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Letras Vernáculas

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS


Universidade Estadual
de Santa Cruz

Reitor
Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos

Vice-reitora
Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro

Pró-reitora de Graduação
Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa

Diretora do Departamento de Letras e Artes


Profª. Vânia Lúcia Menezes Torga

Ministério da
Educação
Ficha Catalográfica

I61 Introdução aos estudos linguísticos: Letras Vernáculas/


EAD, módulo 1, volume 3 / Elaboração de conteúdo:
Tiane Cléa Santos Oliveira. – [Ilhéus, BA] : UAB/
UESC, [2010].
173 p. : il.
Inclui bibliografias.
ISBN: 978-85-7455-182-1
1. Linguística – Estudo e ensino. I. Oliveira, Tiane
Cléa Santos. II. Título: Letras Vernáculas: módulo 1,
volume 3.

CDD 410
LETRAS VERNÁCULAS
Coordenação UAB – UESC
Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado

Coordenação Adjunta UAB – UESC


Profª. Msc. Flaviana dos Santos Silva

Coordenação do Curso de Licenciatura


em Letras Vernáculas (EAD)
Prof. Dr. Rodrigo Aragão

Elaboração de Conteúdo
Profª. Msc. Tiane Cléa Santos Oliveira

Instrucional Design
Profª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera
Profª. Drª. Gessilene Silveira Kanthack

Revisão
Profª. Msc. Aline de Santos Brito Nascimento
EAD - UESC

Coordenação de Design
Profª. Msc. Julianna Torezani

Diagramação
Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké
João Luiz Cardeal Craveiro

Ilustração e Capa
Sheylla Tomás Silva
Sumário

AULA I
O que é linguística?................................................................................................13
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................15
2. LINGUÍSTICA: O QUE É?.......................................................................................16
3. HISTÓRIA DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM..............................................................16
3.1 A linguística histórico-comparativa................................................................17
4. A LINGUÍSTICA DO SÉCULO XX.............................................................................18
RESUMINDO.......................................................................................................23
REFERÊNCIAS.....................................................................................................24

AULA II

Teóricas da linguística no século xx e divisões........................................................ 27


1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 29
2. CORRENTES TEÓRICAS DA LINGUÍSTICA NO SÉCULO XX...........................................30
2.1 Formalismo ................................................................................................30
2.2 Funcionalismo/estruturalismo........................................................................31
2.3 Gerativismo ...............................................................................................33
3. DIVISÕES DA LINGUÍSTICA...................................................................................34
RESUMINDO........................................................................................................37
REFERÊNCIAS......................................................................................................38

AULA III

O signo na perspectiva saussuriana........................................................................ 41


1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 43
2. PRINCIPAIS REPRESENTANTES DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA...................................... 44
3. O SIGNO SAUSSURIANO....................................................................................... 45
3.1 Arbitrariedade do signo................................................................................. 47
3.2 A linearidade do signo.................................................................................. 48
4. SIGNO LINGUÍSTICO E EXTRA-LINGUÍSTICO............................................................ 49
RESUMINDO........................................................................................................ 53
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 54
AULA IV
O signo na visão peirceana e bakhtiniana...............................................................57
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................59
2. ORIGEM DO TERMO SEMIÓTICA............................................................................60
3. A CONCEPÇÃO PEIRCEANA DE SIGNO ...................................................................61
3.1. A classificação dos signos conforme Peirce....................................................64
4. A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE SIGNO.................................................................66
4.1 A palavra: signo ideológico...........................................................................67
RESUMINDO.......................................................................................................73
REFERÊNCIAS.....................................................................................................74

AULA V

Dicotomias saussurianas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x


paradigma.............................................................................................................. 77
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 79
2. DICOTOMIAS SAUSSURIANAS............................................................................... 80
2.1 Língua X Fala............................................................................................. 80
2.1.1 Redefinição da dicotomia Língua X Fala....................................................... 81
2.2 Sincronia X Diacronia.................................................................................. 81
2.3 Sintagma X Paradigma................................................................................ 83
RESUMINDO....................................................................................................... 88
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 89

AULA VI

Linguagem humana e comunicação animal............................................................ 91


1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................93
2. LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO ANIMAL: DEFINIÇÃO LINGUÍSTICA................94
3. A LINGUAGEM E SUA ESTRUTURA SIMBÓLICA.........................................................96
3.1 Linguagem e recursividade...........................................................................97
4. POR QUE O PAPAGAIO FALA?.............................................................................. 100
RESUMINDO..................................................................................................... 102
REFERÊNCIAS................................................................................................... 103
AULA VII
A dupla articulação da linguagem......................................................................... 105
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 107
2. A DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM................................................................ 108
3. A ARTICULAÇÃO ANIMAL X ARTICULAÇÃO HUMANA: CARACTERÍSTICAS.................... 110
RESUMINDO...................................................................................................... 114
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 115

AULA VIII
Elementos da comunicação e funções da linguagem............................................. 119
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................... 121
2. ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO........................................................................... 123
3. FUNÇÕES DA LINGUAGEM................................................................................... 125
RESUMINDO...................................................................................................... 135
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 136

AULA IX
Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna................. 139
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................141
2. O SURGIMENTO DA VISÃO PRESCRITIVA...............................................................142
3. VISÃO DESCRITIVO-PRODUTIVA DA LÍNGUA..........................................................144
3.1 Noção do termo norma...............................................................................146
RESUMINDO......................................................................................................151
REFERÊNCIAS....................................................................................................152

AULA X
A linguística, a gramática e o ensino de língua materna...................................... 155
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................157
2. O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E SUAS ACEPÇÕES..............................................158
2.1 Tal gramática, qual língua?.........................................................................158
2.2 Gramáticos e concepção de língua...............................................................163
2.3 Linguística e a concepção de língua: Saussure e Chomsky..............................166
2.4 Descrição X prescrição no ensino de Língua Materna......................................167
RESUMINDO.....................................................................................................170
REFERÊNCIAS...................................................................................................171
DISCIPLINA

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS


LINGUÍSTICOS

Tiane Cléa Santos Oliveira


Ementa

Introdução à Linguística. Teorias linguísticas


e contribuições para o ensino de língua.
Linguística e gramáticas.
1

aula
O QUE É LINGUÍSTICA?
Meta

Apresentar o percurso histórico dos estudos da


linguagem, bem como os conceitos, objeto e
objetivos da ciência linguística.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


Objetivos

zz compreender o percurso histórico dos estudos


da linguagem;

zz conceituar a linguística;

zz identificar o objeto e os objetivos da ciência da


linguagem.
1
Aula
AULA I
O QUE É LINGUÍSTICA?

1 INTRODUÇÃO

Você verá, nesta aula, que a Linguística é a ciência que

estuda a linguagem humana e que, como toda ciência, ela se

baseia em observações conduzidas através de métodos, com

fundamentação em uma teoria. Assim, compreenderá que a

função de um linguista é estudar toda e qualquer manifestação

linguística como um fato merecedor de descrição e explicação

dentro de um quadro científico adequado.

UESC Letras Vernáculas 15


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

2 LINGUÍSTICA: O QUE É?

Você, que começa a leitura desta aula, já pode ter ouvido


falar em linguística, mas saberia responder com segurança a
que se refere?
Linguagem, de acordo
com o Dicionário Caldas Muitas pessoas fazem confusão entre linguagem, língua
Aulete, é qualquer
conjunto de símbolos
e Linguística. Tomam um termo por outro, consideram que o
usados para codificar estudo de Linguística é a proficiência em línguas estrangeiras,
ou decodificar dados.
É qualquer sistema de ou nos vários tipos de linguagens existentes. A Linguística é,
sinais ou signos, através
dos quais dois ou mais por definição, a ciência que estuda a linguagem humana, do
seres se comunicam
entre si para transmitir ponto de vista oral e escrito.
e receber informações,
avisos, expressões de
Como ocorre em qualquer ciência, ela se baseia em
emoção ou sentimento. observações rigorosamente conduzidas por métodos ancorados
Língua é o sistema em uma teoria. De acordo com a tradição, a Linguística tem
de comunicação e
expressão de um povo, sido classificada das seguintes formas: diacrônica, sincrônica,
nação, país etc., que
permite a expressão aplicada e geral. Naturalmente, o método e a teoria variam a
e comunicação de
pensamentos, desejos, depender do objeto (fenômeno linguístico) pesquisado. Para
emoções (Dicionário
Caldas Aulete).
entender melhor essa ciência, vamos ver um pouco da sua
história!

3 HISTÓRIA DOS ESTUDOS DA LINGUAGEM

Desde a Antiguidade Clássica, há registros de uma


polêmica em torno do caráter natural (por natureza) ou
arbitrário (por convenção) da linguagem.
Se pretendermos, por exemplo, investigar
U V as mudanças ocorridas na frase “vamos
De um lado, Platão (séc. V a.C.), filósofo
a FR
K
C AM em boa hora”, nos últimos três séculos, no grego, através de sua obra célebre, Crátilo,
português do Brasil, estaremos fazendo um
estudo diacrônico. Este ramo da linguística
discute se haveria relação entre significante
SAIBA MAIS

é também chamado de linguística histórica (o código linguístico) e significado (o sentido,


ou diacrônica. Se quisermos observar o
uso atual dessa locução, na oralidade,
a ideia) como defendiam os anomalistas.
encontraremos a mesma transformada em Para estes, a linguagem era irregular por
uma palavra como: “simbora”, “rumbora”,
“borimbora”, “imbora” e, em Minas Gerais
refletir a própria irregularidade da natureza
(Belo Horizonte), simplesmente “bó!”. A esse (o nome dos objetos se assemelhava aos
tipo de estudo, que descreve as formas co-
ocorrentes num dado momento da língua,
próprios objetos, como representam, por
dá-se o nome de linguística descritiva ou exemplo, as onomatopeias). Do outro lado,
sincrônica. Quando a Linguística orienta o
ensino de línguas, questões de tradução ou
está Aristóteles, filósofo e representante mais
distúrbios da linguagem, estamos diante conhecido dos analogistas, que defendiam a
da linguística aplicada; quando ela fornece
modelos teóricos que irão fundamentar, de
arbitrariedade, ou seja, a irregularidade da
maneira geral, a análise das línguas, nos linguagem acontecia devido à convenção
defrontamos com a linguística geral.

16 Módulo 1 I Volume 3 EAD


social; para esses, até mesmo as onomatopeias podem variar

1
de acordo com o sistema fonológico (de sons) de cada língua.

Aula
Os reflexos desses
postulados impulsionaram,
posteriormente, os gramáticos
romanos a transmitir e propagar
a gramática no Ocidente. Ao
final da Idade Média, alguns
representantes da cultura do
“certo” e “errado”, a exemplo
de João de Barros, em 1540,
seguindo a tradição e moldes
gregos, e gramáticos latinos
Figura 1 - O Parthenon, um dos símbolos da Grécia antiga, para nos
como Varrão, Prisciano e Donato, introduzir numa história, que não é recente, sobre os estudos da linguagem.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/940822 (stock photo by jfonono).
dentre outros, aplicam ao latim
as classes gramaticais já estabelecidas pelos gregos na
antiguidade clássica. Durante a Idade Média, o que se tem,
em termos de reflexões linguísticas, são meras descrições da
língua escrita - a língua falada pela elite intelectual, a norma
culta.

3.1 A Linguística histórico-comparativa

A partir do século XVIII, porém, surgem correntes


que começam a delinear o perfil dos estudos da linguagem,
distanciando-se do normativismo que grassou até o início do
século anterior. Os novos estudos
ocupam-se da análise histórica da
língua – surgimento da linguística
histórica - e abrem as portas
para a consolidação da linguística
comparativa no século XIX.
Neste século, é grande a
ênfase na genealogia das línguas,
que são estudadas e comparadas
com outras línguas da mesma
família, marcando o surgimento
Figura 2 - A Linguística estuda, também, a estrutura das mais variadas
da Filologia comparativa ou línguas e o possível grau de parentesco entre elas.
Fonte: www.sxc.hu/photo/885250 (stock photo by Fastfood).
“Gramática comparada”. Em

UESC Letras Vernáculas 17


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

1816, Franz Bopp, linguista alemão e professor de filologia e


Sânscrito na Universidade de Berlim, em seu estudo intitulado
Sistema de conjugação do Sânscrito, expõe as relações de
parentesco entre o sânscrito, o latim, o germânico grego e
Sânscrito [F.: do outras línguas.
sânsc. samskrta
‘aperfeiçoado’] Bopp, no entanto, não foi o pioneiro nessa empreitada,
representa um
grupo de línguas uma vez que no século XVIII o inglês Sir W. Jones já havia
indo-europeias
da Índia, em uso estudado sobre o assunto, só que os comentários esparsos
desde 1200 a.C.,
não comprovam que, neste período (séc. XVIII), tivesse sido
especialmente
na religião e na entendida a importância da descoberta do Sânscrito. É por
literatura clássica
hindu (Dicionário este motivo que Bopp, visto como aquele que compreendeu a
Aulete Digital).
importância dessas relações de parentesco, forneceu material
para a constituição de uma ciência autônoma, futuramente, a
Linguística. É também no século XIX que o estudo dos sons
da fala, a fonética, desperta o interesse dos cientistas da
linguagem. Mas a este respeito conversaremos na próxima
aula!

4 A LINGUÍSTICA DO
SÉCULO XX
U V Ferdinand Saussure,
a F R linguista suíço, estudou
K
C AM química, física e fez O século XX passou por
cursos de gramática
algumas inovações metodológicas
SAIBA MAIS

grega e latina antes


de se convencer de
na Linguística e dentre os nomes
que suas inclinações
estavam voltadas para mais importantes e mais citados
os estudos linguísticos.
Aos vinte e um anos, está o de Ferdinand Saussure. A
publicou sua dissertação
partir dele predomina a concepção
sobre o primitivo
sistema das vogais indo- de língua como um sistema, no
europeias. Trabalhou em Figura 3 - Ferdinand Saussure,
Berlim e Paris e, no seu considerado o pai da Linguística qual os elementos só se definem
moderna.
retorno a Genebra, foi pelas relações de equivalência
convidado, em 1906, Fonte: http://commons.wikimedia.

a lecionar Linguística
org/wiki/File:Ferdinand_de_
Saussure_etwas_besser.jpg
ou oposição que mantêm com os
Geral. É autor do
célebre Curso de Lingüística Geral (Cours de Linguistique
outros elementos. Ele compara
Générale), obra póstuma, compilada e publicada por dois a língua a um jogo de xadrez, no
dos seus discípulos - Charles Bally (1865-1947) e Alberto
Sechehaye (1870-1946) - em 1916, onde apresenta os qual cada peça tem a sua função
pressupostos teórico-metodológicos do estruturalismo,
dentro do jogo.
escola que acaba influenciando outras ciências sociais.
[...] Graças aos seus estudos e ao trabalho de Leonard Ao opor as ideias de língua
Bloomfield, a Linguística adquire autonomia e seu objeto
e método próprios passam a ser delineados. Saussure e fala (o uso da língua visto como
morreu prematuramente em 1913.
interação de um sistema gramatical e
Fonte: http://www.webartigos.com/articles/12458/1/saussure- fatores determinados por situações
e-seu-curso-de-linguistica-geral/pagina1.html.
diversas), Saussure afirma que a

18 Módulo 1 I Volume 3 EAD


língua só existe socialmente, pertence a cada

1
Num outro estudo, comumente chamado
um e ao mesmo tempo é comum a todos. Para de Os anagramas de Saussure, o mestre

Aula
genebrino perscrutou um corpus (amostra)
ele, a língua, como sistema posto à disposição
de poemas clássicos para tentar provar a
da comunidade, é exterior aos indivíduos, não existência de um mecanismo de composição

VOCÊ SABIA?
poética baseado na análise fônica das
podendo, por este motivo, ser modificada. O
palavras; mecanismo este formado pelo
problema dessa concepção reside na pretensa anagrama e pelo hipograma. O hipograma
(palavra-tema) é o nome de um deus ou de
imutabilidade da língua. Ora, se o falante, para
um herói diluído foneticamente no poema.
exprimir seu pensamento pessoal, apenas O anagrama, por sua vez, é o processo
escolhesse os vocábulos para se comunicar e que propicia a diluição do hipograma nos
versos.
não agisse sobre eles, nós ainda estaríamos
Fonte: http://www.webartigos.com
falando a língua de Camões! Percebe? articles/12458/ 1/saussure-e-seu-curso-
de-linguistica-geral/pagina1.html.
Um dos conceitos de Saussure mais
conhecidos e discutidos é o de signo linguístico:

O signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra,


mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o
som material, coisa puramente física, mas a impressão
(empreinte) psíquica desse som, a representação
que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos;
tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la
‘material’, é somente neste sentido, e por oposição
ao outro termo da associação, o conceito, geralmente
mais abstrato. O caráter psíquico de nossas imagens
acústicas aparece claramente quando observamos
nossa própria linguagem. Sem movermos os lábios nem
a língua, podemos falar conosco ou recitar mentalmente
um poema (1993, p. 79).

Desta forma, o signo linguístico saussuriano apresenta-


se como uma entidade psíquica, indivisível, de duas faces,
que são designadas pelos termos significado (conceito) e
significante (imagem acústica), representados no próprio Curso
de Lingüística Geral da seguinte forma:

SIGNIFICADO

SIGNIFICANTE

Você se lembra de que, no início desta aula, falamos um


pouco sobre o caráter natural ou convencional da linguagem?

UESC Letras Vernáculas 19


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

Pois esta questão é retomada por Saussure quando ele institui


o princípio da arbitrariedade do signo. Assim como Aristóteles,
ele defende a ideia de que não há relação interna entre a
ideia de “mar” e a sequência de sons m-a-r que lhe serve
de significante, por exemplo, em português. Essa palavra só
ocorre em nossa língua porque foi convencionada por uma
sociedade, mas poderia ser qualquer outra (veremos estas e
outras questões sobre o signo nas próximas aulas).
Saussure privilegia os estudos da linguagem em seu
aspecto funcional (o funcionamento), sendo suas contribuições
posteriormente revisitadas por André Martinet, professor de
Linguística Francesa e grande nome do funcionalismo linguístico
- corrente de pensamento que analisa a língua, em particular
a gramática, de acordo com sua função dentro da situação
comunicativa. Além dele, outros estudiosos basearam-se no
pensamento saussuriano para desenvolver suas discussões,
a exemplo de importantes membros do Círculo Linguístico
de Praga, como Jakobson – e suas importantes contribuições
a respeito das funções da linguagem - e Trubetzkoy –, cuja
principal contribuição foi no campo da fonologia (você conhecerá
um pouco mais sobre esses autores em aulas seguintes).
O Círculo de Praga foi fundado em outubro de 1926 com
o objetivo de estudar elementos estruturais em todos os campos
da presença do signo e do discurso, particularmente nas artes.
Apoiou-se na ideologia estruturalista iniciada por Saussure
e a proximidade das
U V Noam Avram Chomsky nasceu na abordagens pode
a F R Philadelphia, em 07 de dezembro
K
C AM de 1928. Na Universidade da ser evidenciada pelo
Pennsylvania, estudou linguística, fato de que Saussure
matemática e filosofia, tornando-se
SAIBA MAIS

Ph.D. em 1955. Entretanto, a maioria


não fez uso do termo
das suas pesquisas que o levou a “estrutura” em sua
este grau foi feita na Universidade
de Harvard entre 1951 e 1955. Após
obra, mas utilizou a
receber a sua graduação, Chomsky palavra “sistema” para
passou a lecionar no Massachusetts
Institute of Technology. Entre suas
designar aquilo que,
muitas realizações, o mais famoso mais tarde, em 1929,
foi o seu trabalho com a gramática
gerativa, que se tornou de interesse
por meio dos textos
na lógica moderna e em fundações publicados pelo Círculo
matemáticas.
de Praga, passou a
Figura 4 - Noam Chomsky.
Fonte: http://www.e-biografias.net/ Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/
ser considerado como
biografias/noam_chomsky.php Noam_Chomsky.
estruturalismo.

20 Módulo 1 I Volume 3 EAD


A partir dos anos 60, nos Estados Unidos, o linguista

1
Noam Chomsky procurou elaborar uma teoria formal da

Aula
linguagem, denominada linguística gerativo-transformacional
ou gramática gerativa, capaz de descrever e explicar a
capacidade linguística dos falantes, instituindo, assim, a famosa
dicotomia competência X desempenho.
Na sua concepção, a competência, inerente aos humanos,
é definida como a habilidade inata para produzir um número
infinito de enunciados a partir de um número finito de regras
da língua. O desempenho, por sua vez, dependerá do ambiente
sociocultural a que o indivíduo for exposto. Em todas as suas
abordagens, sejam elas as precursoras ou as atuais, o linguista
defende a visão de que o pensamento humano é representado
por uma organização interna e universal. A sua preocupação
é, portanto, explicar essa organização a fim de compreender a
faculdade da linguagem, parte essencial da capacidade mental
humana. É considerado um dos linguistas mais notáveis do
século XX, e que continua, neste século XXI, a desenvolver a
sua teoria.
Vamos agora praticar um pouco? Todos esses conceitos
não farão sentido se não forem devidamente entendidos,
porque, de fato, a Linguística só existe por causa da prática
humana da linguagem. Assim, cotidianamente somos
envolvidos pela linguagem, observando e,ou interagindo nas
mais variadas situações, seja no trabalho, na escola, com os
amigos, com a família ou mesmo com desconhecidos. É nestas
e em outras circunstâncias que a Linguística atua em termos de
investigação e descrição, seja na oralidade ou na escrita.
Vamos então fazer uso da faculdade exclusiva do homem
que é refletir criticamente? Vamos lá!

UESC Letras Vernáculas 21


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

ATIVIDADE
1. Com base nas informações desta aula, faça um esquema focalizando os
principais acontecimentos que caracterizam o percurso histórico dos estudos
da linguagem até o século XIX.

2. Pois é, o caminho percorrido ao longo dos séculos abriu espaço para


que pesquisadores do século XX elaborassem importantes teorias que
revolucionaram os estudos linguísticos. Tendo observado isto, conceitue
linguística, definindo seu objeto de estudo e objetivos, com base nos principais
teóricos apresentados nos textos acima, especialmente os do século XX, e
suas relevantes contribuições.

3. Vamos sedimentar um pouco as concepções saussurianas? Então


responda:

a- Qual é a concepção de língua defendida por Saussure?

b- Saussure diz que a língua é imutável, você concorda? Justifique sua resposta
apresentando um exemplo.

4. Marque, nos parênteses, F (se a afirmação for falsa) ou V (se for


verdadeira):

( ) Saussure e Chomsky trabalharam juntos, analisaram exaustivamente a


língua e a definiram como um sistema imutável.
( ) Apesar de nunca ter usado o termo “estrutura”, Saussure é considerado
um dos precursores do movimento estruturalista da linguagem.
( ) Chomsky era cognitivista e Saussure estruturalista, por suas convicções
teóricas.
( ) Macaxeira, aipim, mandioca são diferentes significantes que possuem o
mesmo significado.

4.1 Agora, reescreva o(s) enunciado(s) que considerou falsos, consertando


os erros.

22 Módulo 1 I Volume 3 EAD


RESUMINDO

1
Aula
Nesta aula, você viu que:

• Os estudos da linguagem - no ramo filosófico - mais antigos


de que se tem notícia são os dos gregos, particularmente os
de Platão e Aristóteles.
• No século XIX aparecem muitas novidades nos estudos
linguísticos, dentre elas: o surgimento da linguística
comparativa e a consolidação da linguística histórica.
• Ferdinand Saussure é considerado o “pai” da Linguística
moderna e apresentou conceitos importantes, dentre eles o
do signo linguístico.
• Chomsky é considerado um dos mais notáveis linguistas do
século XX e continua a desenvolver a sua teoria.

LEITURA RECOMENDADA

Para complementar esta aula, recomendo a leitura do próprio SAUSSURE, F. de. Curso de
Lingüística Geral. Trad. de Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1989 e do livro de ORLANDI,
E. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense. 1992. Você também pode buscar mais informações
que venham a “dar as mãos” a estas apresentadas nos seguintes sites de pesquisa: www.google.
com.br, www.wikipedia.com.br, dentre outros.

Na próxima aula... Iremos aprofundar questões aqui tratadas, como,


por exemplo, as ciências interdisciplinares que trabalham com pressupostos
da linguística, como fonologia, sociolinguística, dentre outras. Até breve!

UESC Letras Vernáculas 23


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I e II. Trad. de


Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989.

REFERÊNCIAS
CAGLIARI, L. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione,
1997.

CAGLIARI, Luiz Carlos; CAGLIARI–MASSINI, Gladis. Diante das


Letras: a escrita na alfabetização. Campinas: Mercado das Letras,
1999.

CÂMARA, JR. História da Lingüística. Petrópolis: Vozes, 1979.

CRYSTAL, D. O que é Lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,


1981.

DUBOIS, J. et al. Dicionário de Lingüística. Trad. de Izidoro


Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1981.

FIORIN, J.L. et al. Introdução à Lingüística I e II. São Paulo:


Contexto, 2003.

FROMKIN, V.; RODMAN, R. Introdução à linguagem. Trad. de


Isabel Casanova. Coimbra: Almedina, 1993.

ILARI, R. A Lingüística e o ensino da língua portuguesa. 4. ed.


São Paulo: Martins Fontes, 1997.

JAKOBSON, R. Lingüística e Comunicação. Trad. Izidoro Brikstein


e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1993.

LOPES, E. Fundamentos da Lingüística contemporânea. São


Paulo: Cultrix, 1988.

LYONS, J. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Trad. Marilda


Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987.

MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (orgs) Introdução à Lingüística:


domínios e fronteiras. v. 1 e 2. São Paulo: Cortez, 2001.

ORLANDI, E. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense, 1992.

ROBINS, R. H. Lingüística Geral. Trad. de Elisabeth Corbetta A. da


Cunha et al. Porto Alegre: Globo, 1977.

ROBINS, R. H. Pequena História da Lingüística. Trad. de Luiz


Martins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993.

SCLIAR-CABRAL, L. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo,


1974.

SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. Trad. de Antônio


Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1993.
http://www.lendo.org/o-que-e-linguistica/ Acessado em 26 fev.
2009.

http://www.dicionarioauletedigital.com/ Acessado em 25 mar. 2009.

24 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Suas anotações
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aula
CORRENTES TEÓRICAS DA LINGUÍSTICA NO
SÉCULO XX E DIVISÕES
Meta

Conhecer as divisões da Linguística e as linhas teóricas

predominantes do século XX, de modo a instrumentalizar-

se para apreciar estas teorias aplicadas ao ensino de

língua materna.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


Objetivos

• identificar modelos teóricos - e seus principais

representantes - que conduzem os estudos da

linguagem no século XX;

• conhecer as divisões da Linguística no século XX.


2
Aula
AULA II
CORRENTES TEÓRICAS DA LINGUÍSTICA NO
SÉCULO XX E DIVISÕES

1 INTRODUÇÃO

Após termos visto um


pouco do percurso histórico
dos estudos da linguagem,
retomaremos, aqui, alguns
teóricos para aprofundamento
e sedimentação dos assuntos.
Falaremos, primeiro, das
grandes correntes teóricas
que atravessaram o século XX;
em seguida, veremos como a
linguística ficou configurada
em termos de ramificações. Figura 1 - Estátua “O Pensador”, de Auguste Rodin

Está preparado? Vamos lá?! (Kadellar)


Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:El_
pensador-Rodin-Caixaforum-2.jpg.

UESC Letras Vernáculas 29


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

2 CORRENTES TEÓRICAS DA LINGUÍSTICA NO


SÉCULO XX

Os estudos sobre a linguagem tomaram vários rumos


no século XX e nem sempre a definição de escolas ou correntes
teóricas se apresenta como consenso entre os linguistas.
Destacaremos aqui a classificação mais frequente. Vamos a
elas!

2.1 Formalismo

Nascido em Moscou a 11 Muitos estudiosos


de outubro de 1896, filho
de engenheiro químico e defendem a ideia de
proeminente industrial, Roman
Osipovic Jakobson cresceu e que o Formalismo
conviveu com a intelectualidade tenha influenciado o
russa anterior à Revolução. Desde
cedo, revelou interesse pelos Estruturalismo e as
estudos comparativos. Em 1914,
inscreveu-se no Departamento correntes advindas deste
de Eslavística da Universidade
de Moscou onde linguística era
no século XX: a Escola
disciplina básica. Empenhou-se de Praga, considerada
nos estudos interdisciplinares e
PARA CONHECER

na vinculação entre linguística por muitos como matriz


e poética, sendo considerado
Figura 2 - Nicolai Trubetskoy, linguista russo, notável
por Haroldo de Campos como “o da Linguística Funcional,
linguista do século XX.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trubetskoy. poeta da linguística”. tendo à frente as parcerias
Fonte: www.pucsp.br/pos/cos/ entre Roman Jakobson e
cultura/biojakob.htm.
Nikolai Trubetskoi; e a
Trubetzkoy nasceu em um
meio extremamente refinado.
Escola de Copenhagen, de
Seu pai era um filósofo de
base formalista, com Louis
PARA CONHECER

primeira classe, cuja linhagem


ascendia aos governantes Hjelmslev.
medievais da Lituânia. Graduou-
se pela Universidade de Moscou Pelo fato de o
em 1913, onde lecionou até a
revolução. Depois disso, foi para a formalismo não ter se
Universidade de Rostov-na-Donu,
em seguida para a Universidade
orientado por uma doutrina
de Sofia (1920-1922). Por fim,
uniforme, surgiram, desde
assumiu a cátedra de Filologia
Eslava na Universidade de Viena o início, concepções
(1922-1938). Morreu de um
ataque do coração, atribuído à diferentes dentro do
perseguição nazista que sofreu
Figura 3 - Roman Jakobson, um dos fundadores do após a publicação de um artigo próprio movimento,
Círculo Linguístico de Praga. de sua autoria, no qual criticava
Fonte: http://www.kalipedia.com/fotos/roman
duramente as teorias de Hitler.
que deram origem às
-jakobson.html?x= 20070417klplyllec_4.Ies.
Sua principal obra, Grundzüge
discordâncias a respeito
der Phonologie (Princípios de
Fonologia), foi publicada após sua morte. Nesse livro ele apresenta sua de boa parte dos preceitos
famosa definição de fonema como a menor unidade distintiva na estrutura
de uma língua. Esse trabalho foi crucial para que a fonologia e a fonética teóricos sobre língua
passassem a ser vistas como duas ciências distintas.
e linguagem. Os dois
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trubetskoy.
principais grupos surgidos

30 Módulo 1 I Volume 3 EAD


na Europa foram: o Círculo Linguístico de Moscou, fundado em
1915, e o OPOJAZ (Sociedade para o Estudo da Linguagem
Poética), fundado em 1916, na cidade de São Petersburgo.
Os linguistas do OPOJAZ e os do Círculo Linguístico de
Moscou ficaram conhecidos como mecanicistas e orgânicos,

2
respectivamente. O método mecanicista considerava que a

Aula
literatura seria o resultado de dispositivos que o autor utiliza –
manipula – para criar sua obra, considerada como uma entidade
autônoma. Para os orgânicos, orientados pelos princípios da
Biologia, o importante eram os estudos sobre as semelhanças
entre as formas literárias, a recorrência de determinados traços
linguísticos e a maneira como os mesmos se apresentam e
definem os diferentes estilos literários. Entendeu a diferença?
Enquanto uns valorizaram o mecanicismo, outros valorizaram
a reincidência de formas que compunham os gêneros da
literatura.

2.2 Funcionalismo/Estruturalismo

As ideias dos formalistas se propagaram e de suas


oposições desenvolveram-se os trabalhos do funcionalismo,
que conserva semelhanças com a corrente estruturalista e
mantém, portanto, vínculos com a Linguística de Saussure - e
com outras correntes.
Segundo Paveau e Sarfati (2006, p. 115),

[...] não constituem corpos teóricos completos e


autônomos, mas correntes imbricadas umas nas outras,
ligadas por relações de filiação ou de oposição e por
escolhas teóricas complexas. De fato, o funcionalismo
tem seu lugar no conjunto do movimento estruturalista;
é um estruturalismo específico que se pode chamar de
estruturalismo funcional.

De acordo com esses autores, o funcionalismo seria mais


que um conjunto de teorias, mas “um olhar sobre a linguagem
e suas relações com o mundo” (Paveau; Sarfati, p.116). Os
funcionalistas podem, então, ser considerados estruturalistas
na medida em que seu objeto de estudo é de fato a língua
como sistema.
Há, entretanto, uma oposição importante no

UESC Letras Vernáculas 31


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

posicionamento teórico do funcionalismo em relação ao


estruturalismo: o formalismo, cujo enfoque privilegia o
estudo do funcionamento interno do sistema linguístico, ou
seja, a língua e suas características internas, em seu aspecto
formal; enquanto o funcionalismo privilegia as transformações
da linguagem em sociedade, o foco é o significado e o uso
das formas linguísticas nas situações
André Martinet, linguista francês, foi professor
da Universidade de Nova York. Dirigiu a revista
comunicativas.
Word (Nova York) e La Linguistique (Paris). Entre Os funcionalistas que mais se
suas atividades no campo da Lingüística, citam-
se muitas obras particularmente voltadas para destacam são: André Martinet e
PARA CONHECER

estudos fonético-fonológicos. Ingressou como


Halliday. O primeiro reflete sobre a
catedrático de Linguística Geral na Sorbonne, em
1965, ano em que fundou a revista La Linguistique. diversidade de línguas e as diferenças
Entre nós, uma de suas obras mais conhecidas,
traduzida para o português, é Elementos de entre elas. O segundo incorpora a
linguística geral. Fonte: http://www.filologia.org. dimensão social à Linguística e afirma
br/filologo/pub_filologo18.html.
que a linguagem depende da cultura.
Aluno do linguista britânico J. R. Firth, Michael
Halliday desenvolveu amplamente as ideias Halliday, dentre outros méritos, destaca-
de Firth numa direção peculiar. Iniciou suas
se também pela elaboração de uma
lucubrações teóricas na década de 1960 com
uma nova abordagem da análise gramatical, Gramática Funcional, definida por
denominada por ele Gramática de Escala e
Categorias. Halliday chegou a construir um corpo Neves (1997, p. 20) como uma “teoria
de teoria articulado e audacioso que acabou se da organização gramatical das línguas
tornando conhecido como Linguística Sistêmica.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Michael_ naturais que procura se integrar em
halliday.
uma teoria global da interação social”.
O texto, em detrimento da sentença ou
outras particularidades, é evidenciado como unidade de estudo.
Como você já viu, os formalistas da Escola de Copenhagen
divergiam teoricamente dos funcionalistas do Círculo de Praga
no que concerne à concepção de língua. Para aqueles, a língua
Os estudos funciona-
U V é uma estrutura autônoma e deve ser interpretada como “uma
a FR listas têm avançado
K
C AM bastante no Brasil, unidade encerrada em si mesma” (CUNHA, 2003, p. 19). Para
principalmente a
estes, a linguagem é veículo de interação social, e busca a
SAIBA MAIS

partir dos anos 90.


Dentre os vá-rios motivação para os fatos da língua no contexto do discurso,
estudiosos dedicados
ultrapassando a investigação apenas da estrutura gramatical.
a este paradigma,
podemos citar: Assim, funcionalistas criticam formalistas pelo fato de
Ataliba T. de Cas-
estes estudarem a língua de maneira descontextualizada, sob
tilho, Maria Angélica
Furtado da Cunha, a perspectiva da forma, desconsiderando os falantes-ouvintes
Maria Helena de
e as condições de produção, elementos estes considerados
Moura Neves, Rodolfo
Ilari, Sebastião primordiais pelos funcionalistas. Para estes, interessa
Votre, dentre outros.
compreender a função que a forma linguística desempenha na
interação comunicativa.
É importante citar que, apesar de focalizarem pontos

32 Módulo 1 I Volume 3 EAD


diferentes da linguagem, essas correntes teóricas não se
excluem, mas se auxiliam para uma melhor compreensão dos
fenômenos linguísticos.

2
2.3 Gerativismo

Aula
Como você viu na aula anterior, Chomsky postula que
todos os indivíduos têm condições de produzir, a partir de um
número finito de regras, um número infinito de frases em sua
língua, mesmo que nunca as tenha ouvido ou pronunciado.
Essa capacidade é o que caracteriza a chamada competência
linguística que, ao lado do desempenho (exercício efetivo da
competência), forma uma das dicotomias mais conhecidas.
Chomsky concentrou esforços em elaborar uma teoria
que não se limitasse ao descritivismo intenso, presente em
correntes anteriores (como, por exemplo, no estruturalismo);
seu objetivo era explicar os motivos das transformações de uma
determinada língua e, além disto, as suas possibilidades de
sequências e combinações verbais. Na sua teoria, ele distingue
três componentes que são fundamentais: o sintático (que tem
a função de gerar), o fonológico (responsável pela imagem
acústica elaborada pelo componente sintático) e o semântico
(que tem a função de interpretar esta imagem).
Para o linguista, a interação entre esses componentes se
dá a partir da aplicação de regras que ocorrem em dois níveis
distintos: a estrutura profunda (não visível, não pronunciada)
e a superficial (visível, pronunciada). Conforme Mancilha, em
seu texto eletrônico,

[...] ideias e pensamentos complexos chegam à


superfície como linguagem, depois que uma série
de ‘transformações’ os convertem em frases bem
formuladas. Estas transformações agem como um tipo de
filtro para as nossas experiências profundas. O processo
de transformação da estrutura profunda em estrutura
superficial (linguagem) é chamado de ‘derivação’.

Chomsky foca suas observações na passagem de um


nível para o outro e nas regras que regem essas transformações.
Esses preceitos explicam o surgimento do termo gramática
gerativo-transformacional e alicerçam boa parte dos estudos

UESC Letras Vernáculas 33


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

da linguagem depois de Chomsky, que abriu caminho para


a aplicação da linguística em diversos campos das ciências
humanas.

3 DIVISÕES DA LINGUÍSTICA

De maneira geral, a Linguística divide-se em:

• Fonética: Ocupa-se dos sons da fala e seus


mecanismos de produção e audição. Este ramo analisa
e descreve a fala das pessoas da maneira como ela
acontece, sem a preocupação de interpretar estes
sons. É graças à Fonética que podemos explicar, por
exemplo, a pronúncia da palavra tia com os sons [t] e
[tx], respectivamente, em Pernambuco e na Bahia.

• Fonologia: Estuda os fonemas (sons) de uma língua,


mas focalizando a sua função. Os sons que têm valor
distintivo (que provocam mudanças no sentido) como
em mar e mal são chamados de fonemas; mas quando
não ocasionam mudança de significado, como em tia
descrito acima, são chamados de variantes.

• Morfologia: Estuda a estrutura, a formação, as flexões


e a classificação das palavras. Estuda, portanto, o
signo linguístico desde a sua expressão mais simples,
os morfemas, à combinação entre estes morfemas
formando unidades maiores, como a palavra e o
sintagma. A palavra caderninhos, por exemplo, tem três
morfemas: caderno + inho (diminutivo) + s (plural).

• Sintaxe: Ocupa-se da combinação linear entre as


palavras ou orações. É a sintaxe que determina o tipo
de estrutura permitida numa língua. A frase: A vida é
bela, por exemplo, ocorre numa combinação sintática
permitida em português: artigo + substantivo + verbo
+ adjetivo. Mas É vida bela a não poderia ser construída,
pois a estrutura da língua portuguesa não permite esta
combinação: verbo + substantivo + adjetivo + artigo.

34 Módulo 1 I Volume 3 EAD


• Semântica: Estuda a natureza, função e usos dos
significados. Vale salientar que este ramo não se
ocupa dos significados dispostos em dicionários, mas
do modo como os significados ocorrem em contextos

2
diferentes.

Aula
• Pragmática: Estuda a relação entre o discurso que
envolve o indivíduo e a situação comunicativa em que
ele é produzido. A Linguística moderna tem voltado o
seu olhar cada vez mais para os usos da linguagem,
e não somente para a descrição dos sistemas e suas
estruturas.

• Psicolinguística: Estuda o processo de aquisição


e desenvolvimento da linguagem e fornece um
instrumental teórico-metodológico que nos ajuda
a compreender melhor como a criança adquire e
desenvolve sua linguagem materna. Refere-se também
à percepção da fala e dos distúrbios patológicos que
podem incidir em consequências durante o processo
de aquisição. Ocupa-se, por um lado, das relações
entre linguagem e pensamento e, por outro, pelo
comportamento humano envolvido no uso efetivo da
linguagem.

• Sociolinguística: Estuda os problemas da variação


linguística e da norma culta. O principal objetivo desta
disciplina é investigar o caráter social da linguagem e
suas repercussões no comportamento dos indivíduos
a partir das mais variadas situações sociais. Sua
aplicabilidade é útil também em questões relativas
à escola e é consenso entre os linguistas que esta
instituição precisa de uma descrição do maior número
possível de falares do Brasil, para que se possa traçar
um perfil da realidade linguística “de uma classe, da
qual fazem parte alunos procedentes de várias regiões
do país” (CAGLIARI, 1999, p. 47). De acordo com os
teóricos que atuam nesta área, o preconceito social
manifesta-se através de fatos linguísticos, e é por isto

UESC Letras Vernáculas 35


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

que ensinar Língua Portuguesa nas escolas ainda é


considerado um meio de promoção social.

• Análise do Discurso: O discurso é estudado como


prática social, e só pode ser analisado considerando
seu contexto histórico-social, suas condições de
produção. Nesta linha, o discurso reflete uma visão de
mundo determinada, obrigatoriamente vinculada à(s)
ideologias do(s) seu(s) autor(es) e à sociedade em
que vive(m). Vale salientar que, através das marcas
que aparecem na superfície do discurso, o investigador
guiará a sua pesquisa científica de acordo com a teoria
(dentro da AD) que norteará o seu trabalho.

Agora que já completamos a nossa aula, vamos agora


exercitar um pouco!

ATIVIDADE
1. Faça um resumo dos principais movimentos teóricos da Linguística no século
XX: formalismo, estruturalismo/funcionalismo, gerativismo.

2. Pois é, o caminho percorrido ao longo do século XX abriu espaço para o


surgimento de importantes disciplinas nas ciências humanas. Considerando
isto, conceitue as ciências interdisciplinares, definindo seu objeto de estudo e
objetivos.

3. Vamos sedimentar um pouco mais as definições?

a. Qual é a diferença mais nítida entre o formalismo e o estruturalismo?

b. Que contribuições relevantes o gerativismo promove?

36 Módulo 1 I Volume 3 EAD


RESUMINDO

Você viu, nesta aula, que:

2
• Os estudos sobre a linguagem tomaram vários rumos

Aula
no século XX. A classificação mais frequente, mas nem
sempre consensual, é: formalismo, estruturalismo/
funcionalismo e gerativismo.

• Pelo fato de o formalismo não ter se orientado por uma


doutrina uniforme, surgiram concepções diferentes
dentro do próprio movimento, que deram origem às
discordâncias a respeito de boa parte dos preceitos
teóricos sobre língua e linguagem. Os dois principais
grupos surgidos na Europa foram: o Círculo Linguístico
de Moscou, fundado em 1915, e o OPOJAZ (Sociedade
para o Estudo da Linguagem Poética), fundado em 1916,
na cidade de São Petersburgo.

• O funcionalismo tem seu lugar no conjunto do movimento


estruturalista. É um estruturalismo específico que se pode
chamar de estruturalismo funcional. Os funcionalistas
podem, então, ser considerados estruturalistas na
medida em que seu objeto de estudo é, de fato, a língua
como sistema.

• Com o Gerativismo, Chomsky deu ênfase à competência


linguística do falante, à habilidade que o falante tem
de gerar e compreender mensagens. Ele distingue três
componentes que, segundo ele, são fundamentais:
o sintático (que tem a função de gerar), o fonológico
(que é a imagem acústica elaborada pelo componente
sintático) e o semântico (que tem a função de interpretar
esta imagem). Além disso, postula que as sentenças
que pronunciamos na estrutura superficial são geradas
a partir de uma outra estrutura: a profunda.

• As ciências interdisciplinares da Linguística são:


Fonética, Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica,
Pragmática, Sociolinguística, Psicolinguística e Análise
do Discurso.

UESC Letras Vernáculas 37


Introdução aos estudos linguísticos O que é linguística?

LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura das seguintes obras: PAVEAU, Marie-Anne;
SARFATI, Georges-Elia. As grandes Teorias da Linguística: da Gramática Comparada à
Pragmática. Trad. Ed. Claraluz. São Carlos: Clara Luz, 2006 e ROBINS, R. H. Pequena História da
Linguística. Trad. de Luiz Martins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993.

Na próxima aula... Iremos aprofundar questões até aqui tratadas, como,


por exemplo, o conceito de signo na abordagem de Saussure. Até breve!

BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I e II. Trad.


de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989.

REFERÊNCIAS
CABRAL,L. G.; GORSKI, E. Lingüística e ensino: reflexões para a
prática pedagógica da língua materna. Florianópolis: Insular, 1998.

CAGLIARI, L. Alfabetização e Lingüística. São Paulo: Scipione,


1997.

CAGLIARI, Luiz Carlos; CAGLIARI–MASSINI, Gladis. Diante das


Letras: a escrita na alfabetização. Campinas: Mercado das Letras,
1999.

CÂMARA, JR. História da Lingüística. Petrópolis: Vozes, 1979.

COLLADO, J. A. Fundamentos de Lingüística Geral. Lisboa:


Edições 70, 1980.

CRYSTAL, D. O que é Lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro


Técnico, 1981.

CUNHA, Maria Angélica Furtado da; OLIVEIRA, Mariangela Rios


de; MARTELOTTA, Mário Eduardo (Orgs.). Linguística funcional:
teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A; Faperj, 2003.

DUBOIS, J. et al. Dicionário de Lingüística. Trad. de Izidoro


Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, s. d.

FIORIN, J. L. et al. Introdução à Lingüística. São Paulo:


Contexto, 2003.

38 Módulo 1 I Volume 3 EAD


ILARI, R. A Lingüística e o ensino da língua portuguesa. 4. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.

JAKOBSON, R. Lingüística e Comunicação. Trad. de Izidoro


Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969.

2
LYONS, J. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Trad. de

Aula
Marilda Winkler Averbug; Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1987.

MAIA, E. M. No reino da fala: a linguagem e seus sons. 3. ed. São


Paulo: Ática, 1991.

MENDES, A. M. A. R. Formalismo e funcionalismo linguístico.


Disponível em: http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?c
od=43783&cat=Artigos&vinda=S/ Acessado em 22 fev. 2009.

MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana Christina. Introdução à


Linguística: domínios e fronteiras. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

NEVES, Maria Helena Moura. Gramática: história, teoria e análise,


ensino. São Paulo: UNESP, 2001.

NEVES, Maria Helena Moura. Gramática de Usos do Português.


São Paulo: Editora UNESP, 2000.

NEVES, Maria Helena Moura. A Gramática funcional. São Paulo:


Martins Fontes, 1997.

ORLANDI, E. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense, 1992.

PAVEAU, Marie-Anne; SARFATI, Georges-Elia. As grandes Teorias


da Lingüística: da Gramática Comparada à Pragmática. São Carlos:
Clara Luz, 2006.

ROBINS, R. H. Linguística Geral. Trad. de Elisabeth Corbetta A. da


Cunha et al. Porto Alegre: Globo, 1977.

ROBINS, R. H. Pequena História da Lingüística. Trad. de Luiz


Martins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993.

SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. Trad. de Antônio


Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1989.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o


ensino de gramática no 1º e 2º graus. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2000.

http://www.dicionarioauletedigital.com/ Acessado em 29 mar. 2009.

UESC Letras Vernáculas 39


Suas anotações
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3

aula
O SIGNO NA PERSPECTIVA SAUSSURREANA
Meta

Apresentar as definições de signo, bem como


as suas características, conforme a perspectiva
saussurreana.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


Objetivos

• reconhecer o conceito de signo à luz da teoria


estudada;

• identificar as características dos signos;

• utilizar seus conhecimentos e experiências


anteriores para a identificação de signos na
sociedade.
AULA III
O SIGNO NA PERSPECTIVA SAUSSURREANA

3
Aula
Signos: só nos comunicamos
através deles, sejam linguísticos
ou extralinguísticos.

Figura 1 - Fonte: http://www.sxc.hu/ Figura 1.2 - Fonte: http://www.sxc.


photo/1191456. hu/photo/1197865.

1 INTRODUÇÃO

Você, que acaba de começar a leitura desta aula, saberia


nos responder a esta simples pergunta?

O que é signo linguístico?

O senso comum costuma defini-lo como “uma palavra


que possui significante e significado”. Entretanto, a simplicidade
da resposta não contempla a complexidade dos conceitos. De
acordo com o Dicionário Aulete Digital, signo linguístico é:
“Associação de um significante e um significado”. Qualquer
coisa ou fenômeno que designe algo distinto de si mesmo ou
usado em seu lugar, por exemplo, um cigarro atravessado por
uma linha oblíqua significa ‘é proibido fumar’, a cor verde no
trânsito representa ‘siga’, a cruz simboliza o ‘cristianismo’.
Vamos aprender nesta aula que o signo pode ser concebido
sob vários aspectos. Além disto, conheceremos também os
principais teóricos que estudaram sobre o assunto.

UESC Letras Vernáculas 43


Introdução a Estudos Linguísticos I O Signo na Perspectiva Saussurreana

Faremos primeiro um passeio pelo tempo, retomando


conceitos elaborados na Antiguidade Clássica por importantes
filósofos, como: Platão, Aristóteles, Crátilo, os estóicos, dentre
outros. Depois iremos diretamente para o século XX e voltaremos
a Ferdinand Saussure para entender os seus preceitos teóricos
acerca do signo linguístico.
Está preparado? Então vamos lá!

2 PRINCIPAIS REPRESENTANTES DA ANTIGUIDADE


CLÁSSICA

Como você viu na aula 1,


as discussões a respeito do signo
existem desde a Antiguidade Clássica,
com eminentes filósofos como Platão
e Aristóteles (séc. V a.C.). O primeiro
escreveu um diálogo intitulado “Diário
de Crátilo” especialmente dedicado
à controvérsia entre naturalistas
e convencionalistas. Em outras Figura 2 - Platão, filósofo da
Antiguidade Clássica (séc. V a.C.).
palavras, o debate girou em torno da Fonte: http://www.
mundodosfilosofos.com.br/foto20.htm

relação natural ou convencional entre


o significado da palavra e sua forma.
U V
a FR
K Para os naturalistas, a relação entre significado (conceito)
C AM SAIBA MAIS e significante (forma) é natural, a exemplo das onomatopeias.
Crátilo de Atenas Já os convencionalistas advogavam que não havia relação
(séc. V a.C.) foi mestre
de Platão e primeiro
natural entre os dois elementos, que a relação era puramente
a defender o caráter convencional, e, inclusive, mesmo as onomatopeias poderiam
natural da língua. Foi
ligado ao pensamento
variar de uma língua para outra de acordo com o seu sistema
naturalista da escola fonológico (compare-se o francês ouaoua e o alemão wauwau,
Jônica a que pertenceram
Tales de Mileto e
o inglês boom e o português bum).
Heráclito de Éfeso. Em torno dessa teoria, Platão montou o diálogo a que deu o
Procurou relacionar tão
intensamente natureza
nome do seu mestre e cujos interlocutores são: o próprio Crátilo
e língua que chegou (defendendo o naturalismo) e Hermógenes (representando os
ao ponto de explorar a
semelhança das letras
convencionalistas). Entre os dois, Platão introduz Sócrates,
que compunham uma personagem principal que argumenta, refletindo as concepções
palavra ao objeto, com o
objetivo de interpretar a
do autor do Diálogo. Em outras palavras, Platão assume, no
capacidade de expressão decorrer do diálogo, que se faz necessário o surgimento de
de uma palavra.
uma teoria mais ampla, que reflita mais profundamente sobre

44 Módulo 1 I Volume 3 EAD


as questões relativas ao signo.
Aristóteles, por sua vez, foi discípulo de
Platão e fez importantes referências à linguagem
nas obras Órganon e Metafísica. No segundo
livro do Órganon, intitulado Da interpretação, o
filósofo expressa a sua concepção sobre o caráter
convencional da língua: “Nenhum dos nomes é
tal por natureza, mas somente quando se tornou
convenção” (2.16 a 18).

3
Esse debate prolongou-se por séculos,

Aula
evoluindo, a partir do século II a.C., para a Figura 3 - Aristóteles, discípulo de Platão, um
dos maiores representantes dos convencionalistas.

discussão sobre a questão da regularidade da Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/


foto4.htm

língua. A palavra que representava a regularidade


era “analogia”, e a irregularidade, “anomalia”. Daí
surgiu nova contestação, entre analogistas e anomalistas, que
debatiam, então, se a língua seria produto de uma convenção
do homem – e por isto, artificial – ou se seria um produto da
natureza – portanto, um fenômeno natural.
Como se vê, o ponto de partida do percurso histórico
da Linguística e da Filosofia da Linguagem reside na resposta
às questões de naturalidade ou convencionalidade da língua.
Neste período, não há unanimidade nas respostas e vários são
os argumentos levantados por ambos os lados.

3 O SIGNO SAUSSURIANO

Começaremos por nomear e definir a ciência que, na


opinião de Saussure, cuidaria dos signos em sociedade: a
Semiologia. Para o linguista, a diferença fundamental entre a
Linguística e a Semiologia reside no fato de que, enquanto a
primeira é o estudo científico da linguagem humana, a segunda
abarca não somente esse tipo de linguagem, mas também a
linguagem animal e todo e qualquer sistema de comunicação,
seja ele natural ou convencional. Nesse sentido, a Linguística
surge como parte da Semiologia. Alguns teóricos defendem que
os termos Semiologia e Semiótica são sinônimos; o primeiro
termo surge na Europa, a partir de Saussure, e o segundo, nos
Estados Unidos, com Pierce (o qual será estudado na próxima
aula).

UESC Letras Vernáculas 45


Introdução a Estudos Linguísticos I O Signo na Perspectiva Saussurreana

Saussure salienta, no Curso de Linguística Geral (CLG),


que o signo linguístico une não uma coisa a um nome, mas
uma imagem acústica e um sentido. O que o mestre genebrino
denomina de “sentido” é o mesmo que conhecemos como
conteúdo, conceito ou ideia, isto é, a representação mental que
criamos a partir do universo de referência que temos. Nossas
vivências, conhecimento de mundo e nível de informação
norteiam, então, o nível semântico do signo. Dito de outra
forma, para Saussure, conceito é sinônimo de significado (está
no plano das ideias), em oposição ao significante (localizado
no plano da expressão), que é sua parte sensível. É o próprio
linguista quem sugere a substituição dos termos:

Propomo-nos a conservar o termo signo para designar


o total, e a substituir conceito e imagem acústica
respectivamente por significado e significante; estes
dois termos têm a vantagem de assinalar a oposição
que os separa, quer entre si, quer do total de que fazem
parte. Quanto a signo, se nos contentamos com ele, é
porque não sabemos por que substituí-lo, visto não nos
sugerir a língua usual nenhum outro (CLG, p. 79).

Do outro lado, sobre a imagem acústica, Saussure


define:

Esta não é o som material, coisa puramente física,


mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a
representação que dele nos dá o testemunho de nossos
sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a
chamá-la ‘material’, é somente neste sentido, e por
oposição ao outro termo da associação, o conceito,
geralmente mais abstrato [...] (CLG, p. 79).

Posteriormente, Jakobson e a Escola de Praga conseguem


estabelecer definitivamente a distinção entre som material
e imagem acústica. Ao primeiro denominam fone, objeto de
estudo da Fonética; à imagem acústica, fonema, conceito
amplamente aceito pela Fonologia.
Assim definida, a imagem acústica é o significante, e a
união dos dois elementos primordiais constituem o signo como
“uma entidade psíquica de duas faces” (p. 80), indivisíveis,
interdependentes e inseparáveis, como uma moeda, pois
sem significante não há significado e sem significado não há

46 Módulo 1 I Volume 3 EAD


significante.
Como exemplo, poderíamos dizer que, quando um de
nós recebe a impressão psíquica que lhe é transmitida pelo
significante /mãga/, manifestada fonicamente sob o signo
manga, essa imagem acústica evoca-lhe psiquicamente a ideia
de: fruta, oriunda da mangueira, que sacia a fome, é doce ou
não etc.

3
3.1 Arbitrariedade do signo

Aula
Saussure atribui ao signo dois princípios: arbitrariedade
e linearidade.
A respeito da arbitrariedade podemos estabelecer
uma ligação entre o seu postulado e a famosa discussão da
Antiguidade Clássica, como você viu acima, entre anomalistas
e analogistas. Assim como Platão, Aristóteles e outros filósofos,
Saussure também defendeu o caráter convencional da
linguagem, isto é, não existe laço natural entre significado e
significante. Para você entender melhor esse posicionamento,
observe a figura abaixo:

A ideia (ou conceito ou


significado) de mar não tem nenhuma
relação necessária e “interior” com
a sequência de sons, ou imagem
acústica que lhe serve de significante
/mar/. Em português, o significado
mar poderia perfeitamente ser
representado por qualquer outro
significante. Quem determina o uso
é a sociedade que o convenciona.
Além disto, Saussure comprova o
seu ponto de vista expondo alguns
exemplos de diferentes línguas. Figura 4 - Os vários significantes para o que conhecemos em nossa
língua como MAR.
Tanto é válida a explicação que a Fonte: http://static.blogstorage.hi-pi.com/photos/ilheu.
bloguepessoal.com/images/gd/1213715430/mergulho-mar.jpg
ideia de mar é representada em
inglês pelo significante “sea” /si / e
em francês, por “mer” /mér/.

Saussure postula ainda dois sentidos para o caráter


arbitrário do signo:

UESC Letras Vernáculas 47


Introdução a Estudos Linguísticos I O Signo na Perspectiva Saussurreana

1) O significante em relação ao significado:

Por exemplo: Eu te amo, i love you, je t’aime, io ti amo,


jag alskar dig são significantes de várias línguas que remetem
para um mesmo significado: a manifestação do sentimento de
amor.

2) O significado como parcela semântica (em oposição à


totalidade de um campo semântico):

Por exemplo: em inglês, o termo teacher é utilizado para


designar apenas aqueles profissionais que trabalham com alunos
até o segundo grau. Já o termo professor é utilizado apenas
para designar os professores universitários. Em português,
professor ocorre indistintamente.
Apesar de postular que o signo linguístico é arbitrário,
Saussure reconhece a possibilidade de existência de certos
graus de motivação entre significante e significado. Em razão
disto, ele propõe a existência de uma “arbitrariedade absoluta”
e de uma “arbitrariedade relativa”. A arbitrariedade absoluta é
exemplificada pelo linguista pelos números dez e nove, tomados
individualmente, e nos quais a relação entre o significante e o
significado seria totalmente arbitrária, portanto, imotivada. Mas
na combinação desses signos para dar origem a um terceiro
signo, a dezena dezenove, Saussure coloca que a arbitrariedade
absoluta original dos dois numerais apresenta-se amortecida,
cedendo espaço para o que ele classifica como arbitrariedade
relativa. A lógica é a seguinte: pelo reconhecimento da
significação das partes, chega-se à significação do todo.
Da mesma forma ocorre com o processo de derivação de
palavras. No par manga / mangueira, manga, enquanto palavra
de origem, serviria como exemplo de signo arbitrário absoluto,
portanto imotivado. Mangueira, por sua vez, forma derivada de
manga, seria um caso de arbitrariedade relativa, portanto um
signo motivado.

3.2 A linearidade do signo

De acordo com o mestre, este princípio é evidente, mas


foi sempre negligenciado por ser considerado “demasiado
simples”: o significante, imagem acústica, desenvolve-se

48 Módulo 1 I Volume 3 EAD


no tempo e tem as características que toma do tempo: a)
representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável
numa só dimensão: é uma linha.
O caráter linear do signo linguístico “exclui a possibilidade
de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo” (CLG, p. 142).
A língua é, então, formada por elementos que se sucedem
um após outro linearmente, isto é, “na cadeia da fala” (CLG,
p. 142). A relação entre esses elementos é denominada por
Saussure de sintagmática. Para você entender isso, observe,

3
nas frases abaixo, as posições que a palavra bolsa ocupa:

Aula
a. A bolsa da professora é nova.
b. Comprei uma bolsa.
c. Coloquei uma capa para proteger a bolsa
guardada.
d. Vamos trocar de bolsa?

Em cada uma das posições, bolsa adquire uma função


específica, dadas as relações que se estabelecem com os outros
elementos da frase. Isso é resultado das combinações que
compõem o eixo sintagmático. (Sobre este, aprofundaremos
mais na aula 5).

4 SIGNO LINGUÍSTICO E EXTRA-LINGUÍSTICO

É consenso que a linguagem oral ou escrita é a mais


usada pelo homem. Quase toda a forma de comunicação
humana passa pela palavra. Isso significa que há maneiras de
nos comunicarmos sem falar ou escrever nada. Recomendo,
então, que utilize os espaços a seguir para citar formas de
comunicação que não dependam das palavras. O máximo que
puder... Vamos lá!

UESC Letras Vernáculas 49


Introdução a Estudos Linguísticos I O Signo na Perspectiva Saussurreana

Pois bem, cada uma dessas formas que citou (por exemplo,
gestos) representa os signos chamados extra-linguísticos ou
não linguísticos. Como o próprio nome sugere, estes são assim
definidos por apresentarem outras feições - como imagens,
gestos etc. - menos as linguísticas (oral e escrita).
Mesmo não fazendo uso da linguagem escrita ou
falada, temos presentes em nosso cotidiano vários signos
cujos significantes são plenos de significados para nós. Quer
exemplos? Observe as figuras:

Figura 5 - Fonte: Figura 6 - Fonte: http://www.sxc.hu/browse.


http://www.sxc.hu/browse. phtml?f=download&id=531172.
phtml?f=download&id=1156530.

Entendeu? Estes signos são os não linguísticos porque


não têm nenhum signo escrito, ou seja, não são representados
por palavras.
Há, ainda, os
signos que contêm os dois
elementos, linguístico (a
palavra) e o não linguístico
(a figura), como você pode
observar neste exemplo:
Estamos, portanto,
cercados de signos e é através
deles que nos comunicamos.
Eles podem ser linguísticos ou Figura 7 - Substância tóxica. Fonte: http://
www.sxc.hu/photo/1057832
não, como viu anteriormente.

50 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Vamos agora exercitar um pouco a memória?

ATIVIDADE

3
Aula
1. Explicite a posição de cada pensador abaixo a respeito do caráter natural ou
convencional do signo:

a) Crátilo;
b) Platão;
c) Aristóteles;
d) Saussure.

2. Saussure considera a língua como um sistema de signos formados pela união


de alguns elementos. Quais são eles?

3. A que diz respeito a seguinte definição: “Imagem acústica, representação


sonora do vocábulo”?:

a. Significado.
b. Significante.
c. Signo.

4. A que diz respeito a seguinte definição: “Conceito que a imagem acústica


evoca no falante”?:

a. Significado.
b. Significante.
c. Signo.

5. O signo é:

a. Produto e instrumento de uma cultura.


b. A imagem acústica ou visual.
c. O conceito que fazemos de um objeto.

6. O signo linguístico é arbitrário. Então:

a. Há uma ligação natural entre significado e significante.


b. Há uma ligação parcial entre significado e significante.
c. Não há uma relação natural entre significado e significante.

UESC Letras Vernáculas 51


Introdução a Estudos Linguísticos I O Signo na Perspectiva Saussurreana

7. As onomatopeias são:

a. Reproduções fiéis de ruídos e sons naturais.


b. Reproduções convencionais de ruídos e sons naturais.
c. Reproduções parciais de ruídos e sons naturais.

8. Marque V para verdadeiro e F para falso:

( ) Os enunciados vocais “viajam” no tempo e são captados pelo ouvido como


sucessões.
( ) O caráter linear dos enunciados explica a sucessividade das letras e
fonemas.
( ) Os enunciados escritos se compõem numa direção formando uma cadeia,
uma linha.

9. Observe os exemplos:

a. Quando está nervoso, o chefe arrocha.


b. Eu detesto o arrocha.

A palavra “arrocha”, nas frases acima, situa-se num mesmo campo semântico?
Têm o mesmo valor? ( ) SIM ( ) NÃO. Justifique.

10. Você sabe que temos vários objetos que, a depender da região, mudam de
nome. Isso evidencia, portanto, a arbitrariedade defendida por Saussure. Cite
dois exemplos para ilustrar essa propriedade.

11. Saussure marca a diferença entre signos motivados e imotivados. Explique


esta postulação, exemplificando.

12. Qual a diferença entre signos linguísticos e extra-linguísticos? Cite dois


exemplos de cada um.

52 Módulo 1 I Volume 3 EAD


RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:

• A discussão sobre signo linguístico existe desde a


Antiguidade Clássica.
• O signo é definido como a união de um significado a

3
um significante.
• Para Saussure, conceito é sinônimo de significado

Aula
(está no plano das ideias), em oposição ao significante
(localizado no plano da expressão), que é sua parte
sensível.
• Saussure atribui ao signo dois princípios: arbitrariedade
e linearidade.
• O signo pode ser linguístico ou extra-linguístico.

LEITURA RECOMENDADA

Para complementar esta aula, recomendo também a leitura do livro de SAUSSURE,


Ferdinand de. Curso de lingüística geral e de CARVALHO, Castelar de. Para
compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1987.

Na próxima aula... vamos falar sobre o signo sob a ótica


de Charles Sanders Peirce e Mikhail Bakhtin. Tríade sígnica
e signo ideológico são algumas das coisas que te esperam.
Até lá!

UESC Letras Vernáculas 53


Introdução a Estudos Linguísticos I O Signo na Perspectiva Saussurreana

BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia

REFERÊNCIAS
da linguagem. 9. ed. Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo:
HUCITEC, 2002.

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Trad. de


Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1972.

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio


de Janeiro: Presença, 1987.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de lingüística. Trad. de


Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1998.

GUIRAUD, Pierre. A semântica. Trad. de Maria Elisa


Mascarenhas. 3. ed. Rio de Janeiro: Difel, 1980.

HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da


linguagem. Trad. de José Teixeira Coelho Neto. São Paulo:
Perspectiva, 1975.

LOPES, Edward. Fundamentos da lingüística


contemporânea. São Paulo: Cultrix, 2000.

PEIRCE, Charles S. Semiótica. 3. ed. Trad. de: The Collected


Papers of Charles Sanders Peirce. São Paulo: Perspectiva,
2000.

PEIRCE, Charles S. Semiótica e Filosofia. Trad. de Octanny


Silveira da Mota; Leonidas Hegenberg. 9. ed. São Paulo:
Cultrix, 1993.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Trad.


de Antônio Chelini et al. 30. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.

VIGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem.


Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
1998.

WALTHER-BENSE, Elisabeth. A teoria geral dos signos.


São Paulo: Perspectiva, 2000.

http://www.dicionarioauletedigital.com/ Acessado em 30
mar. 2009.

54 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Suas anotações
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4

aula
O SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA
Meta

Apresentar as definições e características do signo à

luz das concepções de Charles Sanders Peirce e Mikhail

Bakhtin.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


Objetivos

• reconhecer os conceitos de signo à luz das teorias

estudadas;

• classificar os signos de acordo com as abordagens

peirceana e bakhtiniana;

• utilizar seus conhecimentos e experiências

anteriores para a identificação de signos

ideológicos.
AULA IV
O SIGNO NA VISÃO PEIRCEANA E BAKHTINIANA

4
Aula
1 INTRODUÇÃO

Você viu na aula passada os principais conceitos de signo,


desde a Antiguidade Clássica (com importantes filósofos, como:
Platão, Aristóteles, Crátilo, os estoicos, dentre outros) até o
século XX com Ferdinand Saussure. Agora vamos complementar
as reflexões sobre o signo no século XX, trazendo para as
discussões dois teóricos imprescindíveis para a compreensão
plena do assunto em questão: Charles Sanders Peirce e Mikhail
Bakthin. Antes, porém, vamos ver um pouquinho sobre a
origem do termo Semiótica.

UESC Letras Vernáculas 59


Introdução aos estudos linguísticos O signo na visão peirceana e bakhtiniana

2 ORIGEM DO TERMO SEMIÓTICA

Embora o estudo sobre o signo não seja tão recente, o


projeto para a criação de uma “ciência dos signos” data do início
do século XX com Saussure, como você viu na aula anterior, e
com Peirce.
Apesar de a inspiração filosófica dos estudos sobre os
signos estar bem patente nas definições que surgem desde
o século XVIII com John Locke, é a partir do século XX que
os estudos nessa área tornam-se mais demarcados. A “nova
ciência” origina-se em duas diferentes tradições: uma de
tradição europeia, iniciada por Saussure (a Semiologia), e
a outra, de tradição anglo-saxônica, iniciada por Peirce (a
Semiótica). Conquanto tenham o mesmo radical (semeion,
que se pode traduzir por “signo” ou “sinal”), as duas palavras
traduzem, no entanto, modos diferentes de entender a “ciência
dos signos”.
A Semiologia é concebida por Saussure, no Curso de
Linguística Geral, como uma ciência que estuda a vida dos
signos no seio da vida social; ela faria parte da Psicologia Social
e, por conseguinte, da Psicologia Geral; para o linguista, esta
ciência “chamar-se-ia ‘semiologia’ (do grego semeion, signo).
Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, que leis os
regem [...]” (p. 89). Assim, para Saussure a linguística não é
senão uma parte desta ciência geral, a Semiologia.
Serra (2009), em seu texto eletrônico, informa que a
Semiótica, por sua vez, é definida por Peirce num texto de 1897,
nos seguintes termos: “Em seu sentido geral, a lógica é, como
acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica,
a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”.
Vários autores de diferentes correntes teóricas têm
assinalado distinções entre estas duas tradições. Jürgen
Trabant (1980, p. 13) coloca que a diferença fundamental entre
Semiologia e Semiótica está nas diferentes tradições de que
são originárias: a Linguística e a Filosofia. A tradição linguística
enfatiza, como o próprio nome reflete, os signos linguísticos e
tende a projetar a Semiologia como uma extensão analógica
da Linguística; ocupar-se-ia dos vários aspectos da cultura,
preocupando-se sobretudo com o papel da linguagem no
conhecimento.

60 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Roland Barthes (1977, p. 144), refletindo sobre a relação
entre Semiologia e Linguística, proposta por Saussure, sugere:
“Em suma é necessário admitir a partir de agora a possibilidade
de inverter um dia a proposição de Saussure: a linguística não é
uma parte, mesmo privilegiada, da ciência geral dos signos, é a
semiologia que é uma parte da linguística [...]”. A este respeito,
observe-se que esta ideia de Barthes já, de certa maneira, é
prevista no próprio Curso de Linguística Geral (p. 47), quando
Saussure afirma que “a língua, o mais complexo e difundido
dos sistemas de expressão, é também o mais característico de
todos; neste sentido a lingüística pode tornar-se o padrão geral
de toda a semiologia, ainda que a língua não seja senão um

4
sistema particular”.
A despeito dessas diferenças, as duas tradições vão

Aula
confluir na formação de uma mesma “ciência dos signos”.
Assim, Pierre Guiraud (1978, p. 98) reconhecia, na década de
70, que: “[...] as palavras semiologia e semiótica recobrem
hoje a mesma disciplina, sendo o primeiro termo utilizado pelos
europeus e o segundo pelos anglo-saxões”.
A essa disciplina, dá-se, hoje, habitualmente, o nome de
Semiótica - o que denota a absorção da semiologia linguística
pela semiótica filosófica.

3 A CONCEPÇÃO PEIRCEANA DE SIGNO

Charles Sanders Peirce nasceu no ano de 1839, em


Cambridge, Massachussets, nos EUA, no dia 10 de setembro e,
sob influência paterna, formou-se na Universidade de Harvard
em física e matemática, conquistando também o diploma de
químico na Lawrence Scientific School. Paralelamente ao seu
PARA CONHECER

trabalho no observatório astronômico de Harvard, Charles


Peirce se dedicava ao estudo da filosofia, principalmente à
leitura de “A crítica da razão pura”, de Kant. Entre 1879 e
1884 lecionou na Universidade John Hopkins. Considerado
uma pessoa de hábitos excêntricos, além de descuidado e
solitário, Peirce não evoluiu na carreira universitária. Em
1887, mudou-se com sua segunda esposa para a cidade
de Milford, na Pensilvânia, isolando-se ainda mais. Entre
1884 e o ano de sua morte, em 19 de abril de 1914, Peirce
escreveu cerca de 80 mil páginas de manuscritos, vendidos
por sua esposa à Universidade de Harvard, e que vem sendo
publicados há várias décadas.
Figura 1 - Charles Sanders Peirce, uma das
principais referências nos estudos sobre o signo.
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/charles-
Fonte: http://media-2.web.britannica.com/eb-
sanders-peirce.jhtm. media/04/127704-004-3163A0E3.jpg.

UESC Letras Vernáculas 61


Introdução aos estudos linguísticos O signo na visão peirceana e bakhtiniana

São várias as definições de Signos apresentadas por


Peirce. Vejamos quatro das mais importantes apresentadas por
Serra, em seu texto digital de 2009:

1- Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob


certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.
Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa
pessoa um signo equivalente, ou talvez um signo
mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino
interpretante do primeiro signo. O signo representa
alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não
em todos os seus aspectos, mas com referência a um
tipo de ideia que eu, por vezes, chamei fundamento do
representamen. “Ideia” deve ser aqui entendida num
certo sentido platônico [...].

2- Um Signo é tudo aquilo que está relacionado com


uma Segunda coisa, seu Objeto, com respeito a uma
Qualidade, de modo tal a trazer uma Terceira coisa, seu
Interpretante, para uma relação com o mesmo objeto,
e de modo tal a trazer uma Quarta para uma relação
com aquele objeto na mesma forma, ad infinitum. Se
a série é interrompida, o Signo, por enquanto, não
corresponde ao caráter significante perfeito.

3- Um Signo, ou Representamen, é um Primeiro que


se coloca numa relação triádica genuína tal com um
Segundo, denominado seu objeto, que é capaz de
determinar um Terceiro, denominado seu Interpretante,
que assume a mesma relação triádica com seu objeto
na qual ele próprio está em relação com o mesmo
objeto.

4- Signo: qualquer coisa que conduz alguma outra coisa


(seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual
ela mesma se refere (seu objeto) de modo idêntico,
transformando-se o interpretante, por sua vez, em
signo, e assim sucessivamente, ad infinitum. [...] Se
a série de interpretantes sucessivos vem a ter fim,
em virtude desse fato o signo torna-se, pelo menos,

62 Módulo 1 I Volume 3 EAD


imperfeito.

Estas definições permitem identificar, na tríplice relação


que possui o Signo, três elementos, como ilustra o triângulo
abaixo:

REPRESENTAMEN

4
Aula
OBJETO SIGNIFICANTE

a) o Signo propriamente dito ou representamen: aqui


podemos estabelecer uma breve relação com o conceito de
significado saussureano;
b) o Interpretante ou “imagem mental”: é o signo criado
na mente de alguém (o “intérprete”) pelo representamen; o
conceito de significante saussureano cabe como paralelo neste
ponto;
c) o Objeto: é aquilo (algo) que é representado (porque
este objeto é representado, pelo signo, não na sua totalidade,
mas de certo ponto de vista, em relação apenas a determinados
aspectos).

Em outras palavras, Signo, para Peirce, é algo que


está no lugar de (representa) outra coisa para alguém; este
pensamento converge para o conceito tradicional de signo
proposto por Santo Agostinho: aliquid stat pro aliquo, ou seja,
uma coisa que está por outra. Desta forma, o signo designa
o próprio signo, o objeto e o interpretante, ou seja, a “coisa
significada” e a “cognição produzida na mente”. A partir da
relação do signo com o objeto é que se determina ou se produz
um interpretante.

UESC Letras Vernáculas 63


Introdução aos estudos linguísticos O signo na visão peirceana e bakhtiniana

O interpretante é um representante, pois constitui o


nome do objeto perceptível e, como nome, servirá como novo
signo ao receptor. Esse processo é infinito e é denominado
“semiose”. Infinito porque a produção de um “interpretante” é
uma representação e, por isto, um novo signo, que produzirá
um novo interpretante... e, assim, sucessivamente.
A fecundidade da noção peirceana nos fornece uma
classificação dos signos que a Semiótica ainda não conseguiu
resolver dada a amplitude de signos existentes. Entretanto, de
acordo com Eco (1981), o único pensador que até hoje tentou
uma classificação global foi Peirce e, apesar de sua classificação
ter ficado incompleta, muitas das suas distinções são referências
na Semiótica até o presente momento.

3.1. A classificação dos signos conforme


Peirce

De acordo com Eco (1994), os signos podem ser


classificados a partir de vários pontos de vista. Agora, veremos
os três tipos mais comuns que têm relação com o objeto: Ícone,
Índice e Símbolo.
- Ícone: “é um signo que se
refere ao objeto que denota
apenas em virtude dos seus
caracteres próprios, caracteres
que ele igualmente possui quer
um tal objeto realmente exista
ou não”; “qualquer coisa, seja
uma qualidade, um existente
individual ou uma lei, é Ícone de
qualquer coisa, na medida em
que for semelhante a essa coisa e
Figura 2: Fotografia de Orquídeas.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Orquidea.jpg utilizado como um seu signo” (p.
21). São exemplos: fotografias,
esculturas, desenhos, diagramas, fórmulas lógicas e algébricas,
imagens mentais etc.

Nessa concepção, a foto acima não apresenta as flores em


si mesmas, enquanto objetos originais, mas uma representação
destas.

64 Módulo 1 I Volume 3 EAD


- Índice: “é um signo que se refere ao objeto que denota
em virtude de ser realmente afetado por esse objeto” (p. 37).
Constitui-se não pela relação de similitude, como o Ícone, mas
pelos indícios que fornece, pela conexão física com o objeto. São
exemplos: fumaça como sintoma do fogo, erupções cutâneas,
pronome /este/, referindo-se a um objeto, enrubescimento da
face etc.

4
Aula
Figura 3 - Céu azul, um signo indicial. Figura 4 - “Onde há fumaça, há fogo!”.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:C%C3%A9u_Azul.JPG. File:Queimada_ABr_04.jpg.

Todas as vezes que vemos o céu azul (cf. a figura 3),


temos indícios de que o dia será ensolarado. De igual modo,
por dedução, se vemos fumaça e corpo de bombeiros (como na
figura 4), sabemos que há incêndio próximo.

- Símbolo: “é um signo que se refere ao objeto que denota


em virtude de uma lei, normalmente uma associação de idéias
gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja
interpretado como se referindo àquele objeto” (p.43). São
exemplos: todas as palavras, frases, livros e outros signos
convencionais, como a balança simbolizando justiça, a cor
branca indicando paz etc.

Figura 5 - Rosário católico. Figura 6 - Símbolo de amor


Figura 7 - Símbolo da paz
http://fmmissionarios.blogspot.com http://sol.sapo.pt/blogs/brendamarie/
http://www.sxc.hu/photo/1195513.
/2009_05_01_archive.html. default.aspx?p=2.

UESC Letras Vernáculas 65


Introdução aos estudos linguísticos O signo na visão peirceana e bakhtiniana

Para você perceber melhor o funcionamento daquela que


Peirce considera ser a mais importante divisão dos signos, veja
o exemplo, dado por ele mesmo, que ilustra a relação entre os
signos na linguagem do cotidiano:

Figura 8 - Signos, Ilustração: Sheylla Tomás


Fonte: UAB - UESC

Neste exemplo, você deve entender que o braço apontado


para o ar funciona como um Índice (denota um individual),
a bolha de sabão funciona como um Ícone, e as palavras
funcionam como Símbolos.
Peirce defende a ideia de que a relação entre Índices,
Ícones e Símbolos pode estar presente em qualquer enunciado,
sendo impossível encontrar uma sentença, por mais simples
que seja que não utilize pelo menos dois desses tipos de signos.

4 A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE SIGNO

Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin nasceu em Orel, ao sul de Moscou, em


1895. Aos 23 anos, formou-se em História e Filologia na Universidade
de São Petersburgo, mesma época em que iniciou encontros para
discutir linguagem, arte e literatura com intelectuais de formações
variadas, no que se tornaria o Círculo de Bakhtin. Em vida, publicou
PARA CONHECER

poucos livros, com destaque para Problemas da Poética de Dostoiévski


(1929). Até hoje, porém, paira a dúvida sobre quem escreveu outras
obras assinadas por colegas do Círculo (há traduções que as atribuem
também a Bakhtin). Durante o regime stalinista, o grupo passou
a ser perseguido e Bakhtin foi condenado a seis anos de exílio no
Cazaquistão (só ao retornar, ele finalizou sua tese de doutorado sobre
cultura popular na Idade Média e no Renascimento). Suas produções
chegaram ao Ocidente nos anos 1970 - e, uma década mais tarde, ao
Brasil. Mas Bakhtin já havia morrido, em 1975, de inflamação aguda
nos ossos.
Figura 9 - Mikhail Bakhtin, um dos maiores
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/filosofo- filósofos da linguagem do século XX.
Fonte: 4.bp.blogspot.com/.../s400/mikhail_
dialogo-487608.shtml.
bakhtin.jpg.

66 Módulo 1 I Volume 3 EAD


No início do século XX, mais precisamente meados dos
anos 20, foi publicada em Leningrado uma obra que se tornou
bastante polêmica porque aliava ideias que seriam consideradas
inicialmente contraditórias: as ideias marxistas e as ideias
linguísticas. Era o Marxismo e filosofia da linguagem, obra de
importância decisiva para os estudos sobre a linguagem, sendo
referência na área até os dias atuais.
Esta obra foi tão surpreendentemente original que
antecipou muitos estudos contemporâneos, tangendo disciplinas
como a Sociolinguística e a Análise do Discurso. O livro, hoje
considerado um clássico indispensável, é a obra em que Bakhtin
mais assume uma perspectiva marxista.

4
E é com base nessa perspectiva que Bakhtin desenvolve
a ideia de que a língua é um produto sócio-histórico e o

Aula
mundo das ideias não existe fora dos quadros da linguagem.
Ideologia: De acordo
Para o filósofo, o estudo da ideologia não pode prescindir do com o Dicionário
digital Aulete, o termo
estudo do signo; todo signo é ideológico e sem o signo não pode ter os seguintes
significados: s.f. 1.
existe ideologia, a ideologia se materializa através do signo. Ciência da formação
das ideias e de um
E a palavra, signo verbal, é a instância privilegiada em que se sistema de ideias.
2. Fil. Pol. Rel. Soc.
podem perceber as tensões da sociedade, figurando como uma
Sistema articulado
espécie de arena dos conflitos sociais. Em outras palavras, a de ideias, valores,
opiniões, crenças
palavra é o fenômeno ideológico por excelência e o meio mais etc., organizado
como corrente de
puro e sensível de interação social. pensamento, como
instrumento de
luta política, como
expressão das relações
4.1 A palavra: signo ideológico entre classes sociais,
como fundamento de
seita religiosa etc. 3.
Bakhtin postula que a palavra, enquanto signo, é o Fil. No marxismo, o
conjunto das formas
principal veiculador da ideologia, devido à sua capacidade de de consciência social
que tem por finalidade
refletir e refratar as condições de produção sócio-histórico- legitimar a classe
dominante ou, no lado
culturais presentes no discurso. Ela reflete e refrata o âmbito oposto, os interesses
revolucionários da
social porque não é simplesmente como um espelho, refletindo,
classe proletária. 4.
mas também pode distorcer; pode ser entendida de diversas Hist. Conjunto das
ideias e convicções
formas, por diferentes prismas. O autor defende que a próprias de uma
época, uma sociedade,
palavra constitui a consciência, o pensamento, a ideologia, e, uma classe etc., e que
caracterizam uma
consequentemente, os sujeitos, pelo fato de ela ser o resultado situação histórica.
das interações socio ideológicas.
Por causa dos vários sentidos atribuídos à palavra
interação, assume-se, neste material, a concepção bakhtiniana
que apresenta os seguintes pressupostos:

UESC Letras Vernáculas 67


Introdução aos estudos linguísticos O signo na visão peirceana e bakhtiniana

a) a interação acontece entre os sujeitos, no processo


dialógico, no amplo sentido do termo diálogo, ou seja,
na enunciação ou em enunciações reais, na relação
entre o “eu” e o “outro”, através da mediação do signo
verbal ideológico;

b) os indivíduos são constituídos enquanto sujeitos, no


processo de interação verbal social, dentro de níveis
ou graus de sociabilidade; quanto maior for o grau
de suas interações verbais sociais, maior será o
grau de consciência dos indivíduos, o que, por sua
vez, implicará um maior grau de constituição dos
indivíduos em sujeitos sociais; com isso, define-se
que os sujeitos são socialmente orientados;

c) além de se considerar a linguagem como atividade


constitutiva dos sujeitos e de suas consciências, na
relação dialógica, o signo verbal social – a palavra
– é o elemento ideológico puro, pois transita
dialeticamente tanto na infraestrutura econômica
quanto na superestrutura dos sistemas ideológicos
constituídos.

Assim, é a partir do signo - material, verbal, social


e ideológico - que se constroem sentidos e veiculam-se
ideologias. Ressalte-se que nenhuma outra teoria linguística faz
a abordagem da palavra considerando-a como elemento puro
da ideologia. A natureza da palavra, estando estreitamente
vinculada com a ideologia, produz uma diferença substancial
nas análises decorrentes desse pressuposto fundamental, qual
seja, da materialidade da palavra e de seu caráter específico de
manifestação ideológica, calcada na sua materialidade social.
As ideias de Bakhtin foram de encontro a muitas teorias
que estavam vigentes no início do século passado. As ideias
que predominavam na linguística naquela época tinham como
base as reflexões de Saussure, que privilegiava, na famosa
dicotomia langue/parole (língua-fala), o estudo da língua.
Nessa perspectiva teórica tradicional, não há interação verbal
entre os sujeitos, pois a linguagem não é concebida como uma
via de mão dupla entre os envolvidos no processo. Privilegia-se

68 Módulo 1 I Volume 3 EAD


apenas o locutor ou o emissor, a categoria do eu, ao mesmo
tempo em que se exclui a categoria do outro no processo
linguístico ou discursivo.
Opondo-se às ideias saussurianas, Bakhtin defendeu
que a ênfase na análise linguística deveria ser dada à fala,
examinando as condições de interação social. Assim sendo, se
o signo para Bakhtin é o elemento de realização material da
ideologia, evidencia-se o desmascaramento da “neutralidade”
da linguagem; para o filósofo, o signo não tem natureza
neutralizante em razão da sua função social e as escolhas
do sujeito enunciador marcam a sua posição ideológica no
mundo.

4
Isto significa que só nos comunicamos via signos porque
eles são produtos da sociedade e é somente através deles que

Aula
veiculamos nossa maneira de ver o mundo, a nossa ideologia.
Assim, ao longo dos seus escritos, Bakhtin insiste que um signo
não existe apenas como parte de uma realidade; ele também
reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade,
ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico
etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica
(isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom etc.). O
domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são
mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra,
encontra-se também o ideológico. “Tudo que é ideológico possui
um valor semiótico“ (BAKHTIN, 1992, p. 83).

São exemplos de signos ideológicos:

1. a maneira como você se veste (uma camiseta com


personagens históricos, por exemplo, Che Guevara);
2. a suástica (símbolo do nazismo);
3. a maneira como trata as pessoas;
4. o uso da estrela de Davi;
5. as palavras que usa para manifestar suas opiniões,
valores etc.

Assim, o signo, na concepção teórica bakhtiniana, deverá


ser estudado em dois planos:

 no primeiro plano, o descritivo. Compreende-se o

UESC Letras Vernáculas 69


estudo do signo dentro do sistema estrito da língua
aceito como um sistema abstrato; é o que se faz
normalmente com a frase, no nível da norma, da
gramática normativa;

 no segundo plano, o discursivo. O signo será


compreendido em sua dinamicidade, por sua relação
dialógica com o outro na situação de interação.

Nesse sentido, o plano discursivo espelha uma das mais


importantes lucubrações sobre a linguagem. Em qualquer
trabalho de interpretação linguística com enfoque sócio-
histórico ou sociocultural, sob a perspectiva bakhtiniana, toda
e qualquer produção linguística ou enunciativa, seja ela oral ou
escrita, pode ser considerada como diálogo ou discurso. Quer
ver um exemplo?
Em setembro último, algumas famílias ligadas ao MST
(Movimento dos Sem-terra) invadiram a fazenda de uma
multinacional e tal fato ecoou na mídia. Aproveitando-se da
repercussão, uma professora do ensino fundamental II distribuiu
o seguinte texto para os seus alunos:

Polícia vai pedir prisão de sete sem-terra


sexta-feira, 9 de outubro de 2009 | 5:21

Por Maurício Simionato, na Folha

A Polícia Civil de Borebi (311 km de SP), responsável pelo


inquérito que apura crimes relacionados à invasão do MST na
fazenda da multinacional Cutrale, disse ontem que vai indiciar
e pedir a prisão temporária de integrantes do movimento. Sete
deles já foram identificados, sendo três líderes.
A fazenda havia sido invadida por 250 famílias ligadas ao MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 28 de
setembro e só foi desocupada anteontem, após decisão judicial
de reintegração de posse. A saída foi pacífica, mas a fazenda
apresentava sinais de destruição e depredação.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/policia-vai-
pedir-prisao-de-sete-sem-terra/.

Após leitura silenciosa, a professora colocou no quadro a


seguinte questão:
Como podemos ver, os sem-terra ficaram sem razão.

Questão: Explique o porquê de usarmos hífen em sem-


terra e não usarmos em sem razão.

Percebeu o desperdício? A professora poderia ter


trabalhado interpretação, outra modalidade de leitura, e até
gramática com enfoque sócio-histórico, explorando as várias
possibilidades que o texto traz em termos de temática; poderia,
ainda, promover trabalhos com intertextualidade e proporcionar
aos seus alunos a percepção de que os discursos, naturalmente,
dialogam com outros.

4
Vamos às atividades!

Aula
ATIVIDADES
1- Defina o signo de acordo com a o pensamento de Peirce e Bakhtin.

2- Classifique os signos abaixo de acordo com o que estudamos sobre o


signo peirceano: índice, ícone e símbolo.

a. Uma dentadura_______________________________________
b. Erupções cutâneas____________________________________
c.

_____________________________________

d. O celular vibrando dentro do bolso________________________


e.

_________________________________________
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cruz_julian.jpg.

UESC Letras Vernáculas 71


Introdução aos estudos linguísticos O signo na visão peirceana e bakhtiniana

f.
_________________________________________

g.

_________________________________________

h. A Mona Lisa (Da Vinci) ______________________________________


i. Nuvens negras no céu ______________________________________
j.

___________________________________________________

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1209823

k. Foto sua com o seu ídolo ____________________________________


l.

_____________________________________________________________

m. Bandeira do Brasil _________________________________________


n. Impressão digital numa arma ________________________________

3- Você viu que Bakhtin considera:

a. que é exatamente no momento da interação social, por meio da linguagem,


que os interlocutores terão a possibilidade de se elevar enquanto seres
sociais;
b. que a linguagem não é neutra, pois ela é o campo de encontros e
desencontros, de choques de interesses opostos, de conflitos diversos,
enfim, de lutas, visando à conservação de determinados sentidos,
excluindo-se, consequentemente, a veiculação de outros sentidos.

Levando em consideração essas afirmações, responda: em que ponto as


teorias bakhtiniana e saussuriana confrontam-se a respeito do signo?

4- Cite dez signos ideológicos recorrentes em seu cotidiano (podem ser


linguísticos ou não).

72 Módulo 1 I Volume 3 EAD


RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:


● A Semiologia é concebida por Saussure, no Curso de Linguística Geral,
como a ciência que deve estudar a vida dos signos no seio da vida
social; ela faria parte da psicologia social e, por conseguinte, da
psicologia geral.

● A Semiótica, por sua vez, é definida por Peirce, num texto de 1897, nos
seguintes termos: “Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter
mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária,
ou formal, doutrina dos signos”.

4
● Os signos são classificados, de acordo com Peirce, em: a) ícone - pela

Aula
relação de similitude com o objeto; b) índice – pelos indícios que
fornece; c) símbolo - normalmente por uma associação de ideias gerais
que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado
como se referindo a algo.

● Bakhtin postula que a palavra, enquanto signo, é o principal veiculador


da ideologia, devido à sua capacidade de refletir e refratar as condições
de produção sócio-histórico-culturais presentes no discurso. Ela
reflete e refrata o âmbito social porque não é simplesmente como um
espelho, refletindo, mas também pode distorcer; pode ser entendida
de diversas formas, por diferentes prismas.

LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura das obras de BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e
filosofia da linguagem. Trad. de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992b e de PEIRCE,
Charles S. Semiótica. Trad. de: The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1977.

Na próxima aula... conheceremos as importantes e famosas


dicotomias saussurianas. Veremos em que consiste e quais as
características de cada uma, além, claro, da importância delas para
os estudos linguísticos. Até lá!

UESC Letras Vernáculas 73


Introdução aos estudos linguísticos O signo na visão peirceana e bakhtiniana

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. de Maria E.


G. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 6. ed.
Trad. de Paulo Bezerra. São Paulo: Hucitec, 1992b.

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Trad. de Izidoro


Blikstein. Lisboa: Edições 70, 1977.

CABRAL, L. S. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo,


1976.

CAMARA, J. Mattoso. Princípios de Lingüística Geral. Rio de


Janeiro: Padrão, 1989.

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. Rio de


Janeiro: Presença, 1987.

DUCROT, Oswald, Todorov, Tzvetan. Dicionário das Ciências


da Linguagem. Trad. de Emygdio José David Leitão. Lisboa:
Publicações D. Quixote, 1978.
ECO, Umberto. O Signo. Enciclopédia Einaudi. vol. 31 (O Signo).
Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.
ECO, Umberto. O Signo. Lisboa: Editorial Presença, 1981.

GUIRAUD, Pierre. A Semiologia. Trad. de Maria Elisa Mascarenhas.


Lisboa: Editorial Presença, 1978.

MARTINET, Jean. Chaves para a Semiologia. Lisboa: Publicações


D. Quixote, 1983. Col. Universidade Moderna.

PEIRCE, Charles S. Semiótica. Trad. de: The Collected Papers of


Charles Sanders Peirce. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 10. ed.


Trad. de Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1985.

SERRA, Paulo. Peirce e o signo como abdução. Disponível em:


bocc.ubi.pt/pag/jpserra_peirce.htm/ Acesso em: 15 abr. 2009.

TODOROV, Tzvetan. Teorias do Símbolo. Lisboa: Edições 70,


1979.

TRABANT, Jürgen. Elementos de Semiótica. Lisboa: Editorial


Presença, 1980.

http://online.unisc.br/seer/index.php/signo/index/ Acesso em: 15


mar. 2009.

74 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Suas anotações
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5

aula
DICOTOMIAS SAUSSUREANAS: LÍNGUA X FALA,
SINCRONIA X DIACRONIA E SINTAGMA X PARADIGMA
Meta

Apresentar o referencial teórico que sustenta as

dicotomias saussureanas.
Objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

• perceber os preceitos que norteiam as dicotomias


saussurianas;
• identificar as características de cada dicotomia;
• reconhecer a importância das dicotomias para
os estudos da linguagem.
AULA V
DICOTOMIAS SAUSSUREANAS: LÍNGUA X FALA,
SINCRONIA X DIACRONIA E SINTAGMA X PARADIGMA

5
Aula
1 INTRODUÇÃO

Como você já sabe, Saussure é considerado por muitos


o “Pai” da Linguística moderna, não por tê-la “criado” (você viu
na aula 1 que o estudo da linguagem é bastante remoto), mas
por tê-la alçado ao status de ciência.
Dentre as suas contribuições, quatro pares de conceitos
se destacam por serem ainda referência para os estudos em
linguística. Esses conceitos são consensualmente designados
dicotomias, por serem definidos um em relação ao outro, e
por não serem compreendidos de maneira fiel se estudados
isoladamente. Temos então: língua X fala, sincronia X diacronia,
sintagma X paradigma e significante X significado. Esta última
dicotomia, como você já estudou, caracteriza o chamado
signo linguístico. Nesta aula, trataremos, portanto, das outras
dicotomias.

UESC Letras Vernáculas 79


Introdução aos estudos linguísticos Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

2 DICOTOMIAS SAUSSURIANAS

2.1 Língua X Fala

Para Castelar de Carvalho (2003), esta é sua dicotomia


básica e, juntamente com o par sincronia / diacronia, constitui
uma das mais fecundas. Para Saussure, a oposição desses
dois conceitos se deve ao fato de a língua ser eminemtemente
coletiva, enquanto a fala é uma propriedade individual. “Langue
& Parole”: a primeira é definida como sistemática, enquanto a
segunda como assistemática.
Situando a sua dicotomia na Sociologia, ciência que,
na época, já tinha grande prestígio, Saussure (2008, p. 16)
afirma e adverte ao mesmo tempo: “A linguagem tem um lado
individual e um lado social, sendo impossível conceber um
sem o outro”. Para ele, a língua, como acervo linguístico, é “o
conjunto dos hábitos linguísticos que permitem a uma pessoa
compreender e fazer-se compreender” (p. 92). A língua é “uma
soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos
como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem
repartidos entre os indivíduos” (p. 27).
Para o mestre genebrino, a língua “é, ao mesmo tempo,
um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto
de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para
permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (p. 17);
é “a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por
si só, não pode nem criá-la nem modificá-la (grifo nosso);
ela não existe senão em virtude de uma espécie de contrato
estabelecido entre os membros da comunidade” (p. 22). Dentre
os muitos méritos deste conceito, um dos mais importantes é
o fato de que Saussure, através dele, estabelece o objeto de
estudo da linguística, ao afirmar que esta deve se preocupar
apenas com a língua.
A fala, ao contrário da língua, por ser individual, torna-se
imprevisível, os atos são ilimitados, não formam um sistema
e, por isto mesmo, seria assistemática. Os fatos linguísticos
sociais, ao contrário, formam um sistema, pela sua própria
natureza homogênea. O problema desta concepção é, conforme
veremos na próxima aula, a desconsideração do caráter social
da fala e da interação.

80 Módulo 1 I Volume 3 EAD


2.1.1 Redefinição da dicotomia Língua X Fala

Após Saussure, vários pesquisadores redimensionaram,


ampliaram e até refutaram suas ideias - como é salutar a toda
ciência. Dentre as várias ampliações dos preceitos saussurianos,
devemos mencionar a de André Martinet, que propõe a dupla
articulação da linguagem (assunto a ser visto na próxima
aula), o que proporciona melhor entendimento de dois pontos:
a priori, das trocas paradigmáticas de unidades menores da
língua (morfemas) e sintagmáticas, da ordem das palavras; a
posteriori, a articulação de unidades destituídas de significado,
como, por exemplo, em cal, onde o fonema inicial pode ser
trocado dando origem a: tal, mal e sal.
Outro autor de destaque na ampliação e numa possível
realinhação de alguns conceitos de Saussure é Eugenio Cosèriu.
Este propõe uma redefinição na dicotomia língua X fala, com

5
a intercalação do conceito de norma. Segundo Coseriu, o mais

Aula
apropriado seria o uso da tricotomia língua X norma X fala, e,
assim sendo, o conceito saussureano de língua sofreria algumas
modificações.
A norma proposta por Cosèriu seria o uso coletivo da
língua. Em outras palavras, há realizações consagradas pelo uso
e que, portanto, são normais em determinadas circunstâncias
linguísticas, previstas pelo sistema funcional. Para o autor, a
norma seria, assim, um primeiro grau de abstração da fala,
pois é à norma que nos ligamos de forma imediata, conforme o
grupo social de que fazemos parte e a região onde vivemos. A
tricotomia em estudo deve ser entendida como um continuum,
haja vista que a língua é um sistema de comunicação atualizado
pelo usuário através da fala, que lhe permite adaptá-lo às suas
necessidades de uso. Por isso mesmo, a fala é circunscrita no
domínio individual, enquanto a língua é coletiva. Considerando-
se a língua (o sistema) um conjunto de possibilidades abstratas,
a norma seria então um conjunto de realizações concretas e de
caráter coletivo da língua.

2.2 Sincronia X Diacronia

De origem grega, sincronia (syn- “juntamente” e

UESC Letras Vernáculas 81


Introdução aos estudos linguísticos Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

-chrónos “tempo”) e diacronia (dia- “através” e chrónos


“tempo”) representam respectivamente um estado de língua e
uma fase de evolução. Assim, de forma inequívoca, a linguística
sincrônica se ocupa da língua em um determinado momento do
tempo e a linguística diacrônica, da língua e suas variações
histórico-temporais.
A sincronia é definida por Saussure como o eixo das
simultaneidades, das descrições de um deteminado estado de
funcionamento da língua. Na outra ponta do eixo, localizam-
se as sucessividades ou diacronia. Neste enfoque, o linguista
tem por objeto de estudo a relação entre um determinado fato
e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe
sucederam. Acrescente-se, ainda, que a diacronia se divide
em história externa (estudo das relações existentes entre os
fatores socioculturais e a evolução linguística) e história interna
(estuda a evolução estrutural – fonológica e morfossintática –
da língua).
Saussure prioriza o estudo sincrônico, alegando que o
falante nativo não tem consciência da sucessão dos fatos da
língua no tempo. Para o indivíduo que usa a língua como veículo
de comunicação e interação social, essa sucessão não existe.
A única e verdadeira realidade tangível que se lhe apresenta
de forma imediata é a do estado sincrônico da língua. Além
disso, como a relação entre o significante e o significado é
arbitrária, estará continuamente sendo afetada pelo tempo,
daí a necessidade de o estudo da língua ser prioritariamente
sincrônico. Castelar de Carvalho (2003) exemplifica esse
enfoque com o uso do substantivo romaria, que significava
originalmente “peregrinação a Roma para ver o Papa”. Hoje,
no entanto, é usado unicamente para designar “peregrinação
religiosa em geral”.
Outros exemplos que ilustram essa perspectiva são:
rapariga e vamos em boa hora. O primeiro vocábulo designava,
no Brasil-colônia, apenas o feminino de rapaz e, com o passar
do tempo, houve evolução semântica, passando a ter cunho
pejorativo. Atualmente a palavra tem vários sentidos no Brasil,
sendo os mais usuais, de acordo com o Dicionário Aurélio on-
line: Bras. (N, NE e MG) Meretriz, prostituta e mulher-dama. Já
o segundo passou pelo processo de evolução fônica (mudança
na forma da frase). Atualmente, utiliza-se: “vamos embora

82 Módulo 1 I Unidade 1 EAD


(norma padrão), rumbora, simbora, borimbora e outros (nível
coloquial).
Conforme os postulados saussurianos, são estas as
características da sincronia e diacronia:

Sincronia Diacronia
Estática. Evolutiva.
Descritiva. Prospectiva e retrospectiva.
Gramática geral. Gramática histórica.
Interessa-se pelo sistema e pelo Interessa-se pelas evoluções e
funcionamento da língua. suas causas.
Faz descrições sincrônicas. Apoia-se em descrições
sincrônicas.

A despeito da primazia da sincronia sobre a diacronia,


o próprio Saussure (p. 16) pondera – na opinião de Castelar
de Carvalho (2003), premonitoriamente – que prioridade não

5
significa exclusividade. Nas palavras de Saussure, a cada

Aula
instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema
estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma
instituição atual e um produto do passado.
Dessa forma, Saussure postula que o ponto de vista da
ciência linguística é que poderá ser sincrônico OU diacrônico,
dependendo do fim a que se pretende atingir. E há determinados
casos, por exemplo, em que a descrição sincrônica pode
perfeitamente ser conjugada com a explicação diacrônica,
enriquecendo-se, desse modo, a análise feita pelo linguista.

2.3 Sintagma X Paradigma

Veja o que Saussure fala sobre os eixos sintagmático e


paradigmático:

Deste duplo ponto de vista, uma unidade lingüística é


comparável a uma parte determinada de um edifício,
uma coluna, por exemplo; a coluna se acha, de um lado,
numa certa relação com a arquitrave que a sustém;
essa disposição de duas unidades igualmente presentes
no espaço faz pensar na relação sintagmática; de
outro lado, se a coluna é de ordem dórica, ela evoca a
comparação mental com outras ordens (jônica, corintia,
etc.), que são elementos não presentes no espaço: a

UESC Letras Vernáculas 83


Introdução aos estudos linguísticos Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

relação é associativa (CLG, 1989, p. 143).

Ao fazer tal comparação, Saussure nos dá elementos


analógicos para facilitar a compreensão de como essas relações
ocorrem num dado momento de fala. Ao fazer referência à
coluna e à arquitrave, ele nos induz a imaginar os dois eixos
acima citados: um vertical e outro horizontal. O primeiro eixo
representa as relações associativas, ou paradigmáticas, e o
segundo, as relações combinatórias, ou sintagmáticas.
Para você entender essas duas noções, observe as
posições que a palavra carro ocupa em cada umas das frases
abaixo:

a. O carro é de Fábio.
b. Comprei um carro novo.
c. Comprei uma capa para proteger o carro.
d. Estamos sentados no carro, à sua espera.

No eixo sintagmático, horizontalmente, devemos


analisar a função da palavra carro a partir das relações que
estabelece com os outros termos que estão presentes nas
frases. Imagine agora as diferentes formas que o vocábulo
carro pode ter: carros, carrões, carrinhos, carroça e outros.
Quando você faz este exercício, está associando, a cada
posição ocupada pela palavra carro, outras formas do
vocábulo que poderiam ali estar. Pode, ainda, imaginar que
outras palavras poderiam concorrer com carro para produzir
frases estruturalmente idênticas às que se apresentam acima.
Ao fazer esse tipo de exercício, estamos no âmbito do eixo
paradigmático, ou vertical.
Conforme Saussure, as relações sintagmáticas baseiam-
se, então, no caráter linear do signo linguístico, “que exclui a
possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo”
(p. 142). A língua é formada de elementos que se sucedem um
após outro linearmente, isto é, “na cadeia da fala” (p. 142).
Colocado no eixo sintagmático, um termo passa a ter
valor contrastivo em relação àquele que o precede ou lhe
sucede, “ou a ambos”, visto que um termo não pode aparecer
ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu caráter linear.
É essa cadeia fônica que faz com que se estabeleçam relações

84 Módulo 1 I Volume 3 EAD


sintagmáticas entre os elementos que a compõem. Como a
relação sintagmática se estabelece em função da presença
dos termos precedente e subsequente no discurso, Saussure a
chama também de relação in præsentia.
Para entender melhor, veja a representação dos eixos
abaixo:

A B = EIXO PARADIGMÁTICO
C D = EIXO SINTAGMÁTICO

A Ela permanece pouco feliz

Você continua deveras alegre

Pedro fica parcialmente triste

C Eu pareço menos infeliz D

B Eu estou muito cansada

5
Aula
Você deve observar que, a partir da frase “Eu estou muito
cansada”, várias possibilidades seletivas podem ser feitas, tais
como: “eu / ela / você / Pedro - fico / permaneço / continuo -
pouco / deveras / parcialmente/ - alegre / feliz / triste”. O eixo
de seleção associativo, proposto pela relação paradigmática, se
faz pela oposição que um termo faz a outro, in absentia, pela
ausência dos outros termos no discurso. É a chamada oposição
distintiva.
Apesar de suscitar discordâncias quanto a alguns pontos
da sua obra, é inequívoca a influência que Saussure - com o CLG
(Curso de Linguística Geral) - exerceu e exerce na Linguística
moderna. A partir dos seus postulados, formaram-se várias
escolas estruturalistas (fonológica de Praga, estilística de
Genebra, funcionalista de Paris, glossemática de Copenhague),
que deram consequência e continuidade ao pensamento do
mestre de Genebra. A teoria do signo (com seus dois princípios
fundamentais, arbitrariedade / linearidade), as dicotomias, a
distinção fonética / fonologia, fone / fonema, a dupla articulação
da linguagem, a tricotomia língua / fala / norma são categorias
linguísticas fecundas, todas decorrentes do pensamento
saussureano e, hoje, estão absolutamente incorporadas às

UESC Letras Vernáculas 85


Introdução aos estudos linguísticos Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

ciências que estudam a linguagem.


Agora que já detém conhecimentos sobre o assunto,
vamos praticar!

ATIVIDADE
1. Vimos, ao longo da aula, porque Saussure é considerado o fundador da Linguística
moderna. Discorra sobre alguns postulados teóricos que influenciaram para
que esta ciência se configurasse como tal.

2. Apresente, pelo menos, duas características de cada dicotomia nos quadros


abaixo:

Língua Fala Dicotomia

Características

Sincronia Diacronia Dicotomia

Características

Sintagmas Paradigma Dicotomia

Características

3. Eugenio Cosèriu propõe uma realocação da dicotomia Língua X Fala para


tricotomia. Que outro elemento é inserido? Você poderia dar um exemplo de
uma palavra que, por força do uso dos falantes, esteja mudando no Português
falado do Brasil?

86 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Tricotomia:________________________________________________________

Palavra:__________________________________________________________

4. Cite um fato linguístico (palavra, frase etc.) da Língua Portuguesa falada no


Brasil que poderia ser examinado à luz da sincronia e diacronia. Justifique a sua
escolha.

5. Leia o fragmento do poema “E agora José?”, de Carlos Drummond de Andrade,


e depois responda a questão:

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…

5
Aula
Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/j/jose_poema_drummond.

Tendo como base os conceitos da última dicotomia apresentada nesta aula,


identifique em que eixo (paradigmático ou sintagmático) está localizada esta
ocorrência da língua. Justifique sua resposta.

6. Discorra um pouco sobre a importância dos estudos dicotômicos para a Linguística


moderna.

UESC Letras Vernáculas 87


Introdução aos estudos linguísticos Dicotomias saussureanas: língua x fala, sincronia x diacronia e sintagma x paradigma

RESUMINDO
3 RESUMO

Nesta aula, você viu que:

• O estruturalismo, conforme exposto na obra de Saussure,


baseia-se na convicção de que a linguagem é um sistema
abstrato de relações diferenciais entre todas as suas partes.
• Esse sistema se apresenta subjacente aos fatos linguísticos
concretos e constitui o principal objeto de estudo do
linguista.
• Para fundamentar suas afirmações, Saussure estabeleceu
uma série de definições e distinções sobre a natureza da
linguagem, que se podem resumir nos seguintes pontos:

a. a langue (língua) é o sistema de signos presente na consciência


de todos os membros de uma determinada comunidade
linguística, e a parole (discurso), a realização concreta e
individual da língua num determinado momento e lugar por
cada um dos membros da comunidade;
b. o estudo sincrônico da língua (considerado prioritário por
Saussure) se caracteriza pela descrição do estado estrutural
da língua em um dado momento, e o estudo diacrônico, pela
descrição da evolução histórica da língua, que leva em conta
os diferentes estágios sincrônicos;
c. um signo (composto pelo significante e significado) se define
em termos sintagmáticos (a partir das relações com outros
elementos que se combinam na sequência do discurso) ou
paradigmáticos (associações com outros elementos capazes
de aparecer no mesmo contexto).

LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de CARVALHO, Castelar de.
Para compreender Saussure. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2003 e de CABRAL, L. S. Introdução à
Linguística. Porto Alegre: Globo, 1976.

Na próxima aula... conheceremos importantes posicionamentos teóricos acerca


da linguagem humana e comunicação animal. Veremos o porquê desta diferença
terminológica e as características de cada uma. Até lá!

88 Módulo 1 I Volume 3 EAD


BENVENISTE, Émile. Problemas de Lingüística Geral I. Trad.

REFERÊNCIAS
de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1991.
BORBA, F. da Silva. Introdução aos Estudos Lingüísticos.
Campinas: Pontes, 1997.

CAMARA, J. Mattoso. Princípios de Lingüística Geral. Rio de


Janeiro: Padrão, 1989.

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12. ed.


Petrópolis: Vozes, 2003.

CABRAL, L. S. Introdução à Lingüística. Porto Alegre: Globo,


1976.

LYONS, John. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Trad.


de Marilda Winkler Averbug; Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1987.

MARTINET, André. A Lingüística Sincrônica. Trad. de Lilian

5
Arantes. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1971.

Aula
ORLANDI, Eni. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense, 1990.

PERROT, J. A Lingüística. Trad. de M. L. Rodrigues e N. A.


Mabuchi.São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.

ROBINS, R. H. Lingüística Geral. Trad. de Elisabeth Corbetta A.


da Cunha et al. Rio de Janeiro, Globo, 1981.

ROBINS, R. H. Pequena História da Lingüística. Trad. de Luiz


Martins. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S/A, 1983.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. Trad de A.
Chelini, José P. Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2008.

VANOYE, Francis. Usos da Linguagem. Trad. Clarisse Madureira


Sabóia. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm / Acessado em 28
nov. 2008.

http://www.jackbran.pro.br/linguistica/norma_coseriu.htm/
Acessado em 15 nov. 2008.

http://www.linguisticacom.blogspot.com/2008/02/relaes-
sintagmticas-e-relaes.html/ Acessado em 15 fev. 2009.

UESC Letras Vernáculas 89


Suas anotações
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6

aula
LINGUAGEM HUMANA E
COMUNICAÇÃO ANIMAL
Meta

Apresentar pressupostos básicos sobre a linguagem


humana e comunicação animal, bem como as suas
características e diferenciações.
Objetivos

Ao final desta unidade, você deverá:

• reconhecer pressupostos teóricos sobre


linguagem humana e comunicação animal;
• identificar as características e diferenças entre
linguagem humana e comunicação animal.
UNIDADE VI
LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO ANIMAL

1 INTRODUÇÃO

Você já deve ter ouvido falar


que animais se comunicam entre si
e com humanos, não é? Saberia
responder com precisão a diferença
entre linguagem e comunicação?
Se sim, ainda que intuitivamente,
parabéns! Vamos apenas sistematizar
teoricamente; se não, vamos ver o
que há de pressuposto na área da

6
Figura 1 - Gato e menina se comunicando.
linguística. De modo geral, há muita Fonte: http://fotos.imagensporfavor.com/img/pics/glitters/t/ternura-9325.jpg.

Aula
confusão entre os termos, pois as
pessoas costumam tomar um termo
por outro. No entanto, em linguística, há uma sutil diferença.
Conforme o Dicionário Aulete Digital, linguagem é
qualquer sistema de sinais, ou signos, através dos quais
dois seres se comunicam entre si para transmitir e receber
informações, avisos, expressões de emoção ou sentimento etc.
Embora existam sistemas de linguagem entre animais e até
vegetais, é no homem que estes sistemas atingem altos níveis
de aperfeiçoamento, que se expressam com grande acuidade,
expressividade e potencial de armazenamento e memorização,
condição básica para a construção de conhecimento e formação
de cultura. Comunicação, por sua vez, é definida como
capacidade, processo e técnicas de transmitir e receber ideias,
mensagens, com vistas à troca de informações, instruções etc.
Percebeu que a noção de linguagem é mais ampla do
que a de comunicação? Você verá por que isto ocorre e por que
razão a tradição linguística tem classificado as interações dos
humanos e dos animais dessa forma.

UESC Letras 93
Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

2 LINGUAGEM HUMANA E COMUNICAÇÃO ANIMAL:


DEFINIÇÃO LINGUÍSTICA

Você já tentou aprender outro idioma?


Lembra-se do esforço empregado para conseguir
compreender o significado das palavras da outra
língua, além da estrutura gramatical diferente e
dos sons que, em si, divergiam do português
falado no Brasil?
E se você só fala português e encontra
Figura 2 - Menina e pássaro cantando. alguém que não entende a nossa língua, um
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1205807.
árabe, por exemplo, e precisa transmitir uma
mensagem? O que fará? Usará gestos? Isto
ajudará a comunicar suas necessidades e emoções imediatas,
mas nada além disto, não é verdade?
Pois bem. Para a maioria dos estudiosos em linguística,
essa é a diferença entre linguagem e comunicação. A linguagem
humana utiliza recursos de expressão de maneira muito mais
complexa do que a comunicação física dos animais. Chomsky
(como você estudou em aulas anteriores) preconiza que a
linguagem é inata ao ser humano e que, a partir de um número
finito de regras, somos capazes de elaborar um número
infinito de frases. Segundo ele, herdamos geneticamente
princípios universais (que são válidos a qualquer língua) e,
além disto, colocamos em prática parâmetros específicos que
vão diferenciar, por exemplo,
estruturas de uma língua
No artigo intitulado “A comunicação animal: uma forma de
U V linguagem?”, Gabriel de Ávila Othero, da PUC-RS, tenta conciliar para outra (fixados a partir
a FR o pensamento chomskyano e o evolucionismo. Embora não
K do contato da criança com a
C AM use o termo protolinguagem, Othero discorda da afirmação
de Chomsky sobre não haver qualquer semelhança entre a língua dos pais). No processo
SAIBA MAIS

comunicação animal e a linguagem humana, mas concorda


de comunicação, também
que a riqueza de criar sentenças distintas a partir de termos
recorrentes na língua seja uma exclusividade humana. De acordo somos capazes de fazer uso
com Othero, os primatas conseguem lidar com uma linguagem
do tom e da altura da voz para
simbólica e criar sentenças rudimentares, mencionando o
chimpanzé Chimpsky – batizado assim, como uma referência a reforçar os efeitos pretendidos.
Chomsky – e a gorila Koko, que foram domesticados em centros
Já os animais não têm essas
de primatologia e treinados para usar a língua de sinais norte-
americana. “O que acontece no caso dos animais que dominam mesmas habilidades.
alguma linguagem de sinais é que eles apresentam uma sintaxe
A linguagem pode ser
bastante rudimentar, sem essa capacidade de criação e de
recursão. Além disso, esses animais passam por treinamentos definida linguisticamente como
exaustivos e artificiais. Não vemos na natureza animais se
um meio de comunicação entre
comunicarem pela linguagem de sinais”, observa.
Fonte: http://comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=31&id=360. os seres humanos que fazem

94 Módulo 1 I Volume 3 EAD


uso de signos orais e, ou escritos. Algumas escolas linguísticas
entendem a linguagem como a capacidade de exprimir o
pensamento ou a cognição.
Nas últimas décadas, é praticamente consenso que a
linguagem pode ser estudada sob dois pontos de vista: de
acordo com o uso ou a partir de sua estrutura. Os estudos
que focalizam a estrutura/forma fazem parte do movimento
estruturalista (como você já viu na aula 1). As investigações
sobre o uso incluem, dentre outros, a análise dos conteúdos,
do discurso, a crítica literária, o estudo das variações e
mudanças linguísticas e os fatores sociais que determinam os
comportamentos linguísticos de uma comunidade, a pragmática
e outras vertentes.
A linguagem humana difere da comunicação animal em
algumas características. Veja os argumentos que sustentam
essa diferenciação:

LINGUAGEM HUMANA COMUNICAÇÃO ANIMAL

Possui sistemas gramaticais complexos. É destituída de gramática e de

6
complexidade.
Reconhece que há referencial simbólico, é

Aula
baseada em símbolos (como você viu nas Não-simbólica, composta de índices.
aulas 3 e 4, quando estudou os signos).

Há sempre uma intenção (argumentativa) Não há intenção voluntária.


norteando a comunicação.

Há temporalidade: passado, presente e Não há temporalidade.


futuro.

A linguagem humana pode produzir uma Raramente os animais excedem a quarenta


quase infinita variedade de pensamentos. diferentes manifestações ou chamados.

A linguagem humana é controlada pelo É controlada pela base do cérebro e pelo


córtex cerebral esquerdo. sistema límbico.

A cultura é tipicamente humana. Não é cultural.

A humana comunica sempre coisas novas. É invariável.

Percebeu a diferença? Vamos sedimentar mais um pouco


o que estamos estudando, observando a direção conceitual
que os autores propõem para tratar da estrutura simbólica da
linguagem.

UESC Letras 95
Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

3 A LINGUAGEM E SUA ESTRUTURA SIMBÓLICA

Você viu na seção anterior que a linguagem humana difere


da comunicação animal por várias razões. Nesta seção, será
dada ênfase à estrutura simbólica da linguagem, propriedade
exclusiva do ser humano.
Para começar a nossa discussão, leia o seguinte
fragmento:

O ser humano é a única criatura sobre a terra que


possui a linguagem. Poder-se-ia conceber o ato de
adoração sem a existência da linguagem simbólica com
a qual se transmitem os conceitos religiosos? Como
o ritual exige simbolismo, meu gato, por exemplo,
incapaz de usar símbolos, seria incapaz de qualquer
ato de adoração. Sem a linguagem, não pode existir
adoração, nem oração, e nem comunhão com Deus.
Sem a linguagem, não teria sido possível transmitir a
Adão a ordem para não comer do fruto da árvore, e
sem essa ordem não teria havido nem o pecado e nem
a queda. [...] A linguagem é crucial a tudo que nos
torna seres verdadeiramente humanos.

Fonte: Morton, em: http://www.scb.org.br/fc/FC60_10.htm.

Percebeu a importância da linguagem para o ser humano?


Então vamos ver melhor o que a diferencia do sistema de
comunicação animal.
Em primeiro lugar, a linguagem humana pode produzir
uma quase infinita variedade de pensamentos, contrariamente
aos sistemas de comunicação dos animais que, na natureza,
raramente excedem quarenta diferentes manifestações ou
chamados.
Em segundo lugar, a comunicação entre os animais é
destituída de gramática e de complexidade, o que se observa até
mesmo em macacos treinados especificamente para dominar a
linguagem. Eles não usam, por exemplo, artigos, preposições,
conjunções e outras categorias gramaticais. Uma criança normal
rapidamente manifesta sua capacidade de produzir expressões
complexas, a partir de unidades menores e mais simples.
Por fim, a singularidade da linguagem humana baseia-
se no seu referencial simbólico; toda a comunicação não-
humana é não-simbólica. A linguagem humana é um sistema

96 Módulo 1 I Volume 3 EAD


de comunicação baseado em símbolos. A palavra exprime um
conceito, e não realmente um objeto. Por exemplo, o conceito
expresso pela palavra agricultor na linguagem usada nos
Estados Unidos é bastante diferente do conceito expresso pela
palavra nong ming em Chinês. Embora ambas as palavras se
refiram àquele que produz alimentos a partir do cultivo do solo,
nos Estados Unidos, o agricultor é um homem de negócios
independente, enquanto que na China ele contém uma forte
ideia política como representante do proletariado.
Veja o que Morton, em seu artigo digital intitulado “A
linguagem humana” escreve:

[...] Há pessoas que tentaram afirmar que alguns


animais manifestam simbolismo em seus gritos, citando
como exemplo os três tipos diferentes de alarme feitos
por uma determinada espécie de macacos para alertar
seus companheiros quanto ao perigo proveniente da
presença de leopardos, serpentes ou águias. Cada grito
corresponde somente a um dos perigos específicos, e
induz uma só resposta coletiva. Entretanto, isso não
constitui um sistema simbólico. Deacon observou a
invariança da resposta produzida por cada um dos

6
gritos, e mostrou que o comportamento correspondente
era instintivo.

Aula
Assim, de acordo com o autor, apesar de alguns trabalhos
acadêmicos apontarem que existe entre os animais um sistema
simbólico, as pesquisas apontam que, após anos de treinamento,
poucos animais mostraram algum indício do uso de símbolos,
valor insignificante se comparado ao potencial humano.

3.1 Linguagem e recursividade

A linguagem humana é um sistema simbólico que


se destaca dos outros porque utiliza signos convencionais e
que, por isto mesmo, são arbitrários em sua grande maioria
(conforme você viu na aula 3). Os signos usados encontram-se
interligados por um sistema coerente, cujas regras permitem
construir um número infinito de mensagens.
É por esta razão que podemos explicar os símbolos. Quer
exemplos?

UESC Letras 97
Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

Figura 3 - Buda. Fonte: http://commons. Figura 4 - Novo Testamento. Fonte: http:// Figura 5 - Totem. Fonte: http://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Kamakura_Budda_ commons.wikimedia.org/wiki/File:Bibel-1.jpg. wikimedia.org/wiki/File:Totem-Head.jpg.
Daibutsu_right_1879.jpg.

Como explicar cada cultura exposta nessas imagens,


senão por palavras (signos)? Como adorar a Jesus Cristo,
cultuar Buda ou reverenciar o totem expressando os seus
preceitos religiosos e, ou filosóficos sem fazer uso das
palavras? Isso nos torna diferentes em relação a todos os
outros animais porque possuímos subjetividade, cognição
e capacidade criativa. Um dos mecanismos que ilustra essa
capacidade é a chamada recursividade (possibilidade de
encadear uma ideia na outra para formar unidades maiores),
propriedade que é peculiar da nossa espécie. Para ilustrar
isso, veja o texto abaixo:

Quadrilha
Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo


que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história

Fonte: http://letras.terra.com.br/carlos-drummond-de-andrade/460652/.

Você percebe que há vários encadeamentos no


texto? É esse tipo de recurso que nos permite formar novas
estruturas, novos enunciados. A propósito, não podemos
falar dessa propriedade sem mencionar a importância de
Émile Benveniste para o estudo da linguagem humana. No

98 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Capítulo 5 de sua principal obra, Problèmes
Émile Benveniste (1902, Cairo - 1976) foi um U V
de linguistique générale (Problemas de linguista estruturalista francês, conhecido por a FR
K
seus estudos sobre as línguas indo-europeias C AM
Linguística Geral), intitulado Comunicação
e pela expansão do paradigma linguístico
Animal e Linguagem Humana, o autor nega

SAIBA MAIS
estabelecido por Ferdinand de Saussure. Iniciou
seus estudos na Sorbonne, com Antoine Meillet,
a interpretação linguística behaviorista (de que fora aluno de Saussure. Lecionou na École
Pratique des Hautes Études; mais tarde,
base saussureana), demonstrando que a
trabalhou no Collège de France como professor
linguagem humana, diferentemente das de linguística. Nesta época, já havia iniciado
suas pesquisas sobre gramática comparada das
linguagens das abelhas e outros animais, línguas indo-europeias. Em 1961, fundou com
não pode ser simplesmente reduzida a Claude Lévi-Strauss e Pierre Gourou a revista de
antropologia L’Homme. Permaneceu no Colège
um sistema de estímulo-resposta. de France até 1969, quando se aposentou
devido a problemas de saúde.
Benveniste afirma que a
comunicação é um elemento presente em Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Benveniste.

animais que vivem em sociedade: essa


seria uma marca da comunicação; mas isto não bastaria para
definir a linguagem.
A chave da questão estaria na interação, na resposta, na
capacidade de refazer a mensagem, de reorganizá-la e devolvê-
la ao outro depois de reprocessá-la. Em outras palavras, a
chave da questão está na recursividade.
As abelhas, por exemplo, segundo o experimento de

6
Karl von Frisch (relatado no capítulo 5 do livro já citado),

Aula
possuem um meio complexo para transmitir a mensagem: a
distância e a direção de localização do alimento; no entanto,
só executam as suas danças com esta finalidade. Informam
se há comida, néctar ou pólen, numa direção ou noutra, mas
fora isso não informam mais nada. Não há resposta e nem
simbolização; a apreensão da mensagem é objetiva, concreta.
A capacidade abstrata do símbolo (signo), ou seja, estar no
lugar de outra coisa (no dizer peirciano), representá-la na sua
ausência, trazer e construir o pensamento para o outro, são
propriedades exclusivamente humanas.
A linguagem é, portanto, o nosso diferencial, a condição
para a existência da nossa cultura, é a forma de tomarmos
consciência de nós e dos outros. O nosso mundo organiza-se
a partir dela. E, apesar de termos dedicado anos de trabalho
para ensinar animais (como a chimpanzé Chimpsky) a se
comunicarem com a linguagem humana, percebemos que, por
mais que possamos avançar, há um limite, bem distante do
mínimo que um ser humano pode fazer.

UESC Letras 99
Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

4 POR QUE O PAPAGAIO FALA?

A essa altura você deve estar perguntado: por que o


papagaio fala e as outras aves não? Vamos falar um pouco
sobre isto, mas, antes, veja uma piada sobre papagaio:

PAPAGAIO FALA DEMAIS E “ENTREGA”


NAMORADA INFIEL

Um programador de computador descobriu que


sua namorada estava tendo um caso quando seu
papagaio não parava de repetir o nome de um homem,
informou a imprensa britânica ontem.
A ave, um papagaio cinza africano, não parava de
dizer “I love you, Gary” (Eu te amo, Gary) ao seu dono,
Chris Taylor, quando ele estava sentado no sofá ao lado
da namorada, Suzy Collins, no flat que dividiam em
Leeds, na Grã-Bretanha.
Quando Taylor reparou a reação embaraçada
da namorada, a confusão veio à tona. Ela tinha um
amante com que se encontrava no próprio flat, sob o
olhar curioso de Ziggy, o papagaio.
A operadora de telemarketing admitiu o romance
com um colega de trabalho chamado Gary que já durava
quatro meses. De acordo com a imprensa britânica,
Ziggy também imitava a voz de Collins toda vez que
ela falava ao telefone “Oi, Gary”.
A operadora de telemarketing não mora mais com
Taylor e Ziggy.

Colunista - Labellaluna® Fonte: http://newsblog.com.br/2006/07/


papagaio-fala-demais-e-entrega.html.

Esta piada foi colocada para você refletir um pouco


sobre a fala deste animal, que, originalmente silvestre, foi
transformado em animal de estimação.
Você sabia que a habilidade do papagaio
de imitar sons só acontece como uma espécie
de compensação do estresse ocasionado pelo
distanciamento do seu habitat natural? Que
apenas algumas espécies de papagaios possuem
habilidade de imitar a fala humana? Que nem
todos os papagaios se tornam bons imitadores?
Figura 6 - O papagaio (Amazona aestiva) mais popular no Brasil é também Veja o seguinte fragmento:
a espécie que mais reproduz sons do ambiente em que vive. Autor: José
Reynaldo da Fonseca.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Papagaio_(Macho)_REFON_010907.jpg.

100 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Sem estímulo os pássaros não aprendem os cantos. E,
tanto isso é verdade que a falta de exemplos sonoros
pode levar a deformações. Não são raras as aves que
afastadas do convívio de seus pares acabam adquirindo
o meio de expressão de outra espécie. Tal fato não deve
ser confundido com a facilidade que certos pássaros
têm de arremedar a expressão vocal alheia. É o caso,
por exemplo, dos papagaios que chegam a imitar a voz
humana. Para muitos ornitólogos, o fenômeno deve ser
creditado a uma relação íntima e constante. [...] No
entanto, é preciso esclarecer que estas imitações se dão
sempre ao nível da chamada, que a ave introduz dentro
da linha de seu canto. Pois quando ela precisa lançar
mão do grito de advertência diante de uma situação
que lhe diz respeito, jamais utilizará a chamada de
outra espécie, mas a que lhe é característica.

Fonte: http://www.cobrap.org.br/site/artigos_vis.php?id=248

Pois bem, o papagaio, na verdade, não fala, apenas


reproduz o que ouve. A ele, falta-lhe a chamada habilidade
linguística, que só os humanos têm. Portanto, somente os
homens é quem têm a faculdade da linguagem, a propriedade
mais marcante que vai diferenciá-los dos outros animais.
Interessante o assunto, não? Mas todas essas informações

6
não farão sentido se não forem devidamente internalizadas,

Aula
por isto, vamos às atividades!

5 RESUMO
Nesta aula, você estudou que:

ATIVIDADE
1. O caminho percorrido ao longo do século passado nos levou ao conhecimento
de importantes pressupostos acerca da linguagem humana e comunicação
animal. Leia o Capítulo 5 do livro de Benveniste (Problemas de Linguística
Geral), intitulado Comunicação Animal e Linguagem Humana, e apresente,
em poucas linhas, as diferenças existentes entre essas competências.

2. Qual é a posição de Noam Chomsky a respeito da linguagem humana?

3. Apresente seis características da linguagem humana que comprovam a


diferença terminológica entre esta e a comunicação animal.

4. Se um leigo lhe perguntar por que o papagaio fala, mas não conversa, que
resposta você lhe dará?

UESC Letras 101


Introdução aos Estudos Linguísticos I Linguagem humana e comunicação animal

RESUMINDO

● A linguagem na vida do homem não é apenas um instrumento


de comunicação.
● A linguagem humana difere da comunicação animal.
● A linguagem humana é um sistema simbólico que se manifesta
por meio da recursividade.
● O papagaio apenas imita sons.

Na próxima aula... LEITURA RECOMENDADA


Veremos, como sequên- Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros
de BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I e II.
cia deste assunto, a Dupla
Trad. por Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes,1989 e
Articulação da Linguagem. JAKOBSON, R. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro
Até breve! Brikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1993.

102 Módulo 1 I Volume 3 EAD


BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral I e II.

REFERÊNCIAS
Trad. de Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989.

CAGLIARI, L. Alfabetização e Lingüística. São Paulo:


Scipione, 1997.

CAMARA JR., J. M. Dicionário de lingüística e gramática.


16. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

COLLADO, J. A. Fundamentos de Lingüística Geral. Lisboa:


Edições 70, 1980

DUBOIS, J. et al. Dicionário de Linguística. Trad. de Izidoro


Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1996.

JAKOBSON, R. Lingüística e Comunicação. Trad. de Izidoro


Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1993.

LYONS, J. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Trad.


de Marilda Winkler Averbug; Clarisse Sieckenius de Souza.
Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

6
MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Orgs.) Introdução à

Aula
Lingüística: domínios e fronteiras. v. 1 e 2. São Paulo:
Cortez, 2001.

MORTON, Glenn R. Disponível em: http://www.scb.org.br/fc/


FC60_10.htm. Acesso em: 16 maio 2009.

ORLANDI, E. O que é Lingüística. São Paulo: Brasiliense,


1992.

ROBINS, R. H. Lingüística Geral. Trad. de Luiz Martins.


Porto Alegre: Globo, 1977.

http://educacao.uol.com.br/filosofia/filosofia-da-
linguagem-7.jhtm Acesso em: 26 nov. 2008.

http://www.cobrap.org.br/site/artigos_vis.php?id=248.
Acesso em: 23 dez. 2009.

http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.
htm?sid=2&infoid=787, Acesso em: 15 jan. 2009.

UESC Letras 103


Suas anotações
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aula
DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM
Meta

Apresentar referenciais teóricos que sustentam a


constituição da linguagem humana numa dupla
articulação, levando em consideração que é isto
que diferencia o homem do animal.
Objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

• identificar as duas articulações como compo-


nentes da linguagem humana;

• reconhecer as características da linguagem


humana e da comunicação animal.
AULA VII
DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM

7
Aula
1 INTRODUÇÃO

Na aula passada, você viu que humanos e animais se


comunicam entre si e uns com ou outros, mas que a linguagem
é um faculdade exclusivamente humana. Vamos, nesta aula,
verticalizar um pouco a discussão, revisitando o conceito de
Èmile Benveniste sobre recursividade, bem como os estudos
sistematizados por André Martinet, funcionalista francês que
figura como principal referência no que se refere à dupla
articulação da linguagem. Também buscaremos Saussure e
Chomsky, novamente, para percebemos as relações imbricadas
entre as suas concepções e as de Martinet. Veremos alguns
exemplos que ilustrarão os pressupostos com o fito de torná-
los mais compreensíveis. Preparados? Então vamos!

UESC Letras Vernáculas 107


Introdução aos estudos linguísticos Dupla articulação da linguagem

2 A DUPLA ARTICULAÇÃO DA LINGUAGEM

Linguista francês e importante representante


U V
a F R do movimento funcionalista, André Martinet
K
C AM nasceu a 12 de abril de 1908, em Saint-Albans-
des-Villards (Savoie), e faleceu a 16 de julho de
SAIBA MAIS

1999, em Châtenay-Malabry. Em sua juventude,


teve intenso contato por correspondência com os
membros do Círculo Linguístico de Praga, o que
lhe permitiu conhecer o movimento estruturalista
e, com outros nomes de igual importância,
desenvolver mais tarde o funcionalismo. O
mestre distinguiu-se principalmente pelo
desenvolvimento do funcionalismo, na sequência
do estruturalismo, e por ter aplicado este
paradigma linguístico à fonologia, morfologia e
sintaxe do francês. André Martinet influenciou
também a linguística brasileira, principalmente
Figura 1 - André Martinet, principal referência
nos escritos do linguista brasileiro Joaquim
em dupla articulação da linguagem. Fonte:
Mattoso Camara Júnior. http://www.unc.edu/~melchert/martinet2.jpg.

André Martinet afirma que a linguagem é duplamente


articulada. Você sabe o que quer dizer isso? Antes, deverá
entender o que é articulação.
Originada do latim, a palavra articulus significa
“parte, subdivisão, membro”. Desta forma, quando se diz
que a linguagem é articulada, o que se deve entender é que
as unidades linguísticas são suscetíveis de ser divididas,
segmentadas, recortadas em unidades menores. Para Martinet,
todo enunciado da língua articula-se em dois planos.
Fonema é a menor
unidade de som de No primeiro, temos a divisão do enunciado linguístico em
uma língua, com valor unidades significativas mínimas, que são os monemas, unidade
distintivo, mas des-
provida de significado. constituída de significante e significado (Lembra do signo
Em português, disti- saussuriano?). Vale lembrá-lo que o significado dificilmente
guem-se entre si vocá-
bulos como bata e pata pode ser analisado em unidades menores. Entretanto, o aspecto
ou gata e cata pelo vocal ou significante é composto por unidades distintivas
traço fônico [sonoro ou
não-sonoro] contido mínimas, os fonemas, que constiuem a segunda articulação.
no primeiro fonema de Vamos entender o primeiro plano? A palavra “recontar”
cada um dos vocábulos
(Dicionário Aulete Di- pode ser decomposta em três monemas: “re”, “con”, e “tar”.
gital). Com esses três monemas, podemos criar outras palavras:

1. A partir do monema “re”, pode-se compor palavras


como: rever, relatar, retocar, reler, recomeçar
etc.

108 Módulo 1 I Volume 3 EAD


2. A partir do monema “con”, pode-se compor:
contemporizar, concretizar, conversar, convergir,
concordar, condensar etc.
3. A partir do monema “tar”, pode-se derivar: contar,
estar, pintar etc.

Entendeu? Veja outro exemplo: A frase Os meninos


brincavam pode ser segmentada nos seguintes monemas: o,
artigo definido; -s, monema de plural; menin-, radical que
conduz ao sentido de garoto/a; -o, monema de masculino; -s,
monema de plural; brinc-, radical do verbo brincar; -a, monema
que indica que o verbo pertence à primeira conjugação; -va,
monema modo-temporal que indica o pretérito imperfeito do
indicativo; -m, monema número-pessoal que indica a 3ª pessoa
do plural.
Da mesma forma como fizemos no exemplo anterior,
cada uma dessas unidades pode ser substituída por outra no
eixo paradigmático ou só combinar-se com outras no eixo
sintagmático (como você viu na Aula 5, quando estudou sobre
esses paradigmas). Com isso, podemos ter inúmeras frases,
inúmeras palavras... Lembra do que preconiza Chomsky? A
partir de um conjunto finito, pode-se elaborar um conjunto
infinito...
Agora vamos entender o segundo? Cada monema pode
segmentar-se em unidades menores, destituídas de sentido.

7
Essas unidades, como você já sabe, são os fonemas. Por

Aula
exemplo, o monema brinc- se articula nos fonemas /b/, /r/, /i/,
/n/ e /c/. Nesse plano, as unidades têm apenas valor distintivo.
Deste modo, quando se substitui o /b/ do monema brinc- por
/t/ se produz um outro radical, trinc-, de trincar, por exemplo.
Você deve perceber que a dupla articulação da linguagem
é um mecanismo de economia linguística. Com poucas dezenas
de fonemas, cujas possibilidades de combinação estão longe
de ser todas exploradas em cada língua, formam-se milhares
de unidades de primeira articulação. Com alguns milhares
de unidades de primeira articulação, forma-se um número
ilimitado de enunciados. Assim, se precisássemos atribuir um
som diferente para cada coisa ou objeto, teríamos que produzir,
distinguir e memorizar milhões de sons diferentes, o que é
inviável diante da nossa capacidade fonatória, auditiva e da
memória.

UESC Letras Vernáculas 109


Introdução aos estudos linguísticos Dupla articulação da linguagem

Conforme Martinet, na primeira articulação, existem


as unidades significativas do plano da expressão, onde se
circunscrevem fonética, morfologia e sintaxe e, na segunda
articulação, as unidades fonológicas do plano do conteúdo,
compreendendo os campos de estudo da fonologia e da
semântica.
Entendeu? Para complementar a compreensão, observe
o seguinte diagrama:

DUPLA
ARTICULAÇÃO DA
LINGUAGEM

MONEMAS FONEMAS

Unidade mínima constituída de


significante e significado; pode Menor unidade de som de uma
vir a ser um radical (um lexema, língua, com valor distintivo mas
que muitas vezes coincide com desprovida de significado.
uma palavra)

PLANO DE PLANO DO
EXPRESSÃO CONTEÚDO

Fonética,
Fonologia e
morfologia e
Semântica
sintaxe

Assim podemos visualizar melhor a inventividade da dupla


articulação da linguagem. Na primeira, utilizamos unidades com
conteúdo semântico e expressão fônica – os monemas; a partir
disto, podemos construir uma quantidade infinita de diferentes
mensagens; na segunda, ocorre a expressão fonética dessas
mensagens, articuladas em unidades distintas, sucessivas e
destituídas de significados, os fonemas, que têm número fixo
em cada língua.

3 ARTICULAÇÃO ANIMAL X ARTICULAÇÃO HUMANA:


CARACTERÍSTICAS

Por experiência, sabemos que o homem reagirá a certos


estímulos do ambiente com respostas diferentes. Essa variação

110 Módulo 1 I Volume 3 EAD


ocorre principalmente pela influência da
sua cultura, sua cadeia simbólica e o meio
em que vive. O homem aprende músicas,
piadas, poemas, palavrões, filmes etc. e
tem condições de adaptar os significados
às mais variadas situações. No extremo
oposto, estão os animais que, a cada
estímulo externo, respondem com uma
ação, sempre a mesma, que é determinada
por seu código genético: uma cadeia
instintiva e fechada. Um sistema de códigos.
E somente isto.
Essa oposição pretende ilustrar o que
você já estudou sobre a finitude X infinitude
da comunicação animal e linguagem
humana. Na aula anterior, você viu que a
linguagem simbólica é que torna o homem
diferente dos demais seres em termos de
comunicação. Vamos retomar brevemente
algumas ideias para solidificarmos o que
Figura 2 - Seres humanos possuem duas articulações e
está sendo discutido. animais possuem apenas uma articulação
Fonte: UAB/UESC
A linguagem simbólica e a dupla
articulação da linguagem possibilitam uma
disseminação de sentidos que é evidenciada por eminentes

7
autores como Jorge Luis Borges, que, em sua sexta conferência

Aula
em Harvard, tenciona discutir a dimensão alusiva da linguagem:

Eu queria expressar tudo. Pensava, por exemplo,


que, se precisava de um pôr-do-sol, devia encontrar
a palavra exata para o pôr-do-sol – ou melhor, a mais
surpreendente metáfora. Agora cheguei à conclusão (e
essa conclusão talvez soe triste) de que não acredito
mais na expressão: acredito somente na alusão.
Afinal de contas, o que são as palavras? As palavras
são símbolos para memórias partilhadas. Se uso uma
palavra, então vocês devem ter alguma experiência
do que essa palavra representa. Senão a palavra não
significa nada para vocês. Acho que podemos apenas
aludir, podemos apenas tentar fazer o leitor imaginar. O
leitor, se for rápido o suficiente, pode ficar satisfeito com
nossa mera alusão a algo (BORGES, 2000, p. 122).

UESC Letras Vernáculas 111


Introdução aos estudos linguísticos Dupla articulação da linguagem

Perceberam que o poeta, tal como Peirce e outros,


define a palavra como símbolo? A peculiaridade da linguagem
humana baseia-se no seu referencial simbólico porque a
palavra exprime um conceito, e, como bem disse o poeta, faz
alusões. A situação de interação, a refacção da mensagem, a
competência para reorganizá-la e devolvê-la ao outro depois
de reprocessá-la constituem o que Benveniste definiu como
recursividade. E é disto que, em outras palavras, nos falou o
poeta.
Como já viu na aula anterior, o que difere a linguagem
humana da comunicação animal é o fato de o animal não
conhecer o símbolo, mas somente o índice. E o índice se
relaciona de forma fixa e única com a coisa a que se refere. O
adestramento de animais, por exemplo, é feito com base nas
repetições de frases ou gestos que indicam algo bem específico;
são, portanto, índices.
Outra característica que se pode apontar em relação
às duas articulações (animal e humana) é que a comunicação
animal dirige-se para a adaptação a uma situação concreta,
pois a inteligência dos animais ainda é concreta; enquanto a
linguagem humana pode intervir abstratamente, distanciando o
homem da experiência vivida, tornando-o capaz de reorganizá-
la num outro contexto e lhe impingir um novo sentido.
No que se refere ao tempo, é pela palavra que somos
capazes de nos situar; evocamos o passado e antecipamos o
futuro pelo pensamento. Já o animal vive sempre no presente.
Estas são, portanto, mais algumas características que
diferenciam a linguagem humana da comunicação animal.
Vamos agora fazer algumas atividades!

ATIVIDADE
1. A dupla articulação da linguagem é um importante princípio postulado por André
Martinet. A partir dos pressupostos apresentados, conceitue a dupla articulação.
Em seguida, cite cinco exemplos da primeira articulação, e, decompondo partes
destes mesmos exemplos, cite cinco da segunda.

2. Segmente a frase abaixo em monemas, e, depois, escolha três deles e faça


novas composições:

a) Os cachorros correram.

112 Módulo 1 I Volume 3 EAD


3. Você é capaz de reconhecer as características (que foram abordadas nesta
aula) da linguagem humana e da comunicação animal? Para sedimentar as
informações, preencha o quadro abaixo:

LINGUAGEM HUMANA LINGUAGEM ANIMAL

Infinita Finita

4. Preencha a segunda coluna de acordo com as caratecterísticas dos seres


apresentados na primeira:

Coluna 1 Coluna 2
(a) Homem. ( ) Tem inteligência concreta.
(b) Animal. ( ) Reconhece somente índices.
( ) Tem inteligência abstrata.
( ) Re-contextualiza signos.
( ) Age por repetição, condicionamento.

7
( ) Reage somente a ações codificadas.

Aula
( ) É capaz de estabelecer conexões conceituais.
( ) Reconhece e se comunica por símbolos.

5. Imagine que você esteja conversando com


uma pessoa leiga no assunto “linguagem
humana e comunicação animal”. Ela olha a
imagem ao lado e lhe pergunta: “Agora, que é
estudante de Letras, pode me explicar qual é a
diferença entre linguagem humana e animal?”
Que resposta daria a esta pessoa?

Figura 4 - Jovem com um cavalo.


Fonte: UAB/UESC.

UESC Letras Vernáculas 113


Introdução aos estudos linguísticos Dupla articulação da linguagem

RESUMINDO
4 RESUMO

Nesta aula, você viu que:

● André Martinet elaborou o estudo mais profundo acerca da


“dupla articulação da linguagem”, postulando que, na primeira
articulação, existem as unidades significativas do plano da
expressão, os monemas, onde se circunscrevem fonética,
morfologia e sintaxe.

● Na segunda articulação, as unidades fonológicas do plano do


conteúdo, compreendendo os campos de estudo da fonologia e
da semântica. Os fonemas são destituídos de significado, mas
têm valor diferencial; servem para diferenciar uma palavra de
outra.

● O homem possui características diferentes dos animais no que


se refere aos signos utilizados para comunicação. Enquanto o
homem usa os símbolos, os animais interagem pelo índice. O
homem pode voltar ao passado e antecipar o futuro; já o animal
vive no presente. A inteligência do homem é abstrata enquanto
a dos animais é concreta.
Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de LYONS, John. Linguagem

LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de LYONS, John. Linguagem e
Linguística: uma introdução. Trad. Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de
Janeiro: Padrão, 1995 e de MARTINET, A. Elementos de linguística geral. Trad. Jorge Morais-
Barbosa. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Na próxima aula... vamos continuar tratando do assunto “linguagem humana”,


complementando com Elementos da comunicação e Funções da linguagem. Até lá!

114 Módulo 1 I Volume 3 EAD


5 REFERÊNCIAS

BASILIO, M. O conceito de vocábulo na obra de Mattoso


Câmara. Revista de documentação de Estudos em
Linguística Teórica e aplicada – DELTA. v. 20, n. especial,
REFERÊNCIAS

2004, p. 71-84.

BATTISTI, E. ; VIEIRA, M. J. B. O sistema vocálico do


português. In: BISOL, Leda (Org.). Introdução a estudos
de fonologia do português brasileiro. 2. ed. Porto Alegre:
Edipucrs, 1999. p. 229-241.

BLOOMFIELD, L. Language. Boston: George Aleen & Unwin,


1979.

BORGES, J. L. Esse ofício do verso [This craft of verse].


Trad. de J. M. Macedo. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.

CAMARA JR., J. M. Dicionário de lingüística e gramática.


16. ed. Petropólis: Vozes, 2001.

CAMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. 37.


ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

7
CAMARA JR., J. M. Para o estudo da fonêmica portuguesa.
Rio de Janeiro: Padrão, 1977.

Aula
CAMARA JR., J. M. Problemas de lingüística descritiva.
17. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

CARVALHO, Castelar de. Para Compreender Saussure:


fundamentos e visão crítica. Petrópolis: Vozes, 2000.

FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística I:


Objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002.

HOFFMANN, W. Disponível em http://pepsic.bvs-psi.org.br/


scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010110620070002000
10&lng=pt&nrm=iso#3a. Acesso em: 15 jul. 2009.

UESC Letras Vernáculas 115


LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução.
Trad. de Marilda Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza.
Rio de Janeiro: Padrão, 1995.

MARTINET, A. Elementos de lingüística geral. 8. ed. Trad.


de Jorge Morais-Barbosa. São Paulo, Martins Fontes, 1991.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é Lingüística. São Paulo:


Brasiliense, 1999.

SILVA, Thaís Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português.


São Paulo: Contexto, 2001.

WEEDWOOD, Bárbara. História Concisa da Lingüística.


Trad. de Marcos Bagno São Paulo: Parábola, 2002.

h t t p : / / w w w. k l i c ke d u c a c a o. c o m . b r / 2 0 0 6 / m a t e r i a / 2 1 /
display/0,5912,-21-99-846- 00.html. Acesso em: 17 ago.
2009.
Suas anotações
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8

aula
ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO E
FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Meta

Conhecer os elementos da comunicação e as


funções da linguagem.

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


Objetivos

• reconhecer Jakobson como principal teórico


a tratar dos elementos da comunicação e das
funções da linguagem;

• identificar os elementos da comunicação;

• relacionar os elementos da comunicação com as


funções da linguagem;

• perceber as características das funções da


linguagem.
AULA VIII
ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO E FUNÇÕES
DA LINGUAGEM

1 INTRODUÇÃO 8
Aula

A linguagem está tão presente em


nosso cotidiano que, normalmente, nem nos
damos conta de seu funcionamento e da
sua presença. Já dizia Mattoso Câmara Jr.
que a comunicação se apresenta como um
processo tão natural quanto comer, respirar,
ou dormir e talvez, por isto, sua importância
Figura 1 - Pessoas se comunicando.
passe despercebida para tantos.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1197349.

UESC Letras Vernáculas 121


Introdução aos estudos linguísticos Elementos da comunicação e funções da linguagem

A linguagem emerge
Joaquim Mattoso Câmara Jr,
U V
a FR em todos os domínios da vida
K carioca, nascido a 13 de abril de
C AM 1904, tendo falecido, também no em sociedade, em todas as
Rio de Janeiro, a 04 de fevereiro
relações de amizade, afetivas,
SAIBA MAIS

de 1970. Foi o pioneiro do ensino


regular e ininterrupto de Linguística domésticas e profissionais.
no Brasil, tendo, já em 1942,
Não há, como você viu na
sido responsável por um curso
de extensão universitária, sobre aula passada, atividade
Linguística Geral, na Faculdade
Figura 2 - Joaquim Mattoso
humana sem linguagem.
Nacional de Filosofia.
Câmara Jr, linguista brasileiro.
Fonte: http://www.filologia.org.br/xicnlf/
Fonte: http://www.filologia.org. É pela e na linguagem que
homenageado.htm. br/xicnlf/homenageado.htm.
se funda a necessidade
de expressarmos nossas
emoções, desejos, de debatermos ideias, apresentarmos
nossos pontos de vista, questionamentos, argumentarmos,
influenciarmos, persuadirmos etc. Veja o que diz Hjemslev
(2003, p. 1) a respeito da importância da linguagem:

A linguagem é o instrumento graças ao qual o


homem modela seu pensamento, seus sentimentos,
suas emoções, seus esforços, sua vontade, seus
atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é
influenciado, a base última e mais profunda da sociedade
humana. [...] Antes mesmo do primeiro despertar de
nossa consciência, as palavras já ressoavam à nossa
volta, prontas para envolver os primeiros germes
frágeis de nosso pensamento e a nos acompanhar
inseparavelmente através da vida, desde as mais
humildes ocupações da vida cotidiana aos momentos
mais sublimes e mais íntimos [...]. A linguagem
não é uma simples acompanhante, mas sim um fio
profundamente tecido na trama do pensamento; para
o indivíduo, ela é o tesouro da memória e a consciência
vigilante transmitida de pai para filho. Para o bem e
para o mal, a fala é a marca da personalidade, da terra
natal e da nação, o título de nobreza da humanidade.
O desenvolvimento da linguagem está [...] ligado ao
da personalidade de cada indivíduo, da terra natal, da
nação, da humanidade, da própria vida [...].

Como você pode perceber neste texto, a linguagem pode


construir/destruir vínculos, permitir a disseminação de saberes
e culturas, além de garantir a eficácia dos mecanismos de
funcionamento da sociedade em geral.
Desde a antiguidade clássica, com filósofos como
Aristóteles (como você viu em aulas anteriores), sabe-se que
o homem é um ser social e se distingue dos animais pela sua

122 Módulo 1 I Volume 3 EAD


capacidade de relacionar símbolos,
Louis Hjelmslev, linguista dinamarquês U V
julgar e discernir, estabelecendo regras nascido em 1899 e falecido em 1965, rompeu a FR
K
com o comparativismo histórico seguido pelos C AM
para a vida em sociedade. De acordo
linguistas dinamarqueses coetâneos ao dar
com Magnanti, em seu texto digital de

SAIBA MAIS
primazia ao estudo das línguas em sincronia.
(2001), Aristóteles dizia que os sons Com as obras On the Foundation of the
Language Theory (1943), Essais Linguistiques
emitidos pela voz são os símbolos dos (1959) e Le langage (1963), Hjelmslev ficou
estados da alma. A análise clássica da fundamentalmente conhecido pela teoria
glossemática, assentando na explicitação
linguagem lhe atribuía, como função, do princípio da teoria do signo proposta por
exteriorizar o pensamento. Neste Saussure de que “A língua é forma, não
substância”. Hjelmslev reelabora a noção de
sentido, se a linguagem é vista como signo proposta por Saussure que, em lugar de
tradução e manifestação externa ter dois níveis, forma e substância, passa a
ter três: a matéria, a substância e a forma. O
da representação interna, visualiza- trabalho de Hjelmslev foi fundamental para a
se, aqui, a função expressiva, uma construção da semiótica moderna.

Fonte: Louis Hjelmslev. In Infopédia [Em linha].


das funções da linguagem que será Porto: Porto Editora, 2003-2009.
estudada nesta aula. Antes, porém, http://www.infopedia.pt/$louis-hjelmslev

você vai conhecer os Elementos da


Comunicação.

2 ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO

De acordo com Teixeira, em seu texto digital de 2006,


para que haja comunicação, é imprescindível que seis elementos
estejam presentes: emissor, receptor, mensagem, código,
canal e contexto. Cada um deles exerce papel fundamental
no processo de comu­nicação, e qualquer falha com um desses
elementos pode prejudicar ou invalidar o entendimento da

8
mensagem. Vamos conhecê-los!
Aula

● Emissor: É o remetente da mensagem, aquele que elabora


sua ideia, transforma em código e envia ao receptor. O processo
de codificação da mensagem exige do emissor que ele:

a) conheça o código utilizado e suas peculiaridades;


b) estruture sua fala de forma inteligível;
c) escolha o canal adequado para fazer sua mensagem
chegar ao receptor;
d) conheça o contexto da comunicação e se seu receptor
compartilha esse mesmo referencial.

UESC Letras Vernáculas 123


Introdução aos estudos linguísticos Elementos da comunicação e funções da linguagem

● Receptor: É o destinatário da mensagem, é quem realiza o


processo de decodificação. Para que ela se realize com sucesso,
é necessário que o receptor:

a) conheça o código utilizado e suas peculiaridades;


b) compreenda o sentido expresso na mensagem;
c) tenha o canal aberto para receber a mensagem;
d) compartilhe o mesmo referencial (contexto) em que se
baseia a mensagem do emissor.

● Mensagem: É o conteúdo e o objetivo da comunicação. É o


centro do processo de comunicação e só se efetiva concretamente
se todos os outros elementos estiverem articulados.

● Canal: É o meio que possibilita o contato entre o emissor e o


receptor ou que leva a mensagem até este. É necessário que o
canal esteja livre de ruídos que possam atrapalhar ou impedir
a chegada da mensagem ao receptor.

U V Ruídos na comunicação acontecem quando algum dos ● Código: É o sistema de signos


a FR elementos não está inteiramente integrado ao processo
K convencionados em cuja base
C AM ou ocorre algum tipo de interferência. Preste atenção,
porque não se trata somente de um ruído físico – um se elaborou a mensagem.
SAIBA MAIS

barulho. Pode ser qualquer fator que impeça a boa


codificação da ideia original pelo receptor. Por exemplo, Se não houver, por parte dos
uma “linha cruzada” ao telefone interfere na comunicação. protagonistas da comunicação
Mas não é só isto, pode haver diversas situações em que
pode ocorrer ruído, envolvendo outros elementos da (emissor e receptor), um domínio
comunicação. Vamos ver outros exemplos? do código, poderá haver desacordo
a. Quando o emissor não organiza suas ideias de entre a mensagem pretendida e a
forma clara, levando ao não-entendimento da entendida.
mensagem por parte do receptor.
b. Quando o emissor não se estrutura seguindo as
regras convencionadas para a língua. ● Contexto: É o espaço (assunto,
c. Quando o receptor não dedica atenção e
concentração suficientes para receber a mensagem, situação, objeto etc.) onde acontece
gerando mal-entendidos. a comunicação. Se emissor e
d. Quando os protagonistas do processo (emissor ou
o receptor) não têm domínio completo do código receptor adotarem referenciais
utilizado. Isto acontece quando o emissor utiliza diferentes, a ideia de origem poderá
uma palavra desconhecida ou inadequada para o
receptor e a mensagem fica com sua decodificação ser distorcida, comprometendo,
e entendimento comprometidos. assim, a inteligibilidade e sucesso
e. Quando o emissor e o receptor têm referenciais
diferentes do contexto da comunicação, ou o da mensagem.
receptor o desconhece. Acontece quando o emissor Veja, agora, todos esses
elabora uma mensagem com base em um referen­
cial e o receptor não dispõe de meios (informação, elementos representados a
p.e.) para conhecê-lo. seguir:

124 Módulo 1 I Volume 3 EAD


MENSAGEM

CÓDIGO

CANAL
EMISSOR/ RECEPTOR/
REMETENTE DESTINATÁRIO
CONTEXTO


Resumindo: no processo da comunicação, o emissor
envia uma mensagem codificada por meio de um canal ao
receptor, que, por sua vez, está inserido no mesmo contexto.

3 FUNÇÕES DA LINGUAGEM

Já falamos que, ao nos comunicarmos, realizamos


também diferentes ações. Grifo a palavra também porque,
além de meramente transmitirmos informações, tentamos
convencer o outro a fazer (ou dizer) algo; assumimos acordos,
promessas e compromissos, ordenamos, suplicamos, pedimos,
demonstramos sentimentos, construímos representações 8
Aula
mentais e sociais sobre o mundo que nos rodeia. Enfim, é pela
e na linguagem que a nossa vida está organizada, nos mais
variados aspectos.
Roman Jakobson formulou um modelo para as funções da
linguagem a partir dos elementos da comunicação. De acordo
com esse modelo, para cada elemento da comunicação, há
uma função da linguagem correspondente. Assim, distinguir os
objetivos que predominam em cada situação de comunicação
auxilia na compreensão do que foi dito.
Veja, no seguinte quadro, a correspondência entre os
elementos da comunicação e as funções da linguagem:

UESC Letras Vernáculas 125


Introdução aos estudos linguísticos Elementos da comunicação e funções da linguagem

MENSAGEM/POÉTICA

CÓDIGO/METALINGUÍSTICA

CANAL/FÁTICA
EMISSOR/ RECEPTOR/
REMETENTE DESTINATÁRIO
EMOTIVA CONTEXTO
APELATIVA
REFERENCIAL

É importante salientar que toda comunicação apresenta


uma variedade de funções, mas uma quase sempre predomina
sobre as outras, a depender dos objetivos do emissor, dos
efeitos de sentido que quer causar. São seis as funções da
linguagem: emotiva ou expressiva, apelativa ou conativa,
fática, metalinguística, poética e referencial.

• Função emotiva ou expressiva:

É a função centrada na subjetividade do emissor, refletindo


sua visão própria de mundo, suas emoções, e sentimentos. O
foco não é o fato em si, mas o ponto de vista do emissor; seu
juízo de valor e as opiniões particulares são níti­dos no discurso.
De acordo com Infante (1998, p. 220), essa função se evidencia,
mais claramente, pelo uso de pronomes e verbos de primeira
pessoa. Porém, muitas vezes, isso não ocorre. Ela predomina,
por exemplo, em textos jornalísticos (do tipo editorial); em
textos assinados por colunistas, por críticos de cinema, música,
teatro etc.; em charges etc. Veja como esta função predomina
no texto abaixo, de Jorge Luiz Borges:

INSTANTES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria


de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido.

126 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico, correria mais riscos, viajaria mais.
Contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria
mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos
lentilha,
teria mais problemas reais e menos imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente
cada minuto da sua vida: claro que tive momentos de alegria.
Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons
momentos.
Eu era um desses que nunca ia à parte alguma sem um
termômetro, uma bolsa de água quente e um pára-quedas:
se eu voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo
da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres
e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela
frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.

Fonte: http://sarasvati29.spaces.live.com/Blog/cns!1p
UzUtQywEAs8lWOk3O1ndw!310.entry.

• Função apelativa ou conativa:

É a função centrada no destinatário, procurando convencer,


persuadir, modificar nele ideias, hábitos ou opiniões. Como o
receptor está em destaque, o emissor se vale de procedimentos
que contêm ordens, apelos e tentativas de convencimento ou
sedução. É comum o uso de verbos no imperativo, da segunda
pessoa (você ou tu), e vocativos. Ocorre com frequência em
peças publicitárias, revistas masculinas e femininas, dentre
outros gêneros. É esta função que predomina no texto abaixo:
8
Aula

Beleza Corpo
Proteja seu investimento de
beleza

C om este programa, a tintura


de cabelo e o clareamento nos
dentes vão durar muito mais, pode
apostar. Ele ainda vai mostrar outras
providências para você tomar depois
que gastou seu rico dinheirinho nos
templos da vaidade.

UESC Letras Vernáculas 127


Introdução aos estudos linguísticos Elementos da comunicação e funções da linguagem

Você não mede esforços para estar sempre linda e faceira? Economiza centavos
para bancar aquele produto de beleza ou tratamento divino? Bem-vinda ao time. As
brasileiras conquistaram medalha de bronze no ranking mundial de venda de cosméticos,
segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos
(Abihpec), com base em pesquisa do Instituto Euromonitor International. Depois de tanto
investimento, agora é só descobrir como fazê-lo durar mais.
Fonte: Texto Verônica Meyer / Foto David Stesner
http://nova.abril.com.br/edicoes/426/beleza/investimento-de-beleza-protegido.shtml.

• Função fática:

É a função utilizada para abrir, fechar ou simplesmente


testar o canal da comunicação. Pode ocorrer também como
recurso para manter o contato físico ou psicológico com o
interlocutor como em: ahan, uhum, como, pois é, ou reforçar o
envio da mensagem e sua recepção: né? está me entendendo?
Veja o exemplo:

Alô, alô marciano


Aqui quem fala é da Terra.

(Rita Lee & Roberto de Carvalho)

Fonte: www.algosobre.com.br/.../funcoes-da-linguagem.html.

Observe que os recursos fáticos, embora característicos


da linguagem oral, ganharam expressividade na música.
Essa função se apresenta de diferentes formas: ruídos (como
buzinas), falar alto, repetição de palavras, recursos gráficos (tais
como, tamanho da fonte, dos objetos, disposição dos objetos,
cores etc.). Como a maior dificuldade do emissor é conseguir
despertar a atenção do receptor, torna-se uma função muito
utilizada em textos da comunicação de massa. Você captou a
intenção dos compositores na letra da música?

• Função metalinguística:

É quando usamos a linguagem para falar dela própria.

128 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Quando dizemos, por exemplo, “O que você quer dizer com
isto?”; ou quando tentamos esclarecer o que estamos dizendo,
como em: “eu quis dizer que...”. Deste modo, gramáticas,
dicionários e explicações sobre o uso da língua são exemplos de
função metalinguística. Este material, por exemplo, está fazendo
uso da função metalinguística. Veja como Carlos Drummond de
Andrade descreveu um momento de criação poética:

“Gastei uma hora pensando um verso,


Que a pena não quer mais escrever.
No entanto ele está cá dentro
Inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
E não quer sair
Mas a poesia deste momento
Inunda minha vida inteira.”

Fonte: http://www.pensador.info/frase/NTgyMDM0/.

Agora, leia a definição do termo metalinguagem no


Dicionário Aulete Digital:

METALIGUAGEM: Ato de comunicação em que se usa a


linguagem para falar sobre a própria ou outra linguagem
(por exemplo, quando se pergunta o sentido de uma
palavra, quando se analisam símbolos etc.).

No caso do texto jornalístico, esta função fica bastante


evidente quando se faz referência à própria produção do jornal,
por exemplo, a coluna do ombusdman ou as colunas intituladas:
“Erramos”, “Falha nossa”, “Ops”, que têm a função de esclarecer
os equívocos ocorridos em publicações anteriores.
A metalinguagem não é exclusiva do código linguístico.
8
Aula

Pode ocorrer com imagens, quando se filma o making of de um


filme, ou mesmo num quadro, que representa o próprio ato de
pintar.

• Função poética:

É a função centrada na mensagem, buscando construí-


la de forma criativa e inovadora. Em geral, a mensagem se
destaca pelo lado material do signo, como a sonoridade, a
estrutura e o ritmo, comuns em poesias. Pode haver rupturas
no modo como a frase normal se organizaria e é muito comum

UESC Letras Vernáculas 129


Introdução aos estudos linguísticos Elementos da comunicação e funções da linguagem

perceber o uso amplo de figuras de linguagem. É importante


salientar que, embora a função poética esteja mais presente
na poesia, ela não é exclusividade da própria poesia ou da
literatura. A linguagem publicitária costuma valer-se destes
recursos sígnicos – no mais das vezes refratam a realidade –
As Figuras de
linguagem são re- com o intuito de instaurar novos conceitos e o fazem porque
cursos que tornam
rompem com o modo tradicional como vemos as palavras. Veja
mais expressivas
as mensagens. São exemplos da função poética em:
elas: metáfora,
metonímia, cata-
crese, antonomásia Anúncio publicitário:
ou perífrase e
sinestesia. Sugiro
que consulte um
dicionário para “Ace todo branco fosse assim”. (Sabão em Pó Ace, 1998).
relembrar sobre o
assunto.
“Ele não é, assim, uma Brastemp”. (Comercial da Brastemp
- anos 80).

Poema:

“...Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;...”

(Fernando Pessoa, Poema em linha reta)

• Função referencial

É a função focada no contexto da comunicação, utilizada


essencialmente para informar, falar das coisas que ocorrem do
cotidiano sem emitir qualquer juízo de valor do emissor, portanto
não há indícios de subjetividade. É a função mais utilizada na
comunicação, pois concentra um conjunto de informações que
diz respeito a coisas do mundo real, tais como a exatidão dos
horários, lugares, nomes próprios. No texto jornalístico, como o
que aparece abaixo, ela será presumivelmente predominante,
pois sua intenção principal é informar o público sobre fatos e
acontecimentos:
É importante salientar que, em um texto, raramente
é utilizada apenas uma função da linguagem. Segundo

130 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Infante (1998, p. 217), quase sempre há
várias funções presentes. Contudo, sempre
haverá uma predominante. Essa função
predominante será determinada de acordo
com a finalidade com que a mensagem
foi elaborada. Por esse motivo, nos textos
jornalísticos, a função referencial prevalecerá
sobre as outras. Porém, não se deve ignorar
a presença das demais funções como forma
de atrair o público e de manter-se em contato
permanente. É o que você pode perceber nos Fonte: http://www.newseum.org/todaysfrontpages/
pop_up.asp?fpVname=BRA_ATARDE&ref_pge=map&tfp_
textos abaixo: map=SouthAmerica.

Como você pode ver, nestes textos


publicitários, a função poética se sobressai
em relação às outras, inclusive no plano
imagético. No entanto, não se pode
desconsiderar a presença das funções emotiva
(quando os anunciantes emitem opiniões)
e apelativa (quando interpela o consumidor
em potencial), como estratégias que visam à
sedução do público e, ou manutenção da sua
fidelidade ao produto. Figura 3 - Bom bril: “Tudo passa, Bom Bril fica. Ninguém
passa sem Bom Bril”. Sub-entendido: “Fenômenos passam”.
Fonte:http://www. portaldapropaganda.com (abril/2007).
De acordo com Infante (1998, p. 217),
o estudo das funções da linguagem é muito
importante para percebermos as diferenças e
semelhanças existentes entre os vários tipos
de mensagem. Analisando o modo como essas

8
funções se organizam nos textos alheios, pode-
se detectar as finalidades que orientaram
Aula

sua elaboração. Além disto, aplicando-as em


nossos próprios textos, podemos planejar
o que escrevemos, de modo a fortalecer a
eficácia e a expressividade das mensagens.

Agora que já vimos o suficiente de


teoria, vamos à prática?

Figura 4 - O Fenômeno “Assolan”.


Fonte:http://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/08/
assolan-o-fenmeno.html.

UESC Letras Vernáculas 131


Introdução aos estudos linguísticos Elementos da comunicação e funções da linguagem

ATIVIDADES
1. Identifique os elementos da comunicação das seguintes situações:

a) Publicação da Internet: Folha Online - 06/07/2009 - 09h54

Congressista de NY diz que Michael Jackson era “pervertido”

Um congressista de Nova York afirmou, em um vídeo que pode ser visto no


Youtube, que Michael Jackson era um “pervertido”. O republicano Peter King disse
que a sociedade está “glorificando” um “mau caráter” ao mesmo tempo em que
ignora o trabalho de professores, policiais, bombeiros e veteranos de guerra. Na
gravação, o congressista ainda disse que a cobertura da morte de Michael Jackson
tem sido “muito politicamente correta”, se referindo aos escândalos em que o
astro pop se envolveu durante a vida, como a acusação de ter cometido abuso
a menores. Em meio às críticas, King diz admitir que Jackson “pode ter sido um
bom cantor” e dançarino.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u591170.shtml.

Emissor:________________________________________________________
Receptor:_______________________________________________________
Canal:_ ________________________________________________________
Código:_ _______________________________________________________
Mensagem:_ ____________________________________________________
Contexto:_______________________________________________________

b) A filha de Michel Jackson dizendo: “Foi o melhor pai que se possa imaginar”.

Emissor:________________________________________________________
Receptor:_______________________________________________________
Canal:_ ________________________________________________________
Código:_ _______________________________________________________
Mensagem:_ ____________________________________________________
Contexto:_______________________________________________________

c) Você, no celular, convidando um colega de turma para ir ao cinema.

Emissor:________________________________________________________
Receptor:_______________________________________________________
Canal:_ ________________________________________________________
Código:_ _______________________________________________________
Mensagem:_ ____________________________________________________
Contexto:_______________________________________________________

d) Esta aula.

Emissor:________________________________________________________
Receptor:_______________________________________________________

132 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Canal:_ ________________________________________________________
Código:_ _______________________________________________________
Mensagem:_ ____________________________________________________
Contexto:_______________________________________________________

2. Identifique, nas situações abaixo, em que elementos ocorreram interferências


capazes de apresentar ruído na comunicação:

a) Um cidadão comum compra um jornal cuja manchete da capa é: “A maior parte


dos políticos é flibusteira”. Ele fica desorientado por não saber o que significa
aquela palavra.

b) Uma colega de trabalho chega atrasada para uma reunião e fala para os seus
colegas: “Desculpem, o tráfico estava pesado hoje.”

3 Faça a correspondência, no quadro abaixo, entre os Elementos da Comunicação


e as Funções da Linguagem:

ELEMENTO DA COMUNICAÇÃO FUNÇÃO DA LINGUAGEM


Emissor Emotiva ou expressiva

4. Identifique as funções da linguagem que predominam nos trechos a seguir:

a) “Você vem sempre aqui?” _ _______________________________________

b) Minha identidade é 12345678 SSP BA._______________________________

c) Os resultados das provas ficaram abaixo do esperado, estou preocupada. ___

_____________________________________________________________ 8
Aula

d) Da mãe para o filho: “Se eu fosse você não faria isto!” ___________________

_____________________________________________________________

e) Nesta aula, vamos discutir o papel da função metalinguística em Letras. Em

seguida, faremos as atividades e só daqui a algum tempo aplicaremos a prova.

_____________________________________________________________

f) Primeira orientação: não se atenham somente às leituras das

aulas, para sucesso efetivo, vocês precisam consultar outros

ateriais._______________________________________________________

g) Quem diria hein! Passou no vestibular..._____________________________

UESC Letras Vernáculas 133


Introdução aos estudos linguísticos Elementos da comunicação e funções da linguagem

5. Agora, identifique as funções da linguagem que predominam nos signos a


seguir:

http://www.sxc.hu/photo/1197257. http://www.sxc.hu/photo/1179057. http://www.sxc.hu/photo/1195548.

FUNÇÃO PREDOMINANTE FUNÇÃO PREDOMINANTE FUNÇÃO PREDOMINANTE

134 Módulo 1 I Volume 3 EAD


RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:

● Para que haja comunicação é imprescindível que seis elementos


estejam presentes: emissor, receptor, mensagem, código, canal
e contexto.

● Para cada elemento, existe uma função da linguagem.

● Quando a mensagem focaliza o emissor – aquele que elabora


a mensagem –, diz-se que tem função emotiva ou expressiva.

● Quando a mensagem focaliza o receptor – o destinatário da


mensagem –, diz-se que tem função apelativa ou conativa.

● Quando a mensagem dá ênfase a ela própria, diz-se que tem


função poética.

● Quando a mensagem enfatiza o contexto - a situação, o objeto da


comunicação, o assunto –, diz-se que tem função referencial.

● Quando a mensagem focaliza o canal utilizado para a comunicação


(meio que possibilita o contato entre o emissor e o receptor ou
que leva a mensagem até este), diz-se que tem função fática.

● Quando a ênfase recai sobre o código - o sistema de signos


convencionados em cuja base se elaborou a mensagem –, diz-
se que tem função metalinguística. 8
Aula

LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros: CHALHUB, Samira.
Funções da linguagem. São Paulo: Ática, 1989; HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a
uma Teoria da Linguagem. Trad. de J. Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva,
2003 e JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. Trad. Izidoro Brikstein e José
Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969.

Na próxima aula... veremos alguns conceitos sobre a


visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua
materna. Até lá!

UESC Letras Vernáculas 135


Introdução aos estudos linguísticos Elementos da comunicação e funções da linguagem

REFERÊNCIAS
AUROUX, Sylvain. A filosofia da linguagem. Trad. de José Horta
Nunes. São Paulo: Editora da UNICAMP, 1998.

BENVENISTE, Emile. Problemas de lingüística geral. Trad. de


Eduardo Guimarães et al. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1976.

CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. São Paulo: Ática,


1989.

HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem.


Trad. de J. Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 2003.

INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto: curso prático de leitura e


redação. São Paulo: Scipione, 1998.

JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. Trad. de Izidoro


Brikstein; José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969.

Magnanti,2001.http://www3.unisul.br/paginas/.../
linguagem/0101/10.htm. Acesso em: 09 ago. 2009.

TEIXEIRA, 2006. http://www.scribd.com/doc/15628559/Leonardo.


Acesso em: 25 ago. 2009.

VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na


produção oral e escrita. 11. ed. Trad. e Adaptação Clarisse Madureira
Sabóia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

http://www. auletedigital.com.br. Acesso em: 15 set. 2009.

136 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Suas anotações
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aula
VISÃO PRESCRITIVA, DESCRITIVA E PRODUTIVA
DO ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
Meta

Refletir criticamente sobre a visão prescritiva,


descritiva e produtiva do ensino de língua
materna.
Objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

• identificar as visões que norteiam o ensino de


língua materna;

• definir preconceito linguístico;

• analisar criticamente as diferentes visões.


1 INTRODUÇÃO

Ao longo desta e da próxima aula, desenvolveremos uma


discussão acerca do papel da Linguística no ensino de língua
materna. Embora estejamos sempre embasados em estudiosos
de outros continentes, refletiremos teoricamente, nestas aulas,
apenas com linguistas e gramáticos
brasileiros, por conhecerem a realidade
local.
Apresentaremos posicionamen-
tos de cada visão e, ao mesmo tempo,
levantaremos questionamentos a
9

respeito deles. Trataremos, dentre


Aula

outras questões, da “divinização” da


Gramática Normativa, doravante GN,
e do preconceito advindo da falta de
informação que coloca a Linguística
como um terreno de “vale-tudo”, um
laisser-faire. Figura 1 - Gramática grega: origem da norma.
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1183643.

UESC Letras Vernáculas 141


Introdução aos estudos linguísticos Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

2 O SURGIMENTO DA VISÃO PRESCRITIVA

Quando se fala de língua, temos na sociedade dois tipos


de discurso: a) o acadêmico, que é embasado nas teorias
da linguística moderna e o b) do senso comum, que está
sedimentado nas práticas discursivas cotidianas e trabalha com
as noções de erro/acerto.
A noção de “erro” surge com as primeiras descrições
sistemáticas do grego, que era o idioma oficial do grande
império, formado pelas conquistas de Alexandre (356-323
a.C.). Com a finalidade de unificar política e culturalmente a
nação, surgiu a necessidade de normatizar essa língua, em
outras palavras, de criar um padrão uniforme e homogêneo
que se erguesse acima das diferenças regionais e sociais.
É preciso salientar que qualquer processo de
normatização, ou padronização, retira a língua de sua realidade
social, complexa e dinâmica, torna-se, teoricamente, um objeto
externo aos falantes, uma entidade inatingível. Lembra-se
que este é o reflexo, inicialmente, da concepção saussuriana?
Este posicionamento favorece o juízo de valor que faz emergir
afirmações do tipo: isso torna possível falar de “atropelar a
gramática”, “atentado contra o idioma”, “pecado contra a língua”
e outras manifestações preconceituosas.
De acordo com Oliveira, em seu texto digital de 2008,
os idealizadores da Gramática Tradicional foram os primeiros a
perceber as duas grandes características das línguas humanas:
a variação (no tempo presente) e a mudança (com o passar
do tempo). Mas a leitura que fizeram dos fenômenos não foi
muito positiva. Por causa da ideologia circulante na época, os
primeiros gramáticos consideravam que somente os homens,
membros da elite urbana, letrada e aristocrática, falavam bem
a língua (!). A partir deste referencial, todas as variedades
regionais, de gênero (feminino) e sociais foram suprimidas em
nome do “bom uso da língua”.
Além disto, os primeiros gramáticos compararam a língua
escrita dos grandes escritores do passado e a língua falada
espontânea, e concluíram que a língua falada era caótica, sem
regras, ilógica, e que somente a língua escrita literária seria
passível de ser analisada e servir de base como modelo do
idioma.

142 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Os postulados – e porque não dizer - preconceitos da
Gramática Tradicional - só foram questionados a partir do
século XIX, com o surgimento das primeiras investigações
linguísticas histórico-comparativas (como você viu na Aula
2), de caráter estritamente científico. Apesar dos esforços
para uma desmitificação por parte dos pesquisadores e de a
separação rígida entre fala e escrita ser rejeitada pelos estudos
linguísticos, continua latente no comportamento linguístico da
maioria das pessoas a exclusão, que se dá principalmente por
desinformação e visão elitista da língua.
A necessidade da elaboração de um padrão de língua –
que por suas próprias características, se distancia da prática, da
realidade - originou, em todas as sociedades ocidentais, uma
conhecida “tradição da queixa”. Desconsiderando a dinamicidade
da língua e o seu processo naturalmente evolutivo, em todos
os países, em todos os tempos, sempre surgem aqueles que
lamentam, execram, desprezam e deploram a “ruína” da
língua, a “corrupção” do idioma etc., acabam sempre por fazer
calorosas manifestações em prol do “bom uso” da língua.

PROIBIDO ERRAR
Figura 2

Veja algumas dessas manifestações - sempre em tom


dramático - que se estendem por quase trezentos anos em
torno da suposta decadência da língua portuguesa:

Se não existissem livros compostos por frades, em que


o tesouro está conservado, dentro em pouco podíamos
9

dizer: ora morreu a língua portuguesa, e não descansa


Aula

em paz (José Agostinho de Macedo [1761-1831],


escritor português).

[...] português - um idioma que de tão maltratado


no dia-a-dia dos brasileiros precisa ser divulgado
e explicado para os milhões que o têm como língua
materna (Mario Sabino, Veja, 10/9/1997)
Que língua falamos? A resposta veio das terras lusitanas.
Falamos o caipirês. Sem nenhum compromisso com a
gramática portuguesa. Vale tudo [...] (Dad Squarisi,

UESC Letras Vernáculas 143


Introdução aos estudos linguísticos Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

Correio Brasiliense, 22/7/1996).

[...] o usuário brasileiro da língua [...] comete erros,


impropriedades, idiotismos, solecismos, barbarismos
e, principalmente, barbaridades (Giron, revista Cult, no
58, junho de 2002, p. 37).

Como você pode ver, por parte dessas pessoas, a


tolerância continua “zero” e a compreensão sobre os fenômenos
da língua, também.

3 VISÃO DESCRITIVO-PRODUTIVA DA LÍNGUA

Figura 3 Figura 4 Figura 5

Contrapondo os conceitos da Gramática Tradicional, que


define a língua como uma entidade abstrata e homogênea, a
Linguística concebe-a como uma realidade intrinsecamente
heterogênea, variável, vinculada à realidade social e aos usos
que dela fazem os seus falantes.
Para a Linguística, a noção de erro só pode ser aceita se
se refere aos aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos
da língua. Como, por exemplo, em “quero chocolate sorvete
de”, “casa a”, que são imprevisíveis na língua portuguesa. Mas
o “erro” instituído socialmente se prende a fenômenos sociais
e culturais, que não estão incluídos no campo de interesse da
Linguística propriamente dita.
Quer um exemplo? A palavra estadia, pelo uso popular,
assumiu a acepção da palavra estada; originalmente, o primeiro
termo se referia somente ao tempo destinado aos navios para
carga e descarga nos portos, o segundo termo dizia respeito ao
tempo de permanência de pessoas nos lugares. Atualmente,
o largo uso de estadia para ambas as situações fez com que
estada caísse em desuso.

144 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Na direção contrária da Gramática Tradicional, que
preconiza formas únicas de enunciação, a Linguística demonstra
que todas as formas de expressão verbal têm organização
gramatical, seguem regras – estruturais - e têm uma lógica
linguística perfeitamente demonstrável.
Severo (2008, p. 3), em seu texto digital, afirma que
quem entende mesmo de lógica e adequação linguística são os
publicitários, que usam e abusam da transgressão da língua,
sem “preconceitos”, em prol da aceitação de sua mensagem.
A autora diz que eles até gostam da discussão que causam
com slogans do tipo “vem pra caixa você também” (uso errado
do imperativo de acordo com a norma) e “a persistirem os
sintomas” (de acordo com a norma), que causou dúvida para a
maioria da população.
Para vários linguistas modernos, a discussão entre certo
e errado é totalmente inócua e contraproducente porque ela
revela, na superfície, preconceitos sociais que estão enraizados.
Para autores como Bagno (2000), deve-se encontrar um
ponto de equilíbrio para nos adequarmos à situação de uso da
língua em que nos encontramos. Se for uma situação formal,
tentaremos usar uma linguagem formal, prevista pela norma, e
se for uma situação descontraída, uma linguagem descontraída,
seguindo as leis da adequabilidade e aceitabilidade.
Em sua conhecidíssima obra, Preconceito Linguístico:
o que é, como se faz (1999),
Bagno declara que reavaliar a Marcos Bagno nasceu em Cataguases (MG), mas sempre
U V
viveu fora de seu estado de origem. Depois de ter vivido a FR
noção de erro é romper com o K
em Salvador, no Rio de Janeiro, em Brasília e no Recife, C AM
círculo vicioso do preconceito transferiu-se, em
1994, para a capital de
linguístico e com a ideologia
SAIBA MAIS

São Paulo, onde viveu


dominante, a qual discrimina a até 2002, quando
se tornou professor
maioria da população brasileira do Departamento
de Linguística da
9

e impõe o que deve ser Universidade de


Aula

considerado certo ou errado Brasília (UnB), onde


atua na graduação
dentro da língua materna. e no programa de
pós-graduação em
De acordo com este autor, os
Linguística. Coordena
“preconceitos” de norma e atualmente o projeto
IVEM (Impacto do
erro prestam um desserviço Vernáculo sobre a
Escrita Monitorada:
à sociedade, restringindo as Figura 6 - Marcos Bagno, linguista brasileiro
que tem dedicado a maior parte de suas mudança linguística e
relações sociais e aumentado pesquisas ao tema Preconceito Linguístico. consequências para o
Fonte: www.marcosbagno.com.br/.../foto- letramento escolar).
as diferenças de classes no mb-peq.jpg.

UESC Letras Vernáculas 145


Introdução aos estudos linguísticos Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

segundo país do planeta com mais diferenças sociais.

3.1 Noção do termo norma

A propósito do conceito de norma, Bagno (2000), a


fim de diminuir a opacidade no uso do termo norma, explana
sobre algumas importantes definições elaboradas por Castilho,
Lucchesi e Mattos e Silva.

Castilho define três tipos:

a) norma objetiva (linguagem efetivamente praticada pela


classe culta, escolarizada);
b) subjetiva (atitude que o falante assume perante a norma
objetiva);
c) prescritiva (combinação da norma objetiva com a
subjetiva).

Lucchesi propõe três:

a) norma padrão (formas prescritas pelas gramáticas


normativas);
b) norma culta (forma efetivamente depreendida da fala
dos segmentos plenamente escolarizados - com curso
superior completo); e
c) norma vernácula (padrões linguísticos das classes mais
baixas, não escolarizadas, que se oporiam de forma nítida
aos padrões das classes média e alta, escolarizadas).

Mattos e Silva define dois tipos:

a) norma normativo-prescritiva, norma prescritiva ou norma-


padrão, conceito tradicional, idealizado pelos gramáticos
pedagogos, diretriz até certo ponto para o controle da
representação escrita da língua, sendo qualificado de erro
o que não segue esse modelo. Distancia-se da realidade
dos usos, embora com alguns deles se interseccione,
e é parcialmente reciclada ou atualizada ao longo do
tempo pelas imposições evidentes, decorrentes da razão
universal de as línguas mudarem e suas normas também,

146 Módulo 1 I Volume 3 EAD


entre elas, a que serve de modelo à norma-padrão;

b) normas normais ou sociais, “objetivas” e quantificáveis,


atuantes nos usos falados de variantes das línguas. São
normas que definem grupos sociais que constituem a rede
social de uma determinada sociedade. Distinguem-se em
geral: normas “sem prestígio social” ou estigmatizadas;
e normas “de prestígio social”, equivalentes ao que se
denomina norma culta, quando o grupo de prestígio que
a utiliza é a classe dominante e, nas sociedades letradas,
aqueles de nível alto de escolaridade.

Em virtude das ambiguidades no uso do termo norma,


Bagno propõe, através da “fusão” dos conceitos apresentados,
um uso restrito do termo: como a concepção de língua das
gramáticas normativas e instituições afins, bem como da
ideologia que atua sobre as representações que as pessoas
têm do que seja língua e gramática. Sua definição se aproxima
da de Dubois et al (1993), em seu Dicionário de Linguística:
chama-se norma um sistema de instruções que definem o que
deve ser escolhido entre os usos de uma dada língua se se
quiser conformar a um certo ideal estético ou sociocultural. A
norma, que implica a existência de usos proibidos, fornece seu
objeto à gramática normativa ou gramática no sentido corrente
do termo.
É interessante salientar que, para outros linguistas,
do quilate de Mattoso Câmara Júnior (1984), por exemplo, a
norma é de fato uma força conservadora na linguagem, mas,
apesar disto, não consegue deter o processo de constante
evolução linguística, imanente em todas as línguas. Ainda para
o linguista, em muitas sociedades, a norma se torna operante e
9

agressiva por meio do ensino escolar e da organização de uma


Aula

disciplina gramatical.
Em outro momento de lucubrações muito profícuas,
Bagno (1999, p. 149) declara que, para reavaliar a noção de
erro, é preciso romper com o círculo vicioso do preconceito
linguístico e com a ideologia dominante, a qual discrimina a
maioria da população brasileira. Além disto, segundo ele,
reina uma confusão de língua em geral com escrita e o que se
classifica como erro de Português é apenas um mero desvio da

UESC Letras Vernáculas 147


Introdução aos estudos linguísticos Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

ortografia oficial. O autor complementa:

Ninguém comete erros ao falar sua própria língua


materna, assim como ninguém comete erros ao andar
ou respirar. Só se erra naquilo que é aprendido, naquilo
que constitui um saber secundário obtido por meio de
treinamento, prática e memorização: erra-se ao tocar
piano, erra-se ao dar um comando ao computador, erra-
se ao falar/escrever uma língua estrangeira. A língua
materna não é um saber desse tipo: ela é adquirida
pela criança desde o útero, é absorvida junto com o
leite materno. Por isso, qualquer criança entre os 3 e 4
anos de idade (se não menos) já domina plenamente a
gramática de sua língua (p. 149).

Assim, para o linguista, o erro de português só poderia


ser considerado em enunciados com problemas estruturais,
como em: Eu nos vimos ontem na escola, beber leite criança
quer a etc.
Vários pesquisadores têm concordado com a postura de
Bagno, bem como a indicação de Possenti (1996), de que o
ensino de língua deva ocorrer nesta ordem: primeiro, deve-se
focalizar a gramática internalizada, depois a gramática descritiva
e, por fim, a gramática normativa. O professor deve, portanto,
ter consciência do papel de cada uma dessas gramáticas.
Como você pode ver, não é intenção dos linguistas rejeitar
ou negar a necessidade da existência de uma norma-padrão,
por não corresponder às realidades de uso da língua; não se
pode desprezar o fato de que como bem simbólico existe uma
demanda social pelo padrão, é a norma de prestígio e, por isto
mesmo, não pode ter o seu acesso negado ou negligenciado
pelas escolas.
Portanto, uma das tarefas do ensino de língua na escola
seria expor e discutir criticamente os valores sociais atribuídos
a cada variante linguística, chamando a atenção para a carga de
discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de
modo a conscientizar o aluno de que sua produção linguística,
oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social,
positiva ou negativa. A escola não pode desconsiderar um fato:
os comportamentos sociais não são ditados pelo conhecimento
científico, mas por outra ordem de saberes (ideologias, mitos,
preconceitos, superstições, crenças tradicionais etc.). Por este
motivo, é importantíssimo que os professores disponibilizem

148 Módulo 1 I Volume 3 EAD


aos alunos, usuários da língua, variadas opções de usos para
que, tendo conhecimento das opções oferecidas pelo idioma,
façam as suas escolhas. O que não pode acontecer é lhes ser
negado o conhecimento de todas as opções possíveis, eles
precisam ter consciência da existência dessas regras, pois a
consciência gera responsabilidade no uso.
As correções podem e devem ser feitas pela simples
apresentação/comparação da forma correta (aceita e adequada)
com a forma variante, cabendo ao professor a tarefa de corrigir
o aluno sem humilhar e, com isto, perpetuar o preconceito de
que ele não sabe sua língua, pois isso - como já foi comprovado
por pesquisas - lhe influenciará por toda a sua vida escolar.
Ao professor compete, ainda, saber reconhecer os
fenômenos linguísticos que ocorrem em sala de aula, para junto
como os seus alunos – de perfis multifacetados - empreender
uma educação em língua materna que leve em conta os
seus saberes linguísticos prévios e que permita a ampliação
incessante do seu repertório verbal e de sua competência
comunicativa. Dessa forma, a construção de relações sociais
permeadas pela linguagem será cada vez mais democrática e
não-discriminadora.

Vamos agora refletir um pouco do que acabamos de ler!

ATIVIDADES
1. Ao longo desta aula, você viu algumas posições divergentes no que concerne
ao ensino de língua. Identifique as características de cada uma das visões:
DESCRITIVA-PRODUTIVA E VISÃO NORMATIVA.
9

2. Com base em tudo o que foi discutido, como você definiria o preconceito
Aula

linguístico? Cite um exemplo.

3. Leia o seguinte poema e, depois, responda as questões:

AI SE SÊSSE
(Cordel Do Fogo Encantado: Composição: Zé Da Luz)

Se um dia nois se gostasse


Se um dia nois se queresse

UESC Letras Vernáculas 149


Introdução aos estudos linguísticos Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

Se nois dois se empareasse


Se juntim nois dois vivesse
Se juntim nois dois morasse
Se juntim nois dois drumisse
Se juntim nois dois morresse
Se pro céu nois assubisse
Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse
a porta do céu e fosse te dizer qualquer tulice
E se eu me arriminasse
E tu cum eu insistisse pra que eu me arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Tarvês que nois dois ficasse
Tarvês que nois dois caisse
E o céu furado arriasse e as virgi toda fugisse

Fonte: http://letras.terra.com.br/cordel-do-fogo-encantado/78514/.

3.1 Circule as palavras erradas do texto e, em seguida, escreva a sua


forma correta.

3.2 Por que não se pode usar no cotidiano a linguagem empregada no


poema?

3.3 Qual é a concepção que sustenta estas duas primeiras questões?


Normativa ou descritivo-produtiva? Justifique a sua resposta.

3.4 Reescreva o poema em linguagem padrão.

3.5 Observe se as mudanças alteram o ritmo e a musicalidade do poema


e responda: qual das duas versões você prefere? Por quê?

3.6 Os verbos são predominantes em que modo/tempo? Justifique a sua


resposta.

4. Qual é a sua opinião a respeito das visões apresentadas? Justifique com base
no referencial teórico.

150 Módulo 1 I Volume 3 EAD


RESUMINDO

Nesta aula você viu que:


● A gramática tradicional, ao fundamentar sua análise na
língua escrita, difundiu alguns conceitos sobre a natureza da
linguagem. Ao não reconhecer a diferença entre língua escrita
e língua falada, passou a considerar a expressão escrita como
modelo de correção para toda e qualquer forma de expressão
lingüística.

● A gramática tradicional assumiu, desde sua origem, um ponto


de vista prescritivo, normativo com relação à língua. A tarefa do
gramático se desdobra em definir a língua, descrevê-la, e, ao
privilegiar alguns usos, prescrever a sua utilização.

● Abordar a língua exclusivamente sob uma perspectiva normativa


contribui para gerar uma série de falsos conceitos e até
preconceitos, que vêm sendo desmistificados pela Lingüística.

● A visão descritivo-produtiva está demonstrando que a língua


escrita não pode ser modelo para a língua falada. Está claro
para todo estudioso da linguagem que não se deve emitir juízo
de valor em relação aos fatos da língua, mas não se pode privar
o aluno ao conhecimento do padrão, uma vez que esta é a
variante de prestígio na sociedade.
Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros de BAGNO, Marcos. Preconceito
linguístico: o que é, como se faz. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999 e de Sírio Possenti, Por que
(não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

LEITURA RECOMENDADA
ALI, M. Said. Gramática secundária da língua portuguesa. 8. ed. São Paulo: Edições
Melhoramentos, 1969.
9
Aula

Na próxima aula... vamos verticalizar as reflexões aqui apresentadas no intuito


de fazer um confronto entre os pressupostos da Linguística, os preceitos da
Gramática e as consequências dessa relação para o ensino de língua materna.

UESC Letras Vernáculas 151


Introdução aos estudos linguísticos Visão prescritiva, descritiva e produtiva do ensino de língua materna

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da
língua portuguesa. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

ARAÚJO, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: introdução à


filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

BAGNO, Marcos. Disponível em: http://www.fae.ufmg.


br/Ceale/menu_superior/publicacoes/textos/linguagem_
educacao//list_objects_template?local=menu_superior/
publicacoes/textos/linguagem_educacao. Acesso em 19 jul.
2009.

BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa:


tradição gramatical, mídia e exclusão social. 2. ed. São
Paulo: Loyola, 2000.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se


faz. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37.


ed. Rio de Janeiro: Lucena, 2001.

CÂMARA JÚNIOR, J. Matoso. Dicionário de Linguística


e Gramática: referente à Língua Portuguesa. 11. ed.
Petrópolis: Vozes, 1984.

CUNHA, Celso; CINTRA, Luis Filipe Lindley. Nova gramática


de português contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.

DUBOIS, Jean et alli. Dicionário de Linguística. Trad.


Izidoro Blikstein. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.

LYONS, John. Linguagem e Linguística. Trad. Marilda


Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1981.

152 Módulo 1 I Volume 3 EAD


OLIVEIRA, Neiva, Disponível em: http://www.jomar.pro.br/
portal/modules/smartsection/item.php?itemid=139. Acesso
em: 17 jul. de 2009.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso. Trad. de Eni


Pulcinelli Orlandi et. al. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,
1988.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na


escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996. (Coleção
Leituras no Brasil)

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da


língua portuguesa. 43. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2003.

SEVERO, Simone. Disponível em: http://www.scribd.com/


doc/15775717/Conceito-de-Erro-Norma-e-Adequacao-
Linguistica. Acesso em: 17 jul. de 2009.

TRASK, R. L: Dicionário de linguagem e linguística. Trad.


Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004.

9
Aula

UESC Letras Vernáculas 153


Suas anotações
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aula
A LINGUÍSTICA, A GRAMÁTICA E O ENSINO
DE LÍNGUA MATERNA
Meta

Apresentar definições de gramática e examinar as


premissas norteadoras da Linguística para o ensino
de língua materna.
Objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

zz identificar diferentes concepções de gramática;


zz comparar a gramática tradicional com a gramática
descritiva;
zz posicionar-se criticamente a respeito do tema.
AULA 10
A LINGUÍSTICA, A GRAMÁTICA E O ENSINO
DE LÍNGUA MATERNA

1 INTRODUÇÃO

Na aula anterior, iniciamos uma discussão acerca da visão

normativa e descritivo-produtiva da língua. Agora, afunilaremos

as nossas discussões focalizando as definições mais correntes do

termo “gramática”, refletiremos sobre a confusão entre língua e

gramática normativa e, por fim, faremos um contraponto entre

o ponto de vista normativo e linguístico em relação ao ensino

de língua materna. Continuaremos a discutir essas questões,


10

norteados por linguistas e gramáticos brasileiros, pelo mesmo


Aula

motivo apresentado na aula anterior: eles estão imersos em

nossa cultura, conhecem, portanto, com mais profundidade, as

nossas características.

UESC Letras Vernáculas 157


Introdução aos estudos linguísticos A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

2 O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E SUAS


ACEPÇÕES

Muito se tem discutido a respeito do


uso da língua em sociedade, mais ainda
sobre o preconceito introduzido por este uso.
O preconceito advém do desconhecimento
acerca das noções fundamentais de língua
e gramática normativa. Bagno (1999)
chama a atenção para a importância do
esclarecimento dessas concepções.
Se se confunde língua (em uso) com
gramática normativa comete o terrível
Figura 1 - Pequenos estudantes, descortinando os mistérios da língua. engano de o ensino da língua portuguesa se
Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1191196.
tornar um “ensino de língua estrangeira”.
Isto acontece porque por muito tempo
as escolas privilegiaram somente o ensino da língua padrão,
usando como única referência a gramática normativa, não
aceitando e rechaçando qualquer outro tipo de registro. A
negação dessa pluralidade de normas linguísticas pretendeu
neutralizar a diversidade e, com isto, reforçou o abismo entre
escola e sociedade.
O próprio termo gramática tem suscitado debates em
razão da sua multiplicidade de concepções. É preciso saber
de que língua trata cada gramática. Vamos conhecer algumas
dessas definições?

2.1 Tal gramática, qual língua?

Na crônica abaixo, você verá a distinção entre língua em


uso e língua prescrita pela gramática normativa:

Crônica: Não pise a grama


(Parrião Jr)

Com seus pisantes 38 tocou o solo palmense perseguindo,


em largos passos, uma quimera. Terra Nova, nova gente em
busca de sonhos e utopias, cada um caminhando a procura
de coisa qualquer.

158 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Marchando rumo a um cursinho, desses preparatórios para
tudo (acho que até para casar eles preparam), foi se matricular
com a intenção de aprender a passar em concurso público.
Ser funcionário do governo era seu maior desejo.

Aquela velha mania de ler tudo que ver quase o deixou


espezinhado. Leu, certa vez, uma placa no jardim daquele
estabelecimento de ensino que dizia assim: “não pise na
grama”, seu cérebro, intrinsecamente, logo processou: se
foram eles que escreveram está certo.

Para seu espanto caiu na prova do concurso justamente sobre


o verbo pisar, estava lá na questão: observando a gramática
normativa qual é a resposta certa? a) Não pise na grama;
b) não pise à grama; c) não pise a grama. Essa é moleza!
Pensou logo. Lembrando da placa no jardim do cursinho a
escolha certa foi, então, não pise na grama.

Mas quando veio o resultado, imagine qual foi a surpresa,


perdeu a vaga por um ponto.

Revoltado pôs os pés em direção ao educandário para fazer


a correção da prova. Chegando lá, pasmo ficou, quando
percebeu que havia errado exatamente a questão em tela.

- Mas como! Tá na placa lá fora o certo é não pise na grama


ou será que pisei foi na “grama - tica”?

O sujeito respirou fundo, tomou um bom gole d’água e ouviu


a explicação do professor:

- O verbo pisar é transitivo direto, ou seja, exige complemento


sem preposição alguma: Não pise a grama é a maneira certa
de se usar essa frase.

- Professor, a placa lá fora ta errada?

- Não! Sim! É! Talvez!- Se olhar pelo ponto de vista da


gramática normativa está errado a forma que foi escrito na
placa.

- Normativa! E tem outra?

- Sim, a gramática se fosse colocada num prisma, como um


raio de luz sairia várias ramificações: gramática descritiva,
10

gramática gerativa, gramática gerativo-transformacional,


gramática histórica, gramática normativa, gramática
Aula

pedagógica, gramática prescritiva, gramática tradicional,


gramática transformacional e universal.

- Então como justificar a placa lá fora?

UESC Letras Vernáculas 159


Introdução aos estudos linguísticos A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

- Modernamente, porém, se aceita o uso de pisar com a


preposição em Não pise na grama, então, tem sido aceito por
alguns gramáticos e dicionários brasileiros.

- Mas para concurso, tá errado?

- Sim, no seu caso foi considerado.

Pelo que fiquei sabendo o sujeito bateu em retirada, nunca


mais pisou a grama daquele estabelecimento, soube-se dele
em outras terras dantes pisadas.

Fonte: http://www.gargantadaserpente.com/veneno/parriaojr/01.shtml.

Você percebeu a distinção entre língua em uso e gramática


normativa? A concepção que norteou o suposto concurso
ignorou o uso corrente do verbo em questão.
Normalmente, o termo “gramática” é usado em acepções
distintas, podendo se referir: a) ao manual onde as regras de
regulação e uso da língua estão explicitadas, ou b) a descrição
do saber internalizado que os falantes têm da sua língua
materna. Estas definições não são as únicas circulantes no
meio acadêmico, mas são as mais conhecidas.
No livro Por que (não) ensinar gramática na escola,
Possenti (1996) apresenta três definições de gramática. A
gramática vista como um conjunto de regras é dividida em:
gramática normativa, descritiva e internalizada.
Segundo o autor, gramática normativa é: “[...] conjunto
de regras que devem ser seguidas, com o objetivo de falar e
escrever corretamente. Um exemplo de regra desse tipo é o que
diz que o verbo deve concordar com o sujeito” (p. 34). Sobre
esse mesmo assunto, Travaglia (2002) afirma que: “gramática
normativa é aquela que estuda apenas os fatos da língua
padrão, da norma culta de uma língua. Essa gramática é uma
espécie de lei que regula o uso da língua em uma sociedade”.
A gramática normativa é observada e produzida por pessoas
cultas, de prestígio e essa variante da língua costuma chamar-
se de “norma culta”, “variante padrão” ou “dialeto padrão” (p.
53).
Conforme Possenti, gramática descritiva é definida como
“[...] um conjunto de regras que são seguidas, cuja preocupação
é descrever ou explicar as línguas como elas são faladas” (p. 35).

160 Módulo 1 I Volume 3 EAD


Nesse trabalho, a principal preocupação é tornar conhecidas as
regras utilizadas pelos falantes. Travaglia, por sua vez, afirma
que a gramática descritiva é a que descreve e registra, para
uma determinada variedade da língua, um dado momento de
sua existência (portanto, numa abordagem sincrônica).
A gramática implícita (ou internalizada), por sua vez,
é definida como o conjunto de regras que o falante domina.
É o conhecimento lexical e sintático-semântico que o falante
possui e que permite que ele entenda e produza frases em sua
língua. A existência de uma gramática internalizada pode ser
observada por dois fatos linguísticos: o primeiro é a criança
produzir formas não usadas por falantes adultos. Por exemplo,
é comum a criança utilizar a conjugação dos verbos regulares
(comi, escrevi) para os verbos irregulares (fazi, trazi). Este
fato demonstra que ela tem uma regra internalizada para
o uso de verbos, porém, por não conhecer as exceções (os
irregulares), aplica a regra a todos os verbos. O outro fato é
a hipercorreção, que é a aplicação de uma regra de maneira
generalizada, ainda que a regra não se aplique a determinado
contexto. Por exemplo, um falante que produz formas como
“meu fio” no lugar de “meu filho”, ao ter contato com as formas
reconhecidas como corretas, “filho”, “velho”, “baralho”, pode
ampliar o uso da regra em contextos onde não se aplica, como
“pilha da cozinha” e “telha de aranha”.
Segundo Luft (1994), a gramática internalizada pelos
falantes se inicia na mente do falante quando ele ainda tem em
torno de três anos e, por volta dos cinco ou seis anos, o falante
já tem esta gramática consolidada e pode falar sem embaraço.
A gramática internalizada ou natural é a verdadeira gramática
da língua e é dela que se originam as gramáticas dos livros. A
gramática internalizada pelos falantes é completa e é através
dela que os que nunca foram à escola e são analfabetos se
comunicam perfeitamente por meio da língua. Essa gramática
está relacionada diretamente com os conhecimentos internos
dos falantes. Travaglia acrescenta que: “na verdade é essa
10

gramática que é objeto de estudo dos outros dois tipos de


Aula

gramática, sobretudo da descritiva” (2002, p. 38).


Tendo esta definição de gramática podemos afirmar que
a língua é o modo como o falante se comunica em sociedade,
no seu dia a dia, não se preocupando com as diversas regras

UESC Letras Vernáculas 161


Introdução aos estudos linguísticos A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

da língua, utilizando apenas as informações que internalizou.


Entendeu? Deste modo, percebe-se que cada gramática
tem os seus objetivos e procedimentos de análise em relação
à língua. Veja, no quadro a seguir, os três tipos de gramática
conforme Possenti (1996), as suas regras, concepção de língua
e noção de erro:

Gramática Gramática Gramática


normativa descritiva internalizada
conjunto de regras que conjunto de regras conjunto de regras que o
devem ser seguidas que são seguidas falante domina

busca pelas é a língua em


obrigação: situações de uso pelo
regularidades da
assemelha-se à lei falante:
Regra língua:
jurídica: “é o que
assemelha-se à lei são conhecimentos/
deve ser”
da natureza: “é o usos linguísticos dos
que é” falantes, com regras
-expressão das implícitas (sem que se
pessoas cultas tenha consciência delas,
-regras baseadas regularidades muitas vezes).
apenas na moda- -não existem
Língua lidade escrita línguas uniformes
-critério literário -o critério não é
-norma culta ou apenas literário
variante padrão ou
dialeto padrão
-há variáveis entre
O erro aqui consiste em
padrões de uso
se afastar do conjunto
o que foge da boa -só é erro o que
de regras dominado
Erro linguagem, segundo a não faz parte
pelo falante.
norma culta sistemática de
nenhuma variante
da língua

Fonte: educacao.uol.com.br/portugues/ult1693u5.jhtm.

Doravante, daremos destaque à gramática descritiva e


normativa por concentrarem em seu entorno as discussões mais
produtivas das últimas décadas. Para a gramática descritiva
(de acepção linguística), a língua é um sistema de signos,
fenômeno social, passível de descrição e sujeita às variações

162 Módulo 1 I Volume 3 EAD


históricas, sociais e culturais.
Quer um exemplo? Cabe à gramática descritiva explicar
a evolução semântica da palavra rapariga ou irado, bem como
a evolução fonética da expressão Vamos em boa hora? para
vamos embora?, no português do Brasil.
Para a gramática normativa, não existem variedades
linguísticas, ela determina, prescreve, normatiza e elege como
única e verdadeira a linguagem literária, elegendo-a como
padrão para a classe social dominante.
Vamos ver um exemplo? É muito comum, por analogia
aos verbos noivar e casar, dizermos que “namoramos COM
fulano”. Entretanto, pelas regras da gramática normativa, esse
verbo é transitivo direto, assim, namoramos alguém e não COM
alguém. Entendido?
Para você conhecer mais sobre os caminhos tomados ao
longo do século XX, por linguistas e gramáticos brasileiros –
e os seus debates acalorados, dignos de nota - faremos um
breve percurso da história da Gramática Normativa (daqui em
diante GN) no Brasil.

2.2 Gramáticos e concepção de língua

Figura 2 - Garotas estudando.


Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1178367.

Não se pode falar de gramática normativa no Brasil sem


aludir a Napoleão Mendes de Almeida. É por este motivo que
iniciamos este percurso a partir de 1952, com a publicação
10

da Gramática Metódica da Língua Portuguesa. Nesta época, a


gramática já estava em sua sexta edição e trinta e seis edições
Aula

depois, em 1999, a definição de língua permanecia a mesma!


Leia atentamente: “Conquanto constitua a linguagem dom
comum de todos os homens, nem todos eles se comunicam

UESC Letras Vernáculas 163


Introdução aos estudos linguísticos A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

pelas mesmas palavras. O conjunto de palavras, ou melhor,


a linguagem própria de um povo chama-se língua ou idioma”
(ALMEIDA, 1999, p. 17). Você pode perceber que o autor define
a língua quando se dedica a conceituar o que é a linguagem, e
assim diferencia os dois termos. A noção de língua parece então
emergir apenas nos aspectos que a diferem da linguagem.
De acordo com Nasi (2007), esse processo se repete
em inúmeras outras gramáticas. Esse é o caso de Cunha e
Cintra (1985) e Rocha Lima (2003). Já Bechara (2001)
conceitua língua, tratando de duas possibilidades: a língua
histórica e a língua funcional. Dessa forma, a língua é, ao
mesmo tempo, um produto histórico e uma unidade idealizada,
devido à impossibilidade de alcançar, na realidade, uma língua
homogênea, unitária; além disto, o gramático considera que a
língua apresenta diferenças internas: no espaço geográfico, no
nível sociocultural e no estilo ou aspecto expressivo.
Neste sentido, veja que os gramáticos consideram
a língua como um sistema (ou conjunto de sistemas) e a
preocupação em expor esta definição não é uma constante:
muitas gramáticas sequer mencionam um conceito de língua.
Agora você vai ler trechos da polêmica entrevista de
Napoleão Mendes de Almeida à Revista Veja em 1993. Leia
atentando para a concepção de gramática que sustenta o
discurso do mestre:

VEJA - Em que programas de TV estão os erros mais


lapidares?

ALMEIDA - Até nos títulos dos programas se cometem


invencionices. Há um humorístico chamado Os Trapalhões.
Essa palavra não existe em português. O verbo é atrapalhar.
Quem atrapalha, portanto, é atrapalhão. Por que tirar o a
da palavra? Também se cometem equívocos nos noticiários,
principalmente, e nas novelas. Há certos erros que me obrigam
a mudar de canal. Repugna-me, por exemplo, ver um locutor
de TV dizendo que se bateu um ‘récorde’, colocando a sílaba
tônica no primeiro e. Esse locutor não é amigo do povo. Nunca
tivemos essa palavra em português. É uma tontice. O certo é
se pronunciar ‘recórde’.
[...]

VEJA - Como falam os políticos brasileiros?

ALMEIDA - Os que falam bem são exceções, e há muito

164 Módulo 1 I Volume 3 EAD


poucas. Dizia-se que Collor falava bem, mas ele escorregava,
não sei se nesse meio tempo resolveu estudar gramática. Já o
Lula usou uma frase muito interessante quando era candidato
à Presidência. Ele dizia “Vote ni mim”.

VEJA - Lula deveria estudar gramática?

ALMEIDA - Ele tentou. Lula chegou a se matricular no meu


curso, mas não chegou a responder à primeira lição escrita nem
pagou a segunda mensalidade. Simplesmente desapareceu.
Depois de um certo tempo acabamos rasgando a ficha dele,
na limpeza do arquivo. Rasguei com prazer, depois de uma
greve dos metalúrgicos que deu o maior prejuízo ao país.
[...]

VEJA - Em que região do Brasil se fala o melhor português?

ALMEIDA - É difícil especificar, mas no Maranhão, certa vez,


conheci um professor que, embora muito modesto, divertia-se
conversando em latim com a filha. Isso é significativo. Oxalá
um dia possamos dizer que o Brasil todo fala uma língua
disciplinada, que revele educação, instrução, que revele um
país de pessoas formadas para a sociedade.

VEJA - Estamos muito longe disso?

ALMEIDA - A distância é de pelo menos três gerações.

Fonte: http://traducoesgratuitas.blogspot.com/2009/06/napoleao-mendes-
de-almeida-veja.html.

E aí, percebeu qual é a concepção? Então vamos às


atividades!

ATIVIDADE
1. O que achou da opinião do professor? O que mais lhe chamou a atenção
nela? Por quê? Você concorda com ele? Justifique a sua resposta.

2. A postura do entrevistado nos trechos apresentados espelha uma concepção


10

de gramática. Dentre as apresentadas acima, qual é a que se enquadraria


Aula

como modelo para o Prof. Napoleão? Justifique a sua resposta, exemplificando


com, pelo menos, dois fragmentos da entrevista.

UESC Letras Vernáculas 165


Introdução aos estudos linguísticos A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

2.3 Linguística e a concepção de língua: Saussure e


Chomsky

Na Linguística, a língua ocupa outra posição. Você viu


que, para Saussure (1970, p. 23), ela é um sistema de signos
linguísticos, no qual, “de essencial, só existe a união do sentido
e da imagem acústica, e onde as duas partes do signo são
igualmente psíquicas”. A língua é um fato social. “Ela é a parte
social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só,
não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão
em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os
membros da comunidade” (SAUSSURE, p. 22).
A despeito das controvérsias que as premissas
saussurianas originaram, é consenso que Saussure inaugurou
uma nova forma de pensar a língua e, com isso, concedeu
à Linguística o estatuto de cientificidade. De seus estudos
surgiram muitos outros, que, com diferentes abordagens e
recortes teóricos, foram desenvolvendo os estudos na área.
Perini (2001, p. 16), numa introdução ao estudo do
gerativismo - corrente chomskyana - afirma que, para os
gerativistas, a língua é tida como um conjunto de sentenças,
sendo cada uma delas formada por uma cadeia de elementos
(palavras e morfemas). Lembra-se das primeiras aulas nas
quais falamos sobre a distinção proposta por Chomsky entre
competência e desempenho? Pois bem, conquanto os conceitos
de desempenho e competência de Chomsky se assemelhem
aos conceitos de língua e fala de Saussure, para Lyons (1987,
p. 47), há uma distinção fundamental entre eles.
O que Lyons apresenta de comum entre os conceitos
propostos pelos dois autores é que ambos separam o que é
linguístico do que não é. Além disso, conforme Lyons, a questão
principal é que na definição dos dois conceitos de Saussure não
existe nada que trate sobre as regras para gerar sentenças, o
que é fundamental em Chomsky - e consta em sua dicotomia
competência e desempenho.
Assim, se comparássemos a langue de Saussure com
a competência de Chomsky, a diferença fundamental é que
a langue trata de um sistema interiorizado, e a competência,
embora trate também de um sistema interiorizado, trata
não dos signos internalizados, mas das regras para gerar os

166 Módulo 1 I Volume 3 EAD


enunciados da língua. Vamos visualizar essas concepções nas
figuras abaixo:

LÍNGUA PARA LÍNGUA PARA


SAUSSURE CHOMSKY

Sistema de Sistema
Inventário de Interiorizado
Signos Competência
Itens (regras para gerar enunciados)
Interiorizados

De acordo com Nasi, em seu texto eletrônico de 2009, o


próprio Chomsky reconhece que a distinção entre competência
e desempenho se relaciona com a dicotomia língua-fala de
Saussure. No entanto, seria “necessário rejeitar o seu conceito
de langue como sendo meramente um inventário sistemático
de itens e regressar antes à concepção humboldtiana de
competência subjacente como um sistema de processos
gerativos”. Por fim, enquanto para Saussure, de maneira
generalista, a língua é um sistema de signos, para Chomsky,
ela é um conjunto de sentenças.

Bem, agora que você revisitou rapidamente alguns


conceitos fundamentais, verá como estão se posicionando os
linguistas no que concerne ao ensino de Língua Materna.

2.4 Descrição X prescrição no ensino de Língua


Materna

Você viu até agora que a


gramática tradicional é normativa,
sua metodologia baseia-se em ensinar
como a língua deve ser utilizada; e o que
não estiver ali prescrito, é incorreto. A
10

“onipotência” da gramática normativa


vem tratando, muitas vezes, os alunos
Aula

Figura 3 - Estudantes esperam que professores reconheçam


como “deficientes linguísticos” e Bagno suas variantes linguísticas.

(2000) considera isto um acinte, Fonte: Ilustração/ UAB - UESC.

argumentando que falar errado tem

UESC Letras Vernáculas 167


Introdução aos estudos linguísticos A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

explicação lógica, científica e igualmente linguística, histórica,


sociológica e psicológica.
Outra questão a ser colocada - e talvez a mais grave -
é que embora reconheça a variação dos dialetos, renega-os;
além disto, ela não considera a dinamicidade da linguagem oral
e suas variantes, desconsidera seus processos de mudança e
evolução; prima pela forma e ignora seu aspecto funcional.
Segundo Possenti (1996), uma diferença fundamental
entre a gramática normativa e a descritiva é que esta explicita
as regras que são seguidas pelos falantes, e não as que devem
ser seguidas, conforme a tradição preconiza.
Numa outra perspectiva de análise proposta por Bagno, a
gramática normativa usada hoje é, na verdade, uma gramática
descritiva da língua, utilizada na época em que foi escrita; nesse
sentido, ele defende a necessidade de escrevermos a verdadeira
língua falada e escrita pelas classes cultas do Brasil.
De acordo com o linguista, a partir do estudo da norma
culta o material resultante terá função didático-pedagógica,
servirá para prática do ensino para todos os professores, alunos
e falantes em geral. Assim, a gramática normativa tradicional,
peça importante de todo esse círculo vicioso de “preconceito
linguístico”, seria substituída pela nova gramática, muito mais
“simples” de ser entendida. Enfim, essa nova gramática estaria
escrevendo a língua portuguesa em uso do Brasil, e não a
norma culta utilizada em Portugal.
Portanto, o papel do professor, então, deve ser o de
combate ao preconceito linguístico que existe. De início,
não podemos recusar e discriminar o modo como os alunos
e a sociedade, de modo geral, fala, mas sim aproveitar esse
uso para introduzirmos a norma considerada culta. Como
foi analisado por Bagno, o ensino da língua deve passar de
mera repetição para reflexão. Além disso, do ponto de vista
prático, essa nova postura deve ser utilizada e, ao invés de
reprodução, uma produção do próprio conhecimento gramatical
do aluno, transformando-o num pesquisador de sua língua.
Vale lembrar que a gramática precisa deixar de ser um pacote
fechado, um produto acabado. Afinal, a língua é viva, dinâmica
e está em constante movimento. Sendo assim, ela se coloca
em permanente transformação, o que torna incoerente a
permanência da gramática normativa tradicional, possuidora

168 Módulo 1 I Volume 3 EAD


de uma linguagem que sofreu modificações de acordo com o
tempo.
Finalmente, devemos ou não utilizar a gramática no
ensino da Língua Portuguesa? Não há dúvida que sim, embora
saibamos perfeitamente que ela em si não ensina ninguém
a falar; contudo, a gramática pode servir como importante
ferramenta para aquisição do conhecimento sobre os meandros
da língua, desde que saibamos separar o útil do inútil.
Bagno (2000, p. 87) é de opinião que a “gramática deve
conter uma boa quantidade de atividades de pesquisa, que
possibilitem ao aluno a produção de seu próprio conhecimento
linguístico, como uma arma eficaz contra a reprodução irrefletida
e acrítica da doutrina gramatical normativa”.
Nesta direção, para Bagno, o professor de português
abdicaria do comodismo, sairia da “zona de conforto”, passaria
a ser dinâmico, deixando de ser apenas um repetidor da
doutrina gramatical/normativista que ele mesmo não domina
integralmente.
À vista das considerações feitas, você deve ter notado
que a gramática não justifica seu papel de única fonte para o
ensino da língua nas escolas, tanto do ponto de vista teórico
quanto prático, bem como o título de código normativo da
linguagem tomada no geral.

ATIVIDADES
1. A partir do exposto, cite pelo menos duas semelhanças (se julgar
que há) e diferenças entre gramática descritiva e gramática normativa.

2. Elabore uma carta, para um interlocutor de sua escolha, colocando as


suas impressões sobre o tema aqui discorrido. Manifeste a sua opinião,
concorde ou discorde, ofereça sugestões, compare, enfim, coloque-se!
10
Aula

UESC Letras Vernáculas 169


Introdução aos estudos linguísticos A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:

● Não se pode confundir língua (em uso) com gramática


normativa. Quem o faz comete o terrível engano de o
ensino da língua portuguesa se tornar um “ensino de
língua estrangeira”. Isto acontece porque por muito
tempo as escolas privilegiaram somente o ensino da
língua padrão.
● A negação da pluralidade de normas linguísticas
pretendeu neutralizar a diversidade e, com isto, reforçou
o abismo entre escola e sociedade.
● A norma padrão não pode ser a única referência para o
ensino de língua materna, mas esta deve ser o principal
objetivo do professor.
● Possenti, ao lado de outros autores, distingue as
gramática em, basicamente, três tipos: normativa,
descritiva e internalizada.
● Bagno defende que o ensino da língua deve passar de
mera repetição para reflexão.
● A língua é viva, dinâmica e está em constante
movimento. Sendo assim, ela se coloca em permanente
transformação, o que torna incoerente a permanência
da gramática normativa tradicional, possuidora de uma
linguagem que sofreu modificações de acordo com o
tempo.

LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura dos livros: BAGNO, Marcos. Dramática da língua
portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000; BRITO,
Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de língua x tradição gramatical. Campinas: Mercado
de Letras, 1997 e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de
gramática no 1º e 2º graus. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

170 Módulo 1 I Volume 3 EAD


REFERÊNCIAS ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da
língua portuguesa. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

ANDRÉ, H. A . Gramática Ilustrada. São Paulo: Moderna,


1997.

BAGNO, Marcos. Disponível em :http://www.fae.ufmg.


br/Ceale/menu_superior/publicacoes/textos/linguagem_
educacao//list_objects_template?local=menu_superior/
publicacoes/textos/linguagem_educacao/ Acesso em: 19 jul.
2009.

BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa: tradição


gramatical, mídia e exclusão social. 2. ed. São Paulo: Loyola,
2000.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se


faz. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1999.

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37.


ed. Rio de Janeiro: Lucena, 2001.

BRITO, Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de


língua x tradição gramatical. Campinas: Mercado de Letras,
1997.

CÂMARA JÚNIOR, J. Matoso. Dicionário de Linguística e


Gramática: referente à Língua Portuguesa. 11. ed. Petrópolis:
Vozes, 1984.

CUNHA, Celso; CINTRA, Luis Filipe Lindley. Nova gramática


de português contemporâneo. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.

DUBOIS, Jean et alli. Dicionário de Linguística. Trad. Izidoro


Blikstein. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.
10

GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste,


Aula

1987.

UESC Letras Vernáculas 171


Introdução aos estudos linguísticos A linguística, a gramática, e o ensino da língua materna

LYONS, John. Linguagem e Linguística. Trad. Marilda

REFERÊNCIAS
Winkler Averbug, Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987.

LUFT, Celso Pedro.Língua e Liberdade. 8. ed. São Paulo:
Ática, 1994.

MATTOS e SILVA, Rosa. Tradição gramatical e gramática


tradicional. São Paulo: Contexto, 2000.

NASI, Lara. Disponível em: http://www.urutagua.uem.


br/013/13nasi.htm/ Acesso em: 20 maio 2009.

OLIVEIRA, Neiva. Disponível em: http://www.jomar.pro.br/


portal/modules/smartsection/item.php?itemid=139/ Acesso
em: 30 jun. 2009

PARRIÃO JR. Crônica: não pise a grama. Disponível em:


<http://www.gargantadaserpente.com/veneno/parriaojr/01.
shtml> Acesso em: 16 jun. 2008.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso. Trad. de Eni Pulcinelli


Orlandi et al. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988.

PERINI, A. Mário. Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática,


1997.

PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português. 4. ed.


São Paulo: Ática, 2001.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na


escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996. (Coleção Leituras
no Brasil).

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da


língua portuguesa. 43. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2003.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. Trad. de


Antônio Chelini et al. São Paulo: Cultrix, 1970.
SEVERO, Simone. Disponível em: http://www.scribd.com/
doc/15775717/Conceito-de-Erro-Norma-e-Adequacao-
Linguistica. Acesso em: 30 out. 2009.

172 Módulo 1 I Volume 3 EAD


TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad.
Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta


para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 8. ed. São Paulo:
Cortez, 2002.

http://books.google.com.br/books=dicionario+de+linguistica:du
bois&source==result&resnum=1. Acesso em: 15 maio de 2009.

http://pt.wikipedia.org/wiki/GramAtica. Acesso em: 13 abr. de


2009.

http://www.overmundo.com.br/overblog/a-gramatica-ou-a-
lingua. Acesso em: 13 mar. 2009

10
Aula

UESC Letras Vernáculas 173


Suas anotações
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