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RENDA E SALARIO

NO CEARA, BRASIL (1)

Allen W. Johnson e
Bernard J. Siegel

Os camponeses das duas fazendas estudadas são simul-


tâneamente meeiros e assalariados. Os salários são parcial-
mente determinados pela oferta e procura; porém outras con-
dições determinam também os salários, por exemplo, relações
pessoais entre patrão e trabalhador. Um trabalhador tem vá-
rias possibilidades no mercado de trabalho assalariado; o que
êle escolhe depende em parte de sua renda e riqueza. Geral-
mente, quanto maior fôr o suporte de riqueza que o distancia
da subsistência marginal, mais certamente êle arriscará in-

(1) A análise contida neste trabalho tem por base os dados colhidos num estudo
de campo realizado pelos autores, em duas fazendas de algodão e gado -
localizadas no Estado do Ceará, Brasil - durante o período de junho de 1966
a agôsto de 1967. O estudo foi subvencionado por verbas do Agricultura! De-
velopment Council, uma bôlsa do Social Sciences Research Council e uma
ajuda do Committee on Latin America Studies de Stanford University. Agra-
decemos a todos que possib1!1taram esta pesquisa.
Titulo do original inglês "Wages and income in Ceará, Brazil" (Salários e
rendas no Ceará, Brasil - Allen W. Johnson e Bernard J . Siege! - pp. 1-13
(3 tabs.) - in "Southwestern Journal of Anthropology" - vol. 25, n.o 1 -
University o! New Mexico - Albuquerque - 1969. Traduzido do inglês por
Carlos Mauricio de Castro Costa - Fac. de Ciências Sociais e Filosofia -
Universidade Federal do Ceará.
O estudo de campo recebeu a colaboração do extinto Instituto de Antropo-
logia da U .F.C., dê!e havendo participado o professor Jol!.o Pompeu de Sousa
Brasil, do setor de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Fllosotia,
a quem muito devem os autores.

REV. C. SoCIAIS. VOL. I N.o 1 21


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vestir no trabalho agrícola, onde lucro e risco aumentarão com dominante dos economistas que estudam a sociedade indus-
o investimento. Nos extremos há dois tipos distintos de tra- trial.
balhador: 1) o trabalhador assalariado orientado no sentido Entre os produtos e ações permutadas pelos camponeses
da segurança; e 2) o entrepreneur que se arrisca e se orienta está o trabalho. Contudo, nem todo trabalho é trocado de
no sentido de investimento. Ambos os tipos são meeiros, de- acôrdo com o princípio de mercado. Na troca de trabalho com
pendentes do proprietário da terra; ambos se consideram so- parentes biológicos ou rituais (resultantes do sistema de com-
cialmente iguais; contudo, as diferenças em lucro e riqueza padrio, por exemplo) entram em jôgo geralmente considera-
levam a um comportamento diferente no mercado de trabalho ções outras que não a maxi.mização de ganho em têrmos de di-
assalariado. nheiro. Porém aquela forma de serviço que é vendida como
um artigo no mercado, o trabalht assalariado está bastante
de acôrdo com o principio de mercado. O propósito dêste tra-
INTRODUÇÃO balho é examinar a natureza do serviço assalariado em duas
comunidades de "camponeses marginais" ( 4) no sertão árido
Conquanto possam diferir quanto aos atributos das so- do nordeste do Brasil. Visto que o salário que um homem
ciedades "camponeses", os pesquisadores estão comumente de pode reivindicar e a necessidade que pode ter de procurar
acôrdo quanto ao fato de que essas sociedades estão ligadas trabalho assalariado estão relacionados com sua capacidade
a unidades sociais maiores, ao mesmo tempo que exibem ca- produtiva, achamos aconselhável discutir também certos as-
racterísticas de comunidades autônomas. ( 2) Dentre as várias pectos da renda camponesa. Iniciamos calculando o valor de
maneiras pelas quais um camponês pode entrar em contato mercado da produção agrícola que um trabalhador pode atin-
com fôrças que operam além dos limites de seu próprio po- gir com uma quota específica de trabalho (que conduz a uma
voado, encontramos o sistema de mercado em que são per- medida de produtividade) ; isso é então comparado ao salário
mutados produtos e serviços, caracteristicamente com o uso mínimo, ou "básico", pago na região por trabalho agrícola
de dinheiro ( Belshaw 1965:54). A expressão "sistema de mer- não especializado. Em seguida, discutimos os fatôres que in-
cado" pode referir-se a dois fenômenos bastante distintos: fluenciam a quantia relativa ao salário que é pago a diferen-
primeiro, a uma rêde de locais específicos - nos quais as tes trabalhadores de acôrdo com seus diferentes atributos; e,
transações são efetuadas regularmente e com alta freqüência finalmente, observamos a existência de diferenças na renda
- cujas quantidade, distribuição e funções são predizíveis de e relacionamos essas diferenças com o comportamento rela-
acôrdo com alguma teoria;(3) e segundo, a um mercado, in- cionado à obtenção de salário.
dependente de localização específica, que é o mecanismo pelo As comunidades aqui consideradas são duas fazendas,
qual os preços dos produtos e serviços são determinados. O distantes entre si cêrca de 80 kms. e situadas no interior do
trabalho antropológico de campo entre os camponeses nos Ceará, Brasil. Elas possuem condições ecológicas semelhantes
permite alguns conhecimentos sôbre o primeiro fenômeno; no - um clima semi-árido, grandes flutuações nas quedas de
entanto, até o presente, sabemos muito menos sôbre a ope- chuva, sêcas periódicas, e uma vegetação natural que consiste
ração do segundo, se bem que êste constitua a preocupação e>m cactos e arbustos ("caatinga") - porém variam em re-
lação com as características de propriedade - administração,
(2) Em sua discussão mais recente do problema, Wolf especificou que esta so- contratos de proprietário - trabalhador, e disponibilidade
ciedade maior e invariàvelmente um Estado, o qual, com freqüência - mas
nem sempre compreende cidades. Esta sociedade, para satisfazer seus pró- para fins de cultiyo de áreas não utilizadas como pasto. Os
prios objetivos, transfere parte da produção do camponês para o Estado.
Vide Wolf (1966:11).
(3) Cf. Mintz (1959); Mintz (1960:15-58); e Skinner (1964: 3-34). (4) Veja Oberg (1965: 1417-1427).

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vestir no trabalho agrícola, onde lucro e risco aumentarão com dominante dos economistas que estudam a sociedade indus-
o investimento. Nos extremos há dois tipos distintos de tra- trial.
balhador: 1 ) o trabalhador assalariado orientado no sentido Entre os produtos e ações permutadas pelos camponeses
da segurança; e 2 ) o entrepreneur que se arrisca e se orienta está o trabalho. Contudo, nem todo trabalho é trocado de
no sentido de investimento. Ambos os tipos são meeiros, de- acôrdo com o princípio de mercado. Na troca de trabalho com
pendentes do proprietário da terra; ambos se consideram so- parentes biológicos ou rituais (resultantes do sistema de com-
cialmente iguais ; contudo, as diferenças em lucro e riqueza padrio, por exemplo) entram em jôgo geralmente considera-
levam a um comportamento diferente no mercado de trabalho ções outras que não a maxi.mização de ganho em têrmos de di-
assalariado. nheiro. Porém aquela forma de serviço que é vendida como
um artigo no mercado, o trabalht assalariado está bastante
de acôrdo com o principio de mercado. O propósito dêste tra-
INTRODUÇÃO balho é examinar a natureza do serviço assalariado em duas
comunidades de "camponeses marginais" ( 4) no sertão árido
Conquanto possam diferir quanto aos atributos das so- do nordeste do Brasil. Visto que o salário que um homem
ciedades "camponeses", os pesquisadores estão comumente de pode reivindicar e a necessidade que pode ter de procurar
acôrdo quanto ao fato de que essas sociedades estão ligadas trabalho assalariado estão relacionados com sua capacidade
a unidades sociais maiores, ao mesmo tempo que exibem ca- produtiva, achamos aconselhável discutir também certos as-
racterísticas de comunidades autônomas. ( 2) Dentre as várias pectos da renda camponesa. Iniciamos calculando o valor de
maneiras pelas quais um camponês pode entrar em contato mercado da produção agrícola que um trabalhador pode atin-
com fôrças que operam além dos limites de seu próprio po- gir com uma quota específica de trabalho (que conduz a uma
voado, encontramos o sistema de mercado em que são per- medida de produtividade); isso é então comparado ao salário
mutados produtos e serviços, caracteristicamente com o uso mínimo, ou "básico", pago na região por trabalho agrícola
de dinheiro ( Belshaw 1965:54). A expressão "sistema de mer- não especializado. Em seguida, discutimos os fatôres que in-
cado" pode ·referir-se a dois fenômenos bastante distintos: fluenciam a quantia relativa ao salário que é pago a diferen-
primeiro, a uma rêde de locais específicos - nos quais as tes trabalhadores de acôrdo com seus diferentes atributos; e,
transações são efetuadas regularmente e com alta freqüência finalmente, observamos a existência de diferenças na renda
- cujas quantidade, distribuição e funções são predizíveis de e relacionamos essas diferenças com o comportamento rela-
acôrdo com alguma teoria; ( 3) e segundo, a um mercado, in- cionado à obtenção de salário.
dependente de localização específica, que é o mecanismo pelo As comunidades aqui consideradas são duas fazendas,
qual os preços dos produtos e serviços são determinados. O distantes entre si cêrca de 80 kms. e situadas no interior do
trabalho antropológico de campo entre os camponeses nos Ceará, Brasil. Elas possuem condições ecológicas semelhantes
permite alguns conhecimentos sôbre o primeiro fenômeno; no - um clima semi-árido, grandes flutuações nas quedas de
entanto, até o presente, sabemos muito menos sôbre a ope- chuva, sêcas periódicas, e uma vegetação natural que consiste
ração do segundo, se bem que êste constitua a preocupação em cactos e arbustos ("caatinga" ) - porém variam em re-
lação com as características de propriedade - administração,
(2) Em sua discussão m a is r ecente do problema, Wolf esp ecificou que esta so- contratos de proprietário - trabalhador, e disponibilidade
cie d a de m a ior e inva riàvelmente u m E stado , o qua l , com freqüê n ci a - m as
nem sempre compree nde cida d es. E sta sociedad e, para satisfazer se u s pró-
para fins de cultiYO de- áreas não utilizadas como pasto. Os
prios objetivos, t r a n sf ere p a r te d a pro dução do camponês p a r a o E stado .
Vide Wolf (1966 :11).
(3) Cf. Mintz (1959) ; Mi n tz ( 1960 :15-58) ; e Skinner (1964: 3-34) . (4) Veja Oberg (1965: 1417-1427).

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camponeses plantam, segundo métodos primários, algodão e de dois acôrdos gerais com o fazendeiro : 1 ) dar metade da
produtos de subsistência; em troca do direito de utilizar áreas colheita de algodão e um têrço da colheita de milho e feijão
de terra, repartem a sua produção com o proprietário da terra, ao fazendeiro em troca do direito de utilizar a terra; ou 2)
e em alguns casos ficam obrigados a dar-lhe um número es- dar metade da colheita de algodão e dois dias de trabalho por
pecífico de dias de trabalho. O proprietário cria também gado semana em troca do mesmo direito. Os camponeses de Ouro
nas terras ociosas e, após a colheita, nas áreas utilizadas para Prêto podem fazer um de três contratos com os respectivos
a lavoura. irmãos, cada um dos quais administra um setor separado da
Os trabalhadores que executam serviços nessas fazendas fazenda. Um dos proprietários recebe metade da colheita de
são parte de uma grande e homogênea população de alta mo- algodão dos trabalhadores, os quais têm direito a todo milho,
bilidade; cêrca de 10% dos trabalhadores de uma fazenda são feijão e outros produtos agrícolas que cultivam. Sob êsse
substituídos anualmente por migração. Podem mudar-se para contrato, o camponês deve limpar e preparar a terra onde
um centro urbano, ( 5) para outra área rural do Brasil, ou poderá trabalhar e deve também fornecer sua própria se-
para um pequeno lote de terra que herdaram ou adquiri- mente. Um segundo irmão limpa e lavra tôda a terra sob
ram. ( 6) A maioria, contudo, se desloca de uma fazenda para sua administração e fornece semente, dá um têrço da co-
outra dentro da mesma região. A existência de alternativas lheita de algodão para o trabalhador durante o primeiro ano
múltiplas para êsses camponeses marginais dá-lhes um grau após o período de pousio e daí por diante a metade da co-
de independência desconhecida entre os trabalhadores ligados lheita, recebendo um têrço da colheita de todos os outros
por laços mais íntimos a fazendas particulares. Mesmo quando produtos. O terceiro proprietário reparte com o trabalhador
residem numa fazenda, êles freqüentemente vão trabalhar por os custos de preparação da terra; divide a colheita de algodão
diárias em cidades próximas e em fazendas vizinhas. da mesma maneira que o segundo, mas cede tôda a colheita
A maior das duas fazendas é Boa Ventura, a estudada de produtos básicos ao trabalhador. ( 7)
por Johnson de outubro de 1966 a agôsto de 1967. Compre- Visto que o algodoeiro produz por mais de 10 anos, e há
ende cêrca de 2 5GO hectares, pertence a um fa:zJendeiro que terras disponíveis, que podem ser mantidas sob permanente
mora fora e é administrada por um morador. A fazenda me- cultivo, há uma base econômica para certo grau de estabili-
nor, chamada Ouro Prêto, compreende cêrca de 1 700 hecta- dade residencial; por êste motivo encontramos não um pro-
res e é administrada por três irmãos proprietários aí resi- letariado rural desprovido de terra, porém famílias nucleares
dentes. Na Boa Ventura, os trabalhadores podem fazer um camponesas, organizadas até certo ponto em agrupamentos
locais de parentes, com alianças para propósitos de troca
(5) Fortaleza, a Capital, atrai muitos camponeses do interior do Ceará e Estados ("contratos diádicos") nos têrmos de Forster ( 8) e vínculos
vizinhos. Alguns dêse-es Imigrantes retornam, mas o crescimento da rêde urba- a determinados lotes de terra os quais perduram por vários
na é substancial. Um número menor de migrantes se desloca, durante o pe-
rlodo da sêca, para a cidade e a região agrária adjacente a São Paulo, a cêrca anos, pelo menos. Há uma leve deficiência de trabalho nessa
de 1 500 milhas. Os processos de migração e instalação rural-urbana merecem
intensivo estudo. Não afetam materialmente os quadros de migração interna (7) Jl:stes não esgotam os possíveis acôrdos entre o dono da terra e o produtor
do sistema de fazenda sôbre o qual estamos r-elatando, mas a menos que sejar.o. agrlcola. O proprietário de uma grande fazenda vizinha de Ouro Prêto, por
puramente casuais (o que é duvidoso) qualquer fator seletivo mereceria ser exemplo, é um senhor muito idoso. Nenhum de seus herdeiros reside na fa-
avaliado para a análise de adaptação ao ambiente urbano. zenda e suas necessidades são poucas. Os trabalhadores que ai se instalam
(6) Não obtivemos, especificamente, informação sôbre tonos os casos de herança podem ficar com o total da colheita de todos os produtos de subsistência. Como
ou aquisição de propriedades por camponeses da área pesquisada. Nossas notas patrão, o velho goza de uma indiscutível reputação de generosidade, o que
sugerem que cêrca de 10 ou 15% dos chefes de familla estão nessa categoria. lhe causa agrado e lhe permite dispor de uma fôrça de trabalho a qual pode
Tôdas essas propriedades são pequenas e inadequa das para produção econô- utlllzar para suas próprias necessidades limitadas. Não assume qualquer obri-
mica de gado. São pobres em suprimento subterrâneo d'água e não possuem gação para com o trabalhador e sua família, quer emprestando dinheiro ou
açudes para manter gado e roçados em anos de sêca. Por isso, num ano sêco, facilitando empréstimos, quer ajudando em casos de doença.
êles a vendem para se manter e procuram contrato com outro fazendeiro . (8) Veja Foster (1967: caplt. 11).

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camponeses plantam, segundo métodos primários, algodão e de dois acôrdos gerais com o fazendeiro : 1 ) dar metade da
produtos de subsistência; em troca do direito de utilizar áreas colheita de algodão e um têrço da colheita de milho e feijão
de terra, repartem a sua produção com o proprietário da terra, ao fazendeiro em troca do direito de utilizar a terra; ou 2)
e em alguns casos ficam obrigados a dar-lhe um número es- dar metade da colheita de algodão e dois dias de trabalho por
pecífico de dias de trabalho. O proprietário cria também gado semana em troca do mesmo direito. Os camponeses de Ouro
nas terras ociosas e, após a colheita, nas áreas utilizadas para Prêto podem fazer um de três contratos com os respectivos
a lavoura. irmãos, cada um dos quais administra um setor separado da
Os trabalhadores que executam serviços nessas fazendas fazenda. Um dos proprietários recebe metade da colheita de
são parte de uma grande e homogênea população de alta mo- algodão dos trabalhadores, os quais têm direito a todo milho,
bilidade; cêrca de 10% dos trabalhadores de uma fazenda são feijão e outros produtos agrícolas que cultivam. Sob êsse
substituídos anualmente por migração. Podem mudar-se para contrato, o camponês deve limpar e preparar a terra onde
um centro urbano, ( 5) para outra área rural do Brasil, ou poderá trabalhar e deve também fornecer sua própria se-
para um pequeno lote de terra que herdaram ou adquiri- mente. Um segundo irmão limpa e lavra tôda a terra sob
ram. ( 6) A maioria, contudo, se desloca de uma fazenda para sua administração e fornece semente, dá um têrço da co-
outra dentro da mesma região. A existência de alternativas lheita de algodão para o trabalhador durante o primeiro ano
múltiplas para êsses camponeses marginais dá-lhes um grau após o período de pousio e daí por diante a metade da co-
de independência desconhecida entre os trabalhadores ligados lheita, recebendo um têrço da colheita de todos os outros
por laços mais íntimos a fazendas particulares. Mesmo quando produtos. O terceiro proprietário reparte com o trabalhador
residem numa fazenda, êles freqüentemente vão trabalhar por os custos de preparação da terra; divide a colheita de algodão
diárias em cidades próximas e em fazendas vizinhas. da mesma maneira que o segundo, mas cede tôda a colheita
A maior das duas fazendas é Boa Ventura, a estudada de produtos básicos ao trabalhador. ( 7)
por Johnson de outubro de 1966 a agôsto de 1967. Compre- Visto que o algodoeiro produz por mais de 10 anos, e há
ende cêrca de 2 5GO hectares, pertence a um fa:zJendeiro que terras disponíveis, que podem ser mantidas sob permanente
mora fora e é administrada por um morador. A fazenda me- cultivo, há uma base econômica para certo grau de estabili-
nor, chamada Ouro Prêto, compreende cêrca de 1 700 hecta- dade residencial; por êste motivo encontramos não um pro-
res e é administrada por três irmãos proprietários aí resi- letariado rural desprovido de terra, porém famílias nucleares
dentes. Na Boa Ventura, os trabalhadores podem fazer um camponesas, organizadas até certo ponto em agrupamentos
locais de parentes, com alianças para propósitos de troca
(5) Fortaleza, a Capital, atrai muitos camponeses do interior do Ceará e Estados ("contratos diádicos") nos têrmos de Forster ( 8) e vínculos
vizinhos. Alguns dêsses imigrantes retornam, mas o crescimento da rêde urba- a determinados lotes de terra os quais perduram por vários
na é substancial. Um número menor de migrantes se desloca, durante o pe-
rlodo da sêca, para a cidade e a região agrária adjacente a São Paulo, a cêrca anos, pelo menos. Há uma leve deficiência de trabalho nessa
de 1 500 milhas. Os processos de migração e instalação rural-urbana merecem
intensivo estudo. Não afetam materialmente os quadros de migração interna (7) :11:stes não esgotam os possíveis acôrdos entre o dono da terra e o produtor
do sistema de fazenda sôbre o qual estamos r-elatando, mas a menos que sejar.o. agrlcola. O proprietário de uma grande fazenda vizinha de Ouro Prêto, por
puramente casuais (o que é duvidoso) qua lquer fator seletivo mereceria ser exemplo, é um senhor muito idoso. Nenhum de seus herdeiros reside na fa-
avaliado para a análise de adaptação ao ambiente urbano . zenda e suas necessidades são poucas. Os trabalhadores que ai se instalam
(6) Não obtivemos, especificamente, informação sôbre tonos os casos de herança podem ficar com o total da colheita de todos os produtos de subsistência. Como
ou aquisição de propriedades por camponeses da área pesquisada. Nossas notas patrão, o velho goza de uma indiscutível reputação de generosidade, o que
sugerem que cêrca de 10 ou 15% dos chefes de família estão nessa categoria. lhe causa agrado e lhe permite dispor de uma fôrça de trabalho a qual pode
Tôdas essas propriedades são pequenas e inadequadas para produção econô- ut!llzar para suas próprias necessidades limitadas. Não assume qualquer obri-
mica de gado. São pobres em suprimento subterrãneo d'água e não possuem gação para com o trabalhador e sua família, quer empresta ndo dinheiro ou
açudes para manter gado e roçados em anos de sêca. Por isso, num ano sêco, facilitando empréstimos, quer ajudando em casos de doença.
êles a vendem para se manter e procuram contrato com outro fazendeiro. (8) Veja Foster (1967: capit. 11).

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área do Ceará, de modo que aquelas partes da fazenda que O mesmo cálculo para uma amostra de 20 trabalhadores
estão distantes de comodidades tais como água, mercearias e d.e Ouro Prêto forneceu a quantia de Cr$ 5,26 ( 5 260 cruzei-
convívio humano não são atualmente exploradas em sua ca- ros antigos) por homem-dia.
pacidade total. Muitos hectares não são cultivados na fazenda Visto que o trabalhador emprega uma tecnologia sim-
maior por essa e outras razões. Além disso, nos períodos de ples, que implica em pequenas quantidades de capital ( cêrca
alta necessidade de trabalho, tais como no tempo de "limpa", de Cr$ 10,00 num ano) a quantidade calculada pode ser vista
os trabalhadores, os pequenos fazendeiros e os grandes pro- como uma retribuição ao trabalho, com a seguinte condi-
prietários de terra estão todos competindo pelas relativamente c:ão: (lO) 23,4 % dessa produção no valor de Cr$ 14 894,74
escassas ofertas d~ trabalho. ( 14 894 740 cruzei ws antigos) é pago ao dono da terra em
retribuição ao direito de utilizá-la e pode ser considerado
como uma espécie de aluguel; além disso, o trabalho, que
PRODUTIVIDADE DO TRABALHO custaria ao proprietário Cr$ 1 768,00 ( 1 768 000 cruzeiros an-
tigos) em taxas salariais correntes (2,8% da produção to-
A unidade de medida de trabalho usada pelos operanos tal), é dado em troca pelo direito de uso da terra e pode
nessas duas fazendas é o homem-dia. Para êles, o homem-dia também ser considerado como uma espécie de aluguel. Sub-
é a quantidade de trabalho realizado por um homem casado, traindo um total de 26,2 % do valor do homem-dia de Cr$ 5,23
num dia; a contribuição aproximada de trabalho de outros restam Cr$ 3,86, o correspondente ao lucro de um homem-dia,
indivíduos é expressa em têrmos dessa unidade. Pediu-se a exclusive o custo de aluguel.
quarenta e quatro trabalhadores de Boa Ventura que ava-
liassem a quantidade de trabalho realizado no período cor-
respondente ao ano de estudo e aos 2 que lhe antecederam SALARIOS
e declarassem a colheita que daí resultou. Expressando a co-
lheita de cada ano em valôres monetários (determinados pelos Dependendo das condições a serem especificadas abaixo,
valôres médios do mercado de culturas de subsistência, e di- os salários em todo o sistema de fazendas dessa área (a co-
vidindo esta cifra pelo total de homens-dia empregados em munidade efetiva) variam consideràvelmente, de menos de
sua produção durante aquêle ano, pode-se ter um número que um sétimo 1/7 (Cr$ 0,50) a mais de 1/ 2 (Cr$ 2,00) do valor
representa o valor em dinheiro de um homem-dia de trabalho de um homem-dia calculado no parágrafo precedente. Em
investido no seu próprio roçado. todos os tipos de trabalho, embora os salários e condições de
trabalho variem amplamente, entendeu-se que o empregador
Produção total (valor em fornece o almôço e o jantar além do salário. Por essa razão
Valor de trabalho investido nos Cr$) ao se comparar os lucros com as retribuições dos terrenos de
roçados dos trabalhadores um trabalhador, deve-se acrescentar Cr$ 0,70 (o custo de duas
refeições). Na maior parte, a discussão abaixo refere-se ape-
Total de homens-dia investidos
nas ao salário em espécie.
Cr$ 63 652,75 O salário padrão por um dia de trabalho não especiali-
Cr$ 5,23 por homem-dia. ( 9) zado na região em que o estudo foi feito é de Cr$ 1,00; êsse
12 167 homens-dia
(10) As computações estão baseadas em dados de Boa Ventura. As percentagens
( 9) Na época do estudo, 1 dólar val!a 2.700 (2,70). (N. T .) Os cálculos acima já calculadas em relação aos dados de Ouro Prêto, como as computações acima de
estão de acôrdo com a nomenclatura atual. 1 dólar hoje (1970) custa Cr$ 4,55. um homem-dia de trabalho, são tão semelhantes que não foram Incluídas.

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área do Ceará, de modo que aquelas partes da fazenda que O mesmo cálculo para uma amostra de 20 trabalhadores
estão distantes de comodidades tais como água, mercearias e de Ouro Prêto forneceu a quantia de Cr$ 5,26 (5 260 cruzei-
convívio humano não são atualmente exploradas em sua ca- ros antigos) por homem-dia.
pacidade total. Muitos hectares não são cultivados na fazenda Visto que o trabalhador emprega uma tecnologia sim-
maior por essa e outras razões. Além disso, nos períodos de ples, que implica em pequenas quantidades de capital ( cêrca
alta necessidade de trabalho, tais como no tempo de "limpa", de Cr$ 10,00 num ano) a quantidade calculada pode ser vista
os trabalhadores, os pequenos fazendeiros e os grandes pro- como uma retribuição ao trabalho, com a seguinte condi-
prietários de terra estão todos competindo pelas relativamente ~ão: (lO) 23,4 % dessa produção no valor de Cr$ 14 894,74
escassas ofertas d~ trabalho. ( 14 894 740 cruzei .ws antigos) é pago ao dono da terra em
retribuição ao direito de utilizá-la e pode ser considerado
como uma espécie de aluguel; além disso, o trabalho, que
PRODUTIVIDADE DO TRABALHO custaria ao proprietário Cr$ 1 768,00 ( 1 768 000 cruzeiros an-
tigos) em taxas salariais correntes (2,8% da produção to-
A unidade de medida de trabalho usada pelos operarws tal), é dado em troca pelo direito de uso da terra e pode
nessas duas fazendas é o homem-dia. Para êles, o homem-dia também ser considerado como uma espécie de aluguel. Sub-
é a quantid&de de trabalho realizado por um homem casado, traindo um total de 26,2 % do valor do homem-dia de Cr$ 5,23
num dia; a contribuição aproximada de trabalho de outros restam Cr$ 3,86, o correspondente ao lucro de um homem-dia,
indivíduos é expressa em têrmos dessa unidade. Pediu-se a exclusive o custo de aluguel.
quarenta e quatro trabalhadores de Boa Ventura que ava-
liassem a quantidade de trabalho realizado no período cor-
respondente ao ano de estudo e aos 2 que lhe antecederam SALARIOS
e declarassem a colheita que daí resultou. Expressando a co-
lheita de cada ano em valôres monetários (determinados pelos Dependendo das condições a serem especificadas abaixo,
valôres médios do mercado de culturas de subsistência, e di- os salários em todo o sistema de fazendas dessa área (a co-
vidindo esta cifra pelo total de homens-dia empregados em munidade efetiva) variam consideràvelmente, de menos de
sua produção durante aquêle ano, pode-se ter um número que um sétimo l/7 (Cr$ 0,50) a mais de 1/ 2 (Cr$ 2,00) do valor
representa o valor em dinheiro de um homem-dia de trabalho de um homem-dia calculado no parágrafo precedente. Em
investido no seu próprio roçado. todos os tipos de trabalho, embora os salários e condições de
trabalho variem amplamente, entendeu-se que o empregador
Produção total (valor em fornece o almôço e o jantar além do salário. Por essa razão
Valor de trabalho investido nos Cr$) ao se comparar os lucros com as retribuições dos terrenos de
roçados dos trabalhadores um trabalhador, deve-se acrescentar Cr$ 0,70 (o custo de duas
refeições). Na maior parte, a discussão abaixo refere-se ape-
Total de homens-dia investidos
nas ao salário em espécie.
Cr$ 63 652,75 O salário padrão por um dia de trabalho não especiali-
Cr$ 5,23 por homem-dia. ( 9) zado na região em que o estudo foi feito é de Cr$ 1,00; êsse
12 167 homens-dia
(10) As computações estão baseadas em dados de Boa Ventura. As percentagens
( 9) Na época do estudo, 1 dólar val!a 2.700 (2,70) . (N. T.) Os cálculos acima já calculadas em relação aos dados de Ouro Prêto, como as computações acima ele
estão de acôrdo com a nomenclatura atual. 1 dólar hoje (1970) custa Cr$ 4,55 . um homem-dia de trabalho, são tão semelhantes que não foram incluidas.

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é o salário básico para situações impessoais do tipo empre- período de abundante oferta de trabalho. Existe desemprêgo,
gador-trabalhador, saláriO' êsse que se mantém na maior parte pois muitos trabalhadores que procuram trabalho assalariado
do ano e abaixo do qual os trabalhadores não aceitam em- não o conseguem, mas o salário não cai abaixo de Cr$ 1,00.
prêgo. Isto é, quando o salário sobe acima de Cr$ 1,00, os Logo que as chuvas do inverno começam, o salário aumenta
trabalhadores o consideram fortuito, ainda que não inespe- para Cr$ 1,20, em seguida para Cr$ 1,50; fica dentro dêsse
rado; enquanto que se um salário abaixo dêsse fôr oferecido, limite através dos estágios de plantio e "limpa", e nas fases
o trabalhador acha que não deve aceitar e passa seu tempo iniciais da colheita. Se todos plantassem no mesmo dia, po-
na ociosidade ou realizando tarefas de seu próprio interêsse, díamos esperar que os estágios de trabalho mais intenso coin-
porém de baixa prioridade. Em resumo, quando os salários cidissem o bastante para causar pequenas flutuações por todo
chegam a Cr$ 1,50, pode-se encontrar trabalhadores que re- êsse período; mas, de fato, cada agricultor planta espécies um
cebam apenas Cr$ 1,20 ou Cr$ 1,00; porém quando a ninguém tanto diferentes em diferentes tempos, com diferentes méto-
é pago mais de Cr$ 1,00, ainda nenhum trabalhará por menos. dos, de acôrdo com sua própria capacidade e cálculos. Desta
defasagem resulta que tôda a estação de cultivo é caracterri-
zada por um grau constante e elevado de necessidades de
trabalho. Os salários flutuam, mas o fazem principalmente
DETERMINANTES SALARIAIS por razões a serem discutidas abaixo ou por razões individuais.
Um exemplo do último ponto é o caso de um fazendeiro que
Há várias condições que influenciam a determinação de atrasou-se em sua "limpa" a ponto de ameaçar tôda a sua
salários e explicam sua variabilidade. A primeira delas são colheita. Para atrair um número suficiente de trabalhadores,
as mudanças sazonais quanto às necessidades de trabalho lo- de imediato, êle ofereceu Cr$ 1,50 na época em que todos
cal. Embora os trabalhadores migrem com alta freqüência, recebiam cêrca de Cr$ 1,20.
seus deslocamentos são sempre de uma residência estável para
outra; não há migrações sazonais de uma grande fôrça de O período de colheita de algodão, após a produção de
trabalho. Os trabalhadores residem sempre numa fazenda, em milho e feijão, é a época de maiores exigências de trabalho.
seu pequeno lote (geralmente insuficiente), ou num povoado. A colheita de algodão absorve quase todos os membros da
Todos êsses podem procurar trabalho em fazendas vizinhas, família, exceto os mais jovens, e mesmo assim os salários
mas visto que êles mesmos são agricultores que se dedicam sobem muito. Não é possível especificar o seu teto, pois cada
a seu lote grande parte do ano, e desde que cultivam os mes- trabalhador é pago pelo volume do que êle colhe ou "apa-
mos produtos com os mesmos métodos, o ponto culminante nha",* mas até mesmo uma adolescente pode ganhar tanto
da curva de necessidade de trabalho de ambos, empregador e na colheita de algodão quanto um homem casado durante o
empregado, coincidem. A oferta de trabalho é inelástica rela- resto do ano, e um "apanhador" forte pode obter cêrca de
tivamente à demanda de trabalho, e assim os salários sobem Cr$ 2,50 por dia ou mais. Uma segunda condição que afeta
ou descem com a mudança sazonal. a determinação de salários no Ceará é a especialização. Pouco
No final da estação de colheita, quando continua a "lim- precisa ser dito dêsse fator óbvio, porém podemos salientar
pa" e "queima" dos lotes, os salários são de Cr$ 1,00; há rela- os seguintes pontos. Primeiro, o salário que um profissional
tivamente muito emprêgo, mas não há grande pressão para hábil pode ganhar por contrato é várias vêzes maior que o
completar as tarefas. Habitualmente, o preparo se faz antes ganho por um trabalhador não especializado: um carpinteiro,
da época de plantio (o qual se inicia no comêço da estação construtor de casa, ou fabricante de telha, espera ganhar
chuvosa, que vai de fevereiro a junho) e segue-se então um (*) (N.T.) "Apanhar" é o têrmo popular pare. colhêr.

28 REv. C. SoCIAis. VoL. I N.o 1 REV. C. SOCIAIS. VOL. I N.o 1 29


é o salário básico para situações impessoais do tipo empre- período de abundante oferta de trabalho. Existe desemprêgo,
gador-trabalhador, saláriO' êsse que se mantém na maior parte pois muitos trabalhadores que procuram trabalho assalariado
do ano e abaixo do qual os trabalhadores não aceitam em- não o conseguem, mas o salário não cai abaixo de Cr$ 1,00.
prêgo. Isto é, quando o salário sobe acima de Cr$ 1,00, os Logo que as chuvas do inverno começam, o salário aumenta
trabalhadores o consideram fortuito, ainda que não inespe- para Cr$ 1,20, em seguida para Cr$ 1,50; fica dentro dêsse
rado; enquanto que se um salário abaixo dêsse fôr oferecido, limite através dos estágios de plantio e "limpa", e nas fases
o trabalhador acha que não deve aceitar e passa seu tempo iniciais da colheita. Se todos plantassem no mesmo dia, po-
na ociosidade ou realizando tarefas de seu próprio interêsse, díamos esperar que os estágios de trabalho mais intenso coin-
porém de baixa prioridade. Em resumo, quando os salários cidissem o bastante para causar pequenas flutuações por todo
chegam a Cr$ 1,50, pode-se encontrar trabalhadores que re- êsse período; mas, de fato, cada agricultor planta espécies um
cebam apenas Cr$ 1,20 ou Cr$ 1,00; porém quando a ninguém tanto diferentes em diferentes tempos, com diferentes méto-
é pago mais de Cr$ 1,00, ainda nenhum trabalhará por menos. dos, de acôrdo com sua própria capacidade e cálculos. Desta
defasagem resulta que tôda a estação de cultivo é caracteri-
zada por um grau constante e elevado de necessidades de
trabalho. Os salários flutuam, mas o fazem principalmente
DETERMINANTES SALARIAIS por razões a serem discutidas abaixo ou por razões individuais.
Um exemplo do último ponto é o caso de um fazendeiro que
Há várias condições que influenciam a determinação de atrasou-se em sua "limpa" a ponto de ameaçar tôda a sua
salários e explicam sua variabilidade. A primeira delas são
colheita. Para atrair um número suficiente de trabalhadores,
as mudanças sazonais quanto às necessidades de trabalho lo- de imediato, êle ofereceu Cr$ 1,50 na época em que todos
cal. Embora os trabalhadores migrem com alta freqüência, recebiam cêrca de Cr$ 1,20.
seus deslocamentos são sempre de uma residência estável para
outra; não há migrações sazonais de uma grande fôrça de O período de colheita de algodão, após a produção de
trabalho. Os trabalhadores residem sempre numa fazenda, em milho e feijão, é a época de maiores exigências de trabalho.
seu pequeno lote (geralmente insuficiente), ou num povoado. A colheita de algodão absorve quase todos os membros da
Todos êsses podem procurar trabalho em fazendas vizinhas, família, exceto os mais jovens, e mesmo assim os salários
mas visto que êles mesmos são agricultores que se dedicam sobem muito. Não é possível especificar o seu teto, pois cada
a seu lote grande parte do ano, e desde que cultivam os mes- trabalhador é pago pelo volume do que êle colhe ou "apa-
mos produtos com os mesmos métodos, o ponto culminante nha",* mas até mesmo uma adolescente pode ganhar tanto
da curva de necessidade de trabalho de ambos, empregador e na colheita de algodão quanto um homem casado durante o
empregado, coincidem. A oferta de trabalho é inelástica rela- resto do ano, e um "apanhador" forte pode obter cêrca de
tivamente à demanda de trabalho, e assim os salários sobem Cr$ 2,50 por dia ou mais. Uma segunda condição que afeta
ou descem com a mudança sazonal. a determinação de salários no Ceará é a especialização. Pouco
No final da estação de colheita, quando continua a "lim- precisa ser dito dêsse fator óbvio, porém podemos salientar
pa" e "queima" dos lotes, os salários são de Cr$ 1,00; há rela- os seguintes pontos. Primeiro, o salário que um profissional
tivamente muito emprêgo, mas não há grande pressão para hábil pode ganhar por contrato é várias vêzes maior que o
completar as tarefas. Habitualmente, o preparo se faz antes ganho por um trabalhador não especializado: um carpinteiro,
da época de plantio ( o qual se inicia no comêço da estação construtor de casa, ou fabricante de telha, espera ganhar
chuvosa, que vai de fevereiro a junho) e segue-se então um (*) (N.T .) "Apanhar" é o têrmo popular para colhêr.

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Cr$ 3,00 ou mais por um dia de trabalho. Segundo, dentro pecuniária e temporária, mantém-se o que se disse acima. A
da fazenda tôdas as pessoas especializadas são simultânea- existência de certa ligação de continuidade pode, mas não
mente agricultores, de modo que geralmente não se ocupam necessàriamente, alterar o salário; porém se o altera, inva-
de seu mister até que se tenha iniciado um período de dimi- riàvelmente o diminui. A ligação que existe entre o senhor
nuição de trabalho nos campos. Para êles a especialização da terra e seus trabalhadores é a seguinte: quando os traba-
não representa uma profissão porém um suplemento para a lhadores têm obrigações de trabalho, êles a perfazem por um
agricultura que proporciona um grande aumento de segurança. salário de apenas Cr$ 0,50 por dia, não importando os salários
Um carpinteiro ou oleiro tem assim duas opções. Pode pagos noutros lugares. O trabalhador habilitado que realiza
morar num povoado ou cidade e ocupar-se de seu ofício todo trabalho para a fazenda recebe similarmente apenas Cr$ 2,00
o tempo, dependendo das encomendas feitas pelas pessoas da por dia. Essas podem ser consideradas como parte das condi-
cidade ou fazendeiros dentro do raio comercial da comuni- ções sob as quais um trabalhador tem permissão de usar as
dade. Ou pode viver como trabalhador numa fazenda e al- terras da fazenda aceitando uma posição na fazenda, na qual
ternar seu ofício com trabalho agrícola, conforme a demanda não pode recusar aceitar trabalho pago nesta base; como tal,
dêste. No último caso pode receber encomendas de qualquer a perda em salário pode ser considerada como parte dos custos
freguês pela taxa corrente, como um profissional de seu ofí- de "aluguel" dos trabalhadores (veja p. 5 acima).
cio, porém é obrigado a executar tarefas para o proprietário Existem outros vínculos que contêm a possibilidade de
a uma taxa mai.s baixa em troca do direito de utilizar a uma diminuição salarial. Além dos limites da fazenda, há in-
terra. As decisões que tomará em qualquer época dependerão divíduos, sobretudo comerciantes e pequenos fazendeiros, que
dos cálculos da proporção das despesas gerais e custos de vida tornam possível crédito e empréstimo para os trabalhadores
em relação à quantidade de fregueses na primeira alternativa, que estão, por alguma razão, temporàriamente em dificulda-
em contraposição aos benefícios de custo (alojamento, custos des financeiras. Para pagar a dívida, os trabalhadores fre-
médicos inferiores, e baixos custos de subsistência) em rela- qüentemente concordam em trabalhar certo número de dias
ção ao pagamento inferior por trabalho especializado que éle por um salário inferior aos níveis salariais existentes; quando
:fornece ao proprietário. Com o tempo êsses cálculos variarão. perguntado por que êle aceitara um salário inferior, um in-
Um carpinteiro, por exemplo, casado há seis anos e com 2 formante respondeu: "Porque êle é meu patrão; êle me em-
filhos pequenos, tinha grande dificuldade em escolher entre prestava dinheiro quando eu precisava, e agora eu estou lhe
essas alternativas. Tendo completado seu aprendizado apenas fazendo um favor". Igualmente, quando alguém trabalha para
alguns anos antes, sua clientela potencial era irregular quan- um amigo íntimo ou parente, ocasionalmente o faz a título
do morava numa cidade. Como um trabalhador de fazenda, de favor por Cr$ 0,10 ou Cr$ 0,20 menos que a taxa corrente.
precisava contratar virtualmente todo o trabalho agrícola que Par.a êsse último não há exigência formal; é um de uma va-
êle próprio não podia fazer. Por 3 anos vacilou entre trabalho riedade de pequenos favores que caracterizam 'as relações es-
profissional em tempo integral e a vida de trabalhador espe- tabelecidas de troca entre iguais.
cializado numa fazenda. Tendo seus filhos crescido e sua es- Finalmente, uma condição cuja influência nos níveis sa-
pôsa se tornado menos ocupada com o cuidado das crianças, lariais é de difícil avaliação é a disponibilidade para o tra-
êle optou pela vida de trabalhador, experimentando com 2 balhador de fontes alternativas de dinheiro e produtos de
ou 3 fazendeiros até que descobriu um que fazia menor de- primeira necessidade . Os trabalhadores tentam armazenar
manda de seu tempo como carpinteiro.
A terceira condição é a natureza da relação social entre (11) Os camponeses dessas comunidades avallam "previdência" como um requisito
primordial para conferir aprêço. Alguns se engajam em "prognosticar", para
o empregado e o empregador. Se a relação é estritamente
REV. C. SociAIS. VoL. I N. 0 1 31
30 REV. C. SociAIS. VoL. I N.o 1
Cr$ 3,00 ou mais por um dia de trabalho. Segundo, dentro pecuniária e temporária, mantém-se o que se disse acima. A
da fazenda tôdas as pessoas especializadas são simultânea- existência de certa ligação de continuidade pode, mas não
mente agricultores, de modo que geralmente não se ocupam necessàriamente, alterar o salário; porém se o altera , in va-
de seu mister até que se tenha iniciado um período de dimi- riàvelmente o diminui. A ligação que existe entre o senhor
nuição de trabalho nos campos. Para êles a especialização da terra e seus trabalhadores é a seguinte: quando os traba-
não representa uma profissão porém um suplemento para a lhadores têm obrigações de trabalho, êles a perfazem por um
agricultura que proporciona um grande aumento de segurança. salário de apenas Cr$ 0,50 por dia, não importando os salários
Um carpinteiro ou oleiro tem assim duas opções. Pode pagos noutros lugares. O trabalhador habilitado que realiza
morar num povoado ou cidade e ocupar-se de seu ofício todo trabalho para a fazenda recebe similarmente apenas Cr$ 2,00
o tempo, dependendo das encomendas feitas pelas pessoas da por dia. Essas podem ser consideradas como parte das condi-
cidade ou fazendeiros dentro do raio comercial da comuni- ções sob as quais um trabalhador tem permissão de usar as
dade. Ou pode viver como trabalhador numa fazenda e al- terras da fazenda aceitando uma posição na fazenda , na qual
ternar seu ofício com trabalho agrícola, conforme a demanda não pode recusar aceitar trabalho pago nesta base ; como tal,
dêste. No último caso pode receber encomendas de qualquer a perda em salário pode ser considerada como parte dos custos
freguês pela taxa corrente, como um profissional de seu ofí- de "aluguel" dos trabalhadores (veja p. 5 acima) .
cio, porém é obrigado a executar tarefas para o proprietário Existem outros vínculos que contêm a possibilidade de
a uma taxa mais baixa em troca do direito de utilizar a uma diminuição salarial. Além dos limites da fazenda, há in-
terra. As decisões que tomará em qualquer época dependerão divíduos, sobretudo comerciantes e pequenos fazendeiros , que
dos cálculos da proporção das despesas gerais e custos de vida tornam possível crédito e empréstimo para os trabalhadores
em relação à quantidade de fregueses na primeira alternativa, que estão, por alguma razão, temporàriamente em dificulda-
em contraposição aos benefícios de custo ( alojamento, custos des financeiras. Para pagar a dívida, os trabalhadores fre-
médicos inferiores, e baixos custos de subsistência ) em rela- qüentemente concordam em trabalhar certo número de dias
ção ao pagamento inferior por trabalho especializado que éle por um salário inferior aos níveis salariais existentes; quando
fornece ao proprietário. Com o tempo êsses cálculos variarão. perguntado por que êle aceitara um salário inferior, um in-
Um carpinteiro, por exemplo, casado há seis anos e com 2 formante respondeu: "Porque êle é meu patrão; êle me em-
filhos pequenos, tinha grande dificuldade em escolher entre prestava dinheiro quando eu precisava, e agora eu estou lhe
essas alternativas. Tendo completado seu aprendizado apenas fazendo um favor". Igualmente, quando alguém trabalha para
alguns anos antes, sua clientela potencial era irregular quan- um amigo íntimo ou parente, ocasionalmente o faz a título
do morava numa cidade. Como um trabalhador de fazenda , de favor por Cr$ 0,10 ou Cr$ 0,20 menos que a taxa corrente.
precisava contratar virtualmente todo o trabalho agrícola que Para êsse último não há exigência formal; é um de uma va-
êle próprio não podia fazer. Por 3 anos vacilou entre trabalho riedade de pequenos favores que caracterizam 'as relações es-
profissional em tempo integral e a vida de trabalhador espe- tabelecidas de troca entre iguais.
cializado numa fazenda . Tendo seus filhos crescido e sua es- Finalmente, uma condição cuja influência nos níveis sa-
pôsa se tornado menos ocupada com o cuidado das crianças, lariais é de difícil avaliação é a disponibilidade para o tra-
êle optou pela vida de trabalhador, experimentando com 2 balhador de fontes alternativas de dinheiro e produtos de
ou 3 fazendeiros até que descobriu um que fazia menor de- primeira necessidade . Os trabalhadores tentam armazenar
manda de seu tempo como carpinteiro.
A terceira condição é a natureza da relação social entre (11) Os camponeses dessas com unidades ava!lam "pr evid ência" como um r equisito
primordial p ar a conferir apr êço. Algun s se en gajam em "prognosticar ", para
o empregado e o empregador. Se a relação é estritamente
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bastante gêneros para o ano seguinte antes de vender o resto 26 trabalhadores da fazenda Boa Ventura e 20 trabalhadores
para conseguir dinheiro para outras aquisições. ( 11) Alguns da fazenda Ouro Prêto, possuímos dados que dão sua riqueza
dos menos bem sucedidos esgotam seus víveres cedo, enquanto total em posses materiais e o valor de seu investimento agrí-
outros os mantêm até a colheita seguinte. Porque fàcilmente cola em 1966-1967. Para nossos propósitos, a riqueza total é
se tem carência de, pelo menos, um tipo de gênero (por provàvelmente uma m~dida superior à da renda anual, por-
exemplo: milho, feijão ou mandioca), e porque pequenas ne- que é acumulada no curso de anos, fazendo uma média das
cessidades urgentes surgem escasseando as reservas, é inco- flutuações anuais inevitáveis resultantes de um clima incer-
mum qualquer família passar todo um ano sem necessitar de to; e porque reflete o excedente em relação às necessidades
dinheiro. O trabalho assalariado é uma maneira de resolver imediatas de consumo, ela é pequena para as grandes famí-
êsse problema, mas ?.penas como um recurso final; pri- Jias que têm grandes rendas mas que podem freqüentemente
meiro, o trabalhador procura tôdas as outras alternativas. Se estar necessitadas de dinheiro em espécie.
há disponibilidade dessas, na forma de patrões ou amigos que Há contudo razões para se usar a grandeza do investi-
emprestam ou adiantam dinheiro na expectativa de uma boa mento agrícola (medido em têrmos da quantidade de terra
colheita, a pressão por trabalho assalariado desaparece. Como semeada) como um índice de renda anual. Primeiro, uma
temos visto, os salários raramente igualam mesmo a metade "riqueza total" não pode ser observada (por exemplo, quanto
do valor do trabalho de um homem em seu próprio lote a empréstimos), enquanto que jamais há dúvida sôbre a quan-
(mesmo após o pagamento dos aluguéis); assim o trabalhador tic.!ade exata de plantio feito. E, segundo, a posse material
ao que parece, vagamente consciente dêsse fato, evita tra- total é algo que varia com a extensão de residência na fa-
balho assalariado sempre que seja viável a alternativa de
zenda; uma família que chegou recentemente pode ter uma
trabalhar em sua terra.
grande renda anual sem ter ainda adquirido posses.
Que êsses dois conjuntos de dados medem substancial-
mente diferentes coisas está indicado pelo fato de que êles
SALARIOS E RENDA estão apenas debilmente correlacionados (o coeficiente de cor-
relação de diferença de classe de Spearman + 0,35). Isso su-
gere duas hipóteses que podem ser testadas aqui.
Estamos interessados no grau em que a renda anual de
um trabalhador influencia seu comportamento relativo à ven- A primeira hipótese é a de que os homens com mais ri-
da de seu trabalho assalariado ou à compra do de outrem. queza tenderão a trabalhar menos freqüentemente por salá-
Não possuímos uma informação direta sôbre a renda anual rios e a contratar outros com maior freqüência que os homens
da maior parte dos trabalhadores, de modo que devem ser com pouca riqueza. O raciocínio é o seguinte: desde que o
usadas algumas maneiras indiretas de avaliar a renda. De desejo de trabalhar por salário resulta do deficit de dinheiro,
em casa, os homens mais ricos estarão, com menos freqüência,
usar uma dlst!nçl!.o sugerida por Bourd!eu. Um prognost!cador, nesse sentido, em deficit; além disso, pode-se lucrar ao se contratar traba-
é alguém que poupa recursos para serem apllcados a metas Incertas num lhadores assalariados, se êstes forem utilizados eficientemen-
futuro !ndefln!do, o que !mpllca num esfôrço para mudar o próprio status.
Prever consiste essencialmente em acumular, "reservar uma parte de produ- te, de modo que os indivíduos com maior riqueza serão mais
tos válldos para consumo futuro ... " ~ uma açl!.o essencialmente llmitada e capazes de explorar essa oportunidade. O teste do X2 fornece
relacionada com a manutençl!.o de status. Veja Bourdleu (1963: 63-64). Num
trabalho futuro pretendemos avallar a Incidência e natureza de planejamento um resultado significativo que apóia a hipótese sôbre o con-
de empresário nessas fazendas e sugerir as oportunidades de aprendizado
dessa espécie de comportamento. Veja também pp. 10-11 abaixo.
junto de freqüência na tabela 1.

32 REV. C. SOCIAIS. VOL. I N.o 1 REV. C. SOCIAIS. VoL. I N.O 1 33


bastante gêneros para o ano seguinte antes de vender o resto 26 trabalhadores da fazenda Boa Ventura e 20 trabalhadores
para conseguir dinheiro para outras aquisições. ( 11) Alguns da fazenda Ouro Prêto, possuímos dados que dão sua riqueza
dos menos bem sucedidos esgotam seus víveres cedo, enquanto total em posses materiais e o valor de seu investimento agrí-
outros os mantêm ·até a colheita seguinte. Porque fàcilmente cola em 1966-1967. Para nossos propósitos, a riqueza total é
se tem carência de, pelo menos, um tipo de gênero (por provàvelmente uma medida superior à da renda anual, por-
exemplo: milho, feijão ou mandioca), e porque pequenas ne- que é acumulada no curso de anos, fazendo uma média das
cessidades urgentes surgem escasseando as reservas, é inco- flutuações anuais inevitáveis resultantes de um clima incer-
mum qualquer família passar todo um ano sem necessitar de to; e porque reflete o excedente em relação às necessidades
dinheiro. O trabalho assalariado é uma maneira de resolver imediatas de consumo, ela é pequena para as grandes famí-
êsse problema, mas ?.penas como um recurso final; pri- lias que têm grandes rendas mas que podem freqüentemente
meiro, o trabalhador. procura tôdas as outras alternativas. Se estar necessitadas de dinheiro em espécie.
há disponibilidade dessas, na forma de patrões ou amigos que Há contudo razões para se usar a grandeza do investi-
emprestam ou adiantam dinheiro na expectativa de uma boa mento agrícola (medido em têrmos da quantidade de terra
colheita, a pressão por trabalho assalariado desaparece. Como semeada) como um índice de renda anual. Primeiro, uma
temos visto, os salários raramente igualam mesmo a metade "riqueza total" não pode ser observada (por .exemplo, quanto
do valor do trabalho de um homem em seu próprio lote a empréstimos), enquanto que jamais há dúvida sôbre a quan-
(mesmo após o pagamento dos aluguéis); assim o trabalhador ticade exata de plantio feito . E, segundo, a posse material
ao que parece, vagamente consciente dêsse fato, evita tra- total é algo que varia com a extensão de residência na fa-
balho assalariado sempre que seja viável a alternativa de
zenda; uma família que chegou recentemente pode ter uma
trabalhar em sua terra.
grande renda anual sem ter ainda adquirido posses.

Que êsses dois conjuntos de dados medem substancial-


mente diferentes coisas está indicado pelo fato de que êles
SALARIOS E RENDA estão apenas debilmente correlacionados (o coeficiente de cor-
relação de diferença de classe de Spearman + 0,35). Isso su-
gere duas hipóteses que podem ser testadas aqui.
Estamos interessados no grau em que a renda anual de
um trabalhador influencia seu comportamento relativo à ven- A primeira hipótese é a de que os homens com mais ri-
da de seu trabalho assalariado ou à compra do de outrem. queza tenderão a trabalhar menos freqüentemente por salá-
Não possuímos uma informação direta sôbre a renda anual rios e a contratar outros com maior freqüência que os homens
da maior parte dos t r abalhadores, de modo que devem ser com pouca riqueza. O raciocínio é o seguinte: desde que o
usadas algumas maneiras indiretas de avaliar a renda. De desejo de trabalhar por salário resulta do deficit de dinheiro,
em casa, os homens mais ricos estarão, com menos freqüência,
usar uma distinção su gerida por Bourdieu. Um p rognost!cador, nesse sentido ,
em deficit; além disso, pode-se lucrar ao se contratar traba-
é algu ém que poupa recursos par a ser em a pllcados a m etas incer t as num lhadores assalariados, se êstes forem utilizados eficientemen-
futuro indefinido , o que lm pllca num esfôr ço par a muda r o prôprlo status.
Prever consiste essen cialmen te em acumula r , " r eserva r uma p a r t e d e produ- te, de modo que os indivíduos com maior riqueza serão mais
tos válldos p ar a consu m o fut uro . . . " É uma ação essen cialmen te llmltad a e capazes de explorar essa oportunidade. O teste do X2 fornece
r elacionad a com a manuten ção de sta tus. Veja Bour dleu (1963: 63-64 ). Num
trabalho fu t uro pretendem os avalla r a Incidên cia e n atureza d e planej a m en t o um resultado significativo que apóia a hipótese sôbre o con-
de empresário nessas fazendas e su gerir as oport unid a d es d e a prendizado
dessa espécie de comporta mento. Veja t a mbém pp . 10-11 a b aixo .
junto de freqüência na tabela 1.

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TABELA 1 TABELA 2

Relação entre classe de riqueza e comportamento de Relação entre área rultivada e comportamento de ganho
ganho salarial salarial

Cultivo de área Cultivo de área


Riqueza acima Riqueza abaixo acima da média abaixo da média
da média da. média
Apenas contrata outros 13 5
Somente trabalha por salário 6 23
Apenas contrata outros 11 8
Somente trabalha por salário 3 24
n = 47
X2 = 10,20
p < 0,01

n = 46
A discussão acima revela um contraste entre indivíduos
X2 = 9,04
p < 0,01
que trabalham por salário e indivíduos que contratam outros.
Há_ muitos trabalhadores que fazem as duas coisas, trabalhan-
do por salário para superar uma crise financeira temporária,
e em seguida contratando trabalho para vencer um deficit
temporário de mão-de-obra. Mas, nos extremos dà distribui-
A segunda hipótese é semelhante à primeira, mas pro- ção encontra-se o que pode ser isolado como dois tipos ideais
cura uma relação entre trabalho assalariado e comportamento de trabalhador residente de fazenda . De um lado está o tra-
relativo ao plantio. Especificamente, os homens com grandes balhador "empresarial", que tem algum capital, sabe como
totais de plantio trabalharão menos por salário e contratarão conseguir mais através de empréstimo, e aceita o risco e as
mais trabalhadores assalariados do que os homens que plan- l."esponsabilidades de contratar grande quantidade de trabalho
tam pequena quantidade. O raciocínio dessa proposição é que assalariado, contando com condições fortuitas de tempo atmos-
pequenas terras não ocuparão um trabalhador por todo o ano, férico para dar-lhe um proveito muito grande em seu inves-
deixando-o livre para trabalho assalariado; enquanto que timento. Vimos que os salários jamais excedem cêrca da me-
grandes empreendimentos clamarão por mais trabalho do que tade do valor de trabalho investido na produção agrícola, de
o próprio trabalhador pode fornecer, criando a necessidade modo que é claro que essa via pode conduzir a considerável
de contratar outros. Essa hipótese está claramente relaciona- riqueza (e talvez, por fim , ao acúmulo de bastante capital
da com a primeira, pelo menos até certo ponto, visto que para adquirir uma pequena terra e tornar-se completamente
presumivelmente um indivíduo não planta grandes quanti- independente da fazenda ). No pólo oposto encontramos o tra-
danes a menos que esteja certo de que pode fornecer dinheiro balhador "proletário", que trabalha por salário a maior parte
para salários em tempos críticos de grande demanda de tra- do ano, quase nunca contrata outros trabalhadores, e não tem
f:)alho. Um teste de X2 novamente apóia a hipótese, como oportunidade de acumular muita riqueza. A tabela 3 suma-
mostra a tabela 2. riza êsse contraste.

34 REV. C . SOCIAIS. VoL. I N .o 1 REV. C. SOCIAIS. VOL . I N.O 1 35


TABELA 1
TABELA 2
Relação entre classe de riqueza e comportamento de
ganho salarial Relação entre área rultivada e comportamento de ganho
salarial

------~--------------
Cultivo de área Cultivo de área
Riqueza acima Riqueza abaixo acima da média abaixo da média
da média do. média

Apenas contrata outros 13 5


Apenas contrata outros Somente trabalha por salário 6 23
11
Somente trabalha por salário 3
8 --- n = 47
24
X2 = 10,20
p < 0,01
n = 46
X2 = 9,04 A discussão acima revela um contraste entre indivíduos
p < 0,01 que trabalham por salário e indivíduos que contratam outros.
Há muitos trabalhadores que fazem as duas coisas, trabalhan-
do por salário para superar uma crise financeira temporária,
e em seguida contratando trabalho para vencer um deficit
temporário de mão-de-obra. Mas, nos extremos dà distribui-
A segunda hipótese é semelhante à primeira, mas pro-
ção encontra-se o que pode ser isolado como dois tipos ideais
cura uma relação entre trabalho assalariado e comportamento
de trabalhador residente de fazenda . De um lado está o tra-
relativo ao plantio. Especificamente, os homens com grandes
balhador "empresarial", que tem algum capital, sabe como
totais de plantio trabalharão menos por salário e contratarão
conseguir mais através de empréstimo, e aceita o risco e as
mais trabalhadores assalariados do que os homens que plan-
responsabilidades de contratar grande quantidade de trabalho
tam pequena quantidade. O raciocínio dessa proposição é que
assalariado, contando com condições fortuitas de tempo atmos-
pequenas terras não ocuparão um trabalhador por todo o ano,
férico para dar-lhe um proveito muito grande em seu inves-
deixando-o livre para trabalho assalariado; enquanto que
timento. Vimos que os salários jamais excedem cêrca da me-
grandes empreendimentos clamarão por mais trabalho do que
tade do valor de trabalho investido na produção agrícola, de
o próprio trabalhador pode fornecer, criando a necessidade
modo que é claro que essa via pode conduzir a considerável
de contratar outros. Essa hipótese está claramente relaciona-
riqueza (e talvez, por fim, ao acúmulo de bastante capital
da com a primeira, pelo menos até certo ponto, visto que
para adquirir uma pequena terra e tornar-se completamente
presumivelmente um indivíduo não planta grandes quanti-
independente da fazenda). No pólo oposto encontramos o tra-
danes a menos que esteja certo de que pode fornecer dinheiro
balhador "proletário", que trabalha por salário a maior parte
para salários em tempos críticos de grande demanda de tra-
do ano, quase nunca contrata outros trabalhadores, e não tem
balho. Um teste de X2 novamente apóia a hipótese, como
mostra a tabela 2. oportunidade de acumular muita riqueza. A tabela 3 suma-
riza êsse contraste.
34
REV. C. SociAis. VoL. I N.o 1 REV. C. SOCIAIS. VOL. I N.O 1 35
TABELA 3 ( * '
Relação entre classe de riqueza, comp\ ,t amento relacionado
ao plantio e trabalho-salário.
Cinco homens que trabalhavam mais por salário
Classe de Plantio Dias de tra- Homens-dia
riqueza total balho assala- contratados
(1. milho) ria do
BIBLIOGRAFIA
B.V. O.P. B.V. O.P. B.V. O.P. B.V. O.P.
41 35 10 9 200 220 o o BELSHAW, Cyril S.
27 30 9 12 150 140 o 1
1965 Traditional Exchange and Modern Markets. Moderniza-
10 18 24 21 121 116 6 4 t ' on of Traditional Socities Series. Englewood Clifís,
22 25 11 10 104 110 2,5 2 New Jersey: Prentice Hall.
37 29 15 13 91 100 o o BOURDIEU, Pierre
- - - - -- -- - - 1963 "The AWtude of the Algerian Peasant Toward Time", in
Mediterranean Countrymen (ed. by Julian Pitt-Rivers).
Média 27 217' 14 13 133 137 1,7 1,2 Paris: Mouton.

FOSTER, George M.
1967 Tzintzuntzans Mexican PeCllSants in a Changing World .
Cinco homens que contratavam mais trabalho New York: Little, Brown and Company.

MINTZ, Sidney
B.V. O.P. B.V. O.P. B.V. O.P. B.V. O.P. 1959 "Internai Market Systems as Mechanisms of Social Arti-
9 7 103 75 o o 402 275 culation", in Proceedings of the 1959 Anmwl Spring
Meting of the American Ethnological Society (ed . by
16 12 54 60 o o 207 200 Verne F. Ray). SE:attle: University of Washington Press .
23 1 60 45 o o 200 185 1960 A tentative Typology of Eight Haitian Market Places .
Revista de Ciencias Sociais 4:15-58 .
3 5 30 60 o o 86 80
1 20 40 30 o o 85 78 OBERG, Kalervo
1965 The Marginal Peasant in Rural Brazil. American Anthr-o
- - - - -- -- - - pologist 67:14-17-1427.
Média 10 9 57 55 o o 196 164
SKINNER, G . William
(*) B.V. = Boa Ventura 1964 Marketing and Social Structure in Rural China . Journal
O.P. = Ouro Prêto of Asian Etudies 24:3-43.

WOLF, Eric R .
Essas diferenças entre indivíduos são especialmente sig- 1966 Peasants. Englew Cliffs, New Jersey: Prentice Hall.

nificativas quando se entende que todos os trabalhadores de ALLEN W. JOHNSON


Columbia University New
que nos ocupamos aqui são dependentes de uma fazenda, e York, New York
aceitam para trabalhar qualquer terra que o proprietário lhes
BERNARD J . SIEGEL
destine. Todos os trabalhadores consideram-se como iguais, Stanford University
pois o proprietário da terra, situado infinitivamente acima Stanfurd, California
dêles em riqueza, é a figura significativa que serve de base

36 R:r;:v. C. SOCIAIS. VoL. I N.o 1


TABELA 3 ( * '
Relação entre classe de riquezaJ comp\ ,tamento relacionado
ao plantio e trabalho-salário.
Cinco homens que trabalhavam mais por salário
Classe de Plantio Dias de tra- Homens-dia
riqueza total balho assala- con tratados
(1. milho) r ia do
BIBLIOGRAFIA
B.V. O.P. B.V. O.P. B.V. O.P. B.V. O.P.
41 35 10 9 200 220 o o B E LSHAW, Cyril S.
27 30 9 12 150 140 o 1
1965 Traditional Exchange and Modern Markets . Moderniza-
10 18 24 21 121 116 6 4 t :on of Traditional Socities Series. Englewood Clifís,
22 25 11 10 104 110 2,5 2 New Jersey: Prentice Hall.
37 29 15 13 91 100 o o BOURDIEU, Pierre
- - - - -- -- - - 1963 "The AWtude of the Algerian Peasant Toward Time", in
Mediterranean Countrymen (ed. by Julian Pitt-Rivers) .
Média 27 217' 14 13 133 137 1,7 1,2 Paris: Mouton.

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Cinco homens que contratavam mais trabalho New York : Little , Brown and Company.

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9 7 103 75 o o 402 275 culation", in Proceedings of the 1959 Anmt.al Spring
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16 12 54 60 o o 207 200 Verne F . Ray) . S E:attle : University of Washington P ress .
23 1 60 45 o o 200 185 1960 A tentative Typ ology of Eight Haitian Market Places .
Revista de Ciencias Sociais 4:15-58.
3 5 30 60 o o 86 80
1 20 40 30 o o 85 78 OBERG , Kalervo
1965 The Marginal Peasant in Rural Brazil. American Anthr-o
- - - - -- -- - - pologist 67:14-17-1427 .
Média 10 9 57 55 o o 196 164
SKINNER , G . William
(*) B.V. = Boa Ventura 1964 Marketing and Social Structure in Rural China . Journal
O.P. = Ouro Prêto of Asian Etudies 24:3-43.

WOLF, Eric R .
Essas diferenças entre indivíduos são especialmente sig- 1966 Peasants. Englew Cliffs, New Jersey: Prentice Hall .

nificativas quando se entende que todos os trabalhadores de ALLEN W. JOHNSON


Columbia University New
que nos ocupamos aqui são dependentes de uma fazenda , e York, New York
aceitam para trabalhar qualquer terra que o proprietário lhes
BERNARD J . SIEGEL
destine. Todos os trabalhadores consideram-se como iguais, Stanford University
pois o proprietário da terra, situado infinitivamente acima Stanfurd, California
dêles em riqueza, é a figura significativa que serve de base

36 R:r;:v. C. SOCIAIS . VoL. I N.o 1


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ç

para distinções individuais. Contudo, podemos ver que as di-


ferenças de riqueza são, na verdade, importantes influências
que atuam sôbre o comportamento entre os membros da classe
camponesa.

SALARIO E CONCLUSAO

Nesse trabalho, tentamos, primeiro, especificar as regras


que regem os processos de alugar os próprios serviços, ou con-
tratar os de outrem, em troca de salários no segmento cam-
ponês das sociedades de fazenda no nordeste brasileiro. Em
segundo lugar, deduzimos uma medida de renda em têrmos
de uma razão entre o valor da produção total e o trabalho
total investido, fazendo a correção de acôrdo com o custo de
aluguel. E finalmente, tentamos considerar a opção por tra-
balho assalariado ou atividade baseada na renda, em que se
pôde mostrar que existe entre as duas uma significativa dis-
crepância quanto a retribuições. A análise dessa relação, in-
cidentalmente, faz-nos sugerir que isso constitua um exem-
plo de "utilidade marginal" no nível micro-econômico. Os da-
dos podem também ser considerados como resultados de de-
cisões individuais baseadas em avaliações de ganho e custo
implicados na maximização de satisfações por parte de uma
sociedade agrária que dispõe de determinados recursos, co-
nhecimentos e tecnologia. É interessante observar que, usan-
do o mesmo conjunto de regras e conhecimento culturais, al-
guns indivíduos parecem aceitar riscos consideràvelmente
maiores que outros. Pretendemos num trabalho subseqüente
examinar mais detalhadamente a variação que existe dentro
dessas comunidades a êsse respeito e explorar, particularmen-
te, alguns dos fatôres associados com tipos empresariais: suas
origens sociais, motivações, faixa de comportamento com re-
lação à tomada de riscos, e os efeitos de seu comportamento
no sistema como um todo.

REV. c. SoCIAIS. VOL. I N.O 1 37

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