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Mauro Cappelletti **
SUMÁRIO: 1. Origens históricas dos modernos sistemas processuais europeus continentais (civil law
procedure). 2. Analogias entre o sistema processual anglo-saxão (common Law procedure) e o sistema
processual romano clássico, e diferenças entre este sistema e aquele dos Estados europeus
continentais. 3. Processo pós-clássico e justiniano e processo continental moderno. 4. Formação e
características do processo ítalo-canônico e comum. 5. O processo comum "sumário" e as leis
particulares das livres Comunas cidadãs, dos príncipes e das monarquias. 6. A Revolução Francesa e a
codificação napoleônica; parcial retorno às idéias do processo romano puro nos Códigos alemão e
austríaco, em vigor em 1879 e 1898, respectivamente. 7. O Código de Processo Civil italiano de 1865 e
o sistema probatório. 8. Do Código de Processo Civil de 1865 ao de 1942; a "Novela" de 1950. 9.
Normas processuais na Constituição de 1948 e em outras leis especiais; conclusão sobre a
contraposição "civil law" - "common law". ***
1.
Por outro lado, embora à primeira vista possa parecer paradoxal, pode-se
até dizer que as afinidades com o processo romano clássico encontram-
se mais no ordenamento dos países de common law do que nos países
da Europa continental e, em geral, do que nos países de civil law (dentre
os quais vão inseridos, por exemplo, todos os países da América Latina).
Isso é verdadeiro sobretudo até às codificações européias modernas, as
quais, sob alguns aspectos importantes, representaram, como se verá
(infra, nº. 6), um retorno parcial, e muitas vezes consciente, ao modelo
romano clássico e um abandono do sistema medieval que durou até
tempos bastante próximos.
2.
A propósito, é importante e sintomático observar que o discovery by
interrogatories anglo-saxão conservou uma função bem mais similar
àquela originária da interrogatio in iure do que o instituto italiano do
interrogatório formal (CPC, arts. 228-232), ou do que o análogo instituto
francês do interrogatoire sur faits et articles (abolido pela Lei de 1942,
convalidada em 1945), ambos derivados, como
os interrogatories ingleses e americanos, do instituto romano pelo trâmite
da interrogatio per positiones 11. Na verdade, a função da interrogatio in
iure não era propriamente probatória, ou seja, destinada a formar o
convencimento (livre ou vinculado à lei) do juiz sobre os fatos
controversos entre as partes e que, portanto, exigiam prova. Com efeito,
tal função era antes a de permitir ao autor que bem propusesse a própria
ação 12 e que bem formulasse e delimitasse as issues. Por causa (ou
também por causa) da relativização da distinção entre uma issue-making
stage e uma fase de debates, o instituto aqui em exame foi assumindo já
no processo justiniano 13 - e ainda mais decisivamente após, no processo
canônico e comum, no processo moderno francês e, sobretudo, no
italiano - uma função probatória 14.
A importância desse método de exame reside, antes de mais nada, na
ausência de pesadas formalidades. Esse sistema, já no processo
romano, atendia perfeitamente aos cânones que os mais modernos
estudos sobre a psicologia do testemunho demonstram ser úteis ao fim
de obter o máximo de rendimento do testemunho de terceiros e das
partes 19. O caráter livre e não formalizado dos interrogatórios
realizados in open court, ou seja, na imediatidade da relação entre órgão
decisor, testemunhas e partes, bem como a plena liberdade do juiz na
valoração dos resultados daquelas interrogações, com o poder, portanto,
de ter em conta cada sintoma e indício que acompanhassem as
perguntas ou as respostas (contradições, reticências, embaraços do
sujeito interrogado etc.), tudo isso mostra quão mais próximo o método
romano estava da examination e cross-examination at the trial das Cortes
anglo-saxãs do que da estrutura escrita e formalística e da valoração
predeterminada e "numérica" (nullus testis in re sua intelligitur; testis unus
testis nullus; in ore duorum vel trium stat veritas etc. 20) da prova
testemunhal do processo canônico e comum.
3.
4.
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DOUTRINA ESTRANGEIRA
Um sistema antiquado? Certamente, aos olhos do moderno. Mas um
sistema profundamente inovador e "moderno" aos olhos do jurista do
século XII e XIII. Fato é que a força e o acaso, o duelo e os juízos de
Deus, eram enfim substituídos por elementos bem mais racionais e
humanos: o número das testemunhas, a sua condição social, o sexo, a
idade, a condição econômica, a fé religiosa, a honorabilidade e assim por
diante 61. Pelas concepções daquele tempo 62, não era sem razão
acreditar mais no nobre do que no vilão, "pues parece que guardara más
de caer en vergüenza por sí, y por su linaje"; nem irracional acreditar
mais no rico do que no pobre, "pues el pobre puede mentir por codicia o
por promesa"; nem era de todo irracional preferir ao testemunho dos
jovens o dos anciãos, "porque vieron más e pasaron más las cosas"; nem
creio, enfim, que muitos jurariam sobre a ilogicidade de preferir ao
testemunho feminino o do varão, "porque tiene el seso [o intelecto] más
cierto y más firme". A irracionalidade consistia, isto sim, no tornar fixos e
vinculantes esses critérios de valoração, apoiados sobre máximas de
expe riência em si e por si não privadas de uma validade, ao menos
segundo a sociedade daquele tempo 63: em suma, no subtrai-los da
valoração a ser feita livremente e caso a caso pelo juiz. Mas também
essa irracionalidade vai considerada historicamente. De um lado, a
mentalidade da época era, ainda mais do que a dos modernos, abstrata
apriorístico-dedutiva. Era a época da filosofia aristotélico-escolástica, a
idade e digamos até a grande época de To más deAquino. De outro lado,
também os juízes eram homens de seu tempo, aqueles mesm oshomens
que, até então, tinham tido confiança na justiça dos ordálios. Como teria
sidopossível dizer, inopinadamente, a esses homens, como diziam os
juristas da época romana clássica e como tornam a dizer os juristas e as
leis modernas, que as provas devem ser avaliadas segundo a sua
qualidade e não segundo o seu número, e que aquela qualidade depende
de mil razões, freqüentemente imprevisíveis e bem mais complexas do
que o sexo, ou a fé, ou a idade, ou a condição social? Tenha-se presente
que, já no direito pós-clássico e bizantino, a progressiva desvalorização
da prova testemunhal e o ingresso das primeiras exclusionary rules é um
fenômeno devido a razões de decadência cultural e dos costu mes,
devido em suma à transformação da concepção dos valores da vida, e
vai considerada, por isso, como uma barreira contra as injustiças e
abusos por parte dos próprios juízes, das partes e dos terceiros 64. Como
pretender de homens, quiçá ainda habituados à lembrança do método do
duelo, que aplicasse os critérios da observação direta e da crítica
experimental e psicológica ao conhecimento dos fatos e à apreciação das
provas?
E isso que é dito para o método das provas, que em realidade é elemento
cardeal e determinante de todo sistema processual, vale igualmente para
as outras características fundamentais do processo ítalo-canônico e
comum. 66 Pense-se, por exemplo, no pesado formalismo do
procedimento e, em particular, no formalismo dos atos processuais. Tudo
devia resultar por escrito; tudo devia figurar nos atos (escritos). O juiz não
podia levar em conta no seu juízo senão aquilo que os atos escritos lhe
representassem: quod non est in actis non est de hoc mundo! Nenhuma
relação direta verdadeira, portanto, entre juiz e partes, entre juiz e
testemunhas, e talvez nem ao menos entre juiz e defensores. A escrita
era a muralha que separava o juiz dos outros sujeitos do processo. O
próprio testemunho, quando não era procedido diretamente por escrito,
devia ser colhido ("verbalizado") por escrito e sem a presença das partes,
pela pessoa expressamente designada para isso, ou seja,
pelo actuarius(ou notarius ou protonotarius ou cancellarius); nunca pelo
juiz 67, nem, tanto menos, em audiência "pública" 68. Nem mesmo as
inspeções eram executadas diretamente pelo juiz. E nenhuma garantia
havia que assegurasse a imutabilidade do juiz durante todo o curso do
processo.
5.
6.
Com efeito, se não também em cada instituto, com certeza ao menos nos
princípios o Código alemão e, depois, o austríaco significaram um retorno
para algumas idéias fundamentais, que já haviam sido próprias do
processo civil romano clássico: um retorno certamente parcial, mas,
todavia, bem mais acentuado do que aquele que foi realizado no início do
século passado na França e, em seguida, na esteira da codificação
napoleônica, e em qualquer outro país neolatino 84, dentre os quais a
Itália 85.
7.
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O PROCESSO CIVIL ITALIANO NO QUADRO DA CONTRAPOSIÇÃO "CIVIL LAW" - "COMMON LAW"...
8.
O Código de 1965 entrou em vigor em um período que, sobre o plano
ideológico, era caracterizado por um liberalismo acentuadamente
individualístico. Por isso é natural que essa ideologia dominante se
refletisse nas leis da época, para além da própria doutrina e praxe dos
tribunais 90. Como no Código francês, e diversamente do que no Código
austríaco de 1898, os poderes do juiz no processo civil italiano, regulado
pelo Código de 65, eram então extremamente limitados 91.
Talvez a idéia mais importante que foi elaborada por essa doutrina foi
aquela do caráter público do processo civil e da autonomia da ação em
relação ao direito substancial, do qual é pedida a tutela, mediante a ação.
Naturalmente não é uma idéia que possa s era profundada nestas
páginas. Por mais que escreva, sabe-se bem que se trata de uma idéia
que pode encontrar o ceticismo de grande parte dos juristas do mundo
anglo-americano. Todavia, provavelmente esse ceticismo atenuar-se-á se
tiverem presente que no processo civil italiano, francês e também alemão
do século passado - mas, mais além ainda, sobretudo, no processo
"comum" - estavam os defeitos mais salientes.
Não era assim, contudo, no direito processual romano puro. Neste, a livre
vontade das partes era plenamente respeitada pelo juiz (id
est, pelo praetor e pelo iudex), ao passo que determinavam as partes
livremente a matéria do pleito judicial, ou seja, o objeto do processo.
Porém, quanto à direção formal do procedimento, essa era confiada ao
órgão judicante 94, cujo papel em absoluto era puramente passivo.
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Ela significa, sim, que apenas um dos três membros do órgão judicante
tem um conhecimento direto da causa e, principalmente, das provas
produzidas no processo, enquanto os outros dois membros, para além do
relato oral do juiz-instrutor, podem auferir apenas um conhecimento
indireto, mediante os escritos e as "atas" da causa 111. Não há dúvida,
todavia, de que esse sistema é melhor pelo menos do que aquele que se
tinha na Itália antes de 1942, quando podia acontecer que nenhum dos
membros do colégio judicante tivesse um conhecimento direto da causa e
das provas! Um outro melhoramento foi introduzido, por exemplo, com a
distinção entre questões que o juiz deve decidir com sentença, antes ou
depois apelável e - se não recorrida no prazo - suscetível de passar em
julgado, ou seja, de tornar-se definitivamente vinculante; e questões que,
concernindo apenas ao desenvolvimento formal do procedimento, são
resolvidas com despacho, portanto, com um provimento não apelável e,
por isso, nunca definitivamente vinculante, dado que não pode nunca
passar em julgado e pode, a qualquer tempo, ser modificado ou revogado
pelo juiz 112.
Não obstante esses e outros méritos do novo Código, os seus inegáveis
defeitos acabaram bem cedo por emergirem. Muito se falou de uma
verdadeira e própria falência daquela Lei, e se chegou ao ponto de rogar-
se a sua completa ab-rogação e um antihistórico retorno ao Código
precedente. No entanto, por uma estranha e humanamente
compreensível deturpação dos fatos, muitos, em especial os advogados,
acabaram por atribuir ao Código também a causa daqueles infortúnios
que dependiam ao menos em grande parte das desastrosas
circunstâncias políticas, sociais, econômicas da Guerr a e do imediato
pós-guerra. E não faltaram até mesmo juristas que, em vez de ver a
deficiência do Código na ausência de realização, ou pelo menos na
insuficiente realização, da oralidade e de seus princípios coligados,
atribuíram absurdamente à própria oralidade a culpa de cada defeito,
invocando o retorno ao sistema, em realidade nunca verdadeiramente
abandonado, da escrita!...