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1. Introdução
Nos últimos anos, tem havido um interesse muito grande pela formação do
professor de línguas dentro da Lingüística Aplicada. No Brasil isso tem se traduzindo
em inúmeros artigos, livros e comunicações em congressos sobre o tema (Vieira-
Abrahão, 2004; Gimenez, 2002; Magalhães, 2004; Celani, 2003) e também pelo
aumento de projetos de formação continuada oferecidos a professores de línguas (PUC-
SP, EDUCONLE-UFMG, PECPISC – UFSC).
Neste trabalho, fazemos um relato sobre um desses projetos de formação
continuada (PFC doravante) realizado em uma cidade de porte médio do estado de
Minas Gerais, dando ênfase aos desafios enfrentados pelo formador de professores ao
lidar com os contextos e das realidades de professores de inglês. O objetivo deste artigo
é mostrar os desafios vivenciados, através de dados coletados por meio de notas de
campo, tomando por base os desafios para a formação de professores citados por
Gimenez (2005). Antes, porém, faz-se necessário apresentar um breve histórico do PFC
em questão. Em seguida, comentamos sobre a metodologia utilizada e os resultados.,
finalizando com discussões e reflexões para pesquisas e projetos futuros.
3. Metodologia
1
Chinelatto, E. Crenças sobre ensino de inglês e a prática de sala de aula: um estudo etnográfico em
escolas públicas. Relatório Final de Projeto PIBIC/CNPq. Universidade Federal de Viçosa, MG.
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seus sentimentos e reações ao que se passava nos encontros. Ao todo, foram feitas 6
entradas de anotações de campo em 2004, sete em 2005 e onze em 20062.
A análise de conteúdo dessas anotações obedeceu aos critérios da pesquisa
qualitativa (Lincoln & Guba, 1985) com a leitura de todo o material a procura de temas
recorrentes que foram agrupados em categorias e, posteriormente verificados várias
vezes para recategorização. A segunda autora do trabalho também leu todas as notas e
verificou a primeira análise das categorias. Após a identificação das categorias que
surgiram dos dados, elas foram analisadas tendo por base, os desafios mencionados por
Gimenez, os quais passam a ser discutidos na seção seguinte.
2
As anotações referentes ao ano de 2006 não foram incluídas no corpus de análise para este trabalho.
3
Reflexão orgânica é definida pela autora como “aquela que deriva espontaneamente a partir das
necessidades e interesses dos próprios sujeitos da formação” (p. 192).
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mensagens para professores são, portanto, mistas. De um lado, os programas de
formação [continuada também] procuram prepará-los para um modo de realizar
o trabalho que depende de tempo para ser bem realizado, e, de outro, as
instituições escolares não propiciam esse tempo” (p. 194). Gimenez ressalta que
existem poucos relatos de resultados do tipo de ações concretas que essas
pesquisas causam em sala de aula. Para ela, esse descompasso entre as propostas
dos programas e o que acontece em sala de aula é um dos maiores desafios.
5. Relação das pesquisas com políticas públicas de formação de professores:
diz respeito à contribuição efetiva da lingüística aplicada na elaboração de
políticas de formação de professores.
6. Identidade profissional dos formadores: Gimenez pondera sobre a atuação dos
formadores nos cursos de formação inicial onde somente os professores de
prática são vistos como formadores. Ela ressalta a importância do formador se
analisar. Segundo a autora, “um dos desafios contemporâneos” é “olhar para nós
mesmos como formadores” (p. 197). Ou seja, se propomos que os professores
sejam reflexivos e se auto-analisem, devemos também fazer isso em nosso
próprio contexto.
7. Integração das formações inicial e continuada: Gimenez se refere “à clássica
separação entre formação inicial e continuada” (p. 197) e a dificuldade de
articular essa integração com espaço para diálogo tendo o formador como
mediador desse processo em que os participantes possam ter espaço para tomar
decisões em relação às suas ações. Ela aponta a “nomeação coletiva de
problemas” como uma primeira etapa importante para ações coletivas e na
formação de professores, e que demanda tempo. A autora se posiciona contra a
ida de acadêmicos até a escola, apenas para a olharem com “olhar investigativo
(e frequentemente, avaliativo)” (p. 198). Gimenez conclui que “construir essas
relações [colaborativas] é um grande desafio que requer humildade freireana e,
talvez, franciscana” (p. 198).
5. Resultados
Nesta seção relatamos os resultados da análise das notas de campo feitas durante
os dois primeiros anos de 2004 e 2005. Primeiramente, apresentamos as categorias que
emergiram dos dados, para em seguida relacionarmos essas categorias, que são os
desafios enfrentados neste projeto, com aqueles apresentados por Gimenez. Os desafios
emergentes dos dados dizem respeito aos desafios dos professores, que incluem o seu
contexto de trabalho, suas crenças, ações e emoções; e da formadora, que incluem sua
reação às crenças dos professores e emoção gerada pelo contato com a complexidade
das crenças e do contexto dos professores.
5.1.1. Contexto:
154
Félix, 1998; Reynaldi, 1998). Os problemas existentes nesse contexto podem ser
divididos em dificuldades ou problemas estruturais e problemas cognitivos ou culturais.
Os problemas estruturais dizem respeito a problemas concretos presentes no dia
a dia da escola e do professor, tais como: indisciplina e turmas grandes, violência,
diferentes níveis na sala, escassez de material ou insatisfação com o existente, falta de
apoio por parte da escola, baixo número de aulas, falta de reprovação, além de questões
políticas. Os excertos abaixo ilustram esses problemas:
Excerto 1:
“Estávamos discutindo sobre motivação e eles falaram da motivação do professor e
mencionaram obstáculos em sua prática:
• Grupo grande de alunos
• Falta de material
• Política do governo/escola
• Falta de incentivo financeiro – ganham pouco
• Quem trabalham em escola particular, acha o livro muito ruim.”(NC 14/05/05 fl2).
Excerto 2:
“turma de 50 alunos: em inglês. Tem que fazer mágica; não tem material na escola, escola não dá
material, tenho que levar folha, etc”.
Excerto 3:
“Profa A. disse: é muito difícil – numero de alunos, nível cultural dos alunos, não tem nada que
chama atenção dos alunos, aluno matou o próprio pai. Tinha que achar uma formula. Depois
repete – não tem cultura. Alguém falou que um aluno ou pai de aluno falou não me lembro: o
quê que você ganhou em saber inglês? (NC 18/09/04, fls2)
Excerto 4:
“Uma professora (ex-aluna que veio ao encontro pela primeira vez) fala de alunos de 5ª serie de
16 anos/14 anos que são repetentes, como agir? Fala também de um “menino de 16 anos que te
peita”. (NC outubro 2004)
Excerto 5:
“fui cantar Old MacDonald na 5ª e 6ª série, os alunos berravam no ya ya yo. Eu não conseguia
fazer que eles ficassem calados”. (NC 16/04/05, fl1)
Excerto 7:
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“Aí vem mais um problema da escola pública: que não reprova e tivemos toda uma discussão em
cima disso e uma professora disse que “não reprova mas ajuda a reprovar e outra professora
disse que a escola tem autonomia para isso”. (NC 29/05/04 fl1)
Esses excertos mostram como o professor se sente com a falta de autonomia. Ele
se sente refém de normas, regulamentos e condições que tolhem o que ele acredita que
deve fazer em sala de aula. Com falta de continuidade fica difícil realizar algum
trabalho. Dessa forma, não só as condições físicas e materiais desses professores, mas
também suas crenças e expectativas a respeito do contexto, fazem com que eles vejam
esses problemas como obstáculos para ensinar a parte oral. Nota-se que ao mesmo
tempo em que essas condições existem, o que os professores acreditam ou o que pensam
sobre esse contexto acaba também moldando esse contexto e talvez, até mesmo criando
esses contextos.
Os problemas cognitivos ou culturais referem-se a uma cultura permeada de
crenças sobre o que os agentes acreditam ou pensam sobre o ensino de inglês nesse
contexto: uma cultura de aprender calcada na pouca importância atribuída à língua
inglesa na escola, no desinteresse e desmotivação dos alunos, além da comparação
constante pelos professores e alunos com cursos de idioma, conforme ilustram os
excertos seguintes:
Excerto 8:
“Os alunos não valorizam inglês na escola publica mas todos fazem cursinho”. “A gente escuta..
na escola a gente não aprende”..(NC 16/04/05, fl1)
Excerto 9:
“Parece que eles mencionam que os alunos acreditam que só se aprende inglês no cursinho e na
criatividade do professor de cursinho, que é quem sabe. Também relatam que os alunos não
vêem utilização do inglês, devido a escassez de material, não faz parte do meio deles.” (NC
14/05/05 fl2).
Excerto 10:
“não é nossa língua, eu nunca vou para os EUA” – parece que os professores relatavam isso
como fala que ouvem dos seus alunos. (NC 16/04/05, fl1)
Excerto 11:
“Que é isso professora, sai fora – eu não sei cantar nem em português, nem em inglês”.(NC
16/04/05, fl1)
Excerto 12:
Outro professor fala: “apatia do aluno é o meu maior obstáculo”.
(NC 14/05/05 fl1)
Excerto 13:
Outra professora diz: “tem aluno que o desinteresse é completo. E aí?” (NC 27/08/05, fl. 1))
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Em resumo, a descrição dos professores sobre seu próprio contexto de trabalho
mostra uma realidade bastante difícil onde sua autoridade é questionada. Isso pode gerar
mais um ciclo vicioso em nossa realidade: as condições desfavoráveis fazem com o
professor tenha baixas expectativas e crenças a respeito do ensino neste local e sobre
seus alunos, o que o leva a adotar uma prática condizente com essas crenças e
expectativas, práticas essas, que por sua vez, reforçam as condições desfavoráveis.
Excerto 14:
Vozes dos alunos através dos professores: “nem vou aos EUA porque vou aprender inglês? Nem
sei o português” eles [os alunos] falam isso direto. “eles lá não sabem falar português porque eu
tenho que falar?” Uma professora disse: ‘é um antiamericanismo muito forte”. (NC 17/04/06, fls
2)
Excerto 15:
“Existe uma corrente contra gramática [W disse isso]. “Eles não sabem nem português. Eu
ensino primeiro português ... não sabem vogais”. (NC 17/04/04, FL1 e 2)
Excerto 16:
Uma aula por semana, 35-40 alunos, alunos não interessados”(NC 17/04/04, fl 1)
Excerto 17:
“Se tivesse condições de fazer isso” turmas cheias, muitas turmas, mas infelizmente... por
enquanto”... (NC 17/04/04, FL1)
Excerto 18:
“Classe baixa é mais fácil de levar “coitadinho’, ‘não sabe’, não tem noção de nada’; ‘quanto
não tem noção’ “acaba ensinando português também’. [inclusive estou me lembrando agora, teve
uma professora que mostrou um bilhete de uma aluna, em português escrito todo errado. Isso foi
mostrado a todos para mostrar como está o ensino – em geral- não somente de inglês.” (NC
18/09/06)
Excerto 19:
“A disse: é muito difícil – número de alunos, nível cultural dos alunos, não tem nada que chama
atenção dos alunos, aluno matou o próprio pai. Tinha que achar uma formula. Depois repete –
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não tem cultura. Alguém falou que um aluno ou pai de aluno falou não me lembro: que que você
ganhou em saber inglês (NC 18/09/04, fls2)
Excerto 21:
“Então uma professora foi dar um exemplo de como trabalhava o texto e disse: Vou fazendo a
tradução até eles inferirem o vocabulário depois que eles já sabem todo o vocabulário, eu
trabalho o texto”. (NC 29/05/06 fl1-2)
Essas crenças dos professores tornam-se um filtro através do qual eles avaliam a
realidade e as possíveis maneiras alternativas que possam ser sugeridas pela formadora
para vivenciar as experiências em sala de aula. Os excertos seguintes ilustram isso:
Excerto 22:
“Mais uma vez após termos visto um outro modelo de trabalhar o texto, uma ex-aluna disse: não
tem como dar esse texto na sala de aula para 40 alunos.” (NC 29/05/06 fl2)
Excerto 23:
“Uma professora disse que os alunos geralmente ‘não sabem nada, e comentam que professora
[que tiveram no ano anterior] era péssima e não aprenderam nada mal sabem o que é
dicionário’. (NC 29/05/06 fl2)”
O último excerto mostra que a professora acredita que a condição de não saber
dos alunos é permanente, como um obstáculo intransponível e não como condição do
ensino. Os alunos chegam sabendo algumas coisas e não outras e a função do professor
é ensinar. Para ilustrar essa falta de conhecimento, os professores contam casos dos
erros cometidos pelos alunos:
Excerto 24:
“Se colocar Sofia and I eles não sabem [a conjugação do verbo to be depois]”
“verbo to be “I am – junto não sabem separar – acham que o I é parte do verbo”
“Uma professora conta que pede para eles completarem com “am, is or are” e eles completam
com OR.[...]”. (NC 18/09/06, FL. 2)
As crenças dos professores sobre seu papel mostram sua preocupação em como
agir diante desse contexto caótico e que papel adotar. Muitas vezes, como no excerto
abaixo, há a certeza que o professor deve adotar um outro papel, como afirma essa
professora:
158
Excerto 25:
“Sou mãezona, desvio da minha função. Não fala no futuro o profissional do educador? Então,
como fazemos? Se um bate no outro, eu não vou interferir? Professor não é só professor, ele é
educador.” (NC 15/10/06, fl2)
Outras vezes, a crença sobre o papel recai apenas em estratégia de como agir
para controlar a indisciplina, como ilustra o excerto abaixo:
Excerto 26:
“uma professora disse que o professor não pode ser muito exigente ou durão, porque “se você é
muito assim, eles tem antipatia”. ”.(NC 17/04/06, fls 2 e 3)
Excerto 27:
“A profa (CZ) então disse: “é muito importante acreditar no que fazemos. O maior desrespeito
com os alunos é não acreditar neles e no futuro deles”. (NC 15/10/06, fl2)
Excerto 28:
“Alguns professores reclamaram da escola particular, do poder do $, que o professor fica a mercê
dos pais, da direção e tem seu conhecimento contestado. Nesse sentido, uma professora disse
que sente que tem mais status e respeito na escola pública. Entretanto, a velha crença a
respeito da escola pública continua para explicar o fracasso do ensino de LE na escola pública:
‘pais não cobram, não tem supervisor,dificuldades muito grandes, não tem material, não tem
livro’.”(NC 17/04/06, fls 2 e 3)
Excerto 29:
“Na escola pública, você é mais você e pronto.” (NC 16/04/05, fl3)
Apesar dessas crenças, elas não poupam críticas aos colegas de escola, que, para
eles, não se envolvem e contribuem para o estado em que se encontra a escola e o
ensino de inglês:
Excerto 30:
“Também mencionam que o professor também é culpado, é omisso, não tá nem aí.” (NC
14/05/05 fl2).
Excerto 31:
“Ouço R.: “na escola pública muitos professores de inglês não querem nada com nada”. (NC
14/05/05 fl1)
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contexto, interferem diretamente na prática e na ação e emoção dos professores, tópico
que passamos a discutir em seguida.
Se você chegar muito quietinha, ... se você é muito brava, eles vão te odiar”.
‘fórmula eterna não existe’ ‘variação expositiva, inventando.. um dia uma aula aqui, outra lá’.
‘Turma de 4ª serie que é meu calinho. 37 alunos pedindo para ir ao banheiro. Digo para ir de 2 a
2 Um menino e uma menina por fileira. Você tem que usar... ser ditadora, fazer coisas que até
Deus duvida. Problema sério’” (NC 16/04/05, fl2)
Os excertos sugerem que as regras adotadas pelo professor são baseadas em sua
experiência, no que deu certo, no seu contexto. Sugerem ainda, que as ações são
motivadas pela vontade de controlar um pouco a sala, de ter disciplina. Não existe
ocorrência de excertos que mostram ações dos professores em termos de estratégias de
ensino e aprendizagem. O professor situa sempre sua fala dentro das experiências que
vive, dentro de suas estórias, que estão carregadas de emoção. Esse é um desafio para
eles mesmos e para os formadores. Existe uma vasta literatura internacional sobre
emoção no ensino (Lighthall & Lighthall, 1998; Izembaker & Zembylas, 2006,
Winograd, 2006, Zembylas, 2004), que mostra como a emoção está intimamente
relacionada com a vida, identidade e crenças dos professores e como tal, deve ser objeto
de atenção dos formadores.
As emoções identificadas dizem respeito ao trabalho emocional de lidar com a
carga emotiva inerente ao ensino. Mas nesse caso, o que se percebe é que isso pode
levar até mesmo à desistência da carreira de professor, como ilustram os trechos abaixo.
Excerto 33:
“Acho que vou desistir da educação mesmo. Tô fazendo concurso em outra área” (NC 16/04/05,
fl3)
Excerto 34:
“Alguém falou: ‘ponto negativo; a dedicação do professor pode acabar com o casamento.’” (NC
25/06/06, fl1)
Excerto 35:
“Outra professora se queixou da escola onde trabalha: alunos muito difíceis, o que eles fazem
comigo, tanta humilhação, fala palavrão, vou chorando para casa” (NC 25/06/06, fl1)
160
Esses excertos sugerem situações dramáticas da vida do professor, que pensa em
desistir, mudar de profissão e vê os reflexos dessa responsabilidade em sua vida pessoal.
O último excerto mostra como o professor tem sido humilhado e desrespeitado em seu
ambiente de trabalho e como isso afeta sua identidade e o que ele pensa sobre si mesmo.
Os desafios dos professores são muitos e revelam um contexto marcado por
desvalorização do seu papel de educador e da sua disciplina, repleto de crenças que
desvalorizam também seus alunos, seu contexto e seu conhecimento, o que gera uma
carga emocional pesada. Tudo isso representa um quadro de desafios muito grande para
o formador também que tem que aprender a lidar com esses aspectos.
Excerto 36:
Uma aula por semana, 35-40 alunos, alunos não interessados [ é óbvio que esse
comentário sempre vai surgir porque essa na verdade é a realidade de alguns ou da maioria dos
professores. O que temos que ver, é como isso é usado no discurso deles – como algo que suscita
a busca de soluções ou como algo que paralisa e serve como desculpa para não se tentar novas
coisas? Será que estou sendo injusta com os professores? Afinal de contas, nunca lecionei em
escola pública. E os outros lingüistas aplicados, será que já lecionaram? As vezes, penso que é
muito fácil ficar criticando os professores, mas todos os pesquisadores deveriam passar um mês
em uma escola pública para ver como é que é. Eu gostaria de fazer isso um dia. Seria
interessante. Ao mesmo tempo, também fico pensando nas colocações de Holliday sobre
appropriate methodology and social context. Será que a escola pública dentro desse contexto,
não carece de uma metodologia diferente do método de levar todo aluno a falar? Mas essa é uma
das minhas crenças – eu acho que é possível e eu me recuso a largar essa crença. Esse é um
dilema que não sei como resolver. Só sei que essa fala dos professores me incomoda um pouco
às vezes]”(NC 17/04/04, fl 1)
161
Nessa reflexão, ao mesmo tempo em que questiona sua crença, se recusa a abandoná-la.
Uma segunda reação é o questionamento da crença dos professores:
Excerto 37:
Vozes dos alunos através dos professores: “nem vou aos EUA porque vou aprender inglês?[uma
língua estrangeira não é útil só para se ir ao pais onde é falada. Ela é/pode ser útil no próprio
país, por exemplo, para ensinar, para ler coisas que não estão no nosso idioma, para entender as
músicas que se ouve, para conhecer pessoas que vem para cá] Nem sei o português” eles [os
alunos] falam isso direto. “eles lá não sabem falar português porque eu tenho que falar?” Uma
professora disse: ‘é um antiamericanismo muito forte”.[essa é uma questão muito importante e
que deve ser discutida. Refere-se a uma atitude dos alunos, talvez específica dos brasileiros que
está associada a uma questão política, econômica, social e cultural. E como analisar isso? Como
discutir isso com os professores? Preciso ler e pensar. Como discutir isso com os alunos? Que
trabalhos podemos fazer com isso? [...]. Isso tem implicação para mim como pesquisadora e
professora pois me força a bolar uma unidade um material que leve os professores a refletir sobre
essa questão. (NC 17/04/06, fls 2)
O excerto acima sugere que, o contato com as crenças dos professores e reflexão
sobre as mesmas, faz com que a formadora reavalie o PFC e busque soluções, se
sentindo responsável por elaborar materiais que levem os professores a refletir sobre
suas crenças. Em outros momentos, a formadora questiona a própria ação dos
professores, como se observa nos seguintes excertos:
Excerto 38:
Em relação ao assunto do encontro propriamente dito “reading”, mais uma vez houve queixa dos
alunos “eles querem traduzir palavra por palavra”. Mas a questão que temos que observar é
quando os alunos agem assim que providências ou ações eles tomam? Que atividades eles podem
fazer com os alunos? E será que são os alunos mesmos que querem fazer tradução? Ou as
atividades dos professores que os levam a isso, a maneira como eles trabalharem o texto? (NC
29/05/06 fl1-2)
Excerto 39:
Então uma professora foi dar um exemplo de como trabalhava o texto e disse: Vou fazendo a
tradução até eles inferirem o vocabulário depois que eles já sabem todo o vocabulário, eu
trabalho o texto”. [nosso tópico não foi esse, mas eu senti que tudo que discutimos e falamos foi
em vão, depois que ela disse isso. É aí que eu acho que eu tenho que ter jogo de cintura para
poder ver o que dizer naquela hora. Eu sei que tentei contra-atacar, mas não imediatamente, pois
teve várias intervenções após ela ter dito isso. Uma outra professora mesma disse que ela não
deveria fazer tradução: não acho legal você passar todo o vocabulário . Eu falei algo, mas não
me lembro o que disse. Talvez o que precisa seja trabalhar com eles a questão das estratégias de
leitura. (NC 29/05/06 fl1-2)
Excerto 40:
“Se tivesse condições de fazer isso” turmas cheias, muitas turmas, mas infelizmente... por
enquanto”...[esse comentário me dói mais ainda pois fecha possibilidades mesmo antes de se
tentar qualquer coisa. Ou mais uma vez, estou exagerando? Não é possível mesmo? Mas o que é
possível? Talvez eles, professores devessem ter uma descrição do que fazem e eles mesmos
avaliarem o que fazem, o que gostariam de fazer e ver como é possível fazer. Talvez eu devesse
perguntar a eles – qual o objetivo de vocês para com essa turma? Quais os objetivos ao ensinar
inglês? Talvez isso é o que eu deveria ver antes com eles antes de qualquer coisa. Eu vi o que
162
eles gostariam de discutir, mas talvez possa se fazer uma análise do que eles sugeriram e ver isso
em termos dos objetivos deles – o que aqueles tópicos sugerem em termos de objetivos deles e
objetivos para as aulas e dos alunos? Preciso fazer essa análise e talvez até mesmo junto com
eles. A impressão que fica ao final, ao ouvir esses comentários é que eles concordam com o que
se fala (pelo menos em teoria) mas que não é “aplicável” ao contexto deles. Adia-se sempre.
Mas uma outra possibilidade é que o que se apresenta realmente não convém a eles; e não são
eles que sabem? E aí, como fazer? Como saber o que propor? Eles devem propor então. Não
posso propor nada]. (NC 17/04/04, FL1)
Excerto 41
“Existe uma corrente contra gramática [W disse isso]. “Eles não sabem nem
português. Eu ensino primeiro português ... não sabem vogais”.[esse professor me
surpreendeu ao dizer isso. Ele acredita que não se pode aprender inglês se não se sabe o
português antes. O que tem uma coisa a ver com outra? Não vejo essa relação. Eu preciso
discutir (e ver a melhor forma de discutir) isso com eles. Tenho que bolar um encontro onde só
se discuta isso e se leia o texto de Moita Lopes. Talvez, na verdade, ao invés de começar com
conceito de Leitura, eu deveria tentar uma desconstrução dos vários mitos desses professores
não? Mas é possível desconstruir mitos só com base na minha palestra ou discussão entre eles?
Não seria preciso ação e experiência? De qualquer maneira, temo que eu posso ficar falando de
leitura, mostrando técnicas e etc e nada vai acontecer porque eles continuam com suas crenças de
que não é possível. Ainda não tenho respostas para esse problema, mas com certeza ela virá da
prática, leitura e discussões e talvez, de abrir o verbo com eles mesmos. As vezes parece-me que
tratamos os professores muito como crianças que não se pode falar exatamente o que está
acontecendo]. (NC 17/04/04, FL1 e 2)
Mais uma vez, o excerto mostra o desafio que é entrar em contato com as
crenças dos professores e como a formadora se sente responsável pelos encontros e pela
melhor maneira de fazer os professores refletirem sobre as suas crenças. Ao mesmo
tempo em que faz isso, ela tenta buscar soluções, acredita não ter respostas e se ressente,
às vezes, de não dizer tudo aos professores. Além disso, nem sempre a formadora
parece saber como agir para transformar as experiências ou histórias dos professores em
teoria discutida nos encontros, como ilustra o seguinte excerto:
Excerto 42:
Turma de 4ª serie que é meu calinho. 37 alunos pedindo para ir ao banheiro. Digo para ir de 2 a 2
Um menino e uma menina por fileira. Você tem que usar... ser ditadora, fazer coisas que até
Deus duvida. Problema sério”
[como fazer que a discussão ultrapasse a questão de contar estórias, ou como refletir sobre essas
estórias? Qual a diferença disso para os casos contados na sala de reunião de professores? Ao
mesmo tempo, não valorizamos tanto as estórias de professores, mas quem as analisa? Somos
nós. Como fazer com que os professores tirem proveito de suas estórias? São perguntas para as
quais ainda não tenho resposta] (NC 16/04/05, fl2)
163
um questionamento grandes, reações essas que trazem uma carga emocional muito
grande e um sentimento de impotência, como ilustrado no excerto abaixo:
Excerto 43: Comentário que eu escrevi: “me sinto impotente” [creio que diante de tantos
problemas e de uma situação difícil]. (NC outubro 2004)
6. Discussão e análise
164
professores. Isso se reflete na identidade profissional da formadora, que parece estar
fragmentada por dúvidas acerca de como gerenciar a responsabilidade, os conflitos e os
desafios advindos de um PFC. As notas também sugerem o desafio de analisar sua
própria atuação como formadora.
Um dos desafios mencionados por Gimenez, que não aparece nos nossos dados,
diz respeito à integração das formações inicial e continuada. Esse PFC ainda não
conseguiu integrar de maneira adequada a participação de alunos de Letras à exemplo
do que é feito pelo PFC EDUCONLE.4
Outros desafios que não são mencionados por Gimenez, mas que aparecem nos
dados, dizem respeito à emoção e a relação entre as crenças de professores e
formadores. A emoção revela a carga emocional que os professores e a formadora
sentem ao lidar com seus desafios e com essa emoção. Neste sentido, a realização deste
trabalho abriu portas para o conhecimento de toda uma literatura existente sobre a
emoção na profissão de ensinar. De acordo com Lighthall & Lighthall (1998) as formas
de se lidar com as emoções e de como incluir esse aspecto na formação de professores
faz parte do trabalho bem como da “auto-reforma do formador” (p. 10). Nesse sentido,
este trabalho é um primeiro passo em direção a essa sugestão, mas esperamos que mais
trabalhos no futuro investiguem esse aspecto e que tópicos sobre a emoção de
professores (e de formadores) comecem a ser incluídos nos currículos de formação de
professores. Segundo Lighthall & Lighthall (1998), “se as relações de sentimento entre
o professor (iniciante ou experiente) e as várias pessoas significativas em sua vida têm
um impacto importante na energia da sala de aula e nas experiências de emoção do
professor, então essas relações de sentimento tornam-se um importante tópico para a
formação de professores” (p. 11)
Sobre a relação entre as crenças de professores e formadores, esses precisam
estar preparados para lidar com a divergência, com os conflitos e dilemas. Como
preparar-nos para isso? Como lidar com esses sentimentos e emoções advindos da
revelação das crenças? Como negociar? Como os formadores são formados para lidar
com esses aspectos? Esses são desafios que futuros projetos poderiam investigar.
E por fim, esse projeto de educação continuada tem como objetivo a formação
de uma comunidade de professores. Um desafio, entretanto, refere-se à estruturação e
freqüência do mesmo e à necessidade de alcance a maior número de professores. Se de
um lado, o formato permite a formação de um grupo pequeno e coeso que tem liberdade
para sugerir assuntos e discuti-los da melhor forma que lhe convém, por outro, acarreta
problemas como seqüência de conteúdos e pouco tempo para que o professor possa
realmente se engajar em um projeto de pesquisa sobre sua própria prática. Na verdade, a
pesquisa pelo próprio professor é outro desafio que ainda não foi resolvido por nós,
visto que também vivenciamos o dilema mencionado por Gimenez. Sabemos das
limitações de tempo dos professores para realizar pesquisas. Mas isso talvez, possa ser
resolvido com maior integração entre a formação inicial, em serviço e continuada.
Considerações finais
4
É importante esclarecer que vários alunos de Letras freqüentam as reuniões do projeto desde seu início.
Sua participação mais sistemática está sendo prevista para 2007, com o início do módulo lingüístico para
professores, seguindo o modelo do EDUCONLE.
165
aspectos, bem como à emoção gerada pela consciência desses desafios tanto por
professores quanto por formadores.
Foi possível perceber que a auto-avaliação de um PFC é essencial, assim como a
constante auto-avaliação e reflexão por parte do formador para que o projeto e seus
participantes possam estar em constante trans-formação. Um próximo passo será o de
discutir os resultados desse projeto com os professores participantes, buscando rever as
metas já feitas conjuntamente e, caso necessário, uma reestruturação do projeto a fim de
enfrentar esses desafios. Acreditamos, de acordo com Gimenez (2005), que é preciso
abrir um maior espaço neste projeto onde os professores possam “ampliar sua
capacidade de realizar análises contextuais e tomar decisões” (p. 189).
Em conclusão, esperamos que esse relato encoraje outros formadores a relatar os
desafios vivenciados em seus projetos e também que formemos comunidades de
formadores para discutir e buscar soluções conjuntas para os desafios comuns
enfrentados em PFCs.
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