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Chega essa culpa pra lá

Culpa. Esta é uma palavra que tenho ouvido demais na boca das mulheres. E incerteza. . .
Estamos, em bloco, culpadas. De quê? Culpadas estão quase todas as que trabalham. Porque
não estão em casa, onde sempre lhes disseram que deveriam estar. Porque não estão coladas
nos filhos. Porque não estão à disposição dos maridos. Porque, cumprindo a sua vida, não se
sentem cumprindo à perfeição aquelas que são consideradas suas atribuições primordiais. Mas
culpadas estão também as que, em casa, ao lado dos filhos e cuidando das camisas dos
maridos, se perguntam se não estariam deixando de preencher um destino maior. O seu voo
individual. E culpadas nos sentimos todas se a nossa resposta sexual não é completa. Assim
como uma vaga culpa nos rói ao lado do parceiro sexual insatisfatório, por não estarmos
procurando outro. Culpa menor, porém, do que aquela que nos ataca impiedosa, se afinal o
procuramos.

E em culpa, aflitas, nos perguntamos, será que estou fazendo bem? Mas o que seria, meu
Deus, fazer bem? Olho a mulher ao lado. Que me olha. De frente ou enviesadas, em infindável
cadeia, nos olhamos todas, mulheres, procurando uma na outra a possibilidade do acerto, a
solução alcançada. E todas, cada uma no seu canto de vida, nos achamos individualmente
responsáveis, se não pelo erro, pela sensação de erro. Pois além de todas as culpas, sofremos
também a de nos sentirmos culpadas de, apesar dos esforços, não alcançar a serenidade. Mas
hoje, para a vizinha que me olha, para a mulher que me lê, quero ter uma resposta. Não de
acerto. Mas de caminho. Hoje quero dizer, alto e bom som, que não, que não somos culpadas.
Seja do que for. Quero puxar o cordão das inocentes.

Digo logo: somos mutantes, mulheres em transição. Como nós, não houve outras antes. E as
que vierem depois serão diferentes. Tivemos a coragem de começar um processo de mudança.
E porque ainda está em curso, estamos tendo que ter a coragem de pagar por ele. Que não
seja porém individualmente, em tantos sofrimentos calados. E sim em grupo, aos brados,
como classe que reclama seus direitos, e cobra das outras classes aquilo que lhe faz falta.

Saímos de um estado que, embora insatisfatório, embora esmagador, estava estruturado


sobre certezas. Isso foi ontem. Até então ninguém duvidava do seu papel. Nem homens, nem
muito menos mulheres. Jamais passou pela cabeça da minha avó a suspeita de que poderia ter
sido profissional tão brilhante quanto meu avô, e gostado disso. Era boa dona-de-casa, e
quando nos jantares o marido baixava de leve a cabeça aprovando a comida, ela se
considerava satisfeita. Tinha, na aprovação dele, a aprovação do mundo. E se o molho dava
certo era sinal de que tudo estava nos seus devidos lugares. Mas essa certeza nós a
quebramos, para podermos sair do cercado. Não fomos tão atiradas a ponto de quebrar tudo,
sem ter o que botar no lugar. Nós tínhamos, temos, uma nova certeza. Mais plena e bonita.
Mas a substituição leva tempo.

A certeza a que renunciamos estava solidificada através de séculos, protegida por


argumentações convincentes, que lançavam mão da natureza, do instinto, das vontades
divinas, da missão fundamental.
Se o ventre inchava, então não havia dúvidas, existíamos para ser mães. Se a musculatura era
menor, então não havia dúvida, a natureza nos havia destinado a ser mais fracas. E se éramos
mais fracas, então não havia dúvida, o homem devia tomar conta de nós. E tomar conta, nós
sabemos o que significa. Se dúvidas havia, foram devidamente sufocadas. Até chegar em nós.
As viradoras de mesa. Agora lá está a mesa virada, a louça toda no chão. Mas percebemos que,
enquanto duas pernas estão pro alto, as outras duas teimam em ficar cravadas no chão,
recusando o equilíbrio. São, de alguma maneira, as correspondentes das nossas raízes. Sim,
nossa nova verdade é muito bonita. Achamos que existimos não só para ser mães, como para
muitas outras coisas mais. Achamos que a cabeça, e não a musculatura, determina a força. E
que, com a cabeça que temos, não precisamos de ninguém tomando conta da gente.

Temos certeza disso? Temos. Mas a certeza maior, aquela que tranqüiliza, é feita também de
vivência. E essa não temos. Tudo começou tão ontem, que de fato ainda está começando. Se
olharmos para a frente, veremos apenas umas poucas pioneiras antes de nós. E se olharmos
para trás veremos uma grande multidão que somente agora começa a acordar. A mudança não
se fez. Está se fazendo. E, no "durante" do processo, impossível ter as respostas e as soluções
já computadas.

No Canadá, num instituto ligado à educação, ocorria uma importantíssima reunião. Uma amiga
minha, Rosiska Darcy de Oliveira, autora de Mulher, sexo no feminino, estava lá. Foi ela que
me contou. De repente, no acarpetado silêncio em que se tomam as grandes decisões,
explodiu alto, inesperado, o choro de um bebê. Espanto. Levantam-se os componentes da
mesa. Levantam-se as secretárias. Viram a cabeça as telefonistas. Naquele lugar, por tão
improvável, o choro causava espanto. E foram todos procurar a fonte de tanto estrépito. Fonte
que logo foi encontrada, bebê rechonchudo, deitado em seu moisés, ao lado de uma
funcionária.

O diálogo que se seguiu eu não ouvi, mas posso imaginar.

— Dona Fulana — deve ter perguntado indignada alguma chefe —,

o que significa isso?

— Isso significa um bebê. Meu filho.

— Mas o que ele está fazendo aqui?

— Está chorando, como a senhora pode ver.

E por que chorava ali o filho da funcionária? Porque tinha dor de ouvido. E ela, a mãe, não
podia deixar o filho doente na creche. Não tinha com quem deixar em casa. Não tinha com
quem deixar fora de casa. Não tinha direito de faltar ao trabalho por doença de filho. Então
tinha resolvido o problema da única maneira possível, trazendo o filho para o escritório.

A funcionária canadense era uma mutante, e tinha achado uma solução mutante para o seu
problema. Como agiria a maioria das outras mulheres em situação semelhante? Telefonando
para uma amiga e pedindo para tomar conta do bebê. Levando o bebê para a casa da vizinha e
até pagando para ela ficar com a criança. Faltando ao trabalho e sendo descontada por isso.
Ou seja, todas soluções individuais que, de uma forma ou de outra, a deixariam em culpa.

É a isso que me refiro quando digo que não temos vivência da nossa nova posição, ou da
posição que estamos buscando. Porque, colocadas diante de situações novas, tentamos
resolvê-las à velha maneira. Não por falta de imaginação. Mas pela força da formação.
Educadas dentro dos antigos moldes, fomos por eles colocadas numa direção. É de pequenino
que se torce o pepino. E quando o pepino, já grande, resolveu tomar seus próprios rumos, viu
que pelo. menos uma parte do feitio estava determinada. E era difícil fugir dele.

Penso em nós, mulheres, e nos vejo como um bando de sereias, ou centauros, seres estranhos
formados de duas metades absolutamente díspares, que lutam para chegar a uma convivência
pacífica, para juntar suas duas metades. Sem que ninguém nos ajude nesse esforço. Muito
pelo contrário. Muito pelo contrário. O mundo ao nosso redor não virou mesa nenhuma. A
mesa estava posta por ele, e bem posta. Quem virou a mesa fomos nós, à sua revelia. E agora,
com certa candura, esperamos que nos compreenda e nos ajude a completar o gesto. Nem
pensar. O grosso do trabalho teremos que fazê-lo sozinhas. O mundo, por enquanto, embora
sob disfarces de bonomia, ainda está tentando nos trazer "de volta à razão". Sussurra palavras
amáveis, diz ao pé do nosso ouvido: "Está vendo só, olha no que deu teu gesto. Você está
assustada. Amedrontada. Você não está feliz. Melhor como estava antes, quando, pelo menos,
outros eram os responsáveis". E muitas vezes, perplexas, confusas, quase acreditamos, sem
encontrar em nós as palavras para responder.

Sim, muitas de nós não estão felizes. Mas infelizes já éramos antes. Infelizes
institucionalizadas, e sem muito direito a choro. Agora pelo menos, entre uma crise de culpa e
outra, entre um momento de insegurança e outro, temos uma esperança pela frente. Mas as
coisas tendem a melhorar. Ontem ainda os homens todos, em massa, faziam parede contra
nós. Eles ainda brandiam suas certezas. E com elas nos ameaçavam. Hoje já se percebem
nítidas brechas nessa parede. E as certezas parecem menos veementemente agitadas. Aos
poucos alguns homens saem da massa e vêm conversar conosco. Alguns se juntam a nós,
trabalham ao nosso lado. E parecem afinal perceber que não há nosso ou vosso lado, há um
lado comum.

Alguns. Não todos. A maioria o que faz? Nos proíbe de trabalhar, nos cobra, nos humilha, nos
despreza, quando não nos assassina. A maioria diz: mulher minha não precisa trabalhar na rua.
E o "não precisa" significa "não pode". A maioria diz que a gente quer trabalhar para
abandonar os filhos, para se exibir para os outros homens. A maioria diz que nossos salários
são ridículos, que nossas capacidades são diminutas, e que só nosso assanhamento é imenso.
A maioria diz não a nossos desejos de realização, porque a realização de uma mulher está no
lar. E por que os ouvimos? Por que obedecemos? Por que deixamos que minem nossa
segurança? Porque conversamos mais com nosso marido do que com outras mulheres. Porque
sempre vivemos o homem como pai, dador de ordens. Porque em muitíssimos casos
dependemos dele economicamente, socialmente. Porque temos medo que nos tome os filhos.
Porque, sobretudo, ainda não crescemos o suficiente para recusar frontalmente o que ele diz.
A moça do Canadá tinha uma creche. Não podia deixar lá o filho doente, mas a creche existe.
As moças da Suécia têm padrões sexuais definidos. A liberdade já se estabeleceu, fez seus
limites. Essas são condições bem melhores do que as nossas. Condições que revelam um
avanço na mutação. Nós estamos ainda no limbo. E isso aumenta nosso mal-estar. A mãe
brasileira não tem onde deixar o filho pequeno para ir trabalhar. Só as muito ricas. As outras
não têm alternativa. São obrigadas a recorrer a soluções precárias, que não solucionam nada,
que apenas remendam. Nem a situação melhora quando a criança cresce, já que os horários
escolares são breves, deixando a criança a descoberto na metade do dia. No Brasil a criança
ainda é um problema exclusivo da mãe.

A moça brasileira não tem mais padrões sexuais. Estes variam de acordo com a cidade, o
bairro, a família, os amigos, a moda. E ela pode se ver pressionada ao mesmo tempo por
modelos antigos e tradicionais, geralmente vindos da família, e pelo liberalismo total do novo
ambiente que escolheu. No Brasil a conduta sexual parece não decorrer de um acordo social,
mas depender exclusivamente da mulher.

As mulheres do canadá e da suécia, assim como de tantos outros países, têm máquinas de
lavar roupa, roupas que não se passam, famílias que só fazem uma refeição completa por dia,
hábito de comer enlatados, filhos e maridos que partilham as tarefas domésticas.

A mulher brasileira não tem implementos, tem familiares ociosos e exigentes, todas as roupas
para passar, tem que prover as três refeições diárias. Algumas, para compensar, têm
empregadas domésticas. Mas o lar é de sua exclusiva responsabilidade. E exige-se que
funcione à perfeição.

Procurando a nossa individualização, deveríamos portanto somar ao trabalho na rua (e o


esforço profissional que tem que ser colocado para ‘provar” nossa capacidade): atividade de
mãe perfeita, atuação de dona-de-casa exemplar, segurança e excelência no leito. E pensamos
poder fazer isso tudo sem fraquejar, sem cansar, sem duvidar, sem nos contradizer e nos
culpar. É demais !

Somos absolutamente inocentes. Disso tenho a certeza. Mas somos uma geração
intermediária, uma geração forçosamente esmagada. Nossas novas exigências vieram se
somar ao muito que de nós já se exigia. Nada nos foi aliviado. E não podemos ser nós as
culpadas por esta sobrecarga.

A única culpa que talvez tenhamos, se culpa se pode chamar, é a de não reconhecer isso. De
não aceitar a insegurança como natural. Estamos desmatando, abrindo caminho para as
outras, e é apenas justo que no traçado desse novo caminho tenhamos hesitações.

Precisamos, urgentemente, aprender a conviver com elas sem tanto sofrimento. E a usá-las a
nosso favor, se, a cada vez que a incerteza aponta, a jogamos para a frente, a passarmos
adiante, outros serão obrigados a participara dela, a fazê-la sua. Como no caso do bebê
canadense.
Os problemas, esses problemas todos que nós sofremos, até mesmo envergonhadas de sofrê-
los, não são pessoais. São coletivos. E cabe à coletividade resolvê-los. Mas não nos façamos
ilusões. Os outros só seguram um problema quando são obrigados, nunca espontaneamente. E
quem tem que criar a obrigatoriedade somos nós. A moça canadense se arriscou a ser
despedida. Mas ela sabia que se fosse despedida poderia criar um caso jurídico, e venceria. Ela
não foi vista com simpatia pela chefe. Mas todas as outras mulheres do instituto se
identificaram com seu problema e viram nela uma solução. A partir daquela data, quem tiver
um filho doente o trará para o trabalho, porque há um precedente. E o instituto se verá na
obrigação de criar uma solução. O bebê da funcionária deixa assim de ser apenas o bebê da
funcionária, e se transforma no filho da sociedade, ao qual a sociedade tem que prover.

Olho a mulher ao lado. Que me olha. Mas, enquanto uma procurar na outra a receita para o
seu problema, não chegaremos a conclusão nenhuma. A conclusão virá quando,
reconhecendo-nos semelhantes, juntarmos nossos dois problemas e exigirmos a solução
àqueles que absolutamente não estão nos olhando.

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