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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC

Ademir Carvalho Leite Júnior

O sofrimento em mulheres
com alopecia fibrosante frontal

Mestrado em Psicologia Clínica

São Paulo
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC

Ademir Carvalho Leite Júnior

O sofrimento em mulheres
com alopecia fibrosante frontal

Dissertação apresentada à Banca


examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção de título de Mestre
em Psicologia Clínica, sob a orientação da
Profa. Dra. Denise Gimenez Ramos

São Paulo
2017
ADEMIR CARVALHO LEITE JÚNIOR

O SOFRIMENTO COMO FATOR ESTRESSANTE NA ALOPECIA FIBROSANTE


FRONTAL

Dissertação apresentada à Banca


examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção de título de Mestre
em Psicologia Clínica, sob a orientação da
Profa. Dra. Denise Gimenez Ramos

Banca Examinadora:

___________________________

___________________________

___________________________
AGRADECIMENTOS

Somos seres relacionais e as relações criam uma sequência de eventos em


nossas vidas, que nos ajudam a compreender o valor dos encontros. Logo, para ser
justo, devo agradecer a todos os que me levaram a cumprir esta jornada de finalizar
um mestrado em Psicologia Clínica, algo que, certamente, nunca passou pela minha
cabeça que seria uma realização antes de 2005.
Foi pelas mãos de dois grandes nomes da cirurgia gastroenterológica, que
fiz minha primeira imersão em discussões sobre a psicologia na saúde. Os doutores
Bruno Zilberstein e Arthur Garrido Júnior abriram as portas para que eu frequentasse
o serviço de Cirurgia Bariátrica do HC-FMUSP durante o período de 2005 a 2008,
em que eu avaliava pacientes, antes e depois, de passarem pela cirurgia da
obesidade, tendo como foco a pele, as unhas e os cabelos desses pacientes.
Durante este período fui muito bem recebido pela Coordenadora de Psicologia deste
serviço, a Professora Marlene Monteiro, que foi a primeira pessoa a me estimular a
iniciar estudos em psicossomática. Meus primeiros agradecimentos são a estes três
importantes mestres.
Devo muito aos professores do Instituto Junguiano de Estudo e Pesquisa,
em especial, ao professor Waldemar Magaldi Filho por quem tenho uma eterna
gratidão e admiração. Também à professora Ercília Simone Dalvio Magaldi, grande
estimuladora. Demais professores marcantes para mim foram a Dra Lilian Wurzba,
uma das maiores enciclopédias de conhecimento sobre a obra de Carl Gustav Jung,
à gentilíssima Professora Maria Cristina Mariante Guarnieri e, por fim, à doce Maria
Teresa Nappi Moreno. Todos foram fundamentais para que eu me apaixonasse
profundamente pela psicossomática e, em especial, pelo trabalho do Jung.
Dentro da PUC encontrei pessoas incríveis, que fizeram parte de minha
jornada durante esses pouco mais de trinta meses de aprendizado. Entre tantos,
cinco grandes mestres foram fundamentais, para a concretização deste trabalho. A
professora Mathilde Neder, que exemplo! A professora Rosane Montilla, não sei nem
como explicar o quanto ela foi importante para que eu chegasse até aqui, mas minha
admiração pela sua forma de ensinar, sinceridade e clareza me estimulavam. Ao
amigo Durval Luiz de Faria, suas palavras me trouxeram para a PUC. Ao atualmente
doutor, mas que não era parte do corpo docente da PUC, e sim colega de disciplina,
Roberto Garcia, por quem tenho grande admiração e gratidão. Por fim, à Professora
Denise Gimenez Ramos, de quem eu já era admirador e por quem desenvolvi um
sentimento ainda maior de admiração e respeito. Seus cursos, semestre por
semestre, eram sempre excelentes. As discussões, em suas aulas, tinham sempre
altíssimo nível. Sua postura correta e, sempre, muito voltada ao desenvolvimento
das capacidades de cada um de seus alunos é capaz de nos conduzir a voos
prazerosíssimos de conhecimento.
Todos os colegas foram importantes, mas três, em especial, têm meu
carinho e podem representar, nominalmente, aqui meu respeito por todos esses
companheiros de jornada nas salas de aula da PUC. Manuela, parceira das aulas da
Mathilde, Beth Haga, parceira de divagações em sala de aula e a uma das mais
novas professoras da Academia Brasileira de Tricologia Natasha Torlay, me
ajudando sempre.
Gostaria de agradecer à Professora Adriana Teixeira, uma amiga de longa
data, uma grande gestora de pessoas e projetos, que me permitiu apresentar o
projeto de pesquisa deste estudo para o Comitê de Ética da Universidade Anhembi
Morumbi, em um momento, em que o tempo de aprovação de projetos da PUC
estava mais demorado.
Certas pessoas foram fundamentais nessa longa viagem. Meus pais, Inez e
Ademir, sempre dispostos a entender a minha necessidade de tempo, de ficar com
os netos, e compreender o quanto era importante o que eu estava fazendo com
tantos livros e frente ao computador por tantas horas. Amo vocês.
Ao Luquinha e à Clarinha, dois candeeiros que tenho comigo, iluminando
meu caminho, meu muito obrigado. Muitas vezes estive com eles sem estar, no
automático, enquanto estudava e produzia este trabalho. Espero que um dia
compreendam a grandeza e a importância dele para mim. Amo vocês.
Por fim, meu terceiro candeeiro, a pessoa que insistiu para que eu não
desistisse deste trabalho em um momento em que parecia que eu não teria pernas
para finalizá-lo e que, assim como meus pais e filhos, me apoiou imensamente em
todas as etapas, compreendendo a importância de cada uma delas e me dando
tempo e estímulo para, enfim, chegar até aqui. Minha parceira, amiga e lindíssima
namorada Tatiele Katzer, amo você.
Gostaria de agradecer a Deus, mas não preciso, Ele sabe que sou grato.
Desde o dia em que me fez escalador de montanhas com medo de altura. Por ter me
feito entender que a vida é feita luz e da ausência dela. E que só pode ser assim.
Por eu ser passional. Por todos os momentos em que me testa a duras penas,
momentos em que me sinto Jó. Por ter me presenteado com uma intensa teimosia,
alguns a chamariam de fé, que me faz acordar todos os dias com uma força de
vontade de viver difícil de explicar. Às vezes, duvido do meu amor por você, e
quando isso acontece, sinto ainda mais Sua presença parental.
LEITE JR, Ademir C. O sofrimento em mulheres com alopecia fibrosante frontal,
2017. 113 pgs. Dissertação (Mestrado). Programa de Estudos Pós-Graduados em
Psicologia Clínica - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

RESUMO

A Alopecia Fibrosante Frontal (AFF) é uma alopecia cicatricial primária que foi
descrita em 1994. Acomete predominantemente mulheres, na maior parte das vezes
na menopausa. Estudos mostram que as alopecias, em geral, podem ter como fator
causal e de manutenção o estresse. Sobre as alopecias cicatriciais, em especial a
AFF, a relevância destes fatores foi pouco estudada, ainda assim, estudos sugerem
que eventos estressantes podem estar associados ao surgimento de alopecias. O
objetivo deste estudo é avaliar a relevância do sofrimento tendo o evento
estressante como possível fator desencadeante de quadros de AFF. Para realizar
esta avaliação um formulário sociodemográfico, um inventário de qualidade de vida
em dermatologia (DQLI) e uma entrevista semiestruturada serão realizados em
encontro único com os participantes da pesquisa. As doze voluntárias do estudo
apresentam histórias de vida com intensos relatos de frustrações, impotência,
insegurança, perdas, vergonha e solidão. O DQLI, utilizado para avaliação do
impacto da AFF, na vida das voluntárias, foi coerente com as observações feitas
pelas mesmas, de que a doença acompanha elevado grau de estresse e sofrimento.

Palavras-chave: Alopecia Fibrosante Frontal. Estresse. Sofrimento. Alopecia


cicatricial psicossomática.
LEITE JR, Ademir C. Suffering in women with Frontal Fibrosin alopecia, 2017.
113 pgs. Master Dissertation. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia
Clínica - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

ABSTRACT

Frontal fibrosing alopecia (AFF) is a primary cicatricial alopecia that was described in
1994. It predominantly affects women, most often in menopause. Studies have
shown that alopecias, in general, may have stress as a trigger and maintenance
factor. Regarding cicatricial alopecia, especially AFF, the relevance of these factors
was little studied, however, studies suggest that stressful events may be associated
with the onset of alopecia conditions. The objective of this study is to evaluate the
relevance of suffering as a stressful event as a possible triggering factor for AFF
patients. To perform this evaluation a socio-demographic form, a quality of life
inventory in Dermatology (DQLI) and a semi-structured interview was held in a single
meeting with the research volunteers. The 12 volunteers in the study present life
stories with intense reports of frustration, impotence, insecurity, loss, shame and
loneliness. DQLI, used to assess the impact of AFF on the life of the volunteers, was
consistent with the observations made by them, that the disease accompanies a high
degree of stress and suffering.

Key-words: Frontal Fibrosing Alopecia. Stress. Suffering. Cicatricial alopecia


psychosomatic.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Linha demonstra a antiga posição do início do couro cabeludo. Seta


mostra perda lateral dos pelos da sobrancelha ..................................... 16
Figura 2 – Inflamação peribúlgica comum às alopecias cicatriciais .......................... 18
Figura 3 – Eritema e descamação perifolicular em AFF (aumento 60x). Áreas sem
pelos correspondem à região cicatricial e não apresentam óstios
foliculares. ............................................................................................. 19
Figura 4 – Aumento de 220x do Eritema e da descamação perifolicular dos folículos
com AFF ............................................................................................... 19
Figura 5 – O Ciclo dos cabelos e suas fases ........................................................... 23
Figura 6 – O papel da Substância P na modulação da resposta do folículo piloso ao
estresse ................................................................................................ 27
Figura 7 – Equivalente folicular do eixo HHA ........................................................... 32
Figura 8 – Distribuição dos temas estressantes e causadores de sofrimento das
histórias de vida das mulheres com AFF ............................................... 82
Figura 9 – Distribuição dos temas estressantes e causadores de sofrimento das
histórias de vida das mulheres com AFF ............................................... 91
LISTA DE FOTOS

Foto 1 – Voluntária 2. AFF de maior extensão de acometimento do couro cabeludo


entre as voluntárias da pesquisa ........................................................... 61
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Pontuação das Voluntárias de acordo com as categorias avaliadas pelo


DQLI...................................................................................................... 57
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Finalidade da AFF para as voluntárias da pesquisa .............................. 91


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Dados sociodemográficos das voluntárias.............................................. 54


Tabela 2 – Pontuação das respostas do DQLI ......................................................... 55
Tabela 3 – Temas avaliados pelas questões do DQLI ............................................. 56
Tabela 4 – Escala de pontuação para avaliação do Impacto na qualidade de vida
pelo DQLI .............................................................................................. 56
Tabela 5 – Resultado da pontuação por temas e total ............................................. 56
Tabela 6 – Temas mais frequentes encontrados nas entrevistas ............................. 81
Tabela 7 – Valor atribuído aos cabelos nas mulheres com AFF ............................... 88
Tabela 8 – Distribuição de temas estressantes provocados pela AFF ..................... 90
Tabela 9 – Comparação estatística entre os resultados do DQLI das voluntárias com
os de Katoulis et. al 2014 para alopecias cicatriciais ............................. 96
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 15

2 A ALOPECIA FIBROSANTE FRONTAL ........................................................... 16

3 O CICLO DE CRESCIMENTO CAPILAR OU CICLO DOS CABELOS ............. 22


3.1 A FASE ANÁGENA ......................................................................................... 23
3.2 A FASE CATÁGENA ....................................................................................... 24
3.3 A FASE TELÓGENA ....................................................................................... 24

4 ESTRESSE, PSICONEUROENDOCRINOLOGIA E A QUEDA DE CABELOS –


MECANISMOS NEUROENDÓCRINOS E ENDÓCRINOS DA QUEDA CAPILAR26

5 ESTRESSE E DISTRESSE - CONCEITOS E DEFINIÇÕES ............................. 33

6 O ESTRESSE COMO CAUSA DE QUEDA CAPILAR – ESTUDOS CLÍNICOS 35

7 ALOPECIA FIBROSANTE FRONTAL E EVENTOS ESTRESSANTES DE VIDA37

8 O ESTRESSE COMO CONSEQUÊNCIA DAS QUEDAS CAPILARES ............ 38

9 A PONTE PSICOSSOMÁTICA QUE ENVOLVE OS MECANISMOS DO


ADOECIMENTO ................................................................................................ 41

10 OS FENÔMENOS PSICOSSOMÁTICOS SOB A ÓTICA DA TEORIA


JUNGUIANA E A ALOPECIA FIBROSANTE FRONTAL ................................. 43

11 OBJETIVOS ...................................................................................................... 47
11.1 OBJETIVO GERAL .......................................................................................... 47
11.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................ 47

12 MÉTODO ........................................................................................................... 48
12.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO .................................................................. 48
12.2 LOCAL PARA COLETA DE DADOS ............................................................... 49
12.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS E PROCEDIMENTOS ................ 49
12.3.1 Formulário sociodemográfico .................................................................. 50
12.3.2 Inventário de Qualidade de Vida em Dermatologia (DQLI) ..................... 50
12.3.3 Entrevista semiestruturada ...................................................................... 50
12.3.4 Gravador .................................................................................................... 50
12.3.5 Bloco de anotações ................................................................................... 51
12.4 PROCEDIMENTOS ......................................................................................... 51
12.5 RESULTADOS ................................................................................................ 51
12.6 ASPECTOS SOCIODEMOGRÁFICOS DA AMOSTRA ................................... 52
12.7 ANÁLISE DO ÍNDICE DE QUALIDADE DE VIDA EM DERMATOLOGIA ........ 55
12.8 ANÁLISE DO ROTEIRO DE ENTREVISTA ..................................................... 58
12.8.1 Voluntária 1 (São Paulo - 2016) ................................................................ 59
12.8.2 Voluntária 2 (São Paulo - 2016) ................................................................ 60
12.8.3 Voluntária 3 (São Paulo - 2016) ................................................................ 63
12.8.4 Voluntária 4 (Santa Cruz do Sul - 2017) ................................................... 65
12.8.5 Voluntária 5 (São Paulo - 2016) ................................................................ 67
12.8.6 Voluntária 6 (Santa Cruz do Sul - 2016) ................................................... 69
12.8.7 Voluntária 7 (Santa Cruz do Sul - 2016) ................................................... 70
12.8.8 Voluntária 8 (São Paulo 2017) ................................................................... 71
12.8.9 Voluntária 9 (São Paulo-2015) .................................................................. 73
12.8.10 Voluntária 10 (Santa Cruz do Sul - 2015) ................................................. 76
12.8.11 Voluntária 11 (Santa Cruz do Sul - 2016) ................................................. 77
12.8.12 Voluntária 12 (São Paulo 2016) ................................................................. 79
12.9 SOFRIMENTOS FREQUENTES ASSOCIADOS AOS QUADROS DE
MULHERES COM AFF .................................................................................... 81
12.10 VALOR ATRIBUÍDO AOS CABELOS E O SOFRIMENTO QUE ACOMPANHA
A AFF ............................................................................................................ 87
12.11 A FINALIDADE DA DOENÇA ........................................................................ 91

13 DISCUSSÃO ..................................................................................................... 94

14 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES ............................................................ 101

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 103

ANEXO 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............... 109

ANEXO 2 – FORMULÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO ........................................... 110

ANEXO 3 – INVENTÁRIO DE QUALIDADE DE VIDA EM DERMATOLOGIA (DQLI)111

ANEXO 4 – ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ................................................ 112


15

1 INTRODUÇÃO

Não há ultraje, creio (...) mais atroz do que proibir o culpado de esconder o
rosto devido à vergonha.
Nathaniel Hawthorne (A Letra Escarlate)

A primeira vez que este pesquisador esteve diante de uma paciente com
Alopecia Fibrosante Frontal (AFF) foi em 2002. A lembrança é clara de que uma
sensação de desconforto e um conjunto de dúvidas que mexeram com este
pesquisador., uma vez que se estava diante de uma face atípica até então. A
ausência de pelos nas sobrancelhas e a perda da moldura facial determinada pelas
linhas frontais naturais de qualquer couro cabeludo deixavam aquele rosto
extremamente exposto. Uma sensação que incomodou inicialmente. Não apenas por
ser uma visão nova, mas porque pareciam evidenciar ainda mais o olhar de tristeza
e a expressão de angústia da paciente que ali se apresentava. Ao mesmo tempo em
que esta situação foi desconfortável, foi desafiador estar diante de uma doença que
ainda não se tivera a oportunidade de avaliar. Fez o pesquisador voltar aos livros e
descobrir questões novas sobre aquilo que se viria a diagnosticar como sendo uma
Alopecia Fibrosante Frontal (AFF).
16

2 A ALOPECIA FIBROSANTE FRONTAL

A Alopecia Fibrosante Frontal (AFF) é uma patologia que foi descrita


recentemente, em 1994, caracterizada pela recessão da linha frontal do couro
cabeludo, sendo mais frequentemente encontrada em mulheres, após a menopausa
(KOSSARD, 1994-1997). A AFF apresenta um padrão de desenvolvimento
progressivo, acometendo desde a linha de implantação frontotemporal dos cabelos
podendo chegar até a região retro auricular (Figura 1). Pode acometer, também, os
pelos das sobrancelhas (MITEVA, 2013).

Figura 1 – Linha demonstra a antiga posição do início do couro


cabeludo. Seta mostra perda lateral dos pelos da
sobrancelha

Fonte: do autor

A AFF é uma alopecia cicatricial do tipo primária. É chamada de alopecia


cicatricial primária aquela que não é causada por fatores externos como radiações,
infecções ou agressões físico-químicas, mas sim por processos, cuja fisiopatogenia
é endógena e relacionada às desregulações do sistema imunológico, como doenças
autoimunes.
Apesar de ter sido descrita como uma patologia de mulheres
menopausadas, em atendimento o pesquisador tem visto um crescente número de
17

mulheres com AFF também entre os 30 e os 50 anos. Em estudo publicado em


2013, Dlova, Goh e Tosti citam casos de pacientes mais jovens manifestando a
doença. Neste estudo anteriormente citado, os autores descrevem irmãs que
desenvolveram a alopecia em idade próxima aos 20 anos, além de mostrarem dados
da literatura, em que o problema surgiu em pacientes com 31, 34 e 40 anos.
Poucas pesquisas apresentam dados sobre a epidemiologia das alopecias
cicatriciais. Whiting (2001) publicou um estudo retrospectivo, em que foi avaliado o
período de dez anos, constatando que as alopecias cicatriciais correspondem a
7,3% dos casos de queda capilar. As alopecias cicatriciais primárias representaram
3,2% dos casos em um estudo retrospectivo de cinco anos realizado por Tan et al.
(2004). O líquen plano pilar, um tipo de alopecia cicatricial, em estudo realizado em
quatro centros médicos americanos e conduzido por Ochoa, King e Price (2008),
teve incidência variando entre 1,15 a 7,59%. Nos dias atuais, não se tem nenhum
estudo epidemiológico específico para a AFF.
Uma alopecia cicatricial se desenvolve em virtude de um processo
inflamatório formado, predominantemente, pelas células conhecidas como linfócitos
na proximidade da região do folículo piloso (FP) conhecida como bulge (Figura 2). O
bulge, também conhecido como protuberância folicular, é a região na qual se
encontram as células tronco epiteliais dos FPs e na qual se estão localizadas as
adjacências da implantação do músculo eretor do pelo e do canal de secreção
sebácea no ducto do folículo piloso, regiões conhecidas como istmo e infundíbulo
folicular (OHYAMA, 2013). A AFF é classificada como uma alopecia cicatricial,
porque o processo inflamatório linfocitário promove a destruição folicular,
substituindo o mesmo por um tecido fibrótico (cicatricial) e, como primária, pois tem o
folículo piloso como alvo do processo inflamatório (HARRIES; PAUS, 2010).
18

Figura 2 – Inflamação peribúlgica comum às alopecias


cicatriciais

Fonte: Harries e Paus (2010)

Clinicamente, um dos sinais mais relevantes para a identificação de uma


alopecia cicatricial é a ausência de óstios foliculares visíveis ao exame físico na área
de perda capilar. Outros sinais clínicos presentes são a linha demarcatória entre a
fronte e o início do couro cabeludo, antes do surgimento da doença, dor, queimação
e prurido de couro cabeludo (MITEVA, 2013) e, mais recentemente, o sinal da
depressão da veia frontal descrito por Vañó-Galván et al. (2015).
Segundo Lacarrubba, Micali e Tosti (2013), a tricoscopia, microscopia digital
do couro cabeludo realizada com uma câmera, que projeta imagens ampliadas do
couro cabeludo, em um monitor, é um método eficiente de diagnóstico da doença e
de comprovação da ausência dos óstios foliculares na área de alopecia. Além desse
sinal clínico, a descamação em um eritema (avermelhamento) perifolicular pode
estar presente, em especial, nos casos em que a doença está em atividade (Figuras
3 e 4).
19

Figura 3 – Eritema e descamação perifolicular em AFF (aumento 60x).


Áreas sem pelos correspondem à região cicatricial e não
apresentam óstios foliculares.

Fonte: Foto do banco de imagens tricoscópicas do autor.

Figura 4 – Aumento de 220x do Eritema e da descamação perifolicular


dos folículos com AFF

Fonte: Foto do banco de imagens tricoscópicas do autor.

Harries e Paus, em uma revisão de literatura publicada, em 2010, afirmam


que a perda das unidades foliculares nas alopecias cicatriciais é um evento
catastrófico para a pele como um todo, uma vez que a pele depende dos folículos
pilossebáceos, em especial, do estoque de células tronco presentes na estrutura
folicular, para promover o surgimento de novos vasos (angiogênese), reparação de
terminações nervosas, colaboração nos processos de cicatrização e homeostasia
geral da estrutura cutânea.
20

Cabe também às células tronco foliculares um papel importante no


crescimento dos cabelos durante o ciclo capilar. Este ciclo determina a formação e
crescimento de novos cabelos por períodos de aproximadamente quatro a seis anos.
Quando um ciclo capilar se encerra, um novo ciclo é imediatamente iniciado, sendo
as células tronco foliculares elementos fundamentais para o início desse novo ciclo
(JUNIOR, 2012).
A motivação para o surgimento de uma alopecia cicatricial, em especial a
AFF, ainda é obscura. O ataque imunológico aos folículos, principalmente, à região
do bulge, tem como causas algumas possibilidades, como: fatores ambientais,
inflamação neurogênica, deleção programada de órgão (no caso o FP), fatores
genéticos, autoimunidade, fatores ambientais, deficiência de PPARgama e o colapso
do privilégio imunológico, que possam estar envolvidos (HARRIES et al., 2013;
HARRIES; MEYER; PAUS, 2009; HARRIES et al., 2010; MEYER et al., 2008).
Tosti et al.(2005) e Ladizinski et al. (2013) sugerem uma participação
hormonal no surgimento dos quadros de AFF, sendo esta uma possibilidade para
explicar a origem do quadro, com mais frequência em mulheres, em especial, nas
menopausadas. Os autores salientam o acometimento de áreas em androgênio
dependentes, nos pacientes com a doença, e uma boa resposta dos pacientes aos
tratamentos com finasterida (uma medicação anti-androgênica), como uma
justificativa para a teoria hormonal da causa da AFF.
O tratamento da AFF raramente promove recuperação capilar, tendo como
objetivo principal estabilizar o processo, por meio de controle da atividade
inflamatória local. Tan e Messenger (2009) descrevem resultados com o uso de
corticoterapia tópica e intralesional. Samrao, Chew e Price (2010) apresentam
resultados do uso de antimalárico, hidroxicloroquina, em pacientes com AFF. Tosti et
al. (2005) relatam estabilização do quadro com uso de inibidor da enzima 5-alfa-
redutase, a finasterida e, em 2013, Racz et al., em uma revisão sistemática de 114
pacientes com AFF e líquen planopilar, apresentam dados avaliando resultados do
uso da finasterida, de outro inibidor da enzima 5-alfa-redutase, a dutasterida, de
antimaláricos e da corticoterapia tópica e intralesional.
Gilhar, Etzioni e Paus (2012) publicaram uma revisão de literatura, em que
citam dados de alguns de seus estudos realizados em modelos animais, sendo
apresentado, nesses estudos, a hipótese do colapso do privilégio imunológico dos
folículos pilosos. Este modelo de explicação da etiopatogenia da alopecia areata
21

sugere que, em indivíduos predispostos à doença, após um evento estressante, a


identificação dos melanócitos da matriz epidérmica do folículo piloso pelas células do
sistema imunológico fica corrompida, uma vez que deixam de ser identificados pelos
linfócitos como sendo células do próprio corpo. Essa incapacidade de serem
reconhecidos pelos linfócitos faz com que os melanócitos passem a ser vistos como
antígenos (colapso do privilégio imunológico) e, consequentemente, são atacados
pelo sistema imunológico, desencadeando o quadro de perda capilar.
22

3 O CICLO DE CRESCIMENTO CAPILAR OU CICLO DOS CABELOS

A fisiologia dos folículos pilosos, estruturas responsáveis pela produção de


pelos e cabelos foi descrita, primeiramente, em 1926 por F.W. Dry, que percebeu um
movimento cíclico de produção dos pelos em animais de laboratório (MONTAGNA;
CAMACHO, 2013). Neste artigo, Dry apresentou a descrição e a nomenclatura de
três fases do ciclo capilar que, até os dias atuais, são mais conhecidas e utilizadas
para a orientação de profissionais na prática clínica, sendo as fases anágena,
catágena e telógena. Depois da apresentação da descrição de Dry, muitos estudos
se seguiram, explorando cada vez mais os conhecimentos sobre o ciclo dos cabelos
e reconhecendo a complexidade desse fenômeno biológico.
Atualmente, se tem uma ampla compreensão da bioquímica folicular e se
entende que novos estudos podem elucidar, cada vez mais, o entendimento do ciclo
dos cabelos, que se processa com fases de atividade folicular (produção de cabelos
e pelos), intercaladas com períodos de inatividade dos folículos (ausência de
produção capilar apesar da grande atividade bioquímica, que se mantém nesses
períodos).
Além das já conhecidas fases anágena, telógena e catágena, vieram somar
a estas novos eventos do ciclo capilar, que foram chamadas de fase exógena (fase
de eliminação do cabelo telógeno do folículo piloso) (MILNER et al., 2002), fase
quenógena (momento em que o folículo piloso se apresenta sem a haste capilar
após a eliminação da mesma), e fase neógena (momento em que o folículo deixa o
estado de inatividade para iniciar um novo ciclo de crescimento anágeno) (REBORA;
GUARRERA, 2002; BERNARD, 2012).
Apesar de a comunidade científica reconhecer essas novas fases do ciclo
capilar, para fins didáticos ainda prevalecem estas três fases apresentadas por Dry,
na grande maioria dos estudos científicos sobre crescimento capilar. Por conta
disso, apenas as fases anágena, catágena e telógena serão exploradas neste
capítulo.
23

Figura 5 – O Ciclo dos cabelos e suas fases

Fonte: Figura elaborada pelo autor.

3.1 A FASE ANÁGENA

A fase de crescimento capilar, fase anágena, é a de maior duração no ciclo


dos cabelos, podendo variar entre dois a seis anos. Nesta fase, a atividade
proliferativa das células na matriz folicular é intensa e resulta na formação da haste
capilar, o fio de cabelo em si. Em condições normais, a literatura diz que cerca de 80
a 90% dos folículos estão na fase anágena (PAUS; COTSARELIS, 1999).
Nesta fase, o cabelo pode crescer em média um centímetro ao mês,
variando muito pouco este padrão de velocidade entre as etnias e os biótipos de
pele. Questões nutricionais, estilo de vida e a saúde dos pacientes parecem
comprometer a velocidade de crescimento dos cabelos, indicando certa
sensibilidade dos folículos mediante as interferências na vida e na saúde como um
todo.
Apesar de a duração de esta fase poder ocorrer em anos, a proliferação de
células típicas da fase anágena, que pode ser influenciada por eventos físicos e
psíquicos, como: infecções, fraturas, cirurgias, distúrbios hormonais, doenças
crônicas, uso de medicamentos, estresse severo, ansiedade e depressão,
quimioterapia, intoxicações, dietas pobres em nutrientes e consumo de álcool e
fumo. Estes eventos promovem a redução da proliferação de células na matriz dos
cabelos provocando pausa de crescimento e entrada precoce dos cabelos em fase
24

catágena, na maior parte das vezes ou, até mesmo, perda capilar anágena, como
ocorre nas intoxicações por metais pesados, quimioterapia, estresse severo e nas
alopecias inflamatórias cicatriciais (VAN BEEK et al., 2008; DEPLEWSKI;
ROSENFIELD, 2000; OHNEMUS et al., 2006; JUNIOR; PADOVEZ, 2006; TOSTI;
PAZZAGLIA, 2007; FELCE; PERRY, 1995; HADSHIEW et al., 2004).

3.2 A FASE CATÁGENA

Após um período de crescimento, seja por mecanismos fisiológicos, seja por


eventos que inibem o crescimento, como os citados acima, os folículos deixam a
situação de fase anágena para entrar em outro momento, chamado de fase
catágena. Esta fase é caracterizada pela involução anatômica temporária do folículo.
Neste momento, a atividade de proliferação folicular na matriz dos cabelos sofre uma
pausa temporária.
O tempo em que o folículo se mantém em fase catágena é de duas a três
semanas, e cerca de 1% dos cabelos, em um couro cabeludo saudável, estão nessa
fase.

3.3 A FASE TELÓGENA

A involução folicular temporária iniciada na fase catágena segue ocorrendo


na fase telógena, fazendo com que o folículo perca muito de sua altura, medida pela
profundidade de inserção na pele.
Esta fase, com duração de cerca de dois a três meses, só se encerra a partir
de uma situação bioquímica favorável à reentrada na fase de crescimento. Ao final
da fase telógena, a haste capilar está pronta para se desprender do couro cabeludo
e os cabelos, normalmente, caem neste momento ou pouco após ser reiniciada uma
nova fase anágena. Apesar de ser chamada, por alguns autores, como fase de
descanso folicular, a telógena, que em situação normal costuma compor 10% 20%
dos folículos de um couro cabeludo, também é conhecida como fase de queda
capilar, pois, ao final da mesma, há a soltura dos cabelos do couro cabeludo.
Para que ocorra o ciclo dos cabelos, uma ampla gama de mediadores
químicos interfere nos folículos, para que cada uma das fases descritas,
sucessivamente, seja possível. Os conhecimentos sobre esta bioquímica, a cada
25

nova descoberta, tornam-se cada vez mais complexos, permitindo com que
pesquisadores entendam, cada vez mais, e melhor, a fisiologia e a fisiopatologia que
atua nestas estruturas.
26

4 ESTRESSE, PSICONEUROENDOCRINOLOGIA E A QUEDA DE CABELOS –


MECANISMOS NEUROENDÓCRINOS E ENDÓCRINOS DA QUEDA CAPILAR

Pesquisas sobre a neurobiologia do estresse, realizadas por Peters, Arck e


Paus (2006), avaliaram a relação de eventos estressantes com o comportamento
dos folículos pilosos. Inicialmente, os pesquisadores concluíram que a Substância P
(SP), um importante neuropeptídio cutâneo associado ao estresse, era capaz de
induzir pausa do crescimento capilar e inflamação no entorno de folículos pilosos de
ratos submetidos a um intenso estresse provocado por um agente estressor sonoro
de elevada intensidade. Na tentativa de comprovar o que havia sido observado nos
animais de laboratório, em folículos humanos, em fase de crescimento (anágena), os
pesquisadores avaliaram a resposta destes em meios de cultura, após exposição à
Substância P. Perceberam que os folículos em cultura expressaram, de forma
proeminente, receptores de Substância P (NK1) nos níveis gênicos e proteicos. A
resposta destes folículos à SP foi a entrada precoce dos mesmos na fase de atrofia
folicular (fase catágena), somada a uma maior degradação de Substância P pela
enzima endopeptidase. Esta situação foi associada com a degranulação dos
mastócitos (células imunológicas) na bainha conjuntiva dos folículos pilosos, um
elemento indicativo de inflamação neurogênica. Foi observado que a SP provocava
uma menor imunorreatividade do TrkA, receptor do agente promotor de crescimento
NGF (neural growth fator), este receptor, por sua vez, inibe a apoptose das células
(morte programada celular), assim como inibe o receptor p75NTR, um dos
responsáveis por induzir os folículos a saírem da fase anágena e entrarem em fase
catágena. Por fim, somado aos eventos acima, houve a detecção de uma maior
imunorreatividade ectópica do complexo maior de histocompatibilidade classe I
(MHC class I) e da microglobulina β2, indicando o que é chamado de colapso do
privilégio imunológico do folículo piloso (Figura 6). Com essas constatações, os
autores puderam demonstrar a sensibilidade dos folículos pilosos humanos aos
mediadores cutâneos de estresse, podendo desenvolver melhor teorias, que possam
explicar as quedas de cabelo associadas ao estresse como o eflúvio telógeno e a
alopecia areata.
27

Figura 6 – O papel da Substância P na modulação da resposta do folículo


piloso ao estresse

Fonte: Peters et al. (2007)

Peters et al., em um outro estudo, de 2007, relatam o papel do mediador


químico NGF, como promotor de um quadro de inflamação neurogênica, assim como
observado no estudo citado acima, além de ser, esta substância um elemento
importante na interrupção da fase de crescimento dos cabelos. Vale reforçar, que a
inflamação neurogênica parece preceder o surgimento do colapso do privilégio
imunológico e das patologias autoimunes dos folículos pilosos nos dois estudos
realizados pelo grupo de Peters et al. (2007).
Mcgillis, Mitsuhashi e Payan (1991) em um capítulo sobre as propriedades
imunológicas da SP, para o livro Psychoneuroimmunology, organizado por Ader,
Felten e Cohen, explanam sobre o papel importante deste peptídeo bioativo em
quadros agudos nos tecidos, que apresentam maior hipersensibilidade como a pele
e o trato respiratório, assim como doenças crônicas nestes mesmos tecidos e em
outros, sendo, por exemplo, relacionada à fisiopatologia de quadros como a artrite e
as doenças inflamatórias intestinais, estas últimas, em especial, autoimunes. Os
autores também reforçam a influência desta substância nas células imunológicas,
em especial, sobre os linfócitos, monócitos e mastócitos, promovendo a liberação de
citocinas inflamatórias nos tecidos, nos quais a expressão da SP aumenta. Como
28

observado por Peters et al. (2007) no estudo citado acima, eventos imunológicos
ligados à SP podem ser observados nos folículos pilosos da mesma forma que se
percebem na pele, aparelho respiratório e outros tecidos corporais.
Reconhecendo o papel da SP na indução da perda capilar, um estudo mais
recente (LIU et al., 2013) aponta que espécies reativas de oxigênio (ROS), também
conhecidas como radicais livres, podem estar envolvidas no processo de queda
capilar causado por mecanismos estressantes associados à SP. No estudo, ratos de
6 a 8 semanas, cujos pelos de dorso estão todos em fase telógena foram
submetidos a uma aclimatação de uma semana em gaiolas, em que o ambiente se
mantinha tranquilo e a comida era oferecida sem restrições.
Após a semana de adaptação os animais tiveram seus dorsos epilados com
uma cera depilatória misturada a um corante escuro derivado do alcatrão. Este
evento, por si só é reconhecidamente indutor de início de fase anágena nos folículos
epilados. No dia seguinte à epilação, alguns animais eram submetidos ao teste de
estresse crônico de contenção (CRS test), segundo os autores, um modelo de
avaliação de estresse psicoemocional em animais.
Aqueles que foram aleatoriamente escolhidos para a realização do teste
CRS foram imobilizados durante 6 horas do dia (10h às 16h), em um tubo cônico
com perfurações para permitir a respiração, porém de tamanho suficiente para inibir
o movimento dos animais. Os tubos foram alocados nas gaiolas em uma posição
mais elevada em relação à região, na qual os ratos haviam se adaptado nas
semanas que precederam o início do estudo. Ao longo dessas 6 horas os animais
passavam por restrição de água e alimentos.
Quatro grupos de animais foram estudados, o grupo controle, o grupo que foi
submetido ao teste CRS e não foi submetido a nenhuma infusão medicamentosa
intraperitoneal, o grupo Tempol, que recebeu o antioxidante 4-Hidroxi-2,2,6,6-
tetrametil piperidinoxil, um mimético da enzima superóxido dismutase, que combate
os radicais livres conhecidos como superóxidos e hidroxilas, em injeções
intraperitoneais diárias, por 9 ou 18 dias após iniciado o CRS, e o grupo RP67580,
que foi submetido ao CRS, concomitantemente, com a infusão intraperitoneal de
RP67580, um antagonista do receptor de Substância P NK1, somado ao Tempol, em
dias alternados por via intraperitoneal por 9 ou 18 dias.
Após nove dias de iniciado o estudo, os animais do grupo controle
apresentavam folículos pilosos em uma fase mais adiantada do desenvolvimento
29

(anágena V, VI), do que os animais que faziam parte do grupo CRS, cujos folículos
cursaram com prolongamento da fase telógena e entrada tardia na fase anágena,
estando na anágena II, III. No dia 19, quando se esperava que os folículos
estivessem todos em catágena, foi constatado que apenas os folículos de ratos do
grupo controle estavam na fase catágena V, VI, enquanto a dos animais do grupo
CRS estavam na fase anágena VI, ou seja, o CRS parecia também ter atrasado a
entrada de cabelos na fase telógena.
Quanto à avaliação da relevância da Substância P e da produção de radicais
livres no estresse provocado pelo CRS, marcadores destas substâncias foram
utilizados para a avaliação de material folicular coletado da pele dos animais nos
dias 9 e 19 após a epilação. Os resultados mostraram que os ratos submetidos ao
CRS tinham menor produção da enzima antioxidante superóxido dismutase e maior
expressão de SP nos nervos periféricos. Os pesquisadores também avaliaram o
aumento da degranulação de mastócitos perifoliculares induzida pela maior
expressão da SP, encontrando comprovação de que este processo estava
aumentado nos ratos submetidos ao CRS, ou seja, há inflamação perifolicular
induzida pelo estresse.
Os animais submetidos ao CRS tinham redução do ganho de peso
comparado aos do grupo controle, assim como tinham níveis séricos de cortisol
elevados.
A atividade do RP67580 provou ser eficiente em diminuir a expressão
periférica de Substância P e as consequências cutâneas e foliculares da mesma.
Isso inclui uma menor degranulação de mastócitos, assim como uma normalização
dos níveis de superóxido dismutase induzida pela SP. O RP67580 não influenciou a
perda de peso e os níveis séricos de costicosterona dos animais do grupo.
O uso do Tempol foi utilizado como antioxidante para avaliar o papel das
espécies reativas de oxigênio, na ativação de mastócitos induzida pela SP, tendo
sido eficiente em diminuir a expressão de SP periférica, e também no controle da
degranulação de mastócitos. Assim como no grupo RP67580, o Tempol não teve
resultado na perda de ganho de peso e nos níveis séricos de corticosterona
provocada pelo CRS, mas melhorou o score folicular nos dias 9 e 19, ou seja, o
ritmo do ciclo dos folículos pilosos sofreu menos interferência neste grupo.
O Archives of Dermatological Research, em um artigo de 2015, apresenta
dados atualizados de alguns pesquisadores, que participaram do estudo acima,
30

agora liderados por Lei Wang. O estudo, com metologia não muito diferente do
estudo de Liu et al. (2013), comprova que o estresse induzido pelo CRS influencia o
crescimento dos cabelos devido ao aumento da produção de espécies reativas de
oxigênio mediado pela SP. O artigo afirma que mediante situação estressante, uma
pronta resposta do sistema nervoso autônomo acontece com o propósito de permitir
que o organismo lide melhor com o estresse, assim como há estímulo do eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal para promover uma resposta hormonal, que
desencadeia diversos fenômenos físicos.
Do ponto de vista bioquímico, neuroendócrino e endócrino, os estudos
citados confirmam a relação entre o estresse e a queda capilar. Além da
interferência no ciclo de crescimento capilar, o estresse tem papel importante no
desenvolvimento da inflamação neurogênica cutânea e no colapso do privilégio
imunológico com consequente risco de reação autoimune na proximidade dos
folículos.
Paus e Arck, em um artigo de 2009 para o Journal of Investigative
Dermatology, relacionam estudos sobre o estresse como possível causa de alopecia
areata. Comentam sobre a história, que envolve a descoberta de bases
neuroendócrinas envolvidas no processo, entre elas aquelas que são associadas à
Substância P e a atuação do Nerve Growth Factor (NGF), na fisiopatologia da
doença. Apresentam, também, a ideia de que o estresse não é um fator causal “em
si”, mas um gatilho do processo neuroendócrino que leva à perda capilar. Para
justificar este argumento, citam o conceito da “conexão cérebro-pele”, baseado no
princípio de que o estresse psicoemocional é desencadeante de um evento
bioquímico sistêmico, mas que no nível da pele envolverá neurônios e células
imunológicas para gerar a alopecia areata, um problema autoimune, cuja base está
no colapso do privilégio imunológico dos folículos pilosos. Este colapso do privilégio
imunológico já foi citado acima como uma das teorias para a fisiopatogenia
desencadeada pela atuação da Substância P na proximidade dos folículos. Apesar
de não apontar o estresse como uma causa, de fato, para o surgimento da alopecia
areata, Paus e Arck (2009) reforçam a importância do estresse psicoemocional como
sendo um elemento importante do quadro.
Na revisão de literatura Stress and the follicles: exploring the connections
(2003), Botchkarev apresenta a pele e o folículo piloso como alvos de eventos
estressantes, uma vez que uma boa parte dos mediadores de estresse sistêmico
31

tem elevada expressão na pele (Ex. CRH – corticotropina, e os peptídeos


proopiomelanocortina), assim como citocinas e neurotransmissores. A expressão
cutânea de CRH justifica, neste caso, a atuação de hormônios do eixo hipotálamo-
hipófise-adrenal (HHA) na pele, eixo este que é acionado, como já descrito, de uma
forma muito menos complexa do que os conhecimentos que se têm, atualmente,
sobre este mesmo eixo, por Hans Selye em seu clássico livro The Stress of Life de
1956, enquanto que a atuação dos neurotransmissores apresentada no artigo
remete, em especial, à SP (SELYE, 1984).
Ainda, sobre o eixo HHA, Ito et al. (2005) comprovaram que os folículos
pilosos expressam um equivalente do eixo HHA, sendo capazes de produzir cortisol
de forma endógena, por produzir importantes componentes do eixo HHA como o
CRH, ACTH (hormônio adrenocorticotrófico), e MSH (hormônio estimulante do
melanócito, além de expressar enzimas associadas à esteroidogênese (produção de
esteroides) – Figura 7. No estudo, os autores perceberam que, nos meios de cultura
em que os folículos isolados de estímulos endócrinos, circulatórios e neurais foram
expostos ao CRH e ao ACTH, houve produção de cortisol. Esta observação sugere
que a pele, em especial os folículos pilosos, poderia ser capaz de responder de
forma local aos estresses corporais por mecanismo de autorregulação semelhante
ao sistema HHA. De acordo com as conclusões do estudo, e tendo em vista os
estudos realizados por Selye, se os glicocorticoides, em especial, o cortisol e a
cortisona, podem exercer atividade catabólica em diversos tecidos corporais, fica
claro que a resposta dos folículos ao cortisol, seja este de origem endócrina ou de
produção endógena, poderia influenciar, de forma negativa, o crescimento capilar e
induzir os cabelos a entrarem, precocemente, em fase catágena.
32

Figura 7 – Equivalente folicular do eixo HHA

Fonte: Ito et al (2005).

Um estudo realizado com 99 macacos rhesus com tendência à queda capilar


utilizou a medida da análise do cortisol capilar, um marcador de estresse, para
avaliar até que ponto o estresse poderia estar associado à perda de cabelos
(NOVAK et al., 2014). O elemento estressante utilizado foi o som emitido pela
frequente fricção de agentes metálicos na grade das gaiolas, em que os animais
foram alocados. Os resultados do estudo mostraram uma forte associação entre a
presença de maiores índices de cortisol na fibra capilar de uma grande parte dos
animais do estudo, em especial, naqueles que apresentavam mais de 30% de perda
capilar. Apesar disso, os pesquisadores deixam claro que nem todos os animais que
tinham perda capilar significativa tinham concentrações de cortisol elevada nas fibras
capilares. A conclusão que os pesquisadores sugerem para esta observação é a de
que há, de fato, uma multifatoriedade na perda capilar por estresse, que impede a
universalização da correlação entre o estresse mediado pelo eixo HHA e a queda
capilar, fato já observado neste capítulo, na medida em que os estudos sobre o
reflexo do estresse nos cabelos estão associados a peptídeos bioativos como a
Substância P e o NGF e hormônios endócrinos como o cortisol.
33

5 ESTRESSE E DISTRESSE - CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Hans Selye (1984) definiu o estresse como uma resposta inespecífica do


corpo a qualquer demanda feita a este. Considerado o pai da teoria do estresse,
Selye foi responsável pela ampliação e esclarecimento dos fenômenos corporais,
que se desdobram a partir de qualquer evento considerado estressante ou, como em
sua definição, gerador de demanda. A contribuição para o que, atualmente, se
entende como estresse é significativa até os dias atuais, em especial, no que diz
respeito à capacidade do organismo de ser capaz de se adaptar aos eventos
estressantes. Segundo Selye (1984), cada demanda evoca algumas reações
específicas, assim como pode provocar reações inespecíficas. Ainda, de acordo com
Selye (1984), sendo o estresse inevitável, seria indesejável evitá-lo, uma vez que é
também o tempero da vida, ou seja, pode provocar estímulos positivos, apesar de,
de acordo com a origem e a intensidade, poder causar sofrimento, doenças e morte.
Segundo Filgueiras e Hippert (1999), o conceito de estresse tem sido
amplamente utilizado nos dias atuais, chegando a se tornar reconhecido pelo senso
comum. Viver e estar estressado, adaptado às situações que exigem um esforço de
adaptação tem impacto na homeostasia corpórea, tanto no âmbito físico quanto no
âmbito psíquico.
Citando Melo Filho e Moreira, Filgueiras e Hippert (2000, p. 12) lembram que
estes autores definem o estresse, em sua complexidade física, psíquica e social,
como: “um termo que compreende um conjunto de reações e estímulos que causam
distúrbios no equilíbrio do organismo”, praticamente, a mesma definição que usa
Lipp, em seu livro: “O Stress está dentro de você”, para explicar para o público leigo
o que é o estresse, como se pode perceber em: “Chama-se de stress a um estado
de tensão que causa uma ruptura no equilíbrio interno do organismo”.
A transformação do termo em uma panaceia, como dizem Rodrigues e
França (2010), vem do fato de que há controvérsias sobre o assunto no que diz
respeito a sua conceituação. Rodrigues (2005), em uma definição sobre o estresse,
o apresenta como algo amplo, envolvendo o indivíduo, bem como o meio em que
este vive e a forma como este indivíduo avalia as ameaças e as necessidades que
este meio acaba por impor a ele, incluindo aqui, a leitura que este indivíduo faz de
suas capacidades de lidar com aquilo, que pode lhe colocar em risco.
34

A razão e a emoção, como parte da atividade mental, são elementos


presentes na interpretação dos fatores estressores e que esta leitura não é sempre
consciente, ou seja, passa pelo inconsciente (RODRIGUES, 2005).
Ainda sobre o estresse, Rodrigues (2005) deixa claro que quando o evento
estressante melhora as capacidades do indivíduo, tornando-o mais produtivo e
criativo, é chamado de eustresse, vulgarmente conhecido como estresse bom.
Quando provoca respostas de paralisação ou inadequadas, por excesso de estresse
ou por uma incapacidade de lidar, de forma positiva, com eventos estressantes, tem-
se, então, o distresse. Definições muito parecidas para o estresse “bom” e o
estresse “ruim” aparecem no artigo das pesquisadoras Sadir, Bignotto e Lippi (2010),
em que as autoras pesquisaram o estresse nos âmbitos ocupacionais, de gênero e
na qualidade de vida, cujos resultados reforçam, inclusive, a conceituação de
Rodrigues (2005) sobre a relação do indivíduo com o meio externo e seu mundo
interno.
Apesar da clara demonstração de que o estresse é algo que pode ser
positivo, mas, de acordo com sua intensidade ou forma como impacta cada
indivíduo, pode representar um risco (MAGALDI, 2013), a sociedade desvaloriza o
estresse, banalizando-o, muitas vezes, sem levar em conta os desdobramentos que
podem advir de uma vida cheia de conflitos e exigências estressantes, quando não
se consegue lidar com criatividade e motivação frente a esta condição. O resultado é
que o estresse, na forma de distresse, tem sido causador de uma grande gama de
doenças psíquicas e físicas, que crescem de maneira alarmante na sociedade,
exigindo cada vez mais uma melhor compreensão do indivíduo e do meio em que
ele está inserido, para que se possa avaliar as fragilidades biopsicossociais e, assim,
promover mais saúde, ainda que se tenha que atuar em uma situação, na qual haja
constante embate com o estresse.
35

6 O ESTRESSE COMO CAUSA DE QUEDA CAPILAR – ESTUDOS CLÍNICOS

Os pesquisadores Atefi, Soltani-Arabshahi e Afkham-Ebrahimi (2006), de


Teerã, pautados nos dados de pesquisas como as realizadas por Peters e por Liu
buscaram uma forma de avaliar, do ponto de vista clínico, o impacto do estresse do
dia a dia na vida de pacientes com queixa de queda capilar difusa. Estudaram dois
grupos de pacientes, um grupo controle (com quarenta mulheres em idade fértil e
sem queixa de queda de cabelos) e quarenta pacientes do sexo feminino em idade
fértil, com queixa de queda de cabelos difusa, que foram submetidas a uma ampla
pesquisa sobre as causas mais frequentes desse tipo de queda capilar. As pacientes
do grupo de queda capilar envolvidas no estudo foram avaliadas, de forma rigorosa,
sobre possíveis causas do problema tanto do ponto de vista clínico (história clínica)
quanto por exames laboratoriais, ficando o diagnóstico de queda de cabelo
vinculado a uma causal de queda capilar de causa não identificada.
As pacientes de ambos os grupos preencheram uma escala de avaliação de
reajuste social (Social Readjustment Rating Scale), um modelo de avalição
padronizado para identificar situações estressantes associadas a eventos de vida
ordinários, no último ano, como: família, relações pessoais, trabalho.
O estudo confirma que os escores de avaliação de estresse nas mulheres
com queda capilar difusa eram superiores aos daquelas, que não apresentavam
queda capilar. O grande passo dado pelo estudo foi estabelecer dentro do ponto de
vista clínico, um vínculo entre o estresse e um tipo de queda de cabelo específica
(queda capilar difusa ou eflúvio telógeno). Por outro lado, como os próprios autores
afirmam, um ponto negativo do estudo foi a dependência dos parâmetros de queda
capilar estarem muito vinculados às observações de pacientes e pesquisadores, e
não embasado em exames mais fidedignos para a constatação dos mesmos como o
tricograma e o fototricograma.
Em 2005, Al-Rubaiy e Al-Rubiay estudaram o impacto de eventos
estressantes de vida no surgimento e manutenção de três doenças dermatológicas,
o vitiligo, a psoríase e a alopecia areata em um grupo de 283 pacientes, comparado
a um grupo controle. No estudo, as informações sobre os eventos estressantes e a
associação que os pacientes faziam entre eles e as doenças eram coletadas
mediante entrevista. Cinquenta e quatro por cento dos pacientes com vitiligo e
62,2% dos pacientes com alopecia areata relataram associação causal entre o
36

estresse e o surgimento de patologias com diferença significativa em relação ao


grupo controle. Cinquenta e seis por cento dos pacientes com psoríase e 52% dos
pacientes com alopecia areata também referiram piora de quadros, quando
vivenciavam situações estressantes. Apesar da metodologia do estudo se basear
apenas em informações colhidas dos pacientes, a relação causal e de piora do
quadro observada pelos mesmos era coerente com eventos estressantes de vida.
Uma pesquisa sobre eventos estressantes da vida como fatores causais de
alopecia areata, também realizado por médicos iranianos, foi publicado em 2012
(AL-MUTAIRI et al., 2011). O estudo feito com sessenta e um pacientes
diagnosticados com alopecia areata e sessenta pacientes controle contou com um
questionário de avaliação de eventos traumáticos como parte do método de
avaliação dos participantes (Traumatic Events Questionnaire – TEQ). Chamou a
atenção dos pesquisadores o fato de que os pacientes com alopecia areata tiveram
escores médios mais elevados de itens, que indicavam a perda de um membro da
família durante a infância ou a rejeição afetiva por parte dos pais. Os pesquisadores
concluíram, com isso, que parece haver alguma conexão entre o surgimento da
alopecia areata e estes fatores traumáticos.
Em 2009, Díaz-Atienza e Gurpegui, comparando jovens com alopecia areata
com outros dois grupos, pacientes saudáveis com o mesmo perfil etário da amostra
de alopecia areata e um grupo com epilepsia, os pesquisadores perceberam que os
pacientes com alopecia areata pareciam ter vivido mais momentos estressantes,
além de terem um maior tônus do sistema simpático (avaliado pela excreção urinária
de catecolaminas) do que o grupo de jovens saudáveis. Outra observação foi que,
quando comparados com o grupo de jovens epiléticos, os pacientes do grupo de
alopecia areata mostravam ter maiores fatores de risco para eventos
psicossomáticos como ser membro de uma família monoparental ou perceber menos
expressividade afetiva dentro da família.
37

7 ALOPECIA FIBROSANTE FRONTAL E EVENTOS ESTRESSANTES DE VIDA

Em atendimentos de pacientes com AFF surgem relatos, que apontam para


o fato de que eventos estressantes ou conflitivos da vida possam estar associados
ao surgimento da doença. Traições conjugais, divórcios, traições, problemas de
saúde familiar, mudanças indesejadas de cidade, desaparecimento de familiares,
doenças de familiares e perda de entes queridos são situações que parecem ter
grande relevância para os pacientes e que, normalmente, se encontram presentes
nos períodos, em que os pacientes passam a perceber a alopecia e toda a
sintomatologia associada ao quadro.
A frequência, em que eventos desse tipo aparecem, na fala dos pacientes, e
a associação temporal do estresse causado pelos mesmos, quanto à manifestação
da doença, sugere uma possível relação causa e efeito destes casos, devendo,
portanto, ser compreendida de uma forma mais ampla.
38

8 O ESTRESSE COMO CONSEQUÊNCIA DAS QUEDAS CAPILARES

Avaliar a forma como uma manifestação clínica interfere na vida de um


paciente implica em entender dois aspectos importantes, que estão envolvidos no
conceito de qualidade de vida em saúde, a multidimensionalidade e a subjetividade.
A multidimensionalidade, em qualidade de vida, envolve um amplo conteúdo de
elementos relacionados ao bem-estar como bem-estar físico, funcional, emocional e
social. A subjetividade, por sua vez, determina que a qualidade de vida e só pode
ser compreendida, por meio da perspectiva do paciente. A dor, por exemplo, é um
sinal clínico totalmente individual e apenas pode ser avaliada do ponto de vista da
qualidade de vida, a partir de perguntas diretas ao paciente.
Inventários e escalas, que avaliam estes aspectos, foram desenvolvidos ao
longo dos anos para a melhor compreensão sobre a interferência de processos
patológicos na vida de pacientes e populações, assim como para avaliar resultados
de terapias propostas na área de saúde (CELLA, 1994). Hoje, são encontrados
inventários e escalas, que avaliam a saúde de pacientes como um todo, problemas
de saúde relacionados aos sistemas corporais e, também, doenças específicas.
Os inventários de qualidade de vida relacionados às doenças
dermatológicas visam avaliar a forma como uma determinada condição clínica
cutânea promove interferências na vida de pacientes por estas acometidas.
Baseados no entendimento dos princípios da multidimensionalidade e da
subjetividade, estes apresentam questões sobre situações relacionadas ao trabalho,
relações sociais, relações afetivas e sobre as implicações da doença e percepções
sobre a mesma pelos pacientes após o surgimento das mesmas. Algumas das
perguntas destes inventários, relacionadas aos sentimentos, que emergem a partir
do surgimento da doença, visam entender como as emoções estão envolvidas no
processo, fazendo com que algumas pesquisas apontem informações não apenas
sobre qualidade de vida, mas também sobre o impacto psicoemocional dos
pacientes baseado em um recorte do conteúdo desses inventários.
A identificação de questões de âmbito psíquico nas avaliações clínicas ou
através de inventários de qualidade de vida, em pacientes adoecidos, é denominada
impacto emocional de uma doença. De acordo com Turner e Kelly (2000), pacientes
que desenvolvem doenças crônicas, normalmente, precisam ajustar as expectativas,
estilo de vida e trabalho. Em virtude disso, o desconforto que provoca problemas de
39

saúde pode desencadear transtornos em nível psicológico, sendo os mais comuns a


ansiedade e a depressão.
No caso das quedas capilares, o inventário de qualidade de vida mais
utilizado é o Dermatological Quality of Life Index (DQLI). Alguns inventários
específicos também aparecem em estudos sobre queda capilar como o Alopecia
areata Quality of Life Index (AA-QLI) e o inventário específico para alopecia
androgenética femina (Women´s Androgenetic Alopecia Quality of Life
Questionnaire), sendo o primeiro validado para o português por Martins, Arruda e
Mugnaini (2004).
Welsh e Guy (2009), em uma amostra com doze pacientes, que
manifestaram quadros de alopecia areata, em estudo utilizando entrevista
semiestruturada, observaram que a perda de cabelos pode provocar situações
desconfortáveis para os acometidos, entre estas, o sentimento da perda de
capacidade de atração, insatisfação com a aparência e receio sobre como a sua
imagem vai ser percebida pelo outro.
Cash (2001) deixa claro que os cabelos são parte essencial da autoimagem.
Segundo ele, a imagem do próprio corpo é um conceito psicológico, que refere às
percepções pessoais, pensamentos, sentimentos e comportamentos relacionados à
própria aparência. A perda capilar, portanto, pode interferir, demasiadamente, na
imagem que a pessoa tem dela mesma e, consequentemente, interferir na
autoestima.
Em um estudo de 1993, o mesmo Cash, Price e Savin, já haviam
considerado que o impacto na vida de pacientes com alopecia androgenética vai
além das questões associadas à perda de cabelos em si. Cash percebeu que há
uma discrepância entre a percepção do paciente em relação ao seu quadro de perda
capilar e a gravidade do mesmo, na medida em que até mesmo pacientes com
quedas de cabelos, em estágios iniciais, podem evoluir com um grande impacto em
qualidade de vida, de acordo com o significado que dão ao fato de estarem
perdendo cabelos.
Williamson, Gonzales e Finlay (2001), em um estudo em que foi aplicado o
DQLI em pacientes do sexo masculino e feminino com alopecia, obteve resultados
quanto ao impacto na qualidade de vida dos pacientes semelhantes àqueles de
estudos sobre psoríase e dermatite atópica. Perguntas abertas sobre
comportamentos e implicações emocionais da amostra mostraram dados
40

compatíveis com baixa autoestima e autoconfiança. Esses dados comprovaram


aqueles que tinham o mesmo propósito (investigar questões emocionais e
comportamentos relativos à perda capilar) do próprio DQLI aplicado no estudo.
Alopecias cicatriciais, em especial, costumam causar grande impacto na vida
de seus portadores. Apesar disso, pouco foi estudado sobre o impacto na qualidade
de vida provocado por essas manifestações. Pradhan et al. (2011), ao avaliarem 23
mulheres com alopecia cicatricial, por meio de um questionário modificado de
qualidade de vida em alopecia androgenética feminina (Women´s Androgenetic
Alopecia Quality of Life Questionnaire), perceberam que 73,9% apresentaram
impacto emocional moderado a severo causado pela doença, reforçando o fato de
que por impacto emocional os autores entendem as questões associadas aos
sentimentos provocados por estas doenças.
Chiang et al. (2015), em estudo envolvendo 105 pacientes com LPP ou AFF,
perceberam elevados índices de impacto emocional relacionado à cronicidade do
quadro, ao fato de as pessoas não poderem controlar a evolução do problema e às
limitações dos tratamentos. No estudo, os pesquisadores observaram elevado
impacto na qualidade de vida (altos índices de depressão, por exemplo) dos
pacientes, associado à sintomatologia do quadro e à alopecia em si.
Apesar da relevância clínica e do reconhecimento das questões emocionais
relacionadas aos pacientes com alopecias, incluindo as alopecias cicatriciais, a
abordagem utilizada nos estudos publicados sobre o impacto na qualidade de vida
provocado por essas manifestações emprega metodologia, cujos resultados
mostram apenas dados, predominantemente, quantitativos baseados em inventários
padronizados. Não se vê na literatura estudos que apresentem informações obtidas
das falas dos pacientes e que demonstrem, de fato, possíveis eventos causais, que
justifiquem o quadro, que falem da intensidade do sofrimento dos pacientes e sobre
a forma como a doença interfere em suas vidas.
41

9 A PONTE PSICOSSOMÁTICA QUE ENVOLVE OS MECANISMOS DO


ADOECIMENTO

Rodrigues e França (2010) apresentam a ideia de que os mecanismos de


formação das doenças devem ser compreendidos, em virtude de uma leitura da
totalidade do ser humano e das circunstâncias, que fazem parte de seu cenário de
vida. Reforçam que a ideia do processo de adoecer é uma resposta de um indivíduo,
em sua totalidade, que vive em uma sociedade e esta perspectiva o faz interagir com
este meio, assim como a interagir consigo mesmo.
Os autores também relatam o risco da vida em uma sociedade, em que os
agressores ambientais e socioeconômicos, bem como culturais são múltiplos, sendo
de relevância para se entender a relação do indivíduo com o mundo que o rodeia e
as possíveis respostas psíquicas e orgânicas, que podem derivar do lidar com estes
agentes nosológicos de uma sociedade como a que se vive..
Em determinado momento, os autores dizem:

É de fundamental importância abrir espaço para compreender que a


situação de conflito, seja do indivíduo consigo mesmo, seja com o a
circunstância à qual está submetido – geradora de emoção – é suficiente
para “originar transtornos funcionais, e estes se repetidos e persistentes,
alteram a vida celular acarretando a lesão orgânica e suas complicações”
(RODRIGUES; FRANÇA, 2010, p. 116).

Seguem dizendo:

A emoção é um fenômeno que ocorre simultaneamente no nível do


subsistema do corpo e no nível do subsistema processos mentais. Aquilo
que no nível dos sentimentos é medo, raiva, dor, tristeza, alegria, fome, no
corpo concomitantemente se expressa através de modificações no
subsistema somático, através de modificações nas funções motoras,
secretoras e de irrigação sanguínea. Este conjunto de alterações é
coordenado pelo conjunto hipotálamo-hipófise e sistema límbico
(RODRIGUES; FRANÇA, 2010, p. 116).

Com isso, reforçam a ideia apresentada pela psicofisiologia e


psicoendocrinologia de que o sintoma ou a doença pode ser a resultante dos
múltiplos fatores, que envolvem o indivíduo e seus conflitos.
Partindo deste princípio, e tendo as emoções como possíveis causas de
eventos somáticos fica evidente que há uma ponte entre a experiência de estar vivo
(e todas as peculiaridades que envolvem esta experiência) - os autores, em algum
momento, utilizam o termo “biografia” individual para nominar esta experiência – e o
42

surgimento de doenças. Em resumo, os autores explicam que emoções geram


respostas orgânicas, que podem ter influência diversa no ambiente orgânico, por
meio de respostas motoras, secretoras e de irrigação. Que estas respostas podem
ser positivas ou negativas, e que dependendo de como o indivíduo processa as
emoções, que desencadeiam estas respostas à ponte psicossomática, que define a
manutenção da saúde ou o surgimento de uma doença orgânica foi estabelecido.
43

10 OS FENÔMENOS PSICOSSOMÁTICOS SOB A ÓTICA DA TEORIA


JUNGUIANA E A ALOPECIA FIBROSANTE FRONTAL

Carl Gustav Jung (1907), baseado na teoria dos complexos, observou a


forma como um núcleo de energia psíquica, formado por eventos traumáticos ou
conflitos se sedimenta no inconsciente e pode afetar comportamentos e respostas
fisiológicas, em pacientes normais, e naqueles que apresentavam algum diagnóstico
psíquico.
Segundo Jung (2011), estes complexos, geralmente, com carga emocional
significativa, e uma tonalidade de sentimento própria, são capazes de desencadear
respostas somáticas, estas últimas observadas, por meio do uso de um
galvanômetro. Para chegar a esta conclusão, em 1902, Jung utilizou o teste de
associação de palavras, um método de avaliação que mede o tempo de resposta de
um indivíduo, quando lhe é sugerido a associar uma palavra pronunciada pelo
avaliador com a primeira palavra, que lhe viesse à mente. No teste de associação de
palavras, aquelas que tinham maior tempo de reação, por parte dos pacientes
avaliados, normalmente, estavam associadas aos complexos de ideias de grande
carga emocional. Nos pacientes submetidos ao teste, em conjunto com a avaliação
da curva elétrica galvânica, medida da palma de suas mãos, ficou evidente para
Jung, que aquelas palavras que levavam o paciente a ter um maior tempo de
resposta associativa, também inferiam em uma mudança da medida elétrica da pele
pelo galvanômetro, ou seja, uma resposta fisiológica era desencadeada pela simples
pronúncia de uma palavra, que estava ligada a um complexo de grande carga
emocional. Quando estas palavras, ou ideias que faziam referência às mesmas,
eram mais bem exploradas nas sessões de análise, Jung percebeu uma forte
associação da mesma a traumas e conflitos, que o paciente tinha vivenciado.
Os complexos, segundo Jung, a partir do momento em que se formam,
passam a fazer parte da constituição psíquica e tem relação com os afetos, como
pode ser observado no excerto abaixo:

Todo acontecimento afetivo torna-se um complexo. Se o acontecimento não


estiver relacionado a um complexo já existente, possuindo assim um
significado momentâneo, ele submerge [...] até o momento em que uma
impressão semelhante a reproduza novamente (JUNG, 1907-1999 p. 58).

Jung também afirma que os complexos são:


44

[...] grupos autônomos de associações, com tendência de movimento


próprio, de viverem sua vida independentemente de nossa intenção. "
(JUNG, 1983, p. 67).

Jung explora a manifestação física da ativação do complexo da seguinte


forma:

Qualquer resposta desencadeada seria efeito da unidade do vivente onde


são mobilizados o conjunto dos elementos configurados no complexo
(emoções, ideias, pensamentos, sentimentos, frequência cardíaca, tônus
muscular, resposta simpática e parassimpática, liberação de hormônios,
temperatura corporal etc.) tudo é ativado em resposta ao que está
constelando no complexo acionado. "[...] na realidade absoluta não há uma
tal coisa como corpo e mente, mas corpo e mente ou alma são o mesmo, a
mesma vida, [...]" (JUNG, 1995, p. 52).

Ramos (2006-2014), ao desenvolver a psicossomática na abordagem


junguiana, deixa claro que a transdução de fenômenos psíquicos em somáticos
pode estar vinculada a complexos, que se originam de traumas e conflitos. Citando
Rossi e o próprio Jung, Ramos (2006) lembra que Rossi define consciência como
sendo um “um processo de transdução auto-reflexiva da informação”. A partir daí
explica a teoria da transdução, da seguinte forma:

A teoria da transdução trata da conversão ou transformação de energia ou


informação de uma forma em outra. Aqui o corpo humano é visto como uma
rede de sistemas informativos (genético, imunológico, hormonal, entre
outros). Cada um desses sistemas tem seu código, e a transmissão de
informações entre os sistemas requer que algum tipo de transdutor
possibilite a conversão de códigos de um sistema para outro (Ramos, 2006,
p. 69).

E para tornar possível esta ponte, Ramos (2006) ainda explica como poderia
acontecer esta codificação para que o fenômeno psique-corpo aconteça:

A mente, por ter capacidade de simbolizar na forma linguística ou


extralinguística, pode também ser considerada um meio de codificação,
processamento e transmissão de informação do organismo – psique e
soma. O paciente orgânico, como vimos, codifica seu conflito
preferencialmente no sistema somático (Ramos, 2006, p. 69).

Para reforçar esta ideia, Rossi (1996) desenvolve teorias para explicar o
mecanismo de transdução da informação vinda da psique para o corpo. Baseado
nos estudos de Papez (1937), que descreveu os mecanismos de comunicação entre
o sistema límbico, o hipotálamo e a hipófise, Rossi descreve a transdução das
informações entre a psique e o corpo da seguinte forma: Uma vez que a psique vive
uma experiência estressante, emotiva, que exige formação de memória, aprendizado
45

e mudanças de comportamento, mensageiros neuroendócrinos são disparados e


favorecem fenômenos de expressão gênica que, por sua vez, levam à produção de
mediadores químicos, que atuam “fixando” informações em nosso corpo (ROSSI,
1996).
Segundo o próprio Rossi (1996, p. 201):

O estresse psicossocial intenso pode levar a alterações na expressão


gênica que resultam na produção de proteínas do estresse que estão
associadas a muitas disfunções. Recentemente, por exemplo, verificou-se
que a expressão de genes circadianos em tecidos do coração, fígado e rim
pode ser redefinida por hormônios do stress tais como os glicocorticóides.
Essa é a maior via psicossomática pela qual o estresse psicossocial pode
modular a expressão gênica, levando à produção excessiva de proteínas do
estresse no coração no fígado e nos rins, e provavelmente em muitos outros
tecidos e órgãos também.

Disso se conclui que ao ter um complexo constelado, o paciente pode


manifestar eventos psíquicos e ou somáticos, um quadro de desadaptação da
realidade (quando psíquico), ou sinais e sintomas, quando a transdução ocorre no
nível orgânico.
Como cada indivíduo é sensível a sua maneira e atribui valor a eventos de
sua vida, de forma muito pessoal, quando um evento estressante toca um complexo,
mesmo que este seja aparentemente neutro, dependendo da sensibilidade e
atribuição de valor dada por ele ao evento, uma reação psicossomática intensa pode
emergir.
Em seu livro: A Psique do Corpo, Ramos (2006) reforça o crescimento de
pesquisas, que correlacionam eventos mentais com a interferência no
comportamento de alguns sistemas corporais do sistema imunológico. Um dos casos
apresentados pela autora descreve o comportamento alterado do sistema
imunológico, em paciente com artrite reumatoide, uma vez que, neste caso, o
sistema imunológico hiperativo pode não ser capaz de realizar uma distinção entre
células do corpo e células estranhas, permitindo o surgimento de quadros
autoimunes, situação que, pelo que já se foi estudado, pode estar vinculada à
etiopatogenia da AFF.
Sob a ótica da psicossomática junguiana, e tomando por base os estudos já
citados sobre a base psiconeuroendócrina do surgimento de alopecias, pode-se
partir do princípio que a transdução de fenômenos psíquicos, em eventos somáticos
46

pode, com bases neuroendócrinas, cada vez mais bem elucidadas, colaborar com a
melhor compreensão da etiopatogenia de patologias dos folículos pilosos.
47

11 OBJETIVOS

11.1 OBJETIVO GERAL

Observar se o sofrimento, como fator estressante pode estar associado ao


surgimento e à atividade da alopecia fibrosante frontal e analisar a forma como as
pacientes lidam com a doença.

11.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Avaliar a medida com que os aspectos emocionais, físicos e sociais


associados à alopecia fibrosante frontal impactam, na qualidade de vida,
das participantes do estudo por meio do inventário Dermatological
Quality of Live Index;
- Identificar e analisar os possíveis eventos causadores de estresse, na
forma de sofrimento, da vida do paciente que possam estar vinculados
ao surgimento e agravamento da alopecia fibrosante frontal;
- Analisar as atribuições que os pacientes dão à perda capilar e a
finalidade que dão à doença.
48

12 MÉTODO

12.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO

O presente estudo foi realizado utilizando um questionário sociodemográfico


da amostra, o inventário de qualidade de vida em dermatologia validado para o
português Dermatological Quality of Life Index (DQLI), e um roteiro de entrevista
para a coleta e compreensão dos dados a serem analisados pela perspectiva da
psicossomática junguiana.
Por conveniência, foram convidadas vinte e sete mulheres portadoras de
AFF, diagnosticadas clinicamente e por biópsia da área de lesão, todas pacientes
das clínicas do próprio pesquisador. Dessas, apenas doze aceitaram participar da
pesquisa durante o período em que a coleta de dados estava programada para ser
realizada.
Cada uma das doze voluntárias passou por coleta de dados realizada em
apenas um encontro, com horário agendado para que o encontro fosse iniciado, mas
sem tempo definido para o final da coleta de informações.
Foram critérios de inclusão: ser do sexo feminino, maior de 18 anos e
apresentar alopecia fibrosante frontal confirmada por avaliação clínica. Foram
critérios de exclusão: não ter diagnóstico de alopecia fibrosante frontal, ser homem e
menor do que 18 anos. As participantes da pesquisa foram selecionadas pelo
próprio pesquisador e convidadas a participar da mesma de forma voluntária e
gratuita.
No dia e horário da coleta de dados, e como primeiro documento a ser
preenchido pelas voluntárias, foi entregue a elas um Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido, no qual todas as informações referentes à pesquisa foram descritas
de forma clara e concisa. As participantes da pesquisa foram informadas, por meio
deste termo da garantia de acesso às informações sobre a pesquisa, sobre a
liberdade de retirarem o consentimento de participação a qualquer momento, sem
que isso trouxesse prejuízos à continuidade da assistência, sobre a salvaguarda da
confidencialidade, do sigilo e da privacidade em caso de futura publicação (Anexo
1).
Imediatamente, depois de preenchido o Termo de Consentimento, o
formulário sociodemográfico e o DQLI foram entregues às voluntárias, nesta ordem.
49

Por fim, foi realizada a entrevista das mesmas com um roteiro de perguntas
para que a coleta de informações sobre a história de vida das voluntárias,
previamente à AFF e depois do aparecimento da doença. Um gravador foi utilizado
para que as informações da entrevista pudessem ficar arquivadas para posterior
transcrição e análise. O gravador foi ligado quando do início da entrevista e
desligado quando o roteiro de perguntas havia sido cumprido em sua totalidade.
Com duas voluntárias, após o desligar do gravador, novos temas que pareceram ser
importantes para este estudo surgiram, espontaneamente, na fala das voluntárias,
antes de elas deixarem a sala de entrevistas. Nestes casos, o pesquisador fez
anotações que não constam no conteúdo da transcrição e que podem ser
identificadas como temas relevantes na apresentação dos resultados deste estudo.
O projeto de pesquisa para a realização deste estudo foi, previamente à
qualificação do pesquisador, submetido para apreciação do Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo - SP, com C.A.A.E:
51241415.9.0000.5492, tendo sido aprovado em 26 de Novembro de 2015.

12.2 LOCAL PARA COLETA DE DADOS

Os dados da pesquisa foram coletados na clínica do próprio pesquisador


localizada na Av. Imperatriz Leopoldina 957 – Conj. 2009 - Vila Leopoldina, em São
Paulo-SP e na Rua Capitão Pedro Werlang 415 - Higienópolis, em Santa Cruz do
Sul-RS.

12.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS E PROCEDIMENTOS

Os seguintes instrumentos foram utilizados obedecendo a ordem com que


são descritos na sequência. As participantes da pesquisa foram entrevistadas em
sessão única, após lerem e assinarem o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
50

12.3.1 Formulário sociodemográfico

Este formulário consiste em um questionário, com o objetivo de caracterizar


o perfil da amostra, a partir de dados sociodemográficos, tais como: idade,
ocupação, estado civil e outros registros (Anexo 2).

12.3.2 Inventário de Qualidade de Vida em Dermatologia (DQLI)

Este inventário se apresenta como um instrumento utilizado para avaliar a


qualidade de vida de pacientes com doenças dermatológicas, desenvolvido por
Williamson, Gonzalez e Finlay (2001). Foi validado no Brasil, em 2005, por Martins,
Arruda e Mugnaini. O inventário tem questões que avaliam sentimentos, atividades
diárias, atividades de lazer e prática de esportes, trabalho e ambiente estudantil,
relações interpessoais e sobre o tratamento do problema dermatológico. Apresenta
dez questões de múltipla escolha, que têm como propósito avaliar a intensidade com
que o problema de pele afetou a vida do paciente durante a última semana. Cada
questão tem escore variando entre 0 a 3 com valor total de escore, ao final do
questionário, entre 0 a 30, sendo que os valores mais elevados dizem respeito a um
maior grau de incapacidade. As perguntas do DQLI têm como propósito explorar os
seguintes temas da vida dos voluntários: sentimentos e sintomas, atividades diárias,
lazer, trabalho e escola, relações pessoais e tratamento (Anexo 3).

12.3.3 Entrevista semiestruturada

A entrevista foi orientada por um roteiro semiestruturado, elaborado pelo


pesquisador, abordando aspectos referentes ao momento, em que o problema
parece ter surgido e quais emoções e sentimentos o paciente acredita ter em relação
à alopecia (Anexo 4).

12.3.4 Gravador

Um gravador foi utilizado para o arquivamento de informações durante a


aplicação de entrevista semiestruturada, sendo ligado no início da coleta da
51

entrevista e desligado quando o pesquisador cumpriu todo o conteúdo do roteiro de


perguntas.

12.3.5 Bloco de anotações

Um bloco de anotações foi utilizado para ajudar o pesquisador a tomar nota


de pontos importantes, que surgiram durante a entrevista e para informações extras,
que surgiram após o final da entrevista e que foram trazidos pelas voluntárias antes
de deixarem a sala de coleta de dados.

12.4 PROCEDIMENTOS

As entrevistas, realizadas com o roteiro semiestruturado, obedeceram a um


ritual padrão, que foi estabelecido para que a coleta de informações fosse feita de
forma semelhante com todas as voluntárias.
Duas poltronas eram colocadas frente a frente para a acomodação do
pesquisador e da voluntária. Ficava à disposição da paciente: um copo de água e,
próximo a ela também uma caixa de lenços, que era deixada ali de maneira que
parecesse despropositada. Imediatamente, antes do início das entrevistas o
pesquisador comunicava para as voluntárias sobre o fato de que muitas das
perguntas, que seriam feitas durante a entrevista, pudessem ser iguais ou parecidas
com as perguntas feitas durante a anamnese médica, realizada pelo próprio
pesquisador, durante a consulta das mesmas como pacientes. Também foi pedido
que as pacientes respondessem, de forma mais completa possível, aos
questionamentos, uma vez que o tempo destinado à entrevista era superior ao das
consultas médicas previamente realizadas. Qualquer lembrança que remetesse às
perguntas prévias durante o transcorrer da entrevista poderiam ser comunicadas
apresentadas até o final da mesma, uma vez que este procedimento havia sido
realizado, se dava o início da gravação e também da entrevista.

12.5 RESULTADOS

We´re like creatures of the wind, and wild is the wind.


David Bowie
52

Antes de começar a apresentar os resultados obtidos durante os encontros


com as pacientes portadoras de Alopecia Fibrosante Frontal para este estudo,
importante deixar documentado a importância que as conversas com as pacientes,
na realização das entrevistas desta pesquisa, tiveram para a melhor compreensão
da dor e do sofrimento das voluntárias. Uma experiência intensa e reveladora
ocorreu durante todo este trabalho e mudou a forma como o pesquisador enxerga o
sofrimento de pacientes, transcendendo, inclusive, a própria AFF. Jamais o
pesquisador imaginou que escutar histórias de vida poderia abrir as portas para uma
nova maneira de enxergar a dor alheia, mesmo sendo médico há quase vinte anos.
Naturalmente, que os estudos sobre psicossomática e psicologia analítica, temas
que se vem estudando há cerca de seis anos, foram de grande valia para que os
sentidos pudessem captar, se não todos, mas muitos detalhes que as lições que a
medicina tem propiciado há tantos anos e nunca foram suficientes para mostrar.
As entrevistas, em grande maioria, emocionalmente intensas, realizadas nas
clínicas do pesquisador em São Paulo e em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do
Sul, apoiadas no roteiro de perguntas, raramente tiveram os scripts seguidos na
ordem que as perguntas se mostravam. De uma forma ou de outra foram se
construindo a cada frase do depoimento das voluntárias e se completaram sem que
se tivesse que exercer forte controle ou força para que pudessem ser completadas.
Selvagens como o vento, cada frase edificava um conteúdo repleto de altos e
baixos, de emoções controversas, de sentimentos que podem ser lidos como fatores
desencadeantes ou resultado do desnudamento capilar que aqueles rostos
mostravam.

12.6 ASPECTOS SOCIODEMOGRÁFICOS DA AMOSTRA

Quando Kossard descreveu a doença, em 1994, esta era observada apenas


em mulheres na menopausa. Relatos de casos recentes mostram que a AFF tem
acometido mulheres em faixas etárias mais baixas em relação à idade média de
entrada na menopausa. Este é o caso de duas voluntárias, uma com 34 anos e outra
com 45. As demais relatam ausência de sangramento menstrual (amenorreia)
superior a doze meses, segundo consenso de sociedades de ginecologia do mundo
todo para caracterizar a falência dos ovários, responsáveis, em conjunto com
hipotálamo e hipófise, pelo controle menstrual.
53

Os dados coletados pelo inventário sociodemográfico estão todos dispostos


na Tabela 1.
De acordo com a idade, a voluntária mais nova da amostra apresenta 34
anos, enquanto a mais velha tem 74. A média de idade da amostra foi de 57,4 anos.
A escolaridade das voluntárias ficou assim representada, duas delas
apresentavam apenas formação até o nível fundamental, três delas tinham formação
até nível médio e a maioria, sete, havia terminado o nível superior.
O estado civil das voluntárias mostrou que a maioria era casada ou viúva.
A renda média das voluntárias foi de 7.500 reais. Os recebimentos variaram
de 3.500 reais a 14.000 reais.
Todas as voluntárias eram cristãs, porém pertencentes a linhas diferentes do
cristianismo.
O número de filhos das mulheres da amostra variou entre não ter filhos até
três filhos. A voluntária de número 4 não pode conceber e adotou uma filha,
atualmente, com 42 anos. A voluntária 8 teve dois, sendo um vivo e o outro falecido
quando da idade de 19 anos.
Algumas voluntárias tinham, em seu histórico médico, outras doenças. Só
estão apresentadas na Tabela 1 as patologias que necessitam de tratamento ou
acompanhamento médico periódico.
54

Tabela 1 – Dados Sociodemográficos das voluntárias

Fonte: do autor
55

12.7 ANÁLISE DO ÍNDICE DE QUALIDADE DE VIDA EM DERMATOLOGIA

O Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DQLI) é um inventário para


a verificação do impacto de doenças dermatológicas em seis áreas da vida de
pacientes com problemas dermatológicos. Desenvolvido para fins do melhor
entendimento para esses casos, o DQLI é amplamente utilizado em estudos de
amostras das mais variadas doenças dermatológicas, incluindo as alopecias.
O inventário apresenta dez questões, cuja proposta é verificar em quais
aspectos da vida dos pacientes a doença mais interfere e, no geral, se a doença
provoca um impacto de maior ou menor severidade nas populações estudadas.
As perguntas têm pontuação de 0 a 3 de acordo com a tabela abaixo
(Tabela 2):

Tabela 2 – Pontuação das respostas do DQLI


Resposta Pontuação

Muitíssimo 3

Muito 2

Um pouco 1

Nada 0

Não relevante 0

Sem resposta 0
Fonte: Finlay e Khan (1994)

A divisão de temas pesquisados pelo inventário é caracterizada pelo


interesse em seis áreas da vida dos pesquisados. Sintomas e sentimentos,
atividades diárias, lazer, trabalho e escola, relações pessoais e tratamento. As
perguntas que se relacionam com estas devidas áreas são apresentadas na tabela
abaixo (Tabela 3):
56

Tabela 3 – Temas avaliados pelas questões do DQLI


Temas Questões

Sintomas e Sentimentos 1e2

Atividades Diárias 3e4

Lazer 5e6

Trabalho e Escola 7

Relações Pessoais 8e9

Tratamento 10
Fonte: Finlay e Khan (1994)

De acordo com a pontuação de cada área da vida dos pacientes, é possível


mapear qual área foi a mais afetada, assim como, definir o impacto da doença
dermatológica na vida dos pacientes baseado na pontuação somada dessas seis
áreas, em acordo com a proposta do inventário. No que diz respeito a este impacto a
Tabela 4 mostra que a gravidade do impacto, na qualidade de vida, provocado na
patologia dermatológica pode ser diferente para cada paciente:

Tabela 4 – Escala de pontuação para avaliação do Impacto na


qualidade de vida pelo DQLI
Impacto na Qualidade de Vida

Pontuação Intensidade

0-1 Sem impacto

2-5 Impacto leve

6-10 Impacto moderado

11-20 Impacto elevado

21-30 Impacto muito elevado


Fonte: Finlay e Khan (1994)

As voluntárias da pesquisa tiveram a pontuação de seus resultados


distribuídos como apresentado na Tabela 5:

Tabela 5 – Resultado da pontuação por temas e total


Resultados Vol Vol Vol Vol Vol Vol Vol Vol Vol Vol Vol Vol
(pontuação/temas) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
57

Sintomas e
Sentimentos 2 1 1 4 2 1 1 2 3 0 4 4
(Questões 1 e 2)

Atividades Diárias
0 1 0 6 0 0 2 1 1 0 2 6
(Questões 3 e 4)

Descanso (Questões
1 2 0 3 0 1 2 0 2 0 1 4
5 e 6)

Trabalho e Escola
0 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 1
(Questão 7)

Relações Pessoais
1 2 0 3 3 0 2 1 3 0 2 1
(Questões 8 e 9)

Tratamento (Questão
0 0 0 1 2 1 0 2 0 0 0 1
10)

TOTAL 4 6 1 17 7 3 8 6 10 0 9 17
Fonte: do autor

A representação gráfica abaixo (Gráfico 1) mostra a pontuação total das


voluntárias e a distribuição de suas pontuações, segundo as áreas da vida, em que
a AFF provocou mais incômodo.

Gráfico 1 – Pontuação das Voluntárias de acordo com as categorias avaliadas pelo


DQLI

Fonte: do autor
58

O tema sintomas e sentimentos foi o que representou mais impacto para as


voluntárias, sendo seguido pelo impacto nas relações pessoais e, logo depois, nas
atividades diárias.
A maioria das voluntárias (6) teve resultado de impacto moderado em
qualidade de vida. No que diz respeito a nenhum impacto, impacto leve e elevado,
cada um deles foi observado por duas voluntárias da pesquisa. Nenhuma voluntária
teve pontuação acima de 21, necessária para atingir níveis de impactos muito
elevados.

12.8 ANÁLISE DO ROTEIRO DE ENTREVISTA

A pergunta inicial foi sempre a mesma: Quando seu problema capilar


começou? A interpretação dessa pergunta foi muito pessoal. Algumas delas
apresentavam informações temporais, outras citaram a percepção dos sintomas em
uma situação comum da dinâmica de vida (uma visita ao cabeleireiro), enquanto
outras ambientavam o início da alopecia em um cenário de menor ou maior
complexidade de eventos estressantes. A partir deste momento, a entrevista seguia
com respostas que, eventualmente, eram curtas e que, simplesmente, ficavam
restritas ao conteúdo da pergunta realizada ou, sem saber, se adiantavam trazendo
informações que transcendiam as perguntas e, na maioria das vezes, antecipavam
respostas a outros questionamentos presentes no roteiro.
Os eventos estressantes, que poderiam ser identificados como possíveis
causadores da AFF, foram surgindo com mais facilidade para algumas e com mais
dificuldade para outras, dando a impressão de que, nesses casos, estavam tentando
se resguardar e evitar a exposição, que possíveis traumas e conflitos pudessem
acompanhar.
Para este pesquisador, o exercício de coleta de informações foi pedagógico,
ao mesmo tempo em que demonstrou a dificuldade, que se tem em chegar a
núcleos estressantes em um período inferior a uma hora e meia (tempo máximo de
duração da entrevista mais longa). Esta situação se desdobrou em uma reflexão
sobre a dificuldade em ir mais fundo nos temas estressantes. Algumas das possíveis
motivações seria o fato de formação médica ter sido um fator que pode ter tornado a
coleta de informações deste tipo pouco produtiva e se isso se somava ao curto
período de tempo para este tipo de coleta de informações, às dificuldades de
59

algumas das voluntárias em falar sobre as questões com o médico, à fraqueza do


vínculo entre entrevistador e entrevistado, em uma situação, que não é a do
atendimento médico, ou seja, fora do cenário de uma consulta médica, em que já
havia certo vínculo, e à própria situação da entrevista em si.
Ainda assim, um material extenso e significativo foi colhido para análise das
principais questões que poderiam levar as pacientes a desenvolverem uma patologia
como a AFF. Um vasto conjunto de narrativas, que envolviam conflitos, dores e
sofrimentos de toda a sorte.
Seguindo o modelo proposto para uma análise temática, o estudo das
entrevistas permitiu a observação de dois elementos importantes para os resultados
e que envolvem o sofrimento como evento estressante. O primeiro é aquele que é
notado nas categorias, que podem ser observadas na vida das voluntárias antes do
surgimento da AFF, o segundo é aquele observado após o surgimento da doença e
que demonstra toda a preocupação que a AFF trouxe para as histórias de vida e que
também serão apresentadas aqui. Neste trabalho, apesar de se ater mais ao
conteúdo das histórias prévias ao surgimento da AFF, apresenta-se o conteúdo das
categorias temáticas levantadas após a AFF, para que possam ser trabalhadas,
possivelmente, em uma continuidade deste estudo.

12.8.1 Voluntária 1 (São Paulo - 2016)

A voluntária 1 também traz uma história de sofrimento importante. Teve uma


infância difícil, como conta: “a situação financeira sempre muito difícil, minha mãe
sempre muito nervosa, não controlava as emoções dela… Batia na gente…
Despejava na gente mesmo de uma maneira muito drástica, a gente tinha medo dela
matar a gente. Meu pai fazia a gente passar vergonha na rua, na frente das
pessoas, era muito bravo, só que ele não batia. Meus pais eram muito rígidos, e a
gente com aquela coisa, vontade de ter as coisas, situação financeira difícil…”
Quando detalha mais o comportamento da mãe, diz: “A postura dela foi
parecida com a que ela foi criada, então, era o tratamento que ela dava para nós.
Era sempre por medo. A gente tinha receio de tudo, medo de tudo. E a educação
dela era de bater muito, a gente apanhava muito e tinha muito medo de apanhar.
Mas vivia apanhando, por qualquer coisa, entendeu? Porque ela perdia a paciência
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e a gente apanhava muito. Eu tinha um medo absurdo, eu tinha, sempre tive, a vida
inteira, muita insegurança.”
Ao descrever a si mesma, a voluntária diz: “Insegurança para mim é uma
coisa absurda, que eu tenho demais, assim, mudança, dois casamentos
frustradíssimos, o primeiro ruim, o segundo pior. Segue falando: Sou absurdamente
emotiva, muito ansiosa. Minhas emoções são muito fortes. Tenho muito medo.
Tenho muito medo que trago da infância, que me incomoda desde muito tempo. Eu
sempre me achei muito inferior às pessoas, às demais pessoas, de um modo geral.
Sempre me achei incapaz.”
Além da infância difícil, dos casamentos frustrados e de toda insegurança de
vida, outro sofrimento importante foi trazido à entrevista. O fato de ela crer ter errado
como mãe: “Tenho um filho muito difícil, que é o mais velho. Ele é dependente
químico, alcoólatra, me deu muito trabalho, muitas preocupações. O pai foi
alcoólatra. Me separei dele porque me deu muito trabalho, muitas preocupações.
Não aguentei. Meu primeiro marido tinha atitudes muito desprezíveis por causa da
bebida, mas nunca agressivas. Meu filho seguiu o mesmo caminho e me fez sofrer
muito. Hoje está casado e parece que está melhor, que Deus o conserve assim.”
Insegurança, impotência, frustração e vergonha, tendo os dois primeiros
temas muito peso na vida da paciente até os dias de hoje. Mesmo depois de ter se
apoiado na religião espírita, na qual encontrou certo consolo e melhor compreensão
para seus sofrimentos.

12.8.2 Voluntária 2 (São Paulo - 2016)

A voluntária 2, profissional da área da saúde, foi aquela que demonstrou


uma maior resiliência frente à AFF. Ao mesmo tempo foi aquela que mais
superficialmente, quase que saindo pela tangente, expôs suas experiências de vida.
Atualmente, usa prótese como uma forma de esconder a grande extensão de sua
área de perda capilar, a maior extensão de alopecia entre todas as pacientes.
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Foto 1 – Voluntária 2. AFF de maior extensão de acometimento do


couro cabeludo entre as voluntárias da pesquisa

Fonte: do autor

Ao que se registra, o cuidar de seus pais parece ter sido as questões mais
marcantes de sua vida, exceto por um quadro alérgico, que a afastou de suas
atividades profissionais durante um tempo.
Sobre a família, diz: “Tive que cuidar de minha mãe quando ela ficou doente
porque tava todo mundo casado e eu tinha que dar conta de cuidar dela, e só eu
para ajudar mesmo.”
A paciente foi deixada sozinha para cuidar de sua mãe enferma. Seus
irmãos pouco se importavam com a situação familiar da mãe, ainda mais tendo uma
profissional da saúde como irmã podendo cuidar dessa mãe. Assim, a paciente
registra que; “Minha mãe faleceu quando eu tinha 33 anos. Faz 22 anos que ela
faleceu.”
Sincronicamente, a mesma época de surgimento dos primeiros sinais de
perda de pelos do corpo, que a paciente relata ter parado de depilar desde muito
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nova, porque diminuíram consideravelmente. Um indício de que a AFF já estava


presente em sua vida.
Continuando a paciente conta: “Nos últimos anos da vida dela (a mãe), ela
passou todo o tempo comigo. Uns 5 anos pelo menos. Eu trabalhava no hospital e
chegava em casa e tinha que cuidar dela. Ela teve dois AVCs, nunca ligou para
tratar a hipertensão. Eu cobrava ela de tomar os medicamentos. Ela sempre deixava
de tomar. Esquecia. Sempre fui eu tomando a responsabilidade. Minha mãe era
rebelde para tomar remédio. Me incomodava, eu enfermeira, cansada… O pai,
também doente, parecia implicar com ela por ela trabalhar e não ficar em casa
cuidando deles. Meu pai também era meio doente. Implicava que eu trabalhava. Mas
quem tinha que arcar com todo o trabalho era eu.”
A paciente, apesar da aposentadoria dos pais, era a responsável por
incrementar a renda da família que era humilde.
A solidão, volta ao tema quando a paciente diz que seus parentes,
atualmente, não são próximos a ela, mesmo morando próximos. Nunca constituiu
família e hoje relata morar sozinha com o cachorro.
Interessante perceber o fator que a voluntária 2 associa com o início de sua
queda capilar, agora no couro cabeludo, registrando que; “Eu associo o problema
do cabelo ao uso de um xampu que gelava minha cabeça, Garnier Citrus. Eu sempre
fui alérgica e acho realmente que foi esse o problema que provocou minha queda de
cabelos”.
Um evento de elevada intensidade estressante para a paciente aconteceu
algum tempo antes do começo da queda capilar e que precedeu o uso do xampu
que a paciente crê ser a causa de sua perda capilar. Um quadro alérgico severo que
a afastou do trabalho por um período longo até ser transferida de setor, e para um
setor que ela não gostava como ela relata: “Tive que parar de mexer com luva de
borracha, formol etc. Como eu trabalhava no centro cirúrgico eu tinha contato com
formol, tinha que usar luva para tudo, inclusive lavar material. E aí eu acho que o
organismo foi transformando aquela química toda e, quando vê, começa a reagir. Aí
a queda de cabelo veio com tudo, foi tudo ao mesmo tempo. Comecei a ficar com o
rosto vermelho. Muito vermelho, inchado. Os médicos sempre me perguntavam o
que eu tinha. Minhas palmas das mãos também ficavam em carne viva. Começava
com umas bolinhas e depois ficava em carne viva. Fui afastada e me mudaram de
setor, então não precisava mais mexer naquelas coisas.”
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Trabalhar sempre foi algo importante para a paciente. Uma forma de


valorização de sua pessoa. Em algum momento deixou, temporariamente, as
atividades no hospital. Porém, quando voltou, diz ela: “as alergias voltaram com a
mesma intensidade. Acho que juntou tudo, estresse de voltar a trabalhar em
hospital, mais a alergia que me deixava estressada. Fora que os remédios que eu
tinha que tomar eram todos manipulados e muito caros. Eu chorava muito de ver
minha mão daquele jeito, meu rosto daquele jeito. E aqui uma associação entre a
queda capilar e os eventos alérgicos: acho que a queda é porque ficou alguma coisa
daquela alergia no meu organismo.”
Impotência, solidão, frustração e vergonha marcam a entrevista da voluntária
2 que, apesar de tudo e, como já dito, parecia muito bem resolvida diante de todas
as adversidades de sua vida.

12.8.3 Voluntária 3 (São Paulo - 2016)

A voluntária 3, atualmente, com 55 anos, relatou que veio em consulta com


queixa de perda de cabelos na região pré-auricular do couro cabeludo percebida
pela sua cabeleireira. Ficou espantada quando foi questionada sobre sua
sobrancelha já quase imperceptível por detrás dos aros de seus óculos. Apesar de
ser muito mais fácil de perceber a ausência de sua sobrancelha do que seu quadro
de AFF, totalmente coberto pelo estilo de pentear da paciente, ela sequer havia
percebido a significativa mudança de sua fisionomia provocada pela perda de pelos
naquela região.
O quadro da paciente, segundo ela, havia começado há cerca de dois anos.
Iniciada a entrevista, quando questionada sobre possíveis situações estressantes ao
longo de história de vida e, em especial, no período no qual, possivelmente, teria
começado o quadro de AFF, a paciente relatou a opinião do marido dizendo: “eu não
sei. Meu marido acha que foi depois que eu aposentei que... e que por conta
disso…” Segundo ela, o marido realmente crê que pode ter sido isso. De certa
forma, a paciente discorda, em especial, por haver um tempo relativamente distante
entre a percepção da queda de cabelos e a aposentadoria, como pode ser
observado no trecho: “eu achei muito tempo, porque eu aposentei em dois mil e dez.
Apesar que a minha sobrancelha já… pelo visto, já vinha... caindo antes, né. A
sobrancelha eu não ligava muito… Agora o cabelo foi o que me... assustou”.
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Ao ser questionada sobre o porquê a aposentadoria poderia ter sido um


possível fator estressante para a vida dela, comentou: “Dois mil e dez eu aposentei.
É lógico que é um... baque na vida da gente, porque... passei a ficar o tempo todo
em casa. E…. então... tem aquela adaptação::... entendeu? É diferente, é outra
vida...” A voluntária segue dizendo que: “trabalhei durante trinta anos, de repente
você passa a ficar em casa, quase não sai, não vê as pessoas, dá aquela coisa
meio estranha na gente...”
Sua fala deixa claro que com a aposentadoria não havia apenas deixado de
trabalhar, havia perdido algo que parecia ser muito precioso como demonstra no
trecho: “É, porque eu trabalhava num local assim... eram 60 pessoas... num salão
muito grande... que era uma... convivência perfeita. Que era uma turma que vinha
junto há muitos anos, a gente... saia muito, fazia muita festa... o chefe era ótimo...
era tudo perfeito. Eu não, não podia reclamar. Nunca trabalhei vinte horas por dia...
Eu trabalhava num local assim que todo mundo gostaria de trabalhar. E... E com
muita gente. Então... assim, era aquela/ apesar de eu não... eu não tinha assim.... eu
não era de fazer amizades, assim com o pessoal do serviço. Pra mim serviço é
serviço, casa é casa. Mas enquanto lá dentro era tudo muito bom. Eu me dava com
todo mundo, a gente brincava muito, conversava, fazia muita festinha... E depois que
eu aposentei, eu sabia que isso ia acontecer. Eu aposentei, ah, e agora? Né? Puxa
vida, fiz a previsão da coisa ali. Não devia ter aposentado, né, isso eu sabia que
seria assim. Mas aconteceu mesmo. Eu aposentei, fiquei em casa e… logicamente...
sozinha o dia inteiro, porque marido vai trabalhar, as filhas vão pra escola, então...
mudou muito radicalmente aquele convívio assim... eu não tinha mais, e eu não sou
uma pessoa muito sociável, assim, com o vizinho, essas coisas, eu não sou muito,
né.”
Começa a ficar evidente que a paciente havia perdido o trabalho, a
satisfação da convivência com pessoas que, se não eram grandes amigas, se
gostavam e que o ambiente de trabalho era muito bom. Não ter um plano para o
período após a aposentadoria e não estar preparada para a solidão de um lar vazio
também estavam pesando. Ao longo da entrevista repete, algumas vezes, como
pode ser percebido no trecho: “Então... ficou realmente faltando um pouco dessa
parte de… convivência com outras pessoas, né, assim como quando diz: A
convivência… realmente... eu sinto falta... das pessoas... né. Então… é... na
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verdade, eu: tô ainda em casa, não faço nada, assim, de diferente... é, faço uma
caminhada, entendeu? Tento. Mas é tudo sozinha.”
Um grande desafio, que já dura seis anos e conflita com a vida sem trabalho
e solitária. A voluntária se encontra em um dilema que, em todo esse tempo, ainda
não encontrou uma solução e parece que ainda está distante dela: “eu não sei o que
eu... vou fazer... porque eu ainda não consegui pensar algo pra fazer... que me
ocupe o dia, entendeu? Eu tenho esse problema. (Ainda não...) Penso, penso,
penso, mas n/ não encontro algo que eu goste de fazer... até que me dê uma
renda... alguma coisa assim, ainda não descobri. Tô pensando.”
Esta falta de sentido para este novo período da vida também é justificada
pela paciente por conta das obrigações da casa, que parecem ter engolido a
paciente com novas funções como: cuidados com as necessidades do marido e das
filhas, ao longo do dia, enquanto a casa está vazia, como é possível perceber na
fala: “Então… É difícil eu arrumar alguma coisa pra eu fazer porque eu não consigo
encaixar um tempo pra mim...”
Os temas impotência, perda, solidão e frustração surgem na entrevista da
Voluntária 3, apesar dela não ter se envolvido de maneira tão intensa com a
entrevista e ter tomado aquele momento como uma conversa, em que é preciso
explicar possíveis justificativas para um problema físico, que parece tê-la pego de
surpresa. Um relato breve e sucinto, que foi finalizado sem muitas aberturas para um
melhor entendimento de sua história de vida.

12.8.4 Voluntária 4 (Santa Cruz do Sul - 2017)

“Eu era manequim. Desfilava para marcas e em lojas. Fui rainha, fui miss, fui
um monte de coisa.”
A voluntária 4 chegou a mostrar fotos de quando era mais jovem, em seus
tempos “áureos”, como ela mesma disse. Certamente, é a que sofre mais com a
perda de cabelos. Principalmente, pela forma como a doença “estraçalhou” a
imagem dela. Uma imagem marcada pelas conquistas que a sua beleza física, sua
aparência proporcionavam.
Associa o início da queda à perda do pai e da mãe por doenças, como
registra: “Câncer, de pulmão ele… Muito sofrido…”
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Traz, também, algo que vai marcar a entrevista desde o começo até o final:
a solidão, explicitando no registro: “Eu sou filha única e sempre quis ter filhos… Em
outro momento diz: Minha mãe morreu, eu ainda tinha uma doméstica, porque eu
trabalhava, né, como secretária de médico, hoje vivo apenas com uma cachorra que
eu adotei. Eu tive uma infância muito feliz. Por isso, eu sofri tanto com a morte deles.
A ausência deles, eu sofro até hoje… E sonho muito com minha mãe. Com meu pai,
eu quase não sonho, mas com minha mãe eu sonho muito.”
Tirando seus pais, seus relacionamentos todos foram complicados. Um
marido que viveu pouco tempo com ela e que, como seu pai, faleceu com câncer de
pulmão. Uma filha adotada, com quem tem dificuldades de lidar até os dias atuais
por seu comportamento rebelde. Relacionamentos, predominantemente, com
homens casados, que nunca foram para frente porque ela não aceitava construir sua
felicidade destruindo a felicidade de outras pessoas, destruindo famílias.
“Tudo na minha vida é adotado. Filho adotado, cachorro adotado… Netos
adotados das minhas amigas. Tudo é adotado! Uma frase marcante, uma vez que,
realmente, não conseguiu se relacionar de forma intensa com ninguém, em
nenhuma esfera.”
Sobre o fato de não ter filhos e decidir por adotar, vive uma situação
conflitiva. Amar a filha que escolheu para ser sua contra o comportamento rebelde
da filha, que sempre a pôs em conflito com todos à volta dela, conforme se
depreende da seguinte fala; “Papai do céu não me deu filhos. Eu tive que buscar, diz
ela. Rebelde, avessa ao trabalho, homossexual e “possivelmente” usuária de drogas,
a filha é o maior motivo de tristeza para a voluntária. Tentamos fazer ela estudar,
tentamos fazer ela trabalhar, eu tentei… Ela não quis estudar, não quis trabalhar…
Não quis nada. Vive com uma pensão do pai dela, desde que ele morreu, e está
sempre dura, ontem mesmo me pediu dinheiro pelo telefone. Sempre com amizades
estranhas… Vivemos sempre em atrito, eu e ela. Ela sai de noite, volta tarde de
manhã, só. É daquelas que não se sabe se tá viva, se tá morta, se foi sequestrada,
se isso, se aquilo. Então, a gente sempre vivia… Medo, né? Ela sempre foi meu
grande problema… Até hoje. Ela me preocupa. Porque ali eu tenho certeza que rola
uma macoinha, não sei se ela tá nas drogas pesadas ou não tá… Se ela continuar
se destruindo, o problema é dela. Eu não consigo fazer nada. Eu tenho que pensar
em mim agora. Essa moça que mora com ela, a namorada dela, eu não tenho
empatia com ela. Com a anterior eu até tinha. Mas com essa… Dizem, no prédio,
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que ela coloca qualquer tipo de gentalha no apartamento. E ai… ai… deve rolar de
tudo… Eu tô sempre preocupada, sempre tensa, por causa dela. Me deixa triste
também porque eu tanto queria ser avó.”
Nesse momento da entrevista, a voluntária começa a chorar ao falar:
“Minhas amigas, todas têm netos, e eu sou a única que não posso ter netos”.
Segue falando sobre sofrimento por se sentir muito solitária: “Eu rio por fora,
mas choro por dentro. Todo mundo gosta de mim, porque sou divertida, sou alegre,
mas, por dentro… eu estou sempre chorando. Eu tô muito só. Quando chega o final
do ano eu sofro muito, eu choro muito. Porque eu fico pensando nas famílias, onde
tem criança, e aquela coisa toda… E eu, daquele jeito (só). E não me reúno com
meus familiares, porque minhas primas têm netos delas. Netos, filhos… Aquela
coisa toda. Eu digo assim: não, é Natal, é festa de família, eu não tenho (família),
fico quieta no meu canto.”
Mágoas com a filha, impotência diante da vida, tristeza, solidão, perdas,
vergonhas, entre tantas questões importantes assombram a voluntária 4. Do ponto
de vista médico, é uma das que tem o quadro bastante avançado da doença. O uso
de prótese é inevitável, e ela acaba por sofrer muito por conta disso também. Na
sala de espera ela se transforma. Alegre, feliz, comunicativa, mas como ela mesma
diz, seu olhar parece o de quem mareja lágrimas por dentro.

12.8.5 Voluntária 5 (São Paulo - 2016)

A voluntária 5, já no começo de sua entrevista deixou claro ser muito


ansiosa, e este ser um possível deflagrador de incômodos, em sua vida, nas mais
diversas áreas, trabalho, lazer, relacionamento, família. Ao ser questionada sobre
possíveis fatores para a queda, salienta que as leituras que fez durante os anos que
começou a perceber o enfraquecimento de seus cabelos trouxeram muitas
informações discrepantes sobre o assunto. Procurar uma causa parece ter sido
sempre uma busca sem sucesso, como se pode observar na fala da própria
paciente:
“Pode ser genético, porque minha avó tinha pouco cabelo, mas tudo o que
leio é causa de queda capilar, então pode ser por problemas psicológicos, talvez
sim, sou uma pessoa muito ansiosa. Pode ser por alimentação, isso eu também
acho. Pode ser uma junção de muitos fatores.”
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Ao ser questionada sobre a tal ansiedade, a voluntária comenta sobre os


motivos de uma forma que deixa clara a sua insatisfação com dois pontos
importantes, que marcam sua vida, a relação com as pessoas do trabalho e a
relação com os pais, em especial, a mãe: “Várias coisas, o trabalho me deixa
ansiosa. Planejar as coisas pessoais também, talvez menos porque é mais fácil de
administrar. Encheção de saco dos pais me deixa ansiosa.”
E é quando entra em temas vinculados à mãe e ao trabalho que se
aprofunda mais nos elementos estressantes e causadores de ansiedade, por
expressar: “Minha mãe é meio chata, minha mãe é ligada em aparência, essas
coisas, comigo. Ela é difícil. É uma pessoa muito simples, não teve muitas
referências na vida. Não estudou muito. Ela tem uma única pessoa para quem ela
trabalhou a vida toda, uma senhora, de quem ela foi meio que dama de companhia.
Era uma mulher bem de vida, com três filhos, e sempre pega essa senhora como
referência. Um modelo de roupa, de aparência, de hábitos, de tudo. E aí ela acaba
refletindo tudo isso em mim. E por eu não ser como essa patroa dela ou como as
filhas da patroa, ela vive falando: Eu não gostei dessa blusa. Essa roupa não deixa
você bem. Você se veste mal. Você não tem modos”.
Quanto ao trabalho, diz:
“No trabalho tem muita picuinha de mulher. Mulher é um saco para trabalhar.
Mulher fofoca, fala dos outros, inventa coisas que não existe, isso enche o saco.
Mesmo que você não queira se meter, elas te comprometem nos assuntos, nas
fofocas, jogam uma contra a outra, mas no trabalho ainda dá para administrar
melhor, porque você está cansada daquilo, levanta, vai almoçar sozinha. Em outro
momento segue dizendo: Eu acho mulher um saco. Mulher é exigente e ansiosa,
tem opinião. Quer tudo do jeito dela. Às vezes, nem é o melhor jeito, mas quer as
coisas do seu jeito. É tudo competição, inventam histórias, que não existem para
poder falar dos outros.”
Insegurança e vergonha são temas frequentes na entrevista da Voluntária 5.
Segundo ela, seu marido é seu porto seguro. Ele ajuda-a a enfrentar com menos
tensão as atribulações do trabalho, sendo um bom ouvinte, diluindo o quadro de
desconforto, que traz para casa a cada dia, em que as complicações do trabalho são
mais intensas, expressando que: “Tem dias que eu estou nervosa do trabalho.
Chego em casa, converso com meu marido e depois meio que esqueço. Por isso,
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não acho que o nervoso do trabalho seja um problema. Pode até ser que tenha
relação (com a queda de cabelos), mas não é algo fácil de perceber”.

12.8.6 Voluntária 6 (Santa Cruz do Sul - 2016)

A voluntária 6 veio em consulta com duas peculiaridades. Em primeiro lugar,


um quadro de liquen planopilar (LPP), doença que também é uma alopecia
cicatricial, em placas em seu couro cabeludo, sendo uma das placas de formato
elíptico, bem evidente, no topo de sua cabeça e medindo cerca de 4cm de extensão
em seu maior eixo. É importante ressaltar que a AFF é considerada uma forma
variante do LPP. A segunda situação que chamava a atenção era o perfil de sua
acompanhante, e irmã mais velha, que também apresentava AFF.
Logo no começo da entrevista faz questão de lembrar: “Minha irmã também
tem esse problema de cabelo que eu tenho. O que tá acontecendo comigo também
aconteceu com ela, mas agora parou, né.”
Para ambas, o quadro começou na menopausa, com a perda dos pelos da
sobrancelha.
Segundo ela, nessa época, sua preocupação era a mudança de cidade da
filha, segundo conta:
“Minha preocupação era minha filha, né, que foi embora, prá lá, pro Mato
Grosso, né. Isso ai a gente… Eu fiquei muito preocupada, aquela coisa né, de mãe.
De ela ir embora… assim…”
O evento da preocupação com a filha foi sincrônico com o começo de seu
quadro, mas não foi tão preocupante com o que teve com seu filho, quando ele tinha
próximo aos 18 anos. Como ela mesma diz: “Quando meu filho tinha uns 18 a 19
anos eu tinha um problema muito grande. Eu achava que ele bebia muito… Gostava
de beber e começou a beber demais. Agora já faz mais de dez anos que ele não
bebe mais. Mas eu me preocupei muito… Era uma loucura na vida. Ele foi bem até ir
para o quartel. Depois que ele foi para o quartel começou a fumar e beber. Foram
uns 8 a 9 anos… Ele saia e eu ficava louca em casa. Tive muitos problemas, de ter
de pegar o carro, sair atrás para ver onde é que andava… Aquela coisa toda. Se
envolveu com amigos que não eram, assim, boa companhia… Andou dando uns
problemas, assim… Foi muita preocupação… muito grande… A maior que eu tive na
vida.”
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Em virtude da curiosidade do quadro familiar de AFF, quando perguntada


sobre a irmã, a paciente salienta que: “brigávamos muito quando éramos mais
novas. Éramos muito diferentes e causávamos muitos problemas para nossos pais
em virtude de nossas discussões.”
Foi apenas nesse momento da entrevista que a paciente realmente se
emocionou a ponto de ir ao choro. No entanto, parece ter reconstruído este
relacionamento com a irmã, ao expressar:
“Agora ela está sendo minha melhor amiga. Ela está sempre junto comigo e
eu junto com ela. Vamos em médicos juntas e uma cuida da outra. Esses dias
mesmo conversamos sobre o fato de brigarmos muito no passado. Sou muito grata a
ela hoje. Ela está sendo muito importante para mim. Muito minha amiga.
Principalmente, nas horas mais difíceis. Acho que amadurecemos…”
O caso com o filho gerou muita insegurança na vida da paciente, assim
como se sentiu impotente na época, em que ele estava envolvido com bebidas e
amigos de quem ela desconfiava. Também se sentiu impotente e viveu uma dor
imensa de perda de sua filha para outro Estado. A frustração com o filho também
ficou marcada pela forma como tinha grandes expectativas em relação a ele que não
se confirmaram.

12.8.7 Voluntária 7 (Santa Cruz do Sul - 2016)

A voluntária 7, profissional da área da saúde, teve muitos problemas com


seu pai ao longo da vida. Desde sempre o pai trouxe desconforto para ela, sua mãe
e irmã. Segundo ela: “Ele sempre me envergonhava muito. Sempre me
envergonhou. As coisas sempre foram difíceis para minha mãe, para minha irmã e
para mim. Estava sempre envolvido com pessoas que não eram boas, pegava
dinheiro com agiotas. Pegava cheques meus, da minha irmã, pegava dinheiro da
minha mãe e usava para pagar as despesas dele. Sujou o nome dele e de todo
mundo lá em casa, por várias vezes me senti humilhada. Até pouco tempo fui
chamada no fórum por conta de dívidas dele e que eu tive que fazer acordo para
pagar. Terminei de pagar faz uns 3 a 4 meses. Ele faleceu há 4 anos.”
Situações desconfortáveis e sem muita alternativa de solução, uma vez que
este pai parecia pensar apenas nele e os problemas familiares foram sempre
presentes. Na fala da voluntária: “Eu sempre tive que colocar panos quentes. Minha
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mãe não tinha coragem nem forças de sair de casa, apesar de todo nosso apoio.
Minha irmã brigava com ela. Foi sempre assim. Minha mãe foi triste, desde que eu a
conheço”.
Porém, pouco antes de falecer e, sincronicamente, muito próximo do período
em que a paciente começa a perceber seu problema, o pai parece aumentar o
desconforto para a família, o pai parece ter começado a dar mais trabalho, conforme
a paciente expõe: “Ele tinha insuficiência cardíaca congestiva e vivia internado.
Quando brigava com minha mãe ele ia para o hospital. No hospital, ele não seguia
as orientações, quando chegava em casa parava de tomar os medicamentos e, vez
por outra, voltava a ficar internado. O fato de eu trabalhar em hospital era
complicado em virtude de ter que lidar com as questões do meu pai. Me senti mal
comigo mesmo, com meus colegas e com ele”.
Evidente que a paciente vivencia uma situação, que mescla impotência,
frustração e vergonha diante dos problemas que o pai trouxe para a convivência
familiar, expondo e incomodando as três mulheres da família (mãe, irmã e ela
mesma).
Com dificuldade de lidar com toda a situação e tendo que apaziguar as
rusgas da família que não tiveram fim, nem mesmo com a morte do pai, o nível de
estresse da paciente foi sempre elevado. Segundo ela, outras manifestações clínicas
foram associadas ao estresse por um médico antroposófico. Foram elas: asma, azia,
alergia… Possivelmente, a AFF pode ter sido mais um sintoma clínico vinculado a
um complexo paterno negativo.

12.8.8 Voluntária 8 (São Paulo 2017)

Quatro grandes eventos estressantes marcaram a vida da voluntária 8. Um


período de tensão severa no trabalho, causado por uma chefe extremamente
autoritária, a morte de um filho em um acidente com moto e o distanciamento do
marido que, praticamente, a abandonou em sua própria casa, primeiramente,
dormindo em quartos separados e depois indo viver em um quarto nos fundos do
quintal da casa da própria paciente. O comportamento “vexatório” de sua mãe para
com seu pai e sua família.
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A voluntária 8 é aquela na qual se identificam todos os temas, que tiveram


mais frequência na vida das mulheres com AFF, insegurança, impotência, solidão,
perda, frustração e vergonha.
Ela relata o período de tensão no trabalho, da seguinte forma:
“Eu estava passando muito estresse no serviço, nossa, eu tava assim…
nossa… pressão mesmo. Minha diretora começou a trabalhar junto… primeiro fiquei
anos numa boa, depois ela veio ficar na mesma sala que a minha. Aí foi um inferno,
aí ela não queria que eu conversasse com o pessoal… Não queria que o pessoal
conversasse comigo… Porque ela tinha problema mental, mas assim… Não era
acentuado, senão não taria como diretora. Acho que fiquei uns dois anos sob
pressão com ela. Eu pedia pra ela me tirar do cargo, ela não me tirava, e ficou
naquela, sabe? E ai, como eu… se eu saísse do cargo, voltasse a ser do meu cargo
anterior, ia trabalhar num lugar que eu tinha que trabalhar a noite… Sabe?
Domingo… Então, eu resolvi pedir para sair.. Foi um tormento, ela não queria… té
que um dia ela mesma terminou o lugar onde estávamos trabalhando”.
Sobre a morte do filho, relata ter tido sofrimentos em três esferas. Em
primeiro lugar, a perda do filho em si:
“Perdi um filho de 19 anos. Ele era juntado com uma moça que já tinha dois
filhos, que ele assumiu, então, deixou dois netos. Aí foi… assim, não vou nem dizer
que foi estressante, foi um golpe a morte dele. Ele havia passado em minha casa
pouco antes de sair com a moto e um caminhão pegar ele. Sofri demais, não
aguentava de tanta dor.”
Continua o registro expondo que o espiritismo foi uma forma que encontrou
de contatar este filho falecido. Através de uma amiga foi a uma casa espírita, na qual
não encontrou o consolo esperado, muito pelo contrário, encontrou mais aflição,
uma vez que as “mensagens” do filho eram sempre acompanhadas de muito
sofrimento e choro por parte do “espírito” do filho. Segundo ela, as mensagens do
centro espírita quase a deixaram louca:
“Ai eu fiquei… Sabe quando você entra em parafuso… Se nem na vida
normal conseguimos ajudar um filho direito, vai ajudar como do outro lado e ele só
chorando? As idas ao centro espírita me faziam tão mal que uma hora eu decidi
parar porque estava enlouquecendo de verdade… Por fim, a morte do filho deixou
claro para a paciente que o processo de luto dela e do marido tiveram influência no
afastamento do casal: E ai eu e meu marido, a gente vivia bem, sem briga, sem
73

nada. Mas aí a gente começou a se distanciar a partir disso, que… ele morreu, aí
cada um foi sentir o sentimento de seu jeito”.
O comportamento do marido que já havia distanciado o casal agravou ainda
mais quando ele passou a ser maçom, registrando: “Mudou de quarto, arrumou um
computador e passava noites em claro estudando. Nem relações sexuais o marido
queria mais. Aquilo para mim foi um baque. Não sei se também não queria transar,
porque tava com diabetes e isso deixa a pessoa impotente, mas não me procurava
mais…”
O afastamento total se deu por discordância entre o casal, conforme ela
registra ao expor: “Até que um dia discutimos feio por conta de nosso outro filho e
mandei ele se mudar para o quarto no fundo de casa. A partir daquele dia não
conversamos mais e ele nem entrar mais em casa entrou”.
Ela conta que o marido morou ainda mais cinco anos na casa dos fundos até
falecer. Durante esse tempo, a voluntária chegou a pedir divórcio várias vezes,
alegando que se sentiria desconfortável em começar uma nova relação sem antes
estar separada de fato, algo que o marido negou até o fim de sua vida.
No final da entrevista, a paciente fez um breve comentário sobre situações
que envolveram sua mãe e as atitudes dela:
“Minha mãe tinha amantes no local onde ela trabalhava. O duro é que meu
pai também trabalhava lá. E todo mundo sabia. Ela se achava muito superior,
esperta… Acima do bem e do mal… A gente se irritava muito com o comportamento
dela. Ela fazia na frente de todo mundo envergonhando meu pai e a nós. Até hoje
não sei se meu pai ficou sabendo de alguma coisa ou nunca soube de nada… Mas
não tenho nenhum sentimento pra com minha mãe. Lembro de ter raiva dela na
época… Mas passou.. Raiva por causa do que ela fazia com meu pai, sabe? E
porque todo mundo falava mal dela”.

12.8.9 Voluntária 9 (São Paulo-2015)

A primeira entrevista realizada como um piloto para avaliar se os métodos


escolhidos para a coleta de informações seriam interessantes foi com uma médica.
Uma brasileira com uma história humilde, sonho de ajudar pessoas e trabalhar sob o
manto dos tradicionais fundamentos de sacerdócio. O caminho da formação ocorreu
fora do Brasil por ser tentador e tornou tudo mais fácil. O sonho do certificado na
74

área da saúde foi se tornando realidade, em uma faculdade, em um país vizinho ao


Brasil, no qual a voluntária, já casada no Brasil, resolveu deixar seu marido e lar
para se dedicar aos estudos. Segundo ela, desde o seu período nesse país que sua
vida foi marcada por certos episódios, que foram tantos que ela sequer sabe apontar
qual a marcou mais negativamente.
Diz ela: “eu me formei em um país da América Latina, comecei lá, e formei
no lá... terminei o curso em dois mil e quatro. Me formei em julho de dois mil e
quatro. Lá foi muito difícil, eu sou mãe de família... e eu sempre fiquei distante da
minha família. Isso me abalava muito. Tanto é que teve um tempo que eu me afastei,
eu não ligava... por questões emocionais, entendeu?”
Comentou que ajudou muita gente durante o período que esteve fora do
Brasil. Brasileiros que, assim como ela queriam estudar medicina e que encontravam
dificuldade para isso no Brasil. Muitos eram pessoas de origem simples, como ela.
Nessas situações se esforçava para conseguir bolsas para os colegas e facilitar com
documentos exigidos pela faculdade, quando chegavam por lá. Acreditou, durante
todo o tempo que fez grandes amizades na faculdade por conta disso. Porém, ao
chegar ao Brasil, sentiu que uma boa parte desses colegas boicotavam informações
sobre provas para validação do certificado profissional de estudantes, que faziam
sua formação fora como ela. Segundo ela:
“Quando eu fui observar, já tinha passado o prazo, ou seja, todos os
colegas... que eu ajudei lá na graduação, pra ter desconto e tudo, vieram pra cá e
não comentaram comigo, e eu perdi essa prova, que foi (quando) muitos
conseguiram.”
Todas as dificuldades foram se somando, assim como outras dores que ela
sentia no que diz respeito a estar longe dos familiares: “Como eu falei, eu sou mãe
de família, o fato de eu estar sempre longe de minha família mexia muito comigo, me
me tornava um pouco depressiva. E... a questão de de dessa papelada, da... da
graduação, mexeu muito mais comigo.”
Desde sua formação fora, a voluntária diz estar passando por uns altos e
baixos. Logo no começo da carreira teve que viver com grandes atrasos nos
pagamentos de seus honorários em unidades de saúde e hospitais. Atrasos que
ultrapassavam cinco meses, em virtude do não repasse de verba do governo para as
cidades onde trabalhava no interior do Tocantins. Cidades pequenas e com
baixíssima estrutura, nas quais a voluntária se sentia explorada profissionalmente.
75

Em uma passagem pelo Maranhão, em 2009, morou em uma pequena cidade


afastada do marido, que veio a São Paulo para fazer seu mestrado e se sentiu muito
sozinha. Além do que se viu explorada profissionalmente porque, mesmo se
dedicando por muito tempo ao hospital, não chegou a ser contratada. Algo que
também gerava na paciente uma sensação de instabilidade profissional. Mesmo
sendo aprovada em um concurso para a vaga e trabalhando na vaga em questão, o
hospital não efetivou sua contratação.
Segundo ela, no começo de suas atividades profissionais sentiu-se muito
discriminada por ter feito faculdade fora, como disse no relato: “a gente percebe a
discriminação... de quem estuda fora e de quem estuda aqui. Hoje em dia diz não
comentar mais que se formou fora do país para não passar pela discriminação:
Tanto é que hoje em dia eu não comento mais. Da minha graduação, da minha... da
da pessoa assim.”
Segundo a voluntária, ela tem uma vida social bem inativa, conforme
registra: “Talvez pela... pela minha jornada de trabalho, talvez eu me... eu tento me
ofuscar... desse emaranhado aí de de... Como meu esposo fala, às vezes, até (que
vivo) bagunçando o meu horário pra não subir escada, (me ajuda) bagunçando a
dele também, né. Assim... Eu não saberia te dizer tanto, assim, porque saio pouco,
eu me relaciono pouco...”
Diz se sentir imensamente desconfortável com as inúmeras críticas que
recebe no trabalho por cumprir o horário e não “tocar serviço”, como se pode
observar no relato:
“Então sou muito criticada. E outro dia (meu colega) chegou e me alertou
sobre isso, que os colegas tavam criticando, eh... comentando muito a meu respeito.
Desde motorista, técnico, enfermeiro... entendeu? E assim, isso mexe com a gente,
porque eu SEI que eu não tô fazendo meu trabalho errado. Entendeu? Já trabalhei
num lugar anteriormente, onde a enfermeira e as técnicas fizeram abaixo-assinado,
criaram uma outra situação de modo que as pessoas assinassem e me tiraram de lá.
Por quê? Porque eu cumpro a minha carga horária, (Coisa que) eu sei que poucos
colegas fazem. Isso DÓI, doutor, se você é punido por tá fazendo o seu trabalho
correto, entendeu? Isso DÓI, você não sabe o quanto isso dói. E o que mais dói…”
Os conflitos e estresses vividos pela paciente, o sofrimento que ela diz
sentir, certamente, são marcas profundas que a paciente carrega. Ficam evidentes a
76

insegurança, a impotência diante das situações da vida, a solidão, a frustração e a


vergonha, elementos que parecem cercá-la por todos os lados.
Suas emoções durante a entrevista afloraram de forma intensa e a voluntária
fez, certamente, o relato mais intenso de todo este estudo. A primeira voluntária,
uma coleta de informações tida como um piloto do que viria a ser o estudo e um
pesquisador se expondo a um momento que foi não somente único como
transformador. Ainda que os temas levantados no relato da paciente sejam possíveis
fatores desencadeantes da AFF, ficou evidente que a paciente carregava uma ferida
emocional, que lhe causava uma dor imensa.
Desde que o pesquisador começou a pensar nesta pesquisa, se pergunta
por que da AFF expor tanto o rosto das pacientes acometidas. Após o relato da
Voluntária 9 algo convidou a refletir mais sobre isso. Nesse momento, houve o
questionamento se não seria a exposição da face um convite para encarar a vida
sem se esconder dela? Sem tantos medos, receios, com mais amor próprio e
atitude? Uma coisa pareceu certa, todas aquelas emoções e sentimentos pareciam
ter força suficiente para formar ou despertar uma resposta psíquica que,
naturalmente, poderia constelar e ativar um complexo com expressão somática.
A continuidade da pesquisa mostrou que alguns temas, que foram
observados nos relatos das voluntárias que vieram depois da Voluntária 9 se
repetiram. Um novo tema surgiu, a perda. Com a perda foram contados seis grandes
temas, que foram frequentes nas histórias das voluntárias com AFF, sendo estes:
insegurança, impotência, solidão, frustração, vergonha e perda.

12.8.10 Voluntária 10 (Santa Cruz do Sul - 2015)

Um olhar sofrido, um rosto cansado e um DQLI que já havia sido


imensamente limitado. Uma preocupação que parecia ser muito pequena frente à
AFF, e uma entrevista quase que monossilábica. Este era o perfil da voluntária 10,
uma senhora de 76 anos com muito pouco para contar. Com grande esforço, alguns
pontos foram colhidos de sua pouca iniciativa de falar, como:
“Eu fiquei viúva, né… Eu também trabalhei, cuidei do meu marido, né, que
tava doente, câncer… Aí começou. Por ali, né, ali. Eu fiquei bem nervosa, imagina…
Oito meses só em volta dele, né, cuidando, dele, cuidando dele. Eu sempre… nunca
pensava que ia acontecer, né, achei que ia se curar.”
77

O sofrimento com o marido e seus últimos meses acompanhou uma


mudança forçada para Porto Alegre, na tentativa de um melhor atendimento. Um
atendimento que na expectativa da paciente, poderia curá-lo, mas que se mostrou
em vão. A tristeza foi imensa, a paciente relata, em fotos, que ficou muito cansada,
envelhecida e triste. Aí eu fui para Porto Alegre, mas eu tava tão, aí tem fotos
minhas lá que eu tava assim… muito envelhecida, sabe?
Com dois a três anos de viuvez conheceu um novo parceiro e foi morar com
ele. Nova fase de grande intensidade de estresse, segundo se depreende do
registro: “E foi assim, foi, acho que dez anos que fiquei lá, sempre pensando em ir
embora, embora, embora… E nunca tinha coragem de de de… sair né? Os primeiros
três anos foi bem, depois eu descobri umas coisas, acho que ele andou me traindo,
né, daí eu já… Tu ficas com aquilo, sempre com aquilo, com aquilo, pensando, né,
não tem mais confiança na pessoa e daí não dá mais pra viver junto. E ele bebia
muito, eu falava pra ele não beber daquele jeito, dizia que se ele bebesse não ia dar
certo… E aí me mandaram voltar para cá (os filhos a mandaram sair de casa e voltar
para a sua cidade natal, Santa Cruz do Sul)”.
Com uma história em que surgem temas como insegurança, perda e
frustração, a voluntária 10 fez um relato breve daqueles que foram seus maiores
estresses de vida. Uma coisa chamou muita atenção em seu relato, o fato de não ter
sido ela a perceber o avançado quadro de sua perda capilar e de sobrancelha. Foi
em uma cabeleireira da cidade de Santa Cruz do Sul, que ela havia frequentado
muito antes do primeiro marido falecer, que a profissional a alertou sobre a grande
exposição de sua fronte em virtude da mudança no padrão de implantação de seus
cabelos.

12.8.11 Voluntária 11 (Santa Cruz do Sul - 2016)

Um atrito com uma amiga que causou muito estresse foi o evento que a
voluntária 11 identificou como sendo, cronologicamente, concomitante com o
surgimento do seu quadro capilar há cerca de aproximadamente cinco anos. Com
um perfil bastante deprimido e um olhar sem brilho relatou o fato, da seguinte forma:
“Me lembro de uma fase de depressão… Que eu já estava com depressão,
eu parei o tratamento (da depressão), por conta, assim, e… Daí andou acontecendo
uns atritos com uma amiga, isso há uns cinco anos. Eu já tava meio deprimida, me
78

estressei mais ainda, e… foi por ali que começou, que eu me lembro, assim, sabe?
Porque começou muito aos poucos…”
A paciente, natural de Santa Cruz do Sul veio em consulta para tirar dúvidas
sobre a AFF motivada pelo fato de saber que havia um médico que trabalha como
tricologista na cidade e gostaria de saber mais sobre um tratamento, que estava
sendo oferecido em Porto Alegre para o problema, ao expor:
“Quero uma solução, algo que possa fazer nascer o cabelo, me ajudar a
recuperar os fios.”
Por incrível que pareça, a voluntária, extremamente bem orientada pelos
colegas com quem havia se consultado anteriormente, sabia da irreversibilidade do
seu quadro e, ainda assim, apostava fichas em um tratamento que, até os dias
atuais, não tem nenhum estudo publicado na literatura médica e, de maneira
controversa manifestava seu desejo de recuperar os cabelos ainda que isso não
fosse possível.
Sobre a depressão que a acompanhava, diz:
“Ah, desde que meu pai faleceu, faz vinte e um anos agora… Entrei num
período que, logo depois, que eu fiquei muito depressiva, assim, eu tinha uma filha
pequena… de dois para três anos. E daí depois eu tive outra, eu já tava, eu já entrei
em depressão quando meu pai faleceu, e depois quando eu tive a outra filha… Ah….
Daí foi muito estresse, das crianças pequenas e, na época, eu perdi o emprego
também… E isso ajudou, porque eu nunca imaginei não trabalhar… Eu estudei, me
formei e… daí fiquei desempregada e acabei me apegando demais às gurias, queria
ficar com elas, e fui deixando, deixando e (quando vi), tô até hoje assim, sabe? Isso
é uma frustração que eu tenho, assim, né, que… enfim…”
A voluntária se sentiu muito desconfortável em toda a entrevista. O momento
mais emotivo foi quando falou do quanto anulou seu sonho de ter uma carreira.
Infelizmente, a paciente relatou somente quando o gravador já estava desligado, que
não ter uma carreira era algo que a fazia se sentir mal demais. Era um sonho dela e
um sonho do pai dela que ela tivesse uma profissão, e mais do que se sentir mal por
ela, se sente mal por não ter realizado o sonho do pai.
Por fim, a relação com o marido anda complicada há anos. A paciente relata
que: “a relação com meu marido já não é muito boa… Assim, a gente tava, meio em
clima de separação, isso acho que ajuda um pouco na depressão… Falta coragem
para ambos, de assumir a separação… Minha autoestima fica lá embaixo… Ele não
79

liga para mim, conversamos muito pouco em casa… E, como as meninas moram
fora, só tenho minhas amigas que me fazem dar risada quando nos vemos”.
Impotente, solitária, frustrada e vivendo vários estresses causados pela
perda, a Voluntária 11 só não se mostrou mais deprimida do que a Voluntária 9 e a
Voluntária 4. Ainda assim, é das que menos aceita a sua condição de perda de
cabelos pela AFF.

12.8.12 Voluntária 12 (São Paulo 2016)

“Tá meio difícil, tá vendo. Não consigo abaixar para colocar o sapato direito.
É ruim você não conseguir enxugar o pé, umas coisas básicas… Então… Isso, essa
limitação física…”
Estar fisicamente limitada pareceu ao pesquisador ser o foco para o qual a
paciente dirigia as atenções, quando começou a entrevista, por ser portadora de
uma artrose que oscila muito no que diz respeito à dor e ao desconforto, a
voluntária, sempre muito ativa, passou a deixar de fazer suas atividades gerais com
a mesma intensidade e vigor que fazia anteriormente por conta da doença. Viúva e
sem seus filhos para lhe ajudar, é apenas um de seus maiores incômodos atuais.
Tendo em vista que acompanha algo que parece ser comum há pelo menos mais da
metade das voluntárias, a solidão ao dizer: “Então… essa limitação… Não tenho
ninguém para me ajudar.”
Ao longo da entrevista dois outros pontos parecem surgir como motivos de
grande estresse e sofrimento.
O mais importante, acompanhando certa descrença da paciente com o
acontecido, é associado ao falecimento de seu marido em uma fase, em que ambos
viviam um momento especial da vida. Quando o marido e ela resolveram mudar de
cidade para mais próximo ao trabalho dele (Campinas), compraram um grande
terreno em uma área nobre. Um grande orgulho, pois ambos tinham vindo de família
muito simples e estavam subindo na vida, com uma condição boa. Começaram a
construir uma casa e, logo no começo da construção o marido passa mal e quase
vai a óbito, conforme conta:
“Em fevereiro ele quase morreu… ele tava ótimo, maravilhoso, começou a
sentir dor, foi para o hospital… quase morreu lá.”
80

Ela registra que o marido era esportista, jogava tênis, fazia diversos esportes
e, em um momento, em que estava nadando sentiu dores e voltou ao hospital:
“Avaliaram e não descobriram nada. Por via das dúvidas resolveram abrir (o
abdome)... O intestino tinha se furado. Ele podia ter morrido, já. A cirurgia foi ok e ele
teve alta. Pouco depois descobri que estava grávida, quase no mesmo em que
descobrimos que o que ele tinha era um câncer… daqueles tipos raríssimos…
fulminante… Após meses de sofrimento, UTI, hospital, ele morreu. Ele morreu em
outubro e minha filha nasceu em novembro”.
A perda do marido foi muito intensa para a voluntária 12, segundo o relato
que faz: “Eu perdi muita coisa, porque eu perdi.. Status, o meu marido era chefe de
uma grande empresa. Tinha um nível, né. Perdi tudo que ele… Os amigos, que têm
medo de que você vai pedir as coisas… Eu perdi muita coisa. E daí eu mudei, voltei
para São Paulo, que ficaram (a família) me buzinando, que eu morava numa casa
muito grande. Não tinha vizinho… Mas que tinha para mim que deveria ter ficado por
lá. Daí, aqui foi horrível, mas… tudo bem.”
Insegura, a paciente se perguntava o que ia ser de sua vida, tendo que
voltar a trabalhar para manter a família composta por ela e seus três filhos muito
pequenos, registrando que: “O trabalho foi pesado, com os filhos pequenos, tendo
que trazer sustento e educar ao mesmo tempo… Por muitas vezes senti que não ia
consegui… Chorava..”.
A paciente relata muitos medos durante a nova fase de sua vida. “Tinha
medo de mexer com as coisas dele, negócios… Pensava comigo, e agora? Tinha
medo que meu filho virasse gay, porque não ia ter pai…”
A paciente segue com fala que remete à perda do marido, à frustração de
não ter dado seguimento ao sonho que planejou com ele e ao sofrimento de sua
vida prévia, segundo ela sempre muito simples e sendo criada por padrasto muito
rígido e agressivo com ela.
“Minha vida é, foi, um caos. Acho que desde que nasci. E quando, né, eu
achei o cara… Eu era apaixonada pelo meu marido. E ele por mim. Nossa… a gente
era colado. O dia em que eu conheci ele, nunca mais a gente ficou um dia sem se
ver. A gente tinha uma coisa… Tinha que ser com ele.”
81

12.9 SOFRIMENTOS FREQUENTES ASSOCIADOS AOS QUADROS DE


MULHERES COM AFF

A análise das categorias de sofrimento mais frequente das mulheres do


estudo mostrou, como já dito, que alguns deles surgem com frequência. Destes, a
insegurança, a impotência, a solidão, a perda, a frustração e a vergonha foram os
que mais surgiram. A tabela abaixo (Tabela 6) mostra a presença das categorias nas
pacientes de acordo com a análise das entrevistas.

Tabela 6 – Temas mais frequentes encontrados nas entrevistas


Sofrimentos Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Frequentes

Insegurança/medo SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

Impotência SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

Solidão SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

Perda SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

Frustração SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

Vergonha SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM


Fonte: do autor

No geral, experiências intensamente frustrantes surgiram na história de vida


ao menos de 11 voluntárias (91,67%), A impotência foi uma situação descrita por 9
delas (75%), e os temas: insegurança, perdas significativas, vergonha e solidão
surgiram em sete relatos (58,34%). Apenas a voluntária 5 apresentou dois temas
como temas de sofrimento em sua história. As demais relataram ao menos 4 temas
e, a voluntária 8, em seu relato demonstrou ter vivenciado todas as categorias de
sofrimento que foram mais relevantes no estudo. Independentemente de quantos
temas surgiram, para cada uma das voluntárias, todos os temas se mostraram,
imensamente, desconfortáveis para elas, sendo motivo de grande desconforto e dor.
82

Figura 8 – Distribuição dos temas estressantes e causadores de sofrimento das


histórias de vida das mulheres com AFF

Fonte: do autor

Sobre a frustração, algumas definições foram aventadas e todas estas


envolvem uma não realização de uma satisfação real ou fictícia pelo indivíduo.
Nesse sentido, algo se interpôs entre a necessidade ou desejo de satisfação e a
realização da mesma, gerando um sentimento negativo (FAIAD; COL, 2017).
Sanchéz-Oliva (2014), ao estudar a frustração psicológica, reforça a ideia de que
aquele que se frustra é o que vê suas necessidades psicológicas limitadas por
eventos ou situações, que surgem como um agente dificultador da realização de
uma satisfação.
Segundo Faiad e Col (2017, p. 2): “A frustração se refere a um sentimento
negativo e a reação ou reações geradas pela frustração fazem parte do processo de
adaptação do indivíduo à situação vivenciada”.
Nesse sentido, a definição acima lembra muito aquilo que Hans Selye (1984)
utilizou como argumento para trabalhar o conceito de estresse.
O tema da frustração foi tratado, por Freud, em alguns de seus escritos. Em
um deles, Freud diz:

Uma pessoa se torna neurótica porque não pode tolerar a frustração que a
sociedade lhe impõe, a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso
83

que a abolição dessas exigências resultam num retorno à possibilidade da


felicidade (FREUD, 2010, p. 38).

Como já mencionado neste trabalho, sob a ótica da psicossomática


junguiana se tem que um conflito ou sofrimento, ainda que neutro, mas dependendo
da sensibilidade e valor atribuído ao mesmo, ao tocar um complexo pode
desencadear um quadro de somatização. Sendo a frustração o tema mais frequente
nas voluntárias da amostra e, também, um evento estressante, que exige de quem o
vive um processo intenso de “adaptação”, é possível que a frustração esteja
envolvida no surgimento da AFF para as mulheres da amostra.
No que diz respeito à impotência diante das situações da vida, o que há de
mais próximo na literatura para trabalhar esta categoria é o conceito de “coping”
(enfrentamento). O coping é conceituado como uma forma de entender e avaliar
como as pessoas lidam com fatores estressantes na vida real (FOLKMAN;
LAZARUS, 1988) sejam estes internos ou externos, pode ser um caminho para
compreender o porquê algumas pessoas se sentem paralisadas ou com a sensação
de “não encontrar uma saída” diante de um problema. Estudos sobre estresse
psicológico ajudaram a compreender que o enfrentamento de um evento causador
de desconforto é uma variável funcional para o seguimento da vida de todos.
Segundo Lazarus e Folkman (1987), uma pessoa raramente é passiva diante do que
acontece com ela, procurando mudar o seu entorno, se assim for possível ou,
quando elas não conseguem, usam modos cognitivos de enfrentamento, pelo qual
estes podem mudar o significado da situação. O coping não pode ser avaliado em
função de uma situação específica, mas em virtude de uma somatória de vivências,
que vai moldando a maneira como cada pessoa enfrenta os estresses da vida.
Essa situação é facilmente observada nas voluntárias, que relataram de
forma clara, se verem diante de situações familiares, afetivas, ou de trabalho nas
quais, ao perceberem que são incapazes de resolver um problema, têm de se
adaptar a este de forma passiva, muitas vezes, aceitando a situação, ainda que
contra a vontade, para que possam seguir adiante. É o caso da voluntária 1, que
diante da ignorância agressiva da mãe e da vergonha imposta pelo pai, desenvolve
um comportamento passivo, por não poder enfrentar a autoridade deles e, desde a
infância, ainda que a contragosto, passa a lidar de forma passiva diante dos
problemas da vida.
84

Fica evidente que o estresse psicológico, vivido ao longo da vida, acaba por
interferir no bem-estar das voluntárias, que se veem em uma situação sem saída,
tendo que elaborar uma forma de lidar com essas situações de uma maneira que
possam sobreviver com o mínimo de integridade. Isso permite uma reflexão sobre o
fato de que, esta passividade, moldada pela forma como as situações que as
deixavam impotentes foram se desdobrando, em suas vidas, sem muita clareza e
justificativa, demonstrando que estas possam ser um dos motivos pelos quais as
pacientes não encontrem a origem de seus sofrimentos. Não pode haver uma
explicação plausível para uma mãe que bate, indiscriminadamente, em uma filha
apenas porque “era o jeito dela”, sendo que o papel dessa mãe deveria ser o de
oferecer carinho, amor e consolo. E aqui se volta ao fato de que esta falta de
capacidade de identificar a origem do sofrimento possa ser uma causa de
somatização.
A insegurança presente nas voluntárias da pesquisa é fruto de relatos que
envolvem um rebaixamento de autoestima e, também, da autoconfiança. A
autoestima está associada ao valor que o indivíduo dá a ele mesmo (HUGHERS et
al., 2003) e, de acordo com Lazarus e Folkman (1987), há tempos vem sendo
identificada como um preditor da adaptação ao estresse. A autoconfiança, por sua
vez, tem sua definição na capacidade de realização, com certo sucesso, de
atividades da vida. Costuma ser um preditor de ansiedade, uma vez que a baixa
autoconfiança está associada ao aumento da ansiedade em situações, nas quais os
indivíduos são postos à prova (HANTON et al., 2004). Em pessoas com baixa
autoestima, a autoconfiança tende a ser proporcional à estima. Os relatos de
experiências relacionais traumáticas entre as voluntárias e seus pais e parceiros
parece se estabelecer como um desencadeador de baixa autoestima e,
consequentemente, de baixa autoconfiança.
No que diz respeito às perdas, para as voluntárias, essas ocorreram de
diversas formas. Perdas de condição social, luto pela morte de filho, aposentadoria
com fim das atividades laborais, afastamento de parceiro, divórcio e morte do
parceiro aparecem nas entrevistas. Fica evidente que a maioria dos estudos sobre
perda está vinculado ao luto ou ao divórcio. Segundo Bogolub (1991), um evento
como o divórcio costuma ser sempre traumático. O divórcio pode significar não
apenas a perda de um parceiro, mas também a perda de um modelo de vida e de
um status social. Pode, inclusive, causar mudanças significativas na vida e danos
85

severos na autoestima da mulher, que passa pelo problema. Muitas vezes, a


reconstrução após um luto ou um divórcio pode ser lenta, demorada, carregada de
emoções intensas e conflitivas. Em sua revisão sobre o tema, Bogolub (1991) cita
diversos estudos, em que a separação foi não só traumática como deixou sequelas
emocionais duradouras em mulheres.
Processar qualquer tipo de perda é algo que envolve uma boa saúde
emocional e, eventualmente, o apoio de família e amigos (suporte social), religião,
atendimento psicológico e, até mesmo, medicações.
Apenas para fins de exemplificação, pode acontecer de, como ocorreu na
voluntária 8, a religião (ou qualquer outro tipo possível de apoio), dependendo da
forma que entrar na vida da pessoa, ou maneira como for interpretada, traga mais
confusão do que consolo e apoio. No entanto, no geral, trata-se, realmente, de uma
forma de consolo diante de um luto ou uma situação difícil de elaborar, como
afirmam Franqueira et al. em seus estudos de 2015:

A análise das entrevistas demonstrou que a religião foi usada como


importante recurso no enfrentamento do luto. Além da presença da fé como
fator organizador do enfrentamento do luto, a figura de Deus como um ser
superior e protetor que controla os eventos da vida esteve presente em
todos os discursos das entrevistadas (FRANQUEIRA et al., 2015, p. 491).

Assim como Franqueira et al. (2015) também se cita o papel do apoio de


familiares, amigos e grupos de internet na melhor capacidade de mulheres enlutadas
lidarem com seus sentimentos.
Sentir-se solitário, outro tema frequente nas entrevistas das voluntárias, é
algo que costuma acompanhar grandes conflitos e sofrimento. Como seres
relacionais, os humanos tendem a considerar as relações sociais como essenciais
em suas vidas, em especial, para a saúde. Em artigo de 2016, Yamaguchi et al.
avaliaram como a solidão pode diminuir a sensibilidade aos sinais de compromissos
entre pessoas, reduzindo o vínculo entre elas. A solidão, ou o se sentir solitário é,
reconhecidamente, desencadeadora de sentimentos negativos. Pessoas solitárias
são menos felizes, menos saudáveis e costumam ter risco de mortalidade mais
elevado (HOLT-LUNSTAD et al., 2015). Nas voluntárias, este tema se apresentou de
várias formas, após aposentadoria, após afastamento do parceiro, por conflitos
familiares, sendo um assunto não apenas frequente, mas sempre acompanhado de
grande carga emocional durante as entrevistas.
86

Por fim, a vergonha surge entre os temas trazidos pelas voluntárias como de
grande relevância nas histórias de vida. Interessante perceber como os estudos
sobre este tema são amplos na literatura. Lutwak (1998) diz que muitos dos estudos
sobre a vergonha, assim como acontece em outros temas, como o divórcio, a
autoestima e a autoconfiança (insegurança) e a solidão apresentam dados sobre a
diferença de impacto de acordo com o gênero, deixando claro o quanto as mulheres
parecem vivenciar de forma mais intensa essas experiências. No caso da vergonha,
o contexto, o aspecto sociocultural e o tipo de motivação que leva ao sentimento de
vergonha são fundamentais para que o impacto de situações vexatórias seja mais
sentido.
Na mesma publicação, Lutwak (1998), citando Michael Lewis, diz que a
vergonha comumente acompanha o desejo importante de se esconder, dor intensa,
desconforto e sentimento de raiva. Pode levar, também, a uma incapacidade de
seguir adiante, pensar claramente, analisar as situações de forma mais ampla, se
expressar ou até mesmo à inércia. Observações que são percebidas nas entrevistas
das voluntárias, quando se referem a eventos vexatórios. Interessante perceber que
a vergonha, no caso das voluntárias, sempre acompanha a postura ou conduta de
pessoas próximas, o pai no caso da voluntária 7 e a filha no caso da voluntária 4,
são exemplos. Ela só passa a ser um incômodo associado à própria voluntária após
o aparecimento da AFF, quando, nesse caso, a falta de cabelo é o motivo de
sofrimento, da vontade de se esconder, do desconforto e da dor.
É importante salientar que muitas das situações relatadas pelas voluntárias
surgiram, sincronicamente, com o início da AFF, não importando qual sinal clínico da
AFF tenha se manifestado primeiro para cada uma delas, se a perda de pelos do
corpo, a de pelos da sobrancelha ou mesmo o avanço da linha frontal, motivo de
maior desconforto estético para elas. E é sobre este desconforto estético e de viver
uma patologia como a AFF que se tratará agora, uma vez que, apesar de se cogitar
o sofrimento como um fator estressante e, consequentemente, um possível
desencadeante do quadro de AFF, a doença em si carrega um peso imenso para a
vida das voluntárias. O desdobramento é o surgimento de um novo aspecto de
sofrimento, aquele que é promovido pela doença. Utiliza-se as entrevistas para
categorizar os temas mais frequentes apontados pelas voluntárias como sentimentos
e dores provocados pela AFF. Para se poder compreender melhor esse outro
aspecto do sofrimento, também se busca entender o valor atribuído aos cabelos
87

pelas voluntárias, no sentido de que, quanto mais importante o valor atribuído, mais
difícil se torna conviver com a falta de cabelos, ainda mais, sendo a AFF irreversível.

12.10 VALOR ATRIBUÍDO AOS CABELOS E O SOFRIMENTO QUE ACOMPANHA


A AFF

Durante as entrevistas, muitas das voluntárias trouxeram, objetivamente, a


informação sobre a importância dos cabelos para as vidas, enquanto outras
apontaram isso de forma mais subjetiva. Manifestações como:

Acho que para todo mundo o cabelo é o cartão de visita. Apesar de que o
meu tá feio. Eu lavei para vir para cá, prendi porque não sabia se o doutor
iria mexer. Acho o cabelo tudo no rosto. É o fator principal para a mulher
(Voluntária 1).
Eu achava meu cabelo muito lindo… Eu cortava… Meu cabelo sempre foi
bem fininho… Bem curtinho, sempre ajeitadinho. Eu achava um charminho,
eu gostava… (Voluntária 2).
Optei por ficar sozinha porque tenho esse problema (AFF)... Como é que eu
vou pra cama, com um homem, com esse troço aqui (prótese)? Não dá!
Como é que eu posso ter intimidade com alguém usando uma peruca? A
não ser que eu abra o jogo pra ele, e aí eu tire, e aí o que? O cara foge.
Então… Prefiro ficar sozinha… Começar a usar foi terrível… Terrível!
(Voluntária 4).
Eu me sinto feia. Horrível! Sabe? Eu não quero me ajeitar.. É muito difícil.
Eu acho muito difícil isso que tá acontecendo, né… Pra eu conseguir, como
é que eu vou dizer, meu Deus… Ser uma pessoa normal. Entendeu? Que
eu… parece que eu não sou uma pessoa normal, aparentemente… assim
(Voluntária 6).
É que… Eu nunca preocupei com meu cabelo igual a… eu sempre tive
cabelo comprido, né, era bem comprido… anos, anos. A vida inteira eu tive
cabelo comprido… Comprido mesmo, não assim.. Aí, de repente, você olha,
você começa… Meu Deus do céu, que coisa horro… sabe? Que que eu vou
fazer com esse cabelo? Usar peruca? Também não, porque ainda não…
né? É horrível usar peruca. Falei com Deus, acho que cabelo é tudo, sabia?
Não sei explicar, cabelo é tudo no rosto. Eu acho, a aparência. Na
aparência, porque qualquer outra coisa você dá um jeito… (Voluntária 8).
...no aeroporto, eu ia viajar e estava meu marido e filho. Pensei, deixa eu
fazer um selfie pra ficar matando a saudade de vocês… Aí, assim, eu já
observo. Por exemplo, como eu estou usando o cabelo de lado, geralmente
eu tiro foto pegando o lado de cá. Quando eu tirei a foto e a luz da foto
bateu… E aí eu vi meu cabelo, eu quase chorei… Nem parecia eu ali…
Desisti da selfie… Tirei foto só do meu filho e esposo… (Voluntária 9).
.... nunca gostei muito do meu cabelo, mas… meu cabelo é importante, né..
Digamos que… cabelo é cinquenta por cento da tua aparência… Eu nunca
gostei do meu cabelo, para falar a verdade... Às vezes tiro foto pra… até pra
ter um acompanhamento da evolução… Daí na foto fica muito horrível, né?
Já não gosto de tirar foto por causa disso… Fico pensando que meu marido,
mesmo com a relação não estando das melhores, pode achar feio, sei lá…
(Voluntária 11).
Quando eu descobri isso, eu fiquei uma semana em depressão. Não. Foi
um negócio assim… Nossa. Eu acho que foi assim, eu falava não. Uma
coisa que nunca pensei. Juro por Deus, eu preferia ter uma doença…
preferia, porque eu vou lá, opero e trato. Daí, de repente assim, porque eu
88

acho que… mexe muito com… a sua aparência, né, eu… não que… Não
que eu seja uma pessoa assim que, eu sempre fui muito preocupada com a
aparência, não é? Mas sei la. Você olha para uma pessoa… de repente
você tá ficando enrugada. Tá ficando gorda… Você não tá andando
direito… e careca! Eu acordava de madrugada e não acreditava… Então…
Logo que eu descobri eu falava Meu Deus, eu tô ficando careca, tô ficando
careca. Então, foi assim, um negócio pesado. .. Essa não sou eu, essa é
outra pessoa. (Voluntária 12).

Fazendo uma análise das manifestações das mulheres em relação aos seus
cabelos e ao que estes significam para elas, dois pontos foram marcantes, a
identidade e a feminilidade. Perder os cabelos parece impactar de forma mais
incisiva nesses dois elementos. Nas entrevistas isso aparece com a seguinte
disposição (Tabela 7):

Tabela 7 – Valor atribuído aos cabelos nas mulheres com AFF


Valor atribuído Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol.
aos cabelos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Identidade SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

Feminilidade SIM SIM SIM SIM SIM


Fonte: Do autor

O sofrimento das voluntárias transcende o valor atribuído aos cabelos,


transitando em outras esferas. São frequentes as preocupações com a impressão de
terceiros, além de manifestações que remetem a tristeza, a insegurança, o medo da
calvície e a impotência. A perda da identidade,, outro elemento muito frequente nas
entrevistas, também deve ser considerado um sofrimento decorrente do surgimento
da AFF.
Para exemplificar, os sofrimentos provocados pela AFF aparecem,
resumidamente, da seguinte forma nas voluntárias:

Voluntária 1: Não ter como melhorar me preocupa muito. Com relação à


aparência, autoestima. Me preocupa porque você acaba sofrendo algum
tipo de bullying. EU já sofro… Meu medo é aumentar o problema que eu já
tenho. A minha insegurança aumentar. Tenho certeza de que vai piorar. Ai
vai fechar com chave de ouro, ficar sem cabelo… Fico triste só de
imaginar…
Voluntária 2: Eu tenho receio de que o meu cabelo não volte… Adoraria
tomar um banho de mar. Sinto falta disso… Também deixei de ir a bailes.
Adoro dançar, mas como suo muito na cabeça e a peruca fica toda
molhada, isso me incomoda…
Voluntária 3: Uma preocupação… Uma preocupação que isso evolua para
pior… Medo de que a calvície aumente... Fico preocupada com os cabelos,
com o uso das medicações porque o tratamento dura muito tempo… Me
chateia não ter minha sobrancelha perfeita. Por exemplo, vou em um
89

casamento daqui algumas semanas e não vejo um jeito de deixar meu


cabelo e sobrancelha bonitinhos… Vou ver o que eles fazem lá no salão…
Mas tenho sentido dor e coceira no couro cabeludo, fico triste porque sei
que isso é sinal de que pode estar piorando.
Voluntária 4: Dá tristeza… Muita tristeza… Frustração. Muito tudo. Tudo
isso gera muito transtorno, muito… Isso me gera muito trabalho… mão de
obra, sei lá. Chato. Muito chato. Acho que quem usa esse troço na cabeça,
como é que pode se sentir bonita? Sempre fui muito vaidosa… Fui
manequim de loja… fui rainha, fui miss, fui um monte de coisa… Eu me
sinto bonita por dentro, mas não por fora.
Voluntária 5: Tenho medo de ficar calva. De ficar com a raiz aparente, isso é
terrível, né? Saber sobre o meu problema de cabelo e ver ele caindo me dá
uma sensação de impotência… impotência mesmo, você não é o primeiro
especialista que eu procuro, já fiz vários tratamentos. Tudo te deixa
chateado… Me degladio comigo mesma demais…
Voluntária 6: me incomodo muito com meus cabelos, não gosto de ir a
eventos sociais, por exemplo… Nem grandes, nem pequenos… Meio que
fujo de eventos… Tento ficar cobrindo o couro cabeludo o tempo todo para
disfarçar. É horrível… Não me sinto uma pessoa normal. Quando eu tirei
uma foto para a minha carteira nova de motorista eu decidi começar a me
cuidar… Se não ia ficar careca.
Voluntária 7: Não posso dizer que não tenho medo de como o problema
possa vir a ficar. Um medo que só veio depois do diagnóstico, porque antes
eu achava que era uma calvície normal…. Onde eu trabalho, uso touca, o
que me ajuda a esconder o problema. Na rua tento disfarçar deixando o
cabelo preso.
Voluntária 8: Eu sou muito ansiosa, não parece, mas sou ansiosa. Eu que
sempre quero mostrar que tá tudo bem, entendeu? Mas por dentro, não tá.
A minha vida foi sempre muito amargurada com outras coisas e tal. E eu
sempre… sempre quero parecer alegre, não sou triste. Mas com essa coisa
do cabelo não dá. Lá atrás, quando percebi a primeira roda de falha na
cabeça fiz um implante. Ficou bom um tempo, sabe, né? Mas agora tá tudo
ruim de novo, não dá para disfarçar mais.
Voluntária 9: É uma doença que mexe muito com o psicológico da gente
(choro)... Isso te desespera… Acho que nunca vai passar, entendeu? É
como se fosse… câncer, entendeu? Na vida da gente… EU nunca parei de
ler sobre a queda capilar… Talvez isso fosse uma cortina em que eu quero
me esconder atrás… Tudo piora porque moro longe de minha família… Dos
sonhos frustrados… Do quanto isso me faz querer me afastar das
pessoas… E eu já sou depressiva, piora tudo, sabe?
Voluntária 10: Fico chateada com o cabelo, mas é pouco. Só quando tem
alguma coisa maior… Minha filha, por exemplo, na faculdade. Tem festa, ela
me chama… Ai me incomoda mais… Fico com medo de aparecer muito…
Dos outros olharem… De acharem que eu to doente, que é coisa que eu
não tô…
Voluntária 11: Imaginar que um dia eu possa estar mais careca, que minhas
filhas podem ter vergonha de mim… Sempre invejei quem tem muito
cabelo… Minha autoestima fica lá em baixo… Minhas filhas, que são quem
mais me importa, não ligam muito, por enquanto… Falam para eu deixar de
qualquer jeito, que não aparece… Mas eu vejo que tá ruim… Não adianta
elas dizerem nada. E isso me chateia… Não sei o que pode ser de mim no
futuro… Os tratamentos não dão certo… Eu, eu não sei mais o que fazer…
Quero tentar aquele tratamento com ultravioleta que disse para o senhor...
Voluntária 12: Tò tendo uma decadência na minha vida, e daí você olha,
você tá feia, Você tá velha… Você tá ficando careca… Faço curso em um
lugar que tem uma senhora que é muito careca… Eu acho ela muito
estranha… Até ela é meio… eu vejo que ela é meia… Ela não… pra mim foi
chocante. Eu me olhar, eu acordava de madrugada durante um bom
tempo… Eu comecei a ficar com vergonha, eu não sei lidar bem com isso…
Eu estou parecendo um monstrinho… Às vezes passo na frente do espelho,
90

olho e me pergunto: essa sou eu? Essa não sou, essa é outra pessoa,
porque você muda muito… Eu preferia uma doença a ficar careca… E
morro de medo de piorar, de ficar cada vez mais careca...

Como já mencionado, as voluntárias apresentaram temas de sofrimento


frequentes nas entrevistas. O que mais surgiu foi a perda da identidade em 11 delas,
o medo da calvície e a tristeza em 10 delas, a insegurança em 9 e a impotência
diante do problema em 5. Três das voluntárias relataram todas as categorias de
sofrimento mais frequentes (Voluntárias 5, 9 e 11). Enquanto três delas relataram
apenas duas categorias de sofrimento (Voluntárias 2, 3 e 10). A tabela 8 mostra a
disposição das categorias de sofrimento, provocado pela AFF, que as mulheres
relataram em suas histórias.

Tabela 8 – Distribuição de temas estressantes provocados pela AFF


Sofrimentos
Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol. Vol.
causados
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
pela AFF

Tristeza SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

Insegurança SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM

Perda da
SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM
Identidade

Medo da
SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM
calvície

Impotência SIM SIM SIM SIM


Fonte: do autor
91

Figura 9 – Distribuição dos temas estressantes e causadores de sofrimento das


histórias de vida das mulheres com AFF

Fonte: do autor

12.11 A FINALIDADE DA DOENÇA

A última pergunta do roteiro de entrevista foi feita a todas, sem exceção, pois
apenas a voluntária 9 declarou, espontaneamente, a possível finalidade da doença
em sua vida. Como a voluntária 9 foi a primeira entrevistada e sua entrevista serviu
de base para a construção final do roteiro, ficou clara a necessidade da investigação
da razão pela qual as voluntárias acreditam que AFF surgiu na vida delas. Os relatos
são muito interessantes e revelaram interpretações diferentes sobre a doença, que
são apresentadas no quadro que segue abaixo:

Quadro 1 – Finalidade da AFF para as voluntárias da pesquisa


Voluntária Finalidade da AFF
Pra me ensinar alguma coisa. Para ser mais atenta às reações do
meu organismo. Porque você não dá muita importância a algumas
Voluntária 1
coisas, e aí quando dá, às vezes, é meio tarde. Então, eu aprendi a
ficar mais atenta aos sinais do meu organismo.

Voluntária 2 Acho que foi para eu me preocupar comigo. Eu sempre fui de


trabalhar, de ajudar os outros. Minha preocupação sempre foi meu
92

trabalho. Então, acho que a queda foi para eu correr pra mim.
Nunca fui muito vaidosa. Mas depois desse problema, essas coisas
começaram a passar pela minha cabeça. Ficar mais bonitinha pra
Voluntária 3
mim, pro meu marido. Só me arrumava pra ir pro trabalho, porque
precisava, mas nunca pra mim mesmo.
Me tornar mais humilde. Eu, eu sempre fui humilde, eu nunca fui,
como eu já disse, de nariz empinado, nem nada, mas eu sempre fui
muito… como é que eu vou dizer… não sei… Eu sempre chamava
Voluntária 4
atenção… Era o centro das atenções… Chamava atenção das
mulheres que ficavam me olhando e dos homens… Namorei muita
gente...
Voluntária 5 Me fuder! Para me dar um desafio, me dar trabalho.
Isso só pode ter vindo para me dar dor de cabeça… Não é possível
que eu mereça isso, depois de tanta coisa que passei… Ainda bem
Voluntária 6
que tenho minha irmã, que me entende porque tem a mesma
coisa...
Não consigo explicar. Na verdade não saberia o que dizer… Tenho
sentido muitas coisas que o estresse traz e um médico homeopata
Voluntária 7
tem me tratado com floral e acupuntura. Acho que preciso me cuidar
do estresse.
Voluntária 8 Acho que para me deslocar, para me deixar chateada...
Talvez isso fosse uma cortina em que eu quero me esconder atrás
Voluntária 9
dela… Tento… tento me esconder de algumas coisas...
Acho essa doença ruim. Também acho um, como eu posso dizer,
Voluntária 10 aprendizado, que… eu comecei a me alimentar também
corretamente, né
Ah… Deixa eu pensar… Ah! Não sei… Acho que a causa talvez eu
Voluntária 11
saiba, mas porque ela surgiu….
Acho que para me desafiar e aprender, né? É mais uma limitação
que eu tô achando… Eu tô associando a alopecia à velhice, não tem
Voluntária 12
jeito. Eu tenho que aprender a lidar com a velhice, porque… não
tem jeito… Ou eu aprendo a lidar, ou eu me mato.
Fonte: do autor

Nota-se que as grandes diferenças de interpretação sobre a finalidade da


AFF denota, na vida das voluntárias, como cada uma vivencia a doença e como
essa leitura pode estar associada a como a AFF impacta na vida, ao momento da
vida de cada uma delas, à forma como conduzem/conduziram suas vidas e,
também, a aceitação ou não da doença. Ainda assim, também ficou evidente que a
pergunta as fez refletirem. Ainda que não encontrando sempre motivações positivas
em vivenciar o problema, idealizando uma reversibilidade do quadro ou até mesmo
não conseguindo encontrar uma resposta coerente, ficou evidente o fato de que,
93

salvo pela voluntária 9, provavelmente, nenhuma delas havia pensado em uma


finalidade para a AFF.
Por fim, também pode ser percebido que a grande maioria delas parece
tomar consciência de que há algo na doença que as faz olhar para si mesmas, quem
sabe uma tomada de consciência de que a doença pode provocar uma mudança,
seja na forma como a própria patologia é vista, como também diante da própria vida.
94

13 DISCUSSÃO

O médico e psicanalista argentino Luís Chiozza (2010, p. 19) diz que:

Na história de uma vida, a doença parece se apresentar como um acidente


indesejado, que interrompe de maneira inesperada o fio dos propósitos e
das intenções que traçavam o rumo dessa vida. Porém, uma vez que
aprendemos a ler nesse idioma, a doença se apresenta como um capítulo
que forma parte indissolúvel dessa biografia, completando a trama da
história em um conjunto mais amplo e com significado mais rico. Como
ocorre nas tramas policiais, uma vez que a investigação, ampla e
rigorosamente realizada, finaliza, e se reconstrói o sentido do sucesso
misterioso ou absurdo, tudo parece simples. A doença deixa de ser um
acontecimento estranho que surge do lado de fora da vida, para converter-
se em um drama que a pertence por inteiro.

Abre-se a discussão deste estudo com essa frase do Chiozza (2010), por
entender que esta tem um sentido muito importante para a compreensão da doença
que é motivação do mesmo. Ao longo deste trabalho se tem hipotetizado que a AFF
é uma doença que, apesar de ter inúmeras teorias etiopatológicas, raramente é
estudada do ponto de vista do sofrimento emocional da biografia de vida de seus
portadores. Algumas publicações, relevante tomar como referência aqui, a revisão
sobre as Alopecias Cicatriciais primárias (HARRIES; PAUS, 2010), até apontam os
fatores ambientais como desencadeantes do processo, mas em nenhum momento
aparece, na literatura, uma referência aos estresses psicoemocionais como fatores
de relevância para o surgimento do quadro.
Por entender que o estresse tem papel importante no surgimento das
doenças capilares, como já descrito nos capítulos introdutórios desse trabalho, e por
tomar como base as entrevistas realizadas com as voluntárias desse estudo,
percebe-se que o sofrimento, como uma forma de estresse, esteve presente de
maneira dura na vida de cada uma das doze participantes.
Tendo em vista que qualquer alopecia pode ser considerada um fator
estressante que interfere na qualidade de vida de seus portadores, algo facilmente
constatável nas consultas médicas de pacientes com perda capilar, a escolha de um
método quantitativo, o Dermatology Quality of Life Index, para avaliar o impacto na
qualidade de vida das mulheres com AFF tinha como propósito mensurar a
intensidade desse impacto. As informações, obtidas por este inventário (Tabela 9),
colaboraram para que se tivesse uma ideia inicial daquilo que a doença é capaz de
trazer.
95

Sobre o DQLI, o impacto na qualidade de vida das mulheres com AFF teve
média de 7,333 com desvio padrão de 5,43. Para fins de comparação com a
literatura e avaliar o impacto psicoemocional das pacientes foi utilizado um único
artigo, que avalia qualidade de vida em alopecias cicatriciais em uma pequena
amostra de pacientes do sexo feminino (n=19). O estudo de Katoulis et al. (2015),
verifica o impacto psicossocial de mulheres gregas, com dois grupos de alopecias,
as cicatriciais (grupo ao qual pertence a AAF) e as não cicatriciais. A pontuação do
grupo de mulheres com alopecias cicatriciais estudada por Katoulis foi de 12.3 (DP
de 3.369). A pontuação do grupo com alopecias não cicatriciais apontou média de
impacto de 9.4 (DP de 3.452). Realizou-se, então, a comparação da média de DQLI
da amostra desse estudo com as encontradas por Katoulis et al. (2015). Para tanto,
foi usado o teste t para amostras independentes. O software utilizado foi o Winpepi
para Windows versão 11.44. O nível de significância utilizado foi de 0,05.
Na comparação entre as amostras, houve diferença estatística da média da
amostra desse estudo com a média de Katoulis para o grupo com alopecias
cicatriciais [t=-3,16; gl=29; p=0,004), sendo a média de impacto na qualidade de vida
na amostra de voluntárias desse estudo bem menor do que a observada por Katoulis
et al. (2015).
Já quando comparada a média desse estudo com a média de Katoulis para
não cicatriciais [t=--1,41; gl=35; p=0,167), não se pode dizer que houve diferença
significativa entre os grupos.
Dessa forma, o impacto na qualidade de vida pelo DQLI nas mulheres desse
estudo foi compatível com o de Katoulis para alopecias não cicatriciais, mas sendo a
AFF uma alopecia cicatricial, quando comparada ao grupo de mulheres com
alopecias cicatriciais de Katoulis et al. (2015), as voluntárias de Katoulis tiveram
impacto na qualidade de vida, significativamente, superior ao da amostra desse
estudo.
96

Tabela 9 – Comparação estatística entre os resultados do DQLI das voluntárias com os de


Katoulis et. al (2015) para alopecias cicatriciais
Autor 1 média DP n Autor 2 Amostra média DP n t (gl) p

Estudo 7,33 5,43 12,00 Vs Katoulis Scarring 12,3 3,369 19 -3,16 0,004
AFF et al alopecia (29)
Non- 9,4 3,452 25 -1,41 0,167
scarring (35)
alopecia
Fonte: do autor

Na entrevista, ficou evidente que a doença produz não apenas impacto na


qualidade de vida, mas uma amplificação do sofrimento de suas portadoras.
Baseado na proposta de Rodrigues e França (2010) de que o processo de
adoecer é uma resposta do indivíduo, que vive em uma sociedade e que esta
perspectiva o faz interagir com o meio e com ele mesmo, de que emoções,
independentemente, de serem negativas ou positivas, provocam eventos somáticos
e que, por isso, a biografia dos pacientes pode provocar o surgimento de patologias,
fica possível aventar a hipótese de que uma patologia como a AFF pode ter se
originado de eventos estressantes, com grande carga emocional de sofrimento.
A relação entre o estresse como possível fator desencadeante de perda
capilar, já observada por outros pesquisadores, foi observada neste estudo. Assim
como aconteceu com Al-Rubaiy e Al-Rubiay (2005), cuja pesquisa avaliou a
presença do estresse como possível fator envolvido no surgimento de vitiligo,
alopecia areata e psoríase, em que 62,2% das pacientes avaliadas relataram
associação sincrônica entre o estresse e o surgimento de patologias, as voluntárias
deste estudo também relataram tal fato durante a entrevista.
Interessante perceber que a pesquisa de Al-Mutairi e Eldin (2012) constatou
que os pacientes com alopecia areata tinham escores de pontuação mais elevados,
após preencherem o questionário de eventos traumáticos utilizados no estudo. Entre
os motivos mais determinantes de estresse, estes pacientes salientaram perdas e
rejeições afetivas como eventos frequentes, nesses pacientes, e com importante
carga de sofrimento.
De forma coerente com os dados de Al-Mutairi e Eldin (2012), Prado e Neme
(2008), em análise de pacientes com alopecia areata observaram que a relação com
os pais dos pacientes eram sempre mais negativas do que positivas e que as figuras
maternas e paternas realizadas pelas voluntárias foram concebidas sempre com
97

aspectos negativos, que remetiam a sentimentos de frustração e vazio afetivo.


Autoridade e vínculos inseguros também estiveram presentes nas relações
parentais, assim com sentimentos autodepreciativos.
Tanto os aspectos citados por Al-Rubaiy e Al-Rubiay (2005) quanto os
observados por Prado e Neme (2008) podem ser vistos, nas voluntárias deste
estudo que apesar de não serem portadoras de alopecia areata, também
desenvolveram uma patologia capilar inflamatória.
Prado e Neme (2008), quando trazem informações sobre a sexualidade e
relação conjugal das voluntárias que estudaram, apresentam resultados que,
também, ficam de acordo com os que foram observados nesta pesquisa. Citam que
suas voluntárias narraram conteúdos negativos, que se davam como distanciamento
afetivo, pouca concretização de anseios e metas de vida, manutenção de autoestima
e autoimagem prejudicada. Elementos que, facilmente, são encontrados neste
estudo.
Para as mulheres aqui estudadas, o sofrimento, como uma forma de
estresse, antecedendo e, muitas vezes, aparecendo de forma sincrônica com o
surgimento da AFF, foi vivido predominantemente em eventos, que envolveram
perdas, solidão, insegurança, impotência, frustração e vergonha. Possivelmente, e
que fique claro que se está aqui tratando de uma hipótese, esses eventos, de
grande significado para essas mulheres, que tanto marcaram as biografias, tocaram
complexos ou se associaram a complexos que, por sua vez, se expressaram na
forma de eventos inflamatórios perifoliculares, dando origem aos sinais clínicos, que
caracterizam a AFF.
Podendo o complexo provocar sintomas psicoemocionais ou físicos, é
possível que sua expressão, quando carregado de energia, seja capaz de fazer
emergir manifestações somáticas como as da AFF, que envolvem desde a perda de
pelos do corpo e da sobrancelha, passando pela dor e prurido de couro cabeludo até
a perda dos cabelos da linha frontal.
Como diz Carotenuto (1997) no capítulo: O Corpo doente, de seu livro Amar
Trair - Quase que uma apologia à traição: “Psicologicamente, a somatização da
doença é consequência da perda de contato com o conflito patogênico, cujo acesso
à consciência foi impedido” (CAROTENUTO, 1997, p. 197), e segue dizendo que:
“Como descobrimos o corpo só quando nos incomoda, assim descobrimos a
consciência só quando o inconsciente usa de estratégias comunicativas tão
98

extremas” (CAROTENUTO, 1997, p. 197). Reforçando essa ideia, de que o


inconsciente traz à consciência através da doença os conflitos que se vive,
Carotenuto, em outro momento, diz: “O órgão doente nos põe, quem sabe pela
primeira vez, diante do “perseguidor” mais devastador, digamos também, junto com
seu “progenitor”: aquele que hospedamos dentro de nós” (CAROTENUTO, 1997, p.
196).
Por fim, Carotenuto afirma: “O corpo que adoece nos faz sentir fortemente a
sua presença, presença que antes notávamos só incidentalmente, quando nos
murmurava” (CAROTENUTO, 1997, p. 196).
Jung (2011), em suas considerações gerais sobre a teoria dos complexos
diz, sobre o sofrimento, que:

[…] doloroso é o que provoca um sofrimento, portanto alguma coisa


verdadeiramente desagradável e, por isso mesmo, importante em si mesma,
e que não deve ser menosprezada. Mas há em nós a tendência a
considerar irreal, tanto quanto possível, o que nos molesta (JUNG, 2011, p.
47).

Sofrimento é o que se vê nas histórias das voluntárias desse estudo que, de


forma mais ou menos intensa, se dispuseram a falar sobre as dores emocionais.
Traumas e conflitos que, como diz Jung (2011), são capazes de provocar o
surgimento dos complexos. “A etiologia de sua origem é muitas vezes chamado
trauma, um choque emocional, ou coisa semelhante, que arrancou fora um pedaço
da psique” (JUNG, 2011, p. 45).
Como já apresentado previamente, emoções e estresses, e isso inclui os
sofrimentos e as dores que os acompanham são capazes de provocarem tanto o
sistema límbico como, e podendo ser, consequentemente, o sistema endócrino,
provocando a liberação de mediadores químicos e hormônios que, entre outras
coisas, podem se desdobrar em eventos, que poderiam provocar perda de cabelos.
Chiozza (1986) afirma que:

O homem adoece porque oculta a si mesmo a história cujo significado lhe é


insuportável. Geralmente a sua doença é resposta simbólica que tenta
inconscientemente alterar o significado da história ou, o que é o mesmo, a
sua conclusão (CHIOZZA,1986, p. 193 apud CAROTENUTO, 2011).

Entender porque os folículos pilosos e, consequentemente, os pelos e


cabelos seriam alvos do estresse provocado pelos eventos de vida, que causam
sofrimento, é algo que pode ser possível mediante uma boa compreensão do
99

simbolismo dos cabelos. Esta leitura, a simbólica, tendo convergência com os temas
que surgem envolvendo sofrimento como estresse na vida daqueles que perdem a
cabeleira poderia mostrar o caminho para o melhor entendimento dessas estruturas
do corpo frente aos fenômenos psicossomáticos. E, quem sabe, como disse Chiozza
(1986), ser fator preponderante para, uma vez compreendida a finalidade da doença,
promover, não (somente) a cura capilar, quando esta for possível, mas uma
mudança no rumo da história de vida.
Sobre isso, Carotenuto (2011) diz que:

Mas o sinal de alarme que o corpo nos envia por meio de sua doença não
só pode e não deve deixar de ser ouvido… como também seria bom que o
interpretássemos e aprofundássemos em seus vários níveis e em todas as
suas implicações (CAROTENUTO, 2011, p. 197).

Uma questão importante que pode ser levantada quando se está diante de
uma patologia, que acomete um tecido ou estrutura corporal é a do porque o corpo,
para comunicar este “sinal de alarme”, escolhe uma estrutura, em especial, para
expressar a doença.
Ramos (2006), para explicar esta ideia, apresenta o conceito do símbolo
como um fator importante no fenômeno psique-corpo. Nesse sentido, Ramos (2006)
afirma:

Os sintomas somáticos ou psíquicos têm origem nos complexos. A


constelação de um complexo provoca uma alteração no nível fisiológico e
psicológico sincronicamente, tenha o indivíduo ou não percepção dessas
alterações (RAMOS, 2006, p. 74).

Após discorrer sobre como se forma o complexo ego-Self e explicar que este
se desenvolve a partir de um processo de deintegração como função simbólica,
também chamada de função transcendente ou função transdutora, Ramos (2006)
afirma que: a formação de um processo secundário é um desvio do eixo ego-Self e,
também, manifesta simbolicamente. Assim, como afirma que saúde e doença podem
ser entendidas como uma representação simbólica da relação ego-Self.
Também, este mesmo autor afirma que:

Toda e qualquer doença é um símbolo, o qual revela uma disfunção do eixo


ego-Self. A compreensão dos sentidos do símbolo aponta para a correção a
ser feita (mecanismo de compensação)... O sintoma-símbolo compensa o
“erro! E aponta sincronicamente a “correção” a ser feita, isto é, o conteúdo
inconsciente que precisa ser integrado à consciência (RAMOS, 2006, p. 77).
100

Ramos (2006) também deixa claro o fato de que naqueles que se encontram
doentes, as impressões sinestésicas, sobre as quais se baseiam o ego e os
complexos, estão cindidas de suas representações abstratas, para logo depois
levantar duas hipóteses sobre indivíduos, que expressam disfunções como
simbologia orgânica. Uma delas parece fazer muito sentido para aquilo que se
observa nas voluntárias desse estudo. Diz Ramos (2006):

Pode ser que a consciência tenha dificuldade em integrar o símbolo


emergente devido à complexidade nele envolvida. Situações existenciais
profundas ou traumáticas podem trazer certos questionamentos que o ego,
não conseguindo integrá-los no plano do abstrato, é induzido a somatizar
(RAMOS, 2006, p. 77).

Para Ramos (2006), para se compreender o significado de um símbolo, a


busca de suas origens não é suficiente, sendo importante procurar compreender sua
finalidade. Logo, entender o “porquê” e o “para que” do sintoma ou patologia, que
acomete o indivíduo se torna imprescindível. Finalidade esta, que fica evidente no
relato da grande maioria das voluntárias do estudo, que interpretam que a doença as
faz olhar mais para elas mesmas, seja uma maior consciência corporal, seja uma
maior consciência sobre si mesmas.
De acordo com Ramos (2006), o significado simbólico para os cabelos ao
longo da história tem sido muito amplo. Vitalidade, fertilidade, sensualidade, poder,
poder cósmico de criação e destruição são algumas das representações dadas aos
cabelos, em especial, aos cabelos femininos. Nesse sentido, fica claro que mulheres
que viveram situações importantes de frustrações, inseguranças, impotências,
vergonhas, solidão e perdas se sintam enfraquecidas diante da vida. Percam a
vitalidade, a feminilidade, o poder. Os relatos aqui citados são prova de que estes
elementos simbólicos formam a tônica da vida das voluntárias, desafiando-as a,
através da AFF, olhar para dentro de si mesmas e aprender aquilo que até então
não havia sido aprendido sobre elas mesmas. Quem sabe para que, como diz
Ramos (2006), a compreensão e a integração do símbolo possam levar estas
mulheres a uma melhora de saúde, que não se dará, certamente, pela
irreversibilidade da doença, através dos cabelos, mas sim pelo autoconhecimento e
pela recuperação de um poder, que se perdeu ao longo de suas sofridas biografias.
101

14 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES

Harries e Paus (2010), em revisão sobre a patogênese das alopecias


cicatriciais primárias, apresentam como fatores patogênicos dessas doenças os
impactos ambientais. Isso inclui a própria biografia das portadoras de qualquer
patologia desse grupo de alopecias, entre estas a AFF, que tendo grande impacto
de sofrimento, pode ter como fator desencadeante o estresse provocado por esse
sofrimento.
O estudo mostrou que a AFF é um problema com elevado grau de
sofrimento, tanto na biografia de vida das voluntárias, antes do surgimento da
mesma, quanto após a manifestação da doença. Considerando o sofrimento como
fator estressante e a teoria do sintoma como símbolo, algo a ser ressignificado pelo
paciente, pois a manifestação física pode ser compreendida em face de que
apresenta um desvio no complexo ego-Self, podendo-se aventar a possibilidade de
fatores desencadeantes do problema estar relacionados ao sofrimento vivido pelas
portadoras de AFF.
O valor atribuído aos cabelos pelas voluntárias mostrou que a perda capilar
impacta dois elementos importantes da vida das mulheres: a feminilidade e a
identidade.
Quando perguntadas sobre a finalidade de seu problema capilar, apesar da
relação conflitiva das voluntárias com a doença, a maior parte delas parece ter
cogitado que a AFF tem como papel fazê-las olhar para si mesmas e tirar dessa
reflexão algo que possa ser, efetivamente, melhor para suas vidas.
Como pesquisador se entende que pontos importantes foram elucidados
com este estudo. Em primeiro lugar, crê-se que as informações aqui obtidas foram
de grande valia para uma maior compreensão da doença AFF, transcendendo as
constatações etiopatogênicas vinculadas apenas aos aspectos biológicos, que a
totalidade da literatura publicada sobre o assunto tem apresentado. Outro ponto
importante foi o fato de que como pesquisador, foi possível constatar o quanto uma
forma diferente de encontro com o paciente, que transcenda o setting médico, pode
favorecer em uma coleta de informações mais amplas e ricas sobre as pacientes,
favorecendo outro olhar sobre a pessoa que procura ajudar e, também, sobre a
doença que ela traz para a clínica médica. Um terceiro ponto que se destaca aqui é
o de que o estudo teve papel positivo para que houvesse uma compreensão de que
102

a doença pode ser desencadeada por sofrimentos e eventos estressantes, que


podem ser semelhantes ou muito diferentes daqueles que vão surgir como resultado
da doença em si. O quarto ponto que se deve destacar é o de como uma visão
teórica da psicologia pode colaborar para uma melhor interpretação da atuação de
um paciente diante de um profissional de saúde, por meio da observação e reflexão
sobre informações trazidas pelo paciente, com maior profundidade. Por fim, ficou
evidente que o conteúdo deste estudo pode continuar a ser explorado, a partir dos
dados já coletados, ampliando ainda mais o que foi aqui apresentado.
103

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109

ANEXO 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado participante,
Eu, Ademir Carvalho Leite Júnior, venho, por meio deste, solicitar a sua participação na
minha pesquisa, que tem por título RELEVÂNCIA DO ESTRESSE E DOS EVENTOS
CONFLITIVOS DA VIDA EM MULHERES COM ALOPECIA FIBROSANTE FRONTAL, sob o
enfoque da psicossomática.

Para a obtenção dos dados serão utilizados os seguintes instrumentos:


-Formulário para caracterização do estudo;
- Inventário de qualidade de vida em dermatologia (DQLI);
- Entrevista semiestruturada;

Cabe esclarecer que, como participante, você terá a liberdade para retirar-se da
pesquisa a qualquer momento.
Os dados da pesquisa serão utilizados para a defesa de dissertação do Mestrado do
pesquisador, ressaltando que a identidade do participante será preservada.

INFORMAÇÕES DO PESQUISADOR
Nome: Ademir Carvalho Leite Júnior
Endereço: Av Imperatriz Leopoldina, 957 – Conj 2009
São Paulo - SP
Telefone: 11-99198-6189 / 11-99495-4159
Eu,__________________________________________________________, portadora do
RG___________________, declaro estar ciente da minha participação na pesquisa com o
título RELEVÂNCIA DO ESTRESSE E DOS EVENTOS CONFLITIVOS DA VIDA EM
MULHERES COM ALOPECIA FIBROSANTE FRONTAL Dessa forma autorizo a gravação
dos relatos registrados pela minha pessoa, assim como da divulgação dos mesmos para fins
de pesquisa e ensino.
_________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
110

ANEXO 2 – FORMULÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO

Nome: _______________________________________________________________

Idade:____ anos Renda Familiar:________________

Religião:_______________ Praticante: ____SIM _____NÃO

Estado Civil:
____Solteira _____Casada _____União estável _____Divorciada _____Viúva

Filhos _____SIM _____NÃO Quantos?_____________________

Escolaridade __________________________________________________________

Profissão _____________________________________________________________

Ocupação atual ________________________________________________________

Você tem algum problema de saúde?


___SIM ___ Não
Se sim, quais?_________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Está utilizando alguma medicação? ___SIM ___NÃO
Se sim, quais?_________________________________________________________
111

ANEXO 3 – INVENTÁRIO DE QUALIDADE DE VIDA EM DERMATOLOGIA (DQLI)

O objetivo deste questionário é medir o quanto seu problema de pele afetou sua vida no
decorrer da última semana. Marque com um X a melhor resposta para cada pergunta.
1. Na última semana, quanto sua pele coçou, esteve sensível, dolorida ou
ardida?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada
2. Na última semana, você ficou com vergonha ou se preocupou com sua aparência por
causa de sua pele?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada
3. Na última semana, quanto sua pele interferiu em suas compras ou em suas atividades
dentro e fora de casa?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada ( )Não relevante
4. Na última semana, quanto sua pele influenciou a escolha das roupas que você vestiu?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada ( )Não relevante
5. Na última semana, quanto sua pele afetou as atividades sociais ou de lazer?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada ( )Não relevante
6. Na última semana, quanto sua pele atrapalhou a prática de esportes?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada ( )Não relevante
7. Na última semana, sua pele o impediu de trabalhar ou ir à escola?
( )Sim ( )Não ( )Não relevante
Caso sua resposta seja NÃO, na última semana quanto sua pele lhe causou problemas no
trabalho ou na escola?
( )Muito ( )Um pouco ( )Nada
8. Na última semana, quanto sua pele lhe causou problemas com seu parceiro ou amigos
mais próximos e parentes?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada ( )Não relevante
9. Na última semana, quanto seu problema de pele lhe causou dificuldades sexuais?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada ( )Não relevante
10. Na última semana, quanto seu tratamento de pele foi um problema, deixando sua casa
desorganizada ou tomando muito de seu tempo?
( )Muitíssimo ( )Muito ( )Um pouco ( )Nada ( )Não relevante
112

ANEXO 4 – ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

1- Quando seu problema capilar começou?


2- O que estava acontecendo na sua vida quando o problema surgiu?
3- Você relaciona algum evento ao aparecimento da doença?
4- Há alguém na família com o mesmo problema?
5- Para você o que é a Alopecia Fibrosante Frontal?
6- Por que você acha que tem Alopecia Fibrosante frontal?
7- O relacionamento com amigos e familiares mudou após o surgimento da doença?
8- Você já se privou de alguma atividade por conta da AFF?
9- Já deixou de sair de casa ou de ir a algum lugar por conta da AFF?
10- Como percebe seu quadro de perda capilar?
( ) Leve ( ) Moderado ( ) Grave ( ) Muito grave
11- Quando, e se percebe, piora do quadro capilar, consegue associar a piora a alguma
situação específica?
12- O que mais te incomoda em sua queda capilar?
13- Como tem sido sua relação com o diagnóstico de seu problema capilar?
14- Como você encara a possibilidade de seu quadro poder ser irreversível?
15- Como você tem lidado esteticamente com o seu problema capilar (usa algum tipo de
método para tentar escondê-lo)?
16- Você acredita que seu problema te traz limitações? Que dificuldades você encontra por
ter AFF?
17- Você tem o hábito de olhar para seu problema com certa constância? O que sente
quando olha?
18- Como você tem lidado esteticamente com o seu problema capilar (usa algum tipo de
método para tentar escondê-lo)?
19- O que você espera de um tratamento para o seu problema?
20- Quais seus receios e sentimentos em relação ao seu problema?
21- Como você completaria a frase: “A AFF surgiu na minha vida para...”

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