expressivista da Arte do filósofo inglês Robin George
Collingwood defende que a “arte própria”, a verdadeira Arte, tem a
função de regeneração da consciência e tem como pilares de
sustentação a imaginação e o pensamento que organizados na
produção artística levam tanto o artista quanto os espectadores a
uma regeneração da consciência e fortalecimento do intelecto.
As teorias cognitivistas se apoiam nas teses de que: a Arte
proporciona conhecimento robusto que não está centrado em
trivialidades; e, que a Arte proporciona conhecimento por meio de
206 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

suas obras, o que justifica seu valor artístico. A primeira tese responde
à questão epistêmica e a segunda à questão estética. Assumindo essa
compreensão sobre a Arte, considerando-a como meio de expressão
de sentimentos, num sentido de regeneração da consciência, bem
como sua função cognitiva de proporcionar conhecimento legítimo
por meio de suas obras, partimos então para a Matemática.
A ideia formal que se tem sobre a Matemática, ciência dos
números, voltada para o formalismo e raciocínio lógico abstrato é
considerada apenas como uma parte limitada do conhecimento
agregado e passa a ser ampliada para uma visão com maior alcance
considerando também as relações étnico-culturais em que as
matemáticas estão inseridas.

Sem dúvida, essa matemática é importante, mas, de acordo com o


eminente matemático Roger Penrose, ela representa uma área
muito pequena da atividade consciente que é praticada por uma
pequena minoria de seres conscientes para uma fração muito
limitada de sua vida consciente. O mesmo pode-se dizer sobre a
ciência acadêmica em geral. (D’AMBROSIO, 2005, p.102)

Sabe-se que muitos artistas utilizaram de conhecimentos


matemáticos no desenvolvimento de suas obras, a exemplo, Da
Vinci, expoente cientista e artista em sua época, valorizava as
perfeitas proporções em suas obras, tais como a “Mona Lisa” que
segue em sua anatomia as medidas da razão áurea. De acordo com
pesquisadores da temática, explorar as relações da Matemática com
a Arte em ambiente escolar é uma possibilidade de estimular a
criatividade, a criticidade e despertar a afetividade pela Matemática.
Acreditamos que é necessário aprofundar esta discussão no
sentido de entender por meio da análise de trabalhos educacionais
já realizados, quais os benefícios alcançados na aprendizagem e a
viabilidade desta ação interdisciplinar no contexto curricular, de
modo que essas práticas avancem e se tornem mais difundidas em
âmbito escolar.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 207

Além disso, favorecer a exploração do potencial da interface


no que se refere ao desenvolvimento do pensamento crítico e da
criatividade. Tomando o conceito de crítico, aquele que está
fundamentado no agir crítico e no conceito de emancipação
(HORKHEIMER, 1983), onde o educando se torna capaz de utilizar
os conhecimentos com fins de superação bem como a transformação
do meio social, de forma a buscar a libertação das amarras e das
contradições existentes na sociedade capitalista.

Construção e problematização do tema

No âmbito educacional, desde muito tempo o ensino de


matemática carrega a insígnia da tendência tradicional, aquela em
que o ato de ensinar se identifica como algo semelhante a uma
“transmissão” do conhecimento e a aprendizagem como a mera
“recepção” de conteúdos muitas vezes desconexos da realidade do
aprendiz e sem sentido para o mesmo. Nessa tendência educacional,
o professor está no cerne do processo de ensino-aprendizagem,
sendo ele o único detentor do saber e o aluno uma tábula rasa da
qual o primeiro é responsável por imprimir nesse, o conhecimento,
por meio de um processo de ensino baseado essencialmente na
verbalização e exposição conteudista. A metáfora do ensino
“bancário” de Paulo Freire explica muito bem a relação educador-
educandos nessa tendência:

(...) a narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos


à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a
narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem
“enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os
recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será.
Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores
educandos serão (FREIRE, 1987, p. 32, grifo nosso).

Um dos grandes problemas dessa forma de ensinar


matemática consiste no distanciamento do educando do
208 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conhecimento que se expressa essencialmente por meio de uma


verdadeira fobia matemática. Memorização de fórmulas, processos
mecânicos, intensa repetição de algoritmos geram sofrimento ao
aprendiz, visto que poucos são os que possuem afinidade, e/ou
detém habilidades/inteligências relacionadas ao raciocínio lógico
aguçado, para desenvolvimento do conhecimento matemático nessa
proposta de ensino. Mas, por que é importante aprender
matemática? A Matemática está presente em todos os processos
humanos, principalmente no modelo de sociedade em que vivemos,
onde o poder se concentra nas mãos dos poucos detentores de
capital maciço, possuir habilidades ligadas ao raciocínio lógico,
fluência no manejo de quantidades, medidas, estatísticas, etc., não
em uma perspectiva meramente instrumental, mas numa
perspectiva crítica, se faz essencial para a formação cidadã e
indispensável para a sobrevivência e manutenção de direitos que se
viabilizam pela resistência e luta por melhores condições de vida.
Nesse sentido, a área de Educação Matemática se constitui por
meio de seu objeto que são as maneiras de se ensinar matemática,
e, dentre suas variadas demandas, a de superação desse ensino
desconexo da realidade e sem sentido para o educando, passa a ter
seu foco, além da ideia de transposição didática, no conceito de
contextualização. Tal concepção se constitui por meio da
necessidade de se dar sentido ao conhecimento matemático na
escola, o que difere de apenas fornecer um pano de fundo agradável
ou meramente ilustrar os conteúdos matemáticos trabalhados.
Dessa maneira, entendemos que a proposta de utilização da
interface Arte e Matemática no ensino de matemática não deve se
constituir numa perspectiva ingênua de contextualização, onde as
interrelações são exploradas de modo superficial, com função
meramente ilustrativa e/ou lúdica, de forma a tornar a
“transmissão” do conhecimento, no âmbito do ensino tradicional,
mais agradável, mais leve. A ideia diferente disso, se baseia
primeiramente na superação desse modo de ensino, o que implica
na necessidade de conceber o processo formativo em matemática
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 209

numa via de construção sólida dos conhecimentos, em que, para


tanto, o conceito de contextualização se estabelece numa perspectiva
crítica que considera: a historicidade na constituição do ser humano
e dos conhecimentos por ele produzidos; a conexão entre os
conhecimentos disciplinares interligados entre si; e a realidade
étnico sociocultural intrínseca em que se insere o educando e os
processos educativos.
No âmbito curricular brasileiro, o conceito de
contextualização começa a aparecer fortemente na proposta dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), na década de 90 sendo
esse conceito juntamente com o de interdisciplinaridade, princípios
integrantes do discurso regulativo. Conforme afirma Lopes (2002)
para a produção de uma proposta como a dos PCN os variados
discursos acadêmicos são apropriados, hibridizados e
ressiginificados com a finalidade de atender às necessidades
educacionais do momento corrente.
A contextualização do conhecimento matemático no campo
escolar por meio de sua interface com a Arte, é por nós concebida
numa perspectiva que busca ir além daquela difundida pelos PCN, a
qual fundamentou no âmbito do currículo grande parte das práticas
didáticas. Buscamos fundamento para esse conceito nas
perspectivas educacionais de cunho crítico. Assim como a disciplina
de Matemática, a disciplina de Arte teve múltiplas inserções no
ensino o que lhe imprimiu diferentes ênfases em cada tendência de
pensamento como a de forma de trabalho, de estrita erudição, de
conhecimento, estímulo à criatividade e experiência estética, de
intervenção sociopolítica, de fortalecimento de identidade, dentre
outras. Essa ideia corrobora para a afirmativa de que a educação,
seja na área de ciências e matemática ou na área de linguagens e
arte, nunca é neutra (BRASIL, 2006).
O ensino de Arte, de acordo com as propostas dos PCN está
pautado, dentre várias abordagens, no trabalho de construção de
textos artísticos pelo aluno valendo-se dos conhecimentos referentes
às suas linguagens que englobam a Música, as Artes Visuais, a
210 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Dança e o Teatro. Porém como o documento destaca, os textos


produzidos nessa disciplina, não se limitam a mensagens variadas
sobre temas avulsos, pois a Arte é uma narrativa sobre a
humanidade que sintetiza as diversas visões de mundo de cada
cultura e de cada época, assim, ela

(...) é fenômeno social e parte da cultura. Está relacionada com a


totalidade da existência humana, mantém íntimas conexões com o
processo histórico e possui sua própria história, dirigida que é por
tendências que nascem, desenvolvem-se e morrem, e às quais
correspondem estilos e formas definidos” (NUNES, 1991, p. 1)

Por esse viés se configura nossa compreensão do potencial


crítico da Arte numa interface com o ensino de uma Matemática que
busca além de superar a tendência tradicional, ser um conhecimento
que possibilita uma maior compreensão da realidade e que
desenvolve as capacidades críticas e criativas necessárias à
constituição do aluno em sua formação plena.
Lopes (2002), afirma que mesmo não existindo um mundo
produtivo no contexto dos modelos do eficientismo social, ainda
permanece a ideia de que a educação deve se associar ao mundo do
trabalho e formar com a finalidade de inserir de maneira eficiente o
sujeito nessa realidade “sem questionamento do projeto de
construção desse mesmo mundo” (LOPES, 2002, p. 393-394).
Assim, o processo de educar se constitui por meio de correntes que
não estão ligadas à ideia de formação cultural ampla.
O que defendemos na proposta de ensino de matemática
contextualizado por meio de suas interrelações com a Arte é que os
conhecimentos matemáticos possam ser assimilados, construídos e
apropriados de forma a se constituírem num processo formativo
que não se restrinja à inserção social ou ao mundo do trabalho, mas
que considere sua relação com o processo de formação cultural mais
ampla e que seja capaz de conceber a realidade como possível de ser
transformada no sentido de uma sociedade igualitária e livre de
contradições.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 211

Conceitos como o de contextualização ou de


interdisciplinaridade podem cair em modismos e se perpetuar por
meio de um discurso ambíguo e sem sentido ao serem transpostos às
práticas didáticas em sala de aula. Não apenas esses conceitos, mas
outros como a ideia de “desenvolvimento do pensamento crítico e
criativo” se tornam jargões e perdem seu real significado quando
apropriados de maneira inadequada, ou quando apenas incorporam
discursos vazios e que se reproduzem com facilidade no meio escolar.
Daí vem o nosso interesse em saber como tem se
fundamentado essas práticas nas pesquisas em Educação
Matemática, em quais pressupostos teóricos os educadores
matemáticos que estão ou passaram pelos programas de pós-
graduação e produziram suas pesquisas cientificas sobre o ensino de
matemática no âmbito de sua interface com a Arte têm ancorado
suas propostas didáticas? Como tem sido feita a apropriação dos
conceitos ligados à integração curricular? É possível a incorporação
de uma perspectiva de cunho crítico ao se trabalhar Arte e
Matemática no contexto educacional?

Questão de pesquisa

Pretende-se com esta pesquisa discutir a seguinte questão:

Como as pesquisas realizadas em nível de pós-graduação no Brasil


sobre a interface Arte e Matemática no contexto educacional se
fundamentam no que se refere às bases teóricas assumidas em suas
propostas didáticas para o ensino de matemática?

Podemos verificar que os discursos ligados à problemática de


integração de conhecimentos e formação cultural ampla muitas
vezes se valem da ideia de desenvolvimento do “pensamento crítico
e criativo” ou criticidade e criatividade, onde a mesma se mostra na
forma de objetivos, premissas ou justificativas, como pode acontecer
no caso das práticas que nos propomos a investigar. Cogitamos se
realmente essa ideia tem sido desenvolvida com o rigor e a
212 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

fundamentação teórica que demanda uma perspectiva pedagógica


de cunho crítico, a qual está voltada para a prática social e a
emancipação do sujeito.

Justificativa

Os teóricos críticos sinalizam em suas produções que a Arte é


um forte elemento que pode ser incorporado às questões de luta e
resistência, então investigar tal potencialidade se faz fundamental
numa proposta de pesquisa em ensino de matemática que busca
uma superação por via mais radical, aquela que vai de encontro à
raiz dos problemas educacionais.
Ao pensar na Arte e na Matemática – num contexto de formação
e desenvolvimento de capacidades cognitivas e também como
atividades humanas que contribuem para um processo de
humanização do ser – concebemos a importância de ambas para o
desenvolvimento cognitivo integral no sentido de contribuir para o
exercício das múltiplas inteligências, conceito defendido por Gardner
(1994), o qual define a inteligência humana considerando-a como um
conjunto de habilidades, sendo elas: Linguística, Espacial, Corporal-
Cinestésica, Interpessoal, Intrapessoal, Musical e Lógico-Matemática.
Análises de cunho mais teóricos e revisões que buscam um
panorama dos conhecimentos já construídos em um determinado
local e espaço/tempo, como é a proposta para deste trabalho, são
fundamentais para o avanço das pesquisas, pois muitas vezes muito
se produz e pouco se atenta o olhar ao produzido de forma a
identificar lacunas ou propor novas perspectivas ou olhares
distintos para as temáticas em questão num sentido mais amplo. É
por essa via que este trabalho contribui para o avanço das discussões
no que tangem as ações da Educação Matemática como área de
pesquisa e conhecimento.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 213

Objetivos

Objetivamos com essa pesquisa analisar a produção científica


em nível de pós-graduação stricto sensu – evidenciada em
dissertações e teses produzidas no campo da Educação Matemática
no Brasil – aquelas que têm como objeto o ensino de matemática por
meio de sua interface com a Arte. Para tanto, utilizaremos como
perspectiva de análise questões curriculares de base crítica, em
especial da Teoria Crítica, que possibilitem agregar um caráter
emancipador ao ensino de matemática.
Como objetivos específicos temos:

• Identificar os trabalhos produzidos em programas de pós-graduação


brasileiros, no âmbito da Educação Matemática, que evidenciam
interfaces entre Arte e Matemática.
• Discutir, por meio da análise qualitativa dos trabalhos selecionados,
possibilidades de um ensino de matemática voltado para o
desenvolvimento da criatividade e criticidade do educando.
• Propor, a partir de tal análise, recomendações curriculares que visem
o ensino de matemática articulado com a Arte numa perspectiva crítica
e criativa.

Metodologia e constituição dos dados

Este trabalho assume uma metodologia de pesquisa do tipo


quanti-qualitativa que pode ser caracterizada como uma revisão
sistemática de literatura. A literatura a ser considerada para fins da
constituição dos dados, consiste na produção acadêmico-científica
identificada nas dissertações e teses produzidas nos programas de
pós-graduação stricto sensu brasileiros que se agregam à área de
Educação Matemática e que foram produzidas a partir de 2000 até
2017. O crivo temporal se justifica pelo fato de que nosso estudo se
problematiza num contexto curricular matemático brasileiro onde
ideias relacionadas aos conceitos de contextualização e integração
vem à tona com fins de superação do ensino tradicional, que
214 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conforme explicitado na problematização desta pesquisa, trata-se da


consolidação da proposta dos PCN que ocorreu no Brasil em 2000.
O perfil metodológico misto da pesquisa se identifica pelo
tratamento quantitativo, – referente aos resultados “quanti”
caracterizados nas buscas realizadas por meio de palavras-chave
utilizadas para encontrar os trabalhos acadêmicos pertinentes à
temática da pesquisa – como também, pelo tratamento qualitativo,
expresso na análise “quali” a ser realizada – que se fundamentará na
Teoria Crítica da Escola de Frankfurt – no tocante às propostas
didáticas para o ensino de matemática apresentadas nesses trabalhos.
Utilizamos a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD)
como fonte para constituição dos dados, a qual se trata de um portal
de busca online que disponibiliza os textos completos das teses e
dissertações defendidas nas instituições brasileiras de ensino e
pesquisa. O procedimento de constituição dos dados para esta
pesquisa consistiu na busca por meio de palavras-chave e na seleção
dos trabalhos por meio da leitura dos títulos e resumos e também
de uma leitura rasa afim de verificar se apresenta proposta didática
e se a mesma foi desenvolvida em sala de aula e analisada pelo autor.
A análise qualitativa dos dados constituídos se inicia por meio
de uma categorização a priori que se realiza a partir de uma leitura
preliminar de todas as dissertações e teses selecionadas que busca
identificar as bases teóricas que fundamentam suas propostas
didáticas. Por meio dessa leitura preliminar, iniciará um processo de
elaboração de síntese dos trabalhos que terá como foco explicitar
como foi desenvolvida a proposta didática apresentada e a relação
da proposta com a fundamentação teórica assumida nesses
trabalhos. Nesse caso, entendemos que serão necessárias outras
leituras, além da preliminar, mais aprofundadas inclusive para
compreender as bases teóricas apresentadas nos trabalhos afim de
estabelecer o tipo de relação que elas têm com a proposta didática.
As sínteses de todos os trabalhos serão apresentadas e a partir delas,
realizaremos outras análises por meio de categorias a posteriori com
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 215

a finalidade de relacionar os dados com os nossos óculos teórico, a


Teoria Crítica.
Quadro 1: Categorização a priori dos trabalhos acadêmicos selecionados
O trabalho selecionado Proposta didática na interface Arte e Matemática para o ensino de
apresenta matemática

Que interrelaciona a Matemáti- Artes Múltiplas


Música Teatro Dança
ca com as Linguagens da Arte visuais linguagens

Apresenta referen-
E que tem uma relação com a
Assume cial crítico, mas não
fundamentação teórico Assume base
base teórica assume como fun-
metodológica para a proposta teórica crítica
não-crítica damentação para a
didática caracterizada como
sequência didática
Fonte: elaborado pelo autor

Resultados, Análises e Conclusões Parciais

Os resultados que possuímos até o momento se referem à


constituição dos dados e algumas categorizações à priori (tabela 1)
Tabela 1: Termos utilizados nas buscas e quantitativo de resultados encontrados
e selecionados
Nº de
Termo Linguagem da Algoritmo de Nº de
trabalhos
utilizado Arte Busca Resultados
Selecionados
Assunto:art* AND
Art* Todas 162 27
matemática
Assunto:pintura
Pintura Visual 2 2
AND matemática
Assunto:desenho
Desenho
Visual artístico AND 0 0
Artístico
matemática
Assunto:escultura
Escultura Visual 0 0
AND matemática
Assunto:música
Música Música 16 13
AND matemática
Assunto:teatr* AND
Teatro Teatro 5 4
matemática
Assunto:dança AND
Dança Dança 0 0
matemática
Fonte: elaborado pelo autor

Consolidamos nossos dados com um quantitativo de 41


trabalhos, dos quais: 26 relacionam a Matemática com a linguagem
216 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

das Artes Visuais (63%); 11 trabalhos, com a Música (28%); 4 com


o Teatro (8%) e nenhum com a Dança.
Com relação às bases teóricas dos trabalhos, estamos em
processo de leitura dos mesmos afim de classificá-los de acordo com
as categorias criadas (Quadro 1) para a partir de então iniciar a
análise qualitativa. Para tanto, estamos também em processo de
aprofundamento de leituras do referencial teórico de análise que
consiste na Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, em especial as
teorizações de Adorno e outros pensadores da primeira geração
dessa escola.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. ORIENTAÇÕES
CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO: Linguagens, códigos e suas
tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação Básica, 2006. 239 p.
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COLI, Jorge. O que é arte? 15. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. 131 p.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Sociedade, cultura, matemática e seu ensino. Educação


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NUNES, Benedito. A filosofia contemporânea. São Paulo: Ática, 1991.


14

A língua espanhola e o seu papel


no Ensino Médio Integrado

Jean Carlos da Silva Roveri


Regiani Aparecida Santos Zacarias

Introdução

O presente tema surgiu das inquietações da nossa prática


como docente de Espanhol Língua Estrangeira (ELE) do Instituto
Federal de Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), campus Avaré,
e desencadeou na necessidade de realizar uma pesquisa a fim de
identificar o porquê da não articulação entre o componente
curricular de Língua Estrangeira (LE) da base comum e os
componentes curriculares da formação profissional.
Acreditamos que a disciplina de LE tem deixado de atuar de
forma efetiva no Ensino Médio Integrado ao Técnico (EMIT), uma
vez que não se utilizam estratégias que poderiam tornar mais
significativo o ensino dela. Para isso buscamos pensar este processo
visando uma metodologia de Aprendizagem Integrada de Conteúdo
e Língua (AICLI).
Partindo desta hipótese, podemos supor que o cenário da
educação técnica pode suscitar discussões em vista de uma
articulação eficaz, nas mais diversas áreas do conhecimento, em prol
do que apregoa a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que
dispõe sobre a criação dos Institutos Federais (IF).Tal documento
considera a oferta de educação qualificada com vista para a atuação
profissional e que atenda às necessidades dos mais diversos setores
218 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

da economia local, regional e nacional, promovendo a integração e


a verticalização da educação básica à educação profissional.
Desse modo, a metodologia de ensino AICLI pode contribuir
por meio da Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) para o
ensino de ELE integrado a educação profissional, complementando-
a e dando insumos suficientes para a aprendizagem simultânea do
conteúdo e da língua, bem como obter sucesso na atuação
profissional.
Considerando o cenário do EMIT, podemos dizer que a falta de
uma integração eficiente entre base comum e educação profissional
está atrelada ao que Morin (2005, p. considera como falta de
articulação entre as disciplinas que “se fecham e não se comunicam
com as outras. Os fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não
se consegue conceber sua disciplinaridade”. Visto isso, podemos supor
que não há um ensino articulado no EMIT.
O termo articulação indica conexão entre as partes, nesse
caso, a educação profissional e a educação básica. No caso do ensino
médio, essa articulação adquire uma especificidade quando o artigo
36, parágrafo 2º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, apregoa
que “o ensino médio, atendida a formação geral do educando,
poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (BRASIL,
2007, p. 7). Nesse caso, a articulação poderia chegar ao máximo,
promovendo uma verdadeira integração, por meio da qual educação
profissional e ensino regular se complementariam, conformando
uma unidade e contribuindo para a formação dos sujeitos.
A intenção com este trabalho, fruto da nossa pesquisa de
mestrado ainda em andamento, é analisar as especificidades do
currículo dos cursos técnicos na tentativa de propor uma integração
que poderá ser adaptada a toda categoria do ensino profissional,
objetivando que ao final sejam respondidas algumas questões:

• O que dizem os documentos norteadores sobre o EMIT?


• Qual o papel da ELE no EMIT?
• Como consolidar efetivamente uma integração entre ELE e o ensino
técnico?
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 219

Acreditamos que o ensino de qualquer LE é de fundamental


importância naformação do aluno e isso pode ser efetivado a partir
de uma articulação com a parte técnica, permitindo contemplar as
necessidades que o mercado de trabalho exige, bem como ser capaz
de contribuir para formação sociocultural do sujeito, ampliando seu
repertório linguístico e habilitando-o a conhecer, respeitar e (re)
significar-se a partir da cultura do outro.

Fundamentação teórica

Partindo do pressuposto de que o ser humano é a uma só vez


físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico, Morin (2002),
ao discorrer sobre um possível projeto de educação para o futuro,
considera no processo educativo o indivíduo e toda sua
heterogeneidade, unindo aspectos intrínsecos e extrínsecos à
condição humana a partir do espaço ocupado por ele e toda a
organização do conhecimento.
Vivemos em um mundo ainda governado pelo supremacia de
um ideal de ensino cartesiano, linear, onde o conhecimento é
fragmentado em disciplinas que não dialogam umas com as outras.
Morin (2002) defende que o conhecimento só pode ser propagado à
medida que haja um vínculo entre o todo e as partes, uma vez que
cada parte, vista suas especificidades e características, compõe o
todo, indissociável das partes que o compõem.
Para Paiva (2009), ao estudar um sistema complexo não se
pode fragmentá-lo em segmentos isolados e assim estudar cada um
deles sem ao menos levar em consideração seu contexto e sua
relação com o outro. A soma dos segmentos não representa a
realidade do sistema, já que este é dinâmico, evolui com o tempo à
medida que se interagem e, dessa maneira, introduzem novas
modificações.
Essa tendência fragmentada do ensino-aprendizagem marca
o processo funcional do IF, uma vez que identificamos a ausência,
220 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

inclusive nos próprios documentos norteadores, de um currículo de


referência que preconize e dê orientações sobre o como estabelecer
um diálogo entre o todo e as partes, com vistas a proposta de ensino
integrado. Tal dificuldade reflete diretamente na prática de sala de
aula, bem como na atuação do professor, que muitas vezes está
cercado de práticas burocráticas que não lhe permite um olhar
atencioso e direcionado ao todo, ou seja, a todas as disciplinas que
compõem o PPC e que poderiam, sobremaneira, contribuir para a
efetivação do ensino integrado.
Sendo assim, valemo-nos da TPC, defendida por Morin
(2002), visando principalmente a crítica à organização segmentada
do conhecimento, no que tange ao ensino-aprendizagem de ELE e a
possibilidade de integração às disciplinas da base técnica, para assim
pensarmos uma educação para o futuro, entendendo e explicando o
processo ocorrido no EMIT.
Larsen-Freeman (apud LEFFA, 2006) foi quem primeiro
tratou da complexidade na LE ao ressaltar que:

[...] Essa forma de pensamento não-linear contraria a lógica


cartesiana, ignora as hipóteses deterministas e abandona o
conceito de ciência no sentido de que o conhecimento deve ser
sistemático, objetivo e generalizável. O conceito de contexto passa
a ser crucial para que possamos entender a natureza diversificada
dos fenômenos. De acordo com a nova forma de olhar os
fenômenos, os sistemas são complexos, não lineares, dinâmicos,
caóticos, imprevisíveis, sensíveis às condições iniciais, abertos,
sujeitos a atratores e adaptativos, pois se caracterizam pela
capacidade de auto-organização. (LEFFA, 2006, apud LARSEN-
FREEMAN, 1977, p.8)

O contexto que discorre Larsen-Freeman (1977) evidencia a


importância de um ambiente de ensino-aprendizagem amplo, que
possibilite a real formação integrada, desenvolvendo as
competências e habilidades necessárias para a formação do
indivíduo, não só sociocultural e linguística, como também
profissional.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 221

Segundo Edgar Morin (2005) “a complexidade é efetivamente


a rede de eventos, ações, interações, retroações, determinações,
acasos que constituem nosso mundo fenomênico”, ou seja, no atual
contexto de negação ao pensamento cartesiano e à luz do
pensamento complexo, não se pode pensar o ensino de LE sem
considerar todo e qualquer fator que interfira ou contribua para a
formação do aprendiz, neste caso a organização curricular e todo
processo formativo.
Uma vez pontuada a teoria que fundamentará os estudos que
pretendemos realizar, buscaremos, dentro deste cenário ainda
cartesiano de ensino, valer-nos da TCT, a fim de usá-la como
arcabouço para aplicar um ensino mais integrado, visto a
necessidade de enxergar o ELE de forma articulada ao conteúdo das
disciplinas da base técnica do curso de Lazer. Para isso, a
metodologia AICLI dará aporte para que o ensino-aprendizagem por
meio da TCT possa funcionar. A proposta é que, ao propor uma
reestruturação os conteúdos programáticos do espanhol, possamos
criar estratégias de ensino integradas, onde a aprendizagem da
língua se fundamentará a partir do conteúdo expresso nas
disciplinas técnicas, concomitantemente.
Cabré (2005), ao especificar e definir a TCT, coloca-a como
mecanismo necessário para se ter as unidades terminológicas de
certa área como centro de estudo, uma vez que os termos específicos
são fundamentais para que o indivíduo posso atender a uma
determinada necessidade. Visto isso, o trabalho com termos técnicos
da área de Lazer torna-se imprescindível para o futuro técnico, o
qual precisará estar preparado para lidar com diversas situações
cotidianas, as quais não serão cartesianas e impostas por uma
organização determinista, uma vez que a realidade faz de sua prática
interativa, dialógica e em constante processo de ação e retroação.
Soma-se a isso a ideia de que, neste constante processo de
interação, diferentes áreas do conhecimento surgem e se solidificam
trazendo novos termos técnicos, que se especificam em função das
condições sociais e políticas dos contextos em que aparecem, e são
222 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

estas condições que explicam as diferentes aproximações a que


qualquer objeto científico pode dar lugar.
Sendo assim, acreditamos que a AICL possa fundamentar-se
por meio da TCT, abordando todo e qualquer contexto de ensino e
aprendizagem de uma LE a partir de conteúdos relacionados a
diversas áreas, sem que haja necessariamente o ensino de estruturas
gramaticais. O processo se baseia no uso da LE como uma ponte
para o ensino de conteúdos curriculares que contribuam para o
ensino técnico em sala de aula, além de proporcionar, ao final, o
desenvolvimento na LE.

Procedimentos Metodológicos

A presente pesquisa, qualitativa, etnográfica e


intervencionista, leva em consideração a necessidade de se observar,
descrever e buscar uma integração no EMIT entre o ELE e as
disciplinas da base técnica, a fim de estruturar um conteúdo
programático da LE por meio da elaboração de um material que
possa atender as necessidades socioculturais, linguísticas e
profissionais dos alunos.
Lüdke e André (1986) apontam que, em uma pesquisa
qualitativa, os pesquisadores não consideram apenas hipóteses
elaboradas de forma apriorística, eles vão levar em consideração
questões problemáticas que compõem os focos de interesse que
tentarão identificar, investigar, interpretar e intervir no espaço
investigado. A questão problemática que levantamos, com base na
prática como docente, está na dificuldade de se propor um ensino-
aprendizagem efetivamente integrado no espaço de atuação
docente, seja pela falta de um currículo de referência, seja pela
burocratização na atuação docente, ou até mesmo a falta de
capacitação direcionado a esta categoria de ensino.
O intuito inicial ao levantar a problemática, a partir de uma
investigação dos segmentos diretamente envolvidos, foi interpretar
os problemas encontrados a priori em sala de aula e intervir nele.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 223

Para isso, buscamos no documento norteador de criação do IF, nos


documentos de orientação para elaboração do currículo, visto sua
especificidade de ensino profissionalizante, bem como outras
pesquisas que discutiam a integração curricular.
Em um segundo momento, feito tal levantamento, levaremos
em consideração a etnografia crítica como a metodologia que
melhor se adequa aos objetivos propostos neste trabalho,
considerando que ela contribui na realização de uma descrição, bem
como uma interpretação da realidade investigada, permitindo
mudanças no ambiente, onde os múltiplos olhares sobre os pontos
de vista dos participantes, seja o pesquisador e/ou os sujeitos
participantes, serão levados a cabo como peças-chave para se
compreender melhor aquilo que se investiga, tomando para isso a
aplicação de questionário feitos com a comunidade acadêmica.
Tal questionário conterá questões que tentarão identificar a
atuação de um currículo integrado omnilateral, com vistas a atuação
dos docentes em projetos integradores, os conteúdos integrados nas
diferentes disciplinas e a forma como poderão ser trabalhados, bem
como a atuação dos docentes de ELE com a formação técnica.
Acrescentamos a isso, o fato de que, uma fez observado e
estudado o cenário natural da nossa pesquisa, o Instituto Federal de
São Paulo, campus Avaré, especificamente as aulas de ELE no curso
de Lazer, analisaremos o ensino da LE e interviremos no espaço
propondo a reestruturação do atual currículo, elaborando
estratégias pautadas na integração da base comum a educação
profissional, contribuindo para a formação do aluno.

Apresentação das hipóteses

Devido a um projeto ainda em andamento, consideraremos


algumas hipóteses apriorísticas, acreditando na relevância deste
trabalho para o desenvolvimento da prática docente e como
contribuição para o desenvolvimento da educação profissional
integrada, principalmente a partir da proposta de revisão do
224 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conteúdo programático da Língua Espanhola que atenda e satisfaça


às necessidades do EMIT.
A relevância deste trabalho de pesquisa se dará ao
possibilitarmos uma reflexão sobre a necessidade de articulação
entre as partes e o todo e a criação de estratégias para efetivar o
processo de ensino-aprendizagem, rompendo com o ideal
cartesiano, linear do conhecimento, tratando-o de fato a partir da
noção de sistema aberto, sujeito a constantes atratores.
A realidade do Instituto Federal de São Paulo, e talvez a de
muitos estabelecimentos de ensino de educação profissional
integrada no país, está cerceada pela falta de diálogo entre a base
comum e o ensino técnico nas etapas do processo educacional. Nossa
proposta foi, a partir da realidade local, possibilitar o
desenvolvimento do ELE no micro espaço, rompendo o sistema
fechado, cartesiano de ensino das escolas tradicionais, com
perspectiva de atender ao macro espaço da educação técnica, dando
mecanismos que possam ser aplicados a diversos cursos,
independentemente de suas características e especificidades,
visando suas necessidades enquanto formação sociocultural,
linguística e profissional.
Partimos do micro espaço uma vez que a realidade local da
cidade de Avaré, definida como Estância Turística devido a represa
Jurumirim, tem uma significativa demanda por profissionais que
possam atuar na área de lazer, ofertando mão de obra às redes
hoteleiras da cidade e região. Visto isso, bem como as características
e finalidades da oferta de cursos técnicos por parte da rede federal
de ensino, o curso de Lazer foi pensado para desenvolver
socioeconômica e culturalmente a região do qual faz parte,
atendendo a demanda e ofertando educação pública de qualidade,
entretanto, considerando seu aspecto de formação profissional, a LE
não efetiva tal formação, restrita no cenário apenas a formação
sociocultural e linguística.
Além da demanda local, pretendemos também evidenciar a
importância do ELE como disciplina fundamental no cenário
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 225

estudado, principalmente nos dias de hoje, uma vez da revogação da


Lei nº 11.161 de 5 de agosto de 2005, que dispunha sobre a oferta do
ensino da língua espanhola, pela Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de
2017.
Uma LE, independente de qual seja ela, é de extrema
importância para o desenvolvimento do indivíduo, principalmente
no mundo globalizado em que vivemos, guiado pelo neoliberalismo
exacerbado, entretanto não só pensando no desenvolvimento para
este fim, mas acima de tudo contribuindo na oferta de uma educação
pública de qualidade. Sua efetivação eficiente se dará no momento
em que articularmos a LE com a educação profissional, em busca de
uma integralização curricular.

Possíveis Conclusões

Há um debate muito grande no atual contexto de ensino


profissional sobre a necessidade de se criar estratégias para uma
concreta efetivação da base comum à técnica. As discussões
acontecem principalmente devido as atuais reformas educacionais,
principalmente com a nova Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) e as políticas sobre a necessidade de reformulação dos
currículos da educação profissional.
Ao buscarmos definições nos documentos norteadores em
voga, identificamos falhas, uma vez que não há nenhuma
especificidade de como integrar base comum e ensino técnico nesta
modalidade de ensino e nem de como efetivá-la de forma integrada,
adequando-a a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que
dispõe sobre a criação dos Institutos Federais, em prol de uma
integração da educação básica à educação profissional.
A falta de um currículo norteador e a formação docente para
atuação na educação básica tradicional, impossibilita o
desenvolvimento desta modalidade de ensino, principalmente
quando não há definições claras a respeito de como articular base
comum e formação técnica nos documentos norteadores. Embora
226 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

muitas vezes haja, por parte de alguns docentes, força de vontade


para a formação omnilateral, a presença forte de um ensino
unilateral enrijece parte deles, fortalecidos pela falsa ideia de que
qualquer tratativa nesta direção está atrelada a uma das partes
subserviente a outra.
Neste ambiente instável, esquece-se a formação do aluno,
considerando o que preconiza o artigo 6º, parágrafo I, a respeito das
finalidades e características dos IF de proporcionar educação de
qualidade, qualificando para a atuação profissional e atendendo ao
desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional.
Uma vez reestruturado tais conteúdos e integrado o ensino de
ELE às disciplinas técnicas, esperamos que a LE possa contribuir de
forma eficaz para a formação sociocultural, linguística e profissional
dos alunos, atendendo às demandas sociais e peculiares da região de
Avaré, estância turística do estado de São Paulo, além de não se
perder o idioma no sistema educacional e também contribuir para
que outras áreas do conhecimento se vejam dentro desta proposta
integradora, permitindo a mudança de hábitos e costumes
enraizados nos docentes dos IF.
Visto que o IF atende as necessidades locais de cada região da
qual faz parte, precisamos inserir no mercado de trabalho local
indivíduos aptos a atuar de forma efetiva no atendimento às redes
hoteleiras, de eventos e atividades de lazer em geral, e dominar uma
LE é primordial para atender tais demandas.

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15

A materacia como recurso integrado à educação


Matemática Crítica no Ensino Fundamental I

Gislene Gutierre Assumpção Cordeiro


Rosimere Cleide Souza Desidério
Zulind Luzmarina Freitas

Introdução

Esse artigo foi produzido e apresentado como trabalho final


da disciplina Tendências em Educação Matemática do Programa de
Pós-graduação Ensino e Processos Formativos – UNESP, e teve
como objetivo evidenciar a materacia como recurso integrado à
educação matemática crítica no ensino fundamental I, evidenciar a
relevância dos professores se conscientizarem da necessidade de
debates e trocas de experiências bem como da formação continuada
na forma de democratização do ensino da matemática como algo
presente e significativo na vida de todas as pessoas; que coloque de
fato, o aluno como centro do processo de aprendizagem, como
sujeito ativo.

Procedimentos metodológicos

O presente artigo foi realizado através de pesquisa


documental em artigos, dissertações, teses e sites educacionais que
direcionavam ao tema proposto. A princípio foi realizado
levantamento bibliográfico a partir das palavras-chave, e então
230 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

procedeu-se à seleção de quais textos seriam base para o presente


trabalho.
A metodologia utilizada foi, revisão bibliográfica ao qual Gil
(2002, p. 44) explana ser "desenvolvida com base em material já
elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos". Nesta vertente é importante que seja elaborada uma boa
revisão bibliográfica, um levantamento do tema abordado junto a
seu conteúdo, pois como declara Gil (1999), toda pesquisa busca
uma contribuição ou uma resposta ao problema proposto.

Desenvolvimento

Segundo contexto teórico e histórico da nossa educação, a elite


sempre se manteve na pirâmide, no mais alto grau, fazendo com a
que a sua base fosse sustentada pela maior parte da camada social
por intermédio da exclusão social, objetivando manter seus
benefícios estabelecendo uma formatação da sociedade que se
refletiu durante muito tempo, e ainda se reflete nas sombras e
entrelinhas do sistema democrático, fazendo com que a igualdade e
a equidade deixem de ser aspectos diferentes, em prol de um falso
comprometimento em que a legislação vigente coloca como direito
de todos a educação de qualidade. (D’AMBROSIO, 2011)
Um dos desafios da matemática crítica é tornar possível a
inicialização dos nossos alunos para assumirem o seu compromisso
diante do papel que as Ciências aliada a Matemática exercem nas
nossas vidas. Na maioria das vezes o trabalho do professor na sala
de aula consiste apenas na proposição de exercícios já engessados
que não permitem o chamamento ao aluno, o que o leva
possivelmente a uma visão da Matemática como pronto, algo já
acabado, sem implicação com as condições econômicas, sociais e
políticas que regem as nossas vidas.
O ensino tradicional de matemática acaba se resumindo em
conteúdos desconectados da realidade do aluno, com exercícios
sistematizados, repetitivos e de resolução mecânica; onde tanto
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 231

professor quanto o aluno acabam encontrando dificuldades em


interpretar, entender, e se posicionar uma vez que a matemática
está plenamente presente no cotidiano de nossa sociedade e seria
desejável o chamamento dos alunos diante aos desafios que nos são
impostos, frente a uma determinada formatação dada para o
entendimento de uma sociedade democrática.
É notório o alto nível de contribuições da Educação
Matemática Crítica no tocante ao desenvolvimento de materacia na
primeira etapa do Ensino Fundamental I, além do potencial da
utilização das concepções defendidas pela Educação Matemática
Crítica atrelada a concepção de materacia buscando um processo de
ensinar os conteúdos e o currículo da matemática focado na prática
cidadã na qual a materacia surge como fator indutor com base no
conceito de letramento, mas se adaptando aos debates frente ao
contexto e aprendizagem da Matemática Crítica e libertadora.

Educação matemática crítica

Pensando em uma matemática crítica no currículo escolar


evidenciamos nesse artigo alguns pontos básicos fundamentais ao
trabalho do professor em classes do Ensino Fundamental I. Partimos
da valorização de situações lúdicas, não no sentido da busca por um
prazer imediato, mas no sentido da busca de um saber visceral
(GRAMISC, 2000), que possibilite ao aluno participar, contribuir e
se responsabilizar por decisões referentes a sua vida e a vida do
planeta. Essa investida traz o aluno como protagonista principal na
construção desse saber, uma vez que preserva e valoriza as raízes da
sua formação e também das suas ilusões e o permite compor com
maior rigorosidade, juntamente com o trabalho do professor, as
suas questões, as suas metas que vai aos poucos fortalecendo o seu
compromisso com a vida, tanto a individual quanto a coletiva. O
papel do professor na condução desse processo envolve por um lado
o desafio de lançar um olhar para o conjunto dos objetos do saber, e
por outro o de construir e propor situações que permitam ao aluno
232 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

a adquirirem mais domínio e poder sobre sua própria


aprendizagem.
Diante das pesquisas e dos estudos realizados o que nos
motivou ao embasamento dos teóricos abordados, Ole Skovsmose,
Paulo Freire, Ubiratan D’Ambrosio e Antonio Gramisc foi à forma
como cada um deles defende os princípios de modo singular, porém
conversando entre si quando nos induzem a refletir a aprendizagem
emancipadora e no tocante à materacia o processo de ensinar e
aprender matemática visando à formação integral do aluno.
Neste contexto é imprescindível expor que a Educação
Matemática Crítica teve origem com características de estudo e
pesquisa com a titulação de “Educação Matemática e democracia em
sociedades altamente tecnológicas”, iniciada em 1988 na Dinamarca
e financiada pelo governo, do qual participou o pesquisador Ole
Skovsmose. Tal projeto objetivava “discutir Educação Matemática
como parte de uma tentativa democrática em uma sociedade
altamente tecnológica” (PASSOS, 2008, p. 41). O autor ainda afirma
que: “o desenvolvimento de novas posturas com relação aos papéis
desempenhados pelos conhecimentos matemáticos na sociedade é
um dos principais objetivos da Educação Matemática Crítica”.
(PASSOS, 2008, p.42)
A contribuição de Skovsmose (2000) para pensar no trabalho
do professor está em adentrar nos conteúdos matemáticos e nessa
nova forma de pensar e agir no contexto social onde a tecnologia se
faz presente. Skovsmose (2000) argumenta que a base para a
compreensão dessa produção tecnológica é o conhecimento
matemático. Para avançar nesse e em outros questionamentos, o
autor lança mão de construtos teóricos que instigam a pensar no
poder que a matemática exerce, uma vez que se apresenta
estritamente relacionada ao desenvolvimento e ao poder das
tecnologias. O autor se refere às abstrações para pensar, as quais
“são usadas para facilitar o raciocínio e podem ser exemplificadas
por conceitos matemáticos e modelos matemáticos”. Por outro lado,
nos apresenta às abstrações concretizadas, que são tácitas, sendo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 233

assim não as questionamos, assumindo-as como evidentes. Para


Skovsmose,

“vivemos com abstrações concretizadas: maneiras de calcular


impostos, estratégias de produção, não são modelos de
pensamento elas tem uma influência real nas nossas vidas. O
produto interno bruto torna-se real, assumi um estatuto diferente
de ser apenas um resumo matemático de cálculo baseado nos
valores de alguns parâmetros.” (SKOVSMOSE, 2000)

Assim, Skovsmose (2000) nos instiga para questionamentos


relativos ao papel da Escola em fornecer aos alunos meios para
compreenderem a Matemática que existe fora da Escola. Ao buscar
dar sentido a esse e a outros questionamentos o autor traz como
base discussões sobre a base matemática presente na condições
formais relativas a algoritmos de eleição, condições materiais
relativas a distribuição, condições éticas relativas à igualdade e
condições relativas à possibilidade de participação e re-ação no
sentido de compreender esses processos, corroborando com os
ideais democráticos. Baseado no autor cabe a Escola fornecer aos
alunos meios para compreenderem a Matemática que existe fora da
Escola e o aluno precisa através do trabalho do professor estabelecer
relações e conexões da forma matemática de estar no mundo que
estão por trás das tecnologias e por sua vez da matemática.
De acordo com Pessoa (2013) “a Educação Matemática Crítica
pode contribuir muito no processo de materacia, auxiliando os alunos
a perceberem os diversos papéis da matemática na sociedade e
permitindo que os mesmos se posicionem” além de atingir os objetivos
colocados pelos PCN’s (BRASIL, 1997) para o ensino de matemática
nos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental. (p.98)

Materacia

O conceito de letramento de Paulo Freire (2001) se caracteriza


pela complexidade da interação da leitura e escrita ainda que cada
234 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

uma com suas peculiaridades se demonstrem no sentido mais


complexo e amplo ultrapassando os espaços escolares, o qual
conhecemos como processo de alfabetização; de acordo com Paulo
Freire (2001), o processo de alfabetização como condição
emancipadora vai além do aprender a ler e escrever. Segundo a
definição de letramento é preciso haver condições para que se torne
um processo participativo e que tenha sentido no cotidiano do
indivíduo. Segundo Freire & Macedo (1990), antes mesmo da escrita
os humanos primeiramente mudaram o mundo.
Assim como Freire (2001), Skovsmose (2008) defende uma
concepção semelhante de materacia no sentido da alfabetização
condicionada ao conceito de letramento como proposta de postura
do ensinar e aprender perante novas demandas sociais.
A materacia se pauta nas condições que, a partir do momento
que algo se torna relevante e significante nas nossas vidas é natural
que nos coloquemos a disposição de querer saber mais e nesta
circunstância é papel do professor incentivar e sustentar essa
curiosidade trazendo a rigorosidade necessária a esse processo.
Neste sentido, para melhor compreender a concepção e
definição do que é, e como utilizar a materacia como fato, contribuinte
ao aprendizado da matemática é preciso se informar e obter saberes
sobre o letramento, suas metas e procedimentos, assim a partir de sua
compreensão poderemos melhor debater e entender o que busca a
materacia junto a Educação Matemática Crítica. De acordo com Pessôa
Júnior (2013) a escola deveria se preocupar como a matemática está
sendo ensinada, já que seu compromisso é com a formação
democrática. Nesse sentido, Passos (2008) enfatiza que esse
compromisso deve visar uma aprendizagem libertadora, cuja
competência democrática pode possibilitar a identificação das
situações onde a matemática está formatando a sociedade além de
fornecer elementos que possibilitem ao aluno se posicionar diante
dessas situações de forma consciente”.
Com certeza ao se referir ao termo letramento o mesmo se
mostra de tamanha importância que até mesmo pesquisadores de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 235

outras áreas além da Linguística têm exposto enorme interesse, como


por exemplo, os pesquisadores da Educação Matemática Ole
Skovsmose e Ubiratan D’Ambrósio; e a partir dos estudos deles que o
debate quanto ao letramento impulsionou o advento da concepção de
materacia. E junto à materacia ganha espaço a literacia que é “a
capacidade de processar informação escrita, o que inclui escrita, leitura
e cálculo, na vida cotidiana” (D'AMBRÓSIO, 2004, p. 36). A tecnoracia
que é “a capacidade de usar e combinar instrumentos, simples ou
complexos, avaliando suas possibilidades, limitações e adequação a
necessidades e situações” (D’AMBRÓSIO, 2004, p. 36). E a Materacia
que é “a capacidade de interpretar e manejar sinais e códigos e de
propor e utilizar modelos na vida cotidiana”, descrita neste artigo
(D’AMBRÓSIO, 2004, p. 36). Englobando mais do que os
conhecimentos matemáticos básicos, que, para o autor, estão incluídos
no conceito de literacia. Soares (2001) destaca a ideia de que o
letramento é uma condição, um estado, ao defini-lo como “estado ou
condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce
as práticas sociais que usam a escrita.” (SOARES, 2001, p. 47)
Entende-se assim os verbos cultivar como dedicar-se a
atividades de leitura e escrita e exercer como responder às
demandas sociais de leitura e escrita (SOARES, 2001). Incluindo que,
o contexto social também ganha destaque quando se afirma que
“letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades
individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à
escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social”.
(SOARES, 2001, p. 72)
Existem dois tipos de argumentos que pretendem relacionar
a Educação Matemática e a democracia. O primeiro deles é chamado
por Skovsmose (2008) de argumento social da democratização, este
argumento é construído a partir de um olhar voltado para fora da
prática educativa e é estruturado por três ideias básicas; a primeira
é que a matemática pode ser aplicada em um grande número de
situações; a segunda é que devido a sua aplicabilidade ela tem o
poder de formatar a sociedade; e a terceira é que o exercício dos
236 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

direitos e deveres democráticos podem ser alcançados através dos


conhecimentos matemáticos. Já o segundo, é o argumento
pedagógico da democratização, cujo olhar está voltado para o
interior da prática educativa, está estruturado por três ideias, sendo:
a primeira as lacunas existentes entre o currículo oficial, ou seja o
que se deseja ensinar e o que realmente é aprendido; a segunda diz
respeito às contradições entre o currículo oficial e o currículo oculto;
e a terceira se refere à competência democrática tem a ver com a
construção e consolidação de uma postura democrática por parte do
aluno. (SKOVSMOSE, 2008, p. 39-46)
A conscientização de que tanto o letramento quanto a
materacia advém da compreensão que o professor conquista e
coloca em prática através de sua ação no cotidiano escolar se
mantendo em constante auto avaliação conectando a teoria e a
prática de maneira que ambas se integrem e assumam pilares de
sustentação no tocante ao seu papel de investigador, assíduo
pesquisador, sempre em busca de contextualizar e problematizar o
currículo a ser ministrado, ou melhor, a ser introjetado, por
intermédio de metodologias que desperte o aspecto orgânico, ou
seja, lúdico e prazeroso do aluno em sempre querer aprender mais
e o motivo de suas vivências enquanto experiências positivas na
interação e na troca de saberes; docente-discente trocando
informações, saberes e anseios; jutos caminhando em prol de uma
educação de formação integral a qual Paulo Freire defende os
princípios da emancipação e da libertação das classes dominantes,
onde o aluno seja o construtor do seu próprio saber mediado pelas
intervenções de seu educador e de sua postura de conduzir o
processo de aprendizagem com algo positivo e que ultrapasse as
barreiras e os paradigmas da educação tradicional.

A função do professor e da formação docente

Conforme Bergamo (1990), o professor deve reconhecer que


seu processo de formação sempre está incompleto, o que requer um
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 237

comportamento de investigação, tanto de conhecimento da clientela


como de constante busca por atualização e investimentos na
formação continuada no intuito de despertar em seu aluno o prazer
e a significação em aprender os conteúdos definidos pelo currículo
matemático.
Como propósito principal destacamos neste trabalho as
contribuições de Freire e D’Ambrósio no que se refere à formação
do docente de matemática; a fim de analisar a formação deste
docente de maneira contextualizada com a realidade que cada escola
e seus alunos vivem diante do cenário social contemporâneo,
visando modificar esta realidade reconstruindo novas
oportunidades de aprendizagem alterando a verdadeira função da
escola que é dar oportunidades através da equidade e a formação
dos professores, afim que possam desenvolver a democracia para
suas aulas e tendo a materacia como instrumento de contribuição
positiva a aprendizagem emancipadora e crítica.
O docente em sua prática precisa se manter como mentor
direto das mudanças, o que implica colocar em ação conteúdos e
valorizar os pré-requisitos que o aluno traz consigo junto ao
processo orgânico, que se desenvolve ao longo de toda sua vida.
Porém, apenas um professor com capacidade e conhecimentos
específicos; com atitudes coerentes conseguirá colocar em prática a
teoria de uma educação emancipadora e democrática que realmente
possa trazer a evolução do aluno no aspecto pessoal e social; via
educação, letramento, materacia e conhecimento crítico do que se
aprende dentro e fora do âmbito educacional institucional.
A educação matemática crítica a princípio requer a mudança
de comportamento e postura do educador de modo que o mesmo
consiga transpor os conteúdos matemáticos em múltiplas formas,
ou ainda várias situações-problemas onde o aluno e sua
subjetividade precisam ser acionados e desta maneira instigando
seus aspectos orgânicos, cognitivos e emocionais estando preparado
para adquirir novo saberes que serão adicionados aos seus pré-
conhecimentos, de modo que as propostas trazidas pelos exercícios
238 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

possam ser comparadas e compreendidas, e o aluno mediante às


intervenções e mediações do docente faça a ligação significativa com
seu mundo real mesmo diante da complexidade das relações que
vivemos socialmente. O professor precisa planejar e colocar em
prática situações em que o aluno seja convidado a olhar a
importância de aprender e evoluir em seu desenvolvimento de
aprendizagem.
A materacia vem ao encontro de metodologias que tornem os
conteúdos relevantes além de motivar quem ensina e quem está ali
para aprender; querendo aprender cada vez mais sobre o tema e
suas aplicações práticas do dia a dia; emancipando-o como sujeito e
cidadão.
Com base nos elementos enfatizados a materacia surge como
um caminho a ser descoberto em que a alfabetização matemática
tradicional deixa de ser imposta e passa a ter a base da
aprendizagem dialógica; onde professor e aluno colocam em prática
o diálogo como ferramenta de negociação e encaminhamento para
o desenvolvimento de novas aprendizagens; o professor auxilia,
realiza intervenções, traça o diagnóstico de cada um de seus alunos
como ser humanos singulares e dignos de respeito em suas
peculiaridades, dificuldades, anseios e demais elementos que
compõe seu estado emocional, de modo que este precisa estar
equilibrado e motivado para que a sua realidade dentro da unidade
escolar seja de fato relevante para sua vida social fora da escola, mas
com conhecimentos que o libertam da prisão e da pobreza de
saberes desconectados. (PESSÔA JÚNIOR 2013)
Neste sentido, para melhor compreender a concepção e
definição do que é e como utilizar a materacia como fato
contribuinte ao aprendizado da matemática é preciso se informar e
obter saberes sobre o letramento, suas metas e procedimentos,
assim a partir de sua compreensão poderemos melhor debater e
entender o que busca a materacia junto a Educação Matemática
Crítica.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 239

Para D’Ambrosio (1999) “o problema maior que a espécie


humana enfrenta é o equilíbrio entre o comportamento aí, no qual
reside a criatividade, e o comportamento social, que é necessário
para a convivência”. (p. 14-15). Diante dos múltiplos cenários das
escolas e professores de nosso país, é preciso considerar todos os
aspectos que influenciam direta e indiretamente no âmbito de sala
de aula e na capacitação dos professores em formar cidadãos
“cricrico”, ou melhor, explicando críticos, criativos e conscientes de
suas ações e atitudes perante nossa sociedade tecnológica e
contemporânea.
Uma vez que esse perfil está relacionado com sua formação
escolar e atrelado à atuação dos docentes que também passaram por
sua fase de formação educacional. Ao invés de reproduzir a maneira
como foram ensinados, o grande desafio é se capacitar a fim de
exterminar a educação bancária, modificando sua postura
profissional propiciando aos alunos se tornarem assíduos em
leituras, pesquisas, atividades lúdicas, mas com metas de
ensinamentos contextualizados contando com a intervenção e
mediação do docente; daí a necessidade do mesmo se manter em
permanente estudo, investindo em sua formação continuada
conquistando novas práticas e metodologias que de fato venham
transformar o tradicional e sistemático método de ensinar e
aprender. A aprendizagem dialógica precisa ser valorizada e posta
em prática junto à necessidade e a realidade de cada comunidade e
sociedade local.

Contribuições no ensino da matemática

De acordo com Pessoa (2013), “se pretendermos que a


matemática seja capaz de auxiliar na formação de cidadãos críticos,
precisamos pensar sobre a forma que a mesma vem sendo ensinada
nas escolas”. (p.86)
Portanto faz-se necessário discutirmos a importância da
aplicação dos conceitos abordados na Educação Matemática Crítica
240 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

(EMC) nas séries iniciais do Ensino Fundamental, numa perspectiva


voltada para a materacia. Os Parâmetros Curriculares Nacionais de
matemática para as séries iniciais, devem ser analisados buscando
identificar possíveis contribuições da EMC para que estes objetivos
sejam alcançados. (PESSÔA, 2013, p.86)
Ole Skovsmose (2008) defende uma ideia semelhante à de
materacia; levando em consideração as ideias de alfabetização
defendidas por Freire, Gramsci e Giroux dentre outros especialistas
da área, porém, questiona se a alfabetização matemática poderia ter
um papel semelhante ao que estes autores propõem para a
alfabetização, ou seja, da alfabetização matemática ter uma função
libertadora e emancipadora; enfatizando ainda que a matemática
tem um papel de extrema importância dentro de uma sociedade
altamente tecnológica, agindo não só de forma descritiva, mas
também formatando a sociedade contemporânea e globalizada.
Skovsmose (2001), primando pelo ensino da matemática, o
relevante é a formação do aluno, que precisa deixar de ser vista
como um ser passivo, sendo nestas situações a matemática só uma
ferramenta a mais para a sua formação ativa, e o mesmo também
deve ocorrer nas demais áreas do saber.
Portanto, Pêssoa Júnior (2013) descreve que “assim como o
estudo da linguagem escrita deve se dar através da lógica do
letramento e não da alfabetização mecânica, se o objetivo é utilizá-
la como ferramenta na construção da cidadania” (p.90), o estudo da
linguagem matemática deve observar a materacia, “não apenas para
uma alfabetização matemática voltada para o ato de codificar e
decodificar as informações numéricas e o trabalho mecânico com as
mesmas”. (PESSÔA; JÚNIOR, 2013, p.90)
Diante deste aspecto, a pretensão não é formar um
especialista em a matemática mais sim um sujeito capaz de atuar de
modo competente lutando por seus interesses e de sua comunidade,
tendo a ciência de seus deveres e direitos com todo cidadão deveria
saber; e ainda, se manter em constante processo de aprendizagem
pela vida toda.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 241

Merece ainda atenção, ao que Skovsmose (2008) defende,


uma educação voltada para o desenvolvimento de três
conhecimentos (ou “conheceres”), distintos, porém interligados e
dependentes entre si: o conhecimento matemático, o conhecimento
reflexivo e o conhecimento tecnológico.
Segundo D’Ambrosio (2011) “etnomatemática é a matemática
praticada por grupos culturais” (p.9), a concepção envolvendo a
etnomatemática demonstra certas semelhanças no tocante aos
propósitos da educação matemática crítica e principalmente quando
estudamos sobre a complexidade do professor assumir uma postura
que se identifique com a materacia, bem como o processo
educacional como elemento libertador e fenômeno que surge como
fruto da emancipação do sujeito enquanto construtor do seu saber
desenvolvendo habilidades e capacidades que o torna um cidadão
mais crítico e coerente diante dos paradigmas da sociedade atual.
Para Freire (2000), na pratica problematizadora os
educandos vão “desenvolvendo o seu poder de captação e de
compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele,
não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em
transformação, em processo”. (p.71)
Por isso nossa preocupação em colocar em debate certas
proposições teóricas na esfera do letramento e aprendizagem
significativa em matemática; entendida enquanto uma dimensão do
saber matemático e situações não apenas de realizar cálculos, mas
na utilização social que não se finda ao âmbito escolar e acadêmico,
sendo essenciais com suas contribuições para o ensino da Educação
Matemática Crítica.
Caetano (2005) descreve uma prática educativa crítica e
democrática “fundamentada no diálogo e a formação permanente
como essencial para que não falte o gosto das práticas democráticas,
tendo como princípio básico e da constante reflexão sobre ela”.
(p.1260)
Frankenstein (2005) em seu trabalho evidencia à luz das
contribuições de Freire que a “educação matemática crítica pode
242 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

desafiar os estudantes a questionarem essas ideologias hegemônicas


usando estatística para revelar as contradições (a falsidade) sob a
aparência dessas ideologias, fornecendo experiências de
aprendizagem” no intuito de que estudantes e professores sejam co-
investigadores, afim de que os estudantes com ansiedade
matemática superem seus medos. (p.126)
Freire (2001) relata que “a tarefa do educador, então, é a de
problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não a de
dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo, como se se
tratasse de algo já feito, elaborado, acabado, terminado”. (p.81-82)
Ganhando espaço e destaque tudo que se direciona aos
debates e estudos específicos da materacia como base teórica mais
que se sobressai perante as outras teorias. De acordo com
Skovsmose (2001) a matemática, se impõe mais que um saber
socialmente construído, funciona coma ferramenta e método de
intervenção no cotidiano perante a realidade.
Nesta perspectiva, os autores Freire e D’Ambrosio
apresentam como parâmetros de direcionamentos admissíveis no
processo de formação de um docente de matemática o perfil, com
postura e ações que o distingue como crítico e libertador e, desta
forma, ciente de sua função como mediador e agente ativo em sua
prática diária na formação de discentes não especialista na área de
matemática mas imerso em sua realidade a qual deve ser
considerado como um todo; desde suas vivências, dificuldades,
habilidades, em seu cotidiano social como um indivíduo
transformador e em permanente transformação, que vê na
matemática um instrumento junto ao processo dialético de sua
própria evolução e desenvolvimento em sua construção.
Deste modo a pesquisa, o estudo a investigação preconiza a
premência de professores e formadores atuantes e que objetivem
mediar o processo para que o mesmo se torne construtivo pelo
próprio aprendiz, com o propósito de conscientizar também os
futuros docentes de matemática de sua atuação enquanto formador
de cidadãos emancipados e assim como ele necessita se manter em
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 243

constante estudo em prol da construção de uma escola e de uma


sociedade mais inclusiva e não tratando a todos com igualdade e sim
com equidade; promovendo de fato a inserção de todos no universo
da aprendizagem significativa e libertadora.
Fazendo algumas reflexões junto à alfabetização, letramento e
alfabetização matemática pode-se mencionar que “as mudanças das
práticas docentes, necessitam de mudanças de representações”
(VIERA, 1999, p.146), consequentemente, a fim de que se efetuem
melhores entendimentos, as indagações das esferas históricas e
políticas devem ser seriamente consideradas, já que “em matéria de
prática pedagógica, para se proceder à inovação, há que construir
espíritos abertos e receptivos à renovação de contexto (...) e o sujeito
tem que entender que deve se modificar a si próprio” (VIERA, 1999,
p.146).

Conclusões

O presente trabalho se focou no propósito de explanar quanto


ao debate do potencial do uso dos princípios defendidos pela
Educação Matemática Crítica associada à concepção de materacia
objetivando a concretização de um ensino de matemática embasado
na formação e atuação de alunos e cidadãos cientes de seus direitos
e deveres.
Foi abordado ainda o conceito e a prática da materacia de
acordo com a concepção de letramento buscando a complexidade e
ampliação das discussões na esfera da Educação Matemática Crítica
e Contemporânea. Mesmo porque grande parte da premissa que a
matemática assim como a materacia precisam ser vistas e
valorizadas na formação docentes-discentes e de toda nossa
sociedade.
Ao ministrar aulas e contemplar os conteúdos a serem
trabalhados surge a situação de dominar ou não, saber ou não
matemática; o que levanta discussões e debates com implicações
paralelas e semelhantes às mesmas que rondam o saber ou não a
244 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ler, escrever e interpretar; a alfabetização contextualizada e


significativa abre caminhos para se alertar quanto à materacia e suas
contribuições no que defende os fundamentos da Educação
Matemática Crítica.
É preciso ter a ciência de que a competência democrática deve
ser promovida nos alunos desde pequenos, ou melhor, desde o começo
de seu processo escolar e educacional. Do mesmo modo que é
relevante que o ensino de matemática não se restrinja a ensinar
algoritmos, teoremas e sistematizações na resolução de exercícios e
sim que proporcione colocar em prática junto com a motivação de se
ampliar os conhecimentos matemático, tecnológico e reflexivo. Pois,
só assim, tanto o processo de letramento permite uma conscientização
maior sobre o papel da escrita na sociedade, e a educação matemática
crítica associada ao processo de materacia auxilia os estudantes a
perceberem o papel da matemática na sociedade.

Referências

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professor de matemática. [Dissertação de Mestrado]. Bauru, UNESP.

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antropologia da educação na formação de professores. Educação e
Sociedade & Culturas, nº 12, p. 123-162.
16

A paleontologia nos cadernos do aluno e do professor


na proposta curricular do estado de São Paulo

Willian Franklin Sampaio


Thaís Gimenez da Silva Augusto
Adriana Coletto Morales

Introdução

O ensino de Ciências, tem como meta principal explicar o


fenômeno da vida em todas as suas manifestações, um tema central
para isso é mostrar a vida como uma rede de intrínsecas relações
simultâneas entre todos os fatores do ambiente. Para isso é
importante destacar que as Teorias são construídas em contextos
culturais e sociais e que é necessário vencer uma visão a-histórica
(BRASIL, 1998). Para que haja, por exemplo, uma maior
compreensão do surgimento e evolução da vida, os alunos deveriam
ter um maior entendimento do tempo geológico e das condições
ambientais reinantes no planeta primitivo. Pesquisas na área de
ensino de Ciências Biológicas mostram que há uma preocupação em
se pesquisar o ensino de conteúdos como Genética, Biologia
Molecular e Evolução, mas outras áreas tão importantes quanto ou
necessárias para a aprendizagem destas, geralmente recebem pouca
atenção dos pesquisadores e professores (SANTOS, SANTOS e
PIRANHA, 2015).
A Paleontologia é uma área das Ciências Biológicas e
Geológicas que tem como principal função estudar o passado da
Terra, contudo seu estudo na educação básica acabou se resumindo
248 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ao estudo dos fósseis e dos dinossauros (NOVAIS et al., 2015). Essa


abordagem acaba não permitindo uma ligação entre a Paleontologia
e a Evolução. Essas duas ciências são essenciais para se conhecer o
passado da Terra e compreender todos os processos que ocorrem no
planeta.
Carvalho (2010) salienta que a Paleontologia é uma área de
Ciência que auxilia na compreensão da Evolução e que vai muito
além do estudo dos fósseis e dos dinossauros, sendo uma ciência
multidisciplinar. Para Schwanke e Silva (2007), o conhecimento da
Paleontologia se restringe ao que está nos materiais didáticos e os
próprios professores têm uma visão limitada do assunto.
Dodick (2003) aponta que a Paleontologia tem papel central
no desenvolvimento da compreensão da Biologia e da História da
Terra e propõe que o uso de fósseis e o emprego de outros conceitos
sejam usados como facilitadores do entendimento da Evolução.
Dessa maneira, conhecer o material didático utilizado pelos
professores é essencial para que possamos pensar em estratégias de
ensino que melhorem o ensino da Paleontologia nas salas de aula.
No Estado de São Paulo, além do currículo, que norteia o
trabalho docente, os professores têm a sua disposição o Caderno do
aluno e Caderno do Professor, que servem de subsídios para o
trabalho docente. Apesar de ser um norte para o trabalho, ele pode
ser complementado com o uso do livro didático ou outros recursos.
A presente pesquisa pretendeu analisar como está estruturada a
Paleontologia no material didático que é disponibilizado aos
professores paulistas.

Fundamentação Teórica

Se os currículos oficiais e as pesquisas apontam que a


Paleontologia deveria estar presente na Educação Básica e que seu
ensino deveria contribuir para uma maior compreensão da
Evolução, por que ainda apresentamos resultados tão ruins? Há um
consenso entre os pesquisadores da área de ensino de Ciências que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 249

apontam dois problemas básicos: o primeiro é a falta de preparação


dos professores e, o segundo, a qualidade dos livros didáticos
(PEREIRA et al 2001; OLIVEIRA et al 2003; MOURA & BARRETO,
2003; TORELLO DE MELLO, 2005; SARKIN & LONGHINI 2005
apud VASCONSELOS, 2009). Zucon et al (2010) e Sato et al. (2010)
apontam que o maior problema nos materiais didáticos empregados
no ensino de Paleontologia é que estes tratam esta Ciência de forma
inadequada ou ineficiente. Vieira, Zucon e Santana (2010) chegaram
a conclusões parecidas ao afirmar que os livros didáticos não
exploravam os assuntos de Paleontologia.
A não exploração do tema, erros conceituais, tratamento
superficial são os problemas geralmente encontrados e apontados
pelos pesquisadores que analisam os livros didáticos. Outro
problema apontado por Júnior e Porpino (2010) também pode
contribuir para essa dificuldade em trabalhar o tema: a
Paleontologia é uma Ciência que muda muito rápido e novos
conceitos ou abordagens não são incorporados nos materiais
didáticos.
Os livros didáticos representam o recurso mais utilizado pelos
professores, e não raro sua única fonte de informação, além dos
problemas apontados, muitas vezes esses materiais apresentam
erros conceituais (MORAES, SANTOS e BRITO, 2007;
VASCONSELOS, 2009; SILVA 1998; ALONÇO ET AL., 2016; JUNIOR
& PORPINO 2010). Cabe ressaltar que os problemas evidenciados
nos livros didáticos acabam por influenciar o trabalho pedagógico
porque muitos professores não sabem como explicar ou contornar
determinadas situações em sala. Compagnon et al (2017), constatou
que nas escolas que apresentam livros didáticos mais completos e
com maior qualidade, os alunos se saíram melhor ao responder os
questionários com conceitos paleontológicos.
Moraes, Santos e Brito (2007) apontam que as deficiências
encontradas nos livros didáticos estão relacionadas diretamente
com a má compreensão da Paleontologia pelos alunos, para elas
seria necessário uma maior ênfase nesta Ciência nos livros didáticos.
250 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em sua pesquisa constataram que a maioria dos livros do Ensino


Fundamental não abordam a questão do tempo geológico e a
evolução da vida durante as eras, assim torna-se improvável que os
alunos consigam relacionar a Paleontologia com outras ciências
como Evolução.
Quando se trata do currículo do Estado de São Paulo, Santos,
Santos e Piranha (2015) já haviam feito uma análise se os livros
didáticos de Biologia utilizados pelos professores estavam de acordo
com a Proposta Curricular do estado, os resultados não foram
diferentes das outras pesquisas, o currículo aborda os temas de
paleontologia no 3º ano do Ensino Médio e nos livros os conteúdos
aparecem dissolvidos nos três volumes das coleções, isso acaba por
gerar uma dificuldade do professor em abordar os temas, além
desses aparecerem desatualizados e com definições incompletas.
Uma das alternativas para resolver esse problema poderia ser
a criação de um capítulo específico para tratar de assuntos ligados a
Paleontologia (ALONÇO e BOELTER, 2016), e além disso integrar os
conteúdos a outros capítulos como aqueles que falam de Evolução e
Origem da Vida. Quando os autores analisaram livros de ensino
médio, era praticamente ausente os conteúdos de Paleontologia, o
que se distancia muito do esperado. Eles encontraram erros
conceituais nos livros analisados e abordagem superficial do tema,
assim consideram necessária uma revisão nos referenciais que
guiam a produção desses livros.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998)
indicam que os temas da Paleontologia deveriam ser abordados
quando outros assuntos são discutidos, por exemplo o conceito de
fóssil deveria valorizar e corroborar a Evolução. Moraes, Santos e
Brito (2007, p.72) afirmam “[...] o fato dos conteúdos de
Paleontologia não serem tratados de forma clara e abrangente nos
livros didáticos evidencia uma deficiência que deveria ser corrigida
através dos PCN[...]”. Assim, o prognóstico para o futuro torna-se
ainda pior: a nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC)
aprovada em 2017 (BRASIL, 2017), que deverá ser usada em todo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 251

território nacional, não faz nenhuma menção aos fósseis e dentro do


corpo de conteúdos e habilidades de evolução, a Paleontologia não é
citada em nenhum momento.

Metodologia

Na presente pesquisa buscamos analisar os conteúdos de


Paleontologia presentes nos materiais didáticos do ensino de
Ciências do Estado de São Paulo (Caderno do aluno e do professor),
já que as pesquisas apontam que um dos problemas no ensino de
Paleontologia é o material didático utilizado. Apesar dos professores
poderem fazer uso do livro didático em conjunto com os cadernos,
fizemos a opção de analisar apenas os materiais cedidos pelo estado.
Para Ludwig (2003) a análise documental é um recurso que
nos ajuda a identificar informações nos documentos baseados nas
questões da pesquisa que foram levantadas anteriormente. Os
documentos, quando analisados, podem ainda fundamentar as
afirmações do pesquisador ou até complementar informações
obtidas de outras fontes (Ludwig, 2003).
Após a coleta dos materiais que estão disponíveis na versão on-
line e física, optamos pela análise do material físico. Para a análise de
todo o material coletado utilizamos as técnicas descritas por Bardin
para a análise de conteúdo (BARDIN, 1997), a fim de se identificar os
objetivos propostos nessa pesquisa, e a partir deles e das bibliografias
estudadas propor respostas e conclusões sobre os problemas da
pesquisa. Para Bardin (1997), a análise de conteúdo busca utilizar um
conjunto de técnicas que permite ao pesquisador inferir
conhecimentos relativos à produção das mensagens escritas. Sendo
assim, a partir do material, realizamos um tratamento de pré-análise,
para organização e sistematização do material coletado, a fase de
exploração e uma última de tratamento do material, momento em que
foram feitas as possíveis inferências e interpretações.
Como critérios para a análise dos conteúdos de Paleontologia
nos baseamos nos propostos por Júnior e Porpino (2010), Vieira,
252 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Zucon e Santana (2010) e Compagnon et al (2017) em que se


verifica, se temas importantes dentro desta Ciência estavam
presentes no material, a qualidade e como era a abordagem.

Resultados

Inicialmente, ao analisar os cadernos, nos atentamos à Situação


de Aprendizagem 8 com o título “Os fósseis – evidências da Evolução”,
do caderno 1, do 7º ano do Ensino Fundamental que é a única parte
dentro do material que cita ou trabalha com fósseis. Apesar de na
situação anterior ser solicitada uma pesquisa sobre a biografia e a
teoria de Charles Darwin, não há menção aos fósseis na situação.
Na Situação de Aprendizagem 8, que representaria um avanço
por ter uma parte dedicada aos fósseis, esse conteúdo acaba
dividindo espaço com questões sobre o que é Ciência e um
experimento da “Caixa Preta” em que os alunos podem testar suas
hipóteses. Não entraremos na discussão sobre esses conceitos, pois
não fazem parte dos objetivos desta pesquisa.
Toda a Situação de Aprendizagem 8 é pautada em questões
que levam a discussões coletivas e que devem ter suas respostas
confrontadas pela sala. O método dialógico indicado no material do
professor é uma boa maneira de tratar as questões, mas como o
material não oferece outros recursos, a aula pode acabar por se
tornar expositiva caso o professor não domine os conteúdos ou leve
outras informações. Inicialmente, há uma questão disparadora para
levantamento de conhecimentos prévios dos alunos, seguida de seis
perguntas que tratam dos conceitos discutidos adiante. No final da
situação, na fase de consolidação, intitulada “Você aprendeu”
existem mais quatro questões sobre os fósseis que retomam os
conceitos já discutidos.
Ao final da situação, no Caderno do Aluno eles indicam a visita
a Museus de Geociências para consolidar ou aprofundar o que foi
estudado. O Caderno faz referência há apenas três museus, como o
material é distribuído para o estado inteiro isso acaba por
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 253

desconsiderar e valorizar a cultura regional. Existem outros museus


que contém exposições paleontológicas no estado, sendo esse um
ponto negativo do material: não valorizar os fósseis locais e nem ao
menos citar fósseis brasileiros ou sul-americanos.

Quadro 1 – Análise da presença dos conceitos de Paleontologia no Caderno do


Aluno e Professor do 7º ano de Ciências do Estado de São Paulo.
Conceitos Presença Número de Questões
Conceito de Paleontologia Não X
Conceito e tipos de fósseis Sim 03
Importância dos fósseis Sim 03
Tempo geológico Não X
Vida nas diferentes eras geológicas Não X
Fossilização Sim 06
Evolução Sim 03

Podemos observar no Quadro 1 que há uma ênfase grande no


processo de fossilização, que aparece seis vezes. Os outros conceitos
que aparecem estão todos na mesma proporção (três), contudo o
aluno trabalha durante toda a situação sem entender o que é
Paleontologia e para que serve essa Ciência, além de não discutir a
questão do tempo geológico e da vida nas diferentes eras geológicas.
Segundo os PCN (BRASIL, 1998) os conceitos sobre fósseis deveriam
aparecer no 6º e 7º ano do ensino fundamental, de acordo com os
dados coletados eles estão presentes, no entanto não em sua
totalidade.
Qualitativamente, a presença do conceito de fóssil no material
é extremamente importante. A compreensão do conceito de fósseis
é a base para a discussão de qualquer assunto dentro da
Paleontologia. Um ponto que merece destaque no material do
professor quando esse conceito é tratado é a possibilidade do
docente ampliar a visão dos alunos em relação ao que pode ser um
fóssil, citando exemplos de fósseis de partes moles, outras partes
corporais sem ser os ossos, fósseis de outros grupos de seres vivos e
os vestígios fósseis (icnofósseis).
Outro assunto, o mais abordado em quantidade, a
fossilização, é de extrema importância para o aluno, ela explica como
254 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ocorre a passagem do orgânico para as rochas e ajuda a


compreender a história do planeta. Apesar das questões sobre o
tema não abordarem os diferentes tipos de fossilização, a presença
desse conceito já ajuda os alunos a entender como se dá o processo.
Na imagem abaixo temos um exemplo de questão que trata da
fossilização, na alternativa “a” que é falsa, podemos ter um erro de
interpretação caso o professor e o aluno não se atentem à palavra
“corpo”. Sem essa palavra a questão se torna parcialmente correta,
já que vestígios com mais de 11 mil anos são considerados fósseis.
Esse tipo de discussão é importante, pois um dos maiores problemas
na Paleontologia são os conceitos consolidados de maneira errônea.

Figura 1 – Questão do Caderno do Aluno, 7º ano, Volume 1 que trata conceitos


de fossilização. (SÃO PAULO, 2014, p.59)

O último conceito paleontológico abordado com destaque é a


importância dos fósseis. Essa discussão deve ocorrer no nível
fundamental para que o aluno perceba que os fósseis são evidências da
existência de organismos reais que viveram em um tempo do passado
profundo e que sem eles seria impossível conhecê-los ou entendê-los.
O material do professor sugere o desenvolvimento da correlação entre
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 255

as partes encontradas com suas funções. Garras, dentes e ossos podem


fornecer informações importantes da biologia do animal, além de
permitirem analogias com espécies recentes. Contudo, como podemos
observar na questão abaixo, não há imagens ou outras informações
que permitam ao aluno fazer essas inferências.

Figura 2 – Questão presente no Caderno do Aluno, 7º ano, volume 1 para


discussão da importância dos fósseis (SÂO PAULO, 2014, p. 60)

Um dos pontos negativos do material é o fato dele não discutir


a datação dos fósseis ou o tempo geológico, tema de suma
importância dentro da Paleontologia.
O último tema explorado pelo material analisado é Evolução,
apesar de deixar claro que os alunos não precisam entender
Evolução no seu sentido mais amplo, mas apenas como
“transformação” (o assunto é retomado no Ensino Médio), podemos
observar um erro conceitual já que Evolução deve ser entendida
como modificação e não como transformação (MAYR, 2009). Uma
vez que transformação é um processo que pode ser traduzido como
metamorfose, e a evolução “é a mudança das propriedades de
populações de organismos a longo do tempo” (MAYR, 2009, p.28)
É importante destacar que as questões abordadas não
permitem que essa discussão seja eficiente ou os resultados
previstos sejam alcançados. A compreensão esperada para o
significado de Evolução necessitaria de uma discussão maior dentro
do material, além de estratégias e materiais diversificados, uma vez
que esse tema é um dos que os alunos apresentam maior dificuldade
como o próprio material do professor relata no início da situação.
256 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Figura 3 – Questões que tratam de evolução no Caderno do Aluno, 7º ano,


volume 1 (SÂO PAULO, 2014, p.58).

Vale lembrar que apesar do material do professor apresentar


sugestões de respostas e tratamentos aos dados, um dos principais
problemas no ensino de Paleontologia é a formação que o professor
teve, isso significa que se o professor não conhecer ou dominar o
tema, os resultados não serão alcançados.
Isso fica nítido na questão abaixo, ao tratar Evolução como um
processo de “transformação”, a ideia concebida é a Evolução como
um processo linear, uma espécie se transforma em outra, quando
na verdade a Evolução é ramificada.

Figura 4 – Questão sobre evolução com erro conceitual do Caderno do Aluno, 7º


ano, volume 1 (SÃO PAULO, 2014, p.60).

O material do professor cita que os docentes devem mostrar


aos alunos que os fósseis são utilizados como modelos explicativos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 257

para a Teoria da Evolução. Apenas três perguntas tratam do conceito


de evolução, o que é muito pouco devido à complexidade do tema,
as discussões desse tema só serão retomadas no terceiro ano do
Ensino Médio. Na questão apresentada acima que aborda a relação
dos fósseis com a evolução, os alunos devem compreender o que
significa o fato de um fóssil encontrado conter semelhanças com um
ser atual. Consideramos que não é possível para os alunos
compreender em sua totalidade a importância dos fósseis para a
teoria evolutiva com apenas uma questão. No caderno do professor
é citado que um dos conteúdos a serem abordados é o “papel dos
fósseis no estudo da evolução”, contudo as questões não permitem
que esse objetivo seja alcançado, porque assim como nos livros
didáticos, o assunto é tratado com superficialidade no material
didático vinculado ao currículo estadual paulista.
No Caderno do Professor é sugerido ainda que os docentes
levem em conta a importância dos contextos históricos e culturais,
contudo nenhum dos dois aparecem no material, sendo assim,
dificilmente serão considerados pelos professores. Fica nítido que a
falta de textos de apoio ou imagens científicas dificultam o trabalho
do professor e assim o entendimento dos alunos.

Conclusões

Além dos conteúdos e conceitos analisados, devemos


considerar que tanto o material do professor quanto do aluno não
apresentam ilustrações científicas, utilização de termos técnicos e
textos complementares, que são essenciais para que haja uma maior
oportunidade de aprendizagem para os alunos. Como muitas vezes,
as escolas não possuem recursos tecnológicos e nem acesso a jogos
ou outros materiais produzidos, seria interessante que o material do
professor ou até mesmo do aluno possuíssem os recursos que
ajudariam a atingir as habilidades propostas. Uma sugestão é a
utilização de textos que tratam da História da Ciência. Como em
uma das Situações de aprendizagem, é solicitado aos alunos que
258 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

pesquisem a biografia e a teoria de Charles Darwin, poderiam


apresentar trechos do livro A origem das espécies em que Darwin
discute a questão dos fósseis.
Quanto aos conceitos paleontológicos discutidos – fóssil,
importância dos fósseis e fossilização – terem sido explorados, eles
não foram em sua totalidade, o que demonstra que ainda há muito
a ser discutido em cada uma das questões propostas. O fato de
conceitos como datação, eras geológicas, entre outros não
aparecerem, demonstra o porquê dos alunos terem tanta dificuldade
em compreender a evolução ou outros conceitos ligados a eles.
O material traz um avanço enorme quando comparado a
maioria dos livros didáticos ao trazer uma situação exclusivamente
para discutir sobre os fósseis (ALONÇO e BOELTER, 2016), contudo,
fica aqui uma proposta de análise mais crítica na construção desta
situação de aprendizagem, para que ela possa de fato, desenvolver
as habilidades propostas pelo currículo. Para que ela possa
contribuir para a disseminação dos conceitos paleontológicos de
maneira correta e eficaz é necessário que o material faça uso de
outros recursos além de questões para discussão, recursos esses que
poderiam levar a uma aprendizagem mais significativa, tais como
textos históricos, incorporação de novas descobertas
paleontológicas, jogos, paleoartes, infográficos entre outras.

Referências

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Ensino Médio. In: Revista da SBenBio. n. 09, p. 7671-7682, 2016.

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Aracaju: Editora da Universidade Federal de Sergipe, 2010. v. 1
17

A possibilidade de uma sistematização da etnomatemática,


veiculada por meio da cultura e língua indígena

Bianca Rafaela Boni


Wellington Gonzaga Brandão
Naiara Hernandes Carvalho
Carlos Roberto Cardoso Ferreira
Harryson Júnio Lessa Gonçalves

Introdução

Na noite de 30 de outubro de 2017 a professora Elisângela


Dell-Armelina Suruí ergueu o troféu de Educadora do ano, logo após
agradeceu na língua paiter e se referiu aos indígenas da aldeia onde
vive, o que marcou significativamente o momento culminante da
celebração de 20 anos do Prêmio Educador Nota 10. A escolha do
projeto dela dá uma visibilidade para a valorização da cultura
indígena e, principalmente reforça o direito das crianças estudarem
em sua língua materna (GALILEU, 2017).
A alfabetizadora, de forma voluntária, dá aulas para uma turma
multisseriada na EIEEFM Sertanista Francisco Meirelles, na zona rural
de Cacoal, em Rondônia e o mais interessante é que os alunos também
participaram ao pesquisarem temas presentes do cotidiano da aldeia
para produzirem seu próprio material didático. A língua escrita paiter-
suruí tem menos de 10 anos e segundo a professora receber essa
honraria é um estímulo a mais para organizar outros livros e uma
enciclopédia paiter-suruí (GALILEU, 2017).
262 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Segundo Anna Helena Altenfelder, presidente do CENPEC, o


trabalho reúne três características importantes: tem capacidade de
influenciar política pública, é uma inovação e, ao mesmo tempo, um
trabalho pedagógico extremamente bem feito, paralelamente
existindo também o mérito de fazer os alunos dos anos iniciais
trabalharem bem numa sala de aula multisseriada e o diferencial da
inclusão da linguagem de sinais no material em face da existência
de vários deficientes auditivos nas aldeias dessa etnias da região.
Trabalhos desenvolvidos em comunidades distantes dos
grandes centros, como o de Elisângela, precisam ser divulgados com
o intuito de descobrir, reconhecer e valorizar ideias simples, mas
que são desenvolvidas com criatividade e fazem sentido para o
ambiente de ensino aprendizagem, pois podem servir de exemplo.
Há a constatação de que o belo trabalho pode ser realizado por
outras comunidades de contextos diferentes para registrar e
sistematizar saberes em seus próprios idiomas (KRAUSE, 2017).
Esse estudo foi o deflagrador deste artigo, que tem por
objetivo investigar as possibilidades de produzir situações de
aprendizagem que possam ser totalmente integradas a cultura
indígena e que interfira como elemento de reafirmação da
identidade étnica diante de uma globalização imposta pela
modernidade. Uma pesquisa bibliográfica poderá colocar em pauta
uma inovadora metodologia que privilegie a diversidade indígena
centrada nos costumes locais e na questão da identidade étnica.
A etnomatemática serve como uma base para atingir a
essência da matemática indígena e resgatar a identidade étnica, uma
vez que os sistemas numéricos dos índios têm sido identificados e
amplamente estudados por pensadores nacionais e internacionais.
Entretanto, além de usar a realidade indígena como temas
geradores, sob uma perspectiva Freireana, toda a condução dos
ensinamentos deverá acontecer utilizando-se da linguagem da
própria comunidade indígena.
Além de não ser encontrada nenhuma situação motivadora
em um ambiente não-indígena, a condução de todo o processo por
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 263

um não indígena pode pôr em risco o sucesso de um projeto,


portanto, um elo entre os ensinamentos dos brancos e dos indígenas
pode ser aceitável nesse processo, mas desde que seja feito por um
indígena e com um aporte, no mínimo, bilíngue dando ênfase a
língua materna da localidade. A convivência entre diferentes
culturas pode produzir novas identidades tal como Hall (2002)
apresentou com o contexto das novas identidades black que
surgiram nos anos 70.
Numa observação do aspecto da globalização podemos citar o
fato de que na educação do homem branco brasileiro pode ser
inserida a língua inglesa como elemento de integração mundial sem
destruir a sua cultura, assim sendo podemos pensar também que
não haverá mal em ensinar aos indígenas a língua portuguesa numa
mesma dimensão, sem que haja um sufocamento de sua cultura,
ainda ressaltando o fato de um favorecimento no sentido de que os
indígenas estarão em vantagem em relação a muitas pessoas que só
falam uma língua (HALL, 2002).

A educação indígena no Brasil

A dominação dos indígenas, teve início a partir da integração


e homogeneização cultural pelos Jesuítas, que visavam a
catequização desses povos, utilizando sua força de trabalho para
servir à coroa portuguesa. Com isso, desencadeou-se o processo de
colonização, escravidão e massacre da cultura dos povos indígenas.
(BERNARDI; CALDEIRA, 2012)
A partir de 1970, a educação indígena passou por grandes
mudanças e o movimento indígena passou a se articular no país.
Diferentes povos se reuniram para discutir seus problemas e pensar
em soluções. Entidades organizadas passaram a reivindicar e
trabalhar junto aos povos indígenas buscando alternativas para
superar a opressão cometida desde o período colonial. Neste
contexto surge a preocupação por se estabelecer uma escola
indígena, com mudanças nas concepções e nas práticas da educação
264 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escolar, com leis e regimentos que defendam e legitimem seus


interesses e direitos na sociedade.
Segundo Grupioni (2006), a formação de indígenas como
professores e gestores das escolas localizadas em terras indígenas é
hoje um dos principais desafios para a consolidação de uma
Educação Escolar Indígena pautada pelos princípios da diferença, da
especificidade, do bilinguismo e da interculturalidade. Fica evidente
que uma escola indígena de qualidade só será possível se estiverem
à sua frente professores e gestores indígenas, pertencente às suas
respectivas comunidades.
O amparo legal à educação diferenciada e bilíngue teve seu ápice
na Constituição Federal de 1988, garantindo assim, o respeito às
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Conforme
assegura a Constituição Federal, art. 210, § 2°, “o ensino fundamental
regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às
comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas
e processos próprios de aprendizagem” (BRASIL, 1988, p.124).
É importante lembrar ainda que, a Constituição Federal de
1988 foi elaborada e aprovada no contexto do processo de
redemocratização do país, sendo nesse momento que os movimentos
indígenas de diferentes povos reivindicavam o asseguramento dos
seus direitos e sua continuidade enquanto diferentes etnias.

A língua materna matematizando o indígena

Entendemos que o conjunto de saberes constituídos pelos


indígenas são muito importantes para eles, mas, em um contexto de
uma pedagogia Freireana, devemos nos convencer dessa
importância como primordial para evitar o aniquilamento da sua
cultura e, acima de tudo, continuar sendo constitutiva da identidade
étnica. Para tanto, identificamos no exemplo supramencionado que
temas geradores captados no universo de uma aldeia indígena e
mediados por um educador totalmente integrado na cultura,
utilizando a própria linguagem do índio para favorecer a apreensão
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 265

do conhecimento, contribui para reafirmar a identidade e manter


viva a cultura tão importante para a existência de um povo.
Ressaltamos, ainda, a importância da formação de professores
indígenas como os principais sujeitos-autores da educação de seus
povos, formulada, pensada e refletida por eles próprios.
Uma educação libertadora pressupõe uma abordagem
dialógica, advinda de uma liberdade de pensamento e de uso da
linguagem para estabelecer uma problematização. Nada mais justo
que, no caso dos indígenas, a sua língua materna seja o agente
facilitador para a compreensão do objeto de estudo. Tudo o que o
indígena já sabe ao entrar na escola tem de estar intimamente ligado
ao que ele aprende no ambiente escolar para que ele consiga
ressignificar a sua existência com a construção de uma nova
identidade étnica, regada por uma autoestima de ser quem ele é -
sem interferências maléficas da cultura dominante -, ou seja, ter
uma nova visão do mundo com "olhos indígenas". Sobretudo, com
essa interação amparada na problematização manifestada pela
escolha dos temas geradores e a abordagem epistemológica do
contexto em que estão inseridos, é importante ressaltar que:

Essa investigação implica, necessariamente, uma metodologia que


não pode contradizer a dialogicidade da educação libertadora. Daí
que seja igualmente dialógica. Daí que, conscientizadora também,
proporcione ao mesmo tempo a apreensão dos ‘temas geradores’
e a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos mesmos
(FREIRE, 1993, p. 87).

Existem estudos que apontam as abordagens matemáticas


desenvolvidas por várias comunidades indígenas no Brasil, porém,
ainda carecem estudos que apontem resoluções que coloquem a
matemática de cada comunidade indígena como objeto central do
ensino de matemática para indígenas por meio da sua língua
materna e que produzem e disponibilizam material didático com
essa linguagem. O Referencial Curricular Nacional Para as Escolas
Indígenas - RCNEI (BRASIL, 1998b) prevê em seu bojo princípios e
266 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

fundamentos gerais de ensino para as várias áreas de estudo


presentes no ensino fundamental e deixa claro, como seu objetivo

[...] oferecer subsídios e orientações para a elaboração de


programas de educação escolar indígena que atendam aos anseios
e aos interesses das comunidades indígenas, considerando os
princípios da pluralidade cultural e da equidade entre todos os
brasileiros, bem como, para a elaboração e produção de materiais
didáticos e para formação de professores indígenas. (BRASIL,
1998b, p.6.)

Apesar do avanço nas questões educacionais indígenas, não se


percebe uma referência à linguagem de condução de todo o processo
se dar em língua materna, tanto para as aulas quanto para os
materiais didáticos. No entanto, é explicitado que a construção de
uma metodologia que atenda as reais necessidades indígenas não se
esgota com a publicação do mesmo, e deve continuamente ser
reconstruído dentro da escola indígena, com experiências concretas
locais, com professores e comunidade elaborando e implantando -
juntos - um projeto de vida e escola.
O ideal seria que pessoas originárias dessa própria etnia
estivessem à frente do trato com os educandos, implementando e
desenvolvendo os projetos pedagógicos de cada escola, cabendo aos
indivíduos não-indígenas a tarefa de ser o elemento de ligação entre
o governo e comunidade indígena, inclusive para fiscalizar e
viabilizar os recursos que porventura sejam necessários para
alavancar o projeto pedagógico. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996 - LDB)
estabelece que:

Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de


ensino no provimento da educação intercultural às comunidades
indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e
pesquisa.
§ 1º Os programas serão planejados com audiência das
comunidades indígenas.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 267

§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos


Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:
I- fortalecer as práticas sócio-culturais e a língua materna de cada
comunidade indígena;
II- manter programas de formação de pessoal especializado,
destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;
III- desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo
os conteúdos culturais correspondentes às respectivas
comunidades;
IV- elaborar e publicar sistematicamente material didático
específico e diferenciado.
§ 3o No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras
ações, o atendimento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas
universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e
de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e
desenvolvimento de programas especiais. (Incluído pela Lei nº
12.416, de 2011) (BRASIL, 1996, p. 25)

Diante disso, constata-se que existe o respaldo para a


implantação de um sistema de educação diferenciado para a
comunidade indígena, em que sua existência depende apenas da
compatibilidade das adequações inseridas para com a realidade
indígena, além de elemento de reafirmação da identidade étnica da
comunidade indígena, tal qual proposto nesse artigo.

Mandikauku: experiências matemáticas e o entendimento de


mundo

Passaremos a entender a matemática indígena pelo universo


do povo Palikur citado no livro "MANDIKAUKU: os dez dedos da
mão", de Mariana Kawall Leal Ferreira (FERREIRA, 1998).
Para esse povo, os numerais, as ideias e os conceitos
matemáticos não existem fora do entendimento de mundo, sendo
assim, todo o contexto em que estão inseridos determina a medida
exata do que está sendo realizado. A medida de um braço (pahat
iwanti), por exemplo, pode indicar três comprimentos: 2.2, 1.7 ou
0.4 metros, o sistema numérico Palikur é decimal e o termo para 10
268 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

é madikauku (madik-auku), que significa "fim [das] -mãos"; o


termo para dezena é madik-wa e o numeral 20, pina madikwa; 30
é mpana madikwa; 40 é paxnika madikwa; e assim sucessivamente.
Ao medir o comprimento de uma roça, o Palikur usa o termo
"braço", que se refere ao total da altura de um homem com o braço
erguido (2.2 metros aproximadamente), que é transferida para uma
vara para facilitar a medição. Quando eles medem uma canoa ou
uma casa, o termo "braço" refere-se aos dois braços estendidos para
os lados e, nesse caso, um braço tem a medida de menos de dois
metros. Já para medir um tipiti (artefato de espremer mandioca
ralada), a medida de um braço é a mesma medida do antebraço, que
é igual a menos de meio metro.
Diana Green (1997) aponta que o sistema numérico da língua
Palikur pertence ao grupo linguístico Arawak e é falada por mais ou
menos 750 Palikur no Amapá e 400 na Guiana Francesa.
A seguir, trazemos dois exemplos, captados dentro do vasto
universo indígena, da língua materna, da cultura e da matemática
materna compondo uma expressão numérica totalmente integrada
sob uma perspectiva epistemológica bilíngue:

A. Língua Palikur: nu-was-ra / a-yabwi / paxnika / madikwa /


iwanti. Tradução: meu-roça / comprimento / quatro / dezenas /
braço - "O comprimento da roça é quarenta braços (40 x 220
centímetros = 88 metros).
B. Língua Palikur: Nu-pin / pohouku / i-wanti / ayabwi / a-kak /
mpana / iwanti / a-rik Tradução: meu-casa / cinco / braço /
comprimento / com / três / braço / dentro - "Minha casa tem
cinco braços (5 x 170 centímetros = 8.5 metros) de comprimento e
três braços (3 x 170 centímetros = 5.1 metros) de largura.".
(GREEN, 1994 p. 286-287).

Desde o primeiro contato do branco com o indígena brasileiro


até os dias atuais, podemos observar que essa população diminuiu
drasticamente, bem como sua cultura e suas tradições. De acordo com
o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
2010 os mais de 240 povos indígenas, correspondem apenas a 0,47%
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 269

da população total do país (IBGE, 2012). Além disso, muitos povos


indígenas específicos têm diminuído sua população e alguns correm
risco de desaparecimento. A lista de povos indígenas no Brasil,
elaborada pelo Instituto Socioambiental (ISA), aponta que sete desses
povos possuem população entre 5 e 40 indivíduos. Para que esse
etnocídio não continue sendo o motivo do aniquilamento e,
consequentemente, extermínio da identidade étnica, há a necessidade
de se desenvolver ações restauradoras nas comunidades.
A escola é um bom espaço para germinar o alvorecer dessa
nova empreitada, enaltecendo a linguagem e a realidade vivida nas
aldeias como ponto de partida e elemento mantenedor. O MEC
estabelece que:

A escola indígena tem como objetivo a conquista da autonomia


sócio-econômico-cultural de cada povo, contextualizada na
recuperação de sua memória histórica, na reafirmação de sua
identidade étnica, no estudo e valorização da própria língua e da
própria ciência sintetizada em seus etnoconhecimentos, bem como
no acesso às informações e aos conhecimentos técnicos e
científicos da sociedade majoritária e das demais sociedades,
indígenas e não-indígenas. A escola indígena tem que ser parte do
sistema de educação de cada povo, no qual, ao mesmo tempo em
que se assegura e fortalece a tradição e o modo de ser indígena,
fornecem-se os elementos para uma relação positiva com outras
sociedades, a qual pressupõe por parte das sociedades indígenas o
pleno domínio da sua realidade: a compreensão do processo
histórico em que estão envolvidas, a percepção crítica dos valores
e contravalores da sociedade envolvente, e a prática de
autodeterminação. Como decorrência da visão exposta, a educação
indígena tem de ser necessariamente específica e diferenciada,
intercultural e bilíngue (MEC, 1993, p.12)

Considerações finais

Há críticas sobre as tendências educacionais que defendem o


bilinguismo, mas há décadas que esse modelo impera e a percepção
é que existe apenas uma discrepância na aplicabilidade desse
270 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conceito. Entendemos, portanto, que a distinção bem definida das


funções de cada linguagem envolvida é o que falta.
No entanto, devemos atentar que, de um lado, a língua
portuguesa é entendida como o acesso das instâncias superiores aos
mais distintos contextos educacionais com a função de fomentar todos
os projetos necessários para o desenvolvimento dessas metodologias
restauradoras da identidade étnica dos indígenas e, além disso, jamais
interferindo diretamente no trato do ensino integrador.
De outro patamar, enxergamos que a educação escolar
indígena sendo conduzida por uma língua materna, produzindo um
etnoconhecimento não pode, em hipótese alguma, sofrer
interferências que possam sufocar a devida evolução do processo.
Podemos considerar que a aprendizagem da língua portuguesa ou
de qualquer outra língua pode ser disponibilizada para os índios
num momento em que sua própria cultura esteja tão arraigada a
ponto de não se deixar dominar por qualquer outra cultura alheia, e
apenas como um agente comunicativo e apoiador da apreensão da
sua própria cultura.
Pressupomos que, ao estarem engajado com sua própria
cultura, esses indivíduos com suas identidades resgatadas possam
se dar conta da sua importância enquanto comunidade autônoma e
participativa dentro desse mundo globalizado.

Referências

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na escola indígena sob uma abordagem crítica. Bolema, Rio Claro, v. 26,
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Educação Escolar / Elaborado pelo comitê de Educação Escolar Indígena.
- 2 ed. Brasília: MEC/SEF/DPEF, 1994. 24 p.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 271

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dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional.
Brasília: MEC, 1996.

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Educação: Elisângela Dell-Armelina Suruí construiu material didático
junto com seus alunos e deu a eles o direito de aprender na língua
materna, a paiter-suruí. Disponível em:<https://fvc.org.br/educador-
nota-10/alfabetizadora-de-aldeia-indigena-e-eleita-educadora-do-a no/>
Publicado em 31 out 2017, 02h51. Acesso em 01 de jul. 2018
18

A resolução de problemas como metodologia para o


ensino de matemática no ensino fundamental:
desenvolvendo as habilidades para a prova Brasil

Alex Aparecido Felisardo

Introdução

O ensino de Matemática através da resolução de problemas


como metodologia de ensino e aprendizagem, segundo Onuchic
(2014), se mostra como um caminho promissor para trabalhos
diferenciados nas aulas de Matemática. Considerando-se que esta
metodologia leva os estudantes a exercitarem suas mais diversas
capacidades intelectuais e também mobilizar estratégias para chegar
às respostas desejadas, a resolução de problemas pode fazer com
que os conceitos e princípios matemáticos possam ser melhor
compreendidos pelos estudantes, uma vez que eles serão
elaborados, adquiridos, investigados de maneira ativa e
significativa. Segundo dados do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB, 2015), o país passa por um período que os
níveis dos estudantes em avaliações de Matemática se encontram
abaixo do esperado. Assim, se faz necessário discutir aspectos
essenciais dessa metodologia, chamando a atenção dos professores
para a necessidade de mudanças teóricas e práticas.
Com base na avaliação Prova Brasil, o IDEB (2015) revela que
no 5º ano do Ensino Fundamental apenas 39% dos alunos têm o
aprendizado adequado em matemática. Já quando vamos para o 9º
274 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ano esse número cai para 14%, situação esta que pode ser
considerada alarmante para a educação brasileira.
De acordo com alguns dos mais importantes documentos que
se referem à aprendizagem e à educação Matemática no país – os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s,1997), Conteúdos
Básicos Curriculares Estaduais (CBCS, 2011) – ,o ensino de
Matemática através da resolução de problemas deve ser incentivado
como uma importante ferramenta para o aprendizado da
Matemática, porquanto possibilita ao educando, mobilizar
conhecimentos e elaborar raciocínios matemáticos, tornando-os
capazes de aplicá-los em situações concretas.
Tendo em vista a relevância dos aspectos abordados para um
aprendizado de Matemática mais significativo nas diversas etapas
da educação e a necessidade de mudanças nos métodos teóricos e
práticos que objetivem uma melhoria no IDEB, o presente estudo
estabelece as seguintes questões norteadoras: I) A metodologia de
resolução de problemas pode auxiliar no ensino e na aprendizagem
de Matemática? II) Que significado tem para os professores a
metodologia de resolução de problemas na Prova Brasil? III) É
possível desenvolver um aprendizado significativo utilizando a
resolução de problemas e, ainda, desenvolver as habilidades que
norteiam a Prova Brasil? Assim, o objetivo geral passa a ser
identificar como a resolução de problemas pode servir de
metodologia de ensino e aprendizagem de Matemática na obtenção
de um aprendizado significativo de modo que haja o
desenvolvimento das habilidades norteadoras para a Prova Brasil.
Para o efetivo desenvolvimento dos objetivos apontados no
trabalho em um corpo consistente de estudo e argumentação, adota-
se como processo metodológico uma abordagem objetiva e
qualitativa, tendo suas bases em um levantamento das obras de
diferentes autores acerca da resolução de problemas, em uma
revisão bibliográfica e documental, para que haja um maior
aprofundamento sobre o tema da pesquisa. Essa pesquisa ainda
encontra-se em fase inicial. Sendo assim, sem a pretensão de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 275

estabelecer um discurso conclusivo sobre as questões aqui


pesquisadas, busca-se analisar os conceitos chave tratados,
contribuindo para o surgimento de novas reflexões e perspectivas
de estudo.

Por que o ensino de matemática através da resolução de


problemas?

Segundo Onuchic e Allevato (2014), a resolução de problemas


é considerada o “coração” de toda atividade matemática, e se mostra
como um importante caminho para a construção de novos
conhecimentos. Embora o tema “resolução de problemas” seja
objeto de estudo desde os tempos antigos no Egito, Grécia e China,
a sua inquestionável importância na formação escolar em todos os
níveis de ensino e maneiras de conduzi- las, de forma a articular
uma aprendizagem significativa e efetiva não tem sido tarefa
incentiva pelos professores de Matemática.
Durante o século XX, o cenário da educação sofreu grandes
mudanças, afetando, assim, a Educação Matemática. Nesse período
surgem diferentes visões sobre como avaliar o ensino e a
aprendizagem da Matemática e como esta deveria ser trabalhada.
Essas diferentes visões trouxeram à tona questões acerca do que se
deveria atingir e quais formas deveriam ser privilegiadas nos
trabalhos escolares em Matemática. Porém, apenas nas últimas
décadas, a importância da Resolução de Problemas dentro do
contexto das salas de aulas de Matemática ganha destaque e passa a
ser aceita por educadores, que passam a considerar a ideia de que
desenvolver a capacidade de resolver problemas merecia atenção.
Essas reflexões levaram ao surgimento de três formas
diferentes de se trabalhar a Matemática em sala de aula, todas essas
formas com suas fundamentações na resolução de problemas: 1) O
Ensino Sobre Resolução de Problemas: nesta forma, há
predominância das heurísticas de George Polya, como forma de
orientar os estudantes na resolução de problemas, com regras e
276 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

processos gerais que se aplicariam independente do conteúdo; 2) O


Ensino Para a Resolução de Problemas: nessa perspectiva, também
chamada de Ensino de Matemática para a resolução de problemas,
o eixo de sustentação deixa de ser a resolução de problemas e passa
ser a Matemática, a partir da qual a resolução de problemas se
incorpora como um meio de se ensinar os conteúdos matemáticos,
e o propósito principal do ensino é tornar o estudante capaz de
utilizar os conhecimentos adquiridos, utilizando a Matemática para
resolver problemas;
3) O Ensino de Matemática através da Resolução de
Problemas: nesta, o ensino de Matemática deve acontecer de
maneira conjunta ao ensino de resolução de problemas, na qual
também se tira o foco unicamente da resolução de problemas e passa
a se ter o ensino de Matemática e resolução de problemas
acontecendo de forma simultânea e continuamente.
Acompanhando os rumos dos movimentos da Educação
Matemática, o Brasil passa a reorganizar suas orientações
curriculares, indicando que a resolução de problemas deveria ser o
ponto de início para todas as atividades matemáticas em sala de
aula, tendo como base o ensino de Matemática através da resolução
de problemas. Para Allevato e Onuchic (2014), o ensino de
Matemática através de resolução de problemas trata-se de uma
abordagem mais atual de Resolução de Problemas e, assim,
considerado como uma metodologia adequada ao cenário de
complexidade em que se encontram atualmente as escolas.
Nessa metodologia, o problema passa a ser o ponto de partida
e a orientação para o aprendizado de novos conteúdos matemáticos.
Segundo Cai e Lester (2012, p.
148) quando os pesquisadores utilizam o termo resolução de
problemas estão se referindo às tarefas matemáticas que têm o
potencial de proporcionar desafios intelectuais que podem melhorar
o desenvolvimento matemático dos alunos.
Mas, para que o ensino de Matemática através de resolução de
problemas ocorra, de fato, é necessário que o professor não
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 277

apresente de antemão aos estudantes métodos ou fórmulas para a


solução de problema matemático. Assim, os conceitos matemáticos
se formam na interação entre o estudante e os caminhos propostos
para a solução, posto que uma vez que este aluno já conheça ou
tenha memorizado os métodos de resolução, ou até mesmo não
esteja interessado na atividade, esta pode deixar de ser pelo
estudante um problema.
Os principais autores que se ocupam em pesquisar sobre o
ensino de Matemática através da resolução de problemas propõe
dez etapas para que esta metodologia venha a ser desenvolvida
durante as aulas: 1) Preparação do problema; 2) Leitura individual;
3) Leitura em conjunto;4) Resolução do problema; 5) Observar e
incentivar; 6) Registro das resoluções na lousa; 7) Plenária; 8)
Busca de consenso; 9) Formalização do conteúdo; 10) Proposição e
resolução de novos problemas.
De acordo com essas sugestões, para que a atividade seja
iniciada, o professor seleciona um problema visando à construção
de novos conceitos. Esse problema deve ser adequado à faixa etária
ou série a ser trabalhada. O problema torna-se, assim, um problema
gerador, pois visa a construção de novos conteúdos, ou seja, de
conceitos matemáticos necessários para a resolução do problema
que ainda não foram trabalhados em sala de aula. Com o problema
gerador em mãos, é o momento dos alunos realizarem uma leitura
de forma individual, a fim de entenderem o que foi proposto pela
atividade. Nesta etapa, o aluno tem a oportunidade de refletir e se
colocar em contato com a linguagem matemática. Na terceira etapa,
os alunos se reúnem em grupos, a fim de realizarem uma nova
leitura e discutirem sobre o problema, momento no qual é
necessário que ocorra a intervenção do professor, ajudando na
compreensão do problema.
Nessa sequência, a resolução do problema se dará na quarta
etapa proposta, na qual, em grupos, os alunos tentam resolver o
problema gerador, que irá lhes conduzir à construção dos novos
conhecimentos sobre os conteúdos planejados pelo professor.
278 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Enquanto isso, o professor age observando o trabalho dos alunos e


incentivando a utilização de conhecimentos prévios, técnicas já
conhecidas e a troca de ideias.
Uma vez resolvido o problema, os integrantes de cada grupo
são convidados a registrarem suas diferentes soluções para o
problema na lousa, estando corretas, erradas ou realizadas de
diferentes modos, a fim de se ter uma rica discussão sobre os
métodos utilizados por cada grupo. Nesse momento o professor
novamente se coloca como um mediador, incentivando os alunos a
compartilhar e justificar suas ideias, defendendo seus pontos de
vista. Em uma plenária, o professor e os alunos buscam chegar a um
consenso sobre a resolução correta do problema proposto.
Apenas na penúltima etapa dessa metodologia acontecerá a
formalização do conteúdo pelo professor, organizando e
demonstrando os conceitos, propriedades e procedimentos que
foram utilizados para a resolução do problema gerador em
linguagem matemática. Ainda objetivando uma avaliação
continuada, novos problemas são propostos após a formalização do
conteúdo, o que possibilita analisar se os conteúdos propostos foram
compreendidos pelos alunos. “Quando o professor adota essa
metodologia, os alunos podem aprender tanto sobre resolução de
problemas, quanto aprendem Matemática para resolver novos
problemas, enquanto aprendem Matemática através da resolução de
problemas” (ALLEVATO, 2005, p. 61).
Assim, a resolução de problemas deve ser a principal
estratégia para o ensino de Matemática, pois segundo Van de Walle
(2003), diferente de outras metodologias, esta começa de onde está
o aluno e não de onde está o professor, diferentemente do que ocorre
em outras metodologias quando se descarta as vivências dos alunos,
aquilo que trazem consigo para a sala de aula. Além disso, por meio
do ensino de Matemática através da resolução de problemas é
possível se ter uma avaliação contínua do crescimento dos
estudantes, integrando a avaliação ao ensino e à aprendizagem.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 279

Associando-se às ideias apresentadas, temos na Teoria da


Aprendizagem Significativa de Ausubel (1980) concepções que se
relacionam ao ensino de Matemática através da resolução de
problemas. O autor afirma que a aprendizagem se constrói através
da aquisição de novos significados, sendo que estes precisam ser
estruturados de maneira lógica para que ocorra uma conexão entre
o conhecimento cognitivo e o novo. Assim, essa estruturação é
fundamental.
Portanto, a aprendizagem ocorre quando uma nova
informação se relaciona de forma não literal e não arbitrária, ou seja,
a aprendizagem é aquilo que se dará na interação de uma
informação com algo que a estrutura cognitiva do sujeito julgue
relevante, e não a qualquer informação aleatória. Em outras
palavras, um determinado conceito só será apreendido de maneira
significativa quando este estabelecer uma relação com ideias e
conceitos relevantes, que sejam claros na mente do estudante. Assim
a resolução de problemas busca priorizar os conhecimentos
cognitivos de cada aluno, assimilando-os com o conhecimento novo.
Ao contrário da aprendizagem significativa, Ausubel afirma que, na
aprendizagem mecanizada, os conceitos são apreendidos quase que
sem interação com as informações relevantes presentes na estrutura
cognitiva do sujeito.
Dessa forma, entende-se que aprendizagem através da
resolução de problemas significa compreender, de fato, os
conhecimentos, tornando os estudantes capazes de utilizá-los em
situações concretas e em futuros problemas, gerando
consequentemente novos conceitos e novos conteúdos. Em suma, a
resolução de problemas, pode ser compreendida como um recurso
ou princípio que estrutura o conceito ensinado, facilitando a
assimilação desses conteúdos pela estrutura cognitiva do sujeito,
para que dessa forma ocorra a aprendizagem.
Enfim, ensinar Matemática através da resolução de problemas
tem no problema o ponto de partida e orientação para a
aprendizagem de Matemática, os estudos apontados acima mostram
280 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que esta metodologia tem se mostrado bastante consistente e


propícia à construção de novos conhecimentos, em que o aluno se
torna o centro das atividades matemáticas na sala de aula e ainda o
professor ocupa papel fundamental, organizando e mediando as
atividades.

Construindo a argumentação

A resolução de problemas pode ser considerada uma atividade


comum à vida cotidiana, e que se remonta a história das civilizações,
ocupando lugar significativo em nossas vidas há várias décadas.
Porém, a Resolução de Problemas como metodologia de ensino tem
início na primeira metade do século XX, quando, pelos movimentos
da educação na época, pressupunha-se que essa prática deveria ir
além da prática de resolver problemas em sala de aula, mas envolver
professores e alunos em parcerias de aprendizagem. Esse
desenvolvimento seria capaz de promover um importante papel,
para o ensino significativo.
Como metodologia de ensino de Matemática, a Resolução de
Problemas é considerada o centro da atividade matemática e tem
sido uma força propulsora para a construção de novos
conhecimentos, tornando-se uma importante ferramenta na
formação escolar em todos os níveis de ensino, como foi visto.
Segundo Allevato e Onuchic (2011), esta metodologia integra-se ao
ensino com vistas a acompanhar o crescimento dos alunos,
aumentando a aprendizagem e reorientando as práticas de sala de
aula. A Resolução de Problemas é um método eficaz para
desenvolver o raciocínio e para motivar os alunos para o estudo da
Matemática. O processo ensino e aprendizagem pode ser
desenvolvido através de desafios, problemas interessantes que
possam ser explorados e não apenas resolvidos (LUPINACCI 2004).
As opiniões de Allevato e Onuchic (2011) e Lupinacci (2004),
associam-se às reflexões do Grupo de Trabalho e Estudos em
Resolução de Problemas da UNESP de Rio Claro (GTERP), o qual
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 281

ressalta que através da Resolução de Problemas, o ensino e a


aprendizagem ocorrem simultaneamente durante a construção do
conhecimento, tendo o professor como guia e os alunos como co-
construtores desse conhecimento. Além disso, essa metodologia
integra uma concepção mais atual de avaliação. Ela, a avaliação, é
construída durante a resolução do problema. Smole (2010) ressalta
que os benefícios de se trabalhar com a Resolução de Problemas em
Matemática são incontáveis. Para os professores, os benefícios
didáticos diretos são aulas mais atrativas, que mantêm o aluno
engajado a pensar, em se sentir desafiado e se forem bem
conduzidas, as problematizações criam o chamado ambiente de
crescimento matemático.
Com base nas referências consultadas, é possível entender o
porquê da Resolução de Problemas como metodologia de ensino
ocupar espaço no ensino de Matemática e representar um
elemento que não pode ser ignorado na composição dos processos
de aprendizagem.
A literatura tem apontado que a Resolução de Problemas se
apresenta como uma metodologia de ensino fundamental no
processo de aprendizagem de Matemática. Mas, o que dizem alguns
dos principais documentos que se referem ao ensino de Matemática
no país acerca desta metodologia? Segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN, 1997), a relevância da resolução de
problemas se encontra no fato de possibilitar aos educandos a
mobilização de seus conhecimentos e o desenvolvimento da
capacidade para gerenciar as informações que estão a seu alcance
dentro e fora da sala de aula. Assim, os educandos passam a ter
oportunidades de ampliar seus conhecimentos acerca de conceitos e
procedimentos matemáticos bem como do mundo em geral e
desenvolver sua autoconfiança. A Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), propõe que o ensino de Matemática aborde conceitos, fatos,
procedimentos, presentes em situações problemas da vida cotidiana
e tem na resolução de problemas o caminho para se chegar aos
objetivos propostos, ou seja, segundo os documentos acima citados,
282 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

a resolução de problemas seria uma opção para o ensino de


Matemática que possibilitaria aos estudantes mobilizar
conhecimentos e desenvolver a capacidade de aplicá-los não apenas
no contexto escolar, mas também em situações do dia-a-dia.
Com base nas diferentes abordagens conceituais sobre
resolução de problemas, é possível notar semelhanças nas reflexões
dos autores que se debruçam sobre esse tema. Estes autores
concordam que esta metodologia é capaz de proporcionar um
ensino de matemática mais significativo e que, de fato, não se pode
desassociar a resolução de problemas do efetivo ensino de
Matemática.

Metodologia

O trabalho visa tratar a Resolução de Problemas como


metodologia de ensino de Matemática no Ensino Fundamental, e
como esta metodologia está presente na avaliação Prova Brasil, um
dos meios pelo qual é calculado o IDEB, tendo as seguintes
premissas como questões norteadoras: I) A metodologia de
resolução de problemas pode auxiliar no ensino e na aprendizagem
de Matemática? II) Que significado tem para os professores a
metodologia de resolução de problemas na Prova Brasil? III) É
possível desenvolver um aprendizado significativo utilizando a
resolução de problemas e, ainda, desenvolver as habilidades que
norteiam a Prova Brasil
Para isso, a pesquisa tem caráter exploratório e descritivo,
com apresentação de análises documentais e interpretação de
registros oriundos de uma sequência didática, portanto é uma
pesquisa do tipo qualitativa. Primeiramente, será realizada uma
revisão teórica, através de levantamento bibliográfico do conceito de
resolução de problemas e da importância desta metodologia de
ensino. Levando em consideração as principais concepções dos
pesquisadores que se debruçam sobre o tema, discutiremos também
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 283

a noção de aprendizagem que os pesquisadores associam a essa


metodologia.
Será também conceituada a Prova Brasil, e considerados os
dados de edições anteriores e da atual edição da avaliação, para
assim entendermos como são apresentados dados relativos à
situação do ensino-aprendizado da Matemática no país e também
entender como, e se, é abordada a resolução de problemas nessa
avaliação.
Ainda, para compreendermos como um professor pode se
apropriar da metodologia de resolução de problemas, será proposta
uma sequência didática, baseada nos pressupostos da literatura,
buscando compreender as dificuldades e possibilidades para uma
prática em resolução de problemas com alunos do ensino
fundamental II. Pretendemos registrar as ações do professor, bem
como as respostas dos alunos às situações. Além disso, será feito um
questionário aos docentes do ensino fundamental II, a fim de
conhecer suas ideias e concepções acerca do tema abordado e como
lidam com o mesmo na sua na prática docente.

Conclusão

Espera-se com esse trabalho evidenciar a potencialidade do


uso da resolução de problemas como metodologia de ensino,
mostrando que seu uso pode auxiliar na obtenção de um
aprendizado significativo, e ainda desenvolver nos educandos do
Ensino Fundamental as competências necessárias para solucionar
diferentes problemas e levá-los a raciocinar e a se expressar de
maneira matemática, sendo assim, torná-los capazes de identificar
diferentes situações que possam ser descritas em linguagem
matemática, e ainda desenvolver as habilidades que norteiam a
Prova Brasil, sendo capaz de auxiliar na melhoria do IDEB.
284 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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2003.
19

A teoria do “labelling approach” como forma de


análise da fundação casa

Paula Toledo Lara dos Santos


Roberto Aparecido Xavier Junior

Introdução

Para que se compreenda a teoria do etiquetamento social e


que esta seja efetivamente aplicada como forma de análise da
composição da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente (Fundação Casa), é imprescindível esclarecer que o
conceito de criminoso ao analisar a letra da lei é aquele que está
inserido em uma sociedade que possui regras descritas de maneira
positivada e as viola em alguma circunstância, provocando o seu
retiramento da sociedade e sua inserção no sistema penitenciário.
Porém, existem indivíduos que são excluídos da sociedade por
possuírem certas características consideradas desviantes e não aceitas
por aqueles que estão efetivamente inseridos na sociedade. A partir
disto, ocorre o rotulamento de uma pessoa, ou de um grupo social, e
há uma exclusão do meio em que vive e o status de criminoso passa a
ser reconhecido não só por terceiros, bem como pelo próprio rotulado,
que passa a se identificar com essas características.
A teoria do “etiquetamento social” estuda, através da
Criminologia, o fenômeno do comportamento desviante definido
como tal. Surgida nos Estados Unidos da América em 1960, a teoria
defende que crime não é apenas aquilo que a lei descreve como tal,
mas, principalmente, as características que a sociedade considera
288 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

reprovável e, por consequência, o judiciário perpetua tal


etiquetamento através do encarceramento desses grupos.
O crime de tráfico de drogas serve como exemplo para a teoria
do etiquetamento, uma vez que a Lei nº 11.343 (BRASIL, 2006), a
conhecida por lei de drogas, não possui classificação objetiva para
determinar quem é usuário de drogas e quem é traficante. A referida
lei deixa uma lacuna subjetiva através da qual cabe ao magistrado
decidir, arbitrariamente, com base em requisitos frágeis dispostos
na referida lei, quem incide como usuário e quem responderá pelo
crime de tráfico ilegal de drogas, sob a figura do traficante, e que
estará sujeito às penas e sanções previstas na legislação própria. À
partir daí, há a rotulação de determinados indivíduos com base em
requisitos subjetivos e, por muitas vezes, majoritariamente sociais.
O artigo 42 na Lei n° 11.343/06 (BRASIL, 2006) determina
que o juiz, para fixar as penas, deve considerar, dentre outras
análises, a personalidade e a conduta social do agente. Essa não é a
única menção que a lei faz à conduta social do agente, o Código Penal
(BRASIL, 1940), no artigo 59, determina que o juiz analise, dentre
outras circunstâncias, novamente a conduta social e a personalidade
do agente. Isso legitima uma rotulação por parte do Estado para que
haja a punição por uma característica pessoal e do nicho social em
que este agente está inserido.
Isso não se aplica somente ao crime de tráfico de drogas ou ao
sistema penitenciário que abriga as pessoas com maioridade penal,
a mesma aplicação sistemática da exclusão social se repete no
mecanismo da Fundação Casa, que nada mais é do que uma
reprodução do sistema carcerário.
Os adolescentes que praticam atos infracionais considerados
graves são enviados para a Fundação Casa por um período de tempo,
assim como uma pena privativa de liberdade aplicada a um adulto.
Este artigo objetiva analisar os adolescentes inseridos na Fundação
Casa e verificar se há um padrão entre eles, definido por Becker (2009)
comooutsiders, aqueles ccom comportamento desviante.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 289

Fundamentação Teórica

A Teoria do “Labelling Approach” (Etiquetamento Social)

De acordo com Shecaira (2014), a teoria do etiquetamento


social teve origem nos Estados Unidos, nos anos 60:

É que com os anos 60, muito do monismo cultural era coisa do


passado. O pluralismo axiológico já tomava conta do mundo e
encarar a sociedade como um todo pacífico, sem fissuras sociais
interiores, já soava de forma estranha. A ideia das pessoas de
determinada sociedade trabalharem por um consenso social já não
parecia tão pacífica (SHECAIRA, 2014, p. 89).

Essa teoria, como dito anteriormente, estuda os rótulos


atribuídos a certos indivíduos, que poderão determinar se o mesmo
está inserido na sociedade ou se faz parte daqueles que têm um
comportamento visto como desviante do esperado.
A partir disso, são criadas características subjetivamente
sociais que as pessoas inseridas em uma mesma sociedade passam
a identificar como corretas, acolhendo-as ou desviantes,
repudiando-as. Os indivíduos que são repudiados pela sociedade o
são apenas por possuírem o chamado comportamento desviante, e
acabam se identificando entre si e passam a exercer esse
comportamento correspondendo às expectativas previamente
determinadas pela sociedade.

Para os autores do labelling, a conduta desviante é o resultado de


uma reação social e o delinquente apenas se distingue do homem
comum devido à estigmação que sofre (...). Para Becker, a conduta
desviante é originada pela sociedade. Os grupos sociais criam a
desviação por meio do estabelecimento de regras cuja infração
constitui desviação, e por aplicação dessas regras a pessoas
específicas é que são rotuladas como outsiders (SHECAIRA, 2014,
p. 107).
290 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A hipótese levantada por Shecaira (2014) ilustra de maneira


incisiva que a conduta desviante, antes de ser de fato uma conduta,
um ato, é um fenômeno criado e propagado pela própria sociedade,
sendo que os grupos que exercem tal comportamento estão apenas
agindo de acordo com uma estigmação imposta pela sociedade.
Quando a conduta desviante é efetivamente praticada, o
indivíduo passa a se encaixar no comportamento desviante
classificado pela sociedade como tal, adquirindo o rótulo de
criminoso. Neste momento, esse indivíduo, que já não se encaixava
na sociedade, fica definitivamente à margem e excluído, passando a
se identificar com quem está inserido na mesma realidade que ele:
aqueles que tem comportamento desviante, os outsiders.

Outsiders

Becker (2009) define como "outsider" aquele que se desvia


das regras do grupo. Considerando que existem vários grupos e
subgrupos presentes em uma sociedade, os desviantes que
mencionamos aqui são aqueles que possuem um comportamento
que se afasta do que é esperado pela sociedade como um todo.
Para determinarmos o que é um comportamento desviante,
precisamos definir o que é um comportamento que esteja dentro do
parâmetro delimitado. No presente estudo, estamos estudando o
comportamento dos adolescentes que infringem a lei e praticam ato
análogo à crime,tendo seu comportamento visto como desviante e,
além disso, são rotulados como fora-da-lei, criminosos, delinquentes
que não mais possuem o direito de pertencer a sociedade.
Para analisar quais comportamentos não são desviantes, é
imperioso afirmar que existem mais fatos típicos, antijurídicos e
culpáveis - os crimes - sendo praticados do que as nossas
autoridades conseguem acompanhar. Apesar de muitos crimes
serem cometidos, apenas alguns são considerados culpados.
Através dessa conjectura, podemos analisar que há um
rotulamento do "outsider" não apenas no momento em que ele
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 291

apresentou comportamento desviante, mas sim a partir do


momento em que ele apresentou comportamento desviante e é de
classe baixa, ou negro, ou possui alguma característica tida como
desviante por si só. O desvio não é apenas oriundo de um ato que se
pratica, mas agregado, exacerbado, aumentado pela característica,
sócio-etnica-culturais.

O crime, portanto, não emerge naturalmente a partir de uma


conduta proibida praticada por um agente imputável (modelo
dogmático), nem resulta diretamente de uma conduta proibida
praticada por um ser anti-social (modelo etiológico), mas é o
resultado de uma interpretação sobre que aquela conduta,
vinda daquela pessoa, merece ser classificada como crime
(SELL, 2007, grifo nosso).

Antes mesmo de haver uma conduta desviante, existe o


etiquetamento de uma pessoa - ou um determinado grupo delas -
que, de certo modo, espera que aquele indivíduo pratique um ato
desviante, de um modo que leva o mesmo a praticar. O próprio
passa a se enxergar como desviante, um outsider, antes mesmo de
se tornar um.

Algumas pessoas podem ser rotuladas de desviantes sem ter de


fato infringido uma regra. Além disso, não podem supor que a
categoria daqueles rotulados conterá todos os que realmente
infringiram uma regra, porque muitos infratores podem escapar à
detecção e assim deixar de ser incluídos na população de
"desviantes" que estudam (BECKER, 2009, p. 22).

Um comportamento desviante pode ser socialmente aceito, mas


depende das características que o desviante apresenta. Fatores como
personalidade, estilo de vida e status social são determinantes no
momento em que haverá a rotulação - ou não - de alguém. Do mesmo
modo em que o desvio é criado pela sociedade, os fatos excludentes do
desvio também são criadas por ela. É o momento em que o outsider
passa a conviver em sociedade sem maiores percalços.
292 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A Fundação Casa

A Fundação Casa é a instituição que aplica as medidas


socioeducativas de acordo com as medidas previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA - BRASIL, 1990).
O ECA prevê uma série de medidas socioeducativas a serem
aplicadas ao adolescente que praticar ato infracional, ou seja, conduta
que é equiparada aos crimes previstos na legislação brasileira. Dentre
essas medidas, existe a internação, que é a medida de privação de
liberdade do adolescente, que será enviado à Fundação Casa.
A idade prevista para que o jovem possa ser privado
totalmente de sua liberdade é de 12 anos.
A medida de internação é a medida mais grave prevista na
legislação, sendo que as seguintes medidas são apresentadas como
alternativas à privação de liberdade: advertência; obrigação de
reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade
assistida e inserção em regime de semi-liberdade.
A Fundação Casa abriga os jovens que estão em regime de
internação, sendo que eles ficam inseridos nesse ambiente em
tempo integral, e o regime de semi-liberdade, no qual o jovem fica
na Fundação Casa em tempo parcial, enquanto faz a transição para
o meio aberto.
O documentário Fora da Casa, em parceria com o Ministério
Público, fez uma análise da Fundação Casa e seu papel
ressocializador, investigando o cotidiano dos jovens infratores. Os
depoimentos dos próprios funcionários da Fundação Casa
confirmam que os jovens vivem em situações precárias, muitos
dormem no chão devido à superlotação, compartilham os materiais
de higiene, e não tem acesso à cultura.
Os cursos profissionalizantes que possuem a função de educar
os adolescentes para que constituam carreiras e se insiram
novamente na sociedade quando adquirirem a liberdade não são
aplicados, sendo que o curso mais utilizado é o curso de fabricação
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 293

de sabão artesanal. A individualidade de cada jovem não é analisada,


bem como suas aspirações e aptidões.
O regime de internação na Fundação Casa segue a lógica
punitivista do sistema carcerário, privando o adolescente de sua
liberdade em um local com instalações precárias e reforçando a justiça
seletiva quando analisada do ponto de vista racial e econômico.

Análise dos dados dos atos infracionais e dos adolescentes


infratores

O Levantamento Anual feito pelo Sistema Nacional de


Atendimento Socioeducativo (SINASE), feito em 2014, coletou
diversos dados nacionais referentes aos adolescentes inseridos na
Fundação Casa e aos atos infracionais praticados.
Este levantamento é se crucial importância para que se
mapeie o perfil do adolescente infrator e do ato infracional
praticado, com o objetivo de demonstrar a seletividade e o
etiquetamento presentes na justiça juvenil. Para isso, o SINASE
solicitou dados das Fundações Casa de todo os estados e promoveu
um estudo acerca disso.
De acordo com o levantamento, a porcentagem de jovens
negros/pardos inseridos na Fundação Casa cumprindo medida
socioeducativa de Restrição e Privação de Liberdade é de 55,77%.
Já a porcentagem de jovens brancos sofrendo a medida de
restrição de liberdade é de 21,16%. A porcentagem de índios é de
0,25% e 22,16% não possuem essa informação.
No que se refere à porcentagem dos atos infracionais
praticados, 44,41% foram classificados como análogos ao roubo, já
24,24% foram apresentados como análogo ao tráfico de drogas. Os
crimes de maior periculosidade, como homicídio, possuem taxas
baixíssimas, de 9,47%.
Por outro lado, os dados apresentados para a porcentagem da
medida socioeducativa de internação é de 66%, contra 3% das
medidas alternativas.
294 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A análise dos dados coletados demonstra que há uma


rotulação dentro da Fundação Casa, observando da perspectiva da
porcentagem dos jovens negros acolhidos. Ao olhar do prisma do
ato infracional praticado, verifica-se que a maioria é de crime contra
o patrimônio, o que demonstra a ausência de motivação para
justificar que a medida extrema da internação seja aplicada.

Procedimentos Metodológicos

O estudo em tela valeu-se da pesquisa de bibliografia e análise


de dados, sendo que para determinar os objetivos teve caráter
exploratório e descritivo, demonstrando o problema estudado e
descrevendo os seus aspectos de maneira minuciosa.
A metodologia técnica para abordar o problema foi a coleta de
dados e a pesquisa bibliográfica acerca do tema estudado. A pesquisa
bibliográfica tem por objetivo formar uma base teórica para
demonstrar a existência do fenômeno do etiquetamento,
estabelecendo parâmetros para a sua efetivação.
A análise dos dados é imprescindível para que a base
bibliográfica tenha sua tese colocada em prática, tendo em vista que
a exploração dos problemas à nível bibliográfico foi conflitado com
os dados disponíveis acerca do assunto, comprovando que as teses
são passíveis de aplicação em casos práticos.

Conclusões

O objetivo do presente trabalho é aplicar a teoria do labelling


approach (etiquetamento social) como forma de análise da
Fundação Casa. Por meio desta análise, foi possível avaliar que é
necessário um olhar mais crítico perante à legislação atual e as
populações marginalizadas, uma vez que a desvantagem dos grupos
sociais que já nascem marginalizados, como é o caso da população
periférica, negra e de baixa renda.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 295

Os resultados esperados eram comprovar a seletividade na


punição dos adolescentes com as características de comportamento
desviante, o que foi explanado de modo pragmático através da
análise dos dados da composição dos jovens que estão inseridos na
Fundação Casa.
Foi possível estabelecer, através da bibliografia utilizada, que o
processo de etiquetagem está enraizado socialmente e é reforçado por
alguns comportamentos cotidianos. É por esta prática que se faz
imprescindível ressaltar a importância de nos atentarmos a quais atos
contribuem para que haja cada vez mais a rotulação de um nicho social,
retirando cada vez mais os indivíduos do convívio social e inserindo em
sistemas carcerários e os análogos, como a Fundação Casa.
Para que se alcance a solução desta problemática é necessário
que haja o conhecimento da teoria do labelling approach, para seja
feita uma análise crítica dos construtos sociais, econômicos e
culturais que contribuem para que haja a marginalização de certo
grupo – no caso dos adolescentes de baixa renda e negros – criando
a figura dos outsiders.
O etiquetamento deixará de ocorrer na medida em que não
haja mais o rotulamento prévio a qualquer conduta desviante, e por
consequência a punição para eventual conduta será proporcional ao
ato praticado, e não à característica do indivíduo.

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de Janeiro: Zahar, 2009.

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296 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

BRASIL. Lei n° 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de


Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para
prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras
providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 24 ago 2006. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/
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revista_liberdades_artigo/201-Artigos>. Acesso em: 05ago. 2018.
20

Ações de educação ambiental previstas nos planos de


manejo de três unidades de conservação do oeste paulista

Juliana Pinheiro De Matos


Carolina Buso Dornfeld
Elizete Aparecida Checon De Freitas Lima

Introdução

No Brasil, a exploração dos recursos naturais de forma


desordenada teve início no período de colonização do país (Adão,
2007). O mesmo autor relata que, a construção da sociedade
brasileira ergueu-se em um regime agrícola monocultor e
latifundiário, citando como fatos a exploração desenfreada do pau-
Brasil e o início da monocultura lucrativa da cana-de-açúcar que
favoreceu o desmatamento e transformação da paisagem brasileira.
Além disso, Adão (2007) menciona que o período colonial foi
responsável na quase extinção das baleias na costa brasileira e na
degradação do bioma Mata Atlântica no país.
Lino (2003) menciona que devido à colonização ter tido início
na costa brasileira, de domínio do bioma Mata Atlântica, esse foi o
ecossistema mais destruído no Brasil, devido à intensa atividade
econômica nos setores da cana-de-açúcar, café e algodão. Para o
colonizador, ainda que sensível à beleza da mata, a substituição da
floresta por cultivos, pastagens e cidades, era entendida como a base
do “progresso civilizatório” que se buscava (LINO, 2003).
Segundo estudos considerados nas últimas décadas, a Mata
Atlântica é a floresta que apresenta a maior quantidade de diferentes
298 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

espécies arbóreas e apresenta também rica diversidade na fauna:


mamíferos (261), pássaros (620), répteis (200), anfíbios (280) e
peixes (350) (Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, 2018). Com
relação à fauna, dados do Livro Vermelho da Fauna Brasileira
Ameaçada de Extinção, produzido pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade – ICMBio (2016), revelam que a
Mata Atlântica apresenta 598 espécies ameaçadas de extinção, com
a grande maioria (428) sendo endêmicas ao bioma, ou seja, se forem
extintas, não poderão ser encontradas em nenhum outro lugar.
E é nesse cenário de devastação da biodiversidade e com o
intuito de preservar os remanescentes naturais que ainda restam, são
estabelecidas legalmente as áreas naturais protegidas, denominadas
no Brasil, Unidades de Conservação (UCs). Tais áreas constituem além
do espaço territorial, todos os recursos ambientais da área, inclusive
as águas jurisdicionais, e são administradas com a finalidade de
conservação e proteção da mesma (BRASIL, 2000). As UCs têm papel
altamente significativo para a manutenção da diversidade biológica
(SÃO PAULO - FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2018).
No entanto, ao se instituir tais áreas de conservação, é
necessário se pensar nos objetivos sociais que aquela instituição
pode atuar e por meio de quais ações esses objetivos podem ser
alcançados. Uma das ações mais importantes desenvolvidas em UCs
são as atividades de Educação Ambiental (EA), que compreendem
processos onde o indivíduo constrói valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do
meio ambiente (BRASIL, 1999).
Frente aos aspectos elencados sobre o bioma Mata Atlântica e
a importância de se instituir Unidades de Conservação e do
desenvolvimento de ações educativas em EA no Brasil, surgiu o
interesse de se conhecer como vem sendo previstas essas ações
educativas no contexto de educação não formal de uma UC. Dessa
forma, a pesquisa aqui relatada tem por objetivo, investigar quais
ações d e Educação Ambiental estão sendo previstas nos planos de
manejo de três Unidades de Conservação do Oeste Paulista de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 299

domínio do bioma Mata Atlântica, o Parque Estadual do Aguapeí


(PEA), o Parque Estadual do Rio do Peixe (PERP) e o Parque
Estadual do Morro do Diabo (PEMD).
Frente aos objetivos gerais, foram definidos os seguintes
objetivos específicos norteadores de pesquisa: analisar os Programas de
Educação Ambiental contidos nos Planos de Manejo do Parque Estadual
do Aguapeí, Parque Estadual do Rio do Peixe e no Parque Estadual do
Morro do Diabo, localizados na região Oeste do estado de São Paulo e
relacionar o previsto nos programas com a legislação brasileira
existente sobre o tema e que foram consideradas na presente pesquisa.

Fundamentação teórica

Em virtude do cenário de degradação ambiental global,


observa-se de forma crescente nos últimos anos, discussões e ações
acerca da Educação Ambiental (EA) nos diversos ambientes
educacionais existentes.
A Educação Ambiental aponta a constituição de valores
sociais, informações, capacidades, costumes e confiabilidades
regressadas para a conservação ambiental, e sua sustentabilidade
(CAVALCANTE, 2011, p. 2). No Brasil, tomando como base o
preconizado pela Política Nacional de Educação Ambiental (1999),
temos a definição da Educação Ambiental como sendo:
[...] os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem
de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade (BRASIL, 1999).

Sendo assim, mais do que uma educação “a respeito do, para


o, no, pelo ou em prol do” meio ambiente, o objeto da Educação
Ambiental é de fato, fundamentalmente, nossa relação com o meio
ambiente (SAUVÉ, 2005, p.317).
Pensando-se na relação das Políticas Públicas brasileiras com
a EA, temos a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela
300 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Lei 6938/81, que apresenta como um de seus princípios a Educação


Ambiental a todos os níveis do ensino (BRASIL, 1981). Em sequência,
temos a Constituição Federal Brasileira de 1988, que dentre outros
pontos, aponta em seu artigo 225 para a necessidade de uma
adequada relação com o meio ambiente, ao dizer que todos “têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” e “impondo-
se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).
O governo federal também instituiu o Programa Nacional de
Educação Ambiental (ProNEA), cuja última versão foi divulgada em
2014, onde dentre os objetivos mencionados, têm-se o de promover
processos de educação ambiental.
O estado de São Paulo, também possui sua Política Estadual
de Meio Ambiente, Lei Estadual 9.509 de 20 de março de 1997, que
também aponta como um de seus princípios, a promoção da
educação e conscientização ambiental com o fim de capacitar a
população para o exercício da cidadania (SÃO PAULO, 1997).
Ainda nesse sentido, o estado de São Paulo, na Política
Estadual de Educação Ambiental (PEEA), Lei Estadual 12.780 de 30
de novembro de 2007, menciona que as atividades vinculadas à
PEEA, devem ser desenvolvidas em processos formativos, por meio
das seguintes linhas de atuação inter-relacionadas: formação de
recursos humanos (no sistema formal e não formal de ensino);
comunicação; produção e divulgação de material educativo; gestão
participativa e compartilhada; desenvolvimento de estudos,
pesquisas e experimentações e no desenvolvimento de programas e
projetos, acompanhamento e avaliação (SÃO PAULO, 2007).
Assim, como mencionado, a PNEA e a PEEA, apontam que não
apenas no ensino formal, mas também no processo educativo não
formal, a Educação Ambiental deve estar presente. Sobre a educação
não formal, Gaspar (1992) menciona ser uma ampla variedade de
atividades educacionais organizadas e desenvolvidas fora do sistema
educacional formal, destinadas a atender a interesses específicos de
determinados grupos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 301

De acordo com Loureiro (2004), dentre os diferentes espaços


pedagógicos além da instituição escolar, em que se concretizam as
práticas e experiências metodológicas em Educação Ambiental,
estão as Unidades de Conservação (UCs).
No Brasil, com relação à Educação Ambiental em UCs, existem
algumas leis em nível federal que abordam o tema, como a Lei nº
9.985/2000, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
da Natureza, e onde se ressalta dentre os objetivos, o de favorecer
condições e promover a educação e interpretação ambiental. Outra Lei
é a de nº 11.516/2007, que cria o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental
responsável por gerir as UCs brasileiras, que traz dentre as suas
finalidades, fomentar e executar programas de Educação Ambiental.
Sobre a EA em UCs, em 2010 é publicado no Brasil, a
Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental em
Unidades de Conservação - ENCEA, que traz dentre suas diretrizes
a inserção das UCs como temática nos processos educativos não
formais (BRASIL, 2010).
No estado de São Paulo a PEEA aponta para o
desenvolvimento de programas, projetos e ações de Educação
Ambiental integrado à administração das Unidades de Conservação
e das Áreas Especialmente Protegidas (SÃO PAULO, 2007).
Realizando uma revisão bibliográfica sobre a temática
verificamos que, apesar de o espaço não formal ser adequado a ações
de Educação Ambiental, pouco se conhece e se divulga sobre esse
processo. Wick e Silva (2015) mencionam a escassez de trabalhos
acadêmicos voltados à investigação dos processos de Educação
Ambiental desenvolvidos nesses ambientes. E, quando estendemos
a busca para trabalhos acadêmicos que abordem a Educação
Ambiental em UCs, o resultado também é escasso, mesmo sendo as
UCs espaços altamente adequados para o desenvolvimento de EA,
como lembrado por BISSA (2016). Valenti et al. (2012) também
mencionam o importante potencial educativo das UCs.
302 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Frente aos aspectos acima mencionados, percebe-se uma


notável preocupação das esferas públicas federais e do estado de São
Paulo, em se garantir na forma de leis a EA como auxiliadora ou
como instrumento no processo de construção de uma consciência
ambiental crítica e transformadora. E ainda, no que diz respeito às
ações de conservação da biodiversidade, tem-se também instituídas
políticas públicas que abordam a necessidade da inclusão da EA em
ambientes não formais, como por exemplo, as Unidades de
Conservação, que é o foco principal dessa pesquisa.

Procedimentos metodológicos

A pesquisa aqui exposta é de natureza qualitativa exploratória,


com análise documental. Como menciona Neves (1996), a pesquisa
qualitativa, pode ser direcionada ao longo de seu desenvolvimento, não
busca enumerar ou medir eventos e não utiliza instrumental estatístico
para análise dos dados, sendo caracterizada pela obtenção de dados
descritivos mediante contato direto do pesquisador com a situação
objeto de estudo, onde o pesquisador situará sua interpretação dos
fenômenos estudados. Nesse sentido, a presente pesquisa justifica-se
qualitativa, na medida em que se buscará descrever o fenômeno
Educação Ambiental nos objetos de estudo, identificados como as três
Unidades de Conservação do Oeste Paulista.
Sobre o método de pesquisa documental a ser realizado,
Silva et.al (2009) apontam que:

No âmbito da abordagem qualitativa, diversos métodos são


utilizados de forma a se aproximar da realidade social, sendo o
método da pesquisa documental aquele que busca compreendê-la
de forma indireta por meio da análise dos inúmeros tipos de
documentos produzidos pelo homem (SILVA, et.al 2009, p. 2).

Sendo assim, a presente pesquisa irá analisar os documentos


denominados de Planos de Manejo, das Unidades de Conservação de
interesse, sob a luz da legislação brasileira existente.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 303

Área de estudo

A área de estudo do presente trabalho, abrange três Unidades de


Conservação localizadas a Oeste do Estado de São Paulo, caracterizadas
como parques estaduais, sendo elas: o Parque Estadual do Aguapeí
(PEA), o Parque Estadual do Rio do Peixe (PERP) e o Parque Estadual
do Morro do Diabo (PEMD), que compreendem três das poucas áreas
com vegetação do Bioma Mata Atlântica no estado.
No estado de São Paulo, os remanescentes florestais se
limitam a fragmentos isolados de formações secundárias da Floresta
Estacional, sendo que as áreas naturais de maior representatividade
são aquelas protegidas como Unidades de Conservação, mais
especificamente, os Parques Estaduais Morro do Diabo, Rio do Peixe
e Aguapeí (SÃO PAULO, 2010).

Procedimento de coleta de dados

Os Planos de Manejo (documento que dispõe sobre a gestão


da UC) foram obtidos através do endereço eletrônico da Secretaria
de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Na análise desses
documentos, buscaram-se informações sobre o contexto e
concepções de Educação Ambiental presentes nas UCs.
Para subsidiar a análise dos Planos de Manejo serão utilizados
os seguintes documentos: Política Nacional de Meio Ambiente
(PNMA – BRASIL, 1981), Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA – BRASIL, 1999), Política Estadual de Educação Ambiental
(PEEA – SÃO PAULO, 2007), documento “Estratégia Nacional de
Comunicação e Educação Ambiental em Unidades de Conservação -
ENCEA” elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ENCEA – BRASIL, 2010) e o Programa Nacional de
Educação Ambiental (ProNEA – BRASÍLIA, 2014).
304 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Análise dos dados

Segundo Lüdke e André (2013), os documentos constituem


uma fonte rica e estável, persistindo ao longo do tempo e que podem
ser consultados diversas vezes. Além disso, surgem em um
determinado contexto e, portanto, fornecem informações sobre esse
mesmo contexto. Sendo assim, a análise documental consistirá em
dois momentos principais, sendo o principal enfoque o da
interpretação dos documentos:

1) Realizar uma investigação nos Planos de Manejo das três UCs, buscando
conhecer os itens relacionados à Educação Ambiental;
2) Realizar a análise do Programa de Educação Ambiental constante no
Plano de Manejo de cada parque, a fim de identificar a relação existente
e as propostas de EA, bem como as atividades propostas, objetivos a
serem alcançados, e a conformidade com as legislações brasileiras
existentes e utilizadas na presente pesquisa.

Apresentação e discussão dos resultados

Da leitura dos subprogramas de EA das três UCs em estudo,


ficou evidenciada a comum preocupação dos três parques com o
desenvolvimento de uma EA que contribua ativamente na gestão
dos parques, para que os objetivos de conservação da unidade sejam
alcançados, assim como encontrado por Bissa (2016) e Valenti
(2012) em seus trabalhos.
Bissa (2016), em seu trabalho que avaliou a EA no Parque
Estadual das Fontes do Ipiranga, aponta que as UCs são espaços
altamente adequados para a EA, muitas vezes sendo a partir dela
que o funcionamento da UC pode ser garantido. O autor ainda
menciona que as UCs são locais que permitem alcançar uma
quantidade bastante diferente de pessoas seja pela idade, cargo,
situação socioeconômica e etc.
Nessa perspectiva, Valenti et al. (2012), realizaram um estudo
exploratório sobre as ações de Educação Ambiental desenvolvidas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 305

em 56 UCs brasileiras e, constataram que os principais objetivos


para as ações educativas adotadas, refletiam o potencial que esses
espaços possuem para desenvolver uma EA que articule objetivos de
conservação ambiental com objetivos de transformação social. As
autoras também comentam que os educadores ambientais, de forma
consciente ou intuitiva, praticam ações educativas com diferentes
abordagens, de acordo com suas concepções de ambiente e
sociedade e de suas compreensões sobre o papel da educação na
conservação da biodiversidade.
As ações previstas que evidenciam essa preocupação dos três
parques estudados com o desenvolvimento de uma EA que
contribua ativamente na gestão dos parques resumem-se em: ações
que envolvam a comunidade, reconhecendo a importância de
trabalhar em conjunto com o entorno na preservação da UC;
palestras, cursos e disponibilização de material informativo para a
comunidade local; reuniões de planejamento com os funcionários
das unidades; conscientização sobre lixo, caça e incêndios nas
unidades; conscientização dos usuários das rodovias que cortam os
parques, a SP 563 (PEA e PERP) e a SP- 613 que corta o PEMD. Tais
ações estão previstas em ambos os planos de manejo.
Bissa (2016) cita atividades semelhantes encontradas no plano
de manejo do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga – PEFI, que
apresenta um programa denominado Educação, onde se prevê uma
relação com o entorno e o envolvimento dos funcionários em:
implementação de uma proposta de conscientização dos funcionários
das instituições no PEFI e moradores do entorno; e, articulação das
instituições no PEFI para implementar proposta de EA para visitantes.
O PEMD apresenta ainda, um detalhamento quanto às ações
previstas em parcerias com escolas, citando ações mais específicas
como cursos para professores e estudantes e ainda a possibilidade
de realização de oficinas e de estudos explorando os recursos
naturais da unidade. Bissa (2016) também menciona a preocupação
encontrada no plano de manejo do PEFI com um programa
educacional que valorize os recursos naturais do parque. Assim
306 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

como Wick (2014) que destaca como objetivos de dois programas


analisados, experiências recreativas e educativas.
Da análise das ações previstas no subprograma de EA do PEMD,
fica evidenciado um maior detalhamento das ações educativas, e dos
aspectos a serem trabalhados com as parcerias que podem ocorrer com
a comunidade e principalmente com escola/professores/estudantes.
Esse maior detalhamento, pode estar relacionado com o fato de o
PEMD ser uma unidade bem mais antiga quando comparada as outras
duas unidades em estudo. O PEMD foi criado como reserva ambiental
já no ano de 1941 e tornando-se parque em 1986. Quando comparado
às outras duas unidades analisadas, nota-se uma diferença discrepante
de idade de criação dos parques, sendo o PEA criado em 1998 e o PERP,
em 2002, aproximadamente 60 anos de diferença para o PEMD. Dessa
forma, ações de educação ambiental no PEMD estão ocorrendo há mais
tempo, o que pode justificar a elaboração de um plano de manejo mais
complexo e consequente programas e subprogramas mais detalhados,
como no caso do subprograma de EA aqui analisado.
Sobre as ações previstas nas unidades, nota-se uma
conformidade com as políticas brasileiras que abordam e norteiam
as ações em Educação Ambiental no país. Os parques preveem ações
de EA que envolvam a comunidade na construção de conhecimentos
e atitudes que visem à conservação do meio ambiente, previstas na
PNMA (BRASIL, 1981) e PNEA (BRASIL, 1999).
Também nesse sentido, Wick (2014) em seu trabalho que
analisou planos de manejo de três UCs, menciona como objetivos
encontrados em um dos planos analisados, o de proporcionar a
integração com a comunidade e despertar a consciência para a
necessidade de conservação dos recursos naturais. As ações que
conscientizam a comunidade com a finalidade de promover
mudanças nos hábitos contribuem para o exercício da cidadania
previsto na PEEA (SÃO PAULO, 1997).
Ainda sobre a PEEA (SÃO PAULO, 1997), nota-se a conformidade
das atividades dos parques estaduais paulistas com o sugerido na
política: atividades realizadas no sistema não formal de ensino, que é o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 307

caso das UCs, que visem a comunicação; produção e divulgação de


material educativo; gestão participativa e compartilhada;
desenvolvimento de estudos, pesquisas; desenvolvimento de
programas e projetos, acompanhamento e avaliação.
Tais ações previstas em ambos os parques, atendem aos
objetivos do PRONEA (BRASÍLIA, 2014), em especial aos seguintes:
fomentar processos de formação continuada em educação
ambiental, formal e não-formal, dando condições para a atuação nos
diversos setores da sociedade; promover a educação ambiental
integrada aos programas de conservação, recuperação e melhoria
do meio ambiente, bem como àqueles voltados à prevenção de riscos
e danos ambientais e tecnológicos.
Ainda sobre políticas públicas, ao analisarmos o documento
“Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental em
Unidades de Conservação – ENCEA” (BRASIL, 2010), também
podemos notar conformidade entre os programas de EA analisados,
e as diretrizes preconizadas pela estratégia mesmo que a data de
elaboração do documento seja posterior a divulgação do plano de
manejo, no caso do PEMD.
A ENCEA vem contribuir no esforço de buscar o caráter
educativo na gestão das Unidades de Conservação, aliado a
ferramentas de comunicação (BRASIL, 2010). E para isso, o
documento apresenta cinco diretrizes e ações estratégicas a serem
desenvolvidas nas UCs. Nos subprogramas de EA analisados, as
ações identificadas evidenciam a conformidade com as seguintes
diretrizes do ENCEA: consolidação das formas de participação social
nos processos de criação, implementação e gestão de UC; estímulo à
inserção das UC como temática no ensino formal e inserção das UC
como temática nos processos educativos não-formais.
Sobre o uso da ENCEA, em 2012, anos após a divulgação dos
planos de manejo analisados, o Conselho Nacional de Meio
Ambiente (CONAMA), por meio da Recomendação nº 14, de 26 de
abril de 2012, recomendou aos órgãos e às entidades do Sistema
Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, bem como a quaisquer
308 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

instituições públicas ou privadas, pessoas físicas e jurídicas, que


sejam responsáveis pela criação e gestão de unidades de conservação
das categorias que permitem atividades de educação ambiental em
seu interior e no entorno, que adotem como referência para o
desenvolvimento de projetos e ações de educação ambiental e
comunicação a Estratégia Nacional de Comunicação e Educação
Ambiental em Unidades de Conservação – ENCEA (BRASIL, 2012).
Diante todos os aspectos analisados e mencionados acima,
conclui-se que ambas as UCs analisadas apresentam programas de
EA com ações consistentes e que buscam atender os objetivos de
conservação de criação da unidade. Além disso, todas as UCs estão
em conformidade com as políticas públicas analisadas sobre o tema
no Brasil.
Outro ponto da análise a se destacar, é o fato dos programas
de EA do PEA e do PERP apresentarem uma falta de detalhamento
e a mesma escrita em praticamente todas as ações previstas,
mudando apenas os nomes dos rios encontrados em cada parque. O
posicionamento levantado é o de que apesar dos parques serem
próximos e apresentarem características biológicas semelhantes, as
particularidades de cada região podem não ter sido devidamente
exploradas para a elaboração de possíveis ações específicas em EA.

Conclusões

A desenfreada destruição do Bioma Mata Atlântica, e a


consequente escassez de sua biodiversidade observada desde a
colonização do Brasil, motivou a instituição de UCs que
conservassem os poucos e importantes remanescentes vegetais
desse ecossistema. No estado de São Paulo, as três UCs estudadas
nessa pesquisa, desempenham um importante papel na conservação
de remanescentes desse bioma em todo o Brasil.
Diante a responsabilidade ambiental das UCs, a Educação
Ambiental desenvolvida nesse importante ambiente não formal de
ensino, contribui socialmente para uma mudança de atitudes e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 309

pensamentos acerca da conservação do meio ambiente. Tal


importância é reconhecida no Brasil por meio de diversas leis e
programas de ação a nível federal e também estadual.
Assim, a pesquisa aqui relatada contribuiu para compreender
como as ações em Educação Ambiental estão previstas no principal
documento de gestão das UCs, o plano de manejo.
Notou-se, que a Educação Ambiental vem sendo prevista de
forma similar nas UCs, com uma padronização dos textos e ações
mencionadas. Sobre isso, apesar de as UCs apresentarem objetivos
semelhantes de implantação, é importante destacar que possuem
particularidades que merecem uma atenção melhor no momento de
planejamento dessas ações.
As três UCs apresentam ações em seus Planos de Manejo que
buscam a comunicação e conscientização da comunidade e de todos os
envolvidos, sejam eles o entorno da UC, os parceiros como
escola/estudantes/pesquisadores e os funcionários dos parques.
Entretanto, apenas um dos parques, o PEMD, apresenta em seu Plano
de Manejo, ações mais detalhadas na parceria escola/parque, tão
importante na disseminação de ideias que contribuam com a formação
de opiniões voltadas para a conservação do meio ambiente.
Todas as ações previstas encontradas como resultado da
análise documental realizada, atendem ao mencionado em leis
ambientais brasileiras específicas e buscam alcançar o objetivo de se
conscientizar e conservar o meio ambiente na medida que fornece
subsídios para formação de opiniões sobre o tema em um ambiente
não formal de ensino.

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21

Ações dos bebês em diferentes formas de organização


do espaço e dos materiais em um ambiente de creche

Luciana Perpetuo Máximo


Maévi Anabel Nono

Introdução

O aumento na produção de conhecimentos científicos sobre


bebês, a inserção da mulher no mercado de trabalho e as mudanças
na concepção, nas diretrizes e nas normas que regulamentam as
práticas da Educação Infantil têm ampliado consideravelmente a
busca por vagas e o número de matrículas nas creches. A realidade
apresentada no município onde desenvolveu-se a presente pesquisa
ilustra como a democratização da oferta de vagas para esse
segmento tem sido um grande desafio. Seja na ampliação da oferta
de vagas (compromisso firmado no Plano Nacional de Educação, Lei
nº 13.005, de 25 de junho de 2014), na construção, reforma,
adequação e organização dos ambientes das creches, oferecimento
de um atendimento de qualidade nas creches por meio do
desenvolvimento de políticas públicas e da execução de planos de
ação que atendam às Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil – fixadas pela Resolução CNE/CEB nº 05/2009 –
e os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil,
definidos pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2006).
No processo de implementação pesquisas sobre a qualidade
de ambientes infantis têm evidenciado péssimas condições de
atendimento, precariedade nas instituições em relação à aspectos
314 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

estruturais e organizacionais (ABUCHAIM et al., 2013, LIMA;


BHERING, 2006, Fullgraf et al. 2005 e OLIVEIRA, 2003), o que
acarreta a existência de modelos de educação voltados para
escolarização e para cuidados físicos. Tais resultados assemelham-
se à realidade observada nas creches da rede de ensino em que atua
a autora desta pesquisa. A participação como Professora Formadora
em um Projeto de Formação Continuada em Serviço, específico para
professores de crianças de 0 a 2 anos, desenvolvido no ano de 2015,
em um município do interior do noroeste paulista, revelou falta de
recursos materiais e estruturais, recursos humanos, alta procura e
número de matrículas no Berçário e espaços organizados no modelo
tradicional de ensino.
Nesse período, nas visitas as escolas foram observadas salas
com a presença de espaços organizados apenas para o atendimento
à segurança e aos cuidados físicos das crianças e, em contrapartida,
ausência de espaços organizados para favorecer as interações,
descobertas e explorações infantis. Na maioria das creches, os
espaços não favoreciam a autonomia e o contato com o mundo
externo. Havia espaços organizados com a presença de cartazes de
números, alfabeto, figuras geométricas, cartazes de aniversariantes
(ambientação comum em escolas de Ensino Fundamental) e poucos
materiais próprios para faixa etária que atendessem de fato os
interesses e as necessidades dos bebês. Em muitas escolas
constatou-se a ausência de marcas das crianças: as poucas
produções expostas eram feitas por adultos, em sua maioria
imagens padronizadas com base em datas comemorativas,
personagens de filmes e livros infantis.
Registros avaliativos e relatos dos professores durante o
desenvolvimento do Projeto de Formação, associados às observações
realizadas durante as visitas, indicaram que, na organização dos
ambientes das creches, as professoras demonstravam preocupação
em garantir higiene, segurança e espaços amplos para o
desenvolvimento das atividades; entretanto, observa-se que poucas
professoras referiam-se à autonomia das crianças, interação e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 315

seleção de materiais de acordo com suas próprias necessidades,


supostamente por falta de experiência e conhecimento sobre
especificidades da faixa etária e presença de vestígios históricos que
pareciam sustentar a concepção da função da creche como
instituição assistencial
Diante dessas questões, pareceu oportuno desenvolver uma
pesquisa que pudesse contribuir com reflexões sobre o tema
partindo da ideia de que 1) o conhecimento das ações das crianças
pode subsidiar a organização dos espaços e 2) o ambiente favorece
o desenvolvimento infantil quando as intervenções nos espaços
ocorrem a partir da observação das necessidades e interesses das
crianças.
Nesse sentido, o objetivo geral da pesquisa foi descrever e
analisar as ações dos bebês (1 a 2 anos de idade) em diferentes
formas de organização do espaço e de materiais em um ambiente de
creche. Especificamente buscou-se investigar as ações dos bebês no
que se refere às interações bebês-bebês, bebês-adultos, bebês-
espaço, bebês-materiais, nas diferentes formas de organização
espacial – áreas abertas e áreas circunscritas – e de materiais –
acesso restrito e determinado pelo adulto ou acesso livre,
disponibilizados de forma aleatória ou com intencionalidade,
estantes de madeira, painel de fotos, livros, brinquedos de faz-de-
conta e painel de objetos do cotidiano.

Processo de revisão bibliográfica sobre a organização dos


espaços da creche

A presente pesquisa traz inicialmente o surgimento e as


funções atribuídas à creche ao longo tempo por meio de estudos de
Oliveira et al (2009); o levantamento da produção nacional de
legislação e documentos que normatizam e orientam a organização
de ambientes de Educação Infantil do período de 1996 a 2014, além
de legislação e diretrizes publicadas pelo município investigado para
implementação das políticas de Educação Infantil entre os anos de
316 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

2010 a 2016. A partir de tal levantamento, concluiu-se que a


organização dos ambientes infantis é fundamental na melhoria de
qualidade na Educação Infantil. Entretanto, ao contrapor tais
referenciais com os resultados de pesquisas sobre a qualidade do
atendimento e ambientes na Educação Infantil (ABUCHAIM et al.,
2013; ZUCOLOTO, 2011; LIMA, BHERING, 2006; FULLGRAF et al.,
2005; SOUZA; CARVALHO, 2005; OLIVEIRA et al., 2003),
experiências pessoais, assim como dados da pesquisa de campo,
notou-se no que se refere à organização dos ambientes infantis,
distância entre os conhecimentos produzidos e as práticas cotidianas
das creches, haja vista a realidade do espaço do Berçário observado
no início da pesquisa, caracterizado por um espaço vazio com
escassez na qualidade e quantidade de materiais, em que as ações
eram iniciadas e mantidas pelos adultos.
Para reflexão sobre a relevância da temática e definição de
caminhos a serem percorridos durante a investigação, foi feito um
levantamento de pesquisas recentes na área da educação (no
período de 2007 a 2016) sobre a organização dos espaços das
creches. Tal levantamento confirmou as indicações de Schmitt
(2008) e Gonçalves et al. (2014) em relação à carência de pesquisas
sobre creches. No que se refere à organização dos ambientes, foram
levantadas apenas seis pesquisas num período de nove anos (três
com foco nas ações dos bebês para planejamento das ações
educativas, uma voltada para modos de apropriação do espaço pelos
bebês, uma sobre a influência de projetos de intervenção na ação
educativa, uma sobre as relações sociais constituídas entre bebês),
fato que confirmou a necessidade de desenvolvimento de pesquisas
sobre o segmento e a relevância da realização de uma pesquisa com
foco nas ações dos bebês.
No que se refere à investigação sobre a relação entre aspectos
físicos do ambiente e comportamento infantil, constatou-se
expressiva produção de conhecimentos e relevantes contribuições
do CINDEDI, reconhecido grupo de pesquisa da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP – São Paulo.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 317

De modo geral, as pesquisas do CINDEDI apontam que as


zonas circunscritas (espaço organizado por cantos) potencializam a
promoção e manutenção de interação entre crianças, por oferecer
sensação de privacidade e proteção favorecem a atenção e o
desenvolvimento de atividades compartilhadas e diminuem a
chance de interrupção. Destacam a importância da organização dos
espaços por parte da equipe pedagógica a partir do conhecimento
das especificidades da faixa etária.
No desenvolvimento do presente estudo, foram trazidos ainda
conhecimentos científicos e empíricos de teóricos estrangeiros e
nacionais sobre o tema. Especificamente estudos de Forneiro (1998)
sobre conceitos de espaço e ambiente, ambiente de aprendizagem,
elementos condicionantes e norteadores da organização dos
espaços. Pesquisa desenvolvida por Horn (2004) sobre a
organização de ambientes infantis. Estudos de Goldschmied e
Jackson (2006) sobre os modos de exploração dos bebês e a
importância do conhecimento das ações dos mesmos para
planejamento dos espaços. Conceito do espaço como educador,
defendido pela abordagem de Reggio Emilia, e descrito por Gandini
(1999) e Rinaldi (2017). A relação entre a capacidade de ação
autônoma dos bebês e a organização dos espaços segundo Falk et al.
(2011). O conhecimento sobre os modos de brincar e interagir dos
bebês para seleção de materiais e organização dos arranjos espaciais
segundo Oliveira et al. (2014).
A respeito da organização dos ambientes infantis foi possível
concluir de modo geral, que tais referenciais concebem a criança
como sujeito social e histórico, capaz de interagir e produzir cultura.
Eles recomendam que os espaços devem garantir o bem-estar da
criança, sendo assim precisam ser aconchegantes, limpos,
agradáveis e arejados. Os ambientes de Educação Infantil devem
atender às especificidades da faixa etária de 0 a 3 anos e promover
o desenvolvimento infantil.
Estudos como de Forneiro (1998) sugerem que no ambiente
escolar, a organização do espaço, modos de disponibilizar os
318 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

equipamentos, mobília, materiais, imagens presentes nas paredes,


nos revelam tipos de interação e práticas educativas. Sendo assim, a
maneira como organizamos o espaço físico acaba por configurar um
ambiente de aprendizagem que condiciona a maneira do professor
trabalhar, as ações pedagógicas e as aprendizagens que vão se
desenvolver nesse cenário. Ao observar uma sala, é possível captar
o ambiente de aprendizagem que existe na mesma, as concepções
do educador e as práticas pedagógicas desenvolvidas.

Procedimentos metodológicos, apresentação e discussão de


resultados

Optou-se pelo desenvolvimento de uma pesquisa do tipo


etnográfica, de acordo com André (2004) uma adaptação da
etnografia pois, enquanto os etnógrafos preocupam-se com a
descrição da cultura social de um grupo, os educadores buscam
descrever o processo educativo.
A investigação desenvolveu-se com um grupo de 28 bebês em
seu segundo ano de vida (em momento de atividade livre), suas
professoras e auxiliares de Berçário, numa creche municipal de uma
cidade localizada no noroeste paulista. Ocorreu a partir do
acompanhamento das relações que se estabelecem e das ações dos
bebês a partir das transformações dos espaços de um Berçário,
realizadas em parceria entre pesquisadora e professoras e analisou
a relação entre as mudanças no ambiente e o comportamento dos
bebês. O cenário da pesquisa incialmente um arranjo aberto (espaço
vazio) caracterizado pela escassez de material, na 1ª fase passou a
estruturar-se com a presença de tatames para delimitação e
presença de brinquedos não estruturados, na 2ª fase instalação de
painel com fotos da família e atividades da rotina, estantes de
madeira para delimitação do espaço e tecido voal e, 3ª fase
estruturação de um canto de faz de conta, finalização do canto do
descanso e instalação de um painel com objetos do cotidiano.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 319

No desenvolvimento da pesquisa foram utilizados os


seguintes procedimentos para coleta de dados: observação
participante, registros escritos, consulta de documentos, revisão
bibliográfica, registro por meio de fotos, registro por meio de vídeos.
No primeiro semestre de 2017 foram realizadas 23 sessões de
observação no Berçário por um período de 3 meses. As observações
foram divididas em três fases: 1ª fase – 7 sessões – logo após um
intervalo de 16 dias, para que os bebês pudessem se familiarizar com
as primeiras mudanças no espaço; 2ª fase – 8 sessões – seguidas por
um intervalo de 12 dias, para familiarização das últimas
modificações e 3ª fase – 8 sessões.
A análise dos dados foi realizada por meio da descrição dos
dados coletados e interpretação através dos referenciais teóricos
apresentados. A descrição dos dados foi realizada essencialmente
com base nas filmagens; os demais instrumentos de coleta serviram
como complemento, trazendo informações que não eram visíveis
por meio dos vídeos e/ou para apoiar a análise de dados.
O processo de análise dos vídeos foi realizado segundo estudos
de Pedrosa e Carvalho (2005) com a transcrição global dos vídeos
por meio da pauta de observação (para visão geral do fenômeno
investigado e identificação de episódios), na sequência seleção de
episódios (por temas, registros das ações dos bebês a partir das
intervenções) para transcrição e análise mais detalhada e por fim,
retomada de referenciais teóricos e registros (pesquisadora e
estagiária) em busca de respostas às questões relativas a: forma de
estruturação, concepção e critérios para organização do espaço do
Berçário, modos de agir e interagir dos bebês em momento de
atividade livre, relação entre as mudanças realizadas na organização
do espaço do Berçário e as ações dos bebês.
No desenvolvimento da pesquisa observou-se que o ambiente
do Berçário quando caracterizado por espaços vazios com pouca
estruturação (1ª fase), foi marcado pela dispersão dos bebês, busca
frequente por materiais, ações exploratórias individuais e atividades
iniciadas pelas professoras ou auxiliares. No ambiente pouco
320 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

estruturado, notou-se que o adulto assume papel de estruturar ações


e interações conforme já sugeriram Campos de Carvalho (1990),
Rubiano (1991), Campos de Carvalho e Padovani (2000) e Bonfim
(2006).
Nos espaços estruturados (2ª fase e 3ª fase) com aumento na
oferta e acesso aos materiais e estruturação da sala em cantos houve
um aumento na interação entre os bebês, diminuição de
agrupamentos em torno do adulto como já indicou Campos de
Carvalho (1990). Registrou-se na organização da sala por cantos:
brincadeiras mais prolongadas, formação de pequenos grupos,
distribuição dos bebês pelas áreas como já descrito por Meneghini e
Campos de Carvalho (1997). Observou-se que os bebês passaram a
fazer escolhas, o que demonstra a capacidade dos bebês em
selecionar áreas, materiais e parceiros para brincadeiras conforme
demonstraram estudos de Bonfim (2006) ; Meneghini; Campos de
Carvalho (1997).
Durante as sessões de observação, registrou-se diversas
manifestações comunicativas dos bebês como já descreveram Anjos
(2005) e Schmitt (2008).
A partir dos brinquedos não estruturados registrou-se
diversas ações exploratórias, concentração por tempo prolongado,
pesquisa e diversas descobertas pelos bebês.
Com a presença dos livros no canto do descanso observou-se
experimentação de diferentes estratégias, diferentes movimentos
para manuseio, significação como objeto social a partir das
intervenções dos adultos.
Observou-se no painel de fotos explorações individuais e em
grupos por períodos diferenciados de tempo, atenção, toque,
sorrisos, conversas com a partir das fotos. Corroborando com a
premissa de que tal material contribui para o desenvolvimento da
identidade e favorecimento de conversas conforme descrito por
Oliveira et al. (2014).
No canto da casinha foram descritas brincadeiras
compartilhadas e diferentes fluxos de interação, observou-se em tal
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 321

espaço um aumento de atividades representativas de papeis sociais


conforme já defenderam Forneiro (1998) e Rubiano (1991).
Observou-se no painel de objetos os bebês envolvidos com
diferentes estratégias de solução de problemas, registrou-se
diferentes modos de exploração e desenvolvimento da imaginação,
surgimento de brincadeiras de faz de conta a partir da torneira.
A investigação mostrou que a medida que o bebê tem
oportunidade de atuar sobre o material, vai atribuindo novos
significados aos objetos conforme já descrito por Rubiano (1991).
Haja visto a utilização das caixas pelos bebês, a significação da
mesma a cada fase: empurrar e entrar, cavalinho, moto, assento,
brincadeiras de esconde, objeto para subir, burlar obstáculos.
As observações evidenciaram ainda que os bebês atribuem
novos sentidos e significados aos espaços na ocupação, relação e nas
experiências que estabelecem com os sujeitos como sugerido por
Simiano (2010). O canto do descanso por exemplo: antes espaço
para levar objetos e retirar colchões passou a significar local para
cuidar da boneca e colega, descansar e dormir a partir da finalização
da estruturação e intervenção do adulto.

Conclusões

A presente pesquisa evidencia a ampla capacidade de atuação


e aprendizado no Berçário para além das atividades dirigidas pelo
professor (haja visto a infinidade e qualidade de atividades
autônomas desenvolvidas durante as observações), como já
descreveram Falk et al. (2011) e Fochi (2013).
Os resultados indicam que os bebês necessitam de suportes
ambientais para interagir; a atitude do adulto, o arranjo espacial, a
seleção e investimento nas formas de apresentação dos materiais
favorecem as interações e explorações dos bebês. Sugerem ser
imprescindível o conhecimento das ações dos bebês para
planejamento dos espaços e chamam atenção para a necessidade do
professor adotar um olhar investigativo sobre as crianças, atentar-
322 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

se para o uso que as crianças fazem dos espaços e dos materiais para,
a partir desse conhecimento, definir quais materiais chamam mais
atenção, quais materiais precisam ser repensados, quais as formas
de disposição dos materiais adequam-se às necessidades e aos
interesses das crianças.
Reforçam a concepção de que é preciso compreender que
nessa faixa etária o papel do professor está justamente na
organização dos espaços, na seleção de materiais, na organização de
arranjos que tornem o meio convidativo, atraente, um lugar que
permita e facilite o desenvolvimento das brincadeiras e interações
dos bebês.
Nesse sentido, a presente pesquisa suscita como já
defenderam Moreira (2011), Bonfim (2006) e Horn (2004) e
contribui com o debate sobre a necessidade de formação dos
professores, reflexão sobre a prática e olhar para as ações das
crianças

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22

Africanidades e processos formativos:


reflexões à propósito da rede de ensino de um
município do noroeste paulista

Daniele da Cunha Pereira


Humberto Perinelli Neto

Introdução

Os quase quatro séculos de regime escravista no Brasil foram


responsáveis por verdadeiros genocídios, etnocídios e
epistemicídios. Para além das atrocidades, negação, subalternização,
invisibilização, apagamento e despersonalização impostos aos
negros durante esse período, os anos subsequentes à abolição
também foram de tal forma prejudiciais, que mesmo transcorrido
um centenário, ainda se faz necessário lutar por liberdade e
equidade. Isso porque a lei “Áurea”, que acabou oficialmente com a
escravidão no Brasil, não libertou as pessoas e não favoreceu a
descolonização das estruturas sociais.
O fim da colonização (1822) e a abolição (1888) não
trouxeram mudanças positivas imediatas. Fernandes (1989) afirma
que a falta de assistência e garantias que protegessem os agentes do
trabalho escravo na transição para o sistema de trabalho livre
tiveram consequências desastrosas, entre elas, a continuidade da
exclusão e a marginalização dos sujeitos negros.
Fernandes (1989) também afirma que, especialmente no
estado de São Paulo, a ruptura do regime escravista e a constituição
do regime de trabalho livre assalariado se deu de forma tão abrupta,
330 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que impediu os negros de adquirirem gradualmente condições para


se inserirem nesta nova modalidade. Para o autor, a rapidez com
que a ordem social e competitiva se instaurava foi um dos maiores
dificultadores na construção de mentalidade e de comportamentos
requeridos pelo novo estilo de vida (capitalista).
Lutar por uma segunda abolição, real e material, tornou-se
imprescindível, uma vez que os processos colonizadores nesse país
transformaram o africano em escravo, o escravo em negro e o negro
em um sujeito estigmatizado. Mesmo com a abolição jurídica, o fato
de ser negro continuou sendo um problema no Brasil, pois saíram
da “escravidão física e foram submetidos à escravidão moral em que
ainda são alvos de discriminações e práticas preconceituosas.
Segundo Schwarcz (1998), o regime escravagista aqui
instaurado foi especialmente perverso, porque seus efeitos nefastos
se prologam nos descendentes dos que sofreram os primeiros
séculos de violência. Para a autora, em Roma Antiga ou no Mali, por
exemplo, os descendentes de escravizados não sofreram a
perpetuação do estigma, pois não haviam diferenças na aparência
física entre aqueles que escravizavam e os que foram escravizados,
diferente do Brasil, onde escravo se tornou sinônimo de negro.
O “sujeito negro”, segundo Fanon, não foi inventado na África,
mas na relação colonial. Para ele, o indivíduo não nasceu negro,
tornou-se negro pelo olhar do outro: “ao primeiro olhar branco ele
sente o peso da melanina” (FANON, 2008, p.133). A analogia entre
ser negro e viver em condição de escravidão foi de tal forma
contundente, que a sociedade brasileira naturalizou questões como
a concentração racial de rendas, a seletividade racial nos
assassinatos dos jovens, a escolha racial – não aleatória – para o
preenchimento de vagas em serviços braçais e o baixo índice de
inserção de jovens negros nas universidades. É preciso
problematizar o que foi naturalizado, pois a marginalização do
negro foi e está sendo reinventada até o século XXI.
Nessa luta, a Educação tem sido considerada uma ferramenta
potente para conscientizar, desmistificar e desnaturalizar o que foi
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 331

imposto por séculos. Na década de 1950, os movimentos sociais


negros já reivindicavam, entre outras coisas, “o estímulo ao estudo
das reminiscências africanas no país” (SANTOS, 2005), pois
acreditavam que a mudança na configuração da educação, até então
totalmente eurocêntrica, poderia auxiliar na luta contra o racismo.
A Educação para as Relações Étnico-Raciais, agora uma conquista
legal (Lei 10.639/2003), poderá contribuir com a construção e
apropriação efetiva da liberdade.
Deste modo, pretende-se neste trabalho refletir sobre o
constructo “Educação para as Relações Étnico-Raciais”,
apresentando um mapeamento das necessidades formativas
indicadas por professores, diretores e coordenadores pedagógicos
que atuam em uma rede municipal localizada no noroeste paulista,
intentando contribuir com as reflexões sobre a descolonização dos
currículos, a partir da implementação da Lei 10.639/2003 e das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais.

Fundamentação teórica

Considerando a necessidade de se pensar o negro na


sociedade, a pesquisa, da qual resulta o presente trabalho, registrou
como referencial teórico pesquisadores como Frantz Fanon,
Florestan Fernandes, Carlos Roberto Jamil Cury, Kabengele
Munanga, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Nilma Lino Gomes
e Lilia Schwarcz, que versam, entre outros temas, além da posição
do negro na sociedade, sobre a Educação para as Relações Étnico-
Raciais e os desafios e possibilidades na implementação da Lei
10.639/2003.

Procedimentos metodológicos

O estudo realizado pautou-se em revisões bibliográficas e


análise de documentos de primeira mão (questionários).
332 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Apresentação e discussão dos resultados

Segundo Graham (2002), cerca de 4,8 milhões de africanos


escravizados foram desembarcados no Brasil. tanto durante o tráfico
transatlântico quanto no período de tráfico interno. Desde então,
grandes lutas e movimentos de resistências foram travados em todo
o território brasileiro, objetivando a conquista da liberdade. A
Conjuração Baiana (Bahia, 1798), a Rebelião de Carrancas (Minas
Gerais, 1833), a Revolta da Cabanagem (Pará, 1835), a Balaiada
(Maranhão, 1838), Revolta Manoel do Congo (Rio de Janeiro, 1839)
e Revolta dos Malês (Salvador, 1835) são rápidos exemplos do
protagonismo daqueles que foram escravizados e lutaram pela sua
liberdade. Ações como sabotagens, fugas e formações de quilombos
marcaram todo o processo de resistência ao sistema escravista: é
possível contar mais de trinta revoltas só no estado da Bahia.
O protagonismo dos negros, durante as lutas, foi tão voraz
que, segundo Fernandes (1989), quando a princesa Isabel assinou a
Lei Áurea, estava extinguindo um regime que há muito já estava
“morto” – quatro anos antes da assinatura, por exemplo, a província
do Ceará já tinha abolido a escravidão e outras províncias seguiam
na mesma direção.
Para Fanon (1968), os processos de lutas são imprescindíveis
para a real libertação de um povo, mas ele não se encerra quando
finda o colonialismo ou é dito que estão libertos. De acordo com o
próprio Fanon:

Durante o período colonial convidava-se o povo a lutar contra a


opressão. Depois da libertação nacional, ele é convidado a lutar
contra a miséria, o analfabetismo, o subdesenvolvimento. A luta,
afirmam todos, continua. O povo verifica que vida é um combate
sem fim (1968, p.73).

Para além da libertação das amarras físicas, as lutas dos


movimentos sociais negros objetivavam a elaboração e a revisão das
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 333

legislações educacionais, pois a escola, enquanto espaço reparador,


poderia favorecer um ensino para a reeducação das relações étnico-
raciais. As lutas para inserir o estudo da temática de africanidades
na formação básica é antiga, segundo Fonseca (2011), este tema já
era pauta de reinvindicação nas Conferências das Entidades Negras,
nos anos de 1950 e 1960.
Embora essas lutas estivessem em constante
desenvolvimento, foi na última década do século XX e no início do
século XXI que ganharam maior expressividade política. Somadas as
ações internacionais, que objetivavam uma "Educação de qualidade
para todos", a luta interna para a educação das relações étnico-
raciais e, portanto, para um ensino antirracista, conquistaram
grande avanço, tendo na câmara a tramitação de projeto de lei que,
bem mais tarde, resultaria na promulgação de uma legislação
educacional.
Em 1995, o documento encaminhado ao Senado foi arquivado.
Em 1999, cedendo às pressões do Movimento Negro, o Projeto de
Lei nº 259 foi aprovado, materializando a Lei 10.639, que, embora
aprovada em 1999, foi promulgada apenas em 2003, mediante
compromisso do então governo Lula com o movimento negro
brasileiro; a nova lei alterou a redação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - Lei 9394/96, tornando obrigatório incluir
no currículo oficial o ensino de História e Cultura Africana e Afro-
brasileira. Como política de reparação humanitária, a Lei
10.639/2003 tem, entre seus vários objetivos, promover a equidade,
a valorização da cultura e auxiliar os sujeitos na construção de sua
identidade e na apropriação da sua liberdade.
Desde a promulgação dessa lei, tem-se multiplicado os
debates e as publicações que versam sobre a Educação para as
Relações Étnico-Raciais. Com base nas proposições dos Movimentos
Negros e nas legislações educacionais sancionadas a partir dos anos
2000, pesquisadores e professores de diferentes áreas têm se
dedicado ao estudo aprofundado sobre esta temática (MUNANGA
2016; 2015; 2005, SCHWARCZ 1998, GOMES e JESUS 2013).
334 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Embora a expressão “Educação para as Relações Étnico-Raciais”


tenha ganhado maior expressividade na última década, o que nos
chama a atenção é que, no Brasil, o “sistema de ensino” sempre
esteve a serviço da (e para) as Relações Étnico-Raciais. Contudo,
cabe diferenciar como se entendia o constructo ‘Relações Étnico-
Raciais’.
Durante a escravização dos nativos, os portugueses
estabeleceram Relações Étnico-Raciais pautadas em relações de
poder, autoritarismo e desejo de submissão. Deste modo, a educação
que se propunha dentro desta Relação Étnico-Racial constrangia os
indígenas a esquecerem sua língua, religião e cultura (SILVA, 2011),
a fim de facilitar o processo de colonização. Da mesma maneira, a
educação que foi proposta para atender as Relações Étnico-Raciais
estabelecidas durante o longo período de escravização dos negros
visava a desumanização do ser:

[...] sobre as tentativas de assimilação, por meio da escola, dos


povos submetidos política e ideologicamente aos sistemas dos
colonizadores europeus [...] deve se ter presente a situação dos
africanos escravizados, de seus filhos e descendentes. A eles foi
negada a possibilidade de aprender a ler, ou se lhes permitia, era
com o intuito de incutir-lhes representações negativas de si
próprios e convencê-los de que deveriam ocupar lugares
subalternos na sociedade. [...] utilizava-se a educação para
incentivar o desejo de ser branco (SILVA, 2011, p.21).

No período após a abolição, verifica-se que a educação


permanecia à serviço de uma Relação Étnico-Racial em que
sobressaía a imposição de uma parcela da sociedade sobre outra.
Segundo Cury (2008), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1961 (Lei 4024) ratificava a obrigatoriedade do ensino
primário, ao mesmo tempo que isentava dessa obrigatoriedade todo
aquele que comprovasse estado de pobreza. Após quase quatro
séculos de regime escravagista, não seria difícil identificar a parcela
da população menos favorecida economicamente: os negros.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 335

Entendendo que a educação esteve à serviço das Relações


Étnico-Raciais, desde que se convencionou chamar este lugar de
Brasil, pois o tipo de educação que é proposto fortalece o tipo de
estrutura social ao qual se pretendeu estabelecer, julgamos
pertinente pensar a expressão não apenas como Educação para as
Relações Étnico-Raciais, mas como “Reeducação para as Relações
Étnico-Raciais”. Isso porque é necessário a promoção de uma
reeducação que questione as relações baseadas no autoritarismo, no
preconceito e na desqualificação do outro. É preciso a promoção de
uma reeducação que valorize e respeite a diversidade; que seja capaz
de garantir os direitos, de forma igualitária, a todos os indivíduos,
independentemente de cor, raça e credo. Enfim, defende-se a
implantação de uma reeducação capaz de propor relações sociais
sadias.
Estudos como os de Munanga (2015; 2018) e de Gomes e Jesus
(2013) têm frisado que, mesmo com a obrigatoriedade da Educação
para as Relações Étnico-Raciais prevista em lei, as escolas
continuam permeadas por relações repletas de preconceitos,
discriminações e da ausência de valorização das Culturas Africanas
e Afro-brasileiras na constituição da cultura nacional.
Em uma pesquisa de âmbito nacional sobre as ações para a
implementação da Lei 10.639/2003, Gomes e Jesus (2013)
evidenciaram a existência de vários problemas a serem superados
no campo da Educação para as Relações Étnico-Raciais, dentre eles,
a superficialidade de conhecimentos conceituais sobre a África e sua
inter-relação com as questões afro-brasileira, o que culmina na
descontinuidade de muitas ações educativas.
Não diferente da realidade nacional, um munícipio do
Noroeste paulista demonstrou fortes indícios dessa superficialidade
de conhecimento. Desde 1998, quando teve início o processo de
municipalização das escolas de Ensino Fundamental I, a Secretaria
Municipal de Educação manteve processos de formação e de
capacitação de professores. No começo, as iniciativas eram
ocasionais, se resumiam a oficinas e cursos de curta duração, em
336 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

sistema de adesão fora da jornada semanal de trabalho. Nos últimos


dez anos, tal ação se transformou em política pública, ou seja, a
formação dos docentes ocorre com horário remunerado dentro da
jornada de trabalho semanal. Entretanto, dentre as ações formativas
desenvolvidas, a temática da Educação para as Relações Étnico-
Raciais ainda não foi abordada sistematicamente pelas equipes de
formação.
Em 2017, a secretaria municipal de educação aprovou a
criação de um grupo de estudos com representantes de docentes,
coordenadores, diretores e supervisores, cujas atribuições
envolviam a promoção de estudos para a elaboração e o
estabelecimento das novas diretrizes de formação pedagógica da
rede municipal.
Dentre as muitas ações desenvolvidas, o grupo de estudos
elaborou questionários (virtuais e físicos) para que todos
professores, coordenadores, diretores e supervisores da rede
municipal expressassem suas necessidades de aprendizagem frente
aos trabalhos que desenvolviam. No questionário físico (composto
por questões dissertativas), todos os profissionais teriam que
descrever o que pensavam ser as suas necessidades formativas. Já
no questionário virtual (questões de múltipla escolha), deveriam
selecionar, dentre os temas apresentados, quais deles poderiam ser
considerados representativos de maior necessidade formativa.
Diretores e coordenadores deveriam, além de expressar suas
necessidades, apontar quais eram as necessidades formativas dos
docentes com os quais trabalhavam.
Computadas as respostas dos professores que atuam na
educação Infantil, observou-se 2.291 apontamentos sobre diferentes
temas/conteúdos considerados merecedores de formação
continuada. No entanto, os temas referentes ao Ensino de História e
Cultura da África, Afro-brasileira e/ou Educação para as Relações
Étnico-Raciais (Africanidades) NÃO apareceram nas respostas, ou
seja, não foram descritos como necessidades formativas de
NENHUM dos docentes participantes da pesquisa.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 337

Nas respostas, o que se depreendeu de interesses foram


conteúdos referentes à: lógica e matemática, música, gestão de sala
de aula, movimento, artes visuais, ensino dos alunos com
necessidades especiais, linguagem oral e escrita, desenvolvimento
moral, natureza e sociedade, identidade e autonomia, Tecnologia da
Informação e práticas de avaliação. Detalhe que todos esses temas já
haviam sido tratados em processos formativos realizados em anos
anteriores.
No questionário virtual foram propostas dezesseis áreas do
conhecimento1 a serem indicadas pelos professores da educação
infantil, em ordem de prioridade, segundo certa escala: nenhuma
necessidade, pouca necessidade, moderada necessidade e grande
necessidade.
Os professores que atuam com alunos de zero a três anos
classificaram as dezesseis áreas/temas como sendo de grande
necessidade formativa. A área “identidade e autonomia/moralidade
infantil/ gênero, orientação sexual, etnias, diversidades
religiosas, entre outros temas” foi apontada 379 vezes, figurando
como a nona grande necessidade formativa. Tendo em vista a
abrangência desta área é difícil precisar que porcentagem das 379
indicações referiam-se à necessidade formativa específica em etnias
e diversidades religiosas. Também por conta dessa abrangência fica
inviabilizado perceber se os professores escolheram esta área por
querer aprimorar seus conhecimentos nos demais elementos que
compõem o campo.

1
1- Legislação e práticas que auxiliem o trabalho com a educação inclusiva (necessidades educacionais
especiais). 2- Raciocínio lógico matemático. 3- Conhecimento da Base Nacional Comum Curricular e
elaboração de referenciais atuais. 4- Música – o fazer pedagógico. 5-Aspecto do desenvolvimento
infantil (físico, cognitivo, social, afetivo). 6-Relações dialógicas entre escola-família. 7-Tecnologia da
informação e da Comunicação. 8-Artes visuais – o fazer e apreciação artística. 9-Identidade e
autonomia, moralidade infantil, gênero, orientação sexual, etnias, diversidades, entre outros temas.
10- Movimento. 11- Natureza e sociedade. 12- Modalidades organizativas. 13- Propostas diversificadas
(cantos, exploração, espaços, materiais, brincadeiras…). 14- Linguagem oral e escrita. 15-Avaliação:
observação e registro e 16- Organização e gestão da rotina, dos tempos e dos espaços propiciando o
cuidar integrado ao educar.
338 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

As mesmas dezesseis áreas/temas foram apresentadas aos


professores que atuavam na primeira e segunda etapa da educação
infantil (crianças de 4 a 5 anos) e, para este grupo, apenas cinco
áreas/temas foram consideradas como sendo de grande necessidade
formativa, a saber: 1.Raciocínio lógico matemático, 2.Legislação e
práticas que auxiliem o trabalho com a educação inclusiva
(necessidades educacionais especiais), 3.Relações dialógicas entre
família-escola, 4.Música –o fazer e a apreciação musical,
5.Tecnologia da informação e da comunicação. Já a área que abrange
os estudos sobre etnias NÃO foi mencionada.
Os diretores das unidades escolares de Educação Infantil
também foram convidados a participar da pesquisa. No tabulamento
das respostas, depreendeu-se que apenas um diretor indicou que o
grupo de docentes com o qual trabalhava necessitava de formação
em Cultura Africana e Afro-brasileira e, diante do questionamento
sobre as suas necessidades formativas, NENHUM diretor considerou
precisar de formação sobre essa temática.
Os mesmos questionamentos foram propostos aos
coordenadores pedagógicos que atuam na Educação Infantil. Dentre
os oitenta e quatro coordenadores que responderam ao
questionário, apenas três indicaram que os docentes necessitavam
de formação em Cultura e História da África. Diante do
questionamento sobre as suas próprias necessidades formativas, os
coordenadores elencaram vinte áreas/temas sobre os quais
gostariam de receber formação. Dentre elas, a que mais se
aproximou do ensino para as relações étnico-raciais foi a “concepção
de infância, gênero, cultura e identidade”, embora tenha sido
apontado por apenas dois coordenadores. Nessa área repete-se a
consideração feita quanto a abrangência dos temas que a compõem,
uma vez que é possível desmembrá-la em quatro temas de estudo e
é difícil precisar a intencionalidade dos coordenadores, inclusive, se
de fato se referiam às temáticas de Africanidades.
Aos profissionais que atuam no Ensino Fundamental também
foram aplicados os dois questionários – virtual e físico.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 339

Seguindo os mesmos princípios de aplicabilidade utilizado


para a Educação Infantil, no primeiro questionário os professores
foram convidados a refletir sobre suas atribuições, sua prática e o
seu embasamento teórico, bem como a redigirem quais eram as
necessidades formativas.
Já no segundo, foram propostas dezessete áreas/temas para
que os professores selecionassem o nível de sua necessidade
formativa, seguindo a mesma escala: nenhuma necessidade, pouca
necessidade, moderada necessidade e grande necessidade.
No tabulamento do questionário físico/dissertativo,
observou-se que NENHUM dos professores do Ensino Fundamental
indicou ter necessidade formativa em temáticas específicas de
Africanidades. Dentre as áreas/tema elencados pelos professores, a
que mais se aproximou do Ensino para as Relações Étnico-Raciais
foi a área denominada “ensino em ambiente heterogêneo”, na qual
foram agrupados 113 apontamentos. Entretanto, as informações
apresentadas no relatório final elaborado pelo grupo de estudos não
nos permitem depreender o que os professores compreendiam por
“ambiente heterogêneo”: seria diversidade de gêneros, faixa etária,
diferentes níveis de saberes entre os alunos, diversidade racial? O
certo é que necessidades formativas em relação ao atendimento do
que preconiza a Lei 10.639/03 não foram citadas.
No questionário virtual, proposto aos professores do ensino
fundamental, foram apresentadas dezessete áreas/temas das quais
oito foram selecionadas como sendo de grande necessidade
formativa2.
A segunda área com maior número de apontamentos, refere-
se ao trabalho pedagógico a ser desenvolvido na perspectiva da
educação inclusiva, no qual está inserida a ação formativa sobre
etnias e diversidade religiosa. Embora essa área tenha recebido

2
1-Legislações e práticas que auxiliem o trabalho com a educação inclusiva (necessidades educacionais
especiais, distúrbios de aprendizagens e altas habilidades. 2- Legislações e práticas que auxiliem o
trabalho com a educação inclusiva (gênero, orientação, sexual, etnias, diversidade religiosa entre
outros temas.
340 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

número significativo de apontamentos, ainda se questiona se os


interesses formativos estariam mais voltados às questões de gênero
e sexualidade ou de diversidade étnico-racial, tendo em vista que a
temática de Africanidades não foi mencionada no questionário
dissertativo.
Os dados coletados junto aos diretores que atuam no ensino
fundamental revelam que, na visão deles, os temas relacionados as
Africanidades NÃO se constituem como grande necessidade
formativa dos professores. O mesmo ocorreu para suas próprias
necessidades, uma vez que no tabulamento das respostas,
depreendeu-se temas como: gestão de pessoas e gestão financeira,
legislação educacional, gestão e organização do tempo, execução e
acompanhamento de serviços de secretaria e pagamento de
professor, análise de documentos e certificação docente, entre
outras áreas/temas, que se aproximam mais do campo
administrativo do que do pedagógico.
No tabulamento das respostas dos coordenadores
pedagógicos que atuam no ensino fundamental, observou-se a
perpetuação da invisibilidade das temáticas relacionadas a
Africanidades, já que apenas um coordenador pedagógico indicou
que o grupo de docentes com os quais trabalhava necessitava de
processos formativos sobre “diversidade étnica e cultural”.
Áreas específicas relacionadas aos temas de Africanidades
também não surgiram como necessidade formativa própria dos
coordenadores pedagógicos. Dentre as áreas por eles elencadas, a
que mais se aproximou da Educação para as Relações Étnico-Raciais
foi a de “temas transversais”, apontado por três coordenadores. Esta
área, assim como outras já citadas, incorre na já citada abrangência
temática, visto que, embora trate de pluralidade cultural, contém
outros cinco temas (ética, orientação sexual, meio ambiente, saúde
e trabalho e consumo), o que dificulta precisar qual é, de fato, a
maior necessidade formativas e, principalmente, se houve intenção
de ressaltar o tema Educação para as Relações Étnico-Raciais.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 341

Na apresentação dos dados numéricos, percebe-se que a


questão do ensino para a reeducação das Relações Étnico-Raciais no
município pesquisado está silenciada, tanto na etapa de Educação
Infantil quanto no Ensino Fundamental. Os dados encontrados
corroboram com a pesquisa de Gomes e Jesus (2013), especialmente
no que se refere a constatação de que a superficialidade de
conhecimentos conceituais sobre a África e a sua inter-relação com
as questões afro-brasileira é um dos muitos dificultadores para a
implementação da Lei 10.639/2003.
Ao nosso ver, se docentes, diretores e coordenadores
pedagógicos não conseguem evidenciar que precisam participar de
efetiva formação para propiciar uma reeducação das Relações
Étnico-Raciais, tendo em vista que nos processos formativos
oportunizados pela equipe de formação em rede essa temática ainda
não foi abordada de forma sistematizada, ações mais diretivas
poderiam ser pontuadas pela Secretaria Municipal de Educação. A
Educação para as Relações Étnico-Raciais não deve ser tratada
apenas como uma opção, mas sim como tema a ser
obrigatoriamente trabalhado.

Conclusões

Os anos de colonização, de regime escravagista e de pós


abolição - de caráter apenas jurídico, não apenas formaram, mas
deformaram a sociedade brasileira, tornando-a cruel, desigual,
preconceituosa, racista e sem equidade na garantia dos direitos. Mas
as lutas por liberdade efetiva, por (re)construção de identidade, pela
descoisificação do ser, pela valorização da cultura sempre estiveram
presentes em formas de lutas físicas, políticas e ideológicas.
As constantes lutas têm oportunizado mudanças significativas
no contexto brasileiro, dentre elas os avanços nas legislações
nacionais, como a promulgação da Lei 10.639/03, que altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), assim como a
342 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


das Relações Étnico-Raciais.
Munanga (2013) evidencia que o Brasil é o único país da
diáspora africana que tem leis para garantir o estudo da História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas. Contudo, esse
estudioso reforça que nas salas de aula sua prática está longe de ser
uma realidade cotidiana e adequada. Não são poucos os
pesquisadores que constataram a mesma realidade, em diferentes
localidades do país. O processo para efetivar uma reeducação para
as Relações Étnico-Raciais é complexo e, segundo Silva, “da lei à
nova mentalidade e à ação efetiva há muito que desfazer, refazer e
fazer” (SILVA, 2011, p.27).
Se por um lado urge “desfazer” as naturalizações e os
estereótipos, por outro há que “fazer” um investimento na formação
daqueles que atuam diretamente com os processos de ensino e
aprendizagens nos espaços escolares. Segundo o Plano Nacional de
Educação para a implementação das Diretrizes Nacionais
Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais (2004), as
coordenações pedagógicas possuem as maiores interfaces entre o
trabalho docente e a real melhoria na qualidade de ensino. Desta
forma, as coordenações pedagógicas são fundamentais para a
implementação de ações efetivamente exitosas. Tendo em vista que
no município pesquisado, tanto os docentes quanto os diretores e os
coordenadores ainda não apontam ter necessidades formativas a
respeito dos temas sobre africanidades, cabe aos representantes do
Poder Público Municipal pôr em prática processos formativos que
garantam a reflexão e vivência desse tema nas escolas.

Referências documentais

Relatório

Secretária Municipal de Educação de São José do Rio Preto (SME). Relatório da


Câmara de formação pedagógica. 2017.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 343

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23

Aplicativo colaborativo na inclusão escolar do aluno


com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Andréia Maria de Oliveira Teixeira


Andréa Rizzo dos Santos

Introdução

A necessidade de implantação de uma Educação Inclusiva, que


não leve em consideração apenas os espaços e barreiras físicas, mas
as atitudes sociais que vão nesta direção, são contrariedades para
sua efetivação. Atualmente está em vigor a Lei 13.146 de
06/07/2015, que institui em seu art.28, inciso II, “a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), destinada a assegurar e a promover as condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da
pessoa com deficiência, objetivando à sua inclusão e cidadania” (art.
1, p. 01). A mesma Lei (Brasil, 2015) supõe o “aprimoramento dos
sistemas educacionais, visando garantir condições de acesso,
permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de
serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e
promovam a inclusão plena” (BRASIL, 2015, p.07).
A implantação do Projeto Trabalho Colaborativo vem do
anseio de uma educação para todos. Para isso, coloca-se a
necessidade de um olhar mais inclusivo para educação, com a
colaboração e atuação do AEE junto ao professor da sala regular.
Este acompanhamento faz parte do processo de inclusão no
contexto da sala comum, participa ativamente junto aos professores,
346 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

comunidade escolar e atua como um suporte à comunidade


educativa, despertando assim novos olhares. A prática do co ensino,
vem garantir a qualidade, o acesso e a permanência de todas as
crianças na escola, sendo propício às práticas inclusivas em que
professores da sala regular e do AEE trabalhem em colaboração.
(MENDES, 2006; MENDES, VILARONGA, ZERBATO, 2014)
Assim, nesse panorama de mudanças que prevalece no
presente, é inevitável que a escola frente a inclusão discuta e
considere as contribuições das tecnologias digitais para o contexto
educativo, entendendo-as não como simples recursos que facilitam
o acesso das pessoas com deficiência, mas como um importante
caminho para que o aluno adquira seu conhecimento de forma
autônoma, participativa e sentindo-se incluído em qualquer
ambiente em que estiver inserido.
Com o uso da tecnologia da informação na Educação no
Brasil, acredita-se que as TDICs (Tecnologias Digitais da Informação
e Comunicação), podem contribuir como acesso universal à
educação, à equidade, à qualidade de ensino e aprendizagem, ao
desenvolvimento profissional de professores, bem como melhoraria
da gestão, da governança e da administração educacional ao
fornecer de forma adequada e organizada políticas, tecnologias e
capacidades (UNESCO, 2016). As tecnologias digitais podem
caracterizar-se como alternativa importante para mudanças no
cenário educativo, desde que a educação não passe a simplesmente
fazer uso da técnica, mas pense a tecnologia enquanto um caminho
para a mudança social (FREITAS, 2015). Os subsídios da tecnologia
digital para a inclusão das pessoas com deficiência, levando em
consideração que o acesso às novas tecnologias tem se tornado cada
vez mais usada por todos em seu dia-a-dia, traz uma perspectiva de
que o uso desse recurso pode beneficiar essa população quando
usada em direção as suas reais necessidades.
Nesse contexto de Leis e abrangência das TDICs para o meio
escolar e inclusivo, a pergunta de pesquisa quer saber dos
professores do AEE e da sala regular, se o uso de um aplicativo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 347

(produto educacional) para registro das atividades do aluno que


possam ser utilizados por todos os atores, pode favorecer a Inclusão
de alunos com TEA.
Assim, busca-se a partir deste aplicativo, que inicialmente
será de acesso aos professores da sala comum e do AEE, a troca de
experiências com enfoque no mesmo objetivo, elencados por eles,
para planejar as estratégias educacionais e compartilhar as
necessidades educacionais do aluno com TEA. Posteriormente, o
aplicativo será disponibilizado ao aluno, contendo sua rotina escolar
de modo a contemplar sua inclusão.
O cenário atual, apesar das Políticas Públicas, demonstra
maior importância aos índices numéricos dessa inclusão, sem
considerar a relevância social ou funcional, conduzindo a um
distanciamento entre o discurso e a ação. Dando-se importância à
quantidade de alunos público alvo da educação especial inseridos
nas escolas, do que na regularidade das ações que são realizadas
para promover a inclusão de fato.
Assim, acredita-se que a elaboração de um aplicativo voltado
ao uso dos professores e do aluno, que será utilizado para
contemplar sua rotina escolar, facilitará por parte dos professores o
registro das atividades e o acompanhamento da execução das
mesmas pelo aluno e, para o aluno, o direcionamento sobre as
atividades a serem realizadas no dia a dia da escola. Desta forma, os
professores da sala comum e do AEE poderão ter acesso em tempo
real, às informações acerca das atividades realizadas pelo aluno em
processo de inclusão escolar. Pode-se pensar também, em uma
abrangência maior desse aplicativo, disponibilizando para a família,
para que haja a colaboração do contexto familiar.
O interesse pelo tema surgiu a partir da vivência com a
Educação Humanizada em contexto hospitalar e com o Projeto de
Trabalho Colaborativo na escola, que caminha em busca de
transformar o cotidiano do Público-Alvo da Educação Especial
(PAEE). Para tanto, essa experiência revelou que os professores
348 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

anseiam por conhecer melhor essa prática de ensino colaborativo


como apoio à inclusão.
O trabalho colaborativo deve levar em conta que não muda a
Educação, mas muda a atitude das pessoas que trabalham na
Educação. Quando as práticas colaborativas forem introjetadas na
formação e incorporadas como uma metodologia que se traduz na
intersecção de estratégias em ações evidentes, positivas e
multidisciplinares, os alunos serão favorecidos. Acredita-se que a
educação humanizadora está na transformação do olhar do
professor sobre aquele aluno que está incluído e que é realizada por
professores que acreditam na educação como instrumento de
humanização dos homens.
Dentro do trabalho Colaborativo, tem-se que assimilar a ideia
que a responsabilidade da aprendizagem de todos os alunos é
compartilhada e, tudo o que se faz em termos de planejamento e de
estratégias em sala de aula também tem que ser compartilhado.
Então, o pensamento e as ações não podem ser isoladas, precisam
ser pensadas e compartilhadas por todos os envolvidos. Quando se
reflete sobre a formação dos professores, sabe-se que não é simples
trocar a prática pedagógica individual, pela prática colaborativa com
outros professores. No entanto, acredita-se que o produto
educacional que será elaborado, poderá favorecer essas práticas
colaborativas.
A pesquisa tem por objetivo elaborar um Aplicativo
Colaborativo para alunos com TEA que favoreça a colaboração entre
professores de sala comum e professores de AEE e a inclusão escolar
do aluno.

Fundamentação teórica

A concretização da política de inclusão pela Lei Brasileira de


Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015) na escola
comum, aponta necessidade de implementação de novas práticas
pedagógicas que resultem na oferta de uma educação de qualidade
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 349

para todos e, a ressignificação dos espaços de aprendizagem de


forma que estejam voltados para atender às especificidades desse
público-alvo da educação especial com necessidades educacionais
especiais (NEE), que começa a frequentar as salas de aula das escolas
brasileiras.
Em conexão com a necessidade de aplicar práticas inclusivas
em escolas no Brasil, principalmente após a Declaração de
Salamanca (UNESCO, 1994), Mendes, Almeida e Toyoda (2011)
apontam que a colaboração entre os profissionais da educação
especial e regular poderia ser uma alternativa promissora, na
criação de escolas mais inclusivas.
Para o ensino, “[...] a meta da educação não é a adaptação ao
meio ambiente já existente, que pode ser efetuado pela própria vida,
mas a criação de um ser humano que olhe para além de seu meio
[...]” (VYGOTSKY,2003, p.77).
O ensino colaborativo realizado em sala comum como apoio
aos alunos, tornou-se uma oportunidade adicional de atendimento
ao aluno de educação especial, através da sala de recursos e da escola
especial. Estudos indicam que o seu compromisso em integrar
práticas é promissor, em que o professor de educação especial e o
professor de sala comum trabalham juntos no contexto da classe
comum para envolver todos os alunos. (MENDES; VILARONGA;
ZERBATO, 2014; CAPELLINI,2004; ZANATA, 2012).
Essa nova vertente colaborativa que começa a tomar forma
parece ser um modelo propício para a escolarização de crianças com
necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino, pois
consiste em uma parceria entre os professores de Educação Regular
e os professores de Educação Especial, na qual um educador comum
e um educador especial dividem a responsabilidade de planejar,
instruir e avaliar os procedimentos de ensino a um grupo
heterogêneo de estudantes (FERREIRA, et al., 2007).
Para Vilaronga e Mendes (2017), a proposta de ensino
colaborativo veio favorecer a inclusão escolar e vem transformando
professores e ambientes em direção a este espaço inclusivo, com
350 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

trocas entre eles não descaracterizando as especificidades de cada


profissional. As autoras apontam que os ofícios de base à inclusão
escolar não precisam se apresentar substituto a outro, mas
complementar. Para isso, é defendida uma rede diversificada de
apoio que se completam e oferecem suporte às necessidades dos
escolares.
Leher (1999) destaca que as vantagens de professores atuando
juntos, como uma forma mais rica de trabalho, propicia uma melhor
compreensão das práticas de escolarização eficazes e efetivas,
aumentando assim autoconfiança entre os profissionais envolvidos.
Os professores devem estar abertos a buscar novos saberes e assim
constituir, a partir de suas experiências e troca de experiências com
colegas, competências diversas. Nenhuma formação é completa, ou
permanente, surgem conflitos e alunos que demandam mudanças
na docência.
Para a efetivação de uma cultura colaborativa nas escolas, faz-
se necessária a reflexão sobre

“[...] uma forma de trabalhar juntos para resolver as dificuldades,


planejar e desenvolver mudanças, criando uma organização que se
compromete a resolver os problemas, formando uma organização
de aprendizagem que utiliza o conhecimento e os recursos
existentes.” (DÍEZ, 2010, p. 21).

Há quase dez anos, Giardinetto (2009) já considerava que,


embora as buscas destacam-se nas mais diversas áreas, buscando-
se respostas às distantes questões, observa que, “a intervenção mais
apropriada para as crianças com autismo é a educacional, uma vez
que levam em consideração suas necessidades e de sua família,
proporcionando-lhes o desenvolvimento de habilidades
comunicativas, cognitivas e sociais.” (2009, p.141)
Atualmente, tem-se utilizado as tecnologias para desenvolver
habilidades em crianças com necessidades educativas especiais. Para
isso, é necessário que ocorra a articulação dos indicativos teóricos e
a compreensão do público que acessa a escola, para possibilitar a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 351

prática pedagógica. A associação dessas percepções consistirão em


propostas educativas para inserção de teconolgia no ambiente
escolar.
Dessa maneira, pensar a inclusão escolar é considerar e
refletir a respeito da prática docente, principalmente a partir de
perspectivas que ultrapassem ações excludentes e que favoreçam a
aprendizagem. Ao se refletir sobre a construção dessa escola
inclusiva e nos elementos que compõem a sociedade
contemporânea, vê-se na tecnologia não apenas uma parte da
sociedade, mas uma proposta em potencial a contribuir com o
ambiente escolar e com a prática pedagógica para todos. Assim,
Nóvoa (2009) aponta que:

Um dos grandes perigos dos tempos atuais é uma escola a “duas


velocidades”, por um lado uma escola concebida essencialmente
como um centro de acolhimento social, para os pobres, como uma
forte retórica da cidadania e da participação. Por outro lado, uma
escola claramente centrada na aprendizagem e nas tecnologias,
destinada a formar os filhos dos ricos. (NÓVOA, 2009 p.13)

Entretanto, Moraes (2012; 2006), enfatiza que embora todas


as ações dos projetos implantados tivessem por objetivo promover
a mudança pedagógica no ensino intermediado por tecnologias,
vislumbrando o uso de recursos, geralmente acontece de maneira
distanciada da problemática do ambiente escolar. Para que ações
pedagógicas possam contribuir para a humanização dos envolvidos,
exige-se do educador muito mais que domínio da informação e dos
procedimentos para acessá-las e disseminá-las. (ECCO; NOGARO,
2013). “A maneira como um sujeito aprende é mais importante que
aquilo que aprende, porque facilita a aprendizagem e capacita o
sujeito para continuar aprendendo permanentemente”. (ALVARÉZ
MÉNDEZ, 2002, p.39).
Nesse caso, percebe-se que a tecnologia da informação e a
comunicação foram gradualmente incorporadas ao processo de
aprendizagem. Por isso, cadernos, livros, lápis, lousa e giz não são
352 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

mais as únicas ferramentas usadas na sala de aula, por isso a


tecnologia é uma ferramenta importante para a educação escolar.
Com as TDCI’s (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação)
na educação, o professor pode sugerir outras formas de socializar e
comunicar entre os alunos no processo de ensino e aprendizagem.
Reconhecer a educação como possibilidade humanizadora
implica em defender a necessidade de se ter um professor que tenha
domínio de conteúdos e técnicas e conheça e reflita sobre a teoria
que irá alicerçar sua prática (BARROCO; LEONARDO; SILVA, 2012).

Procedimentos Metodológicos

O projeto buscará dados na análise de documentos, assim:


“Tem-se como fonte, documentos no sentido amplo [...]. Nestes
casos, conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento
analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador
vai desenvolver sua investigação e análise.” (SEVERINO,2007,
p.122) “Os documentos podem também ser classificados como
primários, que são aqueles produzidos por pessoas que vivenciaram
diretamente o evento que está sendo estudado.” (GODOY, 1995,
p.22).
A presente pesquisa para elaborar o aplicativo, tem
abordagem qualitativa sendo a metodologia em Desenvolvimento de
Produto que se situava com foco nas Ciências da Computação e vem
ganhando fundamentos em outras áreas, como Educação.
Wazlawick (2009), ressalta que,

Dentre as áreas emergentes dentro da Computação, ou seja,


aquelas que, mesmo para a Computação, são consideradas muito
novas, é aceitável uma pesquisa em que simplesmente se procura
apresentar algo novo. Nessas áreas, a pesquisa é eminentemente
exploratória, sendo difícil comparar um trabalho com trabalhos
anteriores, pois estes podem não existir. (WAZLAWICK, 2009.
p.18)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 353

Deste modo, é projetada a elaboração de um aplicativo


colaborativo que pretende favorecer ao aluno com TEA a inclusão
escolar, por meio de uma rotina selecionada, pensada e aplicada por
seus professores, do AEE e sala comum, que a partir da troca de
experiência e amparo relacionado ao Trabalho Colaborativo, ganham
aporte para realização das adequações necessárias à aprendizagem.
Será realizada em Escolas de Ensino Fundamental I, de 1º a
5º ano da rede municipal de Educação de uma cidade do interior
paulista. As crianças estão na faixa etária de 6 a 11 anos de idade.
Nessas escolas há professora de AEE que atende no contra turno e
no mesmo turno, com o trabalho colaborativo.
Os dados serão coletados por um roteiro de registro de
informações, que norteará a busca por dados específicos a serem
coletados nos documentos analisados. Esse roteiro contém questões
referentes às meneiras em que o registro é feito, o que é registrado,
o que é destado, o que mais aparece em comum, o que vem sendo
mais importante, em direção aos atributos que deverá se
desenvolver o Aplicativo e após realizada a pesquisa, o público alvo
avaliará o aplicativo. Os dados acerca do processo de ensino dos
alunos com TEA, serão obtidos a partir de uma busca documental
no Referencial de Adequação Curricular do Ensino Fundamental
(RACEF) da Rede Municipal; PDI e Relatórios e Planos de Aula do
AEE e da Sala Comum, para identificar como são registradas as
ações inclusivas e colaborativas do aluno com TEA na escola.
As informações dos documentos serão registradas no roteiro
de registro de informação elaborado para tal.
Os procedimentos para análise dos dados serão realizada por
uma triangulação na análise dos dados, para abranger a máxima
amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em
estudo. A técnica pode reunir processos e produtos centrados no
sujeito. (VIANNA, 2003)
Serão elencadas categorias para que os registros sejam
realizados em direção a contrução do produto educacional, para que
esses registros sejam acessados no aplicativo.
354 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Apresentação do Produto Educacional

Aplicativo Colaborativo direcionado a favorecer a inclusão


escolar do aluno com TEA por meio do planejamento e trabalho em
conjunto dos professores (sala comum e AEE), desde a escolha de
objetivos, planejamento e aplicação da rotina tão importante ao
aluno, será empregado como recurso para o acompanhamento e
verificação do modo como se ensina e como ele aprende. O
Aplicativo terá download gratuitamente disposto e, contará com um
tutorial simplificado para seu uso. Serão encontrados em sites de
serviço de distribuição digital de aplicativos.
Após realizada a análise dos dados a partir dos resultados
obtidos, será elaborada a composição do App. que se constituirá
pelos seguintes passos: Desenhar um esboço, com as características
(interface, design); Estabelecer uma prescrição e um tutorial de uso;
Orientar a elaboração ao Laboratório de Desenvolvimento de
Pesquisa de Produtos Educacionais vinculado ao Programa de Pós-
Graduação Mestrado Profissional em Docência para a Educação
Básica, para escolha da programação e codificação; Verificar,
analisando se está de acordo com o solicitado. Após o uso, será
aplicada uma avaliação, como entrevista semiestruturada para,
analisar se o App. atende as necessidades dos usuários; analisar
devolutiva dos usuários, permitindo a verificação de falhas e
posterior validação.

Considerações

Neste estudo, que está em andamento, percebemos que a


tecnologia da informação e comunicação foram gradualmente
incorporadas ao processo de aprendizagem. Por isso, cadernos,
livros, lápis, lousa e giz não são mais as únicas ferramentas usadas
na sala de aula, fazendo da tecnologia uma ferramenta importante
para a educação escolar. Com as TDCI’s na educação, o professor
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 355

pode sugerir outras formas de socializar e comunicar entre os


alunos no processo de ensino e aprendizagem.
Acredita-se que o produto desta pesquisa, contribua como um
facilitador do trabalho colaborativo para inclusão do aluno TEA.
No decorrer do ano letivo, professoras (sala comum e AEE)
trabalham juntas, para atender às necessidades educacionais dos
alunos em processo de inclusão escolar, que requerem atendimento
especializado. Neste contexto, vem crescendo o número de alunos com
TEA que, mesmo partindo de características comuns, acabam
possuindo particularidades educacionais diferentes. Uma questão em
comum entre eles, é a necessidade de rotina como segurança e
organização.
O produto educacional, é um aplicativo que virá como
facilitador da rotina do aluno com TEA, bem como para a promoção
de sua inclusão escolar, já que professores de sala de aula comum e
de AEE selecionarão juntos as habilidades constantes no RACEF a
serem trabalhadas em conjunto, podendo também utilizarem-se de
fotos para que seja contemplada a rotina do aluno. Serão
determinados níveis de acesso para o aluno e professores, havendo
a possibilidade de colocar a família para acompanhar. A partir deste
aplicativo, pretende-se simplificar o acesso às informações do aluno,
contextualizar e tornar mais prática e interativo os registros.
Em suma, será constatado com o uso do Aplicativo sua
viabilidade, se haverá a necessária conversa e troca entre
professores, bem como o conhecimento conjunto acerca do aluno
com TEA, para deste modo, promover a inclusão escolar dele com
Projeto de Trabalho Colaborativo, configurando-se como mais um
recurso potencializador para as práticas colaborativas.

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356 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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professores e prática
24

As políticas educacionais e
a inclusão de autistas na rede regular:
um olhar ontológico

Marcela Scotti Marin Silva


Maria Eliza Brefere Arnoni

Introdução

A inclusão educacional é uma palavra de ordem nos


documentos que subsidiam a formulação de políticas educacionais
na atualidade, sendo necessário propor medidas que garantam a
igualdade de acesso à educação a alunos que são público alvo da
educação especial, como parte integrante do sistema educativo. No
entanto, após esse percurso que a inclusão percorreu no Brasil, faz-
se necessário acompanhar o trajeto da legislação educacional, com
intuito de observar se os princípios que regem os documentos
oficiais garantem a inclusão escolar, ou perpetuam a exclusão,
apenas incluindo socialmente esse aluno na escola regular.
Historicamente a escola sempre foi vista como um espaço
formativo de um grupo minoritário, legitimando praticas
educacionais excludentes da maioria da sociedade. A partir do
processo de democratização da escola, evidencia-se o paradoxo
inclusão/exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o
acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados
fora dos padrões homogeneizadores da escola (BRASIL, 2008).
Deixando claro as situações de segregação e integração, pressuposto
por essa seleção, resultando em altos índices de fracasso escolar.
360 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Diante dessa visão, “movimentos em defesa dos direitos


humanos”1 iniciam um processo de reconhecimento de direitos e da
participação de todos os sujeitos, sem distinção em razão de suas
características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguística.
A partir de então, começa a ruptura do modelo tradicional,
questionamentos em relação ao atendimento educacional
especializado ser substitutivo ao ensino regular e as escolas ou
classes especiais. Os diagnósticos diferenciavam os sujeitos como
normais/anormais e direcionava as práticas escolares adequadas
aos alunos com deficiência, segregando esses alunos em instituições
próprias para cada tipo de deficiência.
A lei nº4.024/61 – LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, trouxe o atendimento educacional às pessoas
com deficiência, apontando direitos aos “excepcionais” à educação,
preferencialmente no sistema de ensino. Alterada pela lei nº
5.692/71 - LDBEN - Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus,
que definiu como “um tratamento especial” para estudantes com
deficiências físicas e mentais, os que se encontram em atraso
idade/série e os superdotados, não promovendo organização no
sistema de ensino capaz de atender as especificidades (BRASIL,
2008). Reforçando o encaminhamento desses alunos, para classes e
escolas especiais, não efetivando a
“Educação para Todos” pressuposto já estabelecido,
permanecendo nas concepções de ‘políticas especiais” para os alunos
com deficiência.
A Constituição Federal de 1988 define em seu art. 205, foi um
marco decisivo para a educação inclusiva, trouxe a “educação como
um direito de todos”, garantindo o pleno desenvolvimento da
pessoa, o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

1
A partir da década de 90 século XX surge o movimento mundial em favor da inclusão das pessoas
com necessidades especiais. Esses movimentos estavam insatisfeitos com a tentativa de integração
social dos alunos das escolas regulares que eram encaminhados para classes especiais. Esse período
foi marcado por amplos debates de âmbito Nacional e Internacional, caracterizado pelo discurso da
“Educação para Todos”.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 361

Estabelecendo também, em seu art. 206 “a igualdade de condições


de acesso e permanência na escola” como um dos princípios para o
ensino, garantindo como dever do Estado, a oferta do Atendimento
Educacional Especializado (BRASIL, 2008).
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, lei n°
8.069/90, em seu art. 55, determina a obrigatoriedade dos pais ou
responsáveis em matricular seus filhos ou pupilos na rede regular
de ensino, ou seja, todas as crianças com ou sem deficiência
deveriam frequentar a escola regular.
A Declaração Mundial de Educação para Todos - Jomtien
(1990) e a Declaração de Salamanca (1994) influenciaram a
formulação de novas políticas educacionais que transformaram os
sistemas de ensino. A Declaração de Salamanca, trouxe o conceito
de Escolas Inclusivas, acrescentando que as escolas devem
reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos,
acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e
assegurando uma educação de qualidade a todos através de um
currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de
ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. (BRASIL,
1997, p. 5).
Impulsionado por esse Movimento dos Direitos Humanos, em
1994, é publicada pela primeira vez, um documento que abrangesse
essa temática, a Política Nacional de Educação Especial, orientando
um processo de “integração instrucional” que condicionava o acesso
às classes comuns do ensino regular àqueles (...) que possuem
condições de acompanhar e desenvolver atividades curriculares
programadas no ensino comum, no ritmo dos estudantes ditos
normais (BRASIL, 2008). Com isso, reafirma padrões
homogeneizadores em relação o ensino e a aprendizagem dos
alunos, não provocando mudança em relação as práticas
educacionais, ou seja, os diferentes potenciais não eram valorizados
e continuavam somente sobre a responsabilidade do âmbito da
educação especial.
362 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em 1996, com as alterações na LDBEN, lei nº 9394/96 –


Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 59, preconiza
que os sistemas de ensino devem assegurar aos estudantes
currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender
às suas necessidades; assegurando a terminalidade específica à
aqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental em virtude de suas deficiências (BRASIL, 2008). A
inclusão começa a ser repensada de outra forma, políticas
educacionais de educação inclusiva não são garantidas com a
substituição do ensino regular de forma suplementar ou
complementar, mas com reorganização curricular, formação
docente para a diversidade e formações específicas sobre as
especificidades e singularidades de cada deficiência em particular.
A participação do país, na Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, em 2006, realizada pela ONU (Organização
da Nações Unidas), referendou o Decreto Legislativo nº 186/2008 e
do Decreto Executivo nº 6949/2009, estabelecendo que os estados-
partes deveriam assegurar um sistema de educação inclusiva em
todos os níveis de ensino, adotando medidas que:

as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema


educacional sob alegação de deficiência (...), acesso ao ensino
fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de
condições com as demais pessoas da comunidade (BRASIL, 2008).

Apenas na Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação


Básica, CNE nº04/2010, que ratifica que o caráter da educação
especial não é substitutivo, e que os alunos com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades devem
ser matriculados no ensino regular, com o atendimento educacional
especializado – AEE, complementar ou suplementar a escolarização,
ofertados em salas de recurso multifuncionais. E também o Decreto
Nº 7611/11, que dispões sobre a educação especial, o atendimento
educacional especializado (AEE), considerando público-alvo da
educação especial as pessoas com deficiência, com transtornos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 363

globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou


superdotação.
Diante dos direitos oficialmente adquiridos, se faz necessário
estudar a proposição subliminar presente nessas publicações,
sabendo que a escola pública é uma das organizações culturais que
está abraçando esta questão de ordem social. Não se trata de
contestar o direito de todos à educação, mas de investigar o apoio
oficial que acompanha tais políticas inclusivas, no sentido de
proporcionar às escolas regulares a estrutura física e profissional
que a capacite em oferecer um atendimento adequado a este aluno,
no que se refere a inclusão social e pedagógica.
Caso não tenha este apoio, as políticas citadas acima,
estigmatiza a população minoritária, que são os sujeitos com
deficiência, utilizando critérios de normalidade/anormalidade,
fragmentando-as, garantindo a esse grupo social direitos exclusivos,
e ao mesmo tempo descaracterizando esses sujeitos devido a poucos
investimentos públicos. A universalização de políticas sociais, já que
as políticas educacionais estão enviesadas por políticas sociais,
ambas preconizadas que preservam o status quo, evitando
mudanças profundas e incorporando inovações que reforçam a
estrutura vigente ou que, pelo menos, não interfere na lógica que já
existe.
Assim, oficialmente a educação é responsável por esse grupo
excluído da sociedade, marcado por questões físicas, sociais e
sensoriais. No entanto, há aspectos presentes nos discursos oficiais
sociais referentes às políticas inclusivas2, que não podem deixar de
serem debatidos, como o caso da escolarização necessária para
todos, sem perpetuar o cenário excludente das escolas públicas. Para
PERTILE,

2
Característica fortemente influenciada por Documentos Internacionais a partir da década de 1990,
destacando a Declaração de Educação Para Todos (UNESCO, 1990) e a Declaração de Salamanca
(UNESCO, 1994).
364 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Políticas inclusivas não preveem mudanças nas bases estruturais


da sociedade capitalista, mas se limitam à discussão de questões
correspondentes às atitudes individuais, propõem a convivência
entre o respeito à diferença e a brutalidade competitiva do
mercado de trabalho. Defendem, ainda, a existência de uma escola
inclusiva, fraternal e que acolha e promova a aceitação de todos
numa realidade marcada pelo interesse no lucro, pela exclusão e
pela indiferença em relação aos aspectos humanos. (PERTILE,
2016)

Embora encontramos as determinações oficiais de “Inclusão


escolar sem discriminação”, o cotidiano escolar mostra que este
ideário não se operacionaliza pela ausência de políticas públicas que
garantem estes direitos para além da matrícula e da suposta
integração. Entendemos que a inclusão exige que as políticas
públicas ofereçam condições reais de permanência do autista na
escola regular, via contratação de outros profissionais especializados
que informem cientificamente o professor sobre o estado clínico da
patologia e dos reflexos no comportamento humano, em especial,
dos alunos reais que a escola recebeu em suas classes regulares. A
licenciatura não oferece este aporte clínico [fisiológico, psicológico,
fonoaudiológico, etc.] ao profissional professor. Neste aspecto,
entendemos que a efetiva assistência especializada torna, possível o
atendimento individual do autista oficialmente (im)posto.
Reiteramos a relevância de uma equipe multidisciplinar
subsidiando as opções pedagógicas voltadas para o processo
subjetivo de aprendizagem, desde o planejar do processo educativo
da atividade educativa que atenda às necessidades específicas desses
alunos na escola regular, o desenvolver deste processo na prática de
sala de aula que inclui o autista e seu professor, bem como, o avaliar
do processo educativo no seu desenvolvimento, discutindo-o e
propondo intervenções no seu decorrer, ou seja, a avaliar o
desenvolvimento intelectual do autista durante o processo
educativo: avaliação processual.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 365

Pensar a inclusão via processo educativo emancipador


(ARNONI, 2018) neste modelo de escola elitista que atende uma
sociedade competitiva, não há possibilidades se o professor, não
romper com a lógica utilitarista do material didático.
De acordo com Arnoni (2018), o processo educativo
emancipador da atividade educativa, é composto por três fases
distintas e articuladas, as quais precisam ser planejadas
processualmente:

1ª Fase da Atividade Educativa: subsidiar a profissionalização da


docência via desenvolvimento cultural e intelectual do professor, ao
estudar os fundamentos ontológicos da mediação dialética e os conceitos
científicos da área de conhecimento da disciplina, visando assegurar o
planejamento da atividade educativa que perspectiva a emancipação
humana.
2ª Fase da Atividade Educativa: planejar processualmente o
desenvolvimento do conceito educativo pela objetivação das Etapas
metodológicas da Metodologia da Mediação Dialética; desenvolvê-las na
prática educativa e avaliar as relações entre, professor, aluno e conceito
educativo.
3ª Fase da Atividade Educativa: analisar a atividade humana educativa,
em sua totalidade, e seu influxo no desenvolvimento psicointelectual do
aluno, no contexto da sociedade atual.

As fases do planejamento processual são teórico-


metodológicas, na 1ª e 3ª Fase da atividade educativa predomina
questões teóricas: A 1ª preparando o professor para o planejamento,
o desenvolvimento e a avaliação, enquanto a 3ª fase destina-se à
avaliação da atividade educativa, em sua totalidade (ARNONI, 2018).
A 2ª fase predomina a questão metodológica, em que o professor
desenvolve o processo educativo via metodologia da mediação
pedagógica (ARNONI, 2018).
Em síntese, fica claro a importância do planejamento do
professor para uma atividade educativa que atenda as
especificidades do aluno com autismo, garantindo a superação das
limitações biológicas, de acordo com suas potencialidades, em que o
366 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

professor do ensino regular conta com o acompanhamento dos


demais especialistas.
A crítica tecida nesse estudo, não é em relação a abertura
oficial das escolas regulares para os alunos com deficiência e sim,
pretendemos:
Investigar como as legislações garantem investimentos para a
restruturação física e a formação de profissionais para o
atendimento adequado do aluno com deficiência? Verificar se o
município de São José do Rio Preto, garante em sua legislação
municipal a quantidade mínima de alunos para as salas com
inclusão? Levantar os suportes humanos, sua formação profissional
e qual auxílio oferece ao professor da sala regular.
Segundo Arnoni (2018), o processo educativo emancipador
inclui o professor e o aluno no trato com o conhecimento
sistematizado, via Metodologia da Mediação Dialética.
Daí a questão:

“Como o professor, sem conhecer o desenvolvimento


biopsicossocial do ser social que apresenta transtorno do espectro
autistas, é capaz de intervir no seu processo de aprendizagem que
expressa singularidades?

Apenas distribuir e atribuir ao professor práticas


diferenciadas, as práticas inclusivas oficialmente recomendadas. faz
com que o ideário inclusivo seja apenas mudanças burocráticas na
lógica utilitarista que caracteriza a atual educação escolar,
dificultando a superação desse cenário e colaborando para a
perpetuação desta sociedade excludente. É necessário fomentar
junto aos professores o diálogo científico acerca das deficiências que
o aluno apresenta e do processo educativo emancipador que possa
efetivamente intervir no processo de aprendizagem deste aluno.
Nesta perspectiva, a presente pesquisa tem como objetivo
realizar o estudo da política educacional no contexto da educação
inclusiva, com intuito de analisar se o que rege estes documentos é
capaz de incluir o aluno com transtorno do espectro autista no
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 367

processo de escolaridade regular ou perpetuar a exclusão, garantindo


apenas a matrícula desse aluno com TEA na escola regular.
Para isto, como procedimento metodológico pretendemos
realizar um estudo bibliográfico para investigar o estado da arte
referente à situação de escolaridade do aluno com transtorno do
espectro autista na rede regular de ensino; analisar os documentos
oficiais identificando os possíveis encaminhamentos teórico-
metodológicos para sua inclusão no processo educativo e verificar a
organização da SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO
JOSÉ DO RIO PRETO, em relação à presença do aluno autista nas
escolas da rede municipal de ensino.
Para esta análise, optamos pela concepção de processo
educativo emancipador, em Arnoni (2018).

Transtorno do Espectro Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Atualmente nos deparamos com um aumento significativo de


alunos com transtorno do espectro transtorno do espectro autista
(TEA) matriculados no ensino regular. Léo Kanner, psiquiatra da
infância e adolescência, radicado nos estados Unidos, a sete décadas
atrás, estudava um grupo de 11 crianças com um padrão
comportamental comum, do qual nomeou de Autismo Infantil. Após
vários estudos sobre o cérebro por neuroimagem, pesquisas genéticas
e pesquisas neuropsicológicas, os critérios usados para diagnóstico são
clínicos e fenológicos. De acordo com o DSM-5, a avaliação é realizada
a partir da observação de déficits persistentes na comunicação social e
na interação social em múltiplos contextos; e padrões restritos e
repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.

Desenvolvimento

Muito vem se discutindo sobre a inclusão de pessoas com


deficiência no ensino regular, em especial alunos com transtorno do
espectro autista. No entanto, este sujeito ao ingressar no ambiente
368 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escolar necessita muito mais que o direito de estar ali, necessita de


políticas educacionais efetivas que garantam, além do direito de
estar ali, vivenciar o processo educativo emancipador.
Nesta pesquisa pautamos em Vigotski (1997), em que o
enfoque do processo dialético, tem como princípio que a debilidade3
deve trazer força e resistência com vistas a possibilitar que os
sujeitos consigam superar suas condições de deficiência a ele
imposta pelo defeito e se tornar homens de plena validez social. O
autor nos traz, em sua obra, elementos essenciais para questão
primordial abordada neste estudo, informando que a vida da pessoa
com deficiência não está atrelada ao defeito, mas as relações sociais
que estabelecem, o que Vigotski chama de supercompensação, ou
seja, reorganização psíquica com intuito de superação do defeito.
Vigostki entendia a deficiência a partir de uma perspectiva
crítica:

Diferentemente de muitos pesquisadores anteriores


que estudavam a criança deficiente, Vigotski
concentrou sua atenção nas habilidades que tais
crianças possuíam, habilidades que poderiam formar a
base para o desenvolvimento de suas capacidades
integrais. Interessava-se mais por suas forças do que
por sua deficiência. (LURIA, 1998, p. 34)

A partir desse perspectiva de Vigotski sobre a deficiência e a


concepção de autismo presente nesse estudo, em que crianças
vieram ao mundo com essa capacidade inata de não estabelecer
contato afetivo com as pessoas, indiferença a sentimentos e
emoções, dificuldade em estabelecer linguagem oral, biologicamente
fornecido, e com possibilidade de através da
superação/compensação da deficiência desenvolver outros sentidos
de acordo com as condições sociais oportunizadas a elas, verificando
3
Termo utilizado por Vigotski em sua obra intitulada “Fundamentos da defectologia”, que compõe o
Tomo V das obras de Liev Semenovitch Vigostki para se referir a deficiência.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 369

então, que através das diferentes linguagens pode ocorrer a


aprendizagem. A partir das especificidades de cada criança, a
deficiência deve ser transformada em força e em capacidade. Para o
autor,

Ao entrar em contato com o meio externo, surge o conflito


cognitivo [...] este conflito origina grandes possibilidades e
estímulos de supercompensação. O defeito se converte, desta
maneira, no ponto de partida e na força motriz principal do
desenvolvimento psíquico da personalidade. Se a luta conclui como
vitória para o organismo, então não somente são vencidas as
dificuldades originadas pelo defeito, senão que o organismo se
eleva em seu próprio desenvolvimento, a um nível superior,
criando do defeito uma capacidade; da debilidade, a força; na
menos-valia a supervalia [...] (VIGOSTKI, 1997, P.77-78)

De acordo com Vigotski (1997), é através das relações sociais


que a pessoa com deficiência enfrenta as barreiras e as limitações
impostas pelo próprio meio social, do qual não está adaptado para
atender as suas especificidades. Acrescenta também, que não são as
determinações de núcleo biológico que decidem a vida de quem é
acometido por um defeito, mas sim o social. E acrescenta que o
fracasso, é, com certeza, gerado pela não possibilidade de
desenvolvimento dado pelo meio que acerca pessoas com
deficiência.
A educação assume um papel primordial na vida desses
alunos, que estão matriculados na escola regular, para além da
inclusão social, esse sujeito tem que ter acesso a conhecimentos, a à
aprendizagem, que leve ao desenvolvimento e a superação das suas
dificuldades. Assim a escola é responsável pelo destino dessas
crianças, suas consequências sociais, excluindo ou incluindo esse
público.
Para Vigotski (1997), a linguagem desempenha função
determinante para o processo de supercompensação, convertendo
em possibilidades de vivenciar a experiência social. É através dela e
do contato com o meio circundante, que o autista poderá se
370 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

apropriar das relações sociais, apesar de sua dificuldade, fazendo


uso de diferentes linguagens. A linguagem e as experiências sociais
são primordiais para o desenvolvimento e aprendizagem dos
sujeitos transtorno do espectro autistas, desde que seja realizado por
diferentes vias, de outras maneiras, por outros meios, respeitando
as suas particularidades. A ideia é que a deficiência seja o ponto de
partida e não o ponto de chegada, diante disso o grande desafio do
processo educativo é que rompa com a ideia de fraqueza e limites,
assumindo um papel de possibilidades e superação.
Essa pesquisa iniciou-se pela necessidade de buscar
conhecimento em relação a inclusão de alunos com TEA
matriculados na rede municipal de São José do Rio Preto, durante a
minha permanência na gestão de um Centro especializado em
autismo. Essa instituição era a antiga Escola do Transtorno do
espectro autista “Maria Lúcia de Oliveira” que a partir de 01 de
fevereiro de 2016 foi transformada por um Decreto
Municipal em Centro de Convivência e Educação Municipal do
Transtorno do espectro autista “Maria Lúcia de Oliveira”, passou a
incluir os alunos em idade escolar nas escolas do munícipio e
começou a oferecer esse atendimento educacional especializado, em
forma de oficinas pedagógicas, opcional para as famílias com
crianças diagnosticadas com transtorno do espectro transtorno do
espectro autista (TEA) e estão matriculadas na rede municipal de
ensino de São José do Rio Preto.
A pesquisa será de cunho bibliográfico e documental, que tem
como eixo norteador, o resgate das políticas públicas no contexto da
educação inclusiva e suas contribuições acerca da emancipação
humana para além do conceito de integração. Foi iniciado a leitura
da legislação educacional e marcos legais, de Convenções realizadas
pela UNESCO e algumas reflexões acerca das possibilidades desses
sujeitos superarem a deficiência e as limitações impostas pelo meio
social. Será observado o enfoque que o município de São José do Rio
Preto, dá em relação a inclusão de transtorno do espectro autistas
na rede regular, analisando as falas dos docentes e dos respectivos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 371

representantes do sistema municipal, sobre tais investimentos


acerca do desenvolvimento de alunos com autismo.

Conclusões

Trata-se de uma pesquisa inicial que aborda questões


referentes às políticas educacionais, diretamente impulsionada por
políticas sociais internacionais, no intuito de garantir a
universalização do acesso à escola regular para minimizar os
problemas sociais. No entanto, a educação ao mesmo tempo que
determina, também é determinada por organismos educacionais.
Esse estudo não se coloca contra o processo de inclusão de alunos
no ensino regular, mas como isso está se efetivando na prática, em
especial com os alunos do município de São José do Rio Preto.
O olhar será em relação, as condições oferecidas a esses
alunos transtorno do espectro autistas para superação de suas
limitações de âmbito social, cultural ou cognitivo. As possibilidades
do defeito e da deficiência a partir das relações sociais, para o
desenvolvimento pleno da pessoa com deficiência.
A educação formal, tem papel fundamental na superação das
dificuldades desses alunos, encontrando através das políticas
educacionais, garantias para o desenvolvimento e aprendizagens
desses sujeito com autismo, através da consolidação de políticas
municipais de educação especial na perspectiva da educação
inclusiva, garantias do atendimento educacional especializado (AEE)
para além do atendimento individualizado, visando a eliminação de
barreiras dentro das salas de aula para facilitar a inclusão escolar e
o direito ao acompanhamento de um professor auxiliar. É direito de
todos os alunos um processo educativo emancipador, que possibilite
o acesso a conhecimentos sistematizados produzidos
historicamente, ou seja, que almeja uma educação validada pela
aprendizagem de todos os alunos, sem exceção. Através dessa
concepção, como o município de São José do Rio Preto, está
desenvolvendo políticas educacionais para a educação especial é
372 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

extremamente importante para analisar se existe para além da


inclusão social, a possibilidade de inclusão pedagógica.

Referências

ARAÚJO. C., SCHWARTZMAN. J. S. (Orgs.) Transtornos do espectro do


autismo. São Paulo: Memnon, 2011

ARNONI.M.E.B. Teoria pedagógica da mediação dialética, uma abordagem


ontológica do processo educativo. In: NETO, H.P. (Org) Ensino &Teoria:
Diálogos entre epistemologia e ontologia. Porto Alegre, RS: Editora Fi,
2018

ASSUMPÇÃO. JR. F. B(Orgs) Autismo Infantil - Novas Tendências e


Perspectivas. São Paulo, Atheneu - 2ª Ed. 2015

BRASIL. Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Brasília: Ministério


da Educação, 1990

BRASIL. Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.


Brasília: Ministério da Educação – Imprensa Oficial, 1996

BRASIL. Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre Necessidades


Educativas Especiais. Brasília: Ministério da Justiça/Secretaria Nacional
dos Direitos Humano, 2. ed., 1997.

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação


Inclusiva. Brasília: Ministério da Educação, Brasília, 2008

BRASIL (2012). Lei n. 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política


Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Transtorno do espectro autista; e altera o § 3o do art. 88 da Lei n. 8.112,
de 11 dezembro de 1990. Recuperado em 27 maio de 2018, de
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm.

CUNHA. E. Autismo e Inclusão: psicopedagogia e práticas educativas na


escola e na família. 7ª ed.- Rio de Janeiro: Wak Ed., 2017
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 373

LURIA, Alexander Romanovich, Vigotski. In: VIGOTSKI, L.S.; LURIA, A. R.;


LEONTIEV. A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 4ª
edição. Ed. São Paulo: Ícone, 1998. P. 21-37

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM 5. Tradução


de Maria Inês Correa Nascimento et al; revisão técnica Aristides Volpato
Cordiolo. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2014.

NUNES, D. R. P., AZEVEDO, M. Q. O., & SCHMIDT, C. (2013). Inclusão


educacional de pessoas com Autismo no Brasil: uma revisão da
literatura. Revista Educação Especial, 26(47), 557-572.

PERTILE. E.B; ROSSETTO. E. As políticas de inclusão e a educação escolar:


contrapontos necessários. Revista Educação, Porto Alegre, v.39, n.3,
p.334-343, set.-dez.2016

SCHWARTZMAN. J.S. Autismo Infantil. São Paulo: Memnon, 2003

VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Fundamentos de defectologia. In: Obras


completas. Tomo V. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997.
25

Avaliação dos impactos do PIBID na formação de


graduandos em pedagogia da UNAERP

Heloisa Alves Rosa


Claudinei De Souza
Fabiana Buzo De Souza
Gabriela Vansan
Samila Bernardi Do Vale

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar os impactos


do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)
na formação inicial de professores, tomando como base os relatórios
dos bolsistas discentes, que refletem as experiências do subprojeto
do curso de Pedagogia da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP)
no ano de 2017. A partir do resgate do material produzido neste
período, buscamos analisar as contribuições do programa nos
seguintes aspectos: formação dos bolsistas participantes e a
efetividade do Programa perante os objetivos previstos pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
A partir de uma perspectiva crítica será levantado reflexões
sobre o contexto da prática docente abordando conceitos que
abarcam a essencialidade do trabalho educativo, bem como
evidenciam as contradições presentes acerca da formação do
professor. Este material tem também como intuito sistematizar e
compartilhar as experiências dos bolsistas no período supracitado.
376 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Posto isto, o trabalho foi organizado em três etapas: descrição das


características do PIBID, tanto geral como no subprojeto da
Pedagogia UNAERP, bem como da escola parceira; relato da
experiência e organização do subprojeto em 2017; e avaliação do
Programa diante de suas contribuições no âmbito da formação de
professores.
Para elaboração deste artigo utilizamos a metodologia
qualitativa de caráter bibliográfico, partindo de fontes documentais
que abrangeram os relatórios dos bolsistas discentes do ano de 2017,
assim como referenciais teóricos que tratam o tema formação de
professores e documentos oficiais da CAPES.
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência é
uma proposta da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes) que tem o intuito de incentivar a iniciação à
docência e sua formação em nível superior, assim como a melhoria
da qualidade da educação básica pública. Seu apoio consiste na
concessão de bolsas aos integrantes do projeto e no repasse de
recursos financeiros para custear suas atividades.
O Pibid promove a aproximação entre as instituições de
ensino superior (IES) e as escolas públicas através de projetos
propostos pelas IES e desenvolvidos por licenciandos.
Segundo a CAPES (2013), os objetivos do PIBID são:

I – incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação


básica;
II – contribuir para a valorização do magistério;
III– elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de
licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e
educação básica;
IV – inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de
educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e
participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas
docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a
superação de problemas identificados no processo de ensino-
aprendizagem;
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 377

V – incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus


professores como co-formadores dos futuros docentes e tornando-as
protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério;
VI – contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à
formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas
nos cursos de licenciatura;
VII – contribuir para que os estudantes de licenciatura se insiram na
cultura escolar do magistério, por meio da apropriação e da reflexão
sobre instrumentos, saberes e peculiaridades do trabalho docente.

O programa abrange as IES que oferecem cursos de


licenciatura, onde são organizados subprojetos com o intuito de
estabelecer estratégias que inserem os graduandos no contexto da
educação básica de modo a se relacionarem com as demandas
intrínsecas ao cotidiano escolar. Assim, os docentes das IES e das
escolas da rede básica de educação atuam de forma conjunta e
articulada na sedimentação da orientação e referenciamento dos
licenciandos. Ao se inscreverem no programa as instituições que
possuem cursos de formação docente passam por etapas seletivas
por meio de pleiteamento via edital.
Nesse viés, a Unaerp, a partir de 2014 foi contemplada pelos
subprojetos dos cursos de Licenciatura Plena em Pedagogia,
Educação Física e Música, sendo que cada subprojeto desenvolveu e
promoveu atividades e propostas voltadas para as suas respectivas
áreas, com o objetivo de incentivar os estudantes na iniciação à
docência e promover a inserção dos mesmos em algumas escolas
públicas do município. A partir de 2016, as intervenções passaram a
ser realizadas somente na EMEF Prof. Dr. Paulo Monte Serrat Filho,
localizada na cidade de Ribeirão Preto.
Assim, as atividades trabalhadas dentro do PIBID,
relacionaram os conteúdos curriculares e extracurriculares com
ações colaborativas tendo em vista a iniciação à docência de
licenciandos, a formação continuada de professores em serviço e a
promoção da melhoria do ensino na educação básica.
378 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Experiências didáticas, pedagógicas e acadêmicas no Pibid

A partir de agora abordaremos algumas experiências


desenvolvidas em 2017 durante a vivência na EMEF Paulo Mont
Serrat Filho, na qual surgiram demandas e direcionamentos os
quais foram identificadas necessidades de estudos e
aprofundamentos que pudessem orientar e subsidiar a prática em
sala de aula.
Com o objetivo de dar seguimento às atividades que vinham
sendo desenvolvidas na EMEF Paulo Monte Serrat Filho, os bolsistas
participaram de uma reunião no início do ano com a diretora e vice-
diretora a fim de determinar novas ações para o projeto. Com isso,
identificou-se a necessidade de trabalhar em cima do resgate da
ludicidade e valorização da infância; incentivo à leitura; formação e
construção da representatividade a partir da apropriação do espaço
escolar. Assim, o planejamento foi realizado após o primeiro
diagnóstico, e em meio a discussões e reflexões o trabalho dos
bolsistas na escola se estruturou em três frentes: intervenções com
o 1º ano; recreio dirigido; e ações de mobilização e fortalecimento
com o Grêmio Estudantil, propondo a reflexão e tentativa de ações
que reflitam práticas diferenciadas de ensino, assim como, o
aprendizado dos bolsistas com a rotina da escola e seus
profissionais. Logo, emergiram temas que são inerentes a sociedade
contemporânea, como: identidade e as questões étnico-raciais que
ao ser discutida durante os encontros periódicos deu origem ao
projeto Conhecendo e Valorizando a Cultura Africana no Brasil, com
os eixos: Identidade; Descendência – abordagem da África e suas
características; Expressão da cultura africana no Brasil.
Ao longo do trabalho desenvolvido através do Pibid, os
bolsistas participaram de eventos acadêmicos com o objetivo de
socializar as experiências proporcionadas pelo programa ao
subprojeto da pedagogia, sendo eles: Congresso de Iniciação
Científica e Pesquisa 2017 - CONIC realizado na UNAERP, com a
exposição - na modalidade painel - do trabalho “PIBID e os Desafios
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 379

da Docência na Contemporaneidade: Vivências e práticas da


Pedagogia na Escola”; e III Jornada Pedagógica da UNAERP, com a
apresentação oral do relato de experiência dos subprojetos.

Avaliação dos impactos do PIBID na formação de licenciandos

Nesta parte do trabalho averiguaremos as contribuições do


PIBID na formação dos bolsistas discentes do curso de pedagogia da
Universidade de Ribeirão Preto, buscando levantar dados originados
dos relatórios produzidos pelos pibidianos referente ao ano de 2017,
bem como, apontar referenciais teóricos que subsidiem a reflexão
acerca da formação docente.
Como ponto de partida para pensarmos a formação docente,
sob parâmetros organizados a partir da perspectiva pedagógica
histórico-crítica, destacamos inicialmente a seguinte definição sobre
o objetivo da educação escolar:

[...] o objetivo central da educação escolar reside na transformação


das pessoas em direção a um ideal humano superior, na criação
das forças vivas imprescindíveis à ação criadora, para que seja, de
fato, transformadora, tanto dos próprios indivíduos quanto das
condições objetivas que sustentam sua existência social
(MARTINS, 2010, p.15).

Neste excerto a autora traz uma concepção de educação


escolar que aponta características sobre a transformação do próprio
sujeito, bem como a criação de forças necessárias, concretas e
subjetivas, que constituem e subsidiam a transformação do meio
social. Nesse sentido, a essencialidade da educação escolar consiste
em desenvolver nos indivíduos a capacidade de apropriação da
cultura enquanto expressão do saber histórico, no que lhe concerne
a compreensão e transformação da própria cultura absorvida como
forma de superação de paradigmas. Dessa forma, o resultado do
trabalho educativo na educação escolar deve estar fundamentado
em garantir condições ao sujeito para que possa compor e
380 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ressignificar a própria existência, no âmbito do trabalho, da


sociabilidade e da subjetividade.
No tocante da formação docente, ter clareza sobre o papel da
educação e da educação escolar possibilita que possamos ter
discernimento sobre a função do educador, sobretudo diante dos
objetivos da educação escolar e perante a essencialidade do trabalho
educativo.
Diante da concepção apresentada, tendo em vista que a
educação não se pode prescindir dos aspectos sociais que a
sedimentam, emergem reflexões acerca das contradições presentes
na formação inicial de professores. Segundo Martins (2010), ainda
que palavras como “reflexão e criticidade” estejam muito presentes
nos conteúdos e abordagens dos cursos de licenciatura, tem-se
perpetuado sob o aspecto prático uma postura reprodutivista na
prática pedagógica, condicionando o educador ao estado de
alienação às características intrínsecas a seu ofício. À face do
exposto, a autora afirma:

[...] Como nunca, a importância da formação inicial e contínua


desse profissional é conclamada e, como nunca, também, tão
esvaziada de sua função precípua, qual seja, a formação de pessoas
aptas aos domínios do tríplice universo1 anteriormente referido.
Nela, o “saber fazer” passa a se sobrepor a qualquer outra forma
de saber, apresentando-se travestido, também, sob a forma de
“competência” [...] (MARTINS, pág.19, 2010).

Ao fazer esta colocação, Martins está referenciada a partir da


análise sobre os impactos políticos hegemônicos na educação
brasileira durante o século XX, apontando a defasagem sobre a
plenitude da formação docente – a diluição da essencialidade que

1
Ao trazer esta afirmação a autora ressalta a consonância de suas ideias com a do educador Antônio
Joaquim Severino, abordando o conceito de tríplice universo como práticas que tecem a existência
histórica concreta do homem, contribuindo – por meio da educação - para sua integração: no universo
do trabalho, âmbito da produção material e das relações econômicas; no universo da sociabilidade,
âmbito das relações políticas; e no universo da cultura simbólica, âmbito da consciência pessoal, da
subjetividade e das relações intencionais (MARTINS, 2010, p.14 apud SEVERINO, 2002, p.11)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 381

consiste no domínio do tríplice universo na formação do professor


– como consequência de um avanço intervencionista neoliberal que
ganhou força nas últimas décadas, sobretudo após o Consenso de
Washington2. À serviço de uma educação baseada na lógica da
lucratividade e da competitividade de mercado, a formação do
profissional docente tem sido esvaziada da sua função precípua,
“equidistante, portanto, de critérios sociais éticos e humanos”. O
“saber fazer” emerge na formação de professores como alternativa
para a prática educativa cotidiana e como forma de atendimento de
demandas hegemônicas em detrimento da reflexividade e da
consciência plena perante a totalidade da profissão.
Portanto, tem sido emergente o fomento de ações que realcem
estas contradições na busca por superá-las, que aproximem os
graduandos da essencialidade de sua profissão e que possa levantar
debates sobre estas questões no núcleo dos cursos de licenciatura.
Nesse sentido, buscaremos avaliar as contribuições do Pibid para a
formação dos bolsistas do subprojeto do curso de pedagogia da
Unaerp, intensificando o debate a partir da relação teoria e prática,
já que o Programa tem possibilitado experiências no tocante da
práxis inserindo pedagogos em formação no interior da rede pública
de educação, o que pressupõe uma reflexão a partir da base do
trabalho educativo.
Observamos que as condições em que se organiza e estabelece
a formação do pedagogo se dá de forma indissociável à fatores de
âmbito político e econômico, assim como, a realidade da escola se
revela enquanto expressão da conjuntura social. Posto isto, nos
deparamos com a contradição entre o que aprendemos na nossa
formação enquanto pedagogos e as possibilidades concretas em
trazer para a prática aquilo que aprendemos na teoria. Nesse

2
O Consenso de Washington (1989) foi uma aliança internacional que consolidou uma agenda
neoliberal como alternativa para o combate as crises e misérias nos países subdesenvolvidos,
sobretudo na América Latina. A recomendação do Consenso de Washington propôs ações
intervencionistas no âmbito da Reforma fiscal, Abertura comercial, Políticas de privatizações e
Redução fiscal do estado.
382 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

sentido, torna-se apropriado o fomento de ações que colaborem na


investigação e identificação desses fatores, de modo a contribuir no
debate sobre a melhoria da formação para o magistério.
Haja vista o tema deste artigo – formação de professores -, o
Pibid se apresenta como uma proposta que tem cumprido a função
de inserir os licenciandos na prática docente e no contexto escolar
de forma assistida. A partir da experiência vivenciada pelos
licenciandos do curso de Pedagogia da Universidade de Ribeirão
Preto, destacamos aqui um excerto que traz uma síntese do relato
organizado pelos bolsistas pibidianos, sendo nosso intuito investigar
as contribuições do programa na formação desses graduandos:

A participação do PIBID representou a possibilidade de vivenciar e


experimentar a prática docente ainda enquanto pedagogos em
formação com o grande diferencial de sermos orientados a todo
momento pela coordenadora de área, que foi fundamental,
levantando críticas e provocações que contribuíram para o nosso
amadurecimento e consciência sobre a prática, possibilitando a
reflexão crítica sobre a sociedade e a educação. Pudemos ainda,
conhecer um pouco sobre a perspectiva do professor da rede
pública de ensino, entendendo que sua atuação tem sido
contingenciada por uma série de questões que envolvem desde a
desvalorização do trabalho docente, baixo salário que exige
ampliação da jornada de trabalho; às avaliações, que estabelecem
parâmetros sobre o resultado escolar e sua relação com a política
econômica nacional; Estes são fatores que tem separado a prática
pedagógica da realidade do aluno, e que tendem a representar um
nicho específico de nossa sociedade, o que se distancia da
importante função do professor, o qual é responsável por garantir
que cada conteúdo apresentado tenha significado; que todo e
qualquer preconceito e discriminação não exista na escola;
perceber e enxergar qualquer forma de repressão da autoestima;
dar sentido ao aprendizado observando a realidade e a
singularidade de cada criança; e a complexidade presente na
posição do professor diante dos desafios que a escola herda da
sociedade.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 383

Portanto, o Pibid foi uma oportunidade concreta de estabelecer


relações entre a prática docente e a teoria abordada no curso de
pedagogia. Dessa maneira, a universidade e as possibilidades que
se criam a partir dela se estabelecem como forma de dar sentido a
prática, e a vivência por meio da prática criam condições de
aprendizado que legitimam o conhecimento teórico (relato em fase
de elaboração pelos bolsistas).

Á vista disso, traremos para a reflexão a experiência


proporcionada pelo programa ao subprojeto da pedagogia da
UNAERP. Apontaremos trechos do relato produzido pelos bolsistas
que demonstram a dinâmica na relação teoria e prática que se deu
por meio da vivência na escola:

“[...] A partir do levantamento e da análise da realidade


escolar, pudemos coletivamente identificar e destacar as seguintes
demandas: resgate da ludicidade e valorização da infância;
incentivo à leitura; formação política e construção da
representatividade a partir da apropriação do espaço escolar. [...]
Nesse momento, percebemos que não estávamos preparados
para tratar sobre essa temática, havendo a necessidade de
buscar referências de ordem teórica e prática que pudessem
orientar a nossa abordagem do livro [...] Dessa forma,
organizamos paralelamente às intervenções encontros
periódicos com o objetivo de estudarmos e refletirmos sobre o
tema étnico-racial [...] Após algumas semanas de estudos e
reflexões compreendemos que apenas a leitura do livro “O Cabelo
de Cora” não seria suficiente para tratar das relações étnico-raciais
e todas as implicações que elas trazem [...] Ao realizar todas as
atividades com o primeiro ano, detectamos um crescimento e
amadurecimento gradual tanto em nós bolsistas como nos
alunos e na nossa relação, o que contribuiu para que
conseguíssemos aplicar todas as atividades planejadas e alcançar
os objetivos. Nesse aspecto é relevante ressaltar o quanto a relação
com a professora da turma foi de grande importância para o
desenvolvimento de todas as atividades. [...] A liberdade que nos
deu foi elemento decisivo para que os alunos se sentissem
seguros e fossem capazes de estabelecer uma relação de confiança
conosco [...] (relato em fase de elaboração pelos bolsistas).
384 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Os bolsistas apontam de forma analítica sua relação com o


espaço escolar, partindo da observação e identificação das demandas
da sala e da escola, percebem a insegurança e despreparo em relação
ao conteúdo a ser aplicado com a classe, se organizam em ordem
prática e teórica para solução daquela demanda e, posteriormente,
avaliam sua prática ressaltando pontos que foram fundamentais
para o resultado final.
O trecho do relato destacado acima indica uma perspectiva
positiva da contribuição do Pibid no desenvolvimento da reflexão
crítica dos bolsistas, como também, ressalta peculiaridades do
programa em criar condições para o movimento da dialética entre o
fazer prático e o pensamento teórico, a práxis,“[...] e isso demanda
reconhecer a essencialidade prática de toda e qualquer teoria, bem
como a essencialidade teórica de toda e qualquer prática (MARTINS,
2010, pág. 26). É possível observar uma dinâmica fluente na
sondagem inicial e, posteriormente, na elaboração e abordagem do
conteúdo aplicado nas intervenções em sala de aula.
Posicionamentos como, “A partir do levantamento e da análise da
realidade escolar [...]” e “[...] percebemos que não estávamos
preparados para tratar sobre essa temática”, enfatizam a postura de
reconhecimento e sensibilização dos bolsistas perante os desafios
intrínsecos a escola, assim como as lacunas de sua própria formação
onde a constatação se dá por meio da vivência prática.
A experiência a partir do exercício da educação escolar
possibilitou aos bolsistas identificarem as próprias dificuldades, bem
como enxergar alternativas para saná-las, enfatizadas por meio do
seguinte trecho “organizamos paralelamente às intervenções
encontros periódicos com o objetivo de estudarmos e refletirmos
[...]”. Ações como esta entoam a ideia de que as colaborações do
Programa tem sido relevantes no que diz respeito ao
amadurecimento das concepções e abordagens pedagógicas dos
graduandos pibidianos, haja vista a seguinte colocação “detectamos
um crescimento e amadurecimento gradual tanto em nós bolsistas
como nos alunos e na nossa relação, o que contribuiu para que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 385

conseguíssemos aplicar todas as atividades [...]”, ainda, segundo


suas perspectivas, relatam a importância da orientação
proporcionada pela Supervisora, “a professora da turma foi de
grande importância para o desenvolvimento de todas as atividades.
[...] a liberdade que nos deu foi elemento decisivo para que os alunos
se sentissem seguros [...]”. Isto posto, é reconhecido também a
importância da figura da Coordenadora de Área e da Supervisorai,
estas eram posições estratégicas e estruturantes na organização do
Programa, buscando amparar os bolsistas e potencializar a
efetividade da formação, da apresentação de referências no âmbito
da consulta e da teoria, assim como, na abordagem prática em sala
de aula. Ao apontarem a oportunidade que o Pibid os confere, ao
ingressarem no contexto da prática ainda enquanto pedagogos em
formação, os bolsistas complementam da seguinte maneira, “com o
grande diferencial de sermos orientados a todo momento pela
coordenadora de área, que foi fundamental, levantando críticas e
provocações que contribuíram para o nosso amadurecimento e
consciência sobre a prática”.
Ainda, perante a prática vivenciada na escola, além de
concluírem “que o pedagogo no espaço escolar tem a oportunidade
de participar do processo de ensino e aprendizagem de maneira
mais global”, ressaltam em relatório pontos que evidenciam
características de criticidade e consciência sobre a educação num
aspecto geral, apontando a necessidade de “um olhar atento sobre a
formação docente” trazendo a relação e observação com os
professores e demais profissionais a partir de uma ótica mais ampla
e profunda: “[...] entendemos que para compreender a realidade da
educação e suas contradições, é necessário ter um olhar para além
da escola, o qual nos ajuda a enxergar de forma mais ampla como
se dá o enrijecimento da prática pedagógica nesse ambiente
escolar”. Sobre ações realizadas na escola onde foi abordada a
educação das relações-étnico raciais, os bolsistas explanam: “[...]
pudemos perceber que existe uma lacuna no que diz respeito ao
silenciamento de questões que impliquem no olhar sobre a
386 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

diversidade, que vem limitando e enrijecendo a prática do educador


na escola [...]”. Os pibidianos trazem no relato a reflexão sobre
fatores que emergem na sociedade e que se reproduz na escola,
sendo o silenciamento da diversidade uma questão que está atrelada
à organização social e que reflete no processo educativo, haja vista o
enrijecimento da formação docente “[...] que vem colocando o
educador em situação de defasagem em relação à abordagem de
assuntos que permeiam o campo da identidade de gênero e questões
étnico-raciais”.
Em relação a infância no espaço escolar, os graduandos
desenvolveram um olhar sobre a inerência da ludicidade naquele
ambiente, sobretudo aos alunos do primeiro ano onde o lúdico se vê
cerceado precocemente, o que gerou preocupações e a articulação
dos pibidianos na busca por ações e embasamento que pudessem
subsidiá-los na leitura dessa demanda:

Ao longo dessa vivência, pudemos perceber que o lúdico é


intrínseco ao ambiente do ensino fundamental, no entanto, ele
deixa de acontecer quando não é estimulado. Assim, constatamos
a importância de atividades voltadas ao resgate de jogos e
brincadeiras no espaço escolar, fomentando a socialização entre os
membros da comunidade escolar, respeitando o direito à infância
e fortalecendo os laços de pertencimento com a escola. (relato em
fase de elaboração pelos bolsistas)

Com esta experiência os bolsistas puderam viver, observar e


avaliar a prática docente, o que permitiu perceber a complexidade
da profissão e seus desafios (condições de trabalho, políticas
públicas educacionais, realidade dos alunos, avaliações externas).
Logo, entende-se que, o suporte dado pela estrutura do programa,
que propunha a interação e intercâmbio entre professores da
educação básica e professores das IES como forma de recursos a
serem apropriados pelos licenciandos, assim como, o pleno exercício
da teoria e da prática, como citado a pouco, corroboraram para a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 387

concretização dos seguintes objetivos previstos nos princípios básico


do Pibid:

• Elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de


licenciatura, proporcionando a integração entre Educação Superior e
Educação Básica;
• Impulsionar as escolas públicas de Educação Básica, mobilizando seus
professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as
protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério;
(BRASIL. Ministério da Educação. PORTARIA Nº 096, de 18 de Julho
de 2013).

Certamente, a vivência proporcionada pelo programa tem


contribuído para a formação docente, envolvendo o educando na
prática consciente da pedagogia, imergindo-o no universo escolar de
maneira a legitimar o conhecimento teórico, assim como, a teoria
vem dando sentido a sua prática. Isso cria condições de colaboração
e de valorização ao exercício do magistério estimulando de forma
efetiva e eficaz a formação de futuros professores para educação
básica contemplando na totalidade os objetivos gerais do programa.
Portanto, o Programa, ao endossar a ideia da dialeticidade
sobre a relação teoria e prática tem se firmado como um importante
contraponto à lógica reprodutivista que tem tomado a prática do
magistério e diluído a consciência do magistrando sobre a
essencialidade da sua profissão, e que, por conseguinte, vêm
alimentando pensamentos de polarização entre estes dois aspectos.
Sobre esta dicotomia Martins afirma:

Essa diluição, todavia, também ocorre sob um forte argumento,


qual seja, a necessária articulação entre teoria e prática. Uma
articulação, porém, centrada na resolução de problemas práticos
imediatos e o manejo das situações concretas do cotidiano escolar,
enfim, que privilegia a forma em detrimento do conteúdo,
deixando implícita a falaciosa frase: “na prática a teoria é outra”
(MARTINS, 2010, p. 22).
388 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Todavia, embora este trabalho tenha como enfoque a relação


teoria e prática como fator fundamental na avaliação sobre a
qualidade da formação do professor - a partir da observação do Pibid
- não nos permitimos perder de vista os demais fatores que
envolvem a profissão. Sobre isso Saviani Explana:

[...] não posso me furtar de chamar a atenção para o fato de que a


questão da formação de professores não pode ser dissociada do
problema das condições de trabalho que envolvem a carreira
docente, em cujo âmbito devem ser equacionadas as questões do
salário e da jornada de trabalho. Com efeito, as condições precárias
de trabalho não apenas neutralizam a ação dos professores,
mesmo que fossem bem formados. Tais condições dificultam
também uma boa formação, pois operam como fator de
desestímulo à procura pelos cursos de formação docente e à
dedicação aos estudos. (SAVIANI, 2008, p. 153)

Sendo assim, é preciso ter um olhar atento e criterioso para


as formulações de políticas públicas para a educação, assim como,
as intencionalidades que permeiam estes debates que, por sua vez,
ao longo da história, tem emergido enquanto expressão da luta de
classes e estão intrinsecamente ligadas a fatores políticos e
econômicos decorrentes do capitalismo.

Considerações finais

Através deste trabalho buscou-se a partir de autores


compreender o papel da escola na sociedade contemporânea e, por
conseguinte, ampliar o olhar em relação a ação do educador nesse
espaço, de modo a corroborar a percepção acerca da formação de
professores. Partindo da hipótese de que o Pibid tem sido uma ação
eficaz no que diz respeito a potencializar o processo da formação
docente, aproximando futuros pedagogos da essencialidade de suas
profissões, foi realizada a averiguação dos objetivos centrais do
programa em aferição aos relatórios produzidos pelos bolsistas do
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 389

subprojeto do curso de pedagogia da Unaerp, avaliando as


contribuições do Programa na formação dos graduandos.
Dessa forma, foi apontada neste artigo uma perspectiva
teórica que não prescinde a educação escolar da conjuntura
econômica, política e social na qual a sociedade está imersa. Sendo
assim, a escola e, portanto, a formação dos profissionais da
educação, a formação do educador, é apresentada como um reflexo
da sociedade e do contexto socioeconômico.
Posto isto, observou-se que o detrimento e o esvaziamento da
profissão docente, que tem distanciado o educador de sua função
precípua, se dão conforme aprofundamento e consolidação de uma
perspectiva de mercado sobre a educação. A ascensão dessa ideia de
educação tem colocado o educador em estado de alienação à
essencialidade de sua profissão.
Assim, o Pibid tem sido uma ferramenta importante de
resistência ao enrijecimento da prática docente sedimentada à luz
de uma concepção de educação para a lucratividade, sob a égide do
neoliberalismo. O Programa se posiciona como uma ponte que
aproxima os docentes em formação dos cursos de licenciatura com
a realidade e os desafios que pulsam na rede pública de ensino, o
que estabelece condições para que se trabalhe de forma dialética a
relação teoria e a prática. Haja vista a vivência do subprojeto da
pedagogia Unaerp, onde observamos uma dinâmica saudável no
processo de mapeamento e sondagem das demandas na escola e as
estratégias organizadas com o intuito de apresentar soluções
pedagógicas aos desafios encontrados, onde damos ênfase ao
planejamento de estudo coletivo proposto como alternativa e como
forma de nortear a prática.
A partir desse estudo entendemos que é preciso dar
continuidade na investigação sobre possibilidades efetivas que
possam subsidiar a prática docente por meio da relação com a teoria,
desenvolvendo no magistrando a consciência ampla sobre a
educação e o processo educativo, os aspectos que envolvem a
390 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

qualidade na educação e da estrutura escolar, assim como, sua


própria formação. É neste viés que trazemos a seguinte colocação:

[... ] Em suma, urge a proposição de um modelo de formação


alternativo, no qual a construção de conhecimentos se coloque a
serviço do desvelamento da prática social, apto a promover o
questionamento da realidade fetichizada e alienada que se impõe
aos indivíduos. Que supere, em definitivo, os princípios que na
atualidade têm norteado a formação escolar, em especial a
formação de professores (Martins, 2010, p.20).

Tem sido consolidadas ilusões sobre a concepção da


criticidade no trabalho docente, que na prática tem distanciado o
educador da essencialidade de sua profissão, “privilegiando a forma
em detrimento do conteúdo”, que tem diluído a consciência plena
do educador sobre a realidade ampla de sua profissão, reduzindo-a
a um “saber fazer”. Diante disso, há tempos urge à necessidade por
alternativas na formação docente que, de veras, proponham a
inserção de professores conscientes na rede básica de ensino.
A partir da reflexão proposta neste artigo, vemos no Pibid
uma ação que tem caminhado no sentido de construir um novo
legado para a formação de professores no Brasil. No entanto, o
recente posicionamento do Ministério da Educação para a Política
Nacional de Formação de Professores, que propõe verticalmente um
novo formato ao Programa, mostra que o governo vigente tem
ignorado tais contribuições3.
Assim, somente analisar a educação brasileira alicerçada na
formação de professores não é o suficiente para se desenhar um
panorama educacional no país. As precárias condições físicas de
muitas instituições de ensino básico juntamente às baixas condições
salariais dos professores nos direcionam a uma análise mais ampla
do real problema que permeia a educação brasileira.

3
A nova proposta para a Política Nacional de Formação de Professores foi anunciada pelo MEC no dia
18 de Outubro de 2017. O novo formato para o PIBID é lançado posteriormente por meio do Edital nº
07/2018.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 391

Isso nos leva a refletir sobre as intencionalidades políticas e


socioeconômicas que vem regendo tantas e constantes mudanças
educacionais e trabalhistas na qual o país vem sofrendo, destacando
aqui o desmonte de programas sociais, como as reformulações que
permearam o PIBID em 2018, às mudanças curriculares do Ensino
Médio, e a quebra de muitos direitos trabalhistas que nos traz a
reflexão acerca do real interesse em uma educação de qualidade.

Referências

BRASIL. PORTARIA Nº 096, DE 18 DE JULHO DE 2013. REGULAMENTO DO


PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA.
Brasília, DF, Jul 2013.

MARTINS, Lígia Márcia; DUARTE, Newton; Formação de professores: limites


contemporâneos e alternativas necessárias. apoio técnico Ana Carolina
Galvão Marsiglia. – São Paulo : Cultura Acadêmica, 2010. Disponível em:
http://books.scielo.org/id/ysnm8/pdf/martins-9788579831034.pdf.
Acesso em: 16 de agosto de 2018.

SAVIANI, Dermeval. (2008). Formação de professores: aspectos históricos e


teóricos do problema no contexto brasileiro. Publicado pela Revista
Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009C
26

Avaliar no ensino de matemática

Alessandro Cruz de Lima


Thaís Paschoal Postingue
Deise Aparecida Peralta

Avaliação: problemáticas

Planejar e avaliar são ações que fazem parte do trabalho


pedagógico dos professores e se iniciam antes mesmo da sua efetiva
entrada em sala de aula. Quando pensamos em avaliar o processo
de ensino e aprendizagem em matemática, o trabalho pedagógico,
quase sempre, aparece atrelado a avaliações somativas, aquelas que
se restringem a uma visão centrada nos resultados, pouco
interativa; a avaliação acontece através de provas e/ou exames,
aproximando-se de um olhar conservador, para não dizer
tradicional, embasados em conceitos, classificações e seleção
(AMARAL, 2008). Porém, é esperado que os resultados escolares
demonstrem as dificuldades dos alunos em apropriar-se de
conhecimentos essenciais e que nem sempre podem ser medidos
diretamente através de provas e a simples atribuição de
notas/conceitos. Outro fator que deve ser levando em consideração
na avaliação somativa, é que as ações pedagógicas dos docentes são
baseadas, nem sempre pelas “teorias da educação”, mas muito
fortemente pela sua própria experiência como alunos e pela “visão
de professor ideal”, que compõem seus significados sobre o ato de
lecionar.
394 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Chueiri (2008) expõe que a ideia de avaliar, confundida com


o processo de medir habilidades e aptidões dos alunos, teve sua
origem no início do século XX nos Estados Unidos com uma
concepção instrumental preconizada pelo Positivismo em que se
aceita como confiável a prova como meio legítimo de avaliação.
Ainda nos dizeres da autora, a concepção de avaliar refere-se à uma
classificação dos alunos como capaz/incapaz, como consequência,
avaliar é mais do que acompanhar o progresso do aluno, se insere
em uma problemática assim como a matemática, dentre todos os
processos escolares, aquele com maior capacidade de incluir ou
excluir.
A avaliação do rendimento escolar vem sendo o foco de
debates e conflitos dentro da educação brasileira (GREGO, 2012), no
ensino de matemática as provas não exprimem a complexidade do
ato de ensinar e aprender, ela dará apenas uma ideia tecnicista para
o professor de certo conteúdo, muitas vezes quando essa
representação não apresenta bom desempenho não significa que o
aluno não aprendeu, mas que não entendeu o que lhe foi proposto,
em consequência, torna-se necessário o professor fazer atos
reflexivos sobre sua própria prática, consoante com os resultados
apresentados, modificando ou não as práticas de ensino e avaliação,
“o professor deve ver a matéria escolar como um saber a ser inserido
em certa fase do desenvolvimento da experiência viva e pessoal do
aluno”. (LOPES; MACEDO, 2011, p.110).
As avaliações ganharam, com o passar do tempo, as lógicas
somativas e formativas preocupando-se com os processos de
apropriação dos saberes. A avaliação formativa é colocada em
oposição a avaliação somativa, esta última, caracterizada
principalmente, por ser altamente classificatória e excludente. Para
Black e Wiliam (2010) a avaliação formativa é o cerne do ensino
efetivo. Os autores defendem que é através dela que permite aos
professores se aproximarem mais do ensino e aprendizagem dos
seus alunos dando informações sobre a produtividade e eficiência do
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 395

ensino, usando feedbacks de atividades anteriores para atender e


adaptar as necessidades dos alunos. Desta forma, avaliar:

[..] deixou de ser centrada nas questões da objectividade e da


subjectivade e começa a estar mais preocupada com as questões
práticas relacionadas com a regulação e o aperfeiçoamento do
processo de ensino-aprendizagem. A avaliação passa a ter uma
importante função pedagógica, de ajuda, de reflexão, de tomada de
decisão. Não basta afirmarmos que um aluno tem certas
dificuldades, é indispensável propomos meios, estratégias
actividades de apoio para que esse aluno as ultrapasse.
(BARREIRA; BOAVIDA; ARAÚJO, 2006, p.95).

Ainda para Black e Wiliam (2010) é necessário uma cultura de


sucesso apoiada na premissa de que todos os alunos são capazes de
aprender, e para que isso aconteça é necessário que todos os
professores assumam realmente como perspectiva a avaliação
formativa, tendo rigor e coerência entre teoria e prática. A avaliação
formativa apresenta diversas possibilidades, podendo ser individual
ou coletiva e aplicada a partir de diferentes instrumentos ou
métodos, na verdade essa variação é desejada, envolvendo
diagnóstico e investigando o atual desenvolvimento do aluno para
que, a partir daí, ele possa evoluir.
Assim como afirma Barreira, Boavida e Araújo (2006) a
avaliação formativa vem crescendo de forma considerável ao longo
dos anos, alargando campos e propondo novas possibilidades para
as metodologias de avaliação com foco no ensino e aprendizagem.
Neste bojo, torna-se necessário problematizar com mais veemência
a formação do professor de matemática para atender a essas novas
metodologias, com o objetivo de responder às necessidades dos
alunos.
Neste sentido, a avaliação está presente em várias etapas e no
desenvolvimento do currículo, é parte central para organizar,
planejar e estruturar o desenvolvimento da avaliação nas escolas,
“Numa análise histórica, o campo curricular sempre foi alvo de
atenção e isso desde que surgiram os primeiros escritos sobre
396 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

educação” (PACHECO, 2001, p.21). Além disso, para Barreira,


Boavida e Araújo (2006) a avaliação formativa têm sido referência
para mudanças curriculares com vistas a adaptação das
necessidades educativas em favor dos alunos.
Apple (2006), quando se refere ao currículo como área do
conhecimento, completa que deveria se tornar uma “ciência crítica”,
ou seja, que se transforme em emancipatória, na medida que, reflete
criticamente sobre o interesse dominante de ter em mãos o controle
do comportamento humano e técnico, supostamente neutro;

Somente quando essa dialética da consciência crítica tiver


começado é que os especialistas do currículo poderão
verdadeiramente declarar que estão preocupados com a educação
e não apenas com a mera reprodução cultural e econômica
(APPLE, 2006, p.168).

Diante de tais apontamentos, faz-se necessário, no ensino de


matemática, problematizar algumas perspectivas apoiados em
teóricos críticos, como Apple (2006), Giroux (1997) e Freitas (2012-
2014) que servem como indicativo para identificar critérios e
categorias do avaliar aprendizagens.

Critérios para avaliar o ensino de matemática

O conceito de avaliar o ensino de matemática atrelado ao


extremo formalismo e simbolismo, está presente no Brasil antes
mesmo do Movimento da Matemática Moderna com seus passos
iniciais em 1960. Nas primeiras discussões em torno do tema no
contexto brasileiro, as práticas avaliativas se dirigiam ao produto
final, ou melhor, predominava a avaliação pautada em exames,
testes, exercícios repetitivos com o objetivo de atribuição de nota,
esse modelo pode ser identificado nas escolas atuais e acarreta um
alto índice de insucesso escolar da matemática conforme apontado
por Silva (2006).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 397

Dentre os aspectos do avaliar o ensino de matemática, esse


modelo se aproxima do tecnicismo e Giroux (1997) responsabiliza o
conceito de ensino como “técnica” à ciências exatas, na qual muitas
vezes o ler, escrever e compreender, como uma estrutura, fora
definido pelos educadores como técnica. Ainda segundo o autor, a
racionalidade inerente a esse processo privilegia o interesse
dominante pois promove o controle técnico de classes menos
favorecidas social e economicamente. Como um primeiro critério,
pode-se pensar em avaliar o ensino de matemática diferente da
configuração exposta anteriormente, mas levando os alunos a serem
pensadores críticos e participativos no seu processo de ensino e
aprendizagem, promovendo a inclusão social e o aumento do
interesse pela matemática. Sobre os macro-objetivos e micro-
objetivos, Giroux (1997) relaciona o primeiro com o conhecimento
escolar, socialmente construído nos quais estabelecem blocos lógicos
que permitem aos estudantes fazerem link com métodos e
conteúdos, o segundo está ligado com a vivência do dia a dia, dentro
do conhecimento escolar, a aquisição de conhecimentos,
desenvolvimento de habilidades de aprendizagem, assim;

[...] os macro-objetivos são destinados a fornecer um paradigma


que permita que os estudantes questionem o propósito e valor dos
micro-objetivos, não apenas na medida em que se aplicam a um
determinado curso, mas também a uma sociedade mais ampla.
(GIROUX, 1997, p. 85).

Por outro lado, Freitas (2012) aborda como agravante as


formas de avaliação classificatória, seletiva e excludente, a criação
do bônus para professores, que apresenta como uma forma danosa
e afasta bons professores dos alunos e de suas atividades escolares
que poderiam ser desenvolvidas em sua amplitude. A justificativa se
dá pelo fato de que como são divulgados publicamente os resultados
de avaliações os professores se sentem humilhados, de certa forma,
se não alcançarem estados estabelecidos pelos órgãos
398 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

governamentais, além de serem mal vistos pela sociedade que preza


apenas por bons números.
A avaliação externa cumpre um grande papel nesta
perspectiva, pois é através dela que o sistema concebe a classificação
de cada escola e aluno, devido a pressões exercidas para que os
números e metas sejam cada vez melhores, os professores, baseiam
suas práticas escolares em técnicas mecanizadas que induzem a
reprodução e repetição de modelos pré-estabelecidos com fins de
obtenção de notas nas avaliações externas, pois, se não o fazem, não
terão direito de receber o bônus. Como um segundo critério
avaliativo, não apenas utilizar a avaliação externa, entendida aqui
como sendo somativa, para obtenção de bons índices, mas fazer uma
análise dos resultados obtidos para ajudar na identificação de quais
objetivos pedagógicos foram atingidos em consonância com a
avaliação formativa desenvolvida dentro das salas de aula.
Em consequência, o Freitas (2012) aponta outro problema
presente nas escolas devido a esse sistema, a argumentação de
gestores de que o básico é suficiente para uma boa educação, porém
“o básico exclui o que não é considerado básico – esta é a questão. O
problema não é o que ele contém como básico, é o que ele exclui sem
dizer, pelo fato de ser ‘básico’” (FREITAS, 2012, p. 390).
Em outro estudo, Freitas (2014) aponta que as avaliações
externas estão ocupando um lugar de centralidade. O Estado, por
meio delas, vêm tentando assumir o controle no processo
pedagógico disputando por forças conservadoras, o trabalho
pedagógico do professor, neste aspecto, fica restrito ao ritmo das
avaliações locais preparatórias para as avaliações externas, trazendo
um agravante a sua prática diária: muita resistência à conciliação de
práticas de avaliação somativas e formativas, enfrentando
problemas claramente difíceis para a melhoria do ensino e
aprendizagem como afirma Black e Willian (2010).
Ainda acerca dos critérios a serem utilizados para avaliação e
a questão dos procedimentos científicos, empregados para dar
legitimidade e confiabilidade aos conhecimentos e ao currículo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 399

escolar, Apple (2006) apresenta uma clara diferenciação entre o uso


da ciência enquanto procedimento/método pelo estabelecimento de
metas, testes, hipóteses e análises ou a condição de observadores da
lógica da investigação científica.

A visão da ciência usada para dar legitimidade a uma boa parte do


pensamento acerca do currículo, especialmente nas abordagens
sistêmicas, lembra mais uma marca positivista do século XIX do
que o discurso científico e filosófico atual. (APPLE, 2006, p. 155).

Temos portanto uma tendência ao reducionismo, quando o


mais coerente seria estabelecermos uma relação clara entre o que é
ensinado nas diversas frentes do conhecimento e a vida real dos
alunos, pois a mentalidade reducionista “interpreta de maneira
equivocada a natureza da ação humana” (APPLE, 2006, p. 157).
É importante, então, que a avaliação dê suporte a um processo
de formação crítica que por meio de reflexões críticas permita ao
aluno analisar e argumentar sua própria atividade, sua realidade,
seja no currículo aberto ou no oculto, para que não aceite “tudo com
dado”, pronto e acabado.

Todavia, qualquer concepção séria de racionalidade não deve estar


voltada a determinadas posições intelectuais utilizadas por um
grupo profissional ou por um indivíduo, mas sim às condições
sobre as quais e à maneira pela qual essa área de estudo está
preparada para criticar e mudar essas doutrinas aceitas... (APPLE,
2006, p. 177).

Desse modo, o ato de avaliar fica vinculado não só às questões


de “o quê avaliar?”, “como avaliar?” ou “quando avaliar?”, mas
fundamentalmente aos critérios de “para quê avaliar?” e “para
quem avaliar?” como bem explica Amaral (2008). Tratamos então
de algumas formas de avaliação que perpassa, de modo mais ou
menos tangível, essas questões, para que assim possamos definir
categorias de avaliação que possam ser utilizados de modo prático.
400 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Categorias de Avaliação

Um exemplo prático que poderia ser inserido neste contexto


encontra-se nas escolas de nível básico e tecnológico. A formação
continuada de professores com a conscientização do avaliar
aprendizagens em matemática merece uma teorização para que,
como professores, não caiamos no conservadorismo de “medir”
preconizado pelo Positivismo, mas que os aspectos teóricos sirvam
para embasar a prática diária, como defendido por Giroux (1997):

A teoria de modo mais geral, é crucial para quase todas as etapas


do pensamento, não apenas porque nos ajuda a ordenar e
selecionar os dados, mas também porque nos fornece os
instrumentos conceituais com os quais questionar os próprios
dados. Se ensinarmos os estudantes a reconhecer que as estruturas
teóricas e os fatos são parte inseparável do que chamamos de
conhecimento, o primeiro passo será dado para ajudá-los a
avaliarem sua própria estrutura teórica, bem como irem além da
tarefa mistificadora e limitante de tratar informações através do
uso de classificações e generalizações simples. (GIROUX, 1997, p.
82-83).

Definimos, para tal, as questões que nos permitem compor as


Categorias de Avaliação que julgamos necessárias, com foco na
Educação Matemática:

• A linguagem utilizada se adequa a atividade proposta? - é


importante que a linguagem utilizada esteja de acordo com a atividade
proposta, por exemplo, dificilmente resolvemos uma equação
utilizando uma comunicação textual, em contrapartida uma questão
de lógica ou conjuntos, muitas vezes pode ser respondida textualmente
ou convertida na forma de equações.
• Houve clareza no desenvolvimento da atividade? - qualquer que
seja a linguagem empregada, ela deve ser clara, mostrando não só o
domínio do processo mas também o entendimento da situação.
• Na atividade proposta são contemplados algum(s) dos macro-
objetivos e os micro- objetivos presentes nos planos de aula? –
durante a elaboração de processos de avaliação não é incomum que o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 401

professor se atenha mais fortemente aos acontecimentos cotidianos do


que ao planejamento realizado no início do ano, ciclo ou semestre,
distanciando-se de alguns dos objetivos inicialmente propostos.
• As estratégias adotadas para solução do(a) problema/atividade
podem efetivamente levar à solução? - muitas vezes, em
matemática, mesmo um raciocínio correto pode resultar em uma
solução errada, é importante, portanto, verificar se o caminho
proposto é condizente com a solução que se deseja e assim, verificar
onde foi o “ponto de desvio” desse caminho.
• No desenvolvimento dessas estratégias foram utilizados os
conteúdos/recursos estudados? - em termos de uma pedagogia por
competências, pretendemos saber se as competências a serem
desenvolvidas, estão realmente sendo, e de modo satisfatório, ou por
outro ponto de vista, saber se os conhecimentos e habilidades no
processo ensino/aprendizagem estão tendo suas expectativas
atendidas.
• O(s) resultado(s) apresentado(s) é(são) coerente(s) com que era
esperado? - é importante lembrarmos que em se tratando de
matemática, via de regra, temos um resultado esperado a ser atingido,
e num processo tradicional de avaliação esta costuma ser a única
categoria avaliada, mas vale relembrar que, num processo formativo
todo o caminho até aqui é tão importante quanto o resultado final.
• Dentro dos conceitos de uma Avaliação Formativa, como será
realizado o Feedback para os alunos após a atividade? – por se
tratar de um processo, como o que é proposto aqui, de avaliação
formativa, é importante que seja realizado o feedback, proporcionando
aos alunos um momento de auto avaliação.

Considerações finais

Reafirmamos aqui a importância de problematizar com


professores, coordenadores, diretores e pesquisadores da área a
configuração do ato de avaliar, entendendo ser uma questão que
atinge diretamente o ambiente da escola, mas não se restringe
apenas a este; devendo se tornar um terreno amplo e fértil para o
desenvolvimento de novas pesquisas e novas descobertas. A
avaliação deve estar consonante com o projeto pedagógico da escola,
que por sua vez necessita ser pensada e elaborada em consonância
402 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

com a Comunidade Escolar, e ao mesmo tempo atender às


necessidades do processo ensino/aprendizagem, não apenas
pautado em uma concepção instrumental, com provas e atribuição
de notas, mas que por meio também dessas, entre outras, possa
desenvolver a consciência crítica nos alunos.
Para isso é necessário o estudo, a teorização e a apropriação
de referenciais teóricos para compor uma estrutura de critérios e
categorias avaliativas capazes de exprimir essas características. É
preciso focar na formação de professores de matemática pois é a
partir daí que novas práticas avaliativas são consolidadas,
necessitando de formação que estimule uma perspectiva crítico-
reflexiva, “Torna-se importante acabar definitivamente com a ideia
de que os professores são simplesmente executores do ensino e não
pensadores sobre o ensino. É imprescindível que a formação
contribua para [...] novas práticas, novos procedimentos.”
(BARREIRA; BOAVIDA; ARAÚJO, 2006, p.123).

Referências

AMARAL, M. C. E. Julgar, medir, diagnosticar, formar... afinal, para que serve a


avaliação? Mal-Estar e Sociedade, v. 1, n. 1, p. 129–145, 2008.

APPLE, M. W. Ideologia e Currículo. 3. ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2006.

BARREIRA, C.; BOAVIDA, J.; ARAÚJO, N. Avaliação formativa: Novas formas de


ensinar e aprender. Revista Portuguesa de Pedagogia, v. 40, n. 3, p. 95–
133, 2006.

BLACK, P.; WILIAM, D. Inside the Black Box: Raising Standards through
Classroom Assessment. Phi Delta Kappan, v. 92, n. 1, 2010.

CHUEIRI, M. S. F. Concepções sobre a avaliação escolar. Estudos em avaliação


Educacional, v. 19, n. 39, p. 49–64, 2008.

FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do


magistério à destruição do sistema público de educação. Educação &
Sociedade, v. 33, n. 119, p. 379–404, 2012.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 403

FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo


controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, v. 35,
n. 129, p. 1085–1114, 2014.

GIROUX, H. A. Superando Objetivos Behavioristas e Humanísticos. In:______. Os


professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed Editora, 1997. p. 79–90.

GREGO, S. M. D. Reformas Educacionais e Avaliação: Mecanismos de


regulação na escola. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v.
23, n. 53, p. 60-81, set/dez. 2012.

LOPES, A. C.; MACEDO, E. Teorias de Currículo. São Paulo, SP: Cortez, 2011.
PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. 3. ed. Porto, Portugal: Porto
Editora, 2001.

PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. 3. ed. Porto, Portugal: Porto Editora,


2001.

SILVA, C. M. S. Concepções e Práticas avaliativas no Movimento da


Matemática Moderna. Dissertação (Mestrado em Educação) Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, 2006.
27

Cinema e escola na perspectiva da lei 13.006/2014

Aruana Mariá Menegasso


Humberto Perinelli Neto

Introdução

Em 26 de junho 2014, foi promulgada a Lei Federal 13.006,


pela então presidenta Dilma Rousseff. Com a referida lei, pretende-
se que as narrativas cinematográficas sejam tratadas como
componente curricular integrado à proposta pedagógica das escolas.
Segundo o texto da própria Lei, em seu parágrafo 8, “[...] [a]
exibição de filmes de produção nacional constituirá componente
curricular complementar integrado à proposta pedagógica da
escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas)
horas mensais” (BRASIL, 2014).
A promulgação da referida lei foi pautada em questões que há
muito vinham sendo discutidas por educadores, por cineastas, por
mediadores culturais, por políticos, por religiosos, entre outros
membros da sociedade civil. Apesar disso, a Lei foi votada sem
participação de seus principais interessados: educadores e
realizadores do cinema no Brasil. Embora esse fato não invalide sua
importância, não pode ser esquecido, pois os professores receberão
uma determinação legal, com desdobramentos na escola, na
docência e nos currículos.
Dificuldades como formação docente adequada, didatização
das obras cinematográficas e construção de acervos fílmicos nas
escolas representam obstáculos para vivência dessa lei, entretanto,
406 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

deve-se reconhecer sua significância para a inserção do cinema na


educação (cf. FRESQUET, 2015). Assim, “[...] [abrir] a escola ao
cinema nacional é, pra mim, semelhante à obrigatoriedade de ter
biblioteca, com literatura nacional, de qualidade. Então, tem tudo
para dar certo” (FRESQUET, 2015, p. 215).
Desse modo, o objetivo central da referida lei é fortalecer o
diálogo entre educação e sensibilidade moderna. Analisando as
modificações geradas pela modernidade, Benjamin (1987) indica
que, a contar deste período histórico, em conjunto com uma série de
transformações materiais houve clara mudança na maneira do
homem se posicionar diante da obra de arte, ao deixar de tratá-la
como objeto de culto e passar a relacionar seu valor à noção de
exposição. Isto explicaria a importância desempenhada pelo cinema.

O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e


reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada
vez mais em sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho
técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas – é essa
a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema o seu verdadeiro
sentido (BENJAMIN, 1987, p.174).

Fresquet (2015) identifica que várias justificativas foram


apresentadas para a criação desta lei: apoiar a indústria
cinematográfica brasileira e fortalecer a presença da arte na escola,
incentivando a formação dos alunos e a criação de consumidores de
bens e de serviços culturais. Para o senador Cristovam Buarque,
idealizador do projeto da lei, o cinema é a arte que apresenta mais
facilidade para ser levada às escolas e sua presença neste espaço
ofereceria oportunidade aos jovens que não tem acesso as obras
cinematográficas.
A escola, portanto, precisa ser reconhecida como espaço em
que o risco dessas invenções seja possível e desejável. Se o cinema é
desejado na escola é porque ela é vista como um lugar possível de
inventar formas de ver e de estar no mundo, ou seja, acredita-se na
escola como espaço onde a estética e a política podem coexistir. O
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 407

emprego do cinema nos processos formativos envolve a crença na


inteligência intelectual e sensível dos que frequentam a escola e a
valorização da formação do leitor e do espectador.
Fresquet (2015) ressalta que a presença do cinema na escola
é oportuna, porque o cinema traz a possibilidade de intensificar as
invenções de mundo, ou seja, de tornar comum àquilo que está
distante, que não nos pertence, como as formas de vida e as
maneiras de ocupar espaços e de habitar, ao longo do tempo. Já o
mencionado senador Cristovam Buarque destaca que a presença do
cinema na escola envolve a construção de um ambiente diferente.

A escola é uma coisa hoje muito chata. Nós temos que levar alegria,
diversão e isso é a cultura que leva. Cultura é simples. Ensino à
maneira tradicional, sem cultura, fica chato e as crianças não
aguentam mais. A criança de hoje está muito mais para o
audiovisual do que para ao vivo. Ela gosta da tela. Ela cresceu,
nasceu vendo as coisas na tela. Então, a tela é atraente. Então
vamos colocar cinema. Essa é a primeira coisa, trazer um pouco
mais de alegria, de sintonia da escola com as crianças (FRESQUET,
2015, p. 6).

Contudo, não consta na lei a definição de aspectos pontuais,


como, por exemplo, quais filmes serão utilizados, como e por quem
serão escolhidos e quem custeará a aquisição de filmes e de
infraestrutura (salas, equipamentos e videotecas). Assim, o cinema
entra na escola pelo viés da normativa jurídica, mas que traz à tona
muitas questões, pontos de vista e indagações de diversas ordens.
Decorre disso, a apresentação de diversas considerações e
questionamentos por parte de professores e estudiosos.
Partindo das justificativas e da falta de definição de alguns
importantes aspectos, fica claro que essa lei ainda precisa passar por
adequada regulamentação e sua implementação depende de
conjunto de fatores a serem discutidos. Ainda assim, de maneira
geral é possível identificar boas intenções em sua criação, pois
apesar das dificuldades e dos obstáculos para sua vivência, sinaliza
408 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

passos tímidos no reconhecimento da significância da inserção do


cinema na educação.
Dessa maneira, pretendemos, neste trabalho, refletir sobre a
relação entre cinema e educação, por meio da análise e da discussão
da implementação da lei, buscando quais as formas mais adequadas
de aplicação aos currículos escolares, além dos obstáculos e dos
desafios que a escola vem enfrentando para o reconhecimento,
institucionalização e vivência dessa lei; visando, assim, contribuir e
refletir sobre as alternativas para uma melhor construção da relação
entre o cinema e a educação.

Fundamentação teórica

Assumimos como literatura base para as reflexões propostas


aqui, as obras e os estudos de de Kellner (2001), de Turner (1997),
de Cabrera (2006), de Ranciére (2005; 2012; 2013), de Rosenstone
(2010), de Sorlin (1985; 1994) e de Ferro (2010), por apresentarem
possibilidades de se refletir o cinema como linguagem propícia à
construção epistemológica/estética/política do conhecimento, assim
como responsável pela construção de identidades socioculturais e
imaginários.

Procedimentos metodológicos

O trabalho ora proposto baseia-se em análise documental e


em revisão de literatura.

Apresentação e discussão dos resultados

Para Fresquet (2015), a referida lei constitui oportunidade de


democratização, pois possibilita que o cinema alcance todos e
transformando a escola num cenário de encontro entre cinema,
professores, estudantes e comunidade. Dessa forma, prossegue a
autora, a democratização do cinema provocada por essa lei pode
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 409

garantir que a escola seja transformada num efetivo polo


audiovisual envolvendo a comunidade na qual está situada.
Potencializa-se o papel da escola como espaço cultural.
Entretanto, a presença do cinema na escola traz também
desafios. Quando a escola se abre para o cinema, tem de autorizar a
desordem que pode causar nos processos subjetivos e pedagógicos.
Se a escola não enfrenta esses riscos que o cinema apresenta, esvazia
a potência do filme como objeto de arte, que representa e inventa o
mundo.
Fresquet (2015) destaca pormenores envolvendo a
importância de compreender o cinema como algo “arriscado”. Os
jovens não devem entrar em contato somente com coisas belas, por
meio do cinema, mas também com o estranho e o perturbador.
Deve-se levar em conta que o cinema permite, a partir da dimensão
pedagógica das imagens, colocar-nos na fronteira entre o crer e o
duvidar. Considerando isso, pode a escola ser tida como um local
que favorece a construção de postura questionadora e sensível.
Leite e Christofoletti (2015) consideram que as imagens
geram possibilidades de afetação e de produção de sentidos. Os
filmes e as discussões acerca deles, geradas pelos professores e pelos
alunos, criam espaços ricos de produção de sentidos e de relações
entre eles e o universo da sala de aula e da própria vida. De alguma
forma, os filmes criam espaços de zona de discussão, espaços em
que as palavras podem circular longe de verdades predefinidas.
É fundamental pensar em uma educação para o olhar, capaz
de superar a visão utilitária da arte e de produzir a ultrapassagem
de fronteiras entre cinema e educação. Com isso será possível
realmente configurar espaços de produção de sentidos e de diálogos
entre esses dois campos de conhecimento. Para Leite e Christofoletti
(2015), educar o olhar nessa perspectiva é:

Sair, estar fora, partir, isto tudo dentro de um estado mental de


atenção que significa produzir uma mudança em nós, que significa
construir uma liberdade prática, produzida, construída no
410 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

caminhar, naquilo que no caminho se apresenta (LEITE;


CHRISTOFOLETTI, 2015, p. 47).

Assim, educar o olhar não é “apenas” se colocar no lugar do


Outro, não é explicitar esse lugar, não é se colocar em outro ponto
de vista ou em outra perspectiva. Educar o olhar é, na verdade,
colocar em dúvida as certezas que movem o entendimento da
realidade social. Esta parece ser uma das possibilidades que se
encontra nos processos formativos desenvolvidos na escola com
base no cinema.
Soares e colaboradores (2015) reconhecem que o cinema é um
convite à alteridade. Convite esse que decorre de o fato do filme ser
uma forma singular de criação estética, já que a narrativa que o
comporta é posta em diálogo com os espectadores, com as histórias
de cada um. Uma política que instaure a sistematização da circulação
do cinema na escola amplia, portanto, as possibilidades das redes de
significação presentes no contexto escolar, além de fomentar novas
visões de mundo.
Considerar, portanto, a existência de uma legislação que não
somente determine a obrigatoriedade do cinema nas escolas, mas
que garanta que a experiência constituída em tono de filmes possa
significar a ampliação de múltiplas vozes, saberes e modos de ser e
de compreender o mundo no cotidiano. Observado dessa maneira,
o cinema envolve, inadvertidamente, a construção da identidade
pelo exercício da alteridade. Segundo Fresquet (2015),

[...] escolhemos [os expectadores e, por conseguinte, os


professores] filmes que de certa forma tencionam os sotaques, as
variações dos tipos e das línguas, que nos colocam em relação com
o próximo e o distante que por vezes está na esquina. Imaginamos
que a abertura do conhecimento para a diferença, potência
fundamental do cinema, é tanto mais forte quando há essa relação
de identificação, de percepção da proximidade e da distância para
o que conhecemos, para o que é parte do que chamamos minha
cidade, meu estado, meu país (FRESQUET, 2015, p. 15).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 411

Além da estrutura, é valido refletir quanto ao tempo de


exibição normatizado: duas horas mensais podem parecer, em um
primeiro momento, um espaço pequeno de tempo. Contudo,
Fresquet (2015) assinala que se trata de quantidade razoável de
tempo, quando pensamos em uma realidade mais ampla: o tempo
para exibição e para reflexão que realmente permitam a construção
de processo de educação do olhar. Para além da estrutura e do tempo
de exibição, cabe refletir sobre a forma de seleção dos filmes e de
como se dará o acesso a esse material.
Para Fernandes (2015), a obrigatoriedade colabora para que a
escola tenha condições de adquirir bons filmes e equipamentos
apropriados, além de espaços que valorizem a exibição e a mediação
adequadas. Fazer do espaço da escola um local que oportunize
acesso com qualidade aos filmes é uma conquista importante,
considerando o papel das imagens na sociedade contemporânea.
Fresquet (2015) sugere que a seleção de filmes seja feita
anualmente, de maneira que permita o afunilamento do processo
educativo para seleção, evitando assim que tudo que se produz esteja
indiscriminadamente presente nas escolas. A seleção deve evitar
filmes que dominam o mercado, bem como os que não interessam
a professores e a alunos. Complementarmente, Pinheiro (2015)
propõe a criação de repositório com sinopses e trailers, pois são
expedientes que favorecem a seleção de filmes.
Amâncio (2015) assinala, ainda, a importância da legalização
das cópias, para que, em contextos escolares, os professores possam
exibi-los legalmente. Esse questionamento retoma um problema
histórico do Brasil: a preservação de filmes e o acesso a eles, segundo
observância da lei de direitos autorais. As obras de domínio público
são quase inexistentes e as que ainda não são dependem de
autorização para uso. Tais regras poderão dificultar a exibição dos
filmes nacionais.
A obrigatoriedade de exibição, enfatizada pela lei, corrobora
para a defesa da relevância da exibição audiovisual sem fins
lucrativos. Essa ação pode ocorrer através da doação dos direitos
412 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

autorais fílmicos ao poder público e, consequentemente, às escolas,


para que possam usufruir do material sem restrições burocráticas.
Para tanto, defendem Miranda e Guimarães (2015), é necessário
modificar a lógica de distribuição dos filmes,

[...] para que se possa subsidiar a formação docente, servir de


aporte para a diversidade do cinema nacional e garantir a
legitimidade das leis de direito autoral e produtos com liberação
desse direito para a exibição pública sem fins lucrativos, a
distribuição de filmes para as escolas, universidades e eventuais
centros de formação de professores a logística de distribuição seja
direcionada para as práticas de compartilhamento (MIRANDA;
GUIMARÃES, 2015, p. 155).

A doação dos direitos autorais fílmicos ao poder público


representaria oportunidade aos profissionais dedicados ao cinema
brasileiro. Isto porque permitiria maior popularização destes filmes
e da estética que marca tais obras. Levar filmes brasileiros às escolas
pode gerar a curiosidade de conhecer os atores, diretores, roteiristas
envolvidos com a produção dessas obras. Tal atitude poderá,
portanto, propiciar interação entre ambiente escolar e universo do
cinema, o que seria bom para ambas às partes.
Em contrapartida, Fresquet (2015) considera que a
importância e os efeitos que o cinema pode ter nos processos
subjetivos e nas invenções de mundo suscita pensar contrariamente
à ideia de restringir a exibição apenas de filmes nacionais nas
escolas.
Essa restrição faz com que se percam algumas possibilidades,
conforme assinala Pinheiro (2015). Uma delas é a de apontar para
necessidade de um diálogo entre culturas mundiais. Outra envolve
a conscientização de que os seres humanos compartilham dramas
semelhantes a outros que vivem em lugares diferentes, muitas vezes
nem sequer conhecidos. Enfim, extrapolar a ideia de filme nacional
significa reconhecer que o cinema é uma arte dotada de forte
capacidade de aproximar culturalmente os seres humanos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 413

Amâncio e colaboradores (2015) afirmam que estabelecer a


exibição de filmes nacionais como obrigatória é identificar a
necessidade e a importância da formação desse público. Por essa
definição, a lei proporciona a abertura de uma visão sistêmica do
campo cinematográfico, pois favorece a transformação do público
jovem em segmento principal de sustentação econômica desse setor
de produção audiovisual no Brasil.
Para Soares e colaboradores (2015), valorizar o cinema
brasileiro nas escolas, pode mostrar-se como uma alternativa para
que a diversidade cultural nacional possa ser vista nesse espaço
social. Entretanto, a diversidade deve ser alvo de atenção dos
gestores, docentes e demais responsáveis pela construção do acervo
fílmico da escola, pois muitos são os tipos de obras produzidas no
cinema nacional.
Quando se pensa no cinema na escola é necessário a
construção de uma ética fílmica. Para tanto, o cinema deve ser
pensado para além das ideias construídas pelo hegemônico mercado
cinematográfico brasileiro. Assim, a escola poderá romper com a
ideia de que crianças e jovens devem ser tratados apenas como
partes do mercado consumidor. Dessa maneira deve-se encandecer
a luta pela garantia da diversidade do cinema na escola, garantindo
representatividade da diversidade social e cultural dos estudantes.
A exibição obrigatória de filmes nacionais nas escolas de
educação básica tem de caminhar no sentido de preencher uma
lacuna na formação do educando, valorizando seu
autorreconhecimento e sua cultura local. A cultura do cinema não se
resume apenas a ver os filmes e ao mero acesso, mas, sobretudo,
depende da construção de hábitos culturais, os quais podem se
desenvolver pela aproximação entre cultura e escola e entre
consumo da cultura e da produção cultural. Nesse sentido, a lei
representa oportunidade de a escola construir cultura.
Miranda e Guimarães (2015) consideram que o problema de
acesso à cultura e, mesmo, à cultural audiovisual não se resolve com
um determinado desenvolvimento tecnológico ou somente com a
414 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

promulgação de uma lei. Para os autores, o gigantesco aparato da


mídia, da qual o cinema faz parte, soube ensinar seus espectadores
a procurar sempre pelos mesmos produtos culturais. O problema de
acesso vai além, portanto, já que envolve formação e,
consequentemente, educação.
Canton e colaboradores (2015) reconhecem a defasagem de
muitos professores quanto as produções nacionais, já que não tem
repertório ou, várias vezes, apresentam resistência em assistir
filmes de produção brasileira, por serem obras consideradas de
baixa qualidade ou inadequadas para o espaço escolar. O
desconhecimento por parte dos professores quanto à vasta produção
nacional apresentada em festivais e mostras de cinema do país tem,
entre outras, uma causa possível: a desigualdade de distribuição dos
materiais audiovisuais e filmes produzidos no país.
Para os autores há uma urgência em desconstruir o que foi
instituído, formal ou informalmente, a respeito do cinema nacional.
As possibilidades para isso são múltiplas, mas para o conhecimento
da vasta produção nacional o debate deverá envolver o acesso à
produção nacional. Daí, a necessidade de se refletir a construção de
um processo formativo capaz de garantir aos professores, entre
outras coisas, conhecimento da história do cinema brasileiro.
Nesse sentido, a presença do cinema na escola torna-se um
transformador das próprias práticas educacionais, seja pela sua
intencionalidade em estabelecer relação com o conhecimento, seja
por oferecer espaço de experiência entre os sujeitos e entre eles e o
conhecimento. As práticas educacionais têm de abdicar o uso do
audiovisual como ferramenta paradidática, a fim de centralizar
esforços nas potencialidades estéticas e éticas que congrega
(SANTOS; BARBOSA; LAZZARETI, 2015).
De acordo com Fretas (2015), indo ao encontro dessa
perspectiva, o cinema tem de passar a ser pensado como
instrumento cultural de aprendizagem no seu sentido largo,
ultrapassando sua apropriação didática como ilustração de
conteúdos trabalhados em sala de aula. Trata-se de pensar o filme
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 415

como obra de arte que permite abrir as portas da percepção dos


alunos e dos professores para outras formas de ver e conceber o
mundo, permitindo assim novas possibilidades de aprendizagem.
Para Fresquet (2015), a experiência por meio do cinema
contribui para emancipação intelectual do professor e do aluno, já
que lhes proporciona possibilidades de reflexão e de criação por
meio das imagens. O cinema coloca os espectadores à disposição do
criar. Criação essa que começa com ideias e com sentimentos que
partem da projeção e da ativação da imaginação e que,
posteriormente, são ampliadas de acordo com a necessidade de criar
por meio da filmagem.
O encontro do cinema com a escola vem produzir várias
aprendizagens, até mesmo de conteúdos, que não podem ser tidos
como objetivo final, mas sim como forma de promover ações de
emancipação intelectual. O gesto de criar por meio da filmagem
pode desenvolver nos estudantes e nos professores sua autoria, algo
que ficou preso, mediante a vivência de grades curriculares e
burocráticas formas de organização escolar.
A partir dessa perspectiva, a proposta educacional, presente
na lei, representa apenas parte do que pode ser vivenciado na escola
em relação ao cinema. O currículo e a escola, em seus aspetos
concretos, são aqueles que fazemos nos territórios escolares,
mediante autonomia presumida. Assim, o conhecimento escolar
surge da dialética entre obediência e negação dos marcos legais,
dada a reinvenção de proposições e saberes no dia-dia.
Especificamente, os currículos escolares dependem, também,
das ações individuais e coletivas dos profissionais da escola, de modo
a fazer valer o direito das crianças e dos jovens à educação. Assim, a
interpretação superficial da lei já possibilita compreender que a
vivência do cinema no contexto escolar dependerá, acima de tudo,
da ação de educadores e dos profissionais do cinema brasileiro, que
estarão unidos pela mesma crença da arte de educar e de fazer
cinema (TEIXEIRA; AZEVEDO; GRAMMONT, 2015). Para tanto, o
currículo deverá ser reestruturado, garantindo espaço e tempo para
416 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

o trabalho com a linguagem fílmica, além de considerar a superação


de métodos convencionais de ensino e de avalição, que privilegiam
somente linguagens verbais, escritas e orais como predominantes.
O audiovisual agrega diferentes áreas de conhecimento, o que
permite a promoção de trabalho interdisciplinar, almejado pelas
instâncias pedagógicas. Contudo, apesar de a lei reconhecer a
importância do cinema na escola, da formação audiovisual e do
consumo cinematográfico nos processos de ensino e aprendizagem,
ainda pouco se é visto acerca das práticas continuadas envolvendo
tais assuntos na formação pedagógica oferecida em ambientes
escolares.

Conclusões

À guisa de conclusão e levando-se em consideração os


apontamentos feitos, deve-se considerar a necessidade de a lei
precisar sair efetivamente do papel e tornar-se realidade no contexto
escolar. Um dos caminhos para que isso aconteça pode estar
relacionado com a formação de professores e de outros profissionais
da escola, o que coloca a urgência de se pensar sobre o domínio de
conhecimento cinematográfico por parte desses. Eles precisam
ampliar seu repertório e se aperfeiçoarem nas práticas educativas
com o cinema, pois

[...] ao se aproximarem do audiovisual, sentem necessidade de se


assenhorar tanto de questões técnicas, necessárias para qualificar
as sessões e seus desdobramentos, quanto e, principalmente, do
que é inerente ao trabalho sobre as experiências com os filmes
(SANTOS; BARBOSA; LAZZARETI, 2015, p. 36).

A formação poderá ocorrer por meio da incorporação de


disciplinas de cinema nos currículos de graduação ou em outros
níveis de capacitação, mediante minicursos, oficinas, criação de
cineclubes nos centros de formação ou pela realização de sessões de
cinema comentadas. Assim, estando mais preparados, os
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 417

professores poderão tratar o cinema como linguagem. Dessa forma,


promoverão a construção de práticas educativas que superam a
abordagem instrumental dos filmes, portanto, que envolvam
reflexões e experiências sobre produção, análise e recepção.
Segundo Fresquet (2015), o uso do cinema nas práticas
pedagógicas tem sido uma arte funcionalizada e instrumentalizada
em virtude de sua potência pedagógica. Essa não pode ser a única e
exclusiva forma do cinema entrar na escola. O cinema propicia
aprendizagem para além do conteúdo, prática que propicia
imaginação, criação e experienciação.
Para que a lei seja efetivamente levada a cabo na escola básica,
Fernandes (2015) defende pensar o cinema cultural e
pedagogicamente. Forma de pensar essa que implica em se
preocupar com o fato de que a abordagem do tema faça parte da
formação inicial e continuada docentes. Serão nesses processos
formativos que os professores conhecerão a linguagem
cinematográfica e a vivenciarão experiências estéticas diversas, que
também os formarão culturalmente.
Nas escolas, a exibição de filmes tem de ganhar novos
sentidos, a partir de lógica que garanta a seleção e a distribuição dos
materiais, a estrutura e o acesso de qualidade e, principalmente,
uma formação docente voltada para a experiência audiovisual.
Assim, a educação pode inventar outras educações visuais e
estéticas, não sobre o cinema, mas com o cinema. Desta maneira,
poderão a educação e a cultura dialogar de forma propositiva em
busca da transversalidade em ambas as práticas sociais formativas.
Concluindo, cabe registrar a necessidade de, na
implementação da lei, mudar as concepções associadas ao cinema e
à educação. Assim, passasse a ver os filmes como elementos de
aprendizagem, assim como os livros: elementos que contribuem
para o exercício do pensamento. A formação dos professores deve
ser constituída na direção de compreender os filmes como aula, não
como simples entretenimento, aprendendo a ver e a apreciar os
filmes e suas linguagens.
418 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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28

Cinema, modernidade e ensino:


proposta para uma reeducação do olhar

Alexandre Cristiano Baldacin Junior


Humberto Perinelli Neto

Introdução

Vivemos em uma sociedade de estímulos, ou seja, uma


sociedade moderna. Viver essa modernidade, segundo Berman, é

[...] encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder,


alegria, crescimento, autotransformação e transformação das
coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o
que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos (1986, p.15)

Entretanto, quando olhamos para a escola, vemos um sistema


completamente engessado, fixo, não-dinâmico, fugindo
completamente das noções de “moderno”, que Berman definiu
acima. Nesta perspectiva de que a escola não está alinhada com seu
tempo, o antropólogo argentino Néstor Canclini vai afirmar que “os
saberes e o imaginário contemporâneos não se organizam, faz pelo
menos meio século, em torno do eixo letrado, nem o livro é o único
foco ordenador do conhecimento” (2008, p.33). Dessa forma,
comprova-se que a escola não aprendeu ainda a lidar com a
modernidade, tal qual apresentado por Berman e complementada
por Canclini (2008).
O antropólogo argentino aprofunda ainda mais essa reflexão,
ao apontar que a escola não se insere no contexto contemporâneo,
422 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

pois forma apenas leitores, ao priorizar a escrita, enquanto os jovens


são leitores, espectadores e internautas, tudo ao mesmo tempo,
justamente por estarem inseridos neste contexto moderno que os
bombardeia constantemente com estímulos audiovisuais e
multimidiáticos. Eles estão em contato com os livros e os ebooks,
com o cinema, a televisão e o streaming, com as redes sociais, com
os games, enfim, são estímulos a todo momento e, cada vez de forma
mais acelerada. Mas, apesar disso tudo, a escola insiste em formar
única e exclusivamente leitores.
Diante dessa imensa carga de estímulos audiovisuais, parece
lógico que o ser humano do século XXI passe por um processo de
reeducação do olhar e que ele seja atrelado à escola. Paulo Freire
defende que a prática educativo-crítica constitui “uma experiência
total, divertida, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica,
estética e ética” (2016, p.26), ou seja, a escola deveria ser lugar em
que as relações com o moderno e com a mudança deveriam ocorrer,
uma vez que o processo de ensino-aprendizagem também deve dar
conta de um contexto mais amplo e complexo. Mas, como apontado
anteriormente por Canclini, isso não ocorre.
É, então, possível depreender que a escola ainda não aprendeu
a lidar com o cinema, com as mídias (tradicionais e digitais), com os
videogames etc. Dessa forma, este trabalho tem como intenção
pensar, justamente, a utilização do cinema dentro do contexto de
ensino-aprendizagem, abordando questões como a sua
modernidade inerente e a sua função logopática.

Desenvolvimento

A modernidade, conforme apresentado por Marshall Berman,


é um turbilhão de estímulos. Ela nos gera uma “sensibilidade
moderna”, que é composta “de agitação e turbulência, aturdimento
psíquico e embriaguez, expansão das possibilidades de experiência
e destruição das barreiras morais e dos compromissos pessoais,
autoexpansão e autodesordem” (1986, p.18). E é no auge dessa
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 423

modernidade, que se firma no “longo século XIX”, como dirá


Hobsbawm (2015), que a visão do ser humano sofrerá uma ruptura,
uma cisão.
Crary afirma que o “surgimento de um campo social, urbano,
psíquico e industrial cada vez mais saturado de informações
sensoriais” (2001, p.68) é o que fará com que a nossa visão se torne
“imperfeita, discutível e até, argumentou-se, arbitrária” (2001,
p.67). Dessa forma, o homem moderno, inundado desta
“sensibilidade moderna”, e movido por um pensamento burguês,
fará surgir inúmeras mudanças na sociedade ocidental, como a
questão da informação, da mídia, do esporte, do lazer e do
entretenimento, como apontam Briggs e Burke (2006). O cinema
surgirá justamente neste contexto, em 1895.
Ao decorrer do século XX, o cinema foi se consolidando
enquanto linguagem artística, e se consolidando também enquanto
cultura de massa, chegando ao ponto de um único estúdio, a Disney,
bater o recorde de 7 bilhões de dólares em bilheteria, em 20171.
Outro exemplo interessante para refletir a força do cinema é a
experiência feita por Duarte e Alegria (2008): vinte e cinco crianças,
dos sete aos treze anos, foram entrevistadas acerca de oitenta filmes
selecionados previamente e constatou-se que as crianças conheciam
basicamente todos, confirmando, desse modo, presença fortíssima
do cinema no cotidiano de qualquer pessoa, afinal, antes mesmo de
aprendermos a ler ou a escrever.
Entretanto, essa relação gera uma ambiguidade, também
apresentada na pesquisa supracitada. Duarte e Alegria constataram
que, apesar das crianças conhecerem quase todos os oitenta filmes
selecionados, elas não conseguiam avaliar quais eram bons ou ruins,
pois, na verdade, afirmavam que todos eram bons. Além disso,
Canclini afirma que as gerações mais jovens desenvolveram uma

1
Disponível em: <https://omelete.uol.com.br/filmes/noticia/disney-e-o-primeiro-estudio-a-faturar-
us-7-bilhoes-em-um-ano/>. Acessado em: 28 de setembro de 2017
424 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

“relação ‘natural’ com a tela da televisão e sentem menos a diferença


entre ela e a espectacularidade das salas de cinema” (2008, p.25).
Na verdade, esta relação não se desenvolve apenas com a tela
da televisão, mas sim com a tela dos smartphones, uma vez que os
serviços de streaming estão tomando conta do mercado. Uma das
gigantes do ramo de vídeo-locadoras – Blockbuster – fechou as
portas em 2017 nos Estados Unidos2, boa parte por conta de
empresas como Netflix, Amazon Prime, HBOGo e Hulu, que podem
ser acessadas por SmarTv ou por celular.
Com isso, vemos como as pessoas cada vez mais estão se
distanciando do conhecimento da linguagem fílmica. Se pegarmos a
cena inicial do filme Os oito odiados (2015), temos um plano aberto
na neve, com uma cruz em primeiro plano, filmado em 70mm,
acompanhado de trilha sonora crescente, elaborada por Ennio
Morricone. Como é possível ter a completa experiência desta obra
da tela de um smartphone com fones de ouvido, por exemplo?
Apesar da constante presença das imagens, registra-se um
explícito desconhecimento da linguagem artística do cinema.
Confunde-se o artístico e o prosaico, é a metáfora do “caminhar” e
do “dançar”, que Paul Valéry (1991) apresenta, em que se interpreta
a arte (o “dançar”, o artístico) a partir de uma visão cotidiana (o
“caminhar”, o prosaico). Ou seja, é necessário reeducar o olhar
humano para compreender toda essa quantidade de estímulos
audiovisuais de propagandas, telejornais, serviços de streaming com
diversos tipos de conteúdo (como o Youtube), gifs, memes, filmes,
séries televisivas, e afins.
Assim sendo, a escola apresenta-se como instituição
extremamente fértil para o trabalho com a reeducação do olhar, em
especial o cinema, pois pode gerar uma relação de “mutualismo”.
Segundo Paulo Freire, ensinar exige, entre tantos pontos, estética e
ética, não se ensina com “puro treinamento técnico”, pois isso “é

2
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/o-fim-do-imperio-10797101>. Acessado em 28
de setembro de 2017.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 425

amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício


educativo: o seu caráter formador” (2016, p.34). Ou seja, é
necessário a não “repetição mecânica do gesto” de ensinar, mas sim
“a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo,
da insegurança” (2016, p.45). O processo de ensino-aprendizagem é
combinação do capacitar, do técnico e do teórico com o sensibilizar,
o sentimento e o prático.
Logo, o cinema, enquanto linguagem artística composta da
mistura do sentir (catarse) e do seu componente puramente lógico
origina o que o filósofo Júlio Cabrera vai denominar por “conceito-
imagem” (2006, p.21), ou seja, o cinema como logopático,
misturando justamente a razão e a técnica com o sensível. Usando
mais uma vez o filme Os oito odiados (2015) como exemplo,
podemos trabalhar com os alunos, a partir do campo da filosofia,
questões como a “realidade” dentro do testemunho de uma pessoa
ou então temas transversais, como o racismo e as relações étnico-
raciais. Mas, ao exibir o filme supracitado, o aluno não só terá uma
experiência racional ou emocional a partir dos fatos apresentados
nele – como alguém que conta uma história numa cabana, em meio
à nevasca, e todos os outros personagens são obrigados a acreditar
nele, ou os casos de racismo e misoginia ali apresentados –, mas sim,
a mistura dos dois, um conceito-imagem sobre “veracidade”, outro
conceito-imagem sobre preconceito racial e de gênero, constituindo-
se o filme e seu emprego em sala num território extremamente fértil
para gerar debates e situações propícias para o processo de ensino-
aprendizagem.
Ademais, Rosenstone apresenta outra importante
característica do cinema, que muito se encaixa no contexto escolar,
que é o fato da sétima arte referir-se a “acontecimentos, momentos
e movimentos reais do passado”, na mesma medida em que
compartilha do “irreal e do ficcional, pois ambos [a história e o
cinema] são compostos por conjuntos de convenções que
desenvolvemos para falar de onde nós, seres humanos, viemos”
(2015, p.14). Ou seja, a escola poderia ter, no cinema, um fortíssimo
426 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

aliado para “modernizar-se”, descontruindo a sua ligação exclusiva


com o texto escrito, como já apresentado anteriormente aqui.
E, por fim, mas não menos importante, a escola poderia ter
no cinema um de seus mais fortes vínculos com a modernidade,
naquilo que diz respeito ao seu aspecto universalizante. A
modernidade é, tal qual apresentado por Berman no início do texto,
esse aventurar-se, é diminuir as fronteiras do globo, é descobrir o
Outro e descobrir-se no Outro. Mas a escola não vivencia isso,
justamente pelo seu caráter uniformizante, puramente mecânico. O
cinema na escola seria o reencontro da escola com o moderno,
devido ao seu caráter local e universalizante, como contar a história
de uma cabana isolada pela neve no interior dos Estados Unidos e
nós nos conectarmos com aquela trama e personagens; ou pelo seu
caráter individual e coletivo, também comum à modernidade, uma
vez que o cinema é a produção artística que mais envolve seres
humanos para ser produzida, entre tantas outras motivações.
Mas, para além de todas essas questões que envolvem o
cinema, trabalhá-lo em sala de aula é o começo de um processo de
reconectar alunos com professores e gestão. Como apontam Moreira
e Kramer:

Muitos pesquisadores destacam o impacto na vida cotidiana, na


escola e na aprendizagem (Mamede-Neves, 2007), do computador
(Nogueira, 1996), da internet (Oliveira, 2000; Freitas & Costa,
2005), do cinema (Duarte, 2002), da televisão (Duarte, Leite &
Migliora, 2006), dos telefones celulares, dos jogos e da
multiplicação de telas (Rivoltella, 2007) (2007, p.1049).

Setton ainda afirma que:

[...] refletir sobre as mídias a partir do ponto de vista da educação


é admiti-las enquanto produtoras de cultura. É também admitir
que a cultura das mídias, suas técnicas e conteúdos, veiculados
pelos programas de TV, pelas músicas que tocam na rádio, ou
mensagens na internet, nas mais variadas formas, ajudam-nos,
juntamente com valores produzidos e reconhecidos pela família,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 427

pela escola e pelo trabalho, a nos constituir enquanto sujeitos,


indivíduos e cidadãos, com personalidade, vontade e subjetividade
distintas (2010, p.13).

Esta inserção do estudo do cinema na educação pode ser feita


por meio da mídia-educação, que, segundo Belloni e Bévort (2009),
é uma forma de apropriar-se crítica e criativamente da mídia – neste
caso do cinema – que está, como já afirmado anteriormente, ao
redor de nós, todo momento. Ademais, a mídia-educação prevê uma
completa integração das mídias nos meios e nos processos
educacionais, sendo esta condizente em todas suas instâncias: (i) o
que elas transmitem, (ii) como transmitem (linguagem), além de
sua (já usual) (iii) função de instrumento.
O cenário que temos do cinema e das mídias dentro da sala de
aula, entretanto, é tão caótico quanto o que se encontra fora dela,
uma vez que ele é analisado muitas vezes apenas pelo tema, sem
qualquer outro aspecto que compõe a arte cinematográfica – isso
quando ele não é tratado apenas como recompensa ou
entretenimento dentro de sala de aula. Ademais, quando se criam
algumas medidas institucionais para incluir o cinema dentro das
salas de aula, são medidas com certa problemática, vide a Lei
13.006/14, que determina que “a exibição de filmes de produção
nacional constituirá componente curricular complementar
integrado à proposta pedagógica da escola, sendo sua exibição
obrigatória, por, no mínimo, duas horas mensais”.
Ou seja, conforme nos apresenta Fresquet (2015), esta lei traz
consigo a visão do cinema como consumo, uma vez que a
justificativa de trazer apenas filmes nacionais para dentro da sala de
aula está ligado a formação de consumidores do cinema nacional.
Desse modo, esquece-se as principais características inerentes ao
cinema, muitas das quais já foram destacadas anteriormente. Para
além do consumo, a lei não possui critérios que estipulem quais
filmes, quais gêneros, quem fornecerá, entre outras tantas questões.
428 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Neste sentido, Paulo Freire apresenta concepção de prática


educativo-progressista que pede, justamente, questões como as
apresentadas até então acerca do cinema. Nas palavras do próprio
Freire:

[...] uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é


exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita,
indócil. Curiosidade com que podemos nos defender de
‘irracionalismos’ decorrentes do ou produzido por certos excesso
de ‘racionalidade’ de nosso tempo altamente tecnologizado (2016,
p.33-34).

Desse modo, refletir sobre a prática educativo-crítica e sobre


o papel do cinema na sua constituição é refletir sobre o próprio
processo de ensinar-aprender, uma vez que ele tem compromisso
inerente com a sociedade. O cinema, as mídias, os superestímulos
audiovisuais estão presentes e se fazem presentes, desde o século
XIX, portanto, negar sua importância na escola, na prática docente,
é negar a realidade. Logo, a sétima arte se faz incontornável, ainda
mais quanto tratamos de temas que jamais obteremos total êxito
sem a emoção, os sentimentos, a sensibilidade, como as temáticas
étnico-raciais.

Conclusões

Podemos concluir que vivemos em uma modernidade cada


vez mais presente, mais atuante, mais forte e cada vez mais global.
Nós estamos, inevitavelmente, neste contexto, assim como a escola.
Porém, como afirmado por Canclini ao longo do texto, a escola não
faz parte totalmente desta modernidade, mantendo-se associada
puramente à formação de leitores, focando em um processo
mecânico e uniformizador.
Entretanto, o cinema, uma arte moderna por excelência, não
só devido ao seu contexto de criação no auge da modernidade
burguesa, mas sim pelas suas características – local e universal,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 429

individual e coletivo, real e ilusório, racional e sensibilizador – faz-


se essencial no processo de “modernização” da escola. Além disso, o
cinema é forma de reeducar os olhares nas escolas, uma vez que os
alunos que se encontram no contexto escolar estão imersos neste
mar de estímulos audiovisuais intrínsecos à modernidade. Assim
sendo, como afirmam Duarte e Alegria,

[...] parece urgente pensar em uma outra possibilidade de ensinar


as crianças a ver filmes, tendo como objetivo construir os
conhecimentos necessários para a avaliação de qualidade do que
veem e para a ampliação de sua capacidade de julgamento estético,
partindo do princípio de que o cinema é uma das mais importantes
artes visuais da atualidade, com um imenso poder de atração e
indiscutível potencial criativo (2008, p.73).

Ou seja, ainda que nos encontremos em um cenário de


extremas incertezas e mudanças, como é a contemporaneidade, é
incontornável aprendermos a lidar com as tecnologias, as mídias e
o cinema na sala de aula. Nesse sentido, devemos lembrar do que
insistem Moreira e Kramer, quando afirmam que “para além do
pessimismo ou do otimismo [em relação às tecnologias e mídias], o
que parece mais perigoso é a renúncia ao reconhecimento de que há
mudanças e novos aparatos tecnológicos que formam e informam
uma geração” (2007, p.1048).

Referências

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VALÉRY, P. Variedades. Trad. Maiza Martins de Siqueira. São Paulo: Iluminuras,


1991.
29

Ciranda infantil:
a infância sem terrinha do MST

Luís Henrique dos Santos Barcellos


Julio Cesar Torres

Introdução

Este trabalho é um recorte do projeto de pesquisa de mestrado


que está sendo desenvolvido no Programa de Pós Graduação em
Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC da
Unesp/Marília, denominado: Infância, Educação e MST: a Ciranda
Infantil.
O objeto de nossa pesquisa de mestrado é a Educação Infantil
do MST. Nela, estamos investigando a política educacional do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para a
infância, no contexto das Cirandas Infantis. Sabe-se que o MST é um
movimento social de luta pela reforma agrária, pela emancipação
humana, contra o avanço do capitalismo, e que para defender suas
bandeiras, elege como um dos fatores principais o desenvolvimento
de uma educação emancipadora, que congregue trabalho e educação
geridos por meio de relações e ações democráticas.
No presente trabalho apresentaremos, de forma sucinta,
alguns princípios educacionais do MST, e a Ciranda Infantil, que se
configura como a política de Educação Infantil do Movimento, ou
seja, de educação das crianças do/no Movimento, elencando a visão
de criança e de infância sem terrinha.
432 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A perspectiva metodológica adotada nesta pesquisa é de


natureza bibliográfica e análise documental.
Utilizamos a pesquisa de natureza bibliográfica como aporte
teórico, que fundamentou o objeto de estudo, permitindo o debate
entre autores, desenvolvendo, dessa forma, uma dialética entre os
posicionamentos e ideias. Quando à pesquisa documental, para esse
recorte, detemo-nos às produções do próprio MST, disponíveis em
seu site (http://www.mst.org.br/), em forma de artigos e notícias,
bem como ao “Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”.
Os documentos são importantes fontes de informação, e
permitem apreciar e valorizar a riqueza das mesmas.

[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente


preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é,
evidentemente, insubstituível em qualquer reconstituição
referente a um passado relativamente distante, pois não é raro que
ele represente a quase totalidade dos vestígios da atividade
humana em determinadas épocas. Além disso, muito
frequentemente, ele permanece como o único testemunho de
atividades particulares ocorridas num passado recente.
(CELLARD, 2008, p. 295)

Desenvolvimento

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é


um movimento brasileiro de luta e resistência pela terra e contra o
avanço do capitalismo. “De acordo com o próprio MST, desde sua
fundação, este se organiza em torno de três objetivos: lutar pela
terra; pela reforma agrária; e por uma sociedade mais justa e
fraterna.” (PALUDETO, 2018, p.23). Seu surgimento é marcado pela
organização de agricultores ou trabalhadores rurais desapropriados
ou ameaçados:

O MST emergiu no cenário social e político brasileiro mostrando


as contradições, reivindicando, no cerne de sua ação prática, o
acesso à terra, a reforma agrária e um projeto amplo de igualdade
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 433

social, constituindo uma das maiores novidades da história política


contemporânea do campesinato brasileiro, sendo considerado,
posteriormente, a voz mais expressiva da questão agrária da
América Latina. (PALUDETO, 2018, p.37)

Com o seu desenvolvimento e notoriedade nacional e


internacional, o movimento cresceu tornando-se, se não o maior, um
dos mais expressivos locais de discussão e luta pelo campo e pela terra.
Com um projeto revolucionário, pensando meios para uma sociedade
democraticamente organizada e socialmente mais igual, contra o
avanço selvagem e alienante das relações capitalistas de produção,
sobretudo no campo, expressas atualmente na forma do agronegócio.

Para tanto, o MST elaborou e buscou executar uma proposta de


educação que foge à lógica burguesa. Uma educação que transita
entre a formação intelectual e política ao mesmo tempo. Para
Floresta (2006), essa proposta de educação constitui uma
dinâmica de apropriação do saber em que a produção e
socialização do conhecimento escolar se coloca a serviço da
emancipação coletiva e popular. (PELOSO, 2013, p. 9)

São princípios educacionais do MST, segundo Paludeto


(2018): a educação como direito inalienável, associação de educação
para o trabalho e a cooperação, educação ominilateral voltada para
as várias dimensões da pessoa humana, e a educação como processo
permanente de formação e transformação humana, bem como a
auto-organização.
Para alcançar tais princípios o MST busca um referencial
teórico-crítico. “Dentre os autores que trabalharam essa temática, e
que influenciaram a construção da pedagogia do Movimento,
encontram-se: Marx, Makarenko, Leontiev, Pistrak, Paulo Freire e
Krupskaya” (PALUDETO, 2018, p.68).
A Educação Infantil no Movimento é inspirada na experiência
cubana dos círculos infantis, configurando-se no MST como
Cirandas Infantis.
434 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

As Cirandas Infantis foram concebidas no Movimento para atender


a demanda das crianças com idade inferior a seis anos de idade. No
entanto, é importante frisar que, num primeiro momento, as
Cirandas foram pensadas porque as mulheres, principalmente
aquelas que eram mães, queriam participar ativamente das
discussões, organizações, embates, ações e lutas do Movimento,
mas não tinham onde deixar as crianças. Por esse motivo foram
criadas as primeiras experiências de atendimento organizado para
as crianças pequenas. (PELOSO, 2013, p.10)

Podemos observar que o espaço destinado à criança no MST,


assim como na história da Educação Infantil brasileira, não tem, em
um primeiro momento, uma preocupação especificamente
educativa ou formativa para seu público. Segundo Didonet (2001, p.
12), “[...] as referências históricas da creche são unânimes em
afirmar que ela foi criada para cuidar das crianças pequenas, cujas
mães saíam para o trabalho.” A educação das crianças estava até
então vinculada estritamente à família.
No MST, a criação das Cirandas Infantis aconteceu de maneira
improvisada para que as mães pudessem se inserir mais ativamente
na luta. Em pouco tempo, a proposta toma corpo e consciência da
importância de olhar para a criança como sujeito inserido em um
contexto social, de considerá-la sujeito histórico e produtor de
cultura. Nesse sentido a criança do/no Movimento, não é um sujeito
passivo, mas sim um sujeito de luta.
Márcia Ramos, do setor de educação do Movimento,
entrevistada por Silva (2014, s/n) afirma que:

No MST as crianças fazem parte da luta pela terra desde a fundação


do Movimento. Existe a preocupação concreta de fazer com que
essas crianças tenham um espaço educativo. Dentro dos
acampamentos e assentamentos sempre existiu a ideia de deixar
esses espaços agradáveis e educativos, mas a nossa grande luta foi
conseguir trazer a escola, propriamente dita, para dentro dos
assentamentos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 435

Nesse sentido, a Ciranda significa, para o MST, a garantia de um


espaço em que a criança possa verdadeiramente ser criança, um
espaço pensado para ela, aos seus cuidados, brincadeiras,
desenvolvimento, educação e militância, além disso, representa,
também, como já salientamos anteriormente, a garantia de espaço
para a participação da mulher, para o Movimento, “a infância, a mãe,
a mulher e as questões de gênero são intrínsecas” (SILVA, 2014, s/n)
No MST existem duas modalidades de Cirandas. As fixas,
presentes nas escolas e cooperativas nas quais existem a
organização da rotina de atividades e formação permanentes para o
público infantil, e também as itinerantes, que são instaladas
provisoriamente durante os eventos, congressos e encontros
realizados pelo Movimento.
Nas Cirandas, são mantidos os princípios educacionais do
Movimento já citados anteriormente neste trabalho, com vistas a
desenvolver uma educação transgressora, no sentido de
enfrentamento ao Capital e à educação oficial.

Nós queremos que nossos pequenos se reconheçam enquanto


filhos e filhas da classe trabalhadora do campo, mas que também
tenham uma compreensão de mundo.
Qualquer criança deveria ter esse contato. Ser ensinado a ser
sujeito e dono de sua própria história. Para o MST isso é
fundamental no processo de formação de uma nova massa crítica.
É nisso que acreditamos enquanto Movimento, e são nesses pilares
que a educação dentro do MST é pautada. (SILVA, 2014, s/n)

Podemos perceber que a concepção de Educação Infantil do


Movimento ampliou-se, e as Cirandas Infantis passam a ser lugares
para formação em trabalho, na e para a luta, e de acordo com
Paludeto (2018, p. 165), o MST tem buscado desenvolver
documentos orientadores para as Cirandas.

Sobre a infância, em resumo, as atividades estão direcionadas para


a conclusão das orientações político-pedagógicas nas escolas de
educação infantil dos assentamentos, e para a elaboração de um
436 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

documento que sirva de referência para direcionar


adequadamente a formação de educadores e educadoras infantis.

A Educação Infantil, historicamente negligenciada e tratada


em patamares de menor importância, torna-se muitas vezes um
direito negado às crianças. No campo, a situação tende a se agravar,
e o MST tem se constituído importante representante na luta pelos
direitos da população do campo. Dentre tais direitos, a educação é
fundamental. Dalmaz e Sarmocin (2012, p. 12) argumentam que:

[...] Pode-se afirmar que no Brasil não temos a concretização de


propostas educacionais direcionadas às crianças do campo por
parte do poder público. Entretanto, podemos considerar que
existem algumas alternativas promovidas pela sociedade civil
organizada que estão sendo efetivadas, dentre elas, as Cirandas
Infantis concebidas pelo MST. As Cirandas são as únicas propostas
de Educação Infantil do Campo no Brasil consolidadas nos últimos
quinze anos. Neste sentido, mesmo que a proposta do MST tenha
seus limites e desafios, ela representa na atualidade um avanço na
efetivação do direito à educação aos sujeitos do campo, inclusive às
crianças. Cabe salientar mais uma vez que, o MST é um dos
movimentos sociais brasileiros que mais se destaca pela luta na
garantia dos direitos dos sujeitos do campo.

A significação de uma infância Sem Terrinha é expressa,


portanto, pela participação, por relações democráticas, pela auto-
organização das crianças e da luta, pela terra, pela reforma agrária,
pelo direito ao trabalho, por alimentos saudáveis, por educação de
qualidade e por equidade social.
Nesse sentido, a infância Sem Terrinha auto-organizada
realizou o 1º Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinha, em
Brasília-DF, em julho deste ano, reunindo crianças de todo território
nacional, possibilitando a consolidação da pauta da infância do MST.
Ao final do encontro, as crianças lançaram o Manifesto das Crianças
Sem Terrinha, nesse documento se pode perceber o sentimento e
luta diária de ser criança no MST. As próprias descrevem a si
mesmas e ao cotidiano na luta pela terra como:
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 437

Somos filhos e filhas das famílias Sem Terra, moramos nos


acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária. Junto com
nossos pais ocupamos terra para ter alimentos, casa para morar,
lugar de brincar e ser feliz.
Ajudamos nossa família com os trabalhos da roça e a cuidar dos
animais. Gostamos de comer os alimentos que plantamos.
Queremos alimentação saudável nas escolas do campo, com
lanches de qualidade. Gostamos de morar e dormir na roça!
Participamos das atividades, de lutas e reuniões e estudamos no
campo.
(MARINHO, 2018, s/n)

O sentimento de pertencimento ao Movimento e de classe é


muito importante para o MST que se preocupa deste os primórdios
com a formação política de seus quadros, com vistas a superação da
alienação que começa pela consciência de classe, de lugar de vida.
Além disso, podemos perceber no excerto supracitado que a luta do
MST e das Crianças Sem Terrinha é, antes de qualquer coisa, por
uma vida mais digna com alimentos saudáveis, moradia e trabalho.
O desejo das Crianças Sem Terrinha por uma vida digna
expressa por educação de qualidade, trabalho e alimentos saudáveis
não se restringe às populações do campo.

Estamos aprendendo a preservar o meio ambiente, a cuidar


melhor do lixo e vamos cuidar das matas, das florestas e dos nossos
assentamentos e acampamentos.
Ainda não fizeram a Reforma Agrária do jeito que precisa, mas nós
vamos ajudar a fazer!
É preciso melhorar nossas condições de vida no campo e também
na cidade. Nós queremos que as crianças da cidade também
comam comida sem veneno! (MARINHO, 2018, s/n)

O MST compreende a importância de uma relação respeitosa


com a natureza, nesse sentido, se posiciona contra o avanço do
capitalismo no campo, antes chamado latifúndio, agora, expresso pelo
agronegócio, defendendo, portanto, a Reforma Agrária Popular,
segundo os Sem Terrinha nos acampamentos e assentamentos “já
438 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

temos a produção de alimentos orgânicos, agroecológicos e tem até


agroflorestas, com muita coisa bonita pra ver e pra comer. Produzimos
diversos alimentos gostosos e sem veneno”. (MARINHO, 2018, s/n)
Mais especificamente sobre a educação, a luta inicia para que
existam escolas no campo, dentro dos assentamentos ou próximas
a ele e que sejam garantidos as crianças todos os direitos pertinentes
a sua educação. Segundo Marinho (2018, s/n) “lutamos para
garantir uma educação que faça parte da vida do campo, nos
respeite como crianças e que respeite as populações do campo e da
cidade.” Um segundo momento da luta é para implementar o
projeto pedagógico do MST, pela auto-organização, pela gestão de
pessoas, metodologias e conteúdos.

As escolas do campo precisam ter melhores condições. Queremos


que sejam construídas quadras de esportes, refeitório e parquinho
infantil, que o pátio das escolas seja grande pra podermos brincar.
A alimentação das escolas precisa melhorar, ter mais produção da
reforma agrária e da agricultura camponesa familiar. (MARINHO,
2018, s/n)

A Ciranda Infantil do MST afirma todos os preceitos e


necessidades da luta por uma educação do campo e no campo,
destinada as crianças pequenas, observando as especificidades da
criança que brinca e por meio da brincadeira significa o mundo,
compreendendo-se como sujeito histórico, de direitos e de luta,
assumindo desde pequenas os espaços de luta, participando
democraticamente, se auto-organizando e cooperando.

Conclusões

Como vimos, a Ciranda Infantil é o espaço propriamente


destinado à educação das crianças pequenas no MST, porém, a
educação não se resume a elas. As crianças aprendem na convivência,
na luta, na experiência de cada dia. A política educacional do
Movimento eleva a criança a ator e autor do desenvolvimento, por
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 439

meio da auto-organização, da participação e da gestão democrática dos


processos. Viver a Ciranda é viver nessa ideia de movimento de mãos
dadas, com consciência de classe, de pertencimento.
As crianças do MST ampliam o que propõe o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), (Lei federal nº 8069, de 13 de julho
de 1990) no que se refere à definição de sujeito de direitos, para ser
no Movimento, além de sujeito de direitos, sujeito de luta. Que
almeja e luta diariamente por uma sociedade mais justa e fraterna.
Expressos nos desejos descritos no Manifesto acima copiado como o
direito à vida no campo, ao trabalho, à educação de qualidade no/do
campo, o direito a ser criança, a viver, plantar, ver crescer, colher,
sonhar, enfim, por uma condição de vida digna, humana, e pelo
direito de ser respeitado.

Compreender a infância no/do MST que está nos acampamentos e


assentamentos, nas marchas, nas ocupações, nos cursos, reuniões
e encontros diversos é dialogar com um processo educativo fora da
escola, não institucionalizado pelo poder público, marcado
principalmente pelo conceito de coletividade, numa compreensão
de que o lugar educativo da criança não se restringe somente à
escola, porém não a desconsidera, ou seja, considera educativo
todos os espaços ocupados pelas crianças sendo que a depender da
intencionalidade e ação dos sujeitos envolvidos pode contribuir
para produzir ou questionar a sociedade em questão. (RAMOS,
2014, p.15)

Assim como afirmou o educador Paulo Freire, “a educação é


um ato político” (FREIRE, 1991, p.20), e o MST tem efetivado uma
prática educacional transgressora em relação à oficial, buscando
evidenciaradesigualdadesocial eodescasoe negligênciacomas
reaisnecessidadesdapopulaçãocamponesa,com valores educacionais
e formativos voltados auma formação ominilateral,com discussão
política, com participação, com escuta. A criança nesse processo é
inserida como sujeito participativo, desde o seu nascimento, nas
lutas travadas contra o capital.
440 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Referências

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de 1990.
CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa:
enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes, 2008.

DALMAZ, D. S. S.; SCARMOCIN, D. A ciranda infantil do movimento sem terra no


Brasil: Formação política na Infância. In: I Seminário Internacional e I
Fórum de Educação do Campo da Região Sul do RS: Campo e Cidade em
busca de Caminhos Comuns. Pelotas, 2012.

DIDONET, Vital. Creche: a que veio... para onde vai... In: Educação Infantil: a
creche, um bom começo. Em Aberto Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais. v. 18, n. 73, p.11-27. Brasília, 2001.

FREIRE, Paulo. "A educação é um ato político". Cadernos de Ciência, Brasília, n.


24, = p.21-22, jul./ago./set. 1991. Disponível em: <http://acervo.
paulofreire.org:8080/xmlui/bitstream/handle/7891/1357/FPF_OPF_07_
015.pdf> Acesso em: 06 jun. 2018.

MARINHO, Gustavo. “Queremos que todas as crianças possam ser felizes e livres”,
afirma Manifesto das Crianças Sem Terrinha. 2018. Disponível em:
<http://www.mst.org.br/2018/07/24/queremos-que-todas-as-criancas-
possam-ser-felizes-e-livres-afirma-manifesto-das-criancas-sem-
terrinha.html>. Acesso em: 24 jul. 2018.

PALUDETO, M. C..As diretrizes programáticas e a política educacional do


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Tese (Doutorado
em Educação) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de
Filosofia e Ciências, Marília. 128 f. 2018.

PELOSO, F. C. Educação Infantil do/no Campo: a ciranda infantil do Movimento dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra como alternativa de atendimento à criança
pequena. In: Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas sobre Educação no
Campo. São Carlos. v.2, p. 1-15, 2013. Disponível em: http://www.gepec.
ufscar.br/publicacoes/publicacoes-seminarios-do-gepec/seminarios-de-
2013/1-educacao-do-campo-movimentos-sociais-e-politicas-publicas/a24-
educacao-infantil-do-campo.pdf/view. Acesso em: 05 abr. 2018.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 441

RAMOS, Márcia Mara. Ciranda Infantil Paulo Freire educa para a luta. Jornal dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. São Paulo, p. 15-15. volume 323. fev.
2014. Disponível em: <https://issuu.com/paginadomst/docs/jst323>.
Acesso em: 23 abr. 2014.

SILVA, Maura. "Nossa educação ensina a criança a ser sujeita e construtora de sua
história". 2017. Disponível em: <http://www.mst.org.br/2014/10/
01/nossa-educacao-ensina-a-crianca-a-ser-sujeita-e-construtora-de-sua-
historia.html>. Acesso em: 01 out. 2014.
30

Comportamento(s) do estudante superdotado nas


situações de bullying

Alex Almeida da Silva


Carina Alexandra Rondini

Introdução

Bullying

O trabalho aqui apresentado trata-se de um recorte da


pesquisa desenvolvida pelo autor ao longo do mestrado, mas
precisamente de um objetivo específico que propôs uma
investigação sobre o papel do superdotado em situações de bullying
dentro do contexto escolar.
O bullying carrega em si algumas características próprias que
o diferenciam dos demais conflitos, em nossa sociedade: 1- o
agressor age com a intenção de machucar a vítima; 2- existe a
repetição das agressões contra o mesmo alvo; 3 – há uma
desigualdade de poder (físico e/ou psicológico) entre agressor e
vítima; 4- a vítima apresenta uma baixa autoestima e sua situação
de fragilidade a transforma em um alvo ideal (as chances de revidar
serão menores); 5 – o bullying ocorre entre pares (TOGNETTA,
2013).
A prática do bullying, na maioria das vezes, envolve três
elementos: o agressor, a vítima e o espectador (FANTE, 2005). O
bullying traz consequências negativas para todos os envolvidos,
444 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

dificultando desde o seu aprendizado escolar até a sua relação com


a sociedade, fora dos muros da escola.

Agressor

Não é possível traçar um perfil exato para o estudante que


assume o papel de agressor, nas relações de bullying, já que se pode
criar uma visão estereotipada e errônea sobre o agressor (SILVA,
2010). O que é possível abordar são as possíveis motivações e
características gerais que cercam um aluno que agride seus pares.
Uma das primeiras motivações que existe é a necessidade de
status, de se sentir superior ao outro (diminuir o próximo, para se
sentir maior) (TOGNETTA et al., 2015). Outra característica que
pode existir é a necessidade de “descontar” as injustiças que ele julga
ter sofrido de outros estudantes, dos professores ou de familiares
(TOGNETTA, 2013).
A reprodução da violência também é uma marca do bullying.
Com efeito, a vítima “[...] reproduz os maus tratos sofridos como
forma de compensação, ou seja, ela procura outra vítima, ainda mais
frágil e vulnerável, e comete contra esta todas as agressões sofridas.”
(SILVA, 2010, p. 42). Embora nem toda vítima de bullying irá se
tornar um agressor, o fato de ter sido um alvo pode contribuir para
que reproduza aquilo que sofreu. Um indivíduo que tenha sido
vítima de bullying pode procurar alguém que ele julgue inferior para
agredir e, com isso, descontar a frustração que sentiu, ao ser
agredido. Essa compensação pode ser, igualmente, reflexo de outras
formas de opressão sofridas em ambientes externos à escola.

Vítima

O agressor ou grupo de agressores não escolhem suas vítimas


de maneira aleatória. Os selecionados para serem alvos da constante
violência exibem alguns traços que, aos olhos dos agressores, os
colocam em posição inferior. Essas características podem ser físicas,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 445

comportamentais ou culturais. Se a vítima, por ter uma


característica que a apresente como frágil ao julgamento daqueles
que a cercam, pode passar a sensação de que não irá revidar uma
agressão física ou psicológica. Como exemplo de características que
podem passar a noção de fragilidade, podemos citar: corpo fora dos
padrões de beleza, jeito de se comunicar diferente dos demais,
timidez, baixo desempenho escolar, alto desempenho escolar etc.
Outro aspecto apresentado pelos alvos de bullying é a baixa
autoestima, o fato de se sentirem inferiores aos demais e até
acreditar serem merecedores das agressões (SILVA, 2010).
Não se pode tratar as características citadas como fatores
predeterminantes para que um aluno sofra bullying, pois esses
indicadores foram levantados de modo que se tenha uma melhor
compreensão do problema e não com o fim de estabelecer um perfil
típico e estereotipado das vítimas (FANTE; PEDRA, 2008; SILVA,
2010; TOGNETTA, 2013). O estudante tímido ou com algum
comportamento diferente não será necessariamente alvo de
agressões, assim como um indivíduo que não possui nenhum dos
traços elencados pode se tornar vítima por outros motivos (SILVA,
2010).

Altas habilidades/superdotação

As altas habilidades/superdotação (AH/SD) surgem como


resultado de uma confluência entre criatividade, envolvimento com
a tarefa e capacidade acima da média (RENZULLI, 1986).
No Brasil, vemos o tema altas habilidades/superdotação
sendo trabalhado de forma direta em nossa legislação, assim, as leis
em torno da educação especial e da educação inclusiva nos fornece
um importante ponto de partida sobre o assunto. Ao analisarmos a
política nacional de educação especial na perspectiva da educação
inclusiva, vemos uma ação política, social e cultural que “tem como
objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas
446 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008, p. 14). A inclusão dos


estudantes com AH/SD ocorreu na LDB de 1996 (Art. 58) ao colocar,
pela primeira vez na história educacional brasileira, o acolhimento
desse alunado como obrigação do Estado e dentro de uma educação
especial.
A resolução CNE/CEB 4/2009, coloca em seu artigo 4º que
estudantes com AH/SD são: “aqueles que apresentam um potencial
elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento
humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança,
psicomotora, artes e criatividade” (BRASIL, 2009, p.1).
Além do notável desempenho e elevada potencialidade é
preciso que haja uma certa regularidade desse desempenho ao longo
do tempo (BRASIL, 2006). Ademais, o estudante superdotado não é
aquele com elevado potencial em todos os domínios do
conhecimento, ele pode ao mesmo tempo apresentar um grande
desenvolvimento para as artes e dificuldade em acompanhar
qualquer outra disciplina. Além do que, o fato de ser superdotado,
não significa que o estudante é capaz de aprender sozinho, mesmo
que seja na sua área de interesse e aptidão. “É um engano
pensarmos que esses indivíduos têm recursos suficientes para
sempre desenvolverem sozinhos suas habilidades. Alunos com altas
habilidades/superdotação necessitam de uma variedade de
experiências de aprendizagem enriquecedoras que estimulem seu
potencial” (CUPERTINO, 2008, p. 51).

A relação entre superdotação e o bullying

O bullying tem como uma das suas características a não


aceitação daquilo que surge como diferente (FANTE, 2005). O
indivíduo com alguma característica que não se encaixa no padrão
estabelecido pelo grupo do qual ele faz parte pode surgir como um
alvo em potencial. As agressões podem ser motivadas por uma
orientação sexual que difere da maioria, por questões raciais, por
aspectos físicos e/ou por rendimento escolar fora da média, seja ele
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 447

para mais, seja para menos. Dentro desse cenário, o estudante


superdotado pode apresentar um rendimento escolar acima dos
demais e pode ficar suscetível a sofrer agressões repetitivas dos seus
pares.
Outro ponto que destaca o superdotado como diferente, no
ambiente escolar, corresponde às características consequentes da
superdotação. O estudante com altas habilidades pode apresentar
um elevado interesse pela matéria, fazer muitas perguntas e ser
tachado como puxa saco (MACIEL, 2012). Também pode se
diferenciar, por tirar as melhores notas e preferir focar nos estudos,
ao invés de aderir às brincadeiras propostas por seus colegas
(DALOSTO, 2011).
Assim, uma vez identificada através do referencial teórico a
possível relação entre bullying e altas habilidades, essa pesquisa se
propôs a investigar a ocorrência dessa relação e em caso afirmativo,
qual o papel do superdotado em uma situação de bullying, podendo
ser o de vítima, o de agressor e/ou de espectador.
O objetivo deste documento é esclarecer aos autores o formato
que deverá ser utilizado nos trabalhos a serem submetidos ao III
Congresso Brasileiro de Ensino e Processos Formativos.

Método

Trata-se de uma pesquisa exploratória (GIL, 2008), uma vez


que se pretende debater e formular hipóteses sobre a relação entre
altas habilidades e o bullying. A pesquisa foi implementada no
Centro para o Desenvolvimento do Potencial e Talento (CEDET), em
São José do Rio Preto – SP.
A seleção dos entrevistados ocorreu pela amostragem por
acessibilidade (GIL, 2008). Os elementos participantes das
entrevistas foram sorteados aleatoriamente de um universo
acessível (CEDET) que apresentava uma população com
características viáveis aos objetivos propostos (identificados com
superdotação).
448 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Para as entrevistas, foram selecionados 10 estudantes (cinco


de cada sexo biológico) do Ensino Fundamental II. Seguindo as
recomendações éticas, todos os nomes dos participantes e das
pessoas citadas ao longo das entrevistas foram trocados por nomes
fictícios, sendo igualmente omitidas quaisquer informações que
pudessem revelar a identidade dos participantes. A escolha dos
nomes fictícios (Tabela 1) não faz referência a qualquer
característica apresentada pelos participantes.
As entrevistas aconteceram baseadas em um roteiro
semiestruturado que foi previamente montado, tendo em vista os
objetivos da pesquisa e o referencial teórico utilizado. Todas as
entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas em sua
totalidade, mantendo-se os desvios da norma-padrão da língua
portuguesa e eventuais vícios de linguagem característicos dos
entrevistados.

Tabela 1: Dados descritivos da amostra. São José do Rio Preto, 2017. (n = 10).
Ano Escolar Nome Fictício Sexo Biológico Idade
Ciclope M 10
6º Ano Vampira F 12
Lince F 11
7º Ano Fênix F 13
Jubileu F 12
8º Ano Fera M 13
Gambit M 13
Noturno M 15
9º Ano Wolverine M 14
Mística F 15
FONTE: Elaborado pelos autores

Para o tratamento e análise dos dados obtidos nas entrevistas,


foi utilizada a análise de conteúdo de Bardin (1979) e a criação das
categorias se deu após as entrevistas e na sequência de uma
primeira leitura das informações obtidas (GOMES, 2009). São as
seguintes as categorias formuladas:

• O superdotado como vítima;


• O superdotado como vítima passiva;
• O superdotado como agressor.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 449

Resultados e análises

Com a intenção de investigar o papel que o superdotado pode


desempenhar em uma situação de bullying, além das falas dos
entrevistados, foram levados em consideração os referenciais
teóricos acerca dos temas abordados ao longo do estudo (bullying e
altas habilidades). De sorte a verificar se uma determinada situação
relatada foi bullying ou não, considerou-se toda a cena descrita pelo
entrevistado e não apenas o seu veredito. Como exemplo, um dos
entrevistados relatou: “Teve uma vez que eu sabia umas coisas de
uma tal menina, aí ela sempre ficava enchendo meu saco. Teve um
dia que ela começou a me zoar e eu saí do sério e falei essas coisas. A
menina ficou muito abatida.” (Wolverine)”; ele classificou sua ação
como um bullying, mas também afirmou que foi um fato isolado,
não tendo havido qualquer tipo de ação dele antes ou depois do
episódio relatado. Nesse caso, seguindo o referencial teórico (SILVA,
2010; FANTE, 2005; TOGNETTA, 2013), não o consideramos
bullying, pois não há repetição das agressões e perseguição a um
mesmo alvo.
Ao final das entrevistas foi possível averiguar que todos os
superdotados entrevistados participaram de uma situação de
bullying ao menos uma vez em suas vidas e os comportamentos
identificados pelos relatos foram os de vítima, agressor e/ou
espectador.

O superdotado como vítima

Dos dez entrevistados, sete relataram que já foram vítimas


das manifestações de bullying, em algum momento de suas vidas,
dentro do espaço escolar.
“Eu estava cansada, porque não dormi à noite, porque fiquei
vendo coisas no computador. Aí tô deitada na mesa, dormindo e tem
cola no meu cabelo. Eu levanto e todo mundo rindo da minha cara
450 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

por causa da cola.” (Fênix). A entrevistada ainda narrou que a ação


foi concretizada por dois meninos que a incomodavam
constantemente, na maioria das vezes com apelidos relacionados ao
seu aspecto físico.
Dos sete entrevistados que revelaram ter sofrido bullying,
quatro ressaltaram como elemento-chave alguma característica
oriunda da superdotação.
Entre essas características que um estudante superdotado
pode demonstrar, temos o seu interesse por aquilo que lhe chama
atenção, de diversas maneiras. Pode passar horas na internet
pesquisando sobre o assunto, reunir e ler o maior número possível
de livros e/ou realizar vários questionamentos sobre o tema
(ALENCAR, 2007).
“Ela fala que sou metida porque os professores, todos os
professores conversam comigo, eles me dão mais atenção do que
para os outros.” (Lince). Conforme a entrevistada, entre algumas
pessoas circula o boato (uma das formas de manifestação do
bullying (SILVA, 2010)) de que ela é uma pessoa “metida”, por
gostar de conversar com os professores. Segundo ela mesma, o
motivo para tais conversas é a sua vontade de aprender além do que
lhe é passado em sala de aula.
Além do interesse pelo assunto, o superdotado pode preferir
se dedicar a aula ao invés de brincadeiras e/ou apresentar um
elevado rendimento escolar (ALENCAR, 2007), características essas
que também podem colocá-lo com um elemento diferente dos
demais. “Ano passado eu sentava na primeira carteira, copiava tudo.
[...] Tentava estudar e eles já me chamavam de nerd, diziam: ‘Esse
aí copia tudo, não tem como brincar com ele, é nerd, é nerd.” (Fera).
“Me falaram ‘Você é nerd, excluído. Não quero você no meu grupo’.”
(Wolverine).
As principais formas de agressões relatadas ao longo das
entrevistas foram os apelidos pejorativos e as zombarias,
manifestações citadas pelos sete alunos que revelaram já ter sofrido
bullying, no ambiente escolar. Dois entrevistados afirmaram ter
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 451

sofrido agressão física, de forma esporádica. “Às vezes, eles dão tapa
na cabeça e, às vezes, eles dão soco. Em mim e em várias outras
pessoas...” (Jubileu).
Outra forma de manifestação do bullying aflorada nos relatos
foi a velada (SILVA, 2010), a qual ocorre sem um autor definido e
agressões diretas, através dos pequenos gestos quase imperceptíveis
ao olhar de quem está de fora:

Tem vez que, em grupo que a professora pede para fazer algum
trabalho ou alguma coisa do tipo, ninguém quer fazer comigo. Na
verdade, todos querem fazer comigo e ao mesmo tempo ninguém.
Porque, quando eu faço algum trabalho e vem alguém comigo, eu
que faço tudo. Normalmente, vêm fazer comigo os meninos que não
tão nem aí com nada, e eu que faço tudo. Ao mesmo tempo,
ninguém quer fazer, porque querem competir comigo. Elas
[amigas] se juntam para competir comigo. (LINCE).

O episódio narrado expõe o “clima” de bullying, no qual a


entrevistada está inserida. Além das difamações de que ela é uma
pessoa “metida”, pessoas que ela considera como colegas a excluem
de uma atividade em grupo. A sensação de exclusão, insegurança e
baixa autoestima são algumas das consequências do bullying
(FANTE, 2005). “Eu tenho vergonha [de fazer atividade física],
porque eu tenho medo de errar, ainda mais que eles ficam fazendo
pressão, falam: ‘A Lince não pode errar, a Lince não pode errar.”
(Lince). Embora tenha confessado que sinta vontade de participar
ativamente da educação física, a entrevistada demonstrou falta de
confiança e medo de errar.

O superdotado como espectador

Todos os entrevistados admitiram que já presenciaram uma


situação de bullying, dentro do ambiente escolar:
452 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

“Tinha uma menina que não é tão bonita e o povo começou a


chamar ela de dragão, umas coisas assim. Ela até saiu chorando da
sala.” (Wolverine).
“Na minha sala, acaba acontecendo isso [bullying] por causa do
menino que tem problema auditivo. Os meninos acabam zoando
ele.” (Mística).
“Eles implicam mais com a Camila, minha amiga. Ela entrou no
meio do ano na escola e ela tem dificuldade para aprender, tem
problema.” (Fênix).

Os casos focalizados mostraram vítimas com características


diversas, como aspectos físicos e comportamentais que fogem dos
padrões. Observa-se que, no mesmo ambiente em que Fênix relatou
ter sofrido bullying pelo seu elevado desempenho escolar, um caso
de agressão contra um aluno com dificuldades para aprender. Os
relatos dos entrevistados evidenciam o que o referencial teórico
coloca com uma das características do bullying, o aluno que carrega
alguma característica (física, comportamental, cultural, etc.)
diferente dos demais pode se tornar um alvo para as agressões
(FANTE, 2005; FANTE; PEDRA, 2008; SILVA, 2010).
O fato de todos os entrevistados terem relatado que já
presenciaram ao menos uma situação de bullying em seus
cotidianos escolares evidencia o quão presente esse fenômeno é nas
escolas, independente dos envolvidos serem ou não superdotados.

O superdotado como agressor

Dos dez entrevistados, dois relataram situações em que


agiram como agressores.
Um dos mecanismos do bullying é o sistema de frustração e
compensação. Ao sofrer ações violentas, a vítima almeja distribuir
aquilo que recebeu, seja para compensar a frustração e raiva, seja
como estratégia para fazer cessar as agressões em cima dela.
Praticar bullying a elevaria na hierarquia social, dentro da sala de
aula (SILVA, 2010):
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 453

Eu tenho um irmão mais velho e ele sentava o cacete em mim,


quando eu fazia graça, e, como ele era mais velho, não tinha quem
parava ele. Eu sentia raiva, muita raiva. Só que eu precisava
descontar aquela raiva em alguém. Ele batia em mim e ninguém
fazia nada, então, se eu bater em alguém, ninguém vai fazer nada.
(GAMBIT).

Gambit relatou que o papel de agressor lhe foi comum, dentro


do cotidiano escolar. “Eu já pratiquei bullying. De verdade.” As
formas de agressões eram variadas, indo desde agressões físicas –
“Já cheguei a deixar o rosto do moleque todo roxo, de bater mesmo.
Por raiva. Era porque ele vivia tentando me diminuir por causa do
meu olho e do meu cabelo e do meu jeito. Aí eu sentei a porrada nele.”
(Gambit) – até agressões psicológicas. “Colocava ela [vítima] para
baixo, por causa do tamanho dela, porque ela é bem baixinha, por
causa dos problemas psicológicos dela. Eu zoava mesmo.” (Gambit).
Apresentar uma característica física diferente surge como o
principal motivo para selecionar um alvo. “Baixinha”, “corcunda” e
“gordo” foram adjetivos usados para descrever o cerne inicial das
zombarias.
Gambit justificou praticar bullying, porque isso o fazia se
sentir bem. Ao ser questionado se os problemas fora da escola
influenciavam a sua busca por se sentir bem, através das agressões,
respondeu: “Isso sim. O moleque que eu sentei a porrada, eu tava
meio mal por causa do bagulho do meu pai. Eu descontei muito no
moleque.” (Gambit). Há alguns anos, ele não tinha contato com o
pai, familiares lhe contaram que o seu progenitor trabalhava
viajando o mundo. No mês em que agrediu o colega de classe, o
entrevistado havia descoberto que seu pai estava preso por tráfico
de drogas.

Uma coisa que influenciou muito a minha raiva foi apanhar do meu
irmão. Aquele filho da puta me sentava o cacete mesmo. Batia de
verdade. Batia mesmo, muito, muito. Eu tenho claustrofobia. Teve
um dia que ele me enrolou na coberta e começou a me arrastar. Eu
fiquei com muito medo, agoniado, não conseguia gritar. Isso me
454 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

deixou com muita raiva, eu nunca pude bater nele, ele tem 20 anos
e eu tenho 13. (Gambit).

O ambiente familiar não deve servir como pretexto para a


prática do bullying, mas deve ser levado em consideração, para
compreendermos o fenômeno, em sua totalidade. A história do pai
e o conflito com o irmão são alguns dos elementos que constituem
as questões objetivas (GUERRA, 2000) do entrevistado, o qual, ao
entrar em contato com suas questões subjetivas (GUERRA, 2000),
reage perante as diversas situações, em seu cotidiano escolar.
Dentro do contexto cultural no qual a criança está inserida,
ela aprende e desenvolve mecanismos para lidar com diversos
problemas que irá enfrentar, ao longo da sua vida (BEAUDOIN;
TAYLOR, 2008). Sentir-se imponente nas mãos do irmão e
frustrado com a história do pai são problemas que precisou
enfrentar e encontrou, na violência sofrida nas mãos do irmão, um
meio de lidar com aquilo que o incomodava.
A violência presente em um determinado contexto não tem
sua origem somente em situações concretas e pessoais (ser agredido
diretamente por alguém). Ela pode pairar sobre uma sociedade,
fazer-se presente nos discursos, nos preconceitos e na naturalização
das ações violentas, entretanto, consideradas “normais” por parte
da população (BEAUDOIN; TAYLOR, 2008).

Considerações finais

Pelas próprias características das altas habilidades, os


superdotados se distinguem de seus colegas de sala e se tornam
vulneráveis às agressões. O superdotado sofre bullying, não pelas
altas habilidades em si, mas por sair do padrão estabelecido: o
desempenho acima da média o transforma em um alvo. “A
dificuldade em se conviver com as diferenças e o preconceito são os
fundamentos para essa prática [bullying].” (DALOSTO; ALENCAR,
2013, p. 373).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 455

Do mesmo jeito, o aluno com um desempenho escolar abaixo


da média também se mostrará mais vulnerável às agressões:

Tem a visão do normal, não sei por que a inteligência sempre tá


relacionada à aparência física. Por exemplo, eles estão zoando pela
aparência física, mas, se você é um pouco mais inteligente, eles vão
te zoar também. Se a pessoa é burra, não burra, uma inteligência
abaixo da média e uma inteligência acima da média, ela é zoada. No
caso, é sempre um alvo fácil de bullying (Wolverine).

O superdotado pode figurar fora do círculo do padrão da


normalidade, todavia, isso não se constitui em regra. “Por eu ser
considerada normal, por eu não ter nenhuma deficiência, por ser o
padrão que o mundo impõe como certo, eu acho que isso evita muita
coisa. Todo mundo olha e pensa: “Ela é de boa, ela é normalzinha.”
(Mística).
O padrão de normalidade pode variar de acordo com o local e
o grupo social no qual se está inserido. Um determinado rendimento
escolar e/ou característica física podem ser considerados normais,
em uma escola, e anormais, em outra. Existem características gerais
que influenciam as especificidades: o padrão de beleza, os
preconceitos enraizados historicamente, em nossa sociedade, e a
cultura escolar são alguns exemplos.
Ao final dos estudos (leituras e análise de dados), foi possível
apontar uma hipótese sobre a relação entre o bullying e as altas
habilidades, sendo ela: o superdotado, por ser considerado
diferente, se torna um alvo mais fácil para as agressões
Dos dez entrevistados, quatro relataram terem vivenciado
situações de bullying, por causa de alguma característica oriunda da
superdotação (desempenho acima da média e alto interesse por um
determinado assunto), enquanto outros três, em função de alguma
característica física fora dos padrões de beleza. Nos sete casos,
existia algo em comum: pelo menos uma característica (física ou
oriunda da superdotação), que os diferenciava da maioria.
456 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Essa hipótese engloba o superdotado como vítima, mas como


se concebe a situação dele como agressor?
A resposta se encontra nas próprias teorias sobre bullying.
Beaudoin e Taylor (2008) colocam o mecanismo de frustração e
compensação como parte inerente das agressões entre alunos.
Gambit alegou se sentir frustrado, ao receber agressões físicas do
seu irmão mais velho e afirmou igualmente que se sentiu bem, ao
agredir verbalmente e fisicamente seus colegas de escola.
Os estudos e análises realizados para investigar o
comportamento do superdotado nas situações de bullying não se
esgotaram e/ou significam um fim em si, mas apontam para a
importância de fomentar pesquisas sobre a relação do bullying e
superdotação. O bullying surge como um elemento cada vez mais
presente nas escolas brasileiras e “ataca” aqueles que fogem do
padrão de “normalidade”, como no caso dos superdotados.
Acreditamos que apenas com a ampliação do conhecimento será
possível propor e discutir abordagens para a superação do
problema.

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31

Concepções de professoras de educação infantil sobre


um programa de formação continuada

Célia Regina da Silva


Maévi Anabel Nono

Introdução

Esse trabalho é parte de uma dissertação de mestrado em


andamento que tem como contexto um programa de formação
continuada para professoras1 da Educação Infantil (3 a 5 anos) da
rede pública municipal da cidade de São José do Rio Preto no período
de 2012 a 2016 e tem como objetivo analisar o programa,
caracterizar o grupo de professoras participantes e apresentar as
concepções dessas professoras acerca da contribuição do referido
programa às suas práticas bem como limitações do programa para
essa contribuição.
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDB nº 9.394/96, São José do Rio Preto, assim como
outros municípios, começou a investir em políticas de formação
continuada de professores, uma vez que essa lei traz a formação
continuada em serviço como um direito dos docentes.
No ano de 2012 tem início um programa de formação
continuada para professoras de crianças de 4 e 5 anos (posteriormente
incluindo professoras de crianças de 3 anos) da rede pública municipal,
com reuniões na Secretaria Municipal de Educação – SME em horário
1
Optou-se por usar o gênero feminino por se tratar de um programa com a participação de 99,16%
de mulheres.
460 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de trabalho, com um modelo semelhante à formação voltada aos


professores do Ensino Fundamental I que já ocorria.
Anteriormente a esse período, outras ações de formação em
serviço foram ofertadas pela SME para professoras da Educação
Infantil, porém, o programa, objeto desse trabalho, se destaca pela
sua duração; por envolver todos os professores de Educação Infantil
de crianças de 3 a 5 anos da rede municipal de ensino (cerca de 700);
pelo seu caráter de continuidade e por ter sido construído pelas
formadoras, com apoio de assessoria externa, programa durante o
seu percurso e porque as formadoras era educadoras da rede
municipal de ensino onde o programa se deu, sendo quatro
Coordenadoras Pedagógicas e uma Professora.
Durante o período de formação, os relatos orais e escritos,
vídeos e atividades enviadas pelas professores para serem
tematizados e a observação das marcas do trabalho presente nas
escolas mostravam avanços na prática das professoras. As
indagações, então, vieram: as professoras percebiam essas
mudanças? As professoras achavam que essas mudanças eram
importantes e necessárias? Caso o programa terminasse, voltariam
às práticas anteriores? A partir dessas indagações e das leituras de
Nóvoa (2008), Canário (2002), Imbernón (2010) que defendem que
uma formação continuada efetiva, promotora de mudanças, só
ocorre na escola, nasce a pesquisa que dá origem a esse trabalho.
Para melhor compreender a formação continuada para
professoras da Educação Infantil é importante caracterizar o
atendimento às crianças pequenas ao longo da história, atendimento
que nasce do trabalho voluntário, da filantropia e da caridade de
religiosos que pretendiam proteger e ensinar educação moral, bons
modos, bons hábitos e habilidades domésticas às crianças mais
necessitadas (DROUET, 1995).
Na Europa, final do século XVIII, por ocasião da Revolução
Industrial as mulheres passam a trabalhar nas fábricas deixando
seus filhos com as “crecheiras”, mulheres que cuidavam, em suas
casas, dos filhos das mulheres que trabalhavam fora (DROUET,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 461

1995). No Brasil, é também o crescente ingresso das mulheres no


mercado de trabalho a partir do século XX que marca a criação das
creches, um lugar para filhos de operários (OLIVEIRA, 1988, 2014).
Quando a Constituição Federal de 1988 traz o atendimento às
crianças de 0 a 6 anos em creches e pré-escolas como um direito à
educação (com nova redação pela Emenda Constitucional nº
53/2006 para 0 a 5 anos), passou-se a entender como necessário um
novo perfil de professara de Educação Infantil, reafirmado com
novas exigências para ingresso conforme a LDB – 9.394/96 que traz
a exigência de formação em nível superior para atuação em toda a
Educação Básica, mais tarde admitida como formação mínima para
atuar na Educação Infantil e nos anos inicias da Ensino Fundamental
a formação magistério em nível médio.
O que se pode constatar é que, em virtude dessa nova
exigência, houve uma intensificação na busca por formação em nível
superior (FÜRKOTTER et al., 2014), porém, ainda que tenham
mudado as exigências de formação e que tenha ocorrido essa
“corrida” pela formação em curso superior, chama a atenção o
problema da qualidade da formação desses profissionais. Baptista
(2014) fala, por exemplo, da rara presença de conteúdos
relacionados a Educação Infantil nos currículos dos cursos de
Pedagogia, assim como também constata Gatti (2010) em uma
pesquisa específica sobre o tema.
Se formação inicial para professores de Educação Infantil é
motivo de preocupação, formação continuada é tema controverso
entre os pesquisadores da educação. Enquanto García (1999), Nóvoa
(2008), Canário (2002), Imbernón (2010) defendem que a formação
continuada deve ocorrer na escola, com o grupo de professores
tendo autonomia para buscar a formação necessário ao grupo, Salles
e Russeff (2003), Libâneo (2004), Nunes et al. (2005) defendem que
é papel do poder público, por meio das suas secretarias municipais
de educação, promover e implementar formação continuada para os
seus professores.
462 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Para Salles e Russeff (2003) a formação continuada somente


nas escolas causa a perda da ideia de unidade nas redes de ensino,
retira o compromisso do Estado com promoção de uma educação de
qualidade e passa essa responsabilidade aos professores pelo
sucesso ou fracasso da educação. Para esses autores, por trás dessa
boa intenção de incentivar a autonomia dos professores, há uma
relação com a política do Estado mínimo e do neoliberalismo.
Para Nunes et al. (2005) o problema não é se essa formação
continuada ocorre na escola ou se é um programa de governo, o
problema é a concepção que se tem de formação continuada e de
Educação Infantil.
É exatamente a concepção de Educação Infantil que vai
determinar a qualidade da formação continuada em serviço para as
professoras dessa faixa etária. Como resquício de seu histórico de
assistencialismo e caridade, muitas vezes entende-se que, para esse
grupo, pode-se oferecer qualquer ou nenhuma formação continuada.

Durante um longo período, os professores da Educação Infantil


brasileira ficaram à margem das políticas nacionais de capacitação
em serviço. Poucas e assistemáticas ações de capacitação eram
ofertadas pelos municípios. Muitas dessas ações se restringiam a
palestras, conferências, reuniões promovidas por editoras ou
grandes empresas interessadas na venda de materiais didáticos
(BAPTISTA, 2014, p. 42).

A partir de uma pesquisa sobre formação continuada para


professoras da Educação Infantil promovida pelos municípios do
Estado do Rio de Janeiro, Kramer, Nunes e Carvalho (2014)
constataram que a Educação Infantil não costuma ser objeto de
políticas públicas de formação das secretarias municipais de
educação e que, quando há formação, falta critérios de qualidade
marcadas pelo partidarismo e paternalismo gerando uma falta de
legitimidade que, por sua vez, repercute nas escolas com professoras
resistindo às imposições vindas das secretarias.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 463

Às vezes a questão do partidarismo – querer deixar a sua


marca – atrelada à concepção equivocada de formação, pode surtir
efeitos indesejados. É muito comum ainda oferecerem formação
continuada em forma de oficinas, onde as professoras aprendem
técnicas, modelos de atividades para serem aplicadas e replicadas
junto às crianças. Percebe-se que, costumeiramente, essas são
atividade sem nenhuma articulação entre si, sem continuidade ou
possibilidade de reflexão (NUNES et al., 2005).
Esse tipo de formação acaba reforçando o que já é muito
comum, professoras que propõem atividades para as suas turmas
de forma mecânica e intuitivas e, ainda que sejam atividades boas e
produtivas do ponto de vista do desenvolvimento das crianças, as
professoras não conseguem explicar o que fez e por que fez. É a
dificuldade de articular a teoria à prática refletindo sobre suas ações
(Pantoni, 2009).
Um dos desafios da formação continuada é, portanto, apoiar
as professoras na qualificação das suas práticas de forma que essas
professoras possam se tornar cada vez mais autônomas e
produtoras de saberes e não replicadoras de atividades propostas
por outrem.

Metodologia da pesquisa

Esta é uma pesquisa qualitativa que tem como característica


preocupação com a descrição dos resultados mais do que com sua
quantificação, que se preocupa com o processo investigação e não
apenas com o seu resultado e com a construção de significados por
parte das professoras durante a participação no programa e na
participação da pesquisa (BOGDAN e BIKLEN, 1994).
Para caracterizar o programa de formação, fez-se uso de
documento gerados pelo próprio programa como pautas de
formação, relatórios produzidos pelas formadoras e e-mails
trocados entre as formadoras e as assessoras externas e para
caracterizar o grupo de professoras e levantar suas concepções
464 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

acerca do programa foi feito uso de questionário. Este instrumento


foi escolhido pela possibilidade de chegar a um maior número
possível de professoras participantes do programa, além de garantir
o anonimato nas respostas e possibilitar que as professoras
redigissem suas respostas quando lhes fosse conveniente, desde que,
dentro do prazo solicitado (GIL, 2008).
O questionário foi composto de questões objetivas, sobre fatos
e questões subjetivas que são questões sobre atitudes e crenças (GIL,
2008).
A opção por ter questões subjetivas e abertas, onde os
professores pudessem escrever livremente suas próprias respostas
se deu porque, ainda que elas possam afugentar candidatos a
responder, uma vez que é necessário redigir um texto e que sejam
mais difíceis de categorizar e tabular, elas permitem investigações
mais precisas e profundas (MARCONI; LAKATOS, 2003).
Para analisar as questões abertas, fez-se a categorização a
partir das ideias centrais presentes nas respostas das professoras,
portanto, a categorização das questões se deu durante a leitura dos
questionários.

Descrição dos resultados da pesquisa

O programa de formação teve como metodologia a dupla


conceitualização, a reflexão e a tematização das práticas
apresentadas pelas professoras participantes do programa. As
escolhas dos conteúdos ou temas de trabalho se deram de forma
processual, no transcorrer do período de formação, a partir da
observação, da escuta e das avaliações feitas pelas professoras. Os
temas de estudo foram: os cantos de atividades diversificadas para
uma livre escolha das crianças; leitura escrita pelas crianças
(sistema de escrita): nome próprio, listas e textos que se sabe de cor;
formação do leitor – a atividade de leitura pelo adulto (antes,
durante e depois) e os critérios de escolha dos livros; ler para
pesquisar (estratégias de leitura pela criança), critérios de escolha
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 465

dos livros para esse fim, desenvolvimento do Projeto de Pesquisar;


a matemática por meio dos jogos e o projeto “Jogos de Percurso”.
Para caracterizar as professoras respondentes dos
questionários, é importante caracterizar o grupo de professoras de
crianças de 3 a 5 anos da rede municipal de São José do Rio Preto.
Quando o questionário foi enviado, no final do ano de 2017, havia
707 docentes atuando com crianças de 3 a 5 anos de idade, 701
docentes do gênero feminino atuando com crianças de 3 a 5 anos de
idade e 6 docentes do gênero masculino atuando com crianças de 4
e 5 anos de idade.
Desse total (76,38%) eram estatutárias e (26,62%) contratadas
temporariamente. Proporcionalmente, há um maior percentual de
docentes estatutários atuando com crianças de 4 e 5 anos (75,45%) do
que com docentes atuando com crianças de 3 anos (70,86%). Esses
dados mostram que, quanto menor a criança, menor é a possibilidade
de termos homens como professores assim como menor é o número
de docentes estatutários (OLIVEIRA, 2013; VIEIRA, 2013).
Os questionários foram enviados para todas as 707 professoras
da rede e o retorno foi de 327 questionários respondidos. As respostas
desses questionários devolvidos mostram dados muito próximos dos
dados acima citados. São 99,09% de professoras e, portanto, somente
0.91% professores. Número de mulheres acima dos 96% apontados
em uma pesquisa do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira - INEP, de 2011 publicados por Vieira (2013), 72,47%
de professoras estatutárias, 24,77% de professoras contratadas
temporariamente e 2,75% não responderam.
Dentre as professoras participantes da pesquisa, cerca de
91,44% têm formação em curso superior sendo que, destes, 89,6%
a formação é em Pedagogia ou Normal Superior, 90,82% afirmaram
ter curso de pós-graduação e, dentre as professoras que informaram
ter pós-graduação (300), a maioria, 37,33% têm formação em
Psicopedagogia. Há ainda professoras que não responderam a essa
questão, porém, afirmaram ter pós-graduação.
466 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

É de indiscutível relevância o crescimento da formação em


nível superior dos professores de Educação Infantil, tanto para a
valorização profissional quanto para a qualidade de atendimento
educacional das crianças pequenas, porém, Gatti (2010) traz dados
preocupantes, informações coletadas de 71 cursos de Pedagogia em
todo Brasil mostram que apenas 0,6% do apresentam uma relação
direta com o ofício de professor:
A partir da mesma pesquisa, a autora constata que somente
5,3% das disciplinas dos cursos de Pedagogia estão relacionadas aos
conhecimentos sobre a Educação Infantil. Ou seja, o problema,
conforme já indicado por Baptista (2014) e Pantoni et al. (2009) não
é somente o número de professores com graduação em Pedagogia,
mas a qualidade da formação oferecida.
Quanto à pesquisa que aqui se apresenta, um dos fatores que
pode ter colaborado para um alto número de professores que têm o
curso de Pedagogia é a diminuição progressiva dos cursos de
magistério na modalidade Normal, além de que, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia (Resolução
CNE/CP nº 1/2006) ampliaram as possibilidades de atuação dos
seus egressos em atuação educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental, bem como para o ensino médio na modalidade
Normal, onde fosse necessário e onde esses cursos existissem, e para
a educação de jovens e adultos, além da formação de gestores,
esvaziando, não somente os cursos de magistério de nível médio
como, também, a procura pelo curso Normal Superior.
Outra análise possível diz respeito tanto ao alto índice de
professores com cursos de licenciatura quanto ao alto índice dos que
têm cursos de pós-graduação: a busca de progressão funcional pela
via acadêmica prevista na LC 138/2001 conforme consta no artigo
42 da seção I:

A progressão funcional via acadêmica, exclusivamente para o


Professor de Educação Básica I, PEB 1, se dará na forma seguinte:
I- Habilitação em curso de licenciatura; II - Conclusão de curso de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 467

pós-graduação, nos níveis de especialização, mestrado ou


doutorado (SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, 2001).

A progressão funcional por meio acadêmico estimula os


professores a buscarem formação, o que, por um lado, agrega valor
à profissão, porém, acaba se tornando uma armadilha já que,
conforme pesquisa de Gomes (2017), grandes empresas se
aproveitam desse nicho oferecendo cursos de licenciatura,
especialmente de Pedagogia, com currículos quase idênticos, com
pouca exigência para o ingresso e facilidade para serem cursados,
características atrativas, mas que banalizam e desvalorizam a
Educação e seus profissionais.
As concepções das professoras acerca do programa foram
levantadas e analisadas questões subjetivas do questionário. A
primeira solicita que as professoras atribuam valores de 1 a 4 para
o grau de contribuição de cada tema tratado na formação.
Como a referida formação continuada durou cinco anos, nem
todas as professoras participaram do estudo de todos os temas
citados já que, algumas tiveram seus contratos descontinuados e
outras migraram para o Ensino Fundamental.
É possível observar no quadro abaixo o alto índice de
aprovação do programa por meio desta avaliação (15 professoras
não responderam à esta questão).

Avaliação: Cantos de Leitura e Formação Ler para Matemática por


nível de atividades escrita do leitor pesquisar meio de
contribuição diversificadas (sistema) jogos/Projeto
Jogos de Percurso
1 7 4 2 7 6
2 27 13 17 18 23
3 52 44 54 67 60
4 158 195 196 158 223
Total de 244 256 269 250 312
professoras
Fonte: dados da pesquisa
468 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em seguida as professoras são questionadas sobre quais


mudanças o estudo dos temas do quadro causaram em suas práticas
ao que 52,6% responderam que, a partir da participação no programa
de formação, passaram a realizar as atividades relacionadas ao tema
estudado ou que melhoraram as suas práticas relacionadas a esses
temas, 12,5% afirmaram que o programa colaborou com a reflexão
sobre a prática docente e 11,6% disseram que colaborou com o
planejamento das atividades, 8% disseram que melhoraram suas
intervenções e estratégias, 3.3% não responderam e 11,39%
apontaram outras mudanças enquanto 0.61% disse que o programa
de formação não provocou nenhuma mudança em suas práticas.
A questão sobre os possíveis motivos do programa de
formação não ter colaborado com nenhuma mudança na prática
diária foi deixada em branco por 41.3% e teve respostas genérica
como “todos colaboraram” de 34.61% das professoras, crianças
muito novas para as proposições feitas pelo programa foi apontado
como problema para 5.13% das professoras (essas respostas foram
das professoras das crianças de 3 anos) e a falta de material foi
apontado como dificuldade por 7.05% das professoras. Algumas
professoras, 4,16%, usaram esse espaço para elogiar o programa
enquanto 3,15% citaram outros motivos e 4,6% fizeram comentário
gerais não relacionados à pergunta.
A metodologia do programa foi classificada como “boa ou
ótima” por 66,05% das professoras sendo que, entre essas, apenas
uma minoria citou os motivos dessa avaliação: uso de vídeos da rede
municipal para tematização, a troca de experiências, o uso de bons
modelos para serem analisados, a reflexão sobre a prática, a junção
da teoria e da prática.
Avaliaram positivamente, porém, apontaram questões a
serem revistas 20,18% das professoras. A questão de maior
destaque entre os problemas apontados por esse grupo é que a
forma de condução das reuniões foi cansativa ou repetitiva.
Avaliaram a metodologia do programa negativamente 9,48% das
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 469

professoras, com destaque para o problema e deslocamento até a


SME, muita teoria, necessidade de separar as professoras por idade
das crianças com as quais atuam. As respostas em branco somam-
se 4,28% do total de professoras respondentes.
A avaliação positiva das professoras ressaltando em vários
momentos o uso das suas próprias práticas como objeto de estudo e
formação coincide com o que nos diz Tardif (2005) sobre o quanto
os professores reconhecem suas experiências como fonte de
conhecimento. Nessa mesma linha, Candau (1996) chama a atenção
para que os programas de formação continuadas reconheçam as
experiências e práticas dos professores como conhecimentos
importantes.
Outro apontamento importante pelas professoras para avaliar
bem o programa é a relação entre teoria e a prática, ralação
defendida também por autores como Schön (2000), Zeichner
(2003) e Tardif (2005).
Por último, Imbernón (2010) ressalta que existe sempre uma
certa resistência por parte dos professores nas proposições de
mudanças, como é o caso de alguns programas de formação
continuada, porém, ainda conforme o autor, essas proposições
sofrerão menos resistência quanto mais úteis forem ao trabalho
docente, o que esta pesquisa indica ter ocorrido com o programa de
formação em questão.

Conclusões

O que as respostas das professoras participantes da pesquisa


apontam é que a formação continuada pode resultar em valorização
e apoio às suas atividades profissionais. As atividades de formação
precisam relacionar teoria e prática e temas mais amplos como
concepções de criança e infância ou concepção de Educação Infantil
precisam perpassar transversalmente as discussões, não sendo tema
central, caso contrário, a formação parecerá muito teórica.
470 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Uma questão importante a tratar aqui é que um número


irrelevante, para a pesquisa, apontou um problema do programa de
formação continuada que precisa ser discutido: ser um programa
idêntico em seus conteúdos, objetivos e metodologias para um
grupo tão diverso, em momentos diferentes da carreira profissional
e, portanto, com necessidades, experiências e expectativas
diferentes conforme aponta Cavaco (1995). A formação continuada
como uma ação coletiva oferecida como um programa por uma
Secretaria Municipal de Educação esbarra nessa limitação: atender
as necessidades individuais, porém, talvez aí se faça presente e
necessária atenção à formação local, nos grupos das escolas.
Outra questão importante a ser considerada pelos programas
de formação é terem o cuidado de, na ânsia de tomarem a prática
docente como fio condutor da formação, não fazerem uma formação
instrumental, onde os professores, ou no caso do programa em
questão, as professoras, não se tornarem executoras de tarefas
determinadas por agentes externos à escola (PÉREZ GÓMEZ, 1995;
ZEICHNER, 2003). As práticas precisam ocupar o lugar de discussão
e reflexão para que os professores e as professoras construam, com
autonomia e criatividade, seus saberes e seus fazeres.

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32

Concepções sobre meio ambiente de professores


dos anos iniciais do Ensino Fundamental I:
uma análise segundo as representações de SAUVÉ (2005)

Aline Patrícia Maciel


Carolina Buso Dornfeld
Ângela Coletto Morales Escolano

Introdução

A partir da década de 1960 aumentou-se a preocupação


mundial relacionada à deterioração do meio ambiente desencadeada
pelo crescimento econômico. Esta preocupação repercutiu em
grandes conferências internacionais que favoreceram as discussões
sobre a EA, suas definições e diretrizes e sua inserção na educação
formal e não formal. A Conferência das Nações Unidas sobre o
Ambiente Humano, em Estocolmo, no ano de 1972, abriu as portas
da EA para o mundo, ao qual pela primeira vez ressaltaram a
importância de se trabalhar vinculado ambiente e educação, fato que
tornou status no assunto oficial para a ONU e em nível mundial
(LOUREIRO, 2012).
No Brasil, os aspectos legais da EA se remetem na elaboração
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, uma proposta do MEC para
a educação brasileira, em que a EA foi apresentada como tema
transversal a ser desenvolvida e trabalhada de forma
interdisciplinar e integrada a todas as áreas do currículo para que
possa contribuir no exercício da cidadania e instigar uma visão
global e abrangente sobre as questões ambientais (BRASIL, 1997).
476 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em 1999, a Lei nº 9.795, instituiu a Política Nacional de


Educação Ambiental – PNEA (BRASIL, 1999), que apresenta em seu
artigo 4º os princípios básicos da EA, em que se destaca no inciso I
“o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo” e
ainda discorre no artigo 5º os objetivos fundamentais da EA
corroborando o inciso I:

[...] o desenvolvimento de uma compreensão integrada ao meio


ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo
aspectos, ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,
econômicos, científicos, culturais e éticos (BRASIL, 1999).

Observa-se na PNEA uma preocupação de construção do


conhecimento de forma integrada que abarca todas as esferas e
aspectos da sociedade vinculados a questões ambientais.

A educação ambiental visa a induzir dinâmicas sociais, de início na


comunidade local e, posteriormente, em redes mais amplas de
solidariedade, promovendo a abordagem colaborativa e crítica das
realidades socioambientais e uma compreensão autônoma e
criativa dos problemas que se apresentam e das soluções possíveis
para eles (SAUVÉ, 2005, p. 317).

Em virtude de uma Educação Ambiental Crítica, Tozoni-Reis


e Campos (2014) acreditam que a educação crítica e transformadora
é capaz de produzir o desenvolvimento pleno do ser humano para a
superação do modo capitalista de produção, incumbindo a escola,
sob a lógica dialética, instrumentalizar os sujeitos para uma prática
social transformadora. Loureiro (2012) reforça que a EA crítica,
transformadora, socioambiental e também popular, dentro da
práxis social e do processo de reflexão sobre a vida e a natureza,
contribui com a transformação do modo como estamos inseridos e
existindo no mundo, por meio da educação.
Contudo, são muitas as formas de se pensar e desenvolver a
EA. Existem diferentes concepções para compreender a relação
sociedade-natureza. Diante disso, Sauvé (2005) afirma que existem
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 477

15 correntes de pensamento e atuação da EA, que vão desde as


concepções mais antigas da década de 1970 até os dias atuais, que
estão citadas a seguir:

a) Correntes de longa tradição em EA: a corrente naturalista, a corrente


conservacionista/recursista, a corrente resolutiva, a corrente
sistêmica, a corrente científica, a corrente humanista e a corrente
moral/ética.
b) Correntes recentes em EA: a corrente holística, a corrente
biorregionalista, a corrente práxica, a corrente crítica, a corrente
feminista, a corrente etnográfica, a corrente da eco-educação e a
corrente da sustentabilidade.

Essas correntes são consideradas pela autora como uma


“linha de pensamento e atuação na educação ambiental” (SAUVÉ,
2005, p. 17). Percebe-se que não existe uma unificação do
pensamento da EA, cada corrente apresenta uma característica
particular desencadeada pelo seu processo histórico, político e
social.
Trazendo esse contexto para a realidade escolar, os conceitos
e as categorias teórico-metodológicas da EA têm se tornados
comuns e recorrentes em projetos escolares. Entretanto, vazios de
sentidos por serem superficialmente trabalhados. São questões que
ainda são abordadas sem a devida problematização da realidade
numa posição conservadora em busca de valores ecologicamente
corretos sem o entendimento da mediação social e cultural
(LOUREIRO, 2012).
Para Guimarães (2011), a EA apresenta-se como uma
dimensão do processo educativo, com a participação de todos os
seus atores na construção de um novo paradigma que possa
contemplar as aspirações populares na busca da interação em
equilíbrio dos aspectos socioeconômicos com o meio ambiente.
A partir dessas reflexões e da necessidade de aprofundar os
conhecimentos sobre o desenvolvimento da EA nas escolas de
Ensino Fundamental I, objetiva-se com esse trabalho compreender
478 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

as concepções de meio ambiente dos professores que lecionam nos


anos iniciais das escolas municipais de uma cidade localizada no
noroeste paulista, para assim, identificar sua relação e
desenvolvimento da EA no contexto escolar, considerando, como
proposto por Sauvé (2005) que suas atuações são oriundas da forma
como concebem o meio ambiente. Considera-se que, a partir das
concepções detectadas por parte dos professores, seja possível
refletir sobre a forma como é desenvolvida a EA no contexto escolar
e se essas concepções vão ao encontro de uma corrente de EA mais
crítica ou mais conservadora.

Procedimentos metodologicos

O presente trabalho apresenta um recorte de uma pesquisa


qualitativa da dissertação da primeira autora intitulada “Panorama
da Educação Ambiental nos anos iniciais do Ensino Fundamental I
das escolas municipais de Ilha Solteira/SP” (em preparação).
Participaram da pesquisa os professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental I das 3 unidades escolares do município, totalizando
45 sujeitos.
Foi utilizado um questionário, sendo analisadas as seguintes
questões para este trabalho: “1) O curso de graduação lhe ofereceu
subsídios para trabalhar a temática ambiental em sala de aula?” e
“2) O que significa para você Educação Ambiental?”. Essa última
questão permeia este presente trabalho e tem como base, em Sauvé
(2005), as categorias estabelecidas sobre as concepções de meio
ambiente que estejam atreladas ao significado de EA pelos
professores, pois para esta autora “o educador deve levar em conta
as múltiplas facetas dessa relação, que correspondem a modos
diversos e complementares de apreender o meio ambiente” (Sauvé
2005, p.317). Seguem as sete categorias, sendo:

a) O meio ambiente – natureza (para apreciar, para respeitar, para


preservar)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 479

b) O meio ambiente – recurso (para gerir, para repartir)


c) O meio ambiente – problema (para prevenir, para resolver)
d) O meio ambiente – sistema (para compreender, para decidir melhor)
e) O meio ambiente – lugar em que se vive (para conhecer, para
aprimorar)
f) O meio ambiente – biosfera (onde viver junto e a longo prazo)
g) O meio ambiente – projeto comunitário (em que se empenhar
ativamente)

Para Reigota (2002) a EA é realizada a partir da forma como


se concebe meio ambiente. Diante das diferentes concepções e
correntes da EA utilizou-se essa questão aberta para que os
participantes explicassem e justificassem melhor as suas respostas,
a fim de que sua opinião fosse realmente considerada.
Assim, as respostas obtidas pelos professores foram
analisadas por meio da técnica de Análise de Conteúdo que, segundo
Bardin (2016, p. 44), consiste em obter a informação contida nas
mensagens por meio dos procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição dos conteúdos. Trata-se ainda de um método que tem
como componentes essenciais, além da descrição, a categorização e
interpretação. Também foi determinado um código numérico para
cada questionário para distinguir e preservar a identidade dos
professores para apresentar as transcrições das respostas referentes
à pergunta analisada.

Apresentação e discussão dos resultados

Os sujeitos da pesquisa compõem-se de professores


polivalentes que lecionam em séries iniciais com formação em
pedagogia e magistério. Verificou-se que 60% dos professores não
receberam em sua formação inicial subsídios para trabalhar as
temáticas ambientais em sala de aula ambientais justificando que os
cursos eram direcionados às práticas pedagógicas, sem uma
disciplina específica que direcionasse as temáticas ambientais, ou
480 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

até mesmo por não serem assuntos discutidos ou com relevância


naquela época.
Os professores quando questionados sobre o significado da EA
apontaram respostas vinculadas às concepções de meio ambiente.
Sendo assim, com base em Sauvé (2005), foram estabelecidas
categorias sobre as concepções de meio ambiente que estiveram
atreladas ao significado de EA pelos professores, pois para esta autora
“o educador deve levar em conta as múltiplas facetas dessa relação,
que correspondem a modos diversos e complementares de apreender
o meio ambiente” (Sauvé 2005, p.317). O processo de conhecer as
diferentes concepções sobre o meio ambiente desses professores pode
contribuir para expressar e descobrir de que forma são direcionadas
as suas práticas pedagógicas ao desenvolverem a EA.
Assim, na Tabela 1, observa-se que a maioria dos professores
(20) se referem à EA como um ambiente natural.

Tabela 1 – Significado de Educação Ambiental pelos professores segundo as


categorias de Sauvé (2005).
Categorias Meio Ambiente Total
Natureza 20
Recurso 4
Problema 2
Sistema 0
Lugar em que se vive 3
Biosfera 4
Projeto Comunitário 5
Sem categoria* 9
Fonte: Dados da pesquisa. * As respostas desses professores não foram
enquadradas em nenhuma categoria proposta por Sauvé (2005).

Dentre as 20 respostas dos professores, foi detectada a


concepção naturalística de EA que atua em defesa do meio ambiente
e sua preservação com enfoque na conscientização. Para Sauvé
(2005, p. 317) “é preciso reconstruir nosso sentimento de pertencer
à natureza, a esse fluxo de vida de que participamos”.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 481

A seguir são exemplificadas as respostas de alguns


professores que apontaram o meio ambiente como natureza:

P11: Estudo do meio ambiente, a importância dela na sociedade (a


preservação da fauna e da flora).
P4: Para mim é conscientizar as pessoas sobre os males que seus atos
errados para com o ambiente possam causar para si e para com os outros,
é também conscientizar o que deve ser feito para não prejudicar o
ambiente.

Os 4 professores que reconhecem o meio ambiente como


Recurso, associam-no aos recursos naturais que são extraídos para
a sobrevivência do homem e denotam a importância da sua
preservação ao perceber o meio ambiente como Problema, tais
como:

P6: Significa ter bom senso para utilizar os recursos da natureza com
responsabilidade.
P33: Práticas que envolvam atividades preventivas, organização de
trabalho para o bem comum.

Esses professores descreveram o meio ambiente como


recurso revelando-os como naturais e sustentáveis, como uma ação
voltada a preservar os recursos de forma racional, como P6.
Segundo Sauvé (2005), o meio ambiente como recurso implica em
uma educação para conservação e consumo com responsabilidade e
solidariedade para que possam ser repartidos entre toda a sociedade
atual e futura. E ainda ressalta que “não se trata de gestão do meio
ambiente, antes, porém, da gestão de nossas próprias condutas
individuais e coletivas com respeito aos recursos vitais extraídos
deste meio” (SAUVÉ, 2005. p. 317).
A concepção de meio ambiente como problema por parte de 2
professores, revela a preocupação com os problemas ambientais e a
busca de soluções em saná-los e resolvê- los. Segundo Sauvé (2005),
a EA “estimula o exercício da resolução de problemas reais e a
482 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

concretização de projetos que visam a preveni-los” (SAUVÉ, 2005.


p. 318).
Quanto ao reconhecimento de Lugar, 3 professores referem-
se ao meio ambiente como o espaço em que se vive, como a seguinte
resposta:

P34: É o envolvimento entre o ser humano e o ambiente onde vive.

Essa minoria que percebe o meio ambiente como lugar para


se viver o compreende na relação do ser humano com o meio que
está ao seu redor. “Trata-se também de redefinir-se a si mesmo e de
definir o próprio grupo social com respeito às relações que se
mantém com o lugar em que se vive”. (SAUVÉ, 2005. p. 318). A
mesma autora também associa ao sentimento de pertencer ao lugar
e desenvolver uma responsabilidade ambiental tornando-se
guardiães do lugar em que se vive e se compartilha.
A Biosfera é percebida como meio ambiente relacionando-a
ao mundo e planeta e, como exemplo, pode-se citar a seguinte
resposta:

P45: Educar para um planeta sustentável e melhor para todos.

Pensando nas gerações futuras, outros 4 professores


consideram o meio ambiente como Biosfera, que segundo Sauvé
(2005) “é o lugar da consciência planetária e até mesmo cósmica: a
Terra como uma matriz de vida” (SAUVÉ, 2005. p.318). Essa
concepção nos remete a pensar que os participantes da pesquisa
percebem o meio ambiente numa dimensão planetária e
consequentemente visam uma qualidade de vida que contemple
todo o planeta Terra.
Por fim, há 5 professores que compreendem o meio ambiente
dentro de uma perspectiva mais próximo da EAC, se enquadrando
na categoria Projeto Comunitário, como demonstrado no exemplo a
seguir:
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 483

P13: O ato de favorecer aos cidadãos uma formação para que se tornem
críticos, reflexivos e conscientes dos cuidados com o meio em que vive.

Os participantes que demonstraram uma concepção de meio


ambiente voltada a formação de cidadãos críticos se enquadram no
conceito de projeto comunitário por Sauvé (2005): “A educação
ambiental introduz aqui a ideia de práxis: a ação está associada a um
processo constante de reflexão crítica” (SAUVÉ, 2005, p. 319). Isso é
observado na resposta do P10. Apesar de haver uma concepção e
preocupação com a formação crítica dos alunos, ainda surge a
preocupação em cuidar e preservar, como se observa nas respostas
de outros professores em “mudar o meio em que vive” e “preservação
e cuidados com o meio ambiente”.
Na própria leitura flutuante das respostas aos
questionamentos, percebeu-se que não há uma clareza por parte dos
professores sobre o significado de meio ambiente e educação
ambiental. Apresentaram respostas com concepções muito
tradicionais e naturalísticas, em que podemos considerar que há
defasagem em relação à EA de concepção crítica.
Percebe-se que muitos dos que responderam os questionários
possuem uma visão de meio ambiente como sendo a natureza, o
planeta Terra, o lugar em que se vive e como fonte de extração de
recursos, pautada numa visão antropocêntrica tendo o ser humano
como elemento central que utiliza a natureza para melhorar a sua
qualidade de vida, partindo de uma conduta racional para não
esgotar os recursos naturais disponíveis (ANDRADE JUNIOR,
SOUZA, BROCHIER, 2004. p. 45).
As concepções de EA da maioria dos professores estão em
desacordo do preconizado nos referenciais teóricos da EAC.
Segundo Janke e Tozoni-Reis (2008), a EA tem um caráter formador
que propicia a compreensão e desvela as determinações da realidade
humana, na qual, possa reconstruir em si valores da civilidade
contribuindo para a formação de indivíduos que possam repensar
sobre sua própria prática social de forma crítica e reflexiva. “Ou seja,
484 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

deve instrumentalizar o indivíduo para compreender e agir de


forma autônoma sobre sua própria realidade histórica, construída
pelas relações sociais” (JANKE; TOZONI-REIS, 2008. p. 148).
Ficou evidente nas respostas dos professores que estes
possuem uma dimensão muito naturalística e preservacionista, sem
considerar os aspectos sociais e econômicos do meio ambiente,
sendo manifestada nas respostas a preocupação em conscientizar os
alunos a preservar a natureza numa visão de mudar o
comportamento do aluno a fim de que este venha cuidar e proteger
o planeta. Verifica-se também nos referenciais teóricos que é
importante sensibilizar os alunos a preservar o meio, entretanto,
não é o suficiente para a construção de valores que possam ir além
do cuidar e preservar. Brügger (1999), relaciona esse fato a uma
educação conservacionista:

Uma educação conservacionista é essencialmente aquela cujos


ensinamentos conduzem ao uso racional dos recursos naturais e à
manutenção de um nível ótimo de produtividade dos ecossistemas
naturais ou gerenciados pelo homem. Já uma educação para o meio
ambiente implica também, [...] em uma profunda mudança de
valores, em uma nova visão de mundo, o que ultrapassa bastante
o universo meramente conservacionista (Brügger, 1999, p. 34)

Não se deve negar a importância da sensibilização de


preservar o meio, mas as concepções mostram uma carência de
embasamento teórico sobre a EA crítica, provavelmente devido a sua
formação inicial e continuada que não proporcionou a
(re)construção de conhecimentos e valores que possam ultrapassar
as questões de respeito à natureza. Essa educação voltada
basicamente ao conservacionismo - e não uma educação crítica para
o meio ambiente - mostra que a ação de trabalho pode estar
desvinculada da formação de cidadãos críticos, como é proposto no
Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas. Não se desconsidera
que a EA promove a conscientização, mas sua ação conscientizadora
envolve a capacidade crítica, de diálogo e de assimilação dos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 485

diferentes saberes, além de possibilitar uma transformação ativa na


realidade e das condições de vida. (LOUREIRO, 2012).
Segundo Janke e Tozoni-Reis (2008), a EA tem um caráter
formador que propicia a compreensão e desvela as determinações
da realidade humana, na qual, possa reconstruir em si valores da
civilidade contribuindo para a formação de indivíduos que possam
repensar sobre sua própria prática social de forma crítica e reflexiva.
“Ou seja, deve instrumentalizar o indivíduo para compreender e agir
de forma autônoma sobre sua própria realidade histórica,
construída pelas relações sociais” (JANKE; TOZONI-REIS, 2008. p.
148). É nesse sentido, que se deve direcionar a EA no ambiente
escolar para que se possa mostrar caminhos e possibilidades de
transformar a sua relação com o meio, pensando em alternativas
que sejam favoráveis a vida em sociedade.
Um resultado relevante foram as respostas muito amplas e
evasivas, que não se enquadraram em nenhuma categoria.
Percebeu-se assim a dificuldade de compreender ou expressar suas
ideias, ou, outro fato que se pode considerar, é a carência na
formação inicial ou continuada dos professores referente às
concepções de meio ambiente que pudesse lhes fornecer segurança
para a elaboração das respostas dissertativas.
Dentre as respostas muito amplas, a palavra conscientizar se
fez muito presente. Conscientização é um termo muito comum nas
propostas educativas, “embora tenham princípios, estratégias e
práticas bastante diferenciadas e, algumas vezes, muito distantes
dos conteúdos filosófico-políticos que a explicam” (TOZONI-REIS,
2006. p. 105). Na verdade, a conscientização vai possibilitar aos
educandos questionar criticamente os valores da sociedade em
busca de uma síntese pessoal que refletirá em novas atitudes, não
basta apenas transmitir os valores como na lógica da educação
tradicional (GUIMARÃES, 2011. p. 31).
Precisamos de um trabalho consistente na formação dos
professores para a mudança de paradigmas que estejam atrelados
as correntes mais atuais da EA, para que assim possam ir ao
486 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

encontro de debates em prol da sustentabilidade, igualdade e justiça


socioambiental dentro de uma perspectiva crítica e ética.

Conclusões

A pesquisa revelou em sua primeira etapa as diferentes


concepções de EA pelos professores, na qual, demonstrou uma
complexidade de conceitos sobre meio ambiente. Os resultados de
suas concepções apontaram uma tendência naturalística,
preservacionista, antropocêntrica e conservadora retratando um
meio ambiente utilitarista, pautado no cuidar e preservar, estando
distante de uma EAC defendida por Loureiro e Layargues (2013) que
busca questionar os condicionantes sociais que geram a
desigualdade e os conflitos ambientais decorrentes do processo
capitalista, em busca de lutar por uma nova sociedade ancorada na
transformação radical do padrão societário dominante.
É preciso trabalhar por uma educação ambiental que atue
com base no princípio da responsabilidade com o outro, também
defendida por Loureiro (2012), objetivando valores e condutas
pautadas em ações que nos levem a viver dignamente, e dessa
forma, favoreça o enfrentamento das questões que fazem da nossa
sociedade injusta, desigual, consumista e desumana, constituída
pelo modo de produção capitalista. É preciso (des) construir e (re)
construir os conceitos sobre meio ambiente, educação ambiental,
interdisciplinaridade e transversalidade. A busca de um resgate
teórico será capaz de gerar novos conhecimentos que os conduza a
um aprendizado significativo da EAC que não foi proporcionado na
formação inicial. Além disso, investir numa formação continuada
dos docentes possibilitará criar concepções críticas, libertadoras e
transformadoras, e dessa forma, construir estratégias pedagógicas
que possam edificar os debates das temáticas ambientais.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 487

Referências

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Nacionais: meio ambiente e saúde. Brasília, 1997.

_______, Lei 9795 de 27 de abril de 1999, publicada em Diário Oficial da União


em 28 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a
Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências.
Brasília, DF,1999.

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TOZONI-REIS, MFC; CAMPOS, LML. Educação ambiental escolar, formação


humana e formação de professores: articulações necessárias. Educar
em Revista, Curitiba, Brasil, Edição Especial n. 3/2014, p. 145-162. Editora
UFPR
33

Contribuição da Experiência da Aprendizagem


Mediada (EAM), de Reuven Feuerstein, na formação
de um licenciando em ciências biológicas

Bruno da Silva
Ângela Coletto Morales Escolano

Introdução

A formação de professores é um assunto complexo no Brasil,


porque tange diversas atmosferas de uma história com um cenário
conflituoso. A formação de docentes para a alfabetização em cursos
específicos foi proposta no final do século XIX com a criação das
Escolas Normais, e ao ensino médio, em de meados do século XX
(GATTI, 2010). A partir da Lei n. 9.394 de 1996, foi postulado a
formação de docentes em nível superior. Portanto, é no início do
século XX que se dá o aparecimento da preocupação com a formação
de professores para os anos finais do ensino fundamental e ensino
médio, em cursos regulares e específicos. Até então, esse trabalho
era exercido por profissionais liberais ou autodidatas (MICHELS,
2006).
Todavia, já nos anos de 1930, surge uma problemática acerca
da formação docente, pois iniciou-se junto à formação de bacharéis,
a implementação de mais um ano de estudos em disciplinas da área
de educação para obtenção da licenciatura, perfazendo a formação
popularmente conhecida como “3 + 1”, adotada em diversas
instituições brasileiras (GATTI, 2010). Este tipo de formação trouxe
alguns prejuízos ao licenciando, porque negligenciou o ser
490 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

professor, passando a um cenário de desvalorização, que culminou


na perda de qualidade desse profissional, e a seu próprio
reconhecimento.
Pensando nesse modelo, nota-se a figura do professor como
técnico, mais parecido a um especialista que vai aplicar com muito
rigor, durante sua prática cotidiana, diversas regras derivadas de
um conhecimento científico e também embebido em um
conhecimento pedagógico (PEREIRA, 1999). Nessa perspectiva,
observa-se falhas eminentes do processo educacional, que elevam a
preocupação quanto ao que é ser professor diante as salas de aulas
que necessitam cada vez mais de uma formação inclusiva, ajustada
à diversidade.
Hoje em dia discute-se muito sobre a formação docente, pois
há a necessidade de que ela seja constante, sendo que há programas
oferecidos pelo Estado para a reciclagem de professores. Mas o que
discutimos aqui é a formação inicial de professores; a qual é um
processo institucionalizado, e que precisa permear muitos setores
do conhecimento para se alcançar uma formação humanística,
repleta de sensibilidade e práticas pedagógicas eficientes para a
realidade desse século. Ou seja, algo considerado de suma
complexidade e uma barreira quase intransponível diante a
miscelânea de instituições e formadores desses profissionais.
Quando discutimos a formação docente, precisamos levar em
consideração diversos fatores que estão envolvidos, e que fazem
dessa profissão, aqui no Brasil, uma das mais desvalorizadas. Dentre
estes, podemos citar o aviltamento salarial e a precariedade do
trabalho escolar; a jornada de trabalho excessiva; a inexistência de
planos de carreira; o próprio desestímulo social a este profissional;
como também a precariedade da formação pedagógica que não
prepara o futuro professor às possíveis realidades encontradas em
uma sala de aula (PEREIRA, 1999).
Entender sobre diferentes metodologias de ensino é, sem
dúvida, uma maneira de avançarmos na qualidade de estudantes de
licenciaturas, pois isso nos permite vislumbrar um campo maior de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 491

possibilidades didáticas na formação desses sujeitos, e na sua


atuação em uma sala de aula. E, pensando nessa ausência, entender
metodologias de cunho inclusivo, dialógico, que permitam
reconhecer o educando como parte integrante do processo de ensino
e aprendizagem e, até mesmo, da própria formação do professor, é
extremamente importante, pois as tornam pertinentes, a fim de
estimular as buscas por medidas que desengessem o profissional da
educação. Contudo, devemos salientar que a formação inicial nunca
será isenta de falhas e lacunas, porque a busca por metodologias e
reciclagem profissional não é única, é múltipla e não deve obedecer
uma formação engessada e específica, mas lutar pela busca do
conhecimento sempre que possível, das quais possam concatenar
atmosferas que vão do contato social no qual o professor está
inserido, permeando a gestão escolar, até os conflitos do próprio
indivíduo.
Pensando a Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM),
descrita por Reuven Feuerstein em 1994, como metodologia de
ensino e aprendizagem para a formação docente, a questão
norteadora desse trabalho foi: Quais as contribuições e limitações da
Experiência de Aprendizagem Mediada para a formação de um
licenciando em Ciências Biológicas, quanto ao seu enfrentamento de
realidades específicas no ensino público?

Fudamentação teórica

Aliado ao refletir a formação docente tão defendida por Gatti


(2010), Michels (2006) e Pereira (1999), Reuven Feuerstein, em
1994, baseado em Jean Piaget, Ausubel e, principalmente, Vygotsky,
sugeriu uma nova teoria intitulada Modificabilidade Cognitiva
Estrutural, a qual se fundamenta na proposta de que todo ser
humano é modificável, e que jamais se pode estabelecer limites e
diagnósticos para o desenvolvimento cognitivo, nem rotular pessoas
sem um conhecimento prévio da sua situação de vida (TURRA,
2007).
492 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A experiência com a aprendizagem mediada em diversos


trabalhos, reflete-se em eficácia justamente porque são nas
interações sociais que o homem começa atribuir significados e
posteriormente evoluem para os processos de aprendizagem. O
mediado aprende mais e melhor quando há a figura de um
mediador, porque este compreende a realidade, e quais são as
relações sociais que o mediado desenvolve, sendo capaz, deste modo,
de estabelecer-se como elemento intermediário entre o ensinar e o
aprender, servindo de base para que as barreiras da dificuldade
encontrada pelo mediado sejam superadas (FRANCK; NICHELE,
2015).
O mediador enriquece a interação estudante-ambiente com
ingredientes que não pertencem à situação imediata e sim a um
mundo de significados e intenções derivados de gerações,
significações, atitudes, valores e objetivos culturalmente
transmitidos. A abordagem, portanto, não se dá de maneira direta,
S-O-R (Estímulo – Organismo – Resposta), mas sim, de maneira
mediada, S-H-O-H-R (Estímulo – Mediador Humano – Organismo
– Mediador Humano – Resposta) (TURRA, 2007; BATTISTUZZO,
2009). Tornando-se, desta forma, uma construção muito mais clara
e eficiente no processo de ensino-aprendizagem, entendendo que a
mediação não é produto; é processo (ALMEIDA; GRUBISICH, 2011).
Dessa maneira, a Experiência de Aprendizagem Mediada
(EAM), de Reuven Feuerstein, se configura em dez princípios, são
eles: Intencionalidade e Reciprocidade (relacionados à intenção
prévia que o mediador/professor leva em um tema para a sala de
aula e o que ele espera dos mediados); Significado (quando há a
presença de uma finalidade naquilo que se faz, tornando-se
significativo para o mediado); Transcendência (a interação que vai
além do que se vê em exemplos práticos, sendo o mediado capaz de
extrapolar ideias a outros contextos e realidades); Competência
(quando há o fortalecimento da autoconfiança do mediado nas
atividades propostas, e para a vida); Autorregulação e Controle de
comportamento (envolve a metacognição, isto é, o pensar sobre a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 493

sua própria forma de pensar); Compartilhamento (a necessidade


das pessoas de se ligarem umas às outras — trabalho em equipe);
Individuação (desenvolvimento do pensamento autônomo);
Planejamento de objetivos (fortalecer no mediado a vontade de
alcançar objetivos e orientá-lo para isso); Desafio (envolve evocar no
mediado a motivação para tentar algo novo e perseverar em algo
difícil); Automodificação (faz juz à mutabilidade do ser, todos nós
somos mutáveis, e se torna uma das ações mediadoras instigar esse
pensamento aos mediados). Contudo, Para Feuerstein, a EAM
ocorre apenas quando o professor mediador consegue incluir ao
menos, em seu planejamento didático, a intencionalidade e
reciprocidade, o significado, e a transcendência, critérios que
determinam sua atividade consciente e intencional (MENTIS, 2002;
BATTISTUZZO, 2009).
Essa metodologia de ensino já foi alvo de pesquisas em
diversos cenários, sendo trabalhada no ensino básico regular, no
ensino técnico, ensino superior e na própria educação de jovens e
adultos (GONÇALVES; VAGULA, 2012), contudo com vertentes
distintas. Essas atividades passam por uma metodologia de ensino e
aprendizagem que pretende facilitar a relação de alunos com
conteúdos programáticos dos currículos, ou até treinamentos de
professores em cursos de reciclagem de conhecimentos
pedagógicos. Em pesquisas desse teor foram contempladas
atividades diversas com os mediados e mediadores, que puderam
apresentar muitos dos princípios norteadores da EAM como forma
de ressignificação de metodologias e teorias da educação (MOLLER,
2015).

Processos metodológicos

A metodologia adotada para esta pesquisa foi Estudo de Caso,


que tem como objetivo estudar uma entidade bem definida, seja um
programa, uma instituição, um sistema educativo, uma pessoa, uma
turma, ou até mesmo uma entidade social, visando conhecer em
494 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

profundidade os “como” e os “porquês”, que caracterizam o objeto


de estudo, com um forte cunho descritivo que proporciona um
profundo alcance analítico (VENTURA, 2007). Dessa maneira, esta
pesquisa se configurou como qualitativa, descritiva e exploratória,
conforme relatado por Gonsalves (2001).
O sujeito-objeto de estudo desse trabalho foi um estudante de
Licenciatura em Ciências Biológicas, cursando o último ano,
pertencente a uma universidade pública do estado de São Paulo,
analisado sob a influência dos princípios da metodologia de ensino
Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) em sua formação
inicial. O licenciando foi considerado o próprio pesquisador desse
trabalho, pois participou veemente nas construções de atividades e
pôde contemplar de uma ressignificação de sentidos para sua
formação.
O licenciando se baseou nos princípios da EAM, já
mencionados na fundamentação teórica desse trabalho, para
compor a estrutura de suas aulas, as quais foram intituladas de
encontros, por revelar um contexto de mediação, no qual ele era a
figura mediadora e os estudantes chamados de mediados. Antes que
os encontros fossem realizados, o licenciando ancorou-se na teoria
da Modificação Cognitiva Estrutural descrita por Reuven Feuerstein
como forma de apropriação teórica, sendo realizados estudos e
discussões de artigos, livros e ensaios que contemplassem a
descrição e aplicação da EAM na esfera educacional junto à
orientadora do projeto na escola. Podemos citar como pontos-chave
de referência: o artigo de Almeida e Grubisich de 2011; o livro de
Mandia Mentis “Aprendizagem Mediada dentro e fora da sala de
aula” de 2002, além das contribuições do artigo de Moller de 2015.
Foram realizados quinze encontros, os quais eram compostos
por três mediados com idades entre 13 e 14 anos. Eles se
encontravam matriculados no 7ª ano do Ensino Fundamental,
pertencente ao Ciclo II. Os encontros foram realizados em período
vespertino, em uma escola pública estadual da região noroeste do
estado de São Paulo. Ainda, os mediados viviam em zonas urbana e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 495

rural, sendo pertinente ressaltar que eles foram indicados pela


coordenação da escola a um projeto inicial que visava auxiliá-los e
ajuda-los em aspectos de dificuldades de aprendizagem,
principalmente em leitura, escrita e interpretação de textos.
Dessa maneira, o desenvolvimento das propostas dessa
pesquisa pôde ser dividido em duas etapas principais:
Em um primeiro momento (etapa 1), a coordenação da escola
indicou vários alunos que tinham dificuldades de aprendizagem de
diferentes idades. No entanto, ressaltamos à coordenação escolar
que este projeto se tratava de encontros especializados e seria
importante termos poucos alunos para facilitar o processo.
Portanto, tivemos apenas três estudantes para os encontros
vespertinos que se realizaram às quartas-feiras.
Conseguinte (etapa 2), foram realizados os encontros
semanais (de abril a novembro de 2017), que sempre procuraram
desenvolver habilidades que permeassem não apenas a leitura e a
escrita, mas também que ajudassem na convivência social e na busca
de estímulos para fortalecer o entusiasmo desses alunos em sala de
aula.
Foi estipulado o total de quinze encontros extraclasse com
duração de duas horas semanais cada (aconteceram em horário
normal de aulas desses alunos, pois se configurou inviável a
realização em outro horário, já que eram moradores de zona rural e
também possuíam outras atividades fora da escola). A cada semana
o licenciando abordou um tema relacionado ao ensino de Ciências,
levando em consideração as abordagens da EAM e o interesse e
sugestão dos mediados.
Abaixo segue uma breve descrição acerca dos encontros que
foram realizados:
O primeiro encontro abordou a temática água, pois acreditou-
se que ao mostrar aos mediados a sua importância vinculada às
diferentes realidades que os cercavam fariam com que vissem de
uma maneira pontual a discussão da preservação desse recurso
natural. O foco foi a origem da água consumida em Ilha Solteira
496 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

(cidade onde os estudantes moravam), pois assim levantou-se um


dos princípios norteadores da Experiência de Aprendizagem
Mediada (EAM), que é a significância. O fato de realizar-se uma aula
baseada no contexto real desses estudantes já os coloca mais
confortavelmente no tema; o que é diferente à regra de quando fala-
se do conteúdo “água”, com a conotação mais preservacionista (de
ciclos biogeoquímicos, desperdício na utilização etc., que são
importantes, mas massivamente falado nas aulas de Ciências
tradicionais).
O segundo encontro abordou o mesmo tema. Resolveu-se
segrega-lo em dois encontros para que fossem trabalhados aspectos
da EAM de formas diferentes. Nesse encontro abordou-se a água
revelando todo o processo do tratamento em Ilha Solteira; revelando
por meio de imagens os poucos processos que a água da cidade
passava antes de abrirem a torneira de suas casas. Nesse encontro o
princípio da transcendência dos conteúdos, que é aquele que se
refere à busca concreta pela ligação do tema com a realidade e sua
explicação para outros cenários foi constituído.
O terceiro encontro contou com um tema muito atual e
próximo dos mediados, já que se referiu ao Centro de Conservação
da Fauna Silvestre de Ilha Solteira, o qual em abril de 2017 estava
sofrendo fortes ameaças de fechamento, devido a uma série de
fatores econômicos e políticos entre alianças afirmadas entre Brasil
e China. Os noticiários abrangeram bem a polêmica e diversas
reportagens foram alvo de discussões pela população do local.
Pensando nessa situação, foi proposto aos mediados um processo de
reflexão sobre o tema baseado nas reportagens produzidas, notícias
escritas e diálogo com o mediador, a fim de que houvesse confecção
de cartazes para que expusessem suas opiniões a toda a comunidade
escolar. A proposta desse encontro se interveio nos princípios da
significância, da intencionalidade e reciprocidade, além de
conseguirmos transcender a discussão para outras localidades que
sofriam em um cenário semelhante.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 497

No próximo e quarto encontro pretendeu-se envolver os


estudantes em um tema desconhecido, quiçá, diferente dos temas
anteriores, ditos mais polêmicos, ou avaliados como assuntos
aplicados da disciplina de Ciências. O tema foi “As relações
ecológicas entre alguns organismos”. A proposta foi exatamente
avaliar como o mediador seria capaz de se envolver em um tema que
está presente no currículo do ensino fundamental, para a seriação
trabalhada, mas que se tornava mais difícil de ser discutido por ter
que buscar uma aproximação desconhecida entre o tema
(puramente científico) e os alunos. Discutir a ciência de base em
uma sala de aula sempre pareceu ao mediador algo muito mais
complicado e cheio de quebra-cabeças, por isso dessa proposta
temática.
O quinto encontro surgiu da observação de um dos assuntos
que um dos mediados mais gostava e que ele mesmo relatou sobre
ao final do último encontro, que era vacas e bois (animais bovinos),
por fazer parte de sua realidade (tinha muito convívio em sítio com
esses bichos). Sendo assim, foi possível trazer a intencionalidade
clara desse encontro, e sua significância para aquele estudante, em
que foram abordados temas sobre “Anatomia bovina”, “Processo de
digestão bovina” e “Alimentação e sons de bovinos”, que também
pode ser extrapolado ao estudo de outros animais.
No sexto encontro o grande objetivo foi realizar o
protagonismo que os mediados possuem. Eles foram colocados em
uma verdadeira entrevista sobre como era o lugar onde viviam,
buscando entender o seu próprio espaço, e tudo o que a disciplina
de ciências poderia ofertar em termos de explicações realistas e
plausíveis. Os três estudantes passaram por um questionário
coletivo no qual abrangia questões sobre o que mais gostavam em
suas casas, quais animais podiam ver da janela do quarto, quais
eram as experiências mais interessantes que eles tinham passado
morando naquele ambiente, o que de mais estranho com animais ou
plantas eles tinham notado... Perguntas que davam a liberdade para
que expusessem histórias, contassem curiosidades sobre o
498 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ambiente, com fins de exploração e também de aproximação do


próprio mediador com eles.
O sétimo encontro foi pensado para ser menos exploratório.
Foi projetado um filme no formato de desenho animado, conhecido
no Brasil como “Zootopia: essa cidade é o bicho”, que contava a
história de uma coelha que se tornava policial e que possuía diversas
dificuldades de adentrar essa profissão por ser considerada um
animal frágil dentro da sua comunidade, representando uma
metáfora interessante à cultura machista da sociedade humana
atual; e que é muito pertinente de ser discutida em sala de aula, por
todos os professores em qualquer que seja a disciplina. Além disso,
o filme abrangeu o tema abordado no quarto encontro sobre
relações ecológicas, o que também pôde ser alvo de diálogo após o
filme.
A partir do oitavo encontro, o mediador iniciou uma série de
planejamentos voltados a atividades que utilizariam mais da leitura
e da escrita, para que tentássemos trabalhar melhor as dificuldades
de aprendizagem que os mediados apresentavam. Para isso, o tema
proposto foi: “Processos industriais de alimentos e produtos de
limpeza pessoal”, com intuito de mostrar a verdadeira ou o mais real
“cenário” de alguns produtos que são consumidos. Foram exemplos
discutidos nesse dia: o gasto de água na produção de creme dental;
a utilização de animais para fabricação de alguns doces, que são
consumidos principalmente por crianças e adolescentes de diversas
idades; e ainda, como o leite em pó era produzido, isto é, como o
leite tornava-se pó. Pensando nesses temas norteadores, tomamos
por base a produção escrita para ancorar os questionamentos que
surgiram das discussões, na qual os mediados foram convidados a
criar uma história em quadrinhos envolvendo personagens que
achassem pertinentes.
No nono encontro surgiu-se com uma proposta lúdica e
divertida. Recuperou-se uma brincadeira tradicional: “a
amarelinha”. Ela foi produzida com antecedência no piso da
biblioteca da unidade escolar, e a proposta foi realmente a de brincar
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 499

e ensinar aos alunos como era essa brincadeira. No entanto, o maior


desafio dos mediados não era pular a amarelinha, mas ler,
interpretar e responder “charadas” produzidas pelo mediador com
base nos encontros passados, que perpassavam diversos conteúdos
não apenas da disciplina de Ciências (Matemática, Interpretação e
Leitura fizeram-se presentes). As charadas foram criadas
especificamente para a turma em questão, sendo então uma
atividade própria para a realidade desses mediados, com a intenção
de trabalhar a leitura e a interpretação para que pudessem chegar
ao final da brincadeira.
Com o passar dos encontros, foi possível notar que os
mediados precisavam mais ainda de atenção especializada por conta
da dificuldade na escrita e na leitura. Muitas vezes não se sentiam à
vontade para ler no coletivo, o que precisava ser respeitado e
trabalhado. Pensando nisso, o décimo encontro contou com o tema
“Dragões”, que se fez em formato de texto, apresentado aos
estudantes em um assunto mitológico que só surgiu como ponto
temático porque eles questionavam bastante a existência de outras
formas de vida e de seu desconhecimento no planeta Terra. Por meio
disso, foi possível trabalhar a interpretação e a elaboração de
respostas escritas. Essa atividade objetivou ser diferenciada das
demais devido ao tema mitológico e “fora do meio biológico”, mas
também porque contou com a presença de duas novas pessoas,
mediadoras (frequentadoras do grupo de estudos sobre mediação),
que participaram desse dia auxiliando cada um dos mediados em
sua leitura individual e na própria execução da atividade proposta.
Para o décimo primeiro encontro foi levado à sala de aula uma
música que se chamava “Tupinambá”, da compositora e cantora
Luiza Rosa, não muito conhecida nos meios midiáticos, mas que
contava com uma letra simples e bem significativa sobre a natureza
e a tribo indígena Tupinambá, povo localizado no sul da Bahia. A
intenção não era levar a letra da música para os mediados lerem,
mas sim, pedir a eles que escrevessem as palavras que achassem
mais importantes enquanto a música estivesse tocando, já que se
500 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

tratava de uma letra curta e repetitiva. Neste dia, surgiram diversas


discussões sobre as palavras captadas e a partir delas performamos
diálogos a respeito da preservação da natureza pelos povos
indígenas, a cultura Tupinambá e a importância social e coletiva
desses povos para a identidade do Brasil.
A partir do décimo segundo encontro, o mediador levou a
proposta de um minicurso temático, o qual pretendia desenvolver
habilidades de comunicação, leitura, escrita, artística e de
percepções, principalmente sobre o que comemos. O tema foi sobre
os “aditivos alimentares”, um assunto considerado de importância
significativa já que une ciência à tecnologia. Tanto neste encontro,
quanto nos demais encontros que viriam a seguir, o mesmo tema foi
trabalhado, pois foram necessários quatro dias, ou quatro
momentos, para que todo o planejamento fosse realizado. Sendo
assim, nesse primeiro dia, buscou-se realizar atividades sobre a
discussão do que eram os aditivos alimentares, o que eram rótulos
de alimentos, como deveríamos ler esses textos, e o que era
importante saber sobre os principais tipos de corantes, adoçantes,
flavorizantes, conservantes, entre tantos outros.
No décimo terceiro encontro, a mesma temática foi acesa,
porém, com atividades diferentes, buscando a comunicação como
habilidade a ser discutida. Nesse sentido, foi proposto a criação de
uma atividade em formato de mímica sobre as principais classes de
aditivos alimentares, na qual os mediados tinham que realizar a
mímica para que os demais pudessem adivinhar qual aditivo
alimentar se tratava e sobre os possíveis danos que ele levaria à
saúde individual e coletiva.
O décimo quarto encontro contou com a atividade de música,
em que foi proposta uma paródia da música da banda Legião
Urbana, “Tempo Perdido”, transfigurada para nós em “Alimento
Perdido”. A paródia foi cantada pelo mediador, que teve alguns
acompanhantes, e depois palavras-chave foram discutidas entre
todos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 501

Por fim, o décimo e quinto encontro, também levou aos


mediados a mesma temática; entretanto, foi necessário nesse dia
que construíssem cartazes para elucidação e comunicação com toda
a comunidade escolar. Além do tema, os mediados puderam relatar
em suas produções assuntos de outros encontros, e utilizar de
diversos materiais para sua fabricação. Os cartazes foram fixados
nos corredores da escola.
Depois dessa explanação de como foram os encontros
propostos seguindo os princípios da EAM, todos os materiais
produzidos pelos mediados foram guardados em portfólio e
armazenados para análises posteriores. Contudo, é importante
destacar que para a discussão dos resultados e levantamento do
processo analítico desse trabalho, nem todos os encontros foram
levados em consideração, havendo discussões pontuais de alguns,
mas também discussões gerais acerca de como foi para o mediador,
também licenciando e pesquisador, a experiência com essa turma,
na busca por diversas desconstruções da sua ação docente. Isso se
deve ao fato de que nem todos os encontros os três mediados se
fizeram presentes; em alguns deles, houve ausência de um ou até de
dois mediados, o que comprometeu a realização de alguns encontros
planejados para ação coletiva, os quais também não serão pautados
integralmente nas discussões dos resultados a seguir.
Ainda, antes de cada encontro, foi realizado um diário
referente à expectativa de como seria para o mediador, ou o que
esperava, delineando claramente os objetivos e as propostas que
deveriam ser alcançados em cada um dos encontros. Assim, após
cada um deles, foram elaborados diários de campo com a descrição
das atividades apresentadas pelo mediado, preocupando-se em
relatar as dificuldades encontradas, se o objetivo tinha sido
alcançado, sempre colocando todos os atores da ação mediadora em
avaliação processual, e as atividades arquivadas em portfólio.
O método utilizado para a avaliação dos encontros realizados
pelo licenciando foi a diagnóstica, configurada na categoria de
avaliação formativa (CASEIRO; GEBRAN, 2010), que permitiu
502 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

avaliar os diários de campo e também dos seus próprios relatos para


compor os resultados deste estudo.

Apresentação e discussão dos resultados

A Experiência de Aprendizagem Mediada, abreviada no Brasil


por EAM, foi alvo de estudos teórico e prático neste trabalho, porque
na equipe de estudos aflorou-se a preocupação pela contribuição de
alguma metodologia de ensino e aprendizagem que trouxesse uma
abordagem que pudesse incluir estudantes que estariam sofrendo
em algum sistema excludente em uma escola pública. Essa
inquietação tornou-se busca por leituras, interpretações e
discussões em grupo que fossem capazes de abranger um espaço
colaborativo e, ao mesmo tempo, de desconstrução e reconstrução
de realidades de estudantes que precisam de atenção. Trabalhar com
a mediação pareceu, nessa perspectiva, uma proposta viável para
tentar se alcançar, ou, até mesmo, avaliar os princípios da EAM que
norteiam professores, instrutores e a gestão de instituições
escolares. Aliás, abrir-se a novas teorias, buscar estímulos,
acompanhados de mudanças, parecem necessários nesse novo
paradigma educacional que estamos inseridos.
Diante disso, durante os encontros foi possível perceber
situações em que o licenciando teve muitas dúvidas e
questionamentos sobre a pertinência de cada tema que seria
abordado em um encontro e outro. O mesmo foi relatado por
Battistuzzo (2009), que percebeu que é necessário que o mediador
passe por um treinamento para conseguir pensar e repensar os
princípios que permeiam a EAM, o que facilitará a escolha de temas
e a maneira de abordá-los. Isso corrobora com a análise deste
trabalho, pois, ao decorrer dos encontros, foi possível notar uma
experiência melhor do licenciando diante a escolha das atividades e
o que seria levado em consideração para cada um dos mediados da
turma.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 503

Por mais que houvesse existido um momento de preparação


sobre a teoria de Reuven Feuerstein, a prática vinculada à realidade
de uma turma é muito diferente. É necessário buscar uma âncora
teórica sobre o que se pretende realizar em sala de aula; mas, foi
possível perceber que o imediato é algo que requer experiência
empírica, in loco, para que possamos adquirir habilidades para
conduzir uma sala de aula, ou responder de forma eloquente a uma
questão feita por uma estudante. Como disse Freire (1996), “a teoria
sem a prática se torna verbalismo, assim como a prática sem a
teoria. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a
práxis, a ação criadora e modificadora da realidade”.
Em um balanço geral, foi observado que o licenciando teve
dificuldade para montagem dos encontros baseados nos princípios
da EAM, pois há um processo de reflexão que precisa ser melhor
praticado por todo e qualquer profissional da educação em sua
formação inicial e contínua. Isso pôde ser percebido principalmente
no planejamento do encontro quatro, que teve como tema “Relações
ecológicas”, considerado pelo mediador e pesquisador desse
trabalho uma ação complexa, devido a retirada de um conteúdo da
ciência de base para um modelo mais palatável aos mediados. A
formação mecanicista, tecnicista, presente em alguns currículos de
formação, ainda permanece, pelo seu processo histórico, nas
condutas de formadores e em diversas instituições de ensino
superior, gerando um profissional que é incapaz de refletir suas
futuras práticas pedagógicas, principalmente quando falamos de
ações que necessitam de maior interação a um processo de
humanização, como é o caso do ato de mediar um conhecimento
muito específico (RIBEIRO; ZANARDI, 2016).
O educando que busca uma formação em licenciatura não
espera apenas concluir essa formação para se qualificar ao mercado
do trabalho, mas também almeja um desenvolvimento humano, que
seja capaz de abarcar a reflexão de sua profissão. Sendo necessário
entender as diversas dimensões da formação humana, incluindo os
aspectos cognitivos, éticos, culturais e sociopolíticos do processo de
504 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

construção do sujeito referencial da educação (FILIPAKI, 2010). Esse


aspecto esteve muito presente nas reflexões para a montagem dos
encontros, já que muitas vezes o princípio da significância não
esteve apenas no cerne do tema escolhido, mas na maneira como ele
era abordado, e também na representatividade que ele contemplava
nos sujeitos; portanto, saber interpretar a ação docente e como ela
vai se dar no momento da regência é um processo fundamental para
a mediação.
Esse apontamento pôde ser observado em diversos temas
abordados nos encontros, como por exemplo em “Processos
industriais de alimentos e produtos de limpeza pessoal”, discutido
no oitavo encontro, no qual foi árdua a sua abordagem, porque os
mediados nesse dia estavam cansados, desmotivados com o papel da
escola; portanto, aparecer com um tema polêmico, e tentar
despertar em um adolescente algum interesse sobre algo que está
no seu cotidiano é ainda uma tarefa exaustiva, da qual está
condicionada à mediação. Mediar não é um ato simples, é complexo
e requer muito esforço do mediador e da equipe escolar. Neste tema,
em específico, ficou evidente que a temática em si não se revelaria
significante aos estudantes, portanto coube ao mediador trabalhar
sua própria ação em sala de aula para torna-lo algo mais excitante.
Além desse, a música Tupinambá, do décimo encontro, não
evidenciou uma significância efetiva para os estudantes, mas trouxe-
lhes uma maior aproximação, porque alguns perguntaram “Para
quê saber o que os indígenas fazem?”, ou, “Eu nunca vi um índio de
perto”; ou ainda, “Será que eles andam pelados de verdade?”. Nota-
se o desconhecimento, e a missão que o mediador tem em mãos para
tentar esclarecer alguns pontos, e até mesmo despertar interesse em
reconhecer essa temática importante não apenas porque é
desconhecida, mas porque precisa ser debatida na sociedade sempre
que possível. Portanto, tornar esse tema um gerador de despertar é,
sem dúvida, uma missão que a EAM tendeu a facilitar, já que no
processo de planejamento do encontro, pensava-se muito em como
aproximar Tupinambás de três adolescentes que possuíam vários
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 505

pré-conceitos errôneos, algumas discriminações em suas falas, e que


precisava atender a um conteúdo mínimo possível gerador de
interesse e prazeroso para ser degustado por todos.
Durante o percurso de planejamentos e reconstruções, foi
possível notar que houve criatividade do mediador na montagem
das atividades, pois existiu apropriação de diversos recursos, como
por exemplo, audiovisuais, incluindo músicas, imagens, saída da
sala de aula, montagem de cartazes, utilização de recortes e revistas,
e também o uso do diálogo como ferramenta primordial ao escutar
e agir. Andrade (2012), deixa claro que a utilização de sons, efeitos
especiais estimula, alegra e faz que o indivíduo descubra novas
sensações, ou recupere sensações passadas, se tornando um valioso
aliado ao instrumento pedagógico para a aprendizagem, e também,
como foi percebido para a mediação de diversos conteúdos. Todos
os encontros relatados no tópico anterior contemplaram a utilização
de algum recurso didático, seja música, criação de letras, montagem
de apresentações, de vídeos, propostas com recortes de revistas e
jornais, saída da sala de aula para discussão no pátio da unidade
escolar, entre outros.
Claro que esse feito só foi possível, pois o licenciando precisou
tornar suas práticas associadas à teoria de Reuven Feuerstein,
emancipando-se quanto futuro docente, para que ele se fizesse
mediador das ações que viriam ocorrer em sala de aula. Entender,
portanto, que o estudante está no plano do imediato, enquanto o
professor está, ou deveria estar, no plano do mediato, torna-se
fundamental nessa reflexão e faz-se necessária a utilização
exploratória dos recursos presentes. Assim, entre estudante e
professor se estabelece uma mediação que visa a superação do
imediato no mediato (ALMEIDA; GRUBISICH, 2011).
Durante o período em que o licenciando esteve desenvolvendo
as atividades, notou-se a dificuldade em manter o primeiro contato
com os mediados, e também para estimulá-los quanto às atividades
propostas, pois esse momento é primordial para que se faça um
recorte da realidade da turma, e, se possível, de cada um dos
506 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

indivíduos. Nesse espaço de tempo é preciso reconhecer a história


de cada sujeito envolvido, para que se tenha uma ideia mínima de
quanta bagagem histórica existe naquela atmosfera, que permeia o
conhecimento da comunidade e da sociedade em geral; e, a partir
disso, idealizar os próximos encontros (RIBEIRO; ZANARDI, 2016).
O sexto encontro teve claramente essa intenção, a de
aproximar mediador de mediados, já que houve a entrevista com os
mediados, para se entender melhor como eles viviam, o que
gostavam de fazer em seu ambiente, em uma análise exploratória e
de construção de uma realidade mais palpável para o mediador.
Nesse encontro, o próprio licenciando também descreveu como era
o ambiente no qual ele vivia, do que mais gostava, quais eram as
formas de vida que ele se deparava ao chegar em sua casa e como
via o seu território, onde podia explorar diversos espaços e como
poderia fazê-lo. O objetivo foi estimular o diálogo, que foi bem
contemplado nesse dia, os estudantes estavam expondo livremente
suas realidades e todos os questionamentos levantados foram
sanados diante o diálogo coletivo.
Depois do sexto encontro, os subsequentes se tornaram
menos complexos em seus planejamentos, porque como o próprio
princípio do compartilhamento da EAM relata, existe a necessidade
das pessoas se ligarem umas às outras, de compartilharem suas
experiências, pois isso conforta e aproxima os seres humanos. Sendo
assim, será relatado adiante recortes de alguns encontros para que
se possa entender melhor o processo emancipatório que a EAM teve
diante a formação do licenciando em Ciências Biológicas.
O primeiro encontro teve como tema a água, intitulado como
“A água que chega à torneira de sua casa”, pois, segundo o mediador,
era um tema que permitiria uma aproximação dos mediados a partir
de uma questão socioambiental muito discutida na mídia, já que se
tratava da utilização dos recursos hídricos, mas com o
aprofundamento sobre os recursos hídricos do local. Esse encontro
revelou um misto de anseios e frustrações pelo que se esperava, pois,
revelou o que é muito normal, acreditar que um tema possa ser
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 507

gerador discussão sempre irá trazer uma gama de sentidos que


podem ser distorcidos quando apresentados à famigerada realidade
(TURRA, 2007). Primeiro, o fato deste ter sido o tema do primeiro
encontro, em que o estudante de Ciências Biológicas tinha seu
primeiro contato, já deixa claro que não se pode criar expectativas
gigantescas, pois é nesse momento que se deve dar o passo da
aproximação. Segundo, o tema escolhido pode ser julgado como
inadequado para esse primeiro tato, talvez porque é um conteúdo
bem específico da Ciências, e que tivesse sido mais bem aproveitado
em outro momento, sendo aquele rompante mais voltado a um
diálogo despretensioso, ao conhecimento, como é o que aconteceu
com o sexto encontro. Por isso, vale a ressalva de que a prática de
condutas com a EAM leva a um aperfeiçoamento do profissional que
a pratica. Refletir é também uma forma de tornar as ações menos
ofuscadas, e menos frustrantes para todas as personagens
envolvidas.
Percebe-se, portanto, que o mal planejamento da EAM,
obviamente leva a resultados não esperados. Isso é claramente
estabelecido por Battistuzzo (2009), que em seu trabalho relata o
potencial que a EAM tem em desenvolver condutas jamais pensadas
nas metodologias técnicas, sem potencial de reflexão. Como por
exemplo, o desenvolvimento da criatividade do docente e discentes,
sendo necessário, é claro, o desprendimento de tempo para o
planejamento desses encontros. Por isso, a busca por outras
metodologias é algo muitas vezes negligenciado pelos professores.
Vidas agitadas, agendas lotadas, reuniões escolares que mais
agridem o professor do que os estimulam, entre tantas outras
variáveis, performam esse despreparo diante a outras maneiras de
se buscar o aprendizado de seus alunos.
Um dos encontros que teve como característica a busca pela
criatividade tanto do mediador quanto dos mediados, foi o terceiro
encontro, que abordou um tema sobre animais silvestres
envolvendo a polêmica do fechamento do Centro de Conservação da
Fauna Silvestre de Ilha Solteira, no qual a EAM ajudou na
508 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

aproximação dessa temática com os mediados, pois a intenção do


mediador foi clara quando utilizou os noticiários para criar um
envolvimento melhor e mais aguçado, e buscou desenvolver um
processo criativo em estudantes que vinham muito desestimulados,
sendo possível perceber nas próprias atividades desenvolvidas, isto
é, na confecção dos cartazes.
Outrossim, a exemplo dessa aproximação, pode-se citar o
desenvolvimento do quinto encontro, que tratou sobre o “Estudo de
bovinos”, utilizando como modelo a vaca, animal símbolo da ação,
porque um dos mediados tinha muito contato com esse tipo de
animal, já que morava em um sítio. Esse mesmo mediado
apresentava traços de hiperatividade e dificuldade de concentração
(o que foi relatado por professores efetivos das aulas de Ciências da
turma que ele pertencia), o que nesse momento, foi observado
grande participação desse sujeito, pois a proposta levantou
discussões e compartilhamento de experiências sobre os cuidados
que temos que ter com bovinos.
Não podíamos deixar de relatar a importância dos quatro
últimos encontros, ancorados na temática “Aditivos alimentares”,
foram eles que mais expressaram a utilização dos princípios da EAM
tanto na prática, quanto no planejamento do minicurso proposto.
Foi possível ver o quanto a interação mediador-mediado é
imprescindível para se atingir uma resposta que possa servir como
respaldo de que estamos caminhando para emancipação de
estudantes. Sujeitos que no primeiro encontro estavam de cabeças
baixas, apoiando-se em carteiras para não falarem, ou tentarem
persuadir o mediador a finalizar o encontro antes do esperado. Essa
foi, na verdade, a realidade dos primeiros encontros. Nota-se que é
necessária essa aproximação, não criar vínculos é quase impossível
quando falamos de comprometimento em atender especificidades.
Não basta acreditar que os conteúdos eram aprendidos, não basta
acreditar que não se precisa repensar os antigos e futuros passos da
ação mediadora. Se você não reflete sua ação docente, para qualquer
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 509

que seja a metodologia praticada, nenhuma surtirá efeito esperado.


Portanto, não seria diferente na utilização dos princípios da EAM.
Durante todos os encontros foi possível perceber que a EAM
pôde contribuir grandemente com a superação de dificuldades,
como a hiperatividade, pois mediados nessa condição puderam
desenvolver mais das atividades propostas; ou então, participar da
temática sem fugir do assunto repentinamente. A criação de uma
amarelinha, a confecção de cartazes, as atividades de mímica e canto
e a saída da sala de aula, fizeram os mediados pensarem em
perguntas e respostas, e conseguiram utilizar a energia corpórea
para exercitar a mente e o corpo.
Torna-se importante destacar, porém, que os princípios da
teoria estudada podem ser vagos em alguns momentos e
inapropriados para diversas realidades, como também, não é
possível dizer que são simples em sua interpretação. Muitos deles se
engajam em propostas repetidas, e que deixam a desejar quando são
empregados em um planejamento. Por exemplo, o princípio da
“autorregulação e controle do comportamento”, tem uma descrição
muito complexa, e que também pode ser de difícil reflexão quando
pensamos em estudantes que precisam primariamente de
aproximação, de contato, é um dos princípios que se confundem
principalmente com o do “planejamento de objetivos”, pois soam
muito parecidos, e muito complexos de serem praticados.
Outro aspecto que pode ser levantado sobre a teoria e suas
limitações é que esses princípios não podem ser considerados como
uma receita de culinária, na qual é só você acrescentar ingredientes
e pronto! Não! Muito pelo contrário, eles apenas dão um subsídio
para que você reflita melhor acerca das atividades que irá propor
para uma aula. Como destacado anteriormente, seria necessário
rever muitos dos princípios para se ter uma adaptabilidade melhor
para estudantes com dificuldades em escrita e leitura, pois nem
todos foram contemplados nos encontros realizados neste trabalho.
Os princípios mais utilizados nos planejamentos foram:
Intencionalidade e reciprocidade, Significação e Transcendência. Os
510 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

demais foram levados em conta em um tema e outro escolhido para


os encontros desenvolvidos.
Além dos fatores limitantes da própria teoria desse trabalho,
notou-se no decorrer dos encontros que a qualidade da merenda
escolar e a estrutura física das salas de aula foram pontos
desfavoráveis à condução dos mesmos e puderam ser alvos de
reclamação pelos próprios mediados que estavam insatisfeitos com
a unidade escolar. Sendo, portanto, pertinente ao formando em
Ciências Biológicas, entender que a escola enquanto unidade
educacional, tem papel que transcende a prática docente, ou seja,
parte do interesse que é importante refletir também sobre esses
aspectos já que compunham a realidade de todas as personagens
envolvidas.

Conclusões

A Experiência de Aprendizagem Mediada de Reuven


Feuerstein contribuiu com o processo criativo do licenciando, pois
fê-lo refletir sobre os recursos didáticos que seriam mais cabíveis em
cada um dos encontros. Além de se revelar como uma metodologia
que necessita de prática constante por parte do mediador, para que
se consiga aprimorar o discurso e a experiência em sala de aula.
Notou-se também que os princípios da EAM permitiram que os
encontros tivessem temas geradores de discussões, sendo capaz de
sensibilizar os mediados em diferentes realidades locais. Contudo,
os princípios trazem algumas limitações que também precisam ser
levadas em consideração quando são aplicados em planejamentos
específicos. Observou-se, por fim, que a EAM contribuiu
positivamente com a formação do licenciando em Ciências
Biológicas por fazê-lo contracenar diferentes atmosferas de uma
mesma turma de estudantes, que mesmo possuindo dificuldades no
processo de aprendizagem, conseguiram minimamente ter contato
com temas de Ciências e Biologia. Esse contato traz aspectos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 511

humanísticos que com certeza engrandecem o futuro professor de


Ciências e Biologia.

Referências

ALMEIDA, José Luís Vieira de; GRUBISICH, Teresa Maria. O ensino e


aprendizagem na sala de aula numa perspectiva dialética. Revista
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34

Construindo vidas:
a biografia nas aulas de história

Juliana Aparecida Lavezo

Introdução

A História hoje não mais se configura como a História


tradicional de grandes fatos e grandes nomes. A chamada Escola dos
Annales trouxe consigo diversos novos vieses para os historiadores,
como a História Social e a História Cultural. Sendo assim, o olhar
sobre o indivíduo, outrora excluído dos textos historiográficos,
agora encontra seu lugar entre eles.
Alvo de críticas, vista durante muito tempo como modelo de
História tradicional, relegada às enciclopédias e dicionários, a biografia
ganha uma nova roupagem. Desde meados do século XX, sob influência
da Nova História Francesa e com o advento da Psicanálise, o indivíduo
se tornou passível de estudos e sujeito destes. Alguns historiadores
mencionam que a biografia “retorna” por conta do advento da história
política. Olhar a História através de uma vida singular se tornou
recorrente no meio acadêmico, no qual cada vez mais jovens
historiadores se aventuram na difícil tarefa de escrever uma vida.
O que salientamos aqui, todavia, é que hoje encontramos neste
gênero uma problemática renovada, delineada e modificada através do
tempo que nos propõe debater a historiografia. É digno de nota
salientarmos que o interesse pelas trajetórias individuais ressurge
devido ao “descrédito das totalizações, dos modelos explicativos
genéricos e das ideias de sujeito universal.” (SCHMIDT, 2000, p. 123).
514 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A partir da elaboração dos novos Parâmetros Curriculares


Nacionais - PCNs (BRASIL, 1998), os currículos escolares buscam se
adaptar ao desenvolvimento das pesquisas históricas nas
universidades, o que fica claro em Pinsky (2009), que aborda novos
conteúdos e temáticas trazidas por essas novas correntes
historiográficas, como questão de gênero, História regional, do
corpo, do meio ambiente, dentre outras. Tais mudanças são
significativas nas propostas curriculares que ordenam o
conhecimento histórico por temas, sejam os originários de temas
geradores, segundo os pressupostos freireanos, ou pelos eixos
temáticos (BITTENCOURT, 2001).
Com a crescente publicação de literatura de cunho biográfico,
como diários, biografias e autobiografias, o professor pode trazer a
escrita biográfica para a sala de aula, atraindo o aluno para mais
perto de si e dos temas abordados, se tratando de um tipo de
narrativa que mostra mais aproximação com os alunos, por tratar
do cotidiano, trazendo modelos de vida (bons ou ruins). Muitos
pesquisadores do gênero biográfico afirmam que esse possui um
objetivo pedagógico na medida em que se apresentam os “erros” e
“acertos” de uma vida, tornando-se exemplos a serem seguidos.
Este trabalho, portanto, está relacionado com a linha de
pesquisa tecnologias, diversidade e culturas, tendo em vista que
busca discutir uma temática dentro do ensino-aprendizagem
quando pretende investigar a importância da trajetória individual,
da análise do indivíduo, presente nas escritas de cunho biográfico,
assim como seu uso em sala de aula e posteriormente, analisar os
materiais didáticos de História quanto à apresentação ou não das
biografias históricas.

Fundamentação teórica

Este trabalho busca analisar o uso da biografia em sala de


aula, especificamente nas aulas de História, levantando a discussão
sobre o uso da biografia nas aulas de História, as problemáticas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 515

envolvidas no uso da memória e verificar nos materiais didáticos de


História como a biografia se emprega e é utilizada.
As histórias de vida podem ser de grande auxílio ao professor
de História, por permiti-lo fazer uma aproximação maior dos seus
alunos com a sua disciplina, ampliando seus temas através do
microcosmo do indivíduo para o macrocosmo, ou seja, o plano geral
histórico que estiver buscando apresentar ao corpo discente.
Dessa forma, o professor de História conseguirá relacionar o
conteúdo a ser trabalhado em sala com a personagem histórica
analisada e poderá, assim, desvelar seu mundo, compreender o
contexto social daquele indivíduo, descobrir suas obras, entre outras
coisas. Para tanto, utilizou-se uma bibliografia específica sobre o
gênero biográfico: Schmidt (1997), Loriga (1998), Levillain (2003),
Borges (2005), assim como sobre o ensino de História: Bittencourt
(2001) e (2004), Silva (2009), PCNs (1998). Assim sendo, essa base
teórica fornecerá várias reflexões a serem discutidas no decorrer do
trabalho e orientará a análise dos materiais didáticos de História.

Propostas curriculares de História e o ensino de História

A História enquanto disciplina nos bancos escolares visa


contribuir para a reflexão crítica acerca dos fatos históricos assim
como para o desenvolvimento e aplicação do conceito de cidadania
em nosso tempo, formando, assim, sujeitos atuantes em nossa
sociedade. A disciplina em sala se faz valer dos objetivos gerais
expostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, entre os
quais estão: identificar as relações sociais em seu grupo de convívio,
situar os acontecimentos históricos, compreender que as histórias
individuais integram as histórias coletivas, conhecer a diversidade
étnica de nosso país e respeitá-la, dominar procedimentos de
pesquisa, valorizar o patrimônio cultural e o direito à cidadania dos
indivíduos, entre outros.
Ao atuar em sala, o professor tem a tarefa de articular,
conforme a sequência didática de suas aulas, esses objetivos gerais
516 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

e especificá-los de acordo com o conteúdo ou temática abordada em


aula. Para que o trabalho em sala seja efetuado com sucesso, o
professor deve se munir de vários critérios de seleção e organização
de aula e posteriormente orientar seus alunos para que estes sejam
autônomos na produção do conhecimento histórico. Conforme está
explícito nos PCNs (1998):

Entre os procedimentos é importante que aprendam a coletar


informações em bibliografias e fontes documentais diversas;
selecionar eventos e sujeitos históricos e estabelecer relações entre
eles no tempo; observar e perceber transformações,
permanências, semelhanças e diferenças; identificar ritmos e
durações temporais; reconhecer autorias nas obras e distinguir
diferentes versões históricas; diferenciar conceitos históricos e
suas relações com contextos; e elaborar trabalhos individuais e
coletivos (textos, murais, desenhos, quadros cronológicos e
maquetes) que organizem estudos, pesquisas e reflexões. (BRASIL,
1998, p.45)

De acordo com Bittencourt (2004), nos Parâmetros


curriculares nacionais – PCNS de História, a noção de tempo
histórico é apresentada pela noção de antes e depois, do conceito de
geração e do conceito de duração, visando desenvolver nos alunos
uma noção de tempo histórico diferente do tempo cronológico. A
partir de indagações presentes nos dias atuais, o professor de
História deve buscar conectar esses temas às razões históricas do
passado. Dentre essas novas perspectivas trazidas pelos PCNs de
História, encontramos temáticas novas outrora inexistentes em
propostas anteriores, são elas: História local, História do cotidiano,
História cultural, ente outras.
Ao tratarmos de trajetórias individuais concomitantemente
estamos abordando um dos objetivos centrais dos PCNs de História
que é a constituição de identidades. Bittencourt (2004) ressalta que a
constituição de identidades “associam-se à formação de cidadania,
problema essencial na atualidade, ao se levar em conta as finalidades
educacionais mais amplas e o papel da escola em particular.”
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 517

(BITTENCOURT, 2004, p.121). Os conteúdos em História visam três


grandes intenções, conforme salientadas pelos PCNs “contribuir para
a formação intelectual e cultural dos estudantes; favorecer o
conhecimento de diversas sociedades e propiciar a compreensão da
interação das histórias individuais e coletivas.” (BRASIL, 1998, p.46) O
professor, tendo em vista tais preceitos que orientam os conteúdos em
história, deve buscar e criar relações de mudanças e permanências de
fatos (e/ou o aparato cultural de uma sociedade), suscitar e propor
debates baseados em fundamentos éticos e historicamente adequados,
problematizar temas, relacionando-os com a vivência do aluno a fim
de que esse possa assimilá-lo de forma mais eficaz.
Bittencourt (2004) trata o tema da identidade em sua
pluralidade – individual, social, étnica, sexual, gênero, idade, assim
como nacional e regional – tendo de ser abordado em suas diferentes
perspectivas de acordo com a necessidade manifestada em sala de aula.
O professor de História teria, portanto, um duplo desafio: se
manter pesquisador e educador ao mesmo tempo, visto que tais
abordagens e temas em História necessitam a atualização de temas.
Ao trabalhar o gênero biográfico e a escrita de história de vida, o
professor se depara com um tema em ascensão, que ocupa um
importante lugar nas prateleiras das livrarias atuais. Como
trabalhar? O que propor em sala? É o que se pretende responder
com esta pesquisa, evidenciando que é possível trabalhar histórias
de vida em sala de aula sob outra vertente que não é mais a
tradicional e pedante conhecida pelas gerações passadas.

A biografia em sala de aula

Os professores de hoje podem estranhar o trabalho com


biografia em sala de aula, pois estes tiveram aulas de história muitas
vezes por meio delas, onde tinham que decorar datas e fatos
relacionados aos heróis nacionais. Além de estar no campo de
conhecimento interdisciplinar, ou seja, que não limita a uma única
disciplina ou área de conhecimento, a biografia visa despertar o
518 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

interesse dos alunos perante um fato ou contexto social abordado e


auxiliá-los no processo de aquisição do conhecimento.
É fácil encontrar alunos que se interessam por algum
personagem histórico por conta de algum filme, série de TV, livro e
até mesmo jogos de videogame. O fato é que a biografia se tornou
ainda mais próxima de todos nós nos dias de hoje, o que nos
desperta curiosidade e interesse em saber mais sobre o outro.
A escrita de uma história de vida pode ser fonte inesgotável
de produção de conhecimento para professores das ciências
humanas, como também de outras áreas, por exemplo a Literatura.
A biografia pode ser considerada um gênero híbrido, de fronteira,
que dialoga com diferentes áreas do saber. Tais fatores somados ao
interesse pela vida privada que reside em todos nós, faz da biografia
gênero ilimitado e cheio de possibilidades de trabalho em sala.

Esse caráter popular é o primeiro dos atrativos da biografia como


instrumento de ensino de História: ela se apresenta como um meio
que facilita a discussão histórica ao despertar a curiosidade dos
alunos porque fornece nomes e faces aos processos históricos. Ou
seja, a biografia personaliza a História que enfoca estruturas e
processos amplos (SILVA, 2009, p. 17)

Conhecer e aprender História através de personagens


conhecidos (ou não) e associá-los aos contextos históricos é fornecer
as ferramentas mais básicas para que eles conheçam e, mais além,
que se interessem por esses momentos históricos. É importante
ressaltar que uma vida nunca poderá ser trabalhada como algo
linear e cronologicamente previsível, ou ainda, predestinada a algo.
Deve-se considerar que a vida de um sujeito é permeada de altos e
baixos, rupturas e permanências, mudanças de opinião e tomadas
de decisão, o que muitas vezes pode não agregar sentido a priori,
mas que analisados em toda sua extensão podem ser
compreendidos. Há de se evitar os excessos e tentativas de se criar
heróis, como se fazia nos primórdios com tal gênero. Há de se
precaver de que a biografia em sala de aula não será apenas um
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 519

trabalho feito como pesquisa e finalizado assim, mas que a partir da


biografia seja expandido o conteúdo e abordadas todas as
possibilidades de aprender sobre tal personagem e período através
de diferentes instrumentos e materiais didáticos.
Silva (2009) elenca sugestões de trabalho com biografia em
sala de aula. Entre estas figuras, encontram-se: Cândido Portinari,
Che Guevara, Mansa Mussa e Francisco Félix de Souza. No primeiro
caso, o professor de História ao trabalhar com o conteúdo
“Economia cafeeira/Café no Brasil” poderá trazer em sala imagens
de telas de Portinari, onde este retrata o trabalho nos cafezais e os
escravos. Junto ao professor de arte poderá se desenvolver um
trabalho de reprodução ou ainda de releitura destas obras. Assim
sendo, o professor analisará o contexto histórico através das obras
de um importante pintor nascido no interior paulista.
A seleção da biografia e dos personagens históricos a serem
trabalhados depende exclusivamente do interesse do professor, em
conjunto com os interesses e realidades de seus alunos, assim como
a disponibilidade de obras ou material didático para trabalhar. O
professor deverá se informar previamente sobre a disponibilidade
de fontes que terá em mãos para trabalhar em sala.
Depois de ter selecionado a personagem, caberá ao professor
escolher o melhor modo para desenvolvê-la em sala, seja como
atividade ou leitura. Essa seleção dependerá do conteúdo a ser
abordado em sala, das obras disponíveis e da realidade de seus alunos.
Dessa forma, alunos e professores mergulharão em um universo de
aventuras e reviravoltas na vida desses atores históricos.

Os livros didáticos de História

Nesta parte, buscou-se apresentar a disposição das biografias


nos materiais didáticos de História do 6º ano de escolas públicas. A
forma como a biografia foi apresentada, seja em texto ou atividade,
foi analisada e comentada, fazendo relação com o restante deste
trabalho e toda sua fundamentação teórica.
520 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O livro didático tem sido alvo de críticas durante as últimas


décadas no Brasil. Alguns professores o tratam como culpado pelo
fracasso escolar dos últimos tempos, outros calam-se ou se posicionam
de maneira favorável ao material. Ainda assim, o livro didático
continua sendo o material didático referencial de professores, pais e
alunos que consideram-no como referencial básico de estudo.
Para que o livro didático desempenhe sua função primordial
no processo ensino aprendizagem, é necessário que ele cumpra com
algumas atribuições que lhe são cabíveis, como por exemplo,
atividades e exercícios que sejam significativos para os alunos; o
livro deve apresentar níveis de rigor e precisão apropriados à série
a que se destina; linguagem clara; estar de acordo com a proposta
pedagógica da escola; ter o conteúdo e terminologia bem definidos,
de forma que o aluno perceba relação do que é estudado com seu
contexto social vivido. Além das proposições definidas acima, o livro
pode conter quebra-cabeças e situações-problemas que desafiem os
alunos a buscar respostas para além das aulas, ou seja, o material
também é motor propulsor de novas questões e reformulações.
Bittencourt (2004), ao analisar os livros didáticos de História,
atribui como funções deste “a aquisição dos saberes e competências;
oferecer uma documentação completa proveniente de suportes
diferentes; facilitar aos alunos a apropriação de certos métodos que
possam ser usados em outras situações e contextos.”
(BITTENCOURT, 2004, p. 307)
A autora ainda salienta que a disciplina de História
movimenta uma produção ampla de materiais paradidáticos, o que
para o mercado editorial é bastante favorável. Notam-se algumas
alterações nos livros destinados às primeiras séries do Ensino
Fundamental que estão seguindo as propostas dos PCNs, ou seja, em
pleno processo de renovação, desvinculando dos antigos conteúdos
baseados nos Estudos Sociais. Estas obras estão, portanto, revelando
um maior cuidado quanto ao uso de conceitos históricos,
principalmente no que se refere às questões de tempo e espaço, ou
ainda, de questões multiculturais.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 521

As novas tendências presentes nos livros de História são


evidentes e tendem a desvincular do ensino tradicional até então
tido como referencial aos livros didáticos. Ainda assim há de se
observar com cautela tais mudanças, segundo Bittencourt (2004):

Inspirados em obras estrangeiras, francesas sobretudo, que


organizam os chamados “dossiês”, nos quais é apresentada uma
série de dados adicionais ao texto geral, têm-se esmerado na
inclusão de documentos. Estes são de natureza diversa,
destacando-se excertos de notícias de jornais, de obras literárias,
de obras de gráficos, mapas e dados estatísticos. As ilustrações, na
maioria dos livros, continuam sendo apresentadas sem as devidas
referências de origem (autoria, data, locais de produção e
preservação) e, assim como os demais documentos de análise que
permitam uma atividade pedagógica adequada para um
aproveitamento consistente desse material (BITTENCOURT,
2004, p. 310)

As renovações também se apresentam no sentido de favorecer


uma maior liberdade do professor em relação à realização de suas
tarefas, na escolha de textos e documentos a serem utilizados em
aula. Por parte dos livros didáticos atuais há o incentivo à leitura de
textos complementares, a sugestões de outros livros e filmes, enfim,
evidenciando que o livro didático não é e nem deve ser considerado
autossuficiente.
Entretanto, o livro didático requer algumas preocupações em
sua elaboração, como por exemplo, número de páginas, extensão
das frases, quantidade de conceitos, a fim de se adequar a faixa
etária que irá utilizá-lo. Bittencourt (2004) cita que a escrita do livro
didático necessita atenção e cautela, pois é fruto da elaboração de
pessoas adultas destinado a um público de outra faixa etária e outra
geração.
Para o efetivo sucesso das atividades propostas pelos livros
didáticos é digno de nota salientar que estas devem sempre estar
vinculadas ao tema proposto em aula e, mais do que isso, estabelecer
522 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

relações entre as situações históricas ou entre os documentos


expostos nos capítulos, etc.
Por servir a um mercado, é importante ressaltar que muitas
vezes os livros têm autores diferentes, o autor da obra não é o
mesmo do conteúdo pedagógico ou, ainda, aquele que elabora a
redação dos textos não é o mesmo que se encarrega da elaboração
das atividades e exercícios, ou seja, essa divisão do trabalho tem
acarretado um descompasso entre o texto dos capítulos e as
atividades propostas.

Procedimentos metodológicos

De acordo com o que foi explicitado nos tópicos anteriores,


procurou-se demonstrar aqui o que foi tratado teoricamente, agora
na prática. Neste caso, objetivou-se analisar livros didáticos de
História a fim de se fazer um levantamento sobre como são
utilizadas as biografias, quais são as biografias utilizadas nos livros
e buscar a melhor (ou mais plausível) opção para se trabalhar a
biografia em sala de aula.
O material didático refere-se ao 6º ano do Ensino
Fundamental II das escolas públicas de uma cidade do interior do
estado de São Paulo, todos como sugestão do PNLD. A fim de
analisarmos vários exemplares e buscar suas diferenças e
peculiaridades, optou-se por analisar sete exemplares de materiais
didáticos. Este recorte por ano/série foi pensado para que a análise
fosse coerente com os temas da disciplina, uma vez que esta os
divide pela periodização histórica, ou seja, haverá aqui, um encontro
de temas e conteúdos similares entre si.

Análise das unidades dos livros didáticos

As análises que se seguem foram feitas a partir de dados


quantitativos, ou seja, verificou-se com a ocorrência das biografias
em cada material didático e/ou também a partir de uma análise
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 523

qualitativa, ou seja, como a temática é abordada em alguma unidade


ou capítulo do livro. Apenas um livro não contém nada acerca do
gênero biográfico, que é o História em Documento, o qual não
apresenta unidade detalhada neste tópico do artigo. Após essa
verificação, analisou-se o caráter da biografia, em especial o
personagem retratado, a forma como é retratado e o espaço que o
material dedica-se a este gênero textual. A tabela seguinte apresenta
a análise dos materiais didáticos:

NN Dados do livro Personagens Análise


históricos
trabalhados
11 Para entender Espártaco, O livro apresenta as biografias de forma
história, da Editora Cleópatra e sucinta em quadros que aparecem na mesma
Saraiva e tem como Gilgamesh. seção do conteúdo. Não apresenta exercícios
autores Divalte que aprofundem a História do sujeito
Garcia Figueira e biografado. A figura da rainha do Egito
João Tristan Vargas, aparece atrelada aos seus famosos casos
edição de 2009 amorosos.
22 Para viver juntos, da Aristóteles, O livro apresenta as biografias como notas
Editora SM, tendo Camões e explicativas nos cantos de páginas, sendo
como autora Débora Sócrates assim, o texto não aprofunda na História do
Yumi Motooka, biografado. Também não exercícios sobre as
edição de 2009 personagens apresentadas no livro.
33 Projeto Araribá Buda, Flávio O livro apresenta as biografias em atividades
História, Editora Josefo, Sócrates, que relacionam a personagem às suas obras e
Moderna, tendo Espártaco, Paulo ao contexto histórico a que pertence, dessa
como autora Maria de Tarso forma o professor consegue trabalhar de
Raquel Apolinário, forma mais prática, pois o aluno exercita o que
ano de 2007 está aprendendo. Os textos são bem
elaborados, assim como os exercícios. Busca-
se relacionar o personagem ao conteúdo
trabalho no capítulo do livro. Também
apresenta algumas biografias como notas
explicativas.
44 História em Peter Lund e O livro apresenta as biografias de forma
documento, Editora Cleópatra sucinta em quadros complementares no final
FTD, autora Joelza das páginas. Não apresenta exercícios sobre o
Ester Domingues, biografado.
ano de 2009
55 História e vida Pablo Picasso – O livro apresenta a biografia como conteúdo a
integrada, Editora biografia e ser aprendido e como exemplo, usa-se a
Ática, tendo como autobiografia biografia de Picasso. O livro também trabalha
autores Nelson como conteúdo com a autobiografia e fornece exemplos destas.
Piletti, Claudino O material é rico em detalhes e dentre os
Piletti e Thiago
524 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Tremonte, ano de analisados, é o único que trabalha a biografia


2010 enquanto conteúdo.
66 História, Sociedade Alceu Valença e O livro apresenta as biografias relacionadas ao
e Cidadania da Niéde Guidon contexto histórico e/ou tema trabalhado na
Editora FTD, tendo unidade. A biografia de Alceu Valença aparece
como autor Alfredo de forma resumida, porém é parte de um
Boulos Júnior, ano exercício da unidade.
de 2009
77 História Temática – Não apresenta O livro possui vários documentos históricos
tempos e culturas, em atividades das mais diversas, porém, não
Editora Scipione, traz biografias.
ano de 2005, tendo
como autores
Andrea Montellato,
Conceição Cabrini e
Roberto Catelli
Júnior

Apresentação e discussão dos resultados

A fim de discutirmos as análises feitas aos livros didáticos de


História, é importante ressaltar que o livro História em documento
que não apresentou nenhuma narrativa biográfica, apesar de muito
bem elaborado, constituindo-se de textos curtos, de no máximo uma
página sobre determinado tema enquanto que a página ao lado deste
texto é dedicada a exercícios sobre o tema. Fazendo jus ao título do
livro, as atividades se referem a documentos históricos, desde
imagens, excertos de documentos escritos, entre outros. Há ainda
sessões que abordam um tema específico, seja atual ou não,
relacionando-se com a temática do capítulo e uma série de
atividades extras para serem feitas em grupo ou individualmente,
em sala ou como tarefa para casa.
De todos os livros analisados, observou-se que a biografia
ainda se encontra muito reduzida, seja na quantidade distribuída
entre os livros, seja na forma como a biografia é trabalhada. O mais
comum de se encontrar são as notas biográficas de canto de página,
notas de rodapé ou ainda em quadros do estilo “Você sabia?” a fim
de instigar ou proporcionar curiosidade nos alunos. A biografia
seria, portanto, a cereja do bolo. Possui, nesse sentido, caráter
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 525

meramente ilustrativo, apresenta-se como detalhe ou como algo


curioso/especulativo. Ela aparece como um complemento, mas não
como algo principal dentro do livro didático.
Os livros Projeto Araribá História e História Temática são os
que mais desenvolveram o gênero de forma abrangente,
contextualizada e significativa. A escolha das personagens, no
entanto, os diferencia. Enquanto o primeiro trata de personagens
largamente conhecidos na História, como Buda, Sócrates, Paulo de
Tarso, Flávio Josefo e Espártaco, o segundo aborda para além da
biografia de Picasso, outros exemplos de autobiografias de pessoas
comuns e não famosas. Ainda neste livro, o aluno terá a
oportunidade de relacionar o que aprendeu sobre o gênero e redigir
sua própria história de vida, algo que o aproxima da História.
Os demais materiais didáticos tratam de forma superficial a
História individual, contribuindo para a minimização da biografia,
como já se salientou aqui. O gênero biográfico é interdisciplinar,
cabendo não só a disciplina de História estudá-la, mas também, à
Língua Portuguesa, Filosofia e demais áreas; qualquer professor
pode relacionar o tema da aula à importância significativa de uma
personagem. O professor de Ciências explica Evolução a partir de
Darwin, então, por que não trabalhar sua história de vida? Há filmes
e documentários que poderão auxiliá-lo. Neste sentido, a
personagem é primordial para o entendimento das causas, dos
efeitos e motivações que levaram determinado indivíduo em
determinada época a agir de uma maneira e não de outra. O homem
é fruto de seu tempo.
A tarefa maior na qual se inserem os professores de História
é de quebrar o paradigma da biografia enquanto gênero marginal e
pobre de sentido. É de fazer valer o legado que este ou aquele
indivíduo deixou para a posteridade, é atribuir significado,
ressignificá-lo, compreender o uno e também o todo, entender que
a História enquanto ciência se faz da soma de várias trajetórias
individuais interligadas, dando sentido, assim, à minha, à nossa
história de vida.
526 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Considerações finais

Com base no que foi exposto, podemos compreender que a


biografia ainda hoje é utilizada em sala de aula, de modo
interdisciplinar, mas muitas vezes de maneira pontual e não em sua
abundância de sentido. É importante ressaltar a forma como as
histórias de vidas são analisadas e compreendidas em sala de aula,
pois, como se discutiu aqui, hoje a biografia não está mais somente
atrelada à história dos grandes homens e grandes feitos, mas
também da gente miúda, que não são celebridades, ou seja, pessoas
comuns como nós. Talvez se fosse trabalhada de outra forma em
sala de aula seria mais produtiva.
Da zona limítrofe entre História e ficção, da História dos
heróis e de santos, a biografia ainda hoje se delineia como um gênero
composto por inúmeras indagações e implicações que devem ser
analisadas, e ao biógrafo e ao historiador cabem a cautela e a
responsabilidade de escrever e como escrever uma vida.
Ao tratar do ensino de História tendo como referência
principal os Parâmetros Curriculares Nacionais de História, destaca-
se que a História do indivíduo se faz importante para o trabalho em
sala de aula, assim como a memória histórica e suas vertentes,
capazes de formar o senso crítico do aluno, ensiná-lo a refletir
historicamente e procurar relacionar a História individual com a
sociedade.
Como sugestões de aulas foram mencionadas aqui algumas
personagens históricas que são frequentemente trazidas à sala de
aula e propostas de trabalho com diferentes mídias. A escolha da
personagem irá depender exclusivamente do propósito do professor
assim como o material/obra que ele tem em mãos e a realidade de
seus alunos.
O professor deve enfatizar em seu discurso que uma vida
nunca poderá ser escrita em sua plenitude, pois sempre se terá algo
a mais para escrever. Assim como não há predestinações definidas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 527

e que as vidas são sempre compostas de indecisões, incertezas,


dúvidas, rupturas e permanências, o que não se pode atribuir,
portanto, linearidade e fazê-las completas em sentido.
Por fim, ao tratar-se do material didático que as escolas
brasileiras têm acesso, analisaram-se algumas obras a fim de se
verificar como a biografia era abordada. A tentativa aqui não foi
elencar um livro melhor que outro, mas analisar o material didático
que as escolas públicas têm acesso e como tal conteúdo está sendo
abordado. É digno de nota enfatizar que o livro é um produto, ou
seja, há um mercado editorial por trás de sua produção e há diversos
interesses.
O resultado que se obteve foi de que a biografia ainda é
abordada de forma muito restrita em alguns livros didáticos,
servindo como nota de rodapé ou curiosidade. A maioria dos livros
privilegia abordagens macro orientadas não permitindo assim que
a personagem histórica se relacione com a história total e muitas
vezes personagem e contexto permanecem isolados, cada qual no
seu lugar, o que pode deixar o aluno desorientado, sem entender sua
relação.

Referências

BITTENCOURT, Circe (org.). O Saber Histórico na Sala de Aula. Coleção


Repensando o Ensino. São Paulo: Editora Contexto, 2001.

_______. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo:Cortez, 2004

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SILVA, Kalina Vanderlei. Biografias. In: Novos temas nas aulas de história. São
Paulo: Editora Contexto, 2009.
35

Diversidade sexual e de gênero em documentos


orientadores para prevenção e resolução de conflitos
na rede estadual paulista de ensino

Beatriz Segantini França


Isabella Delamain Fernandez Olmos
Fábio Martins Gaioli
Caio Samuel Franciscati da Silva
Ana Paula Leivar Brancaleoni
Rosemary Rodrigues de Oliveira

Introdução

Estudos como os desenvolvidos por Castro, Abramovay e Silva


(2004), Louro (2009), Bento (2011) e Madureira e Branco (2015)
têm apontado para práticas de naturalização de processos de
normatização e/ou reiteração da heteronormatividade no ambiente
escolar. Segundo os autores, alunas e alunos que não se enquadram
nos padrões heteronormativos são alvos de contínuas violências,
físicas e simbólicas, que culminam em sua expulsão/evasão do
ambiente escolar. A literatura pertinente indica que situações
“problemáticas” vinculadas à diversidade sexual e de gênero são
colocadas à margem nas instituições escolares, seja pela
invisibilização sofrida por aqueles que não se enquadram à norma
heterossexual, seja devido às deficiências formativas dos docentes
para atuar junto a esta temática.
Em face desta realidade, observamos, seja no âmbito federal,
estadual e/ou municipal, a elaboração e a aprovação de políticas
530 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

públicas que buscam garantir o acesso e a permanência de


estudantes homossexuais, travestis, transexuais, etc., no ambiente
escolar. Entretanto, Fernandes (2016) salienta que tais políticas
inclusivas resultam em “inclusões perversas”, pois não são
acompanhadas de processos formativos voltados a professores,
coordenadores e gestores que os subsidiem no trabalho com
questões relativas à diversidade sexual e de gênero.
Neste contexto, é passível de questionamentos a divulgação do
documento “Diálogos e práticas restaurativas na escola: Guia prático
para educadores” (NUNES, 2018), resultado da parceria entre a
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) e o Ministério
Público do Estado de São Paulo, bem como da Resolução SE 8, de 31
de janeiro de 2018 (SÃO PAULO, 2018), no início do ano de 2018 por
meio do endereço eletrônico <http://www.educacao.sp.gov.br>.
Segundo a SEE-SP, os “Diálogos e práticas restaurativas na escola”
compreendem orientações que auxiliarão professores na mediação de
conflitos no ambiente escolar enquanto a Resolução citada dispõe
sobre as atribuições do professor mediador.
Isto posto, a presente investigação objetiva verificar as
possíveis concepções de diversidade sexual e de gênero presentes
nos documentos oficiais citados, bem como analisar em que medida
o documento “Diálogos e práticas restaurativas na escola: Guia
prático para educadores” (NUNES, 2018) poderá subsidiar o
trabalho docente no que se refere a atuações relativas à temática
diversidade sexual e de gênero.

Fundamentação teórica

O conceito de sexualidade pode apresentar diversos sentidos e


significados, dependendo do referencial teórico e da área de
conhecimento adotados, assim como das vivências individuais e
coletivas dos sujeitos. No presente trabalho, o conceito de sexualidade
não se refere apenas à reprodução humana, mas também ao gênero,
à identidade e orientação afetivo-sexual, ao erotismo e à emoção. Por
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 531

este ângulo, compreendemos que a sexualidade é uma das dimensões


humanas que sofre interferências de fatores biológicos, sociais e
culturais (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004).
Apesar desse sentido amplo adotado, a sexualidade está muitas
vezes inserida em uma lógica que a defende como dimensão imutável,
a-histórica e binária, uma vez que se ampara em uma concepção
essencialista sobre identidades sexuais sustentadas estritamente por
princípios biológicos. Essa visão sustenta o “processo de
heteronormatividade, ou seja, à produção e à reiteração compulsória
da norma heterossexual”, a qual afirma que todas as pessoas são ou
pelo menos deveriam ser cisgêneras e heterossexuais (LOURO, 2009,
p. 90). Dessa forma, o padrão heteronormativo impõe modelos
socioculturais de sexualidade baseados no masculino e no feminino (o
binarismo), que passam a se performatizar segundo estes dois valores,
sendo reproduzidos em padrões que permeiam práticas, linguagens e
comportamentos humanos, relações econômicas e políticas, processo
de construção histórica que passa a ser absorvido como normalidade
(BENTO, 2011). Consequentemente, todas as pessoas que fogem à
heteronormatividade são colocadas à margem da sociedade e, assim
sendo, vivenciam dificuldades de convivência e são impossibilitadas de
utilizar de modo pleno os serviços prestados pelas áreas da saúde,
educação, etc., uma vez que as diversas instituições presentes na
sociedade reproduzem os valores heteronormativos que permeiam o
universo em que estão inseridas, inclusive, a escola (LOURO, 2009).
Elaborado segundo os pressupostos da heteronormatividade,
o espaço escolar acaba por se configurar enquanto local violento à
diversidade sexual (POCAHY; DORNELLES, 2010) e terreno
fertilíssimo à disseminação e à reprodução de padrões
heteronormativos (BENTO, 2011). Por este ângulo, a sexualidade das
crianças e dos adolescentes é percebida e trabalhada nas instituições
escolares a partir do controle e da prevenção, enfatizando o corpo
biológico em detrimento de outros elementos constituintes da
sexualidade (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004). Desta maneira,
a escola busca
532 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

orientar e/ou enquadrar os alunos numa única visão – a higienista


– que reduz o corpo aos conceitos de assepsia, controle e
prevenção, delegando a um único professor, o de ciências, o que
consideram o “saber competente”. Em muitos casos, por tal
orientação, o estudo do corpo é delegado ao campo da biologia,
sendo que os professores das demais áreas se eximem de
quaisquer responsabilidades no que concerne à educação sexual
dos alunos ainda que essa, subliminarmente, se realize por
comentários, observações e até por silêncios quando situações
consideradas sexualizadas ocorrem ou preconceitos se
materializam em brincadeiras e por outras expressões (CASTRO;
ABRAMOVAY; SILVA, 2004, p. 38-39) (Grifos nossos).

Neste cenário, a literatura aponta que muitos professores não


percebem que, mesmo de modo não intencional, trabalham com
temáticas relativas à sexualidade de maneira a reforçar pressupostos
heteronormativos. Segundo Madureira e Branco (2015), quando a
comunidade escolar identifica um aluno ou uma aluna que
transgrida o padrão heterossexual, são acionados mecanismos de
normatização que buscam minimizar e/ou eliminar os
“desconfortos” que tal situação gera. Tais mecanismos de
normatização se expressam, muitas vezes, na forma de
discriminações que variam de “brincadeiras” a agressões físicas.
Bento (2011) aponta que os relatos de discriminações sofridas
pelos transgressores dos padrões heteronormativos não são
acompanhados por narrativas de trabalhos realizados por
professores e/ou pela comunidade escolar que discutam a
sexualidade para além do viés biológico ou ainda que tratem do
respeito à diversidade, mas por práticas de silenciamento que,
dentre outros aspectos, configuram-se também como um
mecanismo normatizador. Ainda segundo a autora, a discriminação
reiterada sofrida pelos transgressores da heteronormatividade pode
levá-los a interromper os estudos e, quando isso ocorre, a escola vê
essa situação como algo inevitável.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 533

A interrupção dos estudos devido à homofobia se encontra


mascarada, dentre os dados escolares, sob a denominação de evasão,
o que faz com que não existam indicadores capazes de medir a
violência sofrida por aqueles que não se enquadram nos padrões
heteronormativos. Por este ângulo, a configuração heteronormativa
em que a escola se edifica acaba por acentuar muitas práticas
preconceituosas que dificultam a vivência dos estudantes que não se
entendem enquanto heterossexuais, compondo um cenário
insustentável de violência gerando a exclusão deles, processo que é
incorretamente denominado por muitos como evasão (BENTO, 2011).
Apesar desse caminho perverso que historicamente a escola
tem seguido frente à sexualidade, outra perspectiva que começou a
se firmar a partir da promulgação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) no ano de 1996, principalmente com a publicação
do Tema Transversal Orientação Sexual. De acordo com as
orientações deste documento oficial, a sexualidade não deve
permanecer restrita ao âmbito das Ciências ou da Biologia, mas
todos os componentes curriculares “se comprometeriam com a
educação sexual na escola, atentos às manifestações expressas nas
falas e nos comportamentos dos alunos” (CASTRO; ABRAMOVAY;
SILVA, 2004, p. 40).
A despeito desse avanço, ainda se fazem necessários
investimentos para que essa perspectiva transversal do trabalho
com a sexualidade esteja difundida em todas as escolas. Nesta
perspectiva, é desejável o oferecimento de formação aos docentes
para que adquiram instrumentos para trabalhar com temas
relativos à sexualidade a partir de contextos amplos que, dentre
outros aspectos, favorecerão a criação de vínculos interpessoais
entre professores e alunos, o relacionamento entre conteúdos e o
cotidiano dos estudantes e o estabelecimento de parcerias entre a
escola, a família e a comunidade do entorno escolar (CASTRO;
ABRAMOVAY; SILVA, 2004).
534 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Percurso metodológico

Em concordância com o paradigma qualitativo que orientou


este trabalho, adotamos enquanto procedimento metodológico a
análise documental. Documentos, além de conterem informações
relativas ao comportamento humano, constituem dispositivos
comunicacionais saturados pela realidade histórica e social no
contexto de sua produção e se voltam para objetivos específicos.
Cabe destacar que documentos representam uma fonte natural e
segura de dados, que se mantêm ao longo do tempo e permitem sua
consulta por diversos pesquisadores. Nesta perspectiva, dados
oriundos de documentos possibilitam ainda a indicação de
problemáticas subjacentes que poderão ser exploradas em estudos
posteriores com a complementação, ou não, de outros
procedimentos metodológicos para a coleta de dados (FLICK, 2009).
O acervo de materiais analisados por esta investigação
compreende dois documentos oficiais do Estado de São Paulo
publicados no ano de 2018. O primeiro documento, intitulado
“Diálogos e práticas restaurativas na escola: Guia prático para
educadores” (NUNES, 2018) e produzido pelo Ministério Público do
Estado de São Paulo, corresponde a um guia voltado a comunidade
escolar, especificamente professores, coordenadores e gestores, no
qual são salientadas as vantagens da adoção de práticas
restaurativas para a resolução de conflitos no ambiente escolar,
além de indicações de atividades para o desenvolvimento e o
estabelecimento de comunicação não violenta e valorização da
cultura de paz. O segundo documento, por sua vez, refere-se à
Resolução SE 8, de 31 de janeiro de 2018 (SÃO PAULO, 2018), que
dispõe sobre o Projeto Mediação Escolar e Comunitária, enfatizando
o processo de escolha de professores mediadores na rede estadual
de ensino público paulista, bem como as atribuições desses docentes.
Justificamos nossa escolha pelos referidos documentos, pois,
em pesquisa ampla desenvolvida pelos presentes autores, ambos os
materiais foram indicados por uma Diretoria Regional de Ensino
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 535

(DRE) do interior do Estado de São Paulo como componentes de um


acervo documental utilizado por pastas referentes à diversidade,
mediação escolar e escola da família. Dessa forma, os materiais
passíveis de análise figuram dentre documentos orientadores para
a elaboração de processos formativos da docência no que concerne
à diversidade, em caráter mais amplo, e à sexualidade.
Ambos os documentos foram analisados em sua completude
e, a partir de sua leitura, buscou-se depreender, à luz da literatura
sobre sexualidade e gênero no ambiente escolar, os seguintes
elementos: a) possíveis concepções de sexualidade e gênero
mobilizados pelos referidos documentos oficiais; b) possíveis
relações entre sexualidade e gênero e conflitos no ambiente escolar;
c) possibilidades dos referidos documentos, com ênfase nos
“Diálogos e práticas restaurativas na escola”, subsidiarem a atuação
docente no que se refere à temática diversidade sexual e de gênero.

Resultados e discussão

Os documentos, sobremaneira o “Diálogos e práticas


restaurativas na escola”, possuem propostas interessantes sobre a
resolução de conflitos nas escolas como: a adoção de práticas
restaurativas ao invés de punitivas diante de problemas
identificados no ambiente escolar, o envolvimento e a cooperação
entre escola e comunidade e a parceria do setor educacional com
outros departamentos e/ou órgãos públicos de proteção à criança e
ao adolescente. Cabe salientar que o documento “Diálogos e práticas
restaurativas na escola” apresenta, inclusive, atividades e práticas
em seu corpo de texto ou em anexos sobre como os educadores
podem lidar com os conflitos no ambiente escolar.
Entretanto, há elementos que nos chamam a atenção quando
consideramos o público ao qual são destinados tais elementos e o
referencial teórico que orientou o nosso olhar sobre tais documentos.
O primeiro aspecto a ser considerado se refere ao fato de o documento
orientador ser elaborado por um Promotor de Justiça do Estado de São
536 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Paulo, Dr. Antônio Carlos Ozório Nunes, sem quaisquer colaborações


de professores, coordenadores, gestores e/ou pesquisadores da
Educação. Por este ângulo, o texto, embora direcionado a educadores,
apresenta uma percepção limitada sobre a realidade escolar, mesmo
com anseios positivos e colaborativos, pois ao considerarmos a rede
estadual paulista de ensino público, constatamos a existência de
múltiplas realidades, sejam relativas à infraestrutura escolar, sejam
referentes à diversidade de públicos que constituem as escolas
estaduais do Estado de São Paulo.
Neste contexto, ao considerarmos diretrizes amplas
preconizadas pelos “Diálogos e práticas restaurativas nas escolas”
para a resolução de conflitos no ambiente escolar, constatamos que
a generalidade pela qual o documento trata conceitos como, por
exemplo, diversidade, diferença e tolerância, poderá redundar em
abordagens heteronormativas em resposta a conflitos vinculados à
diversidade sexual e de gênero.
Quanto à utilização do termo diversidade, chama-nos a atenção
o modo como Nunes (2018, p.12) o associa com a contemporaneidade
e a instabilidade durante a apresentação das cinco políticas
descentralizadoras que, segundo o autor, contribuem para a
instauração da comunicação assertiva e de práticas restaurativas:

I buscar entender as razões dos problemas e, a partir daí, ter um


diagnóstico do cenário e saber como atuar para transformá-lo;
II ampliar o espectro do conhecimento tanto para aprender, como
para buscar a solução de problemas;
III aprender a lidar com os cenários de contínuas mudanças,
incertezas, diversidades e instabilidades, características da época
atual, em todos os contextos humanos;
IV criar e cultivar variáveis de intervenção que aumentem as
opções de agir e as potenciais soluções;
V criar ou aproveitar os processos de auto-organização, que
incluam o fortalecimento de parcerias locais e a construção de
redes comunitárias para a solução de problemas (Grifos nossos).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 537

A argumentação expressa nos “Diálogos e práticas


restaurativas nas escolas” abre possibilidades interpretativas que
poderão levar o educador a compreender que não havia diversidade
no passado. Tal fato, no contexto da diversidade sexual e de gênero,
vai de encontro aos apontamentos da literatura pertinente,
sobremaneira quando consideramos a evasão/expulsão de alunos e
alunas que não se enquadram no modelo heteronormativo (BENTO,
2011). Cabe ressaltar ainda que ao associar os conceitos diversidade
e instabilidade, o documento analisado pode cristalizar ideários
negativos que o educador possua sobre a questão. Por este ângulo,
elementos que estão no bojo do conceito diversidade (etnia, gênero,
sexualidade, cultura, etc.) poderão ser compreendidos enquanto
ameaças à estabilidade desejada/vivenciada. Entendimento este que
sustenta conflitos relacionados à padronização heteronormativa e é
mobilizado por aqueles que se contrapõem a existência da
diversidade sexual e de gênero.
No que se refere ao conceito diferença, sua utilização ocorre
sem problematizações por parte do autor, como podemos observar
no excerto que segue em que Nunes (2018, p. 48) apresenta algumas
características para a condução de diálogos por parte do educador:

dificuldade que a outra pessoa está passando ou sofrendo. A


empatia se estabelece entre pessoas que se veem, se aceitam e se
respeitam como seres humanos, com todas as suas diferenças.

Ou ainda, quando o autor caracteriza os círculos restaurativos:

O círculo é uma importante forma geométrica para reuniões


pedagógicas, para atividades escolares em geral e para a solução de
conflitos. O círculo estabelece conexão profunda entre as pessoas;
explora as diferenças, ao invés de eliminá-las, e constitui um espaço
de construção coletiva do saber e de análise da realidade social, pois
permite a reflexão conjunta, o confronto de ideias e o intercâmbio de
experiências entre os participantes (NUNES, 2018, p. 67).
538 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Ao não problematizar o conceito diferença, os “Diálogos e


práticas restaurativas nas escolas” deixam em aberto às questões
sobre o que é diferença e a partir de qual referência esta é situada.
Julgamos necessária tal problematização, pois as compreensões
elaboradas pelo educador poderão redundar em um etnocentrismo
que coloca determinados valores como referenciais e,
consequentemente, outros valores poderão ser considerados como
diferentes de certa normalidade. Silva (2013) nos adverte que
processos de afirmação produzem também a negação da diferença,
problema que poderia ser trabalhado, segundo o autor, em uma
inversão desta tratativa. Nesta lógica, a diferença deveria ser
abordada como algo anterior à produção de identidades, de modo
que ocorram problematizações que levem a questionamentos sobre
o que é diferença e o que e/ou quem a determina (SILVA, 2013).
O termo tolerância, por seu turno, também é mobilizado pelo
documento analisado sem aprofundamentos e comumente expresso
ao lado de valores considerados como desejáveis para o
desenvolvimento de práticas restaurativas.

Muitos desses valores vão refletir nas relações de convivência da


escola, propriciando oportunidades de interação e reflexão sobre eles,
permitindo o desenvolvimento integral de todos. Exemplos de alguns
desses valores: justiça, igualdade, diálogo, generosidade, altruísmo,
tolerância, cidadania, entre outros (NUNES, 2018, p. 72).

Consideramos imprescindível que documentos voltados a


educadores apresentem definições e problematizações de conceitos
que expressam valores, pois definições em verbetes de dicionários
como, por exemplo, o presente no endereço eletrônico
<https://www.dicio.com.br/tolerancia/> apresentam tolerância
como “ação de tolerar, de aceitar ou suportar, com indulgência;
clemência”. Caso o conceito de tolerância seja compreendido por este
viés, práticas ou atividades que visem à desconstrução de preconceitos
e descriminações poderão resultar em olhares indulgentes aos alunos
e às alunas que não se enquadram nos padrões heteronormativos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 539

Nesse sentido, Bento (2011) e Madureira e Branco (2015) nos advertem


que este modelo de tolerância indulgente assentado em uma matriz
heteronormativa leva a comunidade escolar a não perceber que os
mecanismos de normatização, simbólicos e/ou físicos, poderão
dificultar a permanência do estudante ou da estudante na escola,
culminando na sua evasão/expulsão.
Por seu turno, ao analisarmos os “Diálogos e práticas
restaurativas nas escolas” a partir de um olhar mais específico,
buscando dentre suas orientações subsídios que auxiliem os
educadores na resolução de conflitos relacionados à diversidade
sexual e de gênero, constatamos um silenciamento de tais questões
no referido documento. Referências aos conceitos sexualidade,
diversidade sexual e gênero não figuram no documento analisado,
seja de maneira explícita ou implícita. Tal silenciamento se revela
preocupante, visto que a literatura pertinente caracteriza o espaço
escolar como um ambiente violento em relação à diversidade sexual
e de gênero (POCAHY; DORNELLES, 2010). Desse modo, o
silenciamento poderá ecoar nos conceitos de diversidade, diferença
e tolerância, cristalizando os padrões heteronormativos no ambiente
escolar que, dentre outros aspectos, poderá disseminar atitudes
e/ou práticas que culminaram em processos de exclusão de alunos
e alunas que fujam à heteronormatividade (BENTO, 2011).
Esta situação se mantém quando voltamos o olhar para a
Resolução SE 8, de janeiro de 2018 (SÃO PAULO, 2018). O
documento que dispõem sobre o processo de escolha do professor
mediador e de suas atribuições não traz em seu texto menções à
diversidade e à tolerância e o conceito diferença é empregado de
modo genérico em seu Artigo 3º:

Artigo 3º - Constituem características e habilidades dos


responsáveis pela implementação das ações de mediação do
referido Projeto:
I - reconhecer-se, em sua atuação profissional, como protagonista
e agente transformador;
540 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

II - colocar-se no lugar do outro, sabendo ouvir e observar as


perspectivas, os valores e as formas de pensar e agir;
III - ser articulado e estabelecer diálogos com todos, comunicando-
se com objetividade, coerência e coesão;
IV - identificar o quanto a relação dos aspectos sociais, culturais e
econômicos da comunidade afeta o desenvolvimento do processo
educacional;
V - aprimorar sua capacidade de aprender a aprender, de criar, de
transformar e de inovar;
VI - compreender as características da sociedade como um todo,
identificando sua composição heterogênica e plural, bem como
respeitando as diferenças (SÃO PAULO, 2018).

Em contexto mais específico, menções aos termos sexualidade e


gênero também se mostram ausentes no referido documento, de modo
que as considerações tecidas para os “Diálogos e práticas restaurativas
nas escolas” também são atinentes a este documento estadual.
Porém, faz-se necessário destacar os incisos I e IV do Artigo
4º da Resolução SE 8, de janeiro de 2018 (SÃO PAULO, 2018):

Artigo 4º - Caberá aos responsáveis pela implementação das ações


de mediação:
I - atuar de forma proativa, preventiva e mediadora
desenvolvendo, diante de conflitos no cotidiano escolar, práticas
colaborativas e restaurativas de cultura de paz;
(...)
VI - planejar e organizar assembleias escolares sistemáticas para
resolução dos conflitos coletivos; (SÃO PAULO, 2018).

Os incisos citados apregoam que caberá ao professor


mediador identificar situações de conflito e planejar atividades para
sua resolução, porém a da Resolução SE 8, de janeiro de 2018 (SÃO
PAULO, 2018), é deficitária na conceituação de conflito, imputando
ao professor mediador sua interpretação. Ao considerarmos os
“Diálogos e práticas restaurativas nas escolas”, documento que se
constitui enquanto orientador para o trabalho de mediação escolar,
verificamos que a caracterização do conceito conflito também se
apresenta ausente. Assim sendo, Nunes (2018) demarca, ao longo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 541

do documento analisado, que o conflito é inerente ao convívio


humano, que se faz presente nas instituições escolares, que sua
resolução é necessária para o estabelecimento de uma cultura de
paz, mas indetermina o que é um conflito.
No âmbito da diversidade sexual e de gênero, e também no
contexto mais amplo da diversidade, a caracterização de situações
consideradas como conflito é imprescindível. Segundo Bento (2011),
o ambiente escolar é marcado pelo heteroterrorismo, caracterizando
aqueles que fogem aos padrões impostos como abjetos e poluentes
e, consequentemente, naturalizando processos de normatização que
poderão ferir, simbólica e fisicamente, os sujeitos. Por esta lógica, a
heteronormatividade poderá impedir a visualização de conflitos
relativos à diversidade sexual e de gênero, o que poderá ocasionar
que tais problemas não sejam vistos como importantes ou passíveis
de interferência.
Esta situação mostra-se preocupante quando consideramos
os incisos I a IV do Art. 6º que estabelecem a ordem de prioridade
para escolha do professor mediador e o § 7º do Art. 7º que
preconizam:

(...) I - docente readaptado, verificada a compatibilidade de seu rol


de atribuições estabelecido pela Comissão de Assuntos de
Assistência à Saúde- CAAS;
II - docente titular de cargo, na situação de adido, cumprindo horas
de permanência na composição da jornada de trabalho;
III - docente ocupante de função-atividade, que esteja cumprindo
horas de permanência correspondente à carga horária mínima de
12 (doze) horas semanais;
IV - docente com aulas regulares atribuídas, cuja carga horária
total possa ser completada na conformidade da legislação
pertinente.
(...)§ 7º - Os responsáveis pela Gestão Regional do Sistema de
Proteção Escolar, acompanhados por integrante da Comissão de
Atribuição de Classes e Aulas e, ouvida a equipe gestora da escola
observado o disposto no caput do artigo 6º desta resolução,
elaborarão, critérios próprios para avaliação e classificação dos
docentes inscritos, para credenciamento reserva em nível de
542 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

diretoria de ensino, na conformidade dos requisitos dispostos


nesta resolução. (SÃO PAULO, 2018) (Grifos nossos).

Observada a ausência de diretrizes para o estabelecimento de


critérios para a escolha de professores mediadores, somos levados a
crer que tal função poderá se configurar, em pequena ou grande
escala, enquanto elemento para a ampliação de horas/aula de
docentes da rede estadual de ensino de São Paulo. Acrescido a este
fato, as características observadas nos documentos analisados,
sobremaneira nos “Diálogos e práticas restaurativas nas escolas”,
apontam para a inexistência de subsídios para a mediação de
conflitos vinculados à diversidade sexual e de gênero. A literatura
pertinente aponta que esta temática é abordada, muitas vezes, de
maneira errônea a partir de visões biologizantes e atitudes que
reforçam padrões heteronormativos, mesmo que esta não seja a
verdadeira intenção do docente (MADUREIRA; BRANCO, 2015;
BENTO, 2011). Nesta perspectiva, a ausência de subsídios para o
trabalho com a resolução de conflitos no contexto da diversidade
sexual e de gênero poderá contribuir para a manutenção de práticas
heteroterroristas no ambiente escolar.

Considerações finais

Ao identificarmos os documentos oficiais “Diálogos e práticas


restaurativas na escola: Guia prático para educadores” e Resolução SE
8, de 31 de janeiro de 2018, como norteadores para a elaboração de
processos formativos da docência no que concerne à diversidade e
sexualidade, nos propusemos a analisar em que medida tais materiais
poderiam subsidiar o trabalho docente relativo a essa temática.
Observamos que os “Diálogos e práticas restaurativas nas
escolas” se silenciam frente às resoluções de conflitos relacionados à
diversidade sexual e de gênero. Além disso, há defasagens de
conceituações e esclarecimentos de conceitos-chave para o trabalho
com o grande tema diversidade como, por exemplo, diferença,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 543

tolerância, conflito e o próprio conceito de diversidade. Essa


defasagem pode dificultar o trabalho frente a situações
(“problemáticas”) relativas à diversidade sexual no ambiente escolar,
pois a configuração do documento citado pode favorecer a
naturalização de processos de normatização que poderão ferir,
simbólica e fisicamente, os sujeitos que não são enquadrados nos
padrões heteronormativos. Cabe também destacar que a ausência de
uma definição para o termo conflito, em ambos os documentos,
interfere, sobremaneira, na compreensão de conflitos passíveis de
mediação e de que maneira se realizaria a atuação do professor
mediador frente a estudantes e/ou a comunidade escolar no que tange
à resolução de conflitos proposta pelos documentos analisados.
Contudo, a abordagem da diversidade sexual e de gênero se
torna problemática, pois, segundo a literatura, este tema é
comumente negligenciado no ambiente escolar e, considerando os
documentos analisados por esta investigação, os processos de
normatização continuarão a ser naturalizados. Ao não se identificar
situações de violência contra a diversidade sexual e de gênero, física
e/ou simbólica, conflitos passíveis de mediação não serão “vistos” e,
consequentemente, serão disseminadas atitudes que culminarão em
processos de exclusão/expulsão de alunos e alunas que fujam aos
padrões heteronormativos. Por este ângulo, constatamos ainda um
problema basilar no tratamento de situações “problemáticas”
relativas à diversidade sexual e de gênero, pois, ao situá-las na
dimensão do conflito, ocorre sua institucionalização e judicialização.

Referências

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feministas, Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 548-559, 2011.

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36

Diversidade sexual e de gênero e


base nacional comum curricular:
caracterizações e proposições

Caio Samuel Franciscati da Silva


Ana Paula Leivar Brancaleoni
Rosemary Rodrigues de Oliveira

Introdução

A sexualidade humana se apresenta como um conceito


plástico, abarcando um grande número de temáticas, e sua definição
é permeada por contextos históricos e sociais. Por este ângulo,
compreendemos a sexualidade enquanto uma das dimensões
humanas que envolve o gênero, a identidade e a orientação afetivo-
sexual, o erotismo, o prazer e a reprodução. É experimentada e
expressa pelos sujeitos por meio de pensamentos, fantasias, desejos,
valores, atitudes e relacionamentos, tanto no plano individual como
no coletivo (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004).
Este entendimento amplo nos permite advogar que o
ambiente escolar é permeado pela sexualidade e, assim sendo, deve
favorecer, além da prevenção, a reflexão sobre suas várias
dimensões, de modo a impedir quaisquer violências motivadas por
questões de desrespeito à diversidade (CASTRO; ABRAMOVAY;
SILVA, 2004). Todavia, a literatura aponta que as instituições
escolares mantêm relações de negação da sexualidade, impedindo-a
de adentrar em seus muros. Nesta perspectiva, a educação sexual
ocorreu (e ainda ocorre) a partir de abordagens médico-higienistas
546 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que visam controlar a conduta sexual de seus atores (SILVA, 2004;


ALTMANN, 2006; 2013).
No que tange às políticas públicas voltadas à diversidade
sexual e de gênero na escola, observamos avanços e retrocessos em
diretrizes voltadas à educação. Destas diretrizes, cabe destacar os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), especificamente o
documento Tema Transversal Orientação Sexual, promulgados no
ano de 1996. Apesar das problemáticas apontadas pela literatura
(tratamento da sexualidade a partir de uma perspectiva médico-
biológica e superficiliadade das questões de gênero), o documento
oficial pode ser compreendido como diretriz que legitima a
abordagem da sexualidade e do gênero na escola (VIANNA;
UNBEHAUM, 2004; LEÃO; RIBEIRO, 2012; VIANNA, 2012; ABREU;
SANTOS, 2015).
Recentemente, observamos na história de nosso país novas
discussões sobre os enlaces e entraves entre diversidade sexual e de
gênero e escola com a promulgação da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) para a educação infantil e ensino fundamental
no ano de 2017. Este documento oficial se apresenta como sucessor
aos PCN cuja elaboração e promulgação foram acompanhadas por
manchetes como, por exemplo, “Base Curricular inclui temas como
gênero e sexualidade em área de ensino religioso”
(https://educacao.estadao.com.br), “Governo Temer esvazia gênero
na base curricular e mistura tema com religião”
(https://www1.folha.uol.com.br) ou “MEC retira termo ‘orientação
sexual’ da versão final da Base Curricular”
(http://agenciabrasil.ebc.com.br). Em face de tal cenário, cabe-nos
indagar: Quais concepções de diversidade sexual e de gênero são
expressas pela BNCC? Quais subsídios tal documento oficial oferece
aos docentes para o trabalho com tais temáticas no ambiente
escolar? Quais as potencialidades e/ou deficiências da BNCC no
tratamento da sexualidade e do gênero?
Contudo, a presente investigação objetivou verificar as
possíveis concepções de diversidade sexual e de gênero presentes na
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 547

Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017), bem


como analisar em que medida o documento oficial poderá subsidiar
o trabalho docente no que se refere a atuações relativas à temática
diversidade sexual e de gênero.

Fundamentação teórica

Embora a sexualidade permeie os muros escolares mediante


as várias relações que se estabelecem entre os sujeitos que compõem
a comunidade escolar, seu entrelaçamento com a educação ocorre,
em nosso país, de modo sistematizado e enquanto política pública a
partir das décadas de 1920 e 1930. Nesse período, o Brasil enfrentava
uma epidemia de sífilis e coube às instituições escolares, por meio
da educação sexual, contribuir para o enfrentamento deste
problema de saúde pública. As práticas educativas possuíam uma
perspectiva médico-higienistas sobre a sexualidade que, dentre
outros aspectos, preconizavam que a veiculação de informações
sobre anatomia e fisiologia dos sistemas reprodutivos humanos
contribuiria com mudanças na conduta sexual dos indivíduos
(CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004; ALTMANN, 2006, 2013;
ABREU; SANTOS, 2015).
Nas décadas subsequentes, sobretudo entre os anos de 1960 e
1980, observamos avanços e retrocessos na educação sexual
desenvolvida pelas escolas. Estes movimentos ocorreram dado,
sobremaneira, ao contexto político-ditatorial vivenciado em nosso
país, à (des)responsabilização familiar na promoção da educação
sexual de crianças e adolescentes e às intervenções de
grupos/setores religiosos/ conservadores da sociedade que
apregoavam que a educação sexual não figurava dentre as funções
sociais da escola (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004; ALTMANN,
2006; 2013; ABREU; SANTOS, 2015).
Em decorrência desta dinâmica, o final da década de 1980 e
início dos anos de 1990 são marcados por experiências isoladas a
partir de diretrizes educacionais de caráter amplo no que se refere à
548 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

abordagem da sexualidade no ambiente escolar. Embora esparsas,


tais experiências guardavam semelhanças quanto a conteúdos e
abordagens, destacando-se a prevenção as Infeções Sexualmente
Transmissíveis (IST) e a gravidez precoce, sendo tais temáticas
tratadas, na maioria dos casos, segundo uma perspectiva biológica e
médica (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004; ALTMANN, 2006;
2013; ABREU; SANTOS, 2015).
A partir da segunda metade da década de 1990, observamos
que as práticas educativas referentes à sexualidade e ao gênero
adquirem nova tônica com a promulgação, no ano de 1996, dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), com ênfase no volume
Tema Transversal Orientação Sexual. Resguardadas as discussões
sobre os contextos políticos (neoliberais) e educacionais que
permearam a promulgação dos PCN, a literatura aponta que as
pesquisas sobre este documento oficial se localizam em um
contínuo: um dos extremos indica de que os PCN representam uma
possibilidade de repensar práticas educativas e formular políticas
públicas sobre sexualidade e gênero; em outro extremo, verificamos
que os PCN são compreendidos como um instrumento que se volta
para o controle da saúde pública (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA,
2004; ALTMANN, 2006; 2013; ABREU; SANTOS, 2015).
Ao considerarmos as investigações que apontam para as
potencialidades dos PCN no que tange a educação sexual,
encontramos discursos que assinalam que este documento oficial
legitima a abordagem de temáticas relativas à sexualidade e ao
gênero no ambiente escolar. Tal fato apresenta-se como uma
inovação em termos de políticas públicas, pois oficializa a educação
sexual como uma competência escolar e resguarda a atuação de
docentes que desenvolvem atividades e/ou projetos sobre esta
temática. Conjuntamente, a educação sexual é compreendida como
um tema transversal, ou seja, um tema que atravessa todas as áreas
do conhecimento e cuja abordagem deve ocorrer pelos professores
dos diferentes componentes curriculares (LEÃO; RIBEIRO, 2012;
VIANNA, 2012).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 549

Todavia, tais inovações são problematizadas por Rocha (2011)


e Fernandes (2016) que, dentre outros elementos, sinalizam que os
PCN não possuem caráter obrigatório, colocando-se como uma
referência que poderá ou não ser seguida pelas instituições
escolares. Por esta lógica, os PCN configuram-se como um
documento marginal, isto é, como um documento que poderá ecoar
nas escolas de modo integral, parcial ou nulo. Os autores ressaltam
ainda que o caráter transversal preconizado pelos PCN pode
contribuir para a manutenção do trabalho da educação sexual no
âmbito das disciplinas de Ciências e Biologia, pois a transversalidade
expressa pelo documento se apresenta de maneira tênue, o que
permite aos docentes alegar que seus componentes curriculares não
oportunizam a abordagem de assuntos relativos à sexualidade e ao
gênero.
Cabe ainda evidenciar que os PCN são elaborados e
promulgados em um contexto histórico e social no qual nosso país
enfrentava uma epidemia de HIV / AIDS e era observado um
crescente índice de gravidez na adolescência. Este cenário remete à
compreensão da escola enquanto instituição social que promove e
dissemina informações que levariam os sujeitos a práticas de sexo
seguro (ABREU; SANTOS, 2015). Ao contrastarmos os blocos
temáticos presentes nos PCN Tema Transversal Orientação Sexual
(Corpo e Matriz para a Sexualidade; Relações de Gênero; Prevenção
às DST e Aids) com o contexto citado, verificamos forte ênfase no
trinômio corpo-saúde-doença, remetendo-nos à perspectiva
biológica e médica sobre a sexualidade (LEÃO; RIBEIRO, 2012;
VIANNA, 2012).
No que concerne às questões de gênero, observamos que sua
utilização pelos PCN ocorre, na maioria das ocasiões, a partir de uma
concepção biológica, isto é, gênero torna-se sinônimo de sexo. Ao
considerarmos tal sinonímia à luz das intenções que subjazem os
PCN, constatamos que há pouquíssimos subsídios para que
professores desenvolvam atividades e/ou projetos que levem
crianças e adolescentes a pensarem questões de gênero enquanto
550 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

constructos culturais e sociais passíveis de indagação e contestação


(VIANNA; UNBEHAUM, 2004; ABREU; SANTOS, 2015; PALMA et
al., 2015). Considerando as problemáticas que emergem dos PCN no
que se refere à diversidade sexual e de gênero, com ênfase em
processos de silenciamento do conceito gênero nos documentos
federais da educação, Palma et al. (2015, p. 737) afirmam que esta
abordagem dos PCN:

Pode ser entendida como uma estratégia de ação, que ao invés de


provocar um enfrentamento que poderá ser coibido por setores
conservadores da sociedade, apresenta uma proposta que
tangencia a temática, ainda considerada polêmica, para que possa
servir como um início de possibilidade de transformação social.

O entendimento expresso pelos autores leva-nos a crer que as


problemáticas apontadas pela literatura resultam de “concessões”
no campo da educação sexual que visariam futuros avanços quanto
ao debate sobre diversidade sexual e de gênero no ambiente escolar.
Esta interpretação, por sua vez, conduz-nos a hipóteses de futuros
que variam entre profundos retrocessos e avanços significativos na
área, fato que deve figurar como um dos principais itens da agenda
de pesquisas na área.

Percursos metodológicos

Em concordância com o paradigma qualitativo que orientou


este trabalho, adotamos enquanto procedimento metodológico a
análise documental. Documentos, além de conterem informações
relativas ao comportamento humano, constituem dispositivos
comunicacionais saturados pela realidade histórica e social de sua
produção e se voltam para objetivos específicos. Cabe destacar que
documentos representam uma fonte natural e segura de dados que
se mantêm ao longo do tempo e permite sua consulta por diversos
pesquisadores. Nesta perspectiva, dados oriundos de documentos
possibilitam a indicação de problemáticas subjacentes que poderão
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 551

ser exploradas em estudos posteriores com a complementação, ou


não, de outros procedimentos metodológicos (FLICK, 2009).
Para a realização desta investigação, a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) foi eleita como documento
passível de análise. Sua escolha justifica-se pelo fato deste
documento oficial se configurar como a mais recente iniciativa do
Ministério da Educação em regular o conjunto de aprendizagens
consideradas como necessários para a educação básica nacional.
Além de sua atualidade, a BNCC se apresenta, de acordo com
materiais disponíveis no endereço eletrônico
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>, como um documento
oficial normativo, opondo-se ao caráter orientador dos PCN.
Com vistas a compreender as concepções de sexualidade e
gênero que pautam a BNCC e em que medida esse documento oficial
subsidia a prática docente no que se refere a tal temática,
pesquisamos os termos “diversidade sexual”, “sexualidade”,
“direitos humanos”, “preconceito”, “direitos sexuais”, “direitos
reprodutivos”, “gênero”, “orientação sexual”, “educação sexual”,
“doenças sexualmente transmissíveis”, “infecções sexualmente
transmissíveis”, “gravidez”, “corpo biológico”, “corpo humano”,
“reprodução”, “saúde sexual”, “saúde reprodutiva” e “prazer”. Os
dados levantados foram analisados segundo a Análise Textual
Discursiva (MORAES, 2003; MOARES; GALIAZZI, 2006) que
corresponde a um processo de emersão de compreensões sobre o
material em análise por meio de uma sequência recursiva, a saber:
a unitarização (desconstrução textual do documento em análise), a
categorização (estabelecimento de relações entre as unidades
elaboradas à luz do referencial teórico adotado) e captação do novo
emergente (compreensões desenvolvidas ao longo da teorização).

4. Resultados e discussão

Ao considerarmos a BNCC à luz do referencial teórico que


orientou o presente estudo e dos pressupostos da Análise Textual
552 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Discursiva, três temáticas emergiram ao longo de nossa análise


documental, a saber: sexualidade estritamente biológica,
silenciamento das questões de gênero e generalidade dos direitos
humanos.
A primeira temática de análise, sexualidade estritamente
biológica, diz respeito às concepções de sexualidade expressas pela
BNCC e aos subsídios que o referido documento oferece aos
docentes. Tal temática se manifestou a partir da análise da utilização
dos termos “diversidade sexual”, “sexualidade”, “gênero”,
“orientação sexual”, “educação sexual”, “doenças sexualmente
transmissíveis”, “infecções sexualmente transmissíveis”, “gravidez”,
“corpo biológico”, “corpo humano”, “reprodução”, “saúde sexual”,
“saúde reprodutiva” e “prazer”, assim como suas omissões.
Ao considerarmos as alusões à temática sexualidade no
documento analisado, de maneira explícita e/ou implícita,
verificamos que estas se concentram na seção destinada às Ciências
da Natureza e são ausentes nas demais áreas do conhecimento. Além
de situar a sexualidade dentre as competências das Ciências da
Natureza para o ensino fundamental, o documento a associa a
conceitos vinculados à saúde e qualidade de vida.

Nos anos finais, são abordados também temas relacionados à


reprodução e à sexualidade humana, assuntos de grande interesse
e relevância social nessa faixa etária, assim como são relevantes,
também, o conhecimento das condições de saúde, saneamento
básico, da qualidade do ar e das condições nutricionais da
população brasileira.
Pretende-se que os estudantes, ao terminarem o Ensino
Fundamental, estejam aptos a compreender a organização e o
funcionamento de seu corpo, assim como interpretar as
modificações físicas e emocionais que acompanham a adolescência
e a reconhecer o impacto que elas podem ter na autoestima e na
segurança do seu próprio corpo. É também fundamental que
tenham condições de assumir o protagonismo na escolha de
posicionamentos que representem autocuidado com seu corpo e
respeito com o corpo do outro, na perspectiva do cuidado integral
à saúde física, mental, sexual e reprodutiva. Além disso, os
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 553

estudantes devem ser capazes de compreender o papel do Estado


e das políticas públicas (campanhas de vacinação, programas de
atendimento à saúde da família e da comunidade, investimento em
pesquisa, campanhas de esclarecimento sobre doenças e vetores,
entre outros) no desenvolvimento de condições propícias à saúde.
(BRASIL, 2017, p. 325).

Cabe salientar que, além desta delimitação curricular, a


abordagem da sexualidade é restrita ao contexto do oitavo ano do
ensino fundamental, figurando ao lado de conteúdos relativos a
mecanismos reprodutivos, puberdade, gravidez e Infecções
Sexualmente Transmissíveis (IST), como podemos verificar no
Quadro 1:

Quadro 1 – Habilidades relativas ao ensino-aprendizagem de Ciências para o 8°


ano do Ensino Fundamental segundo Unidade Temática Vida e evolução.
UNIDADE OBJETOS DE
HABILIDADES
TEMÁTICA CONHECIMENTO
(EF08CI07) Comparar diferentes processos
reprodutivos em plantas e animais em relação aos
mecanismos adaptativos e evolutivos.
(EF08CI08) Analisar e explicar as transformações que
ocorrem na puberdade considerando a atuação dos
hormônios sexuais e do sistema nervoso.
(EF08CI09) Comparar o modo de ação e a eficácia dos
Mecanismos diversos métodos contraceptivos e justificar a
Vida e reprodutivos necessidade de compartilhar a responsabilidade na
evolução escolha e na utilização do método mais adequado à
Sexualidade prevenção da gravidez precoce e indesejada e de
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST).
(EF08CI10) Identificar os principais sintomas, modos de
transmissão e tratamento de algumas DST (com ênfase
na AIDS), e discutir estratégias e métodos de prevenção.
(EF08CI11) Selecionar argumentos que evidenciem as
múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica,
sociocultural, afetiva e ética).
Fonte: Brasil (2017, p. 346-347).

Nesta perspectiva, a sexualidade é apresentada pela BNCC


somente em sua dimensão biológica, na qual são salientados
conteúdos vinculados à anatomia e fisiologia da reprodução
humana. Cabe destacar que ao apresentar o corpo biológico ao lado
554 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de conteúdos referentes às IST, o trabalho com tal temática em sala


de aula poderá reforçar o trinômio corpo-saúde-doença que, dentre
outros aspectos, traz em si pressupostos médico-higienistas. Por
este ângulo, a sexualidade adquire conotações de controle de
condutas sexuais com vistas a minimizar problemas de saúde
pública. Assim sendo, observamos que a BNCC se reveste das
mesmas problemáticas que Leão e Ribeiro (2012), Vianna (2012) e
Abreu e Santos (2015) destacaram nos PCN, fato que nos leva a crer
que discussões acerca da educação sexual não apresentaram
avanços entre os 20 anos que separam ambos os documentos
oficiais da educação básica.
Cabe ainda salientar que a 11ª habilidade a ser desenvolvida
no 8º ano do ensino fundamental no contexto da disciplina de
Ciências, “Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas
dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva
e ética)” (BRASIL, 2017, p. 346-347), apresenta fragilidades que
poderão levar ao seu desenvolvimento de modo falho. Ao
considerarmos o contexto de habilidades que a antecede,
verificamos que o documento oficial não subsidia o professor a
planejar sua atuação de modo a contemplar as múltiplas dimensões
da sexualidade, dado que a BNCC enfatiza apenas aspectos
biológicos. No que concerne à prática docente, Castro, Abramovay e
Silva (2004) indicam que, além de deficiências formativas, os
professores enfrentam dificuldades com trabalhos que envolvam a
sexualidade devido a crenças e valores que possuem.
Quanto à segunda temática de análise, silenciamento das
questões de gênero, sua manifestação ocorreu devido a não menção,
explícita e/ou implícita, do termo gênero ao longo da BNCC.
Enquanto Vianna e Unbehaum (2004), Abreu e Santos (2015) e
Palma et al. (2015) apontavam para o fato de os PCN abordarem
questões de gênero tão somente pelo viés biológico, de modo que
gênero e sexo eram tomados por sinônimos, a BNCC silencia
quaisquer discussões sobre esta temática, mesmo em ocasiões em
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 555

que o documento aborda a superação de preconceitos e


discriminações e a valorização dos direitos humanos.
Este fato se torna problemático ao considerarmos que a BNCC
orientará a elaboração de grades curriculares da educação básica em
todo o território nacional, pois a não abordagem do gênero no corpo
do documento abrirá precedentes para que esta temática não seja
incluída nos processos educativos. Vianna e Unbehaum (2004)
salientam que é desejável e necessária a menção do conceito gênero
em documentos oficiais voltados à educação e que sua omissão
camufla desigualdades sob a égide de modelos linguísticos.
Fernandes (2016), por sua vez, advoga que silenciamentos relativos
à diversidade sexual e de gênero em políticas públicas educacionais
inviabilizam o questionamento no ambiente escolar de dimensões
micro e macrossociais que reiteram a manutenção de desigualdades.
Finalmente, a terceira temática de análise, generalidade dos
direitos, refere-se às concepções de diversidade mobilizadas pela
BNCC, com ênfase na diversidade sexual e de gênero, e aos subsídios
que o referido documento oferece aos docentes. Esta categoria
emergiu a partir da utilização e/ou omissão dos termos “diversidade
sexual”, “direitos humanos”, “preconceito”, “direitos sexuais”,
“direitos reprodutivos”, “gênero” e “orientação sexual” ao longo do
documento analisado.
O conceito direitos humanos aparece ao longo de todas as
áreas do conhecimento, sendo sua promoção apresentada enquanto
competência geral de cada área do saber e componente curricular.
Embora exaustivamente empregado pela BNCC, o conceito direitos
humanos carece de conceituação, de maneira que sua utilização
genérica poderá resultar em compreensões simplistas sobre o
respeito à diversidade. Por este ângulo, a diversidade digna de
respeito guardará equivalências com a leitura de mundo que o
docente possui e, sendo assim, cabe-nos indagar: qual diversidade
deverá ser respeitada e em quais contextos sociais?
Esta abordagem genérica também é utilizada pela BNCC ao
mobilizar o conceito preconceito ao longo das competências
556 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

específicas das áreas do conhecimento, sendo comumente


empregada a expressão “sem preconceitos de qualquer natureza”.
Esta configuração se apresenta de modo diferenciado quando
consideramos as competências gerais para o componente curricular
Educação Física para o ensino fundamental, sobremaneira as
competências 4 e 5 que preconizam:

4. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde,


beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos
disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e
preconceituosas.
5. Identificar as formas de produção de preconceitos, compreender
seus efeitos e combater posicionamentos discriminatórios em
relação às práticas corporais e aos seus participantes (BRASIL,
2017, p. 221).

Em um primeiro momento, tais competências nos levam a


ponderar sobre possibilidades de os educadores físicos trabalharem
com o conceito diversidade ao longo de suas práticas, com ênfase
em diversidade de gênero. Por este ângulo, os docentes poderiam
oportunizar situações para (des)construções acerca dos corpos
feminino e masculino, bem como suas possibilidades e
potencialidades de expressão. Todavia, além de esbarramos em
problemáticas imanentes às deficiências formativas de professores
no que concerne à diversidade sexual e de gênero (CASTRO;
ABRAMOVAY; SILVA, 2004), a BNCC mobiliza o conceito
preconceito em três habilidades específicas para o componente
curricular Educação Física, circunscrevendo-o em contextos étnico-
culturais (3º ao 5º ano e 6º ao 7º ano) e geracionais (8º ao 9º ano),
como podemos observar no Quadro 2.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 557

Quadro 2 – Habilidades relativas ao ensino-aprendizagem de Educação Física


para o Ensino Fundamental.
3º AO 5º ANO – UNIDADE TEMÁTICA:

(EF35EF09) Experimentar, recriar e fruir danças populares do Brasil e do mundo


e danças de matriz indígena e africana, valorizando e respeitando os diferentes
sentidos e significados dessas danças em suas culturas de origem.
(EF35EF10) Comparar e identificar os elementos constitutivos comuns e diferentes
(ritmo, espaço, gestos) em danças populares do Brasil e do mundo e danças de
DANÇAS

matriz indígena e africana.


(EF35EF11) Formular e utilizar estratégias para a execução de elementos
constitutivos das danças populares do Brasil e do mundo, e das danças de matriz
indígena e africana.
(EF35EF12) Identificar situações de injustiça e preconceito geradas e/ou presentes
no contexto das danças e demais práticas corporais e discutir alternativas para
superá-las.

(EF67EF14) Experimentar, fruir e recriar diferentes lutas do Brasil, valorizando a


6º AO 7º ANO – UNIDADE

própria segurança e integridade física, bem como as dos demais.


TEMÁTICA: LUTAS

(EF67EF15) Planejar e utilizar estratégias básicas das lutas do Brasil, respeitando o


colega como oponente.
(EF67EF16) Identificar as características (códigos, rituais, elementos técnico-
táticos, indumentária, materiais, instalações, instituições) das lutas do Brasil.
(EF67EF17) Problematizar preconceitos e estereótipos relacionados ao universo
das lutas e demais práticas corporais, propondo alternativas para superá-los, com
base na solidariedade, na justiça, na equidade e no respeito.
8º AO 9º ANO – UNIDADE

(EF89EF12) Experimentar, fruir e recriar danças de salão, valorizando a


TEMÁTICA: DANÇAS

diversidade cultural e respeitando a tradição dessas culturas.


(EF89EF13) Planejar e utilizar estratégias para se apropriar dos elementos
constitutivos (ritmo, espaço, gestos) das danças de salão.
(EF89EF14) Discutir estereótipos e preconceitos relativos às danças de salão e
demais práticas corporais e propor alternativas para sua superação.
(EF89EF15) Analisar as características (ritmos, gestos, coreografias e músicas) das
danças de salão, bem como suas transformações históricas e os grupos de origem.

Fonte: Brasil, 2017. (Grifos nossos).

Sendo assim, observamos direcionamentos para o tratamento


do preconceito que, aliados à leitura de mundo que o educador físico
possui e as deficiências formativas apontadas pela literatura,
redundarão em práticas que desconsiderarão questões vinculadas à
diversidade de gênero. Cabe finalmente destacar que, ao discorrer
sobre o compromisso com a educação integral em sua introdução, a
BNCC emprega o conceito preconceito afirmando que seu ensino-
aprendizagem deve se fortalecer por meio de práticas coercitivas:
558 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Nesse contexto, a BNCC afirma, de maneira explícita, o seu


compromisso com a educação integral. Reconhece, assim, que a
Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento
humano global, o que implica compreender a complexidade e a não
linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões
reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual
(cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir uma
visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do
jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de
aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu
acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas
singularidades e diversidades. Além disso, a escola, como espaço
de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve se fortalecer na
prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito
às diferenças e diversidades (BRASIL, 2017, p. 14).

Neste contexto, o documento oficial levanta um paradoxo ao


articular preconceito e práticas repressivas e/ou punitivas para o
seu ensino-aprendizagem. Ao ponderar sobre tal afirmação à luz dos
apontamentos realizados pela literatura em diversidade sexual e de
gênero no ambiente escolar, somos levados a indagar: quem serão
os sujeitos-alvo de repressões e punições em situações em que o
diverso se encontra na escola?
Isto posto, advogamos que tal construção presente na BNCC
relativa ao preconceito se mostra tão ou mais temerária quanto o
silenciamento apontado para as questões de gênero. Em suma,
verificamos que a BNCC se apresenta refratária à diversidade sexual
e de gênero na escola, de modo que suas preconizações exibem
retrocessos na discussão de tal temática quando comparadas
àquelas presentes nos PCN.

Conclusões

Ao voltarmos o olhar para nossos objetivos, constatamos que a


BNCC exibe concepções médico-higienistas sobre a sexualidade,
limitando-a unicamente a sua dimensão biológica e a associando à
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 559

prevenção de IST e gravidez na adolescência. Por esta lógica, a BNCC


apresenta retrocessos quando comparada aos PCN, sobremaneira o
documento Tema Transversal Orientação Sexual, uma vez que seu
documento antecessor apregoava que questões referentes à
sexualidade deveriam ser trabalhadas por todos os componentes
curriculares. Sobre questões vinculadas à diversidade de gênero,
embora a literatura aponte para abordagens problemáticas desta
temática nos PCN, constatamos a ocorrência de silenciamentos no
documento oficial analisado por este estudo. Juntamente a ausência de
discussões sobre gênero, observamos ainda que a BNCC aborda os
conceitos direitos humanos e preconceito de maneira genérica, fato
que poderá intensificar os silenciamentos presentes no referido
documento.
Consideramos tais constatações problemáticas para avanços
nas discussões sobre diversidade sexual e de gênero no ambiente
escolar, visto que seu tratamento pela BNCC e a ausência de
subsídios aos docentes poderão redundar na marginalização da
sexualidade e do gênero na escola. Por este ângulo, e considerando
as deficiências formativas da docência apontadas pela literatura,
somos levados a crer que os tênues avanços possibilitados pelos PCN
poderão se esfacelar.
Isto posto, faz-se necessário que as pesquisas em diversidade
sexual e de gênero no ambiente escolar voltem seus esforços para
traçar panoramas sobre as repercussões da BNCC nas escolas de nosso
país. Nesta perspectiva, será preciso que as investigações esbocem
compreensões sobre a permeabilidade da BNCC na elaboração de
grades curriculares, na edição de livros didáticos, no planejamento e
na condução de atividades de ensino-aprendizagem, na oferta de
processos formativos à docência, etc., com vistas a indicar
possibilidades de transpor retrocessos que o documento oficial
apresenta.
560 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Referências

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37

Diversidade sexual e de gênero no ensino de


matemática e a Base Nacional Comum Curricular:
reflexões do agir comunicativo

Flavio Augusto Leite Taveira


Thais Paschoal Postingue
Deise Aparecida Peralta

Introdução

Assegurado pelo o artigo 205 da Constituição Federal


(BRASIL, 1988), a educação é um direito fundamental e básico que
deve ser compartilhado entre a sociedade e o Estado. Diante disso, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394, 1996), em seu
vigésimo sexto artigo estabelece que

Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do


ensino médio devem ter base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos educandos” (BRASIL, 1996, art. 26)

Logo, tendo suas discussões iniciadas em 2015, foi


apresentada pelo Ministério da Educação em abril de 2018 sob a
justificativa de se concretizar como um manuscrito guia na
elaboração das propostas pedagógicas nacionais, estaduais e
regionais, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que “é um
documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e
564 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem


desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica”.
(BRASIL, 2018a, p. 7), tem sido objeto de constante debate no campo
educacional brasileiro na atualidade, principalmente as vistas
daqueles pesquisadores que tem como foco de estudo as questões
curriculares. Contudo, só fora finalizada e apresentada a base para
os dois primeiros níveis de ensino, a saber: infantil e fundamental,
estando a parte referente ao ensino médio em discussão no Conselho
Nacional de Educação.
Por outro lado, os estudos relativos à diversidade,
principalmente a diversidade sexual e de gênero, têm apresentado
um avanço em termos qualitativos e quantitativos (BUTLER, 2008;
PRECIADO, 2014), principalmente no âmbito da educação (LOURO,
1997) por essa se constituir como principal meio de formação
humana. Acreditamos que, documentos norteadores, como é o caso
da Base Nacional Comum Curricular, deve (deveriam) defender e
nortear uma formação para as questões de diversidade sexual e de
gênero em todas as suas esferas e componentes curriculares, não
apenas se prestando ao “vago e benevolente apelo à tolerância e ao
respeito para com a diversidade e a diferença” (SILVA, 2000, p. 73).
Assim, pela relevância e importância do tema na formação
cidadã dos jovens, concebendo que a diversidade sexual e de gênero
é um fator constituinte das relações humanas, compreender que tal
temática deva estar inserida no ensino de matemática se faz
socialmente relevante e extremamente necessário, assim como
acreditam Souza e Fonseca (2010) ao refletirem sobre as interfaces
entre relações de gênero, discurso e educação matemática.
Tendo em vista o fato da BNCC para o ensino médio estar em
fase de apreciação e discussão, o presente exercício se faz relevante
por poder oferecer contribuições quanto a proposta de uma temática
relevante da formação na adolescência (15 – 17 anos),
principalmente nesta terceira etapa da Educação Básica no ensino
de matemática. Nosso objetivo, portanto, é analisar a proposta da
BNCC para o ensino médio em discussão, perseguindo os princípios
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 565

da Teoria do Agir Comunicativo de Habermas (2012), a fim de


compreender as marcas de formação para a diversidade sexual e de
gênero no ensino de matemática.

Referencial Teórico

Tendo sido considerado o herdeiro da Teoria Crítica da Escola


de Frankfurt, o filósofo e sociólogo alemão, respeitado pensador
contemporâneo, Jürgen Habermas buscou superar o pessimismo de
seus antecessores Adorno e Horkheimer, denominando que a
sociedade de forma geral se constituía em relações que estavam
baseadas em uma racionalidade instrumental, o que levaria ao
fracasso da modernidade concebida pelos ideais iluministas.
Superando esse paradigma, Habermas acreditava que as interações
humanas podiam ser linguisticamente mediadas por um outro tipo
de racionalidade – a razão comunicativa.
Segundo Habermas (2012), a ação instrumental constitui-se
de maneira a objetivar fragmentações, finalidades e coerção nas
relações humanas, ou seja, que numa inter-relação, um indivíduo
sempre quererá aproveitar-se e coagir de alguma forma outrem,
com um objetivo certo, alicerçada pela racionalidade instrumental
entendida por Adorno e Horkheimer.

A razão instrumental é reducionista, unidimensional, levando o


sujeito a desenvolver um tipo de procedimento em que o mundo
exterior é reduzido a um objeto que pode ser manipulado de
acordo com seu interesse. Isso determina um nível de ação
teleológica exclusivamente técnica, interesseira, em que
predomina a dominação do sujeito sobre o real; ao sujeito cabe
estabelecer os fins e eleger os meios de toda a ação. Nesse tipo de
ação, desaparece qualquer motivação valorativa e moral; a
preocupação não é a busca da verdade, mas o procedimento eficaz,
o poder de manipulação e a obtenção de resultados imediatos. O
saber confunde-se com poder, reduz-se ao poder. (MUHL, 1999,
p. 101)
566 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Ao compreender os pressupostos que constituem a


racionalidade instrumental, a priori podemos considerar que não há
forma de superação de tais pressupostos. Contudo, Habermas
(2012) acredita na interação social mediada pela linguagem,
alicerçada na racionalidade comunicativa, que visa a busca pelo
consenso e pelo entendimento entre os participantes da interação,
livres de qualquer assimetrias e coerção.
Para o filósofo, a racionalidade comunicativa constitui uma
base que se presta na mediação da interação, buscando formas com
que a interação se dê de forma clara, na busca de consensos pela
força do melhor argumento, sendo esse aceito pelos que interagem.
Segundo Habermas (2012a, p. 684, grifo do autor) “[...] a razão
comunicativa, diferentemente da razão instrumental, não se deixa
subsumir apaticamente por uma autopreservação obcecada. ”
Além de compreender as possíveis formas de interação,
Habermas também entende que para que as interações pautadas na
racionalidade comunicativa sejam possíveis, é necessário um espaço
ideal para tal. Diante disso, ele nos apresenta a Esfera Pública, um
espaço ideal para discussão pública mediada pela razão. Para
Habermas (2014), uma das principais tarefas da Esfera Pública é se
constituir como um mediador entre os interesses sociais e as
políticas do estado. Tal espaço seria então, o lugar ideal para que os
indivíduos se relacionassem comunicativamente em discussões
mediante razões em torno de determinado tema de interesse geral.
Nesse debate, toda a comunidade de interesse desses temas deve ser
convidada a participar, expressar opiniões, argumentar e contra
argumentar.

No interior da esfera pública politicamente ativa, os conflitos


podiam ser resolvidos sobre uma base de interesses relativamente
homogêneos, de acordo com formas relativamente razoáveis de
deliberação, e os conflitos podiam ser levados à decisão
parlamentar com a pretensão de racionalidade e continuidade no
interior de um sistema de leis abstratas e gerais somente porque a
grande massa de decisões materiais era mediada pelo mecanismo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 567

de mercado no interior de uma sociedade de trocas neutralizada


como esfera privada e parecia apolítica a princípio. (HABERMAS,
2014, p. 423)

No presente, não buscamos realizar articulações entre a obra


de Habermas e questões sobre diversidade sexual e de gênero. Nosso
foco está em aproveitar as condições teóricas que Habermas nos
oferece para discutir sobre alguma temática de interesse, em nosso
caso, sobre diversidade sexual e de gênero, por acreditarmos que tal
debate é necessário num campo ainda muito conservador, restrito e
fechado como é o campo da matemática pela via da educação
matemática.

Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa, se constitui, metodologicamente, em uma análise


documental qualitativa, por reunir manuscritos como a própria
proposta da BNCC e artigos relacionados a temática, acerca de um
levantamento bibliográfico, a partir de referências teóricas obtidas por
meios escritos e eletrônicos com o objetivo de recolher informações ou
conhecimentos sobre o problemática tratada (FONSECA, 2002, p. 32),
perseguindo os princípios que constituem o Agir Comunicativo de
Habermas (2012), desenvolvida em duas fases:
1ª Fase: Arguição e análise da documentação que o presente
toma como objeto – no nosso caso, sobre a diversidade sexual e de
gênero – proposta na BNCC para o ensino médio em matemática;
2ª Fase: Discussão das descrições/orientações encontradas na
BNCC relacionadas a formação em diversidade cultural e de gênero
pela via do Agir Comunicativo de Habermas.

Resultados

Entendemos que a BNCC é um documento normativo, e por


tal, pode ser compreendido como um currículo. Se constitui, como
568 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

um caminho à processos formativos na educação básica, exercendo


sobre todo o sistema de ensino uma grande influência no tocante as
questões, temas e objetos que devem ser debatidos, refletidos e
apreendidos pelos estudantes brasileiros desde o ensino infantil até
o terceiro ano do ensino médio.
O ensino de matemática, na educação de jovens, se constitui
numa grande carga horária devendo se prestar a oferecer um espaço
de diálogo com vistas à superação de certos preconceitos, como
podemos citar: a homofobia, a transfobia, a misoginia, dentre outras
intolerâncias sofridas pelas mulheres e pela comunidade LGBT+ em
nossa sociedade contemporânea. Mais que um papel puramente
científico, tal ação se constitui como um papel político, como uma
necessidade, tendo em vista as intolerâncias sofridas,
principalmente por questões relacionadas com a diversidade sexual
e de gênero.
Ao realizar o exercício de analisar o documento objeto do
presente, não encontramos marcas ou discursos que se
referenciassem a possibilidades de oferecer ao menos alguma
discussão sobre essa temática. Segundo Mühl (2009, p. 252) “A
expansão da racionalidade instrumental atinge, atualmente, todas
as instâncias da vida em todos os recantos do mundo. A educação
não foge desta sina, inclusive aqui no Brasil”.
Logo no texto introdutório na secção que compete à
matemática e suas tecnologias na BNCC, a proposta relata algumas
intenções quanto ao trato da matemática para o ensino médio,
apresentando que o ensino de matemática deve se portar “de modo
a possibilitar que os estudantes construam uma visão mais
integrada da Matemática, ainda na perspectiva de sua aplicação à
realidade” (BRASIL, 2018b, p. 517). Isso posto, percebemos como a
matemática é compreendida pela proposta, como uma ferramenta
que possibilita apenas utilizar de seus conhecimentos
(conhecimentos matemáticos) apenas para fins de obtenção prática,
ou seja, apenas para aplicações em nossa sociedade. No documento,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 569

a primeira competência relativa à matemática para o ensino médio


visa

Utilizar estratégias, conceitos e procedimentos matemáticos para


interpretar situações em diversos contextos, sejam atividades
cotidianas, sejam fatos das Ciências da Natureza e Humanas, ou
ainda questões econômicas ou tecnológicas, divulgados por
diferentes meios, de modo a consolidar uma formação científica
geral. (BRASIL, 2018b, p. 523)

Diante disso, entendemos que tal documento se encontra


estruturado por uma via instrumental por não colocar em debate ou
discussão, com vistas a formação, um tema tão relevante para a
formação da juventude como a diversidade sexual e de gênero, ao
ponto que o mesmo utiliza-se da matemática apenas para fins
econômicos, com objetivos certos, como concordam Cândido e
Gentilini (2017, p. 334) “muitas vezes, os interesses econômicos e
financeiros acabam por esconder os verdadeiros anseios da escola,
sufocando a autonomia de decisões e a elaboração de projetos”.
Considerar a matemática apenas como ferramenta utilizada na
obtenção de uma finalidade específica implica em não compreender
que tal se faz presente como meio de interação humana e assim
deveria ser entendida não apenas como algo a se tirar proveito, mas
sim como um lócus de mediação da interação humana,
compreendendo as diversas formas que a matemática se faz
presente na realidade o no cotidiano.
No que segue, a proposta ainda apresenta como competência

Articular conhecimentos matemáticos ao propor e/ou participar


de ações para investigar desafios do mundo contemporâneo e
tomar decisões éticas e socialmente responsáveis, com base na
análise de problemas de urgência social, como os voltados a
situações de saúde, sustentabilidade, das implicações da tecnologia
no mundo do trabalho, entre outros, recorrendo a conceitos,
procedimentos e linguagens próprios da Matemática. (BRASIL,
2018b, idem)
570 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Por mais que o documento intencione “...articular


conhecimentos matemáticos na tomada de decisões éticas e
socialmente responsáveis...”, em nenhum momento a proposta visa
englobar discussões que se tenham como temática à diversidade,
quiça à diversidade sexual e de gênero.
Podemos entender ainda que tal temática pode não se
encontrar nesse documento de forma proposital, tentando impedir
que discussões desse caráter sejam realizadas nas escolas,
especificamente em aulas de matemática. Tal intenção se apresenta
como um perpetuador da cultura machista, heteronormativa e
heterossexual imbricada nas relações sociais, como nos relatam, por
exemplo, Souza e Fonseca (2010) quanto as discussões relativas as
relações de gênero na educação matemática.
Por ser um tema de interesse geral e estar presente no
cotidiano da juventude, o fato das discussões sobre diversidade
sexual e de gênero não aparecem nos documentos analisados para o
ensino de matemática pode corroborar com a transmissão,
perpetuação e legitimação de discursos que corroboram com os
preconceitos e as fobias relacionadas à diversidade sexual e à
diversidade de gênero. Se não nos preocuparmos com as práticas de
ensino de matemática para que as mesmas cumpram seu papel
social de formação, continuaremos a reproduzir discursos
preconceituosos com relação ao gênero e à sexualidade de
indivíduos sociais que podem corroborar com práticas criminosas
de intolerância sexual e de gênero.

Conclusões

A título de considerações finais, reafirmamos aqui a pouca


relevância que a BNCC aborda sobre o tema formação para as
questões de diversidade sexual e de gênero no ensino de
matemática. Nos arriscamos a dizer que tal temática se faz
necessária, e mais, devemos almejar por uma Educação Matemática
que preza pela igualdade de direitos e a legitimidade da constituição
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 571

do indivíduo frente ao ensino de matemática que objetiva não fazer


distinções sobre nenhum indivíduo, não devendo se prestar a
corroborar com discursos preconceituosos e sim a combatê-los a fim
de exterminá-los, assumindo o compromisso de uma Educação
Matemática cada vez mais igualitária.
Já vemos alguns esforços para começar a romper as barreiras
entre a matemática no Brasil e as questões relativas a diversidade
sexual e de gênero, mais especificamente com as relações de gênero
na matemática com a publicação no manuscrito intitulado “A
matemática brasileira sob a perspectiva de gênero”, publicado pela
pesquisadora matemática Carolina Araújo, única mulher
pesquisadora no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada
(IMPA), localizado no Rio de Janeiro. A publicação de tal manuscrito
dá indícios da ânsia, da necessidade e da validade de discussões
desse caráter no campo da matemática, ao qual entendemos que se
faz ainda mais relevante quando voltamos atenções as práticas e
saberes que constituem a educação matemática.
Assim, observando tais esforços de pesquisadores que tratam
da temática diversidade sexual e de gênero e questões em educação,
acreditamos que trazer esses debates para a educação matemática
prevê a quebra de paradigmas, além de se fazer necessário enquanto
espaço formativo para a constituição do sujeito, que se constitui
também por saberes matemáticos em sua vida escolar.
A pouca literatura existente que tratem dessas questões no
âmbito da educação matemática pode vir a corroborar com a
inexistência dessas discussões em documentos norteadores. Deste
modo, cabe aqueles que defendem uma educação matemática cada
vez mais justa e igualitária, prover esforços, reflexões, debates e
discussões em torno do tema, trazendo contribuições das mais
diversas áreas, principalmente daqueles que se esforçam para
compreender as temáticas diversidade sexual e de gênero.
572 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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Tendências em Educação Matemática).
38

Educação ambiental escolar:


possibilidades para sua inclusão no currículo escolar

Marina Ferreira
Bianca Gonçalves de Sousa
Tatiana Noronha de Souza

Introdução

O Ensino de Educação Ambiental- EA é apresentado como


tema transversal ao currículo escolar, e tem como foco as interações
das pessoas com o meio ambiente. Visa reestabelecer as relações
com o ambiente natural e mostrar que estas fazem parte da
construção da identidade e cultura de uma população. Além disso,
trabalha a ideia de consumo consciente, de atuação direta nas
atitudes individuais e coletivas relacionadas ao cuidado e uso dos
recursos ambientais que estão ficando escassos, e necessitam de
medidas mitigadoras dos impactos (SAUVÉ, 2005). Cabe aos
docentes e demais agentes educadores contribuírem para que esse
processo possibilite que os educandos se sintam motivados a
modificarem suas formas de se relacionar com o meio, repensando
e transformando a sociedade na qual se encontram, e refletindo
criticamente sobre as demais questões relacionadas às
problemáticas ambientais (FUCHS, 2008).
A educação ambiental, desta forma, deve ser trabalhada de
modo integrado às diversas áreas do conhecimento (BRASIL, 1998).
No caso do presente trabalho, foi desenvolvido um projeto do Núcleo
de Ensino da UNESP, que tratou de desenvolver uma sequência
576 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

didática na disciplina de “Qualidade de vida” que é componente


obrigatório do currículo estabelecido em algumas escolas de
educação em tempo integral, no estado de São Paulo. Isso porque
verificamos que os materiais utilizados na escola e suas disciplinas
não preveem a inclusão da educação ambiental esta, quando é
realizada, ocorre em forma de projetos pontuais. Assim, o projeto
optou por incluir uma sequência didática articulada à disciplina. A
mesma se desenvolveu em um total de 16 encontros, sendo o LCP
aplicado no primeiro dia de atividade, as cartas escritas pelos alunos
no 15º encontro e no último a reaplicação do LCP. Para este artigo
objetivamos analisar os resultados da aplicação do Levantamento de
Conhecimentos Prévios (LCP) e sua reaplicação, bem como de cartas
confeccionadas pelos alunos no final da sequência. A intenção é
verificar se o trabalho pedagógico promoveu uma transformação na
visão dos alunos acerca do ambiente em que vivem e seus problemas
cotidianos.
O presente artigo inicia com apontamentos sobre a
importância da Educação Ambiental na formação do sujeito crítico,
seguida da análise comparativa dos Levantamentos de
Conhecimentos Prévios em seus dois momentos de aplicação,
juntamente com as cartas escritas pelos alunos, voltadas ao poder
municipal e a comunidade local. Por fim, são apresentadas as
conclusões finais do estudo bem como as conclusões acerca da
aplicação da sequência que serviu de base para a análise aqui
apresentada.

A importância da educação ambiental na formação do sujeito


crítico

A educação ambiental deve ser compreendida como algo que


vai além da aquisição de comportamentos pró-ambientais, sendo
importante para as relações humanas, progresso social, a fim de
promover uma postura crítica e colaborativa sobre as problemáticas
socioambientais (SAUVÉ, 2005). Assim, para Sauvé (2005) o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 577

objetivo principal da educação ambiental é o estudo das interações


com o meio, sendo assim, para um bom trabalho da temática, o
educador deve considerar as particularidades existentes nessas
relações, que estão diretamente ligadas às maneiras de se entender
o meio ambiente. Isso porque considera-se, inicialmente, o hiato
existente entre o ser humano e a natureza, sendo isso, parte da
origem dos problemas socioambientais, portanto, faz-se necessário
na educação ambiental retomar a ideia de o homem fazer parte do
seu meio natural, o que pode levar a um pensar mais social e
solidário, com reflexões acerca das atitudes (SAUVÉ, 2005).
A análise dos problemas relativos ao meio ambiente permite
que o aluno repense, desperte o sentimento de ser um agente social
de modificação dessas problemáticas, se vendo como um ser crítico
e atuante (SAUVÉ, 2005). O grande desafio da educação ambiental
é se posicionar de forma crítica e criativa nos espaços formais de
ensino, devendo assim, ser primeiramente apresentada como uma
ação política para a promoção de mudanças sociais. Deve fazer uma
retomada de valores e atitudes (iniciativa, solidariedade, respeito,
responsabilidade) e dar uma perspectiva crítica dos problemas
ambientais (SORRENTINO, 1998 apud JACOBI, 2003).
Sobre desenvolver uma perspectiva crítica sobre os
problemas ambientais, nos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) a Educação Ambiental deve ser trabalhada de modo que faça
surtir a reflexão e conscientização dos sujeitos, integrada às
diferentes áreas de conhecimento; entretanto, na maior parte das
escolas ela é apenas abordada nas disciplinas de Geografia e
Ciências. A proposta dos PCNs no trabalho com a Educação
Ambiental como um Tema Transversal pressupõe uma postura
perante as questões fundamentais, necessitando uma reflexão sobre
a temática, seus valores, e conceitos envolvidos (FUCHS, 2008).
Para que a EA seja incluída como tema transversal o poder
público deve garantir que seja desenvolvida em diversos níveis de
ensino, com o objetivo promover a participação ativa na defesa do
meio, como previsto na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº
578 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

6.938 de 1981, que discorre sobre a Política Nacional do Meio


Ambiente. Além disso, as Diretrizes Curriculares para a Educação
Ambiental (BRASIL, 2012) estabelecem que esta deve ser uma
prática educativa interdisciplinar, apresentada em todos os níveis
escolares, respeitando a autonomia da escola. Não deve ser
apresentada como uma disciplina curricular específica, por isso, em
nossa sequência a educação ambiental foi integrada aos conteúdos e
discutida na disciplina curricular “Qualidade de vida”. A EA deve,
portanto, contribuir para as relações interdisciplinares dos saberes,
sendo de responsabilidade do educador a efetivação desse processo
e, ainda, despertar nos educandos a vontade de mudança, de
transformação social, bem como a reflexão e crítica sobre as
questões referentes às problemáticas ambientais (FUCHS, 2008).

Desenvolvimento

Como dito anteriormente o tema “Educação Ambiental” foi


desenvolvido como tema transversal na disciplina sobre “Qualidade
de Vida”, por duas graduandas participantes do projeto do Núcleo
de Ensino da UNESP. A sequência didática foi realizada em 16
encontros, com duração de 50 minutos cada, e para documentação
as aulas foram gravadas, arquivou-se a produção dos alunos, e
foram produzidos relatórios. O Levantamento de Conhecimentos
Prévios (LCP), alvo de análise, foi aplicado em dois momentos (antes
e depois da sequência), junto a 15 alunos (os demais não estiveram
presentes no dia da coleta de dados).
O LCP foi composto por dez questões dissertativas, a saber: O
que você entende por meio ambiente? Existem problemas
ambientais no seu bairro e cidade? O que é poluição pra você? De
que forma a poluição nos afeta? De que maneira a educação
ambiental pode ajudar a melhorar a qualidade de vida? Essas
questões foram escolhidas para investigar o que os alunos pensavam
sobre tais temas, e para ajudar a planejar a sequência didática, que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 579

buscaria elucidar e problematizar estas questões, as concepções


apresentadas pelos alunos.
O uso do LCP se deu por entender que a aprendizagem é um
processo de construção que não se inicia do zero, nela os alunos vão
se desenvolvendo e progredindo, por meio das relações que os
educandos conseguem estabelecer entre o conhecimento que já
possuíam e o novo que lhes é apresentado (MIRAS, 2006). Sendo
assim, a aplicação do LCP se faz necessária para o entendimento do
que os educandos sabiam e desta forma, oferece o ponto de partida
da experiência didática.
Após a primeira aplicação os resultados foram analisados para
a construção da sequência didática. Essa sequência trabalhou com o
conceito de meio ambiente, poluição e saúde, poluição e meio
ambiente, consumo e consumismo, educação e qualidade de vida,
lixo e saúde, lixo e meio ambiente. As estratégias utilizadas foram:
contrato pedagógico, roda de conversa, uso de vídeos, discussões,
dinâmicas, leitura de reportagens, elaboração, aplicação de
questionário junto à comunidade e apresentação dos resultados,
elaboração de cartazes, cartas e questionário auto-avaliativo do
projeto.
As cartas foram confeccionadas coletivamente, na finalização
da sequência, como um exercício de identificação de uma
problemática ambiental do cotidiano, construção de argumentação
e pedido de auxílio para resolução do problema, junto ao poder
público e comunidade local. Elas foram escritas em grupos, ou seja,
isso permitiu que os educandos pudessem se expressar socialmente,
trocando ideias e interesses, e até mesmo vivências que foram
trabalhadas a partir desta estratégia de ensino (SILVA, 2008).

Resultados da análise das respostas LCP

A seguir são apresentadas as análises dos resultados das duas


aplicações do LCP, antes e depois da sequência didática. Ao final, a
análise da carta confeccionada pela turma. Destacamos que
580 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

mantivemos os erros de ortografia, encontrados nos textos dos


alunos.

Compreensão sobre o conceito de meio ambiente

A compreensão inicial dos alunos com relação ao conceito de


meio ambiente, oito alunos deram respostas que ligavam a ideia de
meio ambiente à natureza, que remetiam a um ambiente de floresta,
mato ou mesmo o uso da palavra “natureza” na resposta, “Meio
ambiente é tudo aquilo que tem na floresta” (Aluno 4). “Floresta,
natureza, árvores, animais e outros” (Aluno 12). Cinco alunos
conceituaram meio ambiente à noção de preservação, dando a ideia
de ser a preservação de uma área, ou mesmo a preservação
ambiental, e de limpeza de um local, “Entendo que tem que cuidar
da cidade não deixar a cidade suja” (Aluno 5). “Meio ambiente é você
poder deixar seu ambiente limpo” (Aluno 7). “Que não devemos
poluir, que não devemos jogar lixo no rio” (Aluno 14). Apenas dois
alunos alegaram não saber ou não responderam.
A compreensão apresentada pelos educandos sobre meio
ambiente, após a realização da sequência didática, encontramos
resultados (sete) que ainda vinculam à ideia de natureza, mas que
ampliam mais a noção, como, por exemplo, “Eu entendo que o meio
ambiente é os animais as plantas ciclo da vida” (Aluno 4). Cinco
vinculam à preservação, incluindo a noção de que nós somos aqueles
que impactam o meio ambiente e, dando outros exemplos de
impactos antrópicos causados pelo homem.
Observamos uma nova categoria, que é a que traz noção de
meio ambiente como um sistema complexo, como sendo algo que
engloba os seres vivos, o meio, bem como a interação existente entre
eles, que pode ser verificada em respostas (três), tais como: “Envolve
todas as coisas vivas e não vivas que ocorrem na terra, ou em alguma
região dela, que afetam os ecossistemas e a vida dos humanos”
(Aluno 14).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 581

Como exposto no acima, verifica-se que antes do


desenvolvimento da intervenção didática os educandos tinham uma
visão de meio ambiente como algo ligado apenas a natureza e
desconsiderando as relações do homem com o meio, colocando-o
apenas como um agente causador de problemas ambientais. Ao
final, nota-se em algumas respostas a presença de uma nova ideia
ligada a um pensamento de meio ambiente como um sistema
complexo de relações entre a natureza, o ser humano, e os diversos
ambientes existentes bem como os demais seres.
Verificamos ainda a presença das ideias de meio ambiente,
como sendo aquelas ligadas à noção de natureza como equivalente
ao ambiente natural (Krasilchik, 1986), na aplicação da questão e na
sua reaplicação. Isso mostra que os alunos, mesmo tendo acesso a
novos conhecimentos, ainda sustentam essa ideia, e para outros esta
se liga ao homem e aos fatores que influenciam nas suas relações
com o meio. Nas respostas, percebe-se também o conceito de
preservação, sendo essa uma visão derivada de uma ética mais
solidária e equilibrada com garantia de um ambiente saudável para
as gerações futuras, que inclui o pertencimento mútuo entre todos
os seres vivos e preocupada com a inter-relação do homem com o
planeta (SIRVINSKAS, 2002).

Problemas ambientais identificados no próprio bairro ou


cidade

Na segunda questão foi solicitado que os educandos


respondessem se existem ou não problemas ambientais no seu
bairro e cidade e, se a resposta fosse afirmativa, eles deveriam
apontar os problemas ambientais encontrados. Inicialmente onze
alunos responderam que existiam problemas ambientais em ambos
locais. “Bairro: Há dois terrenos baldios pessoas que queimam
sujeiras como folhas, papeis, lixo de casa, etc. Cidade: Na cidade há
muita poluição sujeira muito lixo na rua” (Aluno 1). “Bairro: O rio
está sujo e as pessoas ficam jogando lixo no rio e algumas pessoas
582 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

jogam lixo no bairro. Cidade: A sujeira que faz isso com a cidade”
(Aluno 5).
Três alunos apontaram os problemas ambientais em apenas
um dos locais, o que pode ser considerado também, como uma falha
na pergunta, pois ao responder afirmativamente, eles deveriam
apontar os problemas que vivenciam nos dois ambientes, mas estes
alunos não conseguiram reconhecê-los. “Bairro: A muito lixo por ser
um bairro tão novo. Cidade: mas nossa cidade não” (Aluno 2).
“Bairro: Não, porque ninguém joga lixo na rua. Cidade: Sim, os rios
as ruas” (Aluno 14).
As respostas estão relacionadas à poluição do ar (fumaças e
queimadas) e ao lixo existente nesses locais (seu descarte incorreto).
Existem alunos que não conseguem identificar poluição ou outros
problemas ambientais nesses dois locais que fazem parte de seu
cotidiano, assim, apontam problemas ambientais em apenas um
deles, sem entender que o problema apontado para um local pode
gerar problema no outro, e vice versa.
Respostas semelhantes se encontram na reaplicação da
questão, porém os alunos que assinalam problemas ambientais
tanto no bairro quanto na cidade, conseguem apontar outros tipos
de problemas ambientais que antes não foram citados. Nove alunos
apontaram para problemas ambientais em ambos os locais. “Bairro:
Bom no meu bairro tem um terreno baldio que as pessoas jogam
todo tipo de lixo, resto de comida e animais mortis e as vezes as
pessoas queimam arvores e alguns lixos. Cidade: Muita poluição de
carros, usinas e empresas pessoas jogando lixo nos esgotos jogando
lixo na rua desperdiçando água desmatando árvores” (Aluno 1).
“Bairro: Bastante lixo no solo, poluição do ar, poluição sonora.
Cidade: poluição nos rios, poluição, poluição no ar, poluição sonora”
(Aluno 7). O número de alunos que consideram apenas um
ambiente com problemas ambientais, se manteve em cinco. “Bairro:
Sim, pois eles ficam jogando lixo em locais inadequados tipo na rua
e eu moro perto do lagou do peta e jogam lixo lá também” (Aluno 6).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 583

Sendo assim, pode-se considerar que os conteúdos


conceituais aprendidos destes alunos foram expandidos, uma vez
que os mesmos apresentaram outras condutas que poderiam ser
melhoradas, ou seja, os educandos conseguiram elaborar outros
critérios, apresentar outras visões, para se posicionarem frente às
problemáticas que vivenciam, refletindo sobre elas (ZABALA, 1998).
Segundo Zabala (1998) para que tal conteúdo seja aprendido, é
necessária compreensão do significado de um conceito, tornando-se
capaz de utilizá-lo em situações posteriores para interpretar,
compreender ou expor um fenômeno, isso foi demonstrado pelos
alunos ao utilizarem os conceitos para interpretar a realidade local
e expor seus problemas com relação a poluição.

Conceito de poluição

A pergunta seguinte pretendia elencar as concepções de


poluição apontadas pelos alunos. Onze trouxeram em suas respostas
ideias ligadas a algum tipo de resíduo (“sugeira”, “fumaça”). “Pra
mim poluição é fumaça de carros, de usinas, caminhões e motos
sugeira que as pessoas jogam na rua” (Aluno 1). “Poluição para mim
e jogar lixo nos rios, lagoas e mares também se jogarmos óleos sujos
na pia da cozinha polui pra mim e poluição” (Aluno 12). Quatro
alunos apresentaram a ideia de poluição ligada a uma sensação,
dando um valor sentimental a resposta. “E a quilo que faser mal a
nós e ao meio ambiente” (Aluno 2).
As respostas mostram que mesmo não tendo uma
concepção/conceito do que é poluição os alunos tentaram elaborar
uma resposta com o conhecimento que possuem. A maior parte dos
alunos liga a poluição a ideia de resíduos, sendo as palavras sujeira,
lixo e fumaça, as mais citadas nas respostas; entende-se que isso se
deva a estas maneiras de poluição estarem relacionadas ao cotidiano
dos educandos. As outras formas de poluição, como por exemplo,
poluição sonora e visual não foram citadas nas respostas.
584 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Entretanto, quando da intervenção didática, outras formas de


poluição que fazem parte do cotidiano dos alunos e, que não são
percebidas por eles anteriormente, começam a ser mais notadas,
como pode-se inferir pelas respostas apresentadas na segunda
aplicação da questão. Sete alunos ligaram a poluição novamente
com a ideia inicial que tinham de ser algo relacionado a resíduos.
“Poluição e você jogar lixo na água e tem poluição do ar que as
fumasa preta” (Aluno 13). Sete alunos deram uma resposta
relacionada a uma ideia de prejuízo, sendo tanto ao ambiente, ao
homem e aos demais seres. “E a coisa que mais fas mal para os seres
vivos e o planeta inteiro por que prejuldica o solo, água e ar” (Aluno
2). “É quando ajente “suja” o ar, a água o solo, prejudicando a nós
mesmos e aos animais, plantas, etc” (Aluno 3). Um aluno deu uma
definição do que vem a ser poluição, respondendo objetivamente a
pergunta, “Poluição é qualquer alteração provocada no meio
ambiente, que pode ser um ecossistema natural ou até mesmo em
microescala” (Aluno 14).
Há que se considerar que a ideia sobre o lixo se mantém, uma
vez que sete alunos responderam algo relativo a “resíduos”, que é
um conceito importante para ser trabalhado dentro de poluição,
ideia está vinculada a um pensamento de desrespeito ao meio
ambiente (MUCELIN; BELLINI, 2008) e que também aparece nas
respostas dos educandos como ideias ligadas a um “prejuízo”. Essas
respostas possibilitam uma reflexão crítica sobre o ser humano e o
cuidado com a natureza. A ideia de prejuízo está ligada a visão
antropocêntrica de meio ambiente, relacionada ao distanciamento
do homem do meio, como se sua função do ambiente fosse apenas
de servir, como se os demais seres devessem servir de recurso ao
homem (ALMEIDA, 2010).

Noção sobre como a poluição afeta a vida

A quarta pergunta buscou entender as relações que a poluição


apresenta no cotidiano dos alunos, como ela nos afeta. Dez alunos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 585

responderam que a poluição afeta diretamente na saúde, gerando


problemas: “Na nossa respiração quanto mais poluição mais difícil
para nós respirarmos porque a fumaça é prejudicial a nossa saúde”
(Aluno 1). “Prejudica nossa saúde, etc” (Aluno 9). Três alunos
compreenderam poluição como algo que remete a odores, eles usam
a palavra “mau cheiro” para explicar como somos afetados pela
poluição. “Com o mau-cheiro” (Aluno 8). A presença de um lugar de
foco de poluição, de tipo de poluição esteve presente na resposta de
dois alunos. “Ela nos afeta no ar, na água e em outros lugares”
(Aluno 2). Somente um aluno não respondeu a pergunta. As
respostas foram em sua maioria ligadas a problemas de saúde, que
seriam consequência das adversidades gerados pela poluição e a
demais contrariedades, como odores, advindos dessa. Apenas dois
alunos, afetar deram respostas considerando mais de uma forma de
poluição.
Na segunda aplicação da questão houve o predomínio dos
problemas de saúde (12 respostas) causados pela poluição, e a
ausência de respostas ligadas a consequência desta para diferentes
seres vivos e ambientes. ”Ela pode nos afetar como no ar á muitas
industrias que a fumaça toxica que ficam no ar e animais ou pessoas
respiram e acabam ficando doente ou podem até morrer” (Aluno 2).
“Nos podemos ficar com doenças (bronquite, câncer, problemas
respiratórios, dor de cabeça, dor de ouvido, dor nos olhos e outros)”
(Aluno 12). A visão de poluição ligada a cheiro, a odores permaneceu
nas respostas de três alunos. “Ela pode nos afeta pelo mal cheiro a
fumasa” (Aluno 11). “O cheiro da poluição por exemplo tipo
vazamento de gases” (Aluno 4). Um estudante não respondeu a
questão. Ao analisar as respostas, nota-se que é necessário que haja
promoção da reflexão dos alunos não só da poluição existente nas
cidades, mas nos demais ambientes. Além disso, a necessidade de
discutir os impactos das ações humanas no meio, o que permite
ampliar a visão dos alunos sobre a temática. Uma das explicações
para essas respostas na segunda aplicação pode estar relacionada ao
fato da sequência ter trabalhado com problemas ambientais
586 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

presentes no cotidiano dos educandos e, sendo assim, se tornaram


mais visíveis. A ideia ligada a lixo e a odores pode ser explicada pelo
que considera Campos e Cavassan (2003), de que o lixo é algo muito
presente no cotidiano dos educandos e está diretamente ligado aos
programas de Educação Ambiental, tanto nas questões ambientais
que estão focadas localmente, quanto em escala global.

Concepções sobre como a educação ambiental pode ajudar a


melhorar a qualidade de vida

Para a última questão os alunos teriam que pensar nos


objetivos da educação ambiental em sua aplicação para uma
melhora da qualidade de vida. Assim, onze alunos responderam a
questão trazendo uma ideia de preservação ambiental. “Pode ajudar
a melhorar as atitudes e o modo de pensar das pessoas sobre o meio
ambiente ensina-la a preservar o meio ambiente para a geração
futura viver melhor” (Aluno 1). “Para nos a parar de jogar lixo na
rua, queimar grama arvores e para de excinção de muitas espécies”
(Aluno 2). Dois alunos, mencionam algo ligado à melhora da saúde,
infere-se que isso seja uma consequência da atuação da educação
ambiental nas discussões sobre qualidade de vida. “Ajudar a pessoa
com saúde” (Aluno 4). Dois alunos não responderam a questão.
Inicialmente a ideia predominante parecia estar relacionada à
preservação do ambiente, associada à reciclagem, à mudança nas
atitudes individuais, e como minimizar os impactos do homem
causados no ambiente (CAMPOS; CASSAN, 2003). Entretanto, na
segunda aplicação da questão percebe-se que a ideia predominante
dos alunos é de uma proposta de ação coletiva colaborativa. Oito
alunos apresentaram a ideia de conscientização, de mudança de
hábitos, e de cuidados que as pessoas poderiam colocar em prática.
A conscientização, se refere a ter uma postura ética, responsável e
solidária acerca do uso dos recursos naturais (GOMES, 2006). “Se
todo mundo cuidar da natureza e animais nos teremos a saúde
melhor sem poluição” (Aluno 2). A ideia de consequências que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 587

surgiriam de um trabalho relacionando à educação ambiental em


sua aplicação prática a qualidade de vida encontrou-se em seis
respostas, sendo elas relacionadas a melhoras imediatas e de
cuidados pessoais e, dois alunos não responderam.
A conscientização ambiental por parte da comunidade,
expressa em algumas respostas dos alunos, de acordo com Ferraro
Junior et al. (2005) é a função principal da educação ambiental e, ela
deve mostrar a importância de cada cidadão acerca do meio
ambiente, educando assim, a população para um consumo mais
consciente. A educação ambiental visa auxiliar na problematização
cotidiana dos comportamentos, para a promoção de valores e
práticas dialógicas com vistas a uma aprendizagem significativa, e
na mudança de hábitos em prol do ambiente.

Produção coletiva – carta para o poder público

Os alunos produziram coletivamente cartas destinadas ao


poder público, bem como a comunidade local, na qual levantavam
os problemas ambientais encontrados no seu cotidiano e pediam
auxílio para a solução dos mesmos. A partir da leitura das cartas,
verifica-se uma mudança de pensamento com relação às questões
que eles entendem como problemáticas ambientais; essas mudanças
se apresentaram depois nas respostas dadas as questões do LCP em
sua reaplicação.
A visão dos educandos com relação a problemas próximos a
sua vivência aparece nas cartas, como no seguinte trecho:
No meu bairro tem um campo poluído, às vezes, as pessoas
botam fogo e a fumaça é muito forte; tem pessoas que ficam doentes
com isso. Lá é um lugar de lazer e as pessoas jogam lixo, por isso
preciso de uma solução.
E, no trecho abaixo, pode-se verificar o apontamento dos
alunos de outras formas de poluição, o que também se apresenta nas
respostas das questões reaplicadas.
588 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A poluição sonora tem muita no decorrer do dia, mas na hora


de pico acontece bastante, às vezes as pessoas não se importam com
o lugar onde estão e acabam não tirando a mão da buzina. Também
tem aquelas pessoas que andam com o som do carro no último
volume, atrapalhando várias pessoas.
Demonstrando assim, a preocupação dos alunos com outros
problemas ambientais que ainda não haviam sido apontados, como
essa relação pode ser prejudicial para quem a pratica e aos demais.
É observável na produção coletiva que os alunos discutiram os
problemas e a busca de soluções, analisando o ponto levantado e
sendo críticos em relação a ele, como mostra o trecho:
Nós gostaríamos de relatar o seguinte fato, no nosso bairro há
muita queimada, poluição do solo, da água, sonora, entre outras. A
maioria causada pela população. No meu bairro tem pessoas que
queimam o lixo, causando problemas respiratórios para os
moradores, acho que eles não sabem o problema que causam. Mesmo
os moradores pedindo pra eles pararem, eles não param e a situação
pode piorar, pois estão cobrando para recolher o lixo.
Sendo assim, considera-se que houve um avanço com relação
análise e reflexão sobre os problemas ambientais cotidianos, e a
busca dos mesmos por soluções ou reduções dessas divergências.

Conclusão

A sequência didática teve como objetivo investigar alguns


conhecimentos sobre meio ambiente por parte dos alunos, e propor
intervenções que os levassem a se posicionar criticamente frente às
problemáticas ambientais vivenciadas em seu cotidiano. Pela análise
das respostas, antes e depois da intervenção percebe-se que alguns
deles conseguiram identificar problemas que antes não lhes era
perceptível e, ainda, que apresentam uma visão mais voltada para a
melhoria e solução dessas situações.
Pode-se considerar que os objetivos foram atingidos junto a
alguns alunos, mas que uma parte das respostas iniciais se
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 589

mantiveram inalteradas na investigação final; entretanto, uma


parcela dos educandos apresentou uma postura mais crítica sobre
seu cotidiano, apresentando uma maior consciência sobre seus
comportamentos para com o meio ambiente.
A aplicação da sequência, de 50 minutos cada encontro,
totalizando 16, apresenta alguns resultados positivos, mas se mostra
insuficiente para a transformação de comportamentos dos alunos,
entretanto a resposta mais crítica e engajada de alguns nos permite
concluir que a sequência obteve algum êxito dentro de suas
possibilidades de realização. Verifica-se assim, que a educação
ambiental deve estar cada vez mais presente no currículo escolar,
como previsto na legislação, e não apenas em momentos pontuais,
como ocorre na maioria das escolas brasileiras.

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39

Educação das relações raciais e o livro didático de história:


revisão de literatura

Manoel Ayusso Martins


Vânia de Fátima Martino

Introdução

Entendemos um documento como todo e qualquer registro,


materializado em um suporte físico, que expresse algum tipo de
ideia ou percepção do ser humano sobre determinado fenômeno,
inserido em qualquer tempo ou espaço (BRAVO, 1991); bem como
um conceito histórico que se insere nas práticas discursivas e
materiais das sociedades ao longo do tempo, passando, portanto,
por ressignificações. Assim, entendemo-no como uma manifestação
discursiva inserida em processos comunicativos localizados em um
contexto específico, e como tal, passíveis de múltiplas interpretações
e sentidos. Independentemente do método investigativo utilizado
para compreender um documento, não podemos projetar olhares
meramente descritivos, mas sim entender as condições e contexto
em que foi produzido e circulado, bem como investigar os sentidos
ocultos em sua construção discursiva.
As fontes que amparam a dissertação são compostas pelo que
denominamos legislação federal anti-racista1, ou seja, de natureza
normativa, político-legalista: Lei 10.639/03; Resolução CNE/CP
1/2004; Parecer CNE/CP 3/2004 e Plano Nacional de Implementação

1
Explicações no parágrafo seguinte
592 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações


Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira
e Africana. Delimitamos o recorte a partir da literatura e das
próprias fontes previamente selecionadas2, em um processo de
“pré-análise” (Bardin, 2011; Câmara, 2013) na tentativa de esgotar
possibilidades e contemplar seguramente os critérios estabelecidos
por Bardin (2011) para uma legítima seleção do corpus documental.
Compreendemos que este deveria compor-se de todas as normas
legalmente estabelecidas a serem cumpridas pelos currículos
escolares e materiais didático-pedagógicos nas reformulações
previstas3.
Entendemos que a aprovação da Lei 10.639/03 é produto de
uma confluência de atores ao longo do século XX, localizados no
terreno sociocultural, político e legal. Trata-se de um processo de
reconhecimento que transcende os limites da institucionalidade,
com forte influência das mudanças no campo da produção
historiográfica, que implica em uma nova forma de se enxergar o
negro africano e afro-brasileiro. Concebemos a “legislação federal
anti-racista” como o conjunto jurídico-normativo instituído nos
anos seguintes à aprovação da lei, constituindo-se no aparato legal
a ser cumprido pelos sistemas de ensino, editoras, autores,
currículos escolares, programas de formação docente, etc. Desta
forma, em consonância com as prerrogativas metodológicas
impostas pela que foram elaborados, buscando-se compreender as
prioridades, tendências e valores próprios aos atores envolvidos em

2
O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, instituído em
2009, versa, dentre outras coisas, sobre as determinações legais a serem cumpridas pela indústria
editorial no processo de produção dos didáticos. Estabelece-se que o corpo normativo que sustenta a
implementação da Lei 10.639/03 é composto pelo Parecer CNE/CP 3/2004 e pela Resolução CNE/CP
1/2004, junto ao próprio Plano Nacional de Implementação.
3
A Lei 10.639/03 tem como parte fundamental de sua implementação o cumprimento, como dito, da
legislação federal anti-racista por parte da indústria editorial, que a partir de então deve ater-se às
diretrizes legais estabelecidas. Cumpre fundamentalmente à política nacional de avaliação e
distribuição de didáticos, incumbida ao Estado através do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), MEC e FNDE, averiguar se as editoras têm seguido os dispositivos determinados legalmente.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 593

sua elaboração, compreendendo-se o papel assumido pelo ensino de


africanidades na educação básica, bem como pelos sujeitos que a
compõem.
Serão construídos descritores que nortearão a análise dos livros
didáticos de História selecionados, buscando-se identificar quais as
interfaces possíveis entre a legislação federal e os didáticos, na tentativa
de compreender em que medida estes constituem-se em território fértil
para a implementação da Lei, e também para a contestação de uma
educação eurocêntrica que perpetua hierarquias e desigualdades
sociais, especialmente aquelas de face étnica, configuradas a partir de
processos que historicamente alijaram o negro do acesso a bens
materiais e simbólicos no Brasil (Munanga, 1996).
Os livros didáticos selecionados correspondem aos mais
escolhidos pelas escolas brasileiras nos anos de 2005, 2015 e 2018,
segundo dados do MEC4. Apesar de não adentrarmos às
investigações das práticas escolares5 para incluirmos no universo de
análises o processo de recepção dos livros, nos restringindo à
produção e circulação, as informações do Ministério da Educação
nos possibilitam ter a certeza de que os livros escolhidos
impactaram de alguma forma o processo de ensino e aprendizagem,
permitindo críticas contundentes aliadas às discussões em torno da
formação e prática docentes.
Como dito, o objeto em discussão do presente trabalho é parte
do capítulo primeiro da dissertação. No capítulo segundo, no contexto
da elaboração da legislação, discute-se essencialmente o processo
através do qual a questão racial e o conceito de diversidade foram
4
O Ministério da Educação, através do dispositivo legal de Acesso à Informação, nos concedeu
informações privilegiadas sobre os livros didáticos mais e menos escolhidos pelas escolas, junto às
editoras, e valores totais e unitários envolvidos no processo de produção, de 1999 a 2018.
5
Nos agradaria muito tal empreitada, no entanto o fator tempo foi um obstáculo tendo em vista a
forma como o projeto e a dissertação vinham sendo construídos. Compreendemos, com os estudos da
Sociologia da Educação, que as normas escolares, entendidas aqui como a legislação federal anti-
racista, só devem ser compreendidas a partir de sua recepção, manobra e ressignificação nas práticas
escolares (JULIA, 2001). A construção do saber escolar coloca no horizonte dos estudos curriculares a
cultura escolar como relevante objeto de estudo, ao passo que dialoga diretamente com a percepção
do livro didático como objeto cultural (BITTENCOURT, 2009; CHOPPIN, 2004).
594 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

incorporados à agenda do Estado, para demonstrar que o Brasil,


inserido em um contexto internacional, produz em seu seio um marco
fundamental para se repensar a inserção do negro na sociedade
brasileira e das narrativas historicamente fundadoras da ideia de
nação e relações raciais no Brasil – assentadas no discurso da
democracia racial - tendo a educação assumido papel central neste
processo, tanto por parte do Estado quanto dos movimentos sociais.
Em seguida, trata-se de apresentar o conjunto de ações
institucionais e políticas voltadas à implementação da Lei 10.639/03
no contexto escolar. “Como implementar?” é a pergunta que norteará
as discussões em torno das interfaces entre a realidade social e escolar,
apontando-se os problemas voltados à implementação da Lei nos
últimos 15 anos, contemplando a formação docente, suas práticas e os
currículos escolares, bem como pesquisas que estabelecem a relação
entre indicadores sociais e escolares problemáticos, como evasão
escolar e defasagem, a partir de problemas de discriminação racial
vivenciados no contexto educacional. As discussões inserem-se
fundamentalmente nos campos das políticas públicas, historiografia,
ensino de História e educação das relações raciais. Partimos dos
estudos de reconhecimento, do sociólogo alemão Axel Honneth,
também das contribuições pós-críticas, essencialmente da pós-
modernidade e pós-estruturalismo, a partir das noções de
representação social, discurso e poder.
Continuando, propõe-se discutir os conflitos em torno do
processo de produção e circulação (material e simbólica) dos livros
didáticos, historicamente objeto de interesse do Estado e de poderes
hegemônicos, discutindo-se o impacto dos currículos na formação
escolar e na construção de realidades sociais plurais. Demonstra-se
o trajeto percorrido pelo conteúdo curricular até que chegue
materializado no livro didático, nas mãos dos sujeitos que o operam.
Trata-se de pensar a relação entre a legislação federal anti-racista, a
indústria editorial e as políticas de avaliação dos didáticos –
Programa Nacional do Livro Didático. Ponto este que, como dito,
assume face central no presente trabalho.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 595

Apesar de entendermos centralmente o livro enquanto um


construtor de “sentidos do mundo”, enquanto um objeto cultural, é
impossível desconsiderar-se suas faces política e mercadológica,
cujas alianças no Brasil (Estado e mercado editorial) manifestam-se
historicamente em relações por vezes comprometedoras. Partimos
fundamentalmente, como dito, da Teoria Curricular Pós-Crítica, que
coloca no horizonte do debate curricular a intrínseca relação entre
poder e representação. Trata-se de pensar o currículo escolar, e o
livro didático, como terrenos onde criam-se identidades, negociam-
se e fixam-se significados em uma determinada geografia que
atende a grupos sociais e interesses restritos. Os estudos da
Sociologia da Educação, bem como a relação entre
Multiculturalismo e Educação, são centrais.
Considerando-se a extensão permitida ao presente trabalho,
faz-se necessário estabelecer relações pouco aprofundadas entre
objetos em discussão. Colocar em diálogo a Lei 10.639/03 e o livro
didático sem destacar os processos, etapas e forças atuantes na
produção dos didáticos impõe uma perspectiva restrita acerca dos
fatores mercadológicos, políticos e sociais que atuam sobre a mesma.

O livro didático

O saber escolar constitui-se a partir da confluência de um


conjunto de fluxos educacionais, dentre eles os currículos escolares,
os didáticos e os saberes mobilizados no contexto da ação
pedagógica. Neste cenário, assumem amplo poder a partir das
narrativas e imagens que veiculam na construção de sentidos e
significados sobre diferentes memórias acumuladas por civilizações
passadas, sobre “o outro”. Sua face cultural (BITTENCOURT, 2009;
CHOPPIN, 2004) é indissociável à sua face política e mercadológica,
ao passo que os saberes que carrega depende de um conjunto de
procedimentos editoriais, das limitações impostas à circulação do
produto, de procedimentos normativos, a exemplo dos critérios
596 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

delimitados para avaliação, que lhe dão forma, bem como interesses
específicos atrelados a grupos hegemônicos.
Entendemos, com Thompson (2001), o livro didático
enquanto forma simbólica. Esta contempla todos os mecanismos
capazes de propagar ideologias, que implicam em relações
assimétricas de poder. Fotos, expressões linguísticas, propagandas,
entre outros elementos cuja manifestação esconda conflitos entre
grupos pela tentativa de auto representação, constituindo-se,
portanto, como um campo de disputa simbólica. A ideia de poder
implica nas condições sociais e institucionais das quais dispõem
determinado grupo social para “agir” - tomar decisões, preservar
interesses ou mudar situações, material ou simbolicamente. Assim,
visualiza-se a disputa em torno da produção do livro. Os estudos
sociológicos são fundamentais neste sentido, ao passo que
conceituamos o currículo escolar, bem como o livro didático
enquanto um artefato curricular, como seleção cultural (Forquin,
1992), através da qual há uma disputa pelos diversos atores sociais
e políticos em torno da memória e dos saberes socialmente
legitimados a serem transmitidos aos diversos públicos escolares.
O Estado, no caso da Lei 10.639/03, a partir da movimentação
de interesses, grupos e agências, a exemplo da comunidade acadêmica
e movimentos sociais, é responsável pela determinação legal e
normativa do que deve ser ensinado, ou seja pelo estabelecimento de
currículos, e assim direciona ao mundo editorial o que deve,
legalmente, estar nos livros – neste caso específico a legislação federal
anti-racista. O PNLD é uma política pública de fiscalização e
distribuição às escolas dos livros produzidos, que permite ao mercado
editorial uma ampla margem de atuação, ao passo que torna-se um
avaliador de um produto em comercialização, com controle de
qualidade e rigor avaliativo. Este processo é feito pelo próprio Estado,
e é altamente custoso, ao passo que o próprio Estado é o maior
comprador deste produto. No entanto, a ideia de recontextualização
pedagógica trazida pelos estudos da Sociologia da Educação nos
permite compreender o processo de hibridização pelo qual uma
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 597

norma ou diretriz passa no processo de tornar-se materialmente um


conteúdo curricular no livro didático.
Ao passo que um discurso pedagógico, uma lei, uma diretriz,
política curricular, ou seja, uma norma dilui-se pelas diversas
agências e atores sociais responsáveis por sua implementação, a
exemplo das Secretarias de Educação, Diretorias de Ensino, as
próprias comunidades escolares e os sujeitos nelas atuantes, assume
diferentes significados, muitas vezes distantes daquilo que é
preconizado legalmente. Esta ideia, dentre outras, é fundamental
para se compreender o porquê, como a literatura mostra, a indústria
editorial não atende, ou atende parcialmente, aos dispositivos legais
determinados pela legislação federal anti-racista.

A Lei 10.639 de 2003

Produto de um Estado e sociedade em constantes movimentos,


a Lei 10.639/03, que torna obrigatória a inclusão do ensino de
africanidades nos currículos escolares nacionais, traz à tona o debate
em torno da incorporação da temática da diversidade à agenda política
nacional, bem como o conceito de ação afirmativa, que a partir da
segunda metade do século XX mobilizou diferentes atores sociais, a
exemplo da comunidade acadêmica, gestores públicos e entidades
representativas. Os estudos desenvolvidos no Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFSCar, câmpus São Carlos, preocupam-
se há algum tempo em compreender as condições práticas, discursivas
e políticas que possibilitaram a ascensão do conceito de diversidade às
políticas públicas educacionais (RODRIGUES, 2005; ABRAMOWICZS,
RODRIGUES, 2001).
A aprovação da Lei impôs a mobilização de atores internos ao
Estado na delimitação de normas e diretrizes que determinassem
seu cumprimento, estabelecendo as devidas atribuições aos órgãos
responsáveis, de forma a impactar todos os territórios através dos
quais correm os fluxos educacionais, a exemplo das políticas e
programas de formação docente; da reorganização dos currículos
598 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escolares, nacionais e locais; das reformulações na produção e


avaliação didática. Neste contexto, foram criadas secretarias, órgãos
ministeriais, a exemplo da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e Secretaria
Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR);
publicados cadernos temáticos, promovidos eventos, debates e
encontros cujo objetivo era tornar cada vez mais assimilável os
dispositivos preconizados pela legislação, bem como esclarecê-los. O
Parecer CNE/CP 3/2004, a Resolução CNE/CP 1/2004, e
posteriormente (2009) o Plano Nacional de Implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações
Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira
e Africana constituem-se, como dito anteriormente, nos pilares
legais para a implementação da Lei 10.639/03.
Trata-se de uma política de reparação, como a própria
legislação aponta. Para além da obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro, busca-se a promoção de condições que
viabilizem o debate em torno de desigualdades no espaço escolar,
assumindo não só uma mudança formal, mas sim de posturas e
mentalidades historicamente constituintes das relações de raça no
Brasil; de heranças legadas por narrativas que procuraram construir
uma ideia de nação brasileira da qual o negro foi alijado.
Tradicionalmente, o conceito de cultura sempre foi entendido a
partir de uma racionalidade moderna, que deita raízes no
movimento filosófico iluminista, sob uma perspectiva universal,
totalizante, e como sabe-se associada ao homem europeu branco
civilizado enquanto sujeito histórico portador de uma verdade a ser
conduzida a povos “inferiores”, “sem cultura”. Esta é a ideia
inclusive importada da historiografia positivista que impregnou
nossos sistemas escolares, currículos, práticas e formação docente.
Assim, cultura sempre assumiu esta acepção universal, como
algo a ser alcançado, levado, disseminado. Com as viradas narrativas
de meados do século XX, a ideia passou por ressignificações, em
grande parte com as contribuições dos Estudos Culturais, e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 599

desvinculada da noção moderna e burguesa que lhe conferiu


sentido, possibilitando uma multiplicidade de interpretações para se
compreendê-la. Entendemos com Hall (2005), em uma acepção
antropológica, a ideia de cultura enquanto uma rede de significados,
integrantes de práticas, discursivas e materiais de determinada
comunidade social, determinante e determinada pelos sujeitos e
valores que a integram.
Neste sentido, a legislação federal anti-racista apresenta-se
como meio de reformulação de uma educação eurocêntrica, que não
permite ao negro o acesso a bens simbólicos, e também materiais
(considerando-se os impactos concretos da discriminação racial no
ambiente escolar, a exemplo da evasão), e a construção de identidades
positivadas no que concerne à negritude. Como as pesquisas sobre
livro didático no Brasil demonstram (BITTENCOURT, 2009;
FREITAG, MOTTA, COSTA, 1987), sabemos que a educação, e
especialmente os didáticos, constituem-se em território central do
Estado, assumindo funções sociais diversas. Compreende-se, assim,
que a revisão de conteúdo dos livros didáticos é uma das etapas
fundamentais para a materialização das competências estipuladas pela
legislação federal anti-racista, pois somente assim seria possível
conceber mudanças nas narrativas e imagens responsáveis pela
representação social da população negra e de sua memória, fazendo
com que outros valores e olhares sejam viabilizados.
A seguir, observaremos o que os trabalhos que debruçaram-se
sobre as interfaces entre a legislação federal anti-racista e os livros
didáticos de História nos últimos 15 anos têm a dizer. A revisão de
literatura contemplou artigos, teses e dissertações produzidas a partir
de 2003, ano de aprovação da Lei 10.639. Foram utilizados como base
de dados a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, o Banco de Teses
e Dissertações da CAPES, a ANPED, o site e revista da ABPN e o Google
Acadêmico. Com Muller (2018), identificamos algumas das principais
IES responsáveis pelo maior número de produção acadêmica sobre
educação das relações raciais: UFPR, PUC/SP, UFMT e UFF. Apenas na
primeira obtivemos êxito no levantamento.
600 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Nosso foco aqui é apresentar os resultados obtidos e


questionamentos levantados a partir dos caminhos já trilhados pelas
pesquisas (ROSEMBERG, BAZILLI, SILVA, 2003; JANZ, 2014;
MACENA, 2017; PACÍFICO, TEIXEIRA, 2013; MULLER, 2015, 2018;
ANTUNES, NOGUEIRA, 2018; ROZA, 2015; MENDES, VALÉRIO,
RIBEIRO, 2016; FRAZÃO, RALEJO, 2012; VOGT, BRUM, 2016;
NAZÁRIO, 2016; JESUS, 2013; OLIVEIRA, 2009; NETA, 2015) que
serão de suma importância para alimentar nossa trajetória
investigativa ao longo dos próximos semestres.

A revisão de literatura: o negro nos livros didáticos

Dentre os principais fatores observados, destacam-se a ausência


de representações que vinculem o negro às condições sociais de
prestígio, objetivando-se a desnaturalização de sua condição de
escravo. Também a excessiva relevância atribuída à face mercadológica
do negro, enquanto produto a ser comercializado, destacando-o
enquanto pilar fundamental para o progresso material da nação no
período colonial, desconsiderando-se o universo sociocultural que o
circunda – as características dos espaços de onde foram retirados, as
práticas culturais que ensejou em contato com novas realidades, e que
foram parte integrante dos costumes, do pensamento, da configuração
étnica e das tradições que compõem a nação brasileira. Estas
circunstâncias impedem o desenvolvimento crítico-reflexivo do aluno,
de modo a demonstrar uma das faces fundamentais da história – as
ideias de movimento e processo, a confluência de fatores e atores, de
forças, as relações de poder, entre outros.
Percebemos também que não há um processo gradativo e
contínuo de cumprimento da legislação federal anti-racista por
parte de autores e editoras responsáveis pela produção de livros
didáticos, mas sim a manutenção de avanços e retrocessos.
Observando-se as narrativas responsáveis pela representação social
do negro, da África e do patrimônio histórico-cultural africano e
afro-descendente, deve-se considerar o ano de produção do
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 601

material, a política de controle (PNLD, observando-se critérios


exigidos nos editais), autores e editoras envolvidos, e a disciplina
escolar (no caso História, mas cada disciplina implica em diferentes
abordagens). Nestes termos, é válido afirmar que, a partir da falta
de continuidade observada pela literatura na produção de livros
didáticos no que compete à forma como representa o negro, a
maioria das ações de enfrentamente se dão de formas
descompassadas e pontuais, a saber experiências de professores,
municípios, secretarias, entre outros.
Cumpre observar que mesmo os livros com avaliação positiva
nos editais do PNLD, e até recomendados por este, ainda
demonstram lacunas e brechas significativas no caminho para a
construção representações sociais positivas da África e do afro-
descendente. Há um certo consenso na literatura levantada que
aponta o aumento de produções científicas voltadas a investigar os
sentidos da negritude veiculados nos livros didáticos a partir da Lei
10.639/03, considerando-se o universo de pesquisa deste tema na
segunda metade do século XX (Muller, 2015) e apesar de os
resultados apontarem muitos avanços, ainda há muito o que se fazer
na reversão de uma educação exclusivamente eurocêntrica que
impede o aluno negro de identificar-se positivamente com suas
origens e com o espaço escolar em que se insere.
Assim, observamos a existência de manifestações de
preconceito não explícitas nos livros, mas implícitas a partir de tipos
sociais construídos através de representações textuais e imagéticas.
Entendemos que muitos autores e editoras buscaram cumprir em
parte os dispositivos legais da Lei 10.639/03 ao fazer constantes
referências ao negro, ao continente e ao patrimônio cultural
africano. Ou seja, no aspecto quantitativo houve um aumento nas
referências ao patrimônio. O problema é de caráter qualitativo, ou
seja, no que consiste tais referências – os negros associados a
situações de violência, miséria e submissão; destituído de códigos
socioculturais próprio, sempre associado ao trabalho escravo, entre
outros. Destacamos, contudo, que não são todos os livros didáticos
602 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que carregam estas deturpações, ou seja, como já dito, depende


exclusivamente dos livros analisados e das editoras e autores
responsáveis pela sua produção.

Considerações finais

Encerramos este trabalho com as considerações finais


elaboradas a partir dos principais questionamentos suscitados por
nós a partir dos levantamentos realizados. Algo que nos chamou a
atenção é o fato de que há (ou deveria haver) um interesse
mercadológico por parte da indústria editorial, para além do aspecto
pedagógico e social, em fazer-se cumprir a legislação federal anti-
racista, ao passo que suas determinações legais encontram-se
materializados enquanto critérios para o controle de qualidade
exercido pelo PNLD através de editais e guias. Há, nestes, a exigência
legal determinada pela legislação, e ao passo que as editoras a
cumprem, tendem a aumentar sua capacidade de venda e lucro, pois
(como um produto que circula no mercado) seriam alvo de
avaliações positivas e indicações direcionadas às escolas. Quais
elementos impedem, portanto, o cumprimento total da legislação
federal anti-racista? É possível um cumprimento total? Qual é o
papel exercido pela formação acadêmica e sociocultural dos autores?
Detectamos críticas direcionadas à livros didáticos cujos
autores possuíam formação acadêmica específica na área de
Educação das relações raciais, a nível de doutoramento. Bastante
intrigados, nos perguntamos por quê? Isto nos mostra que não se
trata exclusivamente dos sujeitos, especificamente autores, editores
e avaliadores, envolvidos no processo de produção, ou que se trata
dos diferentes usos públicos e políticos que tais sujeitos fazem da
história. Os traços étnicos dos autores é um fator determinante
neste processo? Onde reside o(s) problema(s)? Interesses
promíscuos da indústria editorial? O problema reside nas políticas
de avaliação do livro, considerando-se as brechas e lacunas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 603

verificadas pela literatura? Finalizamos, felizmente, o presente


trabalho com mais questionamentos que afirmações.

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606 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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Revista Aedos. Porto Alegre, v. 8, nº 18, p. 52-74, ago. 2016.
40

Educação e a questão da individualidade em adorno

Alessandro Lombardi Crisostomo

Introdução

O pensamento dialético [...] opera assim como um corretivo contra


a fixação maníaca, bem como contra a tendência vazia e sem
resistência do espírito paranoico, que chega ao juízo absoluto ao
preço da experiência da coisa (Adorno).

A educação crítica parte do princípio que no processo de


aprendizagem deve haver espaço à reflexão sobre a realidade, assim
como o exercício crítico de interpretação sobre o que se aprende.
Considerando o pensamento dialético, é possível distinguir dois
extremos que atuam no processo de formação dos indivíduos, a
necessidade de adaptação e a de transformação. A ânsia pela
conciliação totalizadora desta dicotomia é um equívoco denunciado
por Adorno em obras como Dialética Negativa (2009), que propõem
uma nova abordagem dialética, representada pela tomada de
consciência sobre a realidade em suas contradições fundamentais.
Ocorre que nos dias atuais, as sociedades de modo geral
impõem aos indivíduos a necessidade cultural de adaptação, sem
que haja grandes espaços para a transformação. Esta ocorreria
somente a partir de uma postura de resistência, oriunda da reflexão
mais aprofundada sobre a realidade. Cada vez mais os jovens são
formados para não resistir ao processo de adaptação, treinados em
cursos preparatórios para simplesmente ocuparem seu lugar devido
na sociedade.
608 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A educação, ao seguir o movimento descrito, reproduz


comportamentos da moda e tendências que são ditadas por modelos
heterônomos de poder. Existe o esvaziamento de sentido na prática
da educação, uma vez que questões como “para quê educação? ” ou
“o que aprender” não são plenamente consideradas ao se propor
conteúdos e cronogramas. Podemos perceber que a maior parte dos
planejamentos institucionais da educação funcionam dentro de
modelos pré-definidos que visam, essencialmente, números,
resultados, assimilação e reprodução de informações oficiais.
Neste sentido, podemos encadear questões como: “a escola é
um lugar de afirmação de valores na construção da identidade ou
um lugar de reconfiguração de valores que já estão previamente
definidos? E também: quais os valores que são legitimados na
sociedade, e porquê? Subjacente à pergunta sobre as finalidades da
educação, existe ainda o questionamento sobre de que forma a
sociedade é constituída e quais os objetivos perseguidos pelos
indivíduos na coletividade. Sobre isso, encontram-se algumas
“construções míticas” da contemporaneidade tais como a liberdade,
a individualidade e a democracia, as quais permanecem ainda na
esfera de “mitos” pois são elementos teóricos que na prática foram
construídos de maneira distorcida em relação às concepções
originais.

Desenvolvimento

Há muito tempo o conceito de crítica e autonomia estão


presentes nas discussões sobre como formar os indivíduos. Segundo
Adorno (1995), as concepções kantianas sobre as características que
determinam o ser humano ainda serviriam como princípio para se
pensar a educação.
Kant concebeu o uso da razão e a capacidade de fazer juízos
morais como a potencialidade básica do humano, o qual utiliza-se
destas bases para conduzir-se no mundo através de motivações
independentes. Poder-se-ia dizer que o desenvolvimento desta
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 609

capacidade em potencial seria o objetivo maior de qualquer


programa de ensino ou planejamento escolar, uma vez que todos os
demais objetivos convergem para este maior que justifica os
anteriores. Um processo de aprendizagem que fosse construído para
fins imediatos, atendendo a necessidades objetivas de criar
indivíduos capacitados para determinadas funções, perde com isso
a sua autenticidade, pois é uma construção do indivíduo que ignora
o principal objetivo da educação que seria criar condições para a
autonomia.
Atitudes concretas demandam concepções teóricas. Antes de
qualquer ação, faz-se necessário a formulação de ideias que tornarão
possível a compreensão mais profunda da realidade, a qual norteará
ações no sentido do que se pretende alcançar. Adorno expressa sua
concepção inicial de educação como a “produção de uma consciência
verdadeira” (Adorno, 1995, p.142). Com esta sentença parece-me
indicar um caminho diverso do que é praticado pela sociedade de
seu tempo, o qual permanece até os dias de hoje, a saber, a
modelagem de pessoas que devem adaptar-se a um formato de vida
já pré-estabelecido, pautados pela transmissão de conhecimentos já
acabados que servirão de ferramentas úteis para a inserção destes
indivíduos no quadro social correspondente. De fato, muitas
concepções de educação denominadas como “críticas”, tiveram o
objetivo de modificar este padrão de educação tradicional que vigora
até os dias atuais.
Na verdade, o objetivo em foco para a educação crítica sempre
foi o de criar condições sociais adequadas ao exercício da
democracia. Entretanto, a concretização deste processo não é
simples, pois envolve detalhes que são importantes para o resultado.
Exemplo disto é a ideia de que na democracia “vale tudo”, isto é, a
ideia de que tudo pode ser dito ou feito como manifestação da
liberdade de expressão dentro da democracia. Adorno manifesta
uma opinião um pouco diferente desta concepção sobre democracia
oriunda do senso comum, defendendo que não são democráticas
ações que sejam contrárias à democracia, mesmo que exercidas
610 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

dentro do ambiente democrático. Ou seja, muitos indivíduos


utilizam-se das possibilidades que a democracia oferece, para fazer
uso de artifícios que subjugam a liberdade dos demais, seja de agir
ou de pensar. Isto, que ocorre dentro da própria democracia, é na
verdade anti-democrático, pois opera contra os princípios de que os
indivíduos deveriam tomar decisões livres e conscientes, as quais
manifestariam suas ideias e opiniões na sociedade.
Um dos artifícios mais poderosos para subjugar a liberdade
humana foi a propaganda, com suas técnicas sutis que visam
manipular as vontades humanas pela formatação de padrões na
construção de ideias. Um dos méritos da filosofia frankfurtiana,
embora não tenha sido a única, foi identificar precocemente esta
ocorrência nas sociedades modernas que nasciam com a bandeira
da democracia hasteada. Utilizando-se do olhar crítico e da
desconfiança, puderam perceber nas sociedades democráticas, uma
tendência à massificação, onde a perda da individualidade
representava a diluição dos indivíduos em ideias pré-estabelecidas
através de propagandas. O grave deste processo é que estas
propagandas são orquestradas no sentido de atender a exigências
mercadológicas, utilizando-se da linguagem em suas ambiguidades
e sutilezas unicamente para se obter fins quantitativos que atendam,
em última instância, aos interesses de uma parcela minoritária da
sociedade.
Podemos considerar assim que toda ação na qual se pretende
privar os indivíduos de sua liberdade de decidir ou agir, é uma ação
anti-democrática. Uma das manifestações anti-democráticas é a
manipulação dos indivíduos em grande escala através das
propagandas, que de forma precisa e calculada, visa interferir nas
vontades individuais profundas, tais como o desejo de poder, a
ambição por bens, a libido e demais pulsões humanas, obtendo com
isso o resultado de produzir reações definidas e padronizadas. Este
tipo de manifestação inibe a elaboração do pensamento crítico, no
qual se procura obter justamente o contrário, isto é, que cada
indivíduo encontre por conta própria a sua forma de ver o mundo e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 611

de se inserir na sociedade, não permitindo ser manipulado ou


explorado.
Em outro sentido, o filósofo indica que mesmo onde haja a
intenção para a democracia e a emancipação humana, a prática pode
ser dirigida de modo contrário. Como afirma na seguinte passagem:

As tendências de apresentação de ideais exteriores que não se


originam a partir da própria consciência emancipada,
permanecem sendo coletivistas-reacionárias. Elas apontam para
uma esfera a que deveríamos nos opor não só exteriormente pela
política, mas também em outros planos muito mais profundos
(Adorno, 1995, p. 144).

Muitos projetos políticos ou educacionais que surgem de


ideais voltados para a emancipação, podem acabar utilizando-se de
práticas que neutralizam o ideal a que se destinam. Como já
afirmava Freire: “Ao revolucionário cabe libertar e libertar-se com o
povo, não conquistá-lo” (Freire, 2004, p.85). Em Freire, é possível
encontrar ideias convergentes com as que foram expostas acima.
Sobretudo, a insistência do autor para que a metodologia e os
conteúdos sejam coerentes com as intenções teóricas pretendidas
pelo projeto. Ou seja, é incompatível e incoerente fazer uso de meios
opressivos como a manipulação para se obter a adesão de indivíduos
em favor de uma causa qualquer. Isto porque seguir-se-á um efeito
contrário ao que se pretendeu inicialmente alcançar, ou seja, o
resultado será a perda do indivíduo como sujeito pensante e
autônomo ao invés da construção do indivíduo autônomo e
consciente.
A educação voltada para a formação da consciência crítica, é
uma forma de oposição à tendência de perda da individualidade. É
um tipo de oposição mais profunda do que a oposição política, uma
vez que está inserida no processo anterior de formação, quando as
ideias e a maneira de compreender o mundo ainda não se formaram
por completo, estando assim sujeitos a alterações mais radicais.
Mais profundo seria este processo se, ao educar, houvesse a
612 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

compreensão das esferas psíquicas que estão em jogo, em cada


momento determinado, e os modos mais adequados de atuar para
fortalecer o psiquismo dos indivíduos em formação, no sentido de
preservá-los contra os processos de manipulação em massa que
estão disseminados na sociedade.
Essencialmente, existem duas funções para a educação: uma
de adaptação do indivíduo ao meio coletivo, e outra, a resistência,
que fará com que este indivíduo encontre seu lugar no meio social,
e produza as transformações necessárias para que a sociedade siga
seu processo histórico. Entretanto, estes elementos não são
equilibrados, o movimento histórico da sociedade é dialético e
variável, ou seja, em alguns momentos tende mais para a adaptação
e em outros para a resistência. A educação crítica pressupõe a
compreensão do movimento histórico e da constituição da realidade
atual, para então traçar planos em que os esforços irão fortalecer
algum ponto que esteja deficiente.
Adorno, em seu tempo, chama a atenção para o
enfraquecimento do potencial de resistência de sua geração. Os
indivíduos estavam sendo formados com uma capacidade reduzida
para a resistência, no sentido da negação ao que se é oferecido
socialmente. Por isso, a proposta negativa de fortalecer a deficiência
observada naquele período, dentro das sociedades democráticas,
isto é, fortalecer a capacidade para a negação e resistência ao
socialmente proposto e estabelecido.
Atualmente poderíamos questionar sobre as condições
encontradas na educação. Quanto mudou de lá para cá? O que foi
produzido de novo pelo movimento histórico das últimas décadas?
Ainda seria atual falar sobre a incapacidade dos indivíduos para a
resistência?
A resposta à tais questões não são simples, entretanto,
observa-se a manutenção e intensificação dos meios voltados para a
manipulação das massas. Em convergência a este fato, a educação
especializa-se no sentido de atingir parâmetros técnicos,
pontuações, estatísticas que, essencialmente não dizem nada sobre
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 613

como a consciência humana está sendo formada, mas figuram como


objetivos fundamentais. Se de um lado as escolas para as elites
econômicas formam os indivíduos que ocuparão os postos mais
altos de comando e status social, por outro lado, as escolas
destinadas às massas populares são treinadas no sentido de
reproduzirem o conformismo em relação a desigualdade. Ambos
perpetuam as condições atuais ao reproduzir aquilo que aprendem
e memorizam em termos de conteúdos e atitudes. Reproduzem
assim, em última instância, a alienação e o controle dos desejos
dentro do sistema econômico sustentado por uma desigualdade
arbitrária.
A individuação é um tema que está inserido neste contexto e
traz consigo um grande número de dificuldades. Os filósofos
frankfurtianos, no momento histórico de sua produção, estão
alertando para os efeitos da educação dedicada ao
antiindividualismo, ou seja, uma educação que têm como foco
principal a construção de comportamentos coletivos voltados a
esforços também coletivos. Devido a todos os traumas vividos nos
períodos de guerra, somados a atmosfera de desconfiança e medo
do pós-guerra, estes pensadores denunciam a facilidade para o erro
coletivo, com efeitos catastróficos. Porém, a questão é muito
complexa, não se trata simplesmente de concentrar os esforços na
direção da individualidade e criar um modelo simetricamente
contrário ao antiindividualismo. Isto porque, a educação para a
individualidade pode facilmente tornar-se uma educação para o
individualismo prático, no qual qualquer um é tido como
concorrente em potencial a ser vencido, ou seja, um tipo de
comportamento extremamente prejudicial à convivência coletiva e
também passível de manipulação, pois não é consciente.
Voltando às premissas do pensamento crítico, acredito que o
modelo mais adequado para o ser humano seria a democracia
autêntica, em que o indivíduo é formado para construir sua própria
individualidade tendo em vista a inserção no meio coletivo. Tal
inserção traria como pressuposto a conservação de diferenças
614 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

individuais no convívio coletivo, o livre trânsito de ideias e pontos


de vista divergentes, desde que estes não tenham como fim
inviabilizar o ponto de vista alheio. Esta espécie de modelo é
incompatível com os extremos de modelos coletivistas-reacionários
por um lado, ou com o individualismo inconsciente por outro. A
democracia é dialética, pois combina em si a convergência de
contrários na produção de consciências críticas. O individual e o
coletivo, a adaptação e a transformação, o comum e o diferente, o
antigo e o novo, o erudito e o popular; na democracia autêntica estes
pólos opostos são elaborados através da reflexão que se faz crítica,
são equilibrados na tensão dialética em constante movimento, são
mediatizados como extremos em busca de respostas.
É interessante pensar, ainda em confluência com o
pensamento frankfurtiano, que a mediatização da realidade, na qual
os extremos são combinados e compreendidos de forma consciente,
não é um exercício exclusivamente racional. Partindo de premissas
psicanalíticas, podemos entender que as esferas psíquicas
inconscientes são cruciais na forma como se percebe a realidade e
nas motivações, as quais são determinantes no resultado de projetos
e modelos. A sociedade tecnicista tende a soterrar ou deformar
elementos que não são racionais; alimenta com isso, de forma
invisível, comportamentos irracionais e, portanto,
antidemocráticos, mesmo dentro de modelos que defendem a
democracia. Os interesses obscuros nas negociações, a luta política
entre facções rivais motivadas por diferenças de opiniões e desejo de
poder, a justificação da barbárie em decisões que primam por dados
técnicos em detrimentos de valores humanos, estes são alguns sinais
de como o exercício democrático não ocorre de forma consciente,
uma vez que a razão ignora as influências de esferas irracionais que
acabam por comandar e definir decisões.
Sendo assim, o pensamento crítico além de mediatizar a
dicotomia da realidade através da reflexão, necessita mediatizar as
esferas do próprio psiquismo, trazendo a luz elementos irracionais
para compreendê-los em oposição à racionalidade. Este é também
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 615

um tipo de oposição a ser compreendida de forma dialética, na qual


seria interessante colocar luz no extremo que está obscurecido pelos
costumes, ou seja, a esfera inconsciente do indivíduo e da própria
sociedade.

Conclusões

A sociedade contemporânea representa um imenso complexo


de elementos divergentes e desiguais. Atualmente é preciso repensar
os pressupostos do pensamento, assim como os objetivos das ações,
afim de evitar a mera repetição do passado.
A construção do futuro se faz através da reflexão sobre o
movimento histórico que constitui o presente, assim como a
capacidade de resistência à repetição, ao propor inovações que
servirão à transformação da sociedade. Ao adaptar-se, o indivíduo
poderia ser também formado com a capacidade de transformar,
desenvolvendo teoricamente e na prática cotidiana a possibilidade
de combinação destes elementos dialéticos e complementares.
Um grande equívoco da sociedade contemporânea é
considerar apenas elementos do plano consciente, e sobretudo
técnico, para avaliar a realidade. Sabe-se, através dos estudos do
psiquismo humano, que a esfera inconsciente representada por
elementos humanos que não são racionais, afetam de modo decisivo
as ações e os pensamentos dos indivíduos, e assim criam motivações
que são invisíveis à maioria das pessoas. Criar modos de
compreender e desenvolver o psiquismo em sua completude
durante o processo de formação e aprendizagem seria um dos
grandes desafios da experiência crítica em educação, a qual não se
limitaria à repetição e conservação de conteúdos já estabelecidos,
mas pretenderia o aprimoramento do ser humano no que possui de
essencial.
Penso que a individualidade necessita comunicar-se com a
coletividade. Entretanto, esta comunhão não pode ocorrer às custas
da integridade do indivíduo, que se vê obrigado a abandonar-se no
616 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

movimento coletivo de forma irrefletida. Da relação dialética entre


a consciência do indivíduo emancipado - capaz de exercer escolhas
a partir da reflexão crítica sobre a realidade - e o coletivo da
sociedade, depende a democracia autêntica. Educar para a
democracia significa, assim, desenvolver as potencialidades
humanas que tornarão os indivíduos emancipados, pois com isso
serão capazes de criar a convivência coletiva que preserve os valores
essenciais do indivíduo na experiência democrática.

Referências

ADORNO, Theodor. W. Educação e Emancipação. Paz e Terra. São Paulo, 1995.

___________________ Mínima Moralia. Editora Ática. São Paulo, 1993.

___________________ Dialética Negativa. Editora Zahar. Rio de Janeiro, RJ,


2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra. São Paulo, 2004.


41

Educação histórica e formação do pedagogo:


uma aproximação possível, uma reflexão necessária

Sidney Miotti Neto


Tatiana Noronha de Souza

Introdução

O presente artigo tem como objetivo discutir a formação do


pedagogo no Brasil para ministrar o componente curricular de
História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a fim de
contribuir para a reflexão que leve à melhoria da formação inicial
deste profissional e das formas de ensino e aprendizagem de seus
alunos, sobretudo nas escolas públicas. Esta reflexão é parte de uma
pesquisa de Mestrado iniciada no ano de 2018 e empreendida no
Programa Interunidades de Pós-Graduação Stricto Sensu: Ensino e
Processos Formativos da Universidade Estadual Paulista (UNESP),
na linha de pesquisa Infância e Adolescência, cuja discussão se baseia
nas práticas pedagógicas no ensino de História durante os anos
iniciais do Ensino Fundamental.
A compreensão da formação inicial do pedagogo é
fundamental para o cumprimento do objetivo de pesquisa, porque
possibilita averiguar o preparo deste profissional para a atividade
específica do ensino de História, suas possibilidades e limitações,
vislumbrando apontamentos que permitam o aprimoramento
formativo do pedagogo.
Para a discussão aqui empreendida, optou-se pela seguinte
divisão das seções: (I) fundamentação teórica, na qual será exposto
618 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

o conceito de Educação Histórica, baseado no trabalho de Rüsen


(2001), como forma de desenvolvimento da consciência histórica e
da compreensão de mundo, junto dos trabalhos de Libâneo (2006),
Scheibe (2007) e Pimenta et al. (2017) acerca da precariedade da
formação do pedagogo, utilizando como base as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia
publicadas em 2006; (II) metodologia, espaço de esclarecimentos
acerca da coleta de dados e abordagem utilizada para a análise; (III)
apresentação e discussão dos resultados a partir dos dados
localizados e do referencial teórico empregado; (IV) considerações
finais, em que serão feitos apontamentos sobre a formação inicial do
pedagogo e os limites apresentados por esta pesquisa.

Educação histórica e formação do pedagogo

A formação do pedagogo tem sido norteada desde 2006 pelas


Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia. Resultado de intensos debates e embates, o documento
colocou a docência como base do trabalho pedagógico com a
aceitação de diversas instituições universitárias consultadas
(SCHEIBE, 2007). Além disso, ampliou o leque de possibilidades
profissionais dos pedagogos ao elevar sua formação para o ensino
superior e ao permitir a atuação em distintas áreas, como a gestão,
eliminando a antiga dicotomia entre técnicos em educação e
professores.
Contudo, o documento carrega algumas contradições não
resolvidas de seus embates constitutivos, pois se apresenta “[...]
como uma solução, mesmo que provisória, para uma controvérsia
que se estende há pelo menos 25 anos.” (SCHEIBE, 2007). Este
problema surge pela crítica feita ao documento como sustentado
“[...] numa concepção simplista e reducionista da pedagogia e do
exercício profissional do pedagogo, o que pode vir a afetar a
qualidade da formação de professores de educação infantil e anos
iniciais.” (LIBÂNEO, 2006, p. 848). No lugar de colocar a formação
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 619

pedagógica como a base real da docência, o documento reforçaria


uma formação rasa, sobrecarregada de disciplinas sem
profundidade crítica e uma identidade profissional específica.
É possível observar alguns pontos desta crítica na prática
através, por exemplo, da pesquisa empreendida sobre a formação
inicial do professor polivalente nos cursos de Licenciatura em
Pedagogia do Estado de São Paulo (PIMENTA et al., 2017). Esta
demonstrou:

[...] a indefinição do campo pedagógico e a dispersão do objeto da


pedagogia e da atuação profissional docente. Consequentemente,
a maioria desses cursos não dão conta de formar nem o pedagogo,
nem tampouco, o professor para os anos iniciais da educação
básica e para a educação infantil (PIMENTA et al., 2017, p. 28).

Isto ocorre pela formação do pedagogo ser dispersa e pouco


interdisciplinar, o que se intensifica pela grande quantidade de
instituições privadas que oferecem o curso em até seis ou sete
semestres. Por este motivo, discute-se se a formação do pedagogo
poderia fomentar o desenvolvimento da consciência histórica desses
profissionais que ensinam História nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Como suporte teórico para esta problematização, optou-se
por utilizar o conceito de Educação Histórica. Esta perspectiva se
baseia na ideia de que “A consciência histórica não é algo que os
homens podem ter ou não - ela é algo universalmente humano, dada
necessariamente junto com a intencionalidade da vida prática dos
homens” (RÜSEN, 2001, p. 78). Apesar de ser um dado da vida
humana, esta consciência não é acabada; ela passa por um processo
de complexificação envolvendo a educação formal e a compreensão
do modo de pensar e argumentar pela História como ciência1. Isto
implica na constatação que a escola e o ensino de História não

1
Rüsen (2001, p. 97) afirma que “O pensamento histórico-científico distingue-se das demais formas
do pensamento histórico não pelo fato de que pode pretender à verdade, mas pelo modo como
reivindica a verdade, ou seja, por sua regulação metódica”.
620 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

possuem como função permitir ao aluno conquistar a consciência


histórica, pois este já a possui devido a sua convivência social.
Ocorre, na verdade, a necessidade de torná-la mais complexa. Sendo
assim, por esta perspectiva coloca-se em questão a renovação dos
conteúdos e, mais do que isso, a problematização da própria
produção histórica:

[...] busca-se recuperar a vivência pessoal e coletiva de alunos e


professores e vê-los como participantes da realidade histórica, a
qual deve ser analisada e retrabalhada, com o objetivo de convertê-
la em conhecimento histórico, em autoconhecimento, uma vez
que, desta maneira, os sujeitos podem inserir-se a partir de um
pertencimento, numa ordem de vivências múltiplas e contrapostas
na unidade e diversidade do real. (SCHMIDT; GARCIA, 2005, p.
299-300)

As ideias expostas acima implicam uma modificação


fundamental na maneira como a relação entre o ensino e a
aprendizagem é conduzida. Isto ocorre devido, inicialmente, ao fato
de o pensamento histórico de caráter científico não possuir o
monopólio da construção de interpretações e verdades históricas.
Neste sentido, o conhecimento histórico é construído socialmente
em diferentes espaços, entre os quais o escolar (PACIEVITCH;
CERRI, 20120). O ensino de História não se constitui, portanto,
como simples transposição didática, forma pela qual os
conhecimentos produzidos em meio acadêmico são vulgarizados
para a compreensão do público leigo. O que ocorre é, na verdade,
uma forma de ensino baseada na metodologia típica do
conhecimento histórico de caráter científico, vinculada à função de
orientação temporal. Sendo assim, seria contraproducente pensar
num ensino de história deslocado das condições específicas de vida
de seus atores.
Desta forma, é impensável uma mudança no ensino de
História baseada nas proposições da Educação Histórica sem a
transformação de sua Didática (CERRI, 2017). Esta perspectiva não
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 621

impede, evidentemente, o estudo de temas distantes cultural e


temporalmente. O que é reforçado é a condição orientadora da
narrativa histórica para a vida, movida por um conhecimento de si
e de seu entorno imediato. Por isso, é possível afirmar que o estudo
de História é fundamental na constituição identitária de seus
sujeitos participantes, pois ativos no processo de autoconhecimento
e da realidade onde se encontra. Sendo a narrativa o mecanismo
fundamental de produção da História, este conhecimento permite a
complexificação das consciências porque permite o
desenvolvimento de uma forma de pensamento interrogativa, pois
permeada por argumentos racionalizados, e consciente da
historicidade do mundo (BARCA, 2012).
Por fim, vale ressaltar que esta perspectiva de ensino e
aprendizagem reforça e insiste na postura do professor como
investigador social (BARCA, 2012). Isto se deve às próprias
mudanças no trabalho com a História, que deixa de ser uma
repetição de mantras acadêmicos e se torna a inquirição da
realidade, aproximando-se da concepção de “curiosidade
epistemológica” (FREIRE, 2011). Ensinar História é, portanto,
trabalhar com seus mecanismos de produção de narrativas, sendo o
questionamento acerca de suas vidas o ponto fundamental para o
desenvolvimento das consciências históricas envolvidas no
processo.
Confirmada por pesquisas práticas, esta perspectiva
confirmou a possibilidade de sofisticar o pensamento histórico de
crianças e jovens ao não realizar meras transposições didáticas, mas
ao lançar à crítica e ao questionamento os próprios mecanismos de
produção da História como ciência, o que auxilia na quebra da
tradicional sacralidade do passado, visto como objeto pronto e sem
ambiguidades (BARCA, 2012).
Desta maneira, a busca pelo conhecimento não apenas dos
conteúdos, mas da forma como estes são produzidos, permite a
alunos e professores um tipo de consciência que possibilita uma
relação crítica com o mundo, na qual seja possível desvela-lo,
622 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

constituída coletivamente e em diálogo (FREIRE, 2016). A realidade


torna-se, assim, dinâmica, o que torna seus membros construtores
e desconstrutores ativos e conscientes de si, não meros
espectadores.

Metodologia

O levantamento feito para a realização desta discussão


ocorreu durante o mês de agosto de 2018. Foram selecionados
apenas artigos localizados em duas bases de dados digitais: Portal de
Periódicos da CAPES e Scientific Electronic Library Online (SciELO).
A pesquisa nas bases de dados foi feita com a palavra-chave
educação histórica, utilizada entre aspas. Em seguida, foi feita uma
breve clivagem com o intuito de limitar a pesquisa aos artigos
realizados por pesquisadoras e pesquisadores brasileiros que
fizessem referência aos anos iniciais do Ensino Fundamental - para
isso, foram lidos criticamente os títulos e os resumos dos artigos.
Não foi utilizada para a seleção nenhuma forma de marco temporal
ou legal. Com o intuito de limitar a pesquisa, foi feito um
cruzamento com a palavra-chave formação de professores, utilizada
também entre aspas. Contudo, não foram encontradas pesquisas
através deste cruzamento no SciELO, apenas alguns poucos
trabalhos no Portal de Periódicos da CAPES, que passaram pela
mesma clivagem especificada anteriormente. Além disso, no Portal
de Periódicos da CAPES foram selecionados somente os periódicos
revisados por pares.
Ademais, com o intuito de reforçar a discussão acerca da
formação do pedagogo no Brasil - após a publicação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,
licenciatura de 2006 -, seguindo os trabalhos de Libâneo (2006),
Scheibe (2007) e Pimenta et al. (2017), foram pesquisadas as grades
curriculares dos cursos de Pedagogia e Licenciatura em Pedagogia
das três universidades estaduais paulistas: Universidade de São
Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 623

Universidade Estadual Paulista (UNESP). Este levantamento foi feito


nos endereços eletrônicos mantidos pelas instituições para verificar
a quantidade de disciplinas e a carga horária relacionada ao ensino
de História nos anos iniciais. Especificamente, foram checadas as
disciplinas e as cargas horárias dos cursos de Licenciatura em
Pedagogia da UNESP (campi Araraquara e São José do Rio Preto),
Licenciatura em Pedagogia da UNICAMP e Pedagogia da USP. Os
cursos de licenciatura da USP oferecidos na cidade de São Paulo não
foram verificados, pois não foi possível localizar a grade curricular
detalhada em seu endereço eletrônico. Foi utilizada, portanto,
somente a grade curricular do Curso de Pedagogia do campus de
Ribeirão Preto. Optou-se por pesquisar somente estas três
universidades por suas posições de destaque no mundo acadêmico,
referendadas pela relevância de suas publicações científicas.

Apresentação de resultados e discussão

Durante o século XX, grosso modo, o ensino de História


convencionou-se como um esquema laudatório e comemorativo de
nossas “tradições inventadas”2. Memorizavam-se datas, heróis e
mitos nacionais, numa sequência lógica e inevitável de formação de
uma identidade cívica pautada pelo equilíbrio e pela colaboração
desigual de nossas etnias fundamentais. Louvação da improvável
civilização tropical que pôde, aguerrida diante de gigantescos
desafios como a brutalidade antropófaga dos indígenas e a
indolência do negro escravizado, sobreviver e resplandecer como
promessa de um futuro glorioso.

2
O historiador inglês Eric Hobsbawm escreve que “Por “tradição inventada” entende-se um conjunto
de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza
ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o
que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível,
tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.”. In: HOBSBAWM, Eric;
Ranger, Terence (Orgs.). A Invenção das Tradições. 11ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2017, p. 8.
624 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O discurso ufanista prosperou nos ambientes escolares,


sobretudo, em momentos de autoritarismo - como durante a última
ditadura civil-militar -, constituindo-se como forma de manutenção
e aceitação de uma rígida hierarquia social. Ou seja, por trás das
máscaras de louvor à pátria, das homenagens à bandeira, dos hinos
cantados euforicamente junto da declamação de poemas de Bilac3, o
status quo era preservado. A desigualdade social se mantinha e se
legitimava através do suporte dado pelo sentimento nacionalista.
Tais práticas eram evidenciadas pelos chamados Estudos Sociais4
em que os:

[...] conteúdos organizavam-se por estudos espaciais - do mais


próximo ao mais distante -, e os estudos históricos tornavam-se
bastante reduzidos, constituindo apêndices de uma Geografia local
e de uma Educação Cívica que fornecia informações sobre a
administração institucionalizada [...], sobre os símbolos pátrios
[...] e os deveres dos cidadãos: voto, serviço militar, etc.
(BITTENCOURT, 2009, p. 76)

Contudo, com a redemocratização fervilharam mudanças em


diversos aspectos da sociedade. No ensino de História, punha-se em
questão como e quais conteúdos e conceitos históricos deveriam ser
trabalhados nas escolas. Esta virada foi fomentada principalmente
pela crítica à tradicional postura autoritária vivenciada nas aulas,
cujo intuito era a reprodução de abstrações nacionalistas que
anuviavam as já enraizadas ausência de direitos e dominação

3
Destaca-se o poema de Olavo Bilac publicado em 1904, chamado A pátria: Ama, com fé e orgulho, a
terra em que nasceste!/ Criança! não verás nenhum país como este!/ Olha que céu! que mar! que rios!
que floresta!/ A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,/ É um seio de mãe a transbordar carinhos./
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,/ Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!/
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!/ Vê que grande extensão de matas, onde impera,/
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!/ Boa terra! jamais negou a quem trabalha/ O pão que mata
a fome, o teto que agasalha…/ Quem com o seu suor a fecunda e umedece,/ Vê pago o seu esforço, e é
feliz, e enriquece!/ Criança! não verás país nenhum como este:/Imita na grandeza a terra em que
nasceste!
4
Durante os anos da última ditadura civil-militar, História e Geografia não formavam disciplinas
autônomas. Eram ensinadas em conjunto nos chamados Estudos Sociais.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 625

oligárquica (NADAI, 1993, p. 150). O retorno das liberdades


individuais permitiu - ainda que pese sua morosidade -, a elaboração
de propostas e o aprofundamento de discussões pertinentes em
relação à educação de modo geral e à maneira como foi praticada.
Odiosa pela repetição de esquemas laudatórios e distantes da
realidade social dos alunos, a História como componente curricular
foi agitada por encontros e seminários realizados, sobretudo, pela
ANPUH (Associação Nacional dos Professores Universitários de
História), em que o ensino foi posto como tema de debate, como se
vê pela publicação de dossiês específicos na Revista Brasileira de
História (COSTA; OLIVEIRA, 2007). Discutia-se a experiência do
professor de História em sala de aula e sua formação, exigia-se a
autonomia da disciplina e sua obrigatoriedade, sua didática
específica e quais conteúdos deveriam ser trabalhados modificando
drasticamente o que fora vivenciado até então. O foco da discussão
era a escola pública, que passara por um processo de ampliação e
que trouxera para suas carteiras alunos que não portavam os
anseios que nosso sistema elitista de ensino prometia efetivar. Ou
seja, a:

[..] entrada de alunos de diversas idades e experiências, portadores


de diferentes culturas e vivências, em crise de identidade pela
chegada improvisada e forçada a centros urbanos, dentro do
intenso processo migratório do campo para a cidade e entre
estados - principalmente do Nordeste para o Sul -, colocou em
xeque a estrutura escolar e o conhecimento que ela
tradicionalmente vinha produzindo e transmitindo
(BITTENCOURT, 2017, p. 14).

Questionamentos eram colocados, portanto, diante da intensa


transformação social e econômica em que populações deslocadas
cultural e geograficamente tinham sua sociabilidade alterada e suas
bases tradicionais de conhecimento e comportamento entravam em
conflito com exigências distintas e desconhecidas. A escola, o
trabalho e a coisa pública eram alterados e ressignificados. O ensino
626 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

não ficaria, por fim, incólume diante de tantas mudanças. Estas


refletiram inclusive nas pesquisas, em que é possível verificar o
aumento espantoso de trabalhos científicos e publicações
relacionados ao tema do ensino de História neste século, como
atestam Gonçalves e Monteiro (2017).
Em geral, estuda-se também o profissional de História e sua
formação quando se discute o ensino. No entanto, aqueles
professores sem formação específica não receberam ainda o
tratamento necessário em relação a seus conhecimentos históricos,
como é o caso dos pedagogos. Apesar dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) incluírem História e Geografia como componentes
autônomos no currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
não parece ter ocorrido uma preocupação profunda com a formação
do pedagogo para ministrar essas aulas, que introduzem as crianças
aos conceitos históricos. Diante de nossas tradições cívicas, é
legítimo questionar, portanto, qual história tem sido ensinada nesta
etapa da aprendizagem. Sendo assim, foi possível verificar através
desta pesquisa que as bases de dados digitais utilizadas apresentam
poucos resultados direcionados aos anos iniciais, quando limitados
à proposta teórica da Educação Histórica. Foram encontrados sete
artigos relacionados ao tema buscado, entre os quais uma pesquisa
que analisa apenas livros didáticos (GEVAERD, 2012) - esta não foi
utilizada para o encaminhamento da discussão. A separação deste
material permitiu a definição de alguns pontos que merecem
destaque:

Recorrência de artigos da Professora Doutora da


Universidade Estadual de Londrina (UEL) Marlene
Rosa Cainelli, cuja participação é atestada por cinco
artigos distintos (OLIVEIRA; CAINELLI, 2013;
CAINELLI, 2011; CAINELLI; TUMA, 2009; TUMA;
CAINELLI; OLIVEIRA, 2010; CAINELLI, 2006);
Todas as publicações realizadas foram feitas por
mulheres, o que demonstra a manutenção de uma
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 627

tradição de trabalho vinculada ao gênero feminino nos


anos iniciais do Ensino Fundamental (ZARBATO, 2015;
OLIVEIRA; CAINELLI, 2013; CAIMI; OLIVEIRA, 2015;
CAINELLI, 2011; CAINELLI; TUMA, 2009; TUMA;
CAINELLI; OLIVEIRA, 2010; CAINELLI, 2006);
Quantidade majoritária de publicações vinculadas às
instituições paranaenses de ensino superior, sobretudo
à UEL, fugindo da tradicional conexão com as
universidades da região Sudeste (OLIVEIRA; CAINELLI,
2013; CAIMI; OLIVEIRA, 2015; CAINELLI, 2011;
CAINELLI; TUMA, 2009; TUMA; CAINELLI; OLIVEIRA,
2010; CAINELLI, 2006);
A existência de apenas um artigo situando pedagogos
em ambiente de formação (ZARBATO, 2015). Os outros
trabalhos concentram-se em pesquisas e discussões
acerca da aprendizagem ou conhecimento histórico das
crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental
(OLIVEIRA; CAINELLI, 2013; CAIMI; OLIVEIRA, 2015;
CAINELLI, 2011; CAINELLI; TUMA, 2009; TUMA;
CAINELLI; OLIVEIRA, 2010; CAINELLI, 2006);
A perspectiva teórica abordada nesta pesquisa ser
recente, como atesta a publicação mais distante
(CAINELLI, 2006).

Os destaques acima se somam à pesquisa realizada nos


endereços eletrônicos das universidades estaduais paulistas, cujo
resultado não reduz a preocupação em relação à formação do
pedagogo que ensina História. Das grades curriculares selecionadas,
dois pontos auxiliarão na condução da argumentação:

Somente o Curso de Licenciatura em Pedagogia da UNESP de São


José do Rio Preto possui uma disciplina autônoma de Conteúdo e
Metodologia do Ensino de História. Os outros cursos pesquisados
unem História e Geografia na mesma disciplina (Fundamentos do
Ensino de História e Geografia - UNICAMP; Conteúdo,
628 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Metodologia e Prática de Ensino de História/Geografia - UNESP


campus de Araraquara; Metodologia do Ensino de História e
Geografia - USP).
A carga horária padrão destas disciplinas é de sessenta horas, de
duração semestral. Estas horas fazem referência ao trabalho
teórico, não sendo computado o tempo de atividades práticas.

Os dados acima elencados permitem em consonância a


elaboração de alguns apontamentos. Depois de formado, o pedagogo
está apto, como informa o Parecer CNE/CP Nº 5/2005, para “aplicar
modos de ensinar diferentes linguagens”, entre elas a histórica, “de
forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do
desenvolvimento humano, particularmente de crianças”, pois o
núcleo de estudos básicos do Curso de Pedagogia articula, entre
outros, a “decodificação e utilização de diferentes linguagens
utilizadas por crianças, além do trabalho didático com conteúdos,
pertinentes aos primeiros anos de escolarização [...]”. Sendo assim,
questiona-se a formação do pedagogo em relação a sua capacidade
de conseguir articulares as exigências legais com as intelectuais e
práticas.
Utilizando como parâmetro o Curso de Licenciatura em
Pedagogia do campus da UNESP de São José do Rio Preto, uma
disciplina isolada com carga horária de sessenta horas seria capaz
de dar o suporte histórico necessário para o professor dos anos
iniciais? Isto posto, vale acrescentar que o conhecimento histórico
do professor não diz respeito apenas a uma aplicação prática de
ensino de conteúdos. Mas também uma forma de localização
temporal a partir da complexificação de sua consciência histórica,
capaz de desenvolver a capacidade de arguir sua realidade e auxiliar,
como exige a Resolução CNE/CP Nº 1/2006, no conhecimento e na
identificação de “problemas socioculturais e educacionais com
postura investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades
complexas, com vistas a contribuir para superação de exclusões
sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e
outras”.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 629

Além disso, se usarmos como pressupostos que ensinar


História é também ensinar o seu método e que o uso de fontes
variadas deve ser uma constante (NADAI, 1993), é possível especular
se a formação do pedagogo daria o salto necessário à superação da
“[...] prática corriqueira da escola considerar que basta datar os
acontecimentos para que se realize a localização temporal da
criança” (ABUD, 2012, p. 11), o que transforma, em geral, o conteúdo
de História na memorização de datas cívicas, como a chegada de
Pedro Álvares Cabral, a Proclamação da Independência e a Abolição
da Escravatura. Mesmo que as disciplinas elencadas de formação
tenham se fortalecido a partir de perspectivas críticas que incitem
mudanças nos conteúdos e nas formas de interpretá-los - como, por
exemplo, a retirada do termo descobrimento para se referir à
chegada dos europeus ao novo continente ou a inclusão de temáticas
vinculadas às minorias, como indígenas e quilombolas -, em que
medida o ensino de História nos anos iniciais não foi alterado apenas
na superfície? Existe uma mudança qualitativa ao modificar
denominações sem modificar os métodos? Evidentemente, uma
metodologia de ensino que se forma através do sequenciamento de
fatos tende, sem instigar a dúvida e o conhecimento do modus
operandi que produziu o próprio fato histórico, a cair no esquema
tradicional de transmissão de conteúdos prontos; em outras
palavras, a “educação bancária” (FREIRE, 2016).
Estas preocupações ainda não ganharam corpo no que diz
respeito ao suporte teórico utilizado nesta pesquisa. Os poucos
resultados localizados permitem afirmar que há pouca reflexão em
relação à constituição da consciência histórica do pedagogo, o que se
agrava diante do que foi afirmado por Pimenta et al. (2017) acerca
da precariedade de sua formação. Apesar de ter sido uma conquista
lançar ao ensino superior a tarefa de formar os professores, a ampla
formação do pedagogo tem gerado obstáculos para sua função
polivalente, já que, em média, menos de 40% da carga horária total
dos cursos de Licenciatura em Pedagogia do Estado de São Paulo diz
respeito aos conteúdos curriculares. Ademais, a docência foi
630 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

apontada pela documentação oficial como a base do trabalho


pedagógico (SCHEIBE, 2007). No entanto, o próprio trabalho
docente estaria sendo prejudicado pela precariedade da formação do
pedagogo diante da ausência de conteúdos específicos das
disciplinas do Ensino Fundamental, e pela irrisória quantidade de
horas empregadas para buscar o domínio de não apenas “os
conteúdos, mas, especialmente, o modo de pensar, raciocinar e
atuar próprio de cada disciplina, dominar o produto junto com o
processo de investigação próprio de cada disciplina” (LIBÂNEO,
2006, p. 861). Por fim, entende-se que:

A utilidade da história se dá pela consciência de como os


acontecimentos que narramos ganham sentido, e de como o
conhecimento deles nos ajuda a nos orientar no tempo, articulando
as nossas decisões com nossa experiência pessoal ou aprendida dos
livros sobre o passado, e por fim com as nossas expectativas
individuais e coletivas. (CERRI, 2017, p. 117)

Isto posto, resta o questionamento se para além de conteúdos


e métodos, o pedagogo tem sido formado como sujeito histórico
autônomo e consciente de seu entorno para poder desempenhar sua
função e enfrentar os inúmeros problemas que, historicamente,
assolam a diversa e contraditória educação brasileira?

Considerações finais: uma aproximação possível, uma reflexão


necessária

É possível afirmar a partir desta pesquisa que tanto os


conhecimentos quanto a consciência histórica do pedagogo ainda
não receberam o tratamento científico devido. Inserido dentro do
problema da formação inicial do pedagogo, constatou-se que esta
talvez não possibilite o domínio de conteúdos, conceitos, métodos e
formas de pensar típicos da História como ciência. Sendo assim, é
legítimo questionar os documentos legais que norteiam a formação
deste profissional, pois sobrecarregam de disciplinas os graduandos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 631

sem fornecer a profundidade crítica necessária. Além disso, nota-se


que, apesar de haver pesquisas seguindo a perspectiva da Educação
Histórica nos anos iniciais do Ensino Fundamental, não há ainda
uma preocupação com o profissional que ensina História nesta
etapa. Sendo assim, esta pesquisa se coloca como uma aproximação
ao tema ao apontar a necessidade de uma reflexão acerca da
formação histórica do pedagogo para além das necessidades
escolares práticas e ao insistir na premência da formação do
pedagogo como agente histórico consciente de sua realidade,
fortalecido para lidar com a diversidade e as dificuldades que
encontra em seu ambiente de trabalho.
Esta pesquisa se limitou a averiguar se existe a preocupação
no espectro teórico da Educação Histórica acerca da formação de
pedagogos. Sendo assim, preocupou-se em realizar uma
aproximação ao tema e apontar possíveis problemas e discussões
pertinentes ao assunto. Como não foram pesquisadas as ementas ou
os programas das disciplinas sobre conteúdos e métodos de ensino
de História, não foi possível aprofundar a forma como têm sido
ensinados nas instituições de ensino superior. Por fim, ao utilizar
um método de pesquisa bibliográfico, também não se averiguou se
as especulações realizadas neste artigo são condizentes com a
realidade, por não ir a campo e investigar as práticas pedagógicas de
ensino de História nos anos iniciais ou a consciência histórica de
professores formados nos Cursos de Licenciatura em Pedagogia
utilizados como exemplo.

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42

Educação permanente:
um sonho possível

Lucas Perdigão Pereira

Introdução

No final da década de 1950, Hannah Arendt lança importante


reflexões sobre um problema amplamente discutido na atualidade,
a crise na educação. Tais reflexões incita-nos a pensar meios pelos
quais poderíamos também nós pensarmos a crise na/da nossa
educação.
Dentre os pontos centrais destacados por ela está o fato de que
a educação “não deve desempenhar nenhum papel na política
porque na política se lida sempre com pessoas educadas” (ARENDT,
p.04), ou seja, nesse ambiente o educar, em sua práxis, não se faz
necessário.
Mas antes de explicarmos o que a filósofa entende por
educação, devemos buscar no passado educacional brasileiro
algumas ideias de educação que fizeram e ainda fazem parte da
memória de muitos educadores com o intuito de explicar melhor o
próprio contexto brasileiro de educação, para entendermos melhor
a filósofa. Afinal, toda compreensão precisa estar contextualizada.
Dentre os modelos de educação do nosso passado faz-se
necessário salientar a Escola Tradicional elaborada durante o século
XIX, o qual caracteriza-se por não permitir o questionamento das
autoridades. O Gestor é um burocrata autoritário, cuja preocupação
fundamental é controlar e aplicar programas e ordens oriundos dos
636 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

órgãos governamentais. Diante dessa realidade o aluno é apenas um


ser passivo, somente replica aquilo que é transmitido pelo professor
de forma disciplinar.
Com o intuito de romper com essa realidade, dita
anteriormente, surge a Escola Nova. O ponto culminante da
metodologia impressa no cerne dessa corrente pedagógica, está
centrada no aluno, ele é o protagonista do processo ensino e
aprendizagem. O importante não é aprender, mas aprender a
aprender. O professor torna -se estimulador e orientador de
aprendizagem.
Com amplas raízes fincadas na Escola Nova, tem início no
Brasil na década de 1920, a Escola Ativa. Em tal modelo escolar são
privilegiadas as relações pessoais, assim, na relação professor-aluno,
o professor fica na posição de facilitador de um processo de ensino
e aprendizagem. A organização curricular não é bem definida, para
atender aos interesses e vivências dos alunos, assim juntos com seus
professores.
A Escola Comportamentalista surge inspirada na psicologia
behavorista, contrapondo os modelos pedagógicos formulados na
Escola Nova e Escola Ativa, seus principais expoentes eram John
Watson e Skinner. Tem como eixo central a pedagogia por objetivos,
são valorizados os papéis das estruturas e dos organogramas
normatizados. A relação professor-aluno é marcado pelo poder
centrado na figura do professor, o qual está incumbido de verificar
se os discentes estão conseguindo atingir, determinados objetivos
estabelecidos pelo Estado. O aluno e passivo em todo o processo de
aprendizagem.
A que se destacar nosso último modelo expoente educacional,
a Escola Construtivista, com contribuições pontuais de Bruner,
Novak, Ausebel e outros, está a concepção de conhecimento da
aprendizagem, esta possui laços profundos cingidos a teoria
genética do suíço Jean Piaget.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 637

“No construtivismo o professor deve ser subtraído a sua formação


dos conteúdos escolares em prol do desenvolvimento de
habilidades que o levem a gerar a autonomia no aluno que é o
pesquisador no processo de aprendizagem. A forma de avaliar (...)
deve ser mediadora, formativa e a favor do aluno.” (AZENHA, p.19)

Diante dessas correntes pedagógicas, vislumbramos um aluno


hora muitas vezes passivo no processo de ensino-aprendizagem, ora
na busca por um saber sem parâmetros fincados a realidades
vivenciadas naquele contexto. Tais modelos não deram certo porque
em sua práxis educativa o aluno, mas não o ensinava, “...uma
educação sem ensino é vazia e degenera com grande facilidade numa
retórica emocional e moral”( ARENDT, p.14).
Porém, até mesmo sistemas pedagógicos como o
Construtivismo ou o sócio interacionismo, o qual segue uma linha
que atenda ao exposto pela filósofa Hannah Arendt, ainda não
conseguiu vencer a crise vigente dentro da educação. Então qual
seria o motivo dessa crise?

Entre o micro e o macro: a escola

Para entendermos melhor esse paradigma que se apresenta é


preciso quebrarmos as barreiras focadas em um sistema
pedagógico. A crise é acarretada por vários fatores somados, e para
podermos compreendê-los, faz se necessário entrar em contato com
o local, em que a dinâmica educacional acontece, a escola.
Dentro desse micro espaço, no qual as relações são latentes,
angariamos dados importantíssimos, e se não responde ao
problema elucidado, pelo menos nos dá clareza do exposto, para
criarmos estratégias com vistas a reverter essa realidade
educacional.
A fenomenologia e a etnometodologia serão de grande valia,
nessa caminhada. Assim buscaremos tratar de “descrever, não de
explicar nem analisar” o mundo-da-vida (MERLEAU-PONTY,
2011,p.03) na escola. A descrição é o ponto chave na pesquisa
638 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

qualitativa fenomenológica, ela não traz julgamentos


interpretativos, mas um relato da vivência da experiência e suas
nuanças.
Na perspectiva etnometodológica “faremos uma busca
empírica dos métodos que os indivíduos utilizam para dar sentido e,
ao mesmo tempo, construir suas ações cotidianas: comunicar,
tomar decisões raciocinar (...) o estudo dessas atividades de todos os
dias, quer sejam triviais ou eruditas...” (COULON, 1995, p.17).
Diante desses subsídios metodológicos, entramos em contato
com a escola, espaço onde reúne um grupo extremamente complexo
com idades variadas e as mais diferentes formas de pensar, classes
sociais distintas, motivos díspares pelos quais se apresentam nesse
local.
Na perspectiva de um olhar macro “a escola é o centro de
rituais complexos que regem as relações pessoais. Existem jogos,
equipes (...) um conjunto de cerimônias, tradições e leis. Tudo isso
constitui um mundo diferente do mundo dos adultos, possui sua
própria cultura, a dos jovens que está separada da cultura dos
adultos” (COULON, 1995, p.63-64).
É nesse ponto que acabamos cometendo um equívoco
epistemológico durantes os estudo voltados à aprendizagem dos
alunos; pois, por mais importante que aparenta ser tais estudos, o
problema é anterior ao próprio conflito professor/alunos, haja vista
que, a aprendizagem não acontece somente nesse momento, mas faz
se necessário ampliar o foco para todo torno da escola, os quais
fazem parte: diretores, vice–diretores, professores, coordenadores e
também funcionários locados na secretaria. Profissionais
compromissados buscam aprofundar as relações entre si e os
discentes, deveram aprimorar seus conhecimentos, a fim de
contribuir para um ambiente salutar, dentro da Unidade Escolar.
Esse grupo com funções distintas, o qual mantem contato
direto com os discentes, acabam formando vínculos profissionais e
afetivos estáveis e que interrupções e conflitos podem resultar em
distúrbios psicológicos” (BOWBY, 1988, p.64), os quais podem levar
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 639

formação de bloqueios, dificultando a aprendizagem dos jovens.


Diante dessa premissa fica evidente o bom preparo desses
especialistas para saber como se relacionar com os alunos no
processo escolar, “uma rede de apoio social e afetiva eficiente está
associada à prevenção de violência e ao fortalecimento de
competências, bem como do senso de pertencimento e da maior
qualidade dos relacionamentos” (BOWBY, 1988, p.64).
Assim ao salientarmos as reflexões feitas por Hannah Arendt,
a qual destaca que a função do professor é dupla tanto assume a
responsabilidade pelos seus alunos, quanto pelo mundo, a fim de
protege-lo, mostrando sua importância a eles é de grande valia,
porem ao referendarmos o caso educacional brasileiro, com o intuito
de suprimir a crise posta pela filosofa, essa responsabilidade deve
ser compartilhada por outros integrantes do espaço educacional,
dito anteriormente. E é por meio desse trabalho em conjunto que o
desenvolvimento da atividade docente fará sentido.
Tal e qual o docente está imerso a essa rede de apoio e será
mais um membro atuante, e todos focados em garantir de forma
ética, uma educação que faça sentido ao aluno. Para tanto não
devemos ficar avesso a realidade a qual nosso jovem faz parte, nos
dizeres de Bauman (2013, p.21)” a forma de vida em que a geração
jovem de hoje nasceu, de modo que não conhece nenhuma outra, é
que a sociedade de consumidores e uma cultura “agorista” –
inquieta e em perpétua mudança – que promove o culto da novidade
e da contingência aleatória”
Com o foco nessa nova realidade discente, os professores
devem garantir, por meio de metodologias procedimentais,
estratégias que promova o desenvolvimento de habilidades,
essenciais no decorrer de suas ações cotidianas, que perpassa pelo
ambiente familiar, social e até mesmo de trabalho, uma
aprendizagem significa.

“... segundo Ausbel, é, pois, um produto “fenomenológico” do


processo de aprendizagem, no qual o significado potencial,
640 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

inerente aos símbolos, converte-se em conteúdo cognitivo,


diferenciado para um determinado indivíduo. o significado
potencial converte-se em significado “fenomenológico”, quando
um indivíduo, empregado um determinado padrão de
aprendizagem, incorpora um símbolo que é potencialmente
significativo em sua estrutura cognitiva.” (MOREIRA; MASINI,
2001, p.14)

Diante disso espera – se uma integração entre os grupos


pertencentes a unidade escolar, já destacados anteriormente, para
melhor efetivação do processo ensino e aprendizagem, adequada a
realidade dos nosso aluno.
Para que tal trabalho se torne eficaz e pontual faz se
necessário o estudo de metodologias, tais como Fenomenologia e a
Etnometodologia, de grande valia para auxiliar no contato da
realidade educacional, a qual os discentes estão inseridos.

Procedimentos metodológicos

Em geral a pesquisa parte de um problema com o intuito de


propor ou ajudar a construir soluções. Além de não ser isenta das
marcas de seu tempo e do processo histórico, a pesquisa, em
especial, a em educação, não é “asséptica”, isto é, isolada da
realidade e nem de seu produtor, o pesquisador que é sempre
conduzido por seus princípios e valores ( LÜDKE; ANDRÉ, 1986)
Uma pesquisa em educação deve se pautar por um método,
capaz de se preocupar com sua efetividade e capacidade de atuação
no social e sempre contextualizada.
Diante disso e com o intuito de aprofundar as pesquisas
dentro do ambiente educacional buscaremos na Fenomenologia e na
Etnometodologia, caminhos que se adequam a realidade liquefeita,
na qual os fenômenos educacionais estão inseridos.
Nos dizeres de Merleau-Ponty (2011, p.14), a fenomenologia
não está em busca do que torna a experiência de mundo possível, ou
seja, suas origens, ou como se constitui, mas tenta buscar “‘aquilo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 641

que ela (a experiência) é”, a sua essência, sem deixar de ressaltar a


influência do contexto e do vivido.
A descrição dentro do campo fenomenológico dever ser
realizado de forma qualitativa, na busca pela descrição dos
fenômenos conforme compreendido pelo pesquisador. “A
interrogação que expressa a perplexidade do pesquisador orienta os
passos a serem dados em busca da compreensão e explicitação do
compreendido e interpretado” (BICUDO, 2011, p.38).
A pesquisa fenomenológica é considerada rigorosa e radical,
possuindo dois momentos básicos: epoché, “quando põe o fenômeno
em suspensão, destacando-o dos demais co-presentes ao campo
perceptual do pesquisador” e redução, “quando descreve o visto,
seleciona as partes da descrição consideradas essenciais ao fenômeno”
(BICUDO, 1994, p.20). Por meio de tais recursos a fenomenologia visa
cumprir o que lhe é proposto, voltar as coisas mesmas.
É sob essa perspectiva que a fenomenologia parece sugerir
elementos para uma reflexão mais efetiva, profundamente engajada
de toda práxis educacional. Os estudos fenomenológicos na
educação podem ser tratados em duas direções: uma no
aperfeiçoamento e compreensão do ato de educar; outra, oferecer
um caminho para a autonomia da observação em primeira pessoa
do estudante.
A fenomenologia apresentada anteriormente serviu de
alicerce/inspiração para a etnometodologia, vista como uma nova
abordagem dentro das ciências sociais, de acordo com o sociólogo
Harold Garfinkel, corresponde a um raciocínio sociológico prático,
empregado pelos membros da sociedade, observado na gestão de
seus negócios cotidianos. A sociologia de Garfinkel se institui sobre
o reconhecimento da capacidade reflexiva e interpretativa própria
de todo ator social.
Apresenta a noção do compreender em contraste com o
explicar, e propõe o estudo dos processos de interpretação que
utilizamos em nossa vida de todo dia, para darmos sentido às nossas
ações e às ações dos outros. A linguagem cotidiana esconde todo um
642 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

tesouro de tipos e características pré-construídos de essência social,


que abrigam conteúdos inexplorados. O mundo social é o da vida
cotidiana, vivida por pessoas que não tem nenhum interesse teórico,
a priori, pela constituição do mundo: e um mundo intersubjetivo de
rotinas, em que todos os atos da vida cotidianas são em geral,
realizados na prática.
Em educação “a etnometodologia que, a fim de compreender
a linguagem institucional comum do grupo, considera indispensável
que seja compartilhada. É preciso que o pesquisador seja
testemunha do que pretende estudar; caso contrário, seja qual for
seu talento de detetive, terá apenas “resíduos da ação social”
(COULON, 1995. P.76).
A pretensão é chegar ao todo educacional, desse todo também
podemos citar as desigualdades e suas (re) produções no sistema
educacional são temas de estudos da Etnometodologia, que vai em
busca dos sentidos produzidos pelos atores em interação e não nas
suas origens. Para ele “os estudos etnometodológicos em Educação
se propõem a descrever as práticas dos atores do sistema educativo”
com a finalidade de mostrar que as práticas fenomênicas do
cotidiano, inclusive as desigualdades, “não respondem a uma ordem
diabólica oculta, mas são os participantes no ato educativo quem,
dia a dia, as vão criando” (COULON, 1995, p. 113).

Discussão dos resultados

Ao referendarmos os dizeres marcantes de Hannah Arendt,


sobre o campo educacional, no qual abrimos um leque para a
realidade brasileira, é possível salientar que desenvolver pesquisas,
com aportes fincados na fenomenologia e na entnometodologia,
trará possibilidades para compreender melhor o todo educacional
brasileiro, e na ocasião dentro de uma unidade escolar, reflexo das
mudanças, as quais fazem parte do ambiente liquido - moderno.
Cenário marcado pela transitoriedade universal, a fluidez
instantânea das coisas, dos conhecimentos, das relações humanas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 643

“tudo nasce com marca da morte iminente e emerge da linha de


produção com o ‘prazo de validade’ impresso ou presumido”
(BAUMAN, 2013. p.22).
A educação inserida nesse contexto, acaba por seguir o
modelo de mercado, é preciso desenvolver o talento de aprender
depressa e a capacidade de esquecer instantaneamente o que foi
aprendido. As informações envelhecem com rapidez, o
conhecimento é mais um objeto a tornar-se descartável. Diante
dessa prerrogativa, a garantia de sucesso é não deixar passar o
momento em que o conhecimento adquirido precisa ser esquecido,
substituído (BAUMAN, 2010).
Tanto a fenomenologia quanto a etnometodologia,
apresentam condições, em suas práxis formativa, para compreender
esse todo inserido no espaço educacional e possibilitar reflexões por
meio do que se apresenta. Para a fenomenologia o mundo da vida
educacional, tal como ele é vivido pelos homens, é um mundo de
coexistência e de conflitos. A análise da coexistência apresentar-se-
á como sendo a forma originária peculiar da vida social onde a
educação se situa, com os seus correlatos de liberdade, valor,
significado, finalidade, sentido, ação. A ciência eidética do vivido
educacional, a partir de então, se apresenta como a busca de
fundamentos e como a explicitação de sua inserção concreta e
existencial no mundo em sua cotidianidade.
Assim a etnometodologia buscará descrever as práticas
inerentes ao meio educacional, em que seus atores os diretores, vice-
diretores, professores coordenadores, professores, bem como
outros funcionários locados no interin escolar, com o intuito de
“colaborar na modificação de suas práticas, abrindo-lhes o acesso
aos mecanismos dessas interações” (COULON, 1995, p. 163).
Dentro dessa dinâmica estaremos levando ao grupo de
profissionais, locados na escola, um conhecimento metodológico
essencial, para aperfeiçoar o trabalho com o aluno, e possibilitando
a formação efetiva de uma rede de apoio no processo ensino e
aprendizagem.
644 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Conclusões

Pensar em mecanismos para transpor tal crise é de grande


valia para nossa contemporaneidade, haja vista que os modelos
pedagógicos instituídos até a atualidade não estão conseguindo a
plenitude de suas propostas.
O intuito desses estudos é garantir meios para uma educação
e aprendizagem para durar toda a vida, sendo impensáveis de
qualquer outro modo que não seja aquele continuo e perpetuamente
incompleto. Diante das concepções liquido-modernas não existe
uma cultura da sociedade, unitária, homogênea e universalmente
aceita e praticada, mas a cultura é vista como um terreno de luta,
onde se enfrentam diferente e conflitantes concepções de vida social.
Devemos estar em contato com esse todo social, para garantir
aos alunos uma educação permanente, no qual o conhecimento deve
ser constantemente renovado frente a realidade das mudanças.

Referências

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 5ª


edição, 2001.

AZENHA. Maria da Graça. Construtivismo: De Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo:


Ática, 1997.

BAUMAN, Zygmunt. Sobre educação e juventude: conversas com Ricardo Mazzeo.


Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

________. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos. Rio de


Janeiro: Zahar, 2010.

BICUDO, M. A. Aspectos da pesquisa qualitativa efetuada em uma abordagem


fenomenológica. In: BICUDO, M. A. (Org.). Pesquisa qualitativa segundo
uma visão fenomenológica. São Paulo: Editora Cortez, 2011, p. 29-40.
Disponível em: < http://www.mariabicudo.com.br/resources/
DOC041114-011.pdf >. Acesso em: 26 jan. 2016.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 645

__________. A. Sobre a fenomenologia. In: BICUDO, M.; ESPOSITO, V. (Orgs.).


Pesquisa qualitativa em educação: um enfoque fenomenológico.
Piracicaba: Editora da UNIMEP, 1994. p. 15-22.

BOWLBY,J. Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes. 1988.
p.64.

COULON, A. Etnometodología e educacão. Petrópolis: Vozes, 1995.

GARFINKEL, H. Studies in ethnomethodology. Cambridge, UK: Polity Press,


1984.In: MAIA, M. F.G.; ROCHA, J. D. T. A Fenomenologia na pesquisa na
pesquisa em educação: um olhar sobre a etnometodologia e a etnopesquisa
crítica. Atos de Pesquisa em Educação – ISSN 1809-0354 Blumenau – vol.
11, n. 3, p.718-736 set./dez. 2016.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São


Paulo: EPU, 1986.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: WMF Martins


Fontes, 2011.p. 14.

MOACIR, Gadotti. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2003.

MOREIRA, M. A.; MASINI, E. F. S. Aprendizagem significativa: A teoria de David


Ausubel. São Paulo: Centauro, 2001. p.14.
43

Elaboração de significados com


experimentação no Ensino Superior:
uma análise através do
estágio supervisionado em química

Teily Cristiane Bento

Introdução

A Química proporciona uma contribuição essencial à


humanidade, pois se encontra presente em quase tudo que nos cerca
(ZUCCO, 2011). Dessa maneira, o ensino dessa ciência é importante,
pois visa a formação do cidadão, propiciando aos alunos o
desenvolvimento da capacidade de julgar, avaliar e tomar decisões
importantes para o bem-estar da população (SANTOS e
MORTIMER, 1999). Entretanto, durante a história do ensino de
química, um grande número de estudantes vem apresentando
dificuldades de aprendizagem (NUNES e ADORNI, 2010).
De acordo com Mortimer, Machado e Romanelli (2000), o
ensino tradicional prioriza somente aspectos conceituais da
Química, onde os alunos são expostos a um montante de
informações prontas que devem ser memorizadas para atingir
objetivos como a aprovação para a série seguinte ou ainda o ingresso
no ensino superior, não havendo qualquer contextualização com a
realidade desses estudantes.
Para autores como Borges (2002) e Gil-Pérez et al (2001), o
ensino tradicional de ciências, desde a escola primária até o ensino
superior, têm se apresentado pouco eficaz, contribuindo para a
648 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

propagação de uma visão distorcida da Ciência. Conforme os


Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) o conteúdo da disciplina
de química deve ser transmitido através de associações com o
cotidiano. Um recurso que pode ser usado no ensino de química
para auxiliar na aprendizagem é a experimentação.
Segundo Hodson (1988), quando se fala de experimentação
no ensino é essencial esclarecer os objetivos de se usar a
experimentação na Ciência e no Ensino de Ciências. O uso de
experimentação na Ciência tem o objetivo de desenvolver teorias, ou
seja, construir conhecimento científico, já no Ensino de Ciências a
experimentação é usada para atingir fins pedagógicos, como a
aprendizagem de conceitos.
As atividades experimentais, tanto no ensino médio como no
ensino superior, abordadas de maneira tradicional são
caracterizadas pelo uso de um roteiro “receita de bolo” determinado
previamente pelo professor ou ainda pelo material didático. Nessa
perspectiva, os estudantes seguem mecanicamente a sequência de
etapas presentes no roteiro, assumindo um comportamento
passivo, assim, o professor assume o papel principal no processo de
construção do conhecimento.
O uso de atividades experimentais tradicionais pode
possibilitar aos alunos o desenvolvimento de competências como:
desenvolvimento do espírito cooperativo, capacidade de interpretar
dados, capacidade de construir e usar gráficos e tabelas, possibilitam
que os alunos tenham acesso a técnicas de laboratórios, trabalho em
grupo, entre outros. A experimentação tradicional também é um
recurso que pode ser usado para proporcionar aos alunos um
primeiro contato com o ambiente do laboratório, já que os alunos
não estão habituados a esse ambiente (OLIVEIRA, 2009).
Frequentemente professores usam as atividades experimentais
tradicionais com o objetivo de provar na prática se uma teoria está
certa (HODSON, 1988). O uso dessas atividades para comprovação de
teorias por parte dos professores é devido as visões simplistas que os
mesmos apresentam sobre a Ciência (GALIAZZI e GONÇALVES,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 649

2004) e essas visões distorcidas sobre a Ciência acabam sendo


transmitidas a seus alunos, dificultando a compreensão sobre o que é
a Ciência e como ela ocorre (GIL-PÉREZ et al, 2001).
Azevedo (2004), deixa claro que no uso atividades
experimentais de caráter tradicional os alunos são meros
expectadores, sem poder sobre a construção do seu conhecimento,
o aluno quase não tem oportunidade de propor hipóteses e discutir
sobre o que está ocorrendo no experimento, e isso dificulta o
desenvolvimento de habilidades importantes.
Nesse contexto, é importante buscar alternativas que envolvam
mais os estudantes no processo de ensino e aprendizagem e que
promova uma imagem mais apropriada da Ciência e do trabalho
científico. Muitos trabalhos na área de Ensino de Ciências apontam
que os estudantes aprendem mais sobre a Ciência e desenvolvem
cognitivamente melhor seus conhecimentos conceituais quando
participam de investigações científicas semelhantes às feitas nos
laboratórios de pesquisa (CARVALHO, 2003). Assim, as abordagens
experimentais problematizadora e investigativa tornam-se
alternativas interessantes para a aprendizagem de Química.
Para Francisco Júnior, Hartwig e Oliveira (2008), a
experimentação problematizadora é fundamentada nos três
momentos pedagógicos que foram propostos por Delizoicov (2005),
para o ensino de Ciências com base nas ideias freireanas para o
ensino informal.
A proposta de Francisco Júnior, Hartwig e Oliveira (2008),
para uma experimentação problematizadora está fundamentada em
três momentos pedagógicos, sendo eles: a problematização inicial, a
organização do conhecimento e a aplicação do conhecimento.
Em uma experimentação problematizadora, no primeiro
momento pedagógico (problematização inicial) o professor irá
apresentar aos alunos o experimento antes de iniciar qualquer
discussão teórica, os alunos farão anotações sistemáticas e rigorosas.
Nesse momento o professor não deve disponibilizar aos alunos
informações prontas, mas sim, organizar a discussão,
650 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

problematizando, questionando os alunos, levando-os a refletir


sobre a insuficiência de seus conhecimentos quando comparado ao
conhecimento científico necessário para interpretar o problema em
questão e assim reconhecer a necessidade de novos conhecimentos
com os quais possam interpretar mais adequadamente os resultados
experimentais que foram obtidos com a atividade. Nessa etapa, além
da escrita, a fala aparece como um aspecto importante na
aprendizagem dos alunos, pois os alunos devem falar sobre o
fenômeno observado e assim tornar sua compreensão mais crítica
(FRANCISCO JÚNIOR; HARTWIG; OLIVEIRA, 2009).
No segundo momento pedagógico, ocorre a organização do
conhecimento. Nessa etapa o conhecimento científico é
problematizado a partir das anotações feitas pelos alunos, com a
intenção de que ocorra a compreensão do conhecimento científico
ou da situação problematizada (JESUS et al, 2011).
O terceiro e último momento pedagógico é destinado a
preparar os alunos para utilizarem os conhecimentos que estão
adquirindo, em uma nova situação que se apresenta, objetivando a
verificação da capacidade dos alunos em mobilizar seus
conhecimentos diante de novos contextos (DELIZOICOV, 2005).
Dessa maneira a experimentação problematizadora segundo
Francisco Júnior, Hartwig e Oliveira (2008), deve proporcionar aos
alunos a possibilidade de realizar, registrar, discutir com os colegas,
refletir, propor hipóteses e explicações, ou seja, o aluno tem a chance
de discutir com o professor todo o experimento.
Outra alternativa que vem sendo alvo de grande interesse nas
últimas décadas na tentativa de melhorar o processo de ensino e
aprendizagem no ensino de Química, é o uso de atividades
investigativas (BIANCHINI e JÚNIOR, 2015).
Segundo Bianchini (2011), o objetivo de tal metodologia é
fazer com o que o aluno desenvolva habilidades como pensar,
debater, justificar, argumentar, e aplicar seus conhecimentos, pois
assim ele participa da sua própria aprendizagem percebendo a
grande importância disso.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 651

Carvalho (2013), salienta a importância de esclarecer que ao se


usar o método investigativo não se deve esperar que os alunos passem
a se comportar ou pensar como cientistas. Munford e Lima (2007),
esclarecem que o uso de atividades investigativas no ensino
representam de um modo simplista uma maneira de aproximar o
trabalho desenvolvido pelos cientistas do contexto escolar e conforme
os estudantes vão passando pelas etapas essenciais de uma atividade
de caráter investigativo eles passam a ter um conhecimento mais
adequado das práticas e construções das teorias científicas.
As atividades investigativas devem partir de situações
problemas, podendo ser propostas pelos próprios alunos ou ainda
pelo professor, que estimulem o interesse dos alunos (BIANCHINI e
ZULIANI, 2009), cabe ao professor escolher problemas que sejam
adequados e que propiciem aos alunos a construção do próprio
conhecimento.
Quando se usa o método investigativo, aos alunos é dada a
tarefa de realizar pequenas pesquisas onde é necessário que se use
simultaneamente conteúdos conceituais, procedimentais e
atitudinais (POZO, 1998).
O ponto central em uma atividade experimental investigativa
é a elaboração de hipóteses. Para Bianchini e Zuliani (2009), é
através do surgimento de hipóteses que se iniciam as discussões e o
professor exerce o papel de mediador, intervindo em momentos que
houver necessidade.
As atividades experimentais investigativas iniciam-se sem que
nenhum roteiro ou instruções verbais do professor sejam dados aos
estudantes (SUART; MARCONDES; CARMO, 2009), no entanto,
estes necessitam de conhecimentos prévios que os auxiliem na
realização da investigação. Dessa maneira, antes de iniciar a
atividade investigativa, o professor deve trabalhar todos os
conteúdos conceituais e os procedimentos experimentais que serão
usados na atividade (FERREIRA; HARTWIG; OLIVEIRA, 2010).
Mediante a importância da experimentação no ensino de
química, é importante que alunos de Licenciatura em Química
652 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

tenham conhecimento sobre o uso desse recurso, para que tal possa
ser utilizado corretamente em suas futuras práticas pedagógicas.
Neste contexto, nosso objetivo é compreender a partir da Teoria da
Ação Mediada de James Wertsch, como alunos de Licenciatura em
Química elaboram significados a respeito do uso da experimentação
como recurso didático para o Ensino de Química.

Fundamentação teórica – Teoria da Ação Mediada de James


Wertsch

O estudioso norte-americano James Wertsch é um dos


importantes representantes dos estudos socioculturais no Ocidente.
Em seu livro Mind as Action (1998), Wertsch propõe a Teoria da
Ação Mediada.
Segundo Pereira e Ostermann (2012, p.25), o objetivo da teoria
sociocultural de Wertsch é alcançar uma explicação dos processos
mentais humanos que reconheça a ligação entre esses processos e o
contexto cultural, histórico e institucional em que eles ocorrem.
Na Teoria da Ação Mediada de James Wertsch o fenômeno
básico a ser analisado é a ação humana (WERTSCH, 1998, P.32).
Essa ação pode ser tanto externa quanto interna, podendo ser
realizada por grupos, sejam eles pequenos ou grandes, e ainda por
indivíduos (WERTSCH, 1998, p. 48).
A forma de ação humana específica com a qual Wertsch
(1998), se ocupa é a de ação mediada, que consiste na unidade de
análise mais apropriada para se estudar o funcionamento humano.
Segundo Pereira e Ostermann (2012, p.26), isso ocorre porque a
ação humana, considerando também a ação mental, caracteriza-se
pelo emprego de “meios mediacionais” ou “ferramentas culturais”,
que estão disponíveis em um cenário sociocultural particular.
A ação mediada é caracterizada por uma tensão irredutível
entre o agente e as ferramentas culturais que eles empregam
(WERTSCH, 1998). Dessa maneira, não é possível entender a ação
humana sem a presença e a influência das ferramentas nessa ação.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 653

De acordo com Wertsch, a materialidade é uma propriedade


de qualquer meio mediacional e essa propriedade implica o fato de
que as ferramentas culturais podem causar modificações nos
agentes (PEREIRA e OSTERMANN, 2012, p. 30). A materialidade da
ferramenta cultural foco dessa pesquisa (experimentação) é
manifestada tanto na linguagem falada dos alunos quanto nas
próprias ferramentas materiais utilizadas de forma conjunta com a
linguagem. Quanto mais o aluno (agente) exercita a ferramenta
cultural (experimentação), mais significativa se torna a sua fala, ou
seja, quando o aluno exercita a ferramenta cultural ocorre a
elaboração de significados.
Wertsch (1998), ao analisar a materialidade dos modos de
mediação expõe a questão das habilidades necessárias em um agente
para que esse use essas ferramentas. Para ele, tais habilidades
surgiam através do uso dos meios mediacionais.
A análise de como os indivíduos dominam as ferramentas
culturais na ontogênese é frequentemente formulada do ponto de vista
da internalização. Wertsch (1998) afirma que esse termo pode causar
confusão, pois nos leva a buscar conceitos internos, regras e outras
entidades psíquicas bastante suspeitas. A ideia de internalização
também sugere uma oposição entre processos internos e externos.
Contudo, a palavra internalização está tão difundida (tanto na
fala cotidiana como no discurso profissional) que Wertsch (1998), não
pretende substitui-la ou evita-la, o que muitos poderiam interpretar
como sendo uma mera tentativa de substituir termos sem uma
mudança concomitante no conceito. Desse modo, o objetivo de
Wertsch é esclarecer quais os dois significados que ele considera
viáveis para o termo internalização quando aplicado à ação mediada.
Assim, um significado possível para Wertsch (1998), é o que
pode ser chamado de domínio. Ao falar de domínio, Wertsch refere-
se ao saber como usar uma ferramenta cultural com facilidade.
Para Wertsch (1998), um segundo significado possível para o
termo internalização é a noção de apropriação. O conceito de
apropriação usado por Wertsch deriva dos escritos de Bakhtin
654 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

(1981), e refere-se ao processo pelo qual o agente toma algo


emprestado de outro e o torna próprio É importante destacar que
os processos de domínio e apropriação estão profundamente
relacionados, mas, o domínio de uma ferramenta cultural não
implica apropriação, pois estes são processos distintos e podem ser
separados na prática (PEREIRA e OSTERMANN, 2012).

Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa apresenta um caráter qualitativo. Esse


tipo de pesquisa segundo os autores Bogdan e Biklen (2003), tem
como fonte direta dos dados um ambiente natural, onde os dados
coletados por meio do contato direto do pesquisador com a situação
estudada são predominantemente descritivos, ricos em detalhes dos
acontecimentos, das pessoas etc.
Este trabalho contou com a participação de alunos do curso de
Licenciatura em Química da UNESP, Câmpus de São José do Rio Preto.
Os dados foram coletados por meio de gravação de áudio e
vídeo. Em uma pesquisa, a gravação de vídeo é necessária para se
registrar situações complexas, difíceis de serem descritas por um
único observador, como por exemplo uma aula (GARCEZ; DUARTE;
EISENBERG, 2011). Os pesquisadores ainda reforçam que o uso de
imagens e áudios nos permite a captura de aspectos que outras
metodologias não possibilitam, como por exemplo expressões
faciais, corporais e verbais.
Realizamos a coleta de dados durante todo o segundo
semestre de 2017, especificamente na disciplina de Estágio
Supervisionado Curricular em Química, mas também estamos
utilizando pequenas porções de dados coletados de outros trabalhos
de nosso grupo de pesquisa (Instrumentação para o Ensino de
Química e PIBID) para fortalecer a nossa análise.
Os vídeos gravados nas atividades de ensino trazem todos os
alunos juntos na execução dessas atividades. Para compreender
melhor as atividades realizadas por cada grupo, fizemos um recorte
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 655

dos vídeos para enquadramento dos grupos alvo de nossas análises.


Nesse sentido, utilizamos o programa Movavi® para enquadramento
dos grupos foco. Também gravamos o áudio de cada grupo de maneira
separada e então substituímos o áudio geral da gravação da turma pelo
áudio do grupo foco gravado em separado.
Para uma melhor compreensão, fizemos um mapa de eventos
(QUADRO 1), onde mostramos em ordem cronológicas de
acontecimento os dados coletados.

Quadro 1: Mapa de eventos


Espaço Formativo e atividade Data

Reuniões do PIBID – Experimentação problematizadora 2º semestre


2016

Reunião do PIBID – Planejamento de atividades problematizadoras e


investigativas 04/09/2017

Instrumentação para o Ensino de Química – Apresentação da 17/10/2017


Experimentação Problematizadora

Instrumentação para o Ensino de Química – Apresentação da 24/10/2017


Experimentação Investigativa

Reunião de Estágio Supervisionado – Concepções sobre experimentação 13/11/2017


após a realização das atividades de estágio

Reunião de Estágio Supervisionado – Apresentação dos Projetos 21/11/2017


Fonte: elaborado pela autora

Nesse trabalho temos dados principalmente sobre o momento


da aplicação das atividades de estágio dos alunos da Licenciatura em
Química. No entanto, essas atividades sofrem forte influência das
atividades do PIBID e das aulas de Instrumentação para o Ensino de
Química. No caso, todos os alunos que fazem o estágio, fazem
também ou já fizeram a disciplina de Instrumentação. No entanto,
nem todos os alunos da disciplina de estágio, fazem parte do PIBID.
Com isso, temos dois grupos básicos de alunos em nossos dados
sobre elaboração de significados no estágio: os que fazem parte do
656 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

PIBID e os que não fazem do PIBID. Nesse sentido, partiremos dessa


categorização de dados a priori. Outras categorizações a posteriori,
que podem emergir dos dados, também poderão ser elencadas.

Apresentação e discussão dos resultados

Os resultados que vamos apresentar aqui referem-se a uma


análise parcial dos dados desta pesquisa.
Durante o segundo semestre de 2017 coletamos dados em
áudio e vídeo nas reuniões de Estágio Supervisionado. A primeira
reunião de estágio aconteceu no dia 04/05/2017. Com o intuito de
obter a concepção inicial dos alunos sobre experimentação, o
professor faz a seguinte pergunta, de forma individual para cada
aluno no acompanhamento de estágio: “A experimentação é
importante para o ensino de Química?’.
Dessa forma analisaremos os turnos de fala do aluno foco
Bento (nome fictício). Deixamos claro que o aluno foco escolhido não
fazia parte do programa PIBID.
Selecionamos alguns turnos de fala de Bento durante a
primeira reunião de estágio. Lembramos que ele ainda não havia
tido contato com a experimentação didática nas aulas de
Instrumentação para o Ensino de Química. O que percebemos ao
analisar as falas de Bento, é que elas apresentam as mesmas
concepções iniciais de alunos que ainda não tiveram contato com
essas reflexões, conforme destacamos no Quadro 2.

Quadro 2: Concepção prévia do aluno foco sobre experimentação mediante a


pergunta “A experimentação é importante para o ensino de química?”.
Turno de fala Personagem Fala
1 Bento Ah, muito ... Bastante
2 Bento Ah, eles consegue vê né ... eles consegue ... é ... é a prática né ... a
prática do que você aprendeu né

Fonte: GPESig, 2017.


Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 657

Conforme mostraremos com dados mais elaborados, as


concepções apresentadas por Bento partem do princípio de que os
significados elaborados a partir da experimentação se devem a um
caráter empírico da atividade.
A seguir, no Quadro 3, mostramos as concepções de Bento
após ele ter contato com os temas da experimentação didática. Após
refletir sobre esse tema na disciplina de Instrumentação para ao
Ensino de Química, elaborar e aplicar um plano de estágio com esse
tema, Bento apresenta nova visão do papel da experimentação no
ensino de Química.

Quadro 3: Concepções do aluno foco sobre experimentação após as aulas de


Instrumentação para o ensino de química.
Turma de
Personagem Fala
fala
3 Professor Qual é a sua visão sobre experimentação?

Olha ... então, antes eu achava que era uma coisa de aí você
4 Bento
dá o experimento e pronto ... você dá o experimento lá, ele vai
entender

Aí depois das aulas eu comecei a ver que não tem só um


5 Bento
tipo de experimento né ... de você dá pra eles fazer o
experimento e pronto ... eles vão lá fazer ... eles vão saber

6 Bento Não ... tem outras maneiras de você passar isso né ... como
você falou ... experimento em vídeo né ... você pode passar
um vídeo lá e ir explicando junto com o vídeo ... você pode
fazer seu experimento ... eu fazer o experimento e eles
olharem eu fazer o experimento ... principalmente eu acho até
se for uma coisa perigosa tal ...de ...de ... manusear seria
muito mais interessante eu fazer o experimento

Bento Eu acho que experimento é como eu tinha falado ... é um


7
complemento da ... da ... teoria né ... eu acho que se você tem
a teoria e não tem o experimento fica faltando alguma coisa ...
com certeza fica faltando alguma coisa
658 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

8 Professor Com que objetivo eu posso usar o experimento em sala de


aula?

9 Bento Pra chegar eu acho ... que é pra você dar essa visualização
pros alunos né ... porque eu acho que a química é muito
abstrata ... se você fala assim átomo, íon, molécula ... eu acho
que quando você passa o experimento fica uma coisa mais
visível ... uma coisa mais palpável pra eles ... uma coisa que
complementa a teoria nesse sentido de ser mais palpável né
Fonte: GPESig, 2017.

Podemos perceber nos turnos de fala 4 e 5 (Quadro 3) como


Bento pontua a diferença de percepção antes e depois de ter contato
com as reflexões sobre experimentação didática. No turno 9
(Quadro 3) percebemos que as concepções iniciais de Bento ainda
não são completamente deixadas de lado, pois ainda entende que o
papel empírico da experimentação tem importância central. No
entanto, conforme apresentamos no Quadro 4, vemos que as novas
concepções apresentadas se tornam importantes. Independente das
concepções novas e antigas, Bento se mostra visivelmente mais
entusiasmado na segunda entrevista, após elaborar e aplicar as
atividades de estágio.

Quadro 4: Concepções do aluno foco sobre experimentação investigativa e


problematizadora após as aulas de Instrumentação para o ensino de química.
Turno
Personagem Fala
de fala

10 Professor O experimento por si só promove uma aprendizagem conceitual?


11 Bento
Não ... é que nem eu pensava anteriormente ... eu achava vou dá lá
um roteirozinho né ... a receita de bolo pra eles e ... não ... eles tem
que visualizar e fazer um “link” né com a matéria que ele tá tendo ...
eu acho que isso ... se ele fizer esse “link” né ... essa ponte aí vai ser
cem por cento ... aí vai ser ... é ... vai dar ... você vai ter o sucesso da
aprendizagem

12 Bento Eu só queria perguntar ... é ...é investigativa? Eu esqueci o nome da


de Paulo Freire ... que eu acho que eu não entendi muito bem aquele
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 659

... eu não entendi muito bem

13 Professor Você lembra os tipos de experimentação?


Você falou da de vídeo, da com roteiro e agora você lembrou da
investigativa ...

14 Bento Eu lembro que o senhor tinha falado que você tem que dar uma
problematização né ... por exemplo ...

15 Professor Ai, você lembrou ...

16 Bento É problematização ? Ah sim. mas aí tinha diferentes tipos de


problematização ?

17 Professor Então, você tem uma abordagem problematizadora e tem uma


abordagem investigativa né ... É ... na investigativa você pode colocar um
problema, mas o problema é científico... e na problematizadora o
problema é social

18 Bento Ah tá, entendi ...


Eu gosto desse negócio de problematização ... é bem difícil de fazer... bem
19 Bento complicado de fazer, mas eu gosto bastante porque eu sei que chama
mais atenção né... chama atenção do aluno
Fonte: GPESig, 2017

No turno de fala 11 (Quadro 4) Bento volta a falar das


concepções que ele possuía antes de ter contato com as reflexões sobre
experimentação didática. Ao usar termos como “roteirozinho” e
receita de bolo” entendemos que Bento se refere a experimentação
aplicada de modo tradicional, pois esses jargões são utilizados na área
de Química para se referir a esse tipo de abordagem. Nesse turno de
fala Bento demonstra ter compreendido que sua concepção inicial era
equivocada a respeito do uso de experimentação no ensino e apresenta
uma nova concepção ao falar sobre criar uma ponte entre o que é
ensinado em sala de aula e a atividade experimental.
As concepções novas apresentadas por Bento também são
perceptíveis quando ele fala por si só de outros tipos de
experimentação, aos quais teve contato através da disciplina de
Instrumentação para o Ensino de Química.
660 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

No turno de fala 12 (Quadro 4) Bento fala sobre dois modelos


de experimentação, sendo uma a experimentação investigativa e a
outra Bento se refere como sendo “a de Paulo Freire”, pois não se
recorda do nome e fala ao professor que não entendeu muito bem
sobre esse modelo de atividade experimental. Porém no turno de
fala 14 (Quadro 4) sem se dar conta Bento fala sobre o modelo de
experimentação ao qual se refere como sendo “a de Paulo Freire”, a
experimentação problematizadora.
Bento, no turno de fala 19 (Quadro 4) demonstra interesse em
atividades experimentais problematizadoras, pois no entender dele,
esse tipo de abordagem chama mais atenção dos alunos. Aqui
percebemos que Bento ainda atribui caráter empírico ao uso da
experimentação, ao falar que um modelo chama mais atenção que
outro.

Conclusões

Ao analisarmos os turnos de fala de Bento, comparando a


concepção inicial apresentada por ele, quando ainda não havia tido
contato com a experimentação didática nas aulas de Instrumentação
para o Ensino de Química, e a concepção apresentada após refletir
sobre esse tema na disciplina de Instrumentação para o Ensino de
Química, elaborar e aplicar um plano de estágio com esse tema,
percebemos que houve uma mudança significativa na concepção
dele a respeito da experimentação.
De acordo com o nosso referencial teórico, pessoas podem
dominar ou se apropriar das ferramentas culturais a elas
apresentadas. Em nosso caso, as ferramentas culturais são os tipos
didáticos de experimentação que foram apresentados na disciplina de
Instrumentação para o Ensino de Química. Na disciplina de Estágio
Curricular Supervisionado em Química os estudantes foram
incentivados a utilizarem essas ferramentas culturais na elaboração e
aplicação do plano de estágio, o que de fato ocorreu com o aluno Bento.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 661

Nesse sentido, as atividades de estágio possibilitam o exercício


das ferramentas culturais apresentadas nas disciplinas pedagógicas do
curso de licenciatura em Química, e resultam na elaboração de
significados. No caso de Bento, a ferramenta cultural foi exercitada
durante todo um semestre, nas aulas de Instrumentação para o Ensino
de Química e na realização de atividades do Estágio Supervisionado.

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44

Ensino de minerais, minérios e mineração utilizando


a poesia de Carlos Drummond de Andrade como
ferramenta pedagógica

Leonardo Rossi Hecke


Thales Vinícius Silva
Antonio Fernandes Nascimento Junior

Introdução

Atualmente, para a manutenção do modo de vida e avanço das


sociedades modernas em que vivemos, os minerais acabaram se
tornando uma necessidade, já que através deles obtemos materiais
como: metais, cerâmicas, combustíveis, plásticos, equipamentos
elétricos e eletrônicos, cosméticos, entre outros. No entanto, a forma
que os minerais são extraídos geram muitas controvérsias, pois esse
processo possui tanto ações que favorecem a população quanto
ações que a prejudicam.
Uma dessas ações são as explorações enfrentadas diariamente
pelos trabalhadores por seus patrões e os grandes impactos gerados
provenientes da mineração nas áreas onde foram instaladas as
mineradoras. De acordo com De Pontes (2013) a maneira como é
desenvolvida a mineração nos dias de hoje geram muitos conflitos
de caráter tanto ambiental quanto social, isso ocorre devido à
escassez de políticas públicas que acabam incentivando a
competição de áreas para a extração por parte das empresas,
gerando assim, consequentemente, os impactos advindos dessa
prática. Silva (2007) explicita que as consequências da mineração
666 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

podem atingir muitos âmbitos, e as classificam como sendo:


degradação da paisagem; presença de ruídos e vibração; tráfego de
veículos, que acaba motivando o desmatamento para construção de
estradas; a poluição do ar com poeira e gases; contaminação das
águas; e, o descarte dos rejeitos. Por meio destas, os danos das
atividades mineradoras causam impacto não somente no local onde
foi instalada e exerce sua função, mas também em locais vizinhos,
pois necessita-se eliminar os rejeitos e depósitos de estéril (SILVA,
2007). Sendo assim, pode-se ver que os impactos causados pela
atividade mineradora são variados, podendo atingir vários níveis,
desde ambiental até o social.
Porém, no outro lado dessas ações, estão a geração de
empregos, exportação de minerais e o favorecimento da economia
nacional. Em nosso território, segundo dados do Instituto Brasileiro
de Mineração (IBRAM) do ano de 2015, os ganhos obtidos por meio
das atividades mineradoras representaram 5% do Produto Interno
Bruto (PIB) Industrial do país, movimentando um total de 40
bilhões de dólares. Também, de acordo com os dados do IBRAM, a
mineração, até julho de 2015, somava um total de 214 mil
empregados trabalhando diretamente com a extração no país. E,
segundo Rabelo (2014), o estado de Minas Gerais tem a maior
participação na atividade mineradora do país, representando,
53,2% da produção total de minerais no Brasil no ano de 2012.
Neste sentido, é preciso pensar formas de ensinar a população
conseguir ver os dois lados da moeda em situações como essas,
podendo assim ter um pensamento crítico sobre o assunto ficando
a seu critério a posição tomada. Vê-se que uma forma mais eficiente
de conscientizar a sociedade é através daqueles sujeitos que ainda
estão em formação, ou seja, atuar nas escolas durantes as aulas, não
só de Ciências na área de Educação Ambiental, mas em todas as
disciplinas que se vê necessário discutir o assunto com seus alunos.
Este tema, no caso, é trabalhado nas escolas brasileiras, pois ele
compõe os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) no currículo
do Ensino Fundamental, porém a forma como a Educação
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 667

Ambiental é ensinada nas escolas pode ser repensada. Bernardes


(2013, p. 180) diz:

A Educação Ambiental, como processo contínuo que busca a


conquista da cidadania e o desenvolvimento justo, solidário e
sustentável, é meio e não fim. Assim, os conteúdos tradicionais só
farão sentido para a sociedade e para quem os ensina e estuda, se
estiverem integrados em um projeto educacional abrangente de
transformação, a começar pelo ambiente escolar, envolvendo a
comunidade e os funcionários, repensando o espaço físico e a
administração escolar, as práticas docentes e a participação
discente, isto é, discutindo toda a dinâmica de relações que se
estabelecem no ambiente que nos cerca.

Desta forma, a Educação Ambiental não pode ser trabalhada


com os alunos na forma de mais uma disciplina comum, para tirar
nota boa na prova ou para se passar no vestibular, ela tem que ser
trabalhada no dia-a-dia, dentro da casa, no caminho para a escola
ou durante um passeio pela cidade, ela precisa ser ensinada de uma
forma que os alunos se sintam inseridos naquilo e possam colocá-la
em prática, assim possibilitam o desenvolvimento de um
pensamento crítico sobre o assunto. Uma forma de se ensinar, que
está sendo proposto, é com a poesia, por meio de uma forma não-
expositiva, pois o modo expositivo é o mais usual entre os
professores.
Com a predominância de um modelo de ensino expositivo nas
escolas, o contato dos alunos com a poesia não poderia ser de forma
diferente. Porém, sabemos que para um entendimento adequado,
não basta somente ler e apresentar aos alunos pois o texto desperta
sentimentos nas pessoas, o poema não é somente uma voz ou um
som, ele atinge níveis sensoriais, como a visão, olfato, tato, entre
outras (Pinheiro, 2008). Como diz no livro de Gadotti (1996, p.72),
“Não basta saber ler que 'Eva viu a uva'. É preciso compreender qual
a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir a uva e quem lucra com esse trabalho (FREIRE, 1991).” Ou
seja, necessita também de uma contextualização do texto em que
668 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

está sendo trabalhado, não somente, mas também analisá-lo com


olhar crítico, político e sistêmico sobre o assunto.
Partindo dos sentimentos despertados, pode-se inferir que
com um aprofundamento mais intenso nas poesias pode-se formar
alunos com um pensamento crítico sobre o mundo. Segundo
Pinheiro (2008), um contato afetivo de crianças e jovens com a
poesia de forma efetiva e cotidiana nas escolas, contribui para a
formação de alunos em cidadãos com autonomia. Porém a
efetividade da aula dependerá da escolha do texto a ser estudado e
também o professor deverá ter claro os objetivos em sua cabeça para
que desta forma consiga alcançá-los, tentando sempre que for
possível utilizar de metodologias não-expositivas.
Assim, com o predomínio do uso da forma expositiva de
ensinar, deve ser pensada novas metodologias acerca dos conteúdos
apresentados nas escolas, métodos de ensino que fujam do que é
tradicional, ou seja, que busquem outros caminhos além da
educação “bancária” (FREIRE, 2012). Dessa forma, apresentado os
fatos, foi proposto durante a disciplina Metodologia de Ensino em
Ciências, ofertada no terceiro período do curso de licenciatura em
Ciências Biológicas na Universidade Federal de Lavras (UFLA), a
construção de uma metodologia alternativa (metodologia não-
expositiva) sobre minerais e mineração, baseada nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) de Ciências Naturais do terceiro e
quarto ciclo do Ensino Fundamental, abordando temas transversais,
problematizações e contextualizações.
Desta forma, devido a grande participação do Estado de
Minas Gerais na atividade de mineração e ao grande número de
mineradoras em Lavras e Região, foi pensada uma aula não-
expositiva para ser aplicada em alunos do 4º Ciclo do Ensino
Fundamental (9º ano), a fim de abordar o que são minerais,
minério, mineração e mineradoras, levando em conta as duas faces
da mineração, citadas anteriormente.
Deste modo, a escolha de Carlos Drummond de Andrade para a
construção da metodologia não foi por acaso. O poeta Drummond
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 669

nasceu em Itabira, Minas Gerais, cidade conhecida pelas atividades


mineradoras e também por fazer parte no quadrilátero de ferro. Suas
poesias são de imensa crítica a esse tipo de atividade, pois por ser
nascido nesse local, suas histórias e memórias foram embora junto com
o Pico do Cauê, destacado em sua poesia “A montanha Pulverizada”
utilizada na metodologia construída. As aulas foram aplicadas em
alunos graduandos da UFLA, matriculados na disciplina Metodologia
de Ensino em Ciências, no primeiro semestre do ano de 2016.

Objetivo

O objetivo deste trabalho é divulgar formas diferenciadas de


ensino, usando poemas para a contextualização do conteúdo a ser
apresentado, para que desta forma, os alunos possam ter mais
contato com textos em versos, possibilitando uma imersão maior no
universo do autor. Contribuindo para um enriquecimento na forma
de ensinar sobre minerais e mineração nas escolas.
Os objetivos da aula são: a compreensão do que é minério,
mineral, mineração e mineradora (abordando tanto o lado
“positivo” quanto o lado “negativo” da atividade mineradora); a
compreensão de processos de recuperação e degradação de
ambientes por mineração; a investigação de processos de extração e
produção, sua transformação na indústria de produção de bens,
valorizando a preservação dos recursos naturais; e, evidenciar que
para nosso modo de vida atual, é importante a presença de
mineradoras, porém é essencial considerar os impactos ambientais
e sociais causados por ela.

Desenvolvimento

Para o desenvolvimento da metodologia usou-se o PCN de


Ciências Naturais do Quarto Ciclo o qual o conteúdo utilizado foi
“Tecnologia e Sociedade” tomando como o eixo temático “Minerais
e Mineração” juntamente com os temas transversais “Trabalho e
670 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Consumo”, e “Meio Ambiente”. Os temas transversais possibilitam


abordar para onde o dinheiro obtido através da mineração vai, os
materiais obtidos através da mineração que estão no nosso dia-a-
dia, os impactos nas culturas locais e os impactos ambientais
gerados a partir das atividades mineradoras.
A atividade desenvolvida foi colocada em prática com os
alunos da disciplina Metodologia em Ensino em Ciências da UFLA,
diferente do que sugere a metodologia, que seria para o Ensino
Fundamental. A aula teve uma duração de 50 minutos e foi pensada
para ocorrer em cinco momentos.
No primeiro momento, o professor pediu para um dos alunos
ler trechos do poema “A montanha Pulverizada” de Carlos
Drummond de Andrade publicada em seu livro ‘Menino Antigo” no
ano de 1973. Eis o trecho do poema a seguir:

“A Montanha Pulverizada
Carlos Drummond de Andrade

Chego à sacada e vejo a minha serra,


a serra de meu pai e meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.
(...)
Esta manhã acordo e não a encontro,
britada em bilhões de lascas,
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões,
no trem-monstro de cinco locomotivas
— trem maior do mundo, tomem nota —
foge minha serra, vai
deixando no meu corpo a paisagem
mísero pó de ferro, e este não passa.”

Após a leitura, no segundo momento, o professor fez alguns


questionamentos e problematizações, previamente elaborados, gerou
assim uma discussão entre os alunos a qual o professor mediou com
as questões que foram pensadas anteriormente, questões chave para
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 671

atingir-se os objetivos da aula. A discussão foi um evento de extrema


importância, pois por meio dela cada estudante pôde trazer para o
debate seus conhecimentos e experiências individuais, o que
possibilitou um espaço onde todos aprenderam com todos.
No terceiro momento, como método avaliativo, o professor
pediu aos alunos para se reunirem em 3 grupos e produzirem uma
estrofe de um poema de autoria própria destacando o que foi
aprendido com a atividade. No quarto momento, alunos de cada
grupo leram as poesias produzidas em voz alta para todos da sala.
As poesias produzidas foram:

Grupo 1:
Na minha terra tinha uma serra
Bonita de admirar
Os metais que aqui se formam
Não se formam como lá
Mas o consumo exagerado
A arrancaram de lá
E os animais que ali viviam
Procuraram outro lar!

Grupo 2:
Maomé foi até a montanha
Montanhas não andam
Só ficam com seu ferro,
Ali parada,
Até que surgiu Maomé
E parou para dar uma minerada.

Arrancou o Ferro.
Arrancou o mato.
Arrancou os animais.
Coitada daquela montanha
Ainda bem que ela não existe mais.

Não pode ver a tristeza


Provocada pelas estatais.
672 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Grupo 3:
Da janela da minha casa avistava uma flor
Agora, ela não está mais lá porque passou um trator.
É agora, nem há a visita de um beija-flor.
Foi tudo pela ordem de um minerador.
Que causou toda essa dor.

Por fim, no quinto momento, o professor discutiu os poemas


produzidos com os alunos e a partir desta foi concluído que para o
nosso modo de vida atual, é importante a presença de mineradoras,
porém é necessário considerar os impactos ambientais e sociais
causados pela mesma, assim como entender que é necessário mudar
alguns hábitos para conseguir amenizar os problemas.

Metodologia

Nos poemas produzidos pela turma foram observados


enunciados de grande potencial para se analisar a visão dos alunos
sobre a aula e se conseguiram se apropriar do conteúdo. Analisamos
então a conjuntura dos poemas a partir da perspectiva da análise de
discurso proposta por VOLOSHINOV (1930), entendendo que este
compreende uma metodologia de análise a partir do conceito de
enunciado citado pelo autor, sendo então um método que contempla
a amplitude da fala dos personagens, entendendo o contexto em que
os versos foram escritos e o que representam, a partir do conteúdo
que se quis construir na aula.

Resultados E Discussões

Primeiramente para a compreensão dos poemas escritos


temos que ressaltar que foram feitos não com alunos do ensino
fundamental, como é a proposta da disciplina, mas sim por futuros
professores em potencial e escrevendo para um colega de turma que
nesse dia faz o papel do professor. Nesse contexto analisaremos a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 673

visão desses estudantes quanto ao seu posicionamento enquanto


fazem o papel de alunos do ensino fundamental II.
Os poemas, como citado, foram produzidos em grupo
possibilitando assim que os alunos tenham a capacidade de
sintetizar uma ideia principal entre seu grupo, produzindo versos
que são resultado de uma concordância entre eles. As discussões
para a produção dos versos entre eles mesmos proporciona o
trabalho em grupo e que estes cheguem a conclusões sem a presença
direta do mediador, alimentando a autonomia de seu pensamento e
a capacidade de chegarem a resultados entre eles mesmos, tomando
as interações discursivas como constituintes da construção de
significados (MORTIMER, 2016).
A ficção e a fantasia são elementos presentes na vida do ser
humano, como mostrado por CANDIDO (2012) ,seja este criança ou
adulto, o imaginário está presente no cotidiano do ser, podendo
atingi-lo por meio de elementos comuns do seu dia-a-dia, através de
instrumentos de comunicação como a televisão, internet ou pela
narrativa impressa como livros e revistas. É possível então indagar
que o poema tem o potencial de proporcionar uma visão
diferenciada aos alunos, a visão artística, trabalhando suas múltiplas
capacidades de enxergar o mundo e de critica-lo, por se tratar de um
modelo capaz de atingir o leitor na perspectiva de sua consciência e
sentimento.
Ao propor como estratégia avaliativa a produção de um
poema os alunos além de repensar quanto aos conceitos construídos
tem também de repensar estes na perspectiva poética, respeitando
os pressupostos da produção de um poema, como a rima e as
estrofes. Além de servir como avaliação da aula a produção do
poema também trabalha a visão dos futuros profissionais docentes
quanto a estratégias pedagógicas que podem ser usadas.
A maioria das escolas hoje no Brasil adotam o modelo
tradicional de ensino formal, onde os estudantes são passivos no
processo pedagógico, distanciando-os do conteúdo e deixando que
permaneçam em posição passiva. Adotar então de métodos que
674 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

tragam o aluno para discussões e reflexões quanto ao que se


pretende ser ensinado faz com que esse processo aconteça de forma
mais estruturante (BERBEL, 2012).
Outra reflexão importante quanto a escola e seu modelo
pedagógico é o histórico em que a educação no Brasil está inserida.
De acordo com Saviani (2008), a escola serve a sociedade, ela é então
determinada socialmente, portanto o ensino é influenciado no modo
em que a sociedade se estrutura, o sistema fundado no modo de
produção capitalista. A escola então reflete uma sociedade dividida
em classes com interesses opostos, sofrendo então com esse conflito
de interesses que a caracteriza. Faz-se então de extrema importância
que a escola caminhe no sentido de uma formação que seja capaz de
garantir a reflexão do aluno quanto ao mundo a sua volta e às
relações que este está sujeito.
O primeiro poema foi produzido claramente com influência
de versos do famoso poema brasileiro Canção do exílio, de
Gonçalves Dias. Os dois poemas passam uma ideia de ambiente,
trazem em seu interior mensagens que explicam um espaço em
potencial. Essa influência demonstra que os alunos já tiveram
contato com a canção do exílio, porém a adaptação que fizeram está
representando um novo ambiente, no caso um ambiente pós
interferência humana. Na versão original Gonçalves Dias discorre
sobre sua terra e relata toda sua beleza e a vontade que tem de voltar
para esse lugar, porém nos versos dos alunos a representação é de
um ambiente degradado pela atuação de uma mineradora e seus
impactos no ecossistema. Os animais que ali viviam tiveram que
encontrar outro ambiente para se manter, o homem se apropriou
de seu lar para a busca de metais para o minério. As serras com
potencial de mineração são devastadas, no verso “ o ferro que aqui
se forma, não se forma como lá” nos remete a como as empresas
quando encontram locais com potencial de mineração o fazem mas
sem repensar quanto ao impacto ambiental que acarretaram na vida
da fauna e flora, tendo a mata completamente devastada e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 675

obrigando a fauna a migrar para outros locais, isso quando


sobrevivem.
No segundo poema podemos observar uma visão nesse
sentido, nele o grupo ressalta um ambiente anterior a influência
humana. Através da utilização de um eu lírico, maomé, os alunos
sintetizam a interferência humana e como a paisagem é danificada
pelos seus atos. Um fato peculiar sobre o poema é como ele termina,
“ainda bem que ela não existe mais, não pode ver a tristeza
provocada pelas estatais”, nesse caso estão se referindo a serra. Eles
expressam alívio ao dizer que a serra não existe mais justificando o
tamanho da devastação que esta foi sujeita.
A montanha não anda, de fato, mas o homem sim, nesse verso
observamos a analogia que o grupo fez pois se a montanha não anda
não tem como ela fugir de maomé, ela não consegue se proteger da
ação das estatais. Na aula foi discutido como são os processos de
proteção desses locais por conta do governo mas ao mesmo tempo
foi pensado como o policiamento desses locais é frágil e de fácil
acesso das empresas que muitas vezes driblam o código florestal e
por meio de influência política ou poder aquisitivo conseguem
realizar atividades que visam lucro nessas áreas sem o devido
amparo ao ambiente.
Colocar esses assuntos em discussão possibilita que os alunos
e futuro profissionais tenham uma visão diferente daquela ensinada
na escola quanto a educação ambiental, caminhando no sentido de
uma formação crítica e reflexiva ao olhar sobre essas questões. A
educação ambiental crítica fornece uma formação mais completa
nesse sentido, como referido por Trein (2012), é de suma
importância entender como o ambiente é estruturado e fazer
entender que o ser humano faz parte desse ambiente, discutindo
também que a educação ambiental não é simplesmente ensinar na
escola que jogar lixo no chão é errado e que escovar os dentes com
a torneira fechada pode salvar o planeta, estas são sim questões
importantes mas não são as únicas. Os alunos desde cedo precisam
ter consciência de como são regidos os processos ambientais do país
676 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

e contextualizados sobre como as grandes empresas utilizam dos


recursos disponíveis no planeta para gerar riqueza e produtos
usados no dia-a-dia da população.
O terceiro poema também expressa a dor de alguém que já
não pode mais contemplar a paisagem por causa da ação de um
minerador. Nessa fala podemos assimilar essa dor a dor que o
homem e a mulher do campo sofrem quando são forçados a
observar seu local de origem sofrer as consequências da ação das
mineradoras. O poema escrito tem o potencial de explicar uma
realidade mesmo que não exponha os fatos de forma direta, por
meio da narrativa poética este consegue expor uma situação que
reflete uma realidade real e de sofrimento. Segundo CANDIDO
(2012), a criação da fantasia e consequentemente da linguagem
poética do ser sofre interferência direta da realidade encontrada por
este, seja fenômeno natural, paisagem, sentimento, fato desejo,
problemas humanos, etc, ou seja, é consequência das experiências
que têm contato.
As pessoas que passam por situações como essas sofrem com
o fim de sua paisagem e com as mudanças ambientais que a
mineração pode acarretar em suas vidas, expressar exatamente o
que essas pessoas passaram ou passam é uma tarefa árdua pois
sentir exatamente esse pesar é impossível enquanto estivermos
falando de pessoas diferentes e em realidades diferentes. As
sensações e atitudes que o indivíduo presencia, segundo Larossa
(2002) geram experiências únicas, assim a poesia pode nos ajudar a
entender essa realidade de maneira mais íntima pois o sentimento
colocado nos versos são capazes de tocar o leitor, na sua
subjetividade.
Hoje a mídia, principal responsável por informar a população
quanto aos acontecimentos, pode ser facilmente manipulada e,
segundo Brittos (2006), o discurso jornalístico tem grande
tendência a ser politizado e influenciado por um interesse. Várias
empresas utilizam veículos midiáticos para passar mensagens falsas
e conturbadas a população, auxiliando na alienação e mascarando a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 677

verdadeira identidade dos fatos. Além disso, o metralhamento de


informações e a falta de empatia com a notícia fazem com que
grandes fatos que poderiam gerar importantes reflexões aos
cidadãos passem despercebidas aos olhos.

Conclusões

A partir da discussão dos resultados, podemos concluir que a


prática em si conseguiu atingir os objetivos propostos, pois o uso da
poesia juntamente com os temas transversais para contextualizar o
tema e ser estudado mostraram-se eficazes, já que desta forma
possibilita o aluno a assimilar os conceitos de uma maneira holística
e crítica. Neste sentido, pode-se concluir que a forma de avaliação,
por meio da poesia, feita pelos os alunos em grupo, possibilitou uma
interação e discussão entre os integrantes, os quais puderam não só
analisar os assuntos apresentados em aula, mas também organizar
as ideias para a construção de versos, abrindo espaço para
estudantes que nunca tiveram contato com este tipo de texto
poderem praticá-los na sala de aula. Dessa forma, o método de
avaliação usado em forma de construção de poesias mostrou-se um
eficiente espaço para os discentes colocarem no papel tudo aquilo
que aprenderam em uma forma mais descontraída, quebrando
assim com a rigidez que é apresentado nas escolas quando é
ensinado o tema de Educação Ambiental para os alunos.

Referências

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autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas, v. 32, n. 1,
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Vaz para fins didáticos, com base na tradução francesa de Tzevan Todorov
(“La structure de l’énoncé), publicada em Tzevan Todorov, 1930.
45

Ensino e cinema no conhecimento contemporâneo:


pode o saber escolar ser logopático?

Fernando Augusto Violin


Humberto Perinelli Neto

Introdução

No cotidiano da cultura escolar (GONÇALVES; FARIA FILHO,


2005), vivenciamos assuntos delicados e complexos, como violência,
desigualdade, preconceito, relações de gênero, sexualidade, política,
entre tantos outros que fazem parte do mundo dos estudantes e dos
professores que, muitas vezes, têm dificuldade de lidar com eles na
sala de aula.
Os filmes de diversos gêneros e nacionalidades permitem nos
aproximarmos deles de maneira singular, ao testemunharmos
acontecimentos históricos, situações chocantes que nos levam a
refletir e a observarmos estilos de vida que despertam curiosidades.
Assim, presenciamos diálogos e cenas nos filmes que permitem ao
professor mediar várias discussões.
De acordo com Duarte e Reis (2008, p.62), no Brasil a
experiência pioneira nesse campo foi de Roquette-Pinto, que,
pensando na utilização do filme educativo, iniciou uma filmoteca de
caráter científico e pedagógico no Museu Nacional no Rio de Janeiro,
em 1910. No entanto, a apropriação do cinema pela instituição
escolar somente ocorreu no início dos anos 1930.
Nessa época, era grande a preocupação com os conteúdos dos
filmes e sua influência sobre o público entre os intelectuais
682 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

brasileiros. Havia a discussão sobre a importância da apropriação do


cinema e dos filmes para a aprendizagem, assim como a
preocupação com a capacidade dos filmes de influenciar
comportamentos e formar hábitos. A partir disso, o cinema passou
a interessar outros segmentos sociais e a integrar políticas públicas
para a educação nacional.
Greenfield (1988, p.47) relata o impacto que único filme
persuasivo pode ter na formação da visão de mundo do jovem. Ele
estudou um programa de pesquisas conhecido como Payne Fund
Studies, realizado por R. C. Peterson e L. L. Thurnstone, nos Estados
Unidos, durante a metade do século XX. Pode observar os efeitos do
cinema sobre estudantes adolescentes, após a exibição de 13 longas-
metragens, devidamente selecionados.
Eles concluíram que cerca da metade dos filmes produziu
mudanças de atitudes após serem vistos uma só vez e, em alguns
casos, as mudanças foram grandes. O filme que produziu maior
efeito foi O Nascimento de Uma Nação (W. R. Griffith, 1915), clássico
da Guerra Civil Americana. Para Greenfield (1988, p.48), este filme
foi o que mais influenciou os adolescentes, por conta de sua
qualidade artística e dramática.
Predominantemente, o movimento para a formulação de
políticas públicas voltadas para o uso do cinema na educação,
especialmente na escola, tem um caráter instrumental. Isto significa
dizer que a exibição de filmes nas escolas é utilizada para o ensino
de conteúdos curriculares, sem considerar a dimensão estética e
cultural da obra na história do cinema. É preciso superar esse
modelo e oferecer aos estudantes a formação estética e audiovisual
para suas vivências cotidianas pautadas em torno da imagem.
O objetivo deste texto é o de apresentar discussão sobre a
produção do conhecimento no mundo contemporâneo. Utilizando-
se das ideias de autores como Kellner (2001), Canclini (2008) e
Cabrera (2006), identifica-se que a imagem é o meio principal de
produção de saber nos dias atuais. Longe de atender as demandas
dessa nova forma de produção de conhecimento, as escolas parecem
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 683

permanecer nos antigos modelos de ensino, centrados na


aprendizagem de pensamentos lineares da cultura escrita. Dessa
forma, admite-se mudança nos modelos de ensino escolar que
promova a formação estética e audiovisual, através do cinema na
escola. Essa formação não se baseia apenas na capacidade de
desenvolvimento intelectual e lógico, mas também afetiva e
emocional de apreender o mundo.

Seções do trabalho

Registram-se como fundamentação teórica os estudos


envolvendo os trabalhos de Duarte (2009), Kellner (2001), Canclini
(2008) e Cabrera (2006), por apresentarem o audiovisual como
meio de produção do conhecimento no mundo contemporâneo e
estabelecerem as relações entre cinema e ensino. O trabalho
proposto baseia-se em pesquisa bibliográfica e revisão de literatura.

Desenvolvimento

De acordo com Kellner (2001), a cultura da mídia é constituída


pelos sistemas de rádio e reprodução de som (discos, fitas, CDs,
aparelhos e gravadores etc.), de filmes e seus modos de distribuição
(cinemas, videocassetes, aparelhos de DVD, televisão), pela
imprensa (jornais e revistas) e pelo sistema de televisão (apontado
pelo autor como o cerne desse tipo de cultura). É uma cultura
industrial que se organiza com base no modelo de produção de
massa, produzida para a massa, de acordo com certos padrões,
seguindo fórmulas, códigos e normas convencionais.
A cultura da mídia fornece o material com que muitas pessoas
constroem suas visões de mundo e seus valores mais profundos:
define o que é bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral.
As narrativas e imagens fornecidas pela mídia mostram os símbolos,
os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum
para a maioria das pessoas pelo mundo. Trata-se de uma cultura da
684 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

imagem, que explora principalmente a visão e a audição. Os vários


meios de comunicação – rádio, cinema, televisão, música e imprensa
(revistas, jornais e histórias em quadrinhos) – privilegiam os
sentidos visuais e auditivos, misturando os dois, encadeando uma
série de emoções, sentimentos e ideias.
Como forma de cultura comercial, seus produtos são
mercadorias e tentam atrair lucros privados para empresas
gigantescas e interessadas na acumulação de capital, como as
grandes produtoras de cinema. Elas almejam grandes audiências e,
por isso, devem ser reflexo de assuntos e preocupações atuais, pois
apresentam dados enigmáticos da vida social contemporânea.
Diante das declarações de Kellner sobre as formas que as
mídias, entre elas o cinema, contribuem para a formação social das
pessoas, torna-se considerável de alguma maneira a formação
pedagógica crítica aos leitores da mídia. Os estudos sobre a cultura
da mídia examinam alguns modos de relação entre ela e as lutas
políticas e sociais, além de analisar as maneiras como ela molda a
vida social, influenciando o modo como as pessoas pensam e se
comportam.
Esses estudos exploram algumas das maneiras como a cultura
contemporânea da mídia cria formas de dominação ideológica, que
ajuda a assegurar as relações vigentes de poder e, ao mesmo tempo,
fornece instrumentos para a construção de identidades e
fortalecimentos de resistência e luta. Como afirma Kellner (2001,
p.10), a cultura da mídia é um terreno de disputa, no qual grupos
sociais com ideologias políticas diferentes lutam pelo domínio,
através de imagens e de espetáculos.
As diversas formas de cultura veiculada pela mídia induzem
as pessoas a identificarem-se com as ideologias, representações e
políticas dominantes, por meio dos prazeres propiciados pelo
consumo. O entretenimento oferecido por esses meios agrada ao
público, utilizando instrumentos visuais e auditivos e usando o
espetáculo para seduzir e levar as multidões a identificarem-se com
certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições. Cultura da
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 685

mídia e consumo atuam juntos para gerarem pensamentos e


comportamentos ajustados aos valores, às instituições, às crenças e
às práticas vigentes.
No entanto, essa própria mídia oferece recursos que as
pessoas podem aceitarem ou rejeitarem na formação das suas
identidades. O público pode resistir aos significados dominantes,
criar sua própria leitura e seu próprio meio de apropriar-se dessa
cultura de massa, utilizando a sua cultura como recurso para
fortalecer-se e inventar significados e formas de vida próprios.
Assim, a cultura veiculada pela mídia pode induzir os indivíduos a
se conformarem à organização vigente da sociedade, mas também
oferecer recursos que podem fortalecer oposições a essa mesma
sociedade.
No cinema comercial norte-americano, diversos filmes são
produzidos por linguagem capaz de influenciar certos tipos de
pensamentos e comportamentos nos espectadores em
determinados contextos sociais. Mesmo assim, esses filmes
comerciais podem ser apropriados de maneira crítica e se tornarem
responsáveis por gerar/fortalecer um comportamento marcado pelo
discernimento daquilo que é mercadológico.
Para tanto, é necessário a formação de uma pedagogia crítica
da mídia, cujas finalidades são, de acordo com Kellner (2001, p.20):
1)possibilitar às pessoas um entendimento da cultura e da sociedade
em que vivem; 2)dar-lhes instrumental crítico capaz de os ajudar a
evitar a manipulação da mídia; 3)a produzir suas próprias
identidades e formas de resistência, de modo que a mídia produza
outras formas de transformação cultural e social.
Nesse sentido, a escola é espaço especial de formação. Ela
pode contribuir para o desenvolvimento crítico das formas
midiáticas, ao inserir em seus projetos pedagógicos a formação
audiovisual. No entanto, o modelo de escola que as diversas redes de
ensino desenvolvem ainda se pautam na tradição de ensinar
conteúdos, focando no desenvolvimento da competência leitora e
686 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escritora do aluno, por meio das aprendizagens de habilidades e de


competências.
Muitos desses modelos escolares parecem estar
ultrapassados. Insistem no desenvolvimento da linguagem oral e
escrita, enquanto as crianças crescem num mundo totalmente visual
e imagético, estruturado digitalmente pelas mídias. O
desenvolvimento dos meios de comunicação como o rádio, o cinema
e a televisão geram efeitos na percepção de mundo das pessoas,
criando diferentes ambientes de interação. A forma de pensamento
linear formado pela cultura escrita é remodelada pela forma de
pensamento em rede da cultura digital.
As salas de aula não acompanham essas mudanças. As
disposições das carteiras e as técnicas corporais em relação ao
espaço continuam os mesmo de séculos atrás: disciplinarização,
segmentação e hierarquização são as marcas mais latentes. Muitas
escolas ainda não desenvolveram modelos de ensino que se
comunicam com as formas de percepção dos jovens
contemporâneos, atraídos pelos sistemas de publicidade e de
propaganda e que, por viverem nesse contexto, já perceberam essa
mudança há muito tempo.
Os neo-espectadores, como Canclini (2008, p.25) denomina
os jovens do século XXI, constroem seus conhecimentos
principalmente através da imagem e todos eles compartilham da
cultura cinematográfica, principalmente, em função do cinema
comercial. Para o autor, esses espectadores de cinema estão
mudando nas últimas décadas. É verdade que nunca tanta gente
assistiu filmes como agora, mas o público dos cinemas é menor do
que há vinte anos, pois assiste-se aos filmes na televisão, em vídeos,
em DVD e na internet.
Desde os anos de 1980, quando apareceu no mercado comercial,
o vídeo transformou-se na forma dominante de assistir cinema.
Mesmo os cinéfilos, que frequentam os cinemas todo mês, sempre
alugam ou assistem aos filmes na televisão ou na internet. Nessa nova
forma de ver filmes, aparece o grupo dos autênticos videófilos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 687

Entre os videófilos aparecem também os que não vão ao


cinema, porque têm filhos ou moram em lugares onde não há a
oferta de salas. Já os frequentadores de cinema apresentam número
maior de solteiros e pessoas que vivem sozinhas. Muitos dos que
gostam de assistir vídeos também vão ao cinema, mas como forma
de passeio junto à família, amigos ou saída noturna. Assim, eles
saem de casa não apenas para desfrutar do filme, mas também para
experienciar da ritualidade anterior e posterior à exibição.
O público que frequenta os cinemas no século XXI apresenta
um saber cinematográfico distinto dos anteriores. Baseado em
pesquisas de público, Canclini (2008, p.26) mostra que tanto
cinéfilos quanto videófilos desconhecem o nome dos diretores. Nos
cinemas, eles saem antes da exibição dos créditos. Nas vídeo-
locadoras, pouco importa localizar os filmes na história do cinema e
nem em relação a seus autores. Enquanto o acesso aos cinemas
costuma ser orientado por consulta simples nos guias de exibição
dos jornais, televisão e internet, os videófilos normalmente alugam
os filmes perto de casa e sem decisão prévia.
Uma das diferenças notadas nos videófilos é que eles se
interessam mais pelos novos lançamentos, não procurando por
filmes de outras décadas. Essa relação com filmes costuma dar-se
num presente sem memória. Não importa qual vídeo se aluga, nem
quem é o diretor, desde que seja o lançamento e prometa “ação-
aventura”, gênero mais requisitado nas telonas e televisões
domésticas, o que demonstra um aspecto da formação desse público.
A classificação empregada pelas vídeo-locadoras,
principalmente os blockbusters, é baseada no ordenamento dos
filmes por gêneros: comédia, drama, terror, erótico, infantes, entre
outros. Todos são dos Estados Unidos e falados em inglês, enquanto
a parte restante de produções europeias, asiáticas e latino-
americanas é agrupada como “filmes estrangeiros”. Essa
classificação é reproduzida nos países latino-americanos, sugerindo
em destaque as produções norte-americanas para esse público
espectador.
688 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O cinema e outras manifestações culturais são formas de


interatividade social. Olhando-se os comportamentos de massa do
ponto de vista do mercado, Canclini (2008, p.28) suspeita que as
novas formas de interatividade produzidas pela tecnologia
procuram desativar-nos, como fôssemos cada vez menos
responsáveis, sem a capacidade para intervir nos espetáculos de que
desfrutamos ou na informação que as mídias selecionam para nós.
As mídias que operam no mercado parecem promover um
jogo complexo, em várias direções, entre ser cidadão e ser
consumidor. O cinema, junto com as outras mídias, atua no
mercado para a formação de consumidores, enquanto a formação
da cidadania não é desenvolvida com urgência. A convergência
digital desses meios está reorganizando os modos de acesso aos bens
culturais e às formas de comunicação. As fusões multimídia e as
concentrações de empresas na produção cultural correspondem à
integração do rádio, televisão, música, notícias, livros, revistas e
internet no consumo cultural.
Curiosamente, parece mais fácil aceitarmos o processo
socioeconômico das fusões, do que reconsiderar os estudos sobre
educação e leitura nas políticas educacionais, culturais e de
comunicação para a formação cidadã. Em muitas escolas, os
professores continuam falando do divórcio entre a escola, leitura e
o mundo da televisão, cinema e outros atrativos audiovisuais. Ainda
há quem resista em traduzir essas mudanças no conceito de escola
que admita a interação da leitura com a cultura oral e audiovisual,
persistindo os conflitos entre cultura escrita e digital.
A convergência digital no mundo atual articula integração
multimídia que permite ver e ouvir no celular: áudio, imagens,
textos escritos e transmissão de dados, tirar fotos e fazer vídeos,
guardá-los, comunicar-se com outras pessoas e receber as
novidades do mundo inteiro num instante. Nem os hábitos dos
nossos alunos leitores-espectadores-internautas e nem a fusão das
empresas permitem mais conceber de forma isolada os textos,
imagens e sua digitalização.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 689

Diversos temores antes associados ao telefone e à televisão


mudaram agora para os smartphones. Muitos acharam que com a
popularização do telefone as pessoas não iriam mais se socializarem e
que a televisão substituiria a leitura dos livros, vivendo num mundo
parecido com aquele de Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966).
Agora, o uso dos aparelhos nas salas de aulas deixa muitos professores
loucos, sem saberem o que fazer para que o aluno se concentre no
texto do caderno ou na resolução dos problemas matemáticos.
No entanto, assim como o telefone e a televisão mudaram nossa
relação com a comunicação, os smartphones criam formas novas de
interatividade para seus leitores-espectadores-internautas. Os jovens
das duas últimas décadas nasceram com o relógio digital integrado às
mesmas telas onde: escrevem, consultam mensagens, falam por
telefone, sabem das últimas notícias e ouvem música. Esses mesmos
jovens talvez não entendam que tempos atrás as pessoas davam corda
nos relógios diariamente, pois possuem formas diferentes de se
relacionarem com o tempo e de saberem as horas.
Essa percepção também parece também ter mudado com a
leitura. Um texto, para agradar ao leitor, precisa apresentar, além
do conteúdo, uma forma estética que desperte identificação. Pode
ser que os livros nas escolas não agradem aos nossos alunos, porque
vivem conectados com a leitura na forma digital. E ainda, a todo
momento, são espectadores que podem gravar seus próprios vídeos.
Essa interatividade com os textos e as imagens exige interpretação
mais ativa deles e a conectividade da internet que têm na palma da
mão permite acesso a informações de amplitudes abrangentes.
Com certeza não devemos superestimar as mudanças de
hábitos culturais gerados pelas inovações tecnológicas. Os
smartphones permitem a todos nós: marcar compromissos,
substituí-los, mandar mensagens instantâneas, ler e ouvir essas
mensagens, conectarmos com informações, nos divertir com a
linguagem dos Memes da internet e arquivar ou eliminar a história
de conversas pessoais.
690 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Apesar disso, embora seja cedo avaliar as transformações da


comunicação sem fio, para Canclini (2008, p.53), nota-se o
aparecimento de novos modos de socialização em pesquisas sobre
jovens de todos os continentes. Os recursos de comunicação sem fio
não são apenas ferramentas, mas também contextos e condições
ambientais que permitem novas maneiras de ser, novos conjuntos
de valores e novas sensibilidades sobre o tempo, o espaço e os
acontecimentos.
Nesses novos conjuntos de valores, as estruturas familiares são
reordenadas para combinar emancipação dos jovens e segurança. São
construídos grupos de pessoas iguais, por meio da relação na rede,
mediante contatos cada vez mais seletivos e autônomos. A fala e a
escrita dos jovens, mesmo em línguas diferentes, caracterizam-se por
variações linguísticas compartilhadas e apresentam códigos estilísticos
e de reconhecimentos semelhantes.
Em diversos países, há aproximações com as formas que os
adolescentes e jovens adultos escolhem para decidirem quando e
onde estão acessíveis, fazem as articulações para a disponibilidade
social e a convivência íntima e a transmissão de mensagens, que não
tem coragem de dizer presencialmente.
As redes virtuais mudam os modos de ver e ler, as formas de
reunir-se, falar e escrever, de amar e ser amado à distância. Outras
formas de ser sociedade e fazer política emergem de mobilizações
convocadas por e-mail ou trocas de mensagens instantâneas no
WhatsApp. Reivindicações não ouvidas por organismos
internacionais, governos e partidos políticos conseguem
coordenação e expressão fora da mídia.
Nesse mundo da tecnologia virtual da comunicação, também
há grande circulação de vírus e spam para roubar dados pessoais e
cometer crimes. O uso dos celulares também serve para organizar
ataques terroristas nas capitais ocidentais e para que as máfias
planejem e ordenem, de dentro das prisões, sequestros e tomadas
de cidades na América Latina.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 691

Se olharmos para o lado positivo, a internet aumenta a


possibilidade de milhões de pessoas no mundo todo de serem
leitores e espectadores. Com as enciclopédias virtuais, como o
Google e o Yahoo, as pessoas têm a oportunidade de acessar jornais
e revistas antes inacessíveis e conhecer livros e espetáculos onde
faltam livrarias, salas de concerto ou cinemas. Ao contrário do que
muitos pensam, o número de leitores que usam o mundo virtual
aumentou.
Eles usam o computador e a internet para fazer lição, estudar,
buscar informações e enviar ou receber mensagens. Todas são
formas de leitura e escrita. Distrair-se, ouvir músicas e jogar jogos
também ocupam seus tempos, mas não são os usos mais frequentes.
As telas dos computadores e smartphones também trazem
seus textos e não podemos pensar que a imagem está substituindo
a leitura. Porém, Canclini (2008, p.58) concorda que mudaram as
maneiras de ler. Os editores ficam mais reservados com os livros
eruditos de tamanho grande, as Ciências Sociais e os ensaios cedem
seus espaços nas livrarias para os best sellers de ficção ou de
autoajuda, como também para os discos e vídeos. Nas universidades,
os professores comprovam que as leituras dos livros inteiros são
substituídas por textos xerocados capítulos isolados e textos curtos
obtidos na internet, formas que comprimem a informação.
Outros setores procuram êxito social através de recursos
diferentes dos da cultura letrada. Recolocam as publicações em
circuitos e modos de informação diferentes, nos quais não se lê
menos, mas sim de outra maneira. Os jornais diminuem suas
tiragens porque milhares de pessoas os consultam na internet.
Diminuem as livrarias, mas aumentam os cibercafés e os meios
portáveis de enviar mensagens escritas e audiovisuais, através de
aplicativos de celulares.
Assim, lê-se de outras maneiras, muitas vezes escrevendo e
modificando. Antes, com o livro impresso, podia-se fazer anotações
nas margens ou vazios das páginas, mas não podia modificar o
enunciado do texto nem o modificar. Agora, o leitor pode intervir no
692 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

texto eletrônico, cortar, deslocar, apagar e reescrever sua própria


escrita. São formas diferentes de ler e escrever, que envolvem uma
maneira de se comunicar através de frases curtas, principalmente,
por meio de aplicativos de celulares, como o WhatsApp, que os
jovens usam diariamente.
Tal aplicativo permite não só o envio de mensagens de texto,
como também de áudio e vídeo, de forma instantânea. Essa
possibilidade de compartilhar áudios e vídeos tornam os leitores da
internet espectadores e personagens capacitados para a construção
de uma nova forma de conhecimento, que as escolas, com suas
formas prontas e acabadas, têm o desafio de contemplarem.
As formas de produção de conhecimento não podem ser
pensadas como formas prontas e acabadas. O conhecimento,
inserido na totalidade das culturas que fazem parte, modificou-se
com o surgimento do mito, da religião, da ciência, da política, da
tecnologia e continua se transformando com as novas tecnologias de
informação que giram em torno da imagem. Com o cinema a
produção do conhecimento não deixaria de ser afetada.
Com o surgimento do cinema, a tradição filosófica das
produções das ideias inteiramente relacionada aos textos escritos
passa a ser questionada. Mesmo antes do aparecimento do cinema,
alguns filósofos, com linhas de pensamento diferentes, tentaram
modificar a tradição da produção do conhecimento, baseada na
racionalidade humana. Nesse interim, problematizaram essa
questão da racionalidade puramente lógica (logos), com a qual os
filósofos habitualmente encaravam o mundo, para introduzirem no
processo de compreensão da realidade um elemento afetivo (pático).
Para Julio Cabrera (2006), embora pensadores apáticos como
Aristóteles, São Tomás, Bacon, Descartes, Locke, Hume, Kant e
Wittgenstein formularam o problema do impacto da sensibilidade e
da emoção na razão filosófica, foi com Schopenhauer, Nietzsche,
Kierkegaard, Heidegger, entre outros filósofos ditos “páticos”, que
houve a inclusão do componente afetivo na racionalidade,
entendendo-o como sendo um elemento essencial de acesso ao
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 693

mundo. Com eles, a afetividade deixou de ser apenas “objeto” de


estudo, para se transformar numa forma específica e poderosa de
construção do conhecimento.
Falemos do cinema como uma forma de conhecimento. Pode
ser que o cinema nos apresente linguagem mais adequada do que a
escrita para expressar melhor as intuições que os filósofos ditos
“páticos” tiveram a respeito dos limites da racionalidade unicamente
lógica e sobre a apreensão de certos aspectos do mundo, que não
parecem ser captados sem a ajuda de elemento afetivo.
No entanto, o cinema não pode ser considerado como algo que
não tem nenhuma articulação racional e dado como veículo
puramente emocional. No envolvimento do cinema com a produção
do conhecimento, Cabrera (2006) desenvolve conceitos capazes de
comunicarem a experiência sensível de forma lógica e emocional.
Para ele, a experiência do cinema providencia justamente isso:
articula racional com o emocional, cunhando uma espécie de
racionalidade logopática.
Cabrera (2006) sustenta que algumas dimensões da realidade
não podem simplesmente ser ditas e articuladas logicamente para
serem entendidas, mas devem ser apresentadas sensivelmente, por
meio de compreensão logopática, ou seja, racional e afetiva ao
mesmo tempo. Isto é o que acontece com diversos temas
sociológicos apresentados na sala de aula, por exemplo. O professor
precisa sensibilizar os alunos para eles sentirem o tema de estudo,
caso contrário, não há sentido para essa relação durante uma aula.
O autor afirma também que essa apresentação sensível deve
produzir: 1)algum tipo de impacto naqueles que estabelecem contato
com ela; 2)por meio dessa apresentação sensível impactante;
produzir certas narrativas com pretensões de verdade universal;
3)sendo que estas devem relatar experiências fundamentais da
condição humana, possíveis de acontecer com qualquer um. Essas
três características podem definir a linguagem do cinema para
Cabrera (2006), se considerada do ponto de vista filosófico como
694 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

formas de pensamento, evitando-se, ao mesmo tempo, definições


permanentes e intocáveis.
Sendo assim, do ponto de vista do conhecimento, o cinema
apresenta a construção dos conceitos-imagem, um tipo de “conceito
visual”, estruturalmente diferente dos conceitos tradicionais
utilizados pela filosofia escrita, os conceitos-ideia. Os conceitos-ideia
são palavras que caracterizam os fenômenos do mundo e nos
permitem interpretar e dar sentido a esse mundo, mas também
limita nossa imaginação acerca desses fenômenos. De forma
diferente, os conceitos-imagem configuram certo
“encaminhamento”, isto é, um “pôr-se a caminho” para
determinada direção, que aponta uma compreensão do mundo, mas
sem querer fechá-la completamente, explica Cabrera (2006).
Ao trazer os filmes para a sala de aula, é possível que a
experiência escolar do cinema seja guiada pelos conceitos-imagem,
explorando o pensamento imagético dos nossos alunos. Não se trata
de adotar com o cinema um conceito externo a ele, mas de
linguagem instauradora, que precisa passar por experiência para ser
consolidada.
Isso não impossibilita que um filme pode ser entendido de
forma puramente lógica e caracterizá-lo em palavras. Só que o
significado mais profundo dele, somente será apreendido vendo-o e
instaurando a experiência correspondente com toda a sua força
emocional. O que acrescenta à leitura do comentário, no momento
de ver o filme e de ter a experiência que ele propõe, não é apenas o
entretenimento ou a experiência estética, mas também uma
dimensão compreensiva do mundo.

Conclusões

Diante das afirmações apresentadas pelos autores ao longo do


texto, entendemos que há uma forma de produção de conhecimento
no mundo contemporâneo que acontece em torno da imagem.
Explorando principalmente a imagem como meio de comunicação,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 695

a cultura da mídia fornece o material com que muitas pessoas


constroem suas visões de mundo e valores mais profundos.
Os produtos dessa cultura da mídia são mercadorias que
tentam atrair lucros privados gigantescos para grandes empresas.
Por isso, buscam grandes audiências e usam todas as formas de
dominação ideológica para assegurarem as relações vigentes de
poder. Moldam a vida social e influenciam no modo como as pessoas
pensam e se comportam.
Resistindo a essa ideologia dominante, é necessária a
formação de uma pedagogia crítica da mídia, que possibilita às
pessoas um entendimento da sociedade em que vivem, dando o
instrumental crítico capaz de ajudá-los a evitar a manipulação, para
construir suas próprias identidades e formas de resistência, de modo
que a mídia produza outras formas de transformação cultural e
social.
Os modelos antigos e ultrapassados de ensino nas escolas
dificultam essa tarefa. Somente uma formação estética e
audiovisual, que desenvolva nos nossos alunos aquilo que, de acordo
com Duarte, pode-se chamar de “competência para ver”, é capaz de
construir conhecimento que avalia a qualidade do que é visto,
aumentando as capacidades de julgamento estético dos jovens.
Nesse sentido, o cinema é pensado como forma de
conhecimento. A experiência do cinema na escola traz a
possibilidade da construção do conhecimento através da
racionalidade logopática, valorizando os elementos racionais e
afetivos no processo de ensino. Assim, algumas dimensões da
realidade que não podem simplesmente serem ditas e articuladas
logicamente para serem entendidas, são apresentadas
sensivelmente e trabalhadas pelos conceitos-imagem.

Referências

CABRERA, J. O cinema pensa – uma introdução à Filosofia através dos filmes.


Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
696 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

CANCLINI, N. G. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo: Iluminuras,


2008.

DUARTE, R. M; REIS, J. A. Formação estética audiovisual: um outro olhar para o


cinema a partir da educação. Educação e Realidade, v. 33, 2008, p. 59-80.

DUARTE, R. Cinema & Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

GONÇALVES, I. A; FARIA FILHO, L. M. História das Culturas e das Práticas


Escolares: perspectivas e desafios teórico-metodológicos. In: SOUZA, R. F;
VALDEMARIN, V. T. (Org.). A cultura escolar em debate: questões
conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas: Autores
Associados, 2005, p. 31-57.

GREENFIELD, P. M. Televisão e realidade social. In: ___. O desenvolvimento do


raciocínio na era da eletrônica: o efeito da TV, computadores e vídeo-
games. São Paulo: Summus, 1988, p. 41-57.

KELLNER, D. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre


o moderno e o pós-moderno. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
46

Ensino médio integrado à educação profissional:


perspectivas e reflexões

Elimeire Alves de Oliveira


Solange Vera Nunes de Lima D´Água

Introdução

Atualmente o ensino médio tem ganhado relevância nos


discursos políticos e nas pautas governamentais, pois conforme o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, 2017), a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015 revela que há no
Brasil 2.802.258 crianças e adolescentes, na faixa etária entre os 4 a
17 anos, fora da escola. Dentre estes, 1.593.151 estão na faixa dos 15
a 17 anos, o que representa 57% de adolescentes e jovens que
deveriam estar frequentando o Ensino Médio, mas que compõem o
mapa da exclusão escolar no país.
Portanto, o desafio é grande, se considerarmos os números
levantados, embora as normas garantidoras do acesso ao Ensino
Médio já existam, sua materialização está longe de ser alcançada.
Trata-se de um direito público subjetivo alcançado
relativamente recente na história da educação do Brasil, que teve
seu embrião na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), que,
no âmbito das políticas educacionais, deu um grande passo, pois em
seu artigo 208, inciso II, assegurou a progressiva extensão de sua
obrigatoriedade e gratuidade a toda população.
Posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases nº 9394/96
(BRASIL, 1996) avança, ao incluir, no seu art. 21, o Ensino Médio
698 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

como parte integrante da Educação Básica, mas foi a Emenda


Constitucional nº 59/2009 (BRASIL, 2009) que, finalmente, trouxe
ao Estado a obrigatoriedade da universalização do seu atendimento
até 2016, ao estatuir que a educação básica obrigatória e gratuita
compreende dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade.
Essa mudança na legislação também trouxe reflexos no Plano
Nacional de Educação (PNE) de duração decenal, com vigência de
2014/2024, que, para atender aos preceitos legais, estipulou aos
estados e municípios o prazo de até o ano 2016 para garantir a
universalização do Ensino Médio. Para o cumprimento dessa
exigência, a Nação e seus estados-membros vêm propondo
reformas, como a Reforma do Ensino Médio em âmbito nacional e
diversos programas, tanto na esfera federal quanto nas estaduais e
a educação profissional é uma das principais estratégias
governamentais.
Conforme Azanha, a elaboração de um plano de educação traz
como pressuposto a constatação de um determinado problema, mas
para que esse problema ocorra em nível nacional como um
problema governamental, são necessárias a percepção coletiva e
pressões sociais coletivas, pois “somente quando essa consciência se
generaliza e se difunde amplamente é que se pode falar de um
problema em termos nacionais”. (Azanha p. 70, 1998; apud
LIBÂNEO, OLIVEIRA TOSCHI, 2017, p. 175).
E, neste sentido, mediante a percepção do ensino médio como
um grande ponto de estrangulamento na escolarização básica e o
desafio de sua universalização, o Plano Nacional de Educação 2014
traçou importantes metas para o ensino médio: a meta 3, que trata
especificamente da universalização do ensino médio e a meta 11, que
trata da expansão da educação profissional técnica em nível médio.
No que tange à meta 3, cuja meta é matricular todos os jovens
de 15 a 17 anos na escola até o ano de 2016, foram estabelecidas 14
estratégias e uma delas é a integração do ensino médio ao
profissionalizante.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 699

Já, a meta 11, que trata especificamente da expansão da


educação profissional técnica em nível médio, traz também 14
estratégias e dentre elas a expansão do atendimento do ensino
médio integrado à formação profissional para as populações do
campo, comunidades indígenas e quilombolas, bem como a
expansão da educação profissional técnica de nível médio para as
pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação (PNE,2014).
Ou seja, o que se observa é que a expansão do ensino médio
e a expansão da profissionalização estão inter-relacionadas e se
fazem presentes em diversos discursos e as propostas de
reformulação do Ensino Médio têm dado um forte destaque à
preparação, habilitação e formação para o trabalho, objetivos
apontados pela LDB 9394/96 [...] “e todas elas, em maior ou menor
grau, se entrecruzam com propostas de mudanças também na
Educação Profissional Técnica de nível Médio.” (SILVA, 2017. p.71)
Neste sentido, o governo federal vem propondo grandes
reformas curriculares, como a polêmica Reforma do Ensino Médio
em âmbito nacional e diversos programas têm sido lançados, tanto
na esfera federal quanto nas estaduais, principalmente relacionadas
ao currículo. A fala recorrente coloca o currículo como um dos
grandes obstáculos à permanência dos alunos: “o que se ensina e
como se ensina têm sido apontados também como causas para o
desinteresse e a desmotivação dos jovens em permanecer na escola”
(TARTUCE et al, 2015, p.9),
A integração curricular do ensino médio com o ensino
profissionalizante foi apresentada como alternativa de um currículo
mais próximo da realidade do jovem e também como forma de
contribuir acadêmica e socialmente para seu o engajamento e
inserção social. Segundo Lodi (2006), a oferta do Ensino Médio
integrado à Educação Profissional tem a potencialidade de
contribuir para a melhoria da qualidade dessa etapa final da
educação básica, pois em termos curriculares, essa modalidade
reúne os conteúdos do ensino médio e da formação profissional, que
700 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

devem ser trabalhados de forma integrada durante todo o curso,


assegurando o imprescindível diálogo entre teoria e prática.
O fato é que Ensino Médio e seus equivalentes históricos,
durante toda sua trajetória careceu de uma identidade própria,
oscilando [...] “entre duas alternativas básicas: oferecer um ensino
profissionalizante com caráter de terminalidade ou oferecer um
ensino propedêutico voltado ao prosseguimento dos estudos em
nível superior.” (ABRAMOVAY e CASTRO 2003, p.27).
Numa retrospectiva histórica, encontramos seus contornos
ainda na primeira fase do Brasil colonial, nos registros do Plano de
Instrução formulado pelo Padre Manuel da Nóbrega, em 1559, onde
se propunha o ensino da gramática latina para aqueles que iriam
ingressar nos ensinos superiores na metrópole portuguesa,
Universidade de Coimbra (SAVIANI, 2013).
Também na segunda fase do Brasil Colonial esteve presente
no Ratio Studiorum, um plano que, em 1599, veio substituir o Plano
de Nóbrega e sua estrutura se dava a partir “estudos inferiores”,
correspondentes ao atual nível ensino médio, voltados a formação
da elite colonial.
Após a Proclamação da Independência, no período Imperial
conforme Saviani (2013), o Ensino Secundário só veio ser tratado no
Ato Adicional de 1834, quando este delega às províncias a
responsabilidade da oferta do ensino primário e secundário. No
entanto, ao dar maior autonomia às províncias, não articulou as
diversas esferas em matéria de educação, sendo considerado um
elemento desagregador da política nacional. Assim, o ensino
secundário durante o período imperial foi marcado pelo regime de
cursos preparatórios e de exames parcelados. Como não havia
obrigatoriedade de frequência às aulas, os alunos para ingressarem
nos cursos superiores eram preparados por preceptores, para serem
submetidos a um único exame para cada disciplina. (HAIDAR,
1972).
Desta forma, a função social e o currículo humanista se
estenderam do período colonial ao período imperial, cujo objetivo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 701

era a educação das classes economicamente dominantes,


perfeitamente justificáveis e coerentes com o modelo econômico
agroexportador então vigente, estruturado pelo tripé: economia
agrária, latifundiária e escravista. (ZOTTI, 2004).
De acordo com Tartuce et. al (2015), diversos historiadores da
educação, como Otaiza Romanelli (2014), Solange Zotti (2004),
Paulo Ghirardelli Jr (2009), Dagmar Zibas (2004), Maria Laura
Barbosa Franco (1983), Marilia Sposito (1984) e Nora Krawczyk
(2009), compreendem que a história da educação secundária possui
quatro ou cinco momentos, que podem ser destacados como marcos
de transformações. O primeiro momento situa-se na virada do
século XIX para o século XX, o segundo na década de 1940, o terceiro
em 1961, o quarto nos anos 70 e o quinto em 1990.
Adotando essa periodização proposta, incluímos no primeiro
momento a Primeira República, entre 1889-1930, período marcado
por transformações econômicas e sociais, como o fim da escravidão
e a intensificação de novas formas de trabalho: criação das primeiras
indústrias, inserção de mão de obra estrangeira, processo de
urbanização.
Neste período, conforme Palma (2005), diversas reformas
foram empreendidas pelo Governo Federal no campo da educação
no Ensino Médio. Primeiramente a Reforma Benjamin Constant
(1890), que criou a escola secundária com duração de 7 anos; o
Código Epitácio Pessoa (1901), que lhe imprimiu contornos de um
curso preparatório para o ingresso ao ensino superior, com duração
de seis anos; a Lei Orgânica de Rivadávia Correa (1911), conhecida
como a lei que desoficializou o ensino por instituir a não
obrigatoriedade de frequência e abolir os diplomas, além de criar os
exames de admissão para o ingresso nas Faculdades; a Reforma
Carlos Maximiliano (1915) que conservou o exame de admissão às
escolas superiores; o ensino seriado e a redução do currículo; a
restrição da equiparação aos estabelecimentos estaduais; e os
exames preparatórios e a Reforma João Luiz Alves/Rocha Vaz
(1925), que consolidou o ensino secundário seriado com a duração
702 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de seis anos, tendo por objetivo o preparo fundamental e geral para


a vida, qualquer que fosse a profissão escolhida pelo estudante.
Para Romanelli (2016) foram reformas sem êxito, diante de
problemas tão graves enfrentados no campo educacional e o
federalismo adotado acentuou ainda mais as diferenças regionais,
tendo em vista a disparidade entre os estados mais pobres da nação
aos mais avançados, como no caso do estado de São Paulo.
Getúlio toma o poder em 1930, um ano após a Crise Mundial
e a ocorrência da quebra da Bolsa de Nova York, fatos que vieram
resvalar seus efeitos também no Brasil, o qual tinha sua base
econômica pautada num modelo agroexportador de café, cujo maior
consumidor era justamente os Estados Unidos. Sem comprador
para a safra cafeeira, o governo brasileiro foi forçado a estimular o
processo de industrialização brasileira, desembocando no mundo
capitalista de produção, o que passou a exigir mão-de-obra
especializada e pessoas capacitadas para responder às novas
demandas do mercado.
Para cumprir tal exigência, Vargas promove grandes
reformas na educação nacional. Já em 1930 extingue o Ministério da
Justiça e Negócios Interiores e em seu lugar cria o Ministério da
Educação e Saúde Pública, sob a responsabilidade de Francisco
Campos que, em 1931, reformula pela primeira vez todo sistema de
educação em nível nacional, através de um conjunto de decretos
conhecido por Reforma Francisco Campos.
Especificamente, no que diz respeito ao ensino secundário, a
Reforma Francisco Campos veio dispor sobre sua organização pelo
meio do Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931, mas essa só foi
consolidada após um ano, pelo Decreto nº 21.241/1932 e de acordo
com este decreto o ensino secundário oficial seria o ministrado no
Colégio D. Pedro II, equiparando a ele todos os colégios secundários
oficiais, além de oportunizar às escolares privadas a se organizarem
nesses moldes, desde que submetidas à inspeção oficial.
Com duração total de sete anos, o ensino secundário foi
estruturado em dois ciclos: o fundamental com duração de cinco
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 703

anos, voltado à formação geral; e o complementar, de dois anos,


voltado à formação propedêutica para o encaminhamento aos
cursos superiores, basicamente nas áreas jurídicas, biomédicas e das
engenharias. (ROMANELLI, 2014).
Ao fazer uma opção por determinada área, o aluno ficaria
atrelado a um itinerário formativo específico, pois o currículo do
secundário não era homogêneo para todas as áreas. Além de não
prever a articulação entre os vários os ramos do ensino médio,
impedia que o aluno do curso profissionalizante do ramo comercial
(o único organizado pela Reforma) pudesse prosseguir seus estudos
em nível superior.
Desta forma, a Reforma Francisco Campos, se de um lado teve
o mérito conferir organicidade ao ensino médio até então marcado
pelo regime de cursos preparatórios e exames parcelados, por outro
criou “sistemas rígidos e fechados, sem qualquer abertura ou
possibilidade de transferência de um para o outro.” (ROMANELLI,
2014, p. 141).
O segundo momento marcante para o Ensino Médio no Brasil,
foi na década de 1940, ainda na Era Vargas, quando em 1942, num
conjunto de reformas, conhecidas por Reformas Capanema, foi
promulgada a Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942, pelo
Decreto nº 4.244, de 9 de abril de 1942, que manteve a organização
vertical de dois ciclos com sete anos de duração, mas passou por
arranjos e adotou-se terminologias diferentes: o primeiro ciclo,
denominado ginasial, com duração de quatro anos; e o segundo
ciclo, com duração de três anos, onde os alunos poderiam optar
entre os cursos Clássico ou Científico.
Não se observa uma diferença substancial nas disciplinas
ministradas nos cursos, sendo os currículos excessivamente
enciclopédicos, acadêmicos e humanísticos. A própria exposição de
motivos já trouxera essa concepção de ensino secundário voltado à
formação cívica e patriótica inseridas na formação da personalidade
do adolescente.
704 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O terceiro momento destacado por Tartuce et. al (2015) tem


início em 1961, com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, a LDB 4024/61 (BRASIL,1961), marcada pela
flexibilização por equiparar o ensino secundário regular e o ensino
profissionalizante, diminuindo a distância para os egressos, de
qualquer modalidade de ensino, ascender ao Ensino Superior; além
de permitir a organização de cursos ou escolas experimentais, com
adoção de currículos, métodos e períodos escolares próprios,
mediante a aprovação do Conselho Federal de Educação.
O quarto momento da educação secundária no Brasil, de
acordo com Tartuce et. al (2015), situa-se no governo republicano
militar, com culminância da imposição da Lei de Diretrizes e Bases
n.º 5692/71, pela qual buscou-se articular o ensino secundário ao
modelo político e econômico vigente, com vistas à formação de
técnicos para cumprir as exigências do capital internacional. Para
isso determinou a habilitação profissional compulsória a todos os
alunos que cursassem o ensino médio, o denominado ensino de 2º
grau.
Sob o discurso de uma escola única para ricos e pobres, a Lei
5.692/71 tornou obrigatória a profissionalização dos estudantes do
ensino secundário (TAVARES, 2012. p. 47). Neste contexto, o ensino
médio passa a cumprir dupla função: a primeira de qualificar mão-
de-obra especializada para o setor industrial e segunda de contenção
da demanda por vagas no Ensino Superior pela chegada de uma
parcela cada vez maior no ensino secundário (TAVARES, 2012).
Em 1982, foi promulgada a Lei nº 7.044/82 (BRASIL, 1982),
que retirou a habilitação profissional compulsória, tornando a
educação profissional uma opção e a expressão qualificação para o
trabalho foi substituída por preparação para o trabalho, até ser
superada pela atual LDB, promulgada em 1996.
O quinto momento em 1990, considerado um dos mais
expressivos com a atual Lei de Diretrizes e Bases 9.694/96, a qual
em sua versão original previu a possibilidade do ensino médio
“desde que atendida a formação geral do educando e sua preparação
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 705

para o exercício de profissões técnicas” (Art. 36 § 2º), bem como a


equivalência entre os cursos do Ensino Médio.
Especificamente à Educação Profissional, foi destinado um
capítulo próprio, marcado pela flexibilização, porque possibilitou a
abertura para que alunos egressos de todos os níveis de ensino e
modalidades, inclusive aos trabalhadores, pudessem cursá-la, em
diferentes formas e espaços, não somente em instituições
especializadas, mas também no próprio ambiente de trabalho, além
prever formas de articulação com o ensino médio regular:
Logo em seguida, o Decretoº 2.208/97 estabeleceu uma cisão
entre educação profissional e ensino médio, estatuindo que a
educação profissional teria uma organização curricular própria e
independente do ensino médio, com currículo organizado em
disciplinas ou por módulos voltados, à qualificação e certificação
profissional, assumindo um caráter de terminalidade e
independência, o que, segundo Lodi (2006) foi um grave retrocesso,
por comprometer a busca de uma concepção unitária em termos de
formação a ser alcançada.
Ocorre que, ao estabelecer essa organização curricular
independente, essa legislação impossibilitou a certificação de ensino
médio aos alunos que cursavam o curso técnico. Para os que
desejassem obtê-la, necessitariam efetuar matrículas distintas e
estudar concomitantemente o ensino médio e o profissionalizante,
ou que primeiro concluíssem o ensino médio para sequencialmente
cursar o profissionalizante.
Somado a essa lei, que veio dar nova configuração à educação
profissionalizante, foi editada a Lei 9.649 de 27 de maio de 1998, que
impossibilitava a expansão da rede federal de ensino. A oferta da
educação profissional se dava a partir do programa Plano Nacional
de Qualificação do Trabalhador (Planfor), sustentado com recursos
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), sob a responsabilidade
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Programa de
Expansão da Educação Profissional (Proep), também mantidos com
706 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

recursos do FAT e de convênio firmado com o Banco Interamericano


de Desenvolvimento (BID).
Após acirrados debates, o Decreto 5.154 /04 (BRASIL, 2004),
revogou o Decreto nº 2.208, de 1997 e restabeleceu a integração
curricular dos ensinos médio e técnico, o que na visão de Lodi
(2006), resgatou a concepção de formação unitária, via integração
do ensino técnico profissionalizante de nível médio, ao ensino médio
Em 2005, a Lei Federal nº 11.195 de 18 de novembro de 2005
vem prever a expansão da oferta da educação profissional, mediante
a criação de novas escolas por parte da União, preferencialmente,
por meio de parceria com Estados, Municípios e Distrito Federal,
setor produtivo ou organizações não governamentais.
Para atingir essa finalidade, em 2007 foi lançada a segunda
fase do Plano de Expansão da Rede Federal, que tinha como meta
construir mais 150 instituições, perfazendo um total de 354
unidades até 2010 em todas as regiões do país, “oferecendo cursos
de qualificação, de ensino técnico, superior e de pós-graduação,
sintonizados com as necessidades de desenvolvimento local e
regional” (BRASIL, 2009, p.6).
Neste sentido, em 2007, o Governo Federal, pelo Decreto n
6.302, de 12 de dezembro, cria o Programa Brasil Profissionalizado,
cujo foco foi estimular a integração entre o Ensino Médio e a
educação profissional, para jovens das escolas públicas,
apresentando com a justificativa de que essa modalidade apresenta
melhores resultados pedagógicos.
Para isso, promoveu a modernização e a expansão das redes
públicas de ensino médio integradas à educação profissional. Nesta
perspectiva, foi por meio da adesão ao Programa Brasil
Profissionalizado que o governo Estado de São Paulo assinou um
Termo de Compromisso e instituiu o Programa Rede Ensino Técnico
Profissionalizante na rede estadual paulista, como uma de suas
estratégias para expandir o ensino médio profissionalizante.
Em 2011, o governo federal dá prosseguimento à política de
expansão da educação profissional. Para isso criou, em regime de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 707

urgência o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e


Emprego (PRONATEC), por meio da Lei 12.513/2011. Suas ações
foram integradas por cinco iniciativas: 1) Expansão da Rede Federal
de Educação Profissional, Científica e Tecnológica; 2) Rede e-Tec
Brasil;3) Acordo de Gratuidade com os Serviços Nacionais de
Aprendizagem; 4) a Bolsa-Formação e 5) Programa Brasil
Profissionalizado.
No que diz respeito à expansão da rede federal, foi maior de
toda sua história. Entre os anos 2003 e 2016, o Ministério da
Educação construiu mais de 500 escolas, perfazendo um total de 644
campi em funcionamento. (BRASIL, 2016),
Quanto ao Programa Brasil Profissionalizado, criado em
2007, a partir de 2011 passou a integrar parte das iniciativas do
PRONATEC, intensificando suas ações na ampliação da oferta e
fortalecimento do ensino médio integrado à educação profissional
nas redes estaduais e do Distrito Federal. Sua prioridade foi a
prestação da assistência financeira com vistas ao estímulo do ensino
médio integrado à educação profissional, enfatizando a educação
científica e humanística, por meio da articulação entre formação
geral e educação profissional no contexto dos arranjos produtivos e
das vocações locais e regionais (BRASIL, 2007).
Este programa consta do Plano Nacional de Educação 2014-
2024 como umas das principais estratégias de fomento à expansão
do ensino médio integrado à educação profissional, na meta 3, que
trata da universalização do Ensino Médio: “Contribuem para a
expansão, programas como o Pronatec e o Brasil Profissionalizado,
agora incorporado ao primeiro.” (OBSERVATÓRIO PNE, 2016).
Para CIAVATA E RAMOS (2011, p.37), o Brasil
Profissionalizado “é um programa ambicioso”. Entre 2007 a janeiro
de 2016, o Programa atendeu instituições de educação profissional
de 24 estados, entregues 342 obras, 86 delas novas escolas, 256
ampliações e/ou reformas e mais 635 laboratórios para aulas
práticas.
708 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Segundo o site do Ministério da Educação (2009), todos os


estados e o Distrito Federal aderiram ao programa Brasil
Profissionalizado e um exemplo dessa ação no Estado de São Paulo
foi Programa Rede Ensino Médio Técnico Profissionalizante
implementado na rede estadual paulista, como uma de suas
estratégias para expandir o ensino médio profissionalizante, com
alinhamento às políticas públicas em nível nacional.
Lançado no dia 11 de julho de 2011, através do Decreto 57.121,
de 11-07-2011 e regulamentado pela Resolução SE- 47, de 12-7-2011,
o Programa Rede foi anunciado como uma ação governamental
capaz de oferecer aos alunos do ensino médio a possibilidade de
cursarem o ensino médio articulado ao profissionalizante, em duas
modalidades: integrado e concomitante.
Na modalidade integrada o Programa consubstanciou-se na
assinatura de um acordo de cooperação técnico-educativo entre a
Secretaria de Estado da Educação (SEE) e Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e também com
o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETPS).
No caso da parceria entre a SEE e o IFSP, foco do trabalho em
curso, na busca de uma integração de fato, além do trabalho
interdisciplinar, sua matriz curricular previa, além da Base Nacional
Comum, da Parte Diversificada e da Parte Profissionalizante, o
Projeto Integrador, estruturado em espaços de ensino e
aprendizagem comuns, que visavam a interdisciplinaridade com
ações de pesquisa e extensão, mediante a integração entre teoria e
prática. Este, pautado na pedagogia de projetos, foi organizado de
forma a favorecer a exemplificação da teoria, a pesquisa, a prática,
culminando com uma produção acadêmica e técnico-científica.
Essa parceria manteve-se entre os anos de 2012 a 2017, por se
tratar de um programa que ocorreu em regime de experiência
pedagógica. Os últimos ingressantes foram matriculados no ano de
2015 com previsão de término de curso em 2017, ano em que a
parceria foi por encerrada.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 709

A partir do ano 2016 a rede federal de ensino concentrou seus


esforços em oferecer o ensino médio integrado de forma autônoma,
sem parceria e quanto ao Estado de São Paulo, o Programa se
manteve em alguns polos do ensino médio integrado em parceria
com o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
(CEETPS).
Assim, o que se vislumbra em nível nacional para o ensino
médio no que diz respeito à educação profissional, é a proposição da
Reforma do Ensino Médio, pela medida provisória 746/2016 que,
depois de várias emendas, em fevereiro de 2017 foi transformada na
Lei 13.415/17.
Para ser colocada em prática, havia a necessidade da
atualização das Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, tendo em
vista que o ponto central da reforma gira em torno da mudança
curricular, que passa a ser composta por uma Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) para todo território nacional, e por cinco
itinerários formativos, organizados por meio de diferentes arranjos
curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino. (BRASIL, 2017).
Os itinerários formativos são I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas
tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação
técnica e profissional (Grifo nosso).
Ou seja, dentre os itinerários formativos, inclui-se, de forma
indissociável, a formação técnica e profissional, em prejuízo da
ampliação do Ensino Médio Integrado ao profissional.
Conforme Silva (2108), a reforma traz o comprometimento
das estratégias 3.1 e que trata da organização curricular e da
estratégia 3.7, que prevê o fomento das matrículas do ensino médio
integrado à Educação profissional.
Ou seja, o ensino médio encontra-se atualmente em profunda
reforma em toda sua estrutura curricular, lançando incertezas nos
profissionais da educação e parte da sociedade civil, portanto ainda
em estudo no presente momento.
710 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Fundamentação Teórica

Como fundamentação teórica, foram utilizados os estudos de


Ciavatta e Ramos (2011); Lodi (2006); Palma (2005); Romanelli
(2014); Saviani (2011); Silva (2017); Tartuce et al (2015); Tavares
(2012), por proporcionarem uma revisão bibliográfica necessária ao
entendimento da historicidade do ensino médio e sua relação com
o ensino médio profissionalizante no país, bem como documentos
relativos ao assunto.

Procedimentos Metodológicos

Trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada. Quanto à


forma de abordagem insere-se numa investigação de cunho
qualitativo; quanto ao ponto de vista de seus objetivos, utilizou-se a
pesquisa descritiva; quanto aos procedimentos técnicos, foram
adotados os de fonte bibliográfica e documental. Realizou-se um
levantamento onde foram utilizados livros e publicações que versam
sobre o assunto pesquisado.
Com a pesquisa bibliográfica foi possível “[...] conhecer e
analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre um
determinado tema ou problema, tornando-se instrumento
indispensável a qualquer tipo de pesquisa” (KÖCHE ,1997, 122).
A pesquisa documental, por sua vez, permitiu o
estabelecimento de relações entre os documentos oficiais e
impressos diversos que envolvem o objeto de estudo, de modo a
fazer um cotejo entre os documentos originais de legislações e suas
análises em diversas perspectivas encontradas na literatura.

Apresentação e Discussão dos Resultados

A presente pesquisa encontra-se ainda em curso, deste modo


as considerações ainda são incipientes e estão em fase embrionária.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 711

Até momento podemos inferir que a partir do estudo da trajetória


histórica do ensino médio no Brasil, este, ao longo do tempo, passou
por transformações no que diz respeito à sua função social; no que
diz respeito aos sujeitos atendidos; e na sua organização curricular,
acompanhando as mudanças ocorridas na sociedade em cada época,
principalmente no âmbito socioeconômico.
Quanto a sua função social, esta foi determinada pelo contexto
e demandas do mercado de cada época. De um país, essencialmente
agrário, que não carecia de pessoas letradas para exercer funções
especializadas na economia, foi se transformando devido a um
conjunto de fatores históricos, como a libertação dos escravos, a
entrada de imigrantes que trouxeram novos ideais como a exigência
do direito à educação e a própria mudança na economia, que, para
alavancar, transformou a escola tanto num palco político, como num
espaço para preparar “cidadãos”, de acordo com o interesse
econômico de cada época.
Da fase colonial, tanto no período jesuítico como pombalino,
perpassando o período imperial até o regime republicano, em 1971,
coube ao ensino médio a função precípua de preparar os futuros
dirigentes da nação para o ingresso nas universidades mediante um
currículo clássico e humanístico, com pouca ênfase nas ciências.
Mesmo com as mudanças empreendidas no ensino médio durante a
Era Vargas, pelas Reformas Francisco Campos, conforme Zotti (2006),
o que houve foi um projeto de educação diferenciada, uma voltada às
classes condutoras da nação e outra voltada à profissionalização.
Desta forma, a mudança mais radical no ensino médio deu-se
com a culminância da LDB 5692/71, mediante a imposição de um
currículo profissionalizante a todos os alunos do ensino médio
independente da classe social, profissionalização revogada em 1982.
Atualmente, na vigência da LDB 9394/96 é a possibilidade de
diversos arranjos, proporcionados pela flexibilização curricular e
um incentivo às políticas de viés profissionalizante, inclusive em
caráter universal, conforme proposto na Lei 13.415/17, que trata da
Reforma do Ensino Médio.
712 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Conclusões

Os resultados, até aqui obtidos, demonstram que o ensino


médio universal e obrigatório é uma conquista histórica recente no
país, principalmente a partir de documentos legais como a
Constituição de 1988, a Lei de Diretrizes 9394/96 e a Emenda
Constitucional 59/2009.
Também pudemos concluir que seu currículo foi se
transformando durante a trajetória histórica, dadas as transformações
ocorridas nas esferas sociais e econômicas, para fazer face às
necessidades de cada contexto e que uma das possibilidades
apresentadas é a sua integração com a educação profissional, inclusive
apresentada como estratégia no Plano Nacional de Educação
2014/2024 para alcançar a meta da sua universalização.
Como exemplo, podemos apontar o Programa Rede Ensino
Médio Técnico Profissionalizante, lançado pelo governo do estado de
São Paulo, resultante de uma parceria da Secretaria de Estado da
Educação e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo.

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47

Escrevivência:
espaço de aprendizagem e cultura

Adalberto Vitor Raiol Pinheiro

Introdução

O trabalho refere-se a um recorte de uma pesquisa de


doutoramento em andamento da Faculdade de Educação da USP
intitulada “Educação, modelos de ação e escrevivência: diálogos sobre
o processo de apropriação de elementos culturais” tem como objetivo
refletir sobre as contribuições da prática dos modelos de ação e
protocolos (KOUDELA, 1996) no Ensino Médio, assim como verificar
as possibilidades de desenvolvimento do processo ensino e
aprendizagem, contemplado pela valorização do imaginário, aspectos
sociais e culturais que permeiam a formação intelectual do aluno.
Pretende-se apresentar o procedimento da escrevivência
(EVARISTO, 2007) como possível ferramenta que propicie aos
aprendizes uma prática que contemple o indivíduo como ser
simbólico, capaz de inventar, criar símbolos e que; segundo Martins
et al.(1998, p.34) “como seres simbólicos nossa autocriação e
transformação cultural nos desenvolvam como seres de linguagem;
humanos, capazes de conceber e manejar linguagens que nos
permitam ordenar o mundo e dar-lhe sentido”.
As discussões têm um de seus aportes teóricos em Vigotski
(2002) que compreende a educação como resultado da expressão
histórica e crescimento da cultura humana; e a cultura como
718 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

fenômeno social que nasce e transforma-se a partir do homem, em


uma relação dialética entre ele e seu meio.
Para o autor, o homem não é apenas produto de seu ambiente,
mas também um agente no processo de criação deste meio. Ao transpor
essa ideia para nosso contexto, do Ensino Médio, é possível dizer que
ao ser exposto a procedimentos relacionados à arte, em nosso caso os
modelos de ação a partir de obras pictóricas, o aluno teria oportunidade
de uma formação integral, a qual dê novos significados aos seus
referenciais culturais e ao próprio processo ensino e aprendizagem.
Para esse artigo, buscamos relacionar o procedimento da
escrevivência com algumas teorias que contemplem as relações Eu-
outro do compartilhamento a diferença na Intersubjetividade
Humana, a fim de compreender as vozes que dele emergem durante
a enunciação no diálogo e identificar as implicações e contribuições
para o contexto da Educação.
Para tanto, organizamos o artigo em três seções.
A primeira “Vigotski e Bakhtin: diálogos convergentes” tem
como objetivo apresentar correspondências entre alguns postulados
dos autores, em principal os pilares: social, histórico e cultural, os
quais perpassam a produção e compartilhamento dos protocolos.
A segunda “Diálogos entre Vigotski, Bakhtin e a teoria
Semiótico-Construtivista” busca ampliar a discussão dos autores a
partir do ponto de vista semiótico-construtivista, cujo fio condutor
está pautado na noção de experiência como ação dialógica e
experiência inquietante.
A terceira “Escrevivência e suas relações” apresenta a origem
do protocolo e sua renomeação como procedimento de
escrevivência, isto é, uma ferramenta que potencialize o diálogo
entre os sujeitos culturais na escola.

Vigotski e Bakhtin: diálogos convergentes

A teoria dialógica do discurso, proposta por Bakhtin (1992),


tem expandido muito para além das várias noções de linguagem,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 719

uma vez que ultrapassa a estreita ideia dos estudos sobre a língua e
configura-se como uma dimensão filosófica no trato do objeto de
reflexão. Com isso, podemos observar que tal dimensão encontra
ecos dos diversos segmentos de estudos, como sociologia, filosofia,
antropologia, semiótica e educação.
Ao aproximar da concepção da linguagem na teoria
bakhtiniana, temos notado que tal reflexão transcende o conjunto
da obra e suas noções particulares e passa a transitar em vários
lugares, não se limitando, meramente, aos conceitos de “língua” e
“linguagem”.
Para isso, partiremos da noção de consciência como produto
do signo, entendido como aquele que emerge do processo de
interação da consciência individual e outra. Sobre este tema Bakhtin
(2002) aponta que:

A consciência só se torna consciência quando se impregna de


conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no
processo de interação social (...) A consciência individual não só
nada explica, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a
partir do meio ideológico social. A consciência individual é um ato
sócio ideológico. (p.34-35)

Nesta perspectiva, o signo deve ser compreendido como uma


construção ideológica que retrata a realidade que lhe é exterior
(Bakhtin, 2002), isto é, na concepção de Geraldi (2003, p.18) “a
palavra do outro se transforma, dialogicamente, para tornar-se
palavra pessoal alheia com a ajuda de outras palavras do outro, e
depois, palavra pessoal”. Em outros dizeres, o signo não se restringe a
uma construção linguística, mas se constitui de sentidos estabelecidos
pelos sujeitos da enunciação durante o processo dialógico.
Neste sentido, cabe sinalizar que a perspectiva dos estudos de
Bakhtin não oferece uma teoria pronta, nem uma metodologia a ser
seguida, mas situações dialógicas que esboçam os modos de ser, de
viver e de se relacionar dos indivíduos, uma vez que, segundo Faraco
(2009,) na ótica bakhtiniana:
720 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

descortina-se a possibilidade de conectar o agir do homem – na


sua essencial condição de ser histórico, criador, transformador e
em permanente devir – com uma linguagem fundamentalmente
plástica, isto é, adaptável à abertura ao movimento, a
heterogeneidade da vida humana (p.101)

É possível inferir que o modo de pensar a condição humana,


na percepção de Bakhtin, é aquela que contempla as reflexões nas
mais diversificadas facetas, pelas quais se compõe um senso de
globalidade, que permite uma atmosfera dialógica na qual seja
possível “ouvir/escutar” a palavra do outro.
Assim, nesta aproximação entre Bakhtin e Vigotski, Emerson
(2010), Jones (2007) e Holquist (1994) salientam semelhanças
nestas duas bases teóricas, destacando que ambas as investigações
estavam voltadas para crítica às bases teórico-metodológicas
reducionistas e dualistas, que apoiavam as pesquisas da época na
compreensão do desenvolvimento humano. Enquanto Bakhtin
questionava as premissas do subjetivismo idealista e do objetivismo
abstrato quanto à concepção de linguagem; Vigotski fazia o mesmo
quanto aos métodos da psicologia idealista e behaviorista.
Diante dos pontos de convergência estabelecidos neste
primeiro momento, passaremos a discutir tais autores, na próxima
seção, na perspectiva semiótico-construtivista.

Diálogos entre Vigotski, Bakhtin e a Teoria Semiótico-


Construtivista

Nesta seção, relacionamos Vigotski e Bakhtin com a teoria


Semiótico-Construtivista a partir da experiência como consequência
da compreensão de significação estabelecida por meio da linguagem
nas relações entre os homens, e como a produção humana afeta os
participantes nessas relações. Nas palavras de Smolka (2006, p.107
apud MAGALHÃES & Oliveira, 2011):
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 721

É falando das relações com/no meio que Vygotsky destaca a


perezhivanie, isto é, a experiência, sentimento, experiência
emocional, aquilo que se vai fazendo enquanto formação da
personalidade, que se repete uma e outra vez, que implica o
entretecimento do funcionamento mental e das emoções em
modos socialmente constituídos de os indivíduos estarem no
mundo. Experiência é resultante daquilo que impacta e é
compreendido, significado, pela pessoa. Há um aspecto
compreeensivo, apreciativo, valorativo nos sentidos das situações
vividas. (p.107)

Como é possível observar que a experiência com o outro


consolida o funcionamento mental das emoções, fato este que
estabelece o princípio de dialogia e alteridade, como aponta Holquist
(1994, p.20 apud MAGALHÃES & Oliveira, 2011):

O sentido não é algo que se “tenha”, em mente, por exemplo, posto


que a metáfora mente como um container contraria o que acima
comecei a apontar acerca de uma noção pragmática da mente (ou,
neste caso, entendimento) como construto sintetizador de um
movimento dialógico. (p.107)

A partir das colocações do autor, que apresenta a experiência


como uma ação dialógica que propicia a alteridade, é possível
realizar uma analogia com o construtivismo semiótico-cultural, o
qual concebe o experienciar como ponto focal para compreensão do
papel das relações eu-mundo na construção ontológica da
subjetividade humana. Nesta perspectiva, surge o conceito de
“experiência inquietante” como sendo aquela que “ fere
expectativas, que instiga afetiva e cognitivamente, seja o ator, por
meio do diálogo, verbal ou não, com ele, e que é, portanto, nesse
outro, também instigado a partir de sua própria perspectiva”
(SIMÃO, 2004, p.13).
Destarte, o construtivismo semiótico cultural dialoga com os
construtos vigotskianos e bakhtinianos, se considerarmos a
construção de sentido a partir das relações entre o eu-outro,
entendidas neste contexto como experiências inquietantes, as quais
722 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

se “manifestam como alteridade no nível do tema e no nível de


relações entre os interlocutores, e que, ao se dar, se dá com a
emergência da margem, isto é, do significado” (SIMÃO, 2004, p.24).
Segundo a autora, significar está intimamente relacionado a
“fazer distinções, que passam a ser exigidas por experiências que,
quando inseridas no campo semântico que o ator já vem
desenvolvendo, se apresentam como inquietantes, instigantes”. Para
tanto, trata da unidade triádica, conforme a lógica co-genética
proposta por Herbst (1995, p.68 apud SIMÃO, 2004), constituída de
quatro propriedades:

1 – Ela é co-genética: os três elementos são gerados vêm à


existência juntos;
2 – Ela é não-separável: não podemos tomar os elementos
separadamente (...) tê-los inicialmente separadamente e depois
juntá-los (...);
3 – Ela não é redutível: não pode haver menos que três
componentes (...) se qualquer um dos componentes for retirado,
então todos os três desaparecem juntos.
4 – Ela é contextual: nenhum dos componentes tem características
individualmente definíveis (...)” (p.17)

Nessa medida, o significado de qualquer acontecimento, se


daria a partir de uma organização triádica formada pelo
acontecimento experimentado, isto é, pelo que era esperado e/ou
desejado da relação eu-outro.
Para Gadamer (1975/1996a, p.433 apud Simão, 2010) a
experiência converte-se na abertura do homem experimentado ao
novo:

É experimentado, no autêntico sentido da palavra, aquele que é


consciente dessa limitação, aquele que sabe que não é senhor nem
do tempo, nem do futuro; pois o homem experimentado conhece
os limites de toda previsão e a insegurança de todo plano. Nele,
chega à sua plenitude, o valor de verdade da experiência, o
característico é que quem experimenta adquire uma nova abertura
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 723

para novas experiências, isso valerá tanto mais para a ideia de uma
experiência consumada. (p.197)

Na concepção Gadamiana, o valor da verdadeira experiência


não termina na síntese de Hegel, como um estado de saber
conclusivo que supera a contradição, mas reside na concepção do
homem sempre aberto a experimentar novas contradições, o que
chama de “experiência da própria experiência”, assim para
Gadamer “a experiência autêntica é um sempre retornar a si
mesmo, retificador alguma posição anterior na relação eu-mundo
(outro)” (SIMÃO, 2010, p.197).
Diante desta discussão é possível afirmar que para Bakhtin,
Vigotski e a teoria semiótica-construtivista cultural, o significado deve
emergir do compartilhamento, em que a singularidade de cada um
deve ser colocada em um contexto de partilha (HOLQUIST, 1994).
Outro aporte que complementa o reconhecimento de si a partir
do outro é a “fusão de horizontes” gadamariana, que consiste em:

(...) um processo dialógico, significa possibilidade de


transformação nos horizontes dos interlocutores, com eventual
alargamento que possibilite compreensão de acontecimentos que
não se encaixavam (não podiam encontrar sentido) na
compreensão prévia individual dos interlocutores. A diferença
inicial entre os interlocutores, quanto a seus horizontes de
compreensão, permite a identificação de o que um acha que o
outro está distorcendo em sua compreensão de um acontecimento.
A possiblidade de fusão de horizontes, por sua vez, indica que eles
se desenvolveram e se modificaram. (SIMÃO, 2010, p.215)

Em conformidade com esta ideia, a interação entre eu-outro-


outros é vista como ampliação de horizonte dos sujeitos, uma vez
que no pensamento bakhtiniano dialogismo e alteridade acabam por
definir o ser humano, visto que “é impossível pensar no homem,
fora das reações que o ligam ao outro” (BARROS, 2001, p.30). Como
afirma o próprio Bakhtin (2010), o ser humano não existe para si,
senão na medida em que é para os outros, sendo na relação
724 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

estabelecida pela enunciação que os sujeitos (re)estabelecem


percepções, sentidos e posicionamentos, frente à si, ao outro e ao
próprio mundo.
Fundamentados na concepção de fusão de horizontes e na
ideia de que este processo pode gerar a possiblidade de
transformação dos interlocutores, na próxima seção, ampliaremos
nossas discussões apresentando o protocolo, como possível
ferramenta a qual potencialize as relações dialógicas,
especificamente à temática de apropriações culturais.

Escrevivência e Suas Relações

Segundo Boy (2013), o primeiro registro da utilização da


palavra “protokoll” aparece na pesquisa de Koudela (2007, p.21)
sobre a peça didática, na qual relata que Brecht tinha preocupação
em protocolar as reações das pessoas submetidas às suas peças, no
caso referia-se à: “Aquele que diz sim”/ “Aquele que diz não”.
(PINHEIRO, 2014)
“Aquele que diz sim” foi apresentada pela primeira vez,
segundo Ewen (1991), em 23 de junho de 1930; despertando muitas
discussões por parte da Igreja e dos alunos da Escola Karl Marx de
Berlim, o que surpreendeu Brecht. Apesar disso, Brecht levou em
conta as críticas nos protocolos desses alunos, que questionavam o
final da peça.
Boy (2013) aponta que apesar desses protocolos terem sido
feitos pelos alunos da Escola Karl Marx em 1930, foram publicados
como “protokoll” somente em 1959 no “Caderno 4” dos Versuche.
No Brasil, segundo Japiassu (2005, p.62), a prática sistemática
da confecção de protocolos a partir de sessões de trabalhos com os
jogos teatrais foi inaugurada por Koudela, com base nos estudos
sobre a teoria da peça didática de Brecht.
Durante seu trabalho com os jogos teatrais e a sistematização
dos protocolos, Koudela (2006) observou que o protocolo funciona
como deflagrador do processo de aprendizagem, fazendo a leitura
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 725

das vivências, incentivando a investigação coletiva. Acrescenta


ainda, que este procedimento:

- é um instrumento eficiente na articulação entre teoria e prática;


- faz a leitura das experiências pretéritas;
- propulsiona a investigação coletiva;
- é instrumento de avaliação reflexiva;
- é síntese de aprendizagem;
- traz a experiência física para o plano da consciência;
- tem a função de registro individual e de grupo.
(koudela 1996, 2001 apud LOMBARDI, 2005, p.111)

A partir de uma vasta gama de conceituações, Lombardi


(2005) define protocolo como um instrumento de reflexão e
avaliação, uma síntese da aprendizagem materializada na escrita.
Para Boy (2013), o protocolo está relacionado com a
experiência prática, sensorial e corporal que são interligadas e
representadas por meio da escrita. A estudiosa ressalta, ainda, que
não tem sua origem apenas em estudos teóricos, e acrescenta:

O protocolo como um instrumento de avaliação do processo vivido


utilizado, na metodologia de ensino aprendizagem [...] o texto do
protocolo é primordialmente escrito, mas pode apresentar-se
através de outras linguagens [...] (BOY, 2013, p.101)

Ao propor a possibilidade das várias linguagens, utilizadas


como expressão na feitura do protocolo, a autora dialoga com a
compreensão bakhtiniana de visão de conjunto de texto, na qual o
teor dos enunciados produzidos são materializados por meio do
verbo-visual, daí o termo protocolo verbo-visual proposto por
Gonçalves (2013). Para esse autor, o termo verbo-visual, cunhado
por Brait (2009a, 2011) apresenta o enunciado concreto no qual as
dimensões verbal e visual são indissociáveis.
A partir da sequência de definições acerca do protocolo,
percebemos uma origem predominantemente no campo teatral,
mas ao mesmo tempo em que transcende esta área do
726 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conhecimento, despontando como possível procedimento que


permite a superação do caráter descritivo e unilateral no contexto
da educação, projetando-se para uma prática educativa centrada na
ampliação de referenciais particulares na relação eu-outro, nas quais
os participantes se constituam ou mesmo se reconstituam.
Cabe ressaltar, que os termos verbo-visual foram
incorporados ao conceito “Protocolo”, convertendo-o em “Protocolo
Verbo-Visual”, no entanto, optamos em renomeá-lo como
procedimento de escrevivência.
O conceito “escrevivência” foi cunhado pela escritora Maria
da Conceição Evaristo de Brito, mais conhecida como Conceição
Evaristo, escritora e pesquisadora mineira, militante do movimento
negro e com intensa participação em movimentos sociais.
A junção das palavras “escrever” e “viver” caracterizam o
caráter memorialístico e biográfico das mulheres negras, admitindo
que a subjetividade permeia toda escrita, isto é, ao produzir a
escrevivência há uma “escrita de si”.
Para a autora, da qual tomamos emprestado o termo, a
escrevivência consiste no decodificar o universo das palavras para
suportar o mundo, o que proporciona fuga e inserção no espaço.
Segundo Oliveira (2009) a escrevivência é um arquivar a si
composto por três elementos formadores: corpo, condição e
experiência. Em uma analogia com o contexto educacional, a
metodologia da escrevivência poderia revitalizar o conhecimento
principalmente com os dois últimos elementos, isto é, dando
condições de negociações de significados aos alunos e
proporcionando-lhes espaços para viver suas próprias experiências.
Ao contemplar a prática da escrevivência por meio de modelos
de ação pictóricos e/ou literários estaríamos coerentes à uma prática
educativa que encaminhe não só para os aspectos cognitivos do
conhecimento, mas para uma ampliação da consciência, tal como
aponta Evaristo (2007):
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 727

e se inconscientemente desde pequena nas redações escolares eu


inventava um outro mundo, pois dentro dos meus limites de
compreensão, eu já havia entendido a precariedade da vida que nos
era oferecida, aos poucos fui ganhando alguma consciência.
Consciência que compromete a minha escrita como um lugar de
auto-afirmação de minhas particularidades, de minhas
especificidades como sujeito-mulher-negra. (Evaristo 2007: 20)

Ao interpretar tal citação a partir do pano de fundo da


educação, é possível dizer que ao praticarem a escrevivência os
alunos terão possibilidades de autoafirmação de suas subjetividades
e especificidades históricas, sociais e culturais.
Por este ângulo, a metodologia de escrever e vivenciar
apresenta-se em seu sentido mais amplo de escrita, ou seja, aquela
que propicia o momento de experiências não só verbais, mas
também não verbais.
Sob o viés da literatura, Candido (1995) afirma que não há
povo e nem ser humano que possa viver sem fabular. Em nosso
contexto, a partir de suas produções, os escreviventes evidenciam
inúmeros tensões e reflexões por meio das diferentes linguagens, as
quais lhes permitem praticar um exercício não só de prazer, mas
também de vitalidade frente ao mundo que ora se converte
prazeroso, ora angustiante.
Ao considerar o procedimento da escrevivência e seus
diversos fios que se enredam na tessitura
escrita/cultura/experiência, é perceptível as várias fronteiras de
identidade e cultura que serão estabelecidas e utilizadas como
parâmetros que reafirmem ou neguem a construção de determinado
conhecimento.

Considerações finais

Muito embora o artigo seja um recorte da pesquisa de


doutoramento em andamento, é possível vislumbrar que a
728 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escrevivência, na área da educação, contribuirá para valorizar as


vozes que se entrecruzam no espaço escolar.
Ao compreender tal procedimento como aquele que faz ecoar
sentidos e reflexões nas relações intersubjetivas entre eu-outro-
mundo, o processo ensino e aprendizagem poderá ser revitalizado
em um ambiente cujos conhecimentos sejam mais pulsantes e
inquietantes nas interações entre os aprendizes.
O contato com autores da Psicologia Semiótica- Construtivista
permitiu aprofundamento quanto às relações dialógicas estabelecidas
entre os sujeitos, e muito mais que isso, a consolidação de vertentes
bakhtinianas, entre elas, “o conceito de adequado”, compreendido
como a inexistência de uma verdade única. Dessa forma, as interações
propiciadas pelos protocolos geram compreensões provisórias e
rascunhadas (Rommetveit,1979 apud SIMÃO, 2010).
Nesta perspectiva, é possível afirmar que os discursos
produzidos transcendem aspectos linguísticos, pois apresentam em
sua estrutura aspectos culturais, sociais, afetivos que se inter-
relacionam pela fusão de horizonte, proposta por Gadamer (1985
apud SIMÃO, 2010); na qual os sujeitos constroem ou (re)constroem
seus enunciados.
Em última análise, a proposta do procedimento da
escrevivência, poderá revisitar a formação de educadores e
educandos, possibilitando que ambos tenham compreensão do
outro e de si mesmo frente aos novos contextos que surgem desta
nova forma de vivenciar o conhecimento e a cultura.

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48

Estudo comparativo sobre


reformas curriculares na América Latina:
Brasil e Bolívia

Ana Clédina Rodrigues Gomes


Harryson Junio Lessa Gonçalves

Introdução

Nos últimos anos inúmeros pesquisadores vêm se dedicando


às questões relativas às reformas curriculares em países da América
Latina (SACRISTAN, 1996; MACÊDO, 2014, 2015; LOPES, 2002,
GUZMAN, 2014, entre outros). Nesse sentido, o presente trabalho se
configura a partir da pesquisa em andamento, a qual visa
problematizar as reformas educacionais nos contextos brasileiro e
boliviano, sobretudo aquelas ligadas à educação secundária,
caracterizada de forma variada em diferentes países, uma vez que
as legislações que regem esse nível de ensino são diversas, assim
como os fatores sociais, econômicos e culturais que os afetam.
Assim, estudos comparativos se tornam necessários para um
entendimento em âmbito internacional dos desafios enfrentados
pelos sistemas educacionais diante das atuais reformas educacionais
desencadeadas na América Latina, tornando fundamental
investigações que promovam a compreensão dos aspectos
ideológico e pedagógico presentes nessas reformas, caracterizando
suas convergências e divergências, contribuindo, assim, com o
processo de integração dos países latino-americanos.
734 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Destacamos ainda que a integração latino-americana se


mostra como preceito na Constituição Federal Brasileira, prevendo-
se no parágrafo único do seu artigo quarto que “A República
Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social
e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma
comunidade latino-americana de nações”. Dessa forma, temos no
cenário educacional brasileiro ações como o incentivo ao ensino da
língua espanhola nas escolas de educação básica e a criação de uma
universidade pública destinada à integração de povos latino
americanos, a Universidade Federal da Integração Latino-
Americana (Unila), todavia, quando adentramos as questões
curriculares, normatizadas por exemplos pelas Leis no 9.394/1996
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB) e a Lei no
13.005/2014 (Plano Nacional da Educação – PNE), percebemos
importantes ausências que podem interferir no pleno
desenvolvimento de conhecimentos referentes aos processos de
colonização sofridos pelas diferentes nações da América Latina e que
podem dar resposta a diversas questões que enfrentamos no Brasil
no que se refere ao desenvolvimento de políticas curriculares que
envolvam as especificidades de grupos como a população negra e
indígena.
Sob tal problemática, o recorte do estudo aqui apresentado se
dá sobre as reformas educacionais que têm sido desencadeadas na
América Latina referente à educação secundária, pelo viés das
reformas realizadas nos últimos anos para esse nível de ensino.
Segundo Sacristán (1996), o termo reforma educacional se
demonstra atraente para analisar os projetos políticos, econômicos
e culturais de quem as propõem e o momento histórico que surgem.
Proporciona um ambiente oportuno e privilegiado para adquirir
experiência política e social, possibilitando uma análise profunda da
valorização e da importância dos temas educacionais em uma
sociedade, verificando que papel desempenha a educação na trama
social.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 735

O tema se mostra bastante pertinente pelo momento atual no


qual o Brasil vivencia uma série de reformas educacionais pautadas
em medidas provisórias que não necessariamente traduzem os
anseios sociais, mas que são regidas por um desenho político que
vêm se instaurando nos últimos anos. Diante de tal cenário se fazem
urgentes estudos que possam apontar os contextos nos quais de
produzem as políticas educacionais e as possíveis consequências de
tais reformas.
Nesse sentido, o estudo comparado sobre as reformas
educacionais ocorridas na Bolívia vem auxiliar na compreensão do
caso brasileiro pelos resultados alcançados na educação boliviana a
partir das reformas implementadas nos últimos anos,
considerando-se ainda que a Bolívia possui em sua história
elementos muito aproximados com a história do Brasil. Assim,
apresentamos neste trabalho um recorte da pesquisa que encontra-
se em fase inicial, quando ainda reunimos sua base bibliográfica
para fundamentar as futuras análises. Porém, apresentamos seu
resumo com o intuito de compartilhar as intenções do estudo, bem
como colher a opinião de pesquisadores interessados acerca da
temática, para que dessa forma possamos ampliar as
potencialidades da pesquisa.
Cabe ressaltar que o estudo aqui apresentado, realizado a
partir de um estágio de pós-doutoramento, em seu âmbito geral tem
como objetivo central analisar singularidades e similaridades
percebidas em reformas da educação secundária da Bolívia e Brasil;
caracterizando nesses movimentos de reformas a noção de esfera
pública empreendida nos processos de construção curricular. Como
objetivos específicos visa:

• descrever as principais marcas de reformas educacionais presentes na


história da educação dos países investigados, caracterizando as
principais concepções pedagógicas presentes nessas reformas;
• reconhecer na estrutura de formação inicial e continuada de professores
dos países investigados as suas interfaces com os processos de
736 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

planificação e implementação curricular inerentes aos movimentos de


reforma educacional;
• identificar nos currículos da educação secundária as relações entre
“mundo do trabalho”, “mercado de trabalho” e “formação para o
trabalho”;
• discutir a provisão das questões relativas à “diversidade”, “inclusão” e
“educação/formação integral” feita no currículo dos países investigados;
• caracterizar nos movimentos de reforma educacional dos países
investigados os sujeitos, atores e intuições envolvidos nesses processos;
• discutir – a partir das legislações e currículos investigados – as relações
entre “comunidade”, “família” e “escola” no desenvolvimento curricular
da educação secundária dos países investigados.

Fundamentação Teórica

No Brasil, em 15 de setembro de 2016, o ministro de educação


solicitou ao Presidente da República a publicação de uma Medida
Provisória (MP) prevendo alterações curriculares no Ensino Médio,
promovendo assim uma reforma curricular que flexibiliza tal
currículo e amplia a jornada para tempo integral. O ministro
consubstancia tal pedido nas constatações das altas taxas de evasão
escolar nesse nível de ensino, bem como na queda do desempenho
dos alunos no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB)
(BRASIL, 2016a). Assim, no dia 22 de setembro de 2016, o
presidente editou a MP nº 746 que institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral;
altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional (LDB) e a Lei nº 11.494 de
20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (FUNDEB), e dá outras providências.
Ressaltamos que, desde 2013, encontrava-se em tramitação na
Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 6.840 que visava
instituir no Ensino Médio a jornada em tempo integral e dispor
sobre a organização dos currículos por áreas de conhecimento. Ao
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 737

analisarmos o PL nº 6840/2013 e a MP nº 746/2016 identificamos


serem convergentes.
Salientamos que a MP é um instrumento com força de lei
imediata utilizado em casos de urgência pelo Poder Executivo,
dispondo a vigência de 60 dias prorrogáveis para 120 dias, sendo
imprescindível a aprovação do Congresso Nacional para ser
efetivada como Lei. Assim, a MP nº 746/2016 tramitou no
Congresso Nacional, sob o número Projeto de Lei de Conversão
(PLV) nº 34/2016, sendo aprovada pela Câmara dos Deputados em
13 de dezembro de 2016 e pelo Senado Federal em 08 de fevereiro
de 2017. No dia 16 de fevereiro de 2017 o Presidente da República
sanciona a Lei nº 13.415 consolidando a Reforma do Ensino Médio
(REM) no Brasil.
Destacamos alguns dos pontos da Lei nº 13.415: os currículos
do Ensino Médio deverão considerar a formação integral do aluno,
de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu
projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos
e socioemocionais. O currículo será composto pela Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), na qual se constituirá por: linguagens e
suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da
natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas. O
currículo será composto pela supramencionada BNCC e por
itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas
de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento:
“Linguagens e suas Tecnologias”, “Matemática e suas Tecnologias”,
“Ciências da Natureza e suas Tecnologias”, “Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas” e “Formação Técnica e Profissional”. A carga
horária do Ensino Médio deverá ser progressivamente ampliada
para 1.400 horas, sendo que no prazo máximo de cinco anos todo o
Ensino Médio deverá ter no mínimo 1.000 horas anuais de carga
horária.
O documento aponta ainda que o currículo poderá ser
organizado em módulos e adotar o sistema de créditos com
terminalidade específica. Os sistemas de ensino, mediante
738 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte


cursar outro itinerário formativo. Os currículos de formação de
docentes deverão ter como referência a BNCC. O processo seletivo
de acesso aos cursos de graduação considerará as competências e
habilidades definidas na BNCC. A Lei modifica ainda alguns aspectos
do FUNDEB e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
instaurando prazos, bem como institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Tempo Integral no âmbito do MEC.
A publicação da MP impulsionou discussões produzindo
diversos posicionamentos de entidades científicas, acadêmicas,
estudantis e sindicais. Em geral, tais entidades se manifestaram
contrárias a MP devido ao fato de falta de discussão na sociedade
civil sobre a reforma. A REM provoca diversas indagações que
tencionam o contexto de esfera pública, dentre elas, destacamos: a
noção de “notório saber” não seria um retrocesso em relação à
profissionalização docente na Educação Profissional Técnica, em
especial diante dos avanços promovidos pela Resolução CNE/CEB
Nº 02/97 e no artigo 40 da Resolução CNE/CEB nº 6/ 2012? Tendo
em vista que os sistemas de ensino é que definirão a oferta dos
itinerários formativos, será que “de fato” serão tais itinerários
acessíveis aos alunos? Como se configurarão a Educação Física,
Filosofia e Sociologia como “estudos e práticas” no currículo de
Ensino Médio? Tomando o preceito constitucional de integração
latino-americana, qual impacto pode causar se retirar do Ensino
Médio a obrigatoriedade da Língua Espanhola? Como no processo
de implementação curricular, em um contexto de crise econômica
com cortes em relação à educação, serão realizadas ações relativas à
infraestrutura das escolas de Ensino Médio visto que essas se
tornarão de Tempo Integral?
Muitos são os questionamentos acerca da atual reforma
educacional realizada no Brasil. Já no cenário boliviano, destacamos
que o Estado Plurinacional da Bolívia, em 2006, ascende à gestão do
Estado republicano o Presidente Juan Evo Morales Ayma,
descendente de povos originários, propondo iniciar uma revolução
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 739

democrática para constituir um novo Estado e um novo poder com


uma visão anticapitalista, anti-imperialista e descolonizadora
(BOLÍVIA, [2015?]). Conforme o Plano de Desenvolvimento
Econômico e Social 2016-2020 (PDES), inicia-se uma Revolução
Democrática e Cultural no país.
O documento afirma que no primeiro período da revolução
(gestão: 2006 a 2009) se iniciou um processo de transformação das
estruturas institucionais do Estado e da sociedade boliviana,
culminando na refundação do país e no nascimento do novo Estado
Plurinacional. O segundo período da revolução (gestão: 2010 a
2013), conforme o PDES, se caracterizou pelo empenho de se
construir um novo Estado Plurinacional no sentido de se pensar um
horizonte para o povo boliviano “Viver Bem”, construindo seu
próprio espaço histórico e civilizatório. Nesse período, se consolidou
uma nova constituição política do Estado, avançando em ações
práticas e concretas para realização do “Viver Bem”, no marco de
reconhecimento de um país plural nos aspectos econômico, social,
político, cultural e jurídico, a partir da base de um novo modelo
econômico, social, produtivo e comunitário.

[...] neste período se constitui um Estado forte, que dirige e


planifica suas políticas sociais e econômicas, que exerce a direção
e o controle dos setores estratégicos, e participa diretamente na
economia e geração de riqueza, para sua distribuição e
redistribuição (BOLÍVIA, [2015?], p. 8, tradução nossa).

No terceiro período (gestão: 2014 a 2017), o PDES afirma que


o governo está orientado a consolidar a Revolução Democrática
Cultural e o Estado Plurinacional por meio do fortalecimento de um
Estado integral e do “Viver Bem”, em que existe articulação e
correspondência entre o povo boliviano e os diferentes níveis de
governo, em que todos compõem o Estado, em que há uma forte
liderança das organizações sociais e se fortifica a plurinacionalidade,
autonomia democrática e soberania econômica.
740 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Segundo Ayerbe (2011), no governo de Evo Morales, a Bolívia


apresenta um cenário consolidado de estabilidade institucional em
que se criaram condições estruturais viabilizadoras para o modelo
proposto de desenvolvimento, Estado Unitário Social de Direito
Plurinacional Comunitário, que expressa jurídica e politicamente as
relações sociais do Capitalismo Andino-Amazônico.
O autor acrescenta ainda que recai nas lideranças do processo
de transformação o peso da responsabilidade sobre os resultados que,
diferente de contextos anteriores, desencoraja processos de reação
desestabilizadora, gerando perda de confiança da população nas
autoridades, déficits de gestão, divisões na base de apoio do governo,
descontentamento social. Assim, com enfraquecimento consequente,
lacunas poderão ser abertas para investidas de conservadores contra
a falência do Estado, da ordem e do império da lei.
A partir desse contexto nacional boliviano foi desencadeado
um processo de reforma educativa no país – defendendo uma
concepção pós-colonial de currículo. Para tanto, o sistema
educacional boliviano foi organizado a partir da Lei da Educação n.º
070 (Lei “Avelino Siñani – Elizardo Pérez”), de 20 de dezembro de
2010. A lei assume que a educação se sustenta na sociedade, por
meio da participação plena dos bolivianos no sistema educativo
plurinacional, respeitando suas diversas expressões sociais e
culturais nas suas diferentes formas de organização, bem como
encontra-se alinhada, em suas bases, com o processo de
consolidação da Revolução Democrática e Cultural de Evo Morales.

[A educação] é descolonizadora, liberadora, revolucionaria, anti-


imperialista, despatriarcalizadora e transformadora das estruturas
econômicas e sociais; orientada para reafirmação cultural das
nações e povos indígenas originários campesinos, as comunidades
interculturais e afro-bolivianas na construção do Estado
Plurinacional e o Viver Bem (BOLÍVIA, 2010, p. 4, tradução nossa).

O currículo base plurinacional boliviano foi desenhado,


aprovado e implementado pelo Ministério da Educação com a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 741

participação dos diversos atores educativos. Cabendo ainda ao


Ministério apoiar a planificação dos currículos regionalizados, em
coordenação com as nações e povos indígenas originários
campesinos, preservando uma harmonia e complementaridade com
o currículo base plurinacional. Tais currículos regionalizados são de
competência do Estado (via Ministério da Educação) e das entidades
territoriais autônomas (BOLÍVIA, 2010).
O currículo base plurinacional estabelece os princípios e os
objetivos da organização curricular que emergem das necessidades
da vida e da aprendizagem das pessoas e da coletividade. O currículo
regional apresenta as características do contexto sociocultural e
linguístico das nações e povos indígenas originários no qual
desenvolve processos educativos produtivos comunitários de acordo
com suas vocações produtivas (BOLÍVIA, 2010).
Destacamos que currículo boliviano tem sido
planificado/implementado a partir do Programa de Formação
Complementar de Professores (maestras/maestros) em Exercício
(Profocom), que envolve Escolas Superiores de Formação de
Professores, Unidades Acadêmicas e Universidade Pedagógica.
Conforme aponta Gregoriu (2014), ao fazer referência às ações da
Sociedade Boliviana de Educação Matemática (Soboedma), diz que
nos últimos anos a Soboedma não tem provido encontros, pois os
professores estão centrando seu tempo e atenção no processo
formativo obrigatório pelo governo por conta da nova Lei de
educação – o Profocom. Assim, pressupomos que tal ação mobiliza
a totalidade de professores bolivianos no processo de construção
curricular da “Grande Revolução Educativa”, conforme aponta
Gregoriu (2014).
Assim, a reforma educacional boliviana mobiliza ações no
processo de construção curricular que envolve os diversos atores
envolvidos no processo educativo, propondo um sistema
educacional Intracultural, Intercultural e Plurilíngue; promovendo
uma educação que contribua com a descolonização do povo
742 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

boliviano, bem como o desenvolvimento social e econômico do


Estado Plurinacional da Bolívia (GONÇALVES; URQUIZA, 2017).
Nesse sentido, o currículo boliviano revela um compromisso
com a educação centrada em aspectos antropológicos que toma o
conhecimento como histórico e socialmente posicionado a partir da
diversidade cultural, valorizando, assim, saberes providos de povos
originários. Para tanto, consubstancia tal construção curricular em
perspectivas teóricas de autores pós-coloniais. Problematizando, a
partir de aspectos culturais e identitários, a colonização do povo
boliviano em uma busca de pensamento descolonizado
(GONÇALVES; URQUIZA, 2017).

Procedimentos Metodológicos

Para ressaltar a importância da Educação Comparada,


concordamos com Arnove (2009), ao afirmar que para mudar o
mundo precisamos compreendê-lo, tornado esse o objetivo central
da educação comparada, com a missão de contribuir para a
elaboração de políticas, teorias e práticas educacionais mais
elucidadas, constituindo, assim, um entendimento de abrangência
internacional. Segundo Carvalho (2013), as primeiras pesquisas que
tratavam de comparar os sistemas nacionais de ensino, obtinham
informações para que esses diferentes países copiassem as boas
experiências uns dos outros, evitando-se, assim, erros.
A autora afirma ainda que no século XIX, diversos países da
Europa, os EUA e, inclusive, o Brasil promoveram viagens para
realização desses estudos a respeito da educação em outros países.
Contudo, nos anos 80 e 90, a educação comparada sofreu perda de
prestígio, devido as críticas às teorias de modernização, do capital
humano, do desenvolvimento dependente, bem como dos próprios
resultados alcançados por elas. Nesse contexto, seus métodos, sua
validade científica, suas bases teóricas e mesmo suas finalidades
foram questionados, sob a premissa de que seus resultados eram
utilizados de modo abusivo para legitimar as ações reformadoras em
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 743

nível nacional, em geral, vinculadas às orientações ou diretrizes dos


organismos internacionais – como ONU, UNESCO, FMI, Banco
Mundial, OCDE.
No Brasil, segundo Carvalho (2013), nos anos 80, a educação
comparada chegou a ser extinta de cursos superiores (graduação e
pós-graduação) corroborando com um quadro de enfraquecimento
das bases epistemológicas da área. A autora, afirma que nos anos 90
ocorre uma revitalização dos estudos comparativos, inseridos em
processos internacionais – reorganização da ordem mundial e dos
processos de globalização, da desnacionalização da economia, do
enfraquecimento do Estado-nação e da influência das agências
internacionais sobre as políticas nacionais de educação, ocorrendo
um crescente interesse pela realidade educacional de outros países.
Assim, surge um processo de revalorização da educação
comparada em nível internacional. Para tanto, essa revalorização é
acompanhada de críticas aos modos de interpretação e quadros de
análise anteriores, abrindo novas perspectivas teórico-
metodológicas (CARVALHO, 2013). Nóvoa (2009) acrescenta que a
educação comparada necessita de novos caminhos e
direcionamentos visto seu desprestígio junto ao meio acadêmico;
necessita de bases teóricas mais solidas. Para tanto é preciso pensa-
la em três novas frentes: (i) Novos Problemas – constituir os objetos
de estudo em torno de um “vaivém” entre local e global,
nomeadamente no que diz respeito ao trabalho realizado nas
instituições educativas (currículo, administração escolar, professor,
avaliação e demais); (ii) Novos Modelos de Análise – que não tomem
como referência única dados estruturais, mas que sejam capazes de
atribuir razão às práticas de diferentes atores (individuais,
institucionais e políticos) e ao modo como elas se reorganizam os
espaços e os sentidos em níveis nacionais e internacionais; (iii)
Novas Abordagens – baseando-se no aumento do repertório
metodológico do trabalho comparativo (desde as análises
macroeconômicas e políticas até às perspectivas etnográficas), e não
no intuito de encontrar o “melhor” método.
744 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em consonância com Ferrer (2002), destacam-se quatro


finalidades da investigação comparativa em educação: (i) ilustrar as
diferenças ou semelhanças entre os dois sistemas educacionais; (ii)
mostrar a importância que têm os fatores contextuais dos sistemas
educativos como elementos explicativos de si mesmos; (iii)
estabelecer as possíveis influências que têm os sistemas educativos
sobre determinados fatores contextuais; (iv) contribuir para melhor
compreensão do sistema educativo de um país mediante o
conhecimento do sistema educativo de outros países.
Assim, os estudos comparados são úteis para que os sistemas
educativos avaliem seu desempenho comparando-se com outros
sistemas. Os resultados devem proporcionar uma reflexão, sobre o
desempenho nacional a ser utilizada para fins de diagnóstico com
objetivo formativo, para auxiliar na toma de decisões e na definição
de políticas educativas (ROSENBAUM, 2014).
Para delinearmos a metodologia da nossa investigação nos
guiaremos a partir de Pilz (2012) que sintetiza o processo em quatro
fases de desenvolvimento metodológico do estudo comparativo: (1ª)
Fase Descritiva – observações e descrições; (2ª) Fase Explicativa –
introduz interpretação, com o objetivo de explicar e compreender;
(3ª) Fase de Justaposição – primeira tentativa de comparação,
oferecendo a constatação nacional definida no contexto dos critérios
de comparação selecionados para avaliação e análise de lado-a-lado;
isto permite, por exemplo, homólogos, análogos e diversos
fenômenos a serem derivados, juntamente com possíveis hipóteses
comparativas; (4ª) Fase Comparativa – as hipóteses comparativas
são testadas usando a comparação sistemática, as relações entre os
países são avaliadas por referência ao critério de comparação e
conclusões, podem ser tiradas para o assunto a ser pesquisado.
Para viabilizar o presente estudo, guiados pelos pressupostos
da Educação Comparada, estruturamos a investigação em três fases:
Bibliográfica; Análise Documental; Entrevistas. Dado recorte do
presente trabalho, nos deteremos em apenas apresentar parte da
primeira fase e segunda fase, já exposta no item anterior.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 745

Apresentação e Discussão dos Resultados

Conforme apresentado no item que tratou da fundamentação


teórica, os dados preliminares obtidos a partir das leituras acerca de
alguns autores e documentos apontam que o viés ideológico do País
norteia as reformas educacionais. No caso do Brasil, com a mudança
de governo ocorrida após o impeachment da Presidente Dilma
Rousseff, em 02 de dezembro de 2015, e consequente mudança de
uma base governamental de cunho mais democrático, passando a
assumir o Governo uma bancada declaradamente de base
neoliberal, as reformas educacionais seguiram tal pauta, fato que
também ocorreu na Bolívia em 2006, sendo que nesse País as bases
passaram a se fundamentar em políticas democratizantes e voltadas
para o fortalecimento dos seus aspectos sociais e culturais.
Logicamente essa análise se mostra de uma maneira muito
preliminar neste estudo, uma vez que necessitamos adentrar nos
contextos que permitiram as modificações dos cenários políticos em
cada País, a fim de darmos bases às análises no âmbito educacional.
Assim, uma análise mais profunda acerca dos documentos locais que
orientam e normatizam as reformas do ensino secundário, bem
como a realização de entrevistas com os sujeitos envolvidos nos
processos educacionais dos dois países em destaque que possam
produzir subsídios para identificar em que sentido essas reformas
foram cabíveis ao momento histórico, político e educacional são
imprescindíveis.

Conclusões

A América Latina, pelo seu histórico marcado pelos processos


de colonização a que os países que a compõem foram submetidos,
bem como sua história recente, carece de muitos estudos que
ajudem não apenas a compreender com mais detalhes como se
deram tais processos, mas também que lancem indicativos de novas
746 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

posturas diante dos cenários caracterizados. Em especial o caso do


Brasil, colonizado por países da Europa e pela forma como se deu tal
colonização a forte influência não só das culturas europeias mas
sobretudo dos africanos, além dos povos nativos que habitavam o
território e embora muitos tenham sido dizimados ainda restaram
muitas etnias para compor a nação brasileira, ainda pouco evoluiu
em termos de um currículo educacional que seja intercultural ou que
pelo menos considere esse elemento como importante na
composição e implementação de políticas educacionais.
Embora o estudo aqui apresentado se encontre em fase muito
preliminar, já percebemos o quanto o Brasil está distante de um
projeto educacional que não se volte apenas para os anseios
capitalistas, mas que alie seu estado de desenvolvimento da escala
industrial às necessidades de fortalecimento de cunho social e cultural,
o que parece que países vizinhos como a Bolívia, com uma renda per
capta menor que a do Brasil parece ter começado a se destacar.

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49

Experiência, narrativa, memória, processos formativos:


encontros entre a estética documental
de Eduardo Coutinho e a concepção
teórico-histórica de Walter Benjamin

Rodrigo Paziani

Coutinho, a “palavra filmada” e os processos formativos de um


documentarista

O foco central deste artigo é o de propor algumas reflexões


sobre as contribuições da produção documentária em processos
formativos no ensino de História.
Para tanto, vamos nos ater a estética documental de Eduardo
Coutinho (1933-2014) e os possíveis diálogos com conceitos-chave
do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940). Perscrutar a
trajetória e a produção do cinema-documentário de Eduardo
Coutinho nos coloca diante deste desafio de pensarmos
dialogicamente três eixos conceituais caros a Walter Benjamin –
narrativa, experiência e memória – e suas possíveis contribuições
não apenas no domínio cinematográfico, mas, notadamente, na
formação de docentes da área do ensino de História.
Vamos “começar do começo”. De origem paulistana, mas de
vivência e paixão pelo Rio de Janeiro, Eduardo Coutinho foi (e
continua sendo, apesar de falecido em 2014) um dos maiores
cineastas brasileiros, possuidor de uma trajetória e produção
750 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

cinematográficas de reconhecimento internacional1. No entanto,


torna-se forçoso assinalar um significativo desconhecimento de sua
pessoa e obra de parcela não desprezível da intelectualidade
brasileira – o que dirá do restante da sociedade.
Razões existem, e talvez estejam localizadas na própria
formação “educativa” do cineasta. Seu declarado anti-academicismo
e antiintelectualismo (presente nas críticas à arrogância, à soberba
e ao distanciamento efetivo de vários intelectuais de esquerda)
acabou não apenas por afastá-lo durante muito tempo dos holofotes
da produção científica, como também circunscrever sua margem de
aparição pública a determinada visibilidade midiática voltadas para
públicos especializados. Além disso, vale registrar sua postura
veementemente contrária a uma certa concepção “sociológica” e
“didático-pedagógica” associada ao cinema no Brasil – isto é, ao que
entendia ser a predominância de narrativas autoritárias
(ilustrativas, apriorísticas, monoculturais, hierarquizadas) sobre o
real e os personagens filmados2.
Um segundo elemento relevante a destacar consiste na difícil
tarefa de classificar a obra coutiniana. Ela pode ser atribuída a um
amálgama peculiar de referenciais teóricos de matrizes variadas
(um certo marxismo da linguagem oriundo de Bakhtin, passando
pela desconstrução narrativa/subjetiva deleuziana até uma
antropologia interpretativa tributária de Geertz e Sahlins).
Porém, de nada vale esses supostos “atributos” se não forem
filtrados e deglutidos por uma práxis intelectual identificada com
aquilo que podemos chamar de os “processos formativos” de
1
Em março de 2014, um mês após a sua morte, Eduardo Coutinho foi homenageado pelo conjunto da
obra cinematográfica durante a entrega do Oscar pela Academia de Hollywood. A notícia saiu à época
em várias páginas de jornais e blogs pela internet. Por exemplo: “Cineasta Eduardo Coutinho é
lembrado na homenagem do Oscar”. In: Folha de São Paulo, 03 de março de 2014. Link de acesso:
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/03/1420374-cineasta-brasileiro-eduardo-coutinho-e-
lembrado-na-homenagem-do-oscar.shtml (Acesso: 25.10.2018).
2
A crítica a esta tradição “sociológica” nas produções cinematográficas brasileiras, predominantes nas
décadas de 1950 e 60, ver: BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro:
metodologia e pedagogia. São Paulo: Annablume, 1995; ___. Cineastas e imagens do povo. 2ª. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 751

Coutinho: de um lado, a trajetória de um homem que “caiu na real”,


isto é, de um cinema que promovia um “encontro pessoal como meio
de aproximação ao universo do cotidiano e da cultura popular”3, a
diversidade, a alteridade, a experiência narrada e lembrada de
homens e mulheres da vida hodierna através de um diálogo
“encarnado” pela palavra filmada4, e, de outro, uma formação
cinematográfica marcada pela incorporação estético-crítica do
“cinema verdade” (Jean Rouch, Jean-Luc Godard) que, desviando-se
da ideia de que o cinema “reproduz” o real, afirmava a possibilidade
dele tornar-se “também produtor de real, de acontecimentos, motor
de comportamentos, falas, gestos e atitudes”5.
Por último, o que entendemos ser o “nó górdio” da produção
cinematográfica de Coutinho e a maior riqueza contributiva de sua
obra. Ele dedicou praticamente toda a sua vida profissional (mais de
50 anos de carreira) a refletir e experenciar os potenciais éticos,
estéticos, epistemológicos e, particularmente, narrativos do cinema.
Mas não se trata de qualquer “cinema” (avesso que era a
generalizações): seu objeto – e “sujeito” – de experenciação e análise
foi, ao longo dos anos, o chamado “cinema-documentário”.
O campo documental, nunca visto como “reflexo” do real,
penetrou muito cedo em sua prática profissional. Durante as
décadas de 1950 e 60, os contatos muito próximos com o ambiente
artístico-cultural da chamada “Nouvelle Vague” – durante a estada
em Paris, para estudar no “Institut des Hautes Études
Cinématographiques” (IDHEC) entre 1958 e 19606 – e a
oportunidade de trabalhar na produção de alguns filmes do Cinema

3
MATTOS, Carlos Alberto. Eduardo Coutinho: o homem que caiu na real. Santa Maria da Feira,
Portugal: Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, 2003, p.04.
4
LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2004a.
5
LINS (2004a), op. cit., p. 41.
6
Sobre as influências do conceito de cinema da “Nouvelle Vague” e do chamado “cinema verdade” na
obra de Coutinho ver: Lins (2004).
752 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Novo (1962-64)7, na condição de membro da equipe do projeto


volante do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE8,
proporcionaram ao jovem Coutinho um primeira assertiva de que
era imprescindível produzir um conhecimento ético e estético
diferenciado mediado pela câmera.
Todavia, foi a contar das décadas de 1970 e 1980 que sua
trajetória como cineasta/documentarista ganhou um forte e
qualitativo impulso. A enriquecedora passagem (reconhecida por ele
próprio) pela televisão entre os anos de 1975 e 1984 – período no
qual integrou a equipe do programa “Globo Repórter” – representou
um momento crucial de sua experiência cinematográfica: não
tratava-se simplesmente de um aspecto formal ou contratual – ser
jornalista/funcionário da Globo – mas de propiciar uma formação
humana, crítica e dialógica baseada no exercício constante de
encontrar-se e interagir com o outro9.
Sua vasta e rica produção fílmica – que se estende do renomado
“Cabra Marcado Pra Morrer” (1984), passando por “Santa Marta”
(1988) e “Boca de Lixo” (1992) e culminando com um processo de
refinamento estético e narrativo em obras como “Santo Forte” (1999),
“Babilônia 2000” (2000), “Edifício Master” (2002), “Peões” (2004),
“Jogo de Cena” (2007), “As Canções” (2011), o póstumo “Últimas
Conversas” (2015), dentre tantas outras – transformou Coutinho num
documentarista capaz de perscrutar minuciosamente a “realidade” e,
a partir dela, refigurar a própria arte de narrar e re/criar histórias, o

7
A carreira no cinema foi iniciada com participações na direção e/ou roteiro de longas metragens
produzidos por grandes nomes “Cinema Novo” – no tempo dos projetos de caráter “nacional-popular” do
CPC da UNE – como Leon Hirzsman, Zelito Viana e Eduardo Escorel. Destaque para a presença como
roteirista do episódio “Pedreira de São Diogo” do filme “Cinco Vezes Favela”, produção de 1962. Sobre esta
experiência cinematográfica de Coutinho ver: LINS (2004a), op. cit.; RAMOS, Alcides F. João Batista de
Andrade e Eduardo Coutinho: aspectos estéticos, políticos éticos da luta contra a ditadura militar In: ___;
CAPEL, Heloisa & PATRIOTA, Rosângela. (org.). Criações artísticas, representações da História: diálogos
entre arte e sociedade. São Paulo: Hucitec; Goiânia: PUC/GO, 2010, pp. 13-28.
8
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. Rio de
Janeiro, Record, 2000.
9
Destaque para “Sete dias em Ouricuri” (1976) e “Teodorico, Imperador do Sertão” (1978) In: LINS
(2004a), op. cit., p. 20.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 753

que permitiu-lhe trabalhar de modo intensivo (e subversivo) o


problema da linguagem documentária.
O que tem sido chamado de a “estética documental” de Coutinho
corresponde, em termos concretos, à maturação de um conjunto de
procedimentos metodológicos que, levando em conta os ângulos
elencados anteriormente, culminou em três características fundantes
em suas produções: uma elaborada pesquisa/seleção de personagens
“comuns” (dotados de histórias “incomuns”), a inexistência de roteiros
pré-estabelecidos (com vistas a favorecer a “arte do encontro”) e a
escolha de certos “dispositivos” de filmagem (formas
problematizadoras de abordagem de um determinado universo)10.
Homens e mulheres de carne e osso encontraram nos filmes de
Coutinho um terreno sempre fértil para a construção de narrativas
legitimadoras da subjetividade – representações de si mesmos diante
da câmera. Neste sentido, o cineasta privilegiou trajetórias, vozes,
experiências e significações de mundo de sujeitos de diferentes grupos
sociais – protagonistas, em sua maioria, anônimos – com o objetivo
expresso de encontrar pessoas com sabedoria para lhe contar histórias
(pois, como dizia, “de nada adianta achar pessoas com vidas
extraordinárias mas sem essa habilidade narrativa”11).
Experiências – contraditórias, ambíguas, singulares,
dramáticas – portadoras de memórias – “silenciadas”, “esquecidas”,
“desconhecidas” – capazes de produzir um conjunto diferenciado de
narrativas – fabulosas, cruas, encenadas, tocantes, nada lineares – e
tudo isto tecido por sujeitos considerados “anônimos” durante o
processo de filmagem – feito de acasos, hesitações, escolhas e
determinações.
Fundamentos, digamos, “teóricos” da estética documental de
Coutinho que podemos identificar, de certo modo, em outro
intelectual insuspeito quando se trata de pensar conceitos como

10
BERNARDET (2003), op. cit.; LINS (2004a), op. cit., p. 100-103. Ver também: OHATA, Milton (org.).
Eduardo Coutinho. São Paulo: Editora Cosac Naify/Edições Sesc, 2013.
11
LINS (2004a), op. cit., p. 103.
754 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

experiência, narrativa, memória e processo histórico: referimo-nos


a Walter Benjamin (1892-1940). É o que veremos a seguir.

Benjamin “inspira” Coutinho, leitor contumaz de Benjamin

Walter Benjamin foi um dos grandes pensadores críticos da


modernidade capitalista do século XX, tendo produzido importantes
textos reveladores de uma formação erudita ancorada em diferentes
campos do conhecimento humano (filosofia, literatura, estética,
arte, política, história).
Os elementos compósitos de sua trajetória intelectual são
vários e distintos: a matriz judaica e a concepção “messiânica” de
memória, o romantismo em sua forte dramatização narrativa do
“passado” e na construção de utopias coletivas anticapitalistas, a
embriaguez e a revolução “anárquica” do surrealismo, o
materialismo histórico e a luta de classes do marxismo12.
O entrelaçar destes elementos foi responsável por uma escrita
singular e original, mediada por um poder narrativo e uma práxis
política que jamais se prendeu hermeticamente ao texto – pelo
contrário – pois o vasto domínio da linguagem não excluía (nem
poderia excluir) a dimensão extralinguística do conhecimento, ou
seja, estava “atento para a necessidade de mobilizar todas as
energias disponíveis para transformar a realidade”13. Mas nada de

12
Apesar dessa complexa trama enoveladora presente na obra de Benjamin – não há, efetivamente,
como reduzir seus elementos a quaisquer um deles – partimos do pressuposto teórico-metodológico
de que os seus principais conceitos e categorias de análise apenas adquiriram certa “materialidade”
inscrita na tessitura das relações sociais de seu tempo através de um diálogo peculiar construído junto
a intelectuais marxistas (casos de Lukács e Adorno) e/ou de pendor socialista/comunista (como Brecht
e Breton) a partir de um viés romântico-messiânico. Não à toa, intelectuais como Michael Löwy e
Robert Sayre (1995) intitulá-lo de “romântico marxista”, vertente específica do que denominaram de
“romantismo revolucionário” marcado por tons de rebeldia e melancolia – definição referendada por
Marcelo Ridenti (2000). Leandro Konder (1999) o denominou, em chave semelhante, de “marxista
melancólico” referindo-se a uma mescla formativa de conduta libertária e revolucionária temperada
por sentimentos de angústia existencial, distanciamento pessoal e uma certa ética pessimista. Sobre o
marxismo “romântico” de Benjamin ver: LÖWY, Michael & SAYRE, Robert. Revolta e melancolia: o
romantismo na contramão da modernidade. Petrópolis, Vozes, 1995.
13
KONDER, op. cit., p. 59.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 755

vermos aí um defensor da “instrumentalização” das formas


artísticas para fins político-ideológicos, isto por que

Querer instrumentalizar a arte a serviço dos objetivos imediatos


dos movimentos políticos é uma tolice e um grave desrespeito à
própria natureza da expressão estética. No entanto, Benjamin
estava convencido de que a arte, afinal, não é politicamente
“neutra”, exatamente porque [...] interfere no movimento
transformador dos valores, dos costumes e das relações sociais14.

Daí de suas obras emanarem imagens-metáfora que


procuravam expressar (sob a forma de um caleidoscópio) as
experiências, dramas e ações dos homens naquilo que havia de
concreto e transformador, porém de modo ambíguo: portadora de
uma dialética “melancólica”, a estética benjaminiana – inscrita em
sua forma de narrar – quase sempre amalgamava (não sem tensões)
mudanças e permanências, ruptura e tradição, redenção e utopia,
subjetividade e situação-limite.
Em várias de suas obras, por exemplo, dedicou páginas
significativas acerca de questões atinentes à crise paradigmática da
experiência, da narrativa e da memória humanas, especialmente em
contextos de rupturas catastróficas operadas pelo moderno
capitalismo – no caso, a ascensão e hegemonia dos regimes fascistas
na Europa nas primeiras décadas do século XX. Mas foi o mesmo
intelectual que propôs algumas importantes reflexões teóricas e
políticas sobre como entender o fascismo e a luta de classes, as
agruras do capitalismo (visto como uma “religião”) e a
mercantilização da vida urbana metropolitana15.
Neste prisma, três escritos de Benjamin são fundamentais:
“Experiência e Pobreza”, “O narrador” e as teses “Sobre o conceito
14
Idem, p. 49-50.
15
WITTE, B. Por que o moderno envelhece tão rápido? Revista USP, (15), 1992, pp. 102-117; KONDER,
Leandro. Walter Benjamin – O Marxismo da Melancolia. 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1999; SELIGMANN-SILVA, Márcio. A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W.
Adorno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010; GAGNEBIN, J. M. História e narração em Walter
Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2013.
756 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de História”16. Sem a pretensão de analisá-los minuciosamente neste


texto – o que exigiria maior fôlego – pretendo alinhavá-los em torno
de um referencial teórico sintético (exercício pouco benjaminiano,
mas necessário!). Podemos dizer que neles estão presentes o debate
em torno do método benjaminiano das “imagens dialéticas”17 –
procedimento metodológico (caro, inclusive, a certo trabalho
cinematográfico) que se dispõe a reconstruir histórias (narrativas)
através de um exercício de montagem imagética que promove o
confronto entre “rememoração” (o passado revisitado criticamente)
e “choque” (a ruptura com este passado e a emergência do
“esquecido”, do “novo”). Benjamin afirmara que era necessário
“escovar a história a contrapelo”. O que isto significava?
Primeiramente, que a concepção burguesa de história só
poderia ser analisada caso levássemos em consideração o processo
histórico de emergência e consolidação de relações sociais marcadas
pela destruição da memória (individual e coletiva) e, portanto, do
patrimônio cultural da humanidade, e pela crise, seguida do temor
de desaparecimento (na percepção dele) do potencial narrativo do
ser humano, isto é, de repensar aquele passado através do presente
do narrador. Falando sobre este, assim se expressou:

O narrador – por familiar que nos soe esse nome – não está
absolutamente presente entre nós, em sua eficácia viva. Ele é para
nós algo de distante, e que se distancia cada vez mais [...] Essa
distância e esse ângulo de observação nos são impostos por uma
experiência quase cotidiana. É a experiência de que a arte de narrar
está em vias de extinção. São cada vez mais raras as pessoas que
sabem narrar devidamente [...] É como se estivéssemos sendo

16
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8ª.
Ed. São Paulo: Brasiliense, 2012 (Obras Escolhidas, 1). A crítica ao empobrecimento da experiência
social e a incapacidade humana de contar histórias associadas ao processo histórico de sacralização
das relações sociais capitalistas estão presentes, mesmo que de modo suavizado, em outra obra de
Benjamin: ___. O capitalismo como religião. São Paulo: Boitempo, 2013
17
BENJAMIN (2012), op. cit., pp. 243-245. Ver também: COELHO, C. N. P. & PERSICHETTI, S.
Benjamin, o método da compreensão e as imagens dialéticas In: Líbero, São Paulo, v. 19, n. 37-A,
jul./dez. de 2016, p. 58.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 757

privados de uma faculdade que nos parecia totalmente segura e


inalienável: a faculdade de intercambiar experiências18.

A imagem-metáfora da catástrofe19 – representada pela


“Angelus Novus”, de Paul Klee – era confrontada criticamente com
a imagem metáfora da ruína – ou seja, dos escombros da destruição
operada pelo capitalismo e suas classes dominantes poderia emergir
outras histórias e sujeitos dantes esquecidos (referência, por
exemplo, aos homens e mulheres da classe trabalhadora). Nesta
perspectiva, concordamos com Jeanne-Marie Gagnebin quando
afirma a “importância da narração para a constituição do sujeito”,
na medida em que ela “sempre foi reconhecida como a da
rememoração, da retomada salvadora pela palavra de um passado
que, sem isso, desapareceria no silêncio e no esquecimento [...]”.
Assim, um dos pontos altos do método das imagens dialéticas
consistia na valorização da rica experiência das narrativas orais que,
ao contrário do romance burguês (para Benjamin - individualista,
solitário, privado), se caracterizava pela força de uma memória
socialmente compartilhada, (re)contada, (res)significada20 que se
confrontava com as histórias “oficiais”/cristalizadas. Essa
formulação ética e estética relacionava-se com o seu conceito de
História, que consistia em explodir o “continuum” histórico e fazer
emergir (do tempo presente) os sonhos, as esperanças, os projetos
e as ações dos homens comuns “esquecidos” no passado – homens
estes identificados, em seus textos ora com a classe trabalhadora,
ora a todos os oprimidos21.

18
BENJAMIN (2012), op. cit., p. 213.
19
Na década de 1980, o próprio Coutinho, ao falar de “Cabra Marcado” como uma película marcada
pela “contingência do tempo” e pela luta contra o esvaecimento da memória social, chegou a dizer que
“[...] a catástrofe é sempre iminente, você está sempre precisando resgatar, porque está sempre
perdendo” In: LINS, 2004a, p. 55.
20
BENJAMIN (2012), op. cit., pp. 214-215.
21
Idem, p. 244. Ver também: LOWY, M. Walter Benjamin: aviso de incêndio – uma leitura das teses
“Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.
758 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Mas fica a pergunta: o que haveria de “benjaminiano” na


produção documentária de Eduardo Coutinho? Como identificar um
possível “encontro” com Walter Benjamin?
Uma primeira afirmação vem sob a forma de uma negação,
isto é, a impossibilidade de estabelecermos quaisquer vínculos
diretos ou imediatistas entre os dois (e não estamos falando da
distância temporal ou existencial). Tomando certos cuidados de
ordem teórica e metodológica, vamos operar com uma perspectiva
de mediação histórica de modo a obter algumas aproximações com
as concepções de memória e narrativa em Benjamin.
É sabido que o filósofo e crítico alemão foi um interlocutor em
algumas de suas reflexões e obras fílmicas – não à toa ter Benjamin
como um de seus intelectuais “de cabeceira”. Segundo Lins,
Coutinho foi “um leitor contumaz de Walter Benjamin”, a ponto de
referir-se várias vezes a ele. Como exemplo, cita uma entrevista
concedida a Eduardo Escorel (Festa Literária Internacional de Paraty
de 2013) na qual afirmou o seguinte sobre Benjamin: “marxista
melancólico messiânico e judeu – por isso gosto dele”22. Produções
textuais recentes – como as de Consuelo Lins, Ismail Xavier, Láecio
Rodrigues, Milton Ohata e Cláudia Mesquita23 – parecem ratificar
este viés “benjaminiano” do cineasta.
Consuelo Lins, por exemplo, considera o cinema
documentário de Coutinho uma “arte do presente”, ou seja, um
conjunto heterogêneo de filmes que estabelece uma dialética entre
passado e presente, tendo como eixo catalisador a função libertadora

22
LINS, Consuelo. Eduardo Coutinho, linguista selvagem do documentário brasileiro. In: Galaxia (São
Paulo, Online), n. 31, abr. 2016, p. 50.
23
LINS (2004a), op. cit.; OHATA, op. cit. Ver também: LINS, Consuelo. O cinema de Eduardo
Coutinho: uma arte do presente In: TEIXEIRA, Francisco E. (org.). Documentário no Brasil: tradição e
transformação. São Paulo: Summus Editorial, 2004b, pp. 179-198; XAVIER, Ismail. Indagações em
torno de Eduardo Coutinho e seu diálogo com a tradição moderna. In: Comunicação e Informação,
Goiânia, v. 7, n° 2, jul./dez. 2004, pp. 180-187; RODRIGUES, Laécio R. de Aquino. Coutinho, leitor de
Benjamin. In: Devires – Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Antropologia,
FAFICH/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo horizonte, v. 8, n. 2, pp. 118-137, Jul./Dez. 2011;
MESQUITA, Cláudia. Entre agora e outrora: a escrita da história no cinema de Eduardo Coutinho. In:
Galaxia (São Paulo, Online), n. 31, pp. 54-65, abr. 2016
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 759

da memória e suas relações com tempo presente. Alinhavada pela


presença da “palavra filmada” do outro, a narrativa documental é
transformada em ato a partir de conversas com pessoas
aparentemente “comuns” vivendo em situações “ordinárias” que, a
depender de suas fabulações, possam contar (a ele, a nós) histórias
“peculiares”, “extraordinárias”. Complementa a autora:

Os filmes de Coutinho... produzem frequentes deslocamentos


tanto em relação às abordagens feitas quanto à estética produzida.
Contrariamente a reportagens e documentários que se aproximam
do assunto com um saber estabelecido, Coutinho se concentra no
presente da filmagem para dali extrair todas as possibilidades, e
tenta, nesse movimento, se libertar de alguma maneira das ideias
preconcebidas que povoam, à revelia, nossas mentes. Ele evita os
textos em off, as perguntas decoradas e “objetivas”, uma atitude
distante, os enquadramentos estáveis. Os mundos que o cineasta
nos revela não estão centrados em um comentário nem em
informações precisas, mas em depoimentos que traçam uma rede
de pequenas histórias descentradas, que se comunicam através de
ligações frágeis e não-causais... Contrariamente às informações
telejornalísticas, em que lógica do texto em off é o que determina
a edição das imagens e onde o silêncio e os tempos mortos de uma
conversa não tem vez, aqui é a lógica das imagens e do que dizem
ou deixam de dizer os entrevistados que pesa na construção das
sequências [...] (LINS, 2004b, p. 183-184).

Assim, à medida em que trazia a lume personagens reais


encenando suas próprias vidas diante da câmera – sem quaisquer
juízos apriorísticos de valor – Coutinho produzia imagens-narrativa
(portadoras de memórias individuais e/ou sociais) que “varriam à
contrapelo” as ideias preconcebidas, bem como os clichês
jornalísticos fabricados diariamente pela mídia televisiva.
Por exemplo, em “Boca do Lixo” (documentário produzido em
1993), o que nos chama atenção é a construção de uma narrativa
geradora de uma relação dialética entre diferentes “mundos” – dos
espectadores, dos catadores, da câmera, de Coutinho e sua equipe –
mergulhados num determinado contexto social. No que tange aos
760 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

personagens filmados, não há qualquer ilusão ou ingenuidade sobre


uma suposta vontade de ‘aparecer’ para a câmera, e, no caso do
cineasta, nenhuma certeza pré-estabelecida acerca do que vai filmar
e chegar ao público. A única maneira de “filmar o infilmável” é
elaborar uma filmagem sem saber como e o que vai acontecer24.
Como então operá-la? Coutinho faz uso do método da
conversa aparentemente “descompromissada” em busca da palavra
filmada capaz de oferecer boas narrativas orais – não as
enquadradas pelos meios de comunicação, mas aquelas
consideradas “à margem”, lá onde o vivido por pessoas comuns
encontra-se permeado cotidianamente por experiências de disputa,
luta, tensão e solidariedade e que, via de regra, são esquecidas ou
deturpadas pela mídia. Enfim, no rastro da análise de Lins, “é a
lógica das imagens e do que dizem ou deixam de dizer os
entrevistados que pesa na construção das sequências”25.
Em “Coutinho, leitor de Benjamin”, Laécio Rodrigues parte da
análise de quatro importantes produções documentárias de Coutinho
de modo a encontrar afinidades eletivas com o filósofo e crítico alemão.
Rodrigues afirma (sem generalizações) que é possível delinear na obra
coutiniana a presença de “filmes benjaminianos”26.
Um dos elementos-chave deste inusitado encontro seria o
peso atribuído na obra de Coutinho à “palavra revigorada”, fruto de
“uma arte que funda uma nova relação com a alteridade (que se
diferencia do ambíguo ‘dar a voz ao outro’)” marcada por narrativas
únicas mediadas substancialmente pelo campo da memória, seja
pelo sentimento de identidade social, seja através do partilhamento
de um passado comum. Para Rodrigues:

Trata-se, pois, de um cinema fortemente amparado na deriva


narrativa do outro e cuja matéria basilar é a memória, com suas
lacunas, recalques e oscilações. Cada obra atesta o esforço de Coutinho

24
AVELLAR, José Carlos. O lixo na boca. In: OHATA, op. cit., pp. 537-538.
25
LINS (2004b), op. cit., p. 184.
26
RODRIGUES, op. cit., p. 125.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 761

para se reinventar e renovar sua prática, ainda que certos


procedimentos, não raro, permaneçam como fundamento do seu
trabalho. Assim, em títulos como Cabra Marcado Para Morrer (1984),
O Fio da Memória (1991) e Peões (2004), o binômio memória
individual/social centraliza grande parte dos relatos. Ou seja, a
narrativa do vivido com frequência se encontra entrelaçada a um
sentimento de pertença a um grupo ou comunidade, ou orientada
pela existência de um passado comum partilhado pelos
entrevistados. Nestes filmes, acompanhamos um duplo movimento:
a afirmação das singularidades é seguida de um revigoramento dos
laços sociais [...]
Assim, o gesto político que me interessa neste quarteto27 é o que se
refere à exumação de memórias que pareciam confinadas à
clandestinidade. Em outros termos, haveria nestes documentários
um esforço de demover dos escombros as vozes esquecidas, de
lhes retirar o lacre do silêncio e de lhes possibilitar uma ribalta para
enunciar seus desejos e aflições. Trata-se de filmes benjaminianos, que
valorizam e estimulam a prática narrativa amparada na
experiência e na oralidade; que conferem aos olvidados da
história uma espécie de redenção, impedindo-os assim de sofrer
uma “segunda morte” (ou apagamento); que, em vez de apostar
em interpretações unívocas, privilegiam as descontinuidades da
história com suas múltiplas versões (grifos nossos)28

O fato de ser “um cinema fortemente amparado na deriva


narrativa do outro”, e, portanto, na palavra dita (e não dita) que se
“faz” memória em várias dimensões (de si, do outro, de Coutinho,
da câmera, dos espectadores). reelaborando sentidos e significados
do mundo social durante o tempo presente da filmagem que “com
frequência se encontra entrelaçada a um sentimento de pertença a
um grupo ou comunidade, ou orientada pela existência de um
passado comum partilhado pelos entrevistados”, apresenta
importantes sinais de aproximação com conceitos históricos,
filosóficos e teológicos mobilizados por Benjamin.

27
O quarto filme, “O Fim e o Princípio” (2005), aborda o cotidiano e as histórias dos moradores de
São João do Rio do Peixe, um pequeno município no Estado da Paraíba.
28
Idem, p. 124
762 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Rodrigues traz uma abordagem de “Cabra Marcado Pra


Morrer”. Certamente o documentário mais conhecido de Coutinho,
‘Cabra Marcado’ foi inicialmente a tentativa do jovem cineasta, nos
idos da década de 1960, de produzir um filme sobre as resistências
e lutas camponesas no interior nordestino (Pernambuco), a contar
da trajetória de um líder camponês (assassinado em 1962) de nome
João Pedro Teixeira e da existência de sua esposa, Elizabeth Teixeira,
e seus filhos. Ocorre que, em função do golpe de 1964 e a ditadura
que se seguiu, ele não pôde concluí-lo e ainda por cima perdera boa
parte do material filmado.
Mais de quinze anos depois, após a anistia de 1979, Coutinho
retoma os trabalhos da obra quase perdida afim de restabelecer
alguns laços mnemônicos com aquele passado “esquecido” durante
o regime ditatorial. Contudo, era impossível refazer o filme tal como
ele foi previsto (e malogrado) na década de 1960: o que lhe restara
foram uns poucos rolos de filme, fotografias e a memória viva de
uma personagem ainda viva naquela região – Elizabeth Teixeira. A
partir destes “restos”, Coutinho faz um outro “Cabra Marcado”, não
mais em torno de João Pedro e da luta dos camponeses e sim um
trabalho de imagens dialéticas, na qual o trabalho confrontador de
esquecimento e rememoração (seu, da câmera, de Elizabeth) era o
substrato por onde a narrativa documental tentava restabelecer os
nexos no tempo presente com um passado prestes a desaparecer.
Impossível não enxergar nos desafios do existir desta obra a
presença da tese 6 sobre o conceito de História em Benjamin:

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “como


ele de fato foi”. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal
como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao
materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se
apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele
tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da
tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo:
entregar-se às classes dominantes, como seu instrumento. Em
cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que
quer apoderar-se dela [...] O dom de despertar no passado as
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 763

centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador


convencido de que também os mortos não estarão em segurança
se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer29.

A estética documental produzida por Coutinho colocava-se


contra este postulado do inimigo que “não tem cessado de vencer”
ao realizar um deslocamento e intensificação do poder da narrativa,
da memória e da experiência social àqueles sujeitos rebaixados pelas
classes dominantes à condição de “vencidos”. Neste sentido, o
processo de fazer o documentário portava outra dialética das
imagens em perspectiva benjaminiana – “catástrofe” x “resgate”.
Assim afirmou: “[...] a catástrofe é sempre iminente, você está
sempre precisando resgatar, porque está sempre perdendo. Um ano
depois não haveria mais filme, e a memória daquele cara teria se
perdido (referia-se a João Virgínio, personagem que morrera
durante as filmagens)”30.
Fundamentando-se numa conhecida análise do documentário
por Jean-Claude Bernardet, Rodrigues percebe no processo de
produção de “Cabra Marcado” um claro intento “de exumar o passado
e de revisitar algumas memórias da resistência, conferindo-lhes
visibilidade (removendo o véu do esquecimento)” (p. 127), isto por que

Quando o diretor conduz o projeto do novo filme, a memória dos


camponeses (comunidade de vencidos) se encontra sitiada,
clandestina. É o movimento operado pelo documentário que
propiciará sua emergência e visibilidade. Em outros termos, Coutinho
aproveita o contexto de abertura política para estimular seus
interlocutores a partilhar suas experiências – notemos a sensibilidade
do cineasta para acionar uma escuta atenta, para instigar a centelha
narrativa dos camponeses e acolher seus relatos. Este exercício, claro,
está sujeito às intempéries mnemônicas (seletividade, recalque,
hierarquização, reinvenção)31.

29
BENJAMIN (2012), op. cit., pp. 243-244. Ver também: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de
incêndio – uma leitura das teses “Sobre o conceito de História”. São Paulo: Boitempo, 2005, pp. 65-69.
30
LINS (2004a), op. cit., p. 55.
31
RODRIGUES, op. cit., p. 128.
764 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Impressiona neste documentário de Coutinho a produção de


um conhecimento histórico comprometido com o potencial
emancipatório dos seres humanos (não tanto em viés classista,
segundo o próprio cineasta), capaz de inaugurar um tempo
narrado/lembrado pelos “esquecidos” da História, sujeitos em
constante luta agônica (e concreta) contra o apagamento definitivo
perpetrado pela burguesia.
Por fim, em artigo recente intitulado “Entre agora e outrora:
a escrita da história no cinema de Eduardo Coutinho”, Cláudia
Mesquita desenvolveu uma problematização de “Cabra Marcado Pra
Morrer” e “Peões” a partir de dois eixos complementares: de um
lado, o reconhecimento de que o cinema de Coutinho carrega uma
“escrita da história” e, de outro, de que tal escrita vem marcada pela
relação diacrônica entre presente e passado ou o “presente como
história”32. Nas palavras da autora:

[...] Meditar sobre a história, na obra de Coutinho, é articular um


“agora” e um “outrora”, “reescrevendo” do presente as histórias
de lutas populares passadas, mas não remotas (há sobreviventes
para contá-las). Pois, na contramão do cientificismo – em todo
caso, de projetos históricos empenhados em expurgar a memória
–, os dois filmes apresentam essa história do ponto de vista de
trabalhadores comuns, tecida por rememorações, balanços
afetivos e versões pessoais dos acontecimentos passados. A
multiplicação de histórias menores desafia qualquer pretensão de
totalização. Resultam filmes “contra heróis”, poderíamos dizer,
retomando uma expressão lapidar do cineasta: dedicados às
lembranças e pequenas resistências de pessoas que viveram os
episódios do passado sem que sua participação fosse publicamente
reconhecida, celebrada ou difundida33.

A histórias “contra heroicas” narradas nos filmes de Coutinho


emergem dentro do próprio processo de fazer cinema associada a

32
MESQUITA, op. cit., p. 54.
33
Idem, p. 55.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 765

duas “artes”: a escuta e a conversa. Ambas são portadoras de sentido


e conhecimento, na medida em que atribuídas a diferentes sujeitos
– pessoas ditas comuns – capazes de lembrar e (re)contar histórias
singulares reveladoras de uma verdade esquecida ou enterrada num
passado cristalizado de que é preciso trazer à tona em nova chave
de interpretação. Na tese 3 sobre o conceito de História, quando
analisa o lugar do cronista, Benjamim afirma:

[...] O passado espera de nós sua redenção, e somente a uma


humanidade redimida “cabe o passado em sua inteireza” [...] A
redenção exige a rememoração integral do passado, sem fazer
distinção entre os acontecimentos ou os indivíduos “grandes” e
“pequenos”. Enquanto os sofrimentos de um único ser humano
forem esquecidos, não poderá haver libertação [...] (Benjamin)
escolheu o cronista porque ele representa essa história “integral”
que ele afirma ser seu desejo: uma história que não exclui detalhe
algum, acontecimento algum, mesmo que seja insignificante, e
para a qual nada está “perdido”34.

Nestes termos, Coutinho seria uma espécie de “cronista


cinematográfico” em busca de personagens anônimas (“pequenos”
indivíduos), situadas em contextos e lugares bem circunscritos, cujo
potencial narrativo seja atravessado pelo aparentemente anódino,
inútil e/ou insignificante de suas vidas. O cronista-cineasta, os
detalhes quase invisíveis, as histórias extraordinárias: nada está
realmente “perdido” quando se quer construir uma outra forma de
narrar e alinhavar o encontro com o “outro”.
Aliás, a extrema consideração do “outro” – em sua
diversidade, contradição, ambivalência – através de encontros
filmados (e, portanto, de trabalhos de rememoração), fizeram de
Coutinho, ou melhor, de suas obras fílmicas um conjunto
diferenciado de fabulações sobre as “coisas do mundo” através de
uma concepção dramática (embora não messiânica) de História

34
BENJAMIN, W. Apud LÖWY (2005), op. cit., p. 54.
766 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

inseparável de um tempo da memória inscrito dialeticamente entre


o “tempo do agora” e o “tempo de outrora”.
É o caso, por exemplo, de “Peões” (2004), abordado por
Mesquita. Partindo de uma temporalidade presente marcada pelo
segundo turno das eleições de 2002 (que consagraria a vitória de Luiz
Inácio Lula da Silva), procurou trabalhar as memórias individuais e
sociais de ex-metalúrgicos não somente pelo viés restrito das lutas
sindicais, greves e repressão da ditadura entre 1978 e 1980, mas através
de uma “passagem entre tempos” (passado-presente), ou seja:

[...] entre a experiência de participação em um movimento coletivo


e a solidão em cena; entre o corpo agindo na rua e na massa e o
fechamento na casa; entre o corpo a corpo com Lula (no palanque
ou no sindicato) e o imaginário sobre o ex-líder sindical, hoje
político de partido; entre o tempo de trabalhar e lutar, enfim, e o
‘tempo de lembrar’35.

Por sua vez, ao não tratar hierarquicamente os “grandes” e


“pequenos” acontecimentos/personagens, nem narrar de modo
linear e progressista a história destes trabalhadores, Coutinho fazia
alusão (mesmo que indireta) a crítica benjaminiana do conceito
burguês e positivista de “progresso” (Tese 9), e, ao mesmo tempo,
explicitava uma condição ambivalente vivida pelos trabalhadores,
20 anos depois das greves do ABC, numa conjuntura de vitória do
“ex-companheiro” Lula. Pois se o documentário produziu saudosas
recordações e um certo orgulho dos entrevistados por terem
participado ativamente de um momento histórico de lutas da classe
trabalhadora, também reconhecia “com força de evidência, a
dispersão, o isolamento e a solidão dos sobreviventes – a distância,
em suma, que separa suas vidas, no presente, do trabalho nas
fábricas e do movimento coletivo”36.

35
MESQUITA, op. cit., p. 61.
36
Idem, p. 58
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 767

Numa chave de interpretação cara ao filósofo e crítico alemão,


podemos levantar a hipótese de que Coutinho não escolhera um lado
da questão (via de regra, a da defesa militante da classe
trabalhadora) por lançar uma “iluminação profana” sobre o
conjunto de narrativas dos personagens e as respectivas passagens
temporais. Na perspectiva de Benjamin:

Para ser profana, a iluminação tinha de abarcar todos os lados da


problemática humana. Não poderia admitir que se renunciasse a
uma dimensão para conseguir apreender outra: exigia que umas
fossem apreendidas na relação com as outras [...] Benjamin sabia
que não basta o escritor recordar algo que ele viveu, pois o
acontecimento, enquanto permanece encerrado na esfera do
vivido, é finito, é limitado. Só quando o vivido elucida, de algum
modo, o que ocorreu antes e o que aconteceu depois é que ele pode
se tornar ilimitado37.

O vivido histórico tomado como a condensação contraditória


e ambígua de outros tempos reelaborados no (e partir do) tempo
presente é uma marca evidente dos documentários de Coutinho.
Existem, porém, razões práticas de sua formação que o
impedia de fazer uma escolha unilateral: causava verdadeira ojeriza
ao cineasta a postura militante de certos filmes nos quais os
personagens deveriam falar exatamente o que esperavam seus
diretores. Cinema não era sinônimo de familiaridade, e sim de
estranhamento. Por falar em “estranhamento”... um momento de
inflexão: como pensar a obra coutiniana sob a batuta da educação e
de processos formativos na área do ensino de História?

Coutinho, ensino de História, processos formativos: desafios e


possibilidades

Está longe de soar estranho a professores e pesquisadores de


História nas universidades brasileiras (e no exterior) a afirmativa de

37
KONDER, op. cit., p. 54.
768 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que existem conexões entre cinema e história. Produções


acadêmicas têm revelado o lugar proeminente assumido pelas
tecnologias e linguagens no cotidiano social, mas também uma
explícita demanda pela produção de uma literatura que situe melhor
os problemas teóricos e metodológicos colocados pelo cinema e o
audiovisual para a história e o ensino de História.
Um conjunto diverso de obras produzidas nos últimos 40
anos tem promovido reflexões acerca da linguagem e da narrativa
cinematográficas tanto em perspectivas epistemológicas, quanto
estético-visuais, no sentido de explorar as possibilidades e limites do
campo cinematográfico no interior do conhecimento histórico38. Por
sua vez, publicações referentes às reflexões e debates sobre o uso
didático-pedagógico de filmes em situações de ensino-aprendizagem
também têm proporcionado variadas possibilidades de diálogo entre
cinema-educação, cinema-escola e cinema e ensino de História39.
Contudo, talvez mais recente seja um diálogo entre a história,
os processos formativos e o que chamamos, dentro da área do
cinema, de “documentário”. Em obra recente, Morettin, Napolitano
e Kornis levantam dois aspectos quando se investiga a relação entre
documentário e história:

[...] O primeiro deles diz respeito à consolidação da pesquisa


histórica que privilegia como fonte o cinema, apreendido em sua
especificidade e, pari passu, à incorporação dos problemas trazidos

38
KORNIS, Mônica. História e cinema: um debate metodológico. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
5, n. 10, 1992, pp. 237-250; RAMOS, Alcides F. Canibalismo dos fracos: cinema e história do Brasil. São
Paulo: EDUSC, 2002; NOVOA, Jorge; FRESSATO, Soeli; FEIGELSON, Kristan. (org.). Cinematógrafo:
um olhar sobre a História. São Paulo: Ed. UNESP, 2009; FERRO, M. Cinema e história. São Paulo: Paz
e Terra, 2010; ROSENSTONE, Robert. A história nos filmes, os filmes na história. São Paulo: Paz e
Terra, 2010; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos & KORNIS, Mônica (org.). História e
Documentário. Rio de Janeiro: FGV, 2012.
39
VESENTINI, Carlos. História e ensino: o tema do sistema de fábrica visto através de filmes. In:
BITTENCOURT, Circe. (org.). O Saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997, pp.163-175;
ARAÚJO FILHO, Waldemir de. Cinema e ensino de História na perspectiva de professores de História.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade
Católica, Rio de Janeiro, 2007; DUARTE, Rosália. Cinema e educação. Belo Horizonte, Autêntica, 2009;
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 5ª. ed. S. Paulo: Contexto, 2011; FERREIRA,
Rodrigo de A. Luz, câmera e história: práticas de ensino com o cinema. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 769

pela recente historiografia por quem se dedica à análise estética. O


segundo aspecto se relaciona ao papel decisivo que o documentário
vem desempenhando nos debates culturais do país desde o
chamado cinema da retomada [...]40

Quando falamos em “documentário” é preciso reconhecer


uma multiplicidade de concepções, modos, significados e usos –
sociais, políticos, científicos, técnicos, estéticos – de se construir e
narrar uma história (ou histórias)41.
É evidente, pelo menos aos estudiosos e amantes do cinema,
a existência de uma noção aberta e mesmo elástica acerca do que
seja um documentário (melhor seria “documentários”): uma
modalidade narrativa que, por diferentes vieses, produz formas de
asserção, representação e conhecimento do mundo em que vivemos
a partir de experiências, valores, práticas e ações humanas
consideradas “reais”, isto é, aquelas às quais temos algumas
evidências (inclusive históricas) de que são constituintes do
universo simbólico e concreto dos homens42.
Falando sobre o “poder da metáfora” na produção de
documentários – o modo peculiar de descrever/analisar questões
‘históricas’ por intermédio de imagens representativas de tais
questões – Nichols afirma que:

Representações tangíveis estão no âmago do cinema. A imagem do


documentário é sempre de algo concreto e específico. Podemos
mostrar alguém subindo a ladeira real como metáfora do sucesso
ou exibir imagens de cadáveres como metáfora da guerra como
inferno. A seleção e o arranjo de sons e imagens são sensuais e
reais; proporcionam uma forma imediata de experiência auditiva

40
MORETTIN et. al., op. cit. p. 7.
41
Não podemos desconsiderar o fato de os documentários (mesmo os chamados “independentes”)
serem um tipo de produção artístico-cultural indissociável das mudanças econômicas, políticas e
tecnológicas provocadas pela expansão globalizante do capitalismo industrial e financeiro. Mas não
será o mote deste texto.
42
DA-RIN, Silvio. Espelho partido: tradição e transformação do documentário. São Paulo: Azougue
Editorial, 2004; RAMOS, Fernão. Mas... o que é mesmo documentário? São Paulo: SENAC, 2013;
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 6ª. Ed. Campinas: Papirus, 2016.
770 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

e visual, mas também se tornam, por sua organização num todo


maior, uma representação metafórica do que uma coisa é no
mundo histórico43.

Neste âmbito, a pressuposição de que suas imagens são


captações do mundo “tal como ele é”, bem como a noção de um tipo
de produção audiovisual que portaria “a” verdade e “a” objetividade
do que filma, revelam os limites (éticos, estéticos e políticos) de tais
critérios, ainda hoje consagrados: tomar o metafórico –
representativo, parcial, fragmentado – enquanto sinônimo de
literalidade. O que não quer dizer abdicar do estatuto ontológico e
dialético do “real”, mas estar ciente de que um filme (seja ele de
qualquer gênero ou natureza) não tem a pretensão e/ou a intenção
de reproduzir o real “vivido” – trata-se, afinal, de um real “filmado”!
Importante situar este problema, pois ainda é bastante
comum entre professores e estudantes de cursos de graduação em
História (ou de outras licenciaturas) a tendência de pendular entre
uma concepção “subjetivista” – o filme como exclusiva recriação
ficcional do passado – e uma concepção “objetivista” – o filme como
testemunho fiel e imparcial do passado. Essa querela entre
subjetivismo x objetivismo precisa ser superada44.
Para quem é historiador, professor e ensina História a superação
da dicotomia subjetivismo/objetivismo consiste em tarefa necessária. E
nos parece que a produção documentária de Coutinho (numa
perspectiva teórico-metodológica alicerçada em Walter Benjamin) abre
essa possibilidade de superação na arena pedagógica. Todavia, nesta
tarefa (talvez inglória) de demarcar encontros entre as preocupações
éticas/estéticas do cineasta e processos formativos, um “novo”
problema parece vir à tona: a relação os campos da educação e do
ensino de História. Aliás, um problema de dupla natureza.
Uma das faces do problema é pública e notória: um significativo
desconhecimento da trajetória e das obras de Coutinho no âmbito
43
NICHOLS, op. cit., p. 123.
44
FERREIRA, op. cit., p. 52
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 771

formativo de cursos de Licenciatura. Temos participado ativamente de


eventos nacionais de educação e/ou ensino e percebemos claramente
como a maioria dos professores e estudantes em formação sequer
ouviram falar de Coutinho ou alguma de suas obras.
Conforme dissemos acima, não estamos falando de produções
estritamente acadêmicas versadas sobre inúmeros temas que se
baseiam em obras fílmicas de Coutinho (e outros cineastas) ou
mesmo aquelas que propõem ou desenvolvem experiências
educativas com cinema de um modo geral45, e sim de processos
formativos envolvendo um diálogo entre o método de trabalho e
filmagem coutinianas e uma metodologia didático-pedagógica (e
política) enraizada – e enraizadora – numa abertura experencial de
(re)construção dos processos formativos docentes, com ênfase na
área do ensino de História46.
Isto tem significado lidar criticamente com uma definição de
conhecimento histórico mediada pelo processo de produção
audiovisual – coletivo, plural, partilhado, propositivo – cujo cerne
esteja localizado nas narrativas do Outro portadoras de memórias
“fabulosas” capazes de resistir ao constante risco de diluição ou

45
São os casos de: CARVALHO, Elma G. de. Cinema, História e Educação In: Teoria e Prática da
Educação, Maringá, v. 3, n. 5, pp. 121-131, set./1998; GUAZZELLI, Cesar; DOMINGOS, Charles; BECK,
José & QUINSANI, Rafael (orgs,). A prova dos 9: a história contemporânea no cinema. Porto Alegre:
Suliani Letra & Vida, 2009; NAPOLITANO (2011), op. cit.; CAPARRÓS-LERA, Josep M. & ROSA,
Cristina Souza da. O cinema na escola: uma metodologia para o ensino de história. In: Educação em
Foco. Juiz de Fora, Revista do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), v. 18, n. 2, pp. 189-210, jul. / out. 2013; ZANELLI, Mirian Luciana G. Memória e
historiografia no documentário O Fim e o Princípio, de Eduardo Coutinho. Dissertação (Mestrado –
Ciências Sociais). 105f. Marília: Universidade Estadual Paulista (UNESP), 2014.
46
NASCIMENTO, Jairo do. Cinema e ensino de história: realidade escolar, propostas e práticas na sala
de aula. In: Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, Universidade Federal de
Uberlândia, Abr./Mai./Jun. 2008, vol. 5, ano V, nº. 2, pp. 01-23; BUARQUE, Virgínia (org.). Curtas em
Mariana e Ouro Preto: identidades através do ensino de história. Ouro Preto: Editora UFOP, 2010;
PERINELLI NETO, Humberto & PAZIANI, Rodrigo R. Possibilidades e desafios de outra narrativa:
ensino de História, micro análise, cinema e formação de professor In: LIMA D’ÁGUA, Solange Vera de
& PERINELLI NETO, Humberto (org.). Formação docente: diálogos convergentes. São José do Rio
Preto: HN Editorial, 2012, pp. 69-96; PAZIANI, Rodrigo & PERINELLI NETO, Humberto. Formação de
professores, linguagem cinematográfica e práticas educativas: experiências de produção de curtas
metragens no ensino de história. In: História e Perspectivas. Uberlândia, Universidade Federal de
Uberlândia, n. 53, jan./jun. 2015, pp. 267-294.
772 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

desaparecimento. Coutinho sabia muito bem explorar em seus filmes


– por exemplo, em “Santo Forte”, “Babilônia 2000” e “As Canções” –
a dimensão simbólica e ressignificadora da memória, o peso da palavra
filmada no tempo presente. Conforme apontou João Moreira Salles:

Chegamos então à ideia de tempo presente. Os filmes de Coutinho


giram em torno dos temas da oralidade, da palavra falada, mas
também da memória, e em que sentido? Para Coutinho é
fundamental que exista uma distância temporal entre o vivido e a
memória desse vivido. Há um tempo que transcorre entre a
experiência e a lembrança da experiência. Quanto maior esse
intervalo, melhor para o método de Coutinho, porque camadas de
imaginação, de esquecimento e de invenção vão se sobrepondo à
experiência. No momento do relato, o que se conta não é
exatamente a história vivida mas a história transformada pela
passagem do tempo [...]47

A outra face do problema, porém, caracteriza-se por uma


posição ético-política e estética adotada por Coutinho durante quase
toda a sua vida profissional. Ao defender a tese segundo a qual “a
principal virtude de um documentarista é a de estar aberto ao outro, a
ponto de passar a impressão, aliás verdadeira, de que o interlocutor,
em última análise, sempre tem razão”48, Coutinho produziu uma
ética/estética de mundo baseada na recusa a construir um modo de
filmagem em que acontecimentos e personagens confirmassem as
ideias e/ou visões de mundo dos documentaristas, isto é, “evitar de
todas as formas resolver a sociedade nos filmes”, posto que o “cinema
não vai resolver o social”49.
Tal postulado ligava-se, em boa parte, a uma verdadeira
“bronca” do cineasta em pensar o cinema (e os seus documentários)
47
Trecho de diálogos sobre cinema documentário entre João Moreira Salles, Patricia Ruiz Acero e
María Campaña Ramía reunidos sob o título “Eduardo Coutinho, a arte de filmar a palavra”,
publicados num número especial da revista mexicana “Cuadernos de Cinema 23”. In: BERG, Jordana;
RAMÍA, Maria C.; SALLES, João M. & ACERO, Patrícia R. Eduardo Coutinho: palavra e memória.
México: Cuadernos de Cinema 23, n. 12, 2017, p. 19.
48
OHATA, op. cit., p. 20.
49
LINS (2004a), op. cit., p. 55.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 773

como “ferramenta pedagógica” – uma nítida associação entre um


conceito enrijecido de educação e certas teses sociológicas (muito em
voga nos meios intelectualizados brasileiros das décadas de 1950 e
60) que ancoravam-se numa “missão pedagógica” de falar
sobre/explicar a vida de sujeitos tipificados – “o” pobre, “o”
nordestino, “o” camponês – e de levar projetos de “conscientização
social” aos que entendiam ser os “subalternos”50. Enfim, uma
memória formativa limitada e deficitária, mas que o acompanhou
durante a sua trajetória profissional.
Por sua vez, e na contramão da dupla natureza do problema
apontado acima, torna-se fundamental pensarmos numa formação
docente capaz de problematizar teórica e didaticamente os usos do
cinema e do audiovisual em projetos e/ou situações de ensino-
aprendizagem, com particular atenção para os processos de
produção (e reprodução) de narrativas, memórias, subjetividades
inscritas no tempo presente enquanto modos diferenciados de se
produzir determinados conhecimentos históricos em âmbito escolar
e universitário e que, notadamente, estabeleçam relações concretas
de orientação crítica e sentido histórico (presente-passado) aos que
participam destes processos51.
Experiências e práticas educativas envolvendo cinema,
educação e ensino tem surgido nos últimos anos. Tais experiências
no campo do ensino de história estão relacionadas não apenas ao
advento do vídeo digital, responsável pelo barateamento e
acessibilidade de equipamentos tecnológicos52 – celulares e
máquinas fotográficas – e por uma verdadeira onda de
“documentação filmográfica do real”53 (“onda” esta, por sinal,
capturada perigosamente pela produção atual e massiva de “fake

50
BERNARDET (2003), op. cit.
51
DUARTE, op. cit.; FERREIRA, op. cit.
52
MOLETTA, Alex. Criação de curta metragem em vídeo digital: uma proposta para produções de baixo
custo. São Paulo: Summus, 2009.
53
MESQUITA, Cláudia & LINS, Consuelo. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro
contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
774 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

news”), como também a um processo formativo marcado pela


valorização da sociabilidade dos discentes, a exploração de novas
linguagens, a problematização histórica do presente e do cotidiano
e as relações entre estética e política, memória e subjetividade.
Ao mesmo tempo, o que se percebe no conjunto da obra de
Coutinho – se pudermos fazer uso de certa licenciosidade – é uma
maneira de se colocar/posicionar no mundo – e, portanto, de um
“fazer” estético e político – que nos permite, dentre outras coisas,
repensar o conhecimento histórico e os processos formativos a
quem ensina História. A importância deste “estilo” e
“posicionamento” em projetos, experiências e práticas educativas
não envolvem simplesmente o uso (mesmo crítico) de materiais
audiovisuais, mas principalmente a participação efetiva e dialógica
de professores e estudantes no processo de produção de vídeos –
com ênfase em curtas metragens54.
Visto por estes ângulos, emerge uma questão-chave: quais são
as relações possíveis entre um trabalho crítico-imaginativo-
dialético, a produção de vídeos de caráter documental e processos
formativos de ensino/aprendizagem de História ancorados na
perspectiva “coutiniana-benjaminiana”?
Num primeiro plano, trata-se a meu ver de apropriar da
concepção benjaminiana das “imagens dialéticas” encontradas de um
modo peculiar na estética documental de Coutinho quando
confrontava (sem emitir juízo) o presente da palavra filmada e
revigorada com a evocação de um passado individual ou comum
inscrito no próprio presente e o uso do “choque” entre noções
cristalizadas no imaginário social e as maneiras de encará-las pelos
personagens filmados (como no uso de fotografia). E, num segundo
plano, refletir acerca de uma “práxis” cinematográfica bastante cara
aos filmes de Coutinho e que diz respeito ao trabalho específico de
ponderar sobre os elementos ficcionais e não-ficcionais de seus

54
BUARQUE, op. cit.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 775

documentários e o estatuto da “verdade” presente na heterogeneidade


do material fílmico – falo do trabalho de montagem55.
Conforme afirmou Coutinho:

[...] Toda montagem supõe uma narrativa, todo filme sendo uma
narrativa pressupõe um elemento forte de ficção, e isso também
acontece na História, o que não quer dizer que a História seja uma
ficção e nem que o documentário seja uma ficção. Eles são um tipo,
se quiserem, um tipo diferente de ficção, e o que eu tento na
montagem da estrutura é preservar a verdade da filmagem, que às
vezes pode ser indicada pela informação da situação de filmagem,
da data da filmagem, por elemento bem concretos [...]56

Uma forma de execução deste duplo procedimento


metodológico encontra-se em documentários como “Cabra Marcado
Pra Morrer”, “Boca de Lixo” e “Peões”, na qual as imagens
“consagradas” de camponeses, catadores de lixo e trabalhadores
operários pela mídia televisiva são reelaboradas, por meio da
(re)produção de memórias no ato de filmagem, graças a um
conjunto de narrativas orais cortadas tanto por uma câmera
“desejosa” de conhecer o outro (em suas contradições,
ambiguidades) quanto pelos personagens reais que encenam suas
próprias vivências diante da mesma câmera.
55
Aliás, o conceito de montagem aparece na teoria benjaminiana das imagens dialéticas. Baseada nas
perspectivas do “choque” e da “superposição” de imagens, a montagem caracteriza-se por um método capaz
de alinhavar historicamente um determinado passado – apresentado, por exemplo, como o choque entre
imagens do “progresso”, do “moderno” gerado pelo capitalismo e as experiências humanas fragmentadas,
esquecidas, “enterradas” pelo progresso – que, mediado pela “iluminação profana” (as múltiplas
determinações do real), lançaria novas luzes sobre problemas e questões do tempo presente, ao mesmo
tempo em que operaria uma reconstrução histórica do próprio passado (rememorado à luz da crítica). O
caso mais conhecido de uso da montagem benjaminiana foi a análise do acelerado processo de
modernização urbana em Paris durante o século XIX. Sobre esta discussão ver: KONDER, op. cit.;
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2009; BOLLE, Willi. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em Walter Benjamin.
São Paulo: EDUSP, 2000; JORDÃO, Carlos; MACHADO JR., Rubens & VEDDA, Miguel (org.). Walter
Benjamin: experiência histórica e imagens dialéticas. São Paulo: Editora Unesp, 2015. Vale frisar que tal
concepção também guarda vínculos estreitos com o cinema: “o desafio de urdir, na montagem, a
heterogeneidade da matéria fílmica, coincide assim com o desafio de narrar a história, como se o processo-
filme correspondesse a um ‘cristal do acontecimento-total’” (MESQUITA, op. cit., p. 59).
56
OHATA, op. cit., p. 27.
776 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Para (re)pensar e construir processos formativos no ensino de


História comprometidos com uma concepção de educação ancorada
no método de trabalho coutiniano (e sua verve benjaminiana)
precisamos ser capazes de instituir um modo diferenciado de “ver”,
“contar”, “partilhar” e/ou “confrontar” histórias que possam refigurar
a maneira como conhecemos e ensinamos/aprendemos História, bem
como alicerçar propostas que defendam uma pedagogia democrática
e autônoma dos participantes. Desta maneira, concordamos com a
avaliação de Robert Rosenstone quando insiste na validade e
potencialidade de se promover diálogos entre história, cinema e
produção do conhecimento:

Mudar a mídia da página para a tela, acrescentar imagens, som,


cor, movimento e drama é alterar a maneira como lemos, vemos,
percebemos e pensamos a respeito do passado. Todos esses
elementos fazem parte de uma prática da história para a qual ainda
não temos um rótulo decente. Assim como também não temos
uma boa idéia de suas coordenadas, como e onde ela se situa no
tempo, no espaço e em relação a outros discursos. Todavia, esse
tipo de história é um desafio, uma provocação e um paradoxo.57
(grifos nossos)

As passagens sublinhadas me parecem ainda muito recentes.


Certamente ainda não há um “rótulo decente”, nem sabemos
concretamente se “esse tipo de história” filmada do real, que é a dos
documentários, poderá oferecer-nos caminhos efetivos de reflexão e
atualização das formas como ensinamos História.
De qualquer modo, ela se apresenta como “um desafio, uma
provocação e um paradoxo” que nos é (e será) colocado diariamente
a encarar, especialmente num contexto histórico recente marcada
por uma escancarada “onda” capitalista conservadora, reacionária,
ultraliberal e de traços fortemente fascistas, produtora de inúmeros
(e ainda incalculáveis) retrocessos econômico-sociais e político-
institucionais, de ataques frontais ao Estado democrático de direitos,

57
ROSENSTONE, op. cit., p. 239.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 777

de disseminação de ódio e violência contra uma multiplicidade de


sujeitos historicamente em luta por direitos (ou contra perda de
direitos) e/ou de reconhecimento étnico, social e sexual – mulheres,
negrxs, gays, lésbicas, nordestinxs, trabalhadorxs.
Diante de novas barbáries, catástrofes e empobrecimento das
experiências sociais, vemo-nos claramente (novamente?) ameaçados
de gerarmos outros (tantos) “apagamentos” mnemônicos e deixarmos
de criar/recriar narrativas capazes de conduzir a um patamar
diferenciado de conhecimento, sensibilidade e criticidade. Neste filme
de horror que se avizinha, talvez Coutinho – contracenando em outro
plano com Benjamin – possa nos ajudar a orientar nossos esforços e
lutas em defesa de uma formação docente sempre mais humana, feita
de carne e osso, corpo e alma, razão e coração.

Considerações Finais

O legado deixado por Coutinho não parece limitar-se ao


campo cinematográfico. Contra a sua própria vontade e a finitude
da vida, é certo que o seu modo peculiar de produzir narrativas (e
imagens) fílmicas marcadas pela busca incessante da alteridade, dos
meandros da memória, do universo dialógico-crítico, de uma
dialética visual do tempo presente e das ambigüidades e
contradições das experiências humanas constituem um rico
manancial para se repensar qualitativamente o ensino de História.
Aproximar a produção documental coutiniana às reflexões
teóricas propiciadas por Walter Benjamin (e, por extensão, pelos
estudos benjaminianos) não correspondeu a mero trabalho de
“aplicação” instrumental de determinado referencial epistemológico
(para não esquecer: Coutinho era leitor de Benjamin). Para além
deste relato, contudo, fica evidente em nossa interpretação e análise
um tratamento estético das imagens fílmicas, bem como a
construção e re-elaboração de narrativas que guarda significativos
vínculos com alguns postulados teóricos do filósofo e critico alemão,
como o conceito de história, o peso da narrativa e da memória e o
778 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

“resgate” da experiência (temporal/espacial/subjetiva), além da


crítica à chamada “indústria cultural”.
Reinserir os sujeitos históricos em sua diversidade e
singularidade, mas também em sua substancialidade – já que aos
pobres, humilhados, marginalizados e ofendidos quase sempre
cabem formas opressivas de esquecimento – sem jamais incorrer no
risco de defender uma verdade pré-estabelecida que reduzisse os
personagens filmados à explicações generalizantes e tipos sociais
descarnados: a estética/ética documental de Coutinho prescindia do
trabalho redentor da “rememoração” (bem ao sabor de Benjamin)
como modo de libertar narrativamente os indivíduos das camadas
discursivas produzidas hegemonicamente pelas classes dominantes
e pela mídia corporativa.
Cineasta capaz de perscrutar a “realidade” e, a partir dela,
refigurar a própria arte de narrar histórias e de fazer do cinema uma
linguagem criativa e criadora, uma estética produtiva e
sensibilizadora, uma ética dialógica e humana, ele soube filmar o
“real” naquilo que portava de complexo e contraditório, bem como
de pensar efetivamente o papel dos sujeitos em suas produções
cinematográficas. Por outro lado, Coutinho entendeu os limites de
sua obra e foi enfático: “Querer mudar o mundo com o cinema é uma
utopia maluca... Agora querer mudar o lugar e as pessoas que você
está filmando, isso é de uma arrogância e de um autoritarismo
absurdos”. Segundo ele, “para mudar o mundo, é preciso antes
conhecê-lo”58, partir do pressuposto de que o mundo existe não do
modo como imaginamos ou sonhamos, mas de aceitar “tudo o que
existe pelo simples fato de existir”59.
Isso pode oferecer a professores, estudantes e pesquisadores
de didática e prática de ensino de história a reinserção na produção
de conhecimentos, de maneira pró ativa, seja no ambiente
universitário ou escolar. Alguns trabalhos têm sido desenvolvidos

58
LINS (2004a), op. cit., p. 95.
59
Idem, p. 12.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 779

com o intento de articular as tecnologias da informação e


comunicação com problemas de ensino de história e, em especial, o
lugar do documentário não apenas como fonte e sim enquanto
método problematizador da reconstrução histórica de trajetórias,
experiências e narrativas de homens e mulheres pertencentes à
classe trabalhadora e/ou de fomento a processos de construção de
novos conhecimentos e vivências por meio de propostas
pedagógicas envolvendo experiências de produção de vídeos sob a
forma de pequenos documentários (curtas-metragens)60.
Com estas perspectivas, novos/diferentes personagens
podem/devem ser retratados em sala de aula (mulheres, pobres,
negros, jovens, homossexuais). Experiências vislumbradas em
certas trajetórias individuais passam a configurar fios
interpretativos para acessar o conjunto de valores que socialmente
definem um grupo, a contar do passado e da oralidade. Situações
cotidianas passam a ser enxergadas como prenhes de um tempo
mais longo, a tensionar o presente, dotando-o de maior
substancialidade histórica61.
As obras documentárias de Coutinho apresentam-se como
um valioso aporte teórico e metodológico para se repensar a história
e o ensino de História no tempo presente. Eles podem nos auxiliar a
refletir e analisar as possibilidades de articulação entre narrativa
cinematográfica e narrativa histórica.
Mesmo não sendo professor/pesquisador de História e de
ensino de História, as experiências e produções, as interfaces com
outros domínios do saber humano e um modo tão peculiar de fazer
cinema nos permitem afirmar que Eduardo Coutinho compreendeu a

60
PAZIANI & PERINELLI NETO (2015), op. cit. Ver também: PAZIANI, Rodrigo & SOUZA, Aparecida
Darc. Quando o documentário reinventa as lutas sociais e o ensino de História: diálogos entre a estética
documental de Eduardo Coutinho, a historiografia marxista britânica e o mundo dos trabalhadores no
Brasil In: PERINELLI NETO, Humberto (org.). Ensino, Diversidades e Práticas Educativas: pistas,
experiências e possibilidades. Porto Alegre: Editora Fi, 2018, pp. 131-167.
61
FONSECA, Selva G. Didática e prática de ensino de história. 8ª. ed. Campinas: Papirus, 2009;
FRESQUET, Adriana. Cinema e educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de
educação básica, dentro e “fora” da escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
780 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

relevância de seus documentários como a “arte do encontro”62 e do


documentarista de “assumir a responsabilidade social e política com o
momento vivido” e, por que não, os sujeitos que vivem/viveram os
distintos “momentos” filmados por sua câmera – possibilitando a si
próprio e para o “Outro”, no que ambos possuem de “objetiva” e
“intensa” subjetividade, a condição de se tornarem “agentes” de suas
próprias experiências, memórias e conhecimentos.
Em nosso entender, seus documentários consistem em peças
didáticas bastante enriquecedoras na formação docente, pois
capazes de tornar a História um conhecimento crítico e dialógico,
desenvolver propostas de práticas de ensino de história corajosas
que propiciem maneiras de romper com formas cristalizadas,
opressivas e hegemônicas de (des)educação – um “perigo” que
Benjamin denunciara no início do século XX.

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(Acesso em: 10.08.2018)
50

Formação de professores de
ciências biológicas e o ENADE:
análise das questões da prova do ano de 2014

Marcel Getaruck
Rosemary Rodrigues De Oliveira

Introdução

Os documentos oficiais e a formação de professores para o


ensino de biologia

As diretrizes para a formação de professores (BRASIL, 2015)


descrevem uma série de deveres, habilidades e competências que
devem ser desenvolvidas durante a formação bem como o perfil dos
formandos. São conhecimentos que dizem respeito aos conteúdos
básicos das disciplinas objetos da atividade docente, à capacidade do
futuro professor de relacioná-los à atualidade e a vivência dos
alunos, articulando-os com outras áreas, lançando mão das
tecnologias para facilitar a aprendizagem.
Sobre a atuação pedagógica condizente ao desenvolvimento
da aprendizagem, o documento explicita que o futuro professor deve
elaborar situações didáticas eficazes que considere temáticas atuais,
organizar o tempo e espaço, se utilizar de diferentes estratégias de
comunicação, estabelecer relação de autoridade e confiança com os
alunos, atuar em situações educativas com sensibilidade e
acolhimento, produzir materiais e recursos, utilizar estratégias
788 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

diversificadas de avaliação e, a partir dos resultados destas, formular


propostas de intervenção.
Já o compromisso profissional está relacionado à: análise das
relações interpessoais que ocorrem na escola; investigação do
contexto educativo e própria prática; utilização dos resultados de
pesquisa para aprimoramento da prática; utilização de diferentes
fontes de informação; empenho na leitura e escrita para o
desenvolvimento profissional; desenvolvimento de projetos de
estudo e trabalho; compartilhar sua prática e produzir
coletivamente; manter-se atualizado; conhecimentos sobre gestão,
legislação e políticas públicas referentes à educação para a inserção
profissional crítica.
Ao olharmos para os documentos que antecedem
reformulação proposta pelo MEC, podemos observar que a
estrutura dos cursos de licenciatura centrava-se em proporcionar
aos futuros professores três anos de conhecimentos específicos da
área e um ano para as disciplinas pedagógicas.
A proposta de reformulação dos currículos e,
consequentemente da formação de professores, visa romper com o
modelo „3+1‟, também denominado como modelo da racionalidade
técnica, pois se tinha ao longo da formação, 3 anos de teoria e 1 ano
de aplicação desses conhecimentos, contribuindo para a dicotomia
teoria-prática.

A formação de professores, separada da realidade cultural, social e


política, torna o professor um mero transmissor de conteúdos.
Nesta concepção, o professor é visto como um técnico, um
especialista que aplica com rigor, na sua prática cotidiana, as
regras que derivam do conhecimento científico e do conhecimento
pedagógico. Nessa visão, as bases para a ação docente estão no
conjunto de disciplinas teóricas, vistas como suficientes para a
atuação profissional, na qual a prática assume um papel
secundário (PEREIRA, 1999, p.111-112).

Esteban (2001) critica o “modelo da racionalidade técnica”,


apontando que o caráter pedagógico da formação do professor
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 789

ultrapassa a dimensão técnica, já que ela é insuficiente para


responder aos dilemas e ambiguidades presentes no processo
educativo. A redução deste modelo está em acreditar que o domínio
dos conteúdos específicos que se vai ensinar é suficiente para ser um
bom professor. Isso significa, por exemplo, que, para ser um bom
professor de Biologia, basta o domínio dos conhecimentos
específicos dessa área. 

As diretrizes para os cursos de Ciências Biológicas (BRASIL,
2002a) por sua vez, orientam para a não dissociação entre os
conhecimentos biológicos e os sociais, políticos, econômicos e
culturais. Para isso, os cursos de Ciências Biológicas, devem
proporcionar uma educação pautada num pensamento
democrático, ético, crítico, social e ambiental. As competências
propostas neste documento se inspiram nas diretrizes para
formação de professores (BRASIL, 2002b) e apontam a necessidade
do futuro profissional portar–se como educador consciente na
formação de cidadãos, inclusive na perspectiva sócio-ambiental. Os
conhecimentos biológicos devem estar distribuídos ao longo de todo
o curso, devidamente interligados e estudados numa abordagem
unificadora.
A Licenciatura deverá contemplar, além dos conteúdos
próprios das Ciências Biológicas, conteúdos nas áreas de Química,
Física e da Saúde, para atender aos ensinos fundamental e médio. A
formação pedagógica, além de suas especificidades, deverá oferecer
uma visão geral da educação e dos processos formativos dos
educandos. Deverá também enfatizar a instrumentação para o
ensino de Ciências no nível fundamental e para o ensino da Biologia,
no nível médio. Mesmo com as mudanças curriculares - do modelo
3+1 para o modelo preconizado pelas DCN para a formação de
professores atuais -, ainda não há alterações no processo de
formação além de prevalecer o domínio das disciplinas de
conhecimento específico deixando, em segundo plano, as de
formação pedagógica. A literatura revela também a falta de
integração entre essas disciplinas.
790 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Gatti; Nunes (2009) realizando estudo de 31 Cursos de


Ciências Biológicas de várias regiões brasileiras observaram, na
maior parte dos ementários analisados, ausência de articulação
entre as disciplinas de formação específicas (conteúdos da área
disciplinar) e a formação pedagógica (conteúdos da docência). O
estudo de Gatti; Nunes (2009) aponta que os cursos de Licenciatura
em Ciências Biológicas têm uma carga horária em disciplinas na
qual mais da metade refere-se aos conhecimentos específicos da
área. As matérias diretamente ligadas à formação específica para a
docência registram um baixo percentual, apenas 10%.
As autoras declaram que a relação teoria-prática é
fundamental para a construção da autonomia docente, no entanto,
essa relação, é considerada como um dos seus entraves, em especial
pelo distanciamento existente entre a reflexão e a ação e pela
dificuldade de colocar em prática as discussões teóricas.

O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE)

O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE)


foi instituído em abril de 2004, por meio da Lei 10.861 (BRASIL,
2004), quando foi aprovado o Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior (SINAES), do qual é parte integrante,
juntamente com a Avaliação das Instituições de Ensino Superior
(AVALIES) e a Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG).
O exame se constitui em instrumento de avaliação de alunos
em larga escala e tem como objetivo aferir o desempenho dos
estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas
diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação; suas
habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução
do conhecimento e suas competências para compreender temas
exteriores ao âmbito específico de sua profissão, relacionados tanto
à realidade brasileira e global quanto às outras áreas do
conhecimento (BRASIL, 2004).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 791

O exame, aplicado desde 2004, como componente curricular


obrigatório dos cursos de graduação, a partir de 2010 passa a avaliar
somente o rendimento de alunos concluintes. A prova específica
para a Licenciatura em Ciências Biológicas ancora-se nas atuais
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Formação de
Professores (BRASIL, 2015) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a área de Ciências Biológicas (BRASIL, 2002).
Partindo-se do princípio que um dos elementos que contribui
para se pensar em características de um perfil profissional é o
ENADE, entendemos que uma forma possível de concebermos tal
relação, é através da análise de elementos que vêm sendo
privilegiados neste exame e que podem remeter a uma ideia do
profissional que, segundo critérios do exame, o curso pretende
formar.
De acordo com Rothen; Nasciutti (2011), esse tipo de avaliação
se constitui em um instrumento utilizado para "levantar hipóteses
sobre o desenvolvimento da Educação Superior e levantar
diagnósticos parciais sobre o que os exames avaliam em termos de
habilidades cognitivas e conhecimentos adquiridos para responder
às questões propostas nos exames" (ROTHEN; NASCIUTTI, 2011,
p.193).
Na perspectiva de analisar as características da prova do
ENADE de Ciências Biológicas e sua concepção de formação docente,
procedeu-se a análise de questões presentes na prova de
Licenciatura em Ciências Biológicas do ano de 2014. A escolha do
ENADE 2014 justifica-se pelo fato de, até a presente data, esta se
tratar da última edição do exame que possui o relatório de
desempenho já publicado no site do INEP.

Metodologia

A pesquisa é de caráter qualitativo (BOGDAN; BIKLEN, 1994),


documental e descritivo (TRIVINÕS, 1987), que reúne informações
sobre documentos oficiais e processos que permeiam a formação
792 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

docente. Os dados oriundos foram analisados através da análise de


conteúdo (BARDIN, 2011) que consistiu na união de coincidências
entre os dados obtidos em categorias que foram definidas a
posteriori e, a partir destas, foi realizada análise e compreensão do
fenômeno estudado, relacionando os dados obtidos com referencial
teórico pertinente.

Resultados e discussão

O ENADE se utiliza de quatro diferentes instrumentos para a


coleta de dados: as Questões do Caderno de Prova, o Questionário
do Estudante, respondido on-line antes da realização da prova, o
Questionário da Percepção da Prova, anexado ao final do caderno de
prova e o Questionário do Coordenador de Curso, no qual se pedem
suas impressões sobre o projeto pedagógico e as condições gerais de
seu curso.
Os cursos de Licenciatura e de Bacharelado em Ciências
Biológicas possuem cadernos de provas específicos para cada uma
das habilitações. Em relação à Licenciatura, o caderno é composto
por quarenta questões, sendo dez questões referentes aos
conhecimentos de Formação Geral, das quais duas são discursivas e
oito são objetivas. Quanto aos conhecimentos do Componente
Específico, a prova contempla trinta questões, sendo três discursivas
e vinte e sete objetivas.
As diretrizes que orientam as questões de Formação Geral
foram elaboradas tendo em vista os dispositivos da Portaria INEP
255/2014 (INEP, 2014), que versa sobre as habilidades e
competências a serem avaliadas na prova, os temas das questões,
bem como os elementos integrantes do perfil profissional desejado
dos egressos de todos os cursos avaliados. Tal ideia de perfil se refere
a um profissional que apresente as seguintes características:

[...] atitude ética; comprometimento social; compreensão de temas


que transcendam o ambiente próprio de sua formação, relevantes
para a realidade social; espírito científico, humanístico e reflexivo;
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 793

capacidade de análise crítica e integradora da realidade; aptidão


para socializar conhecimentos em vários contextos e públicos
diferenciados (Portaria INEP 255/2014, artigo 3º).

No que concerne a avaliar os conhecimentos dos estudantes


quando ao Componente Específico da área de Biologia, as diretrizes
que orientam a prova, encontram-se na Portaria do ENADE 2014.
As questões foram elaboradas tomando-se como referência os
seguintes conteúdos curriculares (teóricos e práticos):

I- Morfofisiologia;
II- Bioquímica;
III- Biofísica;
IV-


Microbiologia ,Imunologia
Parasitologia; V- Biologia celular e molecular; VI-Genética e
Evolução;
VII-Zoologia;
VIII- Botânica;
IX- Ecologia e
Educação Ambiental; X- Micologia; XI-Biogeografia;
XII-
Bioestatística;
XIII- Geologia e paleontologia;
XIV-
Biossegurança;
XV- Ética e Bioética;
XVI- Ensino de Ciências e
de Biologia na Educação Básica:
a) Fundamentação pedagógica e
instrumentação para o ensino de Ciências e Biologia;
b)
Fundamentação teórica sobre as relações entre sustentabilidade,
biodiversidade e educação ambiental;
c) Fundamentação teórica
sobre o uso da pesquisa participativa para a solução de problemas
como alternativa filosófica e metodológica para a educação em
Ciências e Biologia. (Portaria INEP 236/2014, artigo 7º).

No que tange a um perfil profissional, a prova tomou como


referência o perfil contemplado nas DCCB, ou seja, um perfil
referenciado para bacharelandos em Ciências Biológicas e não para
licenciandos. Novamente ressaltamos que características de perfil
profissional docente, constantes nas DCN para a formação de
professores, não foram contempladas pelo exame. Desta forma, de
acordo com o ENADE 2014, espera-se do egresso em Biologia um
profissional com as seguintes características:

I - observador, capaz de interpretar e avaliar, com visão


integradora e crítica, os padrões e processos biológicos;
II -
consciente da sua importância como produtor de conhecimento e
comprometido com a transformação da realidade; III - apto a atuar
794 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

em programas, pesquisas e trabalhos nas áreas de ciências


biológicas; IV - apto a atuar com a comunidade, compreendendo a
ciência como uma atividade social com potencialidades e
limitações e promovendo a difusão científica; V - ético, com
responsabilidade social, ambiental e profissional;
VI - consciente
de sua responsabilidade como educador, nos vários contextos de
atuação profissional;
VII - integrador do conhecimento biológico
com outras áreas do saber em uma perspectiva interdisciplinar,
apto a atuar frente à dinâmica do mercado de trabalho. (Portaria
INEP 236/2014, artigo 5º).

Questões de Formação Geral

Os temas centrais abordados em cada uma das dez questões


de formação geral estão elencados no Quadro 1:

Quadro 1 - Número de Questões por Tema Central - Formação Geral


Tema Central Abordado na Número da Questão na Total de questões (10)

Questão Prova

Discursiva 2 - objetivas 1, 2, 4
Cidadania
7

Sustentabilidade Discursiva 1 1

Abordagem CTSA Objetivas 3 - 8 2

Temas da Atualidade Objetiva 4 1

Questões de Gênero Objetiva 6 1

Saúde Pública Objetiva 5 1

(Fonte: produção dos autores)

As questões abordam temas importantes para a sociedade e


para a formação docente, especialmente quando
abordam/problematizam assuntos que provavelmente circulam
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 795

pelas salas de aula cotidianamente, como por exemplo, a violência


urbana, noções de sustentabilidade e questões de gênero. A partir
das questões analisadas e do perfil profissional referenciado na
Portaria do ENADE 2014, entendemos que de uma maneira geral, as
características que compõem um perfil profissional dos egressos
(licenciados e bacharéis), valorizam conhecimentos ligados a uma
preocupação ética, que compreendam temas de relevância social,
que possuam uma visão integradora da realidade, que contemplem
a criticidade, a interdisciplinaridade e que reconheçam o
envolvimento da Biologia para entender e tratar de questões
ambientais.

Questões por Componente Específico

Para a análise das 30 questões do Componente Específico


(conteúdos biológicos e pedagógicos), procuramos agrupá-las em
categorias de análise, de acordo com suas semelhanças. Desta forma,
a partir da análise das questões, em diálogo com as DCN e com a
Portaria do ENADE 2014, buscamos identificar elementos que nos
remetam a ideia de um perfil profissional docente em Ciências
Biológicas. Em cada categoria apresentamos sua descrição, número
de questões encontradas e numeração original da questão na prova
do ENADE 2014. Foi possível agrupar 13 questões.

Categoria Descrição Nº de questões Conteúdos abordados

encontradas

Conhecimento Leva em 3 questões Botânica/ Fisiologia Vegetal/

Integrado consideração Evolução

e/ou questões que

Interdisciplinar apresentam Embriologia/ Ética/

conhecimentos de Biossegurança
796 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

forma integrada

(dentro da própria Microbiologia/ Biossegurança

área de Biologia) e/ou

interdisciplinares

(com outras Áreas de

conhecimento).

Questões Atuais Agrupa questões que 7 questões Educação Sexual

discutidas no abordam temas Contexto Escolar

Âmbito da amplos e que Inclusão Escolar

Pesquisa em permeiam a formação CTSA

Educação e a prática docentes, Currículo

possibilitando Pesquisa em Educação

reflexão voltada para

o exercício

profissional.

Legislação do Leva em 3 questões Gestão Escolar

Ensino consideração Legislação do Ensino

questões que avaliam Projeto Político Pedagógico

conhecimentos dos

egressos acerca de

leis do ensino,

processos de gestão e

de organização das
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 797

instituições de

educação básica,

políticas, projetos e

programas

educacionais.

Total de questões 13 questões

(Fonte: produção dos autores)

Treze das trinta questões analisadas se encaixaram em uma


das três categorias estabelecidas, dentre as quais: três questões
abordam conteúdos específicos de Biologia de forma integrada com
disciplinas da área, mas ausentes de interdisciplinaridade com
conteúdos pedagógicos; e dez questões abordam conteúdos
pedagógicos, sem que tenham sido observadas articulações com
conteúdos biológicos.
Quanto às dezessete questões remanescentes, abordam
exclusivamente conteúdos específicos de Biologia, requisitando do
aluno, prioritariamente, a capacidade de memorização de conteúdos
para respondê-las. Sobre a memorização de conteúdos,
encontramos em Kuenzer (1999, apud AYRES, 2005), a ideia de que
para a sociedade atual - denominada pelo autor de sociedade técnico-
científico-informacional – não mais interessa que a principal
habilidade cognitiva desenvolvida na escola seja a memorização de
conceitos e conteúdos alcançados. O que importa é o
desenvolvimento de habilidades cognitivas complexas que levem à
resolução de problemas que fogem ao alcance da máquina.
Nenhuma das dezessete questões de conhecimentos
específicos apresenta expressões que remetam à ideia de ensino de
Ciências e/ou de Biologia, ou mesmo de Educação de uma forma
mais ampla. Esta falta de articulação entre conteúdos e
conhecimentos biológicos e pedagógicos causa estranheza
798 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

considerando que a prova é voltada para cursos de Licenciatura em


Ciências Biológicas. O quadro 3 possibilita a visualização da
distribuição de questões por conteúdo curricular contemplado no
exame (referenciado na Portaria INEP 236/2014).

Quadro 3 - Distribuição de Questões por Conteúdo Curricular no Componente


Específico
Conteúdo Curricular referenciado na Portaria INEP Número de Questões por

236/2014 Conteúdo Curricular

Morfofisiologia 0

Bioquímica 1

Microbiologia, Imunologia e Parasitologia 1

Biologia celular e molecular 1

Genética e Evolução 4

Zoologia 3

Botânica 2

Ecologia e Educação Ambiental 3

Micologia 1

Biogeografia 0

Bioestatística 0

Geologia e paleontologia 2

Biossegurança 1

Ética e Bioética 1
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 799

Total de questões de conhecimento específico Biológico 20

a) Fundamentação pedagógica e instrumentação para o ensino 8

de Ciências e Biologia

b) Fundamentação teórica sobre relações entre sustentabilidade, 1

biodiversidade e educação ambiental

c) Fundamentação teórica sobre o uso da pesquisa participativa 1

para a solução de problemas como alternativa filosófica e

metodológica para a educação em Ciências e Biologia

Total de questões de conhecimento específico Pedagógico 10

(Fonte: produção dos autores)

A forma como as questões estão organizadas na prova, na qual


apresentam-se primeiramente o conjunto de questões biológicas,
composto por vinte questões sucessivas, seguidas das questões
pedagógicas, agrupadas no final do caderno de questões do exame,
denotam uma fragmentação entre os conteúdos biológicos e
pedagógicos nas questões. Foi observada uma separação entre as
questões que compõem a prova, sugerindo uma priorização das
questões de conhecimento específico da área e reforçando a
fragmentação com os conteúdos pedagógicos. Esta configuração
pode ser entendida como um reflexo da forma como as Licenciaturas
se estruturaram desde sua implementação, em uma situação de
dependência dos cursos de Bacharelado.
Em meados de 1930, as Licenciaturas foram implementadas
baseando-se no modelo de formação pautado pela racionalidade
técnica, conferindo-lhes um status secundário, mantendo-as
dependentes dos cursos de bacharelado. Diferentes autores (DINIZ-
PEREIRA, 1999; AYRES, 2005; GATTI, 2010), concordam que tal
modelo continua presente nas universidades brasileiras, mesmo
após a aprovação da LDBEN e das DCN para a formação de
800 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

professores que se apresentam na tentativa de equacionar os muitos


problemas da formação docente no país. A falta de articulação entre
conteúdos biológicos e pedagógicos e a centralidade das questões em
abordar conhecimentos específicos da área, podem ser um
indicativo da presença do modelo da racionalidade técnica, que
segundo os autores mencionados, continua enraizado na formação
docente no país, estando refletido no ENADE 2014.
De uma maneira geral, as questões valorizam conhecimentos
que remetem a uma ideia de perfil profissional docente em Ciências
Biológicas caracterizado pelo domínio de conhecimentos específicos
de Biologia; pela competência para trabalhar os conteúdos de
Biologia de forma integrada; pela responsabilidade social, ambiental
e profissional; pela crítica e pela atenção para identificar questões e
problemas socioculturais e educacionais. Também têm-se a ideia de
um professor atento à questões que envolvem diversidade, gênero e
processos de exclusões sociais; voltado à ideia da pesquisa em
educação como proposta de refletir sobre sua prática pedagógica;
comprometido com a cidadania e agente transformador da realidade
de seu contexto de atuação profissional.
Foi encontrada consonância entre as características do perfil
profissional observado a partir das análises com aquelas presentes
nas DCN para a formação de professores, muito embora, tal
documento não esteja contemplado, citado nominalmente, nas
diretrizes do exame, como as DCN para os cursos de Ciências
Biológicas estão. No entanto, no que se refere ao perfil profissional
referenciado na Portaria do ENADE 2014 percebemos que o perfil
explicitado está vinculado muito mais a ideia da formação de um
biólogo bacharel do que a de um licenciado. Talvez isso possa ser
explicado pelo fato de que tal perfil profissional foi elaborado com
base nas DCCB, as quais caracterizam um perfil profissional voltado
para os bacharelandos do curso de Ciências Biológicas.
Apesar do perfil explicitado pelo exame referenciar um
bacharel em Biologia (Portaria INEP 236/2014, artigo 5º) as
questões da prova contemplam conteúdos relevantes para a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 801

formação docente, embora privilegiem os conhecimentos biológicos


muito mais do que os pedagógicos. Esta constatação, de valorização
de um tipo de conhecimento em detrimento do outro, nos leva a
concordar com Novossate (2010), que apontou em sua pesquisa
sobre os resultados do ENADE para os cursos de Licenciatura em
Ciências Biológicas de 2005, que o exame falha em articular os
conhecimentos específicos e pedagógicos.
Ainda, as contradições encontradas a partir das análises da
prova do ENADE 2014 - presença de características de perfil
profissional contempladas pelas DCN para formação de professores,
sem que tal documento seja referência para o ENADE; e
características de perfil profissional docente projetadas a partir das
questões, embora o perfil referenciado pelo exame contemple o
perfil de um bacharel na área - nos fazem retomar o diálogo com
Feldmann; Souza (2016), que apontam para as fragilidades do
ENADE, questionando se de fato o exame preocupa-se em avaliar os
conhecimentos dos estudantes em busca de uma melhoria para a
formação acadêmica ou se está mais preocupado em gerar dados
que promovam rankeamentos entre as IES.
Entendemos que a análise aqui apresentada é bastante
limitada para responder tal questionamento, considerando que, até
o momento, analisamos apenas uma edição – 2014 - de uma única
área avaliada por este exame, que está vigente desde 2004 no Brasil.
No entanto ficamos também com este questionamento sobre o papel
do ENADE enquanto parte de uma Política de Avaliação do Ensino
Superior, em que pese nos parece haver uma „falta de cuidado‟ em
contemplar nas diretrizes do exame de 2014 elementos das DCN
para a formação de professores, documento que regulamenta a
formação docente no país e que poderia direcionar melhor os
objetivos da avaliação. Finalizamos nos questionando se esta escolha
seria de fato um „descuido‟ da equipe técnica que elabora as
diretrizes e as questões ou se de por algum motivo esta ausência de
elementos das DCN para a formação de professores seria
intencional.
802 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Considerações finais

O objetivo esta pesquisa foi o de analisar as características das


questões do ENADE 2014 aplicado ao curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas, relacioná-las aos documentos curriculares que
embasam esse curso na perspectiva de identificar a concepção de
formação docente da avaliação. Evidenciamos que a prova
contempla conteúdos relevantes para a formação docente, embora
poucas questões enfoquem a articulação entre conhecimentos
específicos da Biologia e do Ensino de Ciências e Biologia denotando
que a perspectiva da prova, ao que parece, é mais a de avaliar os
conhecimentos específicos do futuro biólogo e não do futuro
professor. Apontamos ainda como contradição encontrada a partir
da análise da prova do ENADE 2014 a presença de características de
perfil profissional contempladas pelas DCN para formação de
professores, sem que tal documento seja referência explícita para o
ENADE.

Referências

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professores de Biologia como território contestado. In: MARANDINO, M.;
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804 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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51

Formação do professor que ensina matemática


nas séries iniciais e a utilização de
material concreto para o aprendizado de frações

Glauce Cristina Furtado


Ernandes Rocha De Oliveira

Introdução

Para que compreendamos melhor o tema deste trabalho


primeiramente faremos uma discussão sobre alguns documentos
curriculares referentes aos conteúdos de matemática dos anos
iniciais nos atendo ao conteúdo de frações, à formação de
professores que lecionam matemática, suas práticas, de modo a
compreender as possibilidades de novas perspectivas serem
incorporadas aos repertórios dos professores no que se refere ao
processo de ensino-aprendizagem e à busca por uma melhor
formação dos alunos.
Apresentaremos aqui alguns estudos que consideramos
essenciais ao se trabalhar com o conteúdo de frações.
Primeiramente traremos um pouco da história visto que a
Matemática é uma construção humana. Ela vem sendo desenvolvida
ao longo do tempo e esse processo evolutivo pode ser visto através
de sua história, cujo conhecimento permite compreender a origem
das ideias que deram forma à cultura matemática, principalmente
relacionada às frações. Em um segundo momento, faremos algumas
considerações sobre o ensino das frações nas séries iniciais, visto que
para falarmos sobre aprendizado de frações julgamos ser necessário
806 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

sabermos o que os alunos do Ensino Fundamental I estão


aprendendo sobre frações. Descrevemos os componentes do “Estojo
de frações” e será delineado as propostas para o ensino de frações
segundo os documentos oficiais, o que os PCN, a BNCC e as
orientações curriculares propõem para o ensino de frações. E por
fim, o que há de frações no material didático dos alunos do 5º ano?
Teceremos considerações a respeito do que os alunos da rede
municipal veem de frações no 5 ano do Ensino Fundamental I.

Fundamentação teórica

Para o desenvolvimento da pesquisa alguns autores foram


selecionados dentre os que tratam de temas referentes a minha
inquietação enquanto professora, tais como Bezerra (2001), Gois
(2015), Menegazzi (2014) e Santos (2005).
Em sua pesquisa Morais (2010) relata os percalços que passa
a educação brasileira, principalmente a matemática, comparada aos
outros países da América do Sul, através das provas externas (Pisa).
Relata também a falta de preparo do aluno brasileiro em requisitos
como leitura e escrita e o que pode acarretar com a sua falta
relatando que “(...) a capacidade de leitura do aluno brasileiro está
colocada entre as últimas posições, o que vem a comprometer a
construção do seu saber matemático” (MORAIS, p.23).
Sendo assim seriam atribuições do professor, principalmente
o professor que leciona matemática sanar algumas dessas
dificuldades. Desse modo Morais (2010, p.24) afirma que “enfrentar
essa realidade é um desafio para todos os professores e, em
particular, para os professores que ensinam matemática, pois esta
área do conhecimento se constitui como requisito fundamental e
ferramenta essencial na vida cotidiana das pessoas, bem como, para
mais tarde, inseri-las no mercado de trabalho”(MORAIS, 2010).
Perante esse quadro evidencia-se a necessidade da formação
de professores para o ensino de matemática, mais precisamente, o
ensino de frações. Com isso Morais afirma que:
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 807

O ensino de frações tem início nos anos iniciais do ensino


fundamental e, nesse nível de ensino, um de seus objetivos é:
“Construir o significado do número racional e de suas representações
(fracionária e decimal), a partir de seus diferentes usos no contexto
social” (BRASIL, 2000 b, p.80). Esta atividade requer do professor
habilidades para escolher a melhor maneira de desenvolver esse
conteúdo, relacionando com situações do cotidiano. Entretanto,
concordo também com os autores citados, no que diz respeito à
necessidade de uma ação do pensamento e de um grau de abstração
para aprender frações. Por este motivo, entendo que os professores,
além de usarem situações do contexto social devem também usar
situações que permitam estimular o aluno para o exercício da
abstração na aprendizagem matemática. Tais motivos me fazem
acreditar na necessidade de se estudar frações, pela sua relevância
para o contexto educativo. (MORAIS, 2010, p.25).
Para que esse desenvolvimento profissional ocorresse, com
professores que ensinam matemática nas séries iniciais do ensino
fundamental, foi realizado um curso de formação continuada para
esses professores e nesta perspectiva será descrito “a identificação de
dificuldades no fazer ensinar-aprender das professoras pesquisadas,
em um curso de formação continuada, ao ser abordado o tema
frações” (MORAIS, p.24), que também é a inquietação que move esta
pesquisa.
Dessa maneira, Morais (2010), reitera que os professores de
matemática das séries iniciais não possui muitas vezes os saberes
necessários de um professor licenciado em matemática e que com
isso pode acarretar em prejuízos nos conhecimentos matemáticos
que possui acarretando em “conhecimentos limitados” e que com
isso “o professor não possuindo conhecimentos sólidos da disciplina,
provavelmente terá dificuldades para criar as situações de
aprendizagem que deverão ser propostas em sala de aula” (MORAIS,
2010, p.35). Mas que, “no entanto, essas dificuldades podem ser
superadas e aponto como um dos caminhos, a participação em
cursos de formação continuada.” (MORAIS, p.35).
808 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Nessa mesma perspectiva de pensamento, em sua dissertação


Menegazzi (2014) aponta que visa “contribuir um pouco mais para
a formação de professores que ensinam matemática nos anos
iniciais” (MENEGAZZI, 2014, p.15) visto que a autora ministrava
aulas em uma turma do “Curso de Pedagogia” e atuava “na
disciplina de Fundamentos Teóricos e Metodológicos da
Matemática” (MENEGAZZI, p.15).
E ainda nos diz que “o contato com os graduandos de
Pedagogia, a constatação da grande dificuldade dos mesmos em
relação aos conceitos matemáticos e até o receio em relação à
disciplina de matemática e seu ensino constituíram o ponto de
partida para a minha investigação” (MENEGAZZI, p.15).
O assunto que a autora optou por trabalhar foi frações visto
que “já tinha verificado que a construção do seu conceito representa
uma grande dificuldade em todos os níveis de ensino, mas ainda não
identificava de que forma eu poderia realizar esse trabalho dentro
do Curso de Pedagogia” (MENEGAZZI, p.15).
Para a contribuição com os futuros professores que estudam
Pedagogia, a autora juntamente com a “Secretaria Estadual do
Paraná” elaborou “o Projeto Folhas” que permaneceu “existindo
entre os anos de 2003 e 2010, como um programa de formação
continuada para os professores da rede pública do estado do Paraná.
O projeto envolvia os professores de todos os componentes
curriculares com algumas peculiaridades: a participação era
voluntária, o professor podia participar em qualquer estágio da
carreira em que estivesse, pontuava no seu plano de carreira pela
participação, e podia inscrever-se a qualquer tempo durante o ano.”
(MENEGAZZI, 2014, p. 67).
Essa pesquisa e esse trabalho tinha o “foco no professor como
autor de sua formação e protagonista” (MENEGAZZI, 2014, p.68).
Para que a pesquisa fosse realizada, a autora teceu algumas
considerações a respeito de “os cinco significados de frações: parte-
todo, quociente, operador multiplicativo, medida e coordenada linear
(MENEGAZZI, p.46)” e foram aplicados testes para diagnosticar e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 809

registrar o que os participantes da pesquisa sabiam sobre frações. Após


esses relatos escritos a autora propôs ao grupo colaborativo atividades
práticas para o aprendizado de frações com aulas presenciais e não
presenciais. Segundo Menegazzi (MENEGAZZI, 2014, p.57) “o referido
curso, que ocorreu no período de 31/08/13 a 07/12/13, contabilizou um
total de 40 horas, sendo 24 horas presenciais e 16 horas referentes às
tarefas realizadas além dos encontros semanais, sendo as mesmas
postadas no ambiente virtual do curso”.
A autora relata também que “um elemento importante
verificado nesta pesquisa foi que o discurso defendendo a
contextualização do ensino de frações como uma forma de dar
significado ao objeto matemático estudado não confere com a produção
escrita do grupo. Este fato, associado às dificuldades matemáticas
conceituais, nos leva a crer que permanece no interior dos cursos de
Pedagogia uma significativa distância entre a teoria e a prática no que
se refere ao ensino de frações.” (MENEGAZZI, p. 169-170).
Dessa maneira, contextualizar frações, é uma boa opção de
aprendizagem significativa tanto para os futuros professores,
quanto para os alunos que estão aprendendo frações.
Em consonância com Morais (2010) e Menegazzi (2014), Gois
(2015) ressalta que os obstáculos de ensinar e aprender matemática
hodiernamente, visto que nas aulas são apresentados os conteúdos
e após esta apresentação, a realização de um rol de exercícios para
fixação, tornando as aulas enfadonhas e desinteressantes.
“Atualmente, as dificuldades em ensinar e aprender
Matemática estão cada vez mais evidentes. Várias pesquisas e
avaliações de rendimento apresentam conclusões e resultados
alarmantes. Ainda são predominantes nas escolas aulas de
Matemática expositivas, onde os professores explicam os conteúdos
e, os alunos, realizam cópias e exercícios de aplicação, que nada mais
são do que repetições das soluções apresentadas pelos professores.
Esse processo evidencia que ainda acredita-se que a aprendizagem
se dá através da transmissão de conhecimentos.” (GOIS, 2015, p.9).
810 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Procurando compreender as condições para o aprendizado


significativo de frações, Gois (2015), verifica que seus alunos sabem
pouco em se tratando de frações e “busca alternativas para
minimizar” tais dificuldades dos alunos. (Gois, p.9).
Para desvelar uma solução pra sua inquietação, Gois (2015)
atesta que o “objetivo foi tentar fazer com que meus alunos do 7º
ano compreendessem os significados das operações com as frações
e conseguissem utilizá-los em situações problema, já que,
geralmente, apresentavam dificuldades em identificar frações
equivalentes, realizar operações com frações e em resolver
problemas que envolvessem frações.” (GOIS, 2015, p. 10).
A autora destaca também que “várias são as pesquisas sobre
as dificuldades no aprendizado dos números racionais”. Gois (2015)
apud Brolezzi (1996, p. 55), considera que “ao que tudo indica, o
ensino elementar de Matemática não consegue construir na mente
dos alunos um conceito de Número Racional que permita sua
utilização pelos alunos mais tarde. As operações com racionais são
quando muito mecanizadas em torno de algumas regrinhas básicas,
muitas vezes confundidas umas com as outras.” (GOIS, p.12).
E ainda exprime um pouco das avaliações externas e o
rendimento dos alunos referente a medir competências resolvendo
exercícios sobre frações, dizendo que:
Conforme demonstram os resultados das avaliações do
SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de
São Paulo) e do SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico),
percebe-se que para os alunos das escolas brasileiras esse conteúdo
não é de fácil assimilação. (Gois, 2015, p.13).
Sendo assim, a proposta de Gois (2015) é trabalhar com sua
turma de 7º ano, visando à aprendizagem significativa de frações
fazendo o uso do “Estojo de Frações”, pois ele “oferece a
possibilidade de visualizar concretamente os conceitos relacionados
ao tema de frações” (Gois, p.19).
Neste momento nossa proposta é de fazer o uso do estojo de
frações para guarnecer o professor das séries iniciais de habilidades
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 811

que ele não aprendeu no ensino básico, curso de graduação ou em


formação continuada.

Metodologia

A metodologia adotada para a realização da presente


investigação está alicerçada em uma pesquisa aplicada com uma
abordagem qualitativa.
A pesquisa aplicada emerge da necessidade de fornecer saberes
para a aplicação dos resultados obtidos com o estudo feito com os
participantes da aplicação do estojo de frações (VILAÇA, p.64).
Sendo assim, a pesquisa aplicada tem como estímulo a
primordialidade de produzir conhecimento para aplicação de seus
resultados, com o intuito de colaborar para o dia a dia, tendo uma
maneira prática de ser resolvida. Barros e Lehfeld (2000) salientam
que:
A pesquisa aplicada é aquela em que o pesquisador é movido
pela necessidade de conhecer para a aplicação imediata dos
resultados. Contribui para fins práticos, visando à solução mais ou
menos imediata do problema encontrado na realidade. (...) busca
orientação prática à solução imediata de problemas concretos do
cotidiano. (BARROS; LEHFELD, 2000, p. 78).
Appolinário (2004, p.152) evidencia que pesquisas aplicadas
têm por propósito de “resolver problemas ou necessidades concretas
e imediatas”.
Para a interpretação e compreensão dos episódios
evidenciados nesta dissertação, utilizarei o uso da pesquisa
qualitativa que me alicerçará no manuseio das informações
coletadas nas entrevistas. Em referência à pesquisa qualitativa,
D’Ambrósio (2013) nos diz que:
No meu entender é o caminho para sair da mesmice. Lida e
dá atenção às pessoas e as suas ideias, procura fazer sentido de
discursos e narrativas que estariam silenciosas. E a análise dos
resultados permitirá propor os próximos passos. Qual é a boa
812 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

pesquisa qualitativa? É muito difícil adotar critérios, sem o grande


risco de despersonalizar e manietar o pesquisador. Algumas
pesquisas dirão mais, outras dirão menos, algumas terão
credibilidade, outras não. A análise comparativa de uma variedade
de pesquisas, conduzidas com metodologias distintas, pode definir
cursos de ação, mas seus resultados jamais poderão ser
considerados definitivos (D’AMBROSIO, 2013, p.21).
A abordagem qualitativa, nesta situação, vem sendo utilizada
aqui para uma melhor compreensão de como o estojo de frações
poderia ser um material no auxílio na aprendizagem dos educandos.
Dessa maneira, esta pesquisa não está sendo feita com o
intuito de aferir nenhum caráter quantitativo, mas sim qualitativo,
pois, a pesquisa qualitativa na educação, principalmente quando o
pesquisador também é professor, permite um crescimento
construído através da experiência da rotina do professor. Com isso,
há um crescimento do professor, tornando-se um profissional mais
reflexivo com a sua formação e a do educando e também do
educando tendo a oportunidade de ser um sujeito mais autônomo,
absorto e evoluir sobre o que aprende, aprendendo com significado.

Conclusões

O trabalho está em fase final de redação, mas podemos dar


indícios da conclusão em que o professor pedagogo que ministra aulas
de matemática nas séries iniciais carece de um aprimoramento maior
em matemática. Podemos concluir também que os autores do
trabalho também obtiveram um ganho em relação a participação do
trabalho, principalmente na formação matemática de um dos autores,
que articulou também com a práxis pedagógica do pedagogo.
Acreditamos contribuir para a área de formação de
professores e com a didática da Matemática com a construção de
uma proposta de ensino amparada na utilização de um material
pedagógico. Propomos também discutir a conveniência e as
possibilidades de que as práticas dos professores sejam
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 813

compartilhadas em ambientes que privilegiam a investigação sobre


as próprias práticas como modelo formativo.

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SÃO PAULO, Secretaria da Educação. Currículo do Estado de São Paulo:


Matemática e suas tecnologias. 2012
52

Gênero e identidade:
apontamentos sobre o cotidiano escolar
e suas dimensões de poder

Wesley Piante Chotolli


Ana Paula Leivar Brancaleoni

Introdução

Ao se problematizar os caminhos da educação brasileira, é


bastante frequente se deparar com angústias e aflições que cercam todo
o processo de escolarização existente no nosso contexto. Durante boa
parte do século XX, acreditou-se que a educação formal, entendida aqui
tal qual uma construção histórico-social institucionalizada, fosse o
caminho mais plausível para a mobilidade social, bem como um
elemento fundamental para a formação científica e cidadã. De fato, é
possível perceber tais premissas em rodas de bate papo ou em círculos
acadêmicos. Porém, tal qual a sociedade, o processo educativo
contempla transformações em seus sentidos e objetivos.
Possivelmente, com a tentativa de democratização do ensino
básico no Brasil, os bancos escolares receberam novas demandas e
as instituições educacionais tiveram que repensar as políticas e os
processos de ensino-aprendizagem. Soma-se a isso o
desenvolvimento tecnológico observado na primeira década dos
anos 2000 e os debates sobre as pautas afirmativas, como as
relações étnico-raciais, as questões de gênero e sexualidade. Assim
sendo, a configuração das relações sociais e de suas diversas
interações são ampliadas, de modo que as desigualdades e
816 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

diferenças estejam agora convivendo em um espaço marcado por


um certo tradicionalismo cultural e comportamental.
Também é possível relacionar tais questões com a
consolidação da modernidade. De certa forma, esse conceito pode
ser entendido por meio do processo de individualização presente nas
sociedades industriais (BAUMAN, 2001). O sujeito, ao compor suas
teias de identificação, possui escolhas, mesmo que estas estejam
atreladas ao contexto social e aos valores hegemônicos
característicos de um processo histórico de construção das
sociedades. Essas circunstâncias alteram até mesmo os rumos da
socialização observada entre os muros da escola.
Ao concordar com Peter Berger e Thomas Luckmann (2013)
no que tange à construção dos sujeitos sociais, isto é, entendendo o
processo de socialização como a interiorização de normas e valores
de uma realidade objetiva, pode-se afirmar que a dinâmica escolar
continua sendo um espaço significativo de construção das
identidades. Porém, com a possibilidade de um novo
questionamento: o encontro com o diverso.
Por mais que exista um currículo oficial por partes das
secretarias de educação, tornou-se necessário debater assuntos até
então esquecidos por parte das práticas hegemônicas. Um grande
exemplo disso é a Lei 10639/2013, que torna obrigatório o ensino da
História e da cultura Afro-brasileira. É uma ilustração bastante
pertinente para a compreensão dos valores culturais e da luta contra
os preconceitos e discriminações gerados durante os anos em que a
escolarização estava quase que indisponível para uma boa parcela
da população brasileira.
De acordo com Macedo (2014)

Se a simples definição de critérios para a seleção dos conteúdos


curriculares no âmbito de uma cultura no singular gerou tanto
debate, é possível imaginar a dificuldade de pensar as novas
configurações da escola no momento em que a crença no universal
esmoreceu. O “tornar-se” passou a envolver questões éticas novas
sobre a intervenção da escola na identidade dos sujeitos. Entrava
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 817

em discussão não apenas a projeção de um “tornar-se” feita por


outrem, mas principalmente os impactos sobre as identidades dos
sujeitos da deslegitimação de suas culturas no espaço da escola.
Questionava-se, por exemplo, o privilégio da cultura branca,
masculina, heterossexual e o impacto desse privilégio sobre a
identidade de crianças negras, homossexuais e meninas. À medida
que essas crianças não reconheciam suas experiências na escola,
assimilavam-nas como ilegítimas e passavam a ter dificuldades
para se reconhecer no mundo. (MACEDO, 2014, p. 22)

Compreendendo as mudanças ocasionadas nesse processo,


outro aspecto a ser abordado é justamente as questões de gênero
observadas no interior das escolas. O assunto, ainda pouco abordado
por professores e demais profissionais da educação básica, seja pelo
desconhecimento ou pelo temor de algum tipo de repressão,
estabelece um desafio ainda maior em um cenário de diversidade
das identidades de gênero.
É necessário reconhecer as relações de poder que envolvem o
cotidiano escolar. Concordando com Miskolci (2016), é possível
apontar que além de tornar visíveis as violências que assolam o
processo de escolarização formal, torna-se necessário “repensar a
educação a partir das experiências que foram historicamente
subalternizadas, até mesmo ignoradas, mas que podem ajudar a
repensar nossa sociedade, buscar superar injustiças e
desigualdades” (MISKOLCI, 2016, p. 17).
Reconhecendo as práticas normativas inseridas nos
cotidianos da escola, o debate entre a formação e construção das
identidades e suas interfaces com os entendimentos das práticas de
gênero se faz necessário e se consolida como uma temática
promissora para o entendimento de alguns conflitos presenciados
entre os muros da escola.
Esse artigo procura desenvolver uma análise sobre os
conceitos de identidade e suas relações com a criação de
identificações no cotidiano escolar, de maneira a problematizar as
interações observadas e consagradas no interior das instituições
818 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escolares a partir da revisão de um recorte de literatura disponível


sobre o assunto. Em consonância a esse processo, possibilitar um
diálogo sobre as novas possibilidades de uma educação pautada na
existência do diverso, exemplificando alguns processos que
conduzem a práticas heteronormativas.

Fundamentação teórica e procedimentos metodológicos

Para o entendimento das questões relacionadas à identidade,


procurou-se dialogar com Silva (2014), Woodward (2014), Hall
(2011) e Giddens (2002), justamente por compreender que o sujeito
se constrói por meio das questões sociais. Assim sendo, o ambiente
moderno produz consequências de valorização dos indivíduos, mas
ao mesmo tempo desloca a centralidade dos mesmos, fazendo com
que se tenha um processo de construção e de fragmentação das
identidades, reconhecendo-se através das diferenças.
Nessa elaboração das identificações e produções das identidades
sociais, um aspecto que se faz presente é justamente a percepção do
gênero enquanto elemento de distinção e de marcação das diferenças.
Dessa forma, para compreender a construção do sujeito e, nesse caso,
suas relações no ambiente escolar, a discussão do conceito e suas
ramificações no cotidiano moderno se faz presente.
Adota-se, nesse artigo, enquanto base de compreensão das
relações de gênero e suas interpelações com o cotidiano escolar,
autoras e autores da chamada teoria queer. Para tanto, destaca-se
Butler (2017), Bento (2011), Seffner (2013), Miskolci (2014, 2016) e
Connell e Pearse (2015). Por meio de suas elucidações e proposições
de tais referências, o que se procura é justamente debater a forma
conforme se estabelecem normas e classificações generificadas ao
longo da história, indicando classificações sociais que levam, entre
outros rumos, a segregação, discriminação e invisibilidade dentro de
determinadas circunstâncias sociais.
Para esse propósito, tomou-se como proposta metodológica a
pesquisa bibliográfica. Pode-se dizer que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 819

Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo


o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto,
inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido
transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas [...].
Dessa forma, a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que
já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de
um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões
inovadoras. (MARCONI; LAKATOS, 2016, p. 166)

De forma semelhante, Gil aponta que

A principal vantagem desse tipo de pesquisa bibliográfica reside no


fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de
fenômenos muito mais ampla que poderia pesquisar diretamente.
Essa vantagem se torna particularmente importante quando o
problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço.
[...] A pesquisa bibliográfica também é indispensável nos estudos
históricos. Em muitas situações, não há outras maneiras de
conhecer os fatos passados senão com base em dados secundários.
(GIL, 2008, p. 50)

Portanto, por meio de um processo reflexivo à luz das teorias


consagradas do ponto de vista das temáticas abordadas, procura-se
desenvolver uma análise sobre identidade, gênero e cotidiano
escolar, bem como as relações que envolvem os conceitos do ponto
de vista de uma abordagem histórico-social.

3. Identidade, gênero e cotidiano escolar

Anthony Giddens (2002), ao nos apresentar os contornos da


modernidade, aponta que

A modernidade é uma cultura do risco. Não no sentido de que a


vida social é inerentemente mais arriscada que antes; para a
maioria das pessoas nas sociedades desenvolvidas isso não é
verdade. Antes, o conceito de risco se torna fundamental para a
maneira como tanto os leigos quanto os especialistas organizam o
820 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

mundo social. Nas contradições da modernidade, o futuro é


continuamente trazido para o presente por meio da organização
reflexiva dos ambientes de conhecimento. É como se um território
fosse escavado e colonizado. Mas essa colonização, por sua própria
natureza, não pode se completar: pensar em termos de risco é vital
para aferir até que ponto os resultados reais poderão vir a divergir
das previsões do projeto. A aferição do risco requer a precisão e
mesmo a quantificação, mas por sua própria natureza é imperfeita.
Dado o caráter móvel das instituições modernas, associado à
natureza mutável e muitas vezes controversa dos sistemas
abstratos, a maioria das formas de aferição do risco, em verdade,
contém muitos imponderáveis. (GIDDENS, 2002, p. 11)

De acordo com o autor, a modernidade produziu ao mesmo


tempo um cenário de incertezas, mas também de possibilidades de
construção diversas. As consequências desse processo são
observadas nas relações sociais desenvolvidas por meio de diversas
interações entre os diferentes sujeitos. É notório observar que tais
situações nos levam também a um cenário bastante movimentado.
As incertezas do futuro, a necessidade de relações imediatas, as
comunicações instantâneas por meio das novas tecnologias e o
acesso (ou não) aos bens produzidos em uma sociedade de consumo
produz sujeitos sociais em constante angústia, entendida aqui como
um momento de aflição, insegurança e medo.
Ainda segundo Giddens (2002), “a modernidade [...] produz
diferença, exclusão e marginalização” (GIDDENS, 2002, p. 13). Isso
se dá justamente pelo aparecimento do diverso. Uma possibilidade
ofertada pelo mundo moderno é a condição de ser diferente. É a
probabilidade de querer se destacar por meio das crescentes redes
de significação e marcação simbólica construídas em um ambiente
marcado pelas dissemelhanças. É claro que isso tem um preço. Por
mais que a realidade social tenha a condição de ofertar tais escolhas,
ela não é tão generosa no sentido de aceita-las e oferecer as mesmas
oportunidades de desenvolvimento e de acolhimento. Em alguns
casos, a segregação, discriminação e atos preconceituosos são
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 821

visíveis, principalmente relacionados aos temas étnico-raciais, de


gênero e sexualidade.
Para entender todo esse processo, é necessário discutir o que
se entende por identidade. Se essa questão se coloca na qualidade de
um dos aspectos centrais de compreensão do mundo moderno,
discutir esse sujeito contemporâneo exige observar suas
transformações ao longo da história.
Segundo Stuart Hall (2011), a questão da identidade agora
aparece sendo crucial para o entendimento das interrelações sociais
e compreensão dos indivíduos. Segundo o autor jamaicano, em um
primeiro momento da história, esse sujeito se configurava como um
humano centrado nos valores sociais inerentes à sua existência.
Significa dizer que havia uma unidade no seu processo de
desenvolvimento, pautado exclusivamente nas relações familiares
disponíveis em um período anterior à modernidade.
No entanto, com o aparecimento da modernidade, é possível
observar a mudança na constituição dos sujeitos. Segundo o autor,

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,


identidades que não unificadas ao redor de um “eu” coerente.
Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em
diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão
sendo continuamente deslocadas. [...] A identidade plenamente
unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés
disso, à medida em que os sistemas de significação e representação
cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades
possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao
menos temporariamente. (HALL, 2011, p. 13)

É possível, nessa perspectiva, dizer que o sujeito se constrói


por meio de diferentes referenciais. Em sua vida cotidiana, marcada
por díspares instituições e espaços de socialização e construção das
diversas identificações, os aprendizados e os valores compartilhados
poderão ser contraditórios e transitórios. Não se pode ter a certeza
de que o um jovem de 16 anos, ao entrar no mundo do trabalho, em
822 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

uma condição de estudante de uma escola de ensino médio, tenha


os mesmos elementos e valores sociais nos dois ambientes.
Ao reconhecer as diferenças no processo de formação das
identidades, Kathryn Woodward (2014) aponta que “a identidade é
marcada pela diferença, mas parece que algumas diferenças [...] são
vistas como mais importantes que outras, especialmente em lugares
particulares e em momentos particulares” (WOODWARD, 2014, p.
11). A autora ainda salienta que essa construção é ao mesmo tempo
simbólica e social, definindo assim um processo relacional com o
Outro. Só é possível referenciar-se com a condição de perceber o
diferente. Nesse sentido, construímos representações a partir dos
campos de atuação e convivência dos próprios sujeitos. E,
evidentemente, esse processo pode ser alterado de acordo com as
tensões, os conflitos, as possibilidades, as transformações sob as
quais os sujeitos vivenciam suas posições sociais.
Silva (2014) explicará que a identidade “é simplesmente aquilo
que se é: ‘sou brasileiro’, ‘sou negro’, ‘sou heterossexual’, ‘sou jovem’,
‘sou homem’” (SILVA, 2014, p. 74). No entanto, essas afirmações só
fazem sentido em um processo marcado pela existência das diferenças.
Na perspectiva do autor, identidade e diferença são produzidas a partir
de criações linguísticas e nos atos de linguagem. Logo, as mesmas são
posicionamentos sociais impositivos produzidos por meio de um
discurso, que em muitos casos naturaliza essas diferenças em suas
diferentes relações de poder. Segundo o autor,

A afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o


desejo dos diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de
garantir o acesso privilegiado aos bens sociais. A identidade e a
diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de poder.
O poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode
ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a
diferença não são, nunca, inocentes. (SILVA, 2014, p. 81)

Assim sendo, as constituições dos sujeitos servem também


como manutenção de privilégios e esfera de combate social para o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 823

reconhecimento e legitimação do direito à diferença. Aqui, entre


tantos outros aspectos de marcação identitária, o gênero parece
também contribuir para o entendimento de um processo constituído
através das desigualdades e das marcações simbólicas de poder.
Louro (2014) aponta que o conceito de gênero surge em um
contexto marcado pela tentativa de diferenciar o sexo anatômico das
diferenças comportamentais. A autora salienta que gênero é uma
dimensão política, constituída por meio dos corpos sexuados. De
acordo com a pensadora brasileira,

Pretende-se, dessa forma, recolocar o debate no campo do social,


pois é nele que se constroem e se reproduzem as relações
(desiguais) entre os sujeitos. As justificativas para as desigualdades
precisariam ser buscadas não nas diferenças biológicas (se é que
mesmo essas podem ser compreendidas fora de sua constituição
social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de
acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação.
(LOURO, 2014, p. 26)

Numa abordagem semelhante, Connell e Pearse (2015)


procuram desenvolver o conceito por meio das relações de poder.
Segundo as autoras, o gênero pode se apresentar como sendo um
padrão rígido nas suas manifestações, no entanto, bastante
complexo no seu processo formativo e de constituição social. Parece
haver uma naturalização segundo construímos as nossas
experiências determinadas em procedimentos ao qual a ordem de
gênero é dada em todos os lugares possíveis.
É evidenciada as construções identitárias e suas relações com
os desejos. As autoras reconhecem que “os arranjos de gênero são,
ao mesmo tempo, fontes de prazer, reconhecimento e identidade,
mas fontes de injustiça e dano. Isso significa que o gênero é
inerentemente político” (CONNELL; PEARSE, 2015, p. 43). Portanto,
as relações de poder são constituídas em um processo simbólico de
dominação e de reprodução, de modo que determinados espaços
sociais são associados ao domínio do masculino e outros ambientes
824 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

são apontados como femininos. A grande questão é de que forma


justificar quais são os elementos criteriosos e definidores de tais
relações. Se entendermos que esses apontamentos são
configurações sociais, naturalizar ou justificar por meio da cultura
só reproduz uma lógica de dominação.
Judith Butler (2017) argumentará que a noção de gênero se dá
por meio da construção de um discurso. Para a autora,

Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse
alguém é; o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços
predefinidos de gênero da “pessoa” transcendam a parafernália
específica de seu gênero, mas porque o gênero nem sempre se
constituiu de maneira coerente ou consistente nos diferentes
contextos históricos, e porque o gênero estabelece interseções com
modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais de
identidades discursivamente constituídas. Resulta que se tornou
impossível separar a noção de “gênero” das interseções políticas e
culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida.
(BUTLER, 2017, p. 21)

De certa maneira, por meio do exposto até aqui, é possível


questionar a essência dos comportamentos de gênero. Concorda-se
com Butler (2017) quando a autora aponta o caráter performático
das ações generificadas. Os comportamentos são produzidos,
reproduzidos, interiorizados, copiados e classificados diante de
circunstâncias diferentes, ou seja, “o gênero é uma performance com
consequências claramente punitivas” (BUTLER, 2017, p. 241).
Parece haver um padrão do que será aceito como masculino e
feminino em cada sociedade e tempo histórico, mas tais situações só
podem ser entendidas por meio da repetição. Assim sendo,

O fato de a realidade do gênero ser criada mediante performances


sociais contínuas significa que as próprias noções de sexo essencial
e de masculinidade ou feminilidade verdadeiras ou permanentes
também são constituídas, como parte da estratégia que oculta o
caráter performativo do gênero e as possibilidades performativas
de proliferação das configurações de gênero fora das estruturas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 825

restritivas da dominação masculinista e da heterossexualidade


compulsória. (BUTLER, 2017, p. 244)

Se essas relações são construídas e normatizadas do ponto de


vista institucional, cultural e histórico, cabe apontar que a escola
também é um ambiente normalizador e reprodutor dessas diferenças
de gênero. É bastante comum observar práticas regulamentadoras no
cotidiano escolar, levando até mesmo a proibição de alguns atos e
atitudes pautadas nas expectativas criadas diante do gênero.
Louro (2014) discorre sobre o modo que a escola é um lugar
em que a delimitação de espaços é evidenciada. Existem práticas que
são muito mais atreladas aos garotos e menos permissivas às
meninas. Um exemplo são os uniformes escolares e suas diferenças
no cotidiano escolar. As práticas esportivas e os comportamentos
desejados em sala de aula também são formas de normatização
social. A todo momento ocorre uma espécie de vigilância para que
os jovens adolescentes desempenhem seus papéis sociais sem a
possibilidade de ultrapassar as fronteiras do gênero e da
sexualidade, como se tais situações estivessem separadas do
processo educativo. O resultado desse processo é a invisibilidade e o
silenciamento dos tidos na qualidade de diferentes.
Segundo Miskolci (2014)

A escola ensina aqueles que marca como estanhos a silenciar sobre si


mesmos como se fossem abjetos a ponto de deverem manter seus
sentimentos escondidos de todos. A instituição que em tese deveria
educar, respeitando particularidades e de forma a contribuir para
uma sociedade mais justa, termina por ensinar a dissimulação, a
obrigação de rejeitar em si tudo o que os diferencia da maioria. O
silêncio sobre as diferenças contribui para que alguns aprendam a
ignorar seus sentimentos e negar seus desejos. Afinal, como
poderiam esses meninos e meninas reconhecer em si mesmos algo
que aprenderam a rejeitar e desprezar? (MISKOLCI, 2014, p. 81)

Conforme Bento (2011), acredita-se que a escola fortalece as


práticas heternormativas. Qualquer educando que não apresente o
826 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

comportamento desejado será questionado e reprimido dentro da


maioria das instituições escolares. Para a autora, “a escola, que se
apresenta como uma instituição incapaz de lidar com a diferença e
pluralidade, funciona como uma das principais instituições guardiãs
das normas de gênero e produtora da heterossexualidade” (BENTO,
2011, p. 555). O resultado desse processo é o abandono escolar, bem
como uma educação que contribuiu para a solidificação de violências
diversas (físicas, psicológicas, simbólicas), justamente por
naturalizar tais desigualdades.
Seffner (2013), em um artigo desenvolvido para retratar cenas
cotidianas de escolas e suas problemáticas relacionadas ao gênero e à
sexualidade, apresenta um caso em que a mãe de um aluno é convidada
a comparecer na instituição escolar para tentar solucionar um
problema de indisciplina e de comportamentos agressivos por parte do
filho. De forma surpreendente, a mãe explica que tais situações podem
ser justificadas pela presença de um menino que apresenta um
comportamento diferente do que é normativo, ou seja, porque o colega
desenvolvia práticas consagradas enquanto femininas.
Para o autor,

Muitos alunos experimentam boa parte da vida afetiva na escola


ou em atividades a ela relacionadas, como passeios e festas. A
escola é um terreno de experimentação dos modos de ser homem
e de ser mulher, e cada vez mais é um terreno de expressão da
diversidade de orientação sexual. Num caso como o narrado,
percebe-se como se exerce uma vigilância sobre as ações escolares
no terreno do gênero e da sexualidade, e como as professoras ficam
cercadas tanto pela família quanto por outros profissionais, os
quais desejam a adesão delas no sentido de “reforçar” a
orientação considerada “correta” para as crianças, que é sempre a
heteronormatividade. (SEFFNER, 2013, p. 154)

Dessa forma, por meio dos apontamentos desenvolvidos até


aqui, percebe-se como o cotidiano escolar interfere na formação dos
sujeitos, seja em suas relações identitárias ou em suas práticas
normativas relacionadas à sexualidade e gênero. É válido destacar a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 827

existência de ações visando a aceitação das diferenças. No entanto,


são trabalhos e projetos ainda pontuais, em muitos casos
desenvolvidos pelas próprias unidades escolares.

Conclusões

A partir das reflexões conduzidas até aqui, procurou-se


demonstrar a construção das identidades com base em um processo
social e relacional, marcado por diferenças e diferentes escolhas ao
longo da existência do sujeito. É possível afirmar que a modernidade
ofertou possibilidades e escolhas para os indivíduos, no entanto, as
mesmas estão ainda consolidadas em processos normativos e
classificatórios, consolidados através de relações sociais e culturais,
além das condições materiais de existência tão observadas por meio
das díspares desigualdades vistas ao redor do planeta.
Nesse sentido, a escola se configura como uma instituição
social que congrega as diferenças, fazendo com que os diversos
sujeitos estabeleçam (ou tentem estabelecer) interações sociais
durante um espaço de tempo bastante considerável durante sua
infância e juventude. As instituições escolares são observadas como
referência no processo de construção dos saberes, no entanto, ainda
convivem com a dificuldade de se estabelecer por meio de um
ambiente que consiga lidar com o diverso.
Miskolci (2016), ao considerar esse processo formal de
educação, diz que ela é um forte aparato para fazer do Outro aquilo
que desejamos que ele seja. Portanto, determinadas práticas podem
ser vistas como violentas e autoritárias, justamente por não
conseguir aceitar as diferenças existentes entre os diversos sujeitos
frequentadores da sala de aula. Para o autor, ao silenciar os
diferentes, cria-se uma imagem de tolerância, o que é muito distinto
do respeito necessário para uma convivência digna. Para ele,

A perspectiva das diferenças é mais democrática porque nos


convida a descobrir a alteridade como parte não reconhecida do
828 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que somos, em vez de um atributo ou a identidade de um Outro


incomensuravelmente distinto de nós mesmos. Quando falamos
de “Outros” sociais, pensamos que a diferença é algo que não existe
em nós, mas ela existe, apenas foi normalizada, apagada ou
ignorada. Infelizmente, aprendemos a nos ver como seres mais
respeitáveis socialmente quando mais negamos nossas
divergências e idiossincrasias. Só que elas existem e se manifestam
cotidianamente, muitas vezes na forma de frustação de algum
anseio que permanece inarticulado, expresso apenas como tristeza
ou um sentimento repentino de solidão. (MISKOLCI, 2016, p. 53)

É necessário que a escola seja esse espaço democrático


salientado por Miskolci (2016). É possível pensar em um modelo
educacional em que o reconhecimento da diversidade esteja também
associado a um espaço de aprendizado e de convivência. Para isso
acontecer, serão necessárias medidas fundamentais de formação e
de conscientização dos atores sociais envolvidos nesse processo.
Ainda hoje a formação de professores se mostra sendo um
desafio não solucionado. Isso não quer dizer que a culpa pelos
conflitos existentes nas instituições escolares esteja apenas
associada a tal questão. Porém, é necessário compreender que as
mudanças sociais e culturais do começo do século XXI chegaram à
sala de aula. Infelizmente, temáticas tais quais sexualidade, gênero,
relações étnico-raciais perpassam à margem dos currículos
formativos e quando o profissional da educação se depara com essa
realidade na prática docente, não sabe ao certo como proceder,
fortalecendo estigmas sociais e contribuindo para a manutenção de
um espaço heteronormativo.

Referências
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perspectiva dos estudos culturais. – 15ª ed. – Petrópolis: Vozes, 2014.
53

Gestão na educação infantil:


saberes e fazeres de diretores de pré-escola

Renata Boiatti Migliorança Galisteu


Maévi Anabel Nono

Introdução

Este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla, em nível


de mestrado, sobre gestão na Educação Infantil, iniciada em 2017,
no município de São José do Rio Preto, tendo como objetivo geral
evidenciar as concepções de gestores de pré-escolas da rede
municipal sobre sua atuação no dia a dia das escolas e na formação
continuada dos professores de Educação Infantil.
A pesquisa propõe ainda, os seguintes objetivos específicos:

• Caracterizar o grupo de gestores participantes da pesquisa (idade,


formação acadêmica, trajetória profissional, motivos para escolha da
profissão, forma de ingresso na profissão, perspectivas profissionais,
local de trabalho atual).
• Descrever e analisar as concepções dos gestores sobre o significado e
a importância da profissão que exercem para as crianças pequenas,
para suas famílias, para os professores e demais profissionais da pré-
escola em que atuam, para o sistema de ensino em que trabalham e
para a sociedade, de modo geral.
• Identificar e descrever as atividades diárias relativas à gestão das pré-
escolas, descritas pelos gestores, além daquelas citadas por eles voltadas
para a formação continuada dos professores de Educação Infantil.
• Identificar os saberes necessários, do ponto de vista dos sujeitos da
pesquisa, para a realização das funções administrativas, pedagógicas,
832 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

financeiras, organizacional e de pessoas, elucidando as fontes desses


saberes.
• Apontar facilidades e dificuldades constatadas pelos gestores em sua
atuação na pré-escola, tanto no que se refere às atividades diárias quanto
àquelas voltadas para a formação continuada dos docentes, relacionando
formas apontadas por eles de superação de tais dificuldades.
• Identificar, do ponto de vista dos gestores, quais as contribuições e
limitações de seus cursos de formação inicial e de formação continuada
para sua atuação na gestão das pré-escolas, relacionando lacunas
apontadas por eles em tais cursos.

O estudo foi se constituindo na perspectiva de encontrar


respostas aos questionamentos levantados nos objetivos específicos,
sendo que o material produzido, encontra-se dividido em quatro
seções: Fundamentação Teórica, Gestão na Educação Infantil,
Percurso Metodológico, Descrição e Discussão dos Resultados.
Dividimos estas seções em subseções obtendo os seguintes títulos:
Gestão na Educação Básica; Escola pública e Gestão Democrática; O
papel do gestor na Educação Básica; Breve histórico da Educação
Infantil no Brasil; Pesquisas realizadas sobre gestão na Educação
Infantil; O contexto da pesquisa e a organização da gestão escolar no
município em questão; Os participantes da pesquisa.

Fundamentação Teórica

Para compreendermos como a gestão escolar se constituiu na


Educação Infantil, tornou-se pertinente compreender
primeiramente como esta fundamentou-se na Educação Básica. A
pesquisa procurou referendar o princípio da gestão democrática na
escola através do conhecimento das legislações que definem este
princípio e moldam todo o percurso da Educação Básica brasileira,
a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional LDB nº 9.394/96.
A LDB, em seu artigo 14, encaminha para os sistemas de
ensino, normas de gestão democrática e indica dois instrumentos
fundamentais para este processo: a construção do projeto político-
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 833

pedagógico (com a participação dos profissionais da Educação) e a


participação da comunidade escolar e local nos Conselhos Escolares
ou órgãos equivalentes.

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão


democrática do ensino público na educação básica, de acordo com
as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I – participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto político-pedagógico da escola;
II– participação das comunidades escolar e local em Conselhos
Escolares ou equivalentes (BRASIL, 1996).

Entretanto, não se pode perder de vista, que a realização da


gestão democrática é um princípio defendido também pela
Constituição Federal, em seu Art. 206, Inciso VI:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei
(BRASIL, 1988).

Hoje estão disseminadas práticas de gestão participativa,


liderança participativa, atitudes flexíveis e compromisso com as
necessárias mudanças na educação (LIBÂNEO, 2004). Para Veiga
(1995), o projeto político-pedagógico é uma construção coletiva, que
propõe ações que respeitem todos os seus envolvidos e sua prática
requer uma reflexão constante. Neste sentido, a autora define

O que é um projeto político-pedagógico? É um instrumento de


trabalho que mostra o que vai ser feito, quando, de que maneira,
por quem, para chegar a que resultados. Além disso, explicita uma
filosofia e harmonia as diretrizes da educação nacional com a
realidade da escola, traduzindo sua autonomia e definindo seu
compromisso com a clientela. (VEIGA, 1995, p.110).

No tocante à participação da comunidade escolar e local nos


Conselhos Escolares e/ou órgãos equivalentes, ela é condição
necessária para que tanto a comunidade escolar, como os Conselhos
834 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Escolares, possa reconhecer e avaliar os serviços prestados e


entender a organização da vida escolar. “Participação significa a
atuação dos profissionais da Educação e dos usuários (alunos e pais)
na gestão da escola” (LIBÂNEO, 2015, p. 117).
Dessa participação conjunta e organizada é que resulta a
qualidade do ensino para todos, princípio da democratização da
educação (LÜCK, 2009, p. 70). É possível então dizer que a gestão
democrática é meio para estabelecer a aproximação entre escola,
pais e comunidade, entendendo-se assim que esta forma de atuação
busca promover uma educação de qualidade, onde os alunos possam
experimentar princípios da cidadania a exemplo dos adultos. Paro
(1997, p. 16), ao definir gestão democrática, afirma que ela “[...] deve
implicar necessariamente a participação da comunidade escolar”,
sendo assim, gestão democrática por si só, já pressupõe a
participação ativa dos envolvidos no processo educativo, isto é,
professores, crianças, funcionários, pais e familiares. É o
envolvimento da comunidade nos processos administrativos e
financeiros da instituição, assim como na construção coletiva da
proposta pedagógica da escola, de forma que haja o
comprometimento de todos os envolvidos.
A direção de escola, além de ser uma das funções do processo
organizacional, é um imperativo social e pedagógico. O significado
do termo direção, tratando-se da escola, difere de outros processos
de direção, especialmente os empresariais. (LIBÂNEO, 2015).
A gestão pedagógica deve pautar-se na busca do equilíbrio e
na articulação para construir um trabalho educacional de qualidade,
que contemple a diversidade e particularidade de cada escola. Sendo
assim, é através do trabalho da gestão pedagógica que o diretor
promove a orientação para a elaboração e implantação do projeto
político-pedagógico da escola, através do aprofundamento e estudo
de disposições legais e metodológicas, promovendo ações de
formação continuada, criação de sistemas de avaliação das ações
pedagógicas e do processo ensino-aprendizagem, além das
avaliações de desempenho.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 835

Gestão na Educação Infantil

O objetivo desta seção é apresentar um panorama histórico da


Educação Infantil no Brasil, os avanços no atendimento às crianças
pequenas ocorridos no país após uma série de implementações
legais e vários documentos oficiais garantindo às crianças de 0 a 5
anos direitos negados anteriormente, e os desafios enfrentados
atualmente para a garantia de uma Educação Infantil de qualidade.
Nas últimas décadas, o Brasil observou uma grande expansão
no atendimento da Educação Infantil no país, esta expansão vem
acompanhada de uma série de fatores sociais que influenciaram
fortemente o modelo de educação que temos hoje

Até meados do século XIX, não existia em nosso país o atendimento


de crianças pequenas longe da mãe em instituições tipo creches,
parques infantis ou jardins de infância (OLIVEIRA, 2012, p.21).

Os modelos de creches e pré-escolas em nosso país tem sua


história fortemente marcada pela vinculação aos órgãos de
Assistência Social e foram pensados para o atendimento de crianças
de classes menos favorecidas, enquanto as crianças das classes mais
abastadas tiveram outro modelo de práticas escolares. Percebe-se
que esta fragmentação nas concepções de educação de crianças em
espaços coletivos traz a separação na relação entre o cuidar e o
educar, uma vez que o cuidar era uma atividade destinada somente
ao cuidado do corpo e pensadas para as crianças mais pobres,
enquanto o educar caracterizava-se como uma experiência de
envolvimento intelectual destinada aos filhos de grupos sociais mais
favorecidos.

Os movimentos operários constituíram outro fator que atuou na


transformação do atendimento à criança pequena. No início do
século XX, a contratação pelas fábricas da mão de obra de
imigrantes europeus que chegavam ao Brasil, em geral jovens e do
sexo masculino, acentuou a luta dos movimentos operários pela
836 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

melhoria de suas precárias condições de trabalho: baixos salários,


longas jornadas de trabalho, ambiente insalubre, emprego de mão
de obra infantil (OLIVEIRA, 2012, p. 22).

Com a intensificação da urbanização e industrialização no país


e o elevado número de mulheres no mercado de trabalho, foi
surgindo a necessidade de atendimento às crianças em período
integral nas creches e parques infantis da época, mas a criação de
um ambiente estimulante para o desenvolvimento das crianças não
fazia parte da proposta de trabalho destas instituições, “[...] uma vez
que a criação de tais creches por parte dos empregadores era
entendida como um ato de bondade, de assistência” (MELLO, 2008,
p. 24). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada
em 1961, Lei nº 4024/61, incluiu as escolas maternais e os jardins de
infância no sistema de ensino, mas não conseguiu, por si só, garantir
práticas educativas adequadas para as crianças em idade pré-
escolar.

Art. 23 – A educação pré-primária destina-se aos menores de 7


anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-
infância (BRASIL, 1961).

O Brasil não conseguia implantar políticas públicas que


disseminassem a ideia de que creche e pré-escola eram órgãos de
atendimento para crianças pobres.

No período dos governos militares de 1964 até o início de 1985, as


políticas adotadas em nível federal através de órgãos como a
Legião Brasileira de Assistência e a FUNABEM1 continuaram a
acentuar a ideia de creche, e mesmo de pré-escola, como
equipamentos de assistência à criança carente (OLIVEIRA, 2012,
p.25).

1
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) – órgão normativo criado em 1964 com a
finalidade de implementar a “política nacional de bem-estar do menor”, através da elaboração de
“diretrizes políticas e técnicas”. Fonte: www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
98931988000100003
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 837

Enquanto os discursos compensatórios e assistencialistas


continuaram a orientar os trabalhos nos parques infantis e creches,
os jardins de infância, onde eram mantidas as crianças de classe
média, preocupavam-se em desenvolver propostas pedagógicas que
incluíam aspectos afetivos e cognitivos, fazendo com que as
desigualdades sociais de acesso permanecessem fortemente
acentuadas.
O atendimento em creches e pré-escolas como um direito
social da criança se efetivou apenas na Constituição Federal de 1988,
em seu Artigo 208, pois garantiu o reconhecimento da Educação
Infantil como dever do Estado com a Educação, “processo que teve
a ampla participação dos movimentos comunitários, dos
movimentos de mulheres, dos movimentos de redemocratização do
país, além, evidentemente, das lutas dos próprios profissionais da
educação” (BRASIL, 2013, p. 81). O artigo 208 da Constituição
Federal foi alterado pela Emenda Constitucional Nº 59, de 11 de
novembro de 2009 e o inciso I passou a ter a seguinte redação:

Art. 208. O dever do estado com a Educação será efetivado


mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita
para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria
(BRASIL, 2009);

Já o inciso IV, do Artigo 208 da CF, alterado pela Emenda


Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006, passa a vigorar da
seguinte forma:

IV- educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5


(cinco) anos de idade (BRASIL, 2006).

Também a promulgação do Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA), em 1990, concretizou conquistas em relação aos
direitos de crianças trazidos pela Constituição (OLIVEIRA, 2012).
Com a promulgação da LDB 9394/96, a Educação Infantil passou a
838 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

fazer parte da Educação Básica. Uma nova redação foi dada ao artigo
29 da LDB alterado pela Lei nº 12.796 de 04 de abril de 2013,
especificando este atendimento até os cinco anos de idade, o artigo
passou a vigorar da seguinte forma:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica,


tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até
5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e da comunidade
(BRASIL, 2013).

O artigo 30 da LDB trata especificamente da oferta da


Educação Infantil:

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:


I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três
anos de idade.
II – pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de
idade (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).

É importante destacar que a CF de 1988 e a LDB nº 9.394/96


reorganizaram as distribuições administrativas entre os níveis de
governo, redistribuindo as prioridades para cada um. Os municípios
ficaram com a incumbência da oferta da Educação Infantil e do
Ensino Fundamental I, prioritariamente.

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios


organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e na educação infantil (BRASIL, 1988).
Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreendem:
I – as instituições do ensino fundamental, médio e de educação
infantil mantidas pelo Poder Público municipal (BRASIL, 1996).

Em relação à gestão educacional, a nova legislação trouxe


alguns avanços, pois a lei possibilitou à escola o reconhecimento
como espaço legítimo das ações educativas e, portanto, as
prioridades da política educacional foram o fortalecimento da gestão
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 839

escolar e a ampliação da autonomia das instituições escolares


(CAMPOS, 2012).

Ao mesmo tempo, a passagem das creches, anteriormente


vinculadas às áreas da assistência social, saúde e trabalho, para o
setor educacional, trouxe novos desafios à gestão municipal da
Educação e ampliou o mercado de trabalho dos professores para a
população de crianças menores de 4 anos (CAMPOS, 2012, p.20).

Uma pesquisa foi realizada no sentido de tentar compreender


se os municípios estão, ou não, assumindo as responsabilidades
constitucionais que lhes competem e investigar como é realizada a
gestão pública da Educação Infantil e a formação de seus
profissionais. Intitulada Formação dos profissionais da Educação
Infantil no Estado do Rio de Janeiro: concepções, políticas e modos
de implementação, realizada no período de 1999 até 2004, teve
como organizadora principal Sônia Kramer. Com o material que foi
coletado e analisado, surgiram duas publicações de grande
importância para a gestão da Educação Infantil: Formação de
profissionais de Educação Infantil: relatório de pesquisa (KRAMER,
2001) e Profissionais de Educação Infantil: gestão e formação
(KRAMER, 2005).
Com o percurso trilhado foi possível constatar uma situação
em que a precariedade, a falta de condições materiais e humanas, o
despreparo e o improviso convivem com a dedicação, o idealismo e
o compromisso profissional (KRAMER; NUNES, 2007, p. 423-454).

A gestão exige cuidados e mobiliza afetos. O desafio é continuar a


tomar providências em relação aos pequenos problemas e não
descuidar do clima geral, do sentimento de confiança e da
responsabilidade de posição de liderança na instituição ou nas
políticas, seja na supervisão, na direção ou na coordenação, seja na
atuação direta com as crianças (KRAMER, 2007, p. 452).

Em uma outra pesquisa também organizada por Kramer


(2013), as autoras conseguiram apontar muitos avanços neste
840 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

atendimento, entre eles estão: a expansão das matrículas nas


creches públicas e a organização e funcionamento das secretarias
em relação à especificidade da EI e o seu acompanhamento. Pode-se
constatar que nesta década de pesquisa houve uma maior
preocupação dos municípios com o envolvimento das equipes que
trabalham diretamente com as crianças de zero a cinco anos, no
entanto, elas também constataram que vários aspectos ainda
necessitam de atenção urgente das políticas públicas municipais,
entre eles, destacam-se a formação cultural dos professores, carga
horária com trabalho em tempo específico para o planejamento e
formação em serviço, aumento salarial, processos democráticos de
nomeação de diretor, principalmente nas creches (KRAMER;
NUNES; CARVALHO, 2013).
Mas a pesquisa organizada por Kramer (2013) oferece
também algumas indicações para o redimensionamento das
práticas, de modo a garantir condições mínimas para um
atendimento que busque valorizar as relações humanas e tentar
reduzir as práticas instrumentais e de treinamento presentes no
cotidiano. Entre estas práticas estão: a formação em serviço, para
aprimorar e orientar a ação profissional, agregando valor à
profissão docente; estimular as creches e pré-escolas, através da
dimensão coletiva, a discutir os rumos do trabalho com a criança
pequena, pois é “ na coletividade que o papel dos gestores e
professores ganha força, levando o grupo a buscar novas formas de
organização, condições de trabalho, bem como reformular a teoria e
a prática social” (KRAMER; NUNES; CARVALHO, 2013, p.40).

Pesquisas realizadas sobre gestão na Educação Infantil

É evidente a falta de pesquisas relacionadas à gestão da


Educação Infantil no Brasil, como demonstra o levantamento feito
por Campos (2012), “A gestão da Educação Infantil no Brasil”, onde
o mesmo traz um panorama sobre esta escassez. Tal lacuna, torna-
se mais grave quando evidenciamos as especificidades importantes
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 841

existentes na creche e na pré-escola, vários fatores evidenciam estas


especificidades, entre eles:

[...] uma maior dependência das crianças pequenas em relação aos


adultos; a necessária associação entre cuidado e Educação; a
especificidade da função de professor (a) de Educação Infantil; o
arranjo dos espaços; os cuidados com a alimentação e a saúde; o
tipo de equipamento e materiais adequados à faixa etária; as
características de um atendimento em tempo integral; o tipo de
contato que deve haver com as famílias e o atendimento por meio
de convênios com entidades privadas. (CAMPOS, 2012, p.22)

Ao realizar um levantamento bibliográfico no banco de


dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível
Superior (CAPES), com os termos “gestão educacao infantil”, no
período 2012-2016, a busca limitou-se a identificar apenas 3 artigos,
sendo um deles anterior a Plataforma Sucupira, a busca com o termo
“diretor educacao infantil” não trouxe nenhum resultado. Um
levantamento feito na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD), também com os termos “gestão educacao
infantil”, evidenciou 14 pesquisas no período 2012-2016. Nas buscas
realizadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD), desta vez utilizando os termos “diretor educacao infantil”,
realizou-se o levantamento de apenas 3 pesquisas no período 2012-
2016.
Já nas buscas da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (ANPEd), no mesmo período de 2012-2016,
utilizando os mesmos termos de buscas “gestao educacao infantil”,
foram encontrados dois artigos e utilizando-se o termo “diretor
educacao infantil” não foi encontrado nenhum artigo. O
levantamento das pesquisas publicadas na SciELO, no período 2012-
2016, com os mesmos termos mencionados acima, resultaram no
encontro de 34 pesquisas, mas somente 4 delas mencionavam o
termo gestão e Educação Infantil juntos.
842 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa (ANDRÉ, 2013)


onde orientamo-nos nos debates da autora sobre a questão
quantitativo-qualitativo, considerando, evidentemente, sua
condição de pesquisadora na área da Educação. Para a autora, o que
é chamado de pesquisa qualitativa é uma postura alternativa de
pesquisa que aparece em oposição à quantitativa e é necessário
entender que, defender o enfoque qualitativo implicou em criticar
uma perspectiva de conhecimento e propor outro modelo que se
poderia caracterizar como idealista-subjetivista.
De acordo com André (2013),

As abordagens qualitativas de pesquisa se fundamentam numa


perspectiva que concebe o conhecimento como um processo
socialmente construído pelos sujeitos nas suas interações
cotidiana, enquanto atuam na realidade, transformando-a e sendo
por ela transformados. Assim, o mundo do sujeito, os significados
que atribui às suas experiências cotidianas, sua linguagem, suas
produções culturais e suas formas de interações sociais constituem
os núcleos centrais de preocupação dos pesquisadores (p. 97).

Lüdke e André (1986) mencionam métodos de coleta de dados


que fazem parte da pesquisa qualitativa: a observação, a entrevista
e a análise documental. Na entrevista, a relação que se cria é de
interação, podendo se desenvolver uma atmosfera de influência
recíproca entre quem pergunta e quem responde, isto ocorre
principalmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, já que
não há uma imposição rígida de questões, o entrevistado fala sobre
o tema proposto de acordo com as informações que ele possui e em
verdade esta é a verdadeira razão da entrevista.
Já a análise de documentos é uma possibilidade de pesquisa
pouco explorada, não somente na Educação como em outras áreas
também, no entanto, ela pode constituir importante técnica de
abordagem dos dados qualitativos, seja complementando as
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 843

informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos


novos de um tema ou problemas (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
A pesquisa foi realizada em São José do Rio Preto, município do
noroeste paulista, com cerca de 400 mil habitantes. A Rede Municipal
de Educação do município investigado oferece atendimento em
Educação Infantil desde o Berçário até a Pré-escola, compreendendo
crianças de quatro meses a cinco anos de idade em período regular
(parcial) e/ou integral, atende também o Ensino Fundamental I e
poucas escolas do município atendem ao Ensino Fundamental II. Na
pesquisa aqui relatada, foram entrevistados, ao todo, sete gestores,
todos do sexo feminino. As entrevistas foram realizadas e registradas
de forma manuscrita a partir do roteiro previamente elaborado. Antes
da realização das entrevistas, foi explicado detalhadamente para as
participantes o objetivo da pesquisa, bem como a importância de sua
participação. Foi informado, ainda, que os nomes dos sujeitos
permaneceriam em sigilo, garantindo o anonimato a todas elas, bem
como o nome das escolas na qual trabalham. Considerou-se também
a liberdade dos sujeitos em responder ou não determinadas questões,
caso sentissem desconforto com alguma pergunta realizada.
Cabe salientar que, mesmo com a existência de um roteiro pré-
estabelecido, as entrevistas ocorreram de forma agradável e prazerosa,
onde todas as participantes sentiram-se à vontade para falar de suas
vivências e experiências. O roteiro apresentava questões fechadas e
abertas relativas à caracterização das participantes (idade, sexo,
formação inicial e continuada, pós-graduação, tempo de experiência
docente, tempo de experiência na gestão e nível de ensino em que
atuam) e questões específicas sobre a atuação (o que motivou a escolha
pela profissão, caracterização da escola que atuam, caracterização do
trabalho: rotinas e atribuições na gestão, perspectivas profissionais,
saberes necessários, facilidades e dificuldades no exercício da
profissão). Realizou-se, ainda, um levantamento e estudo de
documentos oficiais e legislações que sustentam a atuação gestora no
município investigado.
844 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Apresentação e discussão dos resultados

A pesquisa contou com um amplo roteiro de entrevista, que


foi distribuído ao longo do trabalho em forma de quadros. Os
quadros estão sendo analisados um a um no intuito de tentar
compreender os aspectos gestores do município, assim como as
concepções que norteiam o trabalho destas gestoras. O primeiro
quadro, Conhecendo os sujeitos da pesquisa busca sintetizar quem
são os sujeitos da pesquisa relatando a idade, sexo, função/cargo,
tempo de atuação na direção, atuação docente, pós-graduação,
instituição de ensino que frequentou e forma de ingresso.

Quadro 1 – Conhecendo os sujeitos da pesquisa


ATUAÇÃO DOCENTE INICIANTE

INSTITUIÇÃO DE ENSINO QUE


FORMAÇÃO ACADÊMICA

FORMA DE INGRESSO
TEMPO DE DIREÇÃO

PÓS-GRADUAÇÃO
FUNÇÃO/CARGO

FREQUENTOU
SUJEITO

IDADE

SEXO

D1
Diret
38 5 Concur
or Magistério e Psicopedagogia/Tecnol Privad
ano F ano PEB I so
de Pedagogia ogias da educação o
s s Público
escola

D Diret
67 11 Concur
2 or PEB I Especialização Privad
ano F ano Letras/Pedagogia so
de PEB II linguística o
s s Público
escola
D Diret
41 13 Concur
3 or Magistério/Pedag Psicopedagogia/Gestão Privad
ano F ano PEB I so
de ogia escolar o
s s Público
escola
D Diret
53 18 Concur
4 or Magistério/Pedag Psicopedagogia (não Privad
ano F ano PEB I so
de ogia concluiu) o
s s Público
escola
D5 Diret
38 9 Secretária Concur
or Psicopedagogia Clínica Privad
ano F ano Pedagogia escolar/P so
de e Institucional o
s s EB I Público
escola
D Diret
54 18 Concur
6 or Educação PEB II Metodologia do Ensino Privad
ano F ano so
de Física/Pedagogia PEB I Superior o
s s Público
escola
D7 Diret
42 4 Psicopedagogia/Educaç Concur
or Magistério/Pedag Privad
ano F ano PEB I ão Empreendedora e so
de ogia o
s s Especial Público
escola
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 845

Os demais quadros da pesquisa buscam sistematizar aquilo


que foi posto pelas participantes da pesquisa, sobre sua atuação
profissional como gestoras na rede de ensino investigada, seguidos
de uma breve discussão, subsidiada pelo referencial teórico adotado
para este estudo, sobre os aspectos mencionados. Entre as questões
apresentadas nos quadros, destacamos: Motivos da escolha da
profissão; Contribuições do curso de formação inicial; Lacuna ou
defasagem no curso de formação inicial; Participação em atividades
de formação continuada, qualificação e ou treinamento; Atualização
na área de atuação; Atividades diárias do gestor escolar; Percepção
de si enquanto gestor; Conhecimentos necessários para atuar na
gestão; Fontes de saberes; Dificuldades no desempenho da função;
Facilidades no desempenho da função; Relação com os docentes;
Projeto Político Pedagógico; Atendimento aos Pais e Comunidade;
Formação continuada com os docentes; Uso de Documentos
Orientadores Disponibilizados pelo MEC. No decorrer da pesquisa
muitas situações foram apontadas pelas gestoras como sendo
dificultadoras para sua atuação na escola de educação infantil, como
é o caso da D5, que problematiza a falta de embasamento teórico em
seu curso de formação inicial. Um outro apontamento feito pelas
gestoras é sobre a realização de suas atividades diárias, segundo
elas, os afazeres burocráticos demandam muito tempo em suas
rotinas. Muitas críticas também foram apontadas na pesquisa sobre
atividades de zeladoria desempenhadas pelas diretoras, pois acabam
consumindo um grande tempo, além de dissipar o foco da esfera
pedagógica.

Conclusão

Esta pesquisa encontra-se em fase de análise de dados, onde,


no momento, estamos realizando as conclusões das entrevistas. É
interessante ressaltar, que durante as entrevistas percebemos que
para algumas gestoras o período destinado ao procedimento de
846 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

coleta de dados foi um momento de reflexão sobre sua própria


atuação e sobre as concepções pedagógicas que norteavam as
mesmas. Muitas chegaram à conclusão de que precisavam buscar
mais cursos para aprimorar a sua formação continuada, no entanto,
eram evidentes alguns descontentamentos de forma geral, já que a
rede de ensino vem passando por várias modificações, que segundo
as gestoras, sobrecarregam seu trabalho, afastando-as de sua
principal função dentro da escola, que é dar o devido suporte às
necessidades pedagógicas. Os dados levantados parcialmente,
sugerem que os gestores possuem pouco conhecimentos relativos à
sua atuação profissional, reconhecem sua importância para a
manutenção da formação continuada e organização do clima
escolar, no entanto, sofrem com as dificuldades de falta de apoio
pedagógico, manutenção dos prédios escolares e atribuições que não
condizem com sua atuação profissional.

Referências

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FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40, p. 95-
103, jul./dez. 2013.

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Relatório de pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas e pela
Fundação Victor Civita. São Paulo, 2012. Disponível em:
<http://www.fvc.org.br/estudos-e-pesquisas/2011/pdf/relatoriofinal
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KRAMER, Sonia; NUNES, Maria Fernanda. Gestão pública, formação e


identidade de profissionais de educação infantil. Departamento de
Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Cadernos
de pesquisa, v. 37, n.131, p. 423-454, maio/ago.2007.

KRAMER, Sonia; NUNES, Maria Fernanda; CARVALHO, Maria Cristina (orgs.).


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LÜDKE, Menga; ANDRÉ,MarliE. D. A. Pesquisa em educação: abordagens


qualitativas. – São Paulo: EPU, 1986.

LÜCK, Heloísa. Planejamento em orientação educacional. 17. ed. Petrópolis:


Vozes, 2008.

MELLO, Marcia Maria de. Diretores de Escola: o que fazem e como


aprendem/Marcia Maria de Mello. Tese (Doutorado) – São Carlos: Ufscar,
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OLIVEIRA, Zilma Ramos de (org.). O trabalho do professor na Educação


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PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da Escola Pública. São Paulo: Ática,
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VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org). Projeto Político-Pedagógico: Uma


construção possível. 12. Ed. Campinas, SP: Papirus, 1995.
54

Há professores homens na educação infantil?


Os fatores que configuram este cenário

Denis Cardoso Maciel


Maévi Anabel Nono

Introdução

A trajetória histórica da Educação infantil no Brasil aponta


que a figura feminina foi concebida como ideal para o cuidado de
crianças pequenas e esta imagem transcendeu-se aos ambientes
escolares, assim como complementam Bohm e Campos (2013, p. 69)
que “[...] a predominância feminina na docência ocorreu devido à
construção histórica de um pensamento que liga a mulher à
maternidade, tornando-a perfeita para o ensino de crianças
pequenas”. Esta transcendência da figura feminina para a Educação
Infantil se concebe, em partes, devido ao assistencialismo que
dominava as práticas das instituições infantis priorizando o cuidado,
este socialmente atribuído à mulher.
Froebel, pesquisador alemão, ao criar o primeiro jardim de
infância não previa a situação conflituosa que se instauraria no século
XXI sobre a presença do sexo masculino nas instituições de Educação
Infantil, figura que em tempos remotos era dominante na carreira de
magistério e aos poucos foi sendo segregada pela desvalorização da
carreira e pela transferência desta para a figura feminina.
Porém, ao longo do desenvolvimento da Educação Infantil em
nosso país muitas mudanças foram ocorrendo em relação às
concepções que a sustentam até a reestruturação e acesso a carreira
850 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

do magistério despertando em alguns homens o interesse


profissional por esta etapa da educação básica. No entanto, uma
profissão considerada com naturalidade pelo imaginário social
propícia ao gênero feminino, despertou uma série de entraves e
conflitos diante da presença destes profissionais docentes do sexo
masculino que dificultam o ingresso na profissão e contribuem para
escassez de docentes homens na Educação Infantil.
Diante desse contexto, esta pesquisa teve como objetivo reunir
e analisar os dados das creches e pré-escolas públicas de um município
do noroeste paulista e investigar os fatores que configuram o cenário
de atuação de docentes homens na Educação Infantil.

Fundamentação teórica

No cotidiano das instituições de Educação Infantil, segundo


Henteges e Jaeger (2012, p. 2) “[...] mesmo com a feminização da
escola, é possível encontrar vários homens que borram as fronteiras
de gênero nas profissões e ousam se inserir em espaços que
“normalmente” são redutos das mulheres, como é o caso da
Educação de crianças pequenas”. Esta presença se deu devido ao
desenvolvimento da Educação Infantil e das muitas mudanças que
ocorreram nesta etapa da educação básica, dentre elas seu
reconhecimento como uma etapa educacional obrigatória e de suma
importância para o desenvolvimento das crianças em seus mútuos
aspectos, atualmente assumindo a dicotomia entre o educar e o
cuidar nos espaços escolares infantis.
Essas mudanças, associadas à restruturação da carreira do
magistério e o acesso a esta por concursos públicos passou a
despertar o interesse de alguns poucos homens que veem na
carreira do magistério uma opção profissional, assim como
retratado por Monteiro e Altmann (2013, p.12).
Devido à naturalização social da figura feminina como ideal para
os cuidados infantis e a transposição desta imagem para a Educação
Infantil, despertou-se a partir da entrada de professores homens nas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 851

instituições escolares uma série de entraves e conflitos fazendo com


que o ingresso na profissão se torne conflituoso, mesmo diante da
legitimidade do cargo, que segundo Ramos e Xavier (2012, p.102)
ainda “[...] há interdição para o ingresso de docentes do sexo
masculino, na Educação Infantil, espaço em que o binômio educar e
cuidar é indissociável, essa entrada é explicitamente demarcada por
ressalvas, desconfianças e preconceitos”, fatores estes que contribuem
para a escassez destes profissionais.
Para além, a docência masculina mobiliza, segundo Sousa (2015,
p. 4) “[...] uma variedade de opiniões, atitudes e crenças em torno da
aceitação ou recusa a ideia de que o trabalho com crianças pequenas
em creches e pré-escolas possa ser desenvolvido por homens” e para
complementar, Hentges e Jaeger (2012) afirmam que:

A construção social da docência como uma profissão afeita às


mulheres constitui-se de uma sensibilização da sociedade de que
trabalhar com crianças pequenas exige algumas características,
como afeto, cuidado, sensibilidade, qualidades essas, não muito
atribuídas para caracterizar homens. Nesse sentido, é necessário
desnaturalizar a ideia da masculinidade referente onde os homens
só podem ser fortes, corajosos, agressivos, e compreender as
masculinidades como plurais, onde os homens também podem ser
afetuosos, cuidadosos e sensíveis. A sociedade atual não pode mais
reproduzir os padrões de comportamento afeitos ao século
passado e continuar privando os homens a exercerem a profissão
que desejarem independente de ser considerada masculina ou
feminina (HENTGES; JAEGER, 2012, p.7).

Em relação à comunidade escolar, Sousa (2011) também


explicita que a maioria dos seus componentes

[...] compreendem que atuar na docência nessa etapa é uma


profissão mais adequada ao gênero feminino”. Ancorados em
visões cristalizadas e socialmente construídas sobre as relações e
papeis de gênero, esses sujeitos objetivam essa ideia na figura do
gênero masculino associado à pedofilia e à perversão sexual e na
imagem do gênero feminino visto como sinônimo de pureza,
852 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

delicadeza e aptidão natural para o trabalho com crianças (SOUSA,


2011, p.168).

Portanto para o professor homem na Educação Infantil, além


das dificuldades comuns aos professores de se iniciar na carreira
docente, ainda precisam lidar com os estigmas e preconceitos a cerca
de seu sexo nesta profissão e passar por uma espécie de segundo
“estágio (com)probatório” com a comunidade escolar, assim como
descrevem Ramos e Xavier (2012) afirmando que:

[...] a aceitação dos professores do sexo masculino somente se


efetivará quando esses sujeitos conseguirem oferecer provas de
que, além da competência e da habilidade inerentes ao
desempenho da função, são pessoas idôneas e não representam
perigo para as crianças. Ainda assim, é reiterada a ideia de que são
homens fora do lugar (RAMOS; XAVIER. 2012, p. 102).

Diante desta realidade, é necessário reconhecer os diversos


fatores que configuram este cenário a fim de estabelecê-los,
objetivando a partir destes levantar elementos que visem corroborar
com uma mudança positiva no imaginário social, visto que, o
desenvolvimento integral dos indivíduos é condição específica para
educação infantil e assim sendo, a interação com os indivíduos de
diferentes sexos e gêneros é essencial nesta etapa dentro da
expectativa de propiciar as crianças múltiplas experiências e
interações que contribuam para seu desenvolvimento integral, e
para além, a quebra do paradigma da desigualdade entre os gêneros.
Essa essencialidade é evidenciada na pesquisa de Gonçalves e
Penha (2015, p.17) onde afirmam “que a educação infantil reconhece
a criança como cidadão que possui aspectos fisiológicos,
psicológicos, intelectuais, afetivos, sociais e culturais. É necessário
que a criança tenha convívio com adultos, que são suas referências,
de ambos os sexos”.
Se toda criança tem como direito assegurado o
desenvolvimento integral e saudável não há como privá-la da
convivência com as diferentes figuras de sexo e gênero. Nesse caso,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 853

a presença masculina e feminina para a criança se torna de


fundamental necessidade para um desenvolvimento integral a partir
de ambas as figuras as quais lhe servirão de modelo para o sexo
pertencente ou referência ao sexo divergente, colaborando na
construção da identidade e até mesmo na desconstrução de alguns
paradigmas que ainda permeiam as questões de sexo e gênero. Além
do mais, diante das diferentes configurações familiares que
coexistem em nossa sociedade contemporânea, o professor do sexo
masculino na Educação Infantil assume indireta e
involuntariamente o papel de modelo ou figura de referência para
as crianças, sendo o contato mais próximo e assim contribuindo
para o desenvolvimento integral das crianças.
Contudo, a discussão e reflexão acerca da presença masculina
na Educação Infantil são de suma essencialidade quando pensamos no
desenvolvimento integral das crianças; na desmitificação acerca dos
gêneros nas diferentes funções sociais e profissionais; na expectativa
de uma atuação mais prazerosa destes professores através da
amenização dos entraves gerados por esta presença em ambientes
ainda não concebidos como natural ao gênero masculino; na formação
docente reflexiva diante desta realidade, mas acima de tudo, em uma
possível mudança do imaginário social a cerca da presença masculina
na educação infantil que passe a conceber como essencial a presença
destes professores e desmistifique-a nestas instituições.
Tratando-se da presença masculina na educação infantil as
autoras Ramos e Xavier (2012) concluem que:

Os cenários desenhados nesta investigação permitem explicitar,


dentre tantas outras constatações e inferências, a necessidade de
novas pesquisas envolvendo a temática. A presença de professores
homens no exercício da educação e do cuidado das crianças pequenas
apresenta-se como uma temática aberta a inúmeras outras
possibilidades de investigação. (RAMOS; XAVIER. 2012, p.113)

Portanto, justifica-se o objeto de estudo desta referida pesquisa


diante da afirmação das autoras acima e da necessidade de se produzir
854 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

novos conhecimentos a fim de contribuir na modificação positiva e


significativa da realidade e do imaginário social diante de alguns tabus
ainda presentes em nossa sociedade e que infringem o direito alheio e
acima de tudo interferem de maneira significativa nos processos
educativos e no desenvolvimento integral dos indivíduos.

Dados da rede de ensino e a definição do percurso metodológico

A rede de ensino do município em questão, no período do


desenvolvimento e coleta de dados da pesquisa, era composta por
133 instituições educacionais, das quais 98 escolas (oficiais e
conveniadas) ofertavam atendimento a crianças de 0 a 5 anos de
idade. A rede municipal possuía cerca de 1.810 professores. Destes,
foi possível constatar que na rede municipal (oficial e conveniada)
apenas 75 eram do sexo masculino, atuando na Educação Infantil e
Ensino Fundamental (anos iniciais e finais), o que corresponde
aproximadamente 4,14% do total de professores da rede municipal.
Prosseguindo a análise, constatamos que destes 75
professores do sexo masculino, apenas 9 atuavam como professores
na Educação Infantil da rede oficial e conveniada, o que corresponde
a 12% do total de professores homens e aproximadamente 0,49%
do total de professores de toda a rede municipal.
Analisando os dados aqui dispostos, pode-se perceber que é
muito pequena a presença de homens atuando em todos os níveis
de ensino da rede, o que reafirma a massificação da figura feminina
para a profissão docente na Educação Básica, principalmente na
Educação Infantil e Ensino Fundamental (anos iniciais). Quando
analisado da perspectiva da Educação Infantil este número de
professores ainda possui pouca representatividade em relação ao
número total de professores da rede.
Esta realidade também confere com os dados do censo
nacional de 2007 e 2017 que demonstram que, ao longo desta última
década, a presença do docente do sexo masculino na Educação
Infantil sempre foi menos expressiva que a de docentes do sexo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 855

feminino e, conforme a idade da criança, essas diferenças se tornam


ainda maiores, ou seja, quanto menor a idade da criança menor
também será a presença de professores homens atuando nesta etapa
da Educação Básica, o que se confirma com esta pesquisa que
constatou que dentre os 5 professores entrevistados, apenas 1 atuava
especificamente com a faixa etária considerada como creche.
(BRASIL, 2007-2017)
Podemos ainda observar que a presença de professores
homens atuando em creches e pré-escolas do munícipio
representam 0,49% do total de profissionais, estando muito abaixo
da proporção nacional estimada em 3,4% de docentes do sexo
masculino atuando na Educação Infantil. Outro dado relevante a
partir do censo de 2007 e 2017 foi percentual de professores homens
atuando na Educação Infantil que se manteve em 3,4 % em ambos
os censos, o que demonstra que houve um aumento relativo no
número de professores homens, porém não houve este aumento em
relação à proporção entre os sexos. (BRASIL, 2007- 2017).
Diante desta constatação, que confirma a justificativa desta
pesquisa de natureza quanti-qualitativa, foram realizadas
entrevistas semiestruturadas com 5 professores, dos quais 4
atuavam na rede oficial e 1 na rede conveniada, e mais 3 gestoras da
rede oficial, a fim de realizar uma análise que tentasse buscar e
estabelecer os fatores que configuram tal cenário na Educação
Infantil da rede de ensino deste município.
Dentre os cinco professores entrevistados, é necessário citar
que quatro deles atuam em pré-escolas (4 e 5 anos) e apenas 1 atua
em creche (0 a 3 anos). Vale ainda destacar que no município parte
das escolas de Educação Infantil ofertam atendimento de 0 a 5 anos
na mesma unidade escolar, sendo assim, os professores, em tese,
podem lecionar para crianças de 0 a 5 anos. Porém, na prática
percebemos que para a maioria são atribuídas as turmas de crianças
de 4 e 5 anos de idade por diferentes fatores, situação esta que
contribui para reafirmar os dados do censo nacional.
856 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Entretanto, para prosseguir com a dissertação faz-se


necessário à apresentação dos professores entrevistados e de sua
trajetória profissional, e para tal utilizaremos de nomes fictícios
visto a necessidade de resguardar a identidade dos sujeitos da
pesquisa.
O professor Mário, 31 anos, possui Bacharelado e Licenciatura
em Educação Física e segunda graduação em Pedagogia. Exerce a
profissão docente desde 2009, porém com algumas interrupções, e
este é seu primeiro ano como professor na Educação Infantil, tendo
nela ingressado por meio de processo seletivo realizado pela
Prefeitura Municipal.
O professor Ricardo, 38 anos, possui Licenciatura Plena em
outra área e como segunda graduação, Licenciatura em Pedagogia.
Atuou por oito anos como professor PEB II e este é seu primeiro ano
como PEB I na Educação Infantil, com ingresso por meio de
concurso público.
O Professor Mauro cursou inicialmente Licenciatura plena em
outra área e como segunda graduação possui Pedagogia. Atuou
como docente PEB II alguns anos e há três anos atua especificamente
na Educação Infantil, também com ingresso por meio de concurso
público.
O Professor Fernando, possui Licenciatura em Pedagogia e em
Letras, sua segunda graduação. O mesmo atua há seis anos na
Educação, dos quais quatro anos foram como docente e dois anos
como especialista (coordenação), sempre na Educação Infantil,
tendo ingressado por concurso público.
O professor José, 30 anos, é graduado em Pedagogia. Atuou
em escolas de Educação Infantil como estagiário desde os primeiros
anos de sua formação inicial e este é seu primeiro ano de atuação
especificamente como professor na Educação Infantil em uma escola
da rede conveniada. Seu ingresso se deu por meio de processo de
seletivo e não possui caráter de vínculo efetivo com a Prefeitura.
Para complementar este estudo foram também entrevistadas
três gestoras de duas escolas de Educação Infantil que vivenciaram
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 857

a experiência de ter um profissional do sexo masculino em seu


quadro de professores. A entrevista consistia em questões que
abarcassem desde a tratativa do tema em sua formação inicial e
continuada até aos aspectos mais relevantes de sua percepção e
postura como gestora dentro deste contexto.
A Coordenadora Pedagógica Tereza, 31 anos, é graduada em
Pedagogia com habilitação em Administração Escolar e pós-
graduada em Gestão Escolar. Faz cerca de dois anos que vivencia a
experiência de ter um professor homem na escola.
A Coordenadora Pedagógica Marisa, 31 anos, é graduada em
Pedagogia e atua como coordenadora substituta. A Diretora, Helena,
42 anos, é graduada em Pedagogia e pós-graduada em Gestão
Escolar, atua como efetiva no cargo. Ambas são gestoras na mesma
escola, e faz cerca de seis meses que vivenciam a experiência de ter
um professor homem no seu quadro de professores.
Essa pesquisa foi desenvolvida no período de julho de 2016 a
setembro de 2017 e os dados que a compõem foram coletados no
segundo semestre de 2016. A coleta dos dados aconteceu nas escolas
de Educação Infantil da rede pública municipal, nas quais atuam
docentes do sexo masculino. Para realização da pesquisa foram
utilizados os seguintes instrumentos de coleta, investigação e análise
na ordem em que se seguem: coleta e análise dos dados estatísticos
da rede municipal de educação a partir de busca no Censo Virtual;
Entrevistas com professores do sexo masculino e gestores de escolas
de Educação Infantil do município e por fim análise dos dados e
respostas das entrevistas associados à literatura científica já
produzida sobre a temática.
Para fins de esclarecimento, a pesquisa tem unicamente como
o foco a atuação de professores do sexo masculino na Educação
Infantil. Ou seja, os professores ao qual essa pesquisa faz menção
foram eleitos pelo seu sexo biológico e não pela sua definição de
gênero, o que no momento não se enquadrou como sujeito/foco da
pesquisa.
858 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Os fatores que configuram o cenário de escassez de professores


do sexo masculino na educação infantil.

Nesta seção encontra-se o ápice de nossa discussão, pois


tratará de responder a questão de investigação desta pesquisa que
tratava de reunir elementos que demonstrassem quais os fatores
que contribuem para configurar a escassez da atuação masculina no
referido munícipio, considerado um dos mais desenvolvidos do país,
segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM)
divulgado pelo Sistema Firjan em 2015.
Como constatado anteriormente, a presença masculina na
Educação Infantil no referido município ainda é pouco expressiva.
Sendo assim, buscou-se na visão dos professores entrevistados e
gestoras da Educação Infantil, que estão diariamente convivendo
com esta questão, os fatores que em sua percepção configuram este
cenário no município.
Nos trechos a seguir, nota-se na fala dos entrevistados que são
diversos os fatores que permeiam a escolha dos indivíduos do sexo
masculino por atuar ou não na Educação Infantil. Dentre eles,
fatores das mais diversas esferas (social, política ou econômica), os
quais podem se associar ou não conforme a realidade, concepções e
percepções de cada indivíduo, como por exemplo, a concepção sobre
os papéis sociais de cada sexo, que aparece nesta pesquisa, como um
dos entraves ainda mais relevantes neste cenário; os preconceitos e
tabus ainda presentes na sociedade sobre homens nos cuidados
infantis; as questões econômicas sobre a profissão docente; dentre
outros fatores que serão observáveis nas falas dos entrevistados e
que colaboram para configurar a escassez de profissionais docentes
do sexo masculino nesta etapa da Educação Básica.

“Porque querendo ou não a Pedagogia ainda é uma figura feminina,


não tem porque um homem querer fazer Pedagogia se ele não
gostar mesmo ou conhecer bem o que é Pedagogia; se não, não faz
sentido para ele. Se a gente parar no calçadão para fazer uma
pesquisa, 90% dos homens diriam que “NÃO”, até porque a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 859

educação não é valorizada, a parte financeira conta. Além do mais,


ele prefere o Fundamental I, é aquilo que eu falei lá atrás, eu sei que
tem o preconceito pelo cuidar, então ele vai se dar melhor no
Fundamental I pelo jeito dele, pela postura dele, porque na visão
social ele tem mais a oferecer no Fundamental I do que na Educação
Infantil, tem mais a mostrar, a provar que é bom na educação, tem
mais pra desenvolver do que na Educação Infantil. Por ser homem,
na Educação Infantil ele fica um pouco limitado, a não ser que ele
pegue o Maternal II ou o Jardim, aí ele já consegue trabalhar mais
e é mais gostoso fazer. Ele pode dar banho, mas o cara vai ficar lá
limitado fazendo só aquela rotina “dar banho e jogar brinquedo no
chão”, eu não conseguiria”. (José)
“Porque a Pedagogia não é interesse masculino, pois é tabulado como
coisa de mulher, e isto é uma questão cultural aqui na nossa cidade
que considero ainda muito conservadora nesse sentido”. (Mário)
“Pela visão da sociedade de que não é o lugar dele. Nossa cidade
ainda tem uma visão muito conservadora, e por não conhecer o
trabalho real da Educação Infantil, achando que aqui é apenas um
espaço para cuidar, acabam vendo o professor dessas escolas como
um cuidador e não como educador e aí o estranhamento. Acredito
também que a questão salarial influencia muito. Mas o mais
relevante é a aptidão para cuidar de crianças pequenas”. (Ricardo)
“Acredito que pelo fato do professor não ser bem visto, não é seu
ambiente natural. A princípio eu não me via na Educação Infantil e
eu só fui porque era a única opção. A princípio eu pensei no
Fundamental I, inclusive havia um preconceito de minha própria
parte. Isso foi superado depois de estar na Educação Infantil. A
questão do machismo, esse tabu que é trazido pela sociedade e eu
acredito que em outros municípios isso deva acontecer. Tem o
medo também para além do preconceito”. (Mauro)
“Pela questão dos cursos de graduação ainda serem vistos como
cursos femininos, no caso da Pedagogia e Letras, por achar que tem
que lidar com crianças pequenas e que sejam vistos como babá e
principalmente pela questão da relação com os pais. Alguns casos
por acreditar que não tem perfil, e assim preferir os maiores por
achar que o Ensino Fundamental seja mais fácil”. (Fernando)
“Por insegurança dos profissionais do sexo masculino quanto à
discriminação por parte dos pais e também por parte de alguns
gestores”. (Tereza)
“Por que é uma coisa de “dom” um homem que se propõe a cuidar
de 25 crianças. A mulher é nato, tem instinto de mãe. Os homens
860 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

também não se veem preparados aos cuidados que essas crianças


necessitam. Tem também o preconceito do interior, os estereótipos
construídos socialmente e a questão financeira, pois o homem
ainda se vê como o responsável pela família”. (Marisa)
“Acredito devido ao desinteresse pela profissão que está muito
desvalorizada e pelo preconceito que sofreriam dentro e fora da
escola por escolher uma profissão vista como feminina. Muitos
preferem não arriscar entrar nesse meio e ter de lidar com estes
preconceitos”. (Helena)

Para além do excerto pelos entrevistados, ao longo da pesquisa


foram detectados elementos que colaboram para essa configuração, os
quais se relacionam com resultados encontrados em pesquisa
anteriores como de Sousa (2011) e Gonçalves e Penha (2015).
Primeiramente, a sociedade ainda não aceita o homem como
responsável pelos cuidados infantis, e esta é uma construção histórica,
naturalizada e que ainda apresenta uma resistência fortemente
conservadora. Desde que a mulher assumiu a educação dos filhos,
passou a ser naturalmente consagrada com o papel da maternagem e
a figura com as aptidões natas ideais para a função de educadora
infantil em detrimento à figura masculina que foi abarcada a conceber-
se como incapaz por ser desprendida destas aptidões necessárias ao
cuidar das crianças, questões essas também constatadas nas pesquisas
de Sousa (2011) e Gonçalves e Penha (2015).
Esta percepção abarca tanto o ideário feminino quanto o
masculino de nossa sociedade, fazendo com que o professor não se
conceba nessa condição de educador infantil. Esta percepção social
também é de demasiado extremismo, pois acaba por determinar que
as crianças necessitem apenas de específicas caraterísticas e
posturas para seus cuidados, e não de uma integralidade de posturas
e modelos. Mais extremo ainda é estereotipar os sexos com tais
características, tornando-as de cunho exclusivo, como por exemplo,
a afetividade, considerada exclusiva e inerente a todos que
pertençam ao sexo feminino e a negação desta atribuição ao sexo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 861

masculino, o que acaba por estabelecer esteriotipações e


pseudopadrões de sexo e gênero em nossa sociedade.
Relacionado a este primeiro fator, está também à questão da
desvalorização da carreira do magistério, construção também
histórica, que ocorreu, em partes, por este ter sido assumido pelas
mulheres. Sabe-se que em alguns casos, esta desvalorização ainda é
maior na Educação Infantil do que no Ensino Fundamental, como
podemos observar em planos de carreiras que propiciam menores
salários a esta etapa em relação aos demais níveis de ensino. Porém,
vale ressaltar que não é o caso do município a que se refere esta
pesquisa que já demonstra certo avanço nesta questão ao equiparar
financeiramente a etapa da Educação Infantil com o Ensino
Fundamental dos anos iniciais.
Mesmo assim, os salários dos professores, independente da
etapa de ensino, ainda estão muito aquém quando comparados aos
demais cargos de mesma escolaridade. As políticas públicas, como
por exemplo, o PNE – Plano Nacional da Educação (2014-2024)
reconhece este dado ao propor como uma de suas metas a
equiparação salarial da carreira do magistério aos demais cargos
com escolaridade equivalente. Sendo assim, em alguns casos, essa
desvalorização econômica associada à desvalorização social da
profissão podem contribuir pela não escolha da carreira docente,
principalmente na Educação Infantil onde a desvalorização ainda é
maior que nos demais níveis de ensino, como demonstram os dados
de pesquisas do INEP.
Outro fator influenciador para este cenário, aqui percebido e
que vai ao encontro dos resultados das pesquisas de Monteiro e
Altmann (2013) e Gonçalves e Penha (2015) é a escolha pela
formação em Pedagogia que ainda é vista como um curso ligado à
figura feminina. Além do mais, nota-se com esta pesquisa que
quando os homens optam por este curso geralmente é para
complementar sua formação, seja na compreensão dos processos de
desenvolvimento e aprendizagem dos indivíduos para atuarem em
outras etapas de ensino ou também para acesso aos cargos de
862 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

gestão, e raramente para atuarem como docentes de crianças


pequenas.
A falta do tratamento do assunto nos cursos de formação, nas
redes de ensino, nas unidades escolares e enfim, na própria
sociedade como um todo, aparece também como mais um dos
motivos que contribuem para este cenário. Isto se dá por não
enxergarem a necessidade deste profissional na educação e no
desenvolvimento social/escolar destas crianças, sendo assim
raramente necessário refletir sobre este cenário e os fatores que o
configuram, já que, também, esta parcela de professores não é
expressiva na Educação Infantil.
Outro fator relevante a se refletir, diante dos relatos obtidos
na pesquisa, é se professores homens não estão se permitindo a
oportunidade de vivenciar esta experiência enquanto docentes
devido aos diversos fatores apontados, como por exemplo, a crença
de: não serem capazes e possuir aptidão para o cuidado de crianças
pequenas; não serem aceitos pela comunidade escolar; terem de
provar para além de suas capacidades profissionais, sua índole e
postura enquanto profissional responsável pelos cuidados e
educação de crianças pequenas, sem que ofereçam qualquer ameaça
para as mesmas; a própria concepção que tomam para si acerca da
função da Educação Infantil; o receio pelos preconceitos e
dificuldades que enfrentarão com toda a comunidade escolar e em
seu círculo social ao exercer a carreira.
Todos estes fatores citado podem estar desmotivando
professores homens a optar por esta etapa da Educação, e suscitam-se
aqui pesquisas que visem se aprofundar nestes elementos da temática
e busquem também as percepções de docentes que não optaram ou
por algum motivo desistiram de lecionar na Educação Infantil, para
que se confirmem ou não estas inferências aqui levantadas.
Por fim, a docência na Educação Básica e na Educação Infantil
ainda não é um interesse de carreira para a figura masculina e, como
percebemos nesta pesquisa, esse fato pode estar ligado à
desvalorização da profissão e às condições de trabalho na mesma,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 863

principalmente tratando-se da educação pública, dificuldades estas,


presentes na atuação para ambos os sexos que optam pela carreira
docente. Porém, para o sexo masculino estas condições se somam a
todas as dificuldades, tabus e preconceitos acerca da figura
masculina na educação de crianças, trazendo mais empecilhos e
dificuldades para a atuação docente e, assim, se desperta um menor
interesse em homens pela profissão nesta etapa da Educação Básica.
Aqui foram estabelecidos os fatores que configuram o cenário
de atuação de docentes homens na educação infantil deste munícipio
servindo assim de base para novos estudos que visem suscitar alguns
elementos e contribuições para uma possível mudança significativa
deste cenário e do imaginário social acerca destes profissionais,
podendo através dos estudos e pesquisas bibliográficas, da análise e
descrição das práticas e do cotidiano no qual se inserem estes
professores e a reflexão sobre as concepções da comunidade escolar
sobre os mesmos, estabelecer elementos que propiciem essa
desmistificação e modifiquem a sua presença nestas instituições.

Considerações finais

A presença masculina vem timidamente adentrando aos


espaços de Educação Infantil e não há mais como tratar esta
presença de forma invisível, pois vem gerando certos conflitos que
necessitam de estudos e reflexões.
Após investigação, foi possível estabelecer que dentre os
diversos fatores que tornam diminuta a presença masculina na
Educação Infantil, destaca-se nesta pesquisa: a identidade de sexo
constituída por nossa sociedade atribuindo à figura feminina as
habilidades necessárias aos cuidados de crianças pequenas; a
desvalorização do magistério que leva os indivíduos a optarem por
outras distintas profissões; a falta de interesse pela formação e para
além, do incentivo em atuar nesta etapa da Educação Básica ao longo
do curso de graduação em Pedagogia; e por fim, o receio aos
entraves que esta atuação expõe os docentes masculinos podendo
864 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

influenciar a optaemr por outras etapas de ensino que lhes serão


menos vultuosas ou, até mesmo, pela gestão escolar.
Entretanto, alguns homens enfrentam esses entraves e
adentram nas instituições de Educação Infantil, pois superaram a
mistificação social de gênero acerca do seu sexo ao perceber e creditar-
se capazes de atuar profissionalmente com crianças pequenas, visto
que possuem formação inicial necessária para atuação docente. Assim
sendo, desmistificar o imaginário social é um dos caminhos essenciais
a percorrer na mudança da percepção da sociedade sobre a presença
de professores homens na Educação Infantil.
Além disso, sugere-se também que este tema de relevante
importância para os docentes e futuros pedagogos receba a atenção
necessária e que as discussões se aflorem no intuito de desmistificar
os tabus sobre o sexo dos docentes e que estes passem a ser
reconhecidos pela sua capacidade profissional e não pré-julgados e
desestimulados antes mesmos de iniciar sua atuação.
Sendo assim, é necessária que se explore ainda mais esta
temática a fim de tornar menos conflituosa à docência para os que
já atuam na Educação Infantil e estimular outros professores a
adentrarem este universo. Portanto, anseia-se por novas pesquisas
que busque elementos que desmistifiquem os tabus que a sociedade
tem sobre este sexo na atuação com crianças pequenas e valorizem
a presença de docentes homens na Educação Infantil
compreendendo que, o mais importante para esta atuação é a
formação docente e não as habilidades histórico-sociais conferidas
ao sexo biológico do individuo.
Por fim, anseia-se também que novas pesquisas possam partir
dos próprios professores que vivenciam este cotidiano
demonstrando que esta se tornando um campo de interesse
masculino, e mesmo que vagarosamente, há um movimento de
mudança neste cenário e aos poucos será possível descontruir
socialmente a constatação de Bohm e Campos (2013) de que homens
não se interessam pelo tema por não ocuparem este cargo ou em
partes por não se enxergarem na educação infantil, evidenciando
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 865

que há indivíduos interessados nestes estudos e assim como Sousa


(2011) afirmar que há sim professores homens na Educação Infantil
e para além, assim como evidencia esta pesquisa, dedicando seus
estudos a esta etapa da educação.

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55

Impacto da violência doméstica contra


a mulher no desempenho escolar da criança:
uma revisão da literatura

Ediane da Silva Alves

Introdução

O presente trabalho tem como ponto de partida uma


indagação sobre se há relação entre violência doméstica e
desempenho escolar.
De acordo com Ritt, Cagliari e Costa (2009) a violência
doméstica pode ser definida como sendo aquela praticada entre os
membros que habitam o mesmo ambiente familiar, podendo ser
dirigida diretamente à criança, como nos casos de abuso, negligência
e omissão e através da violência conjugal, aquela que ocorre entre
os cônjuges/companheiros. Para os fins do estudo aqui proposto, a
expressão ‘violência doméstica’ será empregada como sinônimo de
violência cometida contra a mulher.
Na mesma direção, segundo Kitzmann (2007), mesmo
quando as crianças de lares violentos não são o alvo direto do abuso,
frequentemente são envolvidas na violência de seus pais de outras
formas que as colocam em risco. Crianças que presenciam violência
doméstica correm risco de enfrentar diversos problemas
psicológicos, emocionais, comportamentais, sociais e acadêmicos.
Preto e Moreira (2012), apontaram que os filhos de vítimas de
violência doméstica registaram uma média de rendimento
acadêmico inferior aos filhos de não vítimas. Esses dados revelam a
868 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

existência de perturbação ao nível das trajetórias acadêmicas em


relação ao esperado para a idade no grupo dos filhos das vítimas, o
que é congruente com outros estudos que encontraram que os filhos
de vítimas de violência doméstica contra mulheres apresentam mais
dificuldades académicas do que os filhos de não vítimas.
Milani e Loureiro (2009), constataram que a maneira como
as crianças que presenciaram violência doméstica lidam com as
exigências próprias da idade escolar sugere dificuldades na
capacidade adaptativa e apresentam um autoconceito mais negativo
e mais dificuldade no desempenho escolar na área de escrita.
Marturano (2006), demonstrou que a ocorrência de conflitos
conjugais é uma variável que favorece o surgimento de problemas
de aprendizagem.
As pesquisadoras Miranda, de Paula e Bordin (2010),
concluíram que crianças que testemunham violência entre os pais
têm maior probabilidade de apresentar uma série de problemas
emocionais e comportamentais, incluindo ansiedade, depressão,
baixa autoestima, desobediência, pesadelos e queixas somáticas,
além de baixo desempenho escolar.
A pesquisa de Sagim (2008) aponta que são muitas as
consequências para a criança e o adolescente que sofrem violência e
para aqueles que simplesmente a testemunham entre seus pais. Eles
experimentam uma série de sentimentos negativos, que podem
levá-los a terem baixo rendimento escolar, distúrbios de conduta,
agressividade, baixa autoestima, transtornos no sono e doenças
somáticas crônicas, entre outras.
Bolsoni-Silva e Marturano (2010) afirmam que a disfunção
conjugal, pode acarretar dificuldades à criança, tais como depressão,
competência social pobre, problemas de saúde e desempenho
acadêmico pobre, que são indicadores de problemas de
comportamento.
Em sua pesquisa, Piescher (2013) revelou que há diferenças
no desempenho acadêmico e na freqüência escolar de crianças que
presenciaram qualquer tipo de violência doméstica contra sua mãe,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 869

se comparadas com crianças que não estiveram expostas à violência


doméstica, sendo que as primeiras parecem ter um desempenho
inferior na escola.
Alcázar e Ocampo (2016), relatam estudo que constatou que
a violência contra a mulher contribui para que meninos e meninas
repitam o ano letivo, efeito que repercute no desenvolvimento
emocional e cognitivo daqueles que passam por essa experiência,
tanto imediatamente como durante todo o ano letivo.
Os pesquisadores Ebong, Orumwense e Attai (2016)
constataram que os resultados obtidos com sua pesquisa mostraram
que o conflito conjugal tem efeito adverso sobre o desempenho
acadêmico dos estudantes.
Harold, Aitken e Shelton (2007) concluíram que crianças que
vivem em domicílios marcados por altos níveis de conflito e
hostilidade entre os pais têm mais chance de um insucesso
acadêmico a longo prazo.
As pesquisadoras Santos e Graminha (2005), afirmam que os
resultados de sua pesquisa apontam que, crianças com baixo
rendimento acadêmico estão inseridas em um contexto familiar mais
adverso do que as que apresentam um bom desempenho na escola.
Embora nem sempre a diferença observada nos dados tenha sido
estatisticamente significativa, existe uma tendência de as crianças com
baixo rendimento de terem sido expostas a um número maior de
adversidades que podem ter afetado seu desenvolvimento na escola.
Estes dados sugerem que baixo rendimento acadêmico seja uma das
consequências de muitas outras falhas desenvolvimentais e
adversidades ambientais que antecederam o período escolar,
remetendo à ideia de reação em cadeia e reafirmando a noção de que
não é um fator de risco isoladamente o responsável por um mau
resultado e sim a combinação de vários deles.
Já Brancalhone, Fogo e Albuquerque (2004) afirmam que no
seu estudo não encontraram diferenças no desempenho acadêmico
de crianças expostas à violência quando comparadas a seus pares de
famílias não violentas nas avaliações dos relatos das mães, notas de
870 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Matemática e Língua Portuguesa e TDE, mas encontrou diferenças


entre os grupos na avaliação do professor na Escala de Avaliação da
Performance Acadêmica (EAPA).
Os pesquisadores Preto e Moreira (2012) apontam que os
resultados de sua pesquisa revelaram a não existência de diferenças
estatisticamente significativas entre os dois grupos (não
diferenciando o grupo experimental por tipo de violência), nem no
que se refere ao valor total do teste IPAA - Inventário de Processos
de Auto-Regulação da Aprendizagem (IPAA), que mede os processos
de aprendizagem dos alunos, levando em consideração suas
características pessoais e situações de aprendizagem.
Apesar de a maioria dos estudos apresentar resultados que
indicam um efeito adverso da violência doméstica sobre o
desempenho escolar, existem algumas controvérsias. Alguns
autores chegaram à conclusão de que se trata, na verdade, de um
efeito em cascata, ou seja, a violência doméstica prejudica o
desenvolvimento emocional e cognitivo da criança e esse prejuízo,
por sua vez, é que afetaria o desempenho escolar. Há também quem
tivesse concluído que a exposição à violência doméstica
simplesmente não afeta a criança. Considerando tais resultados,
conduzimos uma revisão sistemática de literatura com o propósito
de construirmos um quadro mais detalhado sobre o tema a partir
dos resultados de pesquisas dos últimos anos.

Procedimentos Metodológicos

Trata-se de uma pesquisa de revisão da literatura, seguindo


as seguintes etapas: 1. Identificação do tema e seleção da hipótese de
pesquisa, 2. Estabelecimento da estratégia de pesquisa, 3. Coleta de
dados, 4. Análise dos dados coletados, 5. Interpretação e
apresentação dos resultados. A busca da amostra ocorreu em fontes
indexadas na base de dados MEDLINE, SciELO, Biblioteca Digital de
Teses e Dissertações, Periódicos Capes, utilizando os seguintes
descritores: Educação; Crianças; Violência; Exposição a violência;
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 871

Violência conjugal; Desempenho escolar; Violência interparental. As


buscas ocorreram entre setembro de 2017 e setembro de 2018.
Foram aplicados filtros de busca conforme os critérios
determinados. Os critérios de inclusão adotados foram: ser artigo
científico, em língua portuguesa, inglesa ou espanhola, publicado em
periódicos, entre os anos de 2000 e 2018, oferecer texto para leitura
na íntegra e tópico que relacionasse violência doméstica e desempenho
escolar. Foram excluídos artigos duplicados, revisões de literatura,
cartas e similares. A pré-seleção de artigos foi feita pela leitura
preliminar de títulos e seus resumos. Os estudos pré-selecionados
foram lidos na íntegra para seleção final dos artigos para análise.
Os dados dos artigos selecionados foram registrados de forma
individual em uma matriz de coleta de dados, por ordem de data de
publicação, com destaque para: participantes, instrumentos de
coleta de dados, resultados e conclusão.

Resultados e discussões

Inicialmente foram identificados 104 artigos nas bases de


dados pesquisadas através das estratégias de busca descritas no
tópico acima. Foram excluídos 31 artigos por duplicidade em duas
ou mais bases de dados. Após leitura dos títulos e resumos, 44
artigos foram considerados elegíveis para inclusão no estudo e
foram recuperados para leitura na íntegra. Após a leitura completa,
13 artigos foram selecionados mediante aplicação dos critérios de
inclusão e exclusão estabelecidos, dos quais 9 estão em língua
portuguesa, 3 em língua inglesa e 1 em língua espanhola.
Em relação ao delineamento das pesquisas e aos respectivos
participantes, 09 dos artigos selecionados foram desenvolvidos
através da comparação entre grupos, as crianças selecionadas foram
agrupadas em amostras pareadas sem haver distinção entre as
violências presenciadas. Apenas em 1 artigo houve a divisão do
grupo das crianças que presenciaram a violência doméstica de
acordo com sua tipologia (física ou psicológica). Outros 4 artigos
872 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

optaram por selecionar, primeiramente, as mulheres que sofreram


violência doméstica e que tinham filhos menores de idade que
presenciaram tal violência, para através de entrevistas com as
mesmas obterem acesso às informações sobre o desempenho
escolar dessas crianças. Todos os 13 artigos selecionados traçaram
um perfil social e econômico das crianças e famílias e constataram
que a maioria das crianças que apresentaram desempenho escolar
inferior eram de nível socioeconômico baixo, assim como suas mães
tinham pouco grau de instrução escolar.
Quanto aos instrumentos de coleta de dados, 2 artigos
utilizaram entrevistas e questionários semiestruturados; 1 utilizou
apenas testes de desempenho escolar, 1 se valeu de entrevista
semiestruturada e teste de desempenho escolar; 1 utilizou apenas
questionário semiestruturado; 1 realizou visita domiciliar e
entrevista semiestrutura; 1 se valeu de visita domiciliar, entrevista e
questionário semiestruturado; 1 utilizou o banco de dados do
governo local e aplicou testes de desempenho escolar; 1 se valeu dos
dados constantes no censo demográfico local e 2 utilizaram visita
domiciliar e questionário semiestruturado.
Dentre os 13 artigos pesquisados, 10 deles concluíram que a
violência doméstica presenciada pela criança interfere no seu
desempenho escolar; 2 dos artigos selecionados afirmaram não
encontrar diferenças no desempenho escolar de crianças expostas à
violência quando comparadas a seus pares de famílias não violentas,
e apenas 1 artigo sugere que a violência doméstica presenciada por
si só não é responsável pelo mau desempenho escolar, mas
associada a outros fatores pode contribuir para o bom ou mau
desempenho escolar.
De acordo com Pamplim (2005), em se tratando da
aprendizagem, as interações entre o ambiente familiar, social e
escolar, podem contribuir tanto para o sucesso como para o
insucesso acadêmico. Tal compreensão é compatível com a
concepção sistêmica, na qual o baixo rendimento escolar deve ser
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 873

atribuído não só às características individuais, mas também ao seu


contexto familiar, escolar e social.
Estudiosos sobre o tema como Asensi (2007); Azevedo e Guerra
(2000); Wolak e Finkelhor (1998) e Ulloa (1996), apontam a
correlação existente entre a violência doméstica contra a mulher
(mãe/responsável) e os efeitos sobre a criança inserida nesse lar
violento. Indicam ainda que essa vivência pode desenvolver na criança
problemas psicossociais, dentre eles dificuldades no desenvolvimento.
Os pais/responsáveis pela criança são o seu suporte e modelo,
de modo que a importância da família no seu desenvolvimento é
crucial. Segundo Kitzmann (2007), existem evidências de que
crianças que presenciam violência doméstica correm risco de
enfrentar diversos problemas psicossociais. Testemunhar violência
doméstica pode aterrorizar as crianças e perturbar
significativamente sua socialização. O autor aponta ainda que alguns
especialistas passaram a considerar a exposição à violência
doméstica como uma forma de maus-tratos psicológicos.
Em pesquisa realizada anteriormente, Kitzman; Gaylord e
Kennu (2003) conduziram uma meta-análise de 118 casos e
examinaram o ajustamento psicológico de crianças que
testemunharam violência doméstica. Os resultados mostraram que
63% dessas crianças apresentavam resultados piores do que a
criança média não exposta à violência entre os pais.
Seus problemas incluíam: agressividade, ansiedade,
dificuldades com pares coetâneos e problemas acadêmicos, todos em
grau semelhante.
Diferentemente dos pesquisadores citados acima,
Brancalhone, Fogo e Williams (2004), em estudo realizado com 30
crianças em pares, sendo 15 crianças do Ensino Fundamental
expostas à violência conjugal e 15 crianças não expostas à violência,
do mesmo sexo e idade, escolhidas nas mesmas salas de aula do
respectivo par, concluíram que o estudo não encontrou diferenças
no desempenho acadêmico de crianças expostas à violência quando
874 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

comparadas a seus pares de famílias não violentas nas avaliações


dos relatos das mães.
Preto e Moreira (2012) conduziram um estudo que avaliou a
autorregulação da aprendizagem em 100 crianças e adolescentes, dos
quais 50 eram filhos de vítimas de violência doméstica contra
mulheres e 50 filhos de mulheres não vítimas. Concluíram que não há
diferenças significativas entre os dois grupos pesquisados nem no que
se refere à autorregulação, nem tampouco ao desempenho escolar.
Por sua vez, Santos e Graminha (2005), afirmaram que um
estudo composto por dois grupos com 20 crianças cada: um grupo
com baixo rendimento acadêmico e outro com alto rendimento,
mostrou resultados de acordo com os quais, de modo geral, nem
sempre a diferença observada nos dados tenha sido estatisticamente
significativa. Existe uma tendência de as crianças com baixo
rendimento de terem sido expostas a um número maior de
adversidades que podem ter afetado seu desenvolvimento na escola,
não sendo a violência doméstica, isoladamente, a única responsável
pelo baixo rendimento escolar.
Nesse contexto, cabe indagar se de fato existe uma relação
entre esses fenômenos. Assim, o objetivo do presente estudo foi
realizar uma revisão da literatura em busca de evidências sobre a
relação entre violência doméstica e desempenho escolar.

Conclusões

A hipótese da existência de uma correlação entre violência


doméstica presenciada e desempenho escolar foi confirmada pela
maioria dos estudos encontrados (10). Como foi descrito, a violência
doméstica tem amplas repercussões sociais, humanas e políticas,
ocultando-se nas mais diversas formas e causando as mais variadas
consequências. Seus reflexos sobre o desempenho escolar estão bem
documentados e é necessária maior atenção dos profissionais da
educação para detectar se o baixo desempenho escolar é um reflexo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 875

do ambiente doméstico e não apenas originado por fatores


biológicos ou patológicos.

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56

Intervenções preventivas de combate à violência escolar:


bullying e cultura da paz

Lygia Aparecida das Graças Gonçalves Corrêa


Elizângela Cristina Begido Caldeira
Mariangela Catelani Souza

Introdução

O objetivo do presente trabalho consiste em analisar,


juridicamente, a problemática denominada bullying, demonstrando
sua previsão em nosso ordenamento jurídico.
Com a entrada em vigor da Lei n. 13.185/15, podemos afirmar
que o bullying passou a ser conceituado legalmente, sendo definido
como uma intimidação sistemática. Assim, criou-se uma política
nacional de combate a sua prática e atendimento psicológico aos
necessitados. Além disso, a propagação de medidas de
conscientização, prevenção e diagnóstico passou a ser de
incumbência dos estabelecimentos de ensino, clubes e agremiações,
os quais devem atuar de forma a identificar sua ocorrência a fim de
evitar consequências mais graves.
Nesse sentido, a norma acima mencionada conceituou o
bullying como sendo todo ato de violência, física ou psicológica,
perpetrado de forma intencional e repetitiva, sem motivação
aparente. Tanto o sujeito ativo quanto o passivo podem ser um
indivíduo ou grupo de pessoas, que tem como objetivo intimidar ou
agredir, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de
desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.
880 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Recentemente alterado pela Lei 13.663, de 14 de Maio de 2018,


o art. 12 da Lei nº 9.394 de 1996 passou a incluir a promoção de
medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os
tipos de violência e a promoção da cultura de paz entre as
incumbências dos estabelecimentos de ensino, com o intuito de
promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a
todos os tipos de violência, especialmente à intimidação sistemática
(bullying), no âmbito das escolas, além de estabelecer ações
destinadas a promover a cultura de paz nas escolas. O principal
objetivo é promover a conscientização das crianças sobre o bullying
e orientá-las sobre como agir diante das agressões, uma vez que, na
maioria das vezes, elas não relatam sua ocorrência aos adultos.
Dessa maneira, torna-se essencial que os responsáveis legais
do educando, assim como profissionais da educação, saibam
identificar suas causas e a maneira de intervir, respaldando-se nas
previsões legais existentes em nosso ordenamento jurídico,
acionando, se necessário, as autoridades competentes para apuração
e punição de eventuais transgressores. Assim, podemos concluir que
tal incumbência se apresenta como um dever de agir, conforme o
art. 205 da nossa Constituição Federal dispõe in verbis “Art. 205. A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (BRASIL, 1988).
Tal entendimento é corroborado pela redação do art. 2º da
LDB (Lei n. 9.394/1996, de 20 de Dezembro de 1996) mediante a
seguinte exegese: “Art. 2º A educação, dever da família e do Estado,
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. (BRASIL, 1996).
Com a conclusão a respeito das consequências negativas da
prática deste fenômeno, atrelada à modificação legislativa, podemos
afirmar que tais medidas contribuem para a efetivação e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 881

cumprimento dos termos previstos no art. 227 da Constituição


Federal, que afirma ser: “dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.”
Por fim, devemos ter a consciência de que o bullying não pode
ser contextualizado tão somente no âmbito escolar, razão pela qual
toda sociedade deve colaborar com a adoção de medidas preventivas
e repressivas a ele, pois, conforme previsão legislativa, não se trata
de uma mera agressividade, mas de uma intimidação sistemática
com eventuais consequências graves.

Contexto histórico

O estudo sobre bullying iniciou-se na Suécia, na década de


1970, e se apresenta patente nos dias atuais, quando, a partir de
publicação legislativa, houve alteração na redação do art. 12 da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, datada de 20 de
Dezembro de 1996, mais precisamente em seu incisos IX e X, a qual
passou a incluir a promoção de medidas de conscientização, de
prevenção e de combate a todos os tipos de violência e a promoção
da cultura da paz como sendo de incumbência dos estabelecimentos
de ensino.
O termo bullying, que ganhou mais ênfase no Brasil nos
últimos anos, devido principalmente à atuação da mídia, ainda não
possui correspondência na língua portuguesa, mas diz respeito às
formas de agressões intencionais feitas repetidamente, com a
intenção de causar angústia ou humilhação a outro indivíduo.
No Brasil, podemos afirmar que trabalhos sobre o tema
surgiram a partir do ano 2000, assim como diversos programas,
com destaque para o ocorrido entre 2002 e 2003, o denominado
882 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ABRAPIA - "Programa de Redução do Comportamento Agressivo


entre Estudantes" - que diagnosticou e implementou ações efetivas
para a redução do comportamento agressivo entre estudantes de
escolas nos municípios nos quais foi implantado (LOPES NETO &
SAAVEDRA, 2003).
Vale também destacar o "Programa Educar para a Paz",
desenvolvido e implantando pela professora Cleo Fante,
desenvolvido com referenciais teóricos e fundamentado nos valores
humanos da tolerância e da solidariedade, de maneira a promover a
inclusão e a integração dos envolvidos e a qualidade de vida de
educandos e educadores. Ele se apresenta como pioneiro e foi
implantado na Escola Municipal Luiz Jacob, no município e Comarca
de São José do Rio Preto, interior paulista, no período de junho de
2002 a julho de 2004, com a finalidade de diagnosticar o fenômeno
bullying, bem como aplicar estratégias psicopedagógicas para
combatê-lo, a fim de erradicá-lo.
Esse tipo de programa se justifica porque, nos
estabelecimentos de ensino, são diversas as manifestações de
violência que podem causar prejuízos irreparáveis a um número
cada vez maior de pessoas, tendo em vista que o bullying pode ser
direcionado aos profissionais da educação como um todo, além do
corpo discente. É importante mencionar, ainda, a existência de uma
forma velada de sua ocorrência, que se difunde entre os alunos
alcançando proporções preocupantes.

Definição de bullying

Nossa legislação pátria não conceituava o bullying e passou a


defini-lo como uma intimidação sistemática, determinando que sua
prevenção seja de incumbência dos estabelecimentos de ensino, ante
ao acréscimo do inciso IX, ao art. 12, da LDB, ao definir que aos
mesmos cabem: “IX - promover medidas de conscientização, de
prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente
a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas”.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 883

(BRASIL, 2018). Foi incluída, também, como dever dos


estabelecimentos de ensino, a promoção da cultura da paz, em
consonância com a redação do inciso X, deste mesmo artigo: “X -
estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas
escolas”. (BRASIL, 2018).
Por essa razão, sua conceituação se torna essencial como
forma de diferenciá-lo de eventual comportamento agressivo. A
diferença entre o bullying e outros comportamentos agressivos
consiste na intencionalidade de fazer mal a uma determinada vítima
(PEREIRA, 2002). Portanto, podemos concluir que essa conduta
cruel se baseia em objetivos eticamente repugnados pela sociedade,
adotando-se para tanto o critério do homem médio, e pode,
também, manifestar-se em palavras, gestos e ações e figurar, ainda,
como um comportamento antissocial.
Para Rodrigues (2006, p), a conduta tem a intenção de causar
danos, sejam físicos ou psicológicos, para outrem, sendo certo que
“[...] a intencionalidade da ação por parte do agente da agressão, e
que só se caracteriza como agressivo o ato que deliberadamente se
propõe a infligir um dano a alguém”. Dentre os profissionais da
psicologia, há estudos que dividem as agressões humanas em dois
tipos, conforme esclarecido por Myers (2000): a agressão hostil, que
para nós está diretamente associada ao bullying, deriva da raiva e
tem o objetivo de intimidar e ferir; e a agressão instrumental, que
pode relacionar-se ao fenômeno indiretamente, que visa a fazer mal
apenas como meio de alcançar outro fim, ou seja, a agressão hostil
é intrinsecamente “ruim”, enquanto a agressão instrumental não o
é necessariamente.
Podemos afirmar que estamos diante de tal fenômeno quando
da constatação de intimidação por parte do transgressor à vítima,
seja por meio de violência física ou verbal entre estudantes, bem
como por parte do responsável legal do educando. Destaca-se, ainda,
que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de
Julho de 1990), em seu art. 232, já o previa em nosso ordenamento:
“Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade,
884 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena -


detenção de seis meses a dois anos”. (BRASIL, 1990).
O ECA, embora não de forma expressa, já demonstrava uma
disciplina específica sobre o tema, ao determinar o crime previsto
em seu art. 232, tendo em vista a condição atribuída ao sujeito ativo.
No que se refere à modalidade de crime comum, ou seja, se
constatado entre estudantes, ele poderá ser definido desde
constrangimento legal, ameaça, lesão, podendo chegar, inclusive, à
tentativa de homicídio.
A partir de tal premissa, devemos definir o papel dos
profissionais da educação, por meio do estabelecimento de ensino,
na prevenção da ocorrência do bullying, pois passamos a nos
deparar com questionamentos a respeito dos motivos pelos quais
este fenômeno se apresenta de forma mais acentuada nos dias
atuais, gerando a falsa ideia de que surgiu a partir do momento em
que as escolas deixaram de atuar com a devida rigidez disciplinar e
punitiva.
Nesse sentido, Foucault (2003), ao analisar as escolas daquela
época, destaca que o que se via antigamente era chamado de “corpos
dóceis”, no sentido de que os corpos eram transformados pelas
instituições de ensino através de um disciplinamento sistemático, o
que não quer dizer que eram corpos obedientes, de acordo com
Veiga-Neto (2014), uma vez que nem todos são igualmente
disciplinados, pois, embora o poder seja imposto a todos, ele se
manifesta de formas particulares em cada corpo e em cada saber.
Em resumo, no contexto escolar, o bullying pode ser definido
como um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas,
adotado por um ou mais alunos contra outro(s), sem motivação
evidente, causando dor, angústia e sofrimento, que podem levar à
exclusão do indivíduo, além de danos físicos, psíquicos, morais e
materiais.

Identificação, classificação e prevenção


Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 885

Conforme nova previsão legislativa, aos estabelecimentos de


ensino deve ser atribuída a responsabilidade de promover medidas
de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de
violência, sem deixar de considerar que tal atuação deve acontecer
em conjunto com a família e a sociedade como um todo, assim como
a promoção da cultura da paz. Isso deve ocorrer com base nos
princípios educacionais que estabelecem a igualdade de condições
para permanência do educando na escola, respeito à liberdade e
apreço à tolerância, consideração com a diversidade étnico-racional,
garantia do direito à educação e aprendizagem ao longo da vida e,
em especial, à continuidade dos estudos.
Por essas razões, é de suma importância identificar os fatores
de vulnerabilidade do educando, intrínsecos ou extrínsecos ao
ambiente escolar. Assim, de acordo com Fernandes & Seixas (2012,
p. 64), “podemos assumir que os fatores de risco e, portanto,
facilitadores de comportamentos de bullying, e os fatores de
proteção, são os mesmos, variando apenas na sua configuração” e,
assim, concluímos que são oriundos da sociedade como um todo, ou
seja, da família, da convivência humana, do trabalho, das
instituições de ensino, dos movimentos sociais, culturais, dentre
outros.
Ao afirmarmos que o estabelecimento de ensino deve atuar
conjuntamente com a família, consoante, inclusive, com as
disposições legais, entendemos que no ambiente familiar pode haver
a ocorrência de bullying, o que poderá levar a vítima a figurar,
futuramente, como agressor, até mesmo como uma resposta a esse
desenvolvimento conturbado. Em contrapartida, neste mesmo
ambiente, podem ocorrer fatores de proteção à criança e ao
adolescente, de modo a diminuir a probabilidade de
desenvolvimento de comportamentos agressivos. É importante
questionar, portanto, de que maneiras os estabelecimentos de
ensino, por meio de profissionais da educação, poderiam
implementar medidas de prevenção a esse tipo de violência.
886 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Dentro deste contexto, com a implementação da cultura da


paz, de caráter preventivo, os mecanismos de repressão tenderiam
a se extinguir. Para tanto, o papel dos estabelecimentos de ensino
diz respeito a conscientizar os educandos. Tal conduta não se trata
de um mero adestramento, haja vista a contradição que se imporia,
mas do ensino de conceitos como empatia e tolerância, bem como
sua aplicação em seu cotidiano.
Podemos afirmar, portanto, que a inovação legislativa
presente no inciso X, do art. 12, da LDB (cultura da paz), também se
traduz na realização de programas de prevenção ou intervenção, e
as autoridades competentes poderão ser acionadas em ultima ratio,
ou seja, como último recurso.
Nas pesquisas sobre o tema, pode-se identificar e classificar os
tipos de papéis desempenhados por eventuais protagonistas,
passando à seguinte denominação: “vítima” (sofre o bullying);
“vítima agressora” (reproduz os maus-tratos sofridos
anteriormente ou concomitantemente); “agressor” (vitimiza os
mais fracos) e, por fim, o “espectador” (presencia os maus-tratos,
porém não os pratica e tampouco figura como sujeito passivo dos
mesmos). Pode-se afirmar que o autor das agressões acaba afetado
pelo fenômeno da violência, principalmente se nenhuma medida é
tomada para interrompê-la.
Portanto, de acordo com a maneira como os educandos se
envolvem com a ocorrência do fenômeno bullying, eles poderão ser
classificados em quatro categorias: A primeira é a dos “alvos”
(vítimas), que são alunos(as) que sofrem bullying e que
normalmente não dispõem de recursos, status ou habilidade para
reagir ou fazer cessar os atos danosos, têm pouco rendimento nos
esportes e lutas devido à coordenação motora pouco desenvolvida, e
sua baixa autoestima é agravada por intervenções críticas ou pela
indiferença dos adultos sobre seu sofrimento (LOPES NETO E
SAAVEDRA, 2003; FANTE, 2003)
A segunda categoria é a de “alvos/autores” (vítimas
agressoras), que são os(as) alunos(as) que ora sofrem, ora praticam
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 887

bullying, pois passaram por situações de sofrimento, por exemplo,


no ambiente escolar, e tendem a encontrar indivíduos mais
vulneráveis para transferir as agressões sofridas.
A terceira categoria é a dos “autores” (agressores), que são
os(as) alunos(as) que praticam o bullying, caracterizam-se por
comportamentos de pouca empatia e, normalmente, se apresentam
de maneira mais imperativa do que seus colegas de classe, o que lhes
confere vantagens em determinadas brincadeiras, esportes e lutas.
Contudo, apesar de demonstrar suposta superioridade, eles
frequentemente pertencem a famílias desestruturadas, nas quais há
pouco relacionamento afetivo. Dessa maneira, a vivência do papel
de agressor pode estar relacionada a atitudes antissociais também
na vida adulta. Há estudos que comprovam que tal prática se
relaciona com futuras ocorrências de condenações criminais,
envolvimento em casos de violência doméstica e dependência
química (LOPES NETO E SAAVEDRA, 2003; FANTE, 2003).
A última categoria é a das “testemunhas” (espectadores), que
são as pessoas neutras diante da situação, omissas, pois não sofrem
ou praticam bullying, mas se encontram inseridas em um ambiente
em que a prática acontece, o que gera nelas medo e as faz silenciar,
tendo em vista o receio de figurarem como as “próximas vítimas”
(LOPES NETO E SAAEVEDRA, FANTE, 2003).
Percebemos, assim, que o alvo de tal prática de violência pode
ter sérias consequências, que variam conforme a vulnerabilidade de
cada um, pois pode ocasionar desde estresse até suicídio nos casos
mais extremos, passando pela baixa autoestima, autoflagelação e
evasão escolar, razão pela qual a falta de iniciativa da escola para seu
combate e prevenção figura como um fator de promoção de um
clima de silêncio e omissão nos envolvidos.
Ademais, podemos afirmar que uma das formas de prevenção
também consiste na adoção dos ideais de solidariedade humana
para desenvolvimento do ambiente escolar, detectando situações de
risco por meio de eventual diálogo com o educando. Seguindo essa
linha de raciocínio, aponta Montano (2006, p. 19) que
888 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Os profissionais de educação encontram-se numa situação


privilegiada relativamente aos seus contactos com as crianças
tendo, por isso, responsabilidades específicas, em matéria de
proteção à infância e juventude, e funcionando, na maioria dos
casos, como agentes de detecção e/ou recepção de denúncias de
situações de maus tratos ou perigo.

De acordo com Fernandes & Seixas (2012), existem duas


formas de abordar o bullying: programas de prevenção (intervenção
primária) ou programas de intervenção (intervenção secundária ou
terciária). A primeira é primordial, pois visa “reduzir a
probabilidade de os alunos evidenciarem comportamentos
perturbadores, agressivos ou violentos” (FERNANDES & SEIXAS,
2012, p. 67).
Assim, figura como essencial o envolvimento de todos na
implementação de projetos para redução da prática do bullying,
como a criação de normas, diretrizes e ações coerentes para seu
combate e prevenção. Conforme mencionado, algumas iniciativas
bem-sucedidas vêm sendo implantadas em escolas dos mais
diversos países, inclusive no território nacional, como forma de
reduzir esse tipo de comportamento, como o “Programa Educar
para a Paz”, que consiste em um conjunto de estratégias
psicopedagógicas que se fundamenta sobre princípios de
solidariedade, tolerância e respeito às diferenças. Outras iniciativas,
como a implantação de grupos de “alunos solidários”, os quais
atuam como “anjos da guarda” e, ainda, os denominados grupos de
“pais solidários”, os quais auxiliam nas brincadeiras do recreio
dirigido, junto aos “alunos solidários”, são também exemplos de
medidas preventivas.
Destaca-se que a Associação Brasileira Multiprofissional de
Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA) também
desenvolveu o Programa de Redução do Comportamento Agressivo
entre Estudantes, objetivando investigar as características desses
atos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 889

Ainda segundo Fernandes & Seixas (2012, p. 68), esses


programas destinam-se a toda comunidade escolar, uma vez que se
baseiam em modelos cognitivos de aprendizagem social, e através
deles “procura-se alterar o clima e cultura escolares, eliminar os
fatores que facilitam a ocorrência de comportamentos de bullying e
de vitimização, promover o desenvolvimento de competências pró-
sociais (…)”.
Por fim, vale destacar que, antes de qualquer intervenção, é
necessário identificar o meio pelo qual o bullying se desenvolve no
ambiente escolar, seja nos intervalos, por meio de supervisão do
profissional da educação ou, ainda, no ambiente de aprendizado dos
educandos, de forma a promover o respeito à liberdade e o apreço à
tolerância, resumidos em uma expressão simplista: respeito mútuo.

Conclusão

É fato que o fenômeno denominado bullying se encontra


presente em nosso meio escolar, e medidas judiciais já se
encontravam previstas em nosso ordenamento e vinham sendo
aplicadas, conforme casos concretos apurados. Contudo, com a
modificação de nossa legislação educacional, a expressão passou a
ser adotada em sua originalidade, e estabeleceu-se que as medidas
de prevenção devem ser de competência dos estabelecimentos de
ensino, conjuntamente com a promoção da chamada cultura da paz,
por meio dos profissionais da educação, que devem atuar na
identificação dos fatores que o ocasionam, com o auxílio da família
e da sociedade como um todo.
Assim, o diálogo entre escola, família e sociedade se torna
essencial para a identificação dos fatores que geram essa modalidade
de violência, bem como para a adoção das medidas preventivas
cabíveis, de acordo com o ambiente analisado, recorrendo às
autoridades competentes, como, por exemplo, as integrantes do
Poder Judiciário, somente como último recurso.
890 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Por fim, com a adoção das intervenções preventivas de forma


adequada, o fenômeno bullying será minimizado e a interação no
ambiente escolar passará a ser mais harmônica, estabelecendo-se a
chamada cultura da paz.

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VEIGA-NETO, A. Foucault & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.


57

Investigação das experiências de mães de crianças


com deficiência

Letícia Amaral
Isabela Olmos
Gabrielle Vacari
Mayara Nicolau
Ana Paula Leivar Brancaleoni

Introdução

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2003), a


deficiência é classificada como a “perda ou anormalidade de
estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica,
temporária ou permanente”. Existe uma diversidade de deficiências,
se enquadrando neste contexto pessoas diferentes e heterogêneas,
que podem ser cadeirantes, cegos, surdos, deficientes mentais,
intelectuais, etc. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2011).
Bastos e Deslandes (2008) afirmam que, devido ao avanço da
medicina, a taxa de sobrevivência de pessoas com deficiência vem
aumentando. Porém, mesmo com esse avanço, os profissionais da
saúde frequentemente têm pouco conhecimento sobre algumas
condições, e acabam informando os cuidadores, que
frenquentemente é a mãe, de maneira inadequada (PUPO, 2003;
TOMAZ et al, 2007; FALKENBACH et al, 2008).
Quando falamos sobre nascimento, podemos dizer que a
maternidade antecede o parto, tendo início desde as relações
primordiais da mulher, nas brincadeiras de criança, nos planos na
894 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

adolescência, no planejamento de ser mãe, na concepção e na


gravidez propriamente ditas. Essa expectativa, gerada em muitas
mulheres, é também resultado de um processo cultural, que
impõem a elas, o “papel de ser mãe” (LAZZAROTTO; SCHMIDT,
2013). Durante o processo, mudanças diversas acontecem para a
mulher, sendo estas de “ordens biológicas, somáticas, psicológicas e
sociais”. (PICCININI et al., 2008 apud LAZZAROTTO; SCHMIDT,
2013, p. 62). Muitas mães descobrem a deficiência do filho apenas
no parto, ou ainda, após dias do nascimento da criança. Essa
situação pode gerar sentimentos de frustração, pois interrompe o
sonho do filho saudável e perfeito, idealizado anteriormente por ela
e pelo entorno que a cerca.
Estudar e analisar narrativas de mães a respeito de suas
experiências, em relação aos filhos com deficiência, é importante
para compreender os cuidados direcionados às crianças, as
dificuldades apresentadas e se os direitos garantidos por leis são
atendidos. Além disso, pode-se entender de que maneira, o cuidado
dos filhos deficientes é culturalmente direcionado às mulheres e
como essa relação influencia suas vidas, tanto na dinâmica psíquica
individual, como nas relações sociais, principalmente no quesito
educacional das crianças (CERQUEIRA et al., 2016).
Devido a este fato, no trabalho em questão, visa analisar as
compreensões de mulheres sobre as vivências e a relação
estabelecidas com filhos com deficiência, tendo como principal
ênfase os processos de desenvolvimento e aprendizagem dessas
crianças.

Fundamentação teórica

Algumas das dificuldades existentes em relação à pesquisa e


prática na área da deficiência estão diretamente relacionadas com a
a divergência de conceitos e entendimentos sobre a questão, o que
resulta em problemas na aplicação e na utilização de conhecimentos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 895

sobre o tema de forma a sustentar ações e políticas de atendimento


(AMARALIAN et al., 2000).
Segundo Farias e Buchalla (2005), para amenizar os impactos
deste problema, a Organização Mundial de Saúde publicou os
conceitos trazidos pela Classificação Internacional das Deficiências,
Incapacidades e Desvantagens (CIDID), que conceitua deficiência
como:

Perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica,


fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se
nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um
membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo,
inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um
estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico ou uma
perturbação no órgão (Organização Mundial de Saúde, 2003).

Outro aspecto importante desta área do conhecimento que


deve ser levado em conta é o aumento na taxa de sobrevivência de
recém-nascidos com deficiência graças ao avanço da medicina, o que
não necessariamente resulta em um maior apoio governamental e
desenvolvimento de recursos e políticas públicas destinadas a essas
pessoas (BASTOS; DESLANDES, 2008).
Além disso, os pais destas crianças muitas vezes precisam
lidar com profissionais da saúde que não apresentam treinamento
adequado para informar aos mesmos sobre a condição da criança, o
que dificulta a maneira como a noticia é recebida pelos familiares
(PUPO, 2003). Além do mais, o Sistema Único de Saúde (SUS)
carece ainda de alguns avanços no atendimento a pessoas com
deficiências (TOMAZ et al., 2007).
Quando há pouco conhecimento dos profissionais sobre a
deficiência da criança, existe uma maior dificuldade de conversar
com os pais e familiares sobre o que a criança necessita, podendo
afetar o relacionamento do bebê com mãe (FALKENBACH et al.,
2008). A forma como os profissionais da saúde abordam o assunto
da deficiência, quando os mesmos tem um maior conhecimento
896 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

sobre o assunto, pode preparar os pais com um grande número de


informação para que eles saibam decidir como se comportar e que
atitudes tomar na nos cuidados e educação da criança (BRUNHARA;
PETEAN, 1999), fato que está diretamente relacionado com o
desenvolvimento da mesma.
Desta forma, não podemos negar a importância dos aspectos
ambientais na vida da criança portadora de necessidades especiais,
e o papel da família em seu crescimento social, emocional e
intelectual. Família esta, que não necessariamente sofrerá grandes
dificuldades devido à chegada de uma criança com necessidades
especiais. Mesmo assim, esta condição depende de múltiplos fatores,
que vão desde as crenças dos pais até os recursos que os mesmos
possuem para lidar com a deficiência (FIAMENGHI; MESSA, 2007).
O nascimento de um filho leva a uma mudança significativa
na vida de toda a família, exigindo uma adaptação e reestruturação
nos papeis e na rotina dos pais.
Quando os pais recebem a notícia de que seu filho apresenta
algum tipo de deficiência, passam por momento difíceis de aceitação
e da quebra de expectativa do filho perfeito e desejado (BRITO;
DESSEN, 1999 apud HENN et al., 2008). Com isso, os progenitores
necessitam viver o período de “luto” pelo filho “perdido” para que
só assim possam encarar a realidade e aceitar as necessidades reais
do seu filho (BARBOSA, et al., 2009).
Segundo Buscaglia (1997) apud Fiamenhi e Messa (2007), não
podemos negar a importância familiar na vida de uma pessoa, já que
esta é uma força social que provoca grande influência na formação
da personalidade humana. Quando tratamos sobre famílias com
filhos deficientes, podemos perceber clara interferência das relações
familiares, já que a chegada desta criança se caracteriza como uma
experiência inesperada, que muda os planos e as expectativas dos
pais (FIAMENGHI; MESSA, 2007).
Na sociedade atual, não existe o estímulo de pensar fora do
padrão, do que não está dentro das regras e que não é socialmente
aceito. Por isso, é importante que a família não fantasie a respeito
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 897

da imagem que a sociedade impõe sobre crianças com deficiência e


desconstrua o modelo do que é normal e correto, entendendo que
este pensamento é apenas produto da própria imaginação
encarnada em um que contexto social, para que futuramente essa
fantasia não seja projetada e exigida da criança (FALKENBACH et
al., 2007; BATISTA et al., 2007).
Com a chegada de uma criança com deficiência, todos os
planos e expectativas presentes desde sua concepção são abdicados
e há a necessidade de uma ressignificação da parentalidade.
Segundo Silva e Dessen (2011) apud Fiamenhi e Messa (2007), existe
um processo de superação até que a família aceite a criança com
deficiência, e deste modo, estabeleça um ambiente familiar favorável
ao desenvolvimento e inclusão da mesma.
A notícia de um filho deficiente traz à tona diversas
complicações provenientes de diversos sentimentos (BLASCOVI-
ASSIS, 1997 apud MOURA; VALÉRIO, 2003), neste momento, em
que os pais percebem que o filho não nasceu dentro dos parâmetros
considerados “normais”, surgem sentimentos de frustação e de
despreparos pelos mesmos (BASTOS et al., 2008).
Estudos mostram que os pais atravessam diferentes estágios,
que são: negação, raiva, negociação, depressão, desespero, culpa e
aceitação, sendo este último menos frequente (GONDIM et al.,
2009). Todos estes sentimentos acabam modificando as relações
sociais existentes na família, bem como sua própria estrutura
(BLASCOVI-ASSIS, 1997 apud MOURA;VALÉRIO, 2003).
Os homens, em especial, vivem mais intensamente a fase de
negação, e como consequência, apresentam maiores dificuldades em
aceitar a deficiência dos filhos, sendo comum, a rejeição, seguida de
abandono (BATISTA; FRANÇA, 2007). Relatos médicos, de
profissionais que trabalham no atendimento de pacientes com
microcefalia na região de Pernambuco (estado com maiores
notificações de casos da doença), contam que, se surpreendem com
o número de mães cuidando de seus filhos sozinhas, pois os homens,
pais das crianças, abandonaram a família (RESK, 2016).
898 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Com isso, o que normalmente ocorre é que a mãe da criança


toma grande parte das responsabilidades para si, aspecto cultural
que a coloca em uma posição de responsabilidade em relação ao
cuidado da prole (BASTOS; DESLANDES, 2008).
Deste modo, os filhos tornam-se cada vez mais dependentes,
visto que, muitas dessas crianças deficientes, requererem cuidados
pessoais especiais, sobrecarregando a mãe. (BARBOSA et al., 2009;
CORONA, 2012). Essa obrigação, de encarregar-se das necessidades
domésticas do filho (vestir, alimentar, dar banho, levar ao banheiro,
etc.), obriga muitas mães a se afastar do mercado de trabalho. Nos
casos onde a família permanece unida, é comum que as mães parem
de trabalhar e os pais continuem como mantenedores da casa
(CORONA, 2012).
Existe ainda a ideia de que a aceitação da criança com
deficiência no ambiente familiar é resultado direto da atitude da
mãe. Segundo Assumpção Junior (1993) apud Moura e Valério
(2003), acredita-se que se a mãe conseguir lidar com a aceitação de
uma forma harmônica, a família também será capaz do mesmo.
Além disso, alguns fatores que podem contribuir para uma
sobrecarga de pais de crianças com deficiência devem ser
considerados. Entre estes fatores estão: o tempo gasto no cuidado e
atenção destas crianças, o que reduz o tempo dos mesmos com seus
contatos sociais e culturais, os recursos financeiros necessários aos
atendimentos da criança, e os limites sociais e psicológicos, que se
resumem nas atitudes da sociedade perante pessoas deficientes
(ALI; COLS, 1994 apud SILVA; DESSEN, 2001).
Em relação à condição financeira, na maior parte dos casos,
os gastos com as crianças deficientes são altos e incluem
tratamentos e medicações contínuas, que muitas vezes, não são
financiadas pelo setor público de saúde (CORONA, 2012).Para ser
contemplado com o benefício do governo, é necessário que, os
responsáveis pelo deficiente possuam uma renda mensal familiar
per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente
(BRASIL, 2014). Este benefício é equivalente a um salário mínimo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 899

(BRASIL, 2015) e não é suficiente para que essas famílias saiam da


situação de vulnerabilidade social em que se encontram.
Em relação ao desenvolvimento da criança de um modo geral,
é de responsabilidade do estado, da família e da sociedade o
fornecimento de condições para que a mesma consiga crescer em
sociedade de maneira plena e com dignidade. A educação é
obrigatória e o aluno deve frequentar, desde o ensino infantil, salas
regulares de ensino, tendo o direito a atendimento educacional
especializado em salas de recursos múltiplos (BRASIL, 2015).
Já quando falamos sobre as expectativas da família a respeito
da vida da criança com deficiência, um medo presente na vida dos
pais é em relação ao futuro de seus filhos, em que esperam que os
mesmos se formem como um adulto independente, que estude,
tenha uma profissão, e que possa, ainda, manter um relacionamento
íntimo com alguém do sexo oposto (SILVA; DESSEN, 2001) e assim
não necessitem de cuidados especiais e de ajuda de um cuidador na
velhice (FIAMENGHI JUNIOR; MESSA 2007). Vale ressaltar que
estas expectativas partem de um pressuposto de normatização, e
que todas as pessoas com deficiência têm direito a seus direitos
sexuais, reprodutivos e de trabalho (BRASIL, 2015).
Destaca-se que as condições concretas, enfrentadas pela
criança sem eu cotidiano e nas relações familiares, participam
intimamente das possibilidades e processos educacionais das
crianças. Ressalta-se, ainda, que é frequente o desconhecimento da
escola das questões concretas enfrentadas pelas crianças em seus
cotidianos e contextos, o que acaba também por desfavorecer o
aprendizado, assim como reduz os entendimentos sobre o
desenvolvimento escolar da criança. É frequente que se culpem as
famílias e suas (des)estruturas pelo possível fracasso escolar da
criança, sem que se conheça efetivamente sua realidade, seus limites
e potencialidades (PATTO, 2002). Assim, a escuta de crianças e suas
famílias é essencial na ruptura de compreensões reducionistas sobre
as mesmas.
900 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Procedimentos metodológico

Adotou-se uma abordagem qualitativa, conforme Bodgan e


Bicklen (1994). Participaram desta pesquisa quatro mulheres
residentes da Cidade de Pontal, localizada no interior do Estado de
São Paulo. Visando manter o anonimato das participantes, serão
referidas como: mãe entrevistada 1, mãe entrevistada 2, mãe
entrevistada 3 e mãe entrevistada 4.
As idades das entrevistadas variaram entre 33 e 56 anos, e
estas tiverem seus filhos em idades distintas, sendo: 18 (mãe
entrevistada 4), 23 (mãe entrevistada 1) 32 (mãe entrevistada 2) e
40 anos (mãe entrevistada 3). As mães entrevistadas 1 e 2 possuem
outros filhos e as 3 e 4, apenas um. Do total dos sujeitos, 3 são
casadas com o pai de seus filhos e apenas 1 e solteira, entretanto,
esta já possuía este estado civil antes do filho nascer. Das mães
entrevistadas, somente uma possui ensino superior e trabalha na
área. As outras são donas de casa e possuem empregos informais.
Para realização da pesquisa, foi utilizada uma entrevista
semiestruturada e solicitado que as participantes simbolizassem, em
desenhos, suas trajetórias de vida. As entrevistas foram transcritas
e analisadas a partir da análise Temática (MINAYO, 1994).

Resultados e discussão

Das quatro mães entrevistadas, apenas uma fala que a vida


mudou com a chegada do filho, pois antes levava uma vida de
solteira e não esperava engravidar. Entretanto, isso não é o mais
comum. De acordo com Fiamenghi Junior e Messa (2007), só a
chegada de uma criança já provoca mudanças significativas na vida
de uma família, gerando um desafio para os pais. Com o nascimento
de uma criança com deficiência, os pais precisam lidar também com
a perda da fantasia do filho perfeito e, conseguir aceitar essa nova
realidade, exige que os mesmos modifiquem seus objetivos e
valores. Além disso, com o nascimento de um filho, os pais podem
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 901

postergar por um tempo seus sonhos e perspectivas, mas se o filho


tiver algum tipo de deficiência, esses sonhos podem ser adiados por
muito mais tempo ou mesmo nunca serem realizados (FIAMENGHI
JUNIOR; MESSA 2007).
Em contrapartida, o estudo de Valério (2004) apud
Fiamenghi Junior e Messa (2007) mostrou que as mães de filhos
com algum tipo de deficiência apresentavam índices satisfatórios de
qualidade de vida, pois as mesmas estavam felizes com os aspectos
de sua vida que consideram relevantes.
Em relação ao momento que as mães foram informadas, há
grande discrepância, como, por exemplo: descobrir no momento do
parto ou descobrir quando o filho já está na escola. De acordo com
Barbosa et al., (2009) o modo com que as mães são informadas é
essencial para que a mesmas consigam aceitar a criança. O
momento em que os pais ficam sabendo da deficiência da criança é
algo traumático, que pode modificar todo o emocional dos mesmos,
sendo o momento em que a família começa uma adaptação para ter
o equilíbrio novamente (BARBOSA, et al., 2008).
Já em relação ao momento de descoberta da deficiência dos
filhos, as mães relataram que sentiram medo, preocupação e
tristeza.
Esses sentimentos de ansiedade são presentes nos pais de um
modo geral, entretanto quando os mesmos são notificados da
deficiência de seus filhos, passam por um processo de intensificação
desses sentimentos. Os fatores emocionais influenciam no
comportamento dos pais, podendo passar por um período difícil
com desconfortos, sofrimento e confusão (LEMES; BARBOSA,
2007).
Um outro ponto importante é o medo dos pais com o
momento da velhice de seus filhos, com a segurança e a dificuldade
de encontrar alguém para cuidar dos mesmos:

Os pais com filhos deficientes vivem preocupações durante toda a


vida, do nascimento do bebê até a velhice, principalmente pela
902 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

inexistência de instituições que possam cuidar das pessoas


deficientes à medida que elas envelhecem (FIAMENGHI JUNIOR E
MESSA, 2007, p.243).

Apenas uma mãe entrevistada recebeu preparo/auxilio de


profissionais da saúde, no qual relatou ser de um convênio
particular. As outras três mães que tiveram suas crianças pelo SUS,
não receberam nenhum tipo de preparo/auxilio de profissionais. De
acordo com Tomaz et al., (2017), o Sistema Único de Saúde (SUS)
ainda precisa avançar no atendimento a essas crianças e famílias.
Uma pesquisa realizada por Falkenbach et al., (2008) através
de entrevistas com mães com filhos com deficiência, relata que,
dependendo de como o profissional fala para a mãe sobre a
deficiência da criança, pode trazer dificuldades no relacionamento
de ambos. O autor também diz que o profissional, quando tem
conhecimento sobre a deficiência, pode melhorar a forma de
comunicar a família. Quando perguntado para as mães se os
profissionais da saúde estavam preparados para informar sobre a
deficiência do seu filho, a maioria disse que não, e uma mãe relatou:

Quando eles internaram ele, eles não usou palavras pra falar,
foram bem direto. E quando eu disse “ nossa que alivio é
meningite”, o médico falou “não, é muito mais preocupante que
você imagina”. Porque ele estava com dois abscessos cerebral do
tamanho de uma laranja, era recém nascido e eles não usam meia
palavra, são bem diretos tipo “seu filho ta aqui, mas a gente não
sabe até quando ele vai ficar aqui bem”. Porque você olhava pra ele
e ele não demonstrava que tava com tudo aquilo na cabeça, que
tinha alto risco de vida, que qualquer momento ele podia partir
(mãe entrevistada 1).

A fala desse profissional para essa mãe demonstra o quão


despreparado os médicos estão para informar uma mãe e tentar
acalmá-la sobre a deficiência do seu filho. Tomaz e colaboradores
(2017) dizem que em geral, o cuidado dos profissionais da saúde é
precário, estando eles despreparados com a situação. Brunhara e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 903

Petean (1999), em seu trabalho, falam que é muito importante que


os profissionais da saúde tenham o maior conhecimento possível
para informar e preparar os familiares com o maior número de
informações, assim os pais poderão “decidir com maior segurança
os recursos e condutas primordiais para o bom desenvolvimento de
seu filho” (p.32). Assim, esse processo participa do caminho
educacional a ser escolhido ou conduzido e, portanto, do
desenvolvimento e futuro aprendizado dessas crianças.
Duas, das quatro mães entrevistadas, recebem auxílio
financeiro do governo. Uma menciona um benefício e outra diz que
seu filho é aposentado. Segundo informações do Governo do Brasil
(BRASIL, 2014), mais de 2 milhões de pessoas com deficiência
recebem algum benefício. De acordo com a notícia, o BPC (Benefício
de Prestação Continuada) é um benefício de um salário mínimo por
mês e contempla pessoas de qualquer idade que comprovem não
dispor de maneiras para garantir seu sustento, devido sua
deficiência ou idosos, com 65 anos ou mais. Para ter acesso a este
benefício, é preciso que a renda mensal familiar per capita seja
inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente.
As entrevistadas que alegaram não receber auxílio do
governo, são aquelas com melhores condições financeiras, e
possivelmente não se enquadrem às exigências do auxílio. Uma
delas, inclusive, admite nunca ter procurado benefícios, pois fez/faz
tudo particular.
Entre as entrevistadas, apenas uma é solteira. Entretanto, ela
já possuía este estado civil ao ser mãe, e o pai de seu filho,
atualmente e na época, é presente na vida do menino. As outras
mães são casadas com o pai da criança, logo, o marido é presente na
vida do filho. Contudo, esta não é uma realidade comum. Dados
recentes no Brasil, a respeito dos bebês com microcefalia, por
exemplo, mostram que muitos pais abandonaram sua companheira,
ao descobrir que o filho é portador da doença, afetando diretamente
a vida dessas mulheres, principalmente aquelas com condições
financeiras precárias (RESK, 2016).
904 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Batista e França (2007), demonstram em seu estudo que os


homens têm maiores dificuldades em lidar com a “fase de negação” e,
em alguns casos, acabam abandonando suas mulheres. Apenas uma
mãe relatou essa dificuldade do pai em aceitar a deficiência do filho.

[...] meu marido tem mais dificuldade de aceitação, porque sempre


ele fala “e se ele não fosse assim? E se não tivesse acontecido tudo
isso?”. Eu nunca me perguntei o “por que” e nem “se não fosse”,
“se não fosse” não faz parte. Já meu marido tá sempre
perguntando isso. “por que, por quê?” (mãe 1 entrevistada).

O apoio familiar foi relatado por todas as mães entrevistadas.


a família é um suporte necessário que ajuda os pais da criança com
deficiência sentirem-se mais seguros (FALKENBACH et al, 2008),
além disso, a família é fundamental para ajudar no desenvolvimento
da criança (FIAMENGHI; MESSA, 2007).
Quando questionadas a respeito das mudanças que
ocorreram em suas vidas depois do nascimento de um filho com
deficiência, três das quatro mães relataram que houveram
mudanças, e uma afirmou que a vida continua do mesmo jeito. Nas
respostas das mães que afirmaram a existência de mudanças, duas
das mesmas estão relacionadas, principalmente, à dedicação destas
para o filho com necessidades especiais. Assim, ainda que afirmem
que os pais são presentes, a maior responsabilidade recai sobre a
mulher.
A sobrecarga da mãe em relação ao filho com deficiência é um
fato levado em conta por Bastos e Deslandes (2008), que ressaltam
que é normal que a figura materna tome grande parte das
responsabilidades correspondentes a criação desta criança para si, o
que é resultado de um aspecto cultural, onde a mãe tem maior
responsabilidade em relação ao cuidado de seus descendentes.
Quando tratamos de uma criança portadora de deficiência, onde
existe a necessidade, muitas vezes, de um cuidado pessoal especial,
em que a mãe se encarrega das necessidades domésticas da criança,
esta sobrecarga de responsabilidades se torna ainda mais acentuada.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 905

Destaca-se que, frequentemente a escola também participa da


sobrecarga da mulher, compreendendo-a como única responsável
pelos cuidados e desenvolvimento da criança. Devido a esta
sobrecarga de cuidado e responsabilidade por parte da mãe, é
comum que os filhos com necessidades especiais se tornem muito
dependentes (BARBOSA et al., 2009; CORONA, 2012).
Também podemos observar a presença do aspecto social na
criação de uma criança com necessidades especiais, trazido por Ali e
Cols (1994) apud Silva e Dessen (2001). Os autores afirmam que um
filho deficiente acaba trazendo para a vida dos pais limites sociais e
psicológicos, que são resultados da concepção da sociedade sobre a
deficiência de um modo geral.
A dependência da relação de parentesco entre mãe e criança
com deficiência também pode ser observada em uma das respostas
quando questionamos as entrevistadas sobre a rotina da criança:

Hmm, normal assim, em casa ele come bem, levanta.. assim, o que
eu faço ele faz. Tipo assim, se eu vo pra um lugar ele vai, o único lugar
que eu não levo tipo assim um show, uma coisa assim, mas outros
lugares que eu frequento eu levo ele. Seu eu vou pra praia ele vai pra
praia, vou na praça ele vai na praça (Mãe entrevistada 4).

Ainda sobre a pergunta a respeito da rotina das crianças, foi


possível observarmos nas respostas de duas mães a presença de
uma rotina pesada, em que a criança frequenta diferentes terapias:
“Uma agenda de executivo. Muitas terapias, são duas de T.O., duas
seções de T.O. semanais, 4 de fisioterapia, 3 de fonoaudiologia e 1 de
hidroterapia”.
A atuação da APAE (Associação de Pais e Amigos do
Excepcional) no cuidado da criança também pôde ser verificada na
resposta a seguir:

Ele vai na escola, ele faz fisioterapia, ele faz fono, ele faz T.O., vai
no hospital regular, ele frequentou aqui (APAE) 4 anos. E a rotina
dele é quase todo dia a mesma coisa. Tem as terapias de manhã e
a tarde tem escola, a noite quando ta em casa ele quer ir na
906 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

pracinha, porque ele adora andar. E se vê uma chave do carro ele


fica “ó,ó” porque ele não fala ainda, mas algumas coisas a gente
entende, ele fica “ó, ó vrum” ai nem se for pra gente da uma
voltinha sabe, pra ele ta bom (Mãe entrevistada 1).

Na resposta representada acima a criança frequenta a escola


regular, diferente do relato de uma das mães que nos garantiu que
seu filho não conseguia acompanhar os outros alunos, e por isso, só
frequentava a APAE.
A APAE apresenta como objetivo o desenvolvimento e
transformação da pessoa com deficiência e trabalha com diferentes
vertentes, que são: a prevenção, o diagnóstico, a estimulação e
habilitação, a educação, socioeducação, a qualificação e inclusão
profissional e o trabalho com o envelhecimento das pessoas com
necessidades especiais (APAE, 2018).
Em relação às terapias recomendadas para um melhor
desenvolvimento da criança, a sobrecarga financeira pode ser um
problema quando a mesma recebe alta da APAE. Segundo as mães
entrevistadas, todas as atividades das crianças fora da Associação
são pagas de forma particular, o que condiz com autores que
afirmam que muitas vezes as famílias de crianças com necessidades
especiais não recebem nenhum tipo de auxílio do setor público de
saúde (CORONA, 2012).
Em relação à expectativa das mães para a vida das crianças,
foi possível observar, em contraposição a ideia de alguns autores,
que as mesmas não possuem esperanças normativas relacionadas a
criação do filho. Podemos observar na resposta:

A minha maior expectativa é o máximo de autonomia né, eu


procuro não ter expectativa porque eu acho que não é justo com
ele sabe, eu acho que eu tenho que dar todos os recursos que ele
puder e ele vai me responder, acho que assim com filho típico, com
filho com deficiência (Mãe entrevistada 3).

Assim, constata-se um grande esforço por parte das mães


para promover condições de desenvolvimento e aprendizado dessas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 907

crianças, enfrentando os limites das políticas públicas e serviços


públicos de atendimento. Ainda assim balizam suas expectativas no
desejo de que os filhos sejam mais independentes e que, portanto,
possam ter maior autonomia mesmo na ausência delas, uma
condição importante a ser observada pelas instituições educacionais
e de atendimento.

Considerações finais

De acordo com as entrevistas realizadas, foi possível observar


que as mães não apresentam uma expectativa para o futuro dos
filhos, desejando apenas que os mesmos tenham a maior autonomia
possível. Além disso, um fato recorrente foi a falta de informação
transmitida pelos médicos em relação à deficiência das crianças.
Essa falta de despreparo dos médicos deve ser analisada de forma
mais aprofundada, já que esse é um momento crucial para a
aceitação dos filhos pela mãe.
Outro fato examinado foi em relação ao apoio que as mães
recebiam por familiares, amigos e até mesmo o pai da criança,
mostrando que, diferente da literatura, as mesmas têm um apoio
constante e presente.
Todos estes fatores, de maneira intercalada, influenciam na
relação da mãe com o filho, o que reflete diretamente nas condições
de desenvolvimento e ensino-aprendizagem da criança.

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58

Linguagem gráfica no livro didático de matemática:


uma análise a partir da mediação dialética

Alexsandra Cáceres Sampaio


Maria Eliza Brefere Arnoni

Introdução

Dados de avaliações externas mostram as dificuldades dos


alunos para a aprendizagem matemática. O Programa Internacional
de Avaliação dos Estudantes (PISA) produz indicadores que
contribuem para a discussão da qualidade da educação nos países
participantes, de modo a subsidiar políticas de melhoria do ensino
básico. Em seu último relatório (do ano de 2015), cerca de 70% dos
alunos brasileiros estão abaixo do nível 2 na escala de proficiência
do PISA, que varia do nível 1 (menor proficiência) ao nível 6 (maior
proficiência) (OCDE, 2016). Esse baixo desempenho dos alunos em
Matemática é uma triste realidade da educação brasileira.
Pesquisadores em educação matemática apontam que

As dificuldades escolares de alunos relacionadas à aprendizagem


da matemática podem ser atribuídas a diferentes variáveis, entre
as quais a principal é a atuação do professor, dado que a ação
docente pode produzir, cristalizar ou superar essas dificuldades.
(NOGUEIRA; PAVANELLO; OLIVEIRA, 2016, p. 15).

A atuação docente é o grande diferencial para a aprendizagem


do aluno. Arnoni (2018) afirma que o conhecimento científico da
atuação docente e a prática de refletir sobre a ação pedagógica,
912 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

aliados a uma metodologia de ensino que direciona o trabalho do


professor, proporcionam segurança ao professor e aprendizado ao
aluno. Entender como acontece essa relação é um dos propósitos
deste estudo.
Sabe-se que essa relação é mediada pela linguagem e que,
desde a sua origem, o ser humano tem necessidade de se comunicar
e a linguagem surge em função de organizar os pensamentos do
homem, dar vida às suas ações e propiciar sua interação com os
outros seres. Neste sentido, Marcuschi e Xavier (2005, p. 7) afirmam
que

A linguagem é uma das faculdades cognitivas mais flexíveis e


plásticas adaptáveis às mudanças comportamentais e a
responsável pela disseminação das constantes transformações
sociais, políticas, culturais geradas pela criatividade do ser
humano. As inúmeras modificações nas formas e possibilidades de
utilização da linguagem em geral e da língua, em particular, são
reflexos incontestáveis das mudanças tecnológicas emergentes no
mundo e, de modo particularmente acelerado nos últimos 30 anos,
quando os equipamentos informáticos e as novas tecnologias de
comunicação começaram a fazer parte de forma mais intensa da
vida das pessoas e do cotidiano das instituições. Certamente, tudo
isso tem contribuído para tornar as sociedades letradas cada vez
mais complexas.

Entende-se, assim, que na sociedade contemporânea em que


vivemos, a extrema busca por informação, análise de dados,
revolução e presença das imagens em textos determinaram a
expansão do sistema de comunicação, propiciando uma ampla
diversidade das formas de trabalho e comunicação do ser humano.
Rojo (2010) afirma que com o avanço da linguagem e das mídias
digitais que as compõe, as novas tecnologias puderam rapidamente
misturar a linguagem escrita com outras semioses, como
fotografias, desenhos, sons ou imagens em movimento, o que
justifica, assim, a expansão das formas de linguagem e de
comunicação na nossa sociedade, bem como a presença da
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 913

diversidade cultural e linguística nas salas de aula, sobretudo no uso


das imagens nos livros didáticos como auxiliares no
desenvolvimento do conceito científico com os alunos.
É observável que os livros didáticos vêm apresentando
diagramações1 diferenciadas para atrair a atenção do seu leitor, o
professor e o aluno, dadas as propriedades creditadas à imagem
como capaz de promover emoções e atitudes, facilitar o
aprendizado, apresentar uma nova informação, intensificar a
atenção, desenvolver a compreensão, produzir estímulos de prazer
e sintetizar o conteúdo, gerando valoração do seu uso na produção
mercadológica do Livro Didático (LD), o que desperta preocupações
quanto ao seu uso em Matemática no que se refere à sua efetiva
participação conceitual.
O fato de a linguagem verbal e escrita constituir-se como
referência para a produção de conteúdos científicos, as outras
formas de expressão, como a visual, foram utilizadas para traduzir
esse conhecimento. E nesta questão, Moraes (2010) traz um estudo
em que aponta a complementaridade entre a indústria do LD e a
escola na incompreensão do fenômeno visual, pelo modo não
intelectual de encarar a visualidade, ou melhor, a sensibilidade
estética, explicando, assim, a defasagem da visualidade do livro e sua
exploração com finalidades didáticas.
Segundo Moraes (2010), como consequência desses fatores
alimentados no ambiente escolar, em decorrência do surgimento de
novos meios de comunicação e das inúmeras mudanças que nossa
sociedade vem sofrendo nos últimos anos, o produtor do LD tenta
se adequar a essas mudanças, mas grande parte ainda é vista e
produzida como portador exclusivo de conceitos científicos por meio

1
[...] a diagramação é o projeto, a configuração gráfica de uma mensagem colocada em um
determinado campo (página de livro, revista, jornal, cartaz), que serve de modelo para a sua
produção em série. A preocupação do diagramador visual, e, consequentemente, sua tarefa
específica, é dar a tais mensagens a devida estrutura visual a fim de que o leitor possa discernir,
rápida e confortavelmente, aquilo que para eles representa interesse. (SILVA, 1985, p. 43).
914 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

da linguagem verbal e acabam não valorizando a experiência da


linguagem visual como facilitador da aprendizagem.
E na perspectiva da linguagem gráfica, Bittencourt (2004, p.
70) traz uma importante contribuição em seu estudo, afirmando que

A reflexão sobre as diversas ilustrações dos livros didáticos impõe-


se como uma questão importante no ensino das disciplinas
escolares pelo papel que elas têm desempenhado no processo
pedagógico, surgindo indagações constantes quando se
aprofundam as análises educacionais. Como são realizadas as
leituras de imagens nos livros didáticos? As imagens
complementam os textos dos livros ou servem apenas como
ilustrações que visam tornar as páginas mais atrativas para os
jovens leitores?

Indagações como as elaboradas por Bittencourt expõem algo


que pouco se conhece, que são as formas de contribuição da imagem
na construção do aprendizado no aluno. Para a autora, quando
analisamos a imagem no LD, estamos realizando uma ação
individualizada e sociocultural, visto que esta imagem se materializa
em um gênero textual que possui um reconhecimento psicológico e
social, pois é considerada uma prática de leitura do ser social.
Neste sentido, Dionisio (2007, p. 177) afirma que

[...] investigar gêneros associados às formas visuais dessas ações


sociais, resultantes das infinitas possibilidades de orquestração
entre imagem e palavra, significa também recorrer à apresentação
visual do gênero como recurso de identificação, ou seja, de
reconhecimento psicossocial.

À vista dessa concepção, as imagens nos LDs, quando


contextualizadas, são portadoras de informação sociocultural e
muitas vezes complementam o texto verbal, participando
efetivamente da aprendizagem.
Entendendo que a imagem é uma modalidade de linguagem,
a não verbal, Ramil (2014), estudiosa da Teoria das linguagens
gráficas, elaborou um modelo teórico de esquema para a linguagem
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 915

visual gráfica. Rojo (2010) concebe-a como “imagem estática” ou


“imagem gráfica” e, considerando que esta é a expressão utilizada
no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) de
2016, optamos pela expressão linguagem gráfica como objeto de
investigação desta pesquisa.
Os estudos acima citados discutem a relevância da linguagem
gráfica no LD como facilitadora da aprendizagem e apontam, por
outro lado, a complexidade de seu uso por ser portadora de
significados sociais e de valores ideológicos.

2. Seções do trabalho

O objetivo geral da apresentação deste estudo é mostrar a


análise das relações entre a linguagem gráfica e o conceito
matemático no LD segundo a mediação dialética (ARNONI, 2018).
Os objetivos específicos são: a) estudar os fundamentos
ontológicos da mediação dialética e, em especial, a linguagem, como
meio de se estabelecer a relação pedagógica da mediação dialética
entre o professor e o aluno, por veicular o conhecimento entre ambos;
b) depreender a finalidade ou função da linguagem gráfica na
apresentação do conceito matemático no LD selecionado, segundo seu
autor; e c) identificar a contribuição da linguagem gráfica presente no
material didático analisado para a aprendizagem dos alunos.
De uma forma geral, este estudo apresenta minha pesquisa, que
foi delineada por momentos distintos e articulados no
desenvolvimento dos objetivos específicos, onde pôde-se apresentar:

• A minha formação profissional inicial como motivação para cursar o


Mestrado em Ensino e Processos Formativos e o renascer do
questionamento do uso de imagens na apresentação do conceito
matemático no LD.
• Apresentação do estudo teórico da Teoria Pedagógica da M.M.D.
(ARNONI, 2018) referente à concepção de atividade humana educativa
a partir dos fundamentos teóricos do trabalho universal (MARX, 2008)
entendido como atividade humana laborativa.
916 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

• Apresentação da abordagem interdisciplinar que subsidia a análise da


efetividade do uso da linguagem gráfica no LD de Matemática pautada na
articulação (relação dialética) dos fundamentos teóricos e metodológicos
da Teoria Pedagógica da M.M.D. (ARNONI, 2012, 2014a, 2014b e 2018),
enriquecida por aspectos relativos à linguagem presentes na produção
científica de Vygotsky (2000), Rego (1995), Ramil (2014), Marcuschi e
Xavier (2005), Bittencourt (2004), Dionisio (2007) e Moraes (2010), com
o conceito matemático de Contagem de Morgado e Carvalho (2013).
• A análise referente à efetividade do uso da linguagem gráfica na
apresentação do conceito matemático de Contagem na coleção “Nosso
Livro de Matemática”, de Pires e Rodrigues (2014a e 2014b), no LD de
Matemática.
• Considerações Finais – Trazemos reflexões acerca do estudo
desenvolvido na pesquisa.

Desenvolvimento

A partir dos estudos realizados sobre Marx (2008) e Arnoni


(2018), foi possível entender que a categoria trabalho é que faz o ser
social e dela origina outras dimensões humano-sociais que são
criadas para organizar a nossa sociedade, de modo que a educação
escolar é um exemplo disso. A partir do estudo da organização da
nossa sociedade, se fez necessário estudar uma metodologia de
ensino que contemplasse essas concepções teóricas e que
propusesse um método de desenvolver conceitos científicos que
valorizasse o trabalho do professor, a mediação dialética e a
linguagem dentro do processo de ensino.
Diante dessas concepções, Arnoni (2018) elaborou uma
proposição teórico-metodológica que contempla o saber do
professor e do aluno na realização da atividade educativa, pois a
Teoria Pedagógica da M.M.D. desenvolve o processo mental de
produção do conceito educativo no aluno a partir do resgate dos seus
conhecimentos iniciais sobre o conceito a ser desenvolvido. Essa
proposição metodológica não contempla o modelo de ensino
burguês que é reproduzido pelos próprios professores nos
ambientes escolares por meio de apostilas ou livros didáticos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 917

Entendendo essa proposição metodológica, surgiu a


necessidade da investigação do LD e escolheu-se como objeto de
estudo a linguagem gráfica presente nele, pois vivemos em uma
sociedade onde as imagens povoam nossos pensamentos, trabalhos
e estudos, e acabam auxiliando no entendimento de diversas
necessidades do dia-a-dia.
Nesse sentido, iniciou-se uma investigação acerca de como a
linguagem gráfica presente no LD auxilia no desenvolvimento do
conceito com o aluno. Tendo o LD de Matemática como universo
desta pesquisa, realizou-se uma pesquisa documental na SME de
São José do Rio Preto com o objetivo de identificar as coleções de
LDs de Matemática indicadas pelos professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental apresentadas para o PNLD de 2016.
Essa etapa da pesquisa apontou que os professores discutiram e
escolheram o material em cada unidade escolar por meio de votação
em Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). Além disso, a
partir da análise do documento recebido, foi possível elaborar uma
relação das coleções de LDs de Matemática para os anos iniciais
adotados pelas escolas municipais da cidade no PNLD de 2016.
Com o desenvolvimento dessa etapa, foi possível delimitar o
universo desta pesquisa, visto que apontou a coleção “Nosso Livro
de Matemática”, dos autores Célia Maria Carolino Pires e Ivan Cruz
Rodrigues, Editora Zapt, 2.ª edição, ano 2014, como a mais indicada
na SME de São José do Rio Preto.
A partir disso, selecionou-se o conceito científico de
Contagem, presente no LD do 1º ano do Ensino Fundamental e
realizou-se um estudo sobre esse conceito na perspectiva da
totalidade. Utilizou-se como critério para a seleção das linguagens
gráficas quatro páginas do LD do 1º ano em que aparecem exercícios
que remetem ao conceito de Contagem, excluindo as aberturas dos
capítulos e as páginas de elaboração de jogos.
Assim, a análise pautou-se na relação entre três abordagens
teóricas: o conceito científico de Contagem, a mediação dialética na
metodologia de ensino (M.M.D.) e a linguagem dos pontos de vista
918 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

funcional e cognitivo, cujo eixo constitui-se na relação pedagógica


que o professor da sala/ensino estabelece com o
aluno/aprendizagem por intermédio dos exercícios que o autor do
LD apresenta para serem aplicados ao aluno, via modalidades de
linguagens gráficas presentes no LD selecionado.

4. Conclusões

Tendo como objeto de investigação a linguagem gráfica no LD


de Matemática e considerando as asserções de Arnoni (2018) sobre
conceito educativo, entendemos que a tarefa principal do material
didático analisado é a de apresentar ao aluno o conceito matemático
numa linguagem que lhe permita apreendê-lo via exercícios no
manual do aluno e via prescrição da atuação docente no manual
pedagógico do professor, ambos de responsabilidade dos autores do
LD. Neste aspecto, verificou-se que é necessário que os exercícios
que o professor irá aplicar em sala de aula apresentem a linguagem
científica do conceito matemático numa linguagem que seja
compreensível ao aluno, utilizando diferentes modalidades de
linguagens, como a gráfica, por exemplo.
É necessário considerar que a análise identificou, também, as
limitações impostas pelo PNLD de 2016, ao exigir que o LD crie os
personagens que representem o professor e o aluno para pautar a
organização de uma coleção de LDs. Assim, foi possível observar que
o LD apresenta três limitações importantes: a) refere-se ao professor
– o LD parte do princípio que o professor domina o conhecimento
científico matemático apresentado; b) refere-se ao aluno – o LD
parte do princípio que o aluno possui os conhecimentos prévios
sobre o assunto ao elaborar os exercícios propostos; e c) diversidade
populacional brasileira – o LD apresenta limitações para elaborar
um material que atenda a diversidade e grandiosidade do nosso país.
As considerações acima apresentadas mostram as limitações
didáticas e pedagógicas que o LD enfrenta para atender as
diversidades do sistema de ensino brasileiro.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 919

Essa análise apresenta considerações relevantes e que mostram


que a linguagem gráfica apresentada no LD selecionado também se
limita. A linguagem gráfica na coleção de LDs selecionada não atende
à finalidade da linguagem na M.M.D.: a de propiciar o estabelecimento
da relação pedagógica de mediação dialética entre o professor e o
aluno, veiculando o conhecimento entre ambos no desenvolvimento
das Etapas da M.M.D., o instrumental do processo educativo
emancipador da atividade educativa.
A partir das análises da linguagem gráfica nas suas diversas
modalidades, pôde-se perceber que elas não apresentam uma função
de linguagem em destaque. Por isso, elas são usadas para atrair e dirigir
a atenção ao material, enfatizar algum ponto conceitual, fornecer
exemplos, motivar a reprodução do conhecimento científico,
apresentar alguma informação adicional, entre outras funções, ou seja,
ocupam um papel secundário no processo de ensino.

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59

Muito além de um direito de “papel”,


a educação do campo precisa de um direito de “coração”

Wellington Gonzaga Brandão


Ana Lúcia Braz Dias

Introdução

Analisando o contexto histórico das questões do campo esse


texto investiga como os outros segmentos da sociedade se
relacionam com os direitos humanos das pessoas do campo e a sua
inserção em meio às diversidades da nação brasileira. De início basta
entendermos que os Direitos Humanos são pautados no
reconhecimento de que apesar das diferenças biológicas e culturais
que os distinguem, todos os seres humanos merecem igual respeito,
pois são os únicos no mundo capazes de amar, descobrir e criar a
beleza. Ao firmar essa premissa de igualdade podemos refutar a
ideia de algumas pessoas que se dizem superiores aos demais
(COMPARATO, 2010). Vamos partir para o contexto histórico da
pessoa do campo, tentando observar se essa ideia de igualdade
impera nesse meio. Quando se realiza uma feira da agricultura
familiar, o grande atrativo é a condição puramente mercadológica
de que todo produto saudável que ali se apresenta vem direto do
produtor para o consumidor, mas ao analisar o discurso dos
frequentadores percebemos que a grande maioria tem um
relacionamento intimamente estabelecido com o produto e o
produtor passa despercebido nesse contexto. Há muitas leis e
decretos que garantem os direitos das pessoas do campo. São
922 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

direitos de papel e necessários para a vida camponesa, mas que tal,


se do mesmo jeito em que se apresentam soberanos esses direitos
nas leis, fossem arraigados no coração das pessoas postados num
alicerce digno e duradouro da aceitação e do respeito?
Basta supor que, se por um acaso, um dia essas leis fossem
extintas por serem consideradas obsoletas e desnecessárias diante
de um cenário de extrema integração da pessoa do campo em
relação às pessoas da cidade. Será que algumas pessoas comandadas
pelos direitos de papel iriam enfim libertar seus verdadeiros escusos
sentimentos em relação à pessoa do campo ou nem mudariam de
opinião por estarem verdadeiramente integradas aos direitos
legalmente constituídos desse povo? Uma problematização inicial se
deu por conta da observação de que várias pessoas moradoras de
Assentamentos, em face da não observância de seus direitos básicos,
veem aniquiladas as possibilidades de uma aceitação da própria
identidade e uma pergunta bem típica, do ser humano que pensa em
viver bem, vem a mente: Quem em sã consciência, vai apostar a
estrutura do seu futuro familiar em uma comunidade de direitos em
desvantagens?. Não é da maneira que se tem no papel, que
percebemos o estabelecimento desses direitos, massivamente
jurídicos no contexto rural. Há muitas ações que afirmam serem
frágeis perante as relações que confirmam a existência real e justa
desses direitos. Portanto atrevemo-nos a estabelecer uma analogia
desta realidade com a teoria Kantiana.

Fundamentação teórica

Kant procurou aplicar os princípios morais abstratos que ele


desenvolveu em sua filosofia moral pura à realidade. Para Borges,
Mertens e Pinzani, cabe a nós fazemos o mesmo no mundo
contemporânio (BORGES; MERTENS; PINZANI, 2017). Os autores
sugerem que recorramos à obra de Kant como um guia filosófico
para um mundo que se tornou incrementalmente mais complexo,
do ponto de vista tanto moral quanto legal.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 923

A luta campesina por uma condição melhor de vida, em todos


os aspectos, precisa não de um apoio de “papel”, mas sim de um
apoio de “coração”, como na teoria de Kant que faz a distinção entre
a norma jurídica e a moral. Nesse caso podemos afirmar que a
autonomia voluntária de cada indivíduo poderá sobrepujar e se
diferir da heteronomia dos papéis. A teoria Kantiana apresenta uma
diferença entre direito e moral por meio de uma visão formal
imaterial que explica muito bem essa diferença crucial entre a
norma jurídica e a moral. As leis expressas nos papéis que garantem
os direitos de todos são cumpridas simplesmente porque que
existem para esse propósito. Elas são guiadas por razões externas
sem que a subjetividade das pessoas interfiram com suas
compensações de a achar justa ou não. Já a norma moral é
construída dentro do indivíduo, e quem a cumpre, o faz por
acreditar que ela é moralmente certa sem pensar em recompensas
e nem pensar por que é inconveniente transgredi-la. Apesar de
moral e direitos serem diferentes, é a moral que legitima o direito,
pois segundo Kant, uma norma jurídica boa deve pregar a justiça e
a moral, e estar de acordo com os valores sociais, porque o fato de
que as normas são criadas com a liberdade individual dos indivíduos
é o que legitima a sua criação. A lei por si só está atrelada a uma
ordem estampada juridicamente em papel enquanto a moral está
ligada ao campo ético do coração. Kant explica o direito através da
razão, como sendo indispensável para que o homem possua
liberdade e não como um preceito indiscutível da natureza e afirma
ainda que todos os outros direitos, tais como igualdade e
propriedade originam-se na liberdade. O direito verdadeiro não se
valida por si mesmo e nem no poder de quem legisla. O que valida
o que o legislador produz é a razão e o direito à liberdade. Kant
claramente não se preocupa com o que é jurídico (de papel), mas
sim com o que é justo (de coração). Para ele os preceitos de direitos
internalizados em cada indivíduo é o que regula as interações entre
o sujeito e a moral, e a vivência em perfeita harmonia depende em
924 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

grande parte da equidade no direito ao maior de todos os bens


usufruídos pelo homem, a liberdade. (KANT, 1799, 2003).

Procedimentos metodológicos

Uma investigação bibliográfica foi feita com o objetivo de


traçar um histórico da relação entre as pessoas do campo e seus
devidos direitos.
Kant nos oferece um repertório de argumentos que serão
usados aqui para observar e refletir sobre os prós e os contras que
se apresentam em forma de papel com direitos jurídicos e na real
ocorrência desses mesmos direitos no contexto campesino. Uma
leitura do livro A Metafísica dos Costumes (KANT, 1799, 2003), que
para Borges, Mertens e Pinzani (2017) é provavelmente o mais
negligenciado da obra de Kant, é utilizada como guia metodológico
para analisar os resultados, conforme sugerido por Borges, Mertens
e Pinzani (2017). Conceitos teóricos de Marx e Freire contribuem
também para a discussão.
Além disso, a convivência com a realidade de um Projeto de
Assentamento rural facilitou formular e expor ideias por fazer o
primeiro autor parte do cotidiano dessa comunidade rural.

Apresentação e discussão dos resultados

Em 1963 por meio da Lei 4.214/63 foi lançado o Estatuto do


Trabalhador rural que garantia a esses trabalhadores os mesmos
direitos dos trabalhadores urbanos. No entanto dez anos mais tarde
revogou-se esta legislação e foi instaurada a nova Lei 5.889/73 que
apenas estendeu os direitos dos trabalhadores urbanos aos
trabalhadores rurais com algumas ressalvas, mas esta Lei em
grande parte não foi aplicada. Só a partir da constituição de 1988
que o trabalhador rural alcançou os mesmos direitos dos
trabalhadores urbanos com acréscimo de algumas garantias
individuais.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 925

A convenção nº141 da Organização Mundial do Trabalho, no


artigo 2, define trabalhador rural como sendo todas as pessoas
dedicadas, nas regiões rurais, a tarefas agrícolas ou artesanais ou a
ocupações similares e conexas, tanto assalariados quanto pessoas
que trabalhem por conta própria, arrendatários, parceiros e
pequenos proprietários. Mas vamos usar como base o texto da Lei
5.889/73, que diz ser trabalhador rural “toda pessoa física que, em
propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não
eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante
salário. Para simplificar podemos definir trabalhador(a) rural como
toda pessoa física que lida com atividades de natureza agrícola,
retirando daí o seu sustento e a este aplicam-se as mesmas normas
previstas na CLT(Lei nº 5.452/43) com algumas diferenças
privilegiando-os com direitos especiais.
Quanto a organização do sindicato rural, em 1903 passou a
vigorar no Brasil a lei especial que regulamenta a organização
sindical rural, por meio do Decreto n. 979 de 1903, que antecedeu a
lei sindical urbana. A CLT pouco contribuiu com artigos acerca da
organização rural e somente com a Constituição Federal de 1988
(art. 8º, parágrafo único) é que a organização sindical rural foi
equiparada aos mesmos princípios aplicáveis à organização sindical
urbana. Antes a sindicalização por atividade específica não era
permitida no meio rural. Importa também saber a respeito do
regime previdenciário atribuído aos trabalhadores rurais. Somente
na década de 1960 o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei. 4.214/63)
regulamentou os sindicatos rurais e instituiu a obrigatoriedade do
pagamento do salário mínimo aos trabalhadores rurais e criou o
fundo de assistência, mas na prática a cobertura previdenciária aos
trabalhadores rurais não se efetivou, pois os recursos necessários
para a sua concretização não foram regulamentados em lei própria.
Todavia o poder legislativo não se esqueceu dos trabalhadores
rurais, e em 1965, por meio da portaria nº. 395 estabeleceu o
processo de fundação e organização e reconhecimento dos
sindicatos.
926 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em 1967, por meio do decreto lei nº. 276, transferiu-se para


o comprador a obrigatoriedade de recolher a contribuição de 1%
sobre os produtos rurais. Por conseguinte, somente em 1966 os
diferentes tipos de institutos encarregados da previdência social
foram unificados, criando-se assim o Instituto Nacional de
Previdência Social – INPS, que passou a ser administrado por
funcionários estatais, sendo excluídos dos conselhos administrativos
os representantes dos trabalhadores. Em 1971, criou-se o Programa
de Assistência Rural (PRORURAL), diretamente ligado ao
FUNRURAL, que previa benefícios de aposentadoria e o aumento
dos serviços de saúde concedido aos trabalhadores rurais. No
entanto, somente com a Constituição Federal de 1988 combinada
com as Leis nº. 8.212 e nº. 8.213 ambas de 1991, é que se passou a
prever o acesso universal à previdência social do idoso, dos inválidos
de ambos os sexos bem como os respectivos cônjuges que
exercessem suas atividades em regime de comunhão familiar sem
empregados permanentes. Hoje, a previdência social rural está em
igualdade de condições com a previdência urbana, com exceção de
algumas peculiaridades acerca da qualidade e o regime em que cada
segurado se enquadra. Vale enfatizar também, que além dos direitos
iguais aos do trabalhador urbano, o trabalhador rural é privilegiado
com direitos individuais especiais regulamentado em lei especial.
(PAIDA, 2012)
No âmbito educacional não se vê uma trajetória semelhante.
No tangente aos direitos à educação, com a Primeira Lei Geral de
educação no Brasil, de 15 de outubro de 1824 os moradores do meio
rural não tiveram planos educacionais que contemplassem o seu
modo de vida e esse descaso perdurou por anos — e lembrem-se que
a população rural era maior que a urbana. A seguir a constituição de
1934 dispõe sobre educação em apenas um artigo de uma forma
superficial. Na constituição de 1937 permaneceu o descaso
escancaradamente, pois era dada mais importância à
industrialização e ao modo de vida urbano em detrimento a outras
formas de vivência e trabalho. O campo era tido como fornecedor de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 927

mão de obra para a indústria e a escola era o local para se aprimorar


esses operários.
Só na constituição de 1988 apareceram contribuições
importantes para a luta do direito educacional da população rural e
deram meios jurídicos para sustentar seus direitos sociais: “A
educação é um direito de todos e dever do estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL,1988). Ao
estabelecer que o estado tem o dever de prover a educação para
todos sem distinção de raça, cor ou localização, abre-se um caminho
para as novas conquistas com manifestações da sociedade rural por
meio de movimentos sociais como por exemplo do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em 20 de dezembro 1996
foi sancionada a Lei nº 9.394, que estabelece a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB). Só então ficam evidentes as
propostas que viriam a melhorar a educação do campo. De 1996 a
2010 conquistas importantes foram efetivadas, por intermédio das
reivindicações do Movimento da Educação do Campo, entre elas:
Resolução CNE/CEB nº 1/2002 e Resolução CNE/CEB n° 2/2008,
estipulando as Diretrizes Operacionais para Educação Básica das
Escolas do Campo e o Decreto n° 7.352, de 4 de novembro de 2010,
que dispõe sobre a Política Nacional de Educação do Campo e sobre
o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).
Para melhor compreender a situação da Educação do Campo na
atualidade, se faz necessária essa exposição histórica. Há a constatação
de que a escola urbana não esteve sujeita ao abandono e desvalorização
pelo qual passou a educação do campo. O modelo de educação a que
se submetiam as pessoas do campo contribuiu para desconstruir ou
comprometer a identidade sociocultural das comunidades rurais. A
falta de políticas públicas voltadas para o homem e a mulher do campo
contribuíram para que os governantes locais não lhes dessem a
atenção merecida e isso acarretou a ida dos(as) alunos(as) para
estudar na cidade, em busca de melhores condições de aprendizagem.
928 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Hoje o descaso já não é tão grande, em virtude das conquistas


alcançadas que contribuíram significativamente na luta por uma
educação de qualidade “no” e “do” campo. (FREITAS e MOLINA 2011,
p. 22; FERREIRA e BRANDÃO, 2011, p. 6).
Da discussão corrente resultou uma constatação de que existe
uma relação de direitos perigosa e excludente, estabelecida entre a
comunidade rural e grande parte população urbana. A preocupação
com o direito de usufruir condições satisfatórias de trabalho das
pessoas do campo está intimamente ligada ao produto, enquanto a
preocupação com o direito a uma educação de qualidade está ligada ao
produtor. Na visão de Marx o trabalho, além de produtos ele produz a
si mesmo e ao produtor como uma mercadoria, e isto concomitante
com a produção real dos produtos em geral (Marx, 2010, p. 80). A
própria noção de direitos humanos apenas esconde a exploração do
trabalho. “E igual exploração da força de trabalho é o primeiro direito
humano do capital”. (MARX, 1996, p.405). No direito ao trabalho os
fatos são muito mais importantes do que os documentos. Há a
possibilidade de reverter qualquer poder de um papel assinado
simplesmente com a apresentação de provas que evidenciem a
realidade dos fatos ocorridos e que contrariam esses documentos
apresentados. Já na área educacional os direitos expressos em papéis
estão bem arraigados em sua forma jurídica, mas na prática eles não
são auto suficientes para resolver as questões educacionais e
identitárias da pessoa do campo. Nota-se que só o respeito e a aceitação
afetiva das pessoas das demais áreas da sociedade serão capazes de dar
conta de acabar com o grande mal que assola as pessoas do campo.
A estrutura formal e a pedagogia das escolas tradicionais
desrespeita ou desconhece a realidade campesina, bem como a
maneira de aprender e ensinar seus saberes. Portanto não é lugar para
os “sem- terra” e nem para qualquer pessoa do campo
(BENJAMIM,2000,P.29). Uma educação bancária explicada por Freire
também não acrescentará condições satisfatórias para a aprendizagem
do campo por obrigar os educandos a adaptar-se a parcial realidade do
mundo apresentada pelos depósitos recebidos, pois quanto mais os
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 929

educandos se esforçarem para arquivar os depósitos que lhes são


feitos, menos desenvolverão uma consciência crítica para se inserirem
no mundo como transformadores dele (FREIRE,1970, p. 45-47). O
trabalho constrói o indivíduo e a educação do campo precisa resgatar
uma tradição pedagógica de valorizar o trabalho rural como um
princípio educativo que estabeleça e compreenda o vínculo entre
educação e produção, de fomentar debates sobre as diferentes
dimensões e metodologias de formação do trabalhador(a) e investigar
todo o acúmulo de teorias e de práticas relativas ao trabalho e a
educação das pessoas do campo. (CALDART, 2004, p.32). A educação
do campo tem o seu território, tem cheiro, tem sabor e saber, portanto
uma palavra que designa outra não pode dar uma definição
consistente de educação do campo. O conceito tem de ser construído
dentro do próprio contexto campesino, não podemos importar
automaticamente os conceitos construídos fora do paradigma rural.
(FERNANDES e MOLINA, 2004.P.86).

Conclusões

Atualmente com a mobilização de grupos sociais como o


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) apoiado
pelas Universidades, tem-se conseguido grandes avanços nas lutas
por um trabalho digno e uma práxis filosófica de educação “do”
campo compatível com a importância da pessoa do campo. O
contexto rural do município de Ilha Solteira -SP encontra apoio
acadêmico e operacional na UNESP/FEIS e nos respectivos grupos
que ela ampara, como: GEPAC (Grupo de Pesquisa em Currículo:
Estudos, Práticas e Avaliação) e NABISA (Núcleo Afro-brasileiro de
Ilha Solteira). Conclui-se que tal qual se apresenta o contexto rural
do país, não difere desse contexto citado, pois há muito que se fazer
em relação aos direitos humanos que ainda estão longe de ser ideais.
A preocupação relatada neste trabalho mostra possíveis caminhos
para que se consiga construir dentro do ambiente rural, uma
condição de vida satisfatória capaz de conter o êxodo rural por meio
930 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de uma educação integradora e libertária. Com a aplicação real dos


direitos humanos adquiridos, a pessoa do campo poderá ter a devida
importância resgatada pela educação do campo e consequentemente
terá resgatada a auto-estima e o orgulho de assumir sua identidade
enquanto componente de uma comunidade rural.

Referências

BENJAMIM, César; CALDART, Roseli Salete. Projeto Popular e Escolas do


Campo. Brasília: Articulação Nacional Por uma Educação Básica do
Campo, 2000 (Coleção Por uma Educação Básica do Campo, v.3).

BORGES, Maria; MERTENS, Thomas; PINZANI, Alessandro. Kant’s Metaphysics of


Morals as guidance in a morally and legally complex world. ethic@-An
international Journal for Moral Philosophy, v. 16, n. 3, p. 389-394, 2017.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª


ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

FERREIRA, Fabiano de Jesus; BRANDÃO, Elias Canuto. Educação do campo: um


olhar histórico, uma realidade concreta. Revista eletrônica de educação.
N. 09, 2011, p.14.Disponível em:<www.unifil.br/portal/arquivos/
publicacoes/.../1/413_546_publipg.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido,17ª. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

JESUS, Sonia Meire Santos Azevedo. FERNANDES, Bernardo Mançano; MOLINA,


Mônica Castagna. O campo da Educação do Campo. In: MOLINA, Mônica
Castagna;. (Orgs.) Questões Paradigmáticas da Construção de um
Projeto Político da Educação do Campo. Brasília: Articulação Nacional
“Por uma Educação do Campo”, 2004. Coleção Por uma Educação do
Campo, caderno nº5.

KANT, Immanuel. The metaphysic of morals. (2 vols. ). Volume 1. Eighteenth


Century Collections Online via Gale, 1799. Gale Document Number:
CW3317832376. Disponível em: http://find.galegroup.com/ecco/
start.do?prodId=ECCO. Acesso em 12 out. 2018.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 931

KANT, Immanuel. A Metafísica dos Costumes. Trad. Edson Bini. São Paulo:
Edipro, 2003.

MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. 4ª


reimpressão. São Paulo: Boitempo, 2010.

MARX, Karl. O Capital. (vol 1) Tomo 1. Coleção Os Economistas. São Paulo:


Editora Nova Cultural, 1996.

MOLINA, M. C; FREITAS, H. C. A. Avanços e desafios na construção da educação


do campo. Brasília em aberto. N. 85, 2011, p. 17 – 31. Disponível em:
<http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/256
2/1751>. Acesso em: 25 jun. 2018.

PAIDA, Zenilda. Trabalhador Rural. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 24 abr. 2012.


Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&
ver=2.36550&seo=1>. Acesso em: 25 jun. 2018.
60

Noção de regras escolares de alunos da escola pública

Andressa Carolina Scandelai Parra


Luciana Aparecida Nogueira da Cruz

Introdução

As regras são muito importantes para a convivência humana,


ou seja, a construção de regras é necessária para lidarmos com
situações de conflitos, que fazem parte da convivência no ambiente
escolar, por isso, nas escolas as regras são fundamentais para o
funcionamento da instituição e harmonia nas relações sociais.
A presente pesquisa se fundamenta nos estudos de Piaget
(1932/1994) sobre o desenvolvimento moral. Para ele, "Toda moral
consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade
deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas
regras" (PIAGET, 1932/1994, p. 23). Consideramos importante
compreender como as regras são construídas e/ou impostas nas
escolas, pois

[...] costumeiramente nos apegamos a regras convencionais e


deixamos de brigar por outras que realmente valem a pena. Não
paramos para refletir quanto tempo gastamos com regras como
não usar boné, chinelos, não levar figurinhas para a escola, entre
outras. Pouco entendemos que uma regra só é boa quando há uma
necessidade que garanta a dignidade do sujeito (TOGNETTA,
LEME, VICENTIN, 2013, p.55).

As regras morais devem ser trabalhadas para favorecer a


convivência e o desenvolvimento moral autônomo, sendo as regras
934 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

convencionais as regras organizacionais que não devem ser


colocadas acima das regras morais.
Destacamos a importância da escola no processo de
desenvolvimento moral autonomo, pois é um ambiente privilegiado
onde crianças e adolescentes vivenciam experiências e realizam
trocas com o coletivo, por isso a necessidade de levar sempre em
consideração a dignidade do sujeito. É nas relações sociais que
regras e normas são elaboradas e reelaboradas contribuindo para o
desenvolvimento da autonomia moral, a qual buscamos por meio
das relações cooperativas.
Na heteronomia moral, a legitimação das regras ocorre por
meio da autoridade, que deve ser obedecida independentemente de
haver um entendimento sobre a sua necessidade. Já na autonomia
moral, o sujeito supera essa moral da obediência à autoridade
externa, passando a submeter as regras ao crivo da inteligência.
As regras escolares muitas vezes são impostas de maneira
coercitiva, tendendo a manter os indivíduos heterônomos, pois a
eles basta obedecer àquilo que é estabelecido pelas autoridades
escolares. Quando os alunos não participam da elaboração de regras
contratuais, eles tendem a resistir à efetivação das mesmas, o que
faz com que o desrespeito e o não cumprimento das regras interfira
nas relações com a instituição, com o professor e com os colegas (LA
TAILLE, 1996).
Preocupados com essa temática, temos como objetivo avaliar
a percepção de estudantes do Ensino Fundamental público sobre a
elaboração, participação e cumprimento das regras na instituição
escolar.

Fundamentação Teórica

A partir do momento em que nascemos estamos submetidos


ao universo das regras, essas regras se constituem de diversas
maneiras: através de normas, crenças, ordem, comportamento,
disciplina, padrão e leis, que por sua vez, representam importante
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 935

influência no desenvolvimento da subjetividade do ser humano


(DIAS, 2005). As regras são imprescindíveis para a convivência
humana para evitar o caos. Evolutivamente, as regras sociais foram
sendo incorporadas na personalidade e nos hábitos dos seres
humanos, ou por condicionamento ou por internalização de
princípios. Tais princípios devem estar sempre associados com as
regras morais, as regras pautadas no bem-estar comum e coletivo.
Piaget (1932/1994) buscou compreender o que vem a ser o
respeito à regra segundo a concepção das próprias crianças, por isso
a escolha de regras de um jogo social, o autor aborda a maneira que
as crianças tomam consciência das regras sociais e passam a
respeitá-las, ou seja, da prática à consciência.
No que se refere às regras dos jogos, passamos a compreender
as regras “morais”, ditadas pelos adultos, e qual a imagem que a criança
faz de si mesma, no que diz respeito aos deveres particulares.
No que diz respeito à regra envolvida nos jogos sociais, Piaget
investigou a estrutura dessas regras, podendo assim compreender o
desenvolvimento moral infantil, o que o levou a considerar o
universo dos jogos como o reflexo das regras sociais dos adultos,
pois ao jogar, as crianças se envolvem em situações que abarcam a
questão do respeito às regras e posteriormente aos colegas.
A primeira relação com a temática da moralidade é que a
convivência social é um fator essencial e para que ela aconteça
depende de um determinado conjunto de regras. Partindo desse
pressuposto, para que uma regra seja respeitada, é importante
estabelecer uma relação com o sujeito que a impõe.
Piaget mostra em sua pesquisa que existe uma distinção entre
a prática das regras e a consciência delas e que há uma evolução
quanto às noções que as crianças têm das regras no que diz respeito
ao desenvolvimento: da heteronomia e da autonomia.
As autoras Devries e Zan (1998), ressaltam a importância de
envolver os alunos nas tomadas de decisões e em estabelecer regras
em conjunto com o grupo, esse procedimento auxilia esses alunos
no desenvolvimento da autonomia, reduzindo a heteronomia
936 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

gradualmente. Elas destacam o intuito no envolvimento dos alunos


nessa tomada de decisões:

(1) promover o sentimento de necessidade de regras e de justiça,


(2) promover o sentimento de propriedade das regras,
procedimentos e decisões da classe e (3) promover o sentimento
de responsabilidade compartilhada pelo que ocorre na classe e pela
forma como o grupo relaciona-se na sala de aula (p.138).

Com esses objetivos, é desenvolvido nos alunos a propriedade


e a necessidade de haver certas regras escolares e o porquê de
respeitar tais regras. A partir de então no estabelecimento dessas
regras em conjunto com o grupo, estará promovendo o respeito
mútuo, bem como o exercício da autonomia.
Os adolescentes são capazes de estabelecer as próprias regras
escolares, cabe ao professor mediar esse procedimento nas escolhas
das regras envolvendo no conhecimento e capacidade sobre tal fator,
evitando desta forma a imposição arbitrária e coercitiva das regras
quando impostas sem consentimento do grupo.
Deve-se destacar que as regras não devem ser apenas para
organização ou proibições, embora elas possuam este ofício, a mesma
tem uma função ainda mais complexa “As experiências das crianças no
estabelecimento de regras satisfazem objetivos desenvolvimentais”
(DEVRIES; ZAN; 1998, p.139). A moralidade passa a ser adquirida a
partir do respeito que se dá para com as regras.
Para que de fato aconteça o respeito à regra e o sentimento de
obrigação, é necessário que o indivíduo receba a ordem e respeite
aquela pessoa que lhe dá essa ordem, vale ressaltar que os valores
morais, o respeito em destaque surge dessa interação entre os
indivíduos. Sendo assim, destacamos que o respeito e as regras tem
ligação, um origina do outro. Quando se há uma relação de respeito
e a obediência por parte dos adolescentes para com suas
autoridades, esse fato ocorre pela consciência do dever sendo
respaldada no amor e admiração.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 937

Com o desenvolvimento, a criança observa que algumas vezes


os adultos não cumprem as regras que eles mesmos estabeleceram,
a partir de então eles passam a compreender essa regra para além
das pessoas adultas e começam a compreender pelo princípio e não
mais pelo modelo.
De acordo com Bovet (apud PIAGET 1932/1994), essa
evolução para a consciência autônoma a razão tem como base a
construção das regras morais, vendo certa coerência. No entanto,
devido às experiências cotidianas e influências de seu meio, acontece
uma contradição e a consciência crítica começa a surgir, fator
importante para a consciência moral. Liberando assim a consciência
para outros ideais morais, pelo simples fato de que os sentimentos
iniciais para com seus responsáveis de atração, simpatia e medo, já
não se mostram suficientes e conhecem pontos de vista e opiniões
contrárias das estabelecidas por eles.
Por isso a importância da reciprocidade, a superação do medo
inicial - respeito unilateral - agora perpassa para uma nova relação de
respeito mútuo, permitindo o entendimento de fatores. Para que o
indivíduo alcance a individualidade moral (pensamento que vai além
das regras ditadas pelo grupo), é por meio das relações de convivência.
As relações são importantes nesse processo de construção do
respeito à regra. É nítido que apenas a imposição da regra sem sua
devida reflexão e entendimento, causa ao adolescente um
sentimento de não pertencimento, além desse estranhamento e
desconhecimento o respeito às regras tornam-se menos efetivo.

Procedimentos Metodológicos

Neste artigo, apresentamos parte dos resultados de uma


pesquisa maior que avaliou a percepções dos integrantes de escolas
públicas do noroeste paulista sobre o Clima Escolar (aprovada pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Unesp, CAAE: 1.840.407).
A pesquisa é quantitativa com análise descritiva dos dados,
tendo sido utilizados alguns itens específicos do instrumento usado
938 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

para avaliar o clima escolar (VINHA; MORAES; MORO, 2017), na


pesquisa maior (PAVANELI, 2018).
Os itens analisados são referentes a dimensão 3 do instrumento
que avalia o clima escolar. Esta dimensão “[...] abrange a elaboração,
conteúdo, legitimidade e equidade na aplicação das regras e sanções,
identificando também os tipos de punição geralmente empregados.
[...]” no ambiente escolar (VINHA, MORAIS e MORO, 2017, p. 10).
Elencamos alguns itens dessa dimensão para serem analisados, sendo
estes: 43 (Os estudantes participam da elaboração e das mudanças de
regras da escola), 44 (Em geral, os adultos [professores, funcionários e
direção] cumprem as regras da escola), 45 (Em geral, os estudantes
cumprem as regras da escola), 46 (Os alunos conhecem e
compreendem as regras) e 48 (Há momentos e espaços destinados a
discutir os problemas de convivência, de disciplina e as regras na
escola) (VINHA, MORAES e MORO, 2017).
Responderam à pesquisa 1031 alunos do 7º, 8º e 9º anos do
Ensino Fundamental de quatro escolas públicas estaduais do
município de São José do Rio Preto. Segue a tabela com o perfil dos
participantes:

Tabela I. Frequência e porcentagem dos alunos que responderam à pesquisa


Escola Sexo Ano Escolar Período escolar

A F M 7º 64 (25,3) Matutino Vespertino


(n = 253)
115 138 8º 91 (35,7) 98 155
(45,4) (54,5) 9º 98 (38,7) (38,7) (61,2)

124 138 7º 85 (32,4) 29 233


B
(47,3) (52,6) 8º 114 (43,5) (11) (88,9)
(n = 262)
9º 63 (24)
C 113 115 7º 79 (34,6) 77 151
(n = 228) (49,5) (50,4) (33,7) (66,2)
8º 73 (32)
9º 76 (33,3)

D 152 136 7º 97 (33,6) 169 119


(n = 288) (52,7) (47,2) (58,6) (41,3)
8º 96 (3,3)
9º 95 (32,9)
Fonte: autora
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 939

Os dados da presente pesquisa foram coletados em quatro


escolas públicas estaduais. As escolas A e C estão localizadas na região
norte do município, sendo que essa região possui a maior
concentração da população da cidade e também a de menor poder
socioeconômico. A escola B está localizada na zona sul da cidade, com
uma concentração maior da população de classe média e a escola C
está na zona leste, com uma população de média e baixa renda.
Após concedida autorização da Secretaria de Educação, dos
gestores e dos professores, os alunos levaram para seus responsáveis
assinarem o termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, depois de
concedida a autorização, sucedeu-se a coleta dos dados com os
estudantes nas salas de informática de cada escola, que responderam
ao questionário por meio da plataforma Survey monkey.

Apresentação e discussão dos resultados

Apresentaremos a seguir as percepções dos estudantes em


relação aos itens selecionados para análise (itens 43, 44, 45, 46, 47 e
48), que pertencem à dimensão 3 (regras, sanções e segurança na
escola), do instrumento que avalia o clima escolar (VINHA, MORAIS e
MORO, 2017). Às afirmações de cada item, os estudantes selecionavam
as opções de resposta em uma escala Likert de quatro pontos: sempre,
muitas vezes, algumas vezes e nunca. Os dados foram agrupados para
melhor visualização, como podemos observar na Figura I.
O item 43 investiga a percepção dos alunos sobre a participação
da elaboração e das mudanças de regras da escola e os resultados
indicam que 79,43% dos alunos afirmam que “nunca/algumas vezes”
participam da elaboração das regras escolares.
Assim, a participação dos alunos na elaboração e mudança das
regras escolares não ocorre de forma efetiva sendo que

As regras possuem particularidades que as definem e diferenciam


de outras regulamentações; são regidas por alguns princípios que
incluem a flexibilidade e a particularidade; deve haver a
940 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

participação efetiva de todos na construção das regras, como no


cumprimento do que fora acordado (COLOMBO, 2018, p.85).

A participação dos alunos na elaboração das regras é


imprescindível, pois além de possibilitar o exercício da democracia
entre os envolvidos, tende a um maior comprometimento com as
regras e o cumprimento daquilo que fora acordado entre os pares.
Em relação ao item que afirma “em geral, os adultos
(professores, funcionários e direção) cumprem as regras da escola”
(item 44), 68,76% dos alunos concordam que “muitas vezes/sempre”
isso acontece. Já no item seguinte que avalia se “em geral, os
estudantes cumprem as regras da escola” e indica que 72,26% dos
alunos “nunca/algumas vezes” cumprem as regras da escola.
Quando investigamos se os alunos cumprem as regras da
escola, percebemos os alunos que responderam os questionários
afirmam que as regras em geral não são elaboradas por eles e,
quando falam sobre o cumprimento das regras, uma grande
porcentagem de alunos afirma não cumpri-las. Logo, temos indícios
de que essa situação poderia ser diferente caso eles participassem da
elaboração das regras, tendendo a segui-las com mais frequência.
Para Piaget (1932/1994), quando não há o cumprimento das
regras é pelo fato de não ter sido atribuído um sentido a elas por
parte dos adolescentes. Para que haja o cumprimento dessas regras,
Puig (2004) afirma que é de extrema necessidade vivenciar as regras
no convívio cotidiano, pois para conhecer as normas é primordial as
saber utilizar, tendo em vista que cada situação nova possui uma
necessidade única.
A percepção dos alunos sobre conhecerem e compreenderam
as regras da escola (item 46) indica que 60,92% deles
“nunca/algumas vezes” compreendem. Sobre a escola ter espaços
destinados a discutir os problemas de convivência, de disciplina e as
regras na escola, 66,83% dos alunos afirmam que “nunca/algumas
vezes” existe esse espaço (item 48). Ainda ao encontro dos itens
anteriores, os estudantes tendem a não conhecer e não compreender
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 941

os princípios e o sentido das regras por não participarem da


elaboração das regras.
Destacamos o item sobre ter momentos e espaços destinados
a discutir os problemas de convivência, de disciplina e as regras na
escola, 66,83% dos alunos que responderam não existir nas escolas
estes espaços “nunca/algumas vezes”. Esse dado mostra-se
alarmante, uma vez que promover reflexões e propiciar que os
adolescentes participem da construção das regras escolares são
importantes ao desenvolvimento moral, como afirma Puig ao
enfatizar que estes espaços possibilitam “participar em atividades e
práticas, entrar em um fluxo de encontros informativos, e formar
vínculos afetivos com seus participantes” (PUIG, 2004, p. 177).
Entendemos que estas são atividades necessárias para o ambiente
escolar, movimentando o exercício do pensamento e de discussões
sobre os conflitos existentes.

Figura I – Percepção dos alunos sobre elaboração, participação e compreensão


das regras.

Os estudantes participam da elaboração e 20,57


das mudanças de regras da escola (Q43) 79,43
Em geral, os adultos (professores,
68,76
funcionários e direção) cumprem as regras da
escola (Q44) 31,23

Em geral, os estudantes cumprem as regras 27,74


da escola (Q45) 72,26

Os alunos conhecem e compreendem as 39,09


regras (Q46) 60,92
Há momentos e espaços destinados a discutir
33,17
os problemas de convivência, de disciplina e
as regras na escola (Q48) 66,83

Muitas Vezes/ Sempre Nunca/ Algumas Vezes

Fonte: autora

Temos os princípios que estabelecem as regras, esses


englobam a flexibilidade e a particularidade, sendo que todos os
942 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

integrantes da comunidade escolar devem ter papel ativo na


construção dessas regras, assim como no cumprimento daquilo que
foi construído no coletivo. Autoras Tognetta e Vinha (2007),
afirmam que existem algumas regras que não se discute, ou seja,
não são negociáveis, por exemplo, as regras de segurança s o bem
estar do outro, tratar o outro com respeito, ser justo, entre outras,
são regras que não se debate, sendo que essa percepção das regras
negociáveis devem ser desenvolvidas ao longo do processo de
desenvolvimento moral autônomo.

Conclusões

A escola deve ser o lugar onde é possível discutir e elaborar


regras pautadas em princípios e valores morais, sendo
imprescindível pensar em intervenções para promover espaços que
permitam a tomadas de decisões pelos alunos, momentos de
discussões sobre os conflitos e a construção de relações respeitosas
entre professores, alunos e os demais integrantes da comunidade
escolar. Infelizmente, na realidade, o que vemos são escolas que
priorizam regras convencionais mais do que as morais e prevalecem
as relações coercitivas, atribuindo punições expiatórias aos
descumprimentos de regras, que são frequentes uma vez que os
alunos não participam de sua elaboração, não internalizando essas
regras e muitas vezes nem mesmo as compreendendo.
Defendemos que uma instituição escolar, na qual as pessoas
que fazem parte deste local consideram o mesmo como
proporcionador de relações respeitosas pautadas na cooperação,
este mesmo ambiente será favorável para o desenvolvimento moral
autônomo, este que por sua vez colabora para a percepção e o
entendimento dos princípios das regras. No momento em que a
comunidade escolar se põe solicita na percepção das
particularidades e especificidades que compõem o clima escolar,
possibilita a reflexão e noção de como intervir em impasses escolares
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 943

com o intuito de proporcionar melhoras na qualidade da


aprendizagem, relações e convivência.
Com isso, notamos que o professor tem um papel essencial no
desenvolvimento moral autônomo de seus alunos, por isso a
necessidade da formação continuada e a formação em serviço, pois
essa formação é essencial para o professor sendo ele o principal
mediador fazendo com que este local em que seus alunos estão
inseridos, seja um local acolhedor e que suceda o pertencimento da
instituição escolar como parte fundamental aos alunos. O clima
escolar sendo proporcionar de sentimentos positivos favorece muito
para que o professor desenvolva a autonomia de seus alunos, bem
como a aprendizagem e o respeito mútuo.

Referências

COLOMBO, T. F. S. A convivência na escola a partir da perspectiva de alunos


e professores: investigando o clima e sua relação com o desempenho
escolar em uma instituição de ensino fundamental II e médio. Tese de
doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Marília,
2018.

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Indisciplina na escola, alternativas teóricas e práticas. São Paulo:
Summus, 1996.

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professores e gestores de escolas estaduais do Ensino Fundamental II.
155p. Dissertação de Mestrado Acadêmico – Instituto de Biociências, Letras
e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista (IBILCE/UNESP), São
José do Rio Preto/SP, 2018

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Summus, 1994.

PUIG, J. M. Práticas Morais: uma abordagem sociocultural da Educação Moral.


São Paulo: Editora Moderna, 2004.
944 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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pertencem: Uma reflexão sobre as regras e a intervenção aos conflitos na
escola que pretende formar para a autonomia. Campinas, SP. Mercado de
Letras, 2013.

TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. A prática de regras na escola: ambiente


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aplicação dos questionários que avaliam o clima escolar. Campinas,
SP:FE/UNICAMP, 2017.
61

Novas formas de socialização juvenis,


a escola e o protagonismo juvenil

Maisa Marchetti Barbosa


Edilson Moreira de Oliveira

Introdução

Esse projeto de pesquisa tem como finalidade analisar como


os jovens em idade escolar e, principalmente do Ensino Médio,
utilizam o espaço escolar e possivelmente as redes sociais, para
atuarem no seu processo de socialização e de protagonismo dentro
das escolas. Por isso é preciso compreender como as políticas
públicas tanto para a educação como para a juventude tem
contribuído para a formação desse novo modelo de jovem do século
XXI.
Para analisarmos o presente sistema educacional é necessário
investigar a reforma educacional iniciada no governo de Fernando
Henrique Cardoso. O período foi marcado por acordos
internacionais, que se manifestaram como marca da suposta
democratização dos acessos, sendo eles, por exemplo, a saúde, a
moradia e a educação. Foi a chamada abertura da economia à
iniciativa privada, na qual o setor privado substituía o Estado nos
áreas em que o mesmo é tido como ineficiente (SILVA JUNIOR,
2002). Nesta racionalidade que tem como pressuposto a
administração eficiente, criou-se um consenso em que a democracia
e desenvolvimento são a essência do discurso. É a conversão do
Estado em um estado Gestor.
946 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Essa estrutura estatal teve impactos na esfera educacional, ou


seja, a educação não é apenas o receptor desse consenso, mas
também um reprodutor desse modelo. O efeito de maior relevância
dessa transferência de áreas, ante somente utilizado na
administração científica e que hoje faz parte da realidade
educacional, é a Gestão democrática. Uma das ferramentas
utilizadas foi adequar as escolas para uma gestão nos parâmetros do
Programa de Controle Total (PCT). De acordo com Gentili (2002),
essa adequação desenvolve na estrutura escolar estratégias de
mercado, as mais importantes no campo escolar são:

1. gestão democrática ou por liderança da escola e das salas de


aula.
2. o diretor como Líder da comunidade educativa.
3. o professor como Líder dos alunos.
4. a escola como ambiente de satisfação das necessidades de seus
membros.
5. ensino baseado no aprendizado cooperativo.
6. participação do aluno na avaliação de seu próprio trabalho.
7. trabalho escolar de alta qualidade como produto de uma Escola
de Qualidade. (GENTILI, 2002, p. 144).

Percebe-se que neste programa “desconsidera-se e ignora-se


qualquer tipo de referência ao contexto político. Tudo se resume na
boa vontade dos ‘atores’1 para instalar, criar e reproduzir as
condições institucionais da qualidade em suas próprias escolas”
(GENTILI, 2002, p. 145). Essa estrutura escolar individualiza o êxito
ou fracasso educacional. O professor e o estudante, dentro dessa
realidade, não conseguem se desprender das amarras desse discurso
da igualdade e universalização da educação, reproduzindo em suas
práticas tal discurso e ideias desse modelo educacional pautado pela
desigualdade.

1
Compreendido neste momento como, estudantes, professores e diretores.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 947

Fundamentação teórica

É mergulhado nessa estrutura educacional está o jovem


(estudante), objeto de nossa análise. Mas essa juventude não é
homogênea, e como tal é produto desta mesma sociedade, ou seja, é
uma construção social, produto dos grupos sociais, no sentido de
atribuir significados a uma série de comportamentos e atitudes
(GROPPO, 2000). Outra característica levantada por esse autor é a
percepção de que juventude também é diferentemente vivida com
relação aos gêneros, mesmo quando estes estão em uma mesma
classe social. E isso determinaria a construção de identidades que se
diferenciam de acordo com o estilo adotado por cada grupo.
Para as Ciências Sociais, a juventude emergiu como tema
relevante por ser fenômeno típico da sociedade moderna. Enquanto
nas sociedades ditas tradicionais identificavam-se marcos claros na
passagem da infância para a vida adulta (muitas vezes sem períodos
intermediários), as sociedades modernas se caracterizam por ter a
juventude como fase transitória entre a condição infantil e a adulta,
mas sem limites precisos2 e não demarcados por rituais sociais rígidos.
A tradição sociológica também considerava a juventude das sociedades
modernas, em especial nas cidades, elemento ‘desviante’ em relação
ao que se imaginava ser o funcionamento harmônico da sociedade.
(CATANI & GILIOLI, 2008, p. 15).
A autora Marília Pontes Sposito (2007) argumenta que na
perspectiva sociológica sobre juventude há duas subdivisões: a
primeira, na qual as pesquisas tomam a “juventude como um
conjunto social derivado de uma determinada fase de vida, com

2
A palavra juventude é mais usada pela Sociologia do que pela Psicologia (os estudos de feitio
psicológico tendem a privilegiar os aspectos negativos da adolescência, sua instabilidade, irreverência,
insegurança e revolta – SPOSITO, 2007), que faz uso do termo adolescência para descrever a fase da
vida dos indivíduos que estão entre os segmentos etários dos 15 aos 24 anos (O critério etário – que
delimita a juventude de acordo com faixas de idade, – está sempre presente, expresso ou subjacente,
como base prévia de uma definição de juventude – GROPPO, 2000). (SPOSITO, 2007; BOGHOSSIAN
& MINAYO, 2009). A juventude, na compreensão sociológica, é um modelo representativo e ao mesmo
tempo uma condição social.
948 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ênfase nos aspectos geracionais” (SPOSITO, 2007, p. 2) e a segunda,


que entende que a categoria estaria entendida no “interior de outras
dimensões da vida social, definida a partir de universos mais amplos
e diversificados, sobretudo aqueles derivados das diferentes
situações de classe” (SPOSITO, 2007, p. 2-3).
Catani e Gilioli (2008) no livro Culturas Juvenis: múltiplos
olhares discorrem sobre como a juventude foi e é estudada pelos
teóricos da Sociologia da Juventude. Nesse estudo, tornam-se claro as
duas subdivisões colocadas anteriormente. Para Mannhein, o jovem é
o agente das mudanças sociais. Eisenstadt coloca que o jovem pode vir
a ser um problema social, daí a importância da escola como
“instituição que promove a transição para a condição adulta nas
sociedades modernas” (CATANI & GILIOLI, 2008, p.54). A Escola de
Chicago analisa o jovem como sujeito desviante, sua análise recaiu na
década de 1920 sobre o processo de urbanização dos Estados Unidos.
A Escola de Birmingham, na década de 1960, estudou os grupos
identitários, conhecidos como ‘tribos’. Os estudos recentes, que datam
a partir da década de 1980, partem da perspectiva dos múltiplos
olhares. Dentre eles estão: Juarez Dayrell e a questão do sujeito jovem;
Marília Sposito e a construção social do termo juventude; Marialice
Foracchi e a rebeldia juvenil como “uma reação diante de uma situação
de crise social que exige transformações bruscas” (CATANI & GILIOLI,
2008, p. 75); dentre outros autores.
Heloisa Pait (2012) conceitua juventude como aquele que têm
uma ‘flexibilidade social’, o que lhes permitiria criar teias (redes) de
relacionamento melhor do que os adultos e, portanto, “agir” mais,
no sentido arendtiano. Isso quer dizer, para Hannah Arendt a ‘ação’
é algo imprevisível, mas quando acontecia – pessoas juntas num
espaço como cidadãos, com intuito deliberado de fazer algo umas
juntas com as outras, a ação é que era comum, sendo o possível
inimigo aspecto secundário naquele momento. (PAIT, 2012, p.17).
Ainda há outras formas de se pensar a juventude: o
protagonismo juvenil (FERRETI, ZIBAS & TARTUCI, 2004) que tem
repercutido na área educacional, principalmente após a reforma
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 949

curricular do Ensino Médio. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais


(1998), o tema protagonismo juvenil aparece atrelado ao de
formação crítica.
O termo “protagonismo juvenil” possui diferentes
interpretações, dentre elas o tema “participação”3, podendo na
literatura esses dois termos ser tomados como sinônimos. Esse
tema, segundo os autores, adentrou o campo da educação com a
Escola Nova de Dewey, que coloca o aluno como agente de seu
processo educativo. Esse pensamento é ideia base das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM – que
apresenta como principio básico no processo educativo o aprender
a aprender. Logo, o aluno passa a ser o foco, ou seja, o protagonista
de seu próprio aprendizado/educação.
O termo protagonismo juvenil coloca em debate novas formas
de atuação da juventude, pois novos cenários foram se
configurando. Houve uma ampliação dos espaços participativos
além do que antes eram espaços formais do compartilhar juvenil:
partidos políticos, sindicatos e movimentos estudantis.
Borba (2007) coloca que aqueles que utilizam o termo
protagonismo o fazem para designar os agentes responsáveis pelos
movimentos sociais como protagonistas, ou seja, as suas práticas
estariam voltadas para o benefício de uma coletividade. Quando
transferida para a juventude, coloca-a como responsável pela
iniciativa, pelo planejamento, pela execução e avaliação dos efeitos
do trabalho por eles propostos, sendo ou não mediados por adultos
– educadores. Sobre as múltiplas ações juvenis e seus espaços de
atuação Konterllink poderá:

Los adolescentes se juntam y despliegan formas de agrupamientos


con códigos y estilos propios. Transitan por instituciones (família,

3
Dentre outros termos como: responsabilidade social, identidade, autonomia e cidadania (FERRETI
et al, 2004, p. 413). “O sentido mais político de participação [...] (se) caracteriza como um processo de
desenvolvimento da consciência crítica e de aquisição de poder [...] uma verdadeira participação se
deve dirigir à modificação das estruturas econômicas e sociais mais amplas” (BOGHOSSIAN &
MINAYO, 2009, p. 413-414).
950 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escuela, Iglesias), encuentran los obstáculos u oportunidades de un


mundo ya pautado por otro y los sortean como pueden. En esas
interaciones van organizando su mundo interno, su subjetividad.
Pensarse y organizar ese mundo interno con percepciones y
sentidos que los coloquen como sujetos derecho depende de la
posibilidad que tengan de intervir en el diseño de pautas y normas
del mundo en que viven y les tocará ser adultos. Esto es en síntesis
el sentido de la participación, mas que un conjuro contra los males
de nuestro tiempo, es una apuesta a la constricción de una
subjetividad independiente, parte activa de la sociedad
(KONTERLLNIK, 2007, p. 2).4

O debate até o momento sobre a juventude discute a


construção das identidades, e “a identidade é a capacidade de
dominar ativamente o ambiente, através da percepção correta de si
própria e do mundo” (MAAKAROUN, 1991, p.7). Portanto, para
muitos autores5, as construções identitárias nessa fase da vida se
fazem, através de “concepção, representação ou criação simbólica,
fabricada pelos grupos sociais ou pelos próprios indivíduos tidos
como jovens [...], é uma situação vivida em comum por certos
indivíduos” (GROPPO, 2000, p. 7-8).
Mannheim (1974), em sua análise acerca da juventude,
demonstra o fato de o jovem ainda estar à margem da sociedade.
Esse “estar fora” faz com que ele seja tido como um ser que não tem
compromisso com os interesses econômicos, sociais ou políticos. O
que o torna apto a “simpatizar” com os movimentos sociais que se
chocam com a realidade imposta por grupos dominantes.

4
Os adolescentes se juntam e dispõem de formas de agrupamentos com códigos e estilos próprios.
Transitam por instituições (família, escola, igreja) encontram os obstáculos ou oportunidades de um
mundo já pautado pelos outros e os seguem como podem. Nessas interações vão organizando seu
mundo interno, sua subjetividade. Refletir e organizar esse mundo interno com percepções e sentidos
que os coloquem como sujeitos depende da possibilidade que tenham de intervir no traçado das pautas
e normas do mundo em que vivem e os interessarão quando adultos. Isto é em síntese o sentido da
participação, mais que um movimento contra os males do nosso tempo, é uma aposta para a
construção de uma subjetividade independente, parte ativa da sociedade. (tradução minha)
5
Dayrell (2003); Foracchi (apud ARAUJO, 2007); Ferreti, Zibas e Tartuce (2004); Sposito (2007);
Groppo (2000); dentre outros.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 951

Pait (2012) coloca que os jovens criam “teias sociais (que) lhes
permitem agir, propor formas novas de vida, moldar a sociedade.
Ou seja, criam coisas novas a partir do estoque de novidades
disponível catalisado por novos laços” (PAIT, 2012, p. 16). E nessa
criação de ‘coisas novas’, surge novas formas de sociabilidade que se
estabelecem em meio virtual, como, por exemplo, as redes sociais.

Procedimentos metodológicos

A pesquisa que se pretende realizar é qualitativa, seguindo o


método dialético; para apreendermos a totalidade do objeto. Para
isso a investigação iniciará com um levantamento bibliográfico, em
que se empenhará em identificar os autores que analisam tanto a
questão educacional, ou seja, como o jovem é percebido nessa
concepção de Educação, como também a juventude, em si, ela na
escola e eventualmente nas redes sociais.
Realizará também uma pesquisa documental, ou seja, serão
examinados os documentos sobre educação, como as Leis de
Diretrizes e Bases (LDB/1996), as Orientações Curriculares
Nacionais (OCN), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os
documentos do estado de São Paulo sobre a educação e as portarias
e leis específicas para a juventude.
Executada essa primeira etapa, os dados serão elaborados por
meio de revisão, ou seja, leitura, fichamento e interpretação dos
textos selecionados, procurando responder: como as novas formas
de socialização juvenis, a escola e as mídias podem, ou são utilizadas
como espaços de protagonismo juvenil?
Para a verificação desses dados se realizará uma pesquisa de
campo, ou seja, visitas às escolas públicas da rede paulista de ensino,
pertencentes à Diretoria de Ensino de São José do Rio Preto-SP, e
nas redes sociais. Após essa etapa, aplicaremos questionário
semiestruturado e entrevistas com os atores: estudantes,
professores e diretores.
952 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Isso realizado se iniciará a última etapa do estudo, ou seja, se


cotejará os dados levantados com a leitura realizada, com o objetivo de
contribuir para a reflexão sobre juventude, educação e comunicação.

Apresentação e discussão dos resultados

O estudo encontra-se em fase inicial, com estudos diretivos


sobre juventude(s), documentos oficiais sobre educação e análises
das categorias utilizadas, como o protagonismo juvenil. Se
tomarmos um dos espaços de protagonismo juvenil os grêmios
estudantis, em análise inicial percebe-se na LDB de 1996, que em
nenhum momento a questão do grêmio é citada, porém pode-se
entendê-lo como prática social vinculada à educação, já que está
inserido no contexto escolar como também é colocado nos objetivos
da educação, como “Art.1º- A educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais” (BRASIL, 1996).
Então é possível inferir que o processo educativo não se dá
somente na sala de aula, mas também nas práticas sociais, daí a
importância de se analisar como o próprio jovem em seu
“engajamento”, ou seja, nas atividades feitas pelos estudantes, se
apropria do espaço escolar e como esse pode ser ou não de
pertencimento a juventude de hoje. Mesmo porque, a partir da
incorporação da Gestão Democrática, que tem por premissa maior
participação da comunidade escolar sobre o projeto pedagógico da
escola, compreende-se que o discente fará parte da confecção desse
projeto e será seu objeto simultaneamente.

(In)conclusões

Nessas poucas páginas tentou compreender a modernidade e


seus prováveis impactos sobre a escola, sabemos que esse texto é
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 953

apenas uma introdução para se pensar como a estrutura social em


que vivemos repercuti nas formas de ensinar e aprender de nossos
jovens, já que as mesma incidem sobre as políticas públicas de
educação e os projetos governamentais, frutos de metas e
estabelecimentos de assinaturas internacionais. Assim como a
refletir sobre como a modernidade determina novas formas de
socializações para além do espaço escolar.
Esse trabalho e a pesquisa que se realizará tenta compreender
a pluralidade que é a(s) juventude(s), que sua definição é complexa,
e que no atual contexto educacional e social os jovens não estão
apartados de seu processo de aprendizado, ou seja, eles são capazes
de refletirem a realidade que estão envolvidos. Nessas páginas não
se conseguiu fornecer toda a gama de estudos sobre juventude –
participação- escola. Acredita-se que com o desenvolvimento e
resultado da pesquisa em execução, se poderá elucidar parte de
algumas reflexões sobre a participação juvenil, como os jovens
percebem o espaço escolar e de sua participação no mesmo. Enfim,
não foi possível esgotar essa temática nessas páginas, pois se propôs
em apresentar inicialmente um breve panorama sobre a temática.

Referências

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São Paulo: Página Aberta Scritta, 200?.

ARAUJO, Angélica Lyra de. Juventude e participação política: o jovem eleitor de


Londrina. 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2007.

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Preto. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ensino de
Sociologia) – Rede São Paulo de Formação Docente, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2012.

BOGHOSSIAN, Cynthia Ozon e MINAYO, Maria Cecília de Souza. Revisão


Sistemática Sobre Juventude e Participação nos Últimos 10 anos. Saúde e
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BORBA, Patrícia Leme de Oliveira. Protagonismo. In: PARK, Margareth Brandini;


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62

O clima escolar e o processo de ensino e aprendizagem

Kelly Regina Conde


Gláucia Juliana Freire Rangel
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz

Introdução

As queixas dos profissionais da educação sobre as relações


interpessoais na escola são cada vez mais frequentes e preocupantes.
Desrespeito, atos de vandalismo, bullying, agressões físicas e
verbais, banalização de valores morais, alunos desmotivados ou
professores que adoecem fazem com que a escola algumas vezes se
assemelhe a um campo de batalhas. Dentre as relações constituídas
na escola, a interação com as figuras de autoridade (como a do
professor) é de suma importância para a construção das noções de
regras, de valores e para o desenvolvimento do sentimento de
respeito, como apontam pesquisas na área da Psicologia Moral
(MENIN, 2002; TAVARES et al, 2016; VINHA, 2000; LA TAILLE,
1999; TOGNETTA, 2003). Os pesquisadores dessa área salientam
que um ambiente escolar que proporciona relações respeitosas e de
cooperação favorece o desenvolvimento da autonomia moral.
Uma escola que proporciona momentos de construção e
discussão sobre regras e normas promove o desenvolvimento de
relações respeitosas e estas contribuem para o desenvolvimento do
sentimento de pertencimento, de autoestima e de bem-estar (LA
TAILLE, 1999). Consequentemente, esse tipo de relação também
influencia o processo de ensino e aprendizagem e o desempenho
958 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escolar, sendo que esses componentes possibilitam a constituição de


um clima escolar positivo para todos os integrantes da instituição.
O tema do clima escolar ainda é pouco conhecido entre
educadores e pesquisadores brasileiros. Segundo Vinha (2016), o
clima escolar caracteriza-se por uma síntese das percepções dos
integrantes de uma instituição escolar em relação às várias
dimensões inter-relacionadas neste ambiente. Investigar o clima
escolar possibilita compreender a atmosfera de determinada escola,
ou seja, evidenciar a qualidade das relações e dos conhecimentos ali
trabalhados. As dimensões constituintes do clima desenvolvido na
comunidade escolar (sendo elas segurança, ensino e aprendizagem,
relações interpessoais e ambiente institucional) proporcionam o
desenvolvimento das relações sociais no processo de formação da
moral infantil através das experiências que os alunos vivenciam na
escola (CUNHA; COSTA, 2009). Entendemos que um ambiente
cooperativo, onde as relações são baseadas no respeito mútuo e onde
regras e valores podem ser construídos coletivamente em um
ambiente não autoritário, possibilita o surgimento de sentimentos e
relacionamentos mais saudáveis e harmoniosos, necessários para a
convivência em sociedade.
Os elementos constituintes do clima escolar possuem grande
complexidade, uma vez que o clima relaciona-se à interação de
vários fatores e se referem a aspectos como a qualidade das
interações entre os professores e até o nível de ruído presente no
refeitório, a estrutura física e o quanto de segurança é
proporcionado. Por isso, no instrumento utilizado para realizar a
pesquisa que serve de base para este trabalho, existem oito
dimensões inter-relacionadas e que são consideradas constituintes
do Clima Escolar (VINHA; MORAIS; MORO, 2017). Na figura a
seguir, temos uma ilustração das dimensões citadas:
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 959

Figura 1. Dimensões que compõem o Clima Escolar.

Fonte: PAVANELLI, 2018

A dimensão 1, intitulada “As relações com o ensino e com a


aprendizagem”, possui um clima positivo quando:

A boa qualidade desta dimensão se assenta na percepção da escola


como um lugar de trabalho efetivo com o conhecimento, que
investe no êxito, motivação, participação e bem-estar dos alunos,
promove o valor da escolarização e o sentido dado às
aprendizagens. Supõe também a atuação eficaz de um corpo
docente estável e a presença de estratégias diferenciadas, que
favoreçam a aprendizagem de todos, e o acompanhamento
contínuo, de maneira que nenhum aluno fique para trás (VINHA;
MORAIS; MORO, 2017, p.10).

Para fundamentar nossas análises, tomamos como referencial


os estudos sobre desenvolvimento moral de Piaget (1932/1994).
Cabe apresentar, mesmo que sucintamente, os tipos de respeito
constituintes das relações interpessoais: o unilateral e o respeito
mútuo. O respeito unilateral é intrínseco às relações infantis. Toda
criança sente respeito por medo de perder o amor dos adultos e por
medo de castigo, pois as relações entre adultos e crianças pequenas
são inevitavelmente e necessariamente coercitivas, pois as crianças
960 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ainda não têm condições de se autorregularem ou consciência para


tomarem decisões. O respeito mútuo se constitui quando a regra
deixa de ser exterior à criança, ou seja, o indivíduo internaliza essas
regras e passa a incorporá-las à sua consciência. Em suma, o
respeito unilateral está ligado à moral heterônoma, que pode ser
caracterizada pela moral da obediência em que a criança é
subordinada à coação do adulto; o respeito mútuo relaciona-se com
a moral autônoma, que está ligada à cooperação e à reciprocidade.
Portanto, para que haja uma evolução da heteronomia para a
autonomia, as relações coercitivas precisam ceder lugar às relações
de cooperação e de respeito mútuo. Um indivíduo autônomo é
aquele que segue as regras morais que estão interiorizadas em sua
consciência. La Taille (2001, apud VINHA; TOGNETTA, 2009)
salienta que a pessoa passa a ser moralmente autônoma quando age
independentemente dos contextos e pressões sociais que sofre, pois
age a partir de seus valores e princípios. Para Piaget (1964/1991) o
conhecimento é construído nas interações do sujeito com o meio,
através de estruturas já existentes e que a aprendizagem se nutre
das relações e é influenciada pela qualidade destas relações.
Preocupados com as relações de convivência na escola,
realizamos uma pesquisa que avaliou o clima escolar em quatro
instituições. Neste artigo, apresentamos alguns dados da dimensão
1 do instrumento que avalia o clima escolar. Os dados são referentes
à percepção dos alunos sobre as relações com o ensino e com a
aprendizagem. Pelas razões acima apresentadas, consideramos
extremamente importante conhecer as percepções de professores,
gestores e de alunos dos anos finais do ensino fundamental sobre as
dimensões que contemplam o clima da instituição escolar.
Acreditamos que um ambiente onde o clima em que as relações e
sensações dos integrantes daquele ambiente são positivas seja mais
favorável ao aprendizado e desenvolvimento de todos. Sendo assim,
o objetivo deste estudo foi investigar a percepção de 1031 estudantes
do 7º ao 9º ano do ensino fundamental, sobre as relações
estabelecidas na escola e o processo de ensino e aprendizagem.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 961

Entendemos que identificar as características do clima das escolas


possibilita compreendermos os fatores que influenciam os
problemas escolares e assim, podemos elaborar medidas e projetos
de intervenção para melhorar as relações de convivência ética nas
escolas e na sociedade como um todo.

O ambiente sociomoral no processo de ensino e aprendizagem

Piaget (1932/1994) defende que o indivíduo se desenvolve a


partir da ação sobre o meio em que está inserido. A teoria
epistemológica de Piaget tem como objetivo central o estudo da
gênese dos processos mentais e como estes são construídos ao longo
da vida do indivíduo. Para Piaget, o desenvolvimento das estruturas
mentais se inicia no nascimento, quando o indivíduo começa a
estabelecer trocas com o universo ao seu redor. Com isso, o
conhecimento não pode ser predeterminado, isto é, inato ao sujeito,
mas resultante das ações e interações do sujeito no ambiente em que
vive (por isto este modelo teórico pode ser caracterizado como
interacionista). A interação do sujeito com o ambiente permite que
este possa organizar os significados em estruturas cognitivas. Dessa
forma, a maturação do organismo contribui de forma decisiva para
que apareçam novas estruturas mentais e proporcione a adaptação
cada vez melhor ao ambiente. Em seus estudos, Piaget compreende
a existência de estágios no desenvolvimento cognitivo de uma
criança, que são diferentes estruturas cognitivas que permitem
prever o que pode acontecer durante os momentos de evolução,
permitindo compreender a formação dos indivíduos através dos
mecanismos mentais para entender-se então como se estrutura o
processo de aquisição de conhecimentos.
A qualidade das relações sociais tem influência sobre os
comportamentos vivenciados na escola, o que interfere em um clima
escolar positivo ou negativo. Caracterizamos o ambiente sociomoral
como sua atmosfera, referindo-se à qualidade das relações
estabelecidas entre seus membros e que influencia os
962 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

comportamentos e as situações que ocorrem na escola (SILVA;


MENIN, 2015). Há variação entre os pesquisadores quanto às
dimensões constituintes do clima escolar, mas todos concordam que
o clima é elemento essencial para um bom funcionamento da escola.
Quando o clima é positivo, promove desenvolvimento e
desempenho acadêmico saudável e quando é negativo, há espaço
para o sentimento de mal-estar e para surgimento de violência.
Desse modo, um ambiente escolar que promove relações que sejam
respeitosas, além de favorecer a construção de valores morais e
possibilitar o desenvolvimento da autonomia moral, também
proporciona um clima escolar positivo.
O clima, portanto,

[...] é determinante na qualidade de vida escolar e está diretamente


associado ao sentimento de bem-estar geral e de autoconfiança
para realizar o trabalho escolar, à motivação, às aprendizagens e
ao rendimento escolar, à atitude diante da utilidade dos estudos, à
identificação com a escola, ao desenvolvimento emocional e social
dos alunos e professores, aos comportamentos, ao estresse, às
interações com os pares e com os outros atores da instituição
(VINHA et al, 2016, p. 104).

Para DeVries e Zan (1998), os ambientes escolares podem ser


coercitivos ou cooperativos, não necessariamente qualificados em
algum extremo, pois há características mais coercitivas e outras
mais cooperativas. Em um ambiente coercitivo, predominam as
relações unilaterais e heterônomas, sendo o professor aquele que
toma decisões e impõe regras. Um ambiente cooperativo e
autônomo baseia-se em relações onde há respeito mútuo, havendo
interação entre pares e construção das regras e valores em conjunto
com os alunos.
Vários autores (MENIN, 2002; TAVARES, 2016; VINHA,
2000; LA TAILLE, 1999; TOGNETTA, 2003) revelam que a
qualidade de vida em um ambiente escolar está associada ao
sentimento individual e comum, refletindo o desenvolvimento
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 963

emocional dos alunos e professores e seu desempenho nas


atividades desenvolvidas. O contexto comum da comunidade escolar
e das relações ali estabelecidas revela uma personalidade coletiva da
instituição de ensino, ou seja, cada escola possui seu próprio clima.
Os processos e as condições do ambiente escolar caracterizam o seu
clima e viabilizam o reconhecimento de aspectos da natureza moral
que permeiam as relações humanas, o que determina a
produtividade dos alunos e docentes, além de se tornar um fator
crítico para a saúde e para a eficácia de uma escola. Good &
Weinstein (1995, apud Cunha e Costa, p. 5, 2009) afirmam que “a
eficácia escolar abrange o estudo dos processos em ação nas escolas
e tenta explicar o modo como as variações nesses processos afetam
o sucesso dos alunos”, ou seja, o conjunto dos aspectos pedagógicos
e o modo como esses fatores refletem nos alunos se referem à
satisfação das características das relações estabelecidas pelos atores
envolvidos, visando à harmonia do ambiente em um bom
funcionamento da escola e um desempenho acadêmico saudável.
Silva e Menin (2015) citam estudo sobre aprendizagem na
América Latina, onde as pesquisas revelaram que os componentes
do clima escolar refletiam nos comportamentos e sucesso escolar
dos alunos:

[...] escolas mais eficazes em relação a aprendizagem tendem a ser


aquelas com bons níveis de recursos da escola, heterogeneidade
nas salas, onde os alunos não são agrupados por capacidade,
frequência de atividades em que educandos são testados
comumente, salas de aula e escolas com altos níveis de
envolvimento dos pais e um clima positivo de aprendizagem,
especialmente no que diz respeito à disciplina em sala de aula
(SILVA; MENIN, 2015, p. 1175).

Estudos como este evidenciam que aulas onde não há colegas


que perturbam os outros, onde ocorrem poucas brigas e onde os
alunos são amigos possibilitam um desempenho escolar muito
melhor em relação às salas de aula desordenadas. Portanto, vemos
964 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que o clima escolar, como uma percepção da qualidade de vida de


cada um dos membros da comunidade escolar, influencia o processo
de ensino e aprendizagem, podendo afetar tanto o desempenho
acadêmico quanto os problemas comportamentais.

Método

Neste artigo, como já mencionamos, apresentamos parte dos


resultados da pesquisa mais ampla, que avaliou a percepções dos
integrantes de escolas públicas do noroeste paulista sobre o clima
escolar (aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unesp,
CAAE: 1.840.407).
A pesquisa é quantitativa com análise descritiva dos dados e o
instrumento usado para avaliar o clima escolar (na pesquisa maior)
foi constituído a partir de uma matriz formada por oito dimensões
inter-relacionadas, consideradas constituintes do clima escolar.
Dessa forma, foram construídos três instrumentos direcionados a
professores, gestores e alunos do ensino fundamental (VINHA;
MORAES; MORO, 2017).
As dimensões direcionadas para alunos e professores são: as
relações com o ensino e com a aprendizagem (Dimensão 1); as
relações sociais e os conflitos na escola (Dimensão 2); as regras, as
sanções e a segurança na escola (Dimensão 3); a família, a escola e
a comunidade (Dimensão 5); a infraestrutura e a rede física da
escola (Dimensão 6), apenas no instrumento para os alunos há a
dimensão 4 – as situações de intimidação entre alunos. Por fim, as
relações com o trabalho (Dimensão 7) e a gestão e a participação
(Dimensão 8) destinam-se somente a professores e gestores (MELO,
2017).
Nos atemos a itens específicos da dimensão 1 do questionário
para alunos que retratam a percepção destes sobre ensino e
aprendizagem. Os itens que selecionamos foram: 8) [Os estudantes
de sua classe] parecem desinteressados e entediados; 10) [Os
estudantes de sua classe] atrapalham a aula; 14) [Os professores de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 965

sua turma] conseguem manter a ordem durante a aula; 18) [Os


professores de sua turma] parecem estar desmotivados e sem
vontade de dar aulas. Os itens dão como resposta as opções “nunca”,
“algumas vezes”, “muitas vezes” ou “sempre” (VINHA; MORAES;
MORO, 2017, p. 27).
Responderam à pesquisa 1031 alunos do 7º, 8º e 9º anos do
Ensino Fundamental II de quatro escolas públicas estaduais do
município de São José do Rio Preto.

Tabela 1. Frequência e porcentagem dos alunos que responderam à pesquisa


Escola Sexo Ano Escolar Período escolar

A F M 7º 64 (25,3) Matutino Vespertino


(n = 253)
115 138 8º 91 (35,7) 98 155
(45,4) (54,5) 9º 98 (38,7) (38,7) (61,2)

124 138 7º 85 (32,4) 29 233


(47,3) (52,6) 8º 114 (43,5) (11) (88,9)
B
9º 63 (24)
(n = 262)

C 113 115 7º 79 (34,6) 77 151


(n = 228) (49,5) (50,4) (33,7) (66,2)
8º 73 (32)
9º 76 (33,3)

D 152 136 7º 97 (33,6) 169 119


(n = 288) (52,7) (47,2) (58,6) (41,3)
8º 96 (3,3)
9º 95 (32,9)

Fonte: autoras

Após concedida autorização dos gestores e dos professores, os


alunos levaram para seus responsáveis assinarem o termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Após concedida a autorização,
deu-se a coleta dos dados com os estudantes nas salas de informática
de cada escola, sendo que o questionário foi respondido na
plataforma Survey monkey.
966 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Os dados foram exportados e organizados para análise numa


planilha do programa estatístico GNU PSPP free software. Foi feita
a frequência dos dados que são apresentados a seguir.

Resultados

Apresentamos os resultados dos itens 8, 10, 14 e 18 da


dimensão 1 (“As relações com o ensino e com a aprendizagem”) do
questionário para alunos que avalia o clima escolar, portanto,
analisaremos a percepção dos estudantes sobre estes itens.
Figura 2. Respostas dos estudantes ao item 8. Figura 3. Respostas dos estudantes ao item 10.

(Os estudantes de sua classe) (Os estudantes de sua classe)


parecem desinteressados e atrapalham a aula
entediados

Sempre
Sempre 11,06
7,66 12,71
Muitas
Muitas 24,15 vezes
vezes
32,01
29,29 Algumas
50,34 Algumas 32,78
vezes
vezes
Nunca
Nunca

Fonte: autoras Fonte: autoras

Na análise do item 8 [“(Os estudantes de sua classe) parecem


desinteressados e entediados”], notamos que a maioria dos
estudantes (50,34%) considera que seus colegas “algumas vezes”
parecem desinteressados e entediados, seguidos de 29,29% que
consideram que isso acontece “muitas vezes”, 12,71% responderam
“sempre” e 7,66% que responderam “nunca”. Quanto ao item 10
[“(Os estudantes de sua classe) atrapalham a aula”], a maioria
(32,78%) respondeu que seus colegas “muitas vezes” atrapalham a
aula, seguidos dos que responderam “algumas vezes” (32,01%) e
22,15% “nunca”.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 967

Podemos perceber, com estes resultados, que os estudantes


consideram haver problemas na sala de aula que são
proporcionados pelas atitudes de seus colegas (a maioria apontando
que muitas vezes eles atrapalham a aula) e que as aulas não lhes
parecem interessantes, sendo que 42% dos alunos parecem
desinteressados e entediados “sempre” e “muitas vezes”.
Em relação à percepção dos estudantes sobre a motivação dos
professores, eles reconhecem que seus professores se empenham e
estão motivados para dar aulas.

Figura 4. Respostas dos estudantes ao item 14. Figura 5. Respostas dos estudantes ao item 18.

(Os professores de sua (Os professores de sua


turma) conseguem manter turma) parecem estar
a ordem durante a aula desmotivados e sem
vontade de dar aulas
Sempre
10,86 7,86 Sempre
5,24
8,34
Muitas
Muitas
19,3 vezes
vezes
Algumas
61,98 52,09 34,34 Algumas
vezes
vezes
Nunca
Nunca

Fonte: autoras Fonte: autoras

No item 14 [“(Os professores de sua turma) conseguem


manter a ordem durante a aula”], a maioria dos estudantes
(61,98%) respondeu que isso ocorre apenas “algumas vezes”,
seguida de resultados bem menos expressivos nas outras respostas.
Por fim, no item 18 [“(Os professores de sua turma) parecem estar
desmotivados e sem vontade de dar aulas”], os estudantes
consideraram que os professores “nunca“ (52,09%) parecem
desmotivados, seguidos daqueles que responderam “algumas vezes”
(34,34%) e das outras respostas com baixa frequência.
968 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Os estudantes consideram, portanto, que apesar das


dificuldades dos professores em manter a ordem em suas aulas, eles
não costumam, na maioria das vezes, estar desmotivados, mas isso
pode ocorrer algumas vezes.

Considerações finais

Observamos que a boa qualidade do clima relacional na escola


pode influenciar o processo de ensino e aprendizagem, uma vez que
os estudantes consideram as relações que ocorrem na sala de aula
como desestabilizadoras e que, portanto, atrapalham a
aprendizagem. Em relação ao ensino, também vemos que a
qualidade das relações pode fazer com que professores sintam-se
desmotivados, mesmo que isso só ocorra algumas vezes, de acordo
com a percepção dos estudantes. Por isso, concordamos com Silva e
Menin (2015) quando afirmam que se não houverem colegas a
perturbarem uns aos outros, havendo poucas brigas e com o
fortalecimento de laços de amizade, é possível um maior
desempenho escolar do que em salas conturbadas por estas relações
conflituosas.
De modo geral, as escolas sempre se preocupam com o bom
desenvolvimento acadêmico de seus estudantes. Porém, essa
proposta deve estar articulada ao desenvolvimento de atitudes e
valores - como já propõem inclusive documentos oficiais como os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001). É cada vez mais
clara a importância das relações para o bom desenvolvimento
acadêmico e as pesquisas sobre o clima escolar têm confirmado a
necessidade de um planejamento sistemático e substancial em todos
os âmbitos presentes no contexto escolar para que de fato possamos
falar em uma educação de qualidade, tanto em termos de
desenvolvimento cognitivo, quanto pessoal e social.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 969

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63

O conceito de energia no contexto escolar

Rafael Carlin
Cristiane Maria Cornelia Gottschalk

Introdução

Um dos produtos da atividade humana, do aprendizado e do


desenvolvimento da linguagem é o conceito. O conceito está
presente nos diálogos da vida cotidiana, na relação homem e mundo,
nas diversas tradições do conhecimento humano (as ciências, a arte,
a política).
O conceito organiza nossa percepção da realidade, orienta
nossa tomada de decisões, nossas ações e permite transformar os
objetos e nossa relação com eles.
A gênese do conceito está nos primeiros anos de vida e seu
maturamento ocorre ao longo dos anos. Através da relação entre a
criança e o mundo, intermediada pelo sistema sensório motor,
inicia-se um processo de transformação cognitiva que pode ser
compreendido como a interiorização de uma representação de
mundo por parte da criança.
Em determinado momento, o qual não é possível precisar,
ocorre à união entre a ação e a palavra da criança e a partir daí o
desenvolvimento de uma linguagem simbólica, primeiramente
falada, associada à ação no mundo.
Gradualmente a fala é interiorizada pelo indivíduo e pode ser
compreendida como uma fala interior, privada, que consiste na
articulação de um complexo simbólico internamente, sem a
972 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

manifestação corporal e reprodução do mesmo complexo no mundo


material.
Esta interiorização da fala e capacidade de articulação de
complexos simbólicos internamente estão relacionadas com a
capacidade de planejamento da ação sobre o mundo e com a
capacidade de orientação de um conjunto de ações para um objetivo
determinado.
O conceito é um dos elementos desta linguagem simbólica que
atua como mediação entre o homem e o mundo, entre o sujeito e
seu objeto de estudo. Mas o quê é o conceito?
Não pretendemos oferecer uma definição de conceito no
sentido de apresentar a essência do mesmo ou o conjunto de
características essenciais presentes em todos os conceitos e apenas
neles. Antes, gostaríamos de fornecer algumas noções de sua
formação e a relação do mesmo com outros elementos. Tentaremos
fazer isso baseados na filosofia do segundo Wittgenstein.
Para Wittgenstein, a associação entre uma palavra e um
objeto é o evento inicial na formação de um conceito.
(WITTGENSTEIN, 2000, § 6). Tal associação pode ser realizada
através da combinação entre o pronunciamento de uma palavra e
determinadas atitudes com relação ao objeto. Por exemplo, alguém
pode tentar comunicar a associação entre a palavra cadeira e uma
cadeira em particular pronunciado a mesma enquanto aponta com
o dedo indicador para o objeto. Ou então, pronunciando a palavra
cadeira enquanto levanta-a pelas mãos diante de uma pessoa ou
grupo de pessoas. Existem uma série de outras possibilidades para
a comunicação de associações entre objetos e palavras como a
indicação com o movimento dos olhos, a incidência de um feixe de
luz (laser) sobre o objeto, a fixação de uma etiqueta com a palavra
escrita sobre o objeto e etc.
É importante levar em consideração que as atitudes aqui
sugeridas como capazes de comunicar a associação entre uma
palavra e um objeto determinados não são sinais naturalmente
compreendidos por, por exemplo, uma criança. A função de tais
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 973

sinais também é assimilada pela criança através de mecanismos que


procuram relacionar tais gestos à intenção de indicar. Não é uma
capacidade inata das crianças prestar a atenção ao objeto apontado
por um dedo indicador no lugar de prestar a atenção ao próprio
dedo indicador. Trata-se antes de uma capacidade ensinada através
da insistência em dirigir a atenção da criança para diferentes objetos
através dos mesmos sinais.
A partir do momento em que se obtêm êxito na associação
entre uma determinada palavra e um determinado objeto particular
pode-se então avançar para uma segunda etapa, a saber, a
associação de uma mesma palavra às diversas amostras diferentes
de um objeto. Alguém pode, por exemplo, apontar para uma
segunda cadeira da casa e repetir a associação através do gesto
ostensivo e da pronúncia da palavra cadeira. Aos poucos, a palavra
cadeira estará relacionada com diferentes amostras de cadeiras que
apresentam semelhanças e diferenças dentro de um certo limite.
Uma vez que a criança tenha compreendido as relações
propostas, intencionalmente ou não, pelo adulto a mesma será capaz
de reconhecer, dentro de certos limites, um novo exemplar de
cadeira ainda que este novo exemplar não seja idêntico à nenhuma
das amostras oferecidas conhecidas anteriormente. Nesta altura do
processo podemos dizer que a criança aprendeu um certo conceito
de cadeira conforme concepção de aprendizado apresentado por
Gilbert Ryle. (RYLE, s/d, p. 108)
O conceito de cadeira acima descrito como supostamente
possuído pela criança, e da maneira como descrito, diz respeito
unicamente à aparência da cadeira (sua forma, material, cor…). No
entanto, na atividade humana se dá que as relações entre o homem
e o mundo sejam mais complexas que a associação controlada de
relacionar uma palavra a um objeto. Assim, a criança que
compreende a associação entre a palavra cadeira e determinadas
amostras do objeto já sentara anteriormente em uma cadeira para
comer, já subira na cadeira para alcançar determinado objeto de seu
desejo, já caíra após cair de uma cadeira e etc.
974 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Todas essas relações entre a criança e o objeto cadeira serão


associadas à mesma palavra oferecida pelo adulto que procurou
estabelecer esta associação. A complexificação do conceito de cadeira
através da associação de novas amostras de cadeiras, de novas
experiências com o objeto cadeira permitirá, por exemplo, que
durante alguma brincadeira as crianças vejam diferentes objetos
como cadeiras ao decidirem ter uma relação com este objeto que seja
uma relação comumente tida com cadeiras, por exemplo, poderá
uma criança sentar-se sobre as costas da outra e exclamar “Você é
minha cadeirinha”. Ou então, vendo um palhaço simular a atitude
corporal de alguém que está sentado, exclamar “Ele sentou na
cadeira.” quando, em verdade, não há cadeira alguma.
O conceito enfim, pode ser visto como produto de uma
organização e síntese da experiência entre homem e mundo que é
formado a partir da associação entre objetos e palavras e podem ter
seu significado alargado e transformado de maneira, a priori,
indefinida.
Para Wittgenstein, o que permite o reconhecimento de novos
exemplares de um determinado objeto como tal, por parte da
criança, é a posse do conceito deste objeto pela mesma. No entanto,
para o autor possuir um conceito não significa ter extraído dos
diversos objetos particulares um conjunto de características que os
definem, por exemplo, um conjunto de características que dizem
respeito simultaneamente a todas as cadeiras e a nenhum outro tipo
de objeto. Tal concepção corresponde ao essencialismo platônico no
qual a compreensão do significado de determinado grupo de seres
nomeados pela mesma palavra está relacionada à extração de um
certo conjunto essencial de características destes seres.
No lugar da concepção essencialista Wittgenstein propõem a
noção de “semelhanças de família” na qual compara a relação de
semelhança entre as diferentes amostras de cadeiras com as
semelhanças existentes entre os diferentes membros de uma família
humana. Em uma família típica é possível reconhecer o parentesco
de seus membros sem, no entanto, ser capaz de eleger um conjunto
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 975

de características presente a todos os membros desta família e a


nenhum membro de outra. Ou seja, a mãe e o filho podem ter o
mesmo nariz, orelhas e olhos enquanto o pai e a filha podem ter os
mesmos cabelos, orelhas e boca. Os filhos as mesmas orelhas e
mãos, sendo que estas últimas poderiam ser diferentes tanto do pai
quanto da mãe e etc. (WITTGENSTEIN, 2000, § 67)
A noção de semelhanças de família é esclarecida pelo autor
através desta imagem da família. No entanto, Wittgenstein não
descreve os mecanismos de semelhanças exclusivamente como a
coincidência entre características. O ponto central, em nossa
concepção, é que a semelhança poderá ocorrer por diferentes
mecanismos, incluindo até a identificação de um conjunto de
características comuns como propõem o essencialismo.
A formação do conceito, como descrita anteriormente, ocorre
no interior de certas dinâmicas, certas atividades humanas que são
compostas pela relação entre o homem e o mundo, o uso das
palavras, símbolos, gestos, amostras e etc. A essas dinâmicas de usos
da palavra Wittgenstein nomeou “Jogos de linguagem”. Alguns jogos
de linguagem são apresentados pelo autor em sua obra
Investigações Filosóficas de maneira simplificada com o objetivo de
auxiliar na compreensão do papel destes jogos na constituição dos
conceitos, do significado e dos sentidos produzidos pela linguagem.
Os Jogos de linguagem são contextos pragmáticos regrados onde
fazemos uso da palavra. (WITTGENSTEIN, 2000, § 23). Ao conjunto
de regras que condiciona e dá forma a um jogo de linguagem
chamamos Gramática. A gramática é o conjunto de regras que
regulam os usos das palavras no interior de determinados jogos de
linguagem e possui natureza convencional.
A natureza convencional da gramática subjacente aos jogos de
linguagem significa que as regras de um determinado jogo de
linguagem poderiam ser outras mas foram constituídas estas. O que
escrevemos acima não quer dizer que as gramáticas já constituídas
careçam de razões para ser como são. É possível que possuam
976 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

razões. No entanto, é comum que outras gramáticas sejam


observadas em diferentes situações, povos e culturas.
O conjunto de regras que regula os usos das palavras em
determinados jogos de linguagem está fortemente ligado com as
formas de vida. Segundo Wittgenstein, as formas de vida são o
fundamento último da gramática dos jogos de linguagem.
(WITTGENSTEIN, 2000, § 19 e 217) As formas de vida são
constituídas por uma série de hábitos diante da palavra e, por
consequência, da realidade. Tais hábitos foram forjados ao longo da
história através de constrangimentos de ordem natural, sociais e
culturais. Assim, as gramáticas são de natureza convencional mas
possuem origem e mecanismos de progresso e consolidação que
transcendem a mera escolha por um grupo de pessoas.
Os contextos de uso da palavra são muitos e diversos. Durante
a vida é comum que os sujeitos entrem em contato com jogos de
linguagem que apresentem certo grau de variação entre si e,
portanto, que se choque com diferentes gramáticas, diferentes
regras que regulam o uso das palavras.
Não há motivo para supor que o conjunto das gramáticas
interiorizadas pelos sujeitos seja completamente coerente entre si, que
não haja contradição entre as regras de uso oriundas de um
determinado contexto em relação as regras de uso oriundas de outros.
Assim, o substrato da relação entre o homem e o mundo,
constituído pelas certezas ou pela gramática, pode ser visto como
uma colcha de retalhos na qual cada um dos retalhos representa a
gramática subjacente a um determinado contexto de aplicação da
palavra e na qual as divisas entre cada retalho sejam os imprecisos
limites que separam as diferentes gramáticas.
No interior de determinado jogo de linguagem, sim, podemos
supor certa estabilidade oriunda da coerente rede de certezas na
qual cada proposição gramatical (proposições que expressam
certezas) constitui um dos elos fundamentais. O abandono de uma
certeza ou conjunto de certezas implica a reorganização da rede de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 977

certezas com o abandono ou modificação de significativo número de


outras certezas. (WITTGENSTEIN, 1998, § 225).
O sentido de uma determinada gramática é constituído através
da relação entre respeitável conjuntos de proposições gramaticais.
De início propusemos o conceito como um dos produtos da
relação entre o homem e o mundo. Neste ponto faremos a
proposição de que o conceito, uma vez possuído por alguém, atuará
como instância mediadora entre o homem e o mundo. E, mais, que
esta relação, entre sujeito e objeto, apresenta caráter de movimento
no qual o conceito condiciona a ação do sujeito em relação ao objeto,
mas também, na qual, a relação com o objeto transforma o conceito.
Assim, mesmo uma rede de certezas relativamente estável
poderá sofrer transformações em função do próprio uso que o
sujeito faz da palavra no interior de diferentes jogos de linguagem.
Estas transformações poderão ocorrer através da expansão dos usos
experimentados para o conceito (seja através do acesso à diferentes
amostras de um objeto, seja através da admissão de uma nova
relação com os objetos conhecidos).
As transformações sugeridas anteriormente tendem a ser
suaves, de caráter expansivo. No entanto, é possível que um conceito
ou conjunto de conceitos, e a gramática associada a seus usos, sejam
profundamente transformados, ou seja, que tenha sua gramática
rompida e reformulada através do abandono de determinado
conjunto de certezas, a admissão de um novo conjunto e sua
reorganização destes com as certezas restantes. A tal processo, fruto
da persuasão, chamamos de conversão.
A persuasão, aqui compreendida em oposição ao
convencimento, consiste no êxito em seduzir o outro a substituir um
conjunto de crenças fundamentais por outro. (MORENO, 1995,
P.255). Em oposição, o convencimento é o resultado da aceitação de
uma proposição demonstrada a partir de um conjunto de certezas e
procedimentos compartilhados.
É interessante vislumbrar que os pares conceituais persuasão
/ não persuasão, conversão / não conversão, convencimento / não
978 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

convencimento estão relacionados com os pares adequação /


divergência e forma de vida comum / forma de vida divergente.
Outra possibilidade com relação à formação de conceitos é o
desenvolvimento pouco interdependente de diversas redes de crenças
associadas a uma mesma palavra sem que uma possa ser considerada
a expansão da outra e sem que uma substitua a outra. Podemos
compreender melhor esta possibilidade através de uma imagem.
Suponha que as regras de uso de uma palavra, por exemplo manga,
constituam uma rede de proposições gramaticais. Ou seja, que existam
múltiplas associações entre amostras de objetos, relações entre o
objeto e o sujeito, relações entre o objeto e outros objetos e a palavra,
por exemplo “manga”. Suponha ainda que tais relações tenha ocorrido
no interior de determinados contextos de aplicação como, por
exemplo, a compra de frutas no mercado, a preparação de sucos
naturais, a realização de refeições e etc. Suponha agora, um novo
conjunto de contexto de aplicação como, por exemplo, a confecção de
uma roupa, os serviços de custura, a lavagem de roupas sujas, os
elogios públicos à vestimenta alheia e etc.
Relacionados à mesma palavra, no caso “manga”, podem
ocorrer maneiras de relacionar-se com o mundo muito diversas,
inclusive com objetos muito diversos em situações também diversas.
Neste caso, podemos imaginar duas redes de certezas, com baixo
grau de interdependência que se formam a partir da mesma palavra
e que, possivelmente apresentem um núcleo comum.
Assim é possível que um sujeito possua um certo conceito que
num conjunto de situações operam de determinada maneira e
noutro conjunto de situações operam de maneira diversa.
operam de determinada maneira e noutro conjunto de
situações operam de maneira diversa.

Metodologia

Como nosso objetivo de pesquisa incluía analisar o papel de


diversos recursos linguísticos na formação do conceito de energia
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 979

decidimos elaborar e aplicar uma SD sobre energia. Os principais


objetivos com esta SD incluíram atender a uma demanda do
professor que desejava uma intervenção minha no processo de
ensino dos alunos, proporcionar mais situações de discussão entre
alunos e professor e entre alunos, utilizar outros recursos
linguísticos no ensino do conceito de energia.
Todas as aulas da SD ocorreram no horário regular das aulas
de física ao longo de oito aulas de 50 minutos. Após cada aula da SD
os alunos receberam uma questão reflexiva sobre o conceito de
energia para responderem em casa. Na sequência, apresentaremos
as temáticas de cada uma das aulas da SD:

25/Set Apresentação + Sondagem


02/Out A chama da vela
09/Out Bola na rampa
16/Out Usina Termoelétrica
23/Out O pêndulo e o LED
30/Out Sistematização das aulas
06/Nov Matemática e Conservação
13/Nov Projeto de intervenção

Na primeira aula da SD foram explicadas cada uma das etapas


do mesmo, a maneira através da qual a participação dos alunos
gerariam suas médias bimestrais, as regras de comportamento e de
entrega de atividades. Em seguida, anunciei e apliquei um pré-teste
aos alunos. O pré-teste foi aplicado com a finalidade de fornecer um
perfil da capacidade dos alunos em associar o conceito de energia a
diferentes contextos representados por gravuras e, com isso, tentar
realizar algum tipo de medida do impacto realizado pela SD em suas
concepções. Em seguida, apresentamos o pré-teste:
980 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Figura 1: Pré-teste aplicado aos alunos. Fonte: BARBOSA E


BORGES, 2006

Cada um dos alunos recebeu uma folha com estas gravuras


impressas. Após a descrição do que cada uma das figuras procurava
representar foi solicitado aos alunos que assinalassem aquelas
situações que, na opinião deles, estavam relacionadas com o
conceito de energia, em que o conceito de energia estaria presente e
que, no verso da folha, justificassem a escolha de cada uma das
situações.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 981

Durante a SD apresentamos alguns experimentos aos alunos.


Foram eles a vela acesa, a bolinha na rampa, a usina termoelétrica e o
pêndulo e o LED. Dois destes, a bolinha na rampa e o pêndulo e o LED
não foram realizados dentro da sala de aula por conta de eventos
realizados na escola que impossibilitaram nosso encontro. Como
solução, um vídeo exibindo o fenômeno foi colocado à disposição na
internet para que os alunos refletissem sobre o observado
respondessem a reflexão proposta. Os dois experimentos que
ocorreram em sala de aula foram conduzidos de maneira dialógica e
permitiram o confronto de ideias dos alunos sobre o significado do
termo energia e sua relação com o fenômeno observado.
Além dos experimentos reservamos uma aula para
sistematizar toda a discussão sobre energia realizada nos
experimentos e, ainda, uma outra para discutir o papel da
matemática na compreensão da conservação da energia mecânica.
Encerrada a SD o pós-teste foi aplicado com a finalidade de
medir o impacto da SD na concepção de energia dos alunos. O pós-
teste aplicado foi a devolução do pré-teste de cada um dos alunos
para que decidissem manter ou alterar suas respostas anteriores, na
ocasião em que o preencheram como pré-teste.

Figura 2: Gráfico da porcentagem de identificações entre o conceito de energia e


a situação proposta. Pré-teste (azul) e pós-teste (vermelho).
982 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Resultados

Os resultados de nosso pré-teste mostram (através dos itens


1, 4, 5, 13 e 19 da Figura 2) a facilidade da maioria dos alunos em
relacionar a energia ao movimento e a eletricidade, a forte
associação entre energia e ao sol, à vida vegetal ou à fotossíntese
(através do item 18) e a dificuldade em reconhecer as situações
relacionadas com a energia potencial gravitacional e química
(através dos itens 3, 9, 14, 16 e 20).
O teste realizado, cujos resultados mostramos acima, apenas
diz respeito à capacidade do aluno em relacionar o conceito de
energia com as situações propostas pelas gravuras. Mesmo o item
de número 13, carro em movimento, não nos permite concluir que
os alunos são capazes de realizar toda e qualquer reflexão no que diz
respeito à energia cinética de um corpo mas somente que todos os
alunos estão familiarizados com a relação entre o conceito de
energia e um carro em movimento.
Durante a SD apresentamos alguns experimentos aos alunos.
Foram eles a vela acesa, a bolinha na rampa, a usina termoelétrica e
o pêndulo e o LED. Dois destes, a bolinha na rampa e o pêndulo e o
LED não foram realizados dentro da sala de aula por conta de
eventos realizados na escola que impossibilitaram nosso encontro.
Como solução, um vídeo exibindo o fenômeno foi colocado à
disposição na internet para que os alunos refletissem sobre o
observado respondessem a reflexão proposta. Os dois experimentos
que ocorreram em sala de aula foram conduzidos de maneira
dialógica e permitiram o confronto de ideias dos alunos sobre o
significado do termo energia e sua relação com o fenômeno
observado.
É possível observar ganhos em todos os itens, com exceção do
de número 13 que já possuía o percentual máximo, com destaque
para os itens de número 3, 7, 11, 14, 16 e 20. Todos os itens, com
exceção dos de número 7 e 11, dizem respeito às energias potenciais.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 983

O número 7 diz respeito à chama de uma vela acesa enquanto o


número 11 a um conjunto de engrenagens em movimento. Tais
mudanças, significativas, estão diretamente relacionadas com a SD
aplicado.

Conclusões

Primeiramente, gostaríamos de destacar a persistência de


certas características da concepção de energia nas etapas desta
pesquisa, a saber, no pré-teste e no pós-teste realizados pelos alunos.
Tais características persistentes são a forte associação do conceito
de energia aos contextos onde se observam corpos em movimento e
equipamentos eletroeletrônicos.
Tal persistência pode se justificar através da grande exposição
dos alunos à situações onde tais empregos do termo energia são
efetuados. Estes contextos podem estar presentes no cotidiano do
aluno, incluindo os programas e propagandas de televisão e demais
mídias, e até mesmo na escola. Esta grande exposição pode ser
compreendida a partir de, pelo menos, dois pontos de vistas, a saber,
o da quantidade de situações e o do período dentro do qual os
indivíduos entram em contato com estas situações. Ou seja, por um
lado a abundância de contextos nos quais a energia está associada
ao movimento ou a eletricidade e, por outro, os longos anos através
dos quais o indivíduo é exposto a estas situações.
Na medida em que nossos estudantes são postos em contato
com tais contextos iniciam um processo de assimilação e
interiorização das regras de uso da palavra energia associadas a
estes contextos de aplicação. Os estudantes começam a arriscar o
uso desta palavra em outras situações de seu cotidiano como, por
exemplo, para justificar aos pais porque não quer ir à escola ou
convencer o professor de educação física a deixá-lo jogar no
campeonato. Esta atividade de transpor o emprego de um termo de
um conjunto de contextos originários para novos contextos de
aplicação é um dos sinais da formação do conceito associado a
984 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

palavra. É aqui que a palavra adquire características de conceito. No


entanto, a formação do significado de um conceito por nossos
estudantes é limitada pelos contextos de aplicação aos quais estes
estudantes foram inseridos.
Acreditamos que uma das razões das características
persistentes no conceito de energia deva-se a solidificação e
confirmação de um certo conjunto de regras de uso da palavra
energia em determinados contextos que, por algum motivo, são
privilegiados em relação a outros. A este privilégio de certo conjunto
de contextos de uso da palavra e, portanto, a certos aspectos de um
conceito chamaremos dieta unilateral. É a dieta unilateral a
responsável pelos dogmatismos, ou seja, a postura dogmática,
produto de uma visão parcial das possibilidades de uso de
determinados conceitos.
A dieta unilateral é o contato exclusivo com determinados
aspectos de um conceito em detrimento de outros. O resultado desta
dieta unilateral é a compreensão de um conjunto limitado das regras
de aplicação de um determinado conceito, como o de energia.
Portanto, a gramática de um conceito será formada de maneira
incompleta o que quer dizer que a rede de proposições gramaticais
que constituem as crenças acerca deste conceito será artificialmente
reduzida, embora coerente. É aí que surgem as imagens. As imagens
são fruto da compreensão parcial de um determinado conceito, de
uma determinada gramática e podem se constituírem como
obstáculos ao alargamento do conceito, ou seja, ao aprendizado de
novos contextos e novas regras de aplicação do mesmo. O quadro
que procuramos descrever, do dogmatismo causado pela dieta
unilateral, será um dos principais problemas a serem enfrentados
na busca pela formação de cidadãos críticos.
Apesar de nossa SD não ter sido suficiente para reverter o
quadro apresentado precisamos reconhecer que tenha promovido
mudanças significativas nos aspectos mais deficitários do conceito
de energia apresentado pelos alunos, a saber, aqueles relacionados
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 985

com as energias potenciais – quer sejam mecânicas ou químicas,


aqueles relacionados à temperatura, ao som e aos combustíveis.
Nossos resultados têm apontado como solução um ensino de
física que dê conta de explorar os mais diversos contextos nos quais
um conceito possa ser aplicado sem negligenciar seus aspectos
filosóficos, sociais, históricos e empíricos. Acreditamos que isso
somente será possível através de uma formação sólida do professor
de física em oposição à formações generalistas de professores de
ciências.

Referências

BARBOSA, J. P. V; BORGES, A. T. O entendimento dos estudantes sobre energia


no início do Ensinio Médio. Cad. Brás. Ens. Fís., v. 23, n. 2: p. 182- 217,
ago. 2006.

MORENO, A. R. Wittgenstein Através das Imagens. Editora Unicamp. 1995

MORENO, Arley R. Introdução a uma pragmática filosófica. Campinas: Editora da


Unicamp, 2005

RYLE, G. Teaching and training. In: PETERS, R. S. The concept of education.


Londres: Routledge; Keagan Paul, s/d. p. 105-119

WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Editora Nova Cultural. 2000.

WITTGENSTEIN, L. On certainty. Oxford: Blackwell Publishers Ltd, 1998.


64

O conceito de linguagem em Vigotski

Amanda da Silva Cuim


Maria Eliza Brefere Arnoni

Introdução

A presente discussão é acerca de uma abordagem ontológica


da linguagem entendendo-a como ato humano e consciente
valorizando o seu uso social e dialógico que constitui a mediação
como uma relação que permeia o conhecimento historicamente
produzido.
A posição do homem no universo é determinada consciente
ou inconsciente por suas ações através da apropriação do
conhecimento histórico produzido pela sociedade, torna-se parte da
humanidade articulado ao movimento histórico-social referente a
sua totalidade. Não basta apenas viver em sociedade para que isto
aconteça, pois, este conhecimento não é absorvido por meio do
contato imediato com o ser humano e suas objetivações e sim pela
mediação, através da educação para que o homem se humanize, é
através da atividade educativa que se encontra a forma do ser social.
Entende-se por atividade educativa na perspectiva da emancipação
humana:

(...) considerar a aula como práxis educativa é compreendê-la


como preservadora dos atributos do trabalho e síntese da relação
dialética entre teleologia/subjetividade e causalidade/objetividade.
Esta, o campo de possibilidades postas pela realidade objetiva,
regida por leis independentes de qualquer consciência,
988 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

constituindo-se como momento predominante da relação e,


aquela, o estabelecimento dos fins a serem atingidos pela aula,
criados pela consciência do professor, na dependência das
necessidades que ele depreende da realidade objetiva que lhe é
posta. (ARNONI, 2014).

Partindo deste pressuposto a escola é parte humanizadora


do aluno com intencionalidade de desperta-lo para o movimento
histórico da humanidade. Mas, para que isso ocorra ela tem uma
importante atividade o professor deve estudar os conceitos que
possibilitem ao homem essa humanização, através de atividades
educativas emancipadoras.

Desenvolvimento: referencial teórico

O propósito dos estudos de Vigotski (2007) traz aspectos


típicos do comportamento humano como essas características se
formaram ao longo da história da humanidade o autor dedicou-se
ao estudo do desenvolvimento da linguagem e sua natureza. Os
planos genéticos do desenvolvimento da teoria de Vigotski
consideram que o mundo psíquico não está pronto previamente, ou
seja, não é inato, não é recebido pelos outros ou pelo ambiente.
Vigotski (2001) afirma que a linguagem tem função
comunicativa diferentemente dos animais a comunicação humana é
racional, tem funcionalidade é transmissora de ideias, além de ser
fundamental para que haja a interação social e desenvolvimento
humano, sendo parte inerente na vida do ser que através da
organização do pensamento faz o discurso oral ou escrito. O contato
social permite a criança um desenvolvimento em relação aos meios
de comunicação, ou seja, a maneira que ela consegue se expressar,
relações que são definidas segundo o autor nos primeiros dias de
vida.
Na perspectiva de Vigotski (2007) ao construir a cultura e o
conhecimento, por meio do trabalho, o homem produz uma
realidade sócio histórica externa e interna que modifica sua natureza
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 989

em sua totalidade e este transforma o seu meio. Utilizando-se de


funções psicológicas superiores mais abrangentes e complexas do
que suas funções biológicas.

Relação linguagem, pensamento e palavra

A linguagem para Vigotski (2001) é entendida como discurso,


fala, sendo assim, todos os grupos humanos apresentam uma
língua. O autor trabalha com duas funções básicas da linguagem, a
primeira função é a comunicação, o homem a princípio desenvolveu
a linguagem para se comunicar, este aspecto também pode ser
encontrado nos animais.
A aquisição da linguagem pode ser um paradigma para o
problema da relação entre aprendizado e desenvolvimento. A
linguagem surge inicialmente como um meio de comunicação entre
a criança e as pessoas em seu ambiente. Somente depois, quando da
conversão em fala interior, ela vem a organizar o pensamento da
criança, ou seja, torna-se uma função mental interna. (VIGOTSKI,
2007, p.102)
A segunda função da linguagem para Vigotski (2001) é o
pensamento generalizante, onde a língua se encaixa com o
pensamento, nesta função que o uso da linguagem implica com uma
ação generalizada do mundo, pois, ao nomear algo, realiza-se o ato
de classificação, uma palavra já serve para ser classificada no
mundo, o ato de nomear é o ato de classificar.
A relação do pensamento e da linguagem segundo o autor é
uma ação tipicamente humana e muito importante na definição do
que é o funcionamento psicológico humano.
Para Vigotski (2001) a criança pode reduzir o significado da
palavra a mudanças meramente externas e quantitativas de vínculos
associativos. O significado da palavra modifica-se durante o
processo de desenvolvimento da criança além de ser inconstante
durante as diversas funções do pensamento.
990 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O autor considera que a linguagem está fora da pessoa,


inicialmente, a criança nasce em um ambiente falante e se apropria
dele ao longo de seu desenvolvimento é um movimento que
acontece de fora para dentro, para ele o primeiro uso da linguagem
é a fala socializada, é pela interface da criança com o outro que a ela
surge externamente com função comunicativa inicial.

A linguagem para si surge pela diferenciação da função


inicialmente social da linguagem para outros. A estrada real do
desenvolvimento da criança não a socialização gradual introduzida
de fora, mas a individualização gradual que surge com base na
sociabilidade interior da criança. (VIGOTSKI, 2001, p. 429)

Para o autor a linguagem não representa um pensamento


pronto, pois, ao adaptar-se para a linguagem o pensamento se
reestrutura. O pensamento e a linguagem unem-se quando
produzem o que o autor classifica como pensamento verbal a
natureza do desenvolvimento do pensamento verbal tem por base o
conceito histórico-cultural do materialismo dialético, ou seja, é
determinado por esta perspectiva, sendo o seu desenvolvimento
regido pelas leis gerais do desenvolvimento histórico da
humanidade.

Zonas de desenvolvimento

A questão das relações entre o desenvolvimento e


aprendizagem, são aspectos relevantes dentro da teoria de Vigotski,
devido ao postulado básico de que o desenvolvimento se dá de fora
para dentro, por causa da importância da cultura da imersão do
sujeito no mundo a aprendizagem aparece como fator
extremamente importante na definição dos rumos do
desenvolvimento humano.

Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do


processo de desenvolvimento das funções psicológicas
culturalmente organizadas e especificamente humanas.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 991

Resumindo, o aspecto mais essencial de nossa hipótese é a noção


de que os processos de desenvolvimento não coincidem com os
processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de
desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo
de aprendizado, desta sequenciação resultam, então, as zonas de
desenvolvimento proximal. (VIGOTSKI, 2007, p. 94)

Em relação ao aprendizado escolar o autor afirma que se inicia


muito antes de as crianças estarem na escola, acredita que qualquer
saber apresentado na instituição tem por ela uma história prévia. O
aprendizado escolar sistematizado produz na criança um novo
desenvolvimento, seria o que o autor classifica como zona de
desenvolvimento proximal, são funções que ainda não
amadureceram, mais estão no processo de maturação funções
prospectivas (que estão por acontecer).

Porém, a sistematização não é o único fator; há também o fato de


que o aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no
desenvolvimento da criança. Para elaborar as dimensões do
aprendizado escolar, descrevemos um conceito novo e excepcional
importância, sem o qual esse assunto não pode ser resolvido: a
zona de desenvolvimento proximal. (VIGOTSKI, 2007, p.95)

O que a criança tem na idade pré-escolar o autor classifica


como zona de desenvolvimento real ou para alguns estudiosos da
escola de Vigotski zona de desenvolvimento atual, são
desenvolvimentos já completados, funções que já amadureceram,
produtos (finais) do desenvolvimento.

O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendizado


das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola.
Qualquer situação de aprendizado com qual a criança se defronta
na escola tem sempre uma história prévia. (VIGOTSKI, 2007, p.
94)

E o autor acrescenta,
992 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O primeiro nível pode ser chamado de nível de desenvolvimento


real, isto é, o nível de desenvolvimento das funções mentais da
criança que se estabeleceram como resultados de certos ciclos de
desenvolvimentos já completados. (VIGOTSKI , 2007, p.95)

Este conceito para Vigotski (2007) não é valoral, não é visível


na prática, não é instrumental é complexo, auxilia no entendimento
do desenvolvimento, seria impossível medi-lo, temos como exemplo
uma sala de aula com trinta alunos teriam trinta zonas de
desenvolvimentos proximais em movimento, pois, a cada
problematização altera-se a zona da criança ou uma parte dela.
Assim ao superar o problema, a zona de desenvolvimento
proximal hoje será a zona de desenvolvimento real amanhã,
resumindo o que a criança precisa de ajuda hoje para solucionar um
problema, conseguirá fazer sozinha amanhã.
Cabe aqui uma analogia a Teoria Pedagógica da Metodologia
da Mediação Dialética – M.M.D desenvolvida pela professora Drª.
Maria Eliza Brefere Arnoni, que traz aspectos do desenvolvimento
psicológico dos educandos:

Arnoni (2007) criou a “Metodologia da Mediação Dialética -


M.M.D.” para o desenvolvimento desta categoria básica da aula,
trata-se de uma proposição teórico-metodológica pautada na
aplicação das categorias do método dialético – movimento,
totalidade, contradição, superação e momento predominante - no
desenvolvimento do conceito com o aluno, no decorrer da prática
educativa, a fase prática da práxis educativa. Segundo a autora, a
M.M.D. é composta de quatro Etapas – Resgatando,
Problematizando, Sistematizando, Produzindo – que se
diferenciam na dependência da categoria dialética que expressam.

E continua,

Resgatar é investigar o ponto de partida da atividade da mediação


dialética e pedagógica [processo de ensino e aprendizagem]
desenvolvida na prática educativa.(...) Para organizar a atividade
investigativa do Resgatando, o professor estuda o conceito a ser
ensinado, na perspectiva da totalidade, compreendendo-o como
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 993

produção humana histórica e social, e depreende sua


composição.(...) A partir deste estudo, o professor, por intermédio
de diferentes linguagens, elabora a atividade investigativa para
resgatar as ideias iniciais dos alunos sobre o conceito a ser
ensinado, as quais foram mentalmente elaboradas por eles, a
partir de suas vivências. (ARNONI, 2014, p.08)

Portanto poderia se dizer que na etapa resgatando o professor


consegue perceber qual desenvolvimento psicológico a criança se
encontra, seria a zona de desenvolvimento real da teoria de Vigotski,
o que a criança realiza de maneira autônoma, são conhecimentos já
amadurecidos. Na teoria M.M.D a quarta etapa produzindo pode ser
comparada a zona de desenvolvimento proximal,

Esta proposição teórico-metodológica imprime à prática educativa


o movimento em espiral, gerado pelo encontro da Etapa
Produzindo com a Etapa Resgatando, as quais se diferenciam pela
qualidade das informações referentes ao conceito desenvolvido
pelo professor, o Resgatando apresenta ideias iniciais do aluno e o
Produzindo, a expressão do conceito que ele, o aluno, elaborou. A
diferença entre estas etapas gera contradição, a categoria dialética
que, neste caso, desenvolve-se pelo momento predominante, pois o
Produzindo é utilizado como Resgatando e, como tal, assume o
predomínio na M.M.D. E, ao ser problematizado, dá continuidade
à operacionalização de suas etapas na prática educativa, num
movimento em espiral e contínuo. (ARNONI, 2014, p.14)

Vigotski (2007) considera que o nível de desenvolvimento


infantil é caracterizado por aquilo que a criança consegue fazer seja
de maneira independente ou com auxílio de outros. “Ensinar a uma
criança aquilo que é incapaz de aprender é tão inútil como ensinar-
lhe a fazer o que é capaz de realizar por si mesma”. (VIGOTSKI,
1993, p.245).
A esse respeito o autor afirma que a aquisição de linguagem
pode ser um paradigma para problemas no processo de
desenvolvimento e aprendizagem. “O ensino deve orientar-se não
ao ontem, mas, sim ao amanhã do desenvolvimento infantil.
994 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Somente então poderá a instrução provocar processos de


desenvolvimento que se acham agora na zona de desenvolvimento
proximal”. (VIGOTSKI, 1993, p.242)

Zonas de desenvolvimento e o aprendizado escolar

O desenvolvimento da criança é provocado a partir da


aprendizagem dos conceitos que lhe exige utilizar suas capacidades
(ainda não formadas) que se encontram em sua zona de
desenvolvimento proximal. Se assim não fosse, se não provocasse a
superação de conceitos a criança se limitaria a zona de
desenvolvimento real.
Assim segundo a perspectiva de Vigotski um aspecto de
extrema relevância é a intervenção de outras pessoas nos rumos do
desenvolvimento, no contexto escolar seria a intervenção do
professor que ajuda o adiantamento psicológico dos alunos.
Em relação ao ensino da língua materna – LM, os conceitos
trazidos por Vigotski devem ser considerados, pois, percebe-se que
o ser não aprende a língua no ambiente escolar (linguagem como
comunicação), mas desenvolve-se por interações entre os processos
de mediação com o ambiente a que pertence, envolvendo aspectos
culturais e sociais que antecedem esse indivíduo ao uso linguístico.
Geralmente os alunos chegam a escola utilizando a língua
materna com um desenvolvimento prévio e limitado dentro de
aspectos oral e escrito. A escola cabe desenvolver e aprimorar o
potencial dos alunos dentro destas áreas do conhecimento, através
da mediação que ocorre pela linguagem, entre o professor,
conhecimento e aluno.
Arnoni (2018) afirma que é pela linguagem que se estabelece
a mediação entre professor e aluno, por ela que se veicula o conceito
ensinado entre ambos. Para o professor transformar conceito
disciplinar em conceito educativo, precisa se estudar o conceito na
perspectiva da totalidade organizado metodologicamente por meio
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 995

das etapas da M.M.D. Para fins de entendimento sobre a M.M.D.


Arnoni (2018) afirma:

(...) a M.M.D. expressa uma síntese do processo reflexivo


vivenciado por Arnoni (2007, 2012, 2018), em que articula ensino,
aprendizagem e pesquisa, numa perspectiva ontológica, ao
depreender a necessidade de uma proposição teórico-
metodológica que permitisse ao professor o entendimento e, ao
mesmo tempo, o enfrentamento deste modelo de sociedade, sob o
comando dos Grupos Econômicos hegemônicos, que se impõem à
educação escolar. (ARNONI, 2018, p.4)

Neste sentido Arnoni (2018) a concepção de totalidade na


lógica dialética e na ontologia do ser social, apresenta uma estrutura
dinâmica, histórica e geradora das relações dialéticas entre as partes
e, destas com o todo. Já a concepção de conhecimento produzido pelo
homem em sociedade, permite-lhe a compreensão dinâmica do
mundo e, por sua atividade intervir e transforma-lo objetivando a
humanização.
Para a autora o ensino escolar formal e institucionalizado
sofre atualmente um esvaziamento teórico que intervém no
trabalho do professor e, consequentemente na aprendizagem do
aluno. Assim é preciso que se tenha uma fundamentação teórica e
metodológica dentro da atividade educativa.
O termo mediação pedagógica distingue-se das outras
propostas de ensino por ter caráter filosófico e ser fundamentada na
ontologia do ser social, o ensino com o auxílio da atividade
pedagógica mediada pela linguagem permite que o aluno supere
suas ideias iniciais por meio da atividade educativa.
É preciso elucidar que a relação professor aluno nesta
perspectiva acontece de maneira mediada e não como vemos nas
escolas de maneira hierárquica, assim o ensino pode ser a relação
entre o professor e o conhecimento [mediato], e a aprendizagem na
relação que o aluno com o conhecimento [imediato]. A mediação
nesta visão, só pode ocorre entre os humanos, ou entre a natureza e
996 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

o homem, o processo de mediação não ocorre entre ensino e


aprendizagem, esse processo depende dos polos professor e aluno e
nesta perspectiva a linguagem faz o papel de mediação entre os
polos e o conhecimento.

Atividade educativa na perspectiva da emancipação humana

Para Arnoni (2014) a atividade educativa pensada e planejada


permite que o aluno consiga compreender e entender o processo de
alienação que está subjugado e assim poder transformá-lo, no
entanto ao professor cabe organizar os conceitos educativos de
maneira que isso se torne possível, colocando-se como agente do
processo de ensino, pois, ao utilizar materiais prontos e definidos
por outrem perde sua essência de formador.
Infelizmente a cultura da educação escolar tem noções
fragmentadas e desconexas, muito distantes de um trabalho
realizado na perspectiva da totalidade, a esse respeito, Tonet (2012)
considera que a categoria totalidade é essencial, pois, permitir a
superação da fragmentação do conhecimento tradicional.
Portanto, ensinar conceitos na perspectiva da totalidade é
considerar as partes que formam o todo, partes que são relativas,
parciais e particulares. É preciso que esses conceitos tenham inter-
relações dinâmicas entre as partes.
A aula no modelo burguês não cria condições para que o aluno
analise o que de fato está aprendendo e apenas reproduz os preceitos
do capital, formando indivíduos de maneira que se adaptem ao
mercado de trabalho e não para a formação de sua consciência.
Ao pensar seu planejamento tendo a aula como unidade, o
professor é capaz de compreender que seu papel é fundamental na
sociedade, a fim de: não compactuar com a fragmentação do ensino,
organizar uma prática educativa na perspectiva integral na
formação do aluno. Sendo força ativa de pressão colocando à
disposição da humanidade seu próprio desenvolvimento.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 997

Para Tonet (2012) a humanidade atual vive uma grave crise, por
ser reprodutora do processo de produção e consequentemente do
capital, afetando assim todas as existências humanas, inclusive na
educação que impõe atividades para continuidade dessa reprodução.
É necessário vivenciar a teoria, a pesquisa de base, discutir
conceitos de maneira metodológica. No sistema educacional não há
a preocupação em trazer uma metodologia fundamentada em um
método, bem como é muito conveniente ao sistema que isso de fato
não aconteça, assim surgem os salvadores das aulas o livro didático,
manuais dos professores e sistemas apostilados, que atendem a
comunidade escolar deseja de maneira oficial.

O texto e o ensino da língua materna

O trabalho com textos nas salas de aula tem encontrado muita


resistência por parte dos alunos, por exigir dos mesmos uma boa
relação com aspectos da leitura e interpretação textual, pois, para
muitos esta atividade é maçante e desestimulante. Eles manifestam
facilidade em expressarem-se oralmente do que reproduzir suas
ideias na forma escrita.

Na linguagem escrita nos mesmos somos forçados a criar a


situação, ou melhor, a representa-la no pensamento. Em certo
sentido, o emprego da linguagem escrita pressupõe uma relação
com a situação basicamente diversa daquela observada na
linguagem falada, requer um tratamento mais independente, mais
arbitrário e mais livre dessa situação. (VIGOTSKI, 2001, p. 315)

No contexto educacional atual o conceito de texto é aceito


como a base do ensino da língua portuguesa, a principio o trabalho
com texto era visto como objeto de ensino, com o decorrer do tempo
passou a ser utilizado em diversas funções educativas. Porém,
muitos educadores ainda não utilizam o texto em sua dimensão
discursiva. A este respeito Rojo e Cordeiro (2004) afirmam que
998 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ensino na educação brasileira forma leitores que retiram dos textos


apenas informações básicas e simples.
Por isso nesta perspectiva surgiu uma necessidade de focar na
sala de aula o ensino com texto e seu contexto na leitura e produção,
entendendo o texto como interlocutor, reconhecendo uma diversidade
de tipologia textual, e sua funcionalidade e utilização no cotidiano. Uma
suposição de tal relevância talvez seja o fato de que utilizar o conceito
de gênero faz parte do ambiente de ensino na atualidade, pois, eles
aparecem vinculados as necessidades socioculturais.
Para tanto o desenvolvimento de conceitos que propiciem o
aprendizado da língua materna escrita, implica em o professor levar
a sala de aula uma diversidade de textos de diferentes gêneros.
Mikhail Bakhtin (1895-1975) é referência no que se discute
sobre a questão de gêneros do discurso, pois, traz a linguagem na
perspectiva histórico cultural, assim como Vygotsky (1896-1934).
Para Bakhtin (1992) afirma que as diversidades de gêneros
discursivos são inesgotáveis, pois, na atividade humana a cada novo
desenvolvimento ou campo de atuação o discurso fica complexo,
devido a sua heterogeneidade.
Assim podemos destacar a necessidade de a educação formal
adaptar-se a esse contexto, como lócus formador, através da ação
social que exerce sobre os indivíduos pode criar situações
comunicativas, pois, os gêneros segundo Marcuschi (2002) “(...) não
são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa.
Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis,
dinâmicos e plásticos”.
Ainda na visão do autor supracitado, os gêneros textuais
surgem ligados a ações socioculturais, que historicamente passam
por variações, seja oral, escrita, para funções econômicas, e
atualmente com o advento tecnológico, o que se nota é um aumento
expressivo de gêneros de discurso. Pode-se dizer que os gêneros
surgem em conformidade com a cultura em que se desenvolvem.
Mesmo que o trabalho com produção textual nas salas de aula
seja uma atividade difundida o que se percebe é a necessidade de o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 999

professor pensar em questões metodológicas, não receitas prontas


descritas em manuais didáticos e documentos oficiais, mas uma
atividade planejada por ele, fundamentada por conhecimentos
específicos, de maneira processual, com uma proposta que
estabeleça relações entre diversos saberes e situações de ensino e
aprendizagem. Provocando no aluno a superação dos conceitos e
ideias iniciais para o aprendizado de novos conceitos referentes a
leitura, interpretação de texto e escrita.

Considerações finais

Como foi citado no texto, a linguagem e as dificuldades de


ensino e aprendizagem que a envolve, tem provocado inquietações
entre os diversos segmentos da educação e muitos estudiosos do
assunto. Vimos que na perspectiva Vygotskiana o surgimento da
linguagem e do pensamento decorre de estudos realizados através
da espécie humana, pois que é no desenvolvimento infantil com a
relação com o meio social são estabelecidas relações entre eles,
sendo a linguagem o maior desafio para a criança.
Evidencia-se que a linguagem é essencial e a base do processo
de ensino e aprendizagem, o presente texto nos leva a compreender
como ocorre o processo de desenvolvimento de linguagem e
pensamento, embasados no pressuposto teórico aqui estudado.
Neste aspecto é importante que o docente saiba lidar também
com essas premissas e estude a linguagem como expressão
comunicativa no processo educativo, e como pertencente ao
homem, compreendendo os elementos que a constitui em específico
os signos, também tê-la como um instrumento social, tornando-se
parte constitutiva da organização metodológica do conceito
educativo. Devido à complexidade desta investigação, não
concluiremos o assunto e esperamos que as reflexões aqui realizadas
contribuam para novos estudos.
1000 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Referências

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da atividade educativa: Educação em Ciências. In: Metodologias e
Processos Formativos em Ciências e Matemática. GOIS J. (Org.). Paco
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práxis educativa. X SEMINARIO DE LA RED ESTRADO. Derecho a
laeducación, políticas educativas y trabajo docente en América Latina.
Experiencias y propuestasen disputa. Salvador/Bahia: Brasil. Anais do X
SEMINARIO DE LA RED ESTRADO de Salvador. 2014. CD-ROM. ISSN
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ARNONI, Maria Eliza Brefere e SILVEIRA-FOSSALUZZA Juliana Tiburcio.


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aprimoramento da atividade educativa. In: Ivan Fortunato e Alexandre
Shigunov Neto (org.). Método(s) de Pesquisa em Educação. São Paulo:
Edições Hipótese, 2018.100p. ISBN: 978-85-924379-9-2

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São


Paulo: Martins Fontes, 1992.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: Constituição e Práticas


Sociodiscursivas. São Paulo: Cortez, 2002.

_____________:;MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita. Atividades de


retextualização. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

TONET, Ivo. Um novo horizonte para a educação. In: I Congresso de Ontologia


do ser social e educação, IBILCE--UNESP – São José do Rio Preto, nov./dez.
2007. (Palestra).

VYGOTSKY, Lev. S.; A formação social da mente. São Paulo: Martin Fontes, 2007.

_____________:;Pensamento e Linguagem. Edição eletrônica: Ed Ridendo


Castigat Moraes, 2001.

SCHENEUWLY, B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e org. Roxane


Rojo e Gláis Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004
65

O desenvolvimento e os desafios do ensino à distância


na sociedade contemporânea

Daniela de Jesus Damaceno

Introdução

O trabalho a seguir se dá na perspectiva de analisar e explanar


sobre a evolução histórica e tecnológica do Ensino à Distância no
Brasil e denota o impacto deste modelo de ensino na sociedade
contemporânea. O ensino à distância tem se tornado uma opção
atraente para àqueles que não conseguiram cursar o nível superior;
e outra questão que viabiliza esta modalidade de ensino é o fato do
custo ser bem menor que dos cursos presenciais, a tecnologia é um
facilitador ao aprendizado, pois possibilita o estudo; as barreiras
territoriais já não são mais impedimentos.
O estudo discorre sobre a metodologia de ensino que está
embasada em bases tecnológicas ligadas a navegabilidade,
conectividade, mobilidade, portabilidade, intertextualidade,
hipertextualidade, como elementos que corroboram para a ação de
alunos e professores que se inter-relacionam em sistemas de
educação à distância. Esta tendência educacional está fundamentada
no desenvolvimento das tecnologias digitais, que facilitam o acesso
aos conteúdos, tanto dos estudantes como dos professores durante
todo o processo de ensino.
A pesquisa tem como objetivos específicos analisar como se
estruturam as interações entre professor e aluno no ensino superior à
distância, o papel do professor/tutor no processo de ensino
1002 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

aprendizagem, as orientações metodológicas que as instituições


passam aos alunos para atingirem seus próprios objetivos, assim como
a utilização dos materiais didáticos e de seus programas de ensino.
Para a realização deste estudo, primeiramente buscou-se por
embasamento teórico-científico de estudiosos do assunto como José
Manuel Moran, Vigotsky, Litwin, entre outros, num esforço de
compreender e contribuir para um avanço em torno da análise
crítica no âmbito da educação à distância que se estabelece como um
tema bastante polêmico e relevante nos dias atuais.
A presente pesquisa tem caráter bibliográfico que se constitui
como meio de formação por excelência. Como trabalho científico
original constitui a pesquisa propriamente dita na área das Ciências
Humanas. Como resumo de assunto, constitui geralmente o primeiro
passo de qualquer pesquisa cientifica(CERVO; BERVIAN, 1996).

Procedimentos metodológicos

Para a realização deste trabalho realizou-se a seleção, o


compilamento e o fichamento do acervo bibliográfico no que
concerne ao tema proposto: pesquisar sobre o desenvolvimento e os
desafios do ensino à distância na sociedade contemporânea. Assim,
adotou-se para o estudo a metodologia de revisão bibliográfica.
Com o advento da tecnologia, muito deste trabalho se
estabeleceu através de bases de dados eletrônicas; selecionou-se
palavras-chave (educação à distância, ensino à distância, EAD) para
direcionamento da pesquisa e levantamento do material.
De acordo com Demo (2006), o trabalho pessoal da pesquisa
encontra expressão própria no desafio de assumir um tema para
elaborar e defender, mesmo sendo uma produção estritamente teórica.
Severino (2013, p.122) explana que:

“A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro


disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos
impressos, como livros, artigos, teses etc. Utiliza-se de dados ou de
categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1003

devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a


serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das
contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos
textos”.

Este trabalho busca através da historicidade e dos dados já


existentes sobre este modelo de ensino (EAD), esmiuçar as novas
formas de democratização do ensino e os desafios para se firmar
como ensino de qualidade.

Desenvolvimento

De acordo com Moran (2002), educação a distância é o processo


de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e
alunos estão separados espacial e/ou temporalmente, contudo podem
estar conectados, interligados por tecnologias, principalmente as
telemáticas, como a Internet. E também podem ser utilizados o
correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax e
tecnologias semelhantes. Em resumo, aluno e professor podem estar
juntos através das tecnologias de comunicação.
Ainda de acordo com Moran (2002) há modelos exclusivos de
instituições de educação a distância, que só oferecem programas
nessa modalidade, como a Open University da Inglaterra ou a
Universidade Nacional a Distância da Espanha. A maior parte das
instituições que oferecem cursos a distância também o fazem no
ensino presencial sendo este o atual modelo predominante no Brasil.
No ensino à distância e com o desenvolvimento das TICs
(Tecnologias da informação e Comunicação) e, consequentemente
das tecnologias interativas; verifica-se o que deveria ser
predominante em qualquer processo de educação: a interação e a
interlocução entre todos os que estão envolvidos nesse processo.
De acordo com Nunes apud MATOS, 2011, s/p.

O EAD é a principal inovação na educação nas últimas décadas. Ela


proporciona a democratização na aprendizagem, possibilitando
1004 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que adultos que não tem tempo ou não podem sair de casa
concluam ou iniciem novos cursos. E não apenas essas pessoas,
mas também populações que não contam com instituições de
ensino e até deficientes físicos com dificuldades de locomoção.

As facilidades propostas pelo EAD corroboram para que seja


possível a diminuição das defasagens educacionais do país, e, têm
aspecto preventivo e proativo, pois minimiza as desigualdades que
não são apenas de cunho material atingindo dimensões mais
abrangentes como a questão da elevação da autoestima, de setores
da sociedade que se encontravam estigmatizados e impossibilitados
de ter acesso ao nível superior de ensino principalmente pela
questão da baixa renda.
Como pontuado por vários autores, a expansão das
tecnologias de informação e comunicação, a modernização do
sistema produtivo e do sistema educacional auxiliam na melhoria da
qualificação dos profissionais, e, além disso, reforça o fato de
contemplar uma das maiores dificuldades da era contemporânea
que é a dificuldade de tempo e horário das pessoas para se
dedicarem aos estudos. Há décadas, as universidades no mundo
inteiro vêm desenvolvendo projetos de educação à distância,
facilitando o acesso à educação e buscando suprir as necessidades
do sistema produtivo e da sociedade.
O início do século XX foi marcado pela introdução de novas
metodologias no ensino por correspondência, que com os avanços
científicos e tecnológicos sofrem forte influência dos novos meios de
comunicação de massa, a exemplo do Código Morse1, telefone, e na
sequência, televisão.
Muitas experiências usando EAD foram desenvolvidas no
período pós-guerra, especialmente pela necessidade de capacitar a
população europeia em novas atividades laborais. O cenário pós-

1
O Código Morse é um sistema de representação de letras, números e sinais de pontuação através de
um sinal codificado enviado intermitentemente, foi desenvolvido por Samuel Morse em 1835 e
utilizado durante a Segunda Guerra Mundial para capacitação dos soldados norte-americanos que iam
para frente de guerra.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1005

guerra exige novas dinâmicas sociais e os avanços científicos e


tecnológicos ocorridos durante a guerra demandam novas
profissões e ocupações. O número de professores torna-se
insuficiente para atender uma população que procura cada vez mais
a educação.
Neste sentido, a educação a distância se coloca como uma
alternativa que permite atender em maior escala, o contingente de
pessoas que querem se qualificar para o mercado. Mas o grande
avanço em EAD se deu a partir dos anos 1960, quando várias
universidades europeias e de outros continentes começaram a atuar
na educação secundária e superior.
Um dos motivos facilitadores para a evolução do EAD no
mundo se deve ao surgimento de novas tecnologias de informação e
comunicação (NTIC), originadas na década de 60 e consolidadas nos
anos 90, têm corroborado sensivelmente para o crescimento do
ensino à distância destacando a Internet como um meio natural para
a difusão da EAD em todo o mundo. O motivo principal é a
diversidade de ferramentas de interação que possui fazendo com
que aos poucos fosse se tornando parte indispensável na vida das
pessoas favorecendo a disseminação do EAD.
As vantagens da internet, a possibilidade do rompimento de
barreiras geográficas de espaço e tempo, permitindo ainda o
compartilhamento de informações em tempo real, o que apoia o
estabelecimento de cooperação e comunicação entre grupos de
indivíduos. Outro ponto positivo da internet é a disponibilidade de
mecanismos de mediação síncronos ou assíncronos, que podem ser
utilizados ao mesmo tempo, ou não. Sendo assim, a combinação
destes mecanismos torna a internet um meio flexível e dinâmico
para o estabelecimento do EAD.
Já no Brasil, a educação à distância foi implantada em 1904
quando foram instaladas as Escolas Internacionais no Rio de Janeiro
com cursos profissionalizantes por correspondência, ofertados por
instituições privadas. Nos anos 1930, o Instituto Monitor e o
Instituto Universal Brasileiro, também particulares, começaram a
1006 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

oferecer cursos técnicos profissionalizantes, visando à instrução


rápida de trabalhadores, sendo responsáveis pela formação de mais
de três milhões de alunos nesses cursos até o ano 2000.
Em 1923, criou-se a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, por
Roquete Pinto. Após quatro anos, iniciava o cinema educativo. Junto
aos correios, rádio e cinema surgia assim novas formas de se educar.
A Educação à Distância tem sido o verdadeiro meio para a
educação no mundo moderno e cada vez mais globalizado. O Brasil
perdeu a característica de importador de modelos de educação à
distância e adotou a posição de desenvolvedor de projeto e
programas complexos adaptados à nossa realidade; e isso se deve,
segundo Moran, à “[...] utilização das novas tecnologias de
informação e comunicação no sistema educacional e a demanda
reprimida de alunos não atendidos, principalmente por motivos
econômicos. ” (Moran apud PAULOMINAS, 2008, p.01).
De forma cronológica podemos relatar que os recursos
utilizados no ensino a Distância no Brasil progrediram da seguinte
maneira: em 1934 era realizado através de correspondência, até o
ano de 1990 quando foi inserido na metodologia a Internet e a
Intranet (integração das mídias). Evidencia-se que desde o século
passado quando surgiram as primeiras iniciativas do ensino à
distância, este angariou cada vez mais espaço no âmbito
educacional. Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, o Governo Federal,
fundações estaduais, instituições particulares e não governamentais,
como a Fundação Roberto Marinho, ampliaram os cursos a
distância, tendo como foco a alfabetização de jovens e adultos,
cursos profissionalizantes, cursos supletivos do primeiro e segundo
graus, utilizando os diferentes recursos, como o correio (kits com
materiais impressos e fitas em vídeo e áudio), o rádio e a televisão
via satélite (modelo de teleducação) como uma segunda
oportunidade.
A primeira proposta de estruturação da política institucional
específica para o ensino superior à distância surgiu, segundo Barreto
apud PAULOMINAS (2004, p. 02), no início da década de 1970,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1007

tendo por iniciativa o Ministério da Educação, com base em um


relatório apresentado pelo conselheiro Newton Sucupira, do
Conselho Federal de Educação, após missão de estudo realizada na
Inglaterra, com o objetivo de conhecer o modelo universitário de
educação à distância projetado pela OpenUniversity. A partir do
estudo realizado, o conselheiro defendeu a criação de uma
universidade aberta, por entender que esta poderia ampliar as
oportunidades de acesso à educação superior, bem como contribuir
para a construção de um processo de educação permanente, em
nível universitário.
A partir daí algumas ações concernentes à implantação da
EAD no ensino superior brasileiro começaram a ser desenvolvidas,
destacando-se a criação de um grupo-tarefa (Portaria Ministerial N°
96, de 05 de março de 1974), com a atribuição principal de indicar
as diretrizes e bases para a organização e funcionamento de uma
universidade aberta do Brasil.
O ensino à distância também ganhava espaço nas décadas de
60 e 70 no que tange à qualificação profissional, o poder público
criou as TVs Educativas. A televisão tem sido um meio muito
importante para a educação à distância no Brasil. Programas como
o “Salto para o Futuro”, produzido pela TV Escola e em parceria com
o Ministério da Educação, é um dos exemplos. Esse programa de
formação continuada oferece aos professores da rede pública
aperfeiçoamento e a melhoria da qualidade de ensino.
O rádio e a televisão se adequaram muito bem ao Brasil pelas
condições socioeconômicas de algumas regiões, como a Amazônia e
estados do Nordeste. Outros programas, como o “Projeto Minerva”
e “Projeto Saci”, via rádio e televisão, tinham finalidades educativas,
visando à democratização.
O “Projeto Saci” utilizava o formato da telenovela.
Inicialmente, fornecia aulas pré-gravadas, transmitidas via satélite,
com suporte em material impresso, para alunos das séries iniciais e
professores leigos do então ensino primário no estado do Rio
Grande do Norte, onde foi implantado um projeto piloto. Em 1976,
1008 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

foi registrado um total de 1.241 programas de rádio e TV, realizados


com recepção em 510 escolas de 71 municípios.
Ressaltamos aqui que o Projeto Saci foi interrompido em
1977-1978 sob o pretexto oficial de que [...] seria demasiado
dispendioso comprar outro satélite; colocando emevidência as
contradições nas diferentes instâncias do Estado brasileiro entre as
estratégias em matéria de telecomunicações, educação e política
científica. (Mattelart apud PAULOMINAS, 2008 p. 05).
O “Projeto Minerva” 2 foi um programa de rádio brasileiro
criado por interesse do Estado, cuja finalidade era educar pessoas
adultas. Dentre as principais características deste projeto estão:
contribuição para a renovação e o desenvolvimento do sistema
educacional, possibilidade de promoção pela educação continuada,
complementação ao trabalho desenvolvido pelo sistema regular de
ensino; divulgação de programação cultural de acordo com o
interesse da audiência.
As experiências brasileiras em EAD foram inúmeras, contudo
a sociedade a encarava como modalidade secundária de ensino, de
baixo valor e prestígio. Somente na década de 1990 as instituições
de ensino superior brasileiras voltaram-se para a EAD enfocando o
ensino superior e fazendo uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs).
Ao acompanhar a história do Ensino à Distância no Brasil,
verificamos que foram necessários cerca de 90 anos para
implantação dos cursos superiores, devido principalmente ao
preconceito e resistência a essa prática educativa nos meios
acadêmicos e em diversos setores da sociedade. Os cursos à distância
eram marginalizados e conhecidos como projetos “menores”. Isso se
2
O Projeto Minerva foi criado pelo então Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação
e Cultura. Iniciou suas transmissões 1º de setembro de 1970. O nome Minerva é uma homenagem à
deusa romana da sabedoria.Sua divulgação foi decorrente de um decreto presidencial e uma portaria
interministerial de nº 408/70, que determinava a transmissão de programação educativa em caráter
obrigatório, por todas as emissoras de rádio do país. Esta obrigatoriedade é fundamentada na Lei
5.692/71.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Projeto_Minerva. Acesso em: 06 ago. 2018.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1009

deve, também, à falta de preparo, seriedade e eficiência de alguns


cursos oferecidos.
O desenvolvimento econômico e as novas tecnologias, com
ênfase para os computadores, trouxeram à EAD novas
possibilidades de interação entre aprendizes e professores,
oportunidades de ensino e aprendizagem colaborativa, além de ter
otimizado a construção de situações de aprendizagem significativas.
Desta forma, com essa grande difusão das tecnologias e
consequente transposição de barreiras de tempo e distância, o
computador e a internet tornaram-se essenciais e imprescindíveis
para o EAD. Essas inovações tecnológicas também acentuaram a
necessidade de novas posturas no processo de ensino e
aprendizagem tanto presencial, como a distância.
Moran (2009) faz um estudo aprofundado no âmbito da
educação à distância no Brasil e consegue delinear o seu
desenvolvimento, no que concerne à fase de implantação e
implementação no país; bem como analisa os modelos
predominantes deste ensino.

“O Brasil se encontra em uma fase de consolidação da educação a


distância em todos os setores e níveis de ensino. Depois de uma
fase de experimentação, onde houve uma aprendizagem intensa e
busca de modelos mais adequados para cada instituição, nos
encontramos em uma fase de amadurecimento, de maior
regulação governamental, de maior cuidado com o crescimento, a
infraestrutura, a metodologia de ensino, a avaliação. Os modelos
predominantes são os de teleaula, videoaula e WEB, com maior ou
menor apoio local. A legislação atual no Brasil privilegia o modelo
semipresencial, com acompanhamento dos alunos perto de onde
moram (em polos) e mostra desconfiança pelo modelo de
acompanhamento on-line, principalmente em cursos de
graduação.A educação a distância está se transformando, de uma
modalidade complementar ou especial, para situações específicas,
em referência importante para uma mudança profunda do ensino
superior como um todo. Este utilizará cada vez mais metodologias
semipresenciais, flexibilizando a necessidade de presença física,
reorganizando os espaços e tempos de ensino e aprendizagem”.
1010 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

MORAN, 2009, s/p. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/


moran/propostasead.htm>. Acesso em: 08 ago. 2018.

É importante salientar que, no intuito de expandir cada vez


mais o ensino à distância no Brasil, democratizar e tornar mais
acessível o acesso das pessoas à educação, no ano de 1992, surge a
Universidade Aberta de Brasília (Lei nº 403/92), pretendendo
atingir três campos: a ampliação do conhecimento cultural, com a
organização de cursos específicos, abertos a todos; a educação
continuada como reciclagem profissional; e o ensino superior.
Com o desenvolvimento do ensino à distância, várias
discussões vêm à tona. Sendo assim, diversos autores, entre os
quais, Litwin (2001), analisam as questões no nível político
inerentes ao EAD, como por exemplo, a oferta deste modelo de
ensino está aumentando como a um crescimento da demanda ou se
é o modelo de ensino que gera uma nova demanda; ademais analisa-
se a respeito dos espaços educacionais e se estão sendo
democratizados de forma a permitir que setores que antes não
tinham acesso à educação passe a ter.
No Brasil o Ensino à Distância adquiriu um papel social, tendo
em vista que desde os primórdios da implantação atende pessoas,
em uma maior proporção, de classes menos favorecidas
financeiramente. Um dos fatores apontados é que devido o Brasil ser
um país muito grande tornava-se difícil a implantação de centros de
ensino, sobretudo em regiões da zona rural. Inicialmente a educação
a distância foi inserida no Brasil com a preocupação de habilitar
pessoas para o ensino regular ou profissionalizante e a metodologia
utilizada era por correspondência lançando mão de materiais
impressos para o estudo que eram encaminhados por correio.
A partir do século XX, com a inserção do rádio e da televisão
na educação à distância este sistema de educação tornou-se ainda
mais popular propiciou também a inserção de cursos de nível
superior nesta modalidade.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1011

Segundo Azevedo e Quelhas (2006) no ensino superior as


primeiras experiências com a educação à distância tiveram início
ainda nos anos oitenta tendo a Universidade de Brasília (UNB) como
umas das instituições pioneiras na utilização desta prática, a
princípio com ofertas em cursos educação continuada sendo seguida
por outras universidades federais como a de Santa Catarina, Pará e
Ceará que também foram consideradas pioneiras ao aderirem a este
modelo de educação.
A partir dos anos 90 que a EAD alavancou no que concerne ao
ensino superior e isto se deve as grandes inovações tecnológicas
porque assim este desejo se tornou possível para as pessoas que
gostariam de ter no currículo um curso superior, mas devido ao
tempo e dificuldade para se deslocarem até uma instituição de
ensino este desejo era sempre deixado para depois.
Com o avanço da tecnologia, o uso da estratégia de educação
a distância tornou-se uma realidade. Seus caminhos passam a ser
marcados pela utilização de meios de comunicação e informação
bidirecional, seja por meio do uso de redes de computadores, que
oferecem a possibilidade da transmissão de dados on-line, voz e
imagem via satélites ou cabos de fibras óticas ou outros multimeios.
O aluno para obter êxito na modalidade de ensino EAD deve
buscar aplicar no processo de formação vivências das diferentes
áreas da vida cotidiana (pessoal, profissional, etc.); assim o
professor ocupa um papel de mediador no processo de ensino-
aprendizagem.
O ensino é autoinstrutivo e individualizado permitindo ao
aluno aprender sem a presença de um professor; proporciona ao
aluno autonomia e os horários são flexíveis, sendo de
responsabilidade do aluno organizar a distribuição do tempo e
cumprimento de prazos das tarefas de acordo com suas
disponibilidades. O ensino a distância também é colaborativo onde
juntos os alunos trocam experiências e constroem o conhecimento.
A pesquisa apontou que o Ensino à Distância procura
principalmente desenvolver a autonomia do aluno e uma
1012 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

aprendizagem colaborativa e social, promovendo cada vez mais a


comunicação e a interação entre as pessoas.
Outro questionamento inerente a este novo modelo de
ensinar é se os alunos realmente aprendem por meio do uso das
novas tecnologias. A utilização da modalidade EAD redefine os
papéis do ensino e por ser um novo estilo que abre portas e embora,
muitas vezes, represente uma segunda oportunidade para as
pessoas; este ensino faz com que muitas discussões sejam abertas
tornando-se tema de debate e reflexão. Outras situações a serem
explanadas e que corroboram para validar o rótulo de ensino sem
qualidade é o fato do material didático de algumas instituições não
se encontrarem em um nível de qualidade satisfatório; conteúdo
aquém do esperado, de má qualidade evidenciando a postura de
algumas instituições que precarizam o ensino em nome da
lucratividade o que faz com que os alunos enfrentem resistência
para conseguir estágio, e, posteriormente para ingressar no
mercado de trabalho.
A Educação a Distância é democrática e está acessível para um
número cada vez maior de pessoas. Os ambientes de aprendizagem
estão adaptados para que os alunos consigam aprender e socializar
o conhecimento e toda esta evolução e possibilidade de aprendizado.
Assim, a educação a distância passa a ser desenhada de uma
nova maneira e construída através da interação entre pessoas, desta
forma, os alunos chegam a sua própria compreensão e desenvolvem
o conhecimento.
Em síntese, a Educação à Distância se estabelece na sociedade
contemporânea como forma de tornar mais disponível o
aprendizado, pois a facilidade da tecnologia reduz as barreiras
territoriais.

Considerações finais

O Ensino a Distância alterou a forma de operar de acordo com


a identidade institucional de cada programa, dos modelos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1013

pedagógicos e do desenvolvimento das Tecnologias de Informação e


Comunicação (TIC), por meio de materiais impressos, rádio,
televisão, videoconferência, teleconferência e, mais recentemente,
internet, preocupando-se com as possibilidades, interesse, idade e
aspecto sociocultural dos alunos.
No Brasil, em especial, por suas proporções geográficas,
sociais e econômicas, a EAD é uma alternativa para superar a
defasagem educacional existente nas várias regiões. É uma forma de
democratização do ensino.
O maior desafio, hoje, é oferecer cursos de qualidade,
apropriados para os desejos e necessidades dos alunos de diferentes
níveis sociais e econômicos, para todas as regiões do Brasil.
O ensino a distância reflete o panorama atual em que
vivemos; uma sociedade moderna, globalizada e um mercado
educativo cada vez mais competitivo que exige profissionais
gabaritados e antenados que acompanham as mudanças e os
avanços da sociedade.
Contudo é importante concluir que o êxito da modalidade de
ensino á distância depende muito da dedicação e responsabilidade
do aluno para absorver o conteúdo estabelecido. Neste caso, o
sucesso deste modelo de ensino varia de aluno para aluno estando
diretamente atrelado ao empenho de cada um.

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66

O ensino por meio do desenvolvimento de conceitos:


alternativa de superação das representações a partir
da perspectiva da emancipação humana

Verena Marangoni Souza


Maria Eliza Brefere Arnoni

Introdução

Este estudo parte da premissa de que temos como norte a


emancipação humana e tem como objetivo investigar de que
maneira o ensino pode contribuir, de maneira efetiva, com esta
caminhada.
Ingressei no Programa de pós-graduação em Ensino e
Processos Formativos da Universidade Estadual “Julio de Mesquita
Filho” motivada por questões que me inquietavam no trabalho. No
ano de 2016, estava atuando como formadora de professores da
Educação Infantil da rede municipal de São José do Rio Preto-SP e,
durante os encontros de formação e o planejamento deles, foi
possível perceber que a maioria dos professores não haviam tido em
sua formação discussões que contemplassem os fundamentos da
lógica dialética, bem como era muito difícil encontrar propostas que
se orientassem metodologicamente por esses fundamentos.
Desse modo, a intencionalidade da pesquisa se referia ao
questionamento ou validação da qualidade da formação do docente
que atua na Educação Infantil, já que este, tendo acesso majoritário
às produções essencialmente metafísicas, não tem condições de
1018 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

contrapor e negar ideias ou mesmo movimentar-se no tocante às


diferentes perspectivas teóricas.
Nesse sentido, a ideia inicial era pensar sobre como organizar
propostas para a Educação Infantil que tivessem a dialética como
lógica e o materialismo histórico e dialético como método, bem
como o que essas propostas devem considerar, a fim de que fizessem
parte do arcabouço teórico da Educação Infantil e da formação dos
docentes que atuam ou atuarão nesse segmento para que possam de
fato contribuir para uma educação emancipatória.
Decidimos, após estudo teórico e por meio de pesquisa
bibliográfica, investigar como se deve ensinar para que seja possível
superar esse modelo de ensino, ao qual estamos subjugados, para
que seja possível avançar no sentido da emancipação humana.

Desenvolvimento

O termo conceito é bastante difundido, principalmente no meio


educacional. É muito comum que apostilas, livros didáticos e planos
escolares propagandeiem seu uso e desenvolvimento, no entanto não
encontramos com a mesma facilidade livros ou mesmo discussões no
âmbito escolar/educacional que tragam à luz o que é conceito. A
questão, um tanto quanto curiosa, é que, apesar desse termo fazer
parte do material de trabalho e do vocabulário dos profissionais
envolvidos com a educação e com o ensino, muitos deles não
conseguem definir o que é conceito ou mesmo desenvolvê-lo.
A palavra conceito não surgiu no cenário moderno das
apostilas e livros didáticos. Pensadores da filosofia clássica, na
tentativa de descobrir a essência do mundo e explicá-lo de maneira
racional e desvinculada da mitologia já discutiam e desenhavam a
teoria do conhecimento, bem como os contornos do conceito e suas
características.
Há outras áreas do conhecimento que abordam tal temática,
como a Linguística e a Terminologia. No tocante à linguística, é
imprescindível que falemos de Ferdinand de Saussure, que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1019

representa um grande marco nos estudos linguísticos, pois se


posicionava radicalmente contra a ausência de cientificidade em tais
estudos, Saussure marca uma ruptura no contexto dos estudos
sobre a linguagem, que tiveram início por questões religiosas, com
os hindus, pioneiros na descrição de sua língua.
Segundo Rodrigues (2008), Saussure prega que os sentidos
não bastam para que se determine/defina um objeto e, a partir da
conceituação, conseguiu dissociar o objeto língua dos outros fatos de
linguagem, o que representou um grande salto qualitativo para os
estudos lingüísticos.
De acordo com Nascimento (2008), para Saussure, conceito é
o sinônimo de significado, que foi formado no plano das ideias e se
refere a uma realidade social, bem como indica que a constituição
do signo é arbitrária.

Por exemplo, o conceito de Sol não está ligado nem com o som da
sua sequência de letras e nem com a imagem acústica
(significante), pois esse mesmo conceito pode ser representado,
em outros idiomas, com outros significantes, tais como Sun
(inglês), Soleil (francês) ou Sonne (alemão) (MACULAN, 2015,
p.90)

Já a terminologia se refere a um conjunto de fundamentos


epistemológicos, a prática referente a ela é bastante antiga e
podemos acompanhá-la desde 2600 a.C com o surgimento dos
dicionários temáticos monolíngues e com o primeiro glossário de
termos médicos, muitos anos depois.
Segundo Lima e Maculan (2017) os conceitos, tanto para a
Lingüística quanto para a Terminologia, são compreendidos como
um sistema todo relacionado de significados, sendo impossível,
dessa forma, serem apreendidos de maneira isolada.
Diante disso e em busca da superação das representações por
meio do desenvolvimento de conceitos, tentaremos, a partir desse
estudo, compreender o que são as representações e de que maneira
elas atuam.
1020 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Assim como qualquer conceito, o conceito de representação


foi formulado e desenvolvido de acordo com determinadas
necessidades e condições históricas e se emerge a partir de uma
história geral da humanidade, uma história local e a história do
conhecimento, da filosofia e de determinada ciência, a qual se
relaciona com o próprio conceito em questão, o conceito emerge
também a partir da crítica deu seu “objeto” e de sua própria crítica.
Na área das ciências humanas, muitos autores e autoras
tratam da representação em suas obras a fim de promover a
elucidação desse termo, tido como extremamente complexo pela
maioria dos que se aventuram a delimitá-la. Afinal, é, de fato,
complexo delimitar algo que, etimologicamente, se faz presente
estando ausente.
A palavra representação tem origem na versão latina
“repraesentare”, que significa fazer presente ou apresentar
novamente, fazer presente alguém ou algo que está ausente, ou
mesmo uma ideia.
Marx e Engels, em A Ideologia Alemã (1846), trazem à luz a
discussão sobre elementos que nos possibilitam pensar a
representação. Para os autores,

A produção das idéias, das representações e da consciência está a


princípio, direta e intimamente ligada à atividade material [...]São
os homens que produzem suas representações, suas idéias etc.,
mas os homens reais, atuantes, tais como são condicionados por
um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e das
relações que a elas correspondem... (MARX e ENGELS, 2008, p.
18-19)

Dessa maneira e segundo a concepção materialista histórica,


os autores trabalham com a ideia de que as representações não são
formuladas no plano da consciência, elas estão ligadas à atividade
material de maneira muito estreita.

Esta concepção da história, portanto, tem por base o


desenvolvimento do processo real da produção, e isso partindo da
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1021

produção material da vida imediata; ela concebe a forma de


intercâmbios humanos ligados a esse modo de produção e por ela
engendrada, isto é, a sociedade civil em seus diferentes estágios
como sendo o fundamento de toda a história, o que significa
representá- la em sua ação enquanto Estado, bem como explicar
por ela o conjunto das diversas produções teóricas e da formação
da consciência, religião, filosofia, moral etc., e a seguir sua gênese
a partir dessas produções, o que permite então naturalmente
representar a coisa na sua totalidade( e examinar também a ação
recíproca de seus diferentes aspectos). Ela não é obrigada, como
ocorre com a concepção idealista da história, a procurar uma
categoria em cada período, mas permanece constantemente no
terreno real da história; ela não explica a prática e segundo a idéia,
explica a formação das idéias segundo a prática material (MARX e
ENGELS, 2008, p. 36).

Para Marx, as representações são fruto das relações materiais


e das contradições entre as forças e as relações de produção e, a
partir da fundamental e precisa contribuição de Marx e Engels,
alguns autores investigaram as representações, orientados pelos
mesmos fundamentos.
Henri Lefebvre é um filósofo que aborda a temática de
maneira muito pontual e a investiga para além dos dogmas e teorias
oficiais, trazendo em sua obra rigor e profundidade, a ponto de
superar a ideia de que é necessário banir as representações ou
suprimir a realidade em função delas. O filósofo propõe a superação
dessas representações, sem que sejam anuladas e sem minimizar
sua devida importância.
O autor se pauta pelas ideias de Marx e valoriza sua
radicalidade e rigor teórico, bem como partilha da ideia de que
desvelar o representativo possibilita o conhecimento do real. O
materialismo histórico e dialético favorece esse movimento em
função de seu embasamento na práxis, que transforma tanto a
natureza quanto as relações sociais.
Segundo Lefebvre (2006), o campo semântico da
representação envolve o significado científico do termo, bem como
1022 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

o político, o mundano e o filosófico, que é o mais amplo. Ainda


segundo o autor, é dado um significado muito amplo ao termo
representação, o que acaba excluindo, de maneira antecipada, seus
significados estreitos.
Para ele, o significado científico do termo se refere a
fenômenos físicos serem representados por uma curva, por
exemplo, e exemplifica o significado político do termo com a ideia
do deputado representando um território e seus habitantes, o
sindicato representando os trabalhadores de determinado
segmento. O significado do termo, de acordo com o senso comum,
pode ser compreendido por meio da comparação a uma situação de
cerimônia, ser representado em uma cerimônia, ser o espetáculo.
Já o significado filosófico de representação, que o autor coloca
como o mais amplo e mais importante, é bastante abordado sem ser
exatamente definido. Para a filosofia moderna, se configura como
algo intermediário, nem verdadeiro, nem falso, nem presente, nem
ausente. A filosofia, nesse sentido, propõe transcender a
representação por meio do conhecimento, suas representações e
suas críticas.
Segundo Almeida (1997), as representações podem estar
vinculadas à natureza, às ciências naturais, à sociedade ou às
ciências humanas. A árvore, por exemplo, é uma representação
ligada à natureza; o numeral está vinculado às ciências naturais e o
que se refere à sociedade, se relaciona com as ciências humanas.
No modo de produção capitalista, as representações são
ideológicas se justificarem a exploração da classe dominada pela
classe burguesa, camuflando as contradições desse modo de
produção.
As representações ligadas à natureza, por exemplo, são mais
estáveis do que as ideológicas, pois não se relacionam de maneira
tão estreita com a sociedade. A representação de uma pedra
provavelmente sofreu poucas alterações com a mudança da
sociedade feudal para a capitalista, já as ideológicas eram,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1023

necessariamente, outras, pois sustentavam outro modelo de


produção.
Sendo assim, quando uma representação tem sua capacidade
de intermediar diminuída, ocorre o seu enfraquecimento e até o seu
desaparecimento, pois esta é a característica que a torna forte e
poderosa. Quando uma representação perde sua força, ela não
desaparece, necessariamente, podendo se fixar e se estabelecer em
outros suportes, onde, inclusive, se funde com outras
representações ou fragmentos delas, voltando a se fortalecer.

Conclusões

Nesse momento da pesquisa, estamos em fase de elaboração


do segundo capítulo, portanto, é possível concluir, até aqui, que é
preciso conhecer as representações, saber o que são e de que
maneira surgem, como se desenvolvem, como ganham força e/ou
enfraquecem, além de compreendê-las como mediações.
Henri Lefebvre, em La presencia y La ausência (2006), indica
que, por serem mediações, as representações se fazem presentes
tanto na superestrutura (organização da produção, por exemplo)
quanto na vida cotidiana, sem fixarem-se em nenhuma delas,
portanto, estão presentes e ausentes ao mesmo tempo e essa
capacidade de movimentação, atrelada a capacidade de dissimulação
do real são a base da força e do poder do representativo.
A partir disso, podemos afirmar que as representações que se
enfraquecem e não desaparecem se recompõem, se reordenam e
rearticulam fragmentos de outras representações que estavam nas
mesmas condições.
Dessa maneira, é mais fácil identificar e estudar
representações que já não têm tanta força, que já perderam muito
da sua eficácia. As representações mais ativas têm ainda mais
condições de dissimular o real e dificilmente são percebidas, até
mesmo para quem se propõe a estudá-las, o que evidencia seu poder
e a necessidade de investigá-las.
1024 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

As representações não estão nem cá nem lá e não são


verdadeiras nem falsas, ao mesmo tempo em que têm elementos de
verdadeiro e falso em seu corpo. Elas se relacionam com verdade e
mentira, fazendo com que esses dois pólos se comuniquem e isso é
possível porque toda representação tem um suporte verdadeiro, que
precisa ser o primeiro ponto analisado quando se propõe o estudo
de uma representação.
Nesse sentido, podemos concluir que antes de superar as
representações é preciso conhecê-las de fato, identificando-as,
inclusive, pelo convívio com elas. É necessário, também, ter
consciência de que não há a possibilidade de superação de todas as
representações de uma só vez, pois cada uma delas ganha certa
autonomia no seu desenvolvimento.

Referências:

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representações que informam a sua prática educativa. 1997 (tese de
doutorado)

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representaciones/ Henri Lefebvre; trad. De Oscar Barahona y Uxoa
Doyhamboure. – México: FCE, 2006.
67

O gênero da pedagogia! pedagogos na educação


infantil na microrregião de Andradina/SP:
discussões iniciais

Luan Angelino Ferreira


Maria José de Jesus Alves Cordeiro

Introdução

Desafiando os preconceitos e estereótipos calcados na


profissionalização docente, este texto compõe discussões iniciais no
âmbito da pesquisa de mestrado em educação com o tema de gênero
da pedagogia, ou melhor como Pedagogos homens estão nas escolas
de educação infantil. Fala-se em masculino, e não apenas pedagogo,
porque esse último, embora seja substantivo masculino, apresenta
uso direcionado tanto ao sexo masculino, quanto feminino de
acordo com a gramática da língua portuguesa, característica de um
emprego coloquial do termo (Vianna, 2017). O pedagogo do sexo
masculino é aquela pessoa que ensina, que educa, também lembrado
como docente, professor predicado em práticas para realizar
transposição didática aos/as discentes (Tardif; Lessard; 2007).
A delimitação do tema mira a figura do homem pedagogo,
estritamente porque o seu sexo é masculino, enquanto seja este
homem, também profissional da pedagogia, que atua enquanto
docente junto aos/as educandos/as do ensino infantil na
microrregião de Andradina/SP. A presença do pedagogo do sexo
masculino, pareceu causar estranhezas, inseguranças e,
desconfianças. A hipótese é a de que tais elementos vinculam-se a
1028 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

possíveis ideias preconcebidas, sendo estas relacionadas ao fato de


serem do sexo masculino e, que atuam junto aos/as discentes do
seguimento infantil. Especificamente, supõe-se que o ponto
nevrálgico desses elementos seja o temor relacionado a possíveis
práticas de abusos e preconceitos.
Conforme Bolsoni (2016), os valores tradicionais da nossa
cultura são, marcadamente patriarcais, cujas bases remontam aos
costumes de matriz judaico-cristã, pré-determinam ao gênero
feminino as imagens e os papeis ‘de mulher’ e, também, indicam ao
masculino as ações e profissões ditas típicas de homem. São imagens
e papeis historicamente construídos, que produzem as
representações tradicionais da boa mulher (esposa, dona de casa,
mãe, filha) e, do bom homem (que sustenta a esposa e filhos,
trabalha fora, postura de chefe de família). Todavia, pedagogos do
sexo masculino, nas instituições de ensino, são sujeitos que
desestabilizam e quebram paradigmas de discursos fundamentados
em heteronormatividade. Atentando-se para a história da educação,
vários estudos como os de Louro (2005); Chamon (2005); Martins;
Rabelo (2006), pontuam o aspecto normativo, classificatório e
estigmatizante das práticas educativas, bem como a formação para
o trabalho que insistem em reproduzir a lógica sexista.
A educação no Brasil sedimentou-se sobre um percurso que
se consolidou em normatividades sexuais, onde se realizava um
molde de educação para meninos e outro para as meninas (Louro,
2005). Isso pode ser mais entendido quando se problematiza o
acesso à educação no Brasil em consonância com uma leitura dos
estudos sobre gênero e questões feministas. Uma vez que as
mulheres não ocupavam os mesmos espaços que os homens, elas
não usufruíam dos mesmos acessos à direitos sociais, civis e
políticos (Pinto, 2010). A despeito dessa questão, não podemos
deixar de considerar o movimento da segunda onda dos estudos
feministas, que de acordo com Célia Pinto (2010), envolvem a
inclusão da mulher no mercado de trabalho e, por disputas de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1029

equidade no trato com direitos sociais que apenas os homens


tinham.

Desenvolvimento

Louro (2009), escreve que o gênero é constitutivo das relações


sociais entre homens e mulheres. Assim para compreender o
conceito de gênero, é preciso levar essa questão para as relações
sociais, sendo assim trazemos para cá a ideia de Louro (2009, p. 26)
que diz:

Pretende-se, dessa forma, recolocar o debate no campo do social,


pois é nele que se constroem e se reproduzem as relações
(desiguais) entre os sujeitos. As justificativas para as desigualdades
precisariam ser buscadas não nas diferenças biológicas (se é que
mesmo essas podem ser compreendidas fora de sua constituição
social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de
acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação.

Minayo e Souza (1999) explicam que quando se refere ao


conceito de gênero, seja para homem ou mulher, alude-se
principalmente ao sexo segundo uma construção social, em
referência a complexa estrutura que envolvem os processos
culturais sobre a imagem do feminino e masculino no decorrer da
história. Muito embora as noções de homem e mulher partam,
ambas, da classificação do sexo segundo a biologia, concebido no
momento do nascimento, tanto o primeiro quanto a segunda são
sociais e, culturalmente influenciados. É no decorrer da vida social
dos sujeitos que as determinações são (im)postas. Para além da
biologia dos sexos, as construções sociais atribuem diferentes papeis
e imagens ao masculino e ao feminino, perfazendo e estabelecendo
padrões de condutas e, modos de socialização dos sexos conforme
os parâmetros culturais pré-estabelecidos. As adjetivações ‘mulher’
e ‘homem’ são construções históricas que têm seus sentidos e
significados relacionados à premissas de ordem cultural. Por isso, a
1030 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

determinação do sexo, embora parta de uma biologia, é de fato


construído socialmente (Minayo e Souza,1999).
Joan Scott (1995), importante referência para se pensar as
categorias de gêneros, trouxe novas perspectivas para os estudos de
gênero com o célebre artigo ‘Gênero: uma categoria útil de análise
histórica’, de 1995, publicado originalmente em 1986. Para a autora
o entendimento de gênero é um elemento constitutivo das relações
sociais, baseado em diferenças percebidas entre os sexos. Além
disso, trata-se também de maneira primordial de significar as
relações de poder na sociedade. Conforme Scott (1995, p.86) o "[...]
gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseado nas
diferenças percebidas entre os sexos. É uma forma primária de dar
significado às relações de poder". E sobre essa perspectiva, a autora
buscou entender a importância dos sexos dos grupos de gênero no
passado histórico, dimensionando a amplitude dos papéis sexuais e
do simbolismo sexual nas várias sociedades e épocas, o que
permitiria encontrar qual o seu sentido e como funcionavam para
manter a ordem social e para mudá-la. O gênero é uma maneira de
indicar as construções sociais – a criação inteiramente social das
ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma
maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das
subjetividades dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa
definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado.
Consequentemente, o uso do gênero coloca a ênfase sobre todo um
sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que não é
diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a
sexualidade.
Culturalmente tem-se determinado que o feminino adquira,
para si, certos papeis e imagens apenas circunscritas à mulher. O
mesmo valendo para o masculino e, certos papeis que, segundo a
perspectiva tradicional, seria mais afeita ao homem. Nesse sentido,
circunscreve-se o feminino no âmbito do espaço de ação da mulher
segundo a concepção tradicional de matriz judaico-cristã, que coloca
o gênero feminino em seu palco sagrado: funções e ações de guardiã
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1031

da família. Ao passo que, estabelece-se ao masculino as funções e


ações de homem.

Masculino e Feminino

Atualmente os estudos sobre identidade de gênero têm muito


destaque nas pesquisas, nas mídias, nos debates públicos...
Conceituando masculino de acordo com Figueiredo (1913, p.1267):

masculino adj. Que é do sexo dos animais machos. Relativo ao


macho. Fig. Varonil, másculo, enérgico. Gram. Diz-se das palavras
ou dos nomes e do gênero de palavras ou nomes, que, pela sua
terminação ou pela sua concordância, designam seres que são
masculinos ou se consideram tais, embora não tenham sexo. (Lat.
masculinus).

Apesar de ter significados objetivos, algumas palavras


assumem perspectiva subjetiva, as identidades de gênero fogem
daquela concepção binária de masculino/feminino, macho/fêmea.
As vivências do ‘eu’ traduz em uma dinâmica de ser e estar no
mundo, vivenciados de forma única e singular, a partir dos desejos,
gostos e vontades. Nessa perspectiva Wang, Jablonski e, Magalhães
(2007), corroboram que a identidade de gênero diz respeito aos
significados e traços que um indivíduo porta e representa como
masculinos e femininos.
Seguindo essa premissa trazida pelos autores, questiona-se os
padrões elencados como normativos de masculino e feminino,
podendo haver facetas do masculino que não somente a estabelecida
pela tradição, sendo que, esses processos de superação da tradição,
também é uma desconstrução da perspectiva tradicional e biológica.
Em sequência aos estudos de Wang; Jablonski e Magalhães apud
Spence (1985 p.54), na perspectiva da psicologia social, a identidade
de gênero enfatiza a multidimensionalidade e a variação individual
do masculino e feminino.
1032 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

[...] de acordo com essa perspectiva, o sentimento típico de ser


masculino ou feminino permanece constante, mas os traços e
comportamentos que dão suporte à identidade construída podem
variar muito entre diferentes sociedades, diferentes pessoas de
uma mesma sociedade e em diferentes momentos da vida de uma
mesma pessoa.

Compreendemos que não existe identidade de gênero


alinhada ao sexo, mas identidades de gêneros múltiplas que podem
se desalinhar do sexo. Ou seja, diferentes modos do masculino e do
feminino se expressarem, se sentirem, se pensarem, se quererem
enquanto tais. Sobre essas diferentes características, expressadas
por traços físicos, psicológicos, afetivos, sociais e, políticas, que
devemos pensar a orientação sexual, pois esta é, apenas, mais uma
entre muitas outras características que, tanto o gênero masculino
como o feminino podem apresentar, em detrimento das
expectativas da tradição.
Nos estudos de Berenice Bento, ‘A Reinvenção do Corpo’, as
representações trazidas por transexuais, constitui-se em identidades
de gênero. Trazem relações com o masculino e feminino enquanto
formas de expressões destes, onde relacionaram o masculino como
um ser forte e viril. E o feminino como um ser frágil, delicado, que
expressa mais os sentimentos, reafirmando os estereótipos de
gênero. De acordo com Louro (1997, p. 26) “[...] os sujeitos também
se identificam, social e historicamente, como masculinos ou
femininos e assim constroem suas identidades de gênero”. Sendo
assim, o masculino é uma expressão do gênero; o masculino é uma
categoria aberta, é sobre como os sujeitos demonstram (a si e aos
outros) o seu gênero, baseado em papéis de gêneros tradicionais,
através de como se veste, age, se comporta e interage e, isso
independe da sua identidade de gênero.
Na esteira de Foucault, observa-se que a construção em torno
das questões de gênero envolve relações de poder entre homem e
mulher, estabelecidas na história, no âmbito das vivências sociais,
que tendenciam tratamentos, valores e significados, que estimulam
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1033

formas de lidar e responder e, promovem comportamentos sociais.


Essas relações de poder, diferentes uma da outra, entre homem e
mulher, expressa-se nos acessos aos recursos, aos direitos sociais e,
até mesmo, no modo como os sujeitos são vistos e, desejam ser
vistos. Como salienta Swain (2000), a representação social das
mulheres corresponde a uma ideia de maternagem, reiterando
heteronormatividades como se fossem verdades e modelos que o
corpo das mulheres tivessem ou fossem designados a fazer. No
entanto, há que se dizer que os estudos feministas acreditam que no
corpo são criadas convenções sociais e culturais, “uma invenção
social, que sublinha um dado biológico cuja importância,
culturalmente variável torna-se um destino natural e indispensável
para a definição do feminino” (SWAIN, 2000, p. 51).
Nesse sentido, deve-se observar que a pesquisa irá
problematizar aspecto dessa perspectiva que atrela à mulher
determinadas expectativas e ações, mas essa problematização não
terá a mulher enquanto sujeito de pesquisa, e sim o homem, ou a
ideia que se tem de homem, pois na mesma proporção em que a
tradição afirma não ser o exercício da pedagogia infantil algo afeito
aos homens, também está a afirmar que tal profissão é para ser
exercida, somente, por mulheres. Sendo que tal concepção é
fundamentada num ponto de vista rígido e determinista de feminino
e masculino, que culmina nas predeterminações das representações
e papeis do homem e da mulher no curso das ações sociais.

Pedagogia e o gênero masculino na educação infantil

Para os estudos de Scott (1995), o termo gênero está ligado à


produção de conhecimento nos estudos feministas, sendo domínio
da pesquisa histórica. Segundo a autora, estudar as relações entre
os gêneros é imprescindível para problematizar as condições a que
um e outro estão submetidos histórica, cultural e, politicamente.
Essa problematização tem como alvo a visão dita essencialista de
gênero, que determina ao feminino e ao masculino, representações,
1034 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

atuações, atividades e, profissões que tem o sexo como definidor


dessas características. Acredita-se que o alinhamento desses papeis
ao sexo (de fêmea e macho), tornou-se padrão a ser alcançado pelos
gêneros, impactando assim no exercício da prática docente de
pedagogos/as.
Desse modo, as mulheres passaram a ocupar mais espaço no
exercício da docência direcionada aos/as estudantes da primeira
infância, pois de acordo com Louro (2005, p.88) acredita-se que
“[...] elas organizam e ocupam o espaço, elas são as professoras; a
atividade escolar é marcada pelo cuidado, pela vigilância e pela
educação, tarefas tradicionalmente femininas”. Isso é reforçad com
base em discursos cristalizados de que as mulheres são mais
capacitadas para lidar com a transposição didática a esses
educandos, por conta de características arraigadas no imaginário
sobre a sua fragilidade, delicadeza e, sensibilidade.
A respeito de gêneros, os estudos vêm ampliadamente
ganhando notoriedade nas pesquisas, pois como salienta Ramos
(2011, p.18) “[...] não é apenas um instrumento de análise, mas um
instrumento de autoconstrução humana no bojo das relações sociais
que devem ser fundadas na justiça e na igualdade”.
Sobre a educação no Brasil, curiosamente os dados informam
que, foi iniciada com a presença de homens, o exercício da docência.
As pesquisas de Martins e Rabelo (2006, p. 2) mostram que “os
alunos eram do sexo masculino e o ensino era exercido
principalmente por religiosos (padres jesuítas) e, por homens que
estudavam e eram contratados como tutores pelas pessoas com
melhores condições financeiras”. Martins e Rabelo (2006) e,
também Chamon (2005), apresentam explicações sobre o porquê os
homens evadiram-se da prática docente: “o magistério se tornou
feminino, em parte, porque os homens o abandonaram” (Apple,
1998 apud Chamon, 2005 p.49). A autora ainda pontua que o
cenário educacional, a partir do século XIX, primeiramente na
Europa e depois no Brasil, teve mudanças radicais, de modo que, o
exercício do oficio de ensinar na escola elementar associava-se às
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1035

precárias condições de trabalho e, aos baixos salários, a ponto de ser


visto como desonroso e, até humilhante, para o homem continuar a
atuar enquanto profissional da instrução publica elementar.
De acordo com a autora, a partir do momento em que os
homens passaram a ver como atividade desfavorável o exercício da
prática docente, mormente por motivos relacionados às precárias
condições de atuação, tal ambiente passou a ser ocupado por
mulheres. Sobre essa problemática pesquisou-se em livros de
registros das licenças referentes a um grupo de docentes em que foi
possível concluir que: “os baixos salários oferecidos reforçavam a
associação entre magistério de primeiro grau e fracasso profissional,
o que acentuava o desprestigio do homem que continuasse atuando
nesse campo de trabalho” (CHAMON,2005, p.49).
Esta interlocução com os estudos da história da profissão
docente e, o marco da entrada da mulher nesse cenário, torna-se
importante para problematizar o porquê pretende-se evidenciar um
aspecto contemporâneo da questão de gênero e, não tão somente em
pontuar a atuação do homem ou da mulher. Mesmo porquê,
conforme Scott (1995, p. 76), os estudos sobre os gêneros podem
incluir a questão do sexo, “mas não é diretamente determinado pelo
sexo, nem determina diretamente a sexualidade”.
Há que se ressaltar, que pedagogos1 atuantes com crianças da
educação infantil estão marcados por preconceitos que se constroem
sobre a profissão docente ligar-se a uma prática feminina, pois
reforça-se a representação de que o sexo feminino tem os atributos
necessários para educar, pois pairam no discurso de que “ninguém
melhor que as mulheres para cumprir essa nobre missão de
reprodutoras dos valores sociais” (CHAMON, 2005, p. 68), além de
serem dóceis, virtuosas e amorosas. Com isso, compreendendo estas
características que se acreditam próprias do sexo feminino, o
preconceito que esses pedagogos podem se defrontar é com relação
ao fato de serem homens que exercem uma profissão tida como

1
Não incluímos o gênero feminino.
1036 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

‘afeita à mulher’. Pois o masculino deve ser encarado como os “mais


fortes, viris e ágeis” (SAYÃO, 2005, p. 13), e denota preconceito
quando o masculino atua na área que acreditam estar moldado para
o feminino. O que desloca a proposta deste estudo é poder
problematizar também que os estudos de gênero, não são
necessariamente estudos feministas como é pontuado na maioria
dos estudos e carece também de envolver, a questão das
masculinidades, uma vez que entender como está a construção da
docência em relação à atuação do gênero masculino nos traz
relevantes questões também para se (re)pensar o feminino, inserido
num mundo de relações de gênero.
Para Grossi (2004, p. 218), por exemplo, o campo dos estudos
de gênero, envolve os estudos feministas e de mulheres, afirmando
que

[…] nele tanto estudos sobre mulheres quanto estudos sobre


homens, uma vez que ambos constituem o objeto tanto das teorias
feministas (sob o ângulo da dominação masculina) quanto dos
estudos de gênero (sob o ângulo das relações entre mulheres e
homens, homens e homens).

Em busca de respostas para esse assunto, Ramos (2011) diz


que ao questionar a sexualidade dos pedagogos, e consequente a
presença do sexo masculino na atividade docente, a problemática
paira na histórica questão de gênero, em que persiste a ideia de que
o sexo determina o gênero e a sexualidade das pessoas, ou seja,
macho-masculino-heterossexual, porém de acordo com Silva e
Souza (2015, p.2), “não é, portanto, um simples comportamento
baseado em teorias biologizantes do corpo que podem caracterizar
a orientação sexual de um sujeito”.
Ainda, na busca por respostas, encontra-se em Sayão (2005,
p. 15) que a concepção preconceituosa que se tem do pedagogo na
educação infantil espraia pelo propósito do masculino ser visto como
uma pessoa que não tem condições comportamentais para lidar com
crianças e que são mais suscetíveis às malícias, “crença disseminada
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1037

de um homem sexuado, ativo, perverso e que deve ficar distante do


corpo das crianças”.
A pesquisa de Rabelo (2013, p. 912), por sua vez, retornou
conhecer que dentre os preconceitos levantados sobre a atuação do
masculino com crianças da educação infantil estão:

[...] aqueles relacionados com: a homossexualidade (homofobia);


a concepção de que o homem é incapaz de lidar com crianças (por
exemplo, por ser diferente, jovem, indelicado, autoritário); o
pressuposto de que todos/as os/as professores/as do segmento são
mulheres ou de que se trata de um trabalho feminino; o medo da
pedofilia e do assédio sexual; a consideração de que a docência é
um ofício pouco rentável e não adequado para homens. Também
foram citadas outras discriminações, como o preconceito racial, a
discriminação positiva e a exclusão de decisões.

Notavelmente, observamos o receio e preconceito que o


gênero masculino se depara na docência da educação infantil, já que
crianças nessa faixa etária são dependentes e precisam de auxílio
para algumas atividades de cuidados que envolvem a higienização,
o contato corporal por meio da afetividade, sendo que o pedagogo
utilizará destas questões de cuidados para oferecer uma educação de
qualidade, como bem preconiza os Referenciais Curriculares
Nacionais para a educação infantil (RCNEI, 1998). Com esses
discursos sobre práticas de homens e de mulheres que os
preconceitos vão tornando-se cada vez mais fortalecidos em dizeres
e significados sociais que a profissão de pedagogo/a é “[...]
eminentemente feminina porque lida diretamente com os cuidados
corporais de meninos e de meninas” (SAYÃO, 2005, p. 15), pois é
tida:

[...] como uma continuação da maternidade, os cuidados com o


corpo foram atributos das mulheres, a proximidade entre um
homem lidando com o corpo de meninos e/ou meninas de pouca
idade provoca conflitos, dúvidas e questionamentos, estigmas e
preconceitos.
1038 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Frente a essas considerações, tensionar os estudos que


relacionam o sexo masculino na produção de deslocamento na
prática docente com crianças da primeira infância, entre 0 e 5 anos,
se faz pertinente para despregar da figura feminina tal ação e propor
novas possibilidades a partir da entrada do gênero masculino,
reconhecendo possibilidades, práticas, necessidades desse
profissional...

Breves considerações

Diante desse contexto em que se coloca as práticas de


pedagogos nos centros de educação infantil, pretende-se entender a
construção da pedagogia em relação ao gênero masculino e como
estes pedagogos lidam com a questão dos possíveis preconceitos, se
aceitam ou se naturalizam esse processo, por acreditarem que as
questões culturais e de tradição sobre o gênero estão corretas, e, em
acreditar que realmente é o gênero feminino que tem que lidar com
estas questões que a educação infantil exige em relação aos
cuidados.

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68

O Panorama Nacional da Pesquisa sobre o


Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (PCK)
e seu papel na formação docente

Vinicius Gorla Proto


Edson do Carmo Inforsato

Introdução

Os baixos índices associados à qualidade da educação


brasileira têm exigido atenção em diferentes setores da sociedade.
Sejam em análises políticas ou em investigações acadêmicas, o
denominador comum das conclusões é o da urgência por uma
reforma e a estreita relação entre o desempenho dos alunos e a
qualidade dos professores (Darling-Hammond, 2000) sugere que
um de seus pilares deva ser ocupado pela melhoria nos cursos de
formação docente.
No campo das políticas públicas, o Plano Nacional de
Educação (2014-2024), Lei nº 13.005/2014, estabelece metas e
estratégias para o avanço do quadro educacional, tanto no que diz
respeito ao desempenho e acesso dos alunos quanto à valorização e
à formação dos professores, sobre a qual podemos destacar a
estratégia 15.6:

“Promover a reforma curricular dos cursos de licenciatura e


estimular a renovação pedagógica, de forma a assegurar o foco no
aprendizado do(a) aluno(a), dividindo a carga horária em
formação geral, formação na área do saber e didática específica e
incorporando as modernas tecnologias de informação e
1042 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

comunicação, em articulação com a base nacional comum dos


currículos da educação básica” (BRASIL, Lei nº 13.005, 2014).

Um bom ponto de partida para o redesenho dos cursos de


licenciatura é o entendimento do professor como o profissional
responsável pela atuação docente. A partir dessa perspectiva, Tardif
(2010) argumenta que os professores não devem ser vistos como
sujeitos técnicos, que aplicam conhecimentos produzidos em outras
esferas, e nem como agentes sociais, cuja atividade é determinada
exclusivamente por mecanismos sociológicos. Ao contrário, seu
trabalho deve ser visto como um “espaço prático específico de
produção, de transformação e de mobilização de saberes”. Sob essa
perspectiva, o autor ressalta que:

“[...] é estranho que a formação de professores tenha sido e ainda


seja bastante dominada por conteúdos e lógicas disciplinares, e não
profissionais. Na formação de professores, ensinam-se teorias
sociológicas, docimológicas, psicológicas, didáticas, filosóficas,
históricas, pedagógicas, etc., que foram concebidas, a maioria das
vezes, sem nenhum tipo de relação com o ensino nem com as
realidades cotidianas do ofício de professor. [...] somos obrigados
a concluir que o principal desafio para a formação de professores,
nos próximos anos, será o de abrir um espaço maior para os
conhecimentos práticos dentro do próprio currículo” (TARDIF,
2010, p. 230).

Propor uma formação inicial balizada pela apropriação de


conhecimentos (práticos) necessários para que um professor ensine
de maneira efetiva demanda, inicialmente, delinear claramente
quais são esses conhecimentos e, em seguida, entender como
fomentar seu desenvolvimento. Dias & Lopes (2003), embora
críticas das motivações do modelo de formação docente pautada em
competências, avaliaram políticas educacionais anteriores e
destacaram que essa não é uma tendência tão atual. Ainda, as
autoras concluem que tal modelo é, de fato, eficiente na formação
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1043

do professor concebido por Tardif e cujas características estão em


acordo com aquelas descritas pelo PNE.
Sobre a sistematização de quais são os conhecimentos dos
professores (teachers knowledge), Fernandez (2015) destaca que tal
programa de pesquisa se inaugura em 1968 no congresso do
Instituto Nacional de Educação (GAGE, 1975 apud FERNANDEZ,
2015, p.502) quando Lee Shulman coordenou um painel cujo
objetivo era descrever a vida mental dos professores. Ainda, a autora
esclarece que nas pesquisas referentes ao tema desde então,
diferentes correntes têm influenciado o uso do termo saber em
detrimento do termo conhecimento. Por exemplo, para Fiorentini,
Souza Júnior e Melo (1998):

“[...] o conhecimento aproximar-se-ia mais com a produção


científica sistematizada e acumulada historicamente com regras
mais rigorosas de validação tradicionalmente aceitas pela
academia; o saber, por outro lado, representaria um modo de
conhecer/saber mais dinâmico, menos sistematizado ou rigoroso
e mais articulado a outras formas e fazer relativos à prática não
possuindo normas rígidas formais de validação” (FIORENTINI,
SOUZA JÚNIOR; MELO, 1998 apud FERNANDEZ, 2015, p.503).

Finalmente, a autora afirma que Shulman batiza seu


programa de pesquisa como “conhecimento de professores” numa
tentativa deliberada de elevar ao status de conhecimento, tal como
os produzidos academicamente, tudo o que é articulado e produzido
pelos professores durante a prática de ensinar.
A partir desse programa, Shulman (1986) propõe que para a
prática docente os professores devem contar com três categorias de
conhecimento: o conhecimento do conteúdo, o conhecimento
pedagógico do conteúdo e o conhecimento curricular. Entre esses, o
conhecimento pedagógico do conteúdo (do inglês Pedagogical
Content Knowledge – PCK) se manifesta nos professores mais
experientes através de suas explicações, exemplos, analogias e
formas de representação do conteúdo que o fazem compreensível
1044 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

aos alunos. Em outras palavras, o PCK pode ser sintetizado como o


“saber ensinar” de um professor.
Após a concepção do PCK, diversas pesquisas passaram a
investiga-lo sob diferentes enfoques com o objetivo de responder
questões como: qual é a sua natureza e quais são seus componentes?
Como desenvolvê-lo nos futuros professores e como avaliar tal
desenvolvimento? Quanto mais respostas são encontradas para
esses questionamentos, em especial ao segundo, mais esse
constructo se consagra como protagonista na formação docente e,
neste sentido, o presente trabalho intenta investigar o panorama da
pesquisa a cerca do PCK no contexto brasileiro.
Tal investigação constitui parte do desenvolvimento de um
projeto de doutorado intitulado: “A relação entre teoria e prática na
formação docente e o desenvolvimento do PCK em professores
iniciantes de matemática do ensino médio”, que pretende propor
um instrumento que permita avaliar o desenvolvimento do PCK em
professores de matemática e subsidie a condução de estudo
quantitativos na linha da formação docente. O recorte das produções
nacionais se justifica pela influência contexto nas definições do papel
da escola e dos objetivos da educação formal, que,
consequentemente, caracterizam um modelo de atuação docente.

Fundamentação teórica: o PCK

No ano seguinte à inauguração do conceito de PCK por Lee


Shulman (1986), o autor depurou o modelo já mencionado
ampliando-o para sete categorias. São elas: conhecimento do
conteúdo, conhecimento pedagógico geral, conhecimento
curricular, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento
das características dos estudantes, conhecimento do contexto e
conhecimento dos objetivos.
Em 1990, Grossman, uma colaboradora de Shulman,
sintetizou estas categorias em quatro: (a) conhecimento pedagógico,
(b) conhecimento do conteúdo, (c) conhecimento do contexto e (d)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1045

conhecimento pedagógico do conteúdo. Destes, o conhecimento


pedagógico do conteúdo se expressa como produto da combinação
dos outros três, que por sua vez, não são exatamente delimitados e
nem estáticos, mas interagem dinamicamente através de
componentes.
O conhecimento pedagógico trata do domínio que o professor
possui sobre as teorias pedagógicas e suas diretrizes no processo de
ensino. Engloba sua visão sobre ensino-aprendizagem e sobre os
papéis do aluno e do professor neste processo. É o repertório que
norteia a gestão da sala de aula e a prática docente. Morine-
Dershimer e Kent (1999) defendem que este conhecimento resulta
da reflexão do professor sobre um conhecimento pedagógico geral,
que vem dos estudos acadêmicos e leituras feitas por ele durante sua
formação, e um conhecimento pedagógico pessoal, que é abastecido
por crenças e experiências pessoais de cada um.
O conhecimento do conteúdo é o domínio dos conceitos e
teorias próprias de cada área. Contempla a visão que o docente tem
sobre o conteúdo e suas inter-relações. Envolve conhecer as
concepções alternativas de cada conceito a ser ensinado e as
principais dificuldades que os alunos costumam apresentar. É o
conhecimento técnico resultante das disciplinas específicas dos
cursos de formação sem o qual, naturalmente, não é possível
construir um bom professor.
O conhecimento do contexto abrange conhecer a realidade
socioeconômica não só dos alunos, mas da escola e da comunidade
a que pertencem. Ter sempre em vista quais são os objetivos dos
estudantes e em qual momento da formação eles se encontram, qual
é a idade e quais são suas perspectivas. Esta categoria também se
refere ao conhecimento do currículo e normas locais, o que se
manifesta na organização das sequências didáticas, na decisão do
que ensinar, no bom uso do tempo e do espaço físico disponíveis em
função da estrutura do prédio e do número de alunos na turma.
Após a concepção do PCK em 1986, diversos autores
contribuíram para a construção de uma definição para esse conceito
1046 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

propondo modelos de organização dos conhecimentos e de seus


componentes, sugerindo mecanismos para acessá-lo e até mesmo
questionando sua natureza. As diversas definições de PCK
encontradas na literatura são, muitas vezes, complementares
embora seja possível encontrar alguns pontos de tangência.
Shulman (1986) originalmente define o PCK através de suas
manifestações nos professores:

“Na categoria do conhecimento pedagógico do conteúdo eu incluo,


para os tópicos mais regularmente ensinados em cada área, as
formas de representação mais utilizadas para aquelas ideias, as
mais poderosas analogias, ilustrações, exemplos, explicações e
demonstrações – em uma palavra, as maneiras de representar e
formular a matéria que a faz compreensível aos outros. Uma vez
que não existe uma única e mais poderosa forma de representação,
o professor precisa ter em mãos um verdadeiro arsenal de formas
alternativas de representação, algumas delas derivadas da
pesquisa enquanto que outras se originam da sabedoria advinda
da prática” (tradução nossa) (SHULMAN, 1986, p.9).

Cochran, King e DeRuiter (1991) ressaltam que o PCK é


produto da combinação de outros conhecimentos:

“Conhecimento pedagógico do conteúdo é uma compreensão


integrada que é sintetizada a partir do conhecimento do professor
sobre pedagogia, conteúdo da matéria, características dos
estudantes e do ambiente do contexto de aprendizagem. Em outras
palavras, PCK é usar a compreensão do conteúdo da matéria, dos
processos de aprendizagem e das estratégias para ensinar o
conteúdo específico de uma disciplina de uma maneira que
permite aos estudantes construir efetivamente seus próprios
conhecimentos num dado contexto” (tradução nossa) (COCHRAN;
KING; DeRUITER, 1991, p.11).

Loughran, Berry e Mulhall (2012) reforçam o importante


papel da prática no processo de desenvolvimento do PCK e destacam
seu caráter idiossincrásico:
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1047

“PCK é o conhecimento que o professor desenvolve com o tempo,


e através da experiência, sobre como ensinar um conteúdo
particular de uma maneira particular a fim de provocar um
aumento na compreensão dos estudantes. Contudo, PCK não é
uma entidade única que é igual para todos os professores de uma
dada disciplina; ele é uma habilidade particular com idiossincrasias
e importantes diferenças que são influenciadas, pelo menos, pelo
contexto de ensino, conteúdo e experiência” (tradução nossa)
(LOUGHRAN; BERRY; MULHALL, 2012, p.7).

Para mais referências a respeito da produção de pesquisas


sobre os modelos de conhecimentos básicos dos professores e
modelos para o PCK, sugerimos consultar Goes (2014).
Comparando as diferentes definições de PCK apresentadas
anteriormente é possível perceber que os autores divergem em
relação aos conhecimentos que o compõem. Neste texto,
chamaremos tais conhecimentos de componentes do PCK. Park e
Oliver (2008) sintetizaram essas divergências em um no quadro
reproduzido a seguir:
Conhecimento de
Propó Estratégia
Compr Conte
sito de s
een-são údo
Autores ensina Curríc instrucion Mí Avalia Conte Pedag
dos da
ro ulo ais e dia ção xto ogia
estuda matéri
conte represent
ntes a
údo ações
Shulma
n D O D O D D D
(1987)
Tamir
O O O O D D
(1988)
Grossm
an O O O O D
(1990)
Marks
O O O O
(1990)
Smith e
Neale O O O D
(1989)
Cochra
n et al. O N O O O
(1993)
1048 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Geddis
et al. O O O
(1993)
Fernan
dez-
Balboa O O O O O
e Stiehl
(1995)
Magnos
sum et
O O O O O
al.
(1999)
Hasweh
O O O O O O O O
(2005)
Loughr
an et al. O O O O O O
(2006)
D: autor coloca essa subcategoria fora do PCK como um conhecimento básico
distinto para se ensinar; N: autor não discute essa categoria explicitamente
(assim como nas células em branco, mas o N foi utilizado para enfatizar);
O: autor inclui esta subcategoria como um componente do PCK.
Quadro 1: Componentes do PCK para diferentes autores. (PARK; OLIVER,
2008, p. 265) (tradução nossa)

Além da discussão sobre quais seriam os componentes do


PCK, Gess-Newsome (1999) propõe dois modelos antagônicos na
tentativa de explicar como se dá a sua formação: o modelo
integrativo e o modelo transformativo. No modelo integrativo o PCK
não existiria como um conhecimento dos professores, mas se
expressaria como interseção dos outros conhecimentos, que
poderiam ser abastecidos de maneira independente, como acontece
na maioria dos cursos tradicionais de formação de professores. Já no
modelo transformativo os conhecimentos básicos interagiriam
dando origem a um novo conhecimento, o PCK, que seria o único
conhecimento efetivamente utilizado durante a prática docente. Sob
a perspectiva do modelo transformativo, a formação dos professores
precisaria aliar teoria e prática desde o início para que, durante todo
o processo, a cada dose de conhecimentos básicos recebida, o PCK
do licenciando já pudesse ser desenvolvido.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1049

Figura 2: Modelo integrativo e modelo transformativo. (Gess-Newsome, 1999,


p.12) (tradução nossa).

Certamente, entender a natureza do PCK, quais são seus


componentes e como desenvolvê-los pode ser muito útil para
nortear o necessário redesenho dos cursos de formação docente no
Brasil. Rollnick et al. (2008) afirmam que:

“Se a experiência pode ser acessada e retratada, pode então ser


transferida para professores inexperientes e, assim, ajuda-los no
seu progresso em direção à competência reforçada no ensino.
Desenvolver o entendimento mais profundo do fenômeno que é o
PCK pode também ajudar a criar novas formas adequadas de
discussão das questões inerentes à complexidade e aplicação do
conhecimento do conteúdo na prática. Encontrar, acessar e
elucidar o PCK pode muito bem representar o que alguns
poderiam descrever como o santo graal da formação de
professores” (ROLLNICK; BENNETT; RHEMTULA; DHARSEY;
NDLOVU, 2008 apud GOES, 2014, p. 86).

Para que as pesquisas sobre o PCK se convertam, de fato, em


dados que permitam avaliar os cursos de licenciatura e propor
intervenções a fim de melhorar sua qualidade, é necessário que
apontemos nossa investigação aos métodos de acesso a esse
conhecimento. Essa é a questão que pesquisadores como Loughran
1050 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

et al. (2004), Nilson (2008), Van Driel et al. (1998), entre outros,
tentam responder.
Loughran et al. (2004) sugerem duas ferramentas que,
combinadas ou não, se propõem a acessar o PCK dos professores: O
“CoRe”1 e os “PaP-eRs”2. O CoRe é um formulário preenchido pelo
professor com suas convicções sobre aspectos do conteúdo, que
pode ser cruzada com registros encontrados na literatura ou ser
analisada por um professor (ou um grupo deles) mais experiente.
Os PaP-eRs são narrativas desenvolvidas através das descrições
detalhadas da regência e das reflexões sobre as ideias a respeito do
conteúdo (LOUGHRAN et al., 2004).
Nilsson (2008) utiliza as gravações das aulas em vídeo para
estimular as lembranças das ações dos professores durante suas
entrevistas. Muitos outros autores como Van Driel, Verloop e De Vos
(1998), Van der Valk e Broekman (1999), Loughran et al. (2012),
Barnett e Hodson (2001), Reyes e Garritz, Henze (2006), Lee e Luft
(2008), etc., também utilizam entrevistas, semiestruturadas ou não,
para acessar o PCK dos professores em seus trabalhos. Assim como
na análise do CoRe e dos PaP-eRs, os resultados do acesso ao PCK
obtido através destes instrumentos não podem ser considerados
absolutos, por estarem sempre sujeitos às convicções de quem fez as
análises ou conduziu a entrevista.
Em sua pesquisa do tipo Estado da Arte, Goes (2014) conclui
que, referente ao período de 1968 a 2013, entre as 1716 produções
empíricas da área de ciências da natureza e matemática que foram
analisadas, a distribuição de métodos e estratégias para acesso ao
PCK é a seguinte:

1i
Do inglês: Content Representation.
2
Do inglês: Profissional and Pedagogical - experience Repertories.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1051

Quadro 2: Distribuição da produção acadêmica (1716 trabalhos) sobre PCK da


área de Ciências da Natureza e Matemática entre os diferentes Métodos e
Estratégias para o acesso ao PCK (GOES, 2014, p. 113).

Diante desses dados inaugura-se a indagação sobre seu


recorte nacional, ou seja, quais são os objetivos das pesquisas e quais
as ferramentas de acesso ao PCK utilizadas nas produções
acadêmicas brasileiras sobre o tema?

Procedimentos metodológicos

O termo PCK foi pesquisado nos seguintes repositórios:


Repositório Institucional UNESP (https://repositorio.unesp.br),
Repositório da Produção Científica do CRUESP
(http://www.cruesp.sibi.usp.br), Scielo Brasil
(http://www.scielo.br), Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da
USP (http://www.teses.usp.br) e no Catálogo de Teses e
Dissertações da CAPES (http://catalogodeteses.capes.gov.br). Entre
os resultados obtidos, muitos não eram relacionados ao
1052 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conhecimento pedagógico do conteúdo, mas sim a outros possíveis


significados da mesma sigla. Desta forma, em alguns repositórios foi
necessária a combinação do termo PCK com outros descritores para
filtrar os resultados. As pesquisas foram feitas no dia 28 de agosto
de 2018.
As produções obtidas foram organizadas no software
gerenciador de referências Mendeley Desktop, versão 1.19.2 para
Mac, que permite cadastrar, para cada referência, marcadores (tags)
pessoais. Após a leitura do título e do resumo dos trabalhos e,
quando necessário, do corpo do texto, foram cadastradas tags que
permitiram categorizar as pesquisas quanto aos seguintes aspectos
(GIL, 2002): tipo de pesquisa – estudo de caso, levantamento ou
pesquisa bibliográfica/documental; metodologia de análise dos
dados – qualitativa ou quantitativa; e, para os estudos de caso, as
estratégias para acesso ao PCK.

Apresentação e discussão dos resultados

No Repositório Institucional UNESP a busca pelo termo PCK


no campo “título” retornou 112 resultados, sendo que a combinação
“PCK + conhecimento” retornou 7 resultados e a combinação “PCK
+ professor” retornou 10, dos quais 5 eram comuns. No Repositório
da Produção Científica do CRUESP a busca no campo “qualquer”,
que inclui “título”, “assunto” e “autor”, a busca retornou 32
resultados. No Scielo Brasil a busca na base “article” retornou 10
resultados. Na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP a
busca no campo “resumo” pela combinação dos termos PCK e
“conhecimento” retornou 16 resultados. Catálogo de Teses e
Dissertações da CAPES a busca retornou 35 resultados.
Naturalmente observou-se interseção entre os resultados obtidos
em cada repositório e, excluindo-se as redundâncias e os resultados
nos quais a sigla PCK possuía outros significados, foram obtidas 37
produções acadêmicas entre dissertações de mestrado, teses de
doutorado e artigos científicos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1053

Cada uma das 37 produções obtidas foi importada


individualmente para o software Mendeley. A importação foi feita
de maneira automática com a ferramenta “Web Importer” que o
software oferece, com exceção dos resultados retornados
exclusivamente pelo Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, que
não é compatível e, por isso, tais produções precisaram ser
cadastradas manualmente, por meio do preenchimento dos campos
“Title”, “Author”, “Year”, “Abstract”, “Author Keywords” e
“University”, além de baixar e vincular os textos completos em PDF.
Após a categorização das pesquisas cadastradas, apenas uma
pesquisa se caracterizou como quantitativa, trinta e quatro foram
classificadas como qualitativas e outras duas foram classificadas
como mistas por aliarem ambas as metodologias de análise dos
dados. Entre as qualitativas, quatro produções se caracterizaram
como pesquisas bibliográficas/documentais e as outras trinta,
estudos de caso, assim como as duas pesquisas mistas. A pesquisa
quantitativa se caracterizava como um levantamento.
Entre os estudos de caso que utilizaram metodologias
qualitativas de análise dos dados, todos recorreram à Análise do
Conteúdo das respostas aos diferentes instrumentos de coleta, entre
os quais se destacam: transcrição dos registros audiovisuais das
regências dos professores investigados, planos de aula, entrevistas e
o preenchimento do CoRe. Essas estratégias de acesso ao PCK
imprimem retratos qualitativos de seu desenvolvido nos professores
investigados e contribuem para a elaboração de hipóteses a cerca da
sua natureza e composição. Algumas pesquisas propõem a
comparação do desenvolvimento do PCK em diferentes contextos de
formação ou em diferentes etapas de um mesmo processo
formativo, para avaliar a efetividade de cada uma delas. Entretanto,
tais estratégias demandam uma grande quantidade de trabalho para
capturar o desenvolvimento do PCK de um único professor e, por
isso, não permitem a utilização deste constructo como aporte para a
produção de dados quantitativos que permitam avaliar os cursos de
formação docente.
1054 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Entre as três pesquisas que utilizaram metodologias


quantitativas de análise dos dados, uma delas é a dissertação de
mestrado intitulada “TPACK (Conhecimento pedagógico de conteúdo
tecnológico): relação com as diferentes gerações de professores de
matemática” de Mazon (2012). Ela é uma pesquisa do tipo
levantamento na qual foi utilizado um questionário fechado para
“identificar as atitudes de professores de matemática com relação
aos saberes do TPACK” (MAZON, 2012, p. 67) de 71 professores.
Cabe observar aqui que o TPACK é, em linhas gerais, uma
extrapolação do PCK proposta por Mishra e Koehler (2006) ao
adicionar uma dimensão tecnológica ao modelo.
Outra pesquisa que utilizou metodologias quantitativas de
análise dos dados foi a tese de doutorado intitulada “Análise do
conhecimento pedagógico do conteúdo de professores de química a
partir da perspectiva dos educandos” de Girotto (2015), que além de
analisar os planos de aula, registros audiovisuais e respostas das
entrevistas e do CoRe, também aplicou um instrumento de coleta de
dados quantitativos nos alunos (JANG, 2010 apud GIROTTO, 2015)
dos três professores investigados com o objetivo de “recolher as
percepções dos alunos a respeito de quatro aspectos relacionados à
prática do professor: Conhecimento do Conteúdo, Estratégias
Instrucionais e de Representação, Conhecimento sobre a
Compreensão dos Estudantes, Objetivos Instrucionais e Contexto”
(GIROTTO, 2015, p. 83, grifo nosso). O autor ressalta que a aplicação
do instrumento é uma estratégia complementar às outras de acesso
ao PCK também utilizadas.
Finalmente, destacamos a tese de doutorado intitulada
“Quatro estudos sobre o PCK e alguns reflexos na formação inicial
de professores” de Gastaldo (2017). Em relação às estratégias de
acesso ao PCK, essa pesquisa se diferencia das demais por detalhar
o processo de construção e validação de um instrumento de coleta
que foi aplicado em 96 professores e licenciandos. Após a utilização
dos métodos estatísticos propostos, foi possível atribuir níveis
quantitativos e comparáveis ao PCK dos professores investigados, o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1055

que se mostrou uma valiosa e confiável maneira de comparar


diferentes modelos de formação docente.

Conclusão

Diante da urgência por uma reforma educacional e a partir da


premissa de que o desempenho dos alunos está ligado à qualidade
dos professores, as pesquisas relacionadas ao PCK contribuem para
a investigação dos programas de formação docente. No Brasil essas
pesquisas se configuram, em sua maioria, como estudos de caso que
intentam acessar esse conhecimento em professores iniciantes por
meio de metodologias qualitativas de análise dos dados coletados.
Tais estratégias são eficientes para acessar o PCK de um único
professor ou de um pequeno grupo deles e permitem a formulação
de hipóteses sobre sua natureza e sobre a relação entre seus
componentes. Entretanto, se quisermos utilizar o conceito de PCK
como aporte para a produção de dados quantitativos que nos
permitam avaliar cada etapa da formação inicial dos professores,
precisamos de instrumentos que possam ser aplicados a um grande
número de pessoas e que forneça dados numéricos, que possam ser
analisados e validados pelas consagradas técnicas estatísticas.
No contexto internacional, Lee (2010) utilizou um
instrumento chamado Survey of Pedagogical Content Knowledge in
Early Childhood Mathematics (SPECKECM) (Smith, 1998 apud Lee,
2010) para avaliar o PCK de 81 professores de pré-escola em seis
dimensões, a saber, “compreensão dos números, padrões, ordem,
formas, noção espacial e comparação” (Lee, 2010, p. 30, tradução
nossa) em acordo com as diretrizes norte americanas. Uma das
conclusões que a autora obteve foi a de que, entre os professores
pesquisados, o menor índice de PCK foi associado à noção espacial,
que é a base do desenvolvimento dos conteúdos em geometria e esta
é a área da matemática em que as avaliações internacionais apontam
que os alunos americanos têm baixo desempenho.
1056 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A pesquisa de Lee (2010) dá indícios de outro grande potencial


da abordagem quantitativa: podemos não só diagnosticar e
melhorar os cursos de formação de professores, mas também causar
impactos assertivos na qualidade da educação oferecida à população,
que é o grande objetivo da reforma educacional.

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69

O papel da educação a distância na inclusão


educacional, digital e social

Elizangela Cristina Begido Caldeira


Carlos Alípio Caldeira
Lygia Aparecida das Graças Goncalves Correa

Introdução

A educação a distância é a modalidade educacional na qual


alunos e professores estão separados, física ou temporalmente e, por
isso, faz-se necessária a utilização de meios e tecnologias digitais de
informação e comunicação. Tal modalidade surgiu com a finalidade
de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de
educação, sendo regulada por uma legislação específica, da qual
pode ser implantada em todos os níveis educacionais.
É de conhecimento que a educação possui um papel
fundamental para evolução social do indivíduo e transformação da
sociedade na qual está inserida, nesse sentido vem passando por um
período de transformações e construções, devido a inserção das
novas tecnologias no modo com que ela se dá.
Nas sociedades modernas, com o avanço das tecnologias e as
inovações dos sistemas de comunicação, que têm ocorrido na esfera
educacional, o surgimento de propostas educativas ousadas e
inovadoras, que vem quebrando paradigmas, uma dessas propostas
que vem sendo adotadas no sistema educacional brasileiro é o
ensino a distância, mediado pelas novas tecnologias (REIS, 2015).
1060 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Tais transformações culturais e as novas condições de


produção dos conhecimentos levam a novos estilos de sociedade,
nos quais a inteligência é o produto de relações entre as pessoas e
dispositivos tecnológicos. Mudam assim, as formas de construção do
conhecimento e os processos de ensino aprendizagem, modificando
a velocidade com a qual as informações circulam e são produzidas,
as novas compreensões da relação de trabalho, a cidadania e
aprendizagem, o impacto das novas tecnologias (RAMAL, 2002)
Nunca se falou tanto em tecnologia, com se tem feito nas
últimas décadas, e consequentemente uma transformação
revolucionária com o surgimento de uma nova cultura presente em
nosso cotidiano, a educação por meio de tecnologias digitais de
comunicação e informação, ou seja, uma estratégia educativa
baseada na aplicação de tecnologia, chamada ensino a distância.
Cabe salientar que a modalidade de ensino a distância, não é
algo recente, existem propostas e registros desta forma de ensino
desde o final do século XIX, porém consolidado recentemente,
ocorre a aprendizagem desde os tempos do Brasil colônia, mas nas
últimas décadas ele tem se tornado mais intenso, apesar de diversas
controvérsias sobre a efetividade do EAD, percebe-se uma vertente
muito forte que defende o EAD como uma forma de inclusão social
(REIS, 2015).
É necessário ressaltar que apesar de todas as dificuldades
enfrentadas pelo país, a educação é a ferramenta mais importante
para inclusão social e digital, estamos entre o maior número de
população desconectada, com baixa disponibilidade de sinal de
internet, viabilidade de custo e ambiente econômico desfavorável,
desse modo, a inclusão é uma questão de cidadania como meio de
garantir direitos a sociedade nela inserida.
Este ponto de vista requer superar as barreiras socioculturais
arraigadas na sociedade capitalista, reduzir a distância entre as
classes sociais pela via da acessibilidade à educação qualidade, seja
na condição da espacialidade quanto de oportunidades iguais no
processo de formação profissional e, subsequentemente, no
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1061

mercado de trabalho, tal concepção requer que tal ferramenta um


rigor ético e profissional, concebido por valores e princípios
democráticos (ALVES, 2012).
Esse sistema de ensino tem sido notado como favorável por
criar possibilidades para diminuir a desigualdade social, digital e
educacional, assim como dar melhor oportunidade para uma
possível atualização profissional, permitindo que estas tenham
acesso a diferentes tipos de informações que possam ser
transformadas em conhecimento.
No Brasil o ensino a distância tem se apresentado como
política de governo, com potencialidade para diminuir os problemas
de acesso à educação, porém é de extrema importância que o Estado
tenha como principal objetivo a qualidade que será aplicada nestes
programas e a inclusão social, digital e educacional, garantindo
direitos de forma que ocorra uma formação social e ética
transformadora.
O objetivo deste trabalho é descrever o importante papel que
a Educação a Distância desempenha como princípio de direitos na
forma de inclusão social, digital e educacional. O que enfatizamos
nessa pesquisa é que tanto a educação a distância como a inclusão
social, digital e educacional estão num desafio comum não só de
evolução como também de transformação.

Fundamentação Teórica

Educação a distância e a cibercultura.

Uma forma de definir a educação a distância na sociedade


moderna, é através do uso de uma ferramenta com intuito de
facilitar o processo ensino – aprendizagem, segundo Reis (2015)
trata-se uma modalidade de ensino que utiliza alguma forma de
mídia (televisiva, impressa, da internet) para transmitir
informações que podem ser transformadas em conhecimentos, não
tendo a necessidade do contato físico entre aquele que ensina e
1062 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

aquele que aprende, nesse sentido a mídia pode complementar a


forma de ensino transformando a informação em educação.
A educação a distância apresenta características específicas,
rompendo com a concepção da presencialidade no processo de
ensino-aprendizagem, trata-se de uma ferramenta, que ganhou
maior importância nos últimos anos devido ao advento das
tecnologias digitais de informação e comunicação das quais
ampliaram em muito seu alcance, diminuíram os custos e
permitiram que novas propostas pedagógicas surgissem,
enriquecendo a oferta de cursos e de oportunidades de
ensino/aprendizagem em todo o mundo.
As consequências da evolução das novas tecnologias,
centradas na comunicação de massa, na difusão do conhecimento,
ainda não foram plenamente difundidas no ensino, no entanto, a
educação que opera com a linguagem escrita e a nossa cultura atual
dominante vive impregnada por uma nova linguagem da internet,
nesse sentido a cultura do papel representa talvez o maior obstáculo
ao uso intensivo da Internet, em particular da educação a distância
com base na internet, por isso, os jovens adaptam-se com mais
facilidade ao uso do computador, uma vez que já estão nascendo
com essa nova cultura, a cultura digital (Gadotti, 2016).
Essas transformações, vem propiciando um espaço mais
flexível para interações no espaço eletrônico, possibilitando uma
nova forma de aprendizagem, uma nova cultura chamada
cibercultura, a qual Ramal (2002) define como “um o conjunto de
técnicas, tanto materiais como intelectuais e simbólicas, de práticas,
de atitudes, de modos de pensar e de valores que se desenvolvem
dentro de uma estrutura virtual a partir de uma comunicação
interativa”.
Os conceitos de cibercultura e ciberespaço são centrais
também na obra de Pierre Lévy (1999) e dele derivam todas as suas
reflexões, o termo [ciberespaço] especifica não apenas a
infraestrutura material da comunicação digital, mas também o
universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1063

seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto a


‘cibercultura’, especifica aqui como um conjunto de técnicas
(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço.
Podemos ressaltar na obra de Pierre Lévy são suas
proposições acerca da nova relação que o homem estabelece com o
saber, agora que está imerso na cibercultura e o ciberespaço
amplifica, exterioriza e modifica funções cognitivas humanas como
o raciocínio, a memória e a imaginação.O que é preciso aprender
não pode mais ser planejado nem precisamente definido com
antecedência, devemos construir novos modelos do espaço dos
conhecimentos, assim a educação a distância deriva da evolução do
ensino presencial institucionalizado na sociedade moderna, de
forma que, ao longo do desenvolvimento da História da Educação
foram superados muitos obstáculos (LÉVY, 2000).
Sua concepção se fundamenta no fato de que o processo de
ensino aprendizagem pode ser visto como a busca de “uma
aprendizagem autônoma, independente, em que o usuário se
converte em sujeito de própria aprendizagem e centro de todo o
sistema” (RIANO, 1997, p. 21).
A educação a distância (EAD) é um sistema de ensino em
ascensão e a tecnologia utilizada está em constante avanço, e vem
proporcionando novas oportunidades à aqueles que não podem
frequentar o sistema de ensino tradicional, desempenhando um
papel significativo de formação em nosso país na esfera atual, apesar
de divergência de opiniões sobre o tema, esta modalidade de ensino
resulta em uma evolução tecnológica na busca de conhecimento.
Entretanto, no mundo contemporâneo, onde as culturas
encontram-se potencialmente mais imbricadas por meio das
tecnologias de informação e comunicação, as atenções se voltam
especialmente à consolidação de um direito universal capaz de
ignorar os limites geográficos e atender as demandas da evolução
cultural (SILVA e MARQUES, 2013).
1064 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

É necessário nos preocuparmos com o fator qualidade, tendo


em vista as distâncias físicas entre regiões de países em
desenvolvimento, como o Brasil, Argentina, China e outros menos
desenvolvidos como a África e alguns países da Ásia, é de suma
importância que haja um compromisso do Estado em promover
programas de educação à distância para sua população, de inclusão
social, educacional e digital, fazendo uso de todas as tecnologias de
comunicação (ROSINI, 2004).

Educação a distância e a legislação

Apesar dos primeiros registros documentais de ensino a


distância datarem do final do século XIX, é somente em 1960 que se
consolida um modelo de educação a distância, pela fundação da
Universidade Aberta da Grã-Bretanha, considerada uma das
maiores universidades de EAD, pela complexidade de recursos e
diversidade de cursos nos mais diferentes níveis (GIOLO, 2008).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, traz
através de alguns dispositivos direitos inerentes a liberdade de
opinião e expressão, sem interferências, ter opiniões e de procurar,
receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios,
independentemente de fronteiras, assim como participar livremente
da vida cultural da comunidade, garantindo o direito a comunicação,
a informação e as evoluções tecnológicas.
A constituição federal brasileira, elenca em seu artigo 5,
dentre as garantias fundamentais, a garantia ao acesso de
informação, além da livre expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença. E no art. 219 estabelece a relação à Ciência e
Tecnologia que “o mercado interno integra o patrimônio nacional e
será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e
sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia
tecnológica do País, nos termos de lei federal”.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1065

Diante disso, podemos concluir que a inclusão digital em


consequência a educação a distância, está plenamente prevista em
nosso ordenamento jurídico, devendo o estado promover todas
políticas que incentivem sua expansão.
No Brasil a educação a distância é um tema mais recente, a
partir dos anos de 1990, começa a ser concebida nos projetos
pedagógicos nacionais, no início teve o objetivo de “prover cursos
presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente
escolarizados” e também como “complementação da aprendizagem
ou em situações emergenciais” em 1996 é incluída na legislação
educacional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n. 93.94
de 20 de dezembro de 1996) que desencadeou o processo,
reconhecendo como modalidade de educação, concedendo o estatuto
para a educação a distância a todos os níveis e modalidades, dando-
lhes tratamento distinto no que se refere à utilização de canais de
radiodifusão, deixando tal requisito descrito no seu artigo 80:

“Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de


programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de
ensino, e de educação continuada.
§ 1º. A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais,
será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União.
§ 2º. A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e
registro de diploma relativos a cursos de educação a distância.
§ 3º. As normas para produção, controle e avaliação de programas de
educação à distância e a autorização para sua implementação caberão aos
respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração
entre os diferentes sistemas.
§ 4º. A educação a distância gozará de tratamento diferenciado, que
incluirá:
I - Custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de
radiodifusão sonora e de sons e imagens;
II - Concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas;
III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos
concessionários de canais comerciais”.
1066 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O Decreto n. 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, regulamentou


e conceituou a educação a distância, fixando diretrizes gerais para
autorização e reconhecimento de cursos e credenciamentos de
instituições, assim como estabelecimento de tempo de validade para
esses atos regulatórios, definindo inclusive penalidades para o não
atendimento dos padrões de qualidade e outras irregularidades. Em
2005, um novo decreto 5.622, regulamentou e atualizou novamente
o artigo 80 da Lei 9394, de 1996, nos detalhes que concernem a
operacionalização do paradigma educacional em diversos níveis de
ensino, definindo a educação a distância caracterizando-a como
modalidade de ensino que utiliza meios tecnológicos para o processo
de ensino aprendizagem, com metodologias e avaliação
diferenciadas.
Concomitantemente, devido a importância dos mecanismos
tecnológicos no pais, o poder executivo editou o Decreto de n.º 5.581,
de 10 de novembro de 2005, incumbindo ao Ministério das
Comunicações a formulação e proposição de políticas, diretrizes,
objetivos e metas, bem como exercer a coordenação da
implementação dos projetos e ações respectivos, no âmbito do
programa de inclusão digital, que auxiliarão no acesso ao ensino a
distância. Em seguida, o Decreto Nº 9.057/2017, atualizou a
legislação sobre o tema e regulamentou a educação à distância no
país, definiu ainda, que a oferta de pós-graduação lato sensu EaD
fica autorizada para as instituições de ensino superior que obtêm o
credenciamento EaD, sem necessidade de credenciamento
específico, tal como a modalidade presencial.
Assim, o Ministério da Educação regulamentou a Educação a
Distância (EaD) em todo território nacional, definindo que as
instituições de ensino superior podem ampliar a oferta de cursos
superiores de graduação e pós-graduação a distância, dentre as
principais mudanças, estão a criação de polos de EaD pelas próprias
instituições e o credenciamento de instituições na modalidade EaD
sem exigir o credenciamento prévio para a oferta presencial, nesse
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1067

sentido, a estratégia do MEC é ampliar a oferta de ensino superior


no país para atingir a Meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE).
Nesse período, a modalidade EaD tem crescido fortemente no
país, acompanhando o progresso dos meios tecnológicos e de
comunicação, vem ainda, ocasionando grandes mudanças,
abrangendo cada vez mais o sistema educacional e facilitando o
acesso à educação principalmente para as pessoas que não tinham
acesso à educação presencial, por falta de tempo ou por não terem
condições de pagar um curso mais caro.

Educação a Distância como inclusão social, digital e


educacional.

As inovações tecnológicas podem hoje transformar a vida


social e educacional, se tornando facilitadoras, para a inclusão digital
no ensino, de suma importância para a conquista dos direitos
individuais e coletivos e, entre eles, perpetua o direito a igualdade e
a educação, que pode contribuir para a redução de desigualdades e
a melhoria de vida e de educação.
Destaca-se num conjunto de ações sociais para realizar
politicas públicas de educação a distância, o projeto da Universidade
Aberta do Brasil (UAB), que surge como uma iniciativa do MEC
visando a inclusão social e educacional por meio da oferta de
educação superior a distância, com a possibilidade de democratizar,
expandir e interiorizar o ensino superior público e gratuito no país,
com apoio da educação a distância e a incorporação de novas
metodologias de ensino, especialmente o uso de tecnologias digitais
(VIDAL, 2010).
A interação do pedagógico com o tecnológico, podem resultar
em formas de aprendizado, de acordo com Matos (2015) a educação
a distância se enxergada como mecanismo de promoção da
educação, para satisfazer as necessidades individuais e sociais,
justifica-se como intermediária do acesso ao direito à cidadania,
como alternativa de democratização do ensino, se mostra capaz de
1068 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

contribuir para a ampliação do acesso educação, nos mesmos


moldes que o ensino regular presencial se tratada como instrumento
pedagógico de qualificação.
A educação, no século XX, tornou-se permanente e social,
num cenário onde existem ainda muitos desníveis entre regiões e
países, entre o Norte e o Sul, entre países periféricos e hegemônicos,
entre países globalizadores e globalizados, há idéias universalmente
difundidas, entre elas a de que não há idade para se educar, de que
a educação se estende pela vida e que ela não é neutra (GADOTTI,
2016).
As novas formas de conduta relacionadas a era das tecnologias
digitais de informação e comunicação, das quais se criam no espaço
virtual de certa forma determinam de fato a abertura de
possibilidades no âmbito educacional, países em desenvolvimento
como o Brasil, necessitam criar novas formas de inclusão social e
digital, podem-se criar reais possibilidades na utilização dessa
modalidade de ensino (REIS, 2015).
Segundo Matos (2015) para fazer chegar às mais diversas
comunidades, ainda que geograficamente afastadas dos centros
populacionais, conhecimento e informação, uma alternativa é a
utilização da internet como ferramenta, ou ambiente, de difusão de
informações e de aprendizagem, destacando-se o uso das
tecnologias de informação e comunicação.
O ensino a distância quebra paradigmas e concepções ao
permitir que pessoas em regiões, afastadas dos grandes centros
urbanos tenham acesso à educação, um dos fatores preocupantes no
país é a distribuição geográfica dos indivíduos, em diferentes níveis
educacionais, outro fator relevante é o desenvolvimento da evolução
do nível educacional na população brasileira comparada com outros
países do mundo.
Nesse sentido, tal modalidade permitiu facilidade na
transmissão de informações, onde o aluno não tem uma delimitação
geográfica, especificamente quanto ao Brasil, considerando-se as
distâncias territoriais e sociais envolvidas, as novas tecnologias
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1069

mostraram-se capazes de oferecer à EaD o dinamismo e


confiabilidade suficientes para angariar grande número de adeptos,
especialmente entre aqueles que, distantes dos grandes centros
acadêmicos, pouco acesso teriam aos materiais, professores e
pesquisadores que muitas vezes estão restritos territorialmente
(MATOS, 2015).
No pais, regiões Sul e Sudeste, que compõe poucos estados
brasileiros, concentram o maior número de pessoas com acesso à
internet, consequentemente a tecnologias digitais, neste cenário,
quando falamos nesses grandes centros urbanos faz-se comum
diversos questionamentos sobre a necessidade do ensino a distância,
principalmente devido à elevada gama de possibilidades de escolas,
faculdades, formas de se conectar à internet, entre outros. Contudo
cada vez que se adentra pelo interior do Brasil, percebe-se a escassez
de recursos tecnológicos e humanos para promoção do ensino e da
aprendizagem (REIS, 2015).
Importante ressaltar, que para tanto, é necessário que os
programas de EaD apresentem proposta didática direcionada à
construção e divulgação do conhecimento de forma segura, que
possa facilitar o processo de ensino aprendizagem e potencializar
as ferramentas passíveis de garantir o bom aproveitamento do
estudante, uma vez que este se torna sujeito protagonista de sua
própria aprendizagem, onde não pode contar com a figura física do
professor (MATOS, 2015).

Conclusão

Num espaço democrático, a comunicação em conjunto com a


informação e a ética, torna-se condição fundamental para o exercício
da cidadania e a maneira como a informação é comunicada pode
contribuir para a elevação dos níveis de organização e participação
da sociedade, oferecendo mais condições de intervir nas
transformações sociais. Nesse sentido, faz-se necessário
compreender como a educação a distância pode ser utilizada como
1070 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ferramenta de efetivação de garantias de direitos, assim como o da


comunicação como um direito a ser efetivado, ambas integram- se e
complementam-se no desafio de garantir condições dignas de vida
a todas as pessoas.
Pierre Lévy, em sua obra Cibercultura, também nos mostra
seu ponto de vista em relação às novas tecnologias: “Por trás das
técnicas agem e reagem ideias, projetos sociais, utopias, interesses
econômicos, estratégias de poder, toda a gama dos jogos dos
homens em sociedade, portanto, qualquer atribuição de um sentido
único à técnica só pode ser dúbia” (Lévy, 1999, p.19).
O impacto de novas tecnologias, estão imersos nas novas
relações de comunicação e produção do conhecimento que ela nos
oferece, um processo de universalização incluindo o ambiente
educacional. Tais tecnologias estão sendo usadas atualmente como
instrumentos de comunicação, transmissão de informações,
capacitações a distância, treinamentos e aperfeiçoamentos, porém a
metodologia e a didática utilizada devem estar de acordo com as
habilidades e conhecimentos de cada participante, prezando sempre
pela qualidade de ensino.
Essa nova modalidade de educação requer não só recursos em
tecnologia, como também oferta de qualidade, que só pode ser
alcançada com dados primários analisados na formação de cada
candidato. O primeiro fator preocupante é a distribuição geográfica
dos indivíduos, em diferentes níveis educacionais. Outro fator
relevante é o desenvolvimento da evolução do nível educacional na
população brasileira comparada com outros países do mundo.
Outro fator preocupante é que em muitas instituições
privadas a Educação a Distancia, tem mais proximidade com o
conceito de mercadoria do que oferta de educação de qualidade, fato
preocupante para educação de futuros docentes.
Cabe salientar ainda, que o potencial formativo das
informações, mesmo que não tenham de imediato uma
intencionalidade pedagógica e /ou formativa, podem influenciar a
ideologia e o comportamento do indivíduo se não forem organizadas
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1071

e processadas de maneira adequada, impondo às pessoas valores e


destruindo sua autonomia (GOMES, 2015).
Não se pode considerar tal modalidade apenas como meio de
superar problemas emergenciais ou esperar que esta venha a
consertar fracassos educacionais. Tais recursos tecnológicos
utilizados de forma integrada, permitem a troca de informações e a
comunicação entre diversos grupos, independente da distância física
que os separe, representando meios e formatos capazes de alterar a
forma com que conhecimentos são construídos e transmitidos.
Ao mesmo tempo em que a expansão da educação a distância
no território nacional, cumpre as necessidades de uma política de
educação, é a EAD que inclui digital, educacional e socialmente, pois
está nos locais onde as universidades particulares e públicas não
estão, e nunca estarão. Fatores como a flexibilização, dificuldades
financeiras, dificuldades com longas distâncias ou mesmo
locomoção são realidades constantes e o primeiro passo para
reconhecer o EAD como instrumento de inclusão.

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Acesso em 20/02/2016.
70

O papel da educomunicação na efetivação da


educação em Direitos Humanos

Elizangela Cristina Begido Caldeira


Mariangela Catelani Souza
Carlos Alípio Caldeira
Ligia Aparecida das Graças Gonçalves Correa

Introdução

O objeto de estudo deste texto refere-se a questões relativas


ao acesso a educação em direitos humanos, a informação e a
comunicação como um direito, com o objetivo de analisar as práticas
educomunicativas no ambiente de ensino aprendizagem.
Ressaltando a informação e o conhecimento, como ferramentas
essenciais pela garantia dos direitos humanos e fundamentais,
observando importância utilizar a comunicação como ferramenta de
promoção de direitos, como forma de contribuir para melhoria da
educação.
A comunicação utilizada como ferramenta pedagógica, pode
ser inserida no cenário da educação de direitos humanos como
direito fundamental, para o exercício da cidadania, com intuito de
contribuir para instituição de valores e moral, consequentemente
redução das desigualdades, como também configurando um novo
campo de conhecimento, que conhecemos como educomunicação.
Educação e comunicação muitas vezes se distanciam, pelo
tecido de seus discursos, sendo que, o discurso educacional é mais
fechado e enquadrador, oficial, autorizado, validado por
1076 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

autoridades, não questionado. Enquanto a educação está presa ao


Estado naquilo que tem de pior, que é a burocracia; a comunicação
vincula-se ao mercado, aprimora-se constantemente, tem liberdade
na construção do seu "currículo" e de sua forma de agir (Soares,
2011).
A educação utilizada em conjunto com a comunicação, o uso
das tecnologias no processo educacional e a gestão comunicativa
podem se transformar em uma ferramenta de mudanças nas
políticas educacionais. Na esfera educacional, o uso da comunicação
pelos direitos humanos pode ocorrer de forma transversal a todas
as disciplinas, estimulando o aprendizado através de uma
diversidade de ferramentas de comunicação.

Desenvolvimento

Evolução Histórica dos Direitos Humanos

Segundo Genevois (1990) a segunda guerra mundial, com


seus horrores e genocídio, chocou a comunidade mundial, as nações
sentiram a necessidade de criar uma instância capaz de coibir a
repetição de uma tragédia semelhante. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos, ratificada em 10 de dezembro de 1948, por 48
países reunidos em Assembléia Geral nas Nações Unidas, é até hoje,
o mais importante e amplo documento concebido em favor da
humanidade.
Neste contexto a ONU assumia o desafio de reconstrução dos
Direitos Humanos (Piovesan, 2006), tomando para si a definição de
princípios que pudessem ser adotados por diferentes nações e, por
encarnarem moralidade, ética e ideologia passíveis de serem
assumidas universalmente ou, como ainda hoje alguns advogam,
que fossem portadores de validade universal.

Em resposta a tais violações, a constituição federal brasileira de


1988 trouxe em seu titulo, direitos e garantias fundamentais, dos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1077

quais, são os direitos do homem jurídico‐ institucionalizadamente


garantidos, cujo objetivo consistiria em reconhecer, no plano
jurídico, a existência de uma prerrogativa fundamental do cidadão
(SILVA, 2012).

Um conceito de direitos humanos deve, portanto reconhecer


sua dimensão histórica e reconhecer que foram construídos através
das evoluções, das modificações na realidade social, política,
industrial, econômica, enfim em todos os campos da atuação
humana, sua proteção é fruto de todo um processo histórico de luta
contra o poder e de busca de um sentido para a humanidade
(SIQUEIRA, 2012).
Os anos de luta pelos direitos humanos e a reflexão levaram a
concluir, que para a vigência de uma sociedade mais justa, a ação
mais eficaz a ser empreendida hoje é a Educação em Direitos
Humanos, da qual objetiva formar a consciência do indivíduo para
que ele seja o sujeito de sua própria história; visa incutir o ideal de
uma sociedade justa e democrática, o espírito de tolerância, a moral
e a fraternidade ao mesmo tempo em que a determinação de lutar
pelos que não têm direitos (GENEVOIS, 1990).

Educomunicação

A comunicação se faz importante em todos os aspectos da


sociedade, em que o ser humano necessita dela para que haja um
bom convívio e compreensões entre os pares, logo, na educação é
indispensável o uso dela, como afirma Soares (2000) reconhecer a
comunicação como o mais importante dos eixos transversais dos
processos educativos foi, sem dúvida, o que garantiu o sucesso dos
movimentos sociais em torno dos direitos das minorias.
A própria tecnologia educacional é também uma experiência
significativa que transforma professores e alunos de consumidores
em produtores, desmistificando-as: do cartaz ao livro e ao jornal da
escola; das experiências com o uso conjugado da Internet e tantas
outras tecnologias que podem ser incorporadas ao ambiente escolar
1078 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

e, mais precisamente, ao processo de ensino-aprendizagem


(Rangearo e Carneiro, 2000, p.95).
Segundo Soares (2007) a preocupação com as tecnologias na
educação tem sido estimulada, na verdade, tanto pelo avanço das
experiências educacionais no campo da virtualidade tecnológica
quanto pela mobilização governamental em tomo da denominada
"economia da informação". A palavra educomunicação, além de ser
a união das palavras educação e comunicação, trazem a tona e como
foco principal dessa prática, outra palavra: a ação.
Segundo Citelli (2011) a despeito dos deslocamentos ocorridos
na esfera pública e o espaço que nela ganham os meios de
comunicação, instituições como as escolas continuam jogando papel
de extrema relevância na constituição de ordens de valores, de
representações sociais, de estratégias formadoras de sujeitos,
ativando mecanismos de comunicação de caráter interpessoal e
intersubjetivo.
Soares (2007) define a Educomunicação como o conjunto das
ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de
processos, programas e produtos destinados a criar e a fortalecer
ecossistemas comunicativos em espaços educativos presenciais ou
virtuais, assim como a melhorar a forma de comunicação e da
informação nas ações educativas no processo de da aprendizagem.

Os desafios da comunicação na educação em direitos humanos

Para compreender a relação entre comunicação e a educação


em direitos humanos, é necessário compreender como a
comunicação pode ser utilizada como ferramenta de efetivação de
garantias de direitos.
De acordo com Comparato (2004), desde os primórdios, a
desigualdade econômica, os costumes e a ordem social é a marca
registrada da sociedade brasileira, das quais possibilitam as
diferenças sociais e falta de um respeito pela lei; da qual é uma regra
geral abstrata que põe todos em pé de igualdade, o que não coincide
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1079

em nada com a realidade. Assegurar a igualdade de direitos, onde


em regra todos os indivíduos são iguais pelo simples fato de ser
humano, requer reconhecer as desigualdades existentes e trabalhar
para criar condições iguais de exercício de direitos e oportunidades.
Desse modo, não se trata de criar uma matéria sobre direitos
humanos no programa escolar reservando um período para ensiná-
las, sendo essencial uma mudança de mentalidade, embasada em
valores, ética e moral criando uma cultura cujo embasamento seja o
homem com dignidade, direitos e responsabilidades, para
chegarmos com isso, a uma sociedade justa e democrática.
Outrossim, a relação dos direitos humanos com a
comunicação pode ser pensada a partir de dois vieses, onde o
primeiro enxerga os direitos a partir do mundo da comunicação e
explorar as condições de exercício da prática da comunicação por
cada cidadã ou cidadão. O segundo é o que enxerga a comunicação
a partir do mundo dos direitos humanos, seu papel na luta,
promoção e efetivação desses direitos (BARBOZA, 2009).
De acordo com Leon (2002) o direito à comunicação que
atualmente incorpora os novos direitos relacionados com as
mudanças de cenário da educação e da comunicação.
A maneira como a informação é compartilhada pode
contribuir para a elevação dos níveis de educação em direitos
humanos e efetivação dos direitos fundamentais, oferecendo mais
condições de intervir nas transformações sociais.

Conclusão

A comunicação utilizada de forma ética, além de contribuir


para o processo de aprendizagem do conteúdo escolar, permite
ainda a divulgação de informações e efetivação do exercício sobre os
direitos humanos, incluindo temas sobre diversidade e
discriminação, estimulando ainda o protagonismo.
A educação em direitos humanos utilizada em conjunto com
a comunicação, o uso das tecnologias no processo educacional e a
1080 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

gestão comunicativa podem se transformar em uma ferramenta de


mudanças nas políticas educacionais necessárias ao exercício dos
direitos (S0ARES, 2011).
Num espaço democrático, a comunicação em conjunto com a
informação e a ética, torna-se condição fundamental para educação
em direitos humanos. A maneira como a informação é comunicada
pode contribuir para a elevação dos níveis de conhecimento,
construção de valores e da moral, oferecendo mais condições de
intervir nas transformações sociais.
Essa visão se deve ter à medida que as tecnologias avançaram
e estão cada vez mais ao alcance da população, e as inovações são
exigidas pelo indivíduo em diversas instancias da sociedade, aqui
podemos incluir a escola (SOARES, 2006).
No entanto, analisar o desenvolvimento da educação junto ao
processo da comunicação e as tecnologias nela inseridas,
caracterizado por uma mídia digital que ocupa um lugar estratégico
tanto na construção como na interpretação, é um exercício que
auxilia a compreensão do processo ensino aprendizagem.

Referências

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que vem antes?

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12/05/2018.
71

O papel do coordenador pedagógico na Fundação Casa

Eveline Cristina da Fonseca


Tatiana Noronha de Souza

Introdução

Este artigo apresenta parte de uma pesquisa em andamento


intitulada “Desafios da Coordenação Pedagógica na Socioeducação:
características do trabalho na Fundação CASA (SP)” e tem por
objetivo apresentar e discutir o papel do coordenador pedagógico no
desenvolvimento da medida socioeducativa.
O tema da insegurança e do envolvimento dos jovens na
criminalidade é assunto recorrente na mídia e, assim como ressalta
Adorno (1999), incita debates públicos divergentes com relação às
formas de contenção dessa problemática. Os discursos dividem-se
entre os que defendem a busca por garantia de direitos, maiores
investimentos em educação e políticas que deem conta das
desigualdades sociais e os que apoiam a diminuição da maioridade
penal e medidas mais coercitivas e conservadoras. Esta divergência
de opiniões tem origem histórica e ideológica e culminou em
diferentes políticas de atendimento aos adolescentes em conflito
com a lei, ora considerados criminosos e “desajustados”, conforme
a doutrina da situação irregular oriunda do extinto Código de
Menores, ora considerados sujeitos de direitos e em fase peculiar do
desenvolvimento (SILVA, 2016).
Desde a aprovação da Constituição Federal em 1988, do
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), e do Sistema
1084 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Nacional de Atendimento Socioeducativo (Lei 12.594/2012), vivemos


um cenário de avanços das políticas públicas de atendimento aos
adolescentes autores de atos infracionais e a busca pela construção de
um olhar que sobreponha o caráter educativo ao coercitivo. Porém, a
visão disciplinadora, de encarceramento e coerção ainda se faz
presente, tanto que, recentemente, evidenciamos tal afirmação nos
debates com relação à diminuição da maioridade penal e, no Estado de
São Paulo, na proposta de ampliação do tempo da medida
socioeducativa de privação de liberdade para oito anos, no caso de
crimes hediondos (TEIXEIRA, 2015).
No Estado de São Paulo, a Fundação Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente (CASA), nomeada assim pela Lei nº
12.469, de 22.12.2006, quando passou por uma transformação e
readequação pautada na doutrina de proteção integral, é
responsável pelas medidas socioeducativas de Semiliberdade e
Privação de liberdade (internação), ambas previstas pelos artigos
120 e 122 do ECA (BRASIL, 1990), respectivamente.Esta transição
compreende a busca por um novo olhar socioeducativo e a
superação das problemáticas vividas na era FEBEM (Fundação
Estadual para o Bem Estar do Menor), marcada por rebeliões,
violências e um caráter preponderantemente punitivo.
A Fundação CASA possui uma demanda cada vez mais
crescente, segundo boletim estatístico disponível no portal da
instituição1, no mês de abril do ano vigente, 8.850 adolescentes
encontravam-se em atendimento. Conforme o artigo 1º, § 2º da lei
12.594 de 2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE) a Socioeducação tem por objetivo: (1)
responsabilizar o adolescente acerca das consequências de seus atos
e incentivar a reparação, caso seja possível; (2) integrar socialmente
o jovem respeitando seus direitos individuais; (3) desaprovar a
conduta a partir da efetivação do que está estabelecido na sentença,
dentro do que estabelece a lei (BRASIL, 2012).

1
www.fundacaocasa.sp.gov.br
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1085

Desse modo, reconhece-se que existe um caráter


sancionatório nas medidas socioeducativas e de responsabilização
do adolescente pelo ato cometido. Porém, o trabalho que deve ser
desenvolvido pelos socioeducadores vai além da responsabilização e
perpassa uma educação em valores e a apresentação de outras
possibilidades e visões de mundo ao adolescente, garantindo,
conforme o proposto, o acesso a escolarização, oficinas de Arte e
cultura, cursos de educação profissional básica, esporte e lazer, bem
como projetos educativos que visem estimular a reflexão, a
autonomia e o protagonismo juvenil (FUNDAÇÃO CASA, 2010).
Nesse sentido, na página virtual da Fundação CASA, podemos
encontrar sua missão, visão e valores. Quanto à missão, refere-se a
executar medidas socioeducativas que contribuam para o retorno do
jovem à vida em sociedade, entendendo-se como protagonista de
sua história. A visão intenta torna-se referência no atendimento aos
jovens autores de atos infracionais, a partir de uma prática
humanizada, personalizada, descentralizada, e que inclusive
valorize o servidor. No que se refere aos valores, são aqueles que
tratam da justiça, ética e respeito (SÃO PAULO, 2016). Neste caso,
destacamos a importância da valorização do servidor como
elemento fundamental para efetivação da proposta. Em relação à
descentralização, destaca-se o atendimento dos jovens em locais
próximos às famílias, a importância do compartilhamento de
responsabilidades, e fortalecimento do vínculo familiar e
comunitário.
Os centros de internação possuem uma equipe gestora
composta por diretor, encarregado técnico, encarregado
administrativo e coordenador pedagógico. No que tange a
organização interna, organizam-se por setores, sendo estes: o Setor
de Segurança, o Setor de Saúde, o Setor Administrativo e o Setor
Pedagógico. O setor pedagógico é composto por agentes
educacionais, pedagogos, profissionais de educação física e em
alguns casos agentes técnicos (cargo extinto). Compreende também
os parceiros que ministram aulas de educação profissional básica
1086 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

(SENAC), professores de arte-cultura (Organizações sociais) e os


professores do ensino formal, os quais são contratados pela
Secretaria Estadual de Educação e pertencem a uma escola
vinculada à Fundação CASA. Considerando a centralidade
pedagógica da medida socioeducativa e a importância da construção
deste novo olhar, empreendemos com esta pesquisa apresentar a
estrutura e funcionamento do setor pedagógico e discutir o papel do
coordenador deste, com base na política institucional de
atendimento.

Fundamentação teórica: Considerações sobre a coordenação


pedagógica no Brasil

O papel do coordenador pedagógico na escola é um tema


recorrente em estudos no campo educacional, porém, no que tange
a coordenação pedagógica em instituições socioeducativas como a
Fundação CASA estes ainda parecem escassos. Em pesquisa
realizada nos portais de teses e dissertações da Universidade de São
Paulo - USP e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - UNESP e nas plataformas Instituto Brasileiro de Informação
em Ciência e Tecnologia -IBICT e ScientificElectronic Library Online
- SciELO, com os indexadores “coordenação pedagógica” e
“Fundação CASA” não foi encontrado nenhum trabalho.
Para investigarmos a especificidade do papel do coordenador
pedagógico na socioeducação, torna-se imprescindível conhecer
alguns marcos da constituição desta função no Brasil, e qual o papel
vem sendo atribuído a este profissional na educação.Nas obras de
Vera Maria Nigro de Souza Placco, Vera Lucia Trevisan de Souza e
Laurinda Ramalho de Almeida encontramos como tema central a
coordenação pedagógica, a identidade deste profissional e seu papel
frente aos desafios da escola pública. As autoras salientam que o
coordenador pedagógico é um sujeito histórico e determinado por
diversas configurações que interferem na construção de sua
identidade, sendo estas oriundas principalmente:
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1087

• da estrutura oficial: o que chega do instituído legal para o


coordenador e como o coordenador absorve esse instituído para
exercer sua função;
• da estrutura da escola: como a organização da escola interfere no
trabalho da coordenação e como o coordenador se posiciona para
atender a essa organização;
• do sentido que o coordenador confere às atribuições que lhe são
feitas.(PLACCO; ALMEIDA;SOUZA, 2012, p. 757)

Em linhas gerais, as autoras pontuam que “há um consenso


dentro e fora do Brasil” sobre a importância de um profissional
coordenador ou orientador pedagógico na escola e destacam a
importância deste profissional no exercício das funções
“articuladora, formadora e transformadora – como previsto em lei”
(PLACCO; ALMEIDA; SOUZA, 2012, p. 758). No Brasil, as origens da
função de coordenação pedagógica vinculam-se muito a uma
perspectiva de “controle”, tendo ligação com a área de inspeção e
supervisão escolar. De acordo com Placco, Almeida e Souza (2012),
a partir da Lei 5.692/1971, a maioria dos Estados instituiu um
profissional comprometido com esta ação supervisora, tendo
recebido diferentes nomenclaturas “supervisor escolar, pedagogo,
orientador pedagógico, coordenador pedagógico, professor
coordenador, etc.” (idem, p. 760)
A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
9.394/1996), os Estados e Municípios, através de suas legislações,
têm instituído para todas as escolas um profissional para exercer a
coordenação pedagógica. Ao longo dos anos, este profissional tem
assumido diferentes atribuições, transpondo essa perspectiva de
“controle” para a de educador e formador. As atribuições são muitas,
compreendendo desde:

[...] a liderança do projeto político pedagógico até funções


administrativas de assessoramento da direção, mas, sobretudo,
atividades relativas ao funcionamento pedagógico da escola e de
apoio aos professores, tais como: avaliação dos resultados dos
1088 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

alunos, diagnóstico da situação de ensino e aprendizagem,


supervisão e organização das ações pedagógicas cotidianas
(freqüência de alunos e professores), andamento do planejamento
de aulas (conteúdos ensinados), planejamento das avaliações,
organização de conselhos de classe, organização das avaliações
externas, material necessário para as aulas e reuniões pedagógicas,
atendimento de pais, etc., além da formação continuada dos
professores. (PLACCO; ALMEIDA; SOUZA, 2012, p. 761)

Desta maneira, evidenciamos as inúmeras e importantes


atribuições designadas à função do coordenador pedagógico na
escola. Nesta linha, o professor Umberto de Andrade Pinto (2011)
em sua obra “Pedagogia Escolar, Coordenação Pedagógica e Gestão
Educacional”, nos apresenta uma pesquisa com professores da
educação básica na rede pública paulista e um amplo aporte teórico
para pensarmos a identidade da Pedagogia, e repensarmos o papel
dos pedagogos escolares que compõem a equipe diretiva da escola
(diretor, coordenador pedagógico e orientador educacional)
salientando que o cerne do trabalho do pedagogo é a coordenação
do trabalho pedagógico.
O autor destaca que a coordenação deve tomar como
referência central “os processos de ensino e aprendizagem que
acontecem em sala de aula” (PINTO, 2011, p. 151) e, com base no
conceito de “práxis” de Marx e Engels (1981), que se refere a uma
ação dotada de intencionalidade, aponta o caráter teórico-prático
indissociável da educação e a prática educativa como uma ação
eminentemente intencional, o que para o autor permite considerá-
la uma práxis educativa, o que corrobora o fato da Pedagogia se
constituir em uma ciência prática da e para a educação.
Podemos constatar com os dizeres do autor que a ação do
coordenador pedagógico se constitui necessariamente em uma ação
planejada, dotada de intencionalidade e em concordância com o
projeto político-pedagógico da escola. Esta ação, por sua vez, é
guiada por princípios “éticos e políticos” (PINTO, 2011, p. 63) e por
um contínuo processo de ação-reflexão-ação, no qual se articulam
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1089

os saberes da experiência, tanto como coordenador pedagógico


quanto como professor, com o conhecimento e os saberes
pedagógicos (PINTO, 2011).
Pinto (2011) retoma Libâneo no que tange o trabalho do
coordenador pedagógico junto aos professores na prestação de uma
assistência pedagógico-didática e enfatiza que “seu fim último é a
melhoria da aprendizagem dos alunos” (PINTO, 2011, p. 153). Além
disso, reforça a importância de sua atuação junto ao corpo discente
acompanhando o desenvolvimento escolar de cada turma e
enquanto “um profissional estratégico na implementação” (idem, p.
152) do Projeto Político Pedagógico da escola.
Para viabilizar o exercício de suas atribuições, a questão da
formação inicial em Pedagogia, bem como da formação continuada
em serviço e de uma ampla bagagem de conhecimentos com relação
ao currículo e às teorias didático-pedagógicas são apontadas por
Pinto (2011) como fundamentais para o coordenador pedagógico.
O professor Celso Vasconcellos (2013) concebe a coordenação
do trabalho pedagógico como o ato de coordenar e aglutinar pessoas
em prol de um projeto educativo transformador, segundo ele a
“coordenação corresponde ao esforço de caminhar junto, de superar
as justaposições, as fragmentações ou a ação desprovida de
intencionalidade” (VASCONCELLOS, 2013, p. 11). O autor afirma
que o trabalho do coordenador pedagógico se dá no campo da
mediação e, ao mesmo tempo em que “acolhe e engendra, deve ser
questionador, desequilibrador, provocador, animando e
disponibilizando subsídios que permitam o crescimento do grupo.”
(idem, p. 89)
Neste sentido, o autor atribui ao coordenador pedagógico o
papel de intelectual orgânico, termo de Gramsci2, que segundo ele
significa:

2
Ver GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura.
1090 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

[...] aquele que tem um projeto assumido conscientemente e, pautado


nele, é capaz de despertar, de mobilizar as pessoas para a mudança e
fazer junto o percurso. Em grandes linhas cabe ao coordenador fazer
com sua “classe” (os seus professores) a mesma linha de mediação
que os professores devem fazer em sala: Acolher, Provocar, Subsidiar
e Interagir. (VASCONCELOS, 2011, p. 1)

Com relação à construção da identidade deste profissional,


Placco, Almeida e Souza (2012) corroboram as ideias de Dubar
(2005) e afirmam que esta se define “[...] como processo de
construção, imbricado com o contexto, com a história individual e
social do sujeito, em que se articulam “atos de atribuição” (do outro
para si) e de “pertença” (de si para o outro), em um movimento
tensionado, contínuo e permanente” (p. 762). Podemos
empreender, então, que a construção da identidade do coordenador
pedagógico se dá de maneira heterogênica, podendo variar de
acordo com as relações de força entre a atribuição e a pertença.
(PLACCO; ALMEIDA; SOUZA, 2012)

Procedimentos Metodológicos

O presente artigo situa-se no campo das políticas públicas


voltadas para adolescentes autores de atos infracionais, com
enfoque na dimensão pedagógica da socioeducação. Para a
fundamentação teórica e legal do presente estudo foi realizada uma
pesquisa no portal da Fundação CASA com o intuito de levantar os
marcos legais, portarias normativas e documentos orientadores do
trabalho. Por meio desta, foram levantados para estudo os
documentos como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei
8.069/1990), SINASE (Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – Lei 12.594/2012),o Caderno da Superintendência
Pedagógica, o Regimento Interno da Fundação CASA, a Portaria
Normativa 103/2006 que dispõe sobre as atribuições do
coordenador pedagógico e o Documento Orientador Conjunto
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1091

SEE/CGEB/FUNDAÇÃO CASA/GERÊNCIA ESCOLAR de 2017 que


dispõe sobre o atendimento escolar nos centros de internação.
Os documentos supracitados foram fonte de leitura e análise,
objetivando-se extrair as diretrizes e orientações com relação ao
trabalho do coordenador pedagógico e a contribuição deste
profissional para a prática socioeducativa. A pesquisa documental é
uma técnica que permite ao pesquisador fazer uso de quaisquer
materiais escritos, como fonte de informação vinculada ao objeto de
estudo e se constitui numa fonte estável de dados (BOGDAN;
BIKLEN, 1997).

Apresentação e Discussão dos Resultados

O SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo


– Lei 12.594/2012) prevê que o atendimento socioeducativo deve ser
desenvolvido por meio de “[...] ações articuladas nas áreas de
educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o
trabalho e esporte, para os adolescentes atendidos” (BRASIL, 2012,
p.5), de acordo com os princípios preconizados pelo ECA (Estatuto
da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/1990).
O trabalho da Fundação CASA é organizado por
superintendências, a saber: Superintendência de Saúde,
Superintendência de Segurança e Superintendência Pedagógica,
esta última orientadora do trabalho desenvolvido pelo setor
pedagógico nos centros de privação de liberdade e semiliberdade,
com base nas normativas legais presentes no ECA, no SINASE, na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação(Lei 9.394/1996) e nas
legislações educacionais específicas ao Estado de São Paulo.
A medida socioeducativa de privação de liberdade
(internação) é considerada a mais severa e deve respeitar os
princípios previstos no artigo 121 do ECA, sendo estes “brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento” (BRASIL, 1990, p. 24). Nosso enfoque é
justamente o trabalho desenvolvido pelo coordenador pedagógico
1092 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

nos centros de internação da Fundação CASA. Estes centros


possuem um coordenador responsável por toda a organização das
atividades educativas previstas na agenda do centro e divididas por
áreas, sendo estas: Ensino Formal, Arte e Cultura, Educação
Profissional Básica e Esporte e Lazer. Os profissionais que compõem
a equipe pedagógica do centro dividem-se como referências de área
sob orientação e supervisão do coordenador (SÃO PAULO, 2010).
Este profissional é responsável por assegurar o cumprimento de
todas as atividades pedagógicas previstas, tendo em vista o
preconizado legalmente e a promoção da aprendizagem dos
adolescentes (São Paulo, 2006).
Com relação à escolarização oferecida nos centros, existe uma
parceria entre a Fundação CASA e a Secretaria Estadual de
Educação, de modo que são abertas salas multisseriadas nos centros
de atendimento, as quais integram uma escola vinculada. Os
professores atribuem as aulas para esta escola, porém as ministram
na Fundação CASA. A atribuição se dá por áreas do conhecimento,
sendo possível um professor ministrar até quatro disciplinas da
mesma área. O currículo base é o previsto para a educação básica no
Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2017).
O coordenador pedagógico da Fundação CASA é responsável
por orientar os professores quanto às normativas e regras da
instituição, bem como por auxiliá-los a solucionar situações
problema em sala de aula e subsidiá-los com relação aos preceitos
da prática socioeducativa. Este trabalho deve ser desenvolvido em
parceria com o coordenador pedagógico da escola vinculadora, de
modo que atuem na orientação, suporte e avaliação dos professores,
bem como na busca por melhorias no processo de ensino-
aprendizagem em sala de aula, planejamento e replanejamento
anual, considerando a heterogeneidade e rotatividade dos alunos
(São Paulo, 2017).
Segundo o Documento Orientador Conjunto SEE/CGEB e
Fundação CASA Nº01 de Agosto de 2017, compete ao coordenador
pedagógico da escola vinculadora.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1093

[...] acompanhar a implementação da Proposta Pedagógica nas


classes vinculadas, bem como realizar visitas e reuniões, e realizar
a ATPC, incluindo o tema, identificando alternativas pedagógicas,
estimulando a participação ativa e articulação com os professores
que atuam nas classes, visando a reflexão sobre a prática docente
nas classes vinculadas e com adolescentes em cumprimento de
medidas socioeducativas (...). (São Paulo, 2017, p. 34).

Ainda, de acordo com esse documento (p.7), a escolarização


oferecida pela Secretaria Estadual de Educação, nos centros de
internação da Fundação CASA, tem por objetivos: “Garantir o
princípio de igualdade de condições de acesso e permanência na
escola; e Implementar uma ação educativa que atenda às
necessidades e características dos adolescentes em cumprimento de
medidas socioeducativas em meio fechado.”
Conforme a portaria normativa que dispõe sobre as
atribuições dos cargos comissionados na Fundação CASA é dever do
coordenador pedagógico participar e/ou organizar reuniões que
visem integrar os servidores e promover melhorias no atendimento
prestado. O coordenador é responsável também por buscar meios
de promover a formação continuada de sua equipe, bem como
participar dos cursos disponibilizados pela instituição e garantir a
sua própria formação. (SÃO PAULO, 2006)
A organização e garantia de realização da agenda de
atividades pedagógicas dos centros de internação também é
responsabilidade do coordenador pedagógico, junto a sua equipe,
aos demais servidores e gestores da instituição, visando cumprir as
prerrogativas legais e os planos individuais de atendimento (PIA)
dos adolescentes em cumprimento de medida. Neste sentido, a
portaria prevê, ainda, que este profissional viabilize a participação
dos servidores do setor pedagógico na construção do PIA e preste
atendimentos de orientação educacional, individual ou grupal, aos
adolescentes. (SÃO PAULO, 2006)
1094 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Segundo o Caderno da Superintendência Pedagógica, o qual


estabelece as diretrizes e políticas do atendimento técnico-
pedagógico aos adolescentes, o coordenador pedagógico
desempenha um papel articulador e mobilizador da equipe
pedagógica, ressaltando que:

Enquanto gestor do setor, o coordenador é co-responsável pela


construção de uma equipe coesa, engajada e, sobretudo, convicta
da viabilidade operacional das prioridades assumidas e
formalizadas no PPP da Unidade. Deve exercer o papel de
elemento-chave na orientação e gerenciamento dos resultados do
desempenho obtido pelos adolescentes frente às ações
devidamente planejadas pelos educadores. (São Paulo, 2010, p.56)

O Caderno ainda destaca que:

Poderíamos sintetizar o papel do coordenador pedagógico a partir


de três dimensões fundamentais: a) compromisso de ser gestor; b)
o compromisso de ser educador junto aos demais profissionais; c)
o compromisso de ser pesquisador como decorrência do seu papel
de gestor e de educador. Porém, esse conjunto de compromissos
deve materializar-se na construção coletiva de uma rotina a ser
vivenciada na unidade onde atua e em um plano de formação
continuada da sua equipe. (São Paulo, 2010, p.57)

A partir desses excertos, podemos verificar que as diretrizes


da Fundação CASA apregoam ao coordenador pedagógico as funções
articuladora, orientadora, mobilizadora e formadora, por meio de
uma gestão democrática do setor e por compromissos firmados
coletivamente no Projeto Político Pedagógico da instituição. O
Projeto Político Pedagógico é o documento que apresenta o
referencial teórico e os objetivos educacionais de uma instituição,
bem como os meios, recursos e organização necessária para que tais
objetivos se concretizem. Segundo o Regimento Interno da
instituição (2012) deve ser construído por todos os envolvidos no
processo socioeducativo e com base nas características, normas e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1095

princípios do atendimento, no perfil dos adolescentes e famílias


atendidas e nas peculiaridades regionais.

Conclusões

No campo da Pedagogia, é reconhecido o papel fundamental


do coordenador pedagógico enquanto mediador, educador e
formador, tomando os processos de ensino-aprendizagem dentro e
fora da sala de aula como enfoque de sua práxis educativa em
consonância com as prerrogativas da gestão democrática e
vislumbrando uma educação transformadora, que possibilite o
desenvolvimento pleno do ser humano.
Considerando a centralidade pedagógica da medida
socioeducativa, podemos evidenciar o importante papel assumido
pela coordenação pedagógica, constatado nos documentos
norteadores do trabalho. Vale ressaltar que pensar o papel do
coordenador pedagógico na Fundação CASA difere-se de pensar o
papel deste profissional na escola, sendo necessário considerar que
existem peculiaridades do trabalho na socioeducação e tensões
próprias da instituição. Discutir o papel do coordenador pedagógico
nessa instituição compreende, portanto, uma reflexão sobre
ideologia, concepções e práticas, sobre a formação inicial e
continuada deste profissional, sobre a política de gestão de pessoas
e critérios de seleção dos gestores3 praticada pela instituição. Além
disso, sobressaem questões sobre autonomia, liderança, ética e
valorização profissional, sobre gestão educacional, projeto político
pedagógico e gestão democrática, sobre formação de professores e
processos de ensino-aprendizagem e sobre a relação teoria e prática.

3
Destaca-se a iniciativa recente do diretor da Divisão Regional Norte, a partir dos editais 01 e 02/2017,
que institui os processos seletivos internos para os cargos de supervisor técnico e coordenador
pedagógico, com base na Ordem de Servidor DT nº 1.335/2017, da Diretoria Técnica da Fundação, que
regionaliza os critérios e processos de escolha de cargos comissionados. Disponível em:
http://www.fundacaocasa.sp.gov.br. Acesso em 18/10/2017.
1096 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

As concepções de Pinto (2011) e de Vasconcellos (2011; 2013)


se assemelham ao preconizado pela Fundação CASA e nos auxiliam
a refletir sobre o importante papel exercido pelo coordenador
pedagógico como mediador dos conflitos, saberes e potencialidades
e como intelectual orgânico do setor pedagógico, visto que se trata
de um campo de lutas, desafios, contradições e incompletudes, que
exige uma postura de enfrentamento e defesa dos direitos previstos
na política institucional, em consonância com a doutrina da proteção
integral.
Ademais, cabe salientar que o trabalho realizado pelo
coordenador pedagógico engloba a coordenação e garantia de
realização das atividades do setor pedagógico em um espaço onde
convivem paradoxalmente o coercitivo e o educativo o que, muitas
vezes, dado o histórico do atendimento aos adolescentes em conflito
com a lei no Brasil, ocasiona tensões, discordâncias e conflitos entre
os setores pedagógico e de segurança. O que nos leva a questionar:
Como lidar com o paradoxo coercitivo x educativo e promover uma
socioeducação que seja capaz de garantir direitos e promover
mudanças? É fato que o coordenador pedagógico desempenha papel
fundamental neste processo e, portanto, essas conclusões são
parciais, pois para compreendermos como se dá este trabalho e toda
a complexidade da dinâmica socioeducativa, faz-se premente ir além
dos documentos e normativas legais e ouvir os sujeitos envolvidos
com os desafios da socioeducação.

Referências

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mudanças na criminalidade urbana. São Paulo Perspec., São Paulo , v. 13,
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Acesso em 16/10/2017.

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação. Porto:


Editora Porto, 1997.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1097

BRASIL, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do


Adolescente(Lei nº 8.068) – ECA. Brasília: 1990.

_________. Lei 12.594 de18 de janeiro de 2012. Sinase - Sistema Nacional de


Atendimento Socioeducativo. Brasília: Secretaria especial dos direitos
humanos, 2012.

_________.Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº


9394/96. Brasília, 1996.

PINTO, Umberto de Andrade.Pedagogia Escolar: Coordenação Pedagógica e


Gestão Educacional. São Paulo: Cortez, 2011.

PLACCO, Vera Maria Nigro De Souza; SOUZA, Vera Lucia Trevisan De; ALMEIDA,
Laurinda Ramalho De. O coordenador pedagógico: aportes à proposição
de políticas públicas. Cadernos de Pesquisa, São Paulo , v. 42, n. 147, p.
754-771, 2012 . Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em
16/08/2018.

SÃO PAULO: Fundação CASA. Caderno da Superintendência Pedagógica, 2010.


Disponível em: http://www.fundacaocasa.sp.gov.br. Acesso em:
21/04/2016.

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atendimento de Internação e de Semiliberdade, 2012. Disponível em:
http://www.fundacaocasa.sp.gov.br. Acesso em: 12/11/2017.

___________:Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor.Portaria nº 103,


Publicada no DOE de 05 de julho de 2006. Dispõe sobre as atribuições
dos cargos de comissão. Disponível em: http://www.fundacaocasa.sp.
gov.br. Acesso em: 27/09/2017.

___________: Documento Orientador Conjunto SEE/CGEB e Fundação CASA


Nº01, 2017. Disponível em: http://www.fundacaocasa.sp.gov.br. Acesso
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SILVA, Thiago Rodrigo da. Pratas, grifes, grana e novinhas: adolescências,


sociabilidades e ato infracional. Curitiba: CRV, 2016.
1098 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

TEIXEIRA, Joana D Arc. Dos sujeitos e lugares da punição:da passagem do/a


jovem perigoso/a para o/a jovem em perigo: um estudo das
dimensões do dispositivo da gestão dos riscos e de controle social da
juventude. 2015. 252 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2015. Disponível
em: http://hdl.handle.net/11449/138542. Acesso em 23/08/2017.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico: do


projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. 15ª edição.
São Paulo: Libertad, 2013.

_______________________________.O Professor Coordenador Pedagógico


como Mediador do Processo de Construção do Quadro de Saberes
Necessários, 2011. Disponível em: http://www.celsovasconcellos.com.br.
Acesso em 20/09/2017.
72

O papel que as Tecnologias Digitais de Informação


e Comunicação (TDIC’S) desempenham
na educação em Direitos Humanos

Elizangela Cristina Begido Caldeira


Carlos Alípio Caldeira
Lygia Aparecida das Graças Goncalves Correa

Introdução

O objetivo deste artigo é analisar e descrever o importante


papel que as tecnologias digitais de informação e comunicação
desempenham no processo de informação para educação em
direitos humanos e fundamentais e a necessidade de proteção de tais
direitos na sociedade atual.
Os anos de luta pelos direitos humanos e a reflexão, nos
levaram a concluir que, para a vigência de uma sociedade mais justa,
a ação mais eficaz a ser empreendida, nos dias atuais, é a Educação
em Direitos Humanos. As leis e as constituições serão insuficientes,
se não existerem valores para nortear os atos e se os cidadãos
desconhecerem seus direitos e deveres. A Educação em Direitos
Humanos objetiva formar a consciência do indivíduo para que ele
seja o sujeito de sua própria história; visa incutir o ideal de uma
sociedade justa e democrática, o espírito de tolerância e a
fraternidade ao mesmo tempo em que a determinação de lutar pelos
que não têm direitos (GENEVOIS, 1990).
A educação em Direitos Humanos também pressupõe um
caráter multidimensional que vai além do currículo formal e está
1100 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

relacionado a um modo de ser e agir no ambiente escolar, o


chamado currículo oculto (TAVARES, 2007). Dessa forma, todos os
professores, de todas as disciplinas que compõem a grade curricular
na Educação Básica, devem estar comprometidos em promover uma
educação que esteja pautada nos Direitos Humanos. Além disso, as
atividades de pesquisa e extensão, como as descritas e citadas nesse
texto, são fundamentais na construção de uma cultura do diálogo e
da pluralidade no ambiente escolar, para além da sala de aula.
Tal afirmativa pode ser constatada pela exegese da nossa
legislação educacional, em especial a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional e, ainda, a Base Nacional Comum Curricular,
homologada recentemente, em 20 de Dezembro de 2017, com
conteúdo normativo destinado ao ensino infantil e fundamental,
documento juridico que corrobora a necessidade de propagação, de
promoção dos chamados Direitos Humanos. Atrelado a tal
raciocínio, a BNCC, outrossim, define como sendo uma de suas
competências gerais, a necesssidade do educando compreender,
utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas
sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e
disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver
problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e
coletiva.
A legislação destaca ainda, a importância dos TDIC’s, ao
afirmar que a chamada cultura digital tem promovido mudanças
sociais significativas nas sociedades contemporâneas. Em
decorrência do avanço e da multiplicação das tecnologias de
informação e comunicação e do crescente acesso a elas pela maior
disponibilidade de computadores, telefones celulares, tablets e afins,
os estudantes estão dinamicamente inseridos nessa cultura e
envolvendo-se diretamente em novas formas de interação
multimidiática e multimodal e de atuação social em rede, que se
realizam de modo cada vez mais ágil.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1101

O desafio imposto à educação pela sociedade é imenso,


exigindo que os meios educacionais sejam capazes de desenvolver
nos estudantes competências para participar e interagir num
mundo global, altamente competitivo que valoriza o ser-se flexível,
criativo, capaz de encontrar soluções inovadoras para os problemas
de amanhã (COUTINHO, 2011).
A interação é a base das relações, das trocas informacionais,
da aprendizagem e do conhecimento, a educação em conjunto com
a comunicação, como áreas do conhecimento, desenvolvem-se de
acordo com as oportunidades oferecidas pela presença das
tecnologias digitais de comunicação e educação (TDICs), no nosso
dia a dia, tem alterado visivelmente os meios de comunicação e
como nos comunicamos (VALENTE, 2014).
As transformações culturais, os novos meios de comunicação
e as novas condições de produção dos conhecimentos levam a novos
estilos de sociedade, nos quais a inteligência é o produto de relações
entre as pessoas e dispositivos tecnológicos, mudando assim, as
formas de construção do conhecimento e os processos de ensino
aprendizagem, transformando a velocidade com a qual as
informações circulam e são produzidas, as novas compreensões da
relação de trabalho, a cidadania e aprendizagem, o impacto das
novas tecnologias (RAMAL, 2002).
A comunicação pela internet e as tecnologias digitais fizeram
emergir um novo paradigma social, descrito por alguns autores,
como sociedade da informação ou sociedade em rede alicerçada no
poder da informação (Castells, 2003).
Neste cenário, a interdisciplinaridade é essencial na educação
em direitos humanos, pois a formação nesse âmbito necessita da
abordagem de diferentes conhecimentos. Há, nesse campo, uma
amplitude de conhecimentos teóricos e práticos que a torna não
condizente com uma prática pedagógica que não seja
interdisciplinar, pois não está restrita apenas aos conteúdos
específicos dos direitos humanos, mas está relacionada também a
1102 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

debates que orientam a ação cotidiana, como a questão da ética,


tornando a educação em direitos humanos algo coerente.
O conhecimento e a comunicação são modificadores de forma
construtiva, segundo Rosini (2004), as tecnologias de comunicação
sempre buscaram encurtar as distâncias, assim como a educação
através de tecnologias digitais também o faz entre as diferentes
culturas do planeta, visando a formação plena do homem como ser
humano, social e político, em um só, fazendo da educação condição
necessária a qualquer sociedade se desenvolver.

A evolução tecnológica, a cibercultura e a educação

Ainda que a era atual seja conhecida como a sociedade do


conhecimento e sociedade da informação com grande uso de
tecnologias, ocorre que ao longo do séculos, a humanidade tem
assistido a verdadeiras revoluções sociais, políticas,
comportamentais, ideológicas e científicas, as quais causaram
mudanças, o que diferencia o ser humano dos outros seres viventes
é a capacidade que ele tem de raciocinar (sua inteligência) e de viver
em sociedade (seu comportamento), segundo regras básicas de
respeito mútuo, de moral e valores, desenvolvidas por ele (ROSINI,
2004).
Segundo Costa (2011), a essência pura e simples de educação
em direitos humanos consiste na criação e socialização de uma
cultura que contribua para fortalecer ou empoderar os grupos
vulneráveis ou vítimas de violação dos direitos humanos, ancorada
no reconhecimento de que todas as pessoas devem ser respeitadas
em sua condição humana e de sujeitos de direitos. Assim, pensar a
Educação em Direitos Humanos demanda um projeto educativo
emancipatório, por meio do qual, podemos relacionar a Educação
em Direitos Humanos com a educação popular, cujos princípios
foram sonhados e praticados por Paulo Freire.
A Educação em Direitos Humanos, proposta pelas nações
Unidas, inclui reinamentos, disseminação e esforços de informação,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1103

objetivando a construção de uma cultura universal de direitos


humanos através da partilha de conhecimento, competência e
habilidades e da moldagem de atitudes, que são direcionadas ao
fortalecimento do respeito aos direitos humanos e liberdades
fundamentais; ao desenvolvimento completo da personalidade
humana e de seu senso de dignidade; à promoção da compreensão,
tolerância, igualdade entre os sexos e amizade entre todas as nações,
pessoas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos;
à capacitação de todas as pessoas a participar efetivamente de uma
sociedade livre; a ampliação de atividades das Nações Unidas para
manutenção da paz (ONU, 1995).
A educação em direitos humanos objetiva formar a
consciência do indivíduo para que ele seja o sujeito de sua própria
história; visa incutir o ideal de uma sociedade justa e democrática, o
espírito de tolerância e a fraternidade ao mesmo tempo em que a
determinação de lutar pelos que não têm direitos, nesse momento a
informação e a comunicação são ferramentas fundamentais
(GENEVOIS, 1990).
De acordo com Costa (2011), o PNDH- 3 destaca a necessidade
de ampliar mecanismos de produção de materiais pedagógicos e
didáticos para a Educação em Direitos Humanos; adoção de critérios
de avaliação e seleção de obras didáticas do sistema de ensino, em
formato acessível a todos, e o estabelecimento de diretrizes
curriculares para todos os níveis e modalidades de ensino para
inclusão de educação e cultura em direitos humanos. Em relação à
formação docente, consta no Programa a exigência de formação
inicial e continuada em direitos humanos. A Diretriz 19, do PNDH-
3, estabelece o "Fortalecimento dos princípios da democracia e dos
Direitos Humanos nos sistemas de educação básica, nas instituições
de ensino superior e nas instituições formadoras".
Nesse sentido, a questão essencial no processo educacional na
área de direitos humanos é saber como ministrar a informação, de
modo que ela possa ser interpretada convertendo-a em
1104 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conhecimento, ou seja, como criar situações de aprendizagem para


estimular a compreensão e a construção de conhecimento.
Relações individuais e coletivas, particularmente no
ciberespaço, têm despertado o interesse dos estudiosos de redes
sociais e, especialistas em gestão do conhecimento e da informação,
a atual interconexão generalizada entre as pessoas tem chamado a
atenção de muitos teóricos sobre seus efeitos no quadro das relações
individuais e, igualmente, na forma como os coletivos se comportam
quando se constituem como redes digitais e sociais.
Os conceitos de cibercultura e ciberespaço são centrais na
obra de Lévy e dele derivam todas as suas reflexões. O termo
[ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da
comunicação digital, mas também o universo oceânico de
informação que ela abriga. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’,
especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de
práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se
desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY,
1999, p. 17).
Essas transformações vêm propiciando um espaço mais
flexível para interações no espaço eletrônico, possibilitando uma
nova forma de aprendizagem, uma nova cultura chamada
cibercultura, que Ramal (2002) define como um conjunto de
técnicas, tanto materiais como intelectuais e simbólicas, de práticas,
de atitudes, de modos de pensar e de valores que se desenvolvem
dentro de uma estrutura virtual a partir de uma comunicação
interativa.
Neste sentido, Lévy coloca em cheque a organização do
sistema educacional e o papel do professor, pois ambos devem levar
em conta o crescimento do ciberespaço e o avanço da cibercultura
no processo de ensino aprendizagem, no qual, segundo o autor, o
professor deveria deixar o papel historicamente construído de
centralizador do conhecimento para se tornar um incentivador da
inteligência coletiva.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1105

Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC’s)

As TDICs englobam uma tecnologia mais avançada: a digital.


Por meio desta, é possível processar qualquer informação, o que
provocou mudanças radicais na vida das pessoas, principalmente no
que se refere à comunicação instantânea e busca por informações,
através da tecnologia digital, pois permite a navegação na internet,
além do acesso a um banco de dados repletos de softwares
educacionais, assim, dizem respeito a um conjunto de diferentes
mídias, diferenciando-se pela presença das tecnologias digitais.
(KENSKI, 2012)
A presença das tecnologias digitais, em nossa cultura
contemporânea, cria novas possibilidades de expressão e
comunicação. Cada vez mais elas estão fazendo parte do nosso
cotidiano e, assim como a tecnologia da escrita, também devem ser
adquiridas. Além disso, as tecnologias digitais estão introduzindo
novos modos de comunicação, como a criação e o uso de imagens,
de som, de animação e a combinação dessas modalidades. Tais
facilidades passam a exigir o desenvolvimento de diferentes
habilidades, de acordo com as diferentes modalidades utilizadas,
criando uma nova área de estudo, relacionada com os diferentes
tipos de letramento - digital (uso das tecnologias digitais), visual
(uso das imagens), sonoro (uso de sons), informacional (busca
crítica da informação) - ou os múltiplos letramentos, como têm sido
tratados na literatura (VALENTE, 2001).
No entanto, a utilização das TDICs vem possibilitando novos
rumos à prática pedagógica na educação, em que a mera
“digitalização” de métodos tradicionais se amplia para a “inovação”,
as mudanças viabilizadas pela comunicação digital fazem com que
as práticas pedagógicas sejam constantemente repensadas, pois
conhecimento e a aprendizagem passaram a acontecer em todo
momento e por meio de inúmeras possibilidades, sobretudo em
função da infinidade de mídias e tecnologias disponíveis. (SILVA,
2013).
1106 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Mais do que apenas meios de comunicação ou ferramentas


neutrais, as tecnologias digitais de informação e comunicação são
tecnologias tanto cognitivas como sociais que, através de um
computador, de um celular, tablete ou tv, ligados à rede, deixam ao
alcance de todos espaços e tempos ilimitados, com tudo o que de
mais positivo ou negativo esta circunstância acarreta, essa atual
interconexão generalizada entre as pessoas causam efeito nas
relações individuais e coletivas (COUTINHO, 2007).
O impacto de novas tecnologias digitais de informação e
comunicação está imerso nas novas relações de comunicação e
produção do conhecimento que ela nos oferece e, segundo Ramal
(2002), estaríamos passando por um processo de universalização da
cibercultura, na medida em que estamos dia-a-dia mais imersos nas
novas relações de comunicação e produção de conhecimento que ela
nos oferece.
As tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC),
devido à extraordinária evolução do conhecimento científico, que as
próprias tecnologias também condicionam, têm sido, nas últimas
décadas, infra-estruturantes de: novas formas de organização do
trabalho, de produção e de consumo, das novas relações com a
informação, do saber e o conhecimento. (COUTINHO, 2007).
Ramal (2002) propõe três cenários para a educação em
relação às tecnologias digitais: 1- Tecnologia-domesticadora –
informações efêmeras e fragmentadas que faz do indivíduo escravo
da tecnologia; 2- Pay-per-learn – acentua a exclusão e prioriza
professores com habilidades técnicas mais do que capacidade crítica;
3- Cibereducação integradora – escola híbrida, integrando homem e
tecnologia. O homem se educa criticando e transformando o meio,
promove a humanidade.
Segundo Silva (2012), o uso das tecnologias digitais de
informação e comunicação (TDICs) tem sido amplamente difundido
nos últimos anos, os estudantes apropriam-se dessas tecnologias
usando-as em seu cotidiano dentro e fora do espaço escolar para seu
desenvolvimento pessoal, estudantil e para o lazer,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1107

consequentemente uma transformação revolucionária com o


surgimento de uma nova cultura presente cotidiano escolar, a
comunicação virtual.
Uma das soluções para conversão da informação adequada
em conhecimento tem sido o uso das TDICs, porém, se tais
tecnologias não forem compreendidas com um foco informativo
educacional, não será, simplesmente, o seu uso que irá auxiliar o
aprendiz na construção do conhecimento (VALENTE, 2014).

O uso das Tecnologias Digitais de Informaçâo e Comunicação


(TDIC’S) na educação em Direitos Humanos

A Educação em Direitos Humanos, proposta pelas nações


Unidas, inclui treinamentos, disseminação e esforços de informação,
objetivando a construção de uma cultura universal de direitos
humanos através da partilha de conhecimento, competência e
habilidades e da moldagem de atitudes, que são direcionadas ao
fortalecimento do respeito aos direitos humanos e liberdades
fundamentais; ao desenvolvimento completo da personalidade
humana e de seu senso de dignidade; à promoção da compreensão,
tolerância, igualdade entre os sexos e amizade entre todas as nações,
pessoas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e linguísticos;
à capacitação de todas as pessoas a participar efetivamente de uma
sociedade livre; a ampliação de atividades das Nações Unidas para
manutenção da paz (ONU, 1995).
Ocorre, muitas das vezes, que os discursos baseados em
informações são discursos distantes da realidade dos estudantes e
vêm acompanhados da exclusão e da discriminação, contribuindo
para com a violação de direitos. Em se tratando de educação, as
ações são prioridade frente aos discursos e informações.
A Educação em Direitos Humanos também pressupõe um
caráter multidimensional que vai além do currículo formal e está
relacionado a um modo de ser e agir no ambiente escolar, o
chamado currículo oculto (TAVARES, 2007). Dessa forma, todos os
1108 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

professores, de todas as disciplinas que compõem a grade curricular


na educação, devem estar comprometidos em promover uma
educação que esteja pautada nos Direitos Humanos, conforme
esclarecido anteriormente, exigência que passou a constar em nossa
legislação educacional, mais específica quando da homologação da
Base Nacional Comum Curricular, referente ao ensino infantil e
fundamental.
É possível vislumbrar mudanças substanciais nos processos
comunicacionais, alterando a maneira como recebemos e acessamos
a informação, mas, infelizmente, as mudanças observadas no campo
da comunicação não têm a mesma magnitude e impacto com relação
à educação pois, segundo a autora, esta ainda não incorporou e não
se apropriou dos recursos oferecidos pelas TDICs. (VALENTE,
2014).
A ampliação do uso das novas tecnologias informacionais
reflete-se em todas as áreas da ciência jurídica, incluindo a educação
em direitos humanos. A própria relação entre os estados e a
mudança do conceito de soberania tem como uma das causas o
"avanço dos meios de informação", demonstrando assim o amplo
espectro de modificações causadas pelas novas tecnologias.
(ROCHA, 2007).
De acordo com Rosini (2004), as tecnologias de comunicação
sempre buscaram encurtar as distâncias, logo a educação, condição
necessária para o desenvolvimento também procura encurtar as
distâncias entre as diferentes culturas do planeta, visando a
formação plena do homem como ser humano, social e político, em
um só.
A consciência sobre os direitos individuais, coletivos e difusos
tem sido possível devido ao conjunto de ações de educação
desenvolvidas, segundo Valente (2014), a ação educacional consiste
justamente em auxiliar o aluno, de modo que a construção de
conhecimento possa acontecer, isso implica criar ambientes de
aprendizagem, nos quais haja tanto aspectos da transmissão de
informação quanto de construção.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1109

Conclusão

Vivemos tempos de céleres mudanças e transformações que


caminham no sentido ascendente do saber e do conhecimento. Tais
transformações implicam adaptações adequadas por parte do
instituto educacional, passamos de um contexto social, no qual a
informação era um recurso escasso, para um outro contexto, em
que a informação a que podemos aceder é imensa, mas, ao mesmo
tempo, também precária e extremamente volátil, pois a internet não
é uma simples tecnologia de comunicação, mas o epicentro de
muitas áreas da atividade social, económica e política, constituindo-
se, como instrumento tecnológico (COUTINHO, 2007).
A tecnologia de informação digital, utilizada de forma ética,
além de contribuir para o processo de aprendizagem do conteúdo
escolar, permite ainda a divulgação de informações adequadas e
efetivação do exercício sobre os direitos humanos no ambiente
educacional, incluindo temas sobre diversidade e discriminação,
estimulando ainda o protagonismo.
Lévy (2003) aponta que no espaço do saber, hoje virtual, as
relações humanas são baseadas na valorização dos sujeitos e suas
habilidades, todavia, se consideramos que o espaço do saber
encontram-se em construção, pois há tecnologias disponíveis para
colocar os sujeitos em sinergia e efetivar de fato o espaço do saber,
ou seja, se a efetivação do espaço do saber vai além dessas
tecnologias, há necessidade de mudanças nas esferas política, social
e, principalmente, no plano educacional.
Essa tecnologia digital de informação está sendo usada
atualmente como instrumento de comunicação, transmissão de
informações, capacitações a distância, treinamentos e
aperfeiçoamentos. Esse processo está transformando um espaço, no
qual não existem barreiras de tempo e de espaço para que as pessoas
se comuniquem, ou seja, uma nova era que oferece múltiplas
possibilidades de aprender, em que o espaço físico da escola, tão
1110 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

proeminente em outras décadas, neste novo paradigma, deixa de ser


o local exclusivo para a construção do conhecimento e preparação
do cidadão para a vida ativa (COUTINHO, 2011).
É preciso criar novos modelos de relação pedagógica e
comunicativa para que os adultos ensinem não o que os jovens
devem aprender, mas como devem fazê-lo; e não como devem
comprometer-se, mas qual é o valor do compromisso (S0ARES,
2011).
É necessário refletir sobre estes desafios de ensino
aprendizagem e entender que para alcançar os objetivos a que se
propõem é necessário que a escola combine pedagogia, tecnologia e
prática social, refletindo sobre a melhor forma de utilização dos
novos instrumentos tecnológicos. Muitas instituições e professores
ao redor do país têm criado projetos que utilizam essas ferramentas
para desenvolver os conteúdos previstos no currículo escolar
fazendo uso da tecnologia na sala de aula, com produção de e-books,
criação de blogs interdisciplinar, grupos de WhatsApp, páginas no
facebook educativas, com respostas automáticas, entre outras
mídias, que podem ser usadas para compartilhar matérias de
estudos como artigos, notícias e conteúdo das aulas, como também
para estimular discussões em grupos.
Num espaço democrático, a comunicação, em conjunto com a
informação e a ética, torna-se condição fundamental para o exercício
da cidadania. A maneira como a informação é comunicada pode
contribuir para a elevação dos níveis de educação, organização e
participação da sociedade, oferecendo mais condições de intervir nas
transformações sociais.

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73

O papel social da escola no Século XXI

Samila Bernardi do Vale

Introdução

O objetivo dessa pesquisa, em fase inicial, é investigar a


contribuição do Aparelho Ideológico Escolar na reprodução das
relações de produção no Brasil, no século XXI, a partir da
reestruturação produtiva e compreender a sua materialização e
prática na realidade escolar.
Tomando como ponto de partida a ideia da educação como
consequência de um processo histórico e social existe a concepção
histórico-social, desenvolvida a partir da tradição socialista-
marxista. “O vínculo da prática educativa com a prática social global
faz vir à tona o fato de ela subordinar-se a interesses engendrados
na dinâmica de relações entre grupos e classes sociais” (LIBÂNEO,
2010, p. 79).
A partir dessa concepção a prática educativa é reflexo da
forma como determinada sociedade, suas relações sociais se
organizam. “Ou seja, os objetivos e conteúdos da educação não são
sempre idênticos e imutáveis, antes variam ao longo da história e
são determinados conforme o desdobramento concreto das relações
sociais, das formas econômicas da produção, das lutas sociais”
(LIBÂNEO, 2010, p. 79).
Essa ideia sobre educação em seu processo mais amplo,
considera que as mudanças históricas e sociais estão em
contrapartida à concepção de que a prática educativa se baseia na
1116 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

adaptação do sujeito a uma forma de sociedade, que se limite a


espaços familiares, religiosos e a instituições escolares.
A conjuntura atual está marcada pelas crises subsequentes do
capitalismo. Nesse cenário a saída das crises, por parte do capital,
tem sido caracterizado pela austeridade fiscal, redução dos
investimentos públicos, monetarização da economia, privatizações e
aumento da taxa da exploração da força de trabalho.
No Brasil o governo Temer tem encaminhado uma série de
projetos que estão nessa direção, como por exemplo, a Reforma da
Previdência, Reforma Trabalhista, Proposta de Emenda
Constitucional 241/55 e a Reforma do Ensino Médio. Com relação à
escola as análises de alguns autores têm apontado para a disputa de
seu controle ideológico. Importante frisar que essa disputa não é
uma característica apenas do governo Temer, contudo nesse
contexto, as propostas para a educação escolar tem se expressado
pela tentativa de acelerar a privatização desse serviço, através da
implantação de uma reforma empresarial escolar.
A metodologia do trabalho está organizada com base em
levantamento e revisão bibliográfica, além da análise de documentos
oficiais acerca das propostas de governo para a Educação.
Na primeira etapa estamos realizando o levantamento e
análise bibliográfica sobre autores clássicos e contemporâneos do
campo da Sociologia e da Educação, acerca de suas contribuições
sobre a escola e seu papel social. Na segunda etapa nos dedicaremos
ao estudo de propostas, documentos, Diretrizes e Normas dirigidas
às escolas, relacionado principalmente ao currículo e à formação e
atuação dos professores.
Embasada pelo referencial metodológico materialista
histórico dialético de Marx, a pesquisa está pautada em considerar
os aspectos quantitativos e o qualitativos, compreendendo que
ambos devem ser vistos como sendo interiores uns aos outros, já
que “falamos então, na unidade indissolúvel dos opostos, o que
determina saber o objetivo como subjetivo, o externo como interno,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1117

o individual como social, o qualitativo como quantitativo etc”


(MARTINS, 2010, p.9).
Além disso nos pautamos em outra ferramenta que nos
auxiliará na investigação e compreensão do objeto de pesquisa
representada pela categoria “totalidade” desenvolvida por Marx.
Para Martins,

A partir destas considerações nos parece impossível construir


qualquer conhecimento objetivo, quer sobre indivíduos quer sobre
a totalidade social, tomando-se qualquer um deles separadamente.
Esta afirmação entretanto, não postula a impossibilidade de se ter
a particularidade como referência primária na construção do
conhecimento, mas reafirma que é apenas pela análise dialética da
relação entre o singular e o universal que se torna possível a
construção do conhecimento concreto, ou seja , é apenas por esta
via que a ênfase conferida ao particular não se converte no abando
no da construção de um saber na perspectiva da totalidade ( 2010,
p.12).

A partir das contribuições desse referencial teórico, portanto,


tomamos como base a concepção de que o particular, o micro, deve
ser entendido dentro de um universo geral, macro, e que essa
relação deve estar na dimensão histórica e dialética.

A relação entre Sociedade e Educação

Para adentrarmos no universo social e sobre o papel da escola


na sociedade moderna procuramos resgatar a relação intrínseca
entre a Sociedade, a natureza da Educação e a Escola enquanto um
advento da modernidade.
Embasado pela concepção de que “a educação é um fenômeno
próprio dos seres humanos e que a sua natureza passa pela
compreensão da natureza humana e as transformações históricas da
sociedade” (SAVIANI, 2015) entendemos, a partir das contribuições
do autor, que nas sociedades primitiva, escravista, feudal e
capitalista a educação se configura a partir de diferentes aspectos e
1118 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

objetivos. Para o Saviani (2015) o homem diferente do animal não


se subordina a natureza, mas a transforma de acordo com suas
necessidades. À medida que adapta o meio as suas demandas o
homem se constrói, ou seja, constitui a sua essência humana. Esse
ato de modificar a natureza a partir do desenvolvimento de técnicas
e instrumentos denomina-se trabalho. Ao incorporar essas técnicas
o homem está apreendendo, portanto, a origem da educação se dá
no processo de surgimento do homem.
A partir do desenvolvimento das forças produtivas e
complexificação das relações, o conhecimento sobre a produção de
instrumentos se desenvolve, ocorre também a domesticação de
animais, e essas mudanças repercutem nas alterações dos meios de
trabalho e relações, que permitiram a produção de excedentes.
Portanto, o desenvolvimento possibilita a organização de sociedades
em que alguns homens trabalhem e outros se apropriem do trabalho
alheio. Surgem assim as classes sociais, composta por homens
proprietários e não proprietários dos meios de produção.
Em todo o tipo de comunidade humana onde ainda não há
rigorosa divisão social do trabalho entre classes desiguais, e onde o
exercício social do poder ainda não foi centralizado por uma classe
a partir do Estado, existe a educação sem haver a escola e existe a
aprendizagem sem haver o ensino sistematizado e formal, como um
tipo de prática social separada das outras e da vida (BRANDÃO,
1984).
Nesse sentido, outra reflexão que merece destaque é o
raciocínio empreendido por Saviani (2007) ao detectar a íntima
relação entre a divisão da sociedade em classes e o surgimento da
escola. Segundo o autor, a divisão da sociedade em classes tem sua
origem no aprofundamento da divisão do trabalho que provocou,
entre outras coisas, uma ruptura com o modo de organização da
sociedade coletiva levando a divisão social em dois grupos distintos.
Com essa nova organização da base econômica da sociedade
surge a necessidade da classe dominante, formada pelos
proprietários dos meios de produção, em desenvolver instrumentos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1119

que legitimem a sua propriedade, garantam sua apropriação sobre


o trabalho e que a mantenha no poder. É nesse contexto que aparece
o Estado.
Considerando o conceito de Marx de que o Estado é um
instrumento da classe dominante para se manter enquanto classe
dominante, portanto um instrumento de dominação e exploração,
Louis Althusser procura ir além e ampliar essa ideia ao afirmar que
este é compreendido como a superestrutura da sociedade e
composto pelos Aparelhos repressivos e os Aparelhos Ideológicos de
Estado (ALTHUSSER, 2008).
Com o surgimento da sociedade dividida em classes sociais e
do Estado, o trabalho passa a ser ideologicamente entendido como
atividade degradante, dos homens pertencentes aos segmentos
sociais subalternos. Por outro lado a classe dominante, não exerce
essa atividade e se apropria do trabalho de outros, podendo assim
usufruir do ócio. Nessa perspectiva ideológica do trabalho, a
formação do trabalhador se dava no local e no exercício do trabalho.
Já a educação da classe dominante era voltada a filosofia, a retórica
e a política, entre outras áreas do conhecimento.
Essa divisão social provocou um efeito perverso também na
estrutura educacional. Dermeval Saviani (2007) aponta para o
surgimento de dois tipos de educação, uma voltada para a formação
da classe dominante e a outra que ficou encarregada de formar a
classe trabalhadora.
Com relação a distinção acerca do papel da educação na
sociedade de classes, Aníbal Ponce afirma que:

No momento da história humana em que se efetua a


transformação da sociedade comunista primitiva em sociedade
dividida em classes, a educação tem como fins específicos a luta
contra as tradições do comunismo tribal, a inculcação da ideia de
que as classes dominantes só pretendem assegurar a vida das
dominadas, e a vigilância atenta para extirpar e corrigir qualquer
movimento de protesto da parte dos oprimidos. O ideal pedagógico
já não pode ser o mesmo para todos; não só as classes dominantes
1120 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

têm ideais muito distintos dos da classe dominada, como ainda


tentam fazer com que a massa laboriosa aceite essa desigualdade
de educação como uma desigualdade imposta pela natureza das
coisas, uma desigualdade, portanto, contra a qual seria loucura
rebelar-se (2007, p. 36).

O modo de produção capitalista é resultado das contradições


e do desenvolvimento das forças produtivas no interior do
feudalismo. O seu aparecimento e organização não se deu de forma
homogênea, ou seja, ao longo de alguns séculos o mundo assistiu a
decadência do modo de produção feudal, até que no século XIX
quase que a totalidade dos estados europeus já organizavam o modo
de produzir a partir de relações capitalistas. Era cada vez maior a
insuficiência da produção feudal no atendimento às novas
necessidades, não mais locais, mas mundiais.
A busca da superação destes novos desafios impuseram
grandes esforços no desenvolvimento das forças produtivas
elevando o nível da mecanização da produção e a substituição da
força motriz humana e animal, o que conhecemos como Revolução
Industrial, “caracterizada pela evolução tecnológica aplicada na
produção e a conseqüente revolução nos processos de produção e
nas relações sociais” (OLIVEIRA, p.75, 1987 ).
Nesse novo contexto, o eixo do processo produtivo desloca-se
do campo para a cidade e da agricultura para a indústria, que
converte o saber de potência intelectual em potência material. E a
estrutura da sociedade deixa de fundar-se em laços naturais para
pautar-se por laços propriamente sociais, isto é, produzidos pelos
próprios homens. Trata-se da sociedade contratual, cuja base é o
direito positivo e não mais o direito natural ou consuetudinário.
Com isso, o domínio de uma cultura intelectual, cujo componente
mais elementar é o alfabeto, impõe-se como exigência generalizada
a todos os membros da sociedade. E a escola, sendo o instrumento
por excelência para viabilizar o acesso a esse tipo de cultura, é
erigida na forma principal, dominante e generalizada de educação.
Esse processo assume contornos mais nítidos com a consolidação da
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1121

nova ordem social propiciada pela indústria moderna no contexto


da Revolução Industrial.
Para a nova classe dominante, a burguesia, não cabia mais a
educação religiosa e menos ainda aquela livresca, voltada
principalmente à nobreza de antigamente. Agora interessavam muito
mais os conhecimentos práticos, úteis às negociações burguesas e o
trabalho passou a ter um caráter positivo no conjunto da sociedade. O
mesmo deixou de ser degradante para se constituir elemento de
virtuosidade, de “salvação do corpo e da alma dos homens”.

Considerando, como já foi dito, que se a educação não se reduz ao


ensino e este, sendo um aspecto da educação, participa da natureza
própria do fenômeno educativo, creio ser possível ilustrar as
considerações gerais acima apresentadas com o caso da educação
escolar. Este exemplo me parece legítimo porque a própria
institucionalização do pedagógico através da escola é um indício da
especificidade da educação, uma vez que, se a educação não fosse
dotada de identidade própria seria impossível a sua
institucionalização. Nesse sentido, a escola configura-se numa
situação privilegiada, a partir da qual podemos detectar a
dimensão pedagógica que subsiste imbricada no interior da prática
social global (SAVIANI, 2015, p.287).

Portanto, é importante frisar que na sociedade moderna a


escola passa a ser reconhecida socialmente como o espaço
hegemônico de educação sistemática, organizada e formal.

A Escola como Aparelho Ideológico do Estado

Para pensarmos a representação e expressão da escola na


sociedade capitalista, no contexto da reestruturação produtiva no
Brasil, entendemos que o conceito de Aparelhos Ideológicos
desenvolvido por Althusser nos auxiliará.
As diferenças, que os Aparelhos Ideológicos assumem, nos
diferentes momentos da história das sociedades, levam Althusser a
formular a tese de que, nas formações sociais capitalistas, o
1122 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Aparelho Ideológico de Estado Escolar é dominante, e este substituiu


o papel dominante da igreja, nas formações sociais servis. Segundo
o autor, o Aparelho de Estado, compreende dois corpos: um é o
corpo das instituições que representam o Aparelho Repressor de
Estado, e o outro, é o corpo das instituições que representam os
Aparelhos ideológicos de Estado (ALTHUSSER, 2008).
Cada um dos Aparelhos possuem características e objetivos
diferentes. Para Althusser,

O Aparelho repressor de Estado constitui um todo organizado no


qual diferentes membros são centralizados sob uma unidade de
comando, a da política de luta de classes aplicada pelos
representantes políticos das classes dominantes que detêm o poder
de Estado, enquanto os Aparelhos Ideológicos de Estado são
múltiplos, distintos, “relativamente autônomos” e suscetíveis de
oferecer um campo objetivo a contradições que exprimem, sob
formas limitadas ou extremas, os efeitos dos choques entre a luta
de classes capitalista e a luta de classes proletária, assim como suas
formas subordinadas (2008, p. 163).

Para o autor citado acima, nas formações sociais capitalistas


contemporâneas, podemos verificar um número relativamente
elevado de Aparelhos Ideológicos de Estado; entre eles, o Aparelho
Escolar, o Aparelho Religioso, o Aparelho Familiar, o Aparelho Político,
o Aparelho Sindical, o Aparelho da Informação, o Aparelho “Cultural”,
etc. Contudo, ele adverte que o Aparelho Ideológico de Estado que foi
colocado em posição dominante nas formações capitalistas
amadurecidas, na sequência de uma violenta luta de classe política e
ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante, é
o Aparelho Ideológico Escolar. Portanto, afirma que

(...) por trás das representações de seu Aparelho Ideológico de Estado


político, que ocupava o primeiro plano de cena, a burguesia acabou
instalando como seu aparelho ideológico de Estado nº 1, portanto
dominante, o aparelho ideológico de Estado dominante, a saber, a
Igreja. Podemos até mesmo acrescentar: o par Escola -Família
substituiu o par Igreja -Família (ALTHUSSER, 2008, p.166).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1123

Podemos entender que as práticas dos Aparelhos Ideológicos


do Estado se materializam através da ideologia, que segundo
Althusser, possui ainda mais duas características, sendo elas, “a
representação da relação imaginária dos indivíduos com suas
condições reais de existência e a interpelação dos indivíduos como
sujeitos” (2008, p.277).
A partir desse referencial, compreendemos que é essa relação
que a ideologia tem com os Aparelhos de Estado principalmente com
aqueles que predomina muito mais o papel de inculcamento sobre o
papel repressivo. Além disso, é importante frisar que segundo
Althusser, uma ideologia existe em um aparelho e em suas práticas”
(2008, p. 280).
Contudo, para desenvolvermos esse trabalho de pesquisa
julgamos necessário considerar “que os Aparelhos Ideológicos de
Estado são a concretização da ideologia dominante. Desde que se fale
de ideologia dominante deve-se entender que existe também alguma
coisa que se refere sempre a ideologia mas que é dominado, portanto,
que tem a ver com as classes dominadas”. Ou seja, os Aparelhos
Ideológicos colocam em evidência a luta de classes, entre a classe dos
capitalistas e dos proletários. Logo a luta de classes se desenrola,
embora transbordando-as amplamente, nas formas dos Aparelhos
Ideológicos de Estado e consequentemente no interior dos Aparelhos
Ideológicos Escolares e na Escola (ALTHUSSER, 2008, p.180).
Portanto, para compreendermos essa realidade é preciso
considerarmos as contradições colocadas pela luta de classes no
interior da escola e suas potencialidades na relação com a sociedade.

O Papel Social da Escola no século XXI no Brasil

Partindo das ideias abordadas acima, de que a educação deve


ser entendida em meio a uma totalidade, implicando as necessidades
e objetivos do homem, de acordo com seu contexto histórico-social,
em que prevalece um modo de produção dominante, analisar a
1124 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

educação imersa na sociedade capitalista é pensá-la com um caráter


mediador e reprodutor.
No capitalismo, que está latente a luta de classes, determinada
em última instância pelas relações de produção, a educação
apresenta-se enquanto instrumento que exerce influência da classe
dominante sobre o restante da população, através da construção de
um consenso, de valores, crenças e concepções de acordo com seus
anseios, reafirmando e maquiando a dominação. Sendo assim,
pode-se se afirmar que a educação faz parte do aparelho ideológico
do Estado (Althusser, 1974) para que a classe dominante se perpetue
enquanto classe dominante. Segundo Cury,

A função política dominante é controlada pelo poder de Estado.


Este, ao nível da sociedade política, formula e chama a si as
definições referentes à educação. Essas definições, absorvidas e
materializadas junto à sociedade civil, tentam desarticular a
concepção de mundo da classe subalterna, sujeitando-a a sua
própria, pelos mecanismos de dissimulação e ocultação (CURY,
p.62, 2000).

Na sociedade atual, onde está à tona o desenvolvimento


tecnológico e científico, a consciência e o conhecimento são
controlados. De acordo, com Bernstein existe um dispositivo
pedagógico no qual derivam regras distributivas responsáveis por
controlar o “pensável” e o “impensável”. Nesse contexto é através do
sistema educacional que se concretiza o controle e a represália com
relação ao conhecimento (BERNSTEIN, apud, SANTOS, p. 65)
Em espaços, como por exemplo, a Universidade, local em que
se dá a produção de conhecimento ocorre o controle sobre o
impensável. Já na escola, reprodutora do conhecimento, regula-se o
“pensável”.
Com as transformações advindas da ciência da informação
resulta a simplificação do trabalho no setor produtivo e uma
crescente abstração das forças produtivas. A relação entre educação
e produção tende a se enfraquecer e permanecer forte apenas em
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1125

níveis superiores de ensino. Em contrapartida a relação entre


educação e controle simbólico se fortalecem e ampliam ainda mais
suas normas (BERNSTEIN, apud, SANTOS, p.25).
As mudanças tecnológicas que resultam na especialização
flexível do trabalhador influenciam uma nova forma de se pensar
esse sujeito e consequentemente a educação escolar.
Por isso a educação torna-se instrumento de uma política de
acumulação, que se serve do caráter educativo propriamente dito
(condução das consciências) para camuflar as relações sociais que
estão na base da acumulação (CURY, p. 65, 2000).
No âmbito da escola o conhecimento transmitido é fruto do
conhecimento de outras áreas somado ao caráter pedagogizante que
contém funções moralizantes, instrucionais, trabalhando com o
aspecto científico, que diz respeito às formas de pensar e o
desenvolvimento do hábito do trabalho intelectual.
Com a forte implantação da reestruturação produtiva hoje e
da necessidade de uma adequação na qualificação dos trabalhadores,
para lidar com os novos métodos e máquinas, de uma formação
mais técnica para parte dos trabalhadores e uma formação mais
geral para outra parte dos trabalhadores nessa nova etapa da
organização do trabalho no modo de produção capitalista, indica
uma maior divisão do trabalho.

Considerações Finais

A conjuntura atual está marcada pelas crises subsequentes do


capitalismo. Nesse cenário a saída das crises, por parte do capital,
tem sido caracterizado pela austeridade fiscal, redução dos
investimentos públicos, monetarização da economia, privatizações e
aumento da taxa da exploração da força de trabalho.
No Brasil o governo Temer tem encaminhado uma série de
projetos que estão nessa direção, como por exemplo, a Reforma da
Previdência, Reforma Trabalhista, Proposta de Emenda
Constitucional 241/55 e a Reforma do Ensino Médio. Com relação à
1126 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

escola as análises de alguns autores têm apontado para a disputa de


seu controle ideológico.

O contexto do golpe de 2016 criou as condições para que a


contenção pudesse ser deixada de lado. A MP, assim como o
conjunto de políticas não só educacionais, mas também
econômicas, culturais e trabalhistas desencadeadas pelo governo
Temer, é o resultado do fortalecimento da classe política e social
que aparentemente tende a considerar o Neoliberalismo da
Terceira Via suave demais para suas pretensões (FERRETI; SILVA,
2017, p.400).

Importante frisar que essa disputa não é uma característica


apenas do governo Temer, mas em seu governo as propostas para a
educação escolar tem se expressado pela tentativa de acelerar a
privatização desse serviço, através da implantação de uma reforma
empresarial escolar. Segundo Freitas, esse modelo de educação já
tem sido implementado.

O processo de privatização avança com a concessão de escolas


públicas para serem administradas pela iniciativa privada
(equivalentes no Brasil às organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público – Oscip) e pela distribuição de vouchers
(equivalentes ao Pronatec no Brasil). Uma proposta completa para
privatizar a educação brasileira pode ser encontrada no site da
Parceiros da Educação (2010). A linha central é a adoção da ideia
das escolas charters americanas (privatização por concessão da
gestão da escola à iniciativa privada) e a quebra da estabilidade de
trabalho do professor (2012, p.395).

Portanto, de acordo com as ideias do autor, a proposta dos


reformadores da educação com um viés empresarial tem gerado
reflexos em várias esferas a começar pela gestão e a política de
acesso à educação escolar.

Uma consequência destas políticas é o estreitamento do currículo


escolar (Au, 2007, 2009; Ravitch, 2011a). Quando os testes incluem
determinadas disciplinas e deixam outras de fora, os professores
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1127

tendem a ensinar aquelas disciplinas abordadas nos testes


(Madaus, Russell, & Higgins, 2009). Avaliações geram tradições.
Dirigem o olhar de professores, administradores e estudantes. Se
o que é valorizado em um exame são a leitura e a matemática, a
isso eles dedicarão sua atenção privilegiada, deixando os outros
aspectos formativos de fora (Jones, Jones & Hargrove, 2003).
Quais as consequências para a formação da juventude? A escola
cada vez mais se preocupa com a cognição, com o conhecimento, e
esquece outras dimensões da matriz formativa, como a
criatividade, as artes, a afetividade, o desenvolvimento corporal e
a cultura (FREITAS, 2012, p.389).

Conforme as contribuições mencionadas essa nova proposta


tem impacto não só sobre o acesso à escola como também o acesso
ao conhecimento. Ou seja, essa política demonstra consequências na
esfera curricular, dando ênfase a determinados conteúdos em
detrimento de outros, conforme as exigências colocadas pelas
avaliações externas, que correspondem a demandas de parcerias do
Estado brasileiro com agências internacionais como o Banco
Mundial, por exemplo. De acordo com Freitas a proposta dos
reformadores empresariais

é a ratificação do currículo básico, mínimo, como referência.


Assume-se que o que é valorizado pelo teste é bom para todos, já
que é o básico. Mas o que não está sendo dito é que a “focalização
no básico” restringe o currículo de formação da juventude e deixa
muita coisa relevante de fora, exatamente o que se poderia chamar
de “boa educação”. Além disso, assinala para o magistério que, se
conseguir ensinar o básico, já está bom, em especial para os mais
pobres (2012, p.389).

Portanto, segundo o autor o “ensino mínimo” é propagado


por essa proposta principalmente quando se trata da formação da
classe trabalhadora. Para ele “ um planejamento da formação da
juventude não pode ser feito olhando-se para o básico”.
Além disso entendemos também que o controle ideológico
muda a sua “roupagem”, nesse processo. Ou seja, se renova e traz à
1128 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

tona o discurso pela defesa da neutralidade no ensino e


principalmente tende a causar novos contornos à organização e
conteúdo curricular, à gestão escolar e a formação de professores,
por exemplo.
Com relação aos professores, a tendência tem sido as
avaliações que individualizam a ação do professor e os
responsabiliza pelas defasagens no ensino.

Os processos de avaliação de professores cada vez mais estão


individualizando os profissionais. No Brasil, tal individualização
ainda é feita tomando-se por base a escola, mas em outros países
chega-se a divulgar a avaliação individual dos professores em
jornais locais com grande desgaste para estes profissionais
(FREITAS, 2012, p.394 apud Ravitch, 2010a).

O apostilamento também tem se demonstrado uma aposta


dessa política empresarial, com reflexo em uma prática engessada,
que fere a autonomia metodológica do professor e a organização do
conteúdo conforme as demandas e realidade da sala de aula.

O apostilamento das redes contribui para que o professor fique


dependente de materiais didáticos estruturados, retirando dele a
qualificação necessária para fazer a adequação metodológica,
segundo requer cada aluno (FREITAS, 2012, p.389).

Contudo, apesar de citarmos anteriormente que essa política


empresarial na educação não se incia no governo atual, partimos da
hipótese de que no contexto que se inicia mais especificamente em
“ 22 de setembro de 2016, passados exatos 22 dias da posse
definitiva de Michel Temer como presidente da República, após o
impeachment de Dilma Rousseff, em um processo conturbado e
carregado de dúvidas sobre sua legalidade e legitimidade que o levou
a ser chamado de golpe, é exarada a Medida Provisória (MP) nº
746/2016” (FERRETI; SILVA, 2017, p. 386) e se apresenta como uma
representação da intensificação dessa política.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1129

Ou seja, um exemplo é a Medida Provisória que propõe a


Reforma Curricular do Ensino Médio. Segundo Ferreti e Silva,

Alguns dos aspectos presentes no texto da MP nº 746 chamaram


imediata atenção da mídia, em especial duas situações: a extinção
da obrigatoriedade de quatro disciplinas — Sociologia, Filosofia,
Artes e Educação Física — e a possibilidade de atribuição do
exercício da docência a pessoas com “notório saber” em alguma
especialidade técnico-profissional. Se, por um lado, a ampla
exposição midiática colocou na ordem do dia o debate sobre a
reforma, por outro, a ênfase nesses dois aspectos escondeu outros
de igual ou maior relevância: a pretensão de alterar toda a
estrutura curricular e de permitir o financiamento de instituições
privadas, com recursos públicos, para ofertar parte da formação.
Ao longo de quatro meses a MP esteve no centro do debate e trouxe
à tona muitas das controvérsias e disputas que cercam o ensino
médio brasileiro na atualidade, mas que resultam de um processo
que se arrasta já há algum tempo (2017, p 386).

Pretendemos dar continuidade a essa pesquisa para


procurarmos investigar mais a fundo a hipótese levantada a partir
da análise de outras medidas e propostas no âmbito da educação
escolar. Diante do cenário brevemente exposto, consideramos
importante a investigação acerca do papel social da escola na
reprodução das relações de produção, buscando perceber a forma
como o Aparelho Ideológico Escolar tem se materializado no
cotidiano escolar a partir do contexto da reestruturação produtiva
no Brasil e principalmente tomando como base essa política
educacional defendida pelos reformadores empresariais e o contexto
do governo Temer a partir das reformas educacionais em curso.

Referências

ALTHUSSER, L. Sobre a Reprodução. Tradução de Guilherme João de Freitas


Teixeira. 2 ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. 12. ed. São Paulo: Brasiliense,
1984.
1130 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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novas exigências de educação, formação e qualificação. Revista HISTEDBR
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FERRETI, C. SILVA, M. Educ. Soc., Campinas, v. 38, nº. 139, p.385-404, abr.-jun.,
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FREITAS, L. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do


magistério à destruição do sistema público de educação.Educ. Soc.,
Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, abr.-jun. 2012.

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histórico dialético e as abordagens qualitativas de pesquisa. GT: Filosofia
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SANTOS, Lucíola. Saberes Escolares e o Mundo do Trabalho. Rio de Janeiro:


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________________Sobre a natureza e especificidade da educação. Germinal:


Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 7, n. 1, p. 286-293, jun.
2015.
74

O percurso do dinossauro:
uma possibilidade real para o ensino-aprendizagem da
matemática, experiência com crianças de primeira etapa

Rosimere Cleide Souza Desidério

Introdução

Este trabalho foi desenvolvido no decorrer do ano letivo de


2016, em uma turma de primeira etapa de período integral, que
contava com 25 crianças, cuja faixa etária variava entre 3 e 4 anos,
ao longo do ano.
A escola está localizada na zona leste de uma cidade do
interior do estado de São Paulo, podemos classificar a clientela que
frequenta a escola como pertencentes à classe média, trata-se de
uma escola cercadas de condomínios de casas populares financiadas
pelo programa federal “minha casa minha vida”, a maioria das
famílias tem sua constituição recente e é composta por jovens casais.
A instituição atendia naquele ano aproximadamente trezentas
crianças desde berçário I até a primeira etapa, neste ano tínhamos
duas turmas de primeira etapa no período da manhã.
A formação continuada oferecida pelo município de São José
do Rio Preto abordou nos anos de 2015 e 2016 propostas que
visavam desenvolver o comportamento leitor nas crianças
pequenas, através do tema “ler para pesquisar” ou “ler para saber
mais a respeito”, portanto, no ano de 2016 a escola incluiu em seu
projeto pedagógico o projeto “ler para pesquisar”.
1132 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O projeto “Ler para Pesquisar” teve como foco o


desenvolvimento dos comportamentos e procedimentos leitor. A
partir de um tema do interesse do grupo, a ser selecionado
democraticamente, realizaríamos o levantamento dos
conhecimentos prévio das crianças sobre o tema, assim como o que
desejavam saber a respeito, elencando certezas e dúvidas acerca do
tema previamente solicitado. Após a escolha do tema, o próximo
passo seria partir para a coleta de dados, ou seja, pela busca e seleção
dos materiais que seriam utilizados na pesquisa, visando responder
as questões previamente estabelecidas. Neste momento, o professor
procuraria direcionar o olhar das crianças para as características
destes materiais, visando o conhecimento de estratégias para seu
uso. Após a pesquisa, era necessário sintetizar, oralmente os
achados do grupo, neste momento o professor assumiria a postura
de escriba, registrando todas as informações fornecidas pelo grupo.
Apesar do foco principal ser o comportamento leitor, também
seriam abordadas atividades relacionadas à escrita, uma vez seria
necessário realizar o registro da pesquisa realizada pelo grupo.
Como a faixa etária ainda não domina leitura e escrita, o professor
desenvolve um papel importante como modelo e mediador,
utilizando-se de recursos como leitura oral em voz alta, apontar e
evidenciar os procedimentos utilizados para o estudo de um texto,
organizar e orientar para a seleção dos elementos que dialogam com
a curiosidade das crianças, registrar fidedignamente os achados da
turma, através de textos orais elaborados pelo grupo.

Fundamentação teórica

Lerner (2002) descreve ser possível gerar condições didáticas


que permitam conciliar a versão escolar com a versão social (não
escolar) das práticas de leitura e escrita, contudo faz-se necessário
substituir as atividades mecânicas desprovidas de sentido. Lerner
defende que através das modalidades organizativas é possível
articular os propósitos didáticos com os comunicativos, portanto
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1133

segundo a autora, os projetos orientam a realização de um


propósito.
Barbosa (2008) critica a proposta pedagógica de trabalhos
através de projetos quando os adultos organizam temas e tempos
para sua realização. Segundo a autora é necessário que os projetos
estejam incluídos no contexto sócio histórico, bem como o
conhecimento das características dos grupos envolvidos, a atenção
à diversidade e o enfoque em temáticas contemporâneas e
pertinentes à vida das crianças. Para a autora, projetos podem ser
realizados em diferentes dimensões, uma delas diz respeito aos
projetos propostos pelas próprias crianças, nessa perspectiva as
aprendizagens nos projetos acontecem a partir de situações
concretas das interações construídas em um processo contínuo e
dinâmico.
Para Smole & Diniz (2001) não há necessidade que os alunos
tenham todas as habilidades de escrita e leitura avançadas para a
formulação de problemas, portanto trabalhar na construção da
aprendizagem de forma coletiva é extremamente relevante, o papel
do professor é propor dinâmicas e discussões coletivas que orientem
e auxiliem os alunos na organização de seus questionamentos e
reflexões. As autoras afirmam que o recurso da comunicação nas
aulas de matemática conduz o aluno à reflexão e construção de
esquemas mais elaborados de pensamentos e de ações, o que leva à
aprendizagem com qualidade e profundidade.
O ensino da matemática deve primeiramente favorecer um
ambiente de aprendizagem que simule na sala de aula uma
comunidade matemática, onde todos possam participar, opinar,
comunicar e trocar informações e experiências com a mediação do
professor. (SMOLE & DINIZ, 2001).
Klisys (2010) destaca que jogar e brincar são atividades
voluntárias que preveem quatro características: liberdade,
desinteresse, exclusividade e ordem, portanto é brincando que a
criança desenvolve seu espaço de autoria, autonomia e construção
do conhecimento.
1134 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Paniza (2006) afirma que as crianças estão a todo instante


buscando regularidade, cabe ao professor não podá-los em seus
erros, tentar compreender seu raciocínio e intervir da melhor forma
possível, sempre que necessário.
Com base nos autores citados, mediados pelo professor, as
crianças pequenas podem participar ativamente das atividades,
desde sua proposição até a conclusão, o que transforma o processo
ensino-aprendizagem em algo diferenciado e cheio de significado.

Desenvolvimento

Iniciamos o trabalho no início do primeiro semestre,


primeiramente foi abordado com o grupo seu conceito de pesquisa
bem como sua serventia. Muitas discussões foram realizadas até se
chegar à conclusão de que era necessário realizar uma pesquisa
quando tínhamos alguma curiosidade e queríamos saber a resposta
para nossa pergunta.
Mas o que pesquisar? Com crianças dessa faixa etária nas
primeiras discussões surgiram muitas possibilidades, todas foram
registradas, e tantas outras discussões surgiram para decidir, no
intuito de restringir as possibilidades e estabelecer o que seria
pesquisado, todas as crianças tiveram voz para escolher o que, e
porque desejavam pesquisar, as argumentações do porquê
pesquisar ou não aquele tema eram realizadas pelas próprias
crianças a cada tema sugerido, até que depois de muitas discussões
chegamos a dois temas que estava intimamente relacionado ao
gênero, os meninos queriam pesquisar sobre dinossauros e as
meninas queriam pesquisar sobre as princesas.
Nas próximas rodas de leitura separei realizei leituras de
livros que abordava os temas pré-selecionados. Na primeira roda de
leitura, realizei a leitura do livro “O livro secreto das princesas que
soltam pum” de Ilan Brenman e Ionil Zilberman e no dia seguinte
que era uma sexta-feira realizei a leitura do livro “Uma noite no
cemitério dos dinossauros” de A. J. Wood, após a leitura falamos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1135

sobre a escolha do tema que seria realizada na próxima semana, as


crianças teriam o final de semana para pensar qual assunto lhes
despertava mais curiosidade e consequentemente maior interesse.
Na segunda-feira, estavam presentes 17 crianças, na roda de
conversa perguntei ao grupo como decidiríamos qual assunto
pesquisar, três possibilidades foram aventadas, escolha pelos
ajudantes, sorteio e votação. O grupo decidiu pela votação, uma vez
que este seria o melhor jeito, onde cada um daria a sua opinião, ou
seja, mesmo sem dominar o conceito de democracia resolveram a
forma mais democrática de escolher o tema alvo da pesquisa. A
votação foi realizada, todos os presentes manifestaram sua opinião,
a figura abaixo aponta o resultado, por 10 votos o tema eleito foi
“dinossauros”.

Figura 1. Resultado da votação realizada para decidir o tema da pesquisa.

A partir da escolha foi realizado o levantamento do


conhecimento prévio sobre o tema, “o que sabemos”, assim como o
que queríamos descobrir, “o que queremos saber”. De posse dos
questionamentos, nossa próxima etapa foi a exploração do material
de pesquisa. O material foi previamente selecionado pela professora,
as pesquisas eram realizadas uma vez por semana, sempre às
quartas-feiras, dia proposto no planejamento docente para
realização do projeto. Nestes dias era solicitado que as crianças
trouxessem de casa tudo que tivessem sobre o assunto para que esse
material fizesse parte das nossas rodas de conversa. Era comum
observar as crianças compararem diferenças entre as miniaturas
dos bonecos de dinossauros, eu sempre pegava um mostrava para o
grupo, observávamos atentamente cada detalhe, no intuito de
1136 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

fomentar nas crianças a curiosidade para a pesquisa. A fase da


pesquisa teve duração de 3 meses, as crianças eram divididas em
grupos de 4 com um portador para cada dupla, conforme figura 2.

Figura 2. Grupos de pesquisa.

Nesse período, ao término de cada espaço reservado para a


pesquisa, os achados de cada grupo de 4 crianças eram anotados
pelo professor, após o término das explorações pelos grupos, os
achados eram socializados na roda de conversa, no intuito do grupo
produzir um texto geral, sintetizado sobre cada achado na pesquisa
realizada, no intuito de responder aos questionamentos iniciais.
Concomitante ao nosso trabalho, a outra turma da primeira
etapa da escola, havia escolhido o mesmo tema para pesquisa, então
eu e professora da outra turma resolvemos juntar as turmas para
decidir o produto final, foi escolhido pelo grupo, através de votação,
realizar uma exposição que seria disponibilizada para visitação para
toda a escola, na exposição além da síntese de toda a pesquisa
realizada pelos dois grupos, ou seja pelas duas salas, teríamos dois
cenários caracterizados pelas crianças com a representação do
habitat natural dos dinossauros pesquisados pela turma, os
materiais utilizados para realização das esculturas dos animais na
nossa turma foram: argila, massa de biscuit, papel Collor set,
rolinhos de papel higiênico, cola e tinta guache. A turma
confeccionou um convite que foi distribuído para todas as outras
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1137

turmas da escola e também para os membros das famílias das duas


turmas responsáveis pela exposição. Fomos a todas as salas entregar
os convites, figura 3.

Figura 3. Entrega do convite da exposição para outras turmas.

Figura 4. Exposição, montada (cortina de entrada, espaço interno, cenário do


grupo).
1138 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Figura 5. Visitação à exposição.

Paralelo a todo esse processo do projeto “Ler para pesquisar”


a formação continuada daquele ano abordou jogos para o trabalho
da matemática, um dia da semana era destinado ao trabalho com
jogos, foram trabalhados diversos jogos desde o início do ano com
diferentes abordagens, sequencia, percurso, ordenação, seriação,
inclusão e exclusão de peças em tabuleiros etc., com diferentes graus
de dificuldades. A turma havia se identificado muito com o trabalho
da matemática a partir dos jogos, era visível a empolgação da turma
a cada jogo novo introduzido bem como quando os mesmo tinham
domínio sobre aqueles que já havíamos trabalhado, portanto no
decorrer do projeto, no início do segundo semestre surgiu a ideia
proposta pelas crianças de criarmos um jogo de percurso abordando
o tema da pesquisa, esse jogo seria inteiramente confeccionado por
eles com os conhecimentos que haviam construído através das
pesquisas realizadas sobre os dinossauros.
Apesar de já estarmos no segundo semestre e acreditar que
talvez não concluíssemos o trabalho, ficamos empolgadas com o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1139

interesse das crianças nessa empreitada, portanto discutimos com a


coordenadora pedagógica e a direção da escola que nos apoiaram a
seguir com o plano das crianças, cada turma faria seu jogo.
Iniciamos o trabalho para confecção do jogo com a técnica do
desenho de observação, cada um dos dinossauros pesquisados
serviu de modelo para que todos da turma realizassem seu desenho,
após os desenhos foram socializados e votados, os escolhidos por
votação fariam parte do jogo, os desenhos eram realizados nos dias
reservados para trabalho com artes, ao todo foram seis tipos de
dinossauro desenhados por todos os alunos da turma, após o
término de cada desenho, realizámos exposições dentro da sala, para
que as crianças tivessem um tempo para apreciar e escolher os
desenhos que mais gostassem.
O próximo passo foi decidirmos a extensão do percurso,
realizamos uma discussão para decidir quantas casas teria o jogo, e
se as casas seriam numeradas ou não, como ao longo do ano
trabalhamos com percurso com e sem números, e de tamanhos
distintos, foi realizada uma discussão para se chegar ao número total
de casas, por votação optou-se pelo total de sessenta casas que
deveriam ser numeradas pelas crianças, figura 6.

Figura 6. Decisões acerca do número de casas do jogo.


1140 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Quando questionei como fariam para colocar os números, já


que a maioria nesta época do ano sabia alguns números, no entanto,
trabalhamos com números pequenos na contagem dos alunos
presentes e ausentes, nos dias do calendário do mês, contagem de
alguns itens das listas realizadas, etc. A resposta veio de uma criança
que disse que eles poderiam copiar da tabela de números da sala,
temos à disposição dos alunos na sala de aula uma tabela que vai de
0 a 100, então a tabela foi disposta ao lado do tabuleiro para que as
crianças pudessem consulta-la, figura 7.

Figura 7. Confecção do percurso.


Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1141

Houve ainda outra discussão, alguns dos jogos utilizados nas


aulas de matemática continha desafios, que poderia favorecer ou
desfavorecer o jogador de acordo com a sorte da casa que alcançasse,
as crianças quiseram colocar no jogo desafios, pois acreditavam que
somente o percurso ficaria muito simples, pois eles já que já haviam
jogado alguns sem desafios e achavam os com desafios mais
interessantes, figura 8.

Figura 8. Decisões acerca de haver ou não desafio no jogo.

Então passamos a discutir sobre o tipo de desafio que


faríamos, após discussão, surgiu a ideia das cartas que ficariam
viradas para baixo com aquele símbolo da pergunta, conhecimento
prévio de um outro jogo, e nas cartas haveriam itens de sorte, que
fizesse avançar casas ou de azar, que fizesse retroceder casas. Então
as crianças bolaram os textos, durante quase uma semana se
discutiu sobre o que deveria ser colocado em cada carta. As cartas
então foram compostas por figuras dos dinossauros, as mesmas já
selecionadas para o jogo, com breve texto sobre cada dinossauro
daquela figura. Percebi então um problema, como fariam para jogar
se não sabiam ler? Seria necessário um adulto pelo menos no início
1142 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

até que eles decorassem o conteúdo de cada carta para terem


autonomia para jogar, contudo, como sempre estava jogando com
eles não fiz nenhuma observação a esse respeito, mas no dia da
apresentação das cartas, quando fui apresentar como haviam ficado
já digitadas, com as figuras escaneadas, uma criança na roda de
conversa me disse: “- professora, a gente não sabe ler, a gente sabe
os números, mas como vamos saber se é para ir pra frente ou para
trás?” A seguir, ele mesmo apresentou a solução, “- já sei professora,
você pode colocar uma carinha, se for feliz vamos pra frente e se for
triste vamos para trás”, a solução apresentada foi aceita por todos,
então as cartas foram identificadas com expressões de felicidade e
tristeza, figura 9.

Figura 9. Alguns desafios do jogo.

Após a confecção do jogo, uma vez na semana no horário


planejado para matemática e em momentos de lazer, momentos da
entrada ou próximo da saída ou ainda quando por motivo de chuva
não saíamos da sala, era comum as crianças pegarem o jogo, que
ficava em um local de fácil acessibilidade, e jogarem sem que
houvesse brigas ou discussões (figura 10).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1143

Figura 10. Utilização do jogo.

O jogo foi utilizado por toda a turma, contudo já estávamos


no fim do ano quando concluímos nosso trabalho, no final do mês
de novembro duas crianças estavam conversando, percebi que
estavam tristes e me aproximei para verificar o que havia
acontecido, um deles me relatou que estava triste, porque eles iriam
mudar de escola e não poderiam mais jogar o jogo que eles fizeram,
então conversamos com a gestão da escola para solicitar autorização
para reproduzir o jogo para os alunos da turma, realizamos cópias
coloridas e plastificamos o jogo para que as crianças pudessem
compartilhar do produto final com a família e amigos. O jogo
original faz parte do acervo de jogos da escola, ele foi confeccionado
em papel paraná no seu tamanho original e foi plastificado para que
houvesse maior durabilidade, no verso consta o nome de todos os
alunos da turma que participaram de sua confecção.
1144 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Figura 11. Jogo do percurso finalizado.

Conclusão

Como já havia trabalhado com essa mesma faixa etária em


anos anteriores, pude observar que houve uma aprendizagem
significativa, geralmente as crianças tinham acesso a números
menores, embora tenhamos a tabela numérica (0 a 100) na sala para
consulta, nosso trabalho com números geralmente é realizado até 31
que são os dias do mês, neste ano tivemos contato até o 60, todas as
crianças da sala ao término do ano sabiam grafar os números (0 a
9) corretamente, também trabalhamos a sequência do jogo.
As crianças já estavam familiarizadas com o dado, mas como
jogamos muito no decorrer do ano, eles ganharam agilidade na
identificação das quantidades especificadas em cada face do dado,
trabalhamos com o avançar e retroceder dentro das casas do jogo,
era comum vendo as crianças contar as casas para saber quantas
faltava para ganhar o jogo, enfim criamos um ambiente propício
para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem, não apenas da
matemática, no mesmo projeto, as crianças puderam trabalhar com
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1145

arte na confecção dos desenhos, na construção da maquete, nas


esculturas dos dinossauros, na confecção do próprio jogo, com
história e geografia, pois abordamos o habitat dos dinossauros,
falamos sobre aspectos geológicos e climáticos que estiveram
envolvidos na extinção da espécie, falamos ainda sobre os fósseis e
os estudo para se conhecer tudo que é conhecido hoje sobre a
espécie, portanto falamos de ciências.
Por fim trabalhamos a pesquisa e a sua importância,
abordamos os elementos facilitadores para realizar as pesquisas
atualmente, recursos como a internet, mas também utilizamos os
métodos da pesquisa tradicional que necessitava recorrer ao índice,
sumário, glossário, enciclopédias, etc. Desenvolvemos
comportamento leitor, trabalhamos com produção e síntese de
texto, para realização das cartas, portanto trabalhamos linguagem
oral e escrita.

Referências

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Infantil. São Paulo: Artmed.

BRUNIER, D. 2010. Dinossauros. Barueri (P): Girassol.

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Educação Infantil. São Paulo: Editora Peirópolis.

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SMOLE, K.S. & DINIZ, M.I. (Org.). 2007. Ler, escrever e resolver problemas:
habilidades básicas para aprender Matemática. Porto Alegre: Artmed.
75

O percurso histórico da orientação educacional no Brasil

Flávia Pinheiro da Silva Colombini


Vânia de Fátima Martino

Introdução

Há muito tempo foi superada a ideia de que cabe à escola


apenas transmitir o conhecimento, sem se preocupar com a
formação integral do aluno. Para colaborar com o processo de for
mação do educando enquanto cidadão atuante, capaz de intervir e
interagir com sua sociedade é que existe, em algumas escolas do
país, a figura do Orientador Educacional.
Sendo o elo entre família, escola e comunidade, o Orientador
Educacional deve ajudar os professores a conhecerem a realidade
dos alunos, para assim compreenderem melhor o desempenho
destes, buscando alternativas adequadas para agir em relação a isso.
Além do mais, ele auxilia na organização e execução do Projeto
Político e Pedagógico da escola e possibilita o diálogo com as famílias
e a comunidade, ouvindo, dialogando, dando orientações. Dessa
forma, o trabalho do orientador ultrapassa os muros da escola, pois,
além de se comprometer com a formação pedagógica e cidadã dos
alunos, ele contribui para aproximar a escola da realidade em que
está inserida. Diante da certeza da existência de uma troca de
influências entre escola, família e comunidade, o seu campo de
atuação não pode se limitar apenas à microestrutura escolar
(VILLON, 1994). Sendo assim, o Orientador Educacional tem como
uma de suas principais atribuições contribuir para a formação
1148 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

integral dos alunos, não apenas em relação ao desenvolvimento


cognitivo, mas também no desenvolvimento de habilidades
relacionadas a valores, atitudes, emoções e sentimentos, assim como
na construção da cidadania. Dessa forma, o trabalho do Orientador
Educacional só vem a acrescentar no fazer pedagógico do professor,
na medida em que o ajuda a compreender as relações afetivas,
emocionais e interpessoais que circundam a existência do aluno e
que se relacionam ao processo de ensino e aprendizagem.
Diante do contexto de globalização e desenvolvimento
tecnológico intenso em que estamos vivendo, a escola tem
enfrentado grandes dificuldades para compreender os sujeitos que
dela fazem parte. Segundo Grinspun (2001), as mudanças de
paradigmas de ordem social, político e cultural que se vive nesse
novo milênio, inserem os indivíduos em um novo cenário onde suas
ações necessitam ser analisadas à luz de uma reflexão crítica sobre
esse novo contexto. A Orientação Educacional deve ser vista como
uma parte do todo, ou seja, como parte importante do processo
chamado educação, que visa a formação integral do aluno, seja no
aspecto social, emocional ou cognitivo. O conhecimento
racionalizado é o instrumento principal da escola no processo de
ensino e aprendizagem, porém, ela não pode deixar de se preocupar
com as questões que estão além do currículo formal, como valores,
sentimentos e emoções.
As questões como bullying, racismo, violência, drogas,
intolerância, indisciplina, discussões de gêneros, orientações
sexuais, novas organizações familiares, poder e influência da mídia,
abrangências tecnológicas, fazem parte do amplo leque de
mudanças vivenciadas pela nossa sociedade atualmente. Direta ou
indiretamente, esses assuntos fazem parte da vida do aluno e são
levados constantemente para dentro da escola. Os educadores não
podem, simplesmente, ignorar as influências causadas por esses
temas, mas devem ajudar o aluno a se compreender diante disso
tudo, não esquecendo de suas particularidades na construção de sua
cidadania. Por isso, refletir sobre a Orientação Educacional se torna
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1149

importante para que o orientador possa contribuir


significativamente como um apoio aos professores para lidarem
com as situações que interferem diretamente na aprendizagem das
crianças e adolescentes na escola.

O percurso histórico da orientação educacional

O histórico da Orientação Educacional sempre esteve


relacionado com o histórico do sistema educacional brasileiro. A
origem da Orientação Educacional no Brasil ocorre
concomitantemente com o surgimento do movimento da Escola
Nova1, na década de 1920, em contraposição à Escola Tradicional dos
séculos anteriores. Nesse período, tivemos também o início da
industrialização brasileira, fato que influenciaria diretamente na
formação educacional do país. Para Grinspun (2001), a implantação
da Orientação Educacional no Brasil teve grande influência da
orientação educacional americana e francesa, possuindo um caráter
mais de aconselhamento. Por aqui, a primeira experiência da
Orientação Educacional, segundo a autora, foi em 1924, com os
trabalhos de Roberto Mange, que iniciou, no Liceu de Artes e ofícios
de São Paulo, um trabalho de seleção e orientação profissional aos
alunos do curso de Mecânica. Já para Olívia Porto (2009), a primeira
incursão da Orientação Educacional no Brasil teve início com
Lourenço Filho2, quando era diretor do Departamento de Educação

1
O Movimento da Escola Nova foi um movimento de educadores europeus e norte-americanos,
surgido no final do século XIX que questionava a mentalidade, as práticas e metodologias da Educação
Tradicional, considerada por eles como sinônimo do atraso. Defensores da renovação educacional,
passaram a entender o educando como peça central do processo educativo. No Brasil, o Movimento da
Escola Nova, conhecido também como escolanovismo, se desenvolveu a partir de meados da década
de 1920 com várias reformas educacionais surgidas pelo país. A partir da publicação do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova em 1932, o movimento ganha mais repercussão. Nele estão descritas as
diretrizes políticas, sociais, filosóficas e educacionais do escolanovismo que relaciona a educação aos
processos sociais, ou seja, entendem que a escola deve atender aos desafios da sociedade e isso deve
ser feito de forma crítica e dialogada dentro da escola. (MENEZES, SANTOS, 2001)
2
Lourenço Filho (1897-1970) atuou nas diversas instâncias do campo educacional, em especial nas que
se dedicavam à produção e à propagação dos conhecimentos da ciência psicológica aplicada à educação
e à formação de professores (SGANDERLA, CARVALHO, 2008). Integrante do movimento
1150 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

do Estado de São Paulo em 1931, criando o “Serviço de Orientação e


Educacional”, cujo objetivo era orientar o aluno na escolha de seu
lugar social e de sua profissão.
Independente do momento que se considere como inicial, o
fato é que a Orientação Educacional esteve delimitada, nesse
período, ao aconselhamento e orientação vocacional/profissional,
influenciada pelo contexto de popularização do ensino público no
país. Em 1934, a escola pública estadual Amaro Cavalcanti, no Rio
de Janeiro, tornou-se a primeira escola brasileira a implantar o
serviço de Orientação Educacional em seu sistema escolar. (LAPA,
GONÇALVES, MAUPEAU, 1985). Entre os anos 1920-1940 a
tentativa de implantação da Orientação Educacional no Brasil, não
contou com nenhum tipo de legislação específica.
Na década de 1940, a partir da Reforma Capanema3 no
governo de Getúlio Vargas, e com a implantação da Lei Orgânica do
Ensino Secundário, foi instituído o Serviço de Orientação

escolanovista, escreveu um livro básico para se compreender o movimento (Introdução ao Estudo da


Escola Nova, 1930) e foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova; organizou
e dirigiu o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1938-1946); fundou a Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos (1944); criador do ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional), dirigiu
durante vários anos os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica e participou, ativamente, das discussões
para a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 e para a regulamentação da
profissão de psicólogo. Realizador das reformas educacionais dos estados de Ceará (1922) e São Paulo
(1930) foi também presidente da Associação Brasileira de Educação-Nacional (1934) e diretor e
organizador do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1938).
3
Reforma do sistema educacional brasileiro realizada durante a Era Vargas (1930-1945), sob o
comando do ministro da educação e saúde Gustavo Capanema em 1942. Foi caracterizada pela
articulação junto aos ideários nacionalistas de Getúlio Vargas e seu projeto político ideológico,
implantado sob a ditadura conhecida como “Estado Novo”. Pela reforma proposta, o sistema
educacional se assemelharia à divisão econômico-social do trabalho. Assim, a educação deveria servir
ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo com os diversos papéis atribuídos às
diversas classes ou categorias sociais. Foram criadas as divisões da educação superior, a educação
secundária, a educação primária, a educação profissional e a educação feminina; uma educação
destinada à elite da elite, outra educação para a elite urbana, uma outra para os jovens que comporiam
o grande “exército de trabalhadores necessários à utilização da riqueza potencial da nação” e outra
ainda para as mulheres. A educação deveria estar, antes de tudo, a serviço da nação, “realidade moral,
política e econômica” a ser constituída. No contexto do ideário do governo Vargas, Capanema é mais
explícito ao sugerir instrumentos para a ampliação da influência do governo na educação. Dessa forma,
a preocupação com a moral, o civismo e responsabilidades trazem para a esfera educacional os
objetivos propostos pelo Estado Novo: a valorização da autoimagem do brasileiro e a criação de uma
identidade nacional.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1151

Educacional nas escolas secundárias tornando-se, o Brasil, o


primeiro país no mundo a institucionalizar, através de documento
legal, a atividade da Orientação Educacional no sistema de ensino
(GRINSPUN, 2001). Porém, como afirma Grinspun,

A regulamentação da Orientação Educacional a partir de 1942 está


significativamente ligada a sua origem na área da Orientação
Profissional. O orientador poderia ser considerado como
“ajustador”, isto é, caberia a ele ajustar o aluno à escola, à família
e à sociedade, a partir de parâmetros eleitos por essas instituições
como sendo os de desempenhos satisfatórios. (2001, p.20-21)

Percebe-se que nesse período, a Orientação Educacional se


identificava como Orientação Profissional e atendia aos anseios de
uma época que pretendia formar mão-de-obra qualificada para o
processo de industrialização que se acelerava. Fundada em uma
lógica terapêutica e psicologizante, no sentido de identificar aptidões
e dons naturais dos indivíduos, a Orientação Educacional que se
praticava fazia crer que todos teriam as mesmas condições de
oportunidade diante das escolhas efetuadas, implicando ao aluno a
culpa pelo seu sucesso ou insucesso escolar e/ou profissional.
Na década de 1960 a Orientação Educacional voltou a
ganhar destaque na legislação educacional brasileira. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB n.4024 de 1961) regulamentou
sobre a formação dos orientadores educacionais do ensino
primário e secundário, porém, com uma ênfase na Orientação para
o Ensino Médio. Segundo Lapa, Gonçalves e Maupeau (1985) a
maior contribuição da LDB de 1961 para a Orientação Educacional
foi o fato de ter assegurado a presença dos orientadores na escola e
ter regulamentado sua formação, que ocorreria em curso especial
nas faculdades de Filosofia, voltado para os licenciados em
Pedagogia, Filosofia, Psicologia ou Ciências Sociais e para os
diplomados em Educação Física e os inspetores federais de ensino,
tendo todos, três anos de experiência no magistério.
1152 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em relação ao significado da Orientação Educacional, a LDB (de


1961), embora se mostrando pouco explícita, destaca duas áreas de
atuação, a dos estudos e a vocacional, enfatizando em ambas uma
função nitidamente preventiva e psicológica. A Orientação para os
estudos situa-se como instrumento para adaptar os métodos de
ensino e as atividades escolares às peculiaridades dos grupos (art.
20 a.) e para iniciar os alunos em técnicas e artes aplicadas
adequadas ao sexo e à idade (art. 25). Por sua vez a Orientação
Vocacional sugerida limita-se à identificação das aptidões e ao uso
de testes psicológicos como meio de identifica-las. (LAPA,
GONÇALVES E MAUPEAU, 1985, p. 33).

Nesse período, observou-se um aumento expressivo no


número de orientadores educacionais no país, atuando tanto no
setor público, quanto no privado; houve o surgimento, em vários
estados da federação, de Associações de Orientadores Educacionais;
a criação da Federação Nacional dos Orientadores Educacionais
(FENOE) e o desenvolvimento de uma literatura específica sobre
esse tema (GRINSPUN, 2001). Em 1968, a Lei Federal 5.564, criada
unicamente para regulamentar sobre o exercício da profissão do
Orientador Educacional, trouxe, em seu artigo primeiro, qual
deveria ser o seu primordial objetivo:

Art. 1º A orientação educacional se destina a assistir ao educando,


individualmente ou em grupo, no âmbito das escolas e sistemas
escolares de nível médio e primário visando ao desenvolvimento
integral e harmonioso de sua personalidade, ordenando e
integrando os elementos que exercem influência em sua formação
e preparando-o para o exercício das opções básicas. (BRASIL, Lei
n. 5.564, 21 de dez. de 1968, 1968)

Percebe-se aqui, uma preocupação com a formação integral


do educando, buscando ordenar e integrar os diversos elementos
que possam influenciar sobre sua formação. Em outras palavras,
busca-se normatizar o aluno, como se o Orientador Educacional
fosse responsável por moldar sua personalidade e suas escolhas,
prevalecendo ainda o tom de ajustamento.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1153

No ano seguinte, em 1969, houve a divulgação do Parecer n.


252 do Conselho Federal da Educação (CFE), que estabeleceu a
Orientação Educacional como uma habilitação específica do curso de
Pedagogia, não exigindo mais os três anos de experiência no
magistério. Preocupada com uma possível queda da qualidade
profissional, a FENOE solicitou junto ao CFE modificação do
Parecer, porém, não foi atendida. (LAPA, GONÇALVES, MAUPEAU,
1985).
Na década de 1970 duas determinações legais foram de
extrema importância para a profissão dos Orientadores
Educacionais: a Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º
grau n.5.692/71 (conhecida também como a Lei de Reforma do
Ensino de 1º e 2º grau) e o Decreto-lei 72.846/73, do governo
federal, que regulamentou o exercício da profissão do orientador.
Sem nenhuma dúvida, podemos afirmar que a Lei de 1971 foi
um marco para a Orientação Educacional no país, na medida em que
instituiu a obrigatoriedade da existência dos orientadores
educacionais em todos os estabelecimentos de ensino de primeiro e
segundo grau. Enquanto as leis anteriores apenas reconheciam a
existência desse profissional nas escolas do país, a obrigatoriedade
criada pela lei de 1971 aumentou significativamente o mercado de
trabalho para os muitos profissionais formados neste período. No
entanto, no que diz respeito às funções e atribuições desse
profissional a referida lei não evoluiu muito, continuando a dar
ênfase ao aconselhamento vocacional e à sondagem de aptidões.
Segundo Lapa, Gonçalves e Maupeau (1985), esse destaque dado à
orientação profissional se explica pela necessidade de mão-de-obra
para o mercado de trabalho que se ampliou na década de 70 devido
a racionalização do processo de desenvolvimento capitalista que
ocorria no país.
Em relação à delimitação e regulamentação das funções e
atribuições do Orientador Educacional, o Decreto Federal de 1973 foi
mais significativo. Nele se distinguiu as atribuições privativas, de
responsabilidade exclusiva do orientador, das atribuições
1154 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

participativas, onde apenas se exige sua participação nos momentos


da vida escolar.

Art. 8º. São atribuições privativas do Orientador Educacional:


a) Planejar e coordenar a implantação e funcionamento do
Serviço de Orientação Educacional em nível de:
1-Escola;
2-Comunidade.
b) Planejar e coordenar a implantação e funcionamento do
Serviço de Orientação Educacional dos órgãos do Serviço
Público Federal, Municipal e Autárquico; das Sociedades de
Economia Mista Empresas Estatais, Paraestatais e Privadas.
c) Coordenar a orientação vocacional do educando,
incorporando-o ao processo educativo global.
d) Coordenar o processo de sondagem de interesses, aptidões e
habilidades do educando.
e) Coordenar o processo de informação educacional e profissional
com vista à orientação vocacional.
f) Sistematizar o processo de intercâmbio das informações
necessárias ao conhecimento global do educando.
g) Sistematizar o processo de acompanhamento dos alunos,
encaminhando a outros especialistas aqueles que exigirem
assistênciaespecial.
h) Coordenar o acompanhamento pós-escolar.
i) Ministrar disciplinas de Teoria e Prática da Orientação
Educacional, satisfeitas as exigências da legislação específicas
do ensino.
j) Supervisionar estágios na área da Orientação Educacional.
k) Emitir pareceres sobre matéria concernente à Orientação
Educacional. (BRASIL, Decreto-lei n. 7.846 de 26 de set. de
1973, 1973)

Já para as atribuições participativas, o Decreto determina que:

Art. 9º. Compete, ainda, ao Orientador Educacional as seguintes


atribuições:
a) Participar no processo de identificação das características
básicas da comunidade;
b) Participar no processo de caracterização da clientela escolar;
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1155

c) Participar no processo de elaboração do currículo pleno da


escola;
d) Participar na composição caracterização e acompanhamento
de turmas e grupos;
e) Participar do processo de avaliação e recuperação dos alunos;
f) Participar do processo de encaminhamento dos alunos
estagiários;
g) Participar no processo de integração escola-família-
comunidade;
h) Realizar estudos e pesquisas na área da Orientação
Educacional. (BRASIL, Decreto-lei n. 7.846 de 26 de set. de
1973, 1973)

Apesar de estabelecer as atribuições do Orientador


Educacional, o Decreto não deu novo sentido à sua atuação,
permanecendo com caráter individualizado, dirigida a alunos que
necessitassem de aconselhamento psicológico, no sentido de
ajustamento, sem se preocupar com a autonomia do sujeito. Ou seja,
uma orientação voltada para os “alunos-problema”.
Foi no final da década de 1970 e início dos anos de1980 que a
atividade do Orientador Educacional começou a ser repensada
passando para o entendimento de que sua ação deveria estar
integrada ao trabalho docente. Pela primeira vez, começa-se a
questionar o sentido da Orientação Educacional na escola. Com o
fim da Ditadura Militar (1964-1985) e o início de um contexto mais
democrático, os orientadores educacionais começam a tomar
consciência de seu papel diante de um modelo de escola que também
passa a ser questionada pelos seus propósitos e objetivos.

O orientador, que já havia sido concebido como um agente de


mudança, um terapeuta que deveria rogerianamente atender os
alunos-problema, um “psicólogo” que só deveria trabalhar as
relações interpessoais dentro da escola, um facilitador da
aprendizagem, vai, pouco a pouco, deixando essas
funções/denominações para assumir, com mais competência
técnica, seu compromisso político na e com ela. – grifos da autora.
(GRINSPUN, 2001, p. 24-25)
1156 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Para Grinspun (2001), a tomada de consciência crítica e


política por parte dos orientadores educacionais foi superando a
ideia do ajustamento social e dando lugar ao questionamento da
realidade e da sociedade em que o aluno vive e atua. A produção
acadêmica na área da Orientação Educacional também passou a se
tornar mais crítica e questionadora. Para a autora, o papel do
orientador foi assumindo um contorno mais político e
comprometido com as causas sociais da classe trabalhadora. Porém,
“o que se nota, na realidade, é que houve uma mudança no discurso,
mas na prática não se conseguiu acompanhar tal ‘transformação ’”.
(GRINSPUN, 2001, p. 25)
No início da década de 1990, houve a extinção da FENOE
(Federação Nacional dos Orientadores Educacionais), que havia sido
fundada em 1966, sendo os orientadores absorvidos pela CNTE
(Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação). Grinspun
considera que, na prática, este fato representou uma fragilização da
classe dos orientadores educacionais. Atualmente, poucos estados
brasileiros ainda possuem associações estaduais de orientadores
educacionais, como por exemplo o Rio de Janeiro, Rio Grande do
Sul, Santa Catarina e Paraná.
Outro fato que pode ter contribuído para a fragilização da
profissão foi a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (9.394/96), que apesar de reconhecer a existência desse
profissional nas escolas brasileiras, retirou a obrigatoriedade da
presença desse cargo nas mesmas. O artigo 64 da Lei mencionada é
o único que se refere à orientação Educacional e o faz de maneira
bem superficial, tratando apenas da questão da formação do
profissional.

Art. 64. A formação de profissionais de educação para


administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação
educacional para a educação básica, será feita em cursos de
graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério
da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum
nacional. (BRASIL, Lei n. 9.394, de 20 de dez. de 1996, 1996)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1157

Percebe-se que, com a promulgação da LDB de 1996, apesar


de não ser mais obrigatório, o cargo do Orientador Educacional está
previsto dentro da escola como um especialista da educação,
firmando sua prática dentro da escola e dando ao seu trabalho uma
dimensão mais pedagógica. Grinspun (2001) afirma que o espaço
conquistado pelo Orientador Educacional dentro da escola,
atualmente, se deu pela efetivação de sua consciência profissional,
passando a encarar criticamente as relações que se estabelecem no
processo educacional e não mais por imposição legal.
No entanto, acreditamos que esse gradual desaparecimento da
Orientação Educacional da legislação educacional brasileira tenha
contribuído para a perda de espaço que os orientadores educacionais
passaram a enfrentar nos sistemas de ensino. Entendemos também
que isso tenha um propósito, pois, na medida em que eles começaram
a tomar consciência do seu papel na educação dos indivíduos,
contribuindo para a formação de cidadãos e na construção de sua
cidadania, a sua presença no contexto educacional parece ter ficado em
segundo plano. Isso pode ser verificado através do desaparecimento
das Associações Estaduais de Orientadores Educacionais, a extinção da
FENOE, os muitos estados e municípios que deixaram de contar com
esse cargo em suas redes de ensino e os escassos encontros e
congressos nacionais que debatem sobre o tema.
Sendo assim, concordamos com Pascoal, Honorato e
Albuquerque (2008), ao afirmarem que

Uma leitura crítica da legislação e dos contextos sociais em que


foram promulgadas pode nos levar a entender que a orientação
educacional no Brasil tem cumprido os papéis que dela eram
esperados; muitas vezes a favor do sistema excludente e poucas
vezes carregadas de ousadia no sentido de emancipação das
camadas populares. Isso se deve, principalmente, ao fato de estar
atrelada às políticas educacionais vigentes nos diferentes
momentos históricos. (PASCOAL, HONORATO e ALBUQUERQUE,
2008, p. 104)
1158 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Todavia, ainda assim concordamos com Grinspun (2001) ao


afirmar que a Orientação Educacional nunca deixará de existir. Pois,
onde houver Educação, ali haverá Orientação Educacional, visto que
a ação da orientação está intrínseca ao processo educativo.
Atualmente, existe quase um consenso entre os teóricos da
Orientação Educacional de que o papel do orientador deve ser o de
atuar para ajudar na formação integral do aluno, não só no seu
desenvolvimento pedagógico, mas na construção de sua cidadania.
Para isso, como uma de suas estratégias de trabalho, ele deve se
utilizar da capacidade de integrar todos os grupos que participam
do processo educativo. Deve fazer valer o diálogo e a cooperação
entre família e escola, escola e comunidade, professores, alunos e
funcionários, professores e equipe gestora, etc. A ideia de uma
orientação voltada apenas para os “alunos-problemas”, com
dificuldades de aprendizagem ou indisciplinados, pelo menos na
área da produção acadêmica, já foi superada. Dessa forma, o
orientador passa a carregar em si os valores democráticos
necessários para a edificação de uma educação voltada para o
exercício pleno da cidadania.
A partir da década de 1980, estudiosos importantes da área da
Orientação Educacional procuraram defini-la e conceituar sobre o
papel do Orientador Educacional dentro da escola. Tais teóricos
dedicaram anos de suas vidas atuando como orientadores
educacionais e ajudando a formular o referencial teórico desta
profissão. Neste trabalho optamos por um recorte temporal desse
referencial teórico utilizando os estudos e pesquisas sobre
Orientação Educacional mais recentes, mais precisamente das
últimas três décadas (1980, 1990, 2000). Apresentaremos aqui
algumas dessas definições e entendimentos.
Dentre os vários autores que teorizaram sobre a Orientação
Educacional, Placco (1994) defende queatuação do Orientador
Educacionaldeve estar direcionada, primordialmente, para um
assessoramento pedagógico do corpo docente, ajudando os
professores a compreenderemque o processo educacional se pauta
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1159

através da sincronicidade de três dimensões: a política, a


humanístico interacional e a técnica. Placco defende que o
orientador precisa ser um parceiro imediato do professor, definindo
a Orientação Educacional como:

[...] um processo social desencadeado dentro da escola,


mobilizando todos os educadores que nela atuam – especialmente
os professores – para que, na formação desse homem coletivo,
auxiliem cada aluno a se construir, a identificar o processo de
escolha por que passam, os fatores sócio-econômicos-político-
ideológico e éticos que o permeiam e os mecanismos por meio dos
quais ele possa superar a alienação proveniente de nossa
organização social, tornando-se, assim, um elemento consciente e
atuante dentro da organização social, contribuindo para sua
transformação. (PLACCO, 1994, p. 30)

Outro entendimento que vai no mesmo sentido é o de LÜCK


(2013). Segundo a autora, o processo educativo terá êxito se a
relação entre professor e aluno for de qualidade. A equipe de
especialistas da escola (direção, supervisão e orientação) devem
assistir ao professor para ajudá-lo no desenvolvimento saudável
desta relação e na potencialização de suas habilidades. O êxito da
educação está nas relações interpessoais no contexto escolar e esta é
a importância da ação da Orientação Educacional.

[...] preconiza-se que o orientador educacional assuma funções de


assistência ao professor, aos pais, às pessoas da escola com as quais
os educando mantêm contatos significativos, no sentido de que
estes se tornem mais preparados para entender a atender às
necessidades dos educandos, tanto com relação aos aspectos
cognitivos e psicomotores como os afetivos. (LÜCK, 2013, p. 28)

De acordo com Pascoal, Honorato e Albuquerque (2008), o


papel do Orientador Educacional deve “ser o de mediador entre o
aluno, as situações de caráter didático- pedagógico e as situações
socioculturais” (PASCOAL,HONORATOE ALBUQUERQUE, 2008, p.
1160 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

103), trazendo para dentro da escola as questões que possam


interferir negativa ou positivamente na aprendizagem dos alunos.
No entendimento de Libâneo (1984), dentro da teoria da
Pedagogia crítico-social dos conteúdos, o trabalho do orientador
deve configurar-se “como um coordenador de ensino, que dê
suporte teórico e técnico ao professor enquanto mediador do
encontro entre aluno e as matérias de estudo” (LIBÂNEO, 1984,
p. 26). Para ele, o Orientador Educacional, por ter uma visão mais
integrada do currículo, pode ajudar, e muito, na prática dos
professores. Portanto, cabe ao Orientador Educacional:

exigir dos professores um trabalho sério e responsável, cobrar o


domínio dos conteúdos e técnicas de trabalho, assiduidade às
aulas, exigir que os alunos estudem, que façam suas tarefas, cobrar
dos governos melhores condições de trabalho e remuneração,
ampliação dos turnos escolares, etc.
É necessária, também, [por parte dos orientadores educacionais]
a participação política na sociedade, a compreensão dos
mecanismos de poder, a tomada de partido pelo movimento
histórico-social, engajamento das associações de classe, porque o
trabalho pedagógico é uma parte das lutas sociais. (LIBÂNEO,
1984, p. 27).

Grinspun (2001) defende a ideia de que a Orientação


Educacional e o fazer do orientador deva estar voltado para a
formação integral do aluno, ajudando na construção da cidadania e
na execução do Projeto Político e Pedagógico da escola.

O principal papel da Orientação será ajudar o aluno na formação


de uma cidadania crítica, e a escola, na organização e realização de
seu projeto pedagógico. Isso significa ajudar nosso aluno ‘por
inteiro’ (grifo da autora): com utopias, desejos e paixões. A escola,
com toda essa sua teia de relações, constitui o eixo dessa área da
Orientação, isto é, a Orientação trabalha na escola em favor da
cidadania, não criando um serviço de orientação (grifo da autora)
para atender aos excluídos (do conhecimento, do comportamento,
dos procedimentos etc.), mas para entendê-los, através das
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1161

relações que ocorrem (...) na instituição Escola (GRINSPUN, 2001,


p. 29)

Não há a intenção de se apontar, com este artigo, uma


definição vista como a ideal ou mais acertada para o
desenvolvimento do trabalho do Orientador Educacional. O que se
pretendeu, foi apresentar alguns entendimentos de autores que
compõem o referencial teórico desta profissão. O que de fato
podemos afirmar, é que toda prática educativa se pauta por alguma
teoria, mesmo que bastante distorcida e abstrata, e que, portanto,
torna- se necessário revisitar essas ideias e assim refletir sobre a
prática que se exercita.

Conclusão

A Orientação Educacional na escola deve, além de orientar o


aluno para sua formação escolar, também colaborar na sua
formação como sujeito de sua própria história e no desempenho de
sua cidadania. Porém, o entendimento do papel do Orientador
Educacional nem sempre foi esse. Na visão tradicional, esperava-se
que ele fosse o responsável em resolver os problemas de conduta e
comportamento dos alunos, dando ao seu trabalho uma
característica psicológica ou terapêutica que atendesse unicamente
os chamados “alunos-problema”, procurando ajustá-los aos
modelos exigidos pela família, pela escola ou pela sociedade.
Atualmente, a Orientação Educacional passou a ser vista como uma
parte do todo, ou seja, como parte importante do processo chamado
Educação, que visa a formação integral do seu aluno, seja no aspecto
social, emocional ou cognitivo. O conhecimento racionalizado,
instrumento principal da escola no processo de ensino e
aprendizagem, não pode se apartar das questões que vão além do
currículo formal, como valores, sentimentos e emoções.
Portanto, a Orientação Educacional relaciona-se com o ato de
orientar, indicar caminhos e acompanhar o educando na sua
1162 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

caminhada estudantil. Ajudá-lo, a partir de intervenções positivas,


na construção de sua identidade enquanto estudante e também na
formação de sua cidadania, ou seja, auxiliar na sua construção como
cidadão consciente com condições de atuar criticamente em sua
realidade. Visto dessa forma, o papel do Orientador Educacional
agrega mais valor ao trabalho do professor. Apesar de exercerem
papéis diferentes, professor e orientador têm objetivos em comum,
ou seja, contribuir para a formação integral dos educandos.
De acordo com Pascoal, Honorato e Albuquerque (2008)
apenas 13 estados do Brasil contam com a presença do Orientador
Educacional em suas redes públicas de ensino. Diante da
contribuição que este profissional pode oferecer para a formação do
aluno e para a integração da escola com a comunidade, entendemos
que a presença do Orientador Educacional nas escolas do país se faz
indispensável. A sua atuação se justifica na medida em que ele pode
e deve agir como um colaborador do processo de ensino e
aprendizagem, atuando diretamente com os professores e
educandos ajudando-os a compreender a realidade que os cerca. A
ele cabe analisar, refletir e procurar desenvolver ações que
contribuam com a formação integral do sujeito e com a execução do
Projeto Político e Pedagógico da escola, buscando para junto da
Unidade Escolar o apoio mútuo da família e da sociedade. Diante
desse desafio, o Orientador Educacional precisa ter preparo e
conhecimento teórico (fornecido principalmente por uma programa
de formação continuada) que sustente sua prática, na tentativa de
buscar sempre uma atuação positiva.

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76

O PIBID na formação docente:


contextos e perspectivas

Bruno Batista Gomes

Introdução

A formação de professores se coloca como uma necessidade


atual e constante. Sendo assim, a formação docente perpassa por
um desenvolvimento teórico e metodológico no ambiente escolar
capaz de dialogar com a realidade dos educandos das novas
gerações. Contudo, a aplicação dos preceitos educacionais depende
em larga escala de políticas públicas a serem empregadas nos
diferentes níveis institucionais e que forneçam possibilidades reais
para a efetivação prática das discussões gestadas no ambiente
acadêmico acerca da educação.
Como exemplo de políticas públicas desenvolvidas no âmbito
da formação inicial de professores está o Programa Institucional de
Iniciação à Docência (PIBID), que tem por objetivo aproximar o elo
entre a universidade e a educação básica, campos inerentes da
formação do professor, considerada a partir de um sentido amplo,
uma vez que, a partir das ações intrínsecas do programa, permitiu-
se observar a criação de um ambiente propício para formação e
construção de saberes escolares voltados a realidade, que culmina
na ampliação do sentido de formação docente.
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID), tem como um de seus principais objetivos a valorização do
magistério e, seguindo esse princípio, se iniciou no ano de 2007 a
1166 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

partir dos cursos de Física, Química, Biologia e Matemática, uma vez


que se viu a necessidade de formar professores nessas áreas do
conhecimento (BRASIL,2013). O PIBID tem sua estruturação na
concessão de bolsas para todas as funções que compõem o quadro
funcional do programa, sendo elas: o bolsista, aluno matriculado
regularmente em curso de licenciatura de uma instituição de ensino
superior; o professor supervisor, docente que figura no quadro da
rede pública de educação básica; e o coordenador institucional,
professor ligado às instituições de ensino superior e devidamente
cadastrado pela CAPES.
Com os bons resultados obtidos nesse primeiro momento da
história do PIBID, prolongou-se o programa para as instituições de
ensino superior estaduais em 2009, uma das principais expansões
do programa em sua história. Neste salto, o PIBID passou a contar
com 10.066 bolsistas, em vista dos 3.088 bolsistas presentes no
primeiro edital de 2007. Dados levantados sobre o PIBID foram
apresentados no Relatório de Gestão 2009-2013 e no site oficial da
CAPES, e neles contam que o programa se faz presente em todas as
regiões do país, contando, em 2014, com aproximadamente 5.800
escolas públicas parceiras e 90.254 bolsas totais (graduandos,
professores supervisores e coordenadores de área).
Tendo em vista o grande crescimento do programa e seu
sucesso, o Ministério da Educação passou a se preocupar a articular
uma forma de institucionalizar o programa, fato que acontece com
a promulgação do decreto nº 7.219 de 24 de junho de 2010, pelo
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (BRASIL,2010). O PIBID,
portanto, nasce e se insere em um novo momento das políticas
públicas voltadas para a educação e, de maneira mais específica,
para a formação de professores. O programa de iniciativa da
Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e organizada a partir das diretrizes da Diretoria de
Formação de Professores da Educação Básica (DEB). Dessa forma,
seus objetivos visam à promoção do magistério a partir da inserção
dos alunos, regularmente matriculado nos cursos de licenciaturas,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1167

no ambiente escolar público da educação básica, auxiliado por


professores supervisores (professores que são efetivos dentro da
rede básica de educação), a aproximação e entre os ambientes
escolar (prática) e universitário (teoria)
Contudo, a partir do ano de 2015 o cenário econômico
desfavorável do país passou a influenciar diretamente no
funcionamento do programa, que passou a ter grandes cortes na
concessão de bolsas, fomento para participação a eventos e
expansão do PIBID. De acordo com dados apresentados a respeito
do orçamento da CAPES no ano de 2016 foram realizadas o
pagamento de 72.057 bolsas, dívidas entre 58.055 graduandos de
licenciaturas, 9.019 professores da educação básica e 4.983 para
docentes dos cursos de licenciaturas. Dessa forma, a partir desse ano
diversas IES tiveram grandes reduções no seu quadro de bolsistas,
sejam eles discentes, professores supervisores ou coordenadores de
área. Esse movimento de corte e redução dos projetos mobilizou
grande parte dos integrantes do programa pela sua manutenção e
não redução de um novo contingente de bolsas. Como resultado
dessa mobilização, os coordenadores institucionais de diversas IES
criaram o grupo ForPIBID, com o intuito de estabelecer uma melhor
comunicação entre as demandas do programa, a CAPES e outras
instituições (ANTUNES, 2016).
O ForPIBID teve atuação fundamental na atuação contra a
determinação da CAPES em encerrar o Edital nº 061/2013 no início
do ano de 2018. Apesar do grande esforço alcançado pelo grupo e
das diversas manifestações públicas e nas redes sociais o edital foi
encerrado e o programa retornou somente no segundo semestre de
2018 e implicou em um série de prejuízos às atividades que estavam
em curso e na formação dos graduandos que perderam suas bolsas
(COSENZA, 2018; DE ALMEIDA, 2018).
O retorno do programa veio em meio a grandes discussões
acerca do conteúdo e proposta dos novos editais que modificaram
significativamente o programa, sendo a principal delas, a criação do
programa “Residência Pedagógica”, focado para ações pedagógicas
1168 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

voltadas para o ensino médio e com graduados que estejam


cursando o terceiro ou quarto ano de seus cursos. Ao passo que o
PIBID, em sua nova configuração, terá como foco a realização de
atividades para as sérias do ensino fundamental e com graduandos
dos dois primeiros anos dos cursos praticantes do projeto. Como
mencionado, essas modificações foram alvo de diversas críticas,
dentre as principais, Cosenza (2018) aponta

No edital PIBID5, mais sutilmente, e, por isso mesmo, mais aberta


a possibilidades transgressoras, ela aparece em seu item 9.7.1
(2018, p.8) nos princípios da iniciação à docência como:
“intencionalidade pedagógica clara para o processo de ensino-
aprendizagem dos objetos de conhecimento da Base Nacional
Comum Curricular”. Já no edital Residência Pedagógica, a
vinculação se estabelece de forma mais forte e abrangente,
tomando forma nos objetivos do Programa (item 2.1, p.1) em:
“Promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas
dos cursos de formação inicial de professores da educação básica
às orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”,
assim como nas “abordagens e ações obrigatórias” (item 3.1.4,
2018, p.20), que devem ser observadas para elaboração da
Proposta Institucional da Prp, entre elas: “A apropriação analítica
e crítica da BNCC nos seus princípios e fundamentos”, devendo o
projeto priorizar ainda “o domínio do conhecimento pedagógico
do conteúdo curricular ou o conhecimento das ações pedagógicas
(..)” presentes no escopo da BNCC e “Atividades que envolvam as
competências, os conteúdos das áreas e dos componentes,
unidades temáticas e objetos de estudo previstos na BNCC”. [...]
Os prazos curtos para submissão das propostas institucionais, no
âmbito do cronograma dos editais, comprometem negativamente
o diálogo interno nas IES, sobretudo, em espaços colegiados, como
os Fóruns de Licenciatura, necessários à ampla discussão dos
editais e à democrática tomada de decisão quanto à adesão aos
mesmos. Isto revela, especialmente, na Residência Pedagógica,
uma proposta de Edital a que as IES aderem, sem antes questionar
ou refletir sobre sua implicação aos projetos institucionais, que
vêm sendo gestados em seu interior no atendimento à Resolução
CNE/CP nº 2/2015. (COSENZA, 2018, p. 705/6)
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1169

De todo modo, podemos considerar que o PIBID vem sendo


construído a partir de uma grande participação e protagonismo de
seus participantes, que se exemplifica na
amplitude das mobilizações em defesa do programa pela
figura do ForPIBID e dos diversos grupos existências nas redes
sociais. Apesar desses momentos, ao longo da recente história do
programa, é possível notar que PIBID efetiva a premissa do
desenvolvimento de uma formação docente em sua integralidade,
aliando a prática e o exercício do magistério com o fazer acadêmico.
Essa aproximação das instancias de formação do professor apontam
para o caminho da efetivação da prática docente em seu sentido
amplo, no qual o professor torna-se sujeito do próprio ofício e parte
integrante e fundamental da construção do arcabouço teórico
acadêmico que baliza o ensino em sala de aula (TARDIFF, 2011).

PIBID e a formação docente

A grande matriz para se pensar a formação docente do Brasil,


principalmente nos momentos finais do século XX, é a Lei de
Diretrizes e Bases (LBD), promulgada em 20/12/1996, uma vez que
seu estabelecimento representa um momento de transição
fundamental na educação brasileira (CARVALHO,1998). Carvalho
analisa que apesar das mudanças que a Nova LDB fundamentou é
impossível acreditar que somente ela seja suficiente para modificar
os rumos da educação no Brasil, mesmo levando em conta os pontos
positivos que a lei trouxe consigo. Em suma, Carvalho define que:

No momento atual, necessitamos de uma política pública de


formação, que trate, de maneira ampla, simultânea, e de forma
integrada, tanto da formação inicial, como das condições de
trabalho, remuneração, carreira e formação continuada dos
docentes. Cuidar da valorização dos docentes é uma das principais
medidas para a melhoria da qualidade do ensino ministrado às
nossas crianças e aos nossos jovens. E, de acordo com a
Constituição, fundamento do deve ser, a “valorização” é conteúdo
1170 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

próprio do capítulo que trata da Educação, dispondo, em termos


de princípio, sobre a “valorização dos profissionais do ensino,
garantindo, na forma da lei, plano de carreira para o magistério
público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente
por concurso público de provas e títulos, assegurando regime
único para todas as instituições mantidas pela União”
(CARVALHO,1998, p. 82)

Da sua promulgação às alterações realizadas no contexto


atual, a Lei de Diretrizes e Bases fundamenta preocupação acerca da
formação docente e traz a responsabilidade por essa formação as
Instituições de Ensino Superior (IES). Esse protagonismo da IES na
formação possibilitou a formulação de diversas propostas visando a
adequação dos cursos às novas propostas de formação, a exemplo
disso tem-se a obrigatoriedade do estágio nos cursos de licenciatura
(GATTI, 2016). Apesar dessas considerações, o papel da
universidade como locus privilegiado para a formação docente é
passível de diversas críticas, principalmente na sua desassociação
com o ambiente escolar, a determinação de uma grade curricular
mais ampla e próxima de novas estratégias de ensino, desinteresse
dos alunos em cumprir adequadamente as responsabilidades do
estágio, entre os limitantes (DAIBERT, 2017).
Grande parte do que se discute a respeito das problemáticas
que envolvem a educação brasileira perpassam de alguma forma a
função do professor no processo educacional, sintetizados em
tópicos como: a má formação inicial, a falta de reconhecimento
social de seu trabalho, condições precárias para o exercício docente,
baixa remuneração, programas que não refletem efetivamente a
prática do professor na sala de aula, entre tantos outros problemas
existentes (TARDIF, LESSARD, 2008). De certo modo pode-se
sintetizar que, para se pensar novos rumos para a educação é
necessário pensar a função dos atores dentro desse processo, ou
seja, é necessário repensar o papel profissional do professor.
O início da trajetória docente pode ser compreendido como
aquela que mais gera impacto em toda a sua carreira, resultado
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1171

direto de intensos questionamentos internos sobre a vida do


magistério. Pensando nessa problemática, Nono (2010) discursa
sobre a necessidade e importância da criação de espaços de troca de
experiências e conhecimento sobre a vida da sala de aula,
demonstrando que o contato com professores que já tenham uma
carreira longa e estável dentro da rede de ensino são, de modo geral,
essenciais e altamente impactante no amadurecimento de um
professor em início de carreira. O ponto levantado pela autora se
mostra um importante prisma de análise para pensar, em um
primeiro momento, o que se apresenta, em termos de programas e
políticas públicas, para a formação inicial de professores.
Mesmo sendo largamente difundido o entendimento do PIBID
como uma política pública com foco na formação inicial ou, em
outras palavras, um “Programa de Iniciação à Docência”, o trabalho
de Douglas Tinti (2012) apresenta um caminho distinto para se
pensar o programa. Em sua dissertação, Tinti procura observar
quais foram as efetivas contribuições do programa, enquanto
política pública de formação inicial, para os licenciados do curso de
Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP) e, para tanto, se utiliza de grande aporte teórico que o
permitiu pensar a Iniciação à Docência como uma das etapas que
compõe a formação profissional do professor. Com essa visão do
programa, Tinti define, portanto, que:

[...] o PIBID é um projeto que visa desenvolver ações para a


formação inicial de Professores. Embora seja intitulado como um
projeto de Iniciação à Docência pode ser entendido, de acordo com
a produção acadêmica acerca da Iniciação à Docência
(HUBERMAN, 1992; SILVA, 1997; MIZUKAMI, 2002; LIMA, 2004;
GAMA, 2007 E TANCREDI, 2009) como um projeto de
aprendizagem da docência. Ou seja, se considerarmos a Iniciação
à Docência como um dos ciclos/etapas do desenvolvimento
profissional de um professor (HUBERMAN, 1992; TANCREDI,
2009) não podemos dizer que o PIBID é um projeto de Iniciação à
Docência uma vez que os bolsistas de Iniciação à Docência não são
efetivamente licenciados para exercerem a profissão. [...] O PIBID
1172 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

foi pensado para superar este cenário, entretanto ele só poderia ser
denominado “projeto de Iniciação à Docência” se considerasse
como bolsistas de Iniciação à Docência professores no início de seu
efetivo exercício profissional. (TINTI, 2012, p 45-7)

O trabalho de Tinti vem com a proposta de apresentar um


contraponto a posição que aqui se entende e defende o programa, a
saber, compreende-se que o PIBID como uma política pública que se
efetiva na promoção da carreira do magistério a partir do exercício
da prática docente no que se considera os dois ambientes de atuação
do professor (a escola e a universidade), mesmo considerando que
a profissão docente é composta por diferentes etapas (NONO,2010).
Sendo assim, definir que a docência só se efetiva a partir da
conclusão de um curso de licenciatura e, posteriormente, o ingresso
como professor dentro da sala de aula acaba por reduzir o que se
compreende por formação e identidade docente (NÓVOA, 2009).
Outro posicionamento interessante para pensarmos os desafios
a serem superados pelo programa se encontram no estudo de Soczek
(2011), na qual o autor chama atenção para refletirmos e analisarmos
sobre o PIBID sob uma ótica mais realista, considerando, portanto, que
o programa apresenta alguns fatores limitantes para a efetiva
conclusão dos objetivos da formação docente

Primeiramente, é preciso superar uma visão ufanista do PIBID,


como se houvesse um “antes” e um “depois” da Escola ou da IES a
partir do desenvolvimento desse Programa. Tendo esse
pressuposto, podemos estabelecer os problemas do PIBID em
quatro grandes grupos:
a) Um primeiro “rol” de limitações do PIBID está no
relacionamento entre os graduandos, e a Escola constituindo um
problema de identidade e do papel do bolsista. (...) b) Um segundo
grupo de limites está relacionado ao formato de como o projeto
vem se desenvolvendo na perspectiva de projeto político: de um
lado, é necessário lembrar que, sendo um Programa de bolsas, a
qualquer momento pode ser extinto. (...) c) Um terceiro grupo de
limites refere-se ao projeto em si mesmo: a sua aplicação dá-se
num movimento quase que “amador”, já que o projeto não prevê
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1173

diretrizes específicas a serem desenvolvidas. (...) d) Muitas vezes,


as experiências proporcionadas pelo Programa não são
compartilhadas dentro do espaço escolar (...). (SOCZEK, p. 8. 2011)

Contudo, vale ressaltar que o autor chama atenção para os


pontos positivos do programa colocando-o como uma política pública
bastante importante para a formação de professores, a partir de uma
perspectiva mais próxima do conhecimento que é construído no
ambiente escolar. Destaca ainda que o programa contribui para uma
formação completa do docente, que diz respeito ao desenvolvimento
amplo do docente enquanto sujeito, tanto no ambiente acadêmico,
quanto o escolar (SOCZEK, 2012).Sendo assim, dentro do atual
contexto de busca por mudanças efetivas na forma com que a educação
no Brasil vem sendo encarada, considerando como ponto fundamental
nessa mudança uma nova concepção da função do professor nesse
processo, que o PIBID se insere enquanto política pública gestada no
século XXI e voltada para a formação docente. A forma de atuação dos
agentes envolvidos no programa pressupõe necessariamente uma
estreita ligação entre instancias que anteriormente se encontravam
dispersas, a saber: escola-universidade; teoria-prática; formação
inicial-formação continuada. O programa, desse modo, torna-se um
interessante objeto de análise acerca da temática da formação de
professores por sua capacidade de condensar as diversas instâncias
concernentes às práticas docentes, sendo fundamental compreender
seu contexto de inserção, possibilidades e limites que podem ser
observados no decorrer da ação do programa.
O ponto fundamental do programa é desenvolver o professor
na totalidade da sua formação: no processo inicial, através da figura
do bolsista, fornecendo a ele uma vivencia ampla do cotidiano
escola, ao mesmo tempo que desenvolve pesquisas sobre educação
no meio acadêmico; na modalidade continuada ao abrir um novo e
amplo caminho para o professor supervisor e coordenadores de área
pensar seu campo de atuação enquanto profissional da educação,
através das orientações dadas aos bolsistas na salas de aula, ao
1174 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

mesmo tempo que ocupa novamente o ambiente acadêmico com


publicações e participações em eventos . Segue-se, portanto, os
pressupostos pensados e estabelecidos pela CAPES ao fundar esse
programa em 2009 através da Diretoria de Formação de Professores
de Educação Básica:
O Pibid, contudo, não deve ser encarado simplesmente um
programa de bolsas. É uma proposta de incentivo e valorização do
magistério e de aprimoramento do processo de formação de
docentes para a educação básica. Os alunos de licenciatura exercem
atividades pedagógicas em escolas públicas de educação básica,
contribuindo para a integração entre teoria e prática, para a
aproximação entre universidades e escolas e para a melhoria de
qualidade da educação brasileira. Para assegurar os resultados
educacionais, os bolsistas são orientados por coordenadores de área
– docentes das licenciaturas – e por supervisores – docentes das
escolas públicas onde exercem suas atividades. (FUNDAÇÃO
CARLOS CHAGAS, 2014).
A dimensão da pesquisa dentro do programa é apresentada
como um dos princípios primeiros que auxiliam na formação inicial
docente e que se torna mais perceptível e impactante na condição de
formação continuada, tanto dos professores supervisores quanto
dos coordenadores de área e instrucional, transformando o
programa como um objeto claro de pesquisa e também a própria
prática docente (BRASIL, 2013).
É a partir dessa aproximação que é possível pensar a atividade
docente em seu caráter reflexivo, ou seja, levando em conta as
diversas questões, práticas e teorias que compõe o saber e o exercício
docente (ALARCÃO, 2005). Esse movimento reflexivo propiciado
pelo programa abrange não só as possibilidades de se pensar o papel
do professor enquanto sujeito ativo da prática docente, como
também amplia sua inserção na construção do conhecimento no
âmbito da pesquisa acadêmica, condições que devem ser tratadas
como inerentes à prática profissional docente (NÓVOA, 2001).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1175

O que se busca demonstrar aqui é a forma com que o PIBID


faz esse trânsito de modo orgânico, simultâneo e cíclico, colocando
todos que ali participam como atores fundamentais em sua própria
ação como docente a partir de uma aproximação coletiva que gera
novas possibilidades e canais de formação profissional, identidade
do professor e práticas didático pedagógicas.

Considerações finais

Entendendo o PIBID enquanto programa de formação


docente em um sentido amplo, na qual a formação inicial e
continuada se desenvolve de modo conjunto, é fundamental
considerar o impacto que o programa possui na aproximação entre
universidade e escola com o bolsista e o professor supervisor,
sujeitos que devem ter o protagonismo na estrutura e no
desenvolvimento das atividades do programa. Desse modo,
considera-se que o programa possibilitou um novo prisma de
análise para se pensar a formação profissional do docente, tanto pelo
seu aspecto de formação inicial quanto continuada, e se tem a
possibilidade de se pensar e se estabelecer uma formação que tenha
como fundamentação primeira o efetivo exercício da docência e da
pesquisa, fato que merece uma reflexão para que se possa chegar ao
real impacto do dessa política pública na vida desses docentes.
Os estudos sobre formação docente representam uma das
principais bandeiras levantadas para a constituição de novas áreas
de debate sobre os rumos e possíveis alterações na situação
educacional do país, destacando a última década como um marco
nas produções e formulações de diretrizes que tem como objetivo
central pensar a formação docente de modo profissional. É nesse
contexto, portanto, que a presente pesquisa se insere no campo da
discussão sobre formação profissional, tomando por base o que se
constituiu de teoria na última década, mas considerando que a
discussão não se circunscreve apenas a esse período, aliando com a
criação do PIBID, programa que em sua estrutura carrega muitos
1176 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

dos significados propostos pelo movimento teórico dos períodos


acima citados.
Entretanto, se desenha como um caminho que fornece uma
apreensão mais completa dos contextos e complexidades do
programa observar seus limites e os desafios que se colocam para o
desenvolvimento e cumprimentos dos seus objetivos. Ao optar por
considerar a possibilidade de existência desses limites, não se busca
diminuir os alcances e modificações importantes no cenário da
formação de professores através do programa, mas considerá-lo
como um importante objeto de pesquisa e que merece, portanto, ser
tratado como tal, passível de críticas e questionamentos.
De todo modo é possível apontar, portanto, que o PIBID
possui um impacto extremamente positivo na formação inicial de
seus bolsistas, uma vez que é através dele que se ocupa diversos
espaços fundamentais no processo de amadurecimento e formação
enquanto professor: forma-se academicamente um profissional
capaz de pensar e se fazer presente em eventos e encontros
acadêmicos sobre educação, discutir e estabelecer novas práticas e
teorias a cerca desta temática, ao passo que, concomitantemente,
tem-se a importante figura do professor supervisor nesse processo,
como um orientador capaz de direcionar e ensinar aos bolsistas as
diversas situações que são inerentes ao cotidiano da escola, além de
auxilia-los a encontrar um meio termo entre teoria e uma prática
capaz de atingir e efetivar a aprendizagem dos alunos.

Referências

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5 ed. Cortez, 2005

BRASIL, Lei nº 7.219, de 24 de junho de 2010.

______________, Conselho Nacional de Educação. Relatório de Gestão 2009-


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Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1177

CARVALHO, Djalma Pacheco de. A Nova Lei de Diretrizes e Bases e a formação


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TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma


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RJ. Vozes, 2011
77

“O Show da Luna!” no ensino de conceitos científicos


na perspectiva da metodologia da mediação dialética

Patrícia Vieira Ribeiro


Maria Eliza Brefere Arnoni

Introdução

A relação entre os indivíduos está pautada na linguagem. Sua


criação ocorreu da necessidade de comunicação entre as pessoas e
como transmissora da cultura. Com o passar dos anos essas formas
de comunicação foram se aprimorando e saíram do campo da
linguagem oral e estenderam-se para objetos que permitissem
novas maneiras de se comunicar. O surgimento dessas novas formas
de comunicação lança a rapidez em se transmitir uma mensagem a
alguém, no intuito de facilitar a vida da sociedade contemporânea.
Segundo Kenski (2011):

Para viabilizar a comunicação entre os seus semelhantes, o homem


criou um tipo especial de tecnologia, a “tecnologia da inteligência”,
como é chamada por alguns autores. A base da tecnologia da
inteligência é imaterial, ou seja, ela não existe como máquina, mas
como linguagem. Pra que essa linguagem pudesse ser utilizada em
diferentes tempos e espaços, foram desenvolvidos inúmeros
processos e produtos. [...] novos meios de comunicação ampliam
o acesso a noticias e informações para todas as pessoas. Jornais,
revistas, rádio, cinema, vídeo, etc. são suportes midiáticos
populares, com enorme penetração social. Baseados no uso da
linguagem oral, da escrita e da síntese entre som, imagem e
movimento, o processo de produção e o uso desses meios
1180 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

compreendem tecnologias específicas de informação e


comunicação, as TICs. (KENSKI, 2011, p.28-29)

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) estão


presentes na vida das pessoas e ocupando cada vez mais o cenário
escolar. Segundo Pereira (2010)

[...] as TIC modificaram as formas comunicacionais das pessoas e


que estas novas formas estão presentes em seu cotidiano e
apresentam-se como espaços educativos e socializadores. A escola
é um desses espaços educativos e que devem incorporar as
diversas mídias em seu processo, tornando um dos grandes
desafios do campo da educação. O processo educativo deve
conceber a integração das tecnologias como ferramenta
pedagógica e como objeto de estudo. Tais ideias se apoiam na
caracterização da tecnologia como possibilitadora de agência do
sujeito, como multidimensões de categorias, diversidade de
linguagens, construtora de sentidos e significados. (PEREIRA, 2010
apud CUNHA et al., 2012)

O autor defende o uso das tecnologias nas escolas, no processo


educativo, como ferramenta pedagógica. Segundo ele, esta
ferramenta é carregada de sentidos e significados e diversidade de
linguagens. Concordamos na diversidade de linguagens que as TICs
possuem e acreditamos que as tecnologias, enquanto linguagens,
podem favorecer a relação entre professor e aluno no processo
educativo, via desenvolvimento do conceito.
De acordo com Kenski (2011),

Não há dúvida de que as novas tecnologias de comunicação e


informação trouxeram mudanças consideráveis e positivas para a
educação. Vídeos, programas educativos na televisão e no
computador, sites educacionais, softwares diferenciados
transformam a realidade da aula tradicional, dinamizam o espaço
de ensino-aprendizagem, onde, anteriormente, predominava a
lousa, o giz, o livro e a voz do professor. Para que as TICs possam
trazer alterações no processo educativo, no entanto, elas precisam
ser compreendidas e incorporadas pedagogicamente. Isso significa
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1181

que é preciso respeitar as especificidades do ensino e da própria


tecnologia para poder garantir que o seu uso, realmente, faça
diferença. Não basta usar a televisão ou o computador, é preciso
saber usar de forma pedagogicamente correta a tecnologia
escolhida. (KENSKI, 2011, p. 46)

É fato que as TICs trouxeram para o âmbito do ensino novas


possibilidades de aprendizagem, permitindo obter uma variedade de
opções, a partir de diferentes linguagens para ilustrar um conceito
que esteja sendo ensinado durante a aula. Contudo, concordando
com o autor, é necessária cautela no seu uso em sala de aula, no
sentido pedagógico e, mais especificamente, metodológico, da
inserção das tecnologias nas práticas de sala aula, não somente
ilustrando um conceito.

As novas tecnologias de comunicação (TICs), sobretudo a televisão


e o computador, movimentaram a educação e provocaram novas
mediações entre a abordagem do professor, a compreensão do
aluno e o conteúdo veiculado. A imagem, o som e o movimento
oferecem informações mais realistas em relação ao que está sendo
ensinado. Quando bem utilizadas, provocam a alteração dos
comportamentos de professores e alunos, levando-os ao melhor
conhecimento e maior aprofundamento do conteúdo estudado.
(KENSKI, 2011, p. 45.)

Estas características justificam o fato de os vídeos e desenhos


animados serem muito utilizados nas escolas, principalmente, nas
Escolas de Educação Infantil, pela concepção de que “a imagem, o
som e movimento oferecem informações mais realistas em relação
ao que esta sendo ensinado”. E, como a televisão tem permitido,
diariamente, o acesso a desenhos e séries animadas que prendem a
atenção das crianças por seu formato coloridos, imagens, músicas,
um conjunto de linguagens que tornam o desenho animado atrativo
para a faixa etária deste nível escolar e, ao mesmo tempo,
interessantes aos olhos dos professores que selecionam desenhos
para desenvolver um conceito com os alunos.
1182 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Estas constatações, somadas à atuação como docente da Rede


Municipal de São José do Rio Preto e à presença oficializada das
tecnologias de comunicação nas práticas de sala de aula, reforçavam
o questionamento sobre a utilização metodológica destes recursos
tecnológicos.
Vivemos um novo contexto cultural e tecnológico que tem
gerado a preocupação com uma nova estrutura e organização na
Educação Escolar em que haja um ambiente para o conhecimento
cientifico aliado às tecnologias, acompanhando essa nova geração de
alunos. Nesse contexto, o governo lançou projetos que determinam
a utilização da “Tecnologia da informação e comunicação” – TIC –
nas salas de aula da educação brasileira, como podemos destacar o
“ProInfo Integrado” e o “Banda Larga nas Escolas”.
Os professores, movidos pela necessidade oficial de
incorporar a TIC para as salas de aula, têm utilizado filmes e
desenhos animados para ensinar conceitos científicos, qualificados
como educativos, principalmente na Educação Infantil. Outro
aspecto observado neste nível escolar é a seleção aleatória das TICs,
com o objetivo de tornar as aulas mais interessantes e atrativas,
alegando que atualmente as crianças estão inseridas cada vez mais
num mundo tecnológico.
Para Arnoni (2014), a Educação Escolar institucionalizada
vem sofrendo de um esvaziamento teórico que interfere na docência
do professor e, subsequentemente, na aprendizagem do aluno.
Neste aspecto, seus estudos apontaram a necessidade da
fundamentação teórica e metodológica da atividade educativa
(ARNONI, 2014), a qual orienta o professor na seleção do conceito
científico, no seu estudo, na perspectiva da totalidade e no seu
desenvolvimento com os alunos, por intermédio da Metodologia da
Mediação Dialética - M.M.D., que inclui a seleção adequada de
recursos pedagógicos.
A partir do exposto e considerando que atualmente há uma
quantidade enorme de vídeos, que estão disponibilizados
gratuitamente via internet, dos quais os professores tem fácil acesso,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1183

desperta-nos alguns questionamentos: A forma como o professor


organiza metodologicamente sua aula com a utilização do vídeo
interfere na aprendizagem dos alunos? Como seria uma aula em que
o uso do vídeo, como recurso audiovisual, promova, de fato, a
aprendizagem dos alunos?
Esses questionamentos nos levaram a realizar uma pesquisa
bibliográfica e teórica a respeito da utilização da linguagem audiovisual
no processo educativo e investigar se da forma como o vídeo é utilizado
promove ou não a aprendizagem dos alunos. Para isto, pautamo-nos
nos fundamentos teóricos da M.M.D., a mediação dialética e
pedagógica, que informam a atividade educativa e selecionamos um
episódio do desenho animado “O show da Luna!”, como um recurso
pedagógico que aborda conceitos científicos e desenvolvemos em uma
sala de 2ª etapa da Educação Infantil, numa escola municipal de São
José do Rio Preto, tendo como objetivo contribuir para o Ensino na
Educação Infantil Anos Finais (4 e 5 anos).

Fundamentação teórica

Partimos nossos estudos acerca do processo educativo


compreendendo que a aula, desenvolvida nos moldes atual, tem sua
origem no modelo de produção manufatureiro, configurando-se
como aula burguesa, fragmentada, organizada para atender aos
mandos do capital, e encontra-se na base do Sistema Educacional
Escolar Brasileiro.
Arnoni (2014) propõe uma nova compreensão de aula,

como unidade básica estrutural, e afirma que é a “menor parte” de


um sistema que preserva sua identidade e, portanto, seus
elementos constitutivos – professor, aluno e conhecimento – não
podem ser estruturados de forma fragmentada e, sim, por meio
das relações que estabelecem entre si, permitida pela categoria
totalidade (KOSIK, 1976), que lhe permite perceber e identificar as
inúmeras e distintas relações que vivencia na dinâmica dos
diferentes locais em que se encontra, o que lhe potencializa a
1184 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

elaboração de noções elementares de pertencimento ao ambiente,


natural e humano-social. (ARNONI, 2014)

No processo educativo, no âmbito da sala de aula, essa relação


dinâmica é gerada pela mediação, a relação dialética e pedagógica
que se estabelece entre o professor e o aluno via linguagem que
veicula o conhecimento. Essa nova compreensão de aula é
denominada atividade educativa (ARNONI, 2014), composta por 3
fases - antes, durante e após a sala de aula -, e é desenvolvida por
intermédio da Metodologia da Mediação Dialética.
Esta proposição teórica e metodológica centra-se na categoria
dialética mediação que congrega as demais – movimento, totalidade,
contradição, superação e momento predominante. Estas categorias
relacionam-se dialeticamente na atividade da mediação dialético-
pedagógica, por meio da qual, o professor desenvolve o conceito com o
aluno, na prática educativa – a fase prática da práxis educativa. Esta
metodologia é composta por quatro Etapas – Resgatando,
Problematizando, Sistematizando e Produzindo – que se diferenciam
pela categoria organização metodológica do conceito científico.
Em seus estudos Arnoni (2014) assevera a importância de se
ensinar conceitos científicos, por ser uma verdade universal e
validada academicamente sobre o mundo, entendido na perspectiva
da totalidade, e enfatiza que deve acontecer em todos os níveis da
Educação Básica, como forma de possibilitar uma compreensão de
mundo mais articulada. Nesse sentido, consideramos relevante o
ensino de conceitos científicos desde a Educação Infantil, pois este
nível escolar, em particular, não se prioriza, por motivos históricos,
culturais, o ensino de conceitos científicos.
Em se tratando de Educação Infantil, portanto crianças de 4 e
5 anos, pode-se inferir que os desenhos animados ganham
facilmente sua atenção por possuírem vários aspectos chamativos
que promovem encantamento, os quais geralmente fazem parte da
programação diária em suas casas. Diante do exposto, consideramos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1185

oportuno analisar o desenho animado, como linguagem audiovisual,


utilizado para o ensino de conceitos científicos na Educação Infantil.
Nesse contexto, para Paula e Nascimento Junior (2014) os
desenhos animados

(...) surgem como instrumentos para auxiliar o desenvolvimento


dos conteúdos construídos em sala de aula, induzindo o aluno à
associação entre mundo real e imaginário, preenchendo lacunas
deixadas pelo processo de ensino-aprendizagem, permitindo o
desenvolvimento de novos conhecimentos.

E, diante do contexto educacional, selecionamos o “O show da


Luna!”, um desenho animado que ganhou destaque nas escolhas de
professores e, assim, são utilizados na pré-escola, por abordarem
conceitos científicos. Neste desenho animado, produzido pela TV
PinGuim, ciência, imaginação e música são os elementos principais
das tramas, que apresentam o processo científico por meio de
humor e situações lúdicas.
Contudo, este desenho animado desperta algumas questões:
a) Assistir ao episódio garante que os alunos tenham aprendido os
conceitos científicos abordados? b) Como lidar com o episódio do
desenho animado, em sala de aula, ensinar conceitos ou entreter os
alunos?

Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma investigação de cunho teórico, a partir da


pesquisa bibliográfica e documental. A partir da nossa
fundamentação teórica e metodológica, selecionamos um episódio e
analisamos a organização metodológica do conceito nele veiculado
pela linguagem audiovisual. O episódio selecionado intitulado “Nem
tudo nasce da semente?” apresenta a forma como a bananeira se
reproduz. Em seguida, elaboramos e desenvolvemos uma atividade
educativa, de forma processual, utilizando a linguagem audiovisual
1186 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

do desenho animado “O show da Luna!” em uma sala de 2ª etapa


da Educação Infantil (5 anos).
A partir do estudo do conceito de rizoma, na perspectiva da
totalidade, partimos para a análise do episódio selecionado com o
intuito de verificar se o conceito de rizoma está sendo veiculado pela
linguagem audiovisual, ou seja, tanto pela linguagem verbal, por
meio das falas, pela linguagem sonora, a música, quanto na
linguagem visual, pelas imagens. Após assistir ao episódio, foi
possível depreender o conceito de rizoma nas diferentes formas de
linguagem apresentadas pelo audiovisual.

Análise e Discussões

Realizando a análise do conteúdo apresentado no desenho


animado em questão, constatamos que ele traz a imagem do rizoma,
e ao dar movimento à cena, representando a propagação das
bananeiras, devido à semelhança com a raiz, algo mais familiar aos
alunos, infere-se a possibilidade de compreensão da reprodução da
bananeira pelas raízes.
Em relação à linguagem verbal, no momento em que o
“Senhor Rizoma” denomina-se como um mago, pode-se inferir que
esta informação provocará um entendimento de que o que acontece
com a bananeira, sua reprodução, é uma mágica. Ou seja, a magia
certifica que a sua reprodução não é algo cientifico, mas mágico, e
infere-se que isso pode dificultar o entendimento conceitual do
aluno. Se o vídeo pretende o desenvolvimento do conceito, pode
apresentar a magia, algo fantasioso, porém, tem que superar a
magia pelo conceito científico.
Em relação à música apresentada no episódio, depreendemos
o conceito de rizoma no trecho “Vocês acham que a gente é arvore.
Mas a gente não é. Somos folhas (folhas). Folhas (Folhas). A gente
não nasce da semente. Nascemos de um caule que fica aqui em
baixo”. Porém, no trecho seguinte “uma bananeira vira outra
bananeira. E a outra bananeira, vira outra bananeira” é possível
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1187

fazer uma relação dos termos “vira outra” com a noção de magia
apresentada na fala do personagem que representa o rizoma. Como
esse trecho se repete várias vezes, coloca-se ênfase ao fantasioso, ao
mesmo tempo, torna-se o conceito cientifico secundário.
Se o professor não tem o domínio do conceito cientifico de
rizoma, terá dificuldade de analisá-lo conceitualmente, portanto,
não identificará que o desenho apresenta falhas conceituais, que
poderão não favorecer o aprendizado dos alunos. Nesse sentido,
asseveramos que a importância do domínio conceitual pelo
professor e destacamos a necessidade de uma concepção teórica e
metodológica que subsidie o professor a desenvolver um conceito
utilizando as TICs como recursos pedagógicos.
Em seguida, desenvolvemos a atividade educativa com a
turma da EI. Para isto, primeiramente, planejamos a primeira etapa
da M.M.D., o Resgatando, organizando o conceito
metodologicamente para ser desenvolvido junto aos alunos, a partir
da categoria organização metodológica do conceito educativo
(ARNONI, 2010a), por intermédio da M.M.D.
Nesta etapa, elaboramos uma questão investigativa utilizando
a linguagem audiovisual por meio do desenho “O show da Luna!”.
Os alunos deveriam assistir o episódio “Nem tudo nasce da
semente?” e, assim que terminasse o vídeo, realizar um desenho
explicitando o que entenderam do desenho, sem mencionarmos o
termo “reprodução da bananeira”.
Investigamos se os alunos compreenderiam o conceito de
rizoma, veiculado no vídeo, por meio da linguagem audiovisual.
Cabe ressaltar que, considerando a etapa Resgatando, conhecemos
as ideias inicias dos alunos em relação ao conceito a ser ensinado.
Após assistirem, fizemos a seguinte questão investigativa:
“Desenhem como vocês entenderam “como” nasce uma bananeira”.
Ao término da elaboração de seus desenhos, que representou o
entendimento dos alunos sobre a reprodução da bananeira,
relataram individualmente para a professora/pesquisadora sobre
suas produções.
1188 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Analisando o desenho e a fala da aluna, avaliamos que o vídeo


não foi suficiente para que ela superasse suas ideias iniciais, que
demonstrou compreender a reprodução da bananeira como uma
planta que se reproduz por semente, quando, a partir do estudo do
conceito científico, verificou-se que a bananeira reproduz-se pelo
rizoma. Ainda que o conceito de rizoma esteja presente na linguagem
audiovisual (visual, sonora e verbal), a aluna não conseguiu superar
suas ideias iniciais e elaborar o conceito cientifico em seu pensamento.
Contudo, mesmo que o desenho não tenha gerando a superação,
contudo, ele lançou luz a um novo conceito, movimentando o
pensamento dos alunos e trazendo incertezas, inquietações, o que
colaborou grandemente para a realização da etapa seguinte.
No problematizando foi realizado uma questão problema que
gerou dúvidas nos alunos e a formulação de algumas hipóteses.
Como a questão problema fez com que os alunos percebessem que
suas ideias iniciais sobre o conceito não eram suficiente para
responder, analisamos que os alunos perceberam a contradição
entre o que sabiam e o novo conceito que estávamos ensinando.
Dessa forma, passamos para a terceira etapa da M.M.D..
No sistematizando realizamos uma atividade com o objetivo
de responder as dúvidas dos alunos geradas na etapa anterior
utilizando imagens reais para ilustrar. Quando percebemos que os
alunos conseguiram sistematizar o novo conceito, a partir de suas
falas, decidimos realizar outra atividade. Ainda na etapa
sistematizando, alunos assistiram novamente o episódio “Nem tudo
nasce da semente?”. Dessa vez, nosso objetivo foi que os alunos
assistissem o desenho tendo o conceito mais elaborado no seu
pensamento, para, em seguida, verificar se eles aprenderam de fato.
No produzindo, última etapa da M.M.D., pedimos que os
alunos realizassem um novo desenho sobre a reprodução da
bananeira. A partir das produções dos alunos foi possível constatar
que eles aprenderam o conceito, apresentando detalhes de como
ocorre a reprodução da bananeira e sabendo verbalizar esse conceito
com facilidade.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1189

Ao final da atividade educativa constatamos, por meio das


produções e falas dos alunos, que a aprendizagem aconteceu
efetivamente. Consideramos de suma importância destacar que,
diante dos pressupostos teóricos e metodológicos, podemos afirmar
o quanto a organização metodológica do conceito científico
transformado em conceito educativo, via M.M.D., foi o instrumental
responsável por promover e possibilitar a aprendizagem dos alunos,
pelo desenvolvimento do conceito científico por meio da linguagem,
estabelecida entre professor e aluno.

Conclusões

Diante dos pressupostos teóricos desse estudo, acreditamos


que a utilização única das tecnologias não assegura que a
aprendizagem do aluno aconteça. Com o desenvolvimento da
atividade educativa, como o caso do uso do desenho animado numa
aula, este foi insuficiente para gerar a aprendizagem dos alunos.
Nesse aspecto, Arnoni (2014) enfatiza o uso dos recursos didáticos
tecnológicos, como uma modalidade de linguagem, de forma
pensada e fundamentada. Podemos inferir que esta situação muitas
vezes não acontece na sala de aula, devida à formação insuficiente
de professores. O curso de pedagogia geralmente não ensina os
conceitos específicos, então pode-se inferir que o professor não dê a
devida importância aos conceitos. E muitas vezes os cursos de
pedagogia não focam na condição metodológica de usar as TICs para
promover a aprendizagem dos alunos.
Como o professor, na sua formação inicial, não teve todas
essas informações dos conceitos que são exigidos e que estão nos
documentos oficiais para serem desenvolvidos nesse nível escolar,
ele faz uma seleção de atividades, coleta atividades, como também,
ele busca vídeos que ele considera interessantes, porém não se vê
formado numa condição de organizar e desenvolver sua aula
utilizando esses vídeos, e acaba por usá-los sem considerar uma
teoria que sustente sua prática.
1190 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Espera-se, assim, que a atividade educativa na Educação


Infantil seja pautada na relação de mediação dialética e pedagógica
entre professor e aluno, via linguagem mediada que veicula o
conhecimento entre ambos, sua dimensão ontológica, o que
certamente garante a relação entre os processos de ensino e de
aprendizagem, promovendo melhoria no ensino-aprendizagem por
meio da incorporação das TICs, e concorrendo para a aprendizagem
dos conceitos científicos ensinados, por compreensão.
Consideramos de grande valia a utilização dos vídeos, filmes,
desenho animados, como recursos tecnológicos e pedagógicos
quando sua utilização passa a ser pensada e organizada
metodologicamente nas práticas pedagógicas de professores. Dessa
maneira as TICs contribuem para a melhoria e qualidade do ensino
e, por consequência, da aprendizagem dos alunos, promovendo a
aprendizagem deste de maneira lúdica, significativa e eficaz.

Referências

ARNONI, M. E. B. Metodologia da Mediação Dialética na organização da atividade


educativa: Educação em Ciências. In: Metodologias e Processos
Formativos em Ciências e Matemática. GOIS J. (Org.). Paco Editorial:
Jundiaí. 2014. ISBN: 978-85-8148-649-9. p.99-119.

CUNHA, Renata Michele R. da; BRAZ, Simone G.; DUTRA, Paula O.; CHAMON,
Edna Maria Q. de O. Os recursos tecnológicos como potencializadores
da interdisciplinaridade no espaço escolar. The 4th International
Congress on University-Industry Cooperation – Taubate, SP – – Brazil –
December 5th through 7th, 2012. ISBN 978-85-62326-96-7

KENSKI, V. M. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. 8ª ed.


Campinas, SP: Papirus, 2011.

KOSIK, K. Dialética do concreto. São Paulo: Paz e terra, 1976.

PAULA, E. S. de; NASCIMENTO JUNIOR, A. F. O desenho animado como


ferramenta pedagógica: relato de uma experiência na disciplina de
ensino de ciências. Revista da SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino
de Biologia, nº7, outubro de 2014.
78

O tema meio ambiente e a formação docente


em pesquisas acadêmicas

Aline Fabiane Silva


Elisabeth Eduardo Oliveira
Isabel Dias Da Rocha Clementino
Taitiâny Kárita Bonzanini

Introdução

A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei no 6.938/81) define


o termo Meio Ambiente como “o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL,
1981). Ao analisar esta definição, verifica-se que o termo Meio
Ambiente deve ser entendido como o espaço onde ocorre a interação
entre os seres vivos e destes com os meios físicos e químicos. Ao
considerar os seres humanos nesse contexto, segundo o Parâmetro
Curricular Nacional de Meio Ambiente e Saúde (BRASIL, 2001),
soma-se ainda o meio sociocultural, que representa as interações
dos sujeitos ao longo da história nesses espaços, alterando-os e
impactando-os, tanto positivo como negativamente.
A abrangência desse conceito representa um desafio para o
professor, principalmente ao direcionar sua prática pedagógica à
realidade socioambiental dos estudantes e a partir desta, formar
cidadãos que possam influenciar e desenvolver hábitos mais
sustentáveis em suas comunidades. Ao compreender que o tema
engloba as interações socioculturais, o professor assume a
1192 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

importância dos fundamentos adquiridos em sua formação inicial e


muitas vezes, a necessidade de atualizá-los em uma formação
continuada, a fim de renovar suas concepções e práticas, conforme
as demandas sociais e ambientais e se instrumentalizar para o
desenvolvimento de estratégias que estimulem a criticidade de seus
alunos, perante as interações que impactam negativamente o
ambiente.
Tristão (2004) afirma que o professor é um mediador dos
conhecimentos necessários para que os estudantes possam
compreender o ambiente local e global, bem como a relação entre os
problemas e as soluções e a responsabilidade de cada um na
construção de uma sociedade sustentável. Sendo assim, as
concepções que possui sobre o conceito Meio Ambiente podem
interferir significativamente na aula que ministra, resultando em
práticas fragilizadas, que não permitem ao aluno compreender as
perspectivas sociais, econômicas e até políticas que interferem na
diminuição dos impactos negativos provocados pela ação dos seres
humanos no ambiente, refletindo no desenvolvimento do
pensamento crítico sobre este assunto.
Nesse contexto, o presente trabalho objetiva discutir a
abordagem metodológica utilizada em pesquisas educacionais que
relacionam a formação docente e o tema Meio Ambiente, refletindo
assim sobre a importância destas para a formação de professores no
trabalho com a temática no Ensino Básico. O trabalho se orienta
pelas seguintes questões de pesquisa: “Quais são as abordagens
metodológicas nos trabalhos voltados à formação docente, cujo foco
é o tema Meio Ambiente e, quais são as suas implicações para o
ensino dessa temática?”.

Fundamentação teórica

As frequentes alterações antrópicas que ocorreram ao longo


de anos nos ecossistemas trouxeram maior visibilidade à temática
ambiental no cotidiano das escolas, das comunidades e nos veículos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1193

de comunicação social (AIRES; BASTOS, 2011). No âmbito


educacional, especificamente no contexto da educação básica, o meio
ambiente e as interações que nele ocorrem passaram a ser discutidas
por meio de estratégias em Educação Ambiental (EA) trazendo
conhecimentos de múltiplos campos do saber, na tentativa de
mudar a relação depredatória dos sujeitos com o ambiente e ganhou
espaço como tema de relevância social, com a proposta de ser
trabalhado na perspectiva transversal e da interdisciplinaridade, nos
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (BRASIL, 1998), ainda em
vigência.
A inserção da dimensão ambiental no sistema educacional sob
essas perspectivas exige, segundo Ramos e Donadio (2008), um
novo conceito de educação ou um novo modelo de professor e a
formação docente se enquadra como fator chave para essa mudança,
seja pelos novos papéis que terão que desempenhar em seu trabalho,
seja pela necessidade, como agentes transformadores de sua prática.
Portanto, o professor deve estar sensibilizado e consciente da
relevância em tratar essa questão com seus alunos, além de estar
preparado e instrumentalizado para enfrentar esse desafio
(CARVALHO, 2001).
Para tanto, a formação docente se faz necessária no cotidiano
dos professores pela própria natureza do saber e do fazer humano,
como práticas que se transformam e que são transformadas
constantemente, e também, para que sejam despidas as fragilidades
de seus saberes, bem como elucidados os seus não saberes. Dessa
forma, os momentos e os espaços para a formação docente são
fundamentais para a análise, a reflexão, a discussão e para o
redimensionamento de ações e de concepções pedagógicas, que
demandam mudanças em toda a cultura organizacional e
educacional, tanto das unidades escolares, quanto dos sistemas de
ensino.
Com a inclusão do conceito de Meio Ambiente nos currículos
escolares permeando toda a prática educacional não existem
fórmulas prontas a serem reproduzidas no cotidiano escolar ou
1194 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

guias práticos para enfrentar qualquer tipo de desafio no trabalho


docente; tampouco se pode implementar modelos pedagógicos
“mágicos” ou de “última geração” com a finalidade exclusivamente
técnica para mudar as práticas pedagógicas referentes aos trabalhos
em EA. Nóvoa (1992) elucida que a formação de professores ocorre
pelo processo de reflexão crítica, acerca das práticas e constante
(re)construção da identidade. Para Imbernón (2006), na formação
dos profissionais da educação deve haver compartilhamento,
colaboração e discussão sobre o trabalho docente; é preciso ainda
que se parta da realidade vivida em cada escola e do interesse do
próprio profissional, quanto à busca de melhor formação que
aperfeiçoe sua prática e lhe forneça melhores subsídios para o
enfrentamento dos desafios, principalmente os referentes à temática
ambiental, considerando que há o envolvimento de valores, atitudes
e crenças que sustentam a manutenção das práticas e suas
alterações.

Procedimentos metodológicos

O presente trabalho foi desenvolvido sob uma perspectiva e


enfoque qualitativo e trata de um levantamento realizado em
publicações de pesquisas acadêmicas, com o objetivo de responder a
questão colocada para esse estudo. Neste trabalho, as revistas
pesquisadas foram Ciência & Educação e Enseñanza de las Ciencias,
ambas classificadas na área de Educação pelo Programa Qualis da
Capes como A1. A busca delimitou-se a edições publicadas entre os
anos 2007 a 2017.
A seleção dos artigos, em ambas as revistas, se deu a partir de
uma busca utilizando o termo “Meio Ambiente” e que resultou em
vários artigos com diferentes abordagens e enfoques. Visando o
objetivo deste estudo, que é relacionar a formação docente e o tema
Meio Ambiente, definiu-se como critério de busca utilizar a
combinação de palavras-chaves: Meio Ambiente e Formação
docente. Ao se trabalhar com as combinações de palavras-chave,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1195

definiu-se como string de busca ““Meio ambiente” mais “Formação


de professores”. Os artigos encontrados com tais palavras foram
então selecionados a partir da leitura dos resumos, seguida da
leitura na íntegra.
Para a análise, optou-se por categorizá-los de acordo com a
abordagem da pesquisa apresentada em cada estudo (Quantitativa
ou Qualitativa) e posteriormente, segundo o nível de formação
docente (Inicial ou Continuada). De acordo com Moraes e Galiazzi
(2013), no processo de categorização agrupam-se os elementos
semelhantes comparando-os entre as unidades definidas no
momento inicial da análise. Findada a categorização de acordo com
os critérios estabelecidos, realizou-se uma discussão sobre as
abordagens metodológicas apresentadas em cada estudo,
enfatizando na ação junto a docentes e suas possíveis implicações
para o ensino. Para a discussão dos resultados foram utilizados os
referenciais de Gil (2003), Lüdke e André (2012), entre outros.

Resultados e discussão

A busca pelo termo “Meio ambiente” na Revista Ciência &


Educação iniciou pela base de dados da Scientific Eletronic Library
Online – Scielo, selecionando a opção todos os índices para alcançar
o maior número de trabalhos. Nesta etapa obteve-se um total de 12
artigos; a segunda etapa consistiu em adicionar novo termo para a
seleção, ou seja, acrescentando a utilização o termo “Formação de
professores”, obteve-se como resultado apenas 1 (um) estudo.
Na Revista Enseñanza de las Ciencias, a busca foi realizada,
inicialmente, em um site de busca que direcionava à pagina oficial
da revista. Por se tratar de um periódico espanhol, o termo digitado
foi “medio ambiente” e obteve-se 9 (nove) artigos e a partir da
segunda seleção, com o termo “formación de profesores”, obteve-se
apenas 2 (dois) estudos. Os dados obtidos estão apresentados na
Tabela 1.
1196 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Tabela 1 – Resultado da busca por utilização das palavras-chave meio ambiente


(médio ambiente) e formação de professores (formación de profesores).
ABORDAGEM
ANO DE NÍVEL DE
REVISTA Título/ AUTOR (ES) DA
PUBLICAÇÃO FORMAÇÃO
PESQUISA
A (re) construção dos conceitos
de natureza, meio ambiente e
CIÊNCIA & educação ambiental por
2011 QUALITATIVA CONTÍNUA
EDUCAÇÃO professores de duas escolas
públicas. -Aguinel Messias de
Lima e Haydée Torres de Oliveira
Formación docente en química y
ambientación curricular: estudio
ENSEÑANZA
de caso en una institución de
DE LAS 2013 QUALITATIVA INICIAL
enseñanza superior brasileña -
CIENCIAS
Vânia Gomes Zuin, Jesuína Lopes
de Almeida Pacca
Identificación y caracterización de
lasconcepciones de medio de un
ENSEÑANZA
grupo de profesionales de
DE LAS 2014 QUALITATIVA CONTÍNUA
laeducación ambiental -
CIENCIAS
GeninaCalafellSubirà,
JosepBonilGargallo

A busca resultou num total de 3 (três) artigos nos periódicos


consultados. Quanto à abordagem metodológica utilizada nos
estudos, caracterizam-se como pesquisas qualitativas. Lüdke e
André (2012) discorrem sobre esse interesse dos pesquisadores em
educação pelo uso de metodologias qualitativas. Um dos motivos
pode estar relacionado ao fato de que uma das características desse
tipo de estudo, segundo as autoras, é demonstrada por maior
preocupação com o processo do que com o produto.
Suassuna (2008) enuncia que a pesquisa com enfoque
qualitativo possibilita que os dados obtidos ao longo de seu
desenvolvimento apresentem potencial para a formulação e
reformulação de teorias e conhecimentos, já que esse tipo de
pesquisa se preocupa em explicar os aspectos sinuosos das relações
sociais, considerando que a ação humana depende dos significados
que lhe são atribuídos pelos atores sociais. Assim, as pesquisas com
abordagens qualitativas mostram-se importantes quando se trata da
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1197

formação de professores, uma vez que a preocupação reside no


processo e não propriamente no produto final.
Devechi e Trevisan (2010) afirmam que por meio da
abordagem qualitativa, passa a se considerar elementos que não
podem ser mensurados por meios matemáticos, como a
subjetividade, os valores, os contextos, as diferenças e as questões
sociais e culturais, por exemplo. No contexto da Educação
Ambiental, em que os processos são desenvolvidos baseados em
conhecimentos, valores éticos e estéticos e participação política
(CARVALHO, 2006), considerar tais elementos pode enriquecer o
ensino da temática ambiental para os sujeitos, gerando práticas
mais sensibilizadoras, assim como enriquecer a própria área de
conhecimento da EA, demonstrando a pluralidade de
conhecimentos que podem ser adquiridos por meio destas
pesquisas.
Em relação à formação de professores foram obtidos 2 (dois)
trabalhos relacionados à formação continuada e 1 (um) à formação
inicial. Pinheiro e Romanowski (2009) ressaltam a importância do
saber docente na prática do professor ou educador, resultando na
melhor aprendizagem dos alunos. Por isso é tão importante o
investimento na formação docente, seja inicial ou continuada bem
como, direcionar essa formação para ampliar os conhecimentos
acerca da temática ambiental, principalmente para educadores que
atuem na Educação Básica.
Lima e Oliveira (2011) em sua pesquisa intitulada A (re)
construção dos conceitos de natureza, meio ambiente e educação
ambiental por professores de duas escolas públicas analisaram as
concepções de professores sobre o conceito Meio Ambiente e
discutem como estas podem influenciar no ensino do tema. Os
autores utilizaram a metodologia pesquisa participante, que para Gil
(2003), permite que os envolvidos possam interpretar a realidade,
em que estão inseridos e os recursos por estas oferecidos; envolve
posições valorativas voltadas para a ação comunitária mostrando-se
comprometida com a limitação da relação entre dirigentes e
1198 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

dirigidos. Características que podem favorecer e auxiliar no


desenvolvimento de práticas mais efetivas em EA e contribuir no
maior envolvimento dos participantes com sua realidade. A pesquisa
contribuiu para a (re)construção do conceito de Meio Ambiente em
uma perspectiva multidimensional e não apenas relacionado à
biosfera, além de mudar o conceito de EA dos participantes. De
acordo com os autores, repensar a concepção natureza/meio
ambiente é essencial para melhorar as práticas em Educação
Ambiental e a busca de novos referenciais para o aprimoramento
dessas ações nas escolas.
Subirà e Gargallo (2014), em seu trabalho Identificación y
caracterización de lasconcepciones de medio de un grupo de
profesionales de laeducación ambiental, investigaram as percepções
sobre Meio Ambiente de um grupo de educadores ambientais, que
colaboram para a formação continuada de professores. Utilizaram a
estratégia de análise de conteúdo, pois propuseram aos educadores
produções textuais a partir da observação de imagens que
representavam várias tendências sobre o conceito. Verificaram que
grande parte das concepções demonstra uma visão de EA com um
grau de complexidade, isto é, que não se firma apenas em uma
corrente. Os autores enfatizam a necessidade dos programas de
formação trazerem enfoques complexos sobre a EA para que
professores ou educadores ao assumir sua visão baseada em alguma
corrente de EA, possam também estabelecer vínculos entre as
demais, relacionando concepções que envolvam o âmbito natural e
o cultural.
A prática do professor influencia em como os estudantes irão
construir sua concepção sobre o que é o ambiente e como podem se
posicionar frente aos impactos socioambientais em sua realidade.
Portanto, pesquisas que investiguem a concepção sobre o termo
Meio Ambiente entre professores em exercício e daqueles em
formação inicial podem auxiliar a prática pedagógica ao identificar
as fragilidades teóricas de seu conhecimento e desmistificar
conceitos errôneos que possam ser trazidos pelos livros didáticos,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1199

reforçando dessa forma, o desenvolvimento de estratégias que


tragam a temática ambiental de maneira mais sensibilizadora para
os estudantes.
Nesta perspectiva, a formação continuada deve ser
incentivada, considerando que um educador precisa envolver-se em
processos permanentes de formação, todavia não se pode
desconsiderar a importância de investir e, principalmente, atualizar
os cursos de formação inicial. Carvalho (2001) afirma que cabe às
instituições responsáveis pela educação no país, em articulação com
outros setores sociais, oferecer aos professores em serviço diferentes
oportunidades e possibilidades de dar continuidade à sua formação
e contribuir para o enriquecimento de suas experiências como
educador. Entende-se que a criatividade, a flexibilidade e o
enriquecimento de experiências deveriam orientar a formação tanto
inicial como continuada para tratar as questões ambientais nos
cursos de formação.
Zuin e Pacca (2012), por exemplo, trabalharam com formação
inicial no trabalho Formación docente en química y ambientación
curricular: estudio de caso en una institución de enseñanza superior
brasileña. Utilizaram o estudo de caso como estratégia de pesquisa,
que segundo Gil (2003), se caracteriza pelo estudo de poucos objetos
a fim de permitir conhecimento mais amplo e detalhado para assim
explorar situações da vida real e/ou descrever situações no contexto
da investigação. Neste estudo, verificaram que a disciplina voltada à
dimensão ambiental demonstrou não ser relevante para os
professores em formação e a falta de reconhecimento e de
valorização da profissão do professor foi fator para tal situação. Nos
espaços escolares, o reflexo dessa situação para o ensino da temática
ambiental pode ser de professores desmotivados e pouco
preparados para propor discussões críticas, resultando em práticas
pouco contextualizadas e em uma EA que não prepara o aluno para
atuar em sua realidade.
Ao analisar os resultados encontrados, reflete-se sobre a
necessidade de pesquisas na área de formação de professores
1200 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

focalizarem concepções, trabalhos e atividades com o tema Meio


Ambiente, assim como iniciativas de formação, tanto inicial como
continuada, que o discuta em suas várias concepções e proporcione
renovação e aprimoramento das práticas pedagógicas dos
profissionais da educação. Para isso, é preciso que o professor possa
participar de processos formativos, porém, com o incentivo das
instituições de ensino em que atua, sendo este um fator motivador,
já que o valoriza como um profissional que busca conhecimentos
complementares para enriquecer sua prática pedagógica diária e
valoriza a profissão, como um campo atento às mudanças e às
demandas sociais.

Conclusões

As pesquisas qualitativas são predominantes nos trabalhos


voltados para a relação entre a formação docente e a temática
ambiental. Tal fato pode contribuir para o ensino da complexidade
desse tema, ao favorecer elementos que não podem ser mensurados
quantitativamente, como a subjetividade e o papel de cada um para
o enfrentamento dos impactos negativos das alterações ambientais,
tanto em sua dimensão ecológica como social, ou os valores
envolvidos nas causas dos problemas ambientais, além de
enriquecer o campo da EA pelos vários conhecimentos produzidos.
Apesar disso, foram encontradas poucas pesquisas que
relacionam o tema Meio Ambiente à formação docente. Ao se pensar
no papel do professor como um facilitador ou mediador para
auxiliar a construção de saberes pelo aluno, é perceptível a
importância de se direcionar pesquisas para formações desse tipo,
principalmente no que diz respeito à temática ambiental,
preparando educadores para o desenvolvimento de projetos que
considerem a complexidade do tema e as relações com a EA,
desenvolvendo atividades que sejam sensibilizadoras,
principalmente na Educação Básica, na qual o aluno passa maior
tempo de sua formação. Neste sentido, este artigo ressalta a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1201

importância de se desenvolver mais pesquisas sobre a formação


docente e o trabalho com a temática ambiental nos ambientes
escolares.

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79

Os desafios da leitura e o professor como


mediador do processo de aprendizagem

Luciano da Paz Santos


Harryson Junio Lessa Gonçalves

Introdução

O ato de ler e escrever é uma tarefa considerada difícil ao


aluno e desafiadora ao professor. Ensinar requer habilidades e
talentos audaciosos ao professor, decorrente da necessidade de se
adequar a cada turma ou sala de aula.
Pode-se considerar que a leitura é a maneira mais eficiente
para a aquisição de conhecimento e o desenvolvimento do capital
intelectual. É por meio da leitura que o aluno enriquece o
vocabulário e a capacidade de interpretação do mundo. “Ler e
escrever são atividades que desempenhamos constantemente, nas
diversas situações do cotidiano, como na leitura e na escrita de e-
mails, bilhetes, listas de compras, embalagens, placas, avisos etc. São
práticas de linguagem em situações de uso” (SANTOS; RICHE;
TEIXEIRA, 2012, p.97).
No entanto, acredita-se que quanto maior o conhecimento do
aluno adquirido por meio da leitura, melhor a facilidade para
desenvolver um assunto de forma crítica e contextualizada. De
acordo com Coelho e Palomares (2016, p. 59), “o ato de escrever
pressupõe tortura, esforço monótono e desagradável, desvinculado
da criação e, portanto, do prazer. Deve-se conscientizar o aluno da
importância de ter o que dizer, querer dizer, para quem dizer”.
1204 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

É possível afirmar que a leitura e a escrita são ferramentas


imprescindíveis a toda e qualquer pessoa ou profissional, por isso,
torna-se um importante assunto a ser pesquisado, para propor ao
professor a utilização de estratégias de ensino diferenciadas na sala
de aula. “É importante, na escola, trabalhar a produção textual
numa visão interacional e reflexiva do ensino de língua portuguesa,
das competências comunicativas, da língua em seu funcionamento
a partir das condições de produção e recepção” (SANTOS; RICHE;
TEIXEIRA, 2012, p.99). Daí vem a pergunta: quais procedimentos
didáticos são necessários ao professor para atender ao interesse e
necessidade de aprendizagem do aluno?
Entretanto, cabe destacar que a produção de um texto requer
conhecimento do assunto pretendido, proveniente da leitura
realizada por meio dos diversos gêneros textuais existentes, por isso,
espera-se que o professor seja um mediador no processo de ensino
e aprendizagem do aluno para despertar o prazer pela leitura.
Para justificar a escolha deste tema, vale elucidar a
importância do processo comunicativo entre as pessoas, decorrente
da leitura e da escrita, bem como, o desafio do professor na
utilização de metodologias de ensino diversificadas para envolver os
alunos no processo de produção textual.
Portanto, o objetivo geral deste é destacar a importância da
diversificação das estratégias de ensino pelo professor, para alcançar
os resultados esperados no processo de formação dos alunos.
Como metodologia para esse trabalho optou-se pelo Método
Dedutivo, que de acordo com Dalberio (2004, p. 175), “é um
procedimento investigatório com o qual o pesquisador ou cientista
parte de leis gerais chegando-se ao entendimento da singularidade
de cada fenômeno estudado ou observado”.

A Leitura e a Escrita

A leitura e a escrita são elementos fundamentais ao ser


humano, as quais possibilitam o acesso da pessoa com o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1205

conhecimento. Portanto, sabe-se que muitas pessoas têm


dificuldades tanto com a leitura quanto com a escrita, por isso, o
incentivo à leitura deve ser desenvolvido de forma prazerosa.
Cavalcanti (2010, p. 13) afirma que,

Ler é construir sentidos. Essa afirmação é corrente e já se tornou


quase que um lugar-comum. Como acontece com tudo o que é
repetido de forma automática, acaba-se por não refletir sobre o
que seria, afinal, essa afirmação. Assumir a leitura como
construção de sentidos significa assumir uma dada concepção de
língua, de texto e, também, de leitor (e produtor de textos).

A leitura é a atividade interativa mais importante para a


aquisição de conhecimento. O hábito da leitura é o principal meio
para o aprimoramento da escrita. Incentivar o gosto pela leitura é o
desafio dos educadores, que devem desenvolver atividades que
despertem o prazer pela leitura por meio de gêneros diversificados
que mais agradem o aluno.
Na concepção de Gomes (2015, p. 21),

O ser humano, diferente dos demais seres vivos, tem uma


habilidade de comunicação tão incrível – e, ao mesmo tempo, tão
natural – que, muitas vezes, não dá a ela seu devido valor. As
pessoas, em geral, não param para pensar no milagre que é a
capacidade da linguagem. O ser humano tem o poder de “entrar
na mente” de outro ser humano, despertando curiosidade,
aguçando imaginação, manipulando ideias, mudando atitudes,
gerando conflitos, tudo apenas com o poder do uso da palavra.

Para escrever corretamente, com qualidade e em quantidade,


é imprescindível o hábito de leitura, para desenvolver a imaginação,
ampliar o vocabulário e adquirir conhecimento. O indivíduo que
desenvolve a prática da leitura abre novos horizontes e se evolui
pessoal e profissionalmente.
Para adquirir o prazer pela leitura é necessário que o leitor
tenha força de vontade e persistência, e que exercite diariamente,
1206 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

preferencialmente com os gêneros que mais lhe agrade e desperte


curiosidade. De acordo com Micotti,

A maioria de jovens e crianças tem acesso à escola, mas há


estudantes que não encontram o apoio necessário para aprender a
ler e a escrever, problema que ganha hoje mais visibilidade com os
resultados das avaliações, que mostram níveis de desempenho em
leitura e escrita incompatíveis com os estágios avançados de
escolaridade dos avaliados, revelando o analfabetismo escolarizado
(MICOTTI, 2009, p. 26).

Muitas pessoas que apresentam dificuldades se consideram


incapazes de aprender a ler e a escrever, ocasionando o desinteresse
pelos estudos, o que resulta na evasão escolar. Na visão de Elias
(2011, p. 197), “entre pesquisadores iniciantes, a leitura tem sido
tema recorrente, com propostas de pesquisas que mostram a
ansiedade por encontrar solução para problemas como o
desinteresse pelos livros, as dificuldades de compreensão e de
apropriação do que é lido etc”.
A leitura é uma riqueza inesgotável que o indivíduo pode
adquirir sem que lhe seja tirado ou roubado, pois, o saber adquirido
por meio da leitura de bons livros abre novas oportunidades e o
alcance de importantes conquistas pessoais e profissionais.
Uma boa leitura, requer a escolha por livros que mais lhe
agrade, com assuntos que mais goste, e com isso, tornando possível
desenvolver no indivíduo o raciocínio rápido, a concentração e
outras conquistas imprescindíveis para o capital humano.
Tudo isso indica que ler é uma forma de viver, e a partir do
conhecimento adquirido por meio da leitura, compreender o mundo
e dar um novo sentido à vida, ao invés de aceitá-la pronta. Segundo
Elias (2011, p. 227),

A leitura, como prática social que é, propicia aos sujeitos formas de


inserção e de participação não só no ambiente escolar, mas
também na vida profissional e no mundo. Nesse sentido, cabe à
escola, em sua tarefa de desenvolvimento de competências de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1207

linguagens dos discentes, fazer com que os alunos leiam e


compreendam adequadamente diferentes gêneros textuais.

A escrita requer o domínio de importantes habilidades


primordiais para o processo de aprendizagem da produção textual,
no entanto, a convenção da escrita estabelece as normas ortográficas
para o desenvolvimento de um texto. Segundo Pignatari (2010, p.
17), “a palavra texto deriva do latim textum e significa trama, malha
tecido. É uma unidade significativa, ou seja, uma estrutura
organizada com um só sentido, constituída de coerência e coesão”.
Koch e Elias (2010), relatam que,

Conhecer como as palavras devem ser grafadas corretamente


segundo convenção da escrita é um aspecto importante para a
produção textual e a obtenção do objetivo almejado. Sob uma
perspectiva interacional, obedecer às normas ortográficas é um
recurso que contribui para construção de uma imagem positiva
daquele que escreve, porque, dentre outros motivos, demonstra: i)
atitude colaborativa do escritor no sentido de evitar problemas no
plano da comunicação; ii) atenção e consideração dispensadas ao
leitor (KOCH; ELIAS, 2010, p. 37).

A construção de um texto envolve a combinação entre as


palavras, provenientes da ideia desenvolvida mediante as relações
que se estabelece com outros gêneros textuais, pois, nenhum
conhecimento é construído pelo indivíduo sozinho. Para Ferrarezi
Junior (2012, p. 63), “uma palavra sozinha pode funcionar como se
fosse uma parte mínima da língua ou pode ser acompanhada de
outras palavras e, mesmo assim, funcionar como uma parte
mínima”.
Ainda segundo Ferrarezi Junior (2012, p. 51),

Essas combinações também são regidas por regras bem definidas.


São as regras sintáticas. As regras sintáticas são definidas em
relação a cada classe de palavras da língua. Em outros termos: os
nomes seguem um conjunto de regras, verbos seguem outro
conjunto de regras, adjetivos outro conjunto, assim por diante. Por
1208 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

isso, para entender a sintaxe da língua, precisamos conhecer cada


tipo de palavras que a língua tem e suas propriedades, pois esse é
um caminho “natural” para compreender como essas palavras
funcionam quando falamos ou escrevemos (FERRAREZI JUNIOR,
2012, p. 51).

Por isso, os livros são fontes de conhecimento que promovem


a evolução do indivíduo e enriquecem o crescimento intelectual do
ser humano por meio das diferentes tipologias de textos.

Práticas de Ensino

As mudanças no ambiente escolar indicam que o professor


deve adotar novos procedimentos didáticos em sala de aula para
envolver o aluno no processo de aprendizagem, tornando
imprescindível compreender que o conhecimento não pode
simplesmente ser transmitido ao aluno, mas, ser construído por
meio da utilização de novas tecnologias e diferentes estratégias de
ensino para alcançar o processo de ensinar-aprender.
A metodologia de ensino refere-se à prática adotada pelo
professor para ministrar uma aula com o objetivo de assegurar a
aprendizagem do conteúdo estudado. Segundo Haydt (2006, p. 13)
“a Didática é definida como a ciência e arte do ensino”. De acordo
com Piletti (2010, p. 40), “a Didática, portanto, estuda a técnica de
ensino em todos os seus aspectos práticos e operacionais, podendo
ser definida como: A técnica de estimular, dirigir e encaminhar, no
decurso da aprendizagem, a formação do homem”.
A sala de aula é o espaço mais importante do processo ensino-
aprendizagem, pois, é neste ambiente que a interação e o diálogo
entre o professor e o aluno devem se concretizar, visando despertar
a curiosidade do alunado e alcançar os resultados previstos em seu
planejamento escolar. Vasconcelos (2012, p. 81) afirma que “ao
planejar, o professor repensa e avalia a sua prática, pois o
planejamento é o momento privilegiado para que sejam revistos os
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1209

rumos e as atividades que imprimirão dinamismo e efetividade às


ações didáticas que irão se desenrolar no dia a dia da sala de aula”.
Os princípios, as normas e as técnicas de ensino são postos
em prática através das atividades de planejamento, orientação e
controle do processo ensino-aprendizagem, conforme Piletti (2010)
as representam graficamente através do Ciclo Docente ilustrado na
Figura 1:

Figura 1 – Ciclo Docente


Planejamento Orientação

Controle
Fonte: (PILETTI, 2010, p. 42)

O processo de ensino e aprendizagem somente acontece


quando ocorre a troca de conhecimentos entre aluno-professor,
quando o ensino é desenvolvido com recursos diversificados e
estratégicos para conquistar o envolvimento, participação e o
aprendizado do aluno. De acordo com Haydt (2006, p. 57), “cabe ao
professor, durante sua intervenção em sala de aula e por meio de
sua interação com a classe, ajudar o aluno a transformar sua
curiosidade em esforço cognitivo e a passar de um conhecimento
confuso, sincrético, fragmentado, a um saber organizado e preciso”.
A respeito desse assunto, Vasconcelos (2012, p. 41), relata que,

A escola, palco da educação formal, proporciona múltiplas


possibilidades de interação entre seus componentes. Interação
aluno-aluno, professor-aluno, professor-professor, pais-
professores etc. No espaço sala de aula, cenário privilegiado onde
se desenrola, efetivamente, o processo ensino-aprendizagem,
professor e aluno, em constante interação, são os dois atores
centrais, protagonistas de uma cena em que não há coadjuvantes.

Todo professor tem a competência de planejar e desenvolver


o seu papel docente por meio de uma dimensão interativa e
1210 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

participativa com seus alunos, influenciando na motivação e


desempenho escolar de cada um.
No entanto, a construção do conhecimento é um processo
interpessoal. Segundo Haydt (2006) o ponto principal desse
processo interativo é a relação educando-educador. E esta relação
não é unilateral, pois não é só o aluno que constrói seu
conhecimento. É verdade que o aluno, através esse processo
interativo, assimila e constrói conhecimentos, valores, crenças,
adquire hábitos, formas de se expressar, sentir e ver o mundo, forma
ideias, conceitos (e por que não dizer preconceitos?), desenvolve e
assume atitudes, modificando e ampliando suas estruturas mentais.
Mas também é verdade que o professor é atingido nessa relação. De
certa forma, ele aprende com seu aluno, na medida em que consegue
compreender como este percebe e sente o mundo, e na medida que
começa a sondar quais os conhecimentos, valores e habilidades que
o aluno já traz de seu ambiente familiar e de seu grupo social para a
escola.
Ressalta-se, porém, que a prática docente precisa ser
construída de forma interativa e com estratégias de ensino que
proporcionem o aprendizado e que este seja prazeroso, e que o aluno
deixe de ser sujeito passivo e se torne sujeito ativo nesse processo.
As novas tecnologias têm desafiado o professor a se adequar
a este novo cenário educacional, e estimulando-o a utilizar novas
técnicas de ensino diferenciadas e diversificadas para provocar o
envolvimento e participação do aluno no processo de aprendizagem.
Ao adotar diferentes práticas pedagógicas, o professor busca
a construção de ambientes educacionais prazerosos, de incentivo e
motivação para o desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem. Veiga (2004, p. 14) afirma que,

Estimular e permitir a participação ativa dos alunos em


experiências de aprendizagem que enfatizam a construção de
conhecimentos, desenvolver projetos adequados aos interesses dos
alunos, da comunidade escolar e da sociedade, utilizar novas
tecnologias de comunicação e informação, organizar trabalhos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1211

interdisciplinares e coletivos, são algumas das dimensões


enfatizadas pelo conteúdo da didática, visando à transformação da
prática educativa desenvolvida pela escola (VEIGA, 2004, p. 14).

Ensinar requer o conhecimento do saber planejar. O


planejamento docente é responsável por nortear as atividades e
alcançar o êxito no processo de aprendizagem, por meio de aulas
dinâmicas e motivacionais.

Conclusão

A educação é o pilar mais importante de transformação deste


país, porém, nos dias atuais a educação brasileira tem enfrentado
grandes desafios, nesse sentido, tem exigido dos professores muito
domínio técnico e didático.
A utilização de novas tecnologias em sala de aula, na escola e
em casa faz parte do cotidiano de muitos alunos, bem como, deve
integrar o planejamento da aula do professor na
contemporaneidade. Segundo Piletti “é o professor, como líder, é o
grande responsável pelo bom relacionamento. Sua influência na sala
de aula é muito grande, e a criação de um clima psicológico que
favoreça ou desfavoreça a aprendizagem depende principalmente
dele” (PILETTI, 2010, p. 248).
Nesse sentido, este trabalho diagnosticou a importante
atuação do professor como facilitador do processo de ensino e
aprendizagem, com a utilização de estratégias diversificadas de
ensino, para motivar e envolver o aluno na construção do
conhecimento e, alcançar os objetivos pretendidos traçados no plano
de ensino.
A este respeito Piletti (2010, p. 231) afirma que,

A motivação consiste em apresentar a alguém estímulos e


incentivos que lhe favoreçam determinado tipo de conduta. Em
sentido didático, consiste em oferecer ao aluno os estímulos e
incentivos apropriados para tornar a aprendizagem mais eficaz. Os
1212 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

recursos didáticos, os procedimentos de ensino, o conteúdo, as


atividades práticas e exercícios são valiosas fontes de incentivo. A
maior fonte, no entanto, é a personalidade do professor.

Portanto, pode-se afirmar que o professor tem a competência


muito maior do que apenas transmitir o conhecimento, mas estar
predisposto a ajudar e contribuir com a formação do aluno, por meio
de procedimentos didáticos inovadores, e com o objetivo de planejar
e preparar a aula para despertar, provocar e envolver o aluno no
processo de ensino.
Diante do que foi exposto pode-se elucidar que o professor
tem a importante missão de promover ambientes de ensino
diferenciados para assegurar a aprendizagem do aluno,
principalmente, no tocante ao aprimoramento das técnicas didáticas
para o desenvolvimento das aulas relacionadas ao processo de
leitura e ao aperfeiçoamento da produção textual.

Referências

CAVALCANTI, Jauranice Rodrigues. Professor, leitura e escrita. São Paulo:


Contexto, 2010.

COELHO, Fábio André; PALOMANES, Roza (org.). Ensino de produção textual.


São Paulo: Contexto, 2016.

DALBERIO, Osvaldo. Metodologia científica. Uberaba, MG: 2004.

ELIAS, Vanda Maria (org.). Ensino da língua portuguesa: oralidade, escrita e


leitura. São Paulo: Contexto, 2011.

FERRAREZI JUNIOR, Celso. Sintaxe para a educação básica. 1. ed. São Paulo:
Contexto, 2012.

GOMES, Maria Lúcia de Castro. Metodologia do ensino de língua portuguesa.


2. ed. Curitiba: InterSaberes, 2015.

HAYDT, Regina Célia Cazaux. Curso de didática geral. 8. ed. São Paulo: Ática,
2006.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1213

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de


produção textual. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010.

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por meio da pedagogia por projetos. São Paulo: Contexto, 2009.

PIGNATARI, Nínive. Como escrever textos dissertativos. 1. ed. São Paulo: Ática,
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PILETTI, Claudino. Didática geral. 24. ed. São Paulo: Ática, 2010.

SANTOS, Leonor Werneck; RICHE, Rosa Cuba; TEIXEIRA, Claudia Souza. Análise
e produção de textos. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

VASCONCELOS, Maria Lucia. Educação básica: a formação do professor, relação


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Contexto, 2012.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Coord.). Repensando a didática. 21. ed.


Campinas, SP: Papirus, 2004.
80

Os olhares de alunos surdos, professores e


interlocutores de libras dentro da sala de aula:
um estudo de caso sobre os desafios e acessibilidade

Tabita Teixeira
Diego Fernando Do Nascimento
Fernanda Da Rocha Brando

Introdução e Fundamentação teórica

Há mais de 25 anos a educação de pessoas surdas é tema de


diversas pesquisas acadêmicas no país que vêm mostrando poucos
progressos dentro das escolas, uma vez que os indivíduos surdos
vêm se formando nas escolas regulares sem o conhecimento básico
e domínio dos conteúdos necessários para poder dar continuidade
no ensino superior. Tais estudos apontam a urgência de medidas
que proporcionem aos alunos surdos o mesmo desenvolvimento que
os dos ouvintes (LACERDA, 2006). O termo “ouvinte” refere-se às
pessoas que não possuem problemas clínicos em sua audição, cuja
comunicação envolve a fala e a escrita (oralismo).
Sabemos que a língua está ligada a identidade dos indivíduos
de um grupo e/ou nação e que possui características da sociedade
que fazem parte. A língua permite estabelecer relação e conexão
entre as pessoas que estão inseridas naquele tempo e espaço, a partir
dos diálogos. Por isso, a Língua de Sinais (LS) permite com que o
indivíduo surdo se relacione com o mundo e os demais sujeitos,
construindo dessa forma suas identidades (MOURA, 2014). Ela é
reproduzida por meio dos movimentos das mãos, braços, corpo e
1216 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

das expressões faciais, os quais formam em conjunto o sinal que


repassa a informação ou expressão.
A LS utilizada no Brasil é a Língua Brasileira de Sinais
(Libras), reconhecida pela Lei nº 10.436/2002 (regulamentada pelo
Decreto nº 5.296/2004) e possui “características e qualidades de
qualquer outra língua, como: versatilidade, flexibilidade,
arbitrariedade, criatividade, produtividade e dupla articulação”
(HARRISON, 2014, p. 32). Esta mesma lei trata o direito dos surdos
à educação e oportunidades iguais aos dos ouvintes, prevendo o uso
obrigatório da Libras como disciplina curricular na educação de
surdos, na formação de professores e de interlocutores.
De acordo com Lacerda (2006), a partir da década de 1990
ocorreram mudanças nas políticas educacionais para os sujeitos com
necessidades especiais do mundo todo, contemplando também os
surdos. A Declaração de Salamanca em 1994, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional nº 9.394/1996 e a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva (Portaria Ministerial nº
555/2007) são exemplos dessas políticas que visam a adequação
pedagógica, estrutural e de capacitação de professores ao receberem
pessoas com necessidades especiais. Dessa forma, ocorreram práticas
de inclusão de surdos em escolas regulares no Brasil.
Segundo Campos (2014), tais escolas inclusivas, também
conhecidas como “Educação para a diversidade”, consideram a
existência da cultura surda, mas ainda prevalece a cultura ouvinte.
Estas escolas incentivam a diversidade (salas mistas com alunos
surdos e ouvintes e com um interlocutor para ser o mediador da
comunicação), mas não a educação de alteridade. Beltramin e Góis
(2012) salientam que por mais que a inclusão de alunos surdos
tenha o propósito da interação social e convívio da diversidade,
muitos são abandonados pela própria escola por falta de estratégias
pedagógicas e acabam desistindo da mesma. Segundo a autora,
todas as aulas são planejadas e desenvolvidas por e para ouvintes,
não oferecendo as mesmas oportunidades de ensino,
principalmente na manifestação de sua cultura, língua, interesses e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1217

necessidades dentro da sala de aula. Outra questão é o fato dos


professores não estarem preparados para criarem estratégias de
ensino para este público, bem como os intérpretes de Libras. Lodi et
al. (2012) ressaltam que as escolas inclusivas garantem a presença
da LS, mas não a sua apropriação e desenvolvimento por parte dos
alunos, enquanto uma escola bilíngue com professores bilíngues
permite o desenvolvimento da Libras. Muitos pesquisadores da área
também relatam a falta de recursos midiáticos e de materiais
didáticos de apoio próprio aos alunos surdos, pois a maioria
privilegia a escrita para difundir as informações (FELTRINI, 2009).
Os interlocutores também não possuem materiais de fácil acesso que
possam auxiliá-los durante a realização das disciplinas.
Por meio de olhares dos professores, interlocutoras de Libras
e alunos surdos pertencentes a uma escola estadual de ensino básico
do interior do Estado de São Paulo, este estudo objetivou investigar
quais as principais ferramentas e estratégias de ensino e as
dificuldades enfrentadas atualmente dentro das salas de aulas por
esses sujeitos.

Procedimentos Metodológicos

A metodologia utilizada para a investigação foi o estudo de caso


com foco múltiplo (professores, interlocutores de Libras e alunos
surdos), o qual trata sobre o estudo de um caso delimitado e singular
que pode ser comparado a outras situações semelhantes, buscando
retratar a realidade de forma completa e profunda (LÜDKE; ANDRÉ,
2015). A instituição de ensino escolhida para esse trabalho foi uma
escola estadual localizada no Município de Jaú/SP, que atende 12
bairros e possui aproximadamente 48 docentes e 766 alunos. Desses
discentes, 49 possuem necessidades especiais, sendo que há 07 alunos
surdos matriculados em 2018 e 04 interlocutores de Libras.
Para a realização do presente estudo foram elaborados para
os professores e interlocutores de Libras dois tipos de questionários
qualitativos auto aplicados (LÜDKE; ANDRÉ, 2015), com questões
1218 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

abertas e fechadas, referentes aos perfis dos sujeitos, as ferramentas


pedagógicas e midiáticas utilizadas no ensino aos surdos e suas
relações com esse público. Outra técnica de coleta de dados utilizada
foi o roteiro de entrevista do tipo estruturado (LÜDKE; ANDRÉ,
2015), destinado aos alunos surdos, contendo informações sobre o
aluno, da escola, das metodologias de ensino e a relação com os
docentes e interlocutores.
Com o consentimento da escola em participar da investigação,
em 2017, e após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (CAAE nº
78479417.7.0000.5407) em fevereiro de 2018, em março de 2018 teve
início os trabalhos envolvendo a apresentação e a aplicação dos
questionários aos professores e interlocutores de Libras interessados.
Essa parte da investigação ocorreu nos horários de ATPC – Aula de
Trabalho Pedagógico Coletivo da escola. Todos os participantes
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
pedido pelo CEP. Já as entrevistas com os alunos surdos, os
interessados assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido
(TALE) e seus responsáveis legais o TCLE, sendo realizadas em horário
de aula em salas específicas (Recursos e de Informática), sem a
presença das interlocutoras. As entrevistas foram tanto em Libras
quanto oralizadas, de acordo com a preferência dos entrevistados,
sendo registradas por escrito e por meio de filmagem de vídeo, que foi
repassada posteriormente no roteiro impresso com o auxílio de um
intérprete sem vínculo com a escola.
Ao todo participaram da pesquisa 10 docentes, 04
interlocutoras de Libras e 06 alunos surdos. Para preservar o
anonimato dos participantes, optou-se em abreviar e enumerar cada
um deles como: D1 (Docente 1), IL1 (Interlocutor de Libras 1) e A1
(Aluno 1). A análise desses dados seguiu a triangulação de Minayo
(2005), cujas respostas dos questionários e das entrevistas foram
tabuladas primeiramente em categorias para depois ocorrer o
processo de articulação, que envolveu bases teóricas e confronto das
ideias, experiências e das observações feitas pelos três sujeitos do
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1219

estudo, dialogando posteriormente com outros autores da área e no


contexto que estão inseridos.

Apresentação e Discussão dos Resultados

Perfil dos Participantes da Pesquisa

Os 06 alunos surdos entrevistados encontravam-se na faixa-


etária entre 11 a 17 anos de idade, sendo dois do Ensino Fundamental
II e quatro do Ensino Médio. Quanto ao uso de aparelho auditivo, 05
responderam que utilizavam, no entanto, 03 não estavam utilizando
no momento da entrevista, pois afirmaram que haviam perdido ou
quebrado. Cinco desses alunos oralizavam bem, sendo que 05 sabiam
Libras (duas aprenderam depois dos 14 anos) e 01 encontrava-se em
fase de aprendizado com a interlocutora, alegando de nunca ter
necessitado desse recurso na antiga escola, por possuir surdez leve. O
aluno não oralizado e que se comunicou somente em Libras
apresentou um atraso significativo de linguagem, mostrando que não
teve uma base em LS. Todos os alunos entrevistados são de família
ouvinte e sempre estudaram em salas mistas durante a vida escolar,
sendo que quando questionados se sabiam ler e escrever, 04
confirmaram e 02 responderam que sabiam pouco.
Os docentes que participaram da pesquisa ministravam
diversas disciplinas como: Geografia, Física, Ciências, Biologias,
Língua Portuguesa e Literatura, Sociologia, História e Filosofia.
Estes mesmos professores trabalhavam em salas mistas, tendo o
predomínio de aulas expositivas com o uso da lousa e do material
didático. Cabe ressaltar que o Docente 4 não atuava com alunos
surdos na escola em questão, mas já teve experiências em outras
escolas com este público durante 3 anos. O tempo que lecionaram
para alunos surdos variaram de 1 a mais de 10 anos, sendo que 03
conheciam um pouco de Libras.
Em relação às interlocutoras, a formação profissional variou
entre Pedagogia, Letras e Matemática. Quanto à formação em
1220 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Libras, a IL1 obteve esses conhecimentos tanto em sua pós-


graduação quanto em um curso na ASJA – Associação dos Surdos de
Jaú e Região1; a IL2 aprendeu durante sua graduação em Letras e
realizou um curso extra de Libras; a IL3 também fez um curso extra
e pelo Prolibras2 e a IL4 durante sua graduação. Uma das
interlocutoras em especial possuía pais surdos, logo foi inserida na
cultura surda desde pequena. Cada interlocutora era responsável
por uma das salas, sendo que o tempo de experiências com discentes
surdos variaram de 2 a 8 anos.
Com o objetivo de atender as necessidades de aprendizagem dos
alunos surdos ou com deficiência auditiva, a Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo publicou o Decreto SE nº38/2009, definindo
que as escolas da rede devem incluir em seu quadro docentes com
qualificação e proficiência em Libras para atuar como interlocutores
entre alunos e professores e entre Libras e a Língua Portuguesa. Cabe
destacar que este decreto foi criado para contratação desses docentes
de forma temporária. As pessoas contratadas devem possuir
licenciatura plena caso queiram atuar nas séries finais do ensino
fundamental ou no ensino médio. Para atuar nos primeiros anos do
ensino fundamental, a pessoa deve ter ao menos o diploma de curso
de nível médio com habilitação em Magistério. Além dos requisitos
anteriores é preciso que essas pessoas possuam um dos 04
documentos: diploma ou certificado em curso de graduação ou pós-
graduação em Letras-Libras; certificado expedido pelo MEC de
proficiência em Libras; certificado de curso de Libras com no mínimo
120 horas; habilitação ou especialização em Deficiência
Auditiva/Audiocomunicação que tenha carga horária em Libras.

1
A ASJA está localizada no Município de Jaú e possui mais de 21 anos, atendendo 200 pessoas entre
surdos e ouvintes de 12 cidades da região e oferecendo cursos de Libras desde o básico até o avançado.
2
O Prolibras é um exame nacional que certifica anualmente, tanto pessoas surdas quanto ouvintes
fluentes, a proficiência no uso e no ensino de Libras e para a tradução e interpretação da
Libras/Línguas Portuguesa. Este programa é de responsabilidade do Instituto Nacional de Educação
dos Surdos – INES e seus são aceitos em diversas instituições de educação básica e superior (BRASIL,
2018).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1221

A Relação dos Alunos Surdos em seu Ambiente Escolar

Quando questionados se a escola possuía suportes pedagógicos


específicos para atender as necessidades dos alunos surdos, 28% dos
docentes lembraram-se da existência de uma Sala de Recursos que
possui materiais específicos e profissionais da área, e 44% citaram a
presença das próprias interlocutoras dentro da sala de aula. Já entre as
interlocutoras, duas responderam que havia a Sala de Recursos, no
entanto com poucos materiais que pudessem atender os alunos surdos;
as outras duas responderam que não possuíam tais suportes
pedagógicos, faltando maior investimento por parte da escola, sendo
que uma delas utilizava “recursos próprios para facilitar o atendimento
e entendimento do aluno” (IL3). Quanto aos alunos surdos, três
lembraram-se da Sala de Recursos, sendo que uma aluna nunca a tinha
utilizado. A Sala de Recursos possui mesas, cadeiras e armários, uma
lousa e um computador. Uma das interlocutoras relatou que faltavam
materiais voltados aos surdos, sendo que já havia pedido diversas vezes
para a Diretoria de Ensino Região de Jaú esses materiais, mas não havia
obtido retorno. Esta sala possui uma docente especialista e responsável
pela mesma e que estava de férias no momento da pesquisa, não sendo
possível consultar os materiais do acervo.
Quanto à comunicação dos docentes com os alunos surdos
durante as aulas, todos os sujeitos entrevistados responderam que é
utilizado o português (oral e escrito) e possuem o auxílio das
interlocutoras, sendo que apenas um dos professores – que possui 10
anos de experiência – e alguns funcionários utilizam a Libras e/ou
gestos e expressões faciais. Um dos motivos do predomínio da
oralização e do português em relação às outras formas de comunicação
se deu pelo fato da maioria dos alunos serem oralizados e de suas
respectivas famílias preferirem essa forma de comunicação, fazendo
com que os professores não vejam necessidade em utilizar a Libras ou
outras formas mais adequadas. Esta realidade foi verificada durante os
questionários e também em algumas das entrevistas com os alunos,
pois, estes preferiram verbalizar devido à vergonha de serem gravados,
1222 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

mas salientaram que se sentem mais confortáveis em se comunicar em


Libras. Já os alunos que são poucos ou não oralizados se sentiram
excluídos durante as aulas, devido à forma de comunicação.
Para a escola ser bilíngue, todos os envolvidos (funcionários,
docentes e alunos) devem saber tanto o português quanto a LS. No
caso, as escolas inclusivas não possuem essa prática, deixando a
Libras de lado dentro da sala de aula. De acordo com Lodi et al.
(2012), para que a educação bilíngue saia do plano discursivo, deve
respeitar e seguir alguns princípios como a garantia de
oportunidade do aluno surdo em se apropriar da Libras como
primeira língua e a desenvolverem livremente nas escolas,
interagindo com professores surdos, colegas surdos e demais
interlocutores adultos que saibam a LS. Ainda, segundo esses
mesmos autores, a Libras deve ser utilizada como intermédio da
prática de ensino para os surdos, assim como os currículos devem
contemplar essa diversidade sociocultural (LODI et al., 2012).
Para Oliveira e Benite (2015), a maior dificuldade no ensino para
surdos ainda é a Língua, pois estes estão aprendendo conceitos
inerentes por meio da língua portuguesa, mas indiretamente pelo
professor, pois necessitam da intermediação do intérprete. Este, para
não comprometer o aprendizado, necessita também compreender os
termos utilizados pelo docente, devendo ter o mínimo de conhecimento
específico sobre o conteúdo que deve ser interpretado ou traduzido
durante a aula. Dessa forma, os surdos não participam plenamente das
interações comunicativas, prejudicando também a aquisição das
informações - mesmo com a presença da interlocutora -, por meio da
leitura e a interpretação de textos em português e explicações orais que
favorecem apenas os ouvintes (FELTRINI, 2009).

Metodologias Pedagógicas de Ensino com os Alunos Surdos

Antes de discutirmos as experiências vividas pelos


participantes, cabe destacar que todo o planejamento das aulas e de
suas atividades deve ser desenvolvido em conjunto entre docentes e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1223

interlocutores de Libras, para que os alunos surdos tenham as


mesmas oportunidades de aprendizagem que os alunos ouvintes
durante as aulas. Na escola são previstos momentos de trabalho
coletivo, como por exemplo, o ATPC, sendo que na rede estadual
cada docente deve cumprir de 1 a 3 horas/aulas de acordo com a sua
carga horária. Contudo, de acordo com três das interlocutoras, não
se é trabalhado e discutido as necessidades dos alunos surdos,
mesmo que boa parte dos professores esteja receptiva. Em alguns
casos os professores cumprem essas horas em escolas diferentes aos
das interlocutoras, prejudicando a comunicação entre os mesmos.
Quando questionados se haviam fatores que impediam a
compreensão dos alunos surdos quanto ao conteúdo ministrado,
apenas um dos professores não soube responder, enquanto os demais
acreditaram que não havia problemas maiores, uma vez que a maior
dificuldade seria com algumas palavras/conceitos específicos
abordados em cada disciplina, os quais são solucionados pelas
interlocutoras. Uma docente em particular comentou que a seu ver há
a necessidade de adequação de suas aulas, uma vez que já utilizou, em
outras oportunidades, recursos visuais que facilitaram a comunicação
e a compreensão de termos específicos da matéria. De fato, quando
questionado para as interlocutoras, uma ressaltou a falta de sinais para
determinadas palavras em português, outras duas salientaram que
deveriam ter mais práticas experimentais e a utilização de recursos
visuais para ajudarem na compreensão dos alunos. Assim como no
trabalho de Lacerda (2006), a maioria dos professores avalia
satisfatoriamente suas experiências com os alunos surdos, sendo que
os maiores problemas são resolvidos pelas interlocutoras. Por isso, não
há necessidade de tantos cuidados, trazendo certa tranquilidade
durante a realização das atividades e nos planejamentos das aulas. No
entanto, há pequenos indícios durante algumas falas dos docentes que
é necessário repensar estratégias dentro dessas salas mistas.
Quando questionado às interlocutoras se os docentes
relatavam dificuldades em ensinar aos alunos surdos, duas
relataram que não, sendo que só perguntavam se as mesmas tinham
1224 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conseguido ensinar o conteúdo da aula, e as outras duas


comentaram da falta de conhecimento em Libras por parte dos
docentes e de recursos que poderiam auxiliá-las durante as aulas
com os alunos. Durante as aulas, duas das interlocutoras relataram
que possuíam dificuldades em interpretar os conteúdos ministrados
pelos docentes, uma vez que não tinham materiais específicos que
as auxiliassem; das que responderam que não possuíam
dificuldades, uma comentou que sempre recorria primeiro ao
professor ou a Internet para pesquisar melhor sobre o conteúdo.
Quanto ao uso da Internet dentro da sala de aula, uma interlocutora
em particular relatou que era de suma importância seu acesso para
que pudesse explicar certos conceitos ao aluno.
De acordo com Feltrini (2009), o aluno surdo necessita de
momentos de interações comunicativas que o encoraje a refletir
sobre os conhecimentos estudados. Ressaltando que assim como os
docentes, o papel da interlocutora não é apenas o de traduzir os
conteúdos, e sim fornecer elementos comunicativos em conjunto
com o professor para que o aluno possa construir o conhecimento.
Referente ao desempenho dentro da sala de aula (atividades,
tarefas, provas, etc.), a maioria dos professores acreditava que boa
parte do bom desempenho dos alunos viria do auxílio das
interlocutoras. Para estas, duas disseram que o desempenho é bom
e uma comentou que seu aluno tinha dificuldades em interpretação
de textos, por isso fazia poucas tarefas, esquecia trabalhos e
estudava pouco para as provas. Para Feltrini (2009), há o equívoco
dos docentes acreditarem que os alunos surdos compreendam os
textos em português da mesma forma que os alunos ouvintes e
novamente parte do pressuposto que todos os processos ensino-
aprendizagem do aluno surdo podem ser resolvidos com a presença
de interlocutoras dentro das salas. Já em relação às respostas dos
alunos surdos a essa questão, pode-se observar que o desempenho
de cada um variou de acordo com cada professor, sendo que as
maiores dificuldades concentram-se ao pouco retorno dos
professores às dúvidas dos alunos. Uma aluna em particular relatou
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1225

o quanto gostava de Sociologia e Filosofia, pois estas aulas lhe


permitiam expressar melhor.
Vale ressaltar que quando foi questionado aos alunos surdos se
recebiam auxílio da família nas tarefas escolares, três responderam que
sim, dois só quando solicitavam e uma aluna em particular referiu-se
que após pedidos de ajuda sem sucesso, acabava pesquisando na
internet sozinha (A1). Para Oliveria e Benite (2015), o apoio da família
ao aluno surdo é de extrema importância, principalmente por pais
ouvintes que não possuem contato com a Libras. Martins (2011)
ressalta que leva muito tempo para os pais ouvintes descobrirem e se
adaptarem com a novidade de ter um filho surdo, possuindo um longo
período sem se comunicarem ou de incentivar uma interação entre
eles, prejudicando o desenvolvimento da criança.
Em relação às avaliações, 40% dos docentes responderam que
elas são iguais aos dos ouvintes; dois professores em particular
disponibilizavam a avaliação dias antes para as que as interlocutoras
pudessem se preparar e adaptá-las com imagens se fosse necessário;
um comentou que dependia do aluno no momento, sendo a avaliação
com questões mais objetivas e diretas; e os outros dois faziam as
correções de forma diferenciada, principalmente devido à escrita e as
relações de ideias descritas pelos alunos surdos. Quando questionados
às interlocutoras, todas responderam que as avaliações eram iguais aos
dos alunos ouvintes. Os alunos surdos responderam também que suas
provas eram iguais aos dos demais colegas, sendo que as consideravam
muito difícil, uma vez que eram escritas em português e as
interlocutoras e professores só liam e não explicavam o conteúdo.
Novamente pode ser verificado que o desempenho do aluno surdo
durante as aulas está sendo avaliado pela forma que eles conseguem ler
e interpretar o português escrito, prevalecendo a metodologia ouvinte
e o de decorar palavras chaves sem entender o real significado.
Quando questionados se desenvolviam métodos específicos
dentro da sala de aula, 90% dos docentes responderam que não, sendo
que um deles comentou que a interlocutora já cumpria esse papel e
outro que usava uma quantidade maior de recursos visuais; o único
1226 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

que respondeu que sim relatou o uso de aplicativos digitais. Quanto ao


uso de experimentos ou de outras práticas visuais específicas para os
alunos surdos, também 90% relataram que não utilizavam durante
suas aulas; um em particular comentou que a elaboração e
apresentação dos projetos por parte dos alunos surdos eram em forma
de Libras. As respostas das interlocutoras a essas duas questões foram
unânimes, todas responderam que não havia práticas pedagógicas
específicas e nem experimentos dentro da sala com os alunos surdos.
No entanto, quatro dos alunos surdos entrevistados
lembraram que alguns professores realizaram práticas e
experimentos com toda a classe, como a construção de maquetes,
vídeos, cartazes e experimentos com terrários. As formas de
adaptações dessas práticas também foram apontadas pelos alunos,
relatando que os vídeos deveriam possuir legendas e o processo de
construção de uma das maquetes deveria ter sido mais bem
explicado para que o trabalho final saísse “bonito”. De acordo com
Lima e Silva (2014), utilizar atividades experimentais dentro da sala
de aula permite obter uma aprendizagem significativa, onde se alia
a teoria com a prática, facilitando o entendimento pelos alunos.
Tanto as interlocutoras quanto os alunos surdos relataram que
alguns docentes utilizam o ditado como ferramenta pedagógica, cujos
alunos se sentem excluídos, pois tal estratégia dificulta a aprendizagem
e favorece a oralização dentro da sala. Esse comportamento faz parte
de um modelo de educação pensado para os ouvintes. Para Paixão
(2016), o termo “pedagogia surda” vem sendo amplamente discutido e
utilizado para apontar as necessidades de educar os alunos surdos de
forma mais especifica, principalmente em escolas regulares inclusivas.
A autora salienta que a pedagogia do surdo ainda deve ser mais bem
estudada, pois ainda há estudos que questionam se o problema das
escolas estaria em implementar uma pedagogia especificamente para
os surdos ou se as mesmas não conseguem contemplar as necessidades
pedagógicas de todos os alunos presentes. Dessa forma, a melhor forma
ainda é desenvolver uma pedagogia que inclua e valorize tanto os
ouvintes quanto os surdos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1227

Quanto ao uso de recursos midiáticos específicos ou


adaptados aos alunos surdos, 70% não utilizavam; um docente se
preocupava em ter pelo menos legendas nos vídeos utilizados; um
deles utilizava CDs quando possível e outro utilizava aplicativos de
Universidades que auxiliam os alunos surdos. Quanto à resposta dos
alunos surdos, somente um lembrou que alguns professores
utilizavam recursos visuais, como vídeos. Em relação à utilização de
materiais específicos em Libras durante as aulas, as interlocutoras
comentaram que nenhum docente os utilizava, sendo que metade
dos professores respondeu que não seriam necessários, uma vez que
há interlocutoras dentro das salas, e os outros 50% acreditavam
nesta necessidade, e uma vez que o conteúdo abordado ficaria mais
claro aos alunos surdos. Das interlocutoras, duas eram a favor de ter
materiais para poderem alfabetizá-los cientificamente e auxiliar
tanto os alunos quanto elas mesmas a compreenderem o conteúdo.
Aos alunos surdos foi questionado se a escola deveria ter mais
materiais específicos em Libras, sendo que cinco confirmaram,
principalmente por auxiliarem a entender melhor o conteúdo das
disciplinas, devendo conter fotografias, imagens e sinais em Libras.
Quando questionados se faltavam sinais em Libras para certos
conceitos e palavras específicas das disciplinas, 80% dos docentes
concordaram com essa falta, ao ver as dificuldades enfrentadas pelas
interlocutoras no dia a dia. Em relação aos alunos, cinco
concordaram e relataram que as interlocutoras tentavam ajudar ao
máximo e quando não sabiam recorriam à Internet; os conceitos de
Biologia seriam os mais difíceis de encontrar os sinais, em suas
opiniões; um dos alunos relatou que ficava irritado também quando
trocavam sinais entre a própria comunidade surda e isso
atrapalhava seus estudos, sendo que o mesmo utilizava o aplicativo
“Hand Talk3” para lhe auxiliar. De acordo com Berned (2014), há
um mito entre ouvintes de que se os surdos conhecerem os sinais

3
O Hand Talk é um aplicativo para smartphones e tablets que traduz automaticamente texto e áudio
em português para a Libras, com a ajuda de um personagem em 3D.
1228 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

irão naturalmente aprender os conceitos trabalhados. Assim como


os ouvintes que decoram palavras-chave para passarem em
vestibulares e em concursos públicos - sem compreenderem o real
significado dessas palavras -, os surdos podem aprender sinais
vazios sem aprenderem primeiramente o conceito estudado.

Conclusões

Assim como os ouvintes, os alunos surdos têm o direito de


possuir um espaço que lhes permitas adquirir e compreender os
conhecimentos, bem como compartilhar suas vivências, participar
das atividades escolares e colocar em prática sua língua. A escola
deve proporcionar o desenvolvimento de cidadãos que vá além dos
conteúdos conceituais, por meio da troca de experiências, da
integração e da convivência entre alunos, docentes e funcionários.
Por isso, devem ser discutidos os interesses e necessidades dos
alunos surdos dentro da sala de aula. Em suas falas as interlocutoras
compreendem bem as necessidades dos alunos surdos, apontando
diversos momentos e situações que prejudicam o ensino-
aprendizagem dos mesmos.
Assim, tanto os docentes quanto as interlocutoras devem
preparar em conjunto as aulas e as atividades em sala de aula, para
que beneficiem tanto os ouvintes quanto os surdos, sem prejudicar uns
aos outros. Se a escola disponibiliza os horários de ATPC para serem
planejadas tais aulas, deve haver o incentivo e cobrança para que seja
realizado o planejamento e monitoramento de tais ações. Esses são os
momentos de discussões sobre como a escola está sendo acessível e
quais são as percepções de cada sujeito referentes a essa temática.
Sugere-se uma maior integração com especialistas das áreas
ou até mesmo com outros surdos da ASJA, por exemplo, para
proferirem palestras e narrar suas experiências em relação à cultura
surda e a Libras, sendo essa iniciativa passível de ser estendida aos
demais funcionários, aos alunos da escola e até seus familiares.
Ainda, sugere-se uma melhor utilização da Sala de Recursos
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1229

existente na escola, bem como adequação para melhor atender aos


alunos surdos, proporcionando os recursos necessários para a
realização do processo de ensino-aprendizagem como materiais
didáticos e tecnologias acessíveis.

Referências

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em: 22 jul. 2018.
81

Pensamento computacional-artístico nos anos iniciais


do ensino fundamental

Ricardo Scucuglia R. da Silva


George Gadanidis
Yeda Seron Portera
Lara Martins Barbosa

Introdução

Neste texto apresentamos resultados de uma pesquisa em


Educação Matemática cujo objetivo foi investigar o processo de
aprendizagem matemática de alunos dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental a partir do desenvolvimento de atividades baseadas
em aspectos do pensamento computacional (WING, 2006;
ISTE/CSTA, 2011) envolvendo expressões artísticas. A pergunta que
norteou a pesquisa foi: Qual a natureza da aprendizagem
matemática de estudantes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
ao desenvolverem uma atividade computacional-artística? Cabe
destacar que todas as atividades desenvolvidas envolveram o
trabalho com alunos de primeiro e segundo ano do Ensino
Fundamental. A atividade matemática explorada nesta pesquisa
pelos alunos participantes possui um caráter artístico-
computacional.
A temática central de investigação foi denominada padrões e
álgebra. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC
(BRASIL, 2017, p. 266), “é imprescindível que algumas dimensões
do trabalho com a álgebra estejam presentes nos processos de
1234 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ensino e aprendizagem desde o Ensino Fundamental – Anos Iniciais,


como as ideias de regularidade, generalização de padrões e
propriedades da igualdade”. Além disso,

Outro aspecto a ser considerado é que a aprendizagem de Álgebra,


como também aquelas relacionadas a outros campos da
Matemática (Números, Geometria e Probabilidade e Estatística),
podem contribuir para o desenvolvimento do pensamento
computacional dos alunos, tendo em vista que eles precisam ser
capazes de traduzir uma situação dada em outras linguagens,
como transformar situações-problema, apresentadas em língua
materna, em fórmulas, tabelas e gráficos e vice-versa (BRASIL,
2017, p. 266, grifo nosso).

Na próxima subseção, discutiremos algumas ideias específicas


sobre pensamento computacional, as quais constituem parte
significativa da fundamentação teórica utilizada/construída nesta
pesquisa.

Fundamentação Teórica

Neste cenário, pensamento computacional (PC) é uma


perspectiva atualmente discutida em interfaces entre o Ensino de
Ciência da Computação e a Educação Matemática. De acordo com
Wing (2008),

[PC] é um tipo de pensamento analítico. Compartilha com o


pensamento matemático, de maneira geral, meios pelos quais
podemos abordar a solução de um problema. Ele compartilha com
o pensamento em engenharia as maneiras gerais pelas quais
podemos abordar um projeto e a avaliação de um sistema grande
e complexo que opera dentro das restrições do mundo real.
Compartilha com o pensamento científico as maneiras gerais pelas
quais podemos abordar a compreensão da computabilidade, da
inteligência, da mente e do comportamento humano. (WING,
2008, p. 3717, tradução nossa).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1235

De acordo com Mannila (2014, p. 2, tradução nossa), PC “é


um termo que abrange um conjunto de conceitos e processos de
pensamento da ciência da computação que ajudam na formulação
de problemas e suas soluções em diferentes campos”. Além disso, Lu
e Fletcher (2009) apresentam algumas ideias relacionadas ao PC:

1) é uma maneira de resolver problemas e projetar sistemas que se


baseiam em conceitos fundamentais para a ciência da computação;
2) significa criar e fazer uso de diferentes níveis de abstração, para
entender e resolver problemas de forma mais eficaz; 3) significa
pensar algoritmicamente e com a capacidade de aplicar conceitos
matemáticos para desenvolver soluções mais eficientes, justas e
seguras; 4) significa entender as consequências da escala, não só
por razões de eficiência, mas também por razões econômicas e
sociais. (Lu; Fletcher, 2009, p. 1, tradução nossa).

Pesquisadores têm buscado compreender como a computação


pode ser utilizada para o desenvolvimento desse tipo de pensamento
nos estudantes. Para a International Society for Technology in
Education (ISTE) e a American Computer Science Teachers
Association (CSTA), o PC pode ser caracterizado pelas seguintes
habilidades:

• Coleta de Dados: Processo de coleta de informações apropriadas;


• Análise de Dados: Encontrar sentido para os dados, buscando
padrões e tirando conclusões;
• Representação de Dados: Retratar e organizar dados em gráficos,
palavras ou imagens apropriadas;
• Decomposição do Problema: Dividir o problema em partes
menores e gerenciáveis;
• Abstração: Reduzir a complexidade para definir a ideia principal;
• Algoritmos e Procedimentos: Série de etapas ordenadas tomadas
para resolver um problema ou atingir algum objetivo;
• Automação: Utilizar computadores ou máquinas que realizam
tarefas repetitivas ou tediosas;
• Simulação: Representar ou modelar um processo. A simulação
também envolve a execução de experimentos usando modelos;
1236 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

• Paralelização: Organizar recursos para executar


simultaneamente tarefas para alcançar um objetivo comum.
(ISTE/CSTA, 2011, p. 8-9, tradução nossa).

Metodologia

Esta pesquisa é de natureza qualitativa (BICUDO, 1993). O


primeiro procedimento realizado foi o estudo e o planejamento de uma
sequência didática para ser trabalhada com grupos de alunos do
primeiro e segundo ano do Ensino Fundamental da Escola Maria
Peregrina, localizada na cidade de São José do Rio Preto, SP. Tal
sequência esteve fundamentada na atividade matemática proposta por
Gadanidis (2017a), disponível em researchideas.ca/wmt/c2a0.html. A
atividade explorada nesta pesquisa (ver Figura 1) assume um caráter
matemático-artístico-computacional, explora como temática principal
conteúdos sobre “padrões e álgebra” e está estruturada da seguinte
maneira:

1. Introdução: exploração de um objeto virtual que cria padrões a


partir um display de cores relacionados a “teclas” de um xilofone.
A proposta é que os alunos manipulem os parâmetros da grade
(grid), número de cores (core length), tipos de cores (core) e
repetição (reapet) do procedimento, visando criar diferentes
padrões.
2. Música, dança e cores: os estudantes criam seus próprios
padrões utilizando tinta e tiras de papéis. As sequencias são
tocadas com um xilofone “físico”. São dispostas placas de EVA
coloridas no chão e os alunos dançam as sequências criadas com o
xilofone a partir das cores das notas do instrumento em relação as
cores das placas. Por fim, eles representam seus padrões coloridos
em tiras de papel recortadas e coladas uma sobre a outra, criando
novos padrões a partir de seus displays iniciais.
3. Extensões: os alunos investigam um aplicativo computacional
mais complexo, com quantidade maior de parâmetros a serem
explorados, visando atribuir complexidade ao pensamento
matemático-computacional coletivo dos estudantes (ver:
http://mathsurprise.ca/apps/patterns/v1/).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1237

4. Documentário: as ações nas sessões de ensino (e aprendizagem)


são filmadas e é produzido um documentário educacional a partir
dessas ações.

Figura 1: A atividade matemática-artística-computacional

Fonte: researchideas.ca/wmt/c2a0.html

Tendo planejado as sessões de ensino a qual incluiu a


aquisição de materiais como xilofone, tapete colorido de EVA, tiras
de papel com marcações de divisões, tinta guache e pincel, dentre
outros, e a tradução de informações da língua inglesa para a língua
portuguesa, nos reunimos com as professoras dos alunos de
primeiro e segundo ano da Escola Maria Peregrina (EMP)1 para
descrever a atividade e organizar os grupos. Discutimos também
questões sobre os registros dos dados para pesquisa, como
filmagens das sessões com os estudantes e elaboração de diário de
campo. As filmagens também seriam utilizadas para produção de
um documentário. A condução didática das atividades com os alunos

1
Trata-se de uma escola diferenciada, com projeto político-pedagógico fundamentado na Pedagogia
de Projetos, considera pelo Ministério da Educação como uma das 100 escolas mais inovadoras do
Brasil. Do ponto de vista ético, a EMP solicita a todos responsáveis consentimento para realização de
pesquisas na escola. No termo são descritas todas as dimensões sobre o uso de imagem. A EMP então
concede ao pesquisador a anuência na realização de sua pesquisa, o que foi o caso da presente pesquisa.
1238 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

foi de responsabilidade do coordenador da pesquisa e os registros


das sessões de responsabilidade de uma pesquisadora de Iniciação
Científica. Enquanto as sessões eram realizadas com grupos de 5
alunos, as professoras ministravam aulas regularmente aos outros
alunos de sua turma em outra sala de aula.
A principal perspectiva analítica conduzida nesta pesquisa
para análise de dados se refere ao modelo de análise de vídeos
proposto por Powell, Francisco e Maher (2004), o qual é formado
por procedimentos não lineares descritos a seguir (Quadro 1):

Quadro 1: Modelo analítico de vídeos em Educação Matemática


Etapa Descrição
Observação Na primeira etapa, o pesquisador deve assistir o conteúdo
de vídeo visando familiarização com seus dados.
Descrição O pesquisador assiste as filmagens e descreve os dados da
filmagem em determinados intervalos de tempo.
Identificação de Eventos Críticos O pesquisador identifica momentos significativos,
considerados eventos críticos, de acordo com seus
interesses e objetivos de pesquisa.
Transcrição O pesquisador transcreve os momentos críticos. Pode
ocorrer a transcrição de falas ou descrição de
acontecimentos.
Codificação O pesquisador “categoriza” ou tematiza os dados visando
estabelecer relações entre eventos registrados.
Construção do Enredo O pesquisador estabelece conexões entre os eventos
críticos, as transcrições e as codificações através de
enredos.
Composição da Narrativa O pesquisador reporta os dados e suas interpretações por
meio de relatórios, artigos, livros, teses, etc.

Trabalhamos com 20 alunos divididos em 4 grupos


compostos por 5 integrantes cada, sendo 2 grupos de alunos do
primeiro ano e 2 grupos de alunos segundo ano. No planejamento
coletivo entre orientador, pesquisadora de Iniciação Científica e
professoras da escola, foi considerada a possibilidade de
reorganização das etapas originalmente propostas na atividade. A
ideia foi a de que os alunos pudessem explorar inicialmente aspectos
artísticos-manipulativos (etapa 2 da atividade) e,
consequentemente, as etapas 1 e 3 no laboratório da escola. Na
realidade, a motivação foi pedagógica e logística, visto a necessidade
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1239

de agendamento e disponibilidade do laboratório de informática da


escola. Para realizar a etapa 2, foram necessárias 3 sessões de ensino
de aproximadamente 60 minutos cada, com cada grupo de alunos.
Para realizar as etapas 1 e 3 foram necessárias 2 sessões com cada
grupo de alunos. Portanto, para completar as etapas de 1 a 3 foram
necessárias aproximadamente 20 horas de atividades (filmagens).
Em seguida, a etapa 4 (elaboração de documentário) foi realizada ao
longo do processo de análise de dados, o qual descreveremos mais
adiante.

Apresentação e discussão dos resultados

Na primeira etapa, os alunos foram engajados na realização


de 4 procedimentos. O primeiro deles consistia em elaborar uma
sequência de cores em três tiras de papel a partir de um display
inicial de no máximo 4 elementos utilizando até 4 cores (tinta
guache). Em seguida, eles deveriam repetir o display inicial ao longo
das tiras de papel. O exemplo de display criado pelo professor-
pesquisador (coordenador desta pesquisa) foi composto pelos
elementos vermelho/vermelho/azul. Nesse procedimento notamos
o seguinte com relação as experimentações dos alunos: (a) a maioria
dos estudantes optou em utilizar 4 elementos (core length) e 4 cores
diferentes. Alguns utilizaram mais de 4 elementos na composição do
display inicial; (b) a maioria dos alunos do primeiro grupo
apresentou dificuldade em se expressar com clareza utilizando a
tinta guache (mistura de cores). Diante disso, utilizamos em
situações posteriores adesivos, giz-de-cera e lápis-de-cor.; (3) alguns
estudantes preencheram de maneira equivocada suas fitas, ou seja,
não mantiveram o padrão com base em seu display inicial; e (4)
houve dois estudantes que otimizaram o processo de repetição de
seu display ao colorirem suas fitas, preenchendo primeiramente
todos os espaços de uma mesma cor e assim consequentemente. Na
Figura 2, exibimos algumas dessas soluções referente ao primeiro
procedimento da atividade com alunos de primeiro e segundo ano.
1240 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Figura 2: Representações de display em tira de papel

Fonte: Dados da pesquisa

Em nossa análise, consideramos que essa etapa da atividade


fomentou algumas habilidades importantes do PC, principalmente
a representação de dados. Em especial, as soluções otimizadas de
alguns estudantes indicam uma habilidade muito destacada na
literatura sobre o PC: a algoritmização, entendida como uma “série
de etapas ordenadas tomadas para resolver um problema ou atingir
algum objetivo” (ISTE/CSTA, 2011, p. 8). Tais habilidades do PC
estiveram ainda mais presentes, em nossa análise, quando os alunos
exploraram o segundo procedimento proposto na atividade.
Basicamente, eles foram engajados na elaboração de novos padrões
a partir de diferentes maneiras de recortes e justaposição de suas
três fitas constituídas por repetições de seus display. Na primeira
fita, eles realizaram um corte a cada 3 elementos. Na segunda fita
eles realizam um corte a cada 4 elementos e, na última fita, cortes a
cada 5 elementos. Em cada situação, os recortes de fitas foram
colados um abaixo do outro. Na figura 3, apresentamos um exemplo
criado por uma dupla de alunos a partir do display
azul/azul/vermelho/vermelho e, em seguida, um trecho de um
diálogo da sessão de ensino no qual eles utilizaram seus próprios
termos para descreverem seus padrões ou regularidades.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1241

Figura 3: Justaposição de display

Fonte: dados da pesquisa

Professor-pesquisador: Você identifica algum padrão?


Aluno 1: como assim?
Professor-pesquisador: alguma similaridade, algo se repetindo?
Aluno 1: aqui [no primeiro] o azul parece uma escada.
Aluno 2: o vermelho também, mas para mim parecem duas linhas
deitadas.
Professor-pesquisador: e no segundo?
Aluno 1: as linhas estão em pé.
Aluno 2: nesse [apontado ao último], as linhas duplas estão
deitadas para direita... é o contrário do primeiro

De acordo com orientações sobre a área de Matemática na


BNCC, destacamos:

Associado ao pensamento computacional, cumpre salientar a


importância dos algoritmos e de seus fluxogramas, que podem ser
objetos de estudo nas aulas de Matemática. Um algoritmo é uma
sequência finita de procedimentos que permite resolver um
determinado problema. Assim, o algoritmo é a decomposição de
um procedimento complexo em suas partes mais simples,
relacionando-as e ordenando-as, e pode ser representado
1242 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

graficamente por um fluxograma. A linguagem algorítmica tem


pontos em comum com a linguagem algébrica, sobretudo em
relação ao conceito de variável. Outra habilidade relativa à álgebra
que mantém estreita relação com o pensamento computacional é
a identificação de padrões para se estabelecer generalizações,
propriedades e algoritmos (BRASIL, 2017, P. 267, grifo nosso).

Após criarem diversos padrões de cores a partir da repetição


de um display, os alunos utilizaram um xilofone para produzir sons
respectivamente as cores utilizadas – terceiro procedimento. Por
exemplo, com base no display azul/azul/vermelho/vermelho,
considerando a disposição de cores no xilofone, eles produziram
sons que podem ser representados por meio da seguinte partitura
(Figura 4). Em seguida, no quarto e último procedimento dessa
etapa da atividade, os alunos foram engajados na elaboração de
movimentos corporais (dança) em um tapete EVA composto pelas
mesmas 4 cores disponíveis para elaboração de seus display e no
xilofone. Buscou-se realizar os movimentos corporais em sincronia
com os sons do xilofone.

Figura 4: Display de cores representado musicalmente (partitura e xilofone) e


corporalmente (tapete).

Fonte: dados da pesquisa


Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1243

Em nossa análise, destacamos: (a) embora a atividade visasse


a exploração de formas alternativas de representação repetitiva de
seus display, os alunos apresentaram certa dificuldade em realizar
os movimentos de maneira coordenada, ou seja, em sincronia com
os sons do xilofone, embora tenha-se constituído um cenário
genuinamente lúdico (EMERIQUE, 1999); (b) os movimentos
corporais, os quais exploram aspectos da linguagem em termos de
cognição corporificada (Lakoff; Núñez, 2000), ofereceu meios para
os alunos identificarem novos tipos de padrões ou formas a partir
dos movimentos (repetitivos) sobre o tapete. Além disso, uma dupla
de alunos buscou criar um novo display a partir do tipo de som
emitido pelo xilofone e, depois, visando realizar um tipo de
movimento específico sobre o tapete. Portanto, aspectos artísticos
(dança e sons) condicionaram o interesse dos estudantes em
elaborar um novo display, considerando-se sua repetição de caráter
algorítmico. Essa questão deve ser explorada de maneira mais
aprofundada em uma pesquisa futura.
Na terceira sessão de ensino com cada um dos grupos, os
alunos utilizaram o objeto virtual (etapa 1 da atividade), o qual
simula os sons de um xilofone digital de maneira semelhante a qual
haviam experimentado com o instrumento musical físico. Além
disso, por meio da manipulação numérica e visual/gráfica de
parâmetros, os alunos puderam configurar as ações do objeto virtual
de diferentes maneiras: (i) número de colunas da grade, (ii) número
de cores; (iii) cores e (iv) número de repetições. No exemplo a seguir
(Figura 5), configuramos o objeto com grade (grid) 5, 4 cores (core
length), display azul/azul/vermelho/vermelho (core) e repetição
(repet) do display em 10 vezes.
1244 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Figura 5: Simulação de display

Fonte: dados da pesquisa

Nessa sessão, cada aluno ou dupla de alunos reproduziu o


padrão anteriormente criado a partir de um display e identificaram
novos padrões a partir de mudanças no parâmetro referente a
grade. Em seguida, eles criaram novos displays considerando os
sons emitidos e/ou os padrões visuais formados. A cada display
criado e simulado com um certo número de grades, o professor-
pesquisador solicitava aos alunos que identificassem um padrão. Em
algumas situações, alunos fizeram inferências acerca de potenciais
relações entre o padrão/forma das cores e o número da grade em
relação ao número de elementos. Ao ser solicitada a mudança do
parâmetros referente a grade, foram identificadas regularidades
mais complexas, distintas de linhas do tipo vertical ou diagonal
comumente obtidas até aquele momento, como visto no diálogo a
seguir:

Professor-pesquisador: qual o display que vocês criaram?


Aluno: de quatro elementos, verde/verde/vermelho/amarelo
(Figura 6).
Professor-pesquisador: com grade 4, qual padrão vocês
identificam?
Aluno: Fica tudo reta, uma reta de cada cor.
Professor-pesquisador: por que isso acontece?
Aluno: por que 4 dividido por 4 é 1?
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1245

Professor-pesquisador: excelente observação! Você obtém linhas


verticais por que a grade e o número de elementos são iguais?
Aluno: Acho que sim.
Professor-pesquisador: mas será que existe outra possível
configuração na qual grade, elementos e cores são diferentes e
mesmo assim temos retas verticais?
Aluno: vamos ver com grade 6. Não! O verde forma tipo um X.

Figura 6: Simulação – Relação algébrica/gráfica

Fonte: dados da pesquisa

Por fim, na última sessão foi proposto aos alunos explorarem


uma extensão da atividade (Figura 7), disponível em
http://mathsurprise.ca/apps/patterns/v1/ (GADANIDIS, 2017b).
Essa atividade, a qual envolve um aplicativo diferente, foi elaborada
com base em programação utilizando o Blockly2 do Google e oferece
meios para a construção artística de objetos a partir da utilização de
uma biblioteca de comandos (manipuláveis) para construção de
algoritmos. Nenhum dos alunos participantes do primeiro e
segundo ano conseguiu desenvolver satisfatoriamente essa
atividade, sendo esta considerada de altíssimo grau de dificuldade
para alunos nessa etapa do Ensino Fundamental.
2
https://developers.google.com/blockly/
1246 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Figura 7: Aplicativo Padrões. Criado com Blockly

Fonte: dados da pesquisa

Conclusões

Produzir um documentário sobre o desenvolvimento das


atividades da pesquisa assume significativa importância por razões
diversas como: (a) elaborar registro audiovisual avaliativo das ações
dos estudantes; (b) elaborar registro sobre uma prática docente para
reflexão (TARDIFF, 2002) e; (c) compartilhar socialmente
experiências “alterativas” de estudantes dos anos iniciais em sala de
aula, a qual pode oferecer direcionalidade didática para prática
pedagógica em outras escolas. O documentário tem duração de
8mim:12s e visa apresentar uma visão holística do desenvolvido das
atividades, estando disponível em http://mkn-rcm.ca/repeating-
patterns/. Ver também em: https://youtu.be/X9CGjcTSE6k. Na
Figura 8, apresentamos imagens do documentário.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1247

Figura 8: Documentário sobre a atividade com alunos de primeiro e segundo anos

Fonte: Dados da pesquisa - http://mkn-rcm.ca/repeating-patterns/.

Os significados e conhecimentos matemáticos produzidos


pelos alunos participantes da pesquisa perpassaram por aspectos
específicos da álgebra no que se refere a identificação de padrões e
regularidades, abstração e, eventualmente, algumas generalizações.
Foram explorados alguns desdobramentos associados à relação ou
dependência entre padrões (cores, formas e sons). A articulação
entre artes e PC foi evidente em todos os grupos de participantes.
Nesse sentido, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2017), destacamos
o seguinte:

Atividades que facilitem um trânsito criativo, fluido e


desfragmentado entre as linguagens artísticas podem construir
uma rede de interlocução, inclusive, com a literatura e com outros
componentes curriculares. Temas, assuntos ou habilidades afins
de diferentes componentes podem compor projetos nos quais
saberes se integrem, gerando experiências de aprendizagem
amplas e complexas (BRASIL, 2017, p. 194).

Esta pesquisa ofereceu meios para o aprimoramento da


atividade matemática explorada e do aplicativo Repeating Patterns
+ Code + Art. Ou seja, com base nos resultados e sugestões
emergentes dessa pesquisa há uma nova versão do aplicativo
1248 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

disponível em http://mathsurprise.ca/apps/patterns/v2/, no qual


existem mais elementos ou comandos disponíveis visando a
exploração artística na construção de um código ou algoritmo. Por
exemplo, com o comando “set instrument to” o
usuário/programador pode alterar o tipo do instrumento musical
(marimba, guitarra, piano, etc.) na elaboração de sua obra, ou seja,
de um ponto de vista estético (BOAL, 2009), pode-se explorar
aspectos artísticos do código visando a execução de uma
imagem/som desejada pelo aluno. Utilizaremos esse novo aplicativo
na realização de experimentos de ensino com alunos dos anos finais
do Ensino Fundamental.

Referências

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4, n. 10, p. 18-23, mar. 1993. Disponível em <http://mail.fae.unicamp.br/
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BOAL, A. A estética do oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. 256 p.

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2017.

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GADANIDIS G. Repeating Patterns + Code + Art. Disponível em


http://researchideas.ca/patterns/, 2017b. Acesso em: 5 mai. 2017.

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Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1249

Lakoff, G.; Núñez, R. Where mathematics comes from: How the embodied mind
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POWELL, A. B.; FRANCISCO, J. M.; MAHER, C.A. Uma abordagem à Análise de


dados de vídeo para investigar o desenvolvimento de Idéias e Raciocínios
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro:


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Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and
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https://doi.org/10.1098/rsta.2008.0118.
82

Práticas colaborativas na coordenação pedagógica:


possibilidades e desafios

Joana Inês Novaes


Deise Aparecida Peralta

Introdução

O presente trabalho, realizado no âmbito da disciplina


Práticas colaborativas e formação de professores (Mestrado em
Ensino e Processos formativos), representa uma revisão de
literatura sobre o desenvolvimento de práticas colaborativas e o
trabalho formativo do coordenador pedagógico. Essa revisão
objetiva apresentar os pressupostos do trabalho colaborativo na
formação de professores e estabelecer uma relação sobre o trabalho
do coordenador pedagógico; pesquisa a qual venho desenvolvendo,
que no caso é sobre a identidade formativa do coordenador
pedagógico da Educação Infantil. O cenário da investigação da
pesquisa será articulado por meio da constituição de um grupo de
discussão pautado em debater os desafios formativos na formação
do professor principalmente no que se refere ao conhecimento
matemático. Os dados levantados serão discutidos em consonância
com pressupostos teóricos do agir comunicativo e do conceito de
esfera pública habermasiana.
O levantamento de um grupo de discussão traz em sua
constituição algumas feições colaborativas que serão apontadas ao
longo do artigo. O texto está dividido em três partes; a primeira
introduz o conceito de trabalho colaborativo na formação de
1252 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

professores, trazendo os principais autores que têm se debruçando


sobre a temática ao longo dos anos. A segunda situa o papel do
coordenador pedagógico no campo formativo e aponta a escola
como espaço primordial para essa ação e na parte final discutiremos
as possibilidades e as implicações sobre a colaboração e o papel
ocupado pelo coordenador pedagógico frente a um grupo que se
pretende ser colaborativo.
As escolas apresentam uma cultura institucional marcada
pelo individualismo e a hierarquia, o coletivo escolar é composto por
diferentes atores, variadas e complexas relações, que acabam
conduzindo ao isolamento. Na contemporaneidade, se faz
necessário, buscar alternativas para o rompimento do isolamento e
da dispersão, principalmente no que concerne a formação
continuada dos professores no ambiente escolar, rico espaço para a
troca de saberes e experiência entre os pares.

Resultados e discussões da revisão

O trabalho colaborativo na formação de professores

Constituir-se grupo, estar com o outro, é um desafio


constante, que para nós, seres humanos, que imersos em um mundo
global, guiados cada vez mais nas tecnologias da informação e das
redes sociais, somos conduzidos ao isolamento, à competitividade,
ao individualismo e outros males do mundo contemporâneo.
Boavida e Ponte (2002), por meio de suas pesquisas
evidenciaram que é extremamente difícil ao professor realizar um
projeto educativo sem contar com a colaboração de outro e apontam
como alternativa para a resolução desse isolamento o trabalho
colaborativo, para os autores

[...] a colaboração constitui uma estratégia fundamental para lidar


com problemas que se afiguram demasiado pesados para serem
enfrentados em termos puramente individuais. É o caso da
investigação sobre a prática, que coloca dificuldades
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1253

suficientemente sérias para justificar a adopção de estratégias de


trabalho colaborativo. (BOAVIDA e PONTE ,2002,p.01)

Os autores apresentam que um grupo podem juntar pessoas


levadas por razões diferentes, mas que encontram um ponto de
entendimento comum que as levam a envolver-se num projeto
colaborativo: interesse numa inovação curricular, como lidar com
uma turma difícil, para avançar na compreensão de certa
problemática, ter a oportunidade de trabalhar com alguém com
quem há relações pessoais ou até como estratégia para alterar as
relações de poder na instituição.
Damiani (2008) realizou uma ampla revisão de literatura
voltada para a análise dos resultados de diferentes investigações que
enfocaram as atividades colaborativas entre professores e
estudantes. A autora apoiada nos estudos de diferentes autores
esclarece que, grupos colaborativos são aqueles em que todos os
componentes compartilham as decisões tomadas e são responsáveis
pela qualidade do que é produzido em conjunto, conforme suas
possibilidades e interesses. E aponta a diferença entre os termos
cooperação e colaboração, onde o primeiro refere-se à ação de
operar, executar, fazer funcionar de acordo com o sistema, e o
segundo, designa trabalhar, produzir, desenvolver atividades tendo
em vista determinado fim. Mas expõe que ambos os termos
(cooperação e colaboração) derivam de dois postulados principais:
rejeição ao autoritarismo e promoção da socialização. O trabalho
ainda evidencia que a colaboração pode ser entendida como uma
filosofia de vida, enquanto que a cooperação seria vista como uma
interação projetada para facilitar a realização de um objetivo ou
produto final.
Quanto ao aspecto sobre como pode ser desenvolvida,
Damiani (2008) elenca que o trabalho colaborativo pode se dar:
entre pares, professores e professores, entre professores e
investigadores, entre professores e alunos, entre professores e
gestores educacionais.
1254 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Ciríaco (2016) realizou uma pesquisa com um grupo de


professoras iniciantes, onde procurou analisar em que medida as
interações ocorridas, poderiam contribuir com a formação em
matemática. A pesquisa desenvolveu-se em reuniões onde eram
realizadas discussões e planejamentos de atividades colaborativas
elaboradas inicialmente pelo formador-pesquisador e depois pelo
grupo. Foram promovidas discussões dos problemas vivenciados
nas aulas com o objetivo de construir formas de superação a partir
da prática dialógica da colaboração. As temáticas abordadas
destinaram a atender suas necessidades formativas no
planejamento das aulas e a reflexão sobre a prática que realizavam.
Ao final, concluiu-se a potencialidade do grupo colaborativo para a
formação continuada em matemática.
Esses levantamentos nos trazem percepções sobre a
potencialidade do trabalho colaborativo e a formação docente que
deve ser articulada pelo coordenador pedagógico, figura que está
presente nos diferentes níveis de ensino.

O papel do coordenador pedagógico e a escola como espaço


formativo

No Dicionário Larrousse Cultural (1999, p.266) encontramos


a seguinte definição da palavra coordenador: “Indivíduo incumbido
de orientar, harmonizar, coordenar os trabalhos de um grupo.” Para
Souza (2008), o coordenador pedagógico está permanentemente
em relação com grupos e o ato de coordenar implica,
necessariamente lidar com grupos. Nessa relação será necessário
realizar uma prática de maneira participativa, incentivando o
trabalho colaborativo com e entre os professores.
Para Libâneo (2004), o coordenador pedagógico responde
pela viabilização, integração e articulação do trabalho pedagógico-
didático, estando diretamente ligado aos professores. Junto ao corpo
docente o coordenador tem como principal atribuição a assistência
didática pedagógica, refletindo sobre as práticas de ensino,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1255

auxiliando e construindo novas situações de aprendizagem, capazes


de auxiliar os alunos ao longo da sua formação. Portanto, é função
do coordenador pedagógico, articular e mediar à formação
continuada dos professores buscando alternativas para conciliar as
atividades de apoio e formação dos professores, considerando todas
as novas exigências educacionais.
Para Marin (1995), quando se considera a escola como lócus
de formação supera-se o modelo clássico e constrói-se uma nova
perspectiva na área de formação continuada de professores, mais
completa, mais aceita e mais valorizada. Geglio (2008) entende a
escola um contexto natural e legítimo para a formação continuada
de professores, não como um evento, ou um encontro com esse
caráter, mas como meio contínuo, uma ação que acontece com o
coletivo e no coletivo dos pares juntamente com a figura do
coordenador pedagógico. Esses autores entendem a escola como um
local de formação continuada de professores, mas também
entendemos a escola como um local de produção de diversos
conhecimentos e saberes, pois

[...] precisamos romper com a concepção da escola “apenas” como


um espaço para se ensinar. Temos que passar a enxergar esse
espaço como local de produção de conhecimentos e saberes; um
local onde identidades individuais e sociais são forjadas, onde se
aprende a ser sujeito, cidadão crítico, participativo– atuante em
sua comunidade-e responsável. (DINIZ-PEREIRA, 2007, p.89)

Implicações sobre a colaboração e o papel ocupado pelo


coordenador pedagógico frente a um grupo colaborativo

Diniz-Pereira (2007, p.85), nos alerta para a necessidade de


uma leitura crítica das pesquisas sobre formação de professores
produzidas em diferentes contextos, em realidades educacionais e
condições de trabalho docente muito diferenciadas. Esse alerta vem
ao encontro do que preconizam Boavida e Ponte (2002, p.03),
salientam que “objectivos diferentes, prosseguidos em condições
1256 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

bastante diversas, exigem, naturalmente, formas de colaboração


também muito diversas”. Portanto, ao articular uma ação formativa
colaborativa, é imperativo pesquisar referências, experiências, mas
sempre avaliando seriamente se os resultados de tais investigações
realmente condizem com a nosso contexto e que possa se adaptar a
ele. Almeida (2013, p.12), ainda assevera:

Os processos formativos que focalizam só o professor sem levar


em conta o contexto (a escola) na qual atua, estão fadados, via de
regra, ao insucesso. É no contexto do trabalho do professor que se
deve investir, instituindo uma dinâmica formativa visando à escola
como um todo. (ALMEIDA, 2013, p.12)

Além de se levar em conta o contexto de atuação, também se


faz necessário a busca pelo envolvimento da parte, no caso o
professor, com o todo, com o grupo de professores e vice-versa, em
uma relação dialética.
Mas, para os autores, Boavida e Ponte (2002, p.03), o fato de
diversas pessoas atuarem em conjunto não significa que estejam,
necessariamente, perante uma situação de colaboração. O termo
colaboração é adequado nos casos em que os diversos intervenientes
trabalham conjuntamente, numa relação não hierárquica, mesmo
havendo diferenças de estatuto.
Vale ressaltar que, a figura do coordenador pedagógico traz
em si uma questão hierárquica, mas para se constituir uma situação
conjunta de natureza colaborativa, é preciso romper com a visão de
chefe que dá as ordens para que seus subordinados executem, e
estabelecer um novo paradigma pautado em uma relação mais
horizontal. Ciríaco (2016) nos traz a possibilidade de criarmos
grupos com características colaborativas, para se romper com essa
visão refratária.
Além da potencialidade do trabalho colaborativo Boavida e
Ponte (2002), descortinam alguns aspectos críticos que vão
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1257

[...] desde a negociação do objectivo do projecto, a determinação


do caminho a percorrer, a definição do conhecimento necessário
para encontrar as soluções pretendidas, a criação e manutenção de
relações de confiança entre os membros da equipa, o
reconhecimento de impasses, a necessidade de novas respostas em
função da mudança das condições em que o trabalho se realiza,
etc.(BOAVIDA e PONTE,2002,p.10)

Ao empreender um trabalho colaborativo junto a sua equipe


será necessário, ao coordenador pedagógico, se lançar à
aprendizagem da colaboração e da negociação, na ajuda para
ultrapassar obstáculos e para lidar com vulnerabilidades e
frustrações e o desenvolvimento de capacidade de reflexão em
conjunto. Dessa forma partilhamos dos ideais de Placco (2008,
p.52,53) que expõe acreditar em um processo formativo partilhado,
onde as responsabilidades e a interlocução são partilhadas,

[...] o planejamento e os movimentos de formação de professores


precisam ser equacionados pelo coordenador pedagógico,
mediante a construção de uma interlocução participada e uma
ampliação da comunicação entre os educadores da unidade
escolar, enfrentando juntos- solidária e confiantemente- tanto os
caminhos das dificuldades e dos obstáculos como os da descoberta
e da construção de respostas aos desafios da prática cotidiana [...]
(PLACCO, 2008, p.53)

Paulo Freire (1981, p.79), na sentença que melhor identifica a


sua pedagogia, expõe em termos pedagógicos a experiência de
formação na intersubjetividade: “Já agora ninguém educa ninguém,
como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se
educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”.

Conclusões

Iniciamos nossas considerações retomando os objetivos do


artigo que procurou articular o papel formativo do coordenador
1258 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

pedagógico com a possibilidade de constituição de grupo


colaborativo ou ao menos com características colaborativas.
O fato de o coordenador pedagógico exercer uma função que
o coloca em uma situação hierárquica superior, pode se configurar
em um impeditivo para o estabelecimento de práticas colaborativas
dentro do espaço escolar, para articular a formação continuada de
professores, mas se ele se pautar pelos princípios colaborativos, tais
como, negociação do objetivo do projeto, a determinação do
caminho a percorrer, a definição do conhecimento necessário para
encontrar as soluções pretendidas, a criação e manutenção de
relações de confiança entre os membros da equipe, pode trazer
feições colaborativas nessa composição.

Referências

ALMEIDA,L.R. Formação centrada na escola: das intenções às ações. In:


ALMEIDA,L.R.;PLACCO, V.M.N.S.(org.).O coordenador pedagógico e a
formação centrada na escola. São Paulo: Loyola,2013.

BOAVIDA, A M. & PONTE, J. P. (2002). Investigação colaborativa: Potencialidades


e problemas. In GTI (Org), Reflectir e investigar sobre a prática
profissional (pp. 43-55). Lisboa: APM.

CIRÍACO,K. T. (2016). Professoras iniciantes e o aprender a ensinar


Matemática em um grupo colaborativo. Tese (Doutorado em
Educação), Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual
Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ (FCT/UNESP).

DAMIANI,M. F. Entendendo o trabalho colaborativo em Educação e revelando


seus beneficios.Educar, Curitiba, n. 31, p. 213-230, 2008. Editora UFPR.

DINIZ-PEREIRA,J. E. Formação de professores, trabalho docente e suas


repercussões na escola e na sala de aula. Educação & Linguagem, São
Bernardo do Campo, n. 15, p. 82- 98, jan./jun. 2007.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1981.


Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1259

GEGLIO, P. C. O papel do coordenador pedagógico na formação do professor em


serviço. In: (org.). PLACCO, V.M. N. de Souza. O coordenador
pedagógico e o cotidiano da escola. São Paulo: Loyola, p.113-120, 2003.

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LIBÂNEO, J.C. Organização e gestão da escola: teoria e prática.Goiânia:


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MARIN, A.J. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e


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PLACCO, Vera M. N. S., ALMEIDA, L. R. (Org.). O coordenador pedagógico e o


cotidiano da escola. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2003.

SOUZA, Vera Lúcia T. O coordenador pedagógico e o atendimento à diversidade.


In: (org.). PLACCO, V.M. N. de Souza. O coordenador pedagógico e o
cotidiano da escola. São Paulo: Loyola, p.93-112, 2003
83

Processo formativo de alunos e professores no projeto


de extensão comunitária “literatura na escola”

Adriana Juliano Mendes de Campos


Alessandro Henrique Dias Cavichia
Alessandra Joana Testi Souza
Célia Regina da Silva Zerbato
Tamar Naline Shumiski
Widson Tainan Ros
Elienai Nogueira D’abadia
Caio Fernando da Silva Santiago
Gabriela Cristina Crepaldi Cardoso
Natália dos Santos Cardoso
Ana Caroline de Freitas

“A literatura assume muitos saberes. Num romance como


Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social
(colonial), técnico, botânico, antropológico (Robinson passa da
natureza à cultura). Se, por não sei que excesso de socialismo ou
barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do
ensino, exceto uma, é a disciplina literária que deveria ser salva,
pois todas as ciências estão presentes no monumento literário.
[...]a literatura faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum
deles; ela lhes dá um lugar indireto e esse indireto é precioso. [...]
trabalha nos interstícios da ciência[...]
[...] encena a linguagem em vez de, simplesmente utilizá-la, [...]
engrena o saber no rolamento da reflexividade infinita: através da
escritura, o saber reflete incessantemente sobre o saber, segundo
um discurso que não é mais epistemológico mas dramático”.
1262 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

(Fragmento do Discurso- aula inaugural da cadeira de Semiologia


Literária, Colégio de França pronunciado em 07 de Janeiro de
1977).
Roland Barthes, Aula, 1978, p.18-19.

Introdução

Partindo da problematização dos resultados em Leitura e


Escrita alcançados pelos alunos do Ensino Médio não só paulistas
mas brasileiros, Campos (2006) tem observado os resultados das
avaliações externas aplicadas a partir da década de 90 no Estado de
São Paulo constatando que determinam tanto dos órgãos federais
quanto dos estaduais novas políticas de ensino e formas de
abordagem dos conteúdos, mais sincronizadas com os anseios dos
adolescentes, o que configura urgência no cenário da Educação.
Após coleta de dados na Diretoria de Ensino – região de Jales,
noroeste de São Paulo, sobre desempenho e nível de proficiência em
Leitura e Escrita, a partir dos índices do SAEB (2015, 2017), SARESP
(2015, 2016 e 2017) e ENEM (2015, 2016, 2017), a pesquisadora
verificou que as competências e habilidades relativas ao domínio da
linguagem literária e textos de linguagem conotativa apresentam os
índices mais baixos nas avaliações em Língua Portuguesa, embora a
Diretoria de Ensino de Jales esteja num patamar estadual e nacional
de bom desempenho em relação às demais e às escolas da capital,
dentre outros estados brasileiros.
Campos (2006) afirma que nas últimas décadas, a Teoria da
Literatura abrigou diversas teorias contemporâneas, constituindo os
métodos de abordagem sociohistórica, psicanalítica, genética,
pragmática, cultural, pós-estruturalista, feminista e colonialista, por
força do contexto globalizado e plural que dominou nosso tempo,
expansão de possibilidades analíticas e interpretativas não
concebidas na prática pedagógica escolar em Língua Portuguesa, o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1263

que pode se constituir como um dos fatores de fragilidade nas


habilidades avaliadas, devido à fragmentação do sentido.
Após atuar na formação continuada de docentes da rede
estadual, como ATP e PCOP de Língua Portuguesa por uma década,
a pesquisadora e líder do Grupo de Pesquisa “Mediação e
Linguagem”, cadastrado no CNPQ e certificado pela instituição,
considerando os princípios da estética da sensibilidade, da ética da
identidade e da contextualização sociocultural presentes nos
PCNEM/99, implantou e implementou, em 2018, no Departamento
de Letras do Centro Universitário de Jales, em conjunto com
pesquisadores coautores e colaboradores, coordenadores de curso e
docentes dos Departamentos de História, Arte e Pedagogia, o Projeto
itinerante “Literatura na Escola”, que tem se desenvolvido nas
escolas estaduais da rede pública da Diretoria de Ensino de Jales
desde Março, mobilizando a integração entre componentes
curriculares como Língua Portuguesa, História, Arte, Geografia,
Filosofia e Sociologia, dentre outros, procurando estabelecer uma
concepção emancipada de aluno, de leitor, de ensino da literatura e
de prática pedagógica, ancorado nos objetivos de estimular a leitura
de obras clássicas, por meio de agendamento de data de Debate com
alunos e equipes gestora e de coordenação, aos sábados; executar
metodologia de ensino da Literatura norteada pela
interdisciplinaridade e pelos princípios de vivência e protagonismo
nas escolas de Ensino Médio participantes, utilizando multimeios
permitidos a um só tempo pela tecnologia; desenvolver estratégias
inovadoras para envolver alunos nas atividades de leitura e
compreensão da Literatura; estimular a motivação para os estudos
de aprofundamento cultural.
Planejou também executar o processo dialógico e a
metodologia da mediação por diferentes linguagens; potencializar a
Escola como lugar de construir e reconstruir a Cultura; integrar a
comunidade às rotinas do Centro Universitário de Jales; fazer da
Escola pública e da Universidade espaços democráticos de
integração e respeito à diversidade social e cultural enquanto
1264 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

atividade cidadã; refletir sobre o Ensino na Educação Básica e em


nível superior oferecendo alternativas para as demandas da
juventude no século XXI e fomentar a atividade acadêmica e de
pesquisa.

Fundamentação Teórica

O Projeto de Extensão Comunitária “Literatura na Escola”


tomou como base os pressupostos teóricos da Teoria da Literatura e
da Semiologia literária integradas ao diálogo interartes, apontado
em Campos (2006), que elegeu como categoria de pesquisa a função
estética. Tal categoria é fator de seleção do material aplicado, em
conjunto com teorias pedagógicas da Educação centradas nas
Metodologias de Ensino que estabelecem a mediação e integração
interdisciplinar como práxis.
Fundamentado em Barthes (1978) e em Jakobson (1970) o
processo teórico-metodológico desenvolvido tanto na tese (2006)
quanto no Projeto de Extensão (2018) prioriza a atribuição de
validades de sentido à leitura dos adolescentes e jovens bem como a
reflexão sobre a prática docente articulada à metodologia de ensino
que potencializa o cruzamento de diferentes linguagens, a partir da
função estética, tendo como eixo a linguagem multimídia.
Baseado nos princípios da mediação hegeliana retomados ao
longo do tempo por diferentes filósofos, utiliza, conforme Martín
Barbero (2015) diferentes meios para estabelecer a mediação e
estimular o diálogo interartes, com a finalidade de possibilitar a
compreensão da emergência de temas que se manifestam na cultura
numa dada época, por meio da Literatura, utilizando diferentes
meios para promover a mediação, não aceitando a hegemonia
massiva.
Campos (2006, p. 32) procura dar luz à superação da
passividade e submissão na recepção dos bens culturais,
estimulando a resistência e reconhecimento da singularidade
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1265

estética na Literatura, para compreensão do texto, da cultura e do


mundo, afirmando, em sua proposição, que:

“Se, por um lado, historicamente, a abordagem extrínseca negou


ao texto a evidência de seu valor estético, a abordagem intrínseca
foi acusada de negar-lhe seu fundamento histórico. A tarefa que se
nos impõe, na transição, é a de equilibrar os extremos, as oposições
e buscar coesão produtiva, a partir da contribuição cultural que
esse complexo teórico nos legou enquanto expressão do
pensamento científico- literário”.

E tal coesão interpretativa, neste Projeto de Extensão, só pode


vir por complementaridade e referenciação a uma e outra cadeia de
conhecimentos, destacando princípios fundantes das teorias
(literária e didática), que permaneceram estáveis, mas que no
desafio do presente, requerem superação e redefinição. No nosso
caso, junto aos princípios educacionais e os recursos tecnológicos,
com aplicação da mediação na esfera escolar.

Procedimentos metodológicos

A metodologia utilizada no Projeto toma como pressupostos


teórico-metodológicos o diálogo e a interdisciplinaridade entre os
componentes curriculares, possibilitados pelos temas conectores de
sentido e de abordagens de conteúdos que emergem dos textos
literários, conforme argumenta Barthes (1978) em seu Discurso da
aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária na epígrafe de
apresentação deste resumo.
A seleção do objeto de pesquisa e estudo no Processo
Formativo leitor dos adolescentes do Ensino Médio das escolas
públicas do noroeste paulista partiu da opção pela função estética de
algumas das obras literárias indicadas em lista de leitura obrigatória
para o vestibular 2017/2018 da FUVEST, quais sejam, os romances,
“O Cortiço”, de Aluísio Azevedo; “Iracema”, de José de Alencar,
1266 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis; “Vidas


Secas”, de Graciliano Ramos e “ Sagarana”, de João Guimarães Rosa.
Para a reflexão teórico-metodológica sobre o ensino-
aprendizagem busca em Arnoni (2008) a MMD- Metodologia da
Mediação Dialética na perspectiva da Ontologia do Ser Social,
articulada à profissionalidade da docência, Arnoni (2018). Por meio
da relação dialética, dialógica e horizontal entre alunos e professores
e entre leitores e produtores utiliza diferentes meios e linguagens
para estimular a aprendizagem dos alunos do Ensino Médio da rede
pública de Jales e o aperfeiçoamento da prática docente dos
graduandos em formação inicial e de seus professores universitários
enquanto mobilizadores da função educativa e social da Educação.
Após a Parceria entre Centro Universitário de Jales e Diretoria
de Ensino de Jales (PEF, Programa Escola da Família), estendemos
a parceria à Prefeitura Municipal de Jales, Secretaria Municipal de
Cultura e Escola Livre de Teatro, estabelecendo para este Processo a
seguinte metodologia de aplicação, constituída das seguintes etapas:
No primeiro encontro de formação literária com os alunos do
Ensino Médio da EE “Dom Arthur Horsthuis”, dia 24/03 além da
análise estrutural e estilística do romance “O Cortiço”, próprias do
olhar teórico-metodológico sobre a Literatura, foram discutidos com
os 45 participantes presentes, o Tempo e Espaço como sociologia da
favela e a segregação feminina na obra de Aluísio Azevedo, em
homologia de processos possibilitada simultaneamente ao processo
formativo dos graduandos e docentes. Também as personagens
masculinas foram dissecadas à luz da ideologia do Naturalismo, em
comparação com a análise da figura masculina nos relacionamentos
afetivos e de trabalho da época, contrastando com a atualidade; e,
por fim, cultura e sociedade nos séculos XIX e XXI foram
comparadas. O interesse e participação dos estudantes foi
surpreendente;
No segundo encontro de debate literário, além da cena viva
performatizada pelos alunos e intervenção pela Escola Livre de
Teatro, foi apresentada pelos graduandos de Letras, dia 05/05/2018
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1267

aos 33 adolescentes presentes, análise estrutural e estilística do


romance “Iracema”, de José de Alencar. Também foi enfocada a
leitura filosófica do mito do Bom Selvagem de Rosseau bem como a
crítica ao filme “Avatar”, pelos docentes, analisando a tecnologia em
Cameron, dois séculos após Alencar, com uma introdução à teoria
de Martín Barbero (2015), “Dos Meios às Mediações”;
No terceiro encontro, dia 26/06, de abordagem do romance
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, na EE “
Dr. Euphly Jalles”, o realismo Literário foi discutido com os 97
participantes, na arte descritiva, a partir da genialidade de
Machado, situando a ironia numa sociedade elitista hipócrita e
escravagista, por meio da aplicação da metodologia de transposição
da linguagem verbal para a linguagem multimídia, a partir da
elaboração tecnológica de objetos digitais de aprendizagem pelos
alunos do Ensino Médio, em parceria com a Diretoria de Ensino;
No quarto encontro, dia 11/08, na EE “Onélia Faggioni
Moreira” foi abordado com os 67 participantes, o romance “Vidas
Secas, de Graciliano Ramos em seus aspectos literários bem como
quanto aos aspectos políticos e geográficos da Seca do Nordeste. Foi
proposto pela autora do Projeto o diálogo entre a pintura de Candido
Portinari e o romance e do auto de João Cabral de Melo Neto, “Morte
e Vida Severina” com a canção “Funeral de um Lavrador”, de Chico
Buarque de Holanda, por meio do exercício da Mediação pela
Linguagem na perspectiva de Martín Barbero – Dos Meios às
Mediações.
No quinto encontro, dia 22/09 os contos que compõem
“Sagarana” foram selecionados como conectores de leitura da
relação mítico-poética homem/universo na EE “Carlos de Arnaldo
Silva”.
O PEC 2018 "LITERATURA NA ESCOLA" esteve diretamente
vinculado à atividade acadêmica regular de ensino nas graduações
em Letras, Pedagogia, História, Artes do Centro Universitário de
Jales; de pesquisa; no recém formado Grupo de Pesquisa – GP “
1268 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Mediação e Linguagem”, com cadastro no CNPQ e metodologia de


encontros presenciais e virtuais.
Foi coordenado e orientado por docente pesquisador, tendo,
necessariamente, a participação de alunos das graduações,
especialmente de Letras e Arte, orientandos do PIC- Projeto de
Iniciação Científica e de docentes e coordenadores de curso,
membros dos GPs Mediação e Linguagem e História, Cultura e
Diversidade, o que garantiu a indissociabilidade entre Ensino,
Pesquisa e Extensão.
Em sua metodologia, possibilitou a troca mútua de
conhecimentos e de experiência didática entre os acadêmicos
participantes do projeto, pesquisadores, profissionais da Educação
pública, alunos, pessoas e famílias das comunidades atendidas a
cada sábado no Projeto itinerante.

Apresentação e Discussão dos resultados

Durante sete meses de 2018, de Março a Setembro, articulou-


se o Projeto “Literatura na Escola” em três horas, um sábado por
mês, com abordagem integrada das obras citadas, em Encontros
coordenados pela liderança do Grupo de Pesquisa “Mediação e
Linguagem”, cadastrado no CNPQ e certificado pelo Unijales
mobilizando os debates e possibilitando o diálogo com os coautores
por meio das diferentes linguagens e do protagonismo dos alunos
da Educação Básica.
Houve comprovação de leitura das obras, vista material da
elaboração de painéis afixados nas escolas bem como registro
fotográfico e fílmico da performance dos alunos nos cenários vivos
do enredo das obras na Educação Básica. Há filmagem e registro
fotográfico de intervenções da Escola Livre de teatro, que tem em
seu staff alunos de graduação em Arte do Centro Universitário, com
adaptação de um trecho de cada obra para os encontros.
Graduandos de Letras participaram com leitura
sensibilizadora e orientandos de Iniciação Científica com exposição
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1269

crítica, oral e dialogada do enredo. A fundamentação teórica e a


correlação interdisciplinar foi alinhavada pelos docentes dos
Departamentos de Letras, História e Arte bem como por membros
do Núcleo de Estudos Acadêmicos e3 do Grupo de Pesquisa, com
utilização da tecnologia e recursos multimídia que possibilitam o
cruzamento socialmente contextualizado de textos verbais e não-
verbais como a literatura, a pintura, a música e o cinema.
Realizou-se, a título de pesquisa e observação prática da
metodologia, a perspectiva da mediação como princípio de
apropriação dos conhecimentos por meio da linguagem e da cultura,
em metodologia que dinamizou a abordagem do conteúdo estético
referenciando a operacionalização da teoria da mediação para a
prática docente dos profissionais já atuantes na rede e dos
graduandos em formação inicial.
Foi possível quantificar, segundo relato e avaliação das
equipes de gestão escolar envolvidas a melhoria da proficiência na
leitura literária em 3,5% dos adolescentes do EM das escolas
inscritas; a valorização do patrimônio literário nacional articulado à
discussão de temas da atualidade, especialmente de Diversidade e
Direitos Humanos. Exercitando a Função social da Educação, foi
possível potencializar a compreensão da totalidade
compartimentada nos conhecimentos previstos nos componentes
curriculares e sua necessária integração por 30% dos graduandos
de Letras e revisitar as obras literárias nacionais com 10% dos
profissionais das escolas, estimulando a continuidade de estudos em
nível universitário em 90% do público do Ensino Médio
participante.
Concretizou-se a integração do ensino, pesquisa e extensão
dentre os principais resultados evidentes; a articulação do processo
formativo de alunos das escolas públicas realizado por graduandos
de Letras, docentes e coordenadores de cursos do Centro
Universitário de Jales; investimento na formação inicial de
professores pela instituição e aprimoramento da pesquisa em nível
1270 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de iniciação científica e em nível institucional pelo Núcleo de Estudos


Acadêmicos e Grupo de Pesquisa “ Mediação e Linguagem”.

Conclusões

O Processo Formativo desenvolvido no PEC 2018 - Projeto de


Extensão Comunitária “Literatura na Escola” se destinou a atender
a sociedade civil em comunidade externa ao Centro Universitário,
para grupo específico de adolescentes e jovens da Educação Básica
das escolas de Ensino Médio da rede pública de ensino, promovendo
ação de natureza cultural, educativa, social e artística no intuito de
promover a emancipação humana por meio do conhecimento.
Cientes de que a Literatura, por si, expressa a diversidade e
abriga conhecimentos históricos, sociológicos, psicológicos que se
manifestam na análise intra ou extraliterária, foi eleita como
categoria a função estética que permeia as formulações teórico-
metodológicas que a Literatura assumiu na sistematização do
currículo da Educação Básica, a partir das linhas que explicam a
evolução das linguagens nas últimas décadas e seu uso real na
escola, considerando seus impasses e dilemas.
Considerando a plurissignificação da literatura e a recusa a
uma teoria específica, determinante da prática, analisando a faixa
etária a que interessa o resultado deste Projeto para definir a
perspectiva interdisciplinar como expressão da concepção dialética
de ensino que, aceitando a diversidade, incentiva a superação da
fragmentação do conhecimento literário, procurou-se ampliar,
comparar e relacionar conteúdos disciplinares da Literatura a outros
componentes curriculares e estéticos, dos meios às mediações, em
busca de unidade, por meio do tratamento sincrônico das
linguagens.
Esperando, como resultado, a melhoria da proficiência em
leitura pelos adolescentes, compreensão dos conteúdos curriculares
e sua integração pelos graduandos, além da valorização das obras
literárias nacionais, continuidade de estudos em nível universitário
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1271

e participação em vestibulares e ascensão aos cursos superiores, o


PEC 2018 “LITERATURA NA ESCOLA”, do Departamento de Letras,
integrou escolas estaduais, universitários, orientandos, docentes e
coordenadores de curso no Ciclo de Estudos e debates desde Março,
em mobilização itinerante pelas Escolas Estaduais de Ensino Médio,
estabelecendo a função social da Educação, projeto voltado à faixa
etária do Ensino Médio, jovens de 15 a 17 anos.
A realização das etapas formativas de planejamento, execução
e avaliação da atividade acadêmica fortaleceu os mecanismos de
formação profissional inicial didático-metodológica dos graduandos
e de iniciação à pesquisa dos orientandos, tanto quanto a
aprendizagem significativa e não linear dos estudantes do Ensino
Médio e a formação continuada dos docentes da Educação Básica e
do Ensino Superior.
A articulação entre teoria e prática no ensino, pesquisa e
extensão foi mobilizada para promover a espiral do conhecimento
que o Centro Universitário deve oportunizar e aperfeiçoar como
irradiador da cultura na região.
Conclui-se que apesar de os resultados do IDESP e IDEB do
Ensino Médio serem os mais sofridos no país e na região observada,
a metodologia aplicada e sugerida de conexão de sentidos de leitura
e estudo da literatura promove a melhoria gradativa da autonomia
em Leitura e Escrita, bem como a compreensão sociocultural dos
conteúdos escolares, ampliando os horizontes de conhecimento dos
adolescentes a partir da mediação interdisciplinar da Literatura.

Referências

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operacionalização do método dialético: fundamentos da dialética e da
ontologia do ser social como base para discussão da questão
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1272 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

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Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1273

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Acesso em 10/02/2018
84

Processos formativos na infância:


brincadeiras no cotidiano da educação infantil

Aline Patricia Campos Tolentino de Lima


Evani Andreatta Amaral Camargo

Introdução

Este artigo está fundamentado na perspectiva histórico-


cultural que reconhece o papel central da atividade lúdica no
processo de formação da criança (VIGOTSKI, 2009). De acordo com
tal fundamentação teórica, o brincar é a atividade principal do
cotidiano da criança, pois ela tem necessidade de agir como o adulto
e na brincadeira do faz de conta consegue satisfazer suas
necessidades, colocando-se no lugar do outro.
Para elaboração deste trabalho foram realizadas pesquisas
bibliográficas e a de campo, sendo a base de consulta da pesquisa
bibliográfica constituída basicamente por livros e artigos sobre o
tema principal a ser investigado, que é o papel da brincadeira na
abordagem histórico-cultural e suas contribuições no processo de
formação e desenvolvimento infantil.
A pesquisa de campo busca apresentar a opinião das crianças
sobre suas brincadeiras preferidas, por meio de diferentes registros,
como: entrevistas individuais, desenhos, rodas de conversas e
registros fotográficos. Os estudos e a bibliografia, fundamentados na
abordagem histórico-cultural sobre o brincar, apresentaram outra
maneira de se ver a criança, isto é, como capaz e participativa do seu
processo de formação e desenvolvimento. Por isso, o principal
1276 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

objetivo deste trabalho é apresentar, pela opinião das crianças, como


se constitui o brincar em seu cotidiano, trazendo discussões teóricas
por meio dos dados construídos pela pesquisa de campo.

Fundamentação teórica

Perspectiva histórico-cultural e o desenvolvimento infantil

De acordo com Oliveira (1997), a abordagem histórico-


cultural é considerada sócio interacionista porque leva em conta os
processos inter e intrapsíquicos dos instrumentos, e,
fundamentalmente, o que faz com que o desenvolvimento humano
seja impulsionado são as contribuições historicamente construídas
pela humanidade e a significação que o outro da cultura vai
atribuindo à criança em seu desenvolvimento, como o professor na
escola, por exemplo. Dentro desta perspectiva, o fator cultural tem
total influência no desenvolvimento humano, sendo que o sujeito se
desenvolve pela apropriação da cultura em que está inserido.
O cérebro do ser humano tem a possibilidade da plasticidade
cerebral; então, desde que nasce, o bebê está se apropriando dos
instrumentos e signos de sua cultura. Os instrumentos utilizados no
cotidiano da vida humana foram construídos ao longo da história,
como alguma função específica de utilidade; já os signos
representam as ideias, ficando no campo simbólico, são as
representações do mundo (VIGOTSKI, 2007).
A característica de poder representar o mundo simbólico por
meio da apropriação dos signos é especificamente humana, a língua,
pela fala, implica compreensão de mundo, como dito por Oliveira
(1997). A criança, ao nascer, assim como os chimpanzés, possui a
linguagem apenas para comunicação e o pensamento como uma
inteligência prática, conseguindo resolver problemas do plano
concreto e, no decorrer do desenvolvimento infantil, em um
determinado momento, a linguagem e o pensamento se unem
formando a inteligência abstrata (campo simbólico).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1277

Neste ponto fundamental do desenvolvimento infantil é que a


brincadeira contribui para a apropriação das funções psíquicas
superiores, como o pensamento abstrato, pois por meio do ato do
brincar; a criança, ao colocar um objeto no lugar do outro, interpreta
papeis sociais, o quê a faz entrar no mundo simbólico pela
imaginação.

Mediação social no processo de formação da criança

A perspectiva histórico-cultural considera os aspectos


culturais e sociais para o desenvolvimento humano; desde o
momento em nascemos aprendemos com o outro a apropriar-nos
da cultura em que em estamos inseridos, a partir de nossas
condições biológicas.
A mediação é a categoria que permite entender a apropriação
do mundo pelos sujeitos, as relações entre eles e a emergência de
processos psíquicos internos, nomeados pela teoria como
superiores, e que marcam sua diferenciação em relação às
capacidades dos animais (ROCHA, 2005), sendo que o
desenvolvimento do sujeito se constitui por meio de três formas de
mediação. São, elas: a instrumental, a social e a semiótica.
A mediação pelos instrumentos se define como a apropriação
de objetos externos e concretos, que o homem foi historicamente,
em sua evolução, construindo e reconstruindo de forma a ampliar
significativamente suas possibilidades de ação sobre o mundo.
Como exemplo de instrumento que a criança utiliza desde cedo para
beber água, temos o copo, um objeto concreto e externo, usado no
dia a dia, na cultura em que estamos inseridos.
A mediação social refere-se à participação do outro no
desenvolvimento desde o início da vida do bebê, por meio das
interações e intervenções realizadas, possibilitando a apropriação
dos instrumentos e signos da cultura em que se está inserido; nesse
sentido, podemos observar que o processo de formação e
1278 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

desenvolvimento da criança está sempre ligado às relações sociais


que vão se constituindo ao longo de sua vida.
No campo da mediação semiótica, ocorre um processo de
regular as funções psíquicas superiores (ROCHA, 2005). Para
compreender melhor, continuaremos a citar o exemplo do copo; a
criança aprende a usar o copo como um instrumento de sua cultura
para beber água, conforme cresce, em um determinado momento,
pega o mesmo copo e o coloca na cabeça virado para baixo e começa
a imitar um soldado. Por meio de sua imaginação, a criança dá outro
significado para aquele objeto de forma simbólica, passando a
operar no campo dos signos.
No campo da mediação semiótica, outro exemplo
fundamental é a linguagem, como podemos observar na afirmação
da autora Rocha,

A linguagem, como produto histórico do desenvolvimento da


humanidade, constitui-se, ao mesmo tempo, como fator
imprescindível de humanização; os processos e os efeitos da
atividade de linguagem transformam os indivíduos, enquanto
mediam a experiência humana. Fundamento básico para entender
o desenvolvimento, a mediação semiótica serve-se como instância
fundamental para compreensão das relações humanas,
sintetizadas no conceito de mediação social (ROCHA, 2005, p.32).

A linguagem contribui desde o início da vida da criança, é ela


que possibilita a comunicação entre criança e adultos, no campo
simbólico, representando os nomes e dando significado ao mundo
que está ao seu redor.

O papel das brincadeiras no desenvolvimento infantil

O papel dominante do brinquedo na fase da infância como


atividade lúdica, que faz parte de um jogo, contribui
significativamente para o desenvolvimento psíquico da criança.
Quando Leontiev (2010) coloca o brincar como atividade principal,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1279

não está dando ênfase ao tempo que a criança brinca, mas sim, por
que na atividade do brincar ocorrem as mais importantes mudanças
no desenvolvimento psíquico da criança, é um caminho de transição
para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento.
A ação do brincar está relacionada com a possibilidade da
imaginação, mas não podemos nos esquecer que ao brincar a
criança está reproduzindo ações que convive em sua cultura, então
o brincar não provem da situação imaginária inata, mas sim,
inicialmente, da necessidade de agir como o adulto e neste processo
se faz necessária a imaginação criativa.

Aspectos metodológicos

A metodologia da pesquisa foi qualitativa, sendo que a mesma


foi realizada com a pesquisadora enquanto professora de uma sala
de Educação Infantil, em uma instituição da rede pública municipal
de uma cidade de porte médio do interior do estado de São Paulo, e
foi dívida em três etapas. A primeira etapa da pesquisa de campo
foram as entrevistas individuais, com auxílio de gravador em áudio,
feitas com vinte e uma crianças, na faixa etária de quatro a cinco
anos. A pergunta disparadora da entrevista foi sobre qual era a
brincadeira preferida de cada um dos alunos. A segunda etapa da
pesquisa de campo foi a realização de rodas de conversas para se
discutir sobre a temática das brincadeiras preferidas, elencadas nas
entrevistas individuais e, depois de conversar e cada um expressar
sua opinião, foram feitos desenhos individuais das brincadeiras
preferidas e uma votação para escolher qual a brincadeira mais
votada na roda de conversa. E finalmente, a terceira etapa foi
realizada por meio de registros fotográficos e anotações em diário
de campo sobre as observações quanto aos espaços e brincadeiras
que aconteceram no cotidiano da Educação Infantil.
1280 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Apresentação e discussão dos resultados

No dia 09 de maio de 2018 foi realizado, com auxílio de um


gravador de áudio, uma roda de conversa com dezoito crianças
presentes, com intuito de decidirem qual era a brincadeira preferida
da turma, pois no dia anterior haviam desenhado em cartões a
brincadeira preferida de cada um e colocado em uma urna.

EPISÓDIO 1- “5ª. Roda de conversa sobre qual era a brincadeira


preferida” (09/05/2018, gravação em áudio)
(1) Pesquisadora: Bom dia pessoal, hoje em nossa roda de
conversa vamos abrir a urna e contar as brincadeiras que
vocês desenharam no cartão e colocaram aqui. Vou anotando
na lousa e vocês vão me ajudando a contar, certo?
(2) Pesquisadora: Primeira brincadeira, pé de feijão! (Anotou por
escrito e desenhou na lousa)
(3) Pesquisadora: Brincar no parque! Carrinho! Pula na cama!
Pique-pega! Cavalo! Jogar bola! Bola!
(4) Gustavo: Esse é o meu!
(5) Pesquisadora: Olha a brincadeira com bola já tem dois
pontos. Olha só mais um ponto para bola. Continuando,
Ônibus! Boneca! Casinha! Boneca! Bola! Dinossauro!
Casinha! Escorregador! Parque! Pega-Pega! Bola! Esconde-
Esconde! Basquete! (Tirando os cartões da urna, mostrando
e anotando na lousa cada brincadeira).
(6) Pesquisadora: Pessoal, qual foi a brincadeira mais votada?
(7) Crianças: Bola!
(8) Pesquisadora: Quantos votos na brincadeira com bola?
(9) Luiza: Cinco.
(10) Pesquisadora: Isso mesmo, cinco crianças votaram na
brincadeira com bola, e como combinamos agora a gente vai
no pátio brincar com bola!
(11) Raul: Eeee...eu gosto de brincar com bola.

Como podemos verificar no episódio acima, algumas das


brincadeiras que surgiram como preferidas da turma, foram
brincadeiras, como o autor Elkonin (1998) classifica, de jogos de faz
de conta: casinha, boneca, dinossauro, pé de feijão e ônibus, em que
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1281

a brincadeira acontece por meio da imaginação. No jogo de faz de


conta, as regras são implícitas, sendo necessário analisar a situação
imaginária para compreender quais são as mesmas. E também
surgiram brincadeiras, que a abordagem histórico-cultural classifica
como jogos de regras, como pega-pega, esconde-esconde, basquete,
em que as regras são explícitas, e seu grau de condicionalidade é
cada vez maior (ROCHA, 2005).
Em ambas as situações imaginárias, não podemos nos
esquecer que a criança sempre utilizará as regras como elemento
fundamental para que a brincadeira aconteça. Nas brincadeiras, é
importante notar que a situação imaginária, tanto no jogo de faz de
conta quanto no jogo com regras, faz com que a criança esteja
sempre um passo à frente em seu desenvolvimento, por isso,
Vigostski (2007) afirma que a brincadeira atua na zona de
desenvolvimento proximal.

...o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da


criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do
comportamento habitual de sua idade, além de seu
comportamento diário, no brinquedo, é como se ela fosse maior do
que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o
brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob
forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de
desenvolvimento (VIGOSTSKI, 2007, p.122).

O conceito de zona de desenvolvimento proximal da


abordagem histórico-cultural se refere justamente ao momento de
aprendizagem da criança, que fica entre o que a criança já consegue
com autonomia, e o que ela anda não consegue, mas com ajuda de
um elemento secundário, como o brinquedo ou o adulto, consegue
realizar com autonomia, progredindo assim em seu
desenvolvimento de forma significativa (VIGOSTKI, 2007).
Um ponto importante que deve ser explicado, de forma mais
detalhada, sobre a brincadeira de basquete que aparece no turno
cinco da roda de conversa citada, é que as crianças são levadas
1282 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

constantemente ao pátio externo para realizar atividades e


brincadeiras e, recentemente, foi colocada uma cesta de basquete
nesse pátio, e as crianças brincam de acertar na cesta.
De acordo com a perspectiva histórico-cultural, a
intencionalidade do adulto e organização do espaço/ambiente
amplia as possibilidades e experiências das crianças. Como podemos
verificar na roda de conversa apresentada, surgiu o jogo de
basquete, que foi registrado também por Bruno.
Assim, dando continuidade aos resultados encontrados na
pesquisa de campo, trazemos a seguir a figura do desenho feito pelo
aluno Bruno, de quatro anos. O desenho foi o registro da brincadeira
preferida realizada para a votação da turma. A pesquisadora
perguntou qual o nome da brincadeira antes de ele colocar na urna
e escreveu embaixo do mesmo.

Figura 1: Desenho realizado por Bruno (5 anos)

O desenho apresenta uma figura humana com esquema


corporal de forma simples. De acordo com Vigotski (2009), o
desenho é um tipo predominante de criação na infância, a criança
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1283

ao desenhar representa o que ela sabe sobre aquilo e não o que ela
vê. No caso da figura acima, de forma simples, Bruno representou o
que sabia sobre o jogo de basquete como, por exemplo, que são
necessárias bolas para jogar. A criança desenha nessa faixa etária de
memória e não de observação, como vimos no exemplo acima.
Assim, como o brincar, o desenhar é uma experiência que leva ao
desenvolvimento das possibilidades criadoras.
De acordo com Fontana e Cruz (1997), a possibilidade de
criação do homem está apoiada em sua faculdade de combinar o
antigo com o novo a partir de elementos da sua própria experiência,
por isso a importância do brincar na formação da criança, tendo em
vista que ele possibilita a vivência, tornando o processo de
aprendizagem significativo e mais rico para a criança, como vimos
na produção do desenho que representa a brincadeira vivenciada
por Bruno.

Conclusões

A partir das análises bibliográficas realizadas referentes ao


tema deste artigo e dos resultados iniciais da pesquisa de campo,
conclui-se que na abordagem histórico-cultural, a brincadeira tem
um papel fundamental no desenvolvimento infantil, e está
relacionada às experiências e vivências da criança na cultura em que
está inserida e às representações construídas historicamente.
Também foi possível analisar a importância da
intencionalidade do outro no desenvolvimento da criança, por meio
de experiências e vivências ou na organização do espaço/ambiente
que proporciona novas situações de aprendizagens e apropriação da
cultura de cada criança está inserida.
E por meio da brincadeira e do desenho, analisamos a
atividade criadora da criança, uma ação especificamente humana.
Nessa teoria, a plasticidade cerebral é a capacidade que o cérebro
humano tem de não apenas armazenar e reproduzir mecanicamente
a experiência vivida, mas de recriar através de uma experiência algo
1284 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

novo para satisfazer uma necessidade, seja ela própria ou de âmbito


social, em que identificamos a importância da brincadeira e do
desenho.
Podemos concluir que nos processos formativos na infância,
a brincadeira, por meio da situação imaginária e das regras,
contribui de forma efetiva para apropriação das funções psíquicas
superiores e, juntamente com a produção criadora dos desenhos
pela criança, é essencial para seu desenvolvimento.

Referências

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FONTANA, Roseli.; CRUZ, Nazaré. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo:


Atual, 1997.

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OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-


histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

ROCHA, M. S. P. de M. L. Não brinco mais: a (des)construção do brincar no


cotidiano educacional. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005.

VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos


psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.


85

Professores em curso de formação sobre superdotação:


percepção sobre instrumentos de sinalização de alunos

Carina Alexandra Rondini


Carla Cristina Pereira Job

Introdução

A inserção de alunos com altas habilidades ou superdotação


(AH/SD)1, “aqueles que apresentam um potencial elevado e grande
envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou
combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade”,
(BRASIL, 2009, p. 1), na perspectiva da educação inclusiva brasileira,
tem gerado grandes discussões acadêmicas, em especial quanto a
sinalização/identificação desse alunado, as quais se têm constituído
como atividades desafiadoras no meio educacional.
Processos multidimensionais (GUIMARÃES; OUROFINO,
2007; PEREIRA; ALCANTARA; GOULART, 2015) ou multimodais
(MENDONÇA, 2015) são, atualmente, os mais indicados para
sinalizar/identificar estudantes com traços de AH/SD. Salienta
Pocinho (2009):

No que concerne à identificação verifica-se que, num primeiro


momento, procede-se à sinalização2 (i.e. características e sinais

1
Termo consagrado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB –, em 2013 (BRASIL, 2013), e
adotado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), desde 2014.
2
Uma vez que os instrumentos da presente proposta são destinados aos professores, adotaremos a
terminologia de sinalização em vez de identificação (que será empregada a outros profissionais, como
1286 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

apresentados pelas crianças e jovens), que pode ser feita pelos


pais, professores e familiares. Seguidamente, passa-se à
avaliação [identificação], que se realiza em contexto escolar.
Pretende-se, assim, que a avaliação seja multirreferencial (pais,
professores, familiares, etc.), multicontextual (contexto escolar,
familiar, social, etc.), multimétodos (multiplicidade de técnicas e
procedimentos de avaliação), multitemporal (longitudinal,
transversal) e multidimensional (habilidades acadêmicas,
intelectuais, motoras, artísticas e sociais). (p. 9). (grifos nossos)

A despeito de os diversos fatores que dificultam estes processos


de sinalização/identificação, colocando a superdotação como algo
distante da realidade, estima-se que de 3 a 5% da população tenham
algum tipo de alta habilidade (MARLAND, 1971). A Associação Paulista
para Altas Habilidades/Superdotação – APAHSD – ainda alerta que
esses índices consideram somente pessoas com altas habilidades
cognitivas, excluindo as habilidades artísticas, corporais e musicais,
por exemplo. A estimativa que se faz, considerando todas as
habilidades, é de que, em média, 10% da população escolar seja
altamente habilidosa (APAHSD, 2017). Todavia, segundo Pérez e
Freitas (2014), “o número de estudantes efetivamente atendidos não
chegava a 3.000 em todo país em 2009, sendo que utilizando a
estimativa do relatório de Marland, já entendida como conservadora,
o número seria ao menos de 2.260.000 para o mesmo período”
(ANJOS, 2018, p. 28). Dados mais atuais, (INEP, 2016), mostram uma
melhora pouco significativa, com 15.751 alunos cadastrados, o que está
muito aquém do esperado
Entre os entraves para a sinalização de estudantes com traços
de AH/SD está o despreparo e falta de treinamento dos educadores,
os quais, na maioria das vezes, desconhecem as necessidades desses
alunos e baseiam suas práticas no senso comum (OUROFINO;
FLEITH, 2011). Pérez e Freitas (2011) reforçam entraves como a falta
de compreensão do conceito, o desconhecimento das formas de

por exemplo, os Psicólogos, Neuropediatras, etc.). Serão mantidas em citações, entretanto, as


terminologias originais de autores e documentos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1287

avaliação e das possibilidades de atendimento, ou mesmo a


desvalorização da educação especial para superdotados, por parte
dos professores. Por conseguinte, Wechsler e Suarez (2016) indicam
que, no Brasil, o estudo sobre a superdotação ainda é um enigma.
As autoras analisaram a percepção dos professores em formação
sobre o tema e os resultados mostraram que, apesar de considerar
importante o papel da escola, na educação desses alunos, os
professores apresentam conhecimento superficial sobre o conceito,
instrumentos de sinalização e necessidades específicas, reforçando o
despreparo para a prática.
Mesmo assim, o professor da sala regular tem papel
fundamental no processo de sinalização (GUIMARÃES; OUROFINO,
2007; GENTRY et al., 2015), pois ele tem a grande vantagem de
poder comparar os desempenhos individuais das crianças com seus
pares de idade cronológica e ano escolar, em forma, qualidade e
nível atingido (ALMEIDA; OLIVEIRA; SILVA; OLIVEIRA, 2002),
considerando o convívio diário com elas e em situações variadas
(GUENTHER, 2012).
Na constatação de que a percepção dos docentes é superficial
e, muitas vezes, equivocada a respeito da superdotação e seus
métodos de sinalização (ANTIPOFF; CAMPOS, 2010; PÉREZ;
FREITAS, 2009), atribui-se a “formação continuada, (ANDRÉ, 2010;
TARDIF, 2002; TARDIF; LESSARD; GAUTHIER, 2001), como o meio
responsável e capaz de promover nos professores já em serviço, a
apreensão dos conhecimentos científicos e legais para que se possa
transformar saberes e práticas docentes, tornando-os aptos” a
sinalizar esse alunado e efetivamente lidar, futuramente, com a
intervenção pedagógica a que esses alunos necessitam (ANJOS,
2018, p. 3), o que tornou-se o mote do presente trabalho.

Método

Trata-se de pesquisa exploratória empreendida por meio de


análise documental (GIL, 2008). Os documentos em questão são
1288 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

relatórios de 34 cursistas de um Curso de Difusão de Conhecimento3


na área das altas habilidades ou superdotação. O curso, organizado
em encontros presenciais/conceituais e atividades individuais dos
cursistas in loco de trabalho/estágio/clínica, apresenta como
primeira atividade prática aos seus participantes - a escolha –
utilização e análise dos resultados obtidos com a aplicação de
instrumento (s) de sinalização de traços das AH/SD junto aos seus
estudantes.
O relatório solicitava as seguintes informações: Nome do
cursista; Local onde o processo de sinalização foi realizado; Data (ou
período) de aplicação do (s) instrumento (s); Descrição do local (tipo
de escola, turma, entre outras); Qual (is) instrumento (s) foi (ram)
utilizado (s) e sua (s) descrição (ões); Resultado(s) obtidos com o(s)
instrumento(s) e as impressões do cursista sobre o(s)
instrumento(s), sua(s) aplicação(ões) e análise.
Durante as aulas presenciais/conceituais foram apresentados
alguns instrumentos de sinalização das altas habilidades, em que se
discutiu a faixa etária/ano escolar a que se destina cada um, sua
forma de aplicação e análise. Os cursistas foram convidados a fazer
a escolha de qual ou quais instrumentos seriam mais apropriados
para a sua situação atual, já que configuram entre os cursistas –
alunos de graduação, professores PEB-1 e professores da Educação
Infantil (de escolas públicas e privadas), supervisor de ensino,
pedagogos e psicólogos.
Em decorrência configuraram como objetivos ao presente
texto: a) verificar quais foram os instrumentos mais utilizados pelos
cursistas; b) verificar se os cursistas selecionaram apropriadamente
o (s) instrumento (s) relacionando – indicação para o uso e faixa
etária/ano escolar estudada; c) verificar se os cursistas analisaram
corretamente os resultados obtidos com os instrumentos; d)
analisar as impressões dos cursistas acerca dos instrumentos.
3
Curso registrado e aprovado pela Pró-reitora de Extensão Universitária, com carga horária total de
30 horas (entre encontros presenciais e prática individual dos cursistas). Período de realização: de
março a novembro de 2018.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1289

Tem-se como hipóteses: i) Professores da Educação Infantil


terão mais dificuldades na utilização de instrumentos de sinalização,
podendo indicar que não seja “apropriada” a inicialização da sinalização
nessa faixa etária. ii) É possível a sinalização de pessoas na fase adulta,
desde que se tenha contato mais próximo com a mesma.

Resultados e Discussões

Para o levantamento das impressões sobre os instrumentos


de sinalização utilizados, foi feita leitura, análise e verificação de
cada relatório apresentado pelos cursistas. A partir dessa análise,
observou-se que o instrumento mais utilizado para sinalização de
alunos com traços de AH/SD, foi o Guia de Observação Direta de
Guenther (2012). Esse instrumento tem como referencial teórico a
psicologia humanista e os pressupostos do Modelo Diferenciado de
Dotação e Talento – DMGT – de Gagné (2015). Ele é composto por
31 indicadores de domínios de inteligência que devem ser
observados pelo professor e feita indicação de dois alunos que se
destacam em cada indicador. Dentre os 34 cursistas, 20 realizaram
a aplicação dos instrumentos de identificação no Ensino
Fundamental I (2º, 3º, 4º e 5º ano), desses 13 utilizaram o Guia de
Observação Direta. Em relatórios os cursistas citaram que não
houve dificuldade no entendimento e preenchimento do
instrumento, no entanto, cinco relatórios foram sinalizados pela
equipe de apoio ao curso, com algum equívoco em relação a análise
de dados ou preenchimento inadequado (PÉREZ, 2009).
Outros dois cursistas utilizaram além do Guia de Observação
Direta, outros instrumentos de identificação, sendo que um utilizou
o LIVIAH/SD – Lista de Verificação de Indicadores de Altas
Habilidades/ Superdotação e outro cursista o QIIAHSD-A-1-4 -
Questionário de Autonomeação por Colegas, que foi adaptado de
Renzulli e Reis para fazer a primeira triagem em turmas de 1º a 4º
ano do Ensino Fundamental. Esse instrumento permite observar o
potencial presente nas áreas de maior destaque, algumas
1290 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

características gerais das Altas Habilidades e indicadores básicos de


criatividade e comprometimento com a tarefa entre crianças da
mesma turma. Ambos os cursistas descreveram que não tiveram
dificuldade na utilização dos instrumentos, porém foram
observados equívocos em relação a análise de dados de pelo menos
um dos instrumentos utilizados.
Dos 12 cursistas da Educação Infantil, quatro optaram pelo
instrumento Questionário para Identificação de Indicadores de Altas
habilidades/Superdotação-Professor e o LIVIAH/SD – esta lista tem
aporte nos objetivos teóricos de Joseph Renzulli, ela é formada por 25
questões que trazem seis características gerais, seis indicadores de
habilidade acima da média, seis indicadores de criatividade e seis de
comprometimento com a tarefa. O professor indica um aluno que se
destaca em cada questão da lista, no entanto, para completar a análise
do aluno é necessário que o professor, o responsável e também o aluno
preencham outro questionário: Questionário para a Identificação de
Indicadores de Altas habilidades/Superdotação-Aluno (QIIAHSD-A),
Questionário para Identificação de Indicadores de Altas
habilidades/Superdotação-Responsáveis (QIIAHSD-R) e Questionário
para Identificação de Indicadores de Altas habilidades/Superdotação-
Professor (QIIAHSD-Pr). Observamos que dos 12 cursistas, quatro
apenas respondeu ao QIIAHSD-Pr além do LIVIAH/SD, como indicado
no material. Em relação a dificuldade no entendimento e
preenchimento da lista, apenas dois cursistas relataram que tiveram
dificuldade e que veem necessidade de conhecimento prévio sobre o
assunto para o seu preenchimento, cinco cursistas tiveram que refazer
a lista em decorrência de preenchimento equivocado ou necessidade
dos questionários complementares.
Uma das cursistas, psicóloga, utilizou o instrumento que é de
uso exclusivo de psicólogos, Matrizes Progressivas de Raven, para
avaliar uma criança do Ensino Fundamental I, considerando que se
trata de um instrumento de uso restrito a profissionais da área, não
foi relatado dificuldade na utilização ou outras informações que
pudessem ser relevantes.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1291

O QIIAHSD-R e QIIAHSD-A foram utilizados por uma cursista


que leciona no Ensino Fundamental II, para investigação de uma
aluna com traços de AH/SD, não foi relatada qualquer dificuldade
no emprego e análise dos questionários, resultando a identificação
do possível domínio de inteligência da aluna.
Em relação ao instrumento utilizado para identificação de
adultos, os cursistas optaram pelo QIIAHDS - Adultos, Questionário
para Identificação de Indicadores de Altas habilidades/superdotação
em Adultos, ele é respondido por crianças ou adolescentes (10 a 18
anos e adultos), de forma individualizada. Não foi relatada
dificuldade na aplicação do instrumento.
Por meio dos relatórios foi possível verificar que dos 34
cursistas, 25 manifestaram que não tiveram dificuldades na
aplicação e análise dos instrumentos de sinalização/identificação
que escolheram. No entanto, 18 tiveram que fazer correções ou
complementação em suas análises do (s) instrumento (s). Apenas
seis cursistas declararam ter dificuldade em alguma das fases do
processo, seja na aplicação ou identificação, outros três não
expressaram opinião em relação a complexidade ou resultados do
instrumento escolhido.

Conclusões

O tema AHSD ainda tem um caminho a ser trilhado, pois a


desinformação e a falta de um olhar sem “lentes estereotipadas”
para com esse público, dificulta e impossibilita a
sinalização/identificação e atendimento apropriado. Percebeu-se no
grupo pesquisado o comprometimento e envolvimento com a
temática, considerando que se inscreveram em curso específico, tem
frequência satisfatória e envolvimento nas discussões. No entanto,
os resultados mostram que mesmo buscando informações existem
diversos equívocos em relação a escolha do instrumento, como
notou-se em relação aos cursistas da Educação Infantil. Não se
comprovou hipótese da dificuldade destes professores na utilização
1292 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

dos instrumentos de sinalização, no que se refere a indicação não


“apropriada” para faixa etária, mas notou-se que não entenderam a
importância de utilizar todos os questionários, oportunizando que a
avaliação seja multirreferencial (pais, professores, familiares, etc.),
multicontextual (contexto escolar, familiar, social, etc.), uma vez
que, a maioria utilizou apenas o questionário do professor.
Em relação a hipótese de que é possível a sinalização de
pessoas na fase adulta, desde que se tenha contato mais próximo
com a mesma, não ficou clara na análise dos relatórios dos cursistas
que investigaram esse público.
Ainda que a maioria dos cursistas tenha declarado não ter
dificuldade na aplicação e análise dos instrumentos um número
significativo foi orientado a corrigir ou refazer a análise do
instrumento escolhido, indicando necessidade de mais estudo e
discussões sobre o tema, e contato com os instrumentos, para que
sejam sanadas as dúvidas e esclarecidos equívocos. Revela-se ser
inevitável maior investimento de tempo e importância no assunto
sinalização/identificação de alunos com traços de AH/SD, pois os
professores e profissionais da educação estão desamparados no que
se refere ao assunto e a formação continuada colabora muito nesse
sentido.

Referências

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identificação de crianças sobredotadas: construção e validação de uma
escala de despiste. Inovação, v. 15, n. 1-2-3, p. 163-179, 2002.

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GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª Ed. São Paulo: Editora Atlas
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formação sobre talentos/superdotação. Revista de Psicologia, v. 34, n. 1,
2016.
86

Programa de ensino integral:


a apropriação dos dispositivos móveis no ensino

Marcos Antonio Fernandes Esteves


Solange Vera Nunes De Lima D'Agua

Introdução

Aspirar a mudança, talvez seja esse grande mote de minhas


inquietações, aventurar-me em uma investigação de mestrado se
relaciona a minha trajetória e aos desafios que foram surgindo em
meu caminho pessoal e profissional. Por não ser da área de ensino e
ser docente de pós-graduação no ensino privado, sempre pairavam
questionamentos que se relacionavam a forma de ser professor: O
que é ser professor? Em que medida a tecnologia digital, acessível a
todos os alunos pode contribuir no aprendizado?
Por atuar no ensino superior, minha curiosidade se
relacionava aos processos que antecediam este nível de ensino, desta
feita optou-se em estudar o Ensino Médio, refletindo sobre o uso das
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação - TDIC. A fase
exploratória da pesquisa sobre essa temática indicou a importância
em aprofundar os estudos e pesquisas acerca dos dispositivos
móveis e sua apropriação no ensino médio integral, por meio do
Programa de Ensino Integral – PEI, assim investigar como ocorrem
os processos formativos relacionados aos profissionais da educação.
Inicialmente, é importante destacar que a educação vem
passando por mudanças no que tange aos alunos, formação dos
professores e a forma de atuação do professor dentro da sala de aula.
1296 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Nota-se que cada dia mais, o formato tradicional de lousa e giz dão
espaço às tecnologias, e dentro deste processo de inovação estão
inseridos os dispositivos móveis.
Durante toda a história tivemos alguns divisores de água que
trouxeram facilidades a sociedade, mas que muitas vezes foram
vistos inicialmente como algo preocupante. A princípio tivemos a
entrada do computador que veio para automatizar rotinas
agilizando processos e criando novas áreas e profissões.
Posteriormente ao surgimento do computador, houve a entrada da
internet que a princípio era um mecanismo de troca de dados e hoje
vemos uma poderosa ferramenta de pesquisa e troca de informações
jamais vista (BOTTENTUIT JUNIOR, 2012).
Para Bottentuit Junior (2012), a partir da internet a evolução
foi muito rápida e logo surgiram os dispositivos portáteis, como
notebooks, palmtop e celulares cada vez mais modernos. Do mesmo
modo, Siqueira (2005) ressalta que na atualidade presenciamos o
advento de vários aparelhos portáteis, como notebook, laptop,
handheld e Pocket PCs. Oliveira (2007) corrobora com essa ideia
quando informa que nas últimas décadas percebeu-se que o número
de dispositivos móveis como, celulares, tablets, notebooks e PDAs
(Personal Digital Assistants), se tornaram cada vez mais comuns
nas mãos dos seus usuários e com diversas finalidades de usos.
Nas palavras de Moura (2009)

[...] o acesso a conteúdo multimídia deixou de estar limitado a um


computador pessoal (PC) e estendeu-se também às tecnologias
móveis (telemóvel, Pocket PC, Tablet PC, Netbook)
proporcionando um novo paradigma educacional, o móbile
learning ou aprendizagem móvel, através dos dispositivos móveis.
O móbile learning, uma extensão do e-learning, tem vindo a
desenvolver-se desde há alguns anos, resultando em alguns
projetos de investigação (p. 50).

Com as novas possibilidades decorrentes do intermédio da


aprendizagem móvel ampliam-se as discussões na formação de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1297

professores, compreendendo a não linearidade dos conteúdos e da


construção do conhecimento. Na atualidade a velocidade das
informações, o acesso irrestrito à diversas fontes, acaba por
determinar novas formas de comportamentos que são espelhados
na escola e merecem destaque em estudos e pesquisas.
As tecnologias móveis influenciam comportamentos, mudam
a natureza da comunicação, afetam as relações. Isso de certa forma
está refletindo na educação e nas decisões tomadas em sala de aula
por professores e alunos. A apropriação dos dispositivos móveis será
maior a cada dia, a partir do momento que avançamos, crescemos
também em usuários, funcionalidades e a utilização dentro das salas
de aulas (PLANT, 2001).
Nesse sentido,

A utilização destes dispositivos pelos jovens é incontornável,


portanto os professores precisam perspectivar as potencialidades
destes dispositivos a fim de utilizá-los a favor das suas práticas
pedagógicas, caso contrário os alunos continuaram utilizando os
dispositivos durante as aulas para outras finalidades, e o professor
perderá a grande oportunidade de criar diversas situações
pedagógicas com o uso destes recursos (BOTTENTUIT JUNIOR,
2012, p. 129).

Sendo assim, consideramos os dispositivos móveis como


tecnologias acessíveis a um maior público. Como sugere Moura
(2009), o acesso a conteúdos pedagógicos não se limita mais aos
livros ou ao computador pessoal, ele se estendeu aos tablets,
celulares, notebooks e netbooks, proporcionando novas formas de
aprendizagem.
Com os avanços em prol da democratização do ensino no país
e o acesso à educação em todos os níveis de ensino e modalidades, o
número de alunos que ingressaram no ensino médio passou a
crescer. No estado de São Paulo, esse movimento pôde ser visto por
meio do Programa de Ensino Integral-PEI:
1298 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Segundo as Diretrizes do Programa de Ensino Integral-PEI entre


1991 e 2011, a matrícula do ensino médio passou de 3,8 milhões
para 8,4 milhões, explicita ainda que no caso do Estado de São
Paulo, este movimento ocorreu de maneira ainda mais expressiva,
atualmente a taxa líquida de frequência à escola é de 67,1% a maior
entre todas as unidades da Federação. Em 2012, o governo do
Estado criou por meio da Lei Complementar nº 1.164 de 4 de
janeiro de 2012, alterada pela Lei Complementar nº 1.191, de 28 de
dezembro de 2012 o Programa de Ensino Integral (PEI), que
preliminarmente iniciou-se em 16 Escolas de Ensino Médio no
Estado de São Paulo [...]1

Em São José do Rio Preto/SP, o PEI teve seu princípio em 2012


com a adesão inicial de duas escolas de Ensino Médio. A partir da
sua criação, um dos diferenciais do programa foi o investimento em
tecnologias nas escolas, com lousas digitais e dispositivos móveis
como notebooks e netbooks. A proposta pedagógica do programa,
pautada na formação integral e em princípios apregoados por
Freire, incitou o movimento de pesquisa, no que tange à formação
de educadores e ao emprego das tecnologias nos processos de ensino
e aprendizagem, no caso dos dispositivos móveis.
A partir de tal proposta, há de se esperar que tais
investimentos propiciem novas possibilidades de ensino, que
ultrapassem currículos tradicionais e permitam gerar identificação
do aluno com as tecnologias e a escola e, consequentemente, da sala
de aula com a realidade vivida e experimentada pelos jovens da
atualidade inseridos em um mundo cada vez mais globalizado, em
que as comunicações e informações são mediadas pela apropriação
das tecnologias tanto pelo professor quanto pelo aluno.
Nesse sentido, os dispositivos móveis propiciam inúmeras
possibilidades, contribuindo em sala de aula para que os alunos
possam aguçar sua curiosidade, explorar possibilidades e descobrir
aptidões para além do currículo formal, concorrendo para tornar o

1
Diretrizes do Programa de Ensino Integral
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1299

aluno protagonista da sua formação, um dos princípios do Programa


de Ensino Integral.

Objetivos Gerais e Específicos

Tal pesquisa tem como objetivo geral investigar a relevância


de dispositivos móveis na formação de alunos matriculados em duas
Escolas Estaduais com Programa de Ensino Integral-PEI em São José
do Rio Preto/SP, sublinhando aspectos relacionados à formação
docente. A pergunta que norteia este projeto é: Qual o papel dos
dispositivos móveis (notebooks, netbooks e celulares) nos processos
de ensino nestas duas escolas?
Diante disso, apresentamos os seguintes objetivos específicos:

i. Identificar projetos relacionados ao uso dos dispositivos móveis no


programa de ensino integral;
ii. Compreender o ensino integral;
iii.Correlacionar projetos interdisciplinares nas escolas que fazem uso
desses dispositivos;
iv.Analisar possíveis processos formativos junto aos profissionais do
programa relacionados ao uso das tecnologias.
v. Investigar possíveis dificuldades na utilização dos dispositivos móveis.

A presente pesquisa apresenta como fundamentação teórica


autores que discutem tecnologias e a apropriação dos dispositivos
móveis móveis no processo de ensino, tais como Almeida (2003,
2010, 2011, 2012, 2013), Bottentuit Junior (2012), Canclini (2008),
Mercado (1998), Moura (2009), Pimentel (2017, 2018), Santaella
(2010), Valente (2009), Vieira Pinto (2005), contribuindo para o
embasamento teórico e apoiando a pesquisa.

Metodologia

A metodologia de pesquisa tem como função nortear os


caminhos a serem seguidos e ajudar a refletir e instigar um novo
1300 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

olhar sobre o mundo. A elaboração de um projeto envolve a


obtenção de resultados satisfatórios e é preciso basear-se em
planejamento cuidadoso, reflexões conceituais sólidas e alicerçadas
em conhecimentos já existentes (SILVA; MENEZES, 2001).
Trata-se de uma pesquisa de natureza básica, que “objetiva
gerar conhecimentos novos e úteis para o avanço da ciência sem
aplicação prática prevista. Envolve verdades e interesses universais”
Silva e Menezes ((2001, p. 20), caracterizando abordagem quali-
quantitativa (KIRSCHBAUM, 2013).
Em relação aos objetivos, a investigação será de caráter
exploratório, “a fim de recolher informações mais consistentes que
percepções imediatas ou identificar hipóteses de trabalho”
(Chizzotti, 2010, p.130) os procedimentos técnicos serão por meio
de pesquisa bibliográfica, que de acordo com Gil (1991, p. 3) “é
desenvolvida com base em material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos” e pesquisa
documental; “a característica da pesquisa documental é que a fonte
de coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não,
constituindo o que se denomina de fontes primárias. Estas podem
ser feitas no momento em que o fato ou fenômeno ocorre, ou
depois” (LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 174).
A partir do problema de pesquisa apresentado, a metodologia
passará a ser organizada em três etapas, sendo elas: a primeira será
caracterizada pela pesquisa documental, a fim de compreender a
estrutura e organização do PEI; a segunda etapa será bibliográfica,
objetivando reconhecer publicações, pesquisas e estudos sobre a
temática estudada. A terceira será realizada investigação de campo,
que segundo Gil (1991) constitui o modelo clássico de investigação
no campo, a partir de instrumentos como questionários e
entrevistas.
As pesquisas de campo têm por finalidade proporcionar maior
familiaridade com o problema e o aprimoramento de ideias e
levantamento de hipóteses. No que tange aos sujeitos da pesquisa,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1301

esses serão os professores das Escolas Estaduais do Programa de


Ensino Integral e a equipe gestora.

Resultados esperados e/ou discussão dos resultados parciais

A investigação encontra-se na em andamento, tendo recebido


a aprovação comitê de ética em pesquisa (CAAE
82907518.3.0000.5466). A primeira fase da coleta de dados foi realizada
a partir de questionários enviados aos sujeitos de pesquisa das duas
unidades escolares, sendo participantes desse processo 36
professores.
O trabalho de pesquisa recentemente foi analisado por
Comissão Examinadora em processo de qualificação, recebendo
nessa ocasião contribuições importantes para sua continuidade.
Espera-se, com a pesquisa contribuir com as discussões
acerca do uso das tecnologias, em especial dos dispositivos móveis
no Ensino Médio e com isso fortalecer processos formativos junto
aos profissionais da educação.

Conclusões

Conclui-se que é necessário um olhar atento as constantes


mudanças das tecnologias digitais e o que ela traz consigo. Os
dispositivos móveis contribuem para o processo de ensino a medida
que sua apropriação geram novas reflexões e possibilidades.
As propostas de formação integral desde o manifesto dos
pioneiros da educação nova vieram ao longo do tempo perfazendo
um caminho onde o olhar deve ser para a formação por meio do
protagonismo juvenil, pedagogia da presença e educação
interdimensional, princípios do programa de ensino integral e a
apropriação dos dispositivos no sentido de proporcionar novas
possibilidades permite compreender as necessidades o processo de
ensino. Tal pesquisa visa contribuir para que possamos cada dia
mais utilizar a tecnologia como parte integrante do processo de
1302 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ensino sem que tenhamos um distanciamento entre o pedagógico e


a inserção de dispositivos no ensino. Além disso, nos aponta
possibilidades formativas junto aos profissionais da educação e a
multiplicidade de tecnologias disponíveis na atualidade.

Referências

BOTTENTUIT JUNIOR, J. B. Do computador ao tablet: vantagens pedagógicas na


utilização de dispositivos móveis na educação. Revista educaonline, v. 6,
2012.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa Qualitativa em Ciências Humanas e Sociais. 3 ed.


Petrópolis: Vozes, 2010.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas. 1991.

LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 5 ed. São Paulo: Atlas,


2003.

MOURA, A. 2009. Geração Móvel: um ambiente de aprendizagem suportado por


tecnologias móveis para a “Geração Polegar”. Disponível em:
≤http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/10056/1/Moura
%20%282009%29%20Challenges.pdf≥. Acesso em 01 de dezembro de
2017.

OLIVEIRA, W. F. de. Educação Social de Rua: bases históricas, políticas e


pedagógicas. Rev. História, Ciência e Saúde, v. 14, n. 1, 2007.

SÃO PAULO (Estado).Secretaria da Educação. Coordenadoria de Gestão da


Educação Básica. Diretrizes do Programa Ensino Integral – Escola de
Tempo Integral. São Paulo, 2012. Disponível em:
<www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/342.pdf>.
Acesso em 22 maio 2017.

SIQUEIRA, J. R. Programação do Pocket PC: com eMbedded visual basic. São


Paulo: Novatec, 2005.
87

Projeto de cultura jovens pesquisadores:


desafios e potencialidades da educação não formal no
município de Pradópolis

Claudinei de Souza
Samila Bernardi do Vale
Alessandra Fracaroli Perez

Introdução

A elaboração deste artigo, em andamento, teve como


motivação inicial a necessidade de registrar a experiência do Projeto
de Cultura Jovens Pesquisadores (PCJP) que vem sendo desenvolvido
desde 2012 na cidade de Pradópolis/SP. A proposta deste trabalho
consiste na averiguação das contribuições do projeto para a
formação crítica de seus membros, assim como, a busca por
embasamento técnico-teórico procurando dar subsídios para a sua
organização e também reflexões sobre as possibilidades de educação
e formação fora dos espaços escolares como contribuição de estudo
para a área da Educação. Considerando assim a necessidade de
ampliarmos os estudos acerca da temática.
Dessa forma, propomos investigar o PCJP buscando
compreender a sua função social, bem como seu caráter formativo.
Para isso a pesquisa tem como base a análise bibliográfica e pesquisa
de campo. No momento atual o trabalho está em fase de
sistematização final da primeira parte, que consiste no regaste
histórico do Projeto e levantamento bibliográfico sobre Educação e
também Movimento Social, buscando perceber se há aproximação.
1304 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Na sequência daremos início à segunda parte que, em pesquisa de


campo, procuraremos levantar as concepções de diversos sujeitos
envolvido sobre o PCJP, através de entrevistas.
Posto isto, neste texto será apresentado a primeira fase da
pesquisa que consiste no resgate da história do Projeto de Cultura
Jovens Pesquisadores construída por meio de relatos dos membros
e da vivência do autor enquanto membro componente do Projeto;
como também, na sistematização em torno da definição de
Movimentos Sociais, seguido da intenção de se abordar o conceito
de Educação enquanto processo social e suas modalidades
manifestadas a partir da Educação formal, não formal e informal e,
por último, a relação entre Movimento Social e Educação para
procurarmos entender a função social do Projeto. Com este intuito
nos valemos da necessidade de levantar ideias e conceitos sobre
educação, bem como estudar a forma e os espaços que ela acontece,
de maneira a ampliar e aprofundar nossa reflexão sobre o processo
educativo e contribuir na construção de um olhar crítico sobre o
objeto deste trabalho. Para isso, nos situaremos a partir de
referências como: Demerval Saviani, Newton Duarte, Maria da
Glória Gohn, Carlos Rodrigues Brandão e José Carlos Libâneo.

A história do Projeto de Cultura e a ação Jovens Pesquisadores


no Bairro.

O Projeto de Cultura Jovens Pesquisadores tem sua origem


reconhecida no interior da oficina de violão realizada na escola de
artes e ofício Centro Educacional Municipal de Aprendizagem
Dorival Rossi (CEMA)1, em Pradópolis/SP. A experiência vivenciada

1
Em entrevista, Beatriz - (nome fictício) foi a primeira diretora do projeto CEMA Dorival Rossi
permanecendo nesta função até o início de 2016. Atualmente ocupa o cargo de Diretora do
Departamento Municipal de Cultura e Turismo no município de Pradópolis/SP. - informa que, o CEMA
foi criado em março de 2005 por iniciativa do Departamento Municipal de Educação da cidade, com o
intuito de atuar em amparo às crianças em situação de vulnerabilidade, proporcionar experiências
artísticas e culturais como forma de ampliação e construção do conhecimento, como também, elevar
o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) no município. Teve entre as primeiras
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1305

pelos alunos da oficina de música provocou o coletivo no sentido de


refletirem e compreenderem a importância do trabalho
desenvolvido pelo Ponto de Cultura CEMA Dorival Rossi. Assim, de
forma gradual, nasce ação nomeada como “Projeto Jovens
Pesquisadores [no bairro]”, que consistia inicialmente na realização
de atividades musicais para crianças e adolescentes nos bairros
descentralizados da cidade.
O projeto teve uma adesão significativa da comunidade
atendida, sendo frequentado por crianças e pais dos alunos que
progressivamente foram se apropriando das demandas que eram
identificadas no cotidiano das atividades, onde formulavam-se
propostas criativas e colaborativas como forma de sanar as
necessidades emergentes. Dessa maneira, o coletivo Jovens
Pesquisadores vai se consolidando como grupo autônomo e
pertencente a comunidade de Pradópolis.
O Projeto Jovens Pesquisadores [no bairro], em sua fase inicial,
propunha como objetivo desenvolver atividades de cunho artístico,
social e educacional contemplando preferencialmente mas não
exclusivamente os bairros Maria Luiza I e II, Jardim Paulista, Jardim
dos Ipês e CDHU, por serem localidades geograficamente distantes dos
serviços públicos de cultura e lazer oferecidos pelo município. No
entanto, com a paralisação do CEMA Dorival Rossi (Centro Cultural
municipal que deu origem ao PCJP), assim como a escassez de políticas
públicas que atuassem na fruição, fomento e difusão da arte na cidade,
o PCJP incorpora, enquanto mobilização cultural no município, a co-
responsabilidade na busca pela garantia desses direitos. Dessa forma,
o Jovens Pesquisadores estabelece como meta e estratégia
descentralizar o acesso à arte propondo oficinas artísticas que
posicione a comunidade sob a prática de refletir sua própria realidade,

atividades com alunos oficinas de férias, oportunizando vivências como Artes Visuais, Pintura,
Escultura, Dança Urbana e criações com materiais alternativos; No mesmo ano, ao iniciar o segundo
semestre o trabalho se consolida com atividades fixas abrangendo as seguintes linguagens da arte:
Música, Dança, Teatro, Circo e Artes Visuais, além dos ofícios Artesanato e Arte Culinária –
posteriormente e pontualmente inseriu-se também oficinas de Audiovisual.
1306 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

identificar suas demandas e, no âmbito comunitário, elaborar ações


que atendam a própria necessidade.
O projeto iniciou suas atividades nos bairros em agosto de
2014, por meio da ocupação da Creche Pró Infância Simone Anacleto
Ijans de Oliveira, propondo às sextas-feiras aulas de violão às
crianças daquela localidade, possibilitando durante o segundo
semestre deste ano o atendimento de 11 crianças. É necessário
destacar que, nesse momento de transição para atividades externas
ao CEMA, nem todos os membros Jovens Pesquisadores puderam de
imediato atuar de forma direta nesse projeto, pois vale considerar
que grande parte eram adolescentes e se encontravam em período
escolar e pré-vestibular, o que limitava suas ações decorrentes as
responsabilidades que emergiram nesse momento, dando assim o
processo de construção e composição da equipe que atuaria no
bairro de forma gradativa.
Em 2015, devido ao aumento de pessoas interessadas em
colaborar na atuação de forma direta no projeto – considera-se
também o interesse de pessoas da comunidade - e também como
alternativa aos horários de estudo e escola, já que alguns membros
JP, além da fase pré-vestibular já frequentavam a universidade, o
projeto passa a ser realizado aos sábados no período da manhã, das
8h00 às 11h00, permanecendo assim até a presente data. Nesse ano
(2015), o número de alunos atendidos salta para 30 o que faz gerar
demandas sobre a estrutura do projeto. Inicia-se então o diálogo
com os pais de forma mais constante e agregadora, de modo a
pensar coletivamente ações que pudessem suprir tais necessidades,
resultando na primeira articulação da campanha para doações de
violão ao projeto - são recebidos violões em estado de conservação
diversos, a equipe se organiza em grupos de trabalhos para
manutenção e organização desses instrumentos; recebeu-se
também outros tipos de instrumentos, como percussões variadas -
assim como, os pais junto à equipe do projeto organizam uma ação
colaborativa de modo a garantir a merenda dos alunos, pois foi
levantado uma preocupação dos pais em relação ao tempo que os
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1307

alunos permaneceriam dedicados ao projeto. São recebidas doações


de itens como farinha, óleo, manteiga, leite, achocolatado, sucos, etc;
e o preparo do alimento é feito na noite anterior por voluntários que
passaram a compor a equipe do projeto. Como resultado do
trabalho, aconteceu em novembro do mesmo ano o “I Sarau Jovens
Pesquisadores” que buscou celebrar e compartilhar junto à
comunidade o resultado artístico conquistado. O evento aconteceu
na própria creche e foi construído de forma coletiva, com apoio dos
pais e parceiros, tendo como convidados os familiares, as pessoas do
bairro e as autoridades do município.
Em 2016, o projeto passa a atender 45 alunos, entre crianças,
adolescentes e jovens, dando continuidade às campanhas e diálogo
com as famílias, buscando conscientizá-las sobre a característica do
projeto através da contextualização de sua história e origem, e da
importância de compreendê-lo enquanto uma conquista coletiva.
Recebeu-se nesse ano, do Ministério da Cultura, o título “Ponto de
Cultura”, que faz parte do Programa Cultura Viva, e certifica o
coletivo compreendendo-o como instituição de grande relevância
cultural à comunidade onde está inserido. Inicia-se também
atividades coordenadas pelo Projeto Office Rimas – ação
desenvolvida na cidade que vinha até então propondo intervenções
nas escolas e biblioteca - que consistia em uma intervenção por mês
através de atividades com poesia. Dessa forma, o projeto ganhou
abrangência, a participação social criou forças para organizar o “II
Sarau Jovens Pesquisadores”, onde o recurso mínimo para
elaboração do evento foi arrecadado através de um bazar do prato
pronto2 organizado pelos agentes envolvidos – equipe do projeto,
pais e alunos. O II Sarau aconteceu em praça pública, abrangendo
seu alcance, e levantando novos desafios sobre a organização do
projeto, já que, tanto para o prato pronto quanto o próprio Sarau,
necessitou-se da aproximação e diálogo com o poder público.

2
Bazar do Prato Pronto - Ação colaborativa por meio de doações de pratos culinários para venda em
um bazar, sendo os recursos arrecadados direcionados para investimento nas atividades do projeto.
1308 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Em 2017, manteve-se a média de 45 alunos atendidos, porém


buscando ampliar as linguagens artísticas oferecidas. Então,
propõe-se a divisão dos horários com a intenção de provocar os
alunos com dinâmicas e experimentações referentes ao canto
coletivo, dinâmicas teatrais e poesia [poesia marginal]. O canto
coletivo e as dinâmicas teatrais foram propostas feitas por membros
do projeto que buscavam nesse momento experimentar a prática
pedagógica, partindo de referências absorvidas em curso técnico e
de licenciatura vivenciado por eles.
Dividia-se então da seguinte maneira: todos os alunos do
projeto faziam a oficina de violão, no entanto, parte do horário era
destinado às vivências de canto coletivo, dinâmicas teatrais e poesia,
onde os alunos podiam escolher conforme as suas características e
afinidades. Nessa etapa, o Projeto Office Rimas torna-se parte
integrante e efetiva do Jovens Pesquisadores e sua organização
pedagógica. Contudo, compreendeu-se 2017 como um momento de
transição, onde aprendia-se a lidar com a diversidade de demandas
técnicas e estruturais, a relação compartilhada com os pais e a
comunidade, o diálogo com o poder público e a burocracia inerente
a esse processo. Optou-se então, por meio de debates entre os
membros da equipe Jovens Pesquisadores, pela não realização do já
tradicional Sarau, por perceber a necessidade de voltar o olhar ao
processo, retomando as orientações aos alunos e pais sobre a
importância da frequência nas atividades, assim como, o
envolvimento em sua construção e manutenção já que considera-se
o projeto como uma mobilização social, que tem na ação coletiva e
colaborativa seu principal meio de subsistência.
No entanto, mesmo sem a realização do Sarau, aconteceram
neste ano eventos importantes com a participação do projeto,
marcando e legitimando sua abrangência artística, social e política.
São eles: no primeiro semestre - evento Viva Pradópolis, realizado
em praça pública e organizado pela Prefeitura Municipal; No
segundo semestre - evento EmCena Brasil, realizado em praça
pública e organizado pela Usina São Martinho; Reconhecimento - o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1309

Ponto de Cultura Jovens Pesquisadores é homenageado por meio da


cerimônia de Moção de Apoio e Parabenização realizado na Câmara
Municipal de Vereadores de Pradópolis. Nesse ano também,
realizaram-se ações de intercâmbio cultural, ao organizar a visita
dos alunos à 18ª Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto/SP, como
também, o encontro realizado em Pradópolis dos projetos de arte
educação Curso Livre de Música Evandro Silva (CLIMES) de
Serrana/SP e o Ponto de Cultura Jovens Pesquisadores, estimulando
o protagonismo juvenil na articulação e organização do evento.
O Ponto de Cultura Jovens Pesquisadores inicia 2018
ofertando 60 vagas para crianças e adolescentes, sendo 20 para a
oficina de violão, 15 teatro, 10 poesia e 15 Canto Coral, estabelecendo
parceira público/privado por meio da intermediação do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Pradópolis,
assim como, os pais e a comunidade. Contudo, a equipe do projeto
entende que, diante das demandas e custos de manutenção do
trabalho, os recursos advindos por meio dessa parceria não
garantem o projeto na totalidade, sendo fundamental a
continuidade no fomento das ações de colaboratividade.
Em 2018, o coletivo busca organizar sua prática pedagógica a
partir da temática “identidade”, que têm levantado provocações e
reflexões sobre o resgate da história local e a construção da
identidade individual e coletiva, que vem criando desdobramentos e
influenciando a arte produzida naquele espaço. Diante disso, as
oficinas de Canto Coral e Poesia vêm desbravando atividades que
abordam a educação para as relações étnico-raciais – no caso do
Canto Coral, a atividade está associada à produção de trabalho de
conclusão de curso da educadora responsável pela oficina. Ainda,
está em curso a ideia de formalização do movimento por meio da
criação de um Estatuto Social e o registro jurídico como Associação
Cultural, podendo assim pleitear parcerias público/privado nos
diversos âmbitos.
A partir do relato da história do Projeto, pudemos observar
que o PCJP se constituiu a partir da mobilização social, reunindo
1310 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

pessoas em torno de ações voltadas à prática cultural, com propostas


de descentralização e fomento da arte no município de Pradópolis.
A organização do coletivo tem aproximado pais de alunos e pessoas
da comunidade dos debates acerca do Projeto, levantado pautas e
mapeando demandas locais, formulando ações com intuito de sanar
os desafios identificados no cotidiano, consolidando um movimento
que tem causado impacto na vida das pessoas envolvidas. Nesse
sentido, buscaremos levantar referencias que nos oriente na
reflexão sobre Movimentos Sociais, de maneira que contribua em
nossa investigação sobre a função social do PCJP, bem como seu
caráter formativo.

Movimentos Sociais

Com o intuito de sondar as aproximações existentes entre o


PCJP e as características de Movimentos Sociais, discutiremos neste
momento da pesquisa pontos acerca do conceito e definição de
Movimentos Sociais. Para isso, nos sedimentaremos a partir da
definição abordada pela autora Maria da Glória Gohn.
Ao demarcar sua compreensão sobre o que são Movimentos
Sociais, Gohn (2011) aponta a atuação em rede como prática comum
aos movimentos (redes sociais, locais, regionais, nacionais e
internacionais ou transnacionais), sobretudo na observação dos
movimentos contemporâneos. Ainda, os situa a partir do seguinte
conjunto de características:

[...] Nós os encaramos como ações sociais coletivas de caráter


sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a
população se organizar e expressar suas demandas (cf. Gohn,
2008). Na ação concreta, essas formas adotam diferentes
estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão
direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas,
distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil,
negociações etc.) até as pressões indiretas. [...] representam forças
sociais organizadas, aglutinam as pessoas não como força-tarefa
de ordem numérica, mas como campo de atividades e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1311

experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de


criatividade e inovações socioculturais. [...] A experiência recria-se
cotidianamente, na adversidade das situações que enfrentam. [...]
Eles expressam energias de resistência ao velho que oprime ou de
construção do novo que liberte. Energias sociais antes dispersas
são canalizadas e potencializadas por meio de suas práticas em
“fazeres propositivos”.
Os movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social,
constroem propostas. Atuando em redes, constroem ações
coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela
inclusão social. Constituem e desenvolvem o chamado
empowerment de atores da sociedade civil organizada à medida
que criam sujeitos sociais para essa atuação em rede [...] Criam
identidades para grupos antes dispersos e desorganizados [...]; [...]
Ao realizar essas ações, projetam em seus participantes
sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos
passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo
ativo (GOHN, 2011, p. 335 e 336).

De maneira geral, a autora estabelece de forma ampla o


perímetro que define os Movimentos Sociais. No entanto,
recorrendo à perspectiva histórica do tema, percebemos que os
Movimentos são expressões de resistência e reação à forma de
organização social excludente e de segregação, incorporando em sua
identidade a proposição de novos rumos que confluem na direção
da conquista e garantia de direitos. Nesse sentido, ao contextualizar
o período pós ditatorial, Gohn (2011) traz a seguinte afirmação: “O
fato inegável é que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no
Brasil, contribuíram decisivamente, via demandas e pressões
organizadas, para a conquista de vários direitos sociais, que foram
inscritos em leis na nova Constituição Federal de 1988.” Este período
tem como característica a nacionalização dos movimentos, o que
fortaleceu a ideia da democracia no país, de maneira a fomentar a
“participação dos cidadãos na gestão dos negócios públicos”.
Com o avanço das políticas neoliberais no Brasil na década de
1990, emergiram novos movimentos sociais: “contra as reformas
estatais, a Ação da Cidadania contra a Fome, movimentos de
1312 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

desempregados, ações de aposentados ou pensionistas do sistema


previdenciário”; As lutas e pressões expressaram-se sob diversas
temáticas e a luz da busca pela garantia de direitos básicos, alguns
em resposta à crise socioeconômica. A autora destaca movimentos
como: atos e manifestações pela paz, contra a violência urbana,
direitos das mulheres e contra a discriminação, movimento dos
homossexuais, movimento negro ou afrodescendente, movimento
jovem por meio da música, especialmente, pelo rap, hip hop; Ainda
ressalta, o movimento do povo indígena pela demarcação de terra e
a comercialização justa de seus produtos diante da competitividade
de mercado, dos funcionários públicos que se organizaram por meio
de sindicatos e associações, e dos ecologistas, concentrando
principalmente nas Organizações Não Governamentais (ONGs).
Ainda, a autora traz um alerta, as demandas que emergem da
política neoliberal tem conduzido os movimentos em direção à
institucionalização. Isso tem causado um entrelaçamento das
características intrínsecas aos movimentos sociais com a ideia do
Terceiro Setor, o que tem gerado contradições na dinâmica dos
movimentos, sobretudo em seu aspecto educativo e formativo.
Surge então uma dualidade velada que influencia as práticas e
objetivos dos grupos inseridos no Terceiro Setor, e isto tem exigido
clareza em relação às características e abordagens desses
movimentos. Na conclusão de seu trabalho, a autora alega:

Disso tudo resulta um cenário contraditório em que convivem


entidades que buscam a mera integração dos excluídos, por meio
da participação comunitária em políticas sociais exclusivamente
compensatórias, com entidades, redes e fóruns sociais que buscam
a transformação social por meio da mudança do modelo de
desenvolvimento que impera no país, inspirados em um novo
modelo civilizatório no qual a cidadania, a ética, a justiça e a
igualdade social sejam imperativos, prioritários e inegociáveis
(GOHN, 2011, p.356).

Dessa forma, vemos que, na atualidade tem sido comum nos


coletivos de articulação social, nos movimentos, um processo de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1313

deslocamento do âmbito de sua informalidade para o âmbito do


estado, e o Terceiro Setor tem sido a estrutura que os acolhe dentro
da institucionalização. No entanto, tão comum quanto isso tem sido
a desarticulação ideológica desses movimentos, que tem deixado de
atuar para a emancipação do indivíduo, para servir a “mera
integração dos excluídos”. Portanto, para compreendermos quais
papeis estes grupos tem cumprido na sociedade, é pertinente o
estudo sobre Movimentos Sociais nos diversos âmbitos e nas
diferentes capacidades de expressão e abrangência, assim como, os
impactos do neoliberalismo na formulação da identidade desses
grupos.
Então, ao ser traçado um panorama sobre Movimentos
Sociais, buscaremos nesse momento abordar a temática da
Educação para que possamos averiguar as suas especificidades nos
Movimentos, para assim, levantarmos referenciais que contribuirão
em nossa investigação do aspecto formativo do PCJP.

Educação e suas modalidades: a educação não formal

Tomando como referência a autora Maria da Glória Gohn


(2014) entendemos que a educação enquanto processo social pode
se desenvolver de três maneiras: Educação formal, Educação não-
formal e Educação informal. A autora, no trabalho citado,
especificamente, traz um olhar mais aprofundado sobre a Educação
não-formal e as possibilidades de aprendizado por meio do
compartilhamento de saberes em processos de participação social,
que são características que se assemelham e dialogam com nosso
objeto de estudo neste artigo. À vista disso, trazemos aqui a definição
de Gohn estes três aspectos educativos:

[...] educação formal – aquela recebida na escola via matérias e


disciplinas, normatizada –, a educação informal – que é aquela
que os indivíduos assimilam pelo local onde nasce, pela família,
religião que professam, por meio do pertencimento, região,
território, classe social da família – e a não formal tem um campo
1314 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

próprio, embora possa se articular com as duas. A não formal são


os saberes e aprendizados gerados ao longo da vida,
principalmente em experiências via a participação social, cultural
ou política em determinados processos de aprendizagens, tais
como em projetos sociais, movimentos sociais etc (GOHN, 2014,
p.47).

Com intuito de realçar as características da educação não-


formal, é importante salientar que, diferentemente da educação
informal - que acontece de forma espontânea, na vida e no cotidiano
-, na educação não-formal “[...] há uma intencionalidade na ação: os
indivíduos tem uma vontade, tomam uma decisão de realizá-la, e
buscam os caminhos e procedimentos para tal” (Ibid., 2014, p.40).
No estudo de Gohn, é reforça-se a concepção de que a
educação está para além da escola, ou seja, o processo educativo
acontece independentemente de uma instituição. A educação é um
processo que se dá por meio das relações sociais. Embora a autora
defenda a importância da educação não-formal como espaços de
formação para “o mundo da vida”, com “condições de unir cultura e
política”, a mesma se faz clara no seguinte posicionamento:

Objetivamos situar a aprendizagem nos sistemas não formais


como um processo sociocultural e político, inerente ao ser
humano. Portanto não tencionamos vê-la em contraponto à escola
ou ao sistema escolar, e nem como mera complementação de
atividades no contra turno escolar (Ibid., 2014, p.43).

Portanto, atentos a estes referenciais e, ao resgatarmos a


história do PCJP, o que tem possibilitado a investigação e análise de
sua identidade e peculiaridades, levantamos a hipótese de que há
uma aproximação do objeto de estudo nesta pesquisa com a
concepção de Educação Não Formal. Os processos não formais de
educação emergem dos contextos de mobilização social, articulação
e organização de pessoas com objetivos em comum, movimentos
e/ou lutas fora ou dentro do estado, com ideias de complementação
ou não da educação escolar.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1315

As práticas da educação não formal se desenvolvem usualmente


extramuros escolares, nas organizações sociais, nos movimentos,
nos programas de formação sobre direitos humanos, cidadania,
práticas identitárias, lutas contra desigualdades e exclusões sociais.
Elas estão no centro das atividades das ONGs nos programas de
inclusão social, especialmente no campo das artes, educação e
cultura. [...] E as práticas não-formais desenvolvem-se também no
exercício de participação, nas formas colegiadas e conselhos
gestores institucionalizados de representantes da sociedade civil
(GOHN, 2014, p.41).

Através desse excerto podemos perceber que a autora cria


uma relação intrínseca entre a Educação Não Formal e a formação
que emerge nas relações sociais, nos aglomerados sociais que se
formam na luta/para luta, nos colegiados, nas ONGs, pressupondo
um processo de formação política. Todavia, não perdendo de vista,
retomo o alerta supracitado neste trabalho levantado por esta
mesma autora, sobre o avanço da sociedade capitalista em
detrimento dos princípios que sedimentam os Movimentos Sociais,
que emergem no contexto da luta pela transformação social, a
superação do modelo de desenvolvimento que impera no país.

Considerações finais

A partir da realização da primeira etapa do trabalho


formulamos as seguintes hipóteses: o objeto estudado neste artigo é
consonante à ideia de Educação Não Formal por apresentar de
forma clara intenções educativas e propor suas ações fora do
ambiente formal de educação; Dialoga com as características de
Movimento Social por ser um grupo de pessoas ideologicamente
organizadas que propõem ao longo de sua história ações que
englobam ideias de descentralização geográfica e social de acesso à
arte e a diversidade cultural, e parte de princípios com tendências
emancipatórias ao fomentar ações criativas que buscam a
1316 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conscientização social de seus membros e da comunidade por meio


da reflexão sobre a própria realidade.
Portanto, prevemos para a segunda etapa desta pesquisa
estabelecer paralelos entre o conteúdo bibliográfico levantado e
relatos por meio de entrevistas com membros do projeto
participantes desde a origem, alguns familiares de alunos atendidos
e os próprios alunos, para assim, elaborar uma síntese do papel
formativo do PCJP e suas contribuições para os sujeitos envolvidos e
para o município de Pradópolis/SP.

Referências:

BRANDÃO, C. R. O que é educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.


Disponível em: http://www.febac.edu.br/site/images/biblioteca/
livros/O%20Que%20e%20Educacao%20-%20Carlos%20Rodriques%
20Brandao.pdf Acessado em: 08/09/2018.

GOHN, Maria da Glória. Educação Não Formal, Aprendizagens e Saberes em


Processos Participativos. Investigar em Educação - II ª Série, Número 1,
2014. p.35-50.

DUARTE, Newton. Sociedade do Conhecimento ou Sociedade das Ilusões?: quatro


ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação/Newton Duarte. -
Campinas, SP: Autores Associados, 2003. - (Coleção polêmicas de nosso
tempo, 86).

GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Contemporaneidade. Revista


Brasileira de Educação v. 16 n. 47 maio-ago. 2011. p.333-361. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v16n47/v16n47a05.pdf Acessado
em: 08/09/2018.

LIBÂNEO, J. . Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

SAVIANI, D.; DUARTE, N. Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação


escolar. Campinas – SP, Autores Associados, 2012. - (Coleção polêmicas do
nosso tempo).
88

Racionalidade subjacente do conceito


de avaliação no ensino de matemática

Thais Paschoal Postingue


Deise Aparecida Peralta

Introdução

Avaliar é parte integrante do processo de ensino-


aprendizagem e indissociável da prática diária do professor que
ensina matemática, tendo este campo, se constituído em temas de
investigação na área de Educação Matemática. Segundo Pereira e
Dias (2015), a avaliação da aprendizagem no ensino de matemática
precisa percorrer um duplo caminho: o primeiro, ser diagnóstico de
aprendizagens; o segundo, indicar através dos resultados, os
caminhos a serem percorridos no processo de ensino e
aprendizagem, porém ainda segundo os mesmos autores, avaliar
nas escolas brasileiras, ainda se comporta com espaços opressores e
autoritários, fazendo emergir os conhecimentos adquiridos pelos
educandos através de uma avaliação classificatória baseada em
provas.
Para Garcia (2013), a avaliação é um dos eixos que estruturam
as políticas educacionais, e que envolvem, além da dimensão
pedagógica, a social, política e ética. A autora considera que, discutir
a avaliação no ensino de matemática, em especial sua racionalidade,
é entender um conjunto de práticas, pressupostos epistemológicos e
sociais que faz compreender a avaliação como um processo
dinâmico e permanente na busca pela qualidade do ensino.
1318 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Desta forma, parece pertinente pensarmos no conceito que a


avaliação perpassou ao longo do tempo segundo Guba e Lincoln
(1989) especialmente, no ensino de matemática, utilizando como
parâmetro a Teoria da Ação Comunicativa (TAC) de Habermas
(2012) para discutir a racionalidade subjacente quando se trata do
tema avaliar no ensino de matemática.

Fundamentação teórica

A avaliação da aprendizagem como aferição daquilo que pode


ser considerado como o que o aluno aprendeu sobre um
determinado conteúdo é a mais conhecida, porém, está longe de
cobrir toda gama de processos avaliativos que podem ocorrer dentro
de uma sala de aula. Por exemplo, para Freitas (2014) existe pelo
menos outras duas dimensões avaliativas: o comportamento do
aluno e seus valores e atitudes. Portanto, avaliar no ensino de
matemática é uma tarefa cotidiana, permanente e multidimensional
do professor, sendo possível aceitar que para ensinar é preciso
avaliar, e para avaliar é necessário saber avaliar.

A avaliação educacional vem sendo considerada cada vez mais


indispensável para descrever, compreender e agir sobre uma
grande variedade de problemas que afetam os sistemas educativos
e formativos. Trata-se de um processo social complexo que envolve
pessoas que funcionam em determinados contextos, com os seus
valores, as suas práticas e políticas próprias e envolve também a
natureza do que está a ser avaliado que, por sua vez, também tem
as suas finalidades, lógicas e políticas próprias. Nessas condições,
não se pode propriamente esperar que os resultados de um
número de avaliações sejam consensualmente aceites por todos
aqueles a quem, de algum modo, a avaliação possa interessar.
(FERNANDES, 2013, p. 13).

Para Fernandes (2013), é preciso tomar a avaliação como um


processo de melhor integração teórica, um esforço partilhado entre
investigadores e avaliadores, para descrever, analisar e interpretar
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1319

melhor a realidade do avaliar. Ainda para o mesmo autor, parece ser


evidente a crescente complexidade dos problemas da educação que
exigem práticas de avaliação nas quais descrevam, analisem e
interpretem com maior profundidade, credibilidade, utilidade e
rigor.
Durante muito tempo, Habermas permaneceu na Escola de
Frankfurt cooperando com a crítica ao positivismo, porém, se
debruçou a desenvolver uma teoria social crítica capaz de dar conta
dos problemas da sociedade, tentando superar os impasses surgidos
na modernidade com uma visão mais otimista que seus
antecessores, da primeira geração da Escola de Frankfurt,
principalmente, Max Horkheimer e Theodor Adorno.
Ele rompe com a primeira geração de frankfurtianos ao
constatar que o modelo de razão advindo do pensamento iluminista
– razão técnica – não dá conta de todas as esferas da sociedade,
constata que o problema não está na razão, mas no tipo de razão
empregada nas relações sociais, e, assim, propõe o resgate do seu
potencial comunicativo, relançando uma teoria com propósito
prático sobre o viés da razão comunicativa.
O projeto de reconstrução da Teoria Critica de Jürgen
Habermas, faz parte de uma teoria evolutiva mais ampla, a Teoria
da Ação Comunicativa (TAC) (2012), que preza pela emancipação do
pensamento humano através das interações sociais linguísticas
mediadas pela razão comunicativa, assim, a TAC se caracteriza,
principalmente, na capacidade dos sujeitos de argumentação, troca
e diálogo a fim de que cheguem a um acordo comum sem coerção
com vistas ao entendimento mútuo. A racionalidade técnica, em
contrapartida, segundo Habermas (2012), é voltada para a
dominação e o controle, regendo uma ação voltada ao
convencimento para seus fins próprios, ou seja, exerce poder de
influenciar e manipular as ações e discursos, tendo como
consequência a perda da autonomia do indivíduo.
1320 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Metodologia

Esta pesquisa se define, metodologicamente, como análise


bibliográfica qualitativa. Segundo Gil (2017), a pesquisa bibliográfica
parte de um estudo exploratório, sendo elaborada com base em
material já publicado, como materiais impressos, livros, jornais,
teses, dissertações, artigos de revista, anais de eventos científicos,
dentre outros. Ainda para o mesmo autor, há uma vantagem quando
o tipo de pesquisa reside neste método, pois permite investigar a
cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que
aquela que poderia ser investigada diretamente. Assim, esta
pesquisa pode ser divida em duas fases, descritas abaixo:
Fase 1: Levantamento de artigos, livros, teses e dissertações
que abordaram o conceito de avaliação, atrelados a racionalidade no
ensino de matemática, utilizando sistemas de busca, principalmente
o Google acadêmico.
Fase 2: Discussão e associação dos conceitos que a avaliação
perpassou ao longo do tempo segundo Guba e Lincoln (1989)
especialmente, no ensino de matemática com os princípios
comunicativos de Habermas (2012), para fundamentar a
racionalidade inerente em cada processo.

Resultados

Para Guba e Lincoln (1989), a avaliação perpassou por


momentos de evolução de seus conceitos, e da mesma forma,
podemos considerar que o ensino de matemática seguiu tais
momentos, que são distintos, mas complementares que vão
acumulando características das gerações anteriores.
De acordo com os mesmos autores, a primeira geração em
que a avaliação se constitui é chamada Mensuração que corresponde
aos processos avaliativos até 1930. É considerada como a “geração
da medida”, pois, orientado pelo paradigma positivista, também
sofre influências da Primeira Guerra Mundial (1914) no qual, o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1321

avaliar concentrava-se ênfase em testes de quociente de inteligência


(QI), com o objetivo de selecionar líderes militares para compor o
exército. Assim, os processos avaliativos que marcaram esse período
tinham como característica principal a utilização de testes
padronizados para medição de resultados e o desenvolvimento de
procedimento atrelados puramente a própria técnica.
A segunda geração da avaliação é chama Descrição, que
corresponde ao período de 1930 a 1945. É uma consequência para o
aprimoramento da primeira geração, pois era perceptível as falhas
da geração anterior, necessitando adequações. Esta geração também
foi marada pelos incentivos do pós Primeira Guerra Mundial,
necessitando reformas no ensino, especialmente em ciências e
matemáticas, e consequentemente refletiram no modo de conceber
avaliação. Neste sentido, para Garcia (2013), a avaliação se
constituiu apenas em suprir as necessidades da economia e do
mercado, com o ato avaliativo voltado para o produto final, além dos
aspectos técnicos concedidos da primeira geração.
A terceira geração da avaliação definida por Guba e Lincoln
(1989), é chamada de Julgamento, correspondendo ao período de
1946 a 1989. Nesta geração, além das funções acumuladas pelas
gerações anteriores, a avaliação surge como sinônimo de medida, e
acrescenta novos conceitos admitindo a necessidade de um
professor especialista, que segundo Garcia (2013), é entendido como
o descritor de aptidões e resultados dos alunos, julgando e
classificando-os segundo o seu mérito. Assim, o professor avaliar
assume o papel de juiz, assumindo a responsabilidade de tomada de
decisões. “Se há um julgamento, deve haver um juiz” (Guba;
Lincoln, 1989, p.30).
Por fim, a quarta geração da avaliação, Negociação, surge por
volta da década de 90, com a ascensão das tecnologias e a
possibilidade de participação coletiva dos alunos na construção de
seus conhecimentos. Se aproxima do modelo construtivista de Jean
Piaget, pois visa a melhoria do ensino-aprendizagem e do diálogo
como estratégia de ensino. Neste sentido, a avaliação é entendida
1322 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

como construção social, dando ênfase a aspectos qualitativos dos


alunos, e não apenas mensuração de resultados.
Assim, com base na descrição de cada geração da avaliação,
segundo Garcia (2013),

A avaliação da aprendizagem envolve, a priori, a definição de um


determinado modelo de educação e seus pressupostos teórico-
metodológicos, que estão implícitos na prática docente. Quanto à
compreensão da natureza da avaliação, é relevante considerarmos
os diferentes e complementares estágios de evolução da própria
natureza da avaliação. Apesar de cada geração da avaliação possuir
características específicas associadas a objetivos e finalidades
educativas, elas, entretanto, fazem parte de um processo dinâmico
e evolutivo do próprio campo da avaliação. Esse movimento sócio-
histórico e ao mesmo tempo epistemológico pode ser traduzido na
busca da completude do processo de construção da avaliação.
(GARCIA, 2013, p. 17).

Para Habermas (2012), a racionalidade está diretamente


relacionada com as disposições dos sujeitos capazes de falar e agir e
a razão, presente em uma exteriorização social, depende da
confiabilidade do saber nela contido, ou seja, se nas interações, os
sujeitos assumem uma postura reflexiva diante seus próprios
padrões, abertas a críticas, fazendo coincidir o justo e o correto, tem-
se uma situação que predomina a razão comunicativa, em
contrapartida, se os mesmos sujeitos assumem a postura do uso do
conhecimento para a manipulação e o convencimento através de um
processo coercitivo com finalidades próprias, tem-se então uma
situação de razão técnica.
O modelo de racionalidade técnica, concebe a avaliação como
um momento de excelência da própria técnica, reprodução de
modelos pré-estabelecidos, quantitativo, comportamental e objetivo
sem relação com o ambiente que o aluno se insere, o ensino nesse
sentido se torna em um processo de transmissão de conhecimentos,
passivo, sem capacidade crítica e reflexiva.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1323

Quando olhamos para o conceito de avaliação divido em


gerações expressos por Guba e Lincoln (1989), podemos considerar
que o tipo de racionalidade presente nas fases de mensuração,
descrição e julgado, atrelado a teoria habermasina, impera a
racionalidade técnica, pois concentra ênfase em descrever padrões,
critérios e a preocupação com o domínio técnico, que na
matemática, teve seu auge com o Movimento da Matemática
Moderna, podendo ser observado a reprodução de modelos
mecânicos e orientações para resoluções de problemas com
instruções do tipo “siga o modelo”, considerando processos
unilaterais sem possibilidade de negociação.
Este método avaliativo pode ser observado atualmente nas
escolas brasileiras, ou seja, apesar do ideário do Movimento da
Matemática Moderna não ter se prolongado em vários aspectos, os que
referem a avaliar, de forma autoritária e classificatória, não sofreram
alterações desde então. Segundo Silva (2006), as práticas avaliativas
que marcaram o Movimento da Matemática Moderna permaneceram
enraizadas nas práticas docentes que, mesmo com o declínio do
movimento, continuaram a prezar pelo rigor na forma e conteúdo da
disciplina e dos instrumentos ditatoriais da avaliação em matemática.
Segundo Garcia (2013), a quarta geração da avaliação promove
a negociação entre avaliadores e avaliados, ressaltando a dimensão
dialógica como essência principal da práxis avaliativa. Desta forma,
podemos considerar, a geração que mais se aproxima do modelo
comunicativo de Habermas (2012), pois, tende a um tipo de avaliação
pautado em estratégias participativas e interativas, mais significativa
para o aluno, voltado a espaços que promovam a reflexão, criticidade
imperando a argumentação como essência do entendimento.

A educação desenvolvida a partir de uma perspectiva habermasina


contribui para o alargamento do horizonte cultural dos sujeitos,
uma vez que assume seu papel histórico e possibilita, ao
reconhecer e valorizar as diferenças entre os indivíduos, a
permanente revisão crítica dos saberes, sendo, portanto, relação e
interação, devendo promover o reconhecimento mútuo dos
1324 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

sujeitos, a superação da opressão entre eles e o consequente


travamento do diálogo. (COELHO, 2005, p. 16).

Assim, como afirma Muhl (2007), a educação precisa se


tornar transformadora e crítica, devendo se orientar,
principalmente por princípios comunicativos através da TAC, e para
isso, a avaliação deve passar por processos emancipatórios de
práticas conservadoras que ainda permanecem nas escolas
brasileiras, devemos almejar por uma avaliação que cada vez mais
se aproxime da quarta geração da avaliação expressa por Guba e
Lincoln (1989) e como enfatiza Fernandes (2013), há a necessidade
de abrirem novos caminhos ao desenvolvimento da avaliação,
baseando-se em outras racionalidades.

Conclusões

A título de considerações finais, afirmamos aqui que apesar


dos anos, e das significativas mudanças no contexto educacional
brasileiro, especialmente nas gerações da avaliação, avaliar no
ensino de matemática ainda serve a imperativos sistêmicos que
conduzem os alunos ao sucesso ou insucesso.
Precisamos perseguir por avanços educacionais que estejam
comprometidos com espaços formativos que promovam a
aproximação do ambiente avaliativo à racionalidade comunicativa, o
que a teoria comunicacional habermasinana poderia contribuir, já que
segundo Berti (2018), a Educação Matemática no Brasil ainda encontra
muitas resistências para promover mudanças significativas na
qualidade do ensino de matemática, especialmente nos atos avaliativos.

Agradecimentos

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível


Superior) pelo financiamento ao desenvolvimento da pesquisa.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1325

Referências
COELHO, A. S. Contribuições da Teoria do Agir Comunicativo de Habermas para
consolidação de uma educação crítica e reflexiva diante da sociedade de
comunicação e informação. Dissertação (Mestrado em Educação) Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, Curitiba – PR, 2005.

BERTI, N. M. O ensino de matemática no brasil: Buscando uma


compreensão histórica. Disponível em:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada6/tra
balhos/617/617.pdf> Acesso em: 9 de ago. de 2018.

FERNANDES, D. Avaliação em educação: uma discussão de algumas questões


críticas e desafios a enfrentar nos próximos anos. Ensaio: Avaliação e
Políticas Públicas em Educação, v.21, n. 78, p.11 - 34, 2013.

FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo


controle do processo pedagógico na escola. Educação & Sociedade, v. 35,
n. 129, p. 1085–1114, 2014.

GARCIA, R. P. M. Avaliação da Aprendizagem na Educação a Distância na


Perspectiva Comunicacional. Cruz das Almas, BA: Editora UFRB, 2013.

GIL, A. C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 5ª ed. São Paulo, SP: Atlas, 2017.

GUBA, E. G; LINCOLN, Y. S. Fourth generation evaluation. Newbury Park, CA:


Sage, 1989.

HABERMAS, J. Teoria do Agir Comunicativo I: Racionalidade da ação e


racionalização social. Trad. Paulo Astor Soethe. 1ª ed. São Paulo:
Uwfmartinsfontes, 2012a.

MULH, E. H. Racionalidade instrumental e ação comunicativa: Perspectiva


democrática e cidadã na gestão educacional. Revista Espaço Pedagógico,
Passo Fundo, RS, v. 14, n. 2, p. 137-150, jul./dez. 2007.

PEREIRA, E. D. S; DIAS, V.S. O processo de avaliação e as aulas de matemática:


reflexões sobre a avaliação mediadora. Práticas Pedagógicas, Santos, SP,
v. 3, n. 1. p. 1-26, 2015.

SILVA, C. M. S. Concepções e Práticas avaliativas no Movimento da


Matemática Moderna. Dissertação (Mestrado em Educação) Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, 2006.
89

Relato de experiência do Núcleo Afrobrasileiro e


Indígena de Ilha Solteira (NABISA)

Clara Campos Beltrame


Júlia Jiacometi Marcondes
Rafael de Farias Barbosa
Simone dos Santos Bonfim
Wellington Gonzaga Brandão

Introdução

O NUPE (Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão)


teve início em 2001 segundo Prope (2010), com intuito de promover
pesquisas e projetos que busquem compreender os processos de
reprodução e produção de desigualdade racial no país, além de
promover encontros e estudos multidisciplinares em Antropologia,
Cultura e Religião ligadas aos afrodescendentes brasileiros e povos
negros africanos.
Por meio do NUPE, no ano de 2016 surge o NABISA (Núcleo
Afro-brasileiro de Ilha Solteira) que se configura como um Núcleo
de extensão universitária que tem como objetivo promover
discussões acerca da temática da Diversidade étnico-racial na cidade
de Ilha Solteira, buscando a problematização do tema voltado para
as questões ligadas a desigualdade, a fim de propor reflexões que
promovam e afirmem a cultura afro-brasileira e africana como parte
da história do Brasil. Recentemente foram incorporadas às
discussões do grupo a temática indígena, passando assim a ser
chamado de Núcleo Afro-brasileiro e Indígena de Ilha Solteira.
1328 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Como abordado por Gonçalves et al. (2017), o grupo vem


desde sua criação promovendo cines debates, cursos de extensão e
feiras culturais, abertas a toda comunidade buscando esclarecer as
relações étnico-raciais presentes na sociedade a partir de práticas
educativas dispostas em espaços formais, não formais e informais
utilizando a memória na abordagem da cultura, história dos povos
africanos, afro-brasileiros e indígenas.
Para fins deste trabalho entende-se diversidade segundo
Quadrado & Ávila (2013) como um conjunto de ideias, religiões,
costumes, comportamentos, valores, crenças, etnias, gêneros e
sexualidades que constituem os sujeitos; a diversidade se expressa a
partir de posições ocupadas por tais sujeitos em seus contextos
socioculturais, onde se constrói as identidades (de gênero, sexuais,
de classes, étnico-raciais e religiosas). Já a diversidade étnico-racial
se refere aos termos relacionados à etnia, que por conta de conflitos
e disputas entre grupos e povos teve seu significado alterado ao logo
do tempo.
Assim, torna-se central nas ações formativas do grupo
afirmar aspectos da identidade dos negros e indígenas a partir de
sua ancestralidade valorizando a importância dos etnosaberes afro-
brasileiros, africanos e indígenas.
A criação Lei 11.645/2008 que altera a Lei 9.394/1996,
modificada pela Lei 10.639/2003, possibilita estabelecer fontes
interculturais, que são construídas em especial pela Antropologia,
possibilitando compreensão e valorização da relação com o outro
fundamentado a partir de um olhar para a diversidade.
Deste modo, considera-se de fundamental importância lidar
com a diversidade a partir do relacionamento com o outro e suas
formas de olhar o mundo e a natureza, promovendo uma
convivência pautada na compreensão e trocas de significados. Ou
seja, deve haver um questionamento dos subjugamentos atrelados
ao pensamento colonizador/colonizado europeu em relação à
cultura afro-brasileira, africana e indígena no Brasil.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1329

Procedimentos Metodológicos

Ao longo dos anos de 2017 e 2018, o Núcleo promoveu a


Extensão Universitária, entendida como integração universidade –
comunidade dos conhecimentos do ensino e pesquisa, através de
diversas atividades para abordagem das relações étnico-raciais.
Entende-se que tais discussões são um modo de promover a
afirmação da cultura afro-brasileira, africana e indígena como parte
da sociedade brasileira.
Para entender os objetivos propostos, os procedimentos
metodológicos se desencadeiam a partir das seguintes ações:

• Sarau Cultural: foram realizados em parceira com o Diretório


Acadêmico XI de Abril, Disciplina História e Filosofia da Educação do
curso de licenciatura em Ciências Biológicas e Secretária Municipal de
Cultura de Ilha Solteira, trazendo elementos da cultura afro-brasileira,
Africana e Religiosidades.
• I Festival Nabisa de cinema – Mostra de curtas: dilemas do negro no
Brasil: exibição de curtas-metragens que reportam as Africanidades que
permeiam nossa cultura no Brasil, realizados em parceira com a
Secretária Municipal de Cultura de Ilha Solteira, abertos a toda
comunidade.
• Curso de Extensão: com o tema “Cultura Afro-Brasileira e Indígena na
Escola: abordagens interdisciplinares”, teve como público alvo
estudantes de graduação e pós-graduação, assim como profissionais da
rede básica e superior de educação.
• (Re) Existência Negra: consciência negra é todo dia! - com a união entre
Nabisa, Fundação Cultural e a Prefeitura de Ilha Solteira, realizou-se
ações durante o mês de novembro com rodas de conversas,
acompanhado de cine-debate e minicursos com abordagem do negro e
indígena na sala de aula.
• Oficinas: realizadas atividades com o intuito de confeccionar bonecas
Abayomi propondo à discussão acerca da ancestralidade da cultura
africana, assim como as questões da mulher negra na sociedade, por
meio da arte; a oficina foi feita em conjunto a Unati (Universidade Aberta
à Terceira Idade). Além disso, em parceria com a disciplina Currículo,
Cultura e Sociedade do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas,
1330 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

com a temática “Relações Étnico-Raciais e Currículo”, desenvolveu-se os


jogos Mancala e Jogo da Onça.
• Palestras: em parceria com professores da Universidade Federal do Sul
e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) - Campus Marabá. Foram desenvolvidas
atividades relacionadas aos temas - "Diferenças, desigualdade e
interculturalidade: quando as barreiras étnico-culturais se tornam
pontes" e "Da literatura à inclusão étnico-racial: relações
interdisciplinares entre história e literatura como enfrentamento das
desigualdades".

Apresentação de Resultados Parciais

O “I Festival NABISA de Cinema – Mostra de curtas: dilemas do


negro no Brasil” foi exibido no Cinema Paiaguás da Fundação Cultural
de Ilha Solteira, no segundo semestre do ano de 2017, às 19h. Após a
exibição dos curtas foram organizadas discussões acerca da temática
abordada, deixando aberto ao público para colocar suas impressões e
compartilhar as experiências, expectativas e histórias de vida. Os curtas
exibidos foram: “O lado de cima da cabeça”, “Elekô”, “D.O.R”, “O
preconceito cega” e “Negro lá, negro cá”, totalizando cinco dias de
Festival.
Foram realizados três Saraus, sendo estes: i) Sarau Cultural –
organizado pelo Nabisa e o Diretório Acadêmico XI de Abril, com
uma Feira dos “Povos Africanos” com palco aberto para expressões
artísticas nessa temática; ii) Sarau (Re) Existência Negra:
consciência negra é todo dia! – em parceria com o Diretório
Acadêmico XI de Abril, alunos(as) do curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas da FEIS/UNESP e Secretaria Municipal de
Cultura de Ilha Solteira, foi realizado com a 24ª Feira de Artesanatos
de Ilha Solteira – FEART; as atividades tiveram como intuito
promover o resgate das tradições Afro-brasileiras e Africanas
presente em nosso cotidiano. Com isso, foram disponibilizadas
tendas nas quais se realizavam as atividades em conjunto com a
população e palco aberto para artistas locais cantarem músicas
relativas ao conteúdo.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1331

Efetuamos duas oficinas: de confecção da boneca Abayomi e


de Jogos de origem africana e indígena - mancala e jogo da onça. A
primeira foi ministrada na Unati para a terceira idade, pela aluna de
Ciências Biológicas da Unesp de Ilha Solteira e membro do Nabisa
Márla Alixandre Silva, sendo falado sobre a origem da Abayomi, logo
em seguida, proposto a elaboração desta. A segunda oficina
aconteceu durante a disciplina de Currículo, Cultura e Sociedade do
curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Unesp de Ilha
Solteira, abordando conceitos históricos acerca dos jogos,
colocando-os em prática.
O (Re) Existência Negra: consciência negra é todo dia! foi
realizado em novembro de 2017 pelos membros do Nabisa, com
apoio da Fundação Cultural de Ilha Solteira, como se segue: 11/11 -
roda de conversa “Movimento feminista e LGBTT negro”,
acompanhado com o cine-debate “Madame Satã”; 17/11 - roda de
conversa “O lugar do racismo na luta de classes brasileira e o
Empregadorismo Negro”, acompanhado com o cine-debate “A Cor
do Trabalho”; 18/11 - exposição Cultura Negra; 24/11 - minicurso “A
temática indígena na sala de aula: intervenções a partir de
documentários”; 25/11 - minicurso “A temática indígena na sala de
aula: intervenções a partir de documentários”. Todas a atividades
aconteceram no Cinema Paiaguás.
Foram realizados duas palestras com os tópicos: "Diferenças,
desigualdade e interculturalidade: quando as barreiras étnico-
culturais se tornam pontes” apresentada pela Profa. Dra. Ana
Clédina Rodrigues Gomes - professora da Universidade Federal do
Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) - Campus Marabá e "Da
literatura à inclusão étnico-racial: relações interdisciplinares entre
história e literatura como enfrentamento das desigualdades",
ministrado pelo Heraldo Márcio Galvão Júnior - Doutorando no
programa de História da Universidade Federal do Pará (UFPA) e
Professor na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
(UNIFESSPA) - Campus Xinguara.
1332 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

O Curso de Extensão “Cultura Afro-Brasileira e Indígena na


Escola: abordagens interdisciplinares” teve como objetivo refletir
sobre os aspectos culturais do negro e indígena no Brasil, a partir da
sua ancestralidade, perpassando pela importância da valorização
dos etnosaberes afro-brasileiros e indígenas, por meio da
aplicabilidade da Lei 10.639/03 (alterada pela Lei 11.645/08) no
contexto escolar. Assim, dividiu-se ao longo do mês de novembro de
2017, no total de 60h (sendo 50h de atividades presenciais e 10h para
a elaboração do Memorial Reflexivo), palestras, cine-debates e
minicursos (esses dois últimos foram conjuntamente as ações do
“(Re)Existência Negra: consciência negra é todo dia!”). Os
conteúdos propostos nas palestras e seus respectivos palestrantes
foram: “Lei 10.639/03 (alterada pela Lei 11.645/08). Aspectos
curriculares normativos da educação para as Relações Étnico-
Raciais” - Prof. Dr. Harryson Júnio Lessa Gonçalves (Feis/Unesp);
“Música na educação para as relações étnico-raciais” - Mestrando
Edvan Ferreira dos Santos (FC-Bauru/Unesp); “Relações Étnico-
Raciais e Literatura Infanto-Juvenil” - mestranda Simone Bonfim
Cardoso (Feis/Unesp); “Relações étnico-raciais e livros didáticos” -
Profª. Drª. Ana Clédina Rodrigues Gomes (UNIFESSPA); “Capoeira
como promotora da cultura negra” - mestrando André Prevital de
Souza (UEMS); “Visitando os conceitos do movimento negro:
cultura, mídia e mercado” - Prof. Dr. Paulo Gabriel Franco dos
Santos (UnB).

Conclusão Parcial

Ao longo das atividades, percebemos o quanto as discussões


sobre as questões étnico-raciais e indígena e a afirmação destas se
faz importante, revelando a urgência de se levantar a reflexão sobre
o nosso papel na sociedade. As ações desenvolvidas pelo NABISA,
juntamente com parceiros, permitiram que as discussões
rompessem as barreiras da universidade, colocando em prática a
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1333

Extensão Universitária, em que sujeitos puderam falar, ser ouvidos


e desfrutar de novos conhecimentos na comunidade.
A participação de professores da Educação Básica, alunos de
graduação e pós-graduação, membros de movimentos sociais e a
população local, destacou o interesse das pessoas na busca pelo
conhecimento das temáticas, a preocupação em melhorar a prática
docente e sua forma de ver o mundo. Consideramos a participação
desses sujeitos durante o projeto como algo positivo, pois onde
quase não se falava sobre a cultura africana, afro-brasileira e
indígena tivemos a oportunidade de desencadear a reflexão sobre as
ações pessoais, sobre a sociedade em que vivem e sobre a influência
da cultura desses temas na vida de cada um.

Referências

PROPE, Pró Reitoria de Pesquisa. NUPE. Acesso em: 12 set. 2018.

QUADRADO, Raquel Pereira; ÁVILA, Dárcia Amaro. Diversidades. Revista


Educação e diversidade, Rio Grande do Sul, v. v1, n. 1, p. 10-13, jan. 2013.
Acesso em: 12 set. 2018.

GONSALVES, Harryson Junio Lessa et al. NABISA. In: VI Congresso Brasileiro de


Educação: educação e formação humana, práxis e transformação social:,
1., 2017, Bauru São Paulo. RELATO DE EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO
AFRO-BRASILEIRO DE ILHA SOLTEIRA (NABISA)... [S.l.: s.n.], 2017.
p. 437-437. v. 1. Acesso em: 12 set. 2018.
90

Repensando o projeto político pedagógico


para a diversidade:
um estudo comparado entre Marabá-PA e Ilha Solteira-SP

Rubernéia da Silva de Oliveira


Jhemerson da Silva E Neto
Ana Clédina Rodrigues Gomes

Introdução

O presente trabalho é oriundo dos resultados do projeto de


pesquisa intitulado “Projeto Político Pedagógico e
Interculturalidade: um estudo comparado sobre currículos escolares
de Marabá-PA e Ilha Solteira-SP”, financiado pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o qual teve seu
início no ano de 2016, quando foram realizadas análises com base
no Projeto de Pesquisa intitulado “Diversidade Cultural e Formação
Crítico-Reflexiva de Sujeitos no Ensino Fundamental: uma análise
dos Projetos Político-Pedagógicos e Currículo das Escolas Públicas
de Marabá-PA”, financiado pela Fundação Amazônia Paraense de
Amparo à Pesquisa (FAPESPA), o qual teve como lócus as escolas
públicas do município de Marabá-PA.
O estudo comparativo na pesquisa teve como foco auxiliar na
identificação das principais características particulares apresentadas
pelos currículos escolares de escolas de educação básica nas duas
localidades citadas, bem como acerca do eixo interculturalidade, que
dá base ao estudo, a fim de identificar nas escolas de Ilha Solteira-
SP novos elementos que não foram observados nas escolas de
1336 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Marabá-PA por ocasião das análises dos seus Projetos Políticos


Pedagógicos, buscando-se ainda verificar quais elementos
vinculados às temáticas da diversidade cultural/interculturalidade
têm influenciado na formação educacional dos estudantes e de que
forma se tem alcançado tais resultados.
Discutir Educação Comparada (EC) não é tarefa simples. Nos
implica a pensar uma série de outros fatores que estão
intrinsicamente atrelados a ela: fatores de ordem política,
econômica, cultural, social etc., onde já é sabido que tais fatores
afetam diretamente as questões educacionais, sejam elas no âmbito
das políticas públicas, sejam elas referentes ao currículo escolar.
Neste contexto, faz-se importante desvelar todos os meandros pelos
quais perpassam o processo educacional dos inúmeros sistemas de
ensino, seja no Brasil, seja em qualquer outro país.
Nos últimos anos, a EC tem se tornando uma importante
abordagem para se chegar a apontamentos pertinentes acerca das
formas de engendramento dos sistemas educacionais, o que tem feito
com que inúmeros pesquisadores lancem mão dos seus conceitos, a fim
de assimilar e analisar o modo de funcionamento de tais sistemas.
Ao conceitualizar o termo EC, pensa-se automaticamente em
processos comparativos. Contudo, no que tange à EC (ou Educação
Internacional Comparada – EIC) enquanto uma tomada de posição
teórica e metodológica – e que também é epistêmica – torna-se
importante (re)pensar alguns de seus principais aspectos.
Kazamias (2012, p. 58, grifo do autor), em interessante artigo
define a EC como “uma episteme explicativa/interpretativa que
busca compreender e interpretar a forma como os sistemas
nacionais de educação desenvolveram-se para ser o que são”. Nesse
sentido, a EC busca analisar fatores que se encontram no âmago de
questões políticas, sociais, econômicas e culturais que reverberem
diretamente na tessitura dos sistemas de ensino (KAZAMIAS, 2012).
Com um tom um pouco mais crítico, Mason (2015, p. 281),
considera que “a educação comparada é como uma ciência social
crítica que incorpora um interesse emancipatório com foco na
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1337

distribuição do poder e seus atributos associados: riqueza


econômica, influência política, capital cultural, prestígio social e
afins”, além de considerá-la fator preponderante para o
desenvolvimento educacional.
Nesse aspecto, nota-se que a EC, além de ser um meio eficaz
na compreensão crítica do fenômeno educacional, também pode
exercer um importante papel na transformação do panorama
educacional nacional e internacional, uma vez que ao analisar e/ou
comparar diferentes realidades educacionais e suas tessituras, pode-
se perceber as nuances de tais processos e suas relações.

Fundamentação Teórica

A relevância do estudo se deu na esfera da análise crítica dos


currículos escolares prescritos existentes em escolas do Brasil e de
que forma as inúmeras políticas educacionais voltadas para a
diversidade cultural estão trazendo resultados satisfatórios para a
formação dos educandos de educação básica.
Nota-se que o estudo comparado possui uma capacidade de
instituir-se em uma pluralidade de perspectivas, abordagens e
metodologias ao mesmo tempo e indicar limites para compreensão
dos fatos ou fenômenos educativos que compara, apresentando-se
como um importante instrumento de conhecimento e de análises da
realidade educativa.
Segundo Forquin (1993), os estudos sobre as teorias do
currículo, no que concerne principalmente aos processos de ensino,
organização e legitimação e transmissão de conteúdo, contribuem
significativamente para reflexões sobre a relação escola e cultura e
suas implicações.

No campo curricular, a versatilidade, a competência e a


importância prática dos saberes têm servido para a justificação de
um novo currículo que se constitui validado pelos valores de
emancipação, integração, pertinência social e atualização do
conhecimento. É no quadro dessas ideias que estamos concebendo
1338 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

os conhecimentos, as escolas e seus profissionais como agentes


ativos na configuração de processos que tornam o currículo mais
rico, mais rigoroso, mais reflexivo. No entanto, entendemos que a
produção e a distribuição de conhecimentos estão a ocorrer apenas
pela localização da dominação dos dominados, e não pela
descolonização dos saberes que criam/criaram tal condição.
(SILVA, 2016, p. 215).

Educação Intercultural e Currículo

Segundo Candau e Russo (2010), entende-se a educação


intercultural como um projeto educacional que visa se contrapor a um
discurso colonial presente na sociedade, promovendo um diálogo
intercultural entre os diversos sujeitos, culturas e as diversas formas de
se conceber o conhecimento, dando voz sujeitos historicamente
excluídos (negros, indígenas, por exemplo) e propõe-se maneiras
outras de se pensar a construção do conhecimento.
Levando em consideração que os estudos sobre
interculturalidade no Brasil são recentes (no Brasil, tais estudos
ganharam espaço por volta dos anos 2000), o conhecimento sobre
a temática no âmbito educacional, sobretudo, na educação básica,
ainda é pouco difundido. Tal desconhecimento faz com que os
profissionais se distanciem de ações que trabalhem questões
referentes à diversidade cultural presente na escola. Por
conseguinte, a ausência de ações sistematizadas faz com que
situações de preconceito/conflito em relação à cor, religião e
orientação sexual sejam tratadas de forma neutra.
Em interessante texto, Moreira e Candau (2007, p. 38),
comentam que um ponto bastante relevante a ser trabalhado na
escola diz respeito a “promover ocasiões que favoreçam a tomada de
consciência da construção da identidade cultural de cada um de nós,
docentes e gestores, relacionando-a aos processos socioculturais do
contexto em que vivemos e à história de nosso país”.
Nesse aspecto, a educação intercultural deve ser concebida
como um meio de fortalecer as identidades por meio da afirmação
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1339

da mesma, tornando o ambiente escolar – e a própria sociedade –


um espaço de alteridade, onde através de vários “outros” possam
haver maneiras “outras” de se configurar um diálogo intercultural
pautado em uma perspectiva decolonial (WALSH, 2007).
No que diz respeito às políticas que dialogam com uma
perspectiva intercultural na esfera educacional, faz-se importante citar
as leis 10.639/2003 e 11.645/2008. A primeira tornou obrigatória a
inclusão no currículo oficial das escolas de educação básica a temática
“história e cultura afro-brasileiro e africana”. O mesmo aconteceu com
a segunda, agora tornando a temática “história e cultura indígena”
também como obrigatória nos currículos escolares.
Há de se considerar que tais políticas visam fortalecer e
afirmar o respeito às diferenças, o que julga-se como imprescindível,
uma vez que o Brasil advém de uma formação multiétnica, mas que
em seu percurso histórico de construção invisibilizou e/ou limitou a
participação de vários “outros” na sociedade: povos indígenas,
africanos, imigrantes europeus, asiáticos entre outros (MARKUS,
2017).
Não obstante, a aplicabilidade das políticas educacionais –
neste caso, as leis 10.639/03 e 11.645/08 – é um tanto quanto
questionável, o que faz com que situações de preconceito e
intolerância das mais variadas formas ainda continuem
acontecendo. No âmbito da escola,

A desconsideração das diferentes culturas que adentram a sala de


aula, independentemente da vontade do(a) docente, pode
responder por desinteresse por parte do estudante, perturbações
da ordem nas aulas, dificuldades de aprendizagem e no fracasso de
muitos(as) alunos(as), o que pode contribuir para excluí-los(as) da
escola e dificultar-lhes a possibilidade de empregos que venham a
propiciar uma vida mais digna e satisfatória na sociedade
(MOREIRA; CANDAU, 2014, p. 12).

Ora, se o currículo também diz respeito a “experiências escolares


que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações
1340 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos


estudantes” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 18), faz-se importante
pensar estratégias de formação que contemplem as diferenças
presentes na sala de aula, uma vez que esta é um espaço heterogêneo.

O Projeto Político Pedagógico e as práticas pedagógicas voltadas


para a interculturalidade

O campo de estudos sobre currículo sempre foi um espaço de


poder. Desde a formulação das teorias tradicionais, até as formas de
se conceber as teorias pós-criticas. No âmbito da educação básica,
tais relações de poder se dão, em sua grande maioria, através de
conflitos, ora pelo “estranhamento” do “outro”, que se desdobra no
cotidiano escolar, ora pela ineficácia de políticas educacionais que
visam trabalhar a aceitação de diferenças no ambiente escolar.
Gomes (2007), ao falar sobre a diversidade no âmbito do
currículo, julga necessário pensar tal questão para além de uma visão
romantizada e de uma relação harmoniosa entre os diferentes sujeitos
que ocupam o espaço escolar, pois tal relação vista por essa ótica se
assenta em uma perspectiva multiculturalista, onde “a convivência
não é garantia de respeito aos diferentes ou de aceitação do ‘outro’ em
situação de igualdade” (MUNSBERG; SILVA, 2018, p. 30).
No Projeto Político Pedagógico (PPP), a temática da
diversidade cultural/interculturalidade deve-se fazer presente em
seu processo constitutivo, dado que o PPP também se faz em sua
dimensão política, uma vez que tal documento está inerentemente
atrelado aos interesses coletivos, com vistas à formação do cidadão
para a vida e participação ativa dentro de uma determinada
sociedade (VEIGA, 2002). Desse modo, o PPP tem importante papel
na construção de uma sociedade sensível à alteridade, respeitando e
dialogando com os diferentes sujeitos e culturas,
independentemente de cor, religião, orientação sexual etc.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1341

Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa é de caráter qualitativo, de natureza


descritiva e exploratória. Realizou-se um levantamento de trabalhos
científicos produzidos sobre as temáticas interculturalidade, diferenças
e desigualdades sociais, com o intuito de fundamentar o debate teórico
para as análises a serem empreendidas. Por se tratar da continuação de
estudos sob o mesmo viés, já constam dados acerca dos Projetos Político
Pedagógicos e currículos praticados por escolas municipais de Marabá-
PA, ou seja, um total de seis escolas envolvidas e que foram selecionadas
utilizando-se como critério o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB) do ano de 2015.
A partir das informações coletadas em campo foi possível
identificar que em sua maioria as escolas não promovem de forma
sistemática trabalhos voltados para a formação para a diversidade
cultural, embora algumas apresentem em seu Projeto Político
Pedagógico (PPP) ações ou projetos direcionados para suas
temáticas. Assim, como se procedeu na captação e análise dos dados
obtidos a partir das escolas localizadas em Marabá-PA, também
transcorreu na análise documental dos PPP das escolas localizadas
em Ilha Solteira-SP a partir da captação desses documentos por
membros da equipe de pesquisa.
Vale ressaltar que o estudo comparativo proposto neste trabalho,
consiste numa metodologia que visa auxiliar o entendimento dos
aspectos organizativos presentes nos documentos já mencionados, e
que possam revelar diferenças e semelhanças presentes na formação
intercultural escolar discutidas nos projetos e currículos. Os estudos
comparativos são metodologias que facilitam a compreensão sobre as
organizações através da investigação empírica, trabalhando com
identificação de dois objetos estudados com suas características, os
estudos que envolvem o método comparativo são utilizados para
identificar fenômenos complexos ou não.
1342 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Resultados

Foram analisados dois PPP das escolas de Ilha Solteira-SP.


Todavia, em apenas um dos documentos foi possível detectar pontos
referentes às questões que envolvem a temática diversidade
cultural/interculturalidade. A partir do documento analisado,
constituiu-se um quadro de caracterização fundamentado em aspectos
que dizem respeito à questão intercultural, a saber: o objetivo geral e
específicos, uma vez que estes evidenciam as finalidades que a
instituição escolar pretende alcançar com o seu “fazer educacional”;
projetos desenvolvidos no âmbito da interculturalidade, uma vez que
estes também advêm (ou deveriam surgir) de intencionalidades
pedagógicas, sociais e culturais com vistas à promoção da autonomia
dos atores envolvidos, dado que em seu marco filosófico a escola
salienta uma concepção sociointeracionista, dialética e libertária.
Concepção esta, que de um modo geral pressupõe uma formação
voltada para a autonomia e interação entre diferentes culturas.

QUADRO 01: Quadro de caracterização do PPP no âmbito da diversidade


cultural/interculturalidade
Projetos
Objetivo Geral Objetivos Específicos
Desenvolvidos
Ser espaço físico, - Compreender a cidadania como participação social - Capoeira;
pedagógico, político e e política [...] respeitando o outro e exigindo para si - Arte Urbana;
cultural de formação de o mesmo respeito;
sujeitos de plena - Conhecer características fundamentais do Brasil
cidadania e de nas dimensões sociais, materiais e culturais como
consciência crítica, meio para construir progressivamente a noção de
capazes de produzir e identidade nacional e o sentimento de
compartilhar os pertencimento ao país;
conhecimentos, - Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio
transformando-os em sociocultural brasileiro, bem como aspectos
aprendizagem concreta socioculturais de outros povos e nações,
e viabilizadora que posicionando-se contra qualquer discriminação
venha favorecer o baseada em diferenças culturais, de classe social, de
crescimento social da crenças, sexo, etnia ou outras características
comunidade Ilhense na individuais e sociais.
qual esta comunidade
está inserida.
Fonte: Projeto Político-Pedagógico de escola de Ilha Solteira-SP, 2016.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1343

Na análise dos PPP das Escolas de Ilha de Solteira-SP foi


possível detectar alguns aspectos importantes que dizem respeito à
compreensão sobre a questão intercultural em seu currículo e a
concepção da escola como espaço de alteridade, sobretudo, no que
diz respeito à pessoa com deficiência, ou seja, sobre o Atendimento
Educacional Especializado (AEE), que traz desde seu público-alvo
até os procedimentos inclusivos a serem ofertados na escola. Porém
esse objeto se deu apenas em uma das escolas, visto que na segunda
escola analisada do mesmo município nenhum tipo de projeto
desenvolvido ou características culturais na área da diversidade e
interculturalidade foi detectado.
Em suma, o PPP analisado, traz em seu bojo discussões
voltadas para a interculturalidade, apesar de que em alguns
momentos notou-se a ausência de tais aspectos, principalmente no
que diz respeito aos projetos a serem trabalhados no contra turno
dos alunos. Um exemplo disso seria o projeto em que se pretende
trabalhar a capoeira, uma vez que em tal projeto não se dá ênfase às
questões históricas e culturais que pressupõem a prática da capoeira
como uma atividade que em sua justificativa propõe-se a trabalhar,
sobretudo, a questão motora, bem como seus aspectos
socioculturais.
Todavia, pode-se considerar, grosso modo, que o PPP
analisado compreende – ainda que de modo parcial –, o currículo
como uma construção social onde “seus conteúdos e suas formas
últimas não podem ser indiferentes aos contextos nos quais se
configura” (SACRISTÁN, 2000, p. 21). Contudo, espera-se que tais
discussões estejam mais presentes nas próximas formulações do
presente documento.

Considerações finais

No estudo comparado verificou-se que embora o município de


Marabá-PA se encontre em uma região marcada por culturas
1344 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

tradicionais, como é o caso dos povos indígenas, o que favorece a


presença de tais indivíduos nas instituições escolares, além de
descendentes quilombolas, o que deveria provocar ações
interculturais planejadas pelas escolas, com vistas a fortalecer os
vínculos entre os sujeitos, bem como as diversas culturas
coexistentes no Brasil, mesmo inseridas nesse ambiente propício as
escolas não realizam um currículo que agregue os conhecimentos
científicos aos conhecimentos culturais.
Nas escolas do município de Ilha Solteira-SP, da mesma forma
não se verificou também nenhum movimento nesse sentido da
interculturalidade, embora se tenha demostrado a preocupação em
relação à inclusão de pessoas com deficiência, o que de certa forma
traduz um olhar mais sensível à pessoa que foge aos padrões dos
sujeitos, todavia, se ignora o que indica a Lei n. 10.639/2003, que
implica na inserção de aspectos das culturas afro-brasileiras e
afrodescendentes e indígenas no currículo das escolas de educação
básica.
Vale ressaltar que que a presente pesquisa embasou seus
resultados e discussões via análise dos PPP – das escolas de Marabá-
PA e Ilha Solteira-SP –, onde não foi feito nenhum estudo do
cotidiano escolar das escolas que tiveram tais documentos
analisados, o que pode viabilizar-se em pesquisas posteriores, a fim
de aprofundar as discussões sobre currículo e interculturalidade,
bem como questões acerca do cotidiano escolar.
A despeito da lei e outras normativas, o estudo demonstrou
que apenas ações pontuais são realizadas nesse âmbito, ou seja, ao
que tudo indica, apenas quando algum professor toma como
iniciativa as questões referentes à interculturalidade, questões que
estão no cerne das discussões empregadas principalmente pelos
movimentos sociais mas que se fazem latentes no cotidiano das
escolas, nas problemáticas ligadas a gênero, questões raciais e outras
que impedem o convívio entre pares e o respeito à condição
humana.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1345

Assim, como resultado do estudo, considera-se a possibilidade


de distanciamento entre o currículo formal (normativo e prescrito)
e o currículo em ação (praticado), dado que percebeu-se que o que
está posto no papel não condiz com as especificidades e demandas
do seu contexto social, sendo que as duas realidades curriculares
pesquisadas estão distantes da realidade cultural do aluno, tendo
escolas que nem pontuam sobre a cultura local.

Referências

CANDAU, Vera Maria; RUSSO, Kelly. Interculturalidade na América Latina: uma


construção plural, original e complexa. Rev. Diálogo Educ. Curitiba, v. 10,
n. 29, p. 151-169, jan./abr. 2010.

FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do


conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre o currículo: diversidade e currículo.


Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, 2007.

KAZAMIAS, Andreas. Homens esquecidos, temas esquecidos: os temas histórico-


filosófico-culturais e liberais humanistas em educação comparada. In:
COWEN, Robert; KAZAMIAS, Andreas; UNTERHALTER (Orgs.).
Educação comparada: panorama internacional e perspectivas. Brasília:
UNESCO, CAPES, 2012.

MASON, Mark. Comparações entre culturas. In: BRAY, Mark; ADAMSON, Bob;
MASON, Mark (Orgs.). Pesquisa em educação comparada: abordagens
e métodos. Brasília: Liber Livro, 2015.

MARKUS, Cledes. Educação intercultural: reflexão sobre uma experiência no


Brasil. In: LANDA, Mariano Báez; HERBETTA, Alexandre Ferraz.
Educação indígena e interculturalidade: um debate epistemológico e
político. Goiânia: Editora da Imprensa Universitária, 2017.

MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Educação intercultural:


entre afirmações e desafios. In: MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa;
CANDAU, Vera Maria (Orgs.). Currículos, disciplinas escolares e
culturas. Petrópolis: Vozes, 2014.
1346 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Indagações sobre o


currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da
Educação/Secretaria de Educação Básica, 2007.

MUNSBERG, João Alberto Steffen; SILVA, Gilberto Ferreira. A interculturalidade


como estratégia de aproximação entre pesquisadores brasileiros e
hispano-americanos na perspectiva da descolonização. Eccos – Rev.
Cient., São Paulo, n. 45, p. 21-40, jan./abr. 2018.

SACRISTÁN, Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto


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SILVA, Fabiany. Estudos comparados como método de pesquisa: a escrita de uma


história curricular por documentos curriculares. Revista Brasileira de
Educação, v. 21 n. 64 jan.-mar. 2016.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Projeto político pedagógico da escola:


uma construção possível. 14. ed. Campinas: Papirus, 2002.

WALSH, Catherine. Interculturalidad y colonialidad del poder: un pensamiento y


posicionamiento “outro” desde la diferencia colonial. In: CASTRO-
GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL; Ramón (Orgs.). El giro decolonial:
reflexiones para una diversidade epistémica más allá del capitalismo
global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007.
91

Revisão sistemática sobre aprendizagem baseada em


problemas no ensino de ciências do ensino fundamental

Janaina Apolinario Mendes


Carolina Buso Dornfeld
Ângela Coletto Morales Escolano

Introdução

A Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL: Problem Based


Learning) é uma metodologia de ensino que visa a utilização de
problemas ou tarefas que contenham uma questão norteadora que
proporcionam ao aluno uma maior oportunidade de trabalhar de
forma independente, fazendo com que ele seja o protagonista de seu
aprendizado. Esse modelo metodológico permite que o aluno
desenvolva habilidades de pensamento crítico, trabalho em grupo, e
permite que este se envolva de maneira ativa na resolução de
problemas propostos.
De acordo com Jill Bradley-Levine e Gina Mosier (2014) é
durante esse processo que os alunos desenvolvem suas próprias
questões a fim de guiar seu aprendizado, estudando conceitos e
informações que respondam a essas questões, e aplicam esse
conhecimento aos produtos que eles desenvolvem. Além disso, esse
método abre uma janela para que o aluno relacione sua vivência dentro
de sala de aula com a realidade em que ele se encontra, uma vez que, a
questão norteadora dos projetos é sempre relacionada com a realidade
em que os alunos se encontram. Para Balve & Aberlt (2015) a prática
dessa metodologia ajuda os alunos a desenvolverem habilidades que
1348 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

vão além do conhecimento teórico, posto que o PBL coloca uma tarefa
significativa e motivante no centro da atenção dos alunos.
A estrutura e a dinâmica da metodologia da Aprendizagem
Baseada em Problemas leva os alunos a construírem conceitos
científicos em um âmbito contextualizado por um problema que é
um microcosmo da sociedade, ou seja, um pequeno mundo que
imita o mundo real. Além dos conhecimentos científicos, atitudes
são desenvolvidas, pois a resolução de um problema (microcosmo)
pode implicar no estímulo de um comportamento (SOUSA, 2010).
Ainda de acordo com Sousa (2010), o uso dessa metodologia
permite que os alunos busquem técnicas para soluções de
problemas, estimulando a autonomia de raciocínio e incutindo no
aluno a responsabilidade pela aquisição de atitudes e do próprio
conhecimento. Com isto o aluno passa por profundas mudanças em
sua postura como aprendiz, pois agora ele é o agente ativo e crítico
na construção de conhecimento e atitudes e não mais apenas o
receptor de conteúdo.
Além de incentivar o aluno a mudar de postura e desenvolver
suas habilidades, o PBL ainda estimula o desenvolvimento de
habilidade de colaboração, aumenta o engajamento entre alunos,
permite que estes compreendam assuntos por diferentes
perspectivas e também promove a oportunidade dos alunos
desenvolverem habilidades de resolução de conflito, já que os alunos
precisam trabalhar em grupos para a resolução do problema
proposto a eles (Bradley-Levine; Mosier, 2014).
A metodologia PBL se baseia no processo de investigação no
qual o aluno constrói seu conhecimento e desenvolve suas
habilidades de forma ativa. Para Grant (2002), esse processo
acontece em 7 etapas distintas. A primeira etapa acontece com a
introdução do projeto, que é a contextualização do projeto e serve
como um motivador para os alunos, fazendo com que eles
despertem sua curiosidade. A segunda etapa, considerada da tarefa,
os alunos são expostos à questão norteadora que precisa ser
desafiadora, envolvente, mas ao mesmo tempo precisa ser pensada
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1349

de modo cuidadoso para que os alunos consigam desenvolvê-la. A


terceira etapa, dos recursos, o professor mostrará os recursos
disponíveis para os alunos desenvolverem suas pesquisas, como por
exemplo, livros didáticos, websites selecionados pelo professor,
conversas com outros professores e análises de documentários e
filmes que abordem o assunto. A quarta etapa é o processo da
investigação. Atividades que envolvam pensamento crítico e
trabalho em grupo são de alta prioridade, pois assim os alunos
podem construir habilidades como debate de ideias, avaliação de
informações e sintetização de informações. A quinta etapa,
denominada de Scaffolding acontece durante todo o processo de
investigação, isto é, o professor oferece o apoio necessário ao aluno
para que ele chegue no seu objetivo. Na sexta etapa, do aprendizado
colaborativo, é o estimulo aos projetos em grupos, pois durante essa
etapa os alunos têm a possibilidade de debater ideias para a
realização do projeto. A sétima e última etapa é a reflexão. Os alunos
podem refletir sobre o que eles aprenderam, gerando momentos de
discussão em sala e até mesmo gerando mais questões norteadoras
que podem dar vida a outros projetos.
Os alunos se beneficiam das experiências pessoais, característica
fundamental para fomentar um comportamento social responsável e
permanente (Sousa, 2010). Se existe um desejo de que os alunos se
desenvolvam de maneira mais centrada, no sentido de que
desenvolvam habilidades de pensamento crítico, que consigam digerir
as informações de maneira correta, que consigam construir laços
duradouros na sua vida futura, deve-se considerar implementar a
metodologia desde os ciclos mais básicos da educação.
Ainda na luz dessa metodologia e de acordo com Guimarães
(2011), o aluno precisa ser visto com um ser ativo na construção de
seu conhecimento e não como um ser passivo que absorve o
conhecimento que é recebido. Logo, a análise desta metodologia no
ensino de ciências faz-se necessária se for almejado que os alunos
desenvolvam habilidades duradouras e que possam ser aplicadas à
sua vida social de modo significativo.
1350 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Pelo exposto acima, verifica-se a pertinência da temática para


o ensino de ciências e a importância da análise dessa metodologia,
buscando informações sobre a efetividade das habilidades
desenvolvidas pelos alunos durante a aplicação da mesma em sala
de aula.

Objetivos

O objetivo desta pesquisa foi realizar uma revisão sistemática


dos artigos publicados em revistas categorizadas como Qualis-Capes
A1 na Área de Ensino, sobre a temática da Metodologia da
Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL), em uma abordagem
no contexto brasileiro e internacional, buscando informações nesses
referenciais sobre as habilidades desenvolvidas pelos alunos durante
o processo.

Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa entende-se como uma pesquisa


exploratória, já que de acordo com os objetivos propostos, ela visa
oferecer uma análise da metodologia PBL aplicada ao ensino de
ciências do ensino fundamental. Com isso, a pesquisa também
oferece uma visão panorâmica dessa metodologia, e pode oferecer
dados que oferecerão suporte para estudos posteriores.
Os dados obtidos foram tratados com uma abordagem quali-
quantitativa pois a pesquisa utiliza medidas objetivas e estatística para
fazer a tabulação dos artigos selecionados, mas também preocupa-se
com a compreensão dos fenômenos encontrados nestes.
Utilizou-se como metodologia a proposta de Sampaio e
Mancini (2007), que se referem à Revisão Sistemática como sendo
uma pesquisa que utiliza como fontes de dados a literatura sobre
uma determinada temática. Para os autores
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1351

Esse tipo de investigação disponibiliza um resumo das evidências


relacionadas a uma estratégia de intervenção específica, mediante
a aplicação de métodos explícitos e sistematizados de busca,
apreciação crítica e síntese da informação selecionada (SAMPAIO;
MANCINO, p.84, 2007).

Os artigos foram selecionados de revistas cientificas


classificadas no Qualis como A1 da área de Ensino (quadriênio 2013-
2016) considerando os artigos publicados entre 2014 e 2018.
As revistas acessadas foram as seguintes:

1) Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências –


www.seer.ufmg.br/index.php/ensaio.
2) Enseñanza de las Ciencias – www. ensciencias.uab.es
3) International Journal of Science Education –
www.tandfonline.com/toc/tsed20/current
4) Journal of Baltic Science Education. - http://www.scientiasocialis.lt/jbse/

O levantamento de artigos se deu utilizando termos


previamente selecionados: PBL, Science, Elementary school, (que
corresponde ao ensino fundamental brasileiro) e ABP. Em alguns
casos foi necessário usar a denominação completa da metodologia,
ou seja, Aprendizagem Baseada em Problemas tanto em português
quando em inglês. No caso da revista Enseñanza de las Ciencias,
também foi utilizado o termo em espanhol.
Assim, foi realizada a leitura dos artigos, buscando
informações sobre as experiências dos autores com a metodologia
PBL e que pudessem apresentar resultados que indicassem
habilidades desenvolvidas pelos alunos participantes.

Resultados e discussão

Trajetória utilizada para a seleção dos artigos objetos deste estudo

Na Tabela 1, pode-se observar o número total de artigos


encontrados na busca nos websites de cada uma das quatro revistas
1352 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

pesquisadas e o número de artigos com a temática referente ao


presente trabalho.

Tabela 1. Lista das revistas e número de artigos encontrados com a temática PBL
no ensino de ciências.
Título da ISSN Nº de artigos Refinamento1 Artigos
Revista usando o validados para
termo de busca a pesquisa2
- PBL
Ensaio Pesquisa Impresso: 1415- 0 1 0
em Educação em 2150
Ciências Digital: 1983-
2117
Enseñanza de Impresso: 0212- 0 2 0
Las Ciencias 4521
Digital: 2174-
6486
International Impresso: 0950- 15 9 0
Journal of 0693
Science Digital: 1468-
Education 5289
Journal of Baltic Impresso: 1648- 9 9 3
Science 3898
Education Digital: 2538-
7138

Total - 24 21 3
Fonte: Elaborado pelas autoras. 1Termo sem abreviação Aprendizagem Baseada
em Problemas, Problem Based Learning e Aprendizaje Basado en Problemas; 2
Período da publicação (2014-2018) e nível de escolarização (ensino fundamental)

A revista Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências é


publicação do CECIMIG - Centro de Ensino de Ciências e Matemática
- órgão de pesquisa e extensão no ensino de ciências da Faculdade
de Educação da UFMG e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFMG. No site da revista, a ferramenta de busca não
oferece campo para busca avançada, por isso pesquisou-se apenas
um termo por vez. O primeiro termo pesquisado foi PBL (A sigla em
inglês para Aprendizagem Baseada em Problemas), e nenhum
resultado foi obtido. Em seguida o termo ABP (Aprendizagem
Baseada em Problemas) foi inserido e como anteriormente, nenhum
resultado foi obtido. Utilizou-se o termo por extenso Aprendizagem
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1353

Baseada em Problemas, e a busca retornou apenas 1 resultado. Este


artigo não foi utilizado pois não se encaixava em nenhum dos
critérios estabelecidos, período de publicação e nível de escolaridade.
A revista Enseñanza de las Ciencias é uma revista dirigida a
professores e pesquisadores do campo da didática das ciências e
matemática. Aceita trabalhos com rigor metodológico e
fundamentação científica que contribuam para o progresso no
campo de conhecimento destas áreas. O site da revista oferece um
campo de busca avançado no qual o pesquisador pode delimitar as
datas, termos a serem utilizados, nome de autores, acesso de
arquivos completos entre outros. Para esta busca, foram utilizados
os campos de delimitação de datas e termos a serem procurados. O
primeiro termo buscado foi PBL e nenhum resultado foi encontrado.
Após, utilizou-se o termo Problem-based learning, e mais uma vez
nenhum resultado foi encontrado. O próximo termo utilizado foi o
nome da metodologia em espanhol, Aprendizaje Basado en
Problemas, e com isto 2 resultados foram encontrados. Os dois
artigos encontrados, no entanto, não foram validados para a
pesquisa pois não se encaixaram nos critérios estabelecidos pois
ambos estavam fora do período de publicação estabelecido e nível de
escolaridade.
A revista International Journal of Science Education é uma
revista internacional firmemente estabelecida como uma voz da
autoridade no mundo da educação em ciências. A revista publica
artigos que focam no ensino e aprendizado de ciências no âmbito
escolar, englobando desde os anos iniciais escolares até a educação
universitária. O site dessa revista oferece um campo para busca
simples, mas é possível delimitar as datas de publicação. Para a
presente busca utilizou-se o termo PBL e com isto foram
encontrados 15 artigos. A busca foi refinada para artigos que foram
publicados dentro do período proposto (2014-2018) e o resultado
caiu para 9 artigos. Destes 9 artigos, apenas 5 deles eram de livre
acesso ao conteúdo completo. Estes 5 artigos então foram analisados
de acordo com os critérios pré-estabelecidos para serem validados
1354 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

para análise, e apesar de 4 estarem dentro do período considerado,


nenhum deles abordava o método PBL no ensino fundamental.
A Journal of Baltic Science Education é uma revista que
publica artigos de pesquisas originais na área de Educação de
Ciências Naturais e áreas relacionadas em todos os níveis de
educação dos países bálticos (Nordeste Europeu: Lituânia, Estônia e
Letônia). O site da revista oferece um campo de busca simples, onde
é possível buscar artigos de todas as edições já publicadas da revista.
Assim, optou-se por utilizar o termo PBL, que resultou em 9 artigos.
No entanto, apenas 3, dos 9 artigos iniciais foram validados para a
pesquisa pois se encaixam em ambos critérios pré-estabelecidos.
Assim, ao final da busca foram encontrados 21 artigos. Destes
21 artigos, foram considerados apenas os que foram publicados
dentro do limite estabelecido nesta proposta, isto é, artigos
publicados entre os anos de 2014 e 2018 e que tratavam de PBL no
ensino fundamental, o que resultou em 3 artigos. A lista desses
artigos pode ser verificada na Tabela 2.

Tabela 2. Lista dos artigos selecionados no refinamento da busca que atendiam


aos critérios metodológicos propostos neste trabalho.
Título da Título do Artigo Ano de País onde o Série(s)
Revista publicação trabalho foi
desenvolvido
Journal of The effects of thinking maps- 2017 Malasia 5º ano
Baltic Science aided Problem-Based
Education Learning on motivation
towards science learning
among fifth graders.
The effects of Problem Based 2016 Malasia 5º ano
Learning with thinking maps
on fifth graders’ science
critical thinking.
Fostering fifth graders’ 2015 Malasia 5º ano
scientific creativity through
Problem-Based Learning.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1355

Habilidades desenvolvidas nos alunos participantes das


propostas: os resultados e conclusões das pesquisas analisadas

A seguir, serão apresentados os principais tópicos abordados


nos artigos referentes ao objetivo proposto para este trabalho.
No artigo Fostering fifth graders’ scientific creativity
through problem based learning (SIEW; CHONG; LEE, 2015) o
propósito foi determinar se o método PBL ajuda ou não os alunos do
quinto ano a desenvolverem criatividade cientifica. Além disso, a
pesquisa também investigou a resposta dos alunos ao método PBL e
como essas experiencias os ajudaram a desenvolver a criatividade.
Nesta pesquisa, criatividade científica se refere ao produto das
dimensões da criatividade científica que medem a habilidade do aluno
do ensino fundamental de: Apresentar um avanço na ciência básica ou
conhecimento cientifico; descrever um fenômeno físico natural que
pode ser observado; solucionar um problema usando conhecimento
científico básico e; Melhorar um dado produto em propósitos primário
e auxiliar, por meio de desenhos. Os traços criativos dos alunos foram
investigados em termos de fluência, flexibilidade e originalidade. Os
resultados dessa pesquisa mostraram que os alunos foram capazes de
melhorar sua performance no que se refere ao produto das dimensões
da criatividade científica. Em análise mais detalhada, os resultados
mostram que os alunos melhoraram suas performances em solucionar
um problema, melhorar um dado produto e em avançar
conhecimentos científicos. Fundamentalmente, PBL baseado no
modelo criativo de resolução de problemas ajudou a promover a
criatividade cientifica entre os alunos do quinto ano. Estes também
reportaram que as atividades PBL os ajudaram a ser mais criativos.
No artigo The effects of problem-based learning with
thinking maps on fifth graders Science critical thinking (Siew;
Mapeala, 2016) o objetivo foi avaliar os efeitos da aplicação da
metodologia MC-PBL (Mapa Conceitual - Problem Based Learning)
sobre o desenvolvimento de pensamentos críticos em alunos do quinto
ano do ensino fundamental. As habilidades de pensamento crítico
1356 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

avaliados foram: Comparar e contrastar, sequenciar, e identificar causa


e efeito em ciências físicas. O estudo foi feito com 270 alunos de 3
escolas fundamentais da Malásia, que foram randomicamente
selecionados e designados para diferentes grupos. Os grupos nos quais
os alunos fizeram parte eram: MC-PBL, PBL e método convencional de
resolução de problemas (CRP). O resultado então obtido pelos
pesquisadores foi de que os alunos do grupo MC-PBL tiveram melhor
performance no desenvolvimento das habilidades de pensamento
crítico do que os alunos do grupo PBL, e estes por sua vez tiveram
melhor performance do que aqueles pertencentes ao grupo CRP. Os
pesquisadores concluíram que os alunos do grupo MC-PBL foram
capazes de usar estratégias de MC para desenvolver mais efetivamente
suas habilidades de pensamento crítico quando comparados com os
alunos dos grupos PBL e CRP. Por isso, os autores concluem que o uso
de Mapas Conceituais que ensinam sobre pensamento crítico são
necessários para que o método PBL tenha um ganho máximo na sua
efetividade.
A pesquisa do artigo The effects of thinking maps-aided
problema-based learning on motivation towards Science learning
among fifth graders (SIEW; MAPEALA, 2017) foi feita com alunos do
quinto ano do ensino fundamental, e teve como objetivo avaliar os
efeitos do método de ensino PBL aliado a Mapas Conceituais na
motivação dos alunos quanto ao aprendizado de ciências. Ressalta-se
que este artigo está intimamente relacionado com o de Siew; Mapeala,
2016, apresentado anteriormente. O número de alunos envolvidos e as
metodologias propostas são as mesmas do artigo anterior. Essa
pesquisa testou a teoria da aproximação fusionada (método PBL
fusionado a aplicação de mapas conceituais) e a teoria não fusionada
(método PBL apenas), empregando os métodos de ensino MC-PBL e
PBL para investigar o quanto essas intervenções facilitam a construção
da motivação do aluno no ensino de ciências. Além disso, a pesquisa
também explorou até onde esses métodos de ensino afetam a
motivação do aluno quando comparado com a metodologia CRP.
Como resultado, os pesquisadores dissertam sobre como as
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1357

metodologias MC-PBL e PBL são efetivas para encorajar os alunos


desenvolverem motivação para o aprendizado na área de ciências, mas
apontam que a metodologia mais eficiente é o MC-PBL. Os
pesquisadores recomendam que a metodologias similares ao MC-PBL
sejam usadas por professores de ciências para aumentar a motivação
dos alunos durante o aprendizado de ciências.
Verificou-se um número reduzido de artigos que contemplam
a temática a ser trabalhada nas revistas investigadas no presente
trabalho, entretanto os artigos selecionados apontam que a
metodologia é eficiente para desenvolver diversas habilidades
quando participam de aulas com a metodologia PBL.

Considerações finais

A revisão sistemática apontou um número pequeno de artigos


relacionados à metodologia PBL nos anos do ensino fundamental. A
intenção das autoras desta pesquisa é ampliar o número de revistas
a serem pesquisadas.
Em relação à análise dos conteúdos contidos nos artigos
selecionados, verificou-se que quando a metodologia PBL é aplicada
ocorre uma melhora no desenvolvimento acadêmico dos alunos, ou
seja, as habilidades propostas pela metodologia PBL são aprendidas
ou melhor desenvolvidas pelos alunos. Também foi possível notar
em alguns relatos que o método PBL quando aliado a outro método
ativo de ensino, tem seus resultados potencializados.
Estes fatores nos levam a inferir que pesquisas nesta área são
necessárias pois demonstram uma preocupação com o modo como
os alunos aprendem ciências nas escolas, e como estes são
preparados para desenvolver suas habilidades além da escola.
Com estes achados pode-se verificar a necessidade de uma
maior divulgação das experiências e das pesquisas relacionadas à
temática PBL, como forma relevante de contribuir para área de
ensino em ciências e das práticas pedagógicas no país.
1358 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Referências

BRADLEY-LEVINE, J.; MOSIER, G. Literature Review on Project-Based Learning.


Disponível em: <http://cell.uindy.edu/wp-content/uploads/2014/07/PBL-
Lit-Review_Jan14.2014.pdf>. Acesso em: 24 set. 2017.

BALVE, P.; ALBERT, M. Project-based learning in production engineering at


the Heilbronn Learning Factory. Revista Procedia CIRP. [on-line].
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1016/j.procir.2015.02.215>. Acesso
em: 24 set. 2017.

GUIMARÃES, M. C. M. Estado do conhecimento da alfabetização no Brasil.


2011. 212 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade
Católica de Goiás – Goiânia, 2011.

SAMPAIO, R.F.; MANCINI, M.C. Estudos de Revisão Sistemática: um guia para


a síntese criteriosa da evidência científica. Ver. Bras. Fisioter. São
Carlos, Vol.11, No.11, p. 83-89, 2007.

SIEW N. M; MAPEALA R. The effects of thinking maps-aided problem-based


learning on motivation towards science learning among fifth graders.
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SIEW N. M; MAPEALA R. The effects of problem-based learning with thinking


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Science Education, Vol. 15, No 5, p 602-616, 2016.

SIEW, N. M.; CHONG L. C. LEE, B. N. Fostering fifth graders’ scientific


creativity through problem-based learning. Journal of Baltic Science
Education, Vol 14, No 5, p 655-669, 2015.

SOUSA, S. O. Aprendizagem baseada em problemas como estratégia para


promover a inserção transformadora na sociedade. Acta Scientiarum
Education. Maringá, Vol. 32, No. 2, p. 237-245, 2010.

SOUZA, S. C.; DOURADO, L. Aprendizagem baseada em problemas (ABP): Um


método de aprendizagem inovador para o ensino educativo. Holos,
Portugal, Vol. 5. p. 182-200, 2015.
92

Revisão sistemática sobre o estudo do meio e suas relações


com a educação ambiental e a interdisciplinaridade 1

Diego Fernando do Nascimento


Tabita Teixeira
Fernanda da Rocha Brando

Introdução e Fundamentação teórica

As temáticas ambientais têm estado presentes nos assuntos


cotidianos e nas decisões políticas, sendo também trabalhadas nos
processos educativos formais e não formais. Visto essa crescente
demanda, faz-se necessário desenvolver estudos e aperfeiçoamentos
de metodologias de abordagens educativas que favoreçam as boas
relações do ser humano entre si e com o meio ambiente que está
inserido. Dessa forma, o estudo do meio (EM) mostra-se pertinente
à abordagem ambiental, pois permite que o indivíduo e/ou grupo
compreenda o meio em que está inserido e suas problemáticas
socioambientais.
A problemática ambiental necessita de um processo complexo
para a construção do conhecimento e do saber, conhecimentos estes
que contribuem para a compreensão da relação entre natureza e
sociedade (LEFF, 2000), que é interdisciplinar. A
interdisciplinaridade é definida por Pombo (2005) como sendo a
articulação entre diferentes disciplinas e saberes que se inter-
relacionam e estabelecem uma relação recíproca. O estabelecimento
1
Este trabalho é parte da dissertação de mestrado intitulada “O Estudo do Meio como metodologia
Interdisciplinar de Educação Ambiental: Elaboração de material didático sobre o Estudo do Meio”
1360 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

dessas relações se tornam um desafio aos educadores, visto que tais


práticas tem enfrentado dificuldades em serem desenvolvidas
(THIESEN, 2008). Diante dessa realidade, Carvalho (1998) afirma a
necessidade de mudanças no modo de ensinar e aprender e nas
questões formais dos sistemas de ensino.
A educação ambiental (EA) possui múltiplas formas de ser
trabalhada com indivíduos ou grupos, pois permite compreender a
realidade e as interações entre ser humano e natureza, interações
essas específicas no espaço e no tempo. De acordo com a Política
Nacional de Educação ambiental, Lei nº 9.795/1999 (BRASIL, 1999),
a EA é um processo de construção individual e coletiva de elementos
que contribuem para a preservação do meio ambiente. Já o EM pode
ser definido como uma atividade realizada em qualquer ambiente
externo e que tem como objetivo aprofundar os conhecimentos,
levando ao contato direto com uma determinada realidade e
considerando toda a sua complexidade, além de utilizar esses
espaços para a construção e ampliação do conceito do meio
ambiente. (CHAPANI; CAVASSAN, 1997; LESTINGE; SORRENTINO,
2008; LOPES; PONTUSCHKA, 2009; LOPES, 2013). Considerando
o exposto, o objetivo desse trabalho é apresentar uma revisão
sistemática sobre o EM buscando relações dessa metodologia com a
Interdisciplinaridade e com a Educação Ambiental.

Procedimentos Metodológicos

Para este trabalho foi desenvolvido uma revisão sistemática


da literatura como um tipo de investigação realizada por meio de
“métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e
síntese de informação selecionada” (SAMPAIO; MACINI, 2007,
p.84). Cabe ressaltar que tal metodologia sofreu alterações para se
adequar à temática abordada neste estudo.
Na etapa de planejamento, buscou-se definir as questões de
pesquisa para relacionar o EM com a EA e a interdisciplinaridade.
Ressalta-se que além dessas questões, outras informações foram
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1361

identificadas ao longo do trabalho e que também auxiliaram na


análise. Ainda nessa primeira etapa, foram definidas as bases de
dados para a busca dos trabalhos, optando-se pelos endereços
eletrônicos do Portal de Periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Sistema
Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (SIBiUSP). A
busca foi feita por meio de “strings”, que são uma sequência de
caracteres que permitem a busca digital. Tais sequências foram
feitas com base nas palavras chaves: Estudo do Meio, Educação
Ambiental, Interdisciplinaridade, Interdisciplinar, Ensino e
Educação. Para o SIBiUSP foi utilizado o string: ("Estudo do Meio"
AND ("Educação Ambiental" OR Interdisciplinaridade OR
Interdisciplinar OR Ensino OR Educação)) OR "Estudo do Meio" e
para o Portal de periódicos CAPES foi utilizado o string: ("Estudo do
Meio" AND ("Educação Ambiental" OR Interdisciplinaridade OR
Interdisciplinar OR Ensino OR Educação)). Após a escolha da base
de dados e da string de busca foi necessário criar critérios de
inclusão e exclusão de trabalhos, que delimitassem os trabalhos a
serem analisados, selecionando: estudos científicos completos que
possuíam relação com a prática do EM, que fossem acessíveis na
forma on-line, que fossem em português e que não fossem
duplicados.
A busca foi realizada por dois pesquisadores e os resultados
obtidos foram comparados para não haver divergências. Para isso
foi necessária a instalação do Virtual Private Network (VPN)
disponibilizado pela Universidade de São Paulo (USP). Após, foram
aplicados os critérios de inclusão/exclusão para delimitação dos
trabalhos. Os selecionados foram analisados criticamente baseados
no trabalho de Gomes (2002) por meio de categorias. Foram criadas
três categorias: Contexto, Educação Ambiental e
Interdisciplinaridade. Na categoria Contexto, foi realizada uma
descrição de como o Estudo do Meio foi abordado no trabalho; na
Categoria Educação Ambiental foi analisado se o trabalho fez a
relação entre o EM e a EA, constatando a afirmativa essa relação foi
1362 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

descrita; o mesmo ocorreu com a categoria Interdisciplinaridade.


Como resultados, foi realizado o resumo de cada trabalho, contendo
as três categorias em cada um.

Resultados E Discussões

Por meio da busca na base de dados e aplicação dos critérios


de inclusão/exclusão, identificou-se 23 trabalhos entre os anos de
2004 a 2017, sendo 15 deles encontrados no Portal de periódicos
CAPES e 8 na base de dados SIBiUSP. Os resumos de cada trabalho
serão apresentados a seguir.
O trabalho de Lestinge (2004) trata sobre um estudo de caso
realizado em conjunto com a disciplina “Re-conhecendo o meio
ambiente”, dentro de um programa de especialização da Escola
Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) em 2004. No
trabalho a autora relaciona a EA de forma direta com o EM,
desenvolvido em um curso de formação de educadores ambientais.
A autora também afirmou que tal metodologia pode ser utilizada
para desenvolver o sentimento de pertença nas pessoas.
Apezzato (2006) utilizou o EM como metodologia de pesquisa
e observou a realidade local para compreender o contexto das
participantes de um projeto social chamado “Projeto Pé de Serra”,
que ocorreu em Ubatuba/SP. O trabalho não fez relação direta com
a EA ou a Interdisciplinaridade, mas trabalhou diretamente com
temáticas socioambientais.
No trabalho de Goettems (2006) foram estudadas as
abordagens dos problemas ambientais urbanos nas escolas de
educação básica e considerou que o EM pode ser utilizado para esse
fim. Em seu trabalho o autor relacionou o EM diretamente com a
EA, buscando uma educação problematizadora e transformadora, e
com a interdisciplinaridade, reconhecendo o ambiente geográfico
como uma realidade complexa que necessita de uma abordagem
interdisciplinar. Porém observou que devido a dinâmica escolar, as
vezes o EM precisa ser realizado de forma individual. Uma
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1363

característica levantada por ele é que o EM está relacionado com a


pesquisa no ensino, destacando a sua importância na interação com
os conhecimentos já estabelecidos e na construção de novos
conhecimentos.
Boscolo (2007) levantou em sua pesquisa atividades de EM
realizados na cidade de Santana da Parnaíba/SP, tomando duas
delas como referência e as transformou em um estudo de caso. Não
foi feita uma relação direta do EM com a EA, porém um dos projetos
pesquisados apresentou uma oficina chamada de “Educação
ambiental numa perspectiva interdisciplinar”. A autora foi enfática
em relacionar o EM com a interdisciplinaridade, pois quando uma
ação é realizada por diversos professores os resultados possuem
maior riqueza, no entanto, há a possibilidade do trabalho ser
desenvolvido por apenas um professor, possuindo uma atitude
interdisciplinar. Dessa forma, a autora discutiu que o EM pode
apresentar diversas visões e usos, sendo importante a criação de
etapas que visem a compreensão das problemáticas presentes na
realidade.
O trabalho de Lestinge e Sorrentino (2008) discutiu sobre o
EM e a formação integral das pessoas, defendendo que a mesma só
é possível se o EM estiver relacionado com a EA e se ambos
estiverem voltados para compreensão da complexidade e da
realidade do entorno, necessitando dessa forma de projetos
interdisciplinares. Outro ponto apresentado foi de que o entorno
pode ser estudado de forma integral ou parcial e para que tenha
relação com a EA é preciso que o EM tenha a intenção de capacitar
e politizar as pessoas para que as mesmas se posicionem em relação
ao mundo em que vivem.
O trabalho de Cardoso (2009) foi desenvolvido como uma
atividade dentro do componente curricular “Fundamentos da
Educação Infantil”, ministrado no âmbito do curso de Licenciatura
em Pedagogia na Universidade do Estado da Bahia. Este trabalho
ocorreu em âmbito do ensino superior, onde os discentes
necessitaram utilizar o EM para tratar do tema “As políticas públicas
1364 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

para a Educação Infantil no Brasil: contexto de realidade”. Foram


considerados como espaços de estudo as escolas e a secretaria de
educação. A relação entre o EM e a interdisciplinaridade ocorre
através de uma afirmação da autora, referindo-se que durante todo
o processo os alunos estabeleceram relações interdisciplinares.
Neste trabalho o EM é utilizado como metodologia de ensino e
pesquisa, pois por meio dele foi possível construir conhecimento
rigoroso e científico.
Fernandes (2009) desenvolveu o EM com alunos, por meio da
temática “Desenvolvimento Sustentável” no Programa de
Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA), na Escola Bosque
e o Arquipélogo de Bailique. A autora não relacionou a EA com o EM,
porém no trabalho há uma relação implícita, visto que a própria
temática trata de temas socioambientais e os locais de estudo foram
escolhidos devido sua importância na EA local. A autora fez uma
relação direta do EM com a interdisciplinaridade, apontando a
necessidade de diversos olhares e reflexões conjuntas para
compreensão da complexidade.
O trabalho de Viveiro e Diniz (2009) trata sobre as atividades
de campo e discutem sobre o EM, não diferenciando ambas
nomenclaturas. Esta pesquisa foi realizada com professores que
responderam a um questionário relacionado com a atividade. Os
autores trataram a atividade de campo como algo diretamente
relacionada com a EA e a interdisciplinaridade, cujo método
permitiu que fossem explorados os ambientes e seus problemas
locais e a desenvolver a sensibilização e a transformação a realidade.
Os autores também afirmaram que a EA assim como as atividades
de campo, devem considerar os conhecimentos de todas as áreas.
Duarte et al. (2012) desenvolveram em seu trabalho um
roteiro guiado de sensibilização ambiental, para ser utilizado no
Parque das Mangabeiras em Belo Horizonte. Os autores fizeram
uma relação direta do EM com a EA, pois contribui para a
sensibilização ambiental. No trabalho não é feita a relação direta
entre a interdisciplinaridade e o EM, mas durante o texto é
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1365

destacada a transdisciplinaridade da EA. Os autores defenderam a


não linearidade do EM, por isso defendem que a visão de pesquisa
ou ensino-pesquisa do EM deve ser rompida.
O trabalho de Miranda et al. (2012) lista e resume as ações do
“Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência” (PIBID),
que foram aplicadas em uma escola estadual de Natal/RN. Dentre as
atividades descritas estava o EM. Não foi feita uma relação direta
com a EA, mas afirmaram que ele pode ser utilizado para
proporcionar uma reflexão sobre a preservação do meio ambiente.
A pesquisa de Calixto e Santos (2013) fizeram parte do
processo de formação continuada para professores de Geografia de
Piratini/RS, cujo objetivo da formação seria o de resignificar a
prática desses professores em relação a EA. Em suas discussões não
foi feita a relação direta do EM com a EA, porém o EM foi uma das
atividades programadas dentro da formação. O EM contribui para a
análise das particularidades do meio e sua complexidade, possuindo
potencialidades na construção do conhecimento.
Fonsêca (2013) utilizou o EM como forma de investigação em
sua pesquisa, cujo método permitiu a valorização dos saberes
populares dos moradores. Em seu trabalho pesquisou as “Jornadas
Geográficas Litorâneas”, atividade externa realizada com alunos do
6º ano da rede municipal de São José de Ribamar/MA. O autor não
relacionou o EM diretamente com a EA, mas trabalhou com
questões socioambientais, relacionando diretamente a
interdisciplinaridade, pois pra ele o uso do EM motiva os educadores
a trabalharem com a metodologia de projetos (forma
interdisciplinar de se fazer educação).
O trabalho de Moreira e Pinto (2013) tratou de analisar o
“Projeto Estudo do Meio”, realizado na formação continuada de
professores de Ponta Grossa/PR. Neste estudo, avaliaram os roteiros
turísticos voltados para a geodiversidade e os Pontos de Interesse
GeoDidáticos (PIGD). Não foi detalhado como ocorreu o EM, porém
inclui o objetivo de educação patrimonial (histórica e natural). As
autoras relacionam as saídas de campo diretamente com a EA, pois
1366 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

tais atividades permitiram a introdução de conceitos e significados


relacionados com o cotidiano. No trabalho não há citação direta a
interdisciplinaridade, porém tal atividade foi classificada como
transdisciplinar.
Oliveira e Gastal (2013) pesquisaram o uso do EM no ensino
de Biologia Evolutiva. Em sua pesquisa os autores realizaram a
atividade em dois cursos distintos: um voltado para professores de
Biologia já formados e outro para alunos de Licenciatura em
Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília. O
desenvolvimento da atividade ocorreu em uma trilha no Jardim
Botânico do Brasília. Os autores não relacionaram o estudo
diretamente com a EA, pois se tratou de um conteúdo próprio da
Biologia, porém, permitiu o contato e o estudo de elementos
naturais da paisagem. O estudo também não teve relação com a
interdisciplinaridade, visto que o objetivo era trabalhar elementos
próprios da disciplina de Biologia, cuja atividade demonstrou
potencial de motivação e de favorecer o ensino de Biologia.
O trabalho de Lopes (2014) possuiu duas etapas: a primeira
foi uma construção histórica sobre o EM e seu uso e a segunda foi a
análise do uso desse método na cidade de São Paulo. Nas
experiências analisadas, o autor não relacionou a EA com a prática
de EM, porém na literatura identificou que a maioria das pesquisas
de EM são de projetos pontuais de EA. Em sua construção do
histórico do uso do EM, o autor apontou diversos momentos em que
tal prática teve relação direta com a interdisciplinaridade.
Pontuschka e Lutfi (2014) fizeram uma pesquisa analisando o
uso da entrevista no EM com os moradores de Guarulhos, para
compreender suas relações com o local. As autoras também
analisaram o local através de músicas de Adoniran Barbosa e suas
entrevistas concedidas à mídia, considerando que esses recursos são
cronistas de seu tempo, e relacionando as situações tratadas nas
músicas com os relatos dos moradores do local. No trabalho foi
defendido o papel de ensino e pesquisa do EM. Não fizeram
nenhuma relação com a EA, porém, relacionaram diretamente o EM
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1367

e a interdisciplinaridade, visto que a proposta do trabalho foi de


integrar conhecimentos da Geografia e da Língua Portuguesa e
utilizar as entrevistas como metodologia interdisciplinar. Segundo
as autoras, essas abordagens estimulam os professores a
trabalharem em conjunto, indo de encontro com a concepção que as
mesmas defendem, que é necessária a colaboração de várias ciências
e artes para os estudos escolares, devendo sempre respeitar as
particularidades de cada saber.
O trabalho de Macedo, Landim Neto e Silva (2015) analisou o
uso do EM como metodologia para conhecer o entorno escolar e
compreender a paisagem, desenvolvendo uma atividade em uma
escola do município de Caucaia/CE. Na pesquisa os autores
descreveram as etapas do EM realizado, não o relacionando
diretamente com a EA. Entretanto, diversas das atividades
desenvolvidas no projeto fizeram estudos socioambientais, sendo
um exemplo a “Árvore dos problemas e das potencialidades”, na
qual os participantes fizeram levantamentos sobre os problemas e
potencialidades do entorno e discutiram possíveis soluções.
Também destacaram a importância de tal metodologia na
valorização local (entorno da escola) e de permitir trabalhar o
cotidiano dos alunos. Os autores compreenderam que o EM é uma
metodologia que pode ser trabalhada ao longo de um grande
período como um projeto interdisciplinar ou o trabalho e realizado
por um professor ou por uma professora.
A pesquisa de Santos e Meira (2015) analisou a relação entre
as operações do pensamento entre si e entre as estratégias de ensino,
sendo que dentre as estratégias analisadas encontraram o EM. O
trabalho não fez uma análise exclusiva do uso desse estudo, portanto
não o relacionou com a EA e a interdisciplinaridade. Entretanto,
cabe ressaltar que o trabalho trouxe elementos importantes como o
fato de o EM possuir um alto nível de complexidade, pois utiliza
diversas operações de pensamento como: observação, classificação,
interpretação, crítica, busca de suposições, obtenção e organização
1368 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de dados, hipóteses, aplicação de fatos e princípios a novas situações


e planejamento de projetos ou pesquisas.
Fernandes (2016), em sua pesquisa, solicitou que um grupo
de alunos da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília
elaborassem uma atividade de EM. Dessa forma a classe foi dividida
em grupos que receberam tarefas distintas com o objetivo de fazer
os preparativos para a realização das ações programadas. O
desenvolvimento desta atividade teve base acadêmica, devendo os
alunos desenvolverem uma monografia ao final do projeto. O
trabalho não relaciona o EM diretamente com a EA, mas levaram
em conta manifestações ambientais, culturais, históricas e
geográficas do local estudado, sendo definida pelo autor como como
interdisciplinar.
O trabalho de Martins (2016) realizou uma revisão
bibliográfica relacionando a EA e o ensino de Geografia, tendo o EM
como elo entre essas duas áreas. Em sua pesquisa defendeu que o
EM facilita a realização da EA, pois favorece a relação entre os
sujeitos e o meio, além de permitir a construção de conhecimentos
sobre o mesmo. O autor também fez uma relação com a
interdisciplinaridade, compreendendo primeiramente que é preciso
que a EA tenha uma abordagem interdisciplinar, para depois
apontar que o EM possui essa mesma característica. O autor
apontou também que o EM possui o caráter de pesquisa.
A pesquisa de Iglesias (2017) fez a relação da estética e o
ensino de Biologia, baseando-se na definição de estética de Charles
Sanders Peirce (1839-1914) e nas categorias da estética da
conservação identificadas por Aldo Leopold (1887-1948). Por meio
dessas categorias, a autora elaborou uma sequência didática (que
apresenta um EM) para ser desenvolvida na Serra da Canastra em
Minas Gerais - percorrendo o mesmo caminho trilhado pelo
naturalista Auguste de Saint-Hillare (1779-1853). A atividade foi
planejada para ser aplicada com alunos da graduação em Ciências
Biológicas e abordou diversos conhecimentos, dentre eles a EA,
sendo que ao final da sequência os participantes deveriam elaborar
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1369

um projeto de EA. A sequência didática elaborada pela pesquisadora


teve como proposta uma abordagem interdisciplinar e de
articulação com os elementos da História das Ciências e Estética.
Louzada e Frota Filho (2017) discutiram diversas
metodologias para o ensino de Geografia, dentre elas o EM. Em seu
trabalho os autores apontaram a característica investigativa
relacionando a interdisciplinaridade e sugerindo que tal
metodologia integrasse as diversas disciplinas. Segundo os autores,
tal medida favorece a análise de impactos ambientais e do estudo da
evolução da paisagem.
Por último, Silva et al. (2017) utilizou em seu trabalho o EM
para discutir a importância da preservação ambiental em
Jandaíra/RN. O EM foi realizado com alunos do Curso Superior de
Licenciatura em Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia do Rio Grande do Norte e guias do Grupo Cavernature
de Espeleologia. O trabalho não relacionou diretamente o EM com a
EA, porém o EM foi feito com objetivo de discutir a importância da
preservação ambiental em Jandaíra. Os autores dedicaram um texto
para mostrar a relação da atividade com a interdisciplinaridade,
reafirmando o uso da mesma em atividades de EM.

Conclusões

A maior parte dos trabalhos analisados relacionou o EM com


a EA, mostrando as diversas formas de serem abordadas em seus
contextos e realidades inseridos. Dos elementos que relacionam a
EA com o EM, estão o sentimento de pertença, a valorização local, o
desenvolvimento de relação das pessoas com o meio e a
sensibilização ambiental, sendo essa última voltada principalmente
para a preservação do meio ambiente. Outro ponto de convergência
entre a EA e o EM foi a possibilidade de se trabalhar com a
problematização do ambiente, cujo contato com tais problemáticas
aponta para uma nova característica da EA em conjunto com o EM
a qual seria a possibilidade de transformação do ambiente. Esta pode
1370 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

ser concretizada em conjunto com a politização dos indivíduos para


se posicionarem frente às questões do mundo. Outra característica
do EM relacionada com a EA é a possibilidade de abordar
conhecimentos já estabelecidos sobre o meio e também na
construção de novos conhecimentos sobre o mesmo. Essa
abordagem permite o contato das pessoas com o cotidiano e toda
sua complexidade, sendo esse um ponto de convergência com a
interdisciplinaridade.
Os trabalhos também relacionaram o EM com a
interdisciplinaridade, sendo que o primeiro ponto de convergência
que pode ser destacado seria o EM como forma de trabalhar com a
complexidade da realidade, dentro de uma abordagem
interdisciplinar. Algumas pesquisas apontaram a possibilidade da
atuação de diversos saberes ao estudar o meio e a interação entre
professores de áreas distintas e a realização de projetos
interdisciplinares. Projetos pontuais ou disciplinares também foram
citados, compreendendo que o EM também pode ser realizado de
forma disciplinar, destacando a importância das particularidades de
cada disciplina. Portanto, há a possibilidade do EM ser desenvolvido
individualmente por um professor/professora.
Alguns dos trabalhos não fizeram uma relação explicita do EM
com a EA, porém muitos deles atuaram com seus elementos
próximos, como temáticas socioambientais, projetos de preservação
ambiental, estudo de áreas onde ocorre a EA, etc. O mesmo ocorreu
com a interdisciplinaridade, sendo que em alguns trabalhos
consideraram que a atividade teve uma abordagem transdisciplinar.
Entre algumas pesquisas, destacam-se as que possuíram
divergências em relação a suas visões sobre o EM. Um exemplo foi
em relação ao caráter investigativo e de pesquisa do mesmo,
enquanto alguns trabalhos destacavam essa característica, outros se
opuseram a ela. O EM teve usos diversos, mostrando-se uma
metodologia versátil. Nesse trabalho foi possível identificar três
formas de uso do EM: para a pesquisa, para o ensino e para o ensino-
pesquisa. Ele foi utilizando em diversas modalidades, como: ensino
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1371

superior, ensino básico, ensino não-formal e na formação


continuada de professores. Este estudo serviu para mostrar a
relação do EM com a interdisciplinaridade e a educação ambiental.
Por meio das referências bibliográficas trabalhadas foi possível
compreender a importância de seu uso. Este trabalho também
apontou a capacidade do EM em atender a demanda do ensino
(formal ou não) de se trabalhar as temáticas socioambientais,
abordando toda a complexidade da realidade.

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93

Saber matemático dos futuros professores


e formação para a docência:
o caso da construção dos números reais

Giovana Aparecida Bertolucci


Inocêncio Fernandes Balieiro Filho

Introdução e fundamentação teórica

A Disciplina Análise Matemática e a Prática Docente

No Brasil, os cursos de Matemática (nas modalidades de


Licenciatura e Bacharelado) devem ser estruturados de acordo com
a legislação em vigor (em nível federal e estadual). Dentre as normas
que devem ser consideradas pelas instituições de ensino na
elaboração dos Currículos e dos Projetos Político Pedagógicos dos
cursos de Licenciatura em Matemática está o Parecer CNE/CES nº
1302/2001 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura (BRASIL, 2001).
Neste documento, dentre os conteúdos indicados como obrigatórios
a todos os Cursos de Licenciatura, estão os Fundamentos de Análise.
Além disso, o Parecer preconiza que na parte comum aos cursos
devem ser incluídos conteúdos presentes na Educação Básica nas
áreas de Álgebra, Geometria e Análise.
Um dos conteúdos da área de Fundamentos de Análise que
está presente na Educação Básica é o conjunto dos números reais
(operações e propriedades). São várias as pesquisas (SOARES,
MOREIRA e FERREIRA, 1999; IGLIORI e SILVA, 1998; FISCHBEIN,
1378 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

JEHIAN e COHEN, 1995; TALL e SCHWARZENBERGER, 1978) que


apontam que os alunos (do ensino básico e do ensino superior)
apresentam dificuldades na compreensão das propriedades dos
números racionais, dos números irracionais e da construção dos
números reais. Em especial, sobre as dificuldades dos alunos dos
Cursos de Licenciatura em Matemática na compreensão dos
números reais, Igliori e Silva (1998) desenvolveram um estudo que
teve como objetivo estabelecer uma comparação entre as concepções
de números reais de alunos iniciantes e concluintes de cursos de
Ciências Exatas. Para isso, foi aplicado um questionário para 36
alunos do primeiro ano de um curso de Ciência da Computação e
para 14 alunos do último ano de um Curso de Licenciatura em
Matemática. Dentre os resultados obtidos por meio da análise das
respostas dadas pelos alunos concluintes do Curso de Matemática,
chama a atenção que 6 alunos consideraram o número 3,1415 como
não racional e todos os 14 alunos não conheciam a propriedade de
densidade dos racionais em 𝑅, bem como a propriedade de
completude em 𝑅. Os autores puderam perceber que concepções
errôneas sobre os números reais dos alunos do Curso de Matemática
permaneciam, mesmo após os alunos terem cursado a disciplina de
Análise.
Tais resultados nos levam a discussão sobre o papel da
disciplina de Análise nos Cursos de Licenciatura e sobre quais os
conteúdos que devem fazer parte dos Programas de Ensino nessa
disciplina.
Moreira, Cury e Vianna (2005) propõem uma discussão sobre
os saberes exigidos na prática profissional do professor de
Matemática e a articulação desses com os saberes desenvolvidos em
cursos de Licenciatura, além de buscar uma maior compreensão
sobre como se dá ensino de Matemática nas escolas de Ensino
Fundamental e Médio. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de
caráter qualitativo e exploratório com oitenta matemáticos,
importantes membros da comunidade científica brasileira, de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1379

dezesseis universidades, sendo obtidas respostas de trinta e um


desses matemáticos, representando 14 dessas instituições.
Esses matemáticos foram consultados sobre quais tópicos de
Análise Matemática consideravam relevantes para um curso de
Licenciatura em Matemática, qual seria a bibliografia indicada, se
todo curso deveria ter essa disciplina como obrigatória em sua grade
curricular e, em caso afirmativo, era pedida uma justificativa. As
respostas foram analisadas por meio da metodologia de análise de
conteúdo, sendo divididas em três categorias, posteriormente
discutidas.
A primeira categoria contém respostas que consideram que a
disciplina em questão deveria ser obrigatória nas Licenciaturas, já
que proporcionaria aos alunos um contato com o significado da
Matemática, o desenvolvimento do raciocínio lógico, a capacidade de
pensar matematicamente e de analisar e resolver problemas, ou
seja, uma “cultura” matemática. Moreira, Cury e Vianna (2005)
argumentam sobre a necessidade de, ao se estruturar a formação
inicial de professores, considerar as concepções dos profissionais
que já exercem a docência nas escolas, tendo em vista as questões
práticas e teóricas e os valores que circulam nesses ambientes, ou
seja, a “cultura” escolar, contexto no qual os alunos de licenciatura
irão se inserir. Destacam as visões de Schoenfeld (1992), que
defendem que o professor do Ensino Básico (Fundamental e Médio)
deve estimular o pensamento matemático, o que não implica tornar
os alunos especialistas.
A segunda categoria de respostas relaciona-se com a primeira
categoria. Ela contém argumentos de que a Análise Matemática
explica os “porquês” da Matemática trabalhada nas escolas,
oferecendo segurança ao trabalho do professor, já que fornece uma
boa compreensão, logicamente consistente, da Matemática
elementar. Ou seja, o professor terminaria a faculdade com
condições de não tratar a Matemática como um conjunto de
fórmulas e regras. Moreira, Cury e Vianna (2005) novamente
alertaram para o fato de que o conhecimento da Matemática formal
1380 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

nem sempre responde as questões direcionadas ao professor


durante sua prática. Para isso, seria necessário organizar e
sistematizar os conteúdos com base nos assuntos de Matemática
previstos para a educação escolar básica, para o professor de
Matemática e não pautada na prática do matemático.
A terceira categoria trouxe alegações de que a disciplina
Análise Matemática forneceria a possibilidade de uma percepção
mais ampla da Matemática, aplicada em outras ciências. Os autores
reconhecem que essa é uma questão importante para ser trabalhada
na licenciatura, mas que caberia a outras disciplinas, como Cálculo
e Física.
Duas respostas que não se encaixaram nessas categorias
foram: uma, que alega que a Análise Matemática seria essencial após
um bom curso de Cálculo, pois só depois de um bom entendimento
dos conteúdos dessa disciplina deveria ser adicionado um maior
rigor; a outra, que afirma que a ementa deveria ser mantida, porém
que a abordagem deveria ser menos rigorosa e mais clara para os
futuros professores.
Moreira, Cury e Vianna (2005) destacam, ainda, o fato de a
maioria dos matemáticos considerarem que a disciplina em questão
deveria ser obrigatória em cursos de Licenciatura em Matemática e
que as respostas apontaram para uma preocupação com a formação
dos professores, mesmo que em uma perspectiva generalizada.
Além disso, alegam que os conceitos trabalhados com rigor
em Análise Matemática nas Licenciaturas não são suficientes para
lidar com as questões enfrentadas pelos professores durante sua
prática docente nas escolas básicas, sendo necessária a consideração
dessas indagações durante o curso. Afirmam também que a
articulação entre a matemática acadêmica e a matemática escolar
acaba não ocorrendo durante a formação do licenciando, ou se dá
em disciplinas integradoras que nem sempre obtém os resultados
esperados. Por fim, os autores consideram que:
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1381

Trata-se exatamente de superar essa visão dicotomizada das


relações entre formação matemática “sólida” e as demandas de
conhecimento da prática docente escolar. Trata-se de trabalhar a
formação matemática do futuro professor, no sentido de promover
a elaboração de uma síntese que seja, ao mesmo tempo, provisória
— pois será seguramente reelaborada a partir da experiência — e
complementar ao processo de formação que se desenvolve na
prática, para que a reelaboração não tenda a negar essa síntese e
sim a estendê-la e aprofundá-la.
Essas idéias levam ao interesse por um entendimento aprofundado
da prática docente escolar em matemática e por respostas
concretas a questões que se referem ao papel, ao dimensionamento
adequado e à contribuição efetiva que um enfoque “avançado”
pode oferecer ao processo de articulação da formação do professor
com a prática na escola. (MOREIRA; CURY; VIANNA, 2005, p. 40)

Formação para a docência: propondo questões para um estudo


investigativo

Não é raro para um professor de Matemática (de diferentes


níveis de ensino) ouvir as seguintes perguntas “Para quê eu vou usar
isso na minha vida?” e “Mas por que resolver assim?”. “É a regra,
aceite e pratique” certamente não é a resposta que aguçará a
criatividade e o interesse pela Matemática, tantas vezes já tratada
com aversão pela concepção errônea e tão popular de que
“Matemática é só para gênios”.
Esse tipo de resposta não deve ocorrer em cursos de
graduação de Licenciatura em Matemática, uma vez que esses
cursos devem preparar professores que se preocupem em ensinar
com vistas a promover o saber matemático de forma clara e
contextualizada, possibilitando ao aluno uma ampla visão da
Matemática. De fato, para Shulman (1986),

Professores não devem ser somente capazes de definir para os


alunos as verdades aceitas no âmbito da disciplina. Eles devem
também explicar porque uma particular afirmação é dita
1382 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

garantida, e porque vale a pena saber e como isso se relaciona com


outras afirmações. (SHULMAN, 1986, p. 9)

A pesquisa que estamos desenvolvendo surgiu por conta de


uma preocupação com a formação docente, com vistas a seu
aprimoramento, focando no saber matemático dos futuros
professores. Com isso, buscamos conhecer como são tratados os
saberes matemáticos dos licenciandos sobre a construção dos
números reais na disciplina de Fundamentos de Análise.
Dentre as disciplinas que compõem a grade curricular dos
cursos de Licenciaturas em Matemática, optou-se pela Análise
Matemática por conta de toda sua relevância, como já foi discutido
anteriormente, mas, em especial, por consolidar e formalizar outras
disciplinas e pela articulação e familiarização com a ciência
Matemática que proporciona aos licenciandos, tendo em vista a
preocupação central dessa pesquisa. Além disso, essa disciplina em
sua forma mais básica é o estudo rigoroso das ideias em presentes
no Cálculo Diferencial e Integral. Esse estudo ocorre no contexto dos
números reais, já que esses possuem as propriedades necessárias
para permitir que conceitos e propriedades de limites, limites de
funções, continuidades de funções, derivadas e integrais funcionem
adequadamente de forma lógica e rigorosa. De fato, um estudo
preciso de derivadas e integrais exige um tratamento rigoroso das
propriedades fundamentais dos números reais. Além disso, os
números reais são conceitos que são trabalhados nos Ensinos
Fundamental e Médio.
Mais especificamente, esse trabalho buscará conhecer de
quais formas a construção dos números reais é feita na disciplina de
Análise Matemática, caso essa construção seja realizada. Essa
construção permite um conhecimento mais amplo e estrutural das
propriedades do conjunto dos números reais, dando uma maior
compreensão ao licenciando de muitos algoritmos utilizados e
tratados como “regras” na Matemática Elementar.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1383

De fato, nos anos finais do Ensino Fundamental, os alunos


conhecem o conjunto dos números reais como aquele formado pelos
números racionais e irracionais, estudando ao longo desse período
suas propriedades e representando esse conjunto pela reta
numérica. Na graduação, os estudantes de Licenciatura em
Matemática começam a conhecer sua definição em Cálculo
Diferencial e Integral, por meio de axiomas. Algumas vezes, esse
conjunto é apresentado como um corpo ordenado completo, sem
mais aprofundamentos, pois se admite que já satisfaça as
propriedades necessárias para o prosseguimento dos estudos.
No entanto, é importante que os licenciandos sejam
questionados e estimulados a investigarem o porquê de tais
conceitos e propriedades serem válidas no conjunto dos números
reais. É essencial que, em qualquer nível de ensino, sejam formados
alunos críticos. Uma vez que o futuro professor é bem preparado
para lidar com as dúvidas de seus alunos, sabendo articular “as
diversas matemáticas”, também pode questioná-los, sabendo
conduzi-los de forma a mediar seus conhecimentos.
De fato, uma das competências da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) de Matemática para o Ensino Fundamental é
“Desenvolver o raciocínio lógico, o espírito de investigação e a
capacidade de produzir argumentos convincentes, recorrendo aos
conhecimentos matemáticos para compreender e atuar no mundo.”
(BRASIL, 2017, p.265)
Por isso, são consideradas as seguintes questões: “É feita a
construção dos números reais na disciplina Análise Matemática?” e
“O programa das disciplinas apontam como essa construção é
feita?”.

Metodologia

Serão realizadas revisões teóricas dos conceitos de construção


dos números reais e da importância dos conteúdos estudados em
Análise Matemática para a prática docente no Ensino Fundamental
1384 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

e Médio. Além disso, serão examinados, por meio de análise


documental inserida em uma abordagem qualitativa, os programas
de ensino da disciplina Análise Matemática em cursos de
Licenciatura do Estado de São Paulo, de instituições de ensino
superior públicas e particulares.
Optamos por analisar os Planos de Ensino de Cursos de
Licenciatura em Matemática do Estado de São Paulo por ser o Estado
que concentra uma grande parte dos cursos de Licenciatura em
Matemática do Brasil. Na verdade, segundo o Relatório de Área –
Matemática (2016, p. 24) do Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes (ENADE/2014), o Brasil tem 482 cursos de Matemática.
A região sudeste concentra 169 cursos (35,1% dos cursos do Brasil)
e 80 desses estão no Estado de São Paulo. Além disso, no ENADE de
2014, dos 17.347 alunos inscritos para o Exame e, portanto,
concluintes, 2.750 alunos inscritos eram do Estado de São Paulo
(que é o Estado com o maior número de alunos inscritos), o que
representa mais de 15% dos alunos.

Considerações Finais

Este trabalho dedicou-se a revelar, por meio da discussão


realizada por Moreira, Cury e Vianna (2006) acerca da pesquisa
realizada sobre a visão de matemáticos, a importância da disciplina
Análise Matemática em cursos de Licenciatura. Destaca-se a
relevância da abordagem dessa disciplina em cursos de Licenciatura,
que deve relacionar os saberes matemáticos às demandas de
conhecimentos da prática escolar.
Motivados, entre outras, por essa discussão, estamos
desenvolvendo uma pesquisa que pretende conhecer como é
realizada, caso seja, a construção dos números reais na disciplina
Análise Matemática nos cursos de Licenciatura no Estado de São
Paulo.
Reitera-se que a relevância desse conceito dentro da disciplina
citada se deve ao fato de que o conjunto dos números reais é
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1385

constantemente abordado nos Ensinos Fundamental e Médio, e


espera-se formar professores que saibam articular esse
conhecimento a fim de proporcionar explicações claras e
contextualizadas, instigando seus alunos a desenvolverem um
conhecimento consistente e crítico. Esta finalidade depende da
forma como tal conceito é abordado na disciplina Análise
Matemática, ou seja, se há articulação dos conhecimentos
desenvolvidos com a futura prática docente no ambiente escolar.
Para tanto, a pesquisa que vem sendo desenvolvida visa à
investigação de programas da disciplina Análise Matemática, a fim
de conhecer se é feita a construção dos números reais e se seus
Planos de Ensino deixam explícita a forma como é abordado essa
construção.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. ENADE 2014: Relatório de área – Matemática.


Versão 07/04/2016. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/
educacao_superior/enade/relatorio_sintese/2014/2014_rel_matematica.
pdf> Acesso em: 23 ago. 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 2017.


Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf> Acesso em: 23 ago. 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES nº 1302/2001 – Diretrizes


Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e
Licenciatura. Brasília: 2001.

FISCHBEIN, E.; JEHIAM, R.; COHEN, D. The concept of irrational numbers in


high-school students and prospective teachers. Educational Studies in
Mathematics. Boston: Kluwer Academic Publishers, p. 29-44, 1995.

IGLIORI, S.; SILVA, B. Conhecimento das concepções prévias dos estudantes sobre
números reais: um suporte para a melhoria do ensino-aprendizagem.
Anais 21ª Reunião Anual da ANPEd. ANPEd: Caxambu, MG, 1998.
1386 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

MOREIRA, P. C.; CURY, H. N.; VIANNA, C. R. Por que análise real na licenciatura?.
Zetetiké,v. 13, n. 23, p. 11-42, 2005.

MARTINES, P. T. O papel da disciplina de Análise segundo professores e


coordenadores. 2012. 117 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós
Graduação em Educação Matemática, UNESP, Rio Claro, 2012.

SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching.


Educational Researcher, v.15, n. 2, p. 4-14, fev. 1986.

SOARES, E. F.; MOREIRA, P. C.; FERREIRA, M. C. C. Números Reais: concepções


dos licenciandos e formação matemática na licenciatura. Zetetiké, v.7, n.12,
p.95- 117, Campinas, 1999

TALL, D. O.; SCHWARZENBERGER, R. L. E. Conflicts in the learning of real


numbers and limits. Mathematics Teaching, 82, 44-49. University of
Warwick, 1978
94

Saberes e fazeres de uma professora


de bebês na educação infantil

Raiza Fernandes Bessa de Oliveira


Maévi Anabel Nono

Introdução

Considerando que ainda são poucos os estudos que tratam


especificamente das práticas e propostas pedagógicas para os bebês
e as crianças bem pequenas em instituições de educação formal e
coletiva, e compartilhando da esperança de que a Educação Infantil
possa se constituir com base em conceitos diferenciados dos demais
níveis educacionais – dada a especificidade desta educação, desta
escola, da infância e da criança ainda tão pequena – este estudo se
propõe a investir sobre a reflexão/construção de produção científica
sobre e a partir de experiências educacionais reais, possibilitando
aos professores refletirem e intervirem em suas práticas educativas
diárias com os bebês e as crianças bem pequenas.
Apesar do evidente crescimento no número de pesquisas que
focalizam essas questões, ainda há muito a ser feito, discutido,
pesquisado e aprendido. Assim, concorda-se com Tristão (2004)
quando aponta para a

necessidade de estudos que indiquem as especificidades do trabalho


com crianças bem pequenas nos contextos institucionais, uma vez
que a ação pedagógica nos berçários ainda é um processo em
construção. As pesquisas tendo como foco o cuidado e a educação de
crianças de até três anos são cruciais na definição de critérios de
1388 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

qualidade para os serviços educacionais prestados a esta faixa etária,


bem como na estruturação de diretrizes para a formação das
profissionais que lidarão com crianças tão pequenas (p. 8).

Certamente já houve avanço neste sentido, entretanto, é preciso


insistir na necessidade de estudos e pesquisas sobre a Educação
Infantil, especialmente das crianças até os três anos, visto que

Nas últimas décadas, observamos um crescimento das


investigações no campo da educação das infâncias, porém as
crianças de zero a 3 anos ainda permanecem à margem das
pesquisas, e os trabalhos têm se preocupado, com maior
veemência, com as crianças de 4 a 6 anos, que fazem parte da
educação básica obrigatória (DELGADO; FILHO, 2013, p.22).

Conceber de forma diferenciada a educação e o cuidado das


crianças da Primeiríssima Infância1 ainda se mostra um imenso
desafio, visto que este é um tema que – apesar do crescimento deste
tipo de investigação – permanece às margens das pesquisas
educacionais e das políticas públicas brasileiras. Do mesmo modo,
os profissionais que atuam com os bebês e as bem pequenas sofrem
diariamente com a desvalorização e precarização de seu trabalho.
Assim, optou-se por pesquisar os saberes e fazeres de uma
professora de bebês, assumindo a relevância de suas práticas
cotidianas de cuidado e educação dentro das instituições infantis.

Referencial Teórico

A Educação Infantil tem passado por intenso processo de


transformação e consolidação. Esse processo se revela, também, na
mudança do papel social, político e educacional ocupado por estas
instituições e pelos seus profissionais. A partir da Constituição
Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a Educação Infantil vem se

1
Nomenclatura adotada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (PELIZON, 2014), que compreende
a Primeiríssima Infância como a fase do nascimento aos 3 anos de idade.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1389

construindo de maneira diferenciada, buscando afastar-se de seu


histórico assistencialista de atendimento às crianças pequenas.
Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996), LDB 9.394/96, determina a Educação Infantil como
primeira etapa da Educação Básica, para as crianças dessa faixa
etária. Atualmente, a Educação Infantil é assim definida na LDB, a
partir de redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem


como finalidade o desenvolvimento integral da criança até 5 (cinco)
anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.

Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I – creches, ou


entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II –
pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.

Já em 1999, são fixadas Diretrizes Curriculares Nacionais para


a Educação Infantil, por meio da Resolução CNE/CEB nº 1/99,
revogadas pela Resolução CNE/CEB nº 5/2009. As Diretrizes
(BRASIL, 2010) são resultado de um esforço por parte da sociedade,
professores e pesquisadores da Educação, que visavam reformular
o papel da Educação Infantil brasileira, esclarecendo suas funções e
subsidiando o trabalho com as crianças de 0 a 5 anos nas creches e
pré-escolas. Com isso e com a publicação de vários outros
documentos que tratam sobre a Educação Infantil e o atendimento
das crianças pequenas, foram dados passos importantes na
consolidação do trabalho realizado nessa etapa da Educação Básica.
A partir de 2015, passou a ser construída e discutida no Brasil
a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017). Este documento
tem por finalidade estabelecer “conhecimentos, competências e
habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao
longo da escolaridade básica” e apresenta caráter normativo,
definindo os conteúdos que deverão ser ensinados durante toda a
Educação Básica nos diferentes contextos do país.
1390 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Entende-se que este processo de reconstrução das escolas de


Educação Infantil, bem como das funções pertinentes aos
professores que atuam com essa faixa etária, representam um
esforço no sentido de garantir atendimento adequado e de qualidade
às crianças de 0 a 5 anos de idade, assumindo práticas educativas
que tenham como foco a criança e que valorizem as especificidades
da infância, atendendo suas demandas e necessidades, e
respeitando-as como sujeitos únicos e de direitos.
Entretanto, discursos e modelos educativos que corroboram
para uma visão assistencialista da educação das crianças de 0 a 3
anos ainda estão presentes no cotidiano das instituições de Educação
Infantil, especialmente nas públicas. Este discurso vai na contramão
da legislação vigente e dos inúmeros estudos realizados que tratam
da importância da educação das crianças na primeira infância,
assim, não somente para a desvalorização (em variados aspectos)
dos profissionais que nela atuam, bem como com a desconfiguração
da identidade (da escola, do docente) que se busca construir.
Defende-se neste trabalho a ideia de construção de uma
Pedagogia da Educação Infantil/Pedagogia da Primeiríssima
Infância como um campo particular do conhecimento pedagógico,
buscando-se dar clareza à profissionalidade e especificidade
presentes na prática educativa destas profissionais.
É um dos objetivos desta pesquisa, analisar e discutir os
saberes e fazeres docentes que permeiam o trabalho com os bebês e
as crianças bem pequenas na Educação Infantil. Segundo Tardif
(2002), só é possível entender e discutir os saberes docentes se isso
é feito de maneira intrínseca a um contexto mais amplo, ao ofício
docente, a escola, etc. Ou seja, é preciso relacionar o saber docente
tanto aos aspectos da realidade social e do contexto de trabalho do
professor quando às suas experiências, personalidade e identidade
particulares.
Já os fazeres docentes dizem respeito às práticas, decisões,
atividades, planejamentos, avaliação, etc., que são específicos do
trabalho do professor. Quando se pensa no trabalho com os bebês e
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1391

as crianças bem pequenas, esses fazeres se apresentam de maneira


bastante particular e diferenciada dos demais níveis educacionais.

Procedimentos Metodológicos

Como objetivo geral, pretendeu-se descrever e discutir os


saberes e fazeres de uma professora de bebês. Como objetivos
específicos desta pesquisa, têm-se: Caracterizar a professora
participante da pesquisa (idade, formação acadêmica, trajetória
profissional, motivos para escolha da profissão, forma de ingresso
na profissão, perspectivas profissionais, local de trabalho atual);
Identificar e analisar saberes que fundamentam a atuação de uma
professora de bebês, no que se refere às suas concepções sobre bebês
(como aprendem e se desenvolvem), creche, ser professora de
bebês, relação escola e famílias, educar/cuidar/brincar, legislação e
documentação para Educação Infantil (creche), avaliação,
planejamento, o quê ensinar para essa faixa etária, dilemas, entre
outros saberes; Relatar e analisar fazeres presentes no dia a dia de
uma professora de bebês; Identificar as fontes dos saberes e fazeres
de uma professora de bebês.
Para tal, privilegiou-se uma abordagem qualitativa (Bodgan &
Biklen, 1994), sendo a coleta de dados realizada por meio de
observação de campo e entrevistas com a docente participante. A
coleta foi realizada em uma instituição de Educação Infantil pública
municipal de uma cidade do interior do estado de São Paulo, Brasil.
As observações foram realizadas entre os meses de abril e junho de
2017, em um agrupamento de 20 crianças com idade entre 1 e 2 anos
(Berçário II). As entrevistas ocorreram em oito encontros e foram
gravadas com aparelho de mídia, com autorização da professora
participante e tiveram duração média de 20 minutos por encontro.
A metodologia qualitativa de pesquisa tornou possível a
aproximação com a realidade que se pretendia estudar e, dessa
forma, descrevê-la e discuti-la, extraindo dos dados (falas, gestos,
1392 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

olhares, diálogos, interações) considerações acerca dos saberes e


fazeres de uma professora de bebês.

Descrição E Discussão de Dados

Os dados revelam a complexidade dos saberes e práticas


docentes no contexto da escola de Educação Infantil. As informações
coletadas foram organizadas em seções, que buscaram aprofundar
as diferentes temáticas e situações que surgiram ao logo da coleta.
Na primeira seção, são foi feita uma descrição da professora
sujeito da pesquisa e do agrupamento no qual a pesquisa foi
realizada. Deste modo, buscou-se descrever as características
pessoais, perfil e percurso profissional da docente, tecendo
considerações acerca destes aspectos e suas relações com a
constituição de seus saberes como professora de bebês. Também foi
dada especial atenção a sua formação (inicial e continuada) e suas
experiências profissionais.
A professora sujeito da pesquisa, no momento da coleta de
dados, possuía 25 anos de idade, formada em Pedagogia em uma
instituição privada de ensino superior, entre os anos de 2009 a 2011,
tendo sido contemplada com bolsa integral pelo Programa Prouni
do Governo Federal. Também realizou dois cursos de Pós-graduação
entre os anos de 2012 e 2013.
Os dados revelam que a professora optou pelo trabalho com
esta faixa etária, tendo sido uma escolha profissional e um trabalho
com o qual se identifica. Ela possui cerca de cinco anos de
experiência como professora de Educação Infantil (em sua cidade
natal e na escola onde a pesquisa foi realizada). Nas entrevistas, a
professora revela ter passado por dificuldades em adaptar-se a uma
nova realidade de trabalho quando assumiu seu cargo na escola
campo de pesquisa, ao passo que a secretaria municipal de educação
adota uma concepção diferente para este trabalho.
Na fala da professora, fica evidente a dificuldade em adaptar-
se a uma nova realidade institucional, ela parece não ter conseguido
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1393

utilizar suas experiências profissionais anteriores na atual escola


onde trabalha, o que por um lado faz com que ela se sinta perdida
em relação ao seu trabalho com os bebês e por outro serve de
estímulo para continuar estudando e se aprimorando para alcançar
os objetivos. É clara também, a diferenciação que ela faz em relação
ao modelo de educação, visto que suas experiências anteriores
pautavam-se em uma educação “não-construtivista”. Agora em um
novo contexto, em uma escola que trabalha com a visão
construtivista, ela se vê obrigada a reavaliar e alterar sua postura
docente, rumo ao que parecia ainda desconhecido.
Já na segunda seção, são discutidos os aspetos que dizem
respeito à especificidade de ser professora de bebês, focalizando a
singularidade da docência com a Primeiríssima Infância e a
importância deste trabalho para a aprendizagem dos bebês e
crianças bem pequenas no contexto da Educação Infantil. Para tal,
são descritas e discutidas impressões, opiniões e as problemáticas
enfrentadas pela docente pesquisada. Destacaram-se a dificuldade
de alinhamento do trabalho coletivo com estagiária e a auxiliar de
berçário e Educação Infantil (berçarista), número elevado de
crianças no agrupamento, rotina, dentre outros.
Um aspecto de extrema relevância discutido por meio dos
dados coletados, é a inserção de pessoas absolutamente leigas (sem
formação específica) para atuarem nos agrupamentos de crianças
de 0 a 3 anos, sendo responsáveis – principalmente – pelas
atividades de cuidado e higiene com o corpo/biológico.
Esta realidade é fator determinante no atendimento de
qualidade aos bebês e crianças bem pequenas, ao passo que a
própria organização municipal desvincula os conceitos de cuidado e
educação, bases da Educação Infantil e primordiais para essa
qualidade, devendo ser entendidos de forma indissociável.
Com isso, são discutidos mais profundamente estes conceitos
– cuidado e educação – e sua importância para a garantia dos
direitos educacionais das crianças que frequentam a Educação
1394 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Infantil, compreendendo-os como seres únicos, ativos, criativos, de


direitos e de voz.
Na terceira seção, são levantadas diferentes temáticas que
surgiram ao longo da coleta e que pareceram relevantes na
constituição dos saberes e fazeres docentes, são elas: planejamento
pedagógico e rotina, práticas docentes, avaliação, relação com a
gestão, relação e trabalho com a estagiária e auxiliar de Berçário,
relação com as famílias e saberes sobre leis e documentos. Todas
estas temáticas influenciam o trabalho realizado pela professora
sujeito da pesquisa e se mostraram importantes constituintes de
seus saberes profissionais.
Na última seção, são discutidas as fontes de aquisição dos saberes
docentes, reiterando a complexidade e diversidade da constituição dos
mesmos. Os dados revelaram saberes provenientes da formação inicial,
da formação continuada, saberes curriculares e advindos das
experiências profissionais da professora sujeito da pesquisa.
Os dados indicam também que, para ela, existe uma
superioridade da prática em relação às teorias educacionais. Desse
modo, os saberes experienciais mostram-se mais relevantes do que
os saberes da formação profissional, havendo pouca relação entre a
formação inicial e a realidade da sala de aula.
Esse aspecto se releva como uma grande problemática do que
diz respeito às lacunas da formação dos professores e sua atuação
junto às crianças nas escolas, ao passo que se desconsideram as
teorias educacionais, os saberes docentes para o trabalho com os
bebês e as crianças bem pequenas acabam sendo constituídos a
partir do senso comum.

Considerações Finais

Esta pesquisa deu-se por um estudo realizado em uma


instituição de Educação Infantil pública municipal de uma cidade do
noroeste do estado de São Paulo e buscou refletir, descrever e
discutir os saberes e fazeres de uma professora de bebês, a fim de
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1395

contribuir com a construção de uma pedagogia específica, que tenha


como foco a educação das crianças de 0 a 3 anos de idade nas escolas
de Educação Infantil.
Para tal, é necessário caminhar no sentido da valorização dos
profissionais que atuam com essa faixa etária, sendo imprescindível
também, dissertar sobre a qualidade do atendimento a essas
crianças, buscando a garantia de seus direitos educacionais e uma
escola que as entenda como seres únicos, ativos, criativos, de
potencialidades e voz.
Os dados revelam a complexidade dos saberes e fazeres das
professoras de bebês e crianças bem pequenas, discutindo a
importância destes para um atendimento de qualidade, que garanta
os direitos educacionais das crianças na Primeiríssima Infância.
O cenário complexo dos agrupamentos de Berçário é cada vez
mais assumido como essencial para a formação humana, visto que
atende crianças com poucos meses de vida, sendo responsável por
seus cuidados e educação formal, na fase mais determinante e
sensível do desenvolvimento humano.
A pesquisa revelou, também, que o contexto da Educação
Infantil pública apresenta inúmeros outros desafios, como a
quantidade de crianças por sala e a inserção de pessoas leigas para
o trabalho com os bebês e as crianças bem pequenas.
Os dados revelados por meio desta pesquisa indicam a
necessidade de discussão a respeito da qualidade da formação dos
profissionais que atuam com a Primeiríssima Infância, tornando
possível a consolidação de práticas pautadas por teorias
educacionais, permitindo a construção de um currículo que atenda
às demandas e especificidades de cuidado e educação das crianças
de 0 a 3 anos nas escolas de Educação Infantil. Do mesmo modo, é
necessário voltar-se para a valorização do trabalho desenvolvido por
essas profissionais, entendendo a especificidade e a intencionalidade
educativa presente neste contexto.
Por meio das observações de campo na escola pesquisada e
das entrevistas com a professora participante da pesquisa, foi
1396 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

possível coletar informações extremamente relevantes sobre a


complexidade da realidade das turmas Berçário nas instituições de
Educação Infantil públicas. Tendo em vista que essa realidade possa
ser similar a de muitas outras escolas brasileiras, assume-se a
relevância destes dados e a sua utilização para discutir o tema num
aspecto mais amplo.

Referências

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Porto Editora, 1994.

BRASIL. Constituição federal de 1988. Disponível em:


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. Acesso em: 20 maio 2018.

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______. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a


educação infantil. Brasília, 2010.

______. Presidência da República. Casa Civil. Lei n° 9.394/96, de 20 de dezembro de


1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9394.htm>. Acesso em:
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DELGADO, Ana Cristina Coll; FILHO, Altino José Martins. Dossiê “bebês e crianças
bem pequenas em contextos coletivos de educação”. Pro-Posições, São
Paulo, v. 24, n. 3, p. 21-30, set./dez. 2013.

PELIZON, Marina Helena. Formação em educação infantil: zero a três anos. São
Paulo: Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, 2014.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,


2012.

TRISTÃO, Fernanda Carolina Dias. Ser professora de bebês: uma profissão


marcada pela sutileza. 2013 f. Dissertação (Mestrado)- Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
95

Sobre a formação ou sobre o desenformar do professor:


uma abordagem crítica à formação do docente
em relação aos Direitos Humanos

Bruna Nogueira Machado Morato de Andrade


Priscila Oliveira Paraguassú de Macedo

Introdução

Atualmente vivemos em uma sociedade marcada por


conflitos, violência, intransigência e intolerância, aliadas aos
posicionamentos conservadores e contrários às liberdades dos
modos de ser, pensar, existir, agir e relacionar-se. Frente a esta
realidade, a escola do século XXI busca a educação integral do ser
humano, de forma que seja possível desenvolver diferentes
competências e habilidades, tendo em vista os quatro pilares da
Educação definidos pela UNESCO1: aprender a aprender, aprender a
conviver, aprender a fazer e aprender a ser, levando-se em
consideração as múltiplas identidades, culturas e necessidades, o
que se pode resumir, em apartada síntese, em aprender a respeitar
o outro enquanto pessoa, independentemente de qualquer
qualidade que lhe seja nata ou adquirida.
Há documentos norteadores do currículo escolar que inserem
a temática dos direitos humanos na prática pedagógica com o
objetivo de transformar uma realidade praticamente global de

1
Educação: um tesouro a descobrir, relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre
Educação para o Século XXI. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Brasília: UNESCO, 2010.
1398 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

violação dos direitos em atitudes mais participativas e solidárias da


sociedade civil. Exemplos desses documentos são: Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (PNEDH), Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB), a Resolução n.1 de Maio de 2012, que estabelece
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos2 e a
Resolução n. 04 de 13 de Julho de 20103, que define diretrizes
curriculares nacionais gerais para a Educação Básica.
São atribuições imprescindíveis para um pedagogo que
objetive trabalhar a valorização dos direitos humanos atuar com
ética, reconhecer necessidades particulares e de grupos, identificar
problemas socioculturais que desencadeiam a exclusão e ter
consciência da diversidade sociocultural existente. Entretanto, não é
possível esse trabalho em sala de aula, se a educação superior, nos
cursos de pedagogia, não cumprir com sua missão, apresentada no
PNEDH que é: “entre as condições de implementação mais
operativas que a universidade pode oferecer, está a formação de
profissionais e acadêmicos sensibilizados para uma atuação cidadã,
eticamente comprometida com o fortalecimento dos direitos e das
liberdades fundamentais” (BRASIL, 2003, p. 23).
Desta forma o profissional da pedagogia, ao final de sua
formação, deve compreender e estar apto a disseminar que as
condições sociais de relações e convivências contribuem na
construção e desconstrução dos processos culturais; perceber que os
processos pedagógicos ocorrem em diversos ambientes, e que esses
espaços devem servir para a socialização e vivência de saberes e
direitos; conhecer as políticas públicas inerentes à seu trabalho e
usá-las para favorecer a igualdade de direitos a todos/as que delas
necessitem; e por fim, compreender que um dos objetivos da escola
deve ser articular-se com sua comunidade a fim de favorecer o
atendimento de suas necessidades sociais.

2
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rcp001_12.pdf>. Acesso em 29 jul 2018.
3
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_10.pdf>. Acesso em 27 jun 2018
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1399

Assim, o presente artigo tem como objetivo discutir a


formação docente quanto aos direitos humanos na Educação Básica
(Ensino Infantil, Fundamental e Médio), a partir de uma perspectiva
crítica, além de sugerir que um dos caminhos para que os Direitos
Humanos sejam efetivamente discutidos em sala de aula passe,
obrigatoriamente, pela formação do professor.

A Educação em Direitos Humanos Como - Ainda - Norma


Programática

Parte-se da ideia de que norma programática é aquela feita


para gerar efeitos futuros. Ou seja, na atualidade já se têm princípios
e valores determinados, mas a concretude ainda é tida como
prospectiva. Assim, é desejável que conteúdos da Base Nacional
Curricular dialoguem com temas estruturantes e contemporâneos
para a vida em sociedade. Assim, ao inserir no currículo escolar
conceitos relacionados aos direitos humanos, a educação em si
estará pautada no reconhecimento do outro e de seus direitos.
Existe uma concepção arraigada - e errônea, a nosso ver - de
que a escola deve ser conteudista, e, desse modo, de que quanto mais
se aprende na escola, em termos de conteúdos, mais desenvolvida a
sociedade será.

Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se


deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade
agressiva em que a violência é a constante e a convivência das
pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que
não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que
eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações
políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas
áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso?
Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola
não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que
ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes
operam por si mesmos” (FREIRE, p. 15).
1400 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

De acordo com o Plano Nacional de Educação (PNE), não é


apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é
nela que esse saber aparece sistematizado e codificado. Nas
sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de
concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de
consolidação de valores, de promoção da diversidade cultural, da
formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de
desenvolvimento de práticas pedagógicas. Este mesmo documento
descreve que a educação em direitos humanos deve abarcar
questões concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos
procedimentos pedagógicos, às agendas e instrumentos que
possibilitem uma ação pedagógica conscientizadora e libertadora,
voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos
de sustentabilidade e de formação da cidadania ativa.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, a
transversalidade (inserção de temas como ética, saúde, meio-
ambiente, pluralidade cultural, orientação sexual e trabalho e
consumo dentro das disciplinas obrigatórias cotidianas) pressupõe
um tratamento integrado entre áreas do conhecimento e um
compromisso com as relações interpessoais no âmbito da escola em
concordância com os valores que se quer transmitir e com os valores
experimentados na vivência escolar, sendo que a coerência entre
eles deve ser clara para desenvolver a capacidade dos discentes de
intervir na realidade e transformá-la, tendo essa capacidade relação
direta com o acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade.
Corroborando as afirmações acima, Vale (2014) ressalta que
a efetiva aprendizagem ocorre mediante a interação que se faz
presente nas relações interpessoais neste contexto, tendo como
meta a construção de um sujeito autor capaz de construir,
desconstruir, reconstruir, significar, ressignificar sua realidade na
relação com o outro, desenvolvendo a autonomia, a solidariedade e
a responsabilidade do ser homem. Entretanto, a educação nacional
passou a ter um ensino voltado para a formação técnica do discente,
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1401

centrado no acúmulo de informações e no aprendizado mecânico,


com a finalidade de treinar o indivíduo especificamente para o
trabalho, para bons resultados em avaliações externas - que
culminam em bons índices de rendimento. Os discentes têm o
ensino compartimentado, fragmentado, dividido por áreas, o que
desfavorece o encontro do sentido de vida em sociedade, além de
aguçar a competição e eliminar, por vezes, a potencialidade
educativa.

Utopia ou Realidade? - Propostas no Ensino dos Direitos


Humanos, a Partir de David Sánchez Rubio

O autor neste item abordado é jusfilósofo da Universidade de


Sevilla (Espanha) e dedicado à abordagem crítica dos direitos
humanos. Aqui serão compiladas algumas das ideias contidas em
um artigo seu, intitulado “Co-educar y co-enseñar Derechos
Humanos: Algunas propuestas”4.
A ideia central, quando se fala em direitos humanos, não é ser
sensível a tais direitos, mas sim ser sensível ao ser humano, em toda
sua completude. Deve-se ter em mente que somos, sempre,
‘anjomônios’5, ou seja, temos o potencial de sermos solidários e
atuarmos a favor das multidiversidades e, por outro lado, podemos
causar exclusões e destruições inimagináveis.
Por mais que o ideal fosse que não existissem normas
reguladoras da conduta humana, pois óbvio seria que não devemos
matar, ou lesionar, ou enriquecer à custa dos outros etc., é
necessário que as relações humanas ainda sejam reguladas e
normatizadas, pois senão seriam caóticas e o clima seria de incerteza
e desorientação, a menos no estágio atual da humanidade, que é

4
RUBIO, David Sánchez. Co-educar y co-enseñar derechos humanos: algunas propuestas. 2017.
5
Expressão usada por David Sánchez Rubio em diversas falas suas, que diz que podemos ser anjos e
demônios.
1402 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

regida por um sistema de competição e aniquilação do outro para


que um ou alguns lucrem e outros sejam objetizados.
Coaduna com as ideias até então já abordadas o que é trazido
pelo autor mencionado, que frisa o problema de teorizar ao invés de
praticar os direitos humanos. Diz ele que a educação em direitos
humanos desde o início deve diminuir a distância entre essa “mania
que a cultura ocidental tem de priorizar mais o teórico sobre o
prático” (tradução nossa) (RUBIO, p. 07). O exemplo que torna a
ideia mais clara é um professor que ensina a teoria dos Direitos
Humanos perfeitamente, sendo reconhecido por isso, e, no entanto,
violenta seus filhos moralmente e fisicamente. Outro item que é
abordado no artigo é sobre a pouca sensibilidade generalizada ao
tema, pois em geral se tem uma visão quase que estritamente
normativista, jurídica, pós-violatória dos direitos humanos, que
resulta em novamente uma ideia teórica trazida “por sábios
especialistas e por sua efetivação e garantias atendidas por meio de
burocracias funcionais estatais e através de circuitos judiciais”
(tradução nossa) (RUBIO, p. 08).
Ademais, em sala de aula tende-se a reproduzir a ideia
errônea de que quem conhece e aplica os direitos humanos são
apenas os juristas (incluindo os operadores do direito, como
advogados, juízes, promotores etc.), nacionais e internacionais, e
isso, quando transmitido em aula enquanto disciplina, por exemplo,
tende a ser apenas memorizado, e não vinculado com a realidade do
próprio discente, que está permeada de situações envolvendo os
direitos humanos (bullying, violência doméstica, violência física,
moral etc.). Desse modo, reforça-se, ao ser mostrada a faceta
jurídica dos direitos humanos em aula para pessoas em formação,
sua perspectiva pós-violatória. Sugere o mencionado autor que se
deve, então, abarcar os estados pré-violatórios de tais direitos
(conscientizar sobre o contexto de existência, bem como sobre seus
direitos e ser apresentada uma base principiológica voltada ao
cuidado de si e da relação com o outro), bem como outorgar mais
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1403

poder e protagonismo a nós mesmos, enquanto docentes, bem como


a todos os seres humanos.
Um programa educativo completo e mais profundo deve
mostrar que o avanço dos direitos humanos só se dá/deu através
das lutas e ações sociais, como pela luta individual e cotidiana,
passadas e presentes, e que elas sempre existirão, pois são o que
abrem e consolidam os espaços de liberdade e dignidade humana.
Contraditoriamente, ainda somos tidos, os brasileiros, por nós
mesmos e por toda uma questão histórica que remonta desde os
anos de nossa colonização, como um povo afável e dócil, e isso é
exatamente o contrário do que se precisa para uma sociedade
consciente de que enquanto um de nós tiver nossos direitos
humanos - qualquer que seja - violados, todos estamos sendo
também violados.
Tem-se que o educar e ensinar direitos humanos não se dá
apenas em algum lugar formal de ensino (escola, faculdade etc.),
mas sim em todos os locais e que todos precisam praticá-los
sempre, com alguém vendo ou não, em casa ou fora dela.
Necessita-se observar que os direitos humanos não se aplicam
apenas a essa ou àquela esfera, mas sim em todos os espaços, seja
doméstico, íntimo, comunitário, na escola, no trabalho etc., pois
assim tem- se factível sua aplicação prática e cotidiana, voltada à
emancipação e libertação.
O texto nesse item tratado menciona que “el mundo
académico y universitario que investiga derechos humanos, suele
adolecer de una especie de “libertad de expresión de manicomio”, en
la cual todos/as pueden hablar pero nadie escucha sobre lo que son
y deben ser” (RUBIO, p. 29), o que é de todo pertinente, pois muitas
vezes parece que se está a enxugar gelo, numa tarefa por vezes
inglória de tentar discutir a temática na escola e não se ver
resultados voltados à tolerância e à alteridade. Ao contrário, muitas
vezes aprofunda-se a visão do outro como diferente e merecedor de
castigos e indiferenças pelos demais. Não se há que desanimar, não
é o intento do excerto, entretanto, é necessário que se avalie a atual
1404 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

situação do ensino de direitos humanos, pois ainda é dissociada a


teoria da prática.

Formação Continuada do Docente: a Realidade a Favor da


Inserção dos Direitos Humanos no Cotidiano Escolar

Tendo em vista a cobrança por resultados acadêmicos no


decorrer da Educação Básica (mais ainda no fim do processo de
ensino, quando os discentes chegam ao Ensino Médio), a temática
da formação docente é sistematicamente voltada para as áreas do
conhecimento - prioritariamente o ensino da Língua Portuguesa e
de Matemática - desde as séries iniciais do Ensino Fundamental.
Com isso, os temas transversais acabam sendo desenvolvidos no
âmbito educacional superficialmente e não se ensina ao professor a
didática para trabalhá-los em sala de aula.
Celma Tavares (SILVEIRA, p. 491) afirma que a educação em
direitos humanos busca promover processos educativos que sejam
críticos e ativos e que despertem a consciência das pessoas para as
suas responsabilidades como cidadãos. Educar de maneira crítica,
ativa e participativa significa modificar atitudes, condutas e
convicções. Não pela imposição dos valores e sim por meios
democráticos de construção e de participação que busquem
possibilitar a experiência cotidiana desses direitos.
Assim, a formação do professor torna-se crucial, pois
promover discussões relacionadas aos direitos humanos em sala de
aula deve ir além do que promovem os livros didáticos. A
metodologia abordada pelo professor que levará para a sala de aula
a temática dos direitos humanos deve incluir uma prática
pedagógica diretamente vinculada ao Projeto Político Pedagógico6
da Instituição de Ensino em que trabalha. Este professor deve
conhecer profundamente a realidade em que a escola e sua clientela
6
O Projeto Político Pedagógico (PPP) é um instrumento que reflete a proposta educacional da escola.
É através dele que a comunidade escolar pode desenvolver um trabalho coletivo, cujas
responsabilidades pessoais e coletivas são assumidas para execução dos objetivos estabelecidos.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1405

está inserida, além de analisar e ter uma postura crítica frente a ela,
incluindo duas dimensões essenciais: a emancipadora e a
transformadora. É somente por meio desta interação que será
possível sensibilizar-se, indignar-se, atuar e comprometer-se.
Portanto, entendemos que o melhor espaço para o estudo deste meio
é o próprio ambiente escolar, num trabalho coletivo de formação
docente frente ao cotidiano, norteado pelos dados da Comunidade
em parceria com a equipe escolar.
Ainda de acordo com o texto mencionado de Celma Tavares,
a formação dos educadores deve também privilegiar processos que
articulem teoria e procedimento, que estimulem o compromisso
com os vários níveis das práticas sociais e que favoreçam a
sensibilização, a análise e a compreensão da realidade (a educativa
e a social) que pautará todas as ações de construção desse processo
cujo objetivo maior é a afirmação de uma cultura de direitos
humanos. Esta é uma premissa para que o saber docente em direitos
humanos se articule com os demais saberes socialmente produzidos.

Em síntese, a EDH requer uma metodologia, com a seleção e


organização dos conteúdos e atividades, materiais e recursos
didáticos, que sejam condizentes com a finalidade de um processo
educativo em direitos humanos. Estes requisitos são essenciais
para que a prática pedagógica em Direitos Humanos facilite a
formação de uma consciência crítica e de um compromisso social
com as questões relacionadas à problemática dos direitos
humanos. (SILVEIRA, 2007, p.491)

O texto referência para o debate sobre Educação Integral


disponibilizado pelo MEC7 enfatiza que a compreensão da jornada
de trabalho dos professores na perspectiva de educar integralmente
requer a inclusão de períodos de estudo, de acompanhamento
pedagógico, de preparação de aulas e de avaliação de organização da
vida escolar. Isto exige que a formação de educadores inclua

7
Série mais educação - Educação Integral: texto referência para o debate nacional. Brasília: MEC,
2009.
1406 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

conteúdos específicos de formulação e acompanhamento de projetos


e de gestão intersetorial e comunitária, vinculados, como já dito
anteriormente, ao Projeto Político Pedagógico da Escola. É
necessário também que os processos de formação continuada para
a formulação, implantação e implementação de projetos que
integrem o conhecimento científico ao conhecimento social incluam
profissionais das áreas requeridas para compor a integralidade
pressuposta neste debate: cultura, artes, esportes, lazer, assistência
social, inclusão digital, meio ambiente, ciência e tecnologia, dentre
outras.
No espaço para formação docente tendo o ensino dos direitos
humanos como objeto de conhecimento, há grandes lacunas, desde
a graduação até a capacitação para atuação em sala de aula. Candau
explicita que:

É bastante comum que afirmemos que queremos formar sujeitos


de direito e colaborar na transformação social e, no entanto, do
ponto de vista pedagógico, utilizarmos fundamentalmente
estratégias centradas no ensino frontal, isto é, exposições, verbais
ou mediáticas, quando muito introduzindo espaços de diálogo com
os expositores ou membros de mesas redondas. Este tipo de
estratégias atua fundamentalmente no plano cognitivo, quando
muito oferece informações, ideias e conceitos atualizados, mas não
leva em consideração as histórias de vida e experiências dos
participantes e dificilmente colaboram para a mudança de
atitudes, comportamentos e mentalidades. Em geral, no melhor
dos casos, propiciam espaços de sensibilização e motivação para as
questões de Direitos Humanos, mas seu caráter propriamente
formativo é muito frágil. (p.6)

Por falta de tempo didático e/ou por excesso de conteúdo


vinculado à grade curricular comum, o contato que os discentes
acabam tendo em sala de aula com os direitos humanos fica restrito
a discussões rápidas acerca de uma ou outra notícia veiculada na
mídia, conflitos intra-extra escolares ou às poucas páginas que o
material didático traz sobre determinados assuntos como
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1407

escravidão, índios, religião, sexualidade etc. O professor tende a não


ampliar as discussões por não haver a mesma valorização e
investimento em formação docente para o ensino dos temas que
permeiam a educação integral.
Magendzo ressalta ainda que cabe aos professores
desenvolver e fortalecer habilidades de comunicação, além do
desenvolvimento do pensamento autônomo, estruturado e disposto
a crítica e diálogo; disposição para aceitar e respeitar pontos de vista
divergentes, o que tende a valorizar a formação pessoal e a
convivência democrática. Ao pensar no exercício efetivo de uma
pedagogia crítica, é fundamental que o professor tenha uma atitude
de respeito para as opiniões de seus alunos, abertura e flexibilidade
para incorporar conhecimento, antecedentes, informações e
perspectivas que estes contribuem e, acima de tudo, para
pressupostos que ele usa na construção de seu discurso pedagógico.
(tradução nossa) (p. 15)
É com este olhar multidisciplinar e utilizando espaços que
possibilitem pensar como os direitos humanos e os direitos
promulgados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que a teoria
se torna presente na realidade de cada indivíduo, relacionando e
problematizando os temas do nosso dia-a-dia como educação,
saúde, alimentação, moradia, não violência, lazer, trabalho, cultura,
esporte, transporte, etc., favorecendo um aprendizado para além
das paredes da sala de aula e dos muros da escola.

Levar tais temáticas para dentro da sala de aula e articulá-las com


os conteúdos tradicionalmente contemplados pelos currículos
pressupõe uma nova maneira de pensarmos o papel da escola.
Nela, não só os objetivos educacionais devem ser revistos, como
também a relação entre conteúdos e temáticas, que, nessa
perspectiva, inverte-se, ou seja, os conteúdos passam a ser vistos
como ferramentas para a solução de questões relacionadas à vida
e ao interesse dos alunos (ARAÚJO; KLEIN, 2006, p.125).
1408 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A formação em e para os direitos humanos deve ser objetivo


da comunidade escolar, dos sistemas de ensino. As escolas neles
inseridos devem amparar o corpo docente, articulando os saberes
da comunidade, o estudo do Projeto Político Pedagógico e a didática
do ensino do que de fato colabora para a educação integral dos
discentes, aliado aos conhecimentos formais. Dessa forma, a
formação continuada e permanente do docente torna-se importante
aliada para uma educação integral em direitos humanos não só dos
discentes, mas como do próprio docente.

Conclusões

A Educação em Direitos Humanos está intrinsicamente


relacionada ao diálogo, onde pontos de vista diferentes podem ser
expostos e debatidos respeitosamente. Em geral tende-se à exaltação
de ânimos, para essa ou aquela vertente, sem sequer analisar ou se
conscientizar de outras possibilidades. Os Direitos Humanos já
trazem uma carga estigmatizada aos olhos de muitos, de que são
eles ‘feitos’ para uns ou outros, e que precisa ser implodida para que
se demonstre que esses são os direitos de todos, de nem um a
menos.
Um problema fundamental relacionado à educação em
direitos humanos é como entendê-lo e abordá-lo. Buscou-se com o
presente texto ressaltar a necessidade de maior investimento na
formação docente no que se refere ao efetivo trabalho relacionado
aos Direitos Humanos em sala de aula nas etapas de Educação
Básica. Objetivou-se estudar que a formação do docente em direitos
humanos – que não se encerra na graduação, quando existe – deve
se dar durante os horários legalmente estipulados para estudos fora
da sala de aula, pois é uma possibilidade real de ser tratado e
discutido o assunto num horário compatível com a rotina docente.
Evidencia-se que os sistemas de ensino, pressionados pela
sociedade competitiva em que vivemos, instrumentaliza a formação
docente em busca de melhores resultados acadêmicos no que se
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1409

refere principalmente aos conhecimentos de Matemática e Línguas,


para que os discentes estejam mais preparados para alcançar índices
em avaliações externas (dentre elas SARESP, Provinha Brasil,
ENEM8). Nos espaços destinados para o estudo da aplicação de
metodologias, didática do ensino, processos avaliativos, a ênfase no
que se refere aos temas acima mencionados é recorrente. Assim, a
escola fica deficitária e deixa de avançar, pois no horário que seria
destinado às análises, possibilidades metodológicas, estudo da
utilização de temas transversais, trata- se de temas que enfatizam o
ensino conteudista. Resta claro que as mazelas, diferenças,
violências surgem e os discentes não sabem como lidar com elas. E
os professores, muitas vezes, também não, pois ‘desperdiçado’ um
tempo precioso para essas discussões. A promoção de atividades
e/ou discussões relacionadas à temática dos direitos humanos vai
ficando, desse modo, para segundo plano: para ser aplicada quando
sobra tempo, na superficialidade. Não porque os professores não
validem este tipo de conhecimento a ser construído, mas sim por
não receberem suporte de como desenvolvê-lo no ambiente escolar
tendo em vista os diferentes saberes e culturas de seus discentes ou
mesmo por desconhecer o Projeto Político Pedagógico da escola.
Viu-se que, no mais das vezes, referido horário é utilizado
para tratar de temas relacionados ou ao conteúdo escolar
propriamente dito (Matemática, Língua Portuguesa etc.) ou à
estrutura da escola ou a assuntos relativos aos alunos, mas que não
tangenciam os direitos humanos. Tenta-se, assim e por fim, sugerir
que os horários não destinados à sala de aula devam ser permeados
pela temática da transversalidade, pois constante em todos os
diplomas aqui abordados – seja normativos ou legais, e não para
tratar, mais e mais, sobre assuntos conteudistas e voltados às notas

8
SARESP - Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (para o Ensino
Básico). Provinha Brasil - “ é uma avaliação diagnóstica que visa investigar as habilidades
desenvolvidas pelas crianças matriculadas no 2º ano do ensino fundamental das escolas públicas
brasileiras” (Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/provinha-brasil>. Acesso em 27 jun 2018).
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio.
1410 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de exames que visam à formação profissionalizante do discente, não


à formação integral, sendo explícito que a educação é uma opção
política do Estado.

Referências

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Nazaré, Maria de. et al. A formação em direitos humanos na Universidade:


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2147>. Acesso em 15 jun 2018.
96

Terapia cognitivo comportamental:


o ensino de habilidades para promoção
de bem-estar cognitivo e emocional

Eduardo Becker Machado


Regina de Cássia Rondina

Introdução

São evidentes os progressos nas áreas clínica, de ensino e de


pesquisa nas últimas décadas voltados à Terapia Cognitivo
Comportamental (TCC), bem como sua expansão em todo o mundo
desde a sua criação, a partir do trabalho pioneiro de Aaron T. Beck
em meados da década de 60, no campo de saúde mental (BECK,
2013; DOBSON; DOBSON, 2009; SUDAK, 2006; GABBARD; BECK;
HOLMES, 2005; KENNERLEY; KIRK; WESTBROOK, 2017; SPERRY,
2010). Essa abordagem terapêutica é construída a partir de
princípios gerais, que englobam aspectos como: base em formulação
do caso – clínico, aliança terapêutica sólida, trabalho colaborativo
entre terapeuta e paciente, orientação para objetivos e foco em
problemas, ênfase no presente, além de natureza educativa,
temporal, estruturada, personalizada e a utilização de uma
variedade de técnicas (BECK, 2013). Trata-se de um enfoque
terapêutico de natureza colaborativa, onde paciente e terapeuta
trabalham juntos integrando empirismo, teoria e evidências
científicas. Durante o processo, é possível gerar e testar hipóteses
sobre a natureza dos problemas do paciente, continuamente
(KUYKEN; PADESKY; DUDLEY, 2009).
1414 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Não existe consenso quanto à definição do termo “saúde


mental”, uma vez que diferentes fatores influenciam na sua
definição, como variáveis culturais, subjetivas e teóricas (PARANÁ,
2018). Assim, será aqui utilizada a terminologia “bem-estar
emocional e cognitivo” para caracterização de saúde mental. A TCC
tem como proposta promover esse estado de bem-estar através de
intervenções voltadas, entre outros aspectos, a dois pilares centrais:
reestruturação cognitiva e desenvolvimento de habilidades em
resolução de problemas. Por reestruturação cognitiva, entende-se o
processo de compreensão e mudança de cognições distorcidas em
diferentes níveis, como pensamentos automáticos disfuncionais,
regras ou pressupostos e crenças ou esquemas cognitivos nucleares
(BECK et al., 1979). O pressuposto central é que o conjunto de
cognições do paciente desencadeia emoções ou afetos desagradáveis,
podendo resultar em problemas ou sofrimento psíquico. Por outro
lado, através de intervenções destinadas à resolução de problemas,
busca-se desenvolver habilidades e estratégias que sejam utilizados
a favor do enfrentamento e possível solução de dificuldades. O
enfrentamento e busca de solução das dificuldades é incentivado,
mesmo em situações em que há pensamentos automáticos não
distorcidos (GABBARD; BECK; HOLMES, 2013).
As habilidades e competências do terapeuta que atua nessa
abordagem desempenham um papel fundamental no processo de
melhora do paciente e o aprimoramento profissional constante é
imprescindível, o qual se inicia e consolida pela prática
supervisionada (SPERRY, 2010). Como a TCC é uma terapia baseada
em evidências (TBE), consiste então de base teórica sólida e testável
em diferentes contextos culturais, disponibilizando de conceituação
de transtornos e ferramentas para intervenções, testados
exaustivamente para a promoção da base de dados de evidências.
Este princípio se aplica não apenas à efetividade do tratamento, mas
também para a avaliação de desenvolvimento das habilidades e
competências terapêuticas, de forma que seja planejado e
mensurável este progresso. Existem alguns manuais que fornecem
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1415

base para a avaliação das habilidades do terapeuta. Como exemplo,


a Escala de Avaliação de Terapia Cognitiva (YOUNG; BECK, 1993)
que tem como finalidade mensurar o desempenho do terapeuta.
O objetivo central do presente trabalho consiste em descrever
e caracterizar os principais aspectos que contribuem para a
colaboração entre terapeuta e paciente, no decorrer do processo
clínico terapêutico em TCC. Busca ainda identificar os efeitos
derivados de uma prática terapêutica colaborativa envolvendo o
aprendizado do paciente ao modelo teórico da TCC para aplicação
pessoal, com vistas à promoção do bem-estar pessoal do paciente.
Foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o tema, junto ao
acervo referencial de obras básicas que são utilizadas nos programas
de treinamento de TCC, sendo as principais consultadas: Terapia
cognitivo comportamental (BECK, 2013), An introduction to
cognitive behaviour therapy (KENNERLEY; KIRK; WESTBROOK,
2017), Collaborative case conceptualization (KUYKEN; PADESKY;
DUDLEY, 2009), Evidence-based practice of cognitive-behavioral
therapy (DOBSON; DOBSON, 2009). Este trabalho pretende
contribuir com os processos de ensino de formação de terapeutas
que atuam nessa abordagem.

Desenvolvimento

A TCC se fundamenta em três princípios básicos sob a forma


de hipóteses. É fundamental esclarecer ao paciente, através de um
processo de psicoeducação, em que consistem esses princípios: O
primeiro, a hipótese de acesso, consiste no pressuposto de que
pensamentos ou crenças são acessíveis; por conseguinte,
acompanha-se a hipótese de mediação que é o postulado de que
pensamentos são mediadores das emoções; e por último a hipótese
de mudança que consiste na premissa de que é possível
intencionalmente mudar a forma como se pensa e responde a
eventos (DOBSON; DOBSON, 2009).
1416 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

A identificação das inter-relações entre situação - evento,


pensamento, emoção, reação fisiológica e comportamento, pode
proporcionar uma nova maneira de o paciente compreender a
natureza de seus problemas, além de fornecer hipóteses sobre
como fazer mudanças positivas na vida (GREENBERGER;
PADESKY, 2017, p.15).

No entanto, a identificação dessas inter-relações e seleção dos


componentes ou alvos terapêuticos pode não ser uma tarefa tão fácil
e requer um certo nível de habilidade, por parte do terapeuta. Desta
forma, através de um trabalho colaborativo com o paciente,
inicialmente o terapeuta deve construir uma formulação do
problema, incluindo uma breve descrição do mesmo, uma
explicação sobre seu desenvolvimento e os fatores contribuintes
(GOSS; MORETTI, 2011), interligando e sintetizando estes itens
complexos de forma racional, simples, clara e que façam sentido. A
etapa de formulação do caso clínico auxilia a tornar mais didática a
compreensão do problema e de seus mecanismos para ambos,
terapeuta e paciente, tornando mais acessível o engajamento na
terapia e a possibilidade de mudança. Estudos apoiam a premissa
de que uma terapia cognitivo comportamental guiada por
formulação de caso e compartilhada com o paciente beneficia
fortemente os resultados do tratamento gerando efeitos positivos,
inclusive, na relação terapêutica (PERSONS; TALBOT, 2015).
Não basta, contudo, apenas apresentar informações ou
hipóteses sobre a dinâmica dos problemas, fazendo orientações ou
dando conselhos e encorajando o paciente a uma conduta de
mudança de mente/pensamentos. Embora necessário, tudo isto
pode ser insuficiente ou até improdutivo no processo de tratamento.
É crucial também estabelecer uma postura acolhedora, empática,
questionadora e genuinamente interessada, que guie o paciente na
descoberta sobre a natureza de suas dificuldades e de seu
funcionamento cognitivo e emocional. Durante o processo, o
terapeuta deve estar continuamente coletando dados, bem como
meios alternativos de se compreender a natureza dos problemas.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1417

Deve construir novas ideias, integrando a experiência prévia do


paciente e convidando-o a reavaliar conclusões anteriores, o que
representa a descoberta guiada (PADESKY, 1993), e a elaborar os
próprios planos de mudança. Essa postura terapêutica é definida em
TCC como questionamento socrático ou postura socrática, que tem
como um de seus objetivos ajudar pacientes a aprenderem como
ajudar a si mesmos com base no conhecimento já adquirido pelo
mesmo (KENNERLEY; KIRK; WESTBROOK, 2017). Um dos efeitos
desta colaboratividade empírica é fazer com que o paciente aprenda
a buscar autonomia frente às suas dificuldades. É leva-lo a
compreender que pode optar por como pensar, sentir e agir.
Portanto, a relação terapêutica se torna fundamental para que o
paciente aprenda e explore as habilidades e técnicas da TCC,
integrando-as em suas vivências. Um complemento à relação
terapêutica que se demonstra como um fator essencial nessa
abordagem é a solicitação de feedback das sessões ao paciente, para
que este possa resumir o que foi aprendido no encontro e também
explicitar pontos em que não tenha se sentido compreendido ou
desconfortável durante a sessão, fazendo a manutenção e
refinamento do processo (BECK, 2013).
Há um consenso no sentido de que o paciente tem papel
fundamental como agente ativo de suas próprias mudanças e
promoção de bem-estar, desde que bem amparado quanto a
avaliação de dados e estratégias para lidar com suas dificuldades
(GREENBERGER; PADESKY, 2017; KUYKEN; PADESKY; DUDLEY,
2009; SUDAK, 2006). Norcross, Krebs e Prochaska (2011)
desenvolveram um modelo teórico para avaliação do grau de
motivação ou de prontidão do paciente para mudanças, propondo
cinco níveis ou estágios de desenvolvimento descritos como: pré-
contemplação, contemplação, planejamento, ação e manutenção.
Classificar o estágio motivacional em que o paciente se encontra
para realizar mudanças possibilita ao terapeuta realizar
intervenções mais efetivas de acordo com a necessidade pessoal do
paciente e prevenir obstáculos ou recaídas durante o processo
1418 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

terapêutico. Aparentemente, o paciente que se encontra nos estágios


de planejamento, ação ou manutenção tem maior probabilidade de
atuar como co-terapeuta, por já estar voltado à proposta de
promover mudanças.
Além disso, para que o paciente se torne co-terapeuta, é
importante atentar a dois processos cognitivos envolvidos no
processo: aprendizagem e memória. A teoria da aprendizagem de
adultos, de Kolb (1984) pressupõe a existência de quatro estágios:
experiência, observação, reflexão, planejamento; destaca-se a
possibilidade e flexibilidade de se iniciar este ciclo por qualquer uma
das quatro etapas, que quando bem executadas em um processo
integrado promovem a aprendizagem (KENNERLEY; KIRK;
WESTBROOK, 2017). Já o processo de memorização engloba dois
níveis que classificam a durabilidade da retenção de informações,
sendo a memória de curta duração com durabilidade de segundos
até poucos minutos e a de longa duração com capacidade de
armazenar informações por diversos anos (KENNERLEY; KIRK;
WESTBROOK, 2017). É esperado que o armazenamento do
aprendizado na memória de longo prazo torne mais acessível o
resgate das informações quando se apresentarem necessárias.
Ambos os processos precisam estar envolvidos na terapia, para que
esta promova desenvolvimento ao paciente frente às suas
dificuldades. O momento em que é demonstrada a possibilidade de
se interpretar de forma alternativa suas experiências, ou aprender
novas habilidades para lidar com as mesmas, o paciente pode sentir-
se motivado (BECK, 2013). Porém, para esta motivação ser melhor
aproveitada se torna requerimento ter um vínculo terapêutico bem
estabelecido, que engaje a confiança do paciente no tratamento e ele
possa colocar em prática as ações planejadas ao final de cada sessão,
o que diz respeito ao processo de o paciente agir como co-terapeuta
(KUYKEN; PADESKY; DUDLEY, 2009).
À medida que é promovido explicitamente ao paciente uma
base lógica das intervenções em TCC e que façam sentido a ele, essa
abordagem terapêutica propõe encorajá-lo a tornar-se co-terapeuta
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1419

através da explicação racional e específica dos objetivos das


intervenções (DOBSON; DOBSON, 2009). Ou seja, o paciente deve
ser orientado para a implementação dos princípios da TCC na sua
vida de modo a desenvolver autonomia através da aprendizagem
para manejar e resolver problemas (SUDAK, 2006). Para atingir
esse conjunto de metas terapêuticas, a bibliografia apresenta
técnicas de TCC sob o formato de materiais didáticos muito bem
elaborados, estruturados e simplificados para utilização pessoal por
parte do paciente. Como exemplo, é possível citar os materiais
propostos por Greenberger e Padesky (2017) em sua obra, que
envolvem mutuamente os quatro estágios da aprendizagem citados
anteriormente. Estes materiais também se demonstram úteis para
utilização por parte do terapeuta em sua prática. O terapeuta deve
apresentar o material aos pacientes e integrá-lo ao uso na rotina dos
mesmos, o que inclusive, pode otimizar o tempo de sessão.
Por se tratar de uma terapia que tem como base de
intervenção a fala, a TCC integra o uso de questionamentos
realizados de forma socrática, para o desenvolvimento do processo
terapêutico. Também nesse aspecto, os manuais podem contribuir
com o desenvolvimento das habilidades do terapeuta. Existem
modelos com exemplos de boas perguntas socráticas, ou perguntas-
chave, nas obras bibliográficas disponíveis voltadas a treinamento
em TCC que podem auxiliar o terapeuta no processo de
questionamento (PADESKY, 1993) norteando a execução dos
procedimentos terapêuticos de planejamento, execução, reflexão e
manutenção aqui citados. Procedimentos como o experimento
comportamental, por exemplo, facilitam a obtenção e exploração
dos benefícios propostos para ambos - terapeuta e paciente, bem
como a modificação de cognições distorcidas, promovendo o
desenvolvimento contínuo do processo terapêutico (BECK, 2013;
GREENBERGER; PADESKY, 2017; KUYKEN; PADESKY; DUDLEY,
2009; KENNERLEY; KIRK; WESTBROOK, 2017; BENNETT-LEVY et
al. 2004).
1420 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Considerações finais

A revisão da literatura apresenta pontos em comum que


ressaltam a TCC como uma terapia voltada a um trabalho colaborativo
entre terapeuta e paciente, excluindo o aspecto de unilateralidade
interventiva. Evidencia o engajamento sedimentado por uma aliança
entre as duas partes, terapeuta e paciente, para motivar o aprendizado
(KUYKEN; PADESKY; DUDLEY, 2009). Salienta também a
necessidade do desenvolvimento de habilidades e competências
centrais do terapeuta (SPERRY, 2010) para delimitar foco e efetividade
no tratamento e generalização de ganhos terapêuticos para o paciente.
A promoção da descoberta guiada, aliada aos procedimentos
estruturados de ensino, pode servir como recurso e modelo aos
pacientes para que os mesmos aprendam a promover seu próprio
bem-estar emocional e cognitivo. Por meio da conceituação realizada
como processo colaborativo, o paciente aprende a compreender o
problema que o incomoda e buscar hipóteses alternativas a cognições
ou estratégias comportamentais, para melhoria da qualidade de vida.
A TCC é, portanto, uma terapia que tem como uma de suas bases, o
desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem (BECK,
2013). Existe amplo embasamento teórico para atuação nessa
abordagem disponível para acesso, de modo a nortear a atuação de
terapeutas. Porém a prática supervisionada é também altamente
recomendada para desenvolvimento das habilidades e competências
do terapeuta. No entanto ainda há relativa escassez de literatura
recente sobre a produção científica nessa abordagem, traduzida para
a língua portuguesa.

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2018.
97

Um estudo sobre o fomento da argumentação


em uma atividade investigativa

Carolina Zenero De Souza


Zulind Luzmarina Freitas

Introdução

Shor e Freire (2003), ao discutir o próprio processo da


educação nos alerta que, a tarefa do professor nas mais variadas
instituições de Ensino, passa por incentivar a curiosidade e o rigor
dos alunos, não garantindo, mas permitindo que alguns poucos
continuem de maneira mais comprometida com a sociedade em que
vivem, isso exige tanto compromisso e posicionamentos individuais,
como também com o social.
Nessa prática, o diálogo é a confirmação conjunta do professor
e dos alunos no ato comum de conhecer e reconhecer o objeto. Então
em vez de transferir o conhecimento estático, como se fosse uma
posse do professor, o diálogo requer uma aproximação dinâmica na
direção do objeto. Nas palavras de Shor e Freire (2003, p.205), “Na
perspectiva libertadora, não temos nada para dar, realmente.
Damos alguma coisa aos alunos apenas quando intercambiamos
alguma coisa com eles.” Nesse sentido, quando o educador se coloca
na posição de doador, ele está trabalhando favoravelmente para pôr
em prática uma estrutura que já está dada.
Assim, nessa pesquisa procuramos nos apoiar em estudos de
Paulo Freire e Ole Skovsmose de maneira a cada vez mais
compreender e favorecer a comunicação mútua dada pelas relações
1424 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

entre aluno-aluno e aluno-professor, utilizaremos para tanto o


Modelo-CI de Skovsmose.

Marco Teórico

Para Skovsmose (2000) as práticas voltadas para produzir


cenários de investigação diferem-se fortemente daquelas baseadas
em exercícios. Essas diferenças podem ser observadas através da
matriz, a qual define diferentes ambientes de aprendizagem:

Tabela 3: Ambientes de aprendizagem segundo SKOVSMOSE (2000)


Exercícios Cenários para Investigação
Matemática pura (1) (2)
Semirrealidade (3) (4)
Realidade (5) (6)

O ambiente (1) diz respeito ao paradigma do exercício que


consiste em duas partes: primeiramente o professor apresenta
algumas ideias e técnicas matemáticas (teoria) e posteriormente os
alunos trabalham com exercícios pré-selecionados pelo mesmo.
Esse é um método bastante utilizado em sala de aula pelos
professores e, em geral, o futuro professor também o sanciona e o
adota muitas vezes pelo fato de já o ter vivenciado enquanto aluno,
o que o faz sentir-se confortável diante da sala. O ambiente (2)
também não possui vínculos com a realidade, mas permite ao aluno
uma maior liberdade, uma vez que ele pode analisar o exercício de
diversas formas, criando seu próprio método de resolução. O autor
caracteriza o ambiente tipo (3) pelo exercício localizar-se em uma
semirrealidade, que não chega a ser uma realidade completa
(envolvendo várias variáveis), mas já é constituído por elementos
concretos, diferentes da matemática pura. Enquanto o ambiente tipo
(4) é diferenciado, pois levanta perguntas em relação ao ambiente
tipo (3), uma vez que este não se importa com problemas externos
ao que foi apresentado no enunciado. O ambiente (5) é constituído
por somente exercícios, porém estes são baseados em dados da
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1425

realidade, como taxas de desemprego, contas de energia, impostos,


sem levar em consideração os fatores causadores desses dados. Já o
ambiente (6), além de utilizar-se de dados obtidos na realidade,
questiona os fatores que causaram tais dados.
Skovsmose (2010) apresenta alguns elementos que auxiliam
no estabelecimento de um padrão de comunicação presente numa
cooperação investigativa, que caracterizam o Modelo-CI, que estão
presentes tanto nas relações professor-aluno quanto nas relações
aluno-aluno tais elementos são:

Estabelecer contato: significa criar sintonia, se aproximar dos membros


da investigação de maneira a interagir mutuamente às contribuições,
aumentando gradativamente as relações interpessoais nos envolvidos.
Perceber: significa descobrir coisas novas através da curiosidade sobre o
que o outro está pensando, ou de suas próprias conclusões. Normalmente
a percepção pode ser instigada através do questionamento “o que acontece
se... ?”
Reconhecer: o reconhecimento ocorre quando os participantes
compreendem as conclusões de um aluno em particular. Perguntas do tipo
“por que...?” podem conduzir ao caminho do reconhecimento.
Posicionar-se: significa defender uma posição ou ideia, apresentando
argumentos ou declarações para resolver um problema durante o
processo de investigação.
Pensar alto: significa expressar pensamentos, ideias ou sentimentos
durante o processo.
Reformular: é o processo de repetir o que já foi dito utilizando palavras ou
expressões diferentes para se certificar de que compreendeu a discussão.
Desafiar: significa “tentar levar as coisas para uma outra direção ou
questionar conhecimentos ou perspectivas já estabelecidas” (ALRØ e
SKOVSMOSE, 2010, p. 115).
Avaliar: é a etapa que contempla a correção dos erros, críticas, conselhos
ou elogios. A avaliação funciona como um feedback, que pode acontecer
quando o professor (ou os próprios alunos) reconhecem um caminho ou
uma estratégia desenvolvida pelo grupo como correta.

É importante ressaltar que: “Os elementos não surgem em


uma ordem regular linear, eles podem ser observados
repetidamente em diferentes combinações.” (ALRØ e SKOVSMOSE,
1426 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

2010, p. 105). Também não é necessário que todos surjam durante


a investigação.

Metodologia

A nossa pesquisa de natureza qualitativa se dá em um


ambiente natural a partir de uma experiência no estágio docência de
um bolsista vinculado ao Programa de mestrado em Ensino e
Processos Formativos na Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho. A metodologia utilizada é a da pesquisa-ação, os
recursos utilizados para obtenção dos registros são gravações em
vídeo e caderneta de campo.
A análise aqui apresentada é referente ao trabalho
desenvolvido em sala de aula com uma turma do primeiro ano de
alunos do Curso em Licenciatura em Matemática. Os dados foram
obtidos a partir de recortes de episódios registrados em aula. Os
conteúdos tratados foram simetria e reflexão. A princípio foi
realizada uma revisão bibliográfica sobre o tema e nesse percurso
nos apoiamos em Martins (2003), que apresenta estudos referentes
ao conteúdo, utilizando ferramentas como caleidoscópio e o
software Geogebra.
Foram então confeccionados caleidoscópios de 2 espelhos,
para desenvolver o conteúdo proposto. Encontramos na obra
“Evolution of the Idea of Simmetry in the Ninetheenth Century”
(1990) estudos realizados por Lie e Klein que nos apontam a
relevância do estudo de simetrias para o desenvolvimento da
Matemática. Entendemos que a sua introdução já no início do Curso
permite a sua retomada em outras disciplinas dos anos posteriores,
oportunizando também, a religação dos conteúdos tratados.
Para a realização da atividade, os alunos foram divididos em
grupos, que se mantiveram os mesmos durante todo o processo.
Cada grupo recebeu um caleidoscópio e alguns fios de arames
(representando segmentos). No primeiro momento, cada grupo teve
a oportunidade de se familiarizar com o material, observando seu
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1427

comportamento, posicionando o segmento de diversas formas e


alterando o ângulo de abertura do caleidoscópio. No segundo
momento, cada grupo compartilhou com a turma suas observações
e conclusões.
Para a nossa pesquisa vamos considerar os dados apenas de
um dos grupos formado pelos alunos: Maria, Talita, Guto e Nanda.
Vale ressaltar que os nomes são fictícios para preservar a identidade
dos alunos.

Resultados e Conclusões

Baseando-se no Modelo-CI de Skovsmose apresentamos duas


dimensões de análise: aluno-aluno e aluno-professor. Em cada uma
dessas dimensões foram levantadas as categorias referentes à
cooperação investigativa ocorridas. São apresentados abaixo os dois
episódios em que essas categorias foram descritas.
Ao manipular o caleidoscópio, os alunos conseguiram
perceber que a abertura angular entre os espelhos está relacionada
com o número de imagens refletidas, de modo que para um ângulo
𝜋
a reflexão fornece 2 ∙ 𝑛 − 1 (n inteiro positivo) imagens refletidas.
𝑛
Eles haviam percebido também que ao posicionar o segmento de
forma que seus extremos tocassem os espelhos, as figuras formadas
a partir das reflexões eram polígonos. Vejamos as características do
Modelo-CI na comunicação aluno-professor e aluno-aluno:

Pensar alto: Percebemos que no grupo a Maria inicia sempre


compartilhando suas ideias. Após as indagações feitas pelo professor, é
Talita que expões seus pensamentos a respeito da resposta de Maria.
Desafiar: O professor questiona “por que?” a fim de que os alunos reflitam
sobre suas próprias indagações, aumentando a discussão do grupo.
Posicionar: Maria compartilha suas ideias, gerando indagações dos outros
componentes do grupo.
Maria: é correto falar que o caleidoscópio reflete a reflexão?
Professor: Eu acredito que sim. Por que você acha isso?
Maria: Por que um espelho está de frente para o outro espelho.
1428 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Professor: Hum.. E isso vai sempre acontecer?


Maria: Isso que eu não estou conseguindo entender... porque na minha
cabeça sim... porque a gente está trabalhando com o caleidoscópio... só
se ele estiver com a abertura 180º que aí vira um espelho só. Aí ele vai
refletir só o que está na frente dele.
Talita: não, mas e os triângulos? Ele não vai refletir o outro espelho.
Ele está refletindo só o segmento.

Quando o professor se afasta do grupo, a discussão contínua


de modo que podemos identificar:

Estabelecer contato: o grupo aparenta estar mais confortável na discussão,


tanto por já terem compreendido o funcionamento do material, como
também estão mais a vontade para expor suas opiniões, discutindo para
chegarem a uma solução.
Posicionar: Talita argumenta em favor de sua ideia, tentando convencer o
grupo de que esse é o caminho para a solução.
Perceber / pensar alto / reconhecer: Guto e Nanda, ao expressarem seus
pensamentos em voz alta, examinam as ideias apresentadas por Talita
(reconhecer) e percebem que de fato o argumento está correto.
Reformular: tanto Maria quanto Talita repetem várias vezes o raciocínio a
fim de encontrar as melhores palavras para explicar suas conclusões.

Finalmente, o grupo consegue encontrar uma estratégia que


foi aprovada por todos.

Maria: então... é isso ai que eu não estou entendendo... entendi! Mas


como vamos explicar isso?
Talita: Vamos nomear o espelho da direita e o espelho da esquerda.
Dai, o espelho da esquerda reflete o segmento pra esquerda , o
segmento real, reflete um imaginário pra cá. Esse outro reflete um
imaginário pra cá. Ai o espelho da esquerda reflete o reflexo do espelho
da direita e projeta atrás dele...
Nanda: e o da direita reflete...
Guto: o reflexo da esquerda
Nanda: só que como que a gente consegue formar vários... lados?
Talita: acho que é assim... a gente vai ter dois eixos aqui. Pra formar o
pentágono... olha: esse espelho está refletindo o segmento aqui e esse
espelho está refletindo o segmento aqui. Aí esse espelho olha pra esse
reflexo e reflete aqui atrás, e esse espelho olha pra esse reflexo e reflete
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1429

aqui atrás. Então aqui a gente tem a base, que é o real. Aí vai refletir
aqui e refletir aqui. Que são os dois que sempre refletem. Aí esse aqui
vai ser refletido aqui, está vendo que é o mesmo segmento? E esse
outro aqui, no caso pra formar o pentágono.
Marcia: no caso são quatro segmentos imaginários e um real.

Em outro momento, depois que o grupo já conseguiu


compreender os conceitos, enxergando os eixos de reflexões e as
reflexões das reflexões a partir do posicionamento dos espelhos, o
grupo vai além. Eles criam o próprio caleidoscópio com seus
celulares.
Nesse instante, é possível perceber que, apesar da situação se
tratar de uma semirrealidade, os alunos se envolveram de forma a
trazer a atividade para uma dimensão mais próxima da realidade
deles.

Maria: é bem legal isso. Uma coisa muito interessante!


Guto: igual quando a gente pega dois celulares e coloca na câmera um
de frente pro outro... a gente vê um negocio infinito.
Talita: é igual quando a gente coloca um espelho na frente do outro. O
espelho vê ele mesmo refletido.
Nanda: liga a câmera do celular aí.
Maria: agora eu estou vendo o celular 4 vezes.
Nanda: eu estou vendo 1, 2... 4 também. Coloca mais perto agora!
Estou vendo só 1, 2, 3.. celulares.
Maria: legal, é a mesma coisa.

Consideramos, baseado no modelo CI apresentado por


Skovsmose (2000), que a prática do professor proporcionou as
relações de comunicação mútua entre aluno-aluno e aluno
professor, permitindo ao aluno e professor transitar entre as
categorias (estabelecer contato, perceber, reconhecer, posicionar-se,
pensar alto, reformular e desafiar). Percebemos nas falas de Maria e
Talita que esse modelo não é linear. E nas de Nanda e Guto que
também não é isolado.
Considerando os cenários de investigação proposto por
Skovsmose (2000) acreditamos que o estágio docência vivido pela
1430 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

professor-bolsista/pesquisador permitiu ao mesma transitar entre


o modelo de prática baseado em exercício, em que o aluno não traz
os seus posicionamentos pessoais, para o modelo (2), que não possui
vínculos com a realidade, mas permite ao aluno uma maior
liberdade, uma vez que ele pode analisar o exercício de diversas
formas, criando seu próprio método de resolução.

Referências

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Paz e Terra S/A, 2003. (Coleção Educação e Comunicação, v. 18)

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Century. Birkhäuser, 1990.

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uso de caleidoscópios, sólidos geométricos e softwares educacionais.
2003. 268f. Dissertação de Mestrado – Instituto de Geociências e Ciências
Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2003.

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Coleção Perspectivas em Educação Matemática. Campinas, SP: Papirus,
2001.

SKOVSMOSE, O. Cenários para investigação. Bolema, n. 14, pp. 66 a 91, 2000.


98

Um olhar sobre a política municipal de


educação ambiental de Ilha Solteira, SP

Thayline Vieira Queiroz


Carolina Buso Dornfeld

Introdução

A Educação Ambiental vem se consolidando como uma


prática educativa que perpassa todas as áreas do conhecimento,
cujos pressupostos teóricos norteadores foram ganhando
notoriedade ao longo da década de 1970, período em que as
discussões sobre meio ambiente passaram a ter notoriedade devido
à preocupação global com as problemáticas ambientais.
Tendo em vista a universalização da temática ambiental,
Batista (2008) destaca que grande parte dos Estados e Municípios
do País já possui ou está elaborando políticas, programas, projetos,
com intuito de consolidar a Educação Ambiental tanto no ensino
formal quanto no não-formal e, geralmente, tais políticas são
semelhantes a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA)
(BRASIL, 1999a) apresenta sobre o tema.
A Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA,
regulamentada pela Lei 9.795/99, determina a inserção da Educação
Ambiental “em todos os níveis e modalidades do processo educativo
de forma articulada” (BRASIL, 1999a). Porém, a PNEA orienta que a
EA não deve constituir-se como uma disciplina específica do
currículo, salvo nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas
voltadas ao aspecto metodológico da Educação Ambiental, quando
1432 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

se fizer necessário. Entretanto, em seu artigo16 (dezesseis) dispõe


que, “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na esfera de sua
competência e nas áreas e sua jurisdição definirão as diretrizes,
normas e critérios para a educação ambiental, respeitados os
princípios e objetivos da PNEA” (BRASIL, 2005).
Subentende-se que para a inserção da Educação Ambiental
em contextos formais é responsabilidade de cada Estado e/ou
Município preconizar ações que visem a implementação de políticas
públicas voltadas a construção de uma sociedade sustentável,
embasadas nas diretrizes estabelecidas na legislação federal.
Serafim e Dias (2012) ao realizarem uma reflexão crítica
acerca dos principais conceitos e ferramentas constantemente
utilizados em análises de políticas públicas, destacam a importância
de compreender, além do conteúdo do documento em si, ou seja, ter
a preocupação de entender a complexidade que a ele é intrínseca e
analisar o porquê, como e para quem determinada política foi
elaborada. Considerando tais aspectos, o presente trabalho tem por
objetivo descrever e analisar o processo de elaboração da Lei que
dispõe sobre a Política Municipal de Educação Ambiental na cidade
de Ilha Solteira-SP, afim de compreender de que forma ela
contribuiu para a inserção da Educação Ambiental no município.

Metodologia

O estudo foi desenvolvido tendo como parâmetro o caráter


qualitativo, conforme proposto por Bogdan e Biklen (1994).
Segundo o autor, esses dados são geralmente coletados em
circunstancias naturais, o pesquisador é considerado o instrumento
principal na coleta de dados, não há necessidade de levantar ou
comprovar hipóteses, medir variáveis, uma vez que “a subjetividade
é rica, complexa, e por vezes contraditória, sendo permanentemente
reconstruída, o que por sua vez, leva à mudança na forma com que
o sujeito vê o mundo” (AGUIAR e TOURINHO, 2011, p. 07).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1433

Nessa perspectiva, foi realizada pesquisa bibliográfica e


documental que constituiu-se como importante instrumento de
pesquisa, viabilizando a consecução dos objetivos pretendidos.
Lüdke e André (2012) destacam que “a análise documental pode se
constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos
seja complementando as informações obtidas por outras técnicas,
seja revelando aspectos novos de um tema ou problema. Entretanto,
Malheiros (2011), destaca que é irrelevante analisar um registro sem
situá-lo historicamente, já que não é possível compreendê-lo fora
dos valores sociais nos quais emergiu. Além disso, para o autor, é
importante considerar o que levou o responsável a elaborar e redigir
o documento, uma vez que o mesmo pode colocar sua intenção nas
palavras (em documentos escritos, por exemplo).
Seguindo essas orientações, para esta pesquisa foi analisada a
Política Municipal que instituiu a Educação Ambiental na forma de
projetos nas escolas no ano de 2009. Este documento foi
disponibilizado para a pesquisa pela Secretaria Municipal de
Educação, Esporte e Lazer no início de Fevereiro, no ano de 2017,
por meio de uma autorização.
Assim, a análise documental sobre a política investigada, não
consistiu apenas no resumo de cada uma das fontes, ou
representação de outro modo das informações apresentadas. Teve-
se a preocupação em avaliar o contexto histórico no qual o
documento foi produzido, afim de apresentar a conclusão baseada
na interpretação dos dados. Portanto, tais cuidados durante a
análise auxiliaram na “compreensão do fato que está para além do
tangível e que é o que efetivamente importa quando se pesquisa em
ciências humanas e sociais” (MALHEIROS, 2011, p.87).

Resultados e Discussão

Em relação ao município de Ilha Solteira, SP, até o início de


2009, a prefeitura não havia instituído a legislação pertinente à
política de Educação Ambiental, mesmo com as atividades em
1434 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

âmbito formal já consolidadas no formato de projetos nas escolas de


tempo integral do município. Ao final deste ano, Ilha Solteira-SP,
publicou a Lei nº 1658, de 02 de setembro de 2009 que consolidou
a Educação Ambiental na Rede Municipal de Ensino de Ilha Solteira-
SP foi aprovada pela Câmara Municipal sancionada e promulgada
pelo Prefeito.
De maneira geral, o documento se apresenta em consonância
com o que estabelece a PNEA (BRASIL, 1999). Porém, foi organizado
em uma estruturação simples, composta por oito artigos que traçam
algumas diretrizes para a implementação da Educação Ambiental na
Rede de Ensino do município.
Em relação aos seus princípios, fundamentos e diretrizes, no
primeiro artigo é apresentada a concepção de Educação Ambiental
segundo a visão de Marcatto (2002), onde a EA é considerada um
“processo de formação dinâmico, permanente e participativo, no
qual as pessoas envolvidas possam ser agentes transformadores que
sejam capazes de julgar criticamente os fatos e acontecimentos
relacionados ao meio ambiente” (ILHA SOLTEIRA, 2009, p.01).
Em seu artigo 2º é ressaltado que as ações na rede municipal
de educação devem ser efetuadas de maneira que aconteça uma
articulação entre os diferentes níveis e modalidades de ensino,
quaisquer que sejam os espaços onde aconteçam. Entretanto, na
realidade as atividades de EA são ofertadas sistematicamente apenas
aos anos iniciais do Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano).

Artigo 2º- A Educação Ambiental como componente essencial e


permanente da educação, devendo estar presente no âmbito
nacional de forma articulada e continuada em todos os níveis e
modalidades dos processos educativos em caráter formal e não
formal (ILHA SOLTEIRA, 2009, p.01).

Verifica-se que a descrição apresentada é a mesma que


encontra-se na PNEA (BRASIL,1999), em seu art. 2º. Além disso,
não considera no seu texto que a rede municipal de ensino de Ilha
Solteira atende apenas a educação infantil e o ensino fundamental
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1435

dos anos iniciais. Assim, nota-se que houve apenas uma transcrição
do que preconiza a PNEA, sem mencionar as particularidades
existentes no município e qual(is) nível(is) escolar(es) que se
pretendia atender com a política municipal.
O documento cita em seu artigo 3º os fundamentos no qual a
Lei municipal se alicerça, seguindo as diretrizes definidas pela Lei
Estadual nº12.780, de 30 de novembro de 2007, em que institui a
Política Estadual de Educação Ambiental (SÃO PAULO, 2007), bem
como a PNEA (BRASIL,1999), considerada como obrigatória e
principal fonte de embasamento para a elaboração de políticas
estaduais ou municipais dos sistemas Brasileiros. Dessa forma,
instituiu-se a Educação Ambiental na Rede municipal de ensino
como tema transversal, no formato de projetos educativos:

Artigo 4º- Fica instituída a Educação Ambiental na Rede Municipal


de Ensino, como uma prática educativa integrada de maneira
transversal/interdisciplinar, contínua e permanente em todos os
níveis e modalidades do ensino formal, na elaboração de projetos
educativos, no planejamento de aulas e na análise do material
didático (ILHA SOLTEIRA, 2009, p.01).

Artigo 5º- Todas as unidades escolares do município estabelecerão


em seu trabalho anual suficiente números de horas para as
discussões e a programação das atividades de educação ambiental
a serem realizadas pela própria escola e/ou pelos professores de
cada disciplina (ILHA SOLTEIRA, 2009, p.01).

Apesar das escolas serem responsabilizadas pela


programação e elaboração dessas atividades, não é evidenciado no
documento se os professores em atividade deveriam receber
formação complementar, com o propósito de atender
adequadamente ao cumprimento das orientações destacadas na
Política Municipal e dos princípios da PNEA.
Assim como ressaltaram Lamosa e Loureiro (2011), a
institucionalização e universalização da Educação Ambiental nas
escolas não dependem somente da motivação dos professores e
1436 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

trabalhadores da educação. É necessário o apoio de políticas públicas


e de recursos (financeiros e humanos) e, sem esses aspectos, não é
possível garantir sua efetiva incorporação ao currículo e à gestão
escolar.
Macedo (1998) sustenta a ideia de que para que os temas
transversais funcionem como eixo integrador das diferentes áreas
do currículo, e deste com a realidade social, seria necessária uma
articulação entre as áreas e os temas transversais, estruturados na
sistematização do conhecimento em cada área.

[...] a seleção e organização do conhecimento em cada área deveria


ter por fundamento os temas transversais, defendidos pelo próprio
documento como tendo uma importância inegável na formação
dos jovens. O que parece transparecer dessas observações é que os
PCN não embutem, em sua lógica, a centralidade que se afirma
terem os temas transversais. Se os temas transversais expressam
as temáticas relevantes para a formação do aluno, por que não são
eles os princípios estruturadores do currículo? Por que não fazer
deles o núcleo central da estruturação curricular e inserir
‘transversalmente’ as diferentes áreas do conhecimento?
(MACEDO, 1998, p. 25).

Outro aspecto importante mencionado no artigo 6º da Política


Municipal, refere-se à descrição das atividades que deveriam ser
desenvolvidas nos projetos vinculados à Rede Municipal de Ensino.
Entretanto, não é mencionado em nenhum momento quais os
objetivos e princípios básicos que norteariam essas atividades. Nele,
são traçadas somente algumas orientações e linhas de atuação para
além dos conteúdos teóricos em salas de aula, como por exemplo:
“A observação direta da natureza, abordar problemas ambientais,
pesquisa de campo e experimentações que possibilitem aos alunos
adequadas condições para aplicação de conceitos” (ILHA SOLTEIRA,
2009, p. 01).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1437

Conclusões

Considera-se um importante avanço que ações estão sendo


pensadas por parte do município, em relação à implementação de
diretrizes referentes à EA. Entretanto, identifica-se algumas
fragilidades no documento, pois o mesmo se apresenta superficial e
pouco esclarecedor no sentido de como os projetos e atividades
deveriam ser desenvolvidos nas escolas, e quais apoios para a
formação complementar dos professores envolvidos para garantir o
fortalecimento da Educação Ambiental e sua efetiva inserção no
município.
Entretanto, nota-se que o processo da elaboração da Política
Municipal de Educação Ambiental de Ilha Solteira propiciou
reflexões para traçar as diretrizes da Educação Ambiental, com
vistas ao que preconiza os documentos oficiais, como a Política
Nacional de Educação Ambiental (PNEA), enfatizando a EA como
tópico prioritário a ser trabalhado nas escolas que perpassa todas
as áreas do conhecimento e exige reflexões acerca da problemática
ambiental.
Se na esfera educacional há consenso sobre a necessidade de
problematização das questões ambientais em todos os níveis de
ensino, nota-se que ainda há desconhecimento e/ou resistências
sobre a interdisciplinaridade e a transversalidade, Bernardes e
Prieto (2010), destacam que tais fatores resultam em uma aparente
baixa eficácia das ações de Educação Ambiental nos ambientes
escolares. Conforme determina a PNEA (BRASIL,1999), a Educação
Ambiental no Brasil deve ser, necessariamente, uma prática
interdisciplinar, no ensino formal e não formal, não podendo despir-
se das interações com as outras disciplinas, nem ser colocada à
margem delas, tampouco isolar-se.
Não há dúvida de que é um grande passo propor a inserção
da dimensão ambiental no município, porém é evidente a ausência,
no documento analisado, de estratégias e planos de ações coletivas
junto da comunidade escolar, que possam contribuir com uma rede
1438 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

de saberes necessários para o enfrentamento da complexidade que


a Educação Ambiental exige enquanto tema transversal.
Entende-se que processos de decisão sobre questões públicas
afetam a coletividade e, portanto, são conflitantes e demandam
intervenções nas regulamentações, e diante dessa complexidade
referente à inserção da EA como atividades pontuais nas escolas do
município sem a participação da equipe escolar, leva a concluir que
são urgentes e necessárias providências para garantir que a
legislação que prevê o dever do Estado com a inserção da EA nas
escolas de educação básica se concretize. Por um lado, assim como
ressalta Tozoni-reis (2015), é necessário políticas públicas mais
eficazes de inserção da EA no currículo escolar e, por outro lado, de
estudos e pesquisas acerca da Educação Ambiental no contexto
escolar que empreendam esforços na compreensão dos elementos
necessários a superação dessa fragilidade.

Referências

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28 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política
Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília,
DF,1999ª

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Grande do Norte, Natal, 2008.

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Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/
index.php/comunicacao>. Acesso em: 21 set. 2017.
99

Um ônibus prateado rompe o deserto:


diálogos sobre diversidade sexual e
de gênero através do cinema e da produção textual

José Francisco Bertolo


Ana Paula Brancaleoni

Introdução

Em meados de 2018, o Grupo Gay da Bahia emitiu seu


tradicional relatório da violência contra pessoas LGBT1 referente ao
ano de 2017. Trata-se de um levantamento acerca de todas as
vítimas de homotransfobia2 ao longo do ano no Brasil. O número é
alarmante: 445 LGBT perderam suas vidas, sendo 387 assassinatos
e 58 suicídios (GGB, 2018). Um aumento de 30% em relação a 2016.
O crime que motivou essas mortes foi o medo e o ódio ao diferente.
E estes foram apenas os números diretamente relacionados à
homotransfobia. Ainda, de acordo com o Relatório, muitos casos são
registrados apenas como homicídio, pois há uma negação dos
agentes da lei em vincular os assassinatos com a homotransfobia.
Apesar da forte onda conservadora cada vez mais crescente e
que insiste em recusar determinados debates, o Brasil precisa

1
LGBT é uma sigla que significa Lésbicas, Gays, Bi, Travestis, Transexuais e Transgêneros. Apesar do
imenso caldeirão de siglas e nomeações, utiliza-se a sigla LGBT por ser a mais frequente nas
referências usadas neste trabalho (SEFFNER, 2011).
2
A homotransfobia consiste na discriminação decorrente de orientação sexual, dirigida à
homossexualidade; e a discriminação por identidade de gênero, dirigida às travestis e transexuais
(GGB, 2018).
1442 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

discutir sexualidade e gênero e os motivos são apontados pelos


números acima. É preciso entender as razões por trás destes
números. Para tal, faz-se necessário compreender o que é gênero,
porque tantos preconceitos advêm dele e pensar em formas de
promover diálogos acerca da multiplicidade que ajudem a construir
um olhar de compreensão e respeito ao próximo.
E é exatamente isso que nos propusemos nesta pesquisa:
promover espaços de diálogos com 30 adolescentes de nono ano de
uma Escola Pública de um município de pequeno porte do interior
de São Paulo, através do cinema e da produção textual.

Seções do trabalho

A pesquisa teve por objetivo analisar as concepções prévias


dos estudantes acerca da sexualidade e gênero por meio de uma
produção de texto inicial (crônica). A partir deste texto, veiculamos
produções audiovisuais e buscamos compreender a apropriação
destas pelos estudantes, especialmente no que se refere às
concepções de sexualidade de gênero antes trazidas. Por fim,
observamos, através da produção textual dos alunos, os novos
sentidos atribuídos à sexualidade e ao gênero, assim como os
resultados do processo na transformação de preconceitos e
estereótipos e promoção do respeito às multiplicidades sexuais e de
gênero.
Uma das produções audiovisuais foi Priscilla, a rainha do
deserto (1994), produção que aborda uma viagem de duas drag
queens e uma transexual através do deserto australiano a bordo de
um ônibus prateado. A viagem é marcada por histórias humanas e
os percalços motivados por preconceito, mas não apenas isso. Com
muito bom humor e uma boa dose de exagero, as três personagens
conseguem sobrepujar as dificuldades. E é exatamente este o tom
adotado para a realização deste trabalho.
Quando nos me propusemos a esta pesquisa, não fazíamos
ideia do percurso árduo que precisaríamos trilhar. De fato, foi como
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1443

atravessar um deserto causticante. A travessia ficou mais suportável


por estar a bordo de um ônibus prateado com um salto alto
gigantesco sobre ele e uma drag queen dublando uma ópera, num
legítima exemplar do camp (SONTAG, 1987). Era a estética do
exagero utilizada para transformar a situação, não para negá-la,
mas para vencer o show e produzir enfrentamentos contra outros
exageros nem tão coloridos ou poéticos (SILVA JUNIOR, 2011).
E nessa estética do exagero, nós, que pensávamos estar a
bordo de ônibus prateado, na verdade, era o próprio ônibus
adentrando o deserto. Tal analogia é a mais indicada para descrever
nossa atuação nesta pesquisa. As decisões tomadas para
confeccionar o corpus, as estratégias, a metodologia, a escrita, tudo
perpassou por uma transformação da realidade, para vencer os
percalços e ainda assim produzir um enfrentamento colorido,
purpurinado, poético, para sobrepujar situações nem tão radiantes,
por vezes, escura e solitária.
E quando dizemos que este trabalho é um legítimo exemplar
camp, evocamos Sontag (1987, p. 330):

A afirmação de Genet de que “o único critério de um ato é sua


elegância” praticamente equivale, enquanto afirmação, à de
Wilde : "Em questões de grande importância, o elemento vital não
é a sinceridade, mas o estilo". Contudo, o que conta, finalmente, é
o estilo no qual as ideias são afirmadas.

O estilo é a marca desta pesquisa. Fizemos algumas escolhas


estilísticas (a manutenção da gramática no gênero feminino como
opção ao invés do gênero masculino “neutro”, a opção por uma
narrativa decolonial que foge da linguagem científica em terceira
pessoa e tida como “verdade universal” e “neutra”) que
transformaram esse trabalho num exercício de estilo para se afirmar
ideias as que se propôs. Tal qual o camp, este exercício não negou a
realidade na qual o presente trabalho está inserido, mas assumiu-a
e ultrapassou-a esteticamente, tanto através de uma manifestação
artística, como cotidianamente.
1444 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Cabe destacar que, apesar da pesquisa ter sido pensada em


conjunto, o trabalho de campo foi realizado por apenas um dos
pesquisadores. Em virtude disso, nas etapas em que se discorrerá
sobre o desenvolvimento, a narrativa será no singular.

Desenvolvimento

Gosto da imagem do deserto que Priscilla utiliza e que me


aproprio ao construir este texto. À primeira vista, o deserto parece
intimidante. Aquela imensidão aparentemente estéril, uma terra débil,
um solo arenoso, um clima causticante durante o dia e gélido ao cair
da noite. O deserto se torna interessante quando a gente passa a notar
aquilo que, num primeiro olhar, ele não mostra. Ainda que tudo
conspire para não haver vida, ela resiste e encontra um meio de estar
ali. O que mais chama a atenção no deserto é justamente isso: as
formas de resistência da vida. E foi exatamente isso que precisamos
para vencer nossa primeira situação desértica e fazer a vida aparecer.
Se eu previa dificuldades, elas não demoraram a aparecer, só
que vieram de onde menos imaginava. Por se tratar de uma pesquisa
sobre sexualidade e gênero com um grupo de adolescentes, pensava
que nosso principal obstáculo seria vencer o medo e a desconfiança
das mães, das responsáveis pelas minhas alunas. No entanto, o
deserto se materializou pela primeira vez na figura das agentes
públicas da educação. Estratégias ancoradas no pânico moral foram
adotadas e quase nos impediram de seguir adiante com a pesquisa
(MISKLOCI, 2007), tal qual um sol implacável teima em fazer
sucumbir as plantas que ousam vencer o solo arenoso do deserto.
É compreensível o medo de trabalhar com um assunto tão
delicado como a sexualidade e o gênero, especialmente em tempos
de disseminação de factoides como a “ideologia de gênero”, a criação
de projetos como o “Escola sem Partido”, a exclusão da palavra
“gênero” dos Planos Nacionais, Estaduais e Municipais de Educação
e da Base Nacional Curricular Comum, e a proibição do kit
integrante do programa Escola Sem Homofobia. É possível entender
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1445

o pânico moral oriundo da cruzada cristã, empunhada por católicos


conservadores e evangélicos neopentecostais, apoiados por uma
parcela igualmente conservadora da sociedade, que justifica sua
perseguição contra o “gênero” afirmando ser a favor da família
tradicional judaico-cristã heteronormativa (MOURA, SALLES, 2018;
VIANNA, 2015; BALIEIRO, 2017).
Mas se a vida encontra formas de resistir no deserto, também
encontrei meu oásis no acolhimento das mães e responsáveis,
somado à disposição das alunas. Este acolhimento foi o responsável
por vencer o medo da Secretária de Educação Municipal e da
Diretora da Escola. Assim, torna-se evidente que, antes de começar
qualquer trabalho com sexualidade e gênero com adolescentes em
um ambiente hostil, faz-se mister garantir a confiança e a
afetividade de pais, mães e responsáveis. O aval para seguir adiante
havia sido dado. E assim o ônibus prosseguiu sem saber de antemão
o que iria percorrer e por quais caminhos iria seguir. Tinha apenas
algumas pistas, um método: o cartográfico.
A cartografia não parte de uma ação sem direção; ela apenas
reverte o sentido tradicional do método sem excluir a orientação do
percurso da pesquisa. Seu foco está em acompanhar os processos e
compô-lo conjuntamente, em propor um caminho que vai traçando,
no percurso, as suas metas (PASSOS et al, 2014). Por isso é que a
cartografia foi o método adotado. Mas para construir esses
processos era necessária uma pergunta motivada, o que faria esse
ônibus prosseguir.
Previamente, havia a dúvida acerca do cinema e da produção
textual serem linguagens adequadas para trazer à tona a temática
da sexualidade e do gênero e, partir disso, promover diálogos sobre
essa diversidade e se, com isso, surgiria nas estudantes um respeito
às multiplicidades sexuais e às suas múltiplas formas de existir.
Ponderando que a cartografia é um método de pesquisa-
intervenção e que, ao cartografar, estava acompanhando processos,
é importante destacar que tal trajetória metodológica foi a mais
recomendada para esta pesquisa.
1446 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

No campo das diversidades sexuais e de gênero, é preciso


compreender o que está aparente nos discursos das alunas, mas
também investigar o que está no íntimo, nas concepções prévias, e
o que se localiza entre essas duas esferas. É necessário ter um ponto
de partida, para então elaborar processos de intervenção. Neste
tocante, foi solicitada uma produção textual, onde a aluna deveria
expor suas concepções acerca do tema.
O gênero escolhido para a produção foi a crônica. Antonio
Cândido aponta que os “traços constitutivos da crônica são um
veículo privilegiado para mostrar de modo persuasivo muita coisa
que, divertindo, atrai, inspira e faz amadurecer a nossa visão das
coisas. (CÂNDIDO, 1992, p. 19). Ao construir a crônica, o narrador
“[...] não perde de vista o fato de que o relato não é meramente
copiado, mas recriado” (SÁ, 2002, p. 11).
Ao compreender esses processos, tive condições de avaliar a
respeito da autorreflexão crítica das educandas a propósito da
realidade impulsionadas pelo contato com as imagens
cinematográficas. Em seguida, analisei o modo que essas alunas
compreendem o mundo e intervêm nele por meio da produção
textual, como recriação do meio em que vive.
Em um dos encontros promovidos por este estudo, as alunas
foram convidadas a refletir sobre questões referentes às
sexualidades e ao gênero. Ao ser questionado sobre seus
conhecimentos, esse grupo de adolescentes trouxe à tona suas
concepções prévias e percepções acerca do que seja a diversidade
sexual e de gênero. Suas respostas traçaram o território a ser
explorado pelo ônibus, onde ainda residia muita dúvida e
desinformação sobre os temas.
A associação do tema diversidade sexual e gênero ao
machismo, às diferenças entre homens e mulheres, ao racismo e ao
desconhecimento revelaram que as alunas não estavam totalmente
alheias à temática. Quando se trabalha diversidade sexual e de
gênero, acabamos passando pela luta dos direitos das mulheres, pelo
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1447

não apagamento da raça negra que acaba se resvalando no processo


de assepsia da comunidade LGBT (BENTO, 2017).
A partir desta produção inicial, as alunas assistiram a filmes
que traziam a diversidade em sua temática (X-men, XXY, Eu não
quero voltar sozinho, Vestido Nuevo e Priscilla , a rainha do deserto).
O cinema é um discurso eficiente na elaboração de imaginários
sociais. Isso acontece porque o cinema consegue, como bem lembra
Perinelli Neto, “criar certos símbolos, capazes de influenciar na
constituição dos códigos de sociabilidade que, por sua vez, se
prestaram a diferentes interesses” (2016, p. 16). Por esse aspecto é
que o cinema foi utilizado como linguagem para a promoção do
respeito ao diverso.
Foram, no total, seis encontros, cada um durando cerca de 60
minutos, em que as alunas puderam ver os filmes, conversar e
debater diversos aspectos sobre as produções audiovisuais e, como
resultado final do diálogo, escrever uma crônica com os principais
pontos da discussão. No entanto, logo no segundo encontro, algo
aconteceu que mudou completamente os caminhos desta pesquisa.
A cartografia não está apenas focada no objeto da pesquisa. O
pesquisador também não só faz parte da análise dos processos, mas
também compõe estes, uma vez que está imerso em uma mesma
cultura e em uma mesma realidade que as pesquisadas,
promovendo intervenções que potencialmente modificam os
sujeitos e ele mesmo. Ambos se afetam. E foi justamente nessa
relação de afetação mútua é que o ônibus pode prosseguir até
encontrar seu próximo obstáculo: eu mesmo.
Em meu segundo encontro com as alunas, recebi uma
negativa terrível: a maneira que conduzi o encontro não foi a mais
adequada e acabou afetando demais os pensamentos das alunas. Foi
uma condução quase dogmática, fruto de quase dez anos de sala de
aula e da inexperiência em conduzir um trabalho de campo.
Quando recebi este apontamento negativo feito pela minha
colega de pesquisa, ainda não tinha compreendido plenamente o
meu papel nesta pesquisa. Talvez até como uma forma de proteção,
1448 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

não havia me permitido ser afetado pelos processos. Estava seguro


em minha prática pedagógica, em minha didática, nas minhas
metodologias. Ah, eu estava tão seguro de mim... Era como o ônibus
adentrando nas cidadelas do interior australiano. Mas uma hora o
choque de realidade chega. Se para o ônibus foi quando pessoas
desconhecidas picharam na lateral do veículo: “Transmissores de
AIDS, caiam foram!”, para mim foi minha entrada no quarto escuro.
Foi somente quando me tranquei em um quarto escuro,
literalmente, questionando minha atuação profissional, que pude
compreender a importância do meu papel. Fui obrigado despir-me
das minhas concepções prévias sobre o que era ser um pesquisador
e/ou ser um professor (algumas delas até beirando o
conservadorismo no sentido da inflexibilidade diante do novo) e ser
as duas coisas ao mesmo tempo.
E assim, nu, travesti-me com uma nova roupagem. Assim
como o ônibus prateado e brilhante do filme Priscilla, a rainha do
deserto, conduzindo a personagem Felícia, montada como uma
instalação viva, “com uma imensa calda de um tecido também
prateado e brilhante, cintilando ao vento”, coloquei-me à disposição
de um grupo de personagens inseridos em imagens
cinematográficas para conduzi-los por regiões inóspitas e utilizei
produções de textos de minhas alunas para verificarmos que
territórios estávamos constituindo. “É um contraste, um pouco (ou
muito) de glamour na aridez do deserto” (SILVA JUNIOR, 2011, p.
147).
Assim pude vencer e adentrar naquela estrada,
aparentemente seca em meio à poeira vermelha. Foi somente
quando saí daquele quarto e fui para a sala de aula promover os
debates abertos com minhas alunas, que entendi que meu papel
como professor é fundamental para ser a ponte entre os diálogos. E
aqui é preciso fazer uma reflexão sobre a própria formação docente
no tocante às discussões sobre sexualidade e gênero.
Os estudos analisados neste trabalho sobre esse assunto
apontam que docentes trazem consigo o seu próprio “saber-
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1449

ensinar” e o seu “saber-fazer” profissional, ancorado em seus anos


como estudantes, em seus valores morais e religiosos, nos
conhecimentos adquiridos ao longo da vida e na própria prática
escolar (TARDIF, RAYMOND, 2000). No entanto, como aprendi na
pele, nem sempre esse “saber-ensinar” ou esse “saber-fazer” é o
ideal quando se está disposto a trabalhar com as multiplicidades.
Faz-se necessário despir-se de ideias já construídas, desconstruir-se
e reconstruir-se para estar disposto a promover esses diálogos. Se a
professora não estiver disponível para esse processo de
desconstrução e reconstrução, nenhuma linguagem será efetiva
para discutir diversidade em sala de aula.
Seffner (2011, p. 568) traz uma contribuição importante para
as ações pedagógicas sobre sexualidade e gênero:

A ação pedagógica escolar, em termos de gênero e sexualidade,


decididamente tem que abandonar o ar de “catecismo” que em
geral tem, dando margem a “sermões”, “condenações morais”,
“denúncias de abusos”, e tomar o caminho do diálogo,
reconhecendo inclusive que, se o aluno pensa assim, é também
porque em nossa sociedade existem milhares de dispositivos
pedagógicos, na mídia, na cultura popular, na música, que lhe
mostram essas atitudes como boas alternativas de vida.

E foi essa a linha de pensamento que procurei adotar neste


trabalho, especialmente após meu processo de desconstrução.
Tentei não soar dogmático ou como se estivesse dando um sermão
para minhas alunas.
Como eu estava disponível para essa desconstrução e
reconstrução, pude valer-me então de duas linguagens para
promover esses diálogos. E, no processualidade da pesquisa, pude
perceber que se a docente for a ponte entre as linguagens e as
estudantes, atuar nesses processos, o cinema e a produção textual
se mostraram caminhos potentes na promoção do diálogo sobre as
diversidades.
1450 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Resultados

Nosso ônibus prateado continuou explorando os processos e


desenvolveu um trabalho de discussão e problematização da
sexualidade e do gênero, com o intuito de questionar concepções
intimamente ligadas a preconceitos e estereótipos. A discussão e
problematização foram desenvolvidas em três momentos: a
veiculação das obras audiovisuais, o debate aberto em sala de aula e
a produção de uma crônica como forma de costurar as ideias vistas
nos filmes e levantadas durante a discussão.
Por meio das falas e dos textos produzidos, pude compreender
a apropriação dessas produções pelas estudantes, especialmente no
que se refere às concepções de sexualidade de gênero antes trazidas.
Ler os textos e ver minhas estudantes sendo capazes de utilizar o
que aprenderam durantes os diálogos para debater uma situação foi
a prova de que elas se apropriaram dos conceitos discutidos
(GIORDAN; VECCHI, 1996).
O cinema é uma linguagem eficiente para se trabalhar com a
sexualidade e o gênero em sala de aula. Figueiró (2009) aponta os
filmes como uma estratégia eficiente para explorar, de maneira
construtiva, o diálogo sobre esta temática. A força do cinema na
transformação do olhar dessas alunas possibilitou o
desenvolvimento da sensibilidade, da imaginação e da criação,
ampliando novas formas de pensar, sentir e agir (PEREIRA, 2008).
E as imagens cinematográficas só foram capazes de promover essa
transformação porque, ao apresentarem a realidade, fizeram isso
não de maneira lógica, mas com sensibilidade. Desta maneira, as
meninas, ao se apropriarem dos filmes, racional e afetivamente ao
mesmo tempo em um processo logopático (CABRERA, 2012),
conseguiram desconstruir seus pensamentos e reconstruí-los de
outra forma.
Justamente por isso que ao apresentar a realidade de maneira
mais sensível, o cinema produz impacto em quem tem contato com
ele. É desta maneira que o cinema é uma linguagem mais efetiva ao
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1451

comunicar certas realidades. E isso foi extremamente importante


neste trabalho e pode ser percebido quando as alunas expressaram
suas ideias através das crônicas.
David3 mesmo falou como Priscilla mexeu com ele “porque
pelo fato de eles vestiam de mulher, são homens e isso acaba
gerando um preconceito por homem vestido de mulher”. João
Eduardo, que se assume como alguém que tinha preconceitos com
gays, afirma que ao assistir aos filmes “ganhei respeito por eles,
cheguei a conclusão que são pessoas comuns, não machuca
ninguém, e são pessoas que não tem medo e vergonha de o que
interessa-lhe e de se expressar e não pensa que as pessoas falam”.
Outras alunas atribuem mudanças de pensamento aos filmes visto
em sala e às discussões feitas na sequência. É o caso de Maria
Cristina. “Minha opinião sobre tudo isso mudou muito desde o
começo do ano até agora”, relata. “Com todos esses filmes em sala,
debates, minha opinião cresceu muito”, continua.
São apenas alguns recortes. É oportuno lembrar que em
nenhum momento as alunas atribuíram exclusivamente aos filmes
suas mudanças de atitudes. Elas foram enfáticas em destacar o meu
papel como transformador ao utilizar a linguagem cinematográfica
para dialogar as diversidades. Novamente, trago a crônica produzida
por David para exemplificar esse processo: “Eu queria te dizer,
professor, por esse um ano e quatro meses que tenho aula com você,
professor, nunca tive um professor que nem o senhor”. O cinema é
uma linguagem poderosa nas mãos de uma professora que entende
o seu papel na promoção de diálogos.
Perinelli Neto e Paziani (2015, p. 281) atestam o poder das
imagens cinematográficas e a importância de profissionais docentes
pensaram no uso dessa linguagem ao desenvolver o pensamento
crítico por parte de suas estudantes:

3
Os nomes foram alterados.
1452 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Atualmente, as possibilidades abertas pelas Tecnologias da


Informação e Comunicação (TIC) incentivaram a produção e o
compartilhamento de vídeos, ampliando assim os espaços e as
ocasiões em que a visualização dos filmes se faz presente, para
além da sala de cinema ou dos aparelhos de televisão, o que nos
faz pensar na importância de se promover processos formativos
voltados, especialmente, para o emprego consciente e crítico
dessas tecnologias no ensino/aprendizagem, evitando-se assim o
tecnicismo e a reificação em torno dessa linguagem.

Todavia, eu só pude ter acesso a essas novas concepções


atribuídas à sexualidade e ao gênero, pois a crônica foi a linguagem
que utilizei a fim de que minhas alunas traduzissem esses
pensamentos críticos desenvolvidos durante a pesquisa. Quando
analisei as crônicas, pude ver que este foi um gênero textual
adequado para o desenvolvimento do trabalho. Por ser um gênero
híbrido, que mescla ficção e realidade, as crônicas escritas não
criaram uma nova realidade, mas recriaram aquilo que as alunas já
reconheciam (SÁ, 2002; CÂNDIDO, 1992). As crônicas permitiram
que elas pudessem pensar sobre os temas e pudessem expressar
seus entendimentos, seja por meio de uma narrativa, seja por meio
de uma reflexão.
E como foi gratificante constatar através dos textos lidos que
minhas alunas estavam pensando gêneros e sexualidades. O ponto
de virada da pesquisa surgiu com o filme XXY, momento em que
pude construir um espaço de diálogo em que minhas alunas,
efetivamente, começaram a refletir sobre a matriz binária
heteronormativas genital-gênero e passaram a questionar isso
(BUTLER, 2016). Com as demais películas, outra matriz binária
também passou a colocada em xeque: genital-desejo (PRECIADO,
2014). Além disso, minhas alunas concluíram, tanto nos textos
quanto das discussões, que a sexualidade é socialmente atribuída e
construtora de expectativas e desejos de acordo com a genitália
(SCOTT, 1995).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1453

Essas reflexões puderam ser compreendidas, tanto na fala


durante os debates, como nas produções escritas. Nota-se que, ao
menos as alunas, que até então, alegavam desconhecer a temática,
passaram a atribuir novos sentidos à sexualidade e ao gênero. Outro
aspecto que apareceu são os resultados do processo na
transformação de preconceitos e estereótipos e promoção do
respeito às diversidades. Especialmente quando as alunas passam a
reafirmar sua própria identidade e lançar um olhar de compreensão
ao outro. Nos textos e nas falas apresentadas, percebe-se uma
preocupação em aceitar e acolher o diferente.
Essas mudanças podem ser observadas quando David escreve
que “graças aos seus filmes e suas aulas e discussões, eu sou
diferente. [...] E agradeço por me fazer pensar diferente e suas
discussões são as melhores”. Ou quando Henrique narra uma
situação em que ele e seus colegas estavam reunidos, se divertindo
com brincadeiras e piadas “quando passou um gay. Se fosse
antigamente, todos iriam xingar, mas como nós tínhamos conhecido
um professor muito gente fina e boa pinta, ninguém xingou”. Ou
então quando Fernando escreve sobre a mudança de seu
pensamento sobre a diversidade sexual e de gênero ao participar
desta classe e fazer novas amizades. “Estudar com essas pessoas
mudou muito meu pensamento, ter um amigo que gosta do seu
mesmo gênero, eu achava repugnante, mas esse meu amigo me
mostrou que eu estava errado”. Ou quando Maria Cristina diz que
“a sociedade tem na verdade padrões como homens não podem usar
cores de mulher, se homens usarem maquiagem é considerado gays
[...] Na verdade, o certo é cada um cuida da sua vida”. Os exemplos
estão impressos naquelas folhas de papel almaço com letras pueris,
mas também circunscritos em suas concepções.
No entanto, até então, só pude observar o que elas
escreveram. Essas alunas não estão mais comigo e não posso dizer
se essas mudanças apontadas por elas realmente se efetivaram
longe daqueles espaços de diálogos, se elas conseguiram levar essas
discussões para o cotidiano, se conseguiram modificar suas
1454 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

maneiras de encarar as sexualidades em ocasiões em que foram


testados a isso.

Considerações finais

Neste momento de considerações finais, percebemos que o


ônibus precisará continuar seu caminho. Discutir sexualidades e
gênero é uma tarefa constante. Ainda mais em tempos tão difíceis
para um debate honesto sobre multiplicidades, quando agentes
religiosos, políticos e sociais tramam um emaranhado de
desonestidades tentando empurrar de vez a diversidade para dentro
do armário.
Projetos como o Escola Sem Partido (PL nº. 867/2015) que
pretendem proibir a veiculação de conteúdos ou a realização de
atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas
ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes (BRASIL,
2015a). Ou o preocupante PL n° 1859/2015 que propõe alterar o
artigo 3° da LDB acrescentando a educação “não desenvolverá
políticas de ensino, nem adotará currículo escolar, disciplinas
obrigatórias, ou mesmo de forma complementar ou facultativa, que
tendam a aplicar ideologia de gênero, o termo gênero ou orientação
sexual” (BRASIL, 2015b, p. 2). Se cochilarmos, o armário reaparece
e, às vezes, retorna mais forte e maior do que outrora.
Um trabalho como este não se encerra quando nós colocamos
o ponto final na última sentença. O processo não se finda, assim
como os embates e as lutas. Enquanto houver uma ala parlamentar
apoiada por setores conservadores da sociedade, haverá uma frente
de luta para combater retrocessos e brigar pelos direitos de
existirem, pelos direitos de serem sujeitos.
Enquanto houver um deserto, haverá um ônibus prateado e
brilhante buscando novas formas de resistência da vida.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1455

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100

Valorização docente:
estudo comparativo entre Franca e São José do Rio Preto

Liuvânia Barcelos
Camila Fernanda Bassetto
Hilda Maria Golçalves da Silva

Introdução

A valorização docente é tema rotineiro entre pesquisadores e


estudiosos no Brasil e no mundo. Acredita-se que uma educação de
qualidade requer profissionais reconhecidos, bem remunerados e
capacitados. A experiência na docência deve ser levada em
consideração, bem como a formação continuada e os espaços de
trabalho, como afirmam os autores Arroyo (2013) Nóvoa (1992) e
Libâneo (2001). Nóvoa (1992) afirma que o desenvolvimento da
carreira docente, organizada em fases ou estágios, pode ser ou não
linear. É possível estudar a trajetória de um indivíduo em uma
organização, como as características pessoais influenciam essa
organização e também a maneira como esse indivíduo pode ser
influenciado por tal organização. O autor ressalta ainda que a
nomenclatura “carreira” apresenta vantagens diversas e limita seu
estudo na carreira docente, lócus da pesquisa.
É notório que a educação está embasada em diversas leis que
buscam assegurar uma educação de qualidade. Mas, a valorização
docente, objeto de estudo desta pesquisa, ainda requer atenção.
Diante do exposto, a presente pesquisa busca contribuir com a
literatura acerca da valorização docente, investigando quais foram
1460 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

as políticas adotadas em dois municípios do interior do estado de


São Paulo de mesmo porte: Franca e São José do Rio Preto e,
concomitantemente, comparar os resultados das avaliações de larga
escala obtidos por escolas em que a docência é valorizada com
aquelas em que não existe o plano de carreira docente. A utilização
do FUNDEB também faz parte da análise que se pretende
desenvolver neste estudo.

Fundamentação teórica

Os contextos sociais, como características da instituição,


política salarial, contexto político e econômico, são determinantes na
carreira docente e não podem ser descartados da pesquisa. Existem
docentes que não chegam ao ápice de suas ambições e desistem da
carreira por diversos fatores. Dessa forma, a valorização da carreira
docente é imprescindível para garantir a permanência e sucesso
desse profissional (NÓVOA, 1992).
Para Líbâneo (2001), o profissional que tem por função
específica ensinar é o docente. Assim, esse profissional precisa ter
um processo de formação inicial, momentos destinados a refletir,
discutir e desenvolver um conjunto de ações, habilidades,
competências, fazeres e conhecimentos que se constituem
elementos fundamentais e essenciais para o exercício de sua
profissão.
Conforme Duarte (2008, p.3), “o trabalho docente é parte da
totalidade constituída pelo trabalho no capitalismo, estando
submetido, portanto, à sua lógica e às suas contradições”. Isso
significa que o docente deve estar apto para o trabalho que lhe foi
conferido, estar em processo de constante renovação. Contudo, as
condições de trabalho e valorização não são prioridades para aqueles
que lhes empregam.
Muitas pesquisa têm contribuído com a discussão da
valorização docente, tal como o estudo de Rosa (2017):
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1461

É importante dizer que entendemos aqui que os salários dos docentes


se conectam não somente ao processo de precarização do trabalho
docente, como comumente é mencionado nas pesquisas, mas
também se conecta a conjuntura de intensificação do trabalho
docente à medida que leva os professores a aumentarem suas horas
trabalhadas, ademais, cria um quadro propício para a implementação
de políticas de bonificação por desempenho. (ROSA, 2017)

Não é só no âmbito educacional que a valorização é pleiteada,


mas em todas as esferas de trabalho da administração do país,
principalmente na administração pública, como mostra o estudo de
Andrade (1993):

A crise administrativa manifesta-se na baixa capacidade de


formulação, informação, planejamento, implementação e controle
das políticas públicas. O rol das insuficiências da administração
pública do país é dramático. Os servidores estão desmotivados, sem
perspectivas profissionais ou existenciais atraentes no serviço; a
maior parte deles não se insere num plano de carreira. Os quadros
superiores não têm estabilidade funcional. As instituições de
formação e treinamento não cumprem seu papel. (ANDRADE, 1993)

As políticas de carreira docente deveriam incluir salários


adequados, salários maiores para os professores que trabalham em
condições mais difíceis, tais como população desfavorecida em áreas
rurais, carreira docente bem definida, com oportunidade de
promoção e reconhecimento público e prestígio para professores de
excelência. Porém, não é somente o incentivo financeiro que é
considerado valorização. Observar a importância da profissão a
valorização do professor em todos os aspectos é de suma
importância (VEGAS E UMANSKY, 2005).
Há muitas leis que garantem a valorização docente. No Plano
Nacional de Educação de 2001 é retratada a melhoria da qualidade
de ensino mediante a valorização do magistério, o que implica na
qualidade da formação inicial profissional, as condições de trabalho
e salário (carreira) e a formação continuada (CALLEGARI, 2009).
1462 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Desde o início do século 20, o Brasil tentou, ainda que de


forma emergencial, delimitar as especificações necessárias ao
exercício da docência, enfrentando a falta de professores face ao
contínuo crescimento da demanda por escolarização. Desde então,
até o ano de 1932, as especulações sobre o exercício docente sem
preparação e formação se tornaram tema da unidade de preparação
especializada dos professores em cursos de nível superior pleiteada
pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) que não
alcançou seu propósito em relação à prática docente. Nesse contexto,
o país tentava acompanhar os processos crescentes de urbanização
e industrialização.
Até a década de 1970, a questão de formação acontecia em
caráter emergencial como aborda a Lei nº 4.024/1961, em seu artigo
52 que garantia “a formação de professores, orientadores,
supervisores e administradores escolares destinados ao ensino
primário e o desenvolvimento dos conhecimentos relativos à
educação da infância”. Promulgada em regime autoritário, a lei nº
5.692/1971, condicionava a formação docente para habilitação em
nível médio de caráter profissionalizante. De acordo com Arroyo
(2013), o movimento de educação popular no final da década de
1970 é vinculado a emancipação, politização e libertação do povo.
Ao final da década de 1980, a educação é entendida como
direito social básico e passa a ser objeto de luta pela democracia. A
Constituição Federal de 1988 estabelece no capítulo terceiro,
intitulado “da educação, da cultura e do desporto”, no artigo 206,
parágrafo quinto, a “valorização dos profissionais da educação
escolar”. O princípio da valorização docente é então reconhecido e
usado como referência para o estabelecimento de políticas
educacionais voltadas para o docente. No entanto, somente em 1996,
marco legal deste trabalho, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN 9394/96), demarcou os vínculos entre professor
e escola na tarefa de promover “[...] o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua
qualificação para o trabalho [...]” e garantiu a “preparação docente
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1463

e não somente o nível de titulação requerido a ser obtido em curso


de licenciatura, de graduação plena”, no mesmo ano também é
criado o Fundef, fundo que promoverá melhoria na qualidade da
educação e valorização do magistério.
Arroyo (2013) apresenta a imagem da cultura do magistério
constituída de muitos fios e argumenta que privilegiar uma única
dimensão é não dar conta da complexidade do trabalho docente. O
autor afirma, ainda, que a “falta de consciência política e
educacional” não deve ser marcada pela negatividade dos docentes,
e que, se preciso for, “a solução será uma reeducação política e
formação de consciência”.
Prevendo uma melhoria da educação e embasada pelas
orientações do Banco Mundial, a emenda constitucional 14/1996 e
da Lei nº 9.424/1996, responsável pela criação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF), foi um passo significativo na
política de valorização dos profissionais da educação. A lei procurou
equalizar os custos mínimos por aluno entre estados e seus
municípios, determinou a criação do plano de cargos e carreira para
os docentes, estabeleceu prazo para a formação de professores e
instituiu mecanismos de controle social da aplicação do fundo, ou
seja, os Conselhos. Criado para substituir o FUNDEF a partir da
Emenda Constitucional n.º 53/06, o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério
(FUNDEB), “tem por objetivo proporcionar a elevação e uma nova
distribuição dos investimentos em educação” por meio do
desenvolvimento de políticas e programas educacionais em
benefício da sociedade.
De acordo com Callegari (2009), o FUNDEB tem seu controle
e acompanhamento por meio de Conselhos em âmbito Federal,
Estadual e Municipal. A partir de então, duas importantes
reivindicações dos professores da Educação Básica e das suas
entidades representativas começaram a crescer: piso salarial
nacional e plano de carreira.
1464 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Com intensa participação dos educadores em sua elaboração,


o Plano Nacional de Educação, instituído pela Lei n. 10.172 de 9 de
janeiro de 2001, contempla a valorização dos profissionais da
educação por meio de “formação inicial e continuada, garantia das
condições adequadas de trabalho, salário digno, com piso salarial e
carreira de magistério”. Dentro dessa perspectiva o estabelecimento
do Piso Salarial Nacional acabou ganhando uma legislação específica
por intermédio da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que institui
um valor mínimo de salário a ser pago a todos os docentes em cada
canto do país.
Na Resolução n.2, de 28 de maio de 2009, a qual fixa as
Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos
Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, os pilares da
valorização profissional docente, isto é, formação, remuneração e
plano de carreira, são destacados.
A mestranda atua como professora na rede municipal de
educação de Franca e também é representante do Conselho de
Acompanhamento e Controle Social (CACS), colegiado que
acompanha e controla a distribuição, a transferência e a aplicação
dos recursos do FUNDEB, participando também das reuniões do
Conselho Municipal de Educação, que discute, entre outros
assuntos, melhorias para a educação do município.
Diante dessa atuação profissional, ocorreu o interesse em
pesquisar a valorização profissional docente como instrumento de
desenvolvimento pessoal, o qual irá contribuir para a prática e
valorização da carreira. Tal interesse perpassa o particular,
construindo-se no coletivo, por se configurar como uma
preocupação multiplicada entre os docentes.
A teoria educacional reforça a necessidade de o profissional
docente acompanhar e compreender os mecanismos
representativos sociais (conselhos, sindicatos), os quais priorizam
uma consciência de classe e desenvolvem um comportamento
profissional fazendo com que a conduta docente avance e legitime
os seus direitos. Neste contexto, a pesquisa proposta poderá
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1465

apresentar subsídios para futuras discussões sobre o plano de


carreira nos órgãos representativos, os conselhos (CACS e Conselho
Municipal de Educacão, o CME) trazendo sustentação teórica e legal
para que os docentes servidores municipais possam construir um
embasamento real do direito da valorização docente, já que o
município ainda não conta com um plano de carreiras de cargos.
Para Minayo (1994), é preciso articular a relevância intelectual
e prática do problema investigado à experiência do educador. Diante
disso, a avaliação de políticas públicas que respaldam a carreira
docente é necessária para que, de fato, esses diretos tornem-se reais.
Neste estudo, será possível investigar quais os impactos presentes
na educação em que o professor se reconhece como um sujeito
atuante, reflexivo dentro da sua docência, buscando compreender e
avançar na necessidade de o educador desenvolver a sua
consciência, em busca de uma prática docente politizadora na
configuração de um novo “ofício de mestre” (ARROYO, 2013).
O presente estudo tem como objetivo geral analisar a política
de valorização docente em dois municípios do interior de São Paulo.
Por objetivos específicos, tem-se os seguintes:

1 – Fazer um levantamento das políticas adotadas e quais foram deixadas


de fora da agenda dos municípios pesquisados, Franca e São José do
Rio Preto, em relação a valorização docente, considerando os
elementos condições de trabalho, jornada, salários e plano de carreira.
2 – Investigar se existe relação entre os resultados das avaliações externas
e a valorização docente no município que possui plano de carreira e
naquele que não possui.
3 – Comparar o uso do FUNDEB na valorização docente nos dois
municípios considerados na pesquisa.

Procedimentos metodolólogicos

O presente estudo se apropria de métodos de abordagem


qualitativa. Porém, perpassará por outras perspectivas, uma vez que
há análise documental e análise quantitativa dos dados coletados.
1466 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Nas investigações, em geral, nunca se utiliza apenas um método


ou uma técnica, e nem somente aqueles que se conhece, mas todo
os que forem necessários ou apropriados para determinado caso.
Na maioria das vezes, há uma combinação de dois ou mais deles,
usados concomitantemente (LAKATOS, 2003).

Para Lüdke (1986, p. 38), “[...] a análise documental pode se


constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos,
seja complementando as informações obtidas por outras técnicas,
seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. Assim,
para alcançar os objetivos propostos, faz-se necessário uma revisão
bibliográfica do tema, além da pesquisa documental nos municípios
estudados com base nas fontes oficiais.
No objetivo específico 1 pretende-se investigar quais foram as
políticas adotadas e implementadas e quais foram deixadas fora da
agenda, nos municípios, em relação a valorização docente
considerando os elementos condições de trabalho, jornada e plano
de carreira. Para alcança-lo, pretende-se utilizar protocolos como
instrumentos de coleta de dados para extrair dos documentos as
informações necessárias à pesquisa. Será necessário lançar mão do
diário de campo para anotações e registro das pesquisas coletadas.
Como propõe Lakatos (2003, p. 47), “Antes de iniciar qualquer
pesquisa de campo, o primeiro passo é a análise minuciosa de todas
as fontes documentais, que sirvam de suporte à investigação
projetada. A investigação preliminar – estudos exploratórios – deve
ser realizada através de dois aspectos: documentos e contatos
diretos”.
A pesquisa se dará por meio de análise documental na
plataforma das prefeituras das cidades pesquisadas em busca dos
seguintes documentos oficiais: Leis, Decretos, Resoluções das
Secretarias Municipais da Educação; Estatutos do Magistério
Público Municipal; Regimento sobre as atribuições e funções de cada
cargo; Câmara Municipal, para analisar a legislação pertinente à
carreira docente; Plano Municipal de Educação, Regimentos e Plano
de carreira do magistério público municipal a fim de obter
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1467

informações relevantes à pesquisa. Nos portais das prefeituras esses


documentos são de fácil acesso.

A pesquisa documental trilha os mesmos caminhos da pesquisa


bibliográfica, não sendo fácil por vezes distingui-las. A pesquisa
bibliográfica utiliza fontes constituídas por material já elaborado,
constituído basicamente por livros e artigos científicos localizados
em bibliotecas. A pesquisa documental recorre a fontes mais
diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais como:
tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos
oficiais, cartas, filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios
de empresas, vídeos de programas de televisão, etc. (FONSECA,
2002, p. 32).

O objetivo específico 2 constitui-se da investigação da


existência de relação entre os resultados das avaliações externas e a
valorização docente no município que possui plano de carreira e
naquele que não possui. Para tanto, serão realizadas coletas de dados
em plataformas como a do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, o INEP.
Em relação ao objetivo específico 3, deseja-se analisar o uso
do FUNDEB na promoção da carreira docente nos municípios em
questão. Neste caso, será feito um protocolo (ainda não definido)
para extração das informações pertinentes à pesquisa dos
documentos disponibilizados previamente pela Secretaria Municipal
dos municípios em busca dos dados que exemplifiquem como é feita
a valorização docente por meio do recurso.

A pesquisa documental é constituída pelo exame de materiais que


ainda não receberam um tratamento analítico ou que podem ser
examinados com vistas a uma interpretação nova ou
complementar. Pode oferecer base útil para outros tipos de
estudos qualitativos e possibilita que a criatividade do pesquisador
dirija a investigação por enfoques diferenciados. Esse tipo de
pesquisa permite o estudo de pessoas a que não temos acesso físico
(distantes ou mortas). Além disso, os documentos são uma fonte
não-reativa e especialmente propícia para o estudo de longos
períodos de tempo. (NEVES, 1996).
1468 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

Para levantar quais foram as políticas adotadas nos


municípios em relação à valorização docente serão necessárias
buscas no portal eletrônico das cidades das leis, outrora citadas, por
meio de protocolo para posterior análise documental. O protocolo
ainda não foi construído, contudo, espera-se que as buscas
respondam as seguintes questões: Quais foram as melhorias nas
condições de trabalho dos últimos 10 anos? A jornada de trabalho
sofre alterações nos últimos 10 anos? Há plano de cargos e carreira
no município? Como é a progressão, vertical ou horizontal? São
oferecidas formações iniciais e continuadas aos professores? Qual é
a política salarial adotada no município? Há sindicato próprio para
o magistério? As respostas para tais questionamentos serão
anotadas em um diário de campo para que fiquem registradas e
sejam utilizadas posteriormente na análise de dados. Tais questões
foram previamente estruturadas, porém, são também passíveis de
quaisquer alterações.
Para analisar se há relação entre possuir plano de carreira e
os resultados das avaliações externas, como o IDEB, do município
que possui e que aquele que ainda não possui o plano, serão
requisitados, via e-mail às secretarias municipais de educação a
enviarem seus planos de carreira do magistério ou política de
valorização do magistério, tendo em vista colaborar com o estudo da
mestranda. Já os resultados do IDEB serão coletados no site no Inep,
utilizando o nome de cada município no campo de busca. Para esse
trabalho o recorte foi o resultado do IDEB de 2017, buscando ser o
mais atual possível. Caso os municípios não se disponham a enviar
o plano de carreira via e-mail, a mestranda fará um ofício solicitando
os planos.
A pesquisadora é conselheira do FUNDEB e solicitará à
presidente do conselho, em reunião ordinária, explicações sobre o
uso do recurso na promoção da carreira docente. No portal
eletrônico da cidade também é possível retirar informações
necessárias à pesquisa. Nesse caso, também não foi construído o
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1469

protocolo para retirar as informações dos documentos, mas, para a


construção do mesmo, alguns questionamentos deverão ser levados
em consideração, tais como: Os gastos com o recurso são, em sua
maioria, com a valorização docente? São oferecidos cursos
custeados com o recurso que propiciem o aprimoramento pessoal e
profissional? O recurso é destinado à melhoria de infraestrutura de
escolas, proporcionando melhores condições de trabalho?
De acordo com Flores (1994), para fazer a análise documental
dos objetivos específicos 1 e 3, faz-se necessário uma leitura
criteriosa do material selecionado, para evidenciar unidades de
significado. Após esse agrupamento serão necessários
reagrupamentos para identificação dos elementos internos e do
sentido e coerência de cada uma. Os materiais manipulados
passarão por análise criteriosa com o objetivo de produção de um
texto analítico apresentando os documentos recolhidos de um modo
transformado, assim como é proposto por Delgado e Gutiérres
(1995). Far-se-á também uma categorização, codificação e redução
dos dados para analisar seu conteúdo. Estabelecer categorias, ou
seja, classificação dos dados obtidos para a análise faz com que toda
a documentação fundamente os objetivos propostos, respondendo à
problemática proposta pela pesquisa, isto é, a valorização docente.
Gomes (2007, p.91) ressalta que “chegamos a uma interpretação
quando conseguimos realizar uma síntese entre as questões da
pesquisa, os resultados obtidos a partir da análise do material
coletado, as inferências realizadas e a perspectiva teórica adotada”.
Assim, os dados coletados passarão por análises, até obter as
respostas necessárias, já que “é um conjunto de técnicas de análise
das comunicações, visando a descrição do conteúdo das mensagens,
obter indicadores quantitativos ou não que permitam a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção
(variáveis inferidas) das mensagens (BARDIN, 1995).
Para analisar os dados do objetivo específico 2, é necessário
interpretá-los de maneira quantitativa, utilizando o método de
análise descritiva e de correlação. A correlação é uma medida da
1470 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

relação linear entre duas variáveis quantitativas, quanto à direção e


à intensidade (MOORE, 2005) e é medida pelo coeficiente de
Pearson (r). Ou seja, ao analisar o plano de carreira do município e
suas respectivas notas no IDEB, será possível identificar se há
correlação entre as mesmas ou não. Trata-se de uma análise
puramente quantitativa. Utilizando o Coeficiente de Correlação de
Pearson, quanto mais próximo de 1, mais forte é a relação entre tais
variáveis, e quanto mais próximo de 0, maior o indício de ausência
de qualquer relação entre as variáveis (BARBETTA, 2006).
Dessa forma, pode-se dizer que é na análise dos dados, seja de
abordagem qualitativa, seja de abordagem quantitativa, que serão
respondidas as questões propostas no desenvolvimento do trabalho
e no problema da pesquisa.

Apresentação, discussão dos resultados e conclusões

Trata-se de uma pesquisa em construção que ainda não


possui conclusões e está aberta a considerações que possam
contribuir com o trabalho.

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101

Violência escolar:
uma experiência no ensino de ciências

Beatriz Segantini França


Átila Souza Oliveira Bonfim
Rosemary Rodrigues de Oliveira

Introdução

Araújo (1999) ao falar do trabalho de Piaget (1932) afirma que


há dois tipos de respeito: o unilateral e o mútuo. O primeiro
apresenta um único sentido, daquele que respeita para aquele que é
respeitado, sendo associado ao sentimento de medo. Já o respeito
mútuo é bilateral e ambos os participantes recebem e dão respeito,
sendo originado a partir da cooperação e da reciprocidade. A
ausência de respeito mútuo têm implicações muito grandes,
principalmente frente a situações de conflito. Quando essas não são
trabalhadas ou são, mas de forma desrespeitosa entre os envolvidos,
pode ocorrer o fenômeno chamado violência, que pode ser definida
como “uma ação diretamente associada a uma pessoa ou a um
grupo, a qual interfere na integridade física, moral ou cultural de
uma pessoa ou de um grupo” (PRIOTTO; BONETI, 2009, p. 162).
Todo ato intencional que causa danos a terceiros através da força
física ou psíquica contra a vontade de quem o sofre é considerado
violência (FERREIRA; SCHRAMM, 2000 apud ANSER et. al., 2003).
Esse fenômeno é inerente à vida humana e está presente em
todas as sociedades, independente do período histórico, social e
econômico em que elas se encontram. A violência ocorre de diversas
1476 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

formas, como a violência doméstica, política, religiosa e simbólica,


assim como está presente em todos os âmbitos sociais, na rua, no
trânsito, na casa e na escola, e é praticada contra todos os tipos de
pessoas, criança, mulher, idoso, com deficiência, etc. (PRIOTTO;
BONETI, 2009).
A violência escolar é a modalidade de violência que ocorre
dentro do espaço físico da escola, durante o trajeto casa-escola e em
locais onde ocorram passeios e/ou festas escolares programadas. O
ambiente escolar, como dito, é permeado pela violência, o que nos
impele a compreender a violência no contexto escolar, não só por
suas implicações no processo de integração de crianças e
adolescentes à sociedade, mas pela íntima relação que apresenta
com o fracasso de objetivos mais amplos da escola, como educar,
ensinar e aprender. Frente ao exposto, o objetivo do presente
trabalho foi o de apresentar e analisar situações de violência
ocorridas durante aulas de Ciências em uma turma de 9º ano do
Ensino Fundamental, desenvolvidas por dois licenciandos de um
curso de Ciências Biológicas. Buscamos refletir sobre a intervenção
realizada lançando luzes nos acontecimentos violentos que
interrompem o processo de ensino-aprendizagem que ocorre dentro
da sala de aula, com a intenção de identificar se a forma de interação
entre os educandos e os licenciandos possibilitou o enfrentamento
dos conflitos.

Fundamentação teórica

Para Priotto e Bonetti (2009) a violência escolar consiste em


todos

[...] os atos ou ações de violência, comportamentos agressivos e


antissociais, incluindo conflitos interpessoais, danos ao
patrimônio, atos criminosos, marginalizações, discriminações,
dentre outros praticados por, e entre, a comunidade escolar
(alunos, professores, funcionários, familiares e estranhos à escola)
no ambiente escolar (p. 162).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1477

Charlot (2002), por sua vez, conceitua três tipos da violência


escolar: violência na escola, violência à escola e violência da escola.
O primeiro tipo ocorre dentro da escola, contudo, não está ligada a
mesma. A violência foi apenas realizada no espaço físico da
instituição, mas poderia ter ocorrido em qualquer outro espaço. Já a
violência à escola ocorre dentro da escola e está ligada a essa, uma
vez que visa ferir a integridade da instituição e aqueles que a
representam. Por fim, a violência da escola ocorre dentro da escola
e é realizada pela mesma de forma simbólica, através da forma como
a instituição trata os jovens que participam do ambiente escolar.
A respeito dessa violência simbólica, Souza (2012, p. 72)
afirma que “O poder simbólico seria como um poder invisível de
construção da realidade que tenta estabelecer uma ordem, isto é, um
sentido imediato do mundo”. Esse poder permite que quem o exerce
consiga o que deseja, da mesma forma que conseguiria utilizando a
força física ou econômica, através de sinais de poder, como
dominação, autoritarismo, marginalização e discriminação
(PRIOTTO; BONETI, 2009; RISTUM, 2010; ASSIS; MARRIEL, 2010
apud SOUZA, 2012). É importante ressaltar que essa violência da
escola não é, muitas vezes, reconhecida por aqueles que a praticam.
Alguns trabalhos mostram que os professores, ao falarem de
violência escolar, sempre apontam os alunos como vítimas ou
atores, contudo, os membros da instituição escolar não se
identificam como agressores. A violência psicológica praticada por
eles, como repressivas, é vista como medida educativa e
disciplinadora contra a violência e, dessa forma, não é violência
(SOUZA; RISTUM, 2005 apud SOUZA, 2012). Uma variável que
pode contribuir para a propagação dessa situação é a banalização da
violência praticada pelos professores (SPOSITO, 1998; FELDMAN,
1998 apud ABRAMOVAY; RUA, 2002).
Ademais, Charlot (2002) afirma que além de entendermos os
tipos de violência escolar é essencial, aos que se propõem trabalhar
com a temática, diferenciar a violência de transgressão e
1478 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

incivilidade. Segundo o autor, a violência consiste no


descumprimento da lei, por exemplo, roubo, tráfico de drogas e
extorsão. A transgressão consiste no comportamento que
descumpre o regulamento interno da escola, contudo, não é
necessariamente ilegal, como por exemplo, a não realização dos
trabalhos escolares. Por fim, a incivilidade não descumpre a lei e
nem o regimento interno, mas as normas de boa convivência, como
o uso de grosserias e de palavras ofensivas.
Quanto à percepção da violência pela comunidade escolar,
Abramovay e Rua (2002) ao entrevistarem alunos e diretores de
diversas escolas brasileiras acerca da violência escolar, apontam que
pequenos furtos são praticados, em sua maioria, por pessoas do
próprio ambiente escolar, dessa forma, os jovens aceitam essa situação
como natural e toda a comunidade escolar acaba diminuindo a
gravidade dessas ações. Na pesquisa supracitada alguns entrevistados
justificaram os furtos como comportamentos característicos da
adolescência, uma vez que há muitos registros de que os objetos
furtados voltam para seus donos, portanto, o furto é considerado
apenas uma “brincadeira”. As autoras afirmam que os objetos mais
comuns de furtos são materiais escolares como borracha, caneta e
estojo. Souza (2012) aponta em sua pesquisa sobre o tema, que o furto
não possui como objetivo a utilização do material furtado, destacando
que o ato ocorre apenas pelo prazer de causar prejuízo ao seu par.
É importante salientar que a violência escolar não é exclusiva
desse ambiente, muitas vezes ela é uma consequência de um
processo violento iniciado em relações sociais externas à escola,
como exclusão social, fatores socioeconômicos, falta de
oportunidade e influência da mídia (PRIOTTO; BONETI, 2009). A
literatura consultada revela que para que a escola comece a se livrar
da violência é necessária uma reforma política que valorize a
educação, bem como, um processo de mediação que desenvolva
alternativas para chegar a um acordo mutuamente aceitável
(CHRISPINO, 2007).
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1479

Procedimentos metodológicos

A metodologia utilizada se enquadra dentro da pesquisa


qualitativa, que segundo Lüdke e André (2007, p.5), é aquela em que
o “pesquisador mantém contato estreito e direto com a situação onde
os fenômenos ocorrem naturalmente, e estes são muito influenciados
por seu contexto”. Destacamos ainda como característica dessa
pesquisa os investigadores assumirem o posto de instrumento
principal, o processo ter recebido mais importância que os
resultados, ter havido preocupação com os significados atribuídos
pelos participantes às situações, ter sido descritiva e apresentado
enfoque indutivo na análise dos dados (BOGDAN; BILKEN, 1994).
Como instrumentos de coleta de dados utilizamos diário de
campo, bem como gravação em áudio e vídeo de todas as aulas e sua
posterior transcrição que, de acordo com Queiroz (1983), permitem
ao pesquisador refletir sobre sua experiência e aprofundar suas
observações.
A pesquisa foi desenvolvida em uma turma de 9º ano do
Ensino Fundamental de uma escola municipal do interior paulista,
com 19 alunos com idades entre 14 e 16 anos. Observamos,
inicialmente, no primeiro semestre de 2017, aulas de Ciências com
a professora titular da turma e, posteriormente, no segundo
semestre de 2017, desenvolvemos uma sequência didática com 12
aulas abordando princípios essenciais do movimento (aceleração,
velocidade e deslocamento) e das três leis de Newton, sendo a
análise desta sequência um dos pré-requisitos para aprovação nas
disciplinas de Estágio Supervisionado e Metodologia de Ensino de
um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas de uma
Universidade pública do interior paulista.

Resultados e discussão

Durante as aulas de observação e as de regência identificamos


muitos momentos de incivilidade. O uso de palavras ofensivas se
1480 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

mostrou frequente no cotidiano dos alunos participantes. As mais


utilizadas com seus pares foram: “animal” e “burro”. As palavras
“doente”, “vagabundo” e “idiota” apareceram apenas uma vez cada.
Também observamos que é muito comum o uso da expressão “cala
boca” para a repreensão entre os pares.
Essa incivilidade é observada apenas na direção aluno-aluno,
não foi identificada no sentido aluno-professor. Acreditamos que
isso ocorra devido a ideia entre os alunos de que há algumas pessoas
que merecem - ou devem - ser respeitadas e outras não. O recorte a
seguir, evidencia essa situação.

[...] E2¹: Não, mas tipo só o aluno tem que respeitar só o professor?
A17 e mais dois alunos não identificados: Não.
A7: Respeitar os amigos.
A19: Respeitar só os professor².
A15 e A19: Só o professor. Só o professor.
A7: Respeitar os coleguinhas.
A15 e A19: Só o professor. Só o professor.
A11: O coleguinha.
[...] E2: Mas vocês realmente acreditam nisso?
A19: No que?
E2: Em o aluno respeitar o aluno?
A19: Acha! Não aqui ó (A19 dá um soco no braço do A15).
A15: Vagabundo (risos).
E2: É exatamente esse o problema.
A19: É né.
A15: Ah não nois respeita sim.
E2: Ó vamos colocar, mas se o A19 batê em mim...
[...] E2: Em mim, no E1 ou na Professora vai fazer a mesma coisa
que fez no A15?
A19: Acha!
A15: Não, não, não.
Aluno não identificado: Você é louco?
A7: Não porque...
A19: Por isso que eu disse, respeito com os pro-fes-so-res.
[...] E2: Vocês falaram assim ó: respeito com outros alunos. Tá. Se
a gente colocar no contrato pedagógico isso e vocês assinarem,
vocês vão, de fato, respeitar os outros alunos?
A15: Tem que respeitar bobão.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1481

(Alguns alunos negaram ao movimentar a cabeça).


E2: Não? [...]

Observamos que alguns alunos apresentam a crença de que


eles devem respeitar apenas os professores, mas não seus pares.
Como dito anteriormente, o unilateral apresenta um único sentido,
daquele que respeita para aquele que é respeitado, geralmente
associado ao sentimento de medo. Algumas falas dos alunos
apresentam essa direção e sentido: o respeito deve ser dado do aluno
para o professor.
Outra incivilidade identificada foi a ausência de espaço para a
fala do outro, tanto dos alunos para com seus pares quanto para com
os professores. Para que uma relação dialógica ocorra no ambiente
educativo é necessário saber escutar. É possível identificar o sujeito
que sabe escutar quando o mesmo controla sua necessidade de falar,
pois quem tem o que dizer pode e deve fazê-lo, contudo, tem que
saber que não é o único ou a única que tem o que falar.

E1 (para A7): Você vai falar?


[...] (Várias conversas ao mesmo tempo).
A7: Agora eu posso falar?
(Conversa continuou).
A7: Célula é tipo um negócio...
(A11 gritou algo).
A7: ...Ah gente!
E2: Lembram do contrato pedagógico? Por favor!
A7: A célula é tipo a composição do tecido humano, dos órgãos...
Eu não sei como explicar.
(Aluno não identificado estava falando ao mesmo tempo).
A11: Ah vocês levam tudo na brincadeira.
[...] E2: Como a gente chama essa... Esse roubar a ideia do outro?
A19: Vigarista.
E2: Não, uma pessoa que...
A19: Invejosa?
A7: Deixa ela terminar de falar.
E2: Não. Como que é o nome quando uma pessoa copia a outra
ou...
A7: Plágio.
1482 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

E2: Plágio.
A7: Nossa vocês são muito burro, pelo amor de Deus.

No excerto acima, observamos algumas situações de ausência


da escuta por parte dos alunos durante as discussões que ocorreram
no Encontro 2. O Aluno 7 enfatiza que os outros alunos precisam
esperar que E2 termine de falar, contudo, o mesmo não espera a fala
terminar para também poder responder, sugerindo que apenas ele
tem algo para dizer e que todas as outras pessoas, alunos e
professores, devem escutá-lo. Essa ação de impor sua fala frente as
falas dos outros, sugere ainda uma atitude mais competitiva que
cooperativa, o que pode ter origem no ambiente com interações e
negociações impositivas em que os sujeitos foram criados e
recriados, buscando sempre mais “poder” que o outro. O grupo atua
como fator de influência nos alunos e alunas e estabelece um padrão
de atitudes, valores, opiniões e comportamentos com o qual cada
indivíduo pode se comparar. A nota de campo realizada durante o
estágio de observação aponta que esse comportamento já estava
presente antes da nossa regência.

Algo que chamou minha atenção é que eles não esperam os outros
terminarem de falar para começar. [...] Eles não respeitam a fala
do outro, parece que o importante é o que ele quer saber ou sabe.
(Nota de campo – grifos nossos)

Na maioria das observações, apenas a professora titular da


turma possuía direito à fala sistematizada durante as aulas, desse
modo acreditamos que ânsia de falar todos ao mesmo tempo, sem
dar ouvidos ao que os colegas dizem, pode ser um reflexo da
ausência sistemática de diálogo na sala de aula. Durante a sequência
didática tentamos realizar várias discussões, dando voz aos
estudantes, contudo tivemos muita dificuldade de mediação dessas
tentativas de discussão, não conseguindo, na maioria das vezes
sensibilizar os estudantes para a escuta da fala do outro.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1483

Além das incivilidades observadas, também identificamos


situações de violência, isto é, descumprimento da lei (ABRAMOVAY;
RUA 2002). Desde o período de observação, os alunos mostraram
atos de furtos e destruição do material escolar de seus colegas de
modo naturalizado como uma “brincadeira” adolescente, como pode
ser observada na nota de campo que segue.

Um aluno pediu para ir ao banheiro e quando voltou seu estojo


tinha sumido. A Professora pediu para que devolvessem, mas não
houve resposta. Ela aumentou o tom de voz e disse que iria contar
até 10 para que o estojo aparecesse. Ficou brava e disse que
chamaria a Vice-diretora para resolver, além de fazer um boletim
de ocorrência por roubo. Quando chegou no número três, a turma
estava em silêncio e tensa, então um aluno disse que estava com o
outro. Ficou um clima bem desagradável na sala, mas os alunos
pareciam encarar a situação como uma brincadeira que foi levada
a sério apenas pela professora. [...]. (Nota de campo – grifos
nossos)

Souza (2012) afirma que o furto no ambiente escolar não


possui, muitas vezes, como objetivo a utilização do objeto furtado,
ocorrendo apenas pelo prazer de causar prejuízo ao colega. Nos
furtos que observamos, os alunos costumavam esconder o material
do colega e esperar que esse o encontrasse ou os furtadores
acabavam destruindo a propriedade do outro. O sentimento que
permeava essas situações realmente parecia o de vingança associado
ao prazer em causar o prejuízo.

[...] (A18 estava cortando a capa de um caderno na mesa de outro


aluno).
E2: Esse caderno é de quem?
E1: Ó, A18 e A8, por favor!
E2: Coloca na mesa dele, por favor.
A18: Não, sumiu com o meu.
E2: Coloca na mesa, depois você resolve isso com ele, coloca na
mesa.
A11: A18!
E1: Vai, gente, vamos!
1484 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

(Alunos começam a conversar)


E2: Gente, por favor!
Alunos: Vai, larga esse caderno aí logo, A18. Vai logo! [...]

Abramovay e Rua (2002) ao pesquisar docentes evidenciam


que a formação ética dos alunos não pareceu ser o objetivo principal
dos sujeitos entrevistados, do mesmo modo, a partir da análise das
transcrições e das notas de campo evidenciamos que a professora
responsável pela turma, assim como nós, não nos detivemos sobre
esse objetivo. Todas as vezes que as incivilidades e violência
ocorreram, pouco foi feito para que os alunos refletissem sobre as
mesmas. As intervenções feitas foram sempre pedindo para que o
aluno parasse de destruir o patrimônio do outro ou que devolvesse
o material escondido. Ao voltarmos novamente o olhar sobre nosso
diário de campo percebemos que não pensamos em elementos
específicos do planejamento que pudessem contribuir para
melhorar o clima em sala de aula e facilitar o desenvolvimento das
atitudes desejadas. Os conteúdos atitudinais ficaram a cargo do
currículo oculto, de conteúdo implícito, geralmente inconsciente,
que acompanhou o ensino das matérias escolares (ZABALA, 1998).

[...] Ninguém faz nada a respeito dessa destruição do patrimônio


do outro e nós também não fizemos em 12 aulas. Os conteúdos
atitudinais são extremamente difíceis de serem ensinados e não é
com esse pouco tempo que tivemos que conseguiríamos mudar as
atitudes. [...].(Nota de campo – grifos nossos)

Inicialmente, acreditávamos que o uso de um contrato


pedagógico auxiliaria na formação ética dos participantes, uma vez
que queríamos proporcionar um ambiente democrático, o qual
instiga a participação ativa do aluno incentivando-o a cooperar e a
exercitar o respeito mútuo. O excerto a seguir mostra o momento
da discussão coletiva a respeito do contrato pedagógico.

E1: Vocês já fizeram contrato pedagógico?


Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1485

A19 (com sarcasmo): Ô, minha mãe fez ainda. (risos da turma)


Minha mãe fez.
[...] E1: Mas ai ó, vocês construíram ou vocês só assinaram? Leram,
concordaram e assinaram?
A15: Nós construiu.
A7: A gente só assinou. A gente só assinou. A gente só assinou.
E1: Só assinou?
Aluno não identificado: Na hora que a gente apareceu ai tava tudo
assinado.
(Risos)
E2: E vocês concordavam com tudo o que tinha lá?
A7: Eu não li.
E2: Ah tá. Isso é muito importante.
E1: Você assinou sem ler?
A7: O que o professor vai fazer de mal para nós? [...]

Observamos que os alunos não estavam inseridos em um


ambiente democrático, uma vez que as normas da boa convivência
já existentes na sala antes mesmo de nosso processo de regência,
foram impostas a eles, não houve a oportunidade de lê-las, refletir
sobre as mesmas, questioná-las, ou seja, sem possibilidade de co-
responsabilização na situação de convívio (SANDI, 2004).
No estágio de observação já tínhamos identificado situações
de violência escolar, e sabíamos da necessidade de trabalhar o
respeito para com os colegas, dessa forma, quando os alunos
trouxeram essa atitude para ser colocada no contrato tentamos
sensibilizá-los para a mesma. Contudo, como é possível observar no
excerto a seguir, não tivemos êxito e ao final tivemos que impor a
condição, pois os alunos se negaram a fazer menção no contrato
elaborado conosco do respeito aos pares.

[...] E2: Ó, agora, pessoal, a gente tá tentando construir juntos o


contrato, só que vocês tão falando coisas que, por exemplo...
A15: Vocês não vão cumprir.
E2: ...respeito com os outros alunos, se for pra colocar...
A17: Pode apagar sora³.
E2: Não, não é essa a intenção, pra tirar. É a questão de vocês vão
assinar um contrato então o mínimo que se espera é que vocês se
1486 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

esforcem um pouco para cumpri-lo. Porque a gente não tá vindo


aqui e impondo o contrato pra vocês, a gente tá fazendo junto isso.
[...] A19: Se nois num fosse fazer nois num tinha colocado isso na
lousa.
[...]
A19: Não, pode tirar o nome dos alunos ali ó (se referindo ao
respeito).
E2: Isso, não, a gente não vai tirar.
A19: Ah.

A literatura ainda traz que é possível que o contrato não seja


absorvido por todos prontamente, podendo haver resistências e
transgressões que o professor deve mediar solicitando a
participação de toda a turma para que o contrato não perca a sua
dimensão democrática (SANDI, 2004). Acreditamos que a principal
resistência frente a nosso contrato pedagógico foi a questão do
respeito, uma vez que esse item foi imposto por nós e sem
participação na elaboração das regras não há desenvolvimento de
senso de justiça. Novamente a mediação se mostrou uma grande
dificuldade em nossa regência, algumas vezes o contrato pedagógico
era mencionado durante as discussões ou outras atividades, como já
foi visto em alguns excertos supracitados, entretanto, era muito
pontual e não havia um diálogo para trabalhar a sensibilização a
respeito das ‘cláusulas’ colocadas.
A violência escolar identificada, tanto nas incivilidades quanto
nos furtos e destruição do patrimônio do outro, foi pouco trabalhada
durante nosso estágio de regência devido às dificuldades que
tivemos de desenvolver o trabalho com conteúdos atitudinais e
mediar essas situações. Pozo e Crespo (2009) ao se referirem ao
ensino de diferentes conteúdos em aulas de Ciências utilizam uma
metáfora que nos auxilia a compreender nossas dificuldades em
lidar com os processos de violência e/ou incivilidade vivenciados na
intervenção. Os autores referem que os conteúdos conceituais, por
exemplo, possuem uma “natureza sólida” visto que são facilmente
perceptíveis, o que possibilita ao professor sequenciá-los e avaliá-los
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1487

com maior facilidade. Já os conteúdos atitudinais, para esses


autores, possui “natureza gasosa”. São conteúdos “difusos e
fugidios”. Assim como os gases, as atitudes ocupam todos os
espaços, são onipresentes, mas são inapreensíveis pelo currículo ou,
nas palavras dos autores, “filtram-se por todas as fendas do
currículo” (p.31).
Acreditamos então que o trabalho com atitudes deve se dar de
modo diferente do trabalho com conceitos. O ensino de atitudes,
normas e valores exige longo prazo, desejo efetivo e consciência dos
objetivos educacionais por parte do professor, exige o
reconhecimento das dimensões comportamentais, cognitivas e
afetivas, ou seja, a aprendizagem de conteúdos dessa natureza não
se dará através de procedimentos coercitivos. A esse respeito Pozo
(1996) citado por Pozo e Crespo (2009, p. 33) destaca:

Embora seja possível ensinar e aprender a dimensão cognitiva das


atitudes e normas [...] aceita-las afetiva e comportamentalmente,
transformá-las em valores e atitudes propriamente ditos requer
mecanismos de aprendizagem específicos.

Até o presente momento, discutimos apenas a violência entre


alunos, contudo, observamos muitos momentos de violência da
escola, isto é, violência na forma como a instituição trata os jovens
que participam do ambiente escolar. Esse tipo de violência ocorre
através de símbolos e sinais de poder, como autoritarismo,
marginalização e discriminação (RISTUM, 2010; ASSIS; MARRIEL,
2010 apud SOUZA, 2012; PRIOTTO; BONETI, 2009). Podemos
observar no excerto abaixo que a violência praticada pela escola é
vista como uma medida educativa.

A volta dos alunos do recreio demorou uns 5 minutos após o toque


do sinal. Um aluno entrou imitando a Vice-Diretora e dizendo,
aparentemente chateado, que não era um cachorro para ela ficar
falando com ele daquele modo. A conduta dessa funcionária vem
me assustando desde o primeiro dia em que entrei em contato com
a escola, ela não conversa com os alunos, apenas grita. [...] Não
1488 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

acredito que esse modo é adequado para conversar com as pessoas,


sejam elas alunos ou não. A Vive-Diretora parece acreditar que é
com violência que se conseguirá o respeito dos alunos ou eliminará
o que acredita ser indisciplina [...]. (Nota de campo – grifos nossos)

Além da violência praticada pela gestão escolar, uma variável


que pode contribuir para a propagação da violência da escola é a
banalização de atos violentos por parte dos professores (SPOSITO,
1998; FELDMAN, 1998 apud ABRAMOVAY; RUA, 2002).
Observamos que os professores e funcionários não se veem como
autores da agressão e quando presenciam a violência entre os
alunos, a ignora, perpetuando essa cultura. O trecho a seguir
representa uma dessas situações de banalização.

Houve um conflito entre uma menina e um menino. Este estava


chutando a cadeira da frente, a garota não estava gostando e
chamou a Professora, afirmando que se ele não parasse de chutar
sua cadeira, ela iria bater no rosto dele. Não houve respostas por
parte da professora, o que acredito não ter sido uma boa atitude,
uma vez que apenas ignorou a violência. (Nota de campo – grifos
nossos)

Pozo e Crespo (2009) evidenciam que a aprendizagem e a


mudança de atitudes no ensino se dão por diversos processos e
ressaltam a imitação. Os alunos tendem a imitar modelos, nas
palavras dos autores: “Quando uma criança imita uma conduta
violenta a que foi exposta [... ] copia [...] a tendência a resolver os
conflitos agredindo aqueles que se opõem a seus propósitos”. (p.33)
Esse aprendizado por imitação é mais implícito que explícito
e, os atores escolares não percebem esse aprendizado ocorrer, é
necessário que tomemos consciência não apenas das atitudes que
desejamos para nossos alunos, mas principalmente, daquelas
atitudes que expressamos em nossas condutas.
Ao analisarmos nossa intervenção na escola pudemos
perceber que, da mesma maneira que a professora regente e a
gestão escolar, infelizmente, ficamos presos aos conteúdos factuais
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1489

e conceituais e não abrimos espaços para a discussão e sensibilização


dos estudantes, nem para a nossa própria sensibilização a respeito
de conteúdo atitudinais. Não nos sentimos livres e nem aptos para
abordar os conteúdos atitudinais, que, nessa situação reportada, se
mostraram mais necessários do que os outros. Acreditamos que isso
tenha ocorrido devido ao fato de que em nossa formação inicial de
professores de Ciências Biológicas, os conteúdos factuais,
conceituais e procedimentais tenham sido explicitamente
trabalhados em diferentes disciplinas do curso, enquanto os
atitudinais não, representando para nós um grande desafio, na
medida em que a tipologia de conteúdos atitudinais está articulada
ao fazer, conhecer, conviver e ser.
As atitudes são desenvolvidas quando se pensa, sente e atua
de certa forma frente a um objeto concreto alvo de tal atitude; as
normas são assimiladas quando, refletida ou irrefletidamente,
seguem-se as regras estabelecidas em determinado contexto ou
grupo social, e não enxergamos o preparo para esse trabalho em
nossa formação.
Além disso, muitas vezes nos sentimos inibidos pela presença
da professora regente em trabalhar os conhecimentos diferentes
daqueles que ela nos incumbiu. A professora nos cedeu 12 aulas para
desenvolvimento de um conjunto de conteúdos conceituais pré-
determinado por ela. Sentimos-nos como se houvesse um contrato
limitado que não pudesse ser 'quebrado'. Hernandes e Hernandes
(2007) ao se referirem à presença do estagiário na escola ressaltam
que o mesmo se sente em um 'não lugar', visto que o
estagiário/licenciando não é aluno, professor ou funcionário. Não
faze parte da comunidade escolar. É visto muitas vezes como
intruso. Talvez, por esse motivo, não nos sentido confortáveis de
abordar conteúdos atitudinais, conteúdos de natureza diferente
daqueles que a professora nos mandou trabalhar em sala de aula,
quando os mesmos se mostraram necessários.
O estágio supervisionado foi o momento em nós, acadêmicos,
nos deparamos com a imprevisibilidade da escola, da dinâmica da
1490 | Pesquisa, Ensino & Processos Formativos

realidade escolar, tendo uma amostra de algumas das dificuldades


reais de ser professor. Foi um período de divergências, pois muitas
vezes a teoria vivenciada nas carteiras da universidade não
comportou os acontecimentos cotidianos das escolas dos quais nós,
licenciandos, não tivemos controle. O que nos deixou frustrados na
medida em que não conseguimos manejar nossa atuação da forma
esperada.
Por outro lado, a partir das nossas ações e resultados
“problemáticos” nos propusemos diversos questionamentos, dando
os primeiros passos para a prática reflexiva, indo ao encontro do
descrito por Perrenoud (2002, p. 197) quando afirma que “uma
sensação de fracasso, de impotência, de desconforto ou de sofrimento
[...] provoca uma reflexão espontânea em todos os seres humanos,
acontecendo o mesmo com o profissional”.

Conclusão

Durante o estágio de regência nossas intervenções em


situações de incivilidade e violência se limitaram sempre ao pedido
para que os alunos parassem de destruir/esconder o patrimônio do
outro. Dessa forma, muitas oportunidades de abordagem dos
conteúdos atitudinais foram perdidas, o que acreditamos ter sido
um erro grave porque, frente a situações de conflito no ambiente
escolar, a mediação se faz extremamente necessária para que os
alunos cheguem a um acordo mutuamente aceitável.
Embora como professores em formação, tenhamos
consciência de que as atitudes são desenvolvidas quando o sujeito
pensa, sente e atua de certa forma frente a um objeto concreto alvo
de tal atitude, e que normas são assimiladas quando, refletida ou
irrefletidamente, seguem-se as regras estabelecidas em
determinado contexto ou grupo social, ficamos presos aos conteúdos
factuais e conceituais não abrindo espaço para a discussão e
sensibilização dos conteúdos atitudinais, mesmo esses últimos tendo
se mostrado bastante necessários.
Harryson Junio Lessa Gonçalves; Ana Paula Leivar Brancaleoni (Orgs.) | 1491

Advogamos a necessidade de um processo de formação inicial


que possibilite ao licenciando, futuro professor, lançar mão de
estratégias pedagógicas que o auxiliem na gestão de
relacionamentos em sala de aula, oportunizando um preparo
pedagógico para mobilização dessa tipologia de conteúdos, visto que
essa tipologia não está explícita nos conteúdos programáticos das
disciplinas escolares.
Frente ao exposto, finalizamos esse texto acreditando que são
necessários estudos sobre como ocorre o ensino de conteúdos
atitudinais na formação inicial do professor de Ciência Biológicas,
buscando a compreensão dos docentes universitários acerca do
ensino dos conteúdos atitudinais.

NOTAS
¹ Os sujeitos estão identificados por: E1 e E2 – licenciandos; A1, A2, A3 (e assim
respectivamente), os alunos.
² Na transcrição foi mantida a fala original dos estudantes, respeitando-se os erros
de concordância e a linguagem coloquial adotada pelos mesmos.
³ A expressão “sora” utilizada pelo A17 foi uma abreviatura do substantivo
professora.

Referências

ABRAMOVAY, M.; RUA, M. das G. Violência nas escolas. Brasília: UNESCO,


2002.

ANSER; M. A. C. I.; JOLY, M. C. R. A.; VENDRAMINI, C. M. M. Avaliação do


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