Sei sulla pagina 1di 62

A HISTÓRIA DA ARQUITETURA VISTA DO CANTEIRO

,'"'••- :^r
três aulas de Sérgio Ferro
'•/. '

^r '^j
^^!-."< ' -V.'..

KK^B£K''1'%-'<tf^S^

W^vïftë 'IK^.'.Ï\ ^''ss;',^,,..


ÍSÏS^^ï^ïf^-..

ISBN 85-60467-01-3

lif^

78856Õ"4670131 ^B^^r'u^'°'^^ ^'^/'^


Ë'S>s4^.sï.^M;érifcià^i^i
ORGANIZAÇÃO E POSFÂCIO FELIPE CONTIER
APRESENTAÇÃO JOSÉ EDUARDO LEFÈVRE E JOSÉ PEDRO COSTA

2010
Salvador, 2 de fevereiro de 2010

Sinto-me honrado em saber que o texto que reúne palestras e deba-


tes efetuados na FAU Maranhão será editado por vocês do GFAUUSP.

Não é a primeira vez.

Ainda durante a ditadura lançaram clandestinamente "A casa popu-


lar", origem de "O canteiro e o desenho", depois publicaram uma
conferência que fiz quando retornei à FAUUSP a convite de vocês, e
a revista Caramelo também apresentou artigos ou entrevistas mi-
nhas. Sinto-me em casa.

O interesse que demonstram por minhas ideias pouco conformistas


me conforta e estimula.

Obrigado e um abraço coletivo.


José Eduardo de Assis Lefévre
e José Pedro de Oliveira Costa

77
>e Contier

115
JOSÉ EDUARDO DE ASSiS LEFÉVRE
E JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA COSTA

Esta publicação é o resultado de uma série de aulas mimstradas


pelo professor Sérgio Ferro, no mês de abril de 2004, na Facul-
dade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
FAUUSP, em um evento promovido por iniciativa do Departamento
de História da Arquitetura e Estética do Projeto desta Faculda-
de juntamente com a seção paulista do Instituto de Arquitetos do
Brasil. Tivemos o privilégio de organizá-lo, divulgando-o através
de convites feitos boca a boca, por anúncios durante nossas aulas,
folhetos xerocados e colocados nas paredes dos dois prédios desta
Faculdade e também repassando essa informação ao Grêmio dos
alunos desta PAUUSP.
interesse despertaüo íoi enorme e essas auJ
ministradas no salão dos espelhos do nosso prédio da Rua Mara-
nhao, receberam um afluxo, tanto de alunos quanto de professores,
muito maior ao que o esperado. Tivemos de abrir as portas desse
salão, as voltadas para o grande hall desse belo edifício e as que dão
para o corredor que o ladeia, improvisar cadeiras e mesmo assim
muitos sentaram no chão ou tiveram de ficar de pé. Terminadas as
exposições era grande o número de perguntas, o interesse por tudo
que foi exposto e ainda por outras questões nas quais o professor
Sérgio Ferro é também especialista. Não é de se estranhar que fosse
assim, uma vez que durante o tempo em que trabalhou em nosso
Departamento as aulas do professor Ferro sempre estiveram entre
as mais concorridas e apreciadas pêlos alunos.
Professor por vocação, Sérgio Ferro somente deixou de nü-
nistrar aulas nesta escola quando foi preso durante a ditadura militar, Tivemos também, nesta edição, a felicidade de contar com
em dezembro de 1970, juntamente com o professor Rodrigo Brotero a colaboração inestimável de nosso ex-aluno, o arquiteto Felipe
Lefèvre, já falecido, com o qual trabalhou em muitos projetos. Depois Conüer, que se especializou na análise da obra de Sérgio Ferro e
de cumprir pena decidiu transferir-se com sua família para a França que tornou a liderança para a realização desta publicação. E dele
onde foi professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de o interessante e importante texto do posfácio que complementa e

Grenoble até aposentar-se no ano de 2003. Além de ter construído detalha muitas das infomiações constantes destas aulas.

uma sólida reputação como arquiteto e professor, dedicou-se de for-


ma assídua a uma profícua carreira de artista plástico tanto em São
Paulo como em Paris e depois Grignan, onde hoje mora. E também
iblicou uma série de textos sobre arQuitetura. de granáe interesse.
entre eles o livro O canteiro e o desenho, hoje um clássico.
A abordagem feita por Sérgio Ferro da história da arquitetu-
ra a partir do canteiro parte da inserção da arquitetum no campo da
construção em sentido amplo, que se insere por sua vez no campo
da economia política. Este ângulo de visão permite identificar con-
dicionantes impostos à arquitetura para atender interesses situados
fora do campo da arquitetura que não são usualmente reconheci-
dos, principalmente pelo fato de não serem muitas vezes explícitos,
nem conscientes. Ao ressaltar a relação da arquitetura com a acu-
mutação de capital e com a extração de mais-valia do trabalho aríe-
sanai ou manufatureiro, Sérgio aponta que o papel do projeto e dos
projetistas assume uma face distinta daquela assumida pêlos meios
profissionais e académicos, mesmo nas instâncias em. que prevalece
a consciência social da ação do arquiteto. Esta visão levou, no caso
de Sérgio, ao afastamento do exercício aüvo áa profissão, por uma
questão de coerência. Tal não ocorreu, no entanto, com seu grande
amigo e colega Rodrigo Lefèvre, com quem compartilhava as mes-
mas experiências e visão de mundo e que faleceu, lamentavelmente,
em pleno exercício da atividade profissional, com a firme crença na
dignidade dessa atuaçao. Ao se afastar do exercício ativo da arquite-
tura Sérgio aproximou-se mais da pintura, aüvidade permanente de
seu outro companheiro de trabalho e amigo primordial, o também
arquiteto Flávio Império que além de pintor desenvolveu impor-
tantíssimos trabalhos como cenógrafo.
Sérgio, nestas aulas, percorre diferentes momentos da his-
tória da arquitetura e da pintura com precisão e firmeza cirúrgica,
identificando relações, conectando eventos e posturas, sempre cha-
mando a atenção para a relação entre trabalho e ideias, entre o fazer
e o pensar. Acompanhar sua exposição é instigante e emocionante.
A leitura do texto correspondente às suas aulas permitirá ampliar o
âmbito das discussões sobre a história da arquitetura e da pintura.
Primeira aula
20 de abril de 2004

Devo avisar que não vou apresentar, por falta de tempo e capacida-
de, um esquema completo da história da arquitetura. Vou somente
assinalar algumas passagens que me parecem condensar questões
fundamentais que envolvem as relações entre o desenho e o can-
teiro. Numa apresentação menos sumária de nossos estudos sobre
a história da arquitetura (isto é, do laboratório Dessin/Chantier de
Grenoble), eu deveria expor as bases teóricas que nos orientavam. E
uma exigência de honestidade universitária. Entretanto já obedeci a
esta exigência tantas vezes que penso poder me limitar ao essencial.1
[1] Observação: o que será exposto, re-
Á arquitetura faz parte de um conjunto maior, o da constru- pito, é mera indicação de um esquema
cão em toda sua extensão, que por sua vez está incluído num maior de leitura histórica. Tenta resumir, em
pouquíssimas palavras, o que me ocupou
ainda, o da economia política. Acreditamos que é a partir da análise
por mais de vinte anos de ensino. Oesor-
da construção, toda ela, dentro da economia política e, em seguida, ganizado, não escrevi mLtito sobre isso.
áa arquitetura dentro da construção, que poderemos compreender Sobraram alguns textos isolados: um ar-
tlgo sobre o desenho na renascença, um
corretamente esta nossa atividade: desenhar, projetar.
sobre a Porta Pia de Michelangelo, dois
Ora, a construção dentro da economia política tem um papel sobre Paliadio e um livro sobre a Capela
importantíssimo: por sua massa (é um componente volumoso do Mediei em Florença. Os participantes do
PNB) e por sua constituição técnica "atrasada" (é uma manufatura laboratório Dessin/Chantier produziram
alguns trabalhos importantes, dentre os
e não uma indústria) fornece ao conjunto da economia enormes quais destaco o PhiHbert de L'0rme de
quantidades de mais-valia que podem sendr, segnndo o contexto Phlllppe Potié, o texto de Antoine Picon,
histórico, tanto à acumulação primitiva do capital como à resistên- e a história do concreto de Cyrille Sl-
monnet, que começa com uma brilhante
cia à queda tendencial das taxas de lucro, o pesadelo do capital. As- análise do Paníeao de Paris, na quai me
sim é a economia política, através da especificidade da construção, apoiei aqui. Uma versão mais completa

que determina fundamentalmente o que fazemos: desenhar - cuja do que foi exposto, mas também na for-
ma de um resumo, pode ser encontrada
função primeira é auxiliar a exploração do trabalho. Dentro do cam- no meu livro Arquitetura e trabalho livre
po da construção, a arquitetura tem um papel determinado. Como (São Paulo, Cosac Naiíy, 2006},
o trabalho na manufatura é só formalmente submetido - isto é, o
mais projetar, a não ser em condições experimentais de outro can-
conhecimento prático para construir ainda está na mão trabalhado-
teiro que nunca consegui obter. Isso me doeu e dói muito: eu até
ra - é necessário reforçar por todos os meios possíveis a dominação
que projetava direitinho. Pouco importa. O que importa frisar é
do capital. O projeto, decidindo o que deve ser feito e as normas do
que a virulência de minha crítica provém da esperança que ainda
bom gosto, reunindo por fora os ürabalhadores dispersos pelo capi-
guardo de ver, um dia, realizada a arquitetura em acordo com seu
tal e corroendo seu savoirfaire, acentua sua dominação pelo capital,
mais elevado conceito, tal como o Arügas me ensinou que deveria
pois a dominação primeira é a que obriga o trabalhador a vender
ser: a primeira arte de um. povo livre.
sua força de trabalho. O desenho não é o agente fundamental disto,
Basta como lembrete teórico/pessoal. Esta é a base de nos-
mas é um agente secundário de peso, mesmo que o arquiteto não
sá pesquisa em história. Fomos inquirir como, em diferentes épo-
seja solicitado em todas as obras e que tenha hoje função cada vez
cãs, se manifestou esta contradição. Deixamos de lado a história
menor. A separação do projeto e da execução é uma parüailariza-
convencional, supostamente autónoma, que se ocupa da passagem
cão no campo da consürução da separação entre as tarefas de con-
de arquiteto a arquiteto, de corrente a corrente, cie estilo a estilo.
cepção/prescrição e as de realização, típicas da produção capitalista
Tentamos construir uma história que permitisse olhar, ao mesmo
em geral. Arquiteto e desenho separado se constituíram ao mesmo
tempo, a cabeça e os pés, a ideia generosa e o lodo em baixo. Uma
tempo e um é o produto do outro: são interdependentes. A hete- fig 1 Villard de Honnecourt. Catedral de
história da arquitetura vista do canteiro. Rheims, 1230. Paris, Biblioteca Nacional.
ronomia imposta pelo projeto auxilia a exploração do canteiro e o
fornecimento de massas gigantescas de mais-valia ao conjunto da
Se voltarmos aos séculos xi e xn do nosso Ocidente, encontraremos
economia. A história da arquitetura, lá por bako, vista do canteiro,
uma intensa produção do espaço. Declina o mundo feudal - e co-
é a história de suas adaptações às diferentes etapas da exploração da
meça a formação das cidades. Seguramente as catedrais e os muros
força de trabalho pelo capital, mediada pela função da construção
de defesa das cidades não foram realizados em função de cálculos
dentro da economia política.
económicos, mas o fato é que, entre outros fatores, foram o motor
Nós não estamos acostumados a considerar a arquitetura
da acumulação primitiva do capital, como indica o historiador Lê
por este ângulo. Ao contrário, meus mestres, sobretudo o Arti-
Goff. O dinheiro necessário para realizar as catedrais era recolhido
gás, nos iniciaram em outra visão da arquitetura, humana, gene-
fora das cidades - donativos de nobres, bispos, reis, etc. Nas cidades
rosa, voltada para as necessidades sociais, e, acho, tinham razão: é
emergentes, servia para pagar materiais e operários. Vendedores de
o que a arquitetura deveria ser e o que nos interessava enquanto
materiais e operários comiam, se vestiam, consumiam a produção
estudantes. Era esta imagem que nutria o que chamávamos missão
local, formando assim um mercado urbano. Os fornecedores viam
social dos arquitetos. Mas, por boa ou má sorte, ainda estudantes,
seus negócios prosperarem e, pouco a pouco, as cidades se torna-
Rodrigo e eu começamos a fazer alguns projetos em São Paulo e
vam economicamente viáveis, com produção dividida entre a cir-
Brasília, e descobrimos na prática a incoerência: a generosa e digna
culação local e o comércio exterior. Assim que atingiam a escala
missão social dos arquitetos tinha os pés no lodo, na exploração
cte negócios suficiente, deixavam de lado as catedrais: raras são as
feroz e vergonhosa do trabalhador da construção. A partir de então
efetivamente concluídas.
não pudemos mais desconhecer a contradição. Tentamos modificar
A construção então era conduzida sob a forma da coopera-
nosso desenho, modificar nossas relações com o canteiro, etc. En-
cão simples: as catedrais, a cada ano, empregavam grupos consútu-
quanto houvesse venda da força de trabalho, nenhuma alternativa
idos de 30 ou 40 artesãos - quase todos aptos a qualquer serviço -
válida para as relações do desenho com o canteiro parecia possível.
[2] FERRO, Sérgio, "O canteiro e o de- que conduziam a construção a parür de esquemas primários. Todos
Comecei a escrever o que mais tarde seria O canteiro e o desenho2 e,
senho", In: Arquítetura e trabalho livre. conheciam as regras do métier, os "segredos" para erguer a catedral.
Op. cit. Publicado originalmente em duas por coerência, deixei de ser arquiteto: impossível denunciar o papel
partes: "A Forma da Arquitetura e o De-
Não havia ainda um arquiteto, mesmo se devemos admitir que um
do projeto separado na exploração e continuar a projetar. Talvez
senho da Mercadoria", In: revista ASma- ou outro tivesse papel mais destacado nas negociações. O símbolo
seja exagero, pois é sempre possível melhorar alguma coisa. Mas,
naque, n. 2,1976 e "II - O Desenho", In; deste período poderia ser o grande compasso, de mais de um metro,
revista Almanaque, n. 3,1977, sendo professor e de esquerda me senti com o dever éüco de não
que Deus costumava utilizar nas miniaturas medievais: ele concebia
14
15
e executava avesso a qualquer divisão do trabalho - era um operário esquece que deverão ser construídos. Um rendilhado de catedral-
da construção. È um compasso de obra, que traça diretamente na zinhas que repetem a grande em miniatura. Tudo pequenininho,
pedra o que há que fazer, seja um perfil de janela ou o arco de uma fino, delegado. Por isto a catedral de Estrasburgo mantém seu can-
abóboda. Não representa, serve a decisões imediatamente constru- teiro aberto até hoje, isso é, há oito séculos5.
tivas. Projetar não era uma atividade exterior, separada, era um dos Desde que o desenho se isola do canteiro, desde que o com-
momentos do canteiro e raramente adquiris uma forma completa passinho substitui o compassao, surge o protoarquiteto. Sintoma-
e exaustiva do que deveria ser feito. Qjáesenho em escala 1:1 era ticamente todos os textos de história da arquitetura que até então
desenho do canteiro, não ainda para o canteiro. descrevem, comentam e quase mistificam os "canteiros das cate-
Erittetanto, pouco a pouco, as coisas começam a mudar. Em drais", a partir deste momento nada mais dizem sobre os trabalha-
certas cidades, sobretado no centro da Europa, as relações de tra- dores - a não ser para criticá-los quando não executam perfeita-
balho começam a se alterar lá pelo fim do século xn. Estrasburgo é mente as prescrições do desenho. O projeto começa a se envolver
um caso típico. Tornou-se uma espécie de República e as negocia- de uma aura que cresce na medida em que diminui sua familiarida-
fig 2 Camille Corot, A catedral de Char- coes ficaram mais complexas. Um conselho dirigia as obras e, para de com a verdade dos materiais e com o savoirfaire operário. Como fig 3 Catedral de Estrasburgo, 1176-1439.
três, 1830; tela 0,65 K 0,50 m. Paris, se obter um consenso, começou a ser necessário desenhar antes, fa- antecipação, ganha valor jurídico, o que impede sua modificação
1-ouvre.
zer maquetes, prever. Surge assim a figura do intermediário, o que durante o processo produtivo e o faz retomar, na aparência do pro-
desenha o projeto-contrato. Mestre Erwin3 é um dos mais conheci- duto acabado, igual a si mesmo, indicando assim o desaparecimento
dos. Não é um membro do canteiro. Eíë sé isola, concebe sozinlio, de uma concepção oriunda de uma comunidade de produção. Sua
toma ares superiores. Comunica-se com o canteiro através de um heteronomia quebra a coesão do corpo produtivo que lentamente
parleur, de um "falador" que transmite o decidido e o desenhado se desagrega e se dispersa em métiers diversos. Some o trabalhador
aos trabalhadores. Como os mediadores tendem a tomar o poder, da pedra que ora erguia uma parede, ora esculpia um capitei. Agora
l""~ " - . ~ . ' /

alguns parleurs passam a desenhar. E conhecida uma linhagem de há pedreiro de um lado, escultor de outro.
grotoarquitetos conhecidos como Parleurs. Ainda hoje podemos ver O pergaminho em vez da terra, o estúdio em vez do can-
na sede do canteiro de obras da catedral de Estrasburgo um dese- teiro - e o virtuosismo como demonstração de saber. Chegamos
nho enorme aplicado quase a risca. ao gótico flamboyant, suas rendas de pedra e efeitos surpreenden-
Isto muda a organização e a responsabilidade do canteiro. tes - onde a necessária habilidade dos executantes exalta a proeza
Em vez de seguir decisões descontínuas e quase independentes do projeüsta. Cresce o respeito pêlos protoarquitetos. Algnns são
[5] Aliás, fui sócio contribuidor deste
umas das outras (mas autónomas), o canteiro passa a ser orientado enterrados nas catedrais que desenharam - uma honra extraordi-
[3] Há poucas fontes históricas seguras canteiro. A explicação é a seguinte: para
sobre Erwin de Steinbach, mas é con- por uma ordem mais global, por uma visão de conjunto que o dese- nária! - e usam luvïró brancas, diz um comentador da época, para executar os malabarismos do compas-
siderado pela tradição como o principal nho e a maquete separados possibilitam4. A totaUzaçao de Chartres, bem mosü'ar que não tocam na matéria. Mas o que é ganho num sinho que cortou seu cordão umbilical
"arquiteto" da catedral de Strasbourg. com o canteiro, as pedras tiveram que
obra ainda do primeiro gótico, é uma resultante aberta e pouco lado é perdido no outro. Todos no canteiro, se pudessem voltar à
Uma inscrição hoje desaparecida, mas ser cortadas seguindo gabaritos ultra re-
documentada, diz claramente: "anno do- rígida. Já a parte dianteira da catedral de Estrasburgo, posterior, cooperação simples, poderiam erguer, sós, as catedrais - e sem os duzidos. Ora, o frio do inverno da Alsácia
mini MCCD(XV!1 in die beati urfaani hoc apresenta uma totalização fechada, pré-determinada. Esta nova to- absurdos gerados pelo compassmho atrevido. O savoir técnico era faz estourar, a cada ano, um monte de
gloriosum opus inchoavit magister Erwin colunetas e peças de decoração. Para
talizaçao já não é mais a do canteiro, a de sua lógica imanente, ela compartilhado por todos. As construções das grandes obras entra-
de Steinbac". E!a estava gravada na ca- se obedecer aos traçados do desenho;
tedral e é a origem da tradição. Goethe vem de fora. Outro símbolo exprime bem a alteração: em vez do ram numa fase ambígua. Formalmente, tinliam as características algumas destas coiunetas alongadís-
Ë o movimento neogótico do século XIX compassao, domina agora o compassinho. Em vez do instrumen- da cooperação simples: era o resultado do trabalho de um cole- simas tiveram que ser sustentadas por
foram os principais responsáveis pela pequenas barras de ferro que, escondi-
to da produção, o instrumento do desenho. Pela primeira vez, no tivo relativamente homogéneo. Mas este se submetera ao poder
transformação de Erwin no grande herói das de nossa vista, servem de muletas.
da arquitetura gótica. período que consideramos, surge o divórcio entre o desenho e o de um "mestre" que se separara do resto do corpo produtivo, o Ë outra vez, o frio e o calor, provocam
[4] Note-se que a preocupação com a canteiro. Estrasburgo ainda serve como exemplo: no fundo, há uma que automaticamente o desqualificava. Não se ürata ainda de um dilatações ou confrações diferentes nos
dois materiais e mais rupturas. Assim, a
harmonia e com a unidade do todo nasce austeridade quase brutalista do primeiro góúco, mas, na fachada, o procedimento capitalista. Os grandes canteiros não alimentavam a
com o isolamento do desenho. A unidade cada ano é preciso refazer estas peças,
compassinho exibe sua autonomia, encanta-se com o emaranhado acumulação do capital diretemente, mas através do desenvolvimen- sabendo que, no ano seguinte, será pre-
da produção autónoma é a do corpo pro-
dutiw, não a do produto. das curvinhas, com os complexos enroscamentos ensimesmados e to urbano que favoreciam. ciso recomeçar.

16 17
e na
um. pouco de moleza (agora, trata-se de mais-valia relativa). Mas
ai: esconüm seus
uzir: a que ciingiu por um

tenda à sua submissão.


ï, mas sua

luÉíí): pagar o salário mais reduzido possível e aumentar m a ser arma


4 Cúpula da Basílica de Santa Maria então um momento. Logo, entu


dei Fiori. Projeto de Hlippo Brunelleschi, ivez para romper com sua
Florença, 1419-36.
se pôs nu e amou tanto a pobreza.
No fim do século xiv, começo do xv, houve uma revolta em um uJ ti-

i, a nham familiaridade
miliaridade com a plásl
'unhas :o - não podemos esquecer
era selvagem: -ais do primeiro gótico Para consolidar
projeto, era necessário a

e só
derrotados no começo do século xv. Vokaram os nobres, os ricos, ^s. a ser divertido acompanhar os incontáveis
discussões das
Ias academias que tentaram
academias que tentaramjustificar
justificaraa adoção do clás-
e depois grego). Aliás, a procura de legitimação só
Fiori (de modo semelhante, a Basílica do Sacré Coeur de Paris, •eu dois séculos após sua aplicação. Filósofos, connaisseurs., em-

um monstrengo arquitetônico, foi encomendada pela burgue;sia CtltOS arquiteíos acumularam toneladas de argumentos para expli-
massacre car o inexplicável, se ficarmos nos limites da história da arquitetura

a organ que, no século xv, foi necessário passar do gótico ao


revolta .3.SSÍ passagem só adquire sentido se a associarmos à emer-

se gélida d' apitalismo produtivo, emergência cuja hora de nasci-


mento j a amplamente demonstrada por Marx.
aspirantes a tornadas de poder sabem que, entre outrss
Ciompi é o sobrenome de uma das
aperfeiçoou a exíração da mais-valia absoluta e relativa. Mais-vs -imciaüvas preciso mudar as regras do jogo e cobrir as regras an-
famílias que lideraram a revoEta.

Giorgio Vasarl foi o primeiro grande


historiador do renascimento. Sua obra
Lês viés dês meilleurs peintres, sculp-
íía
tew-s et srchitectes (Bergef-Levrault,
nova economia nascente isto era i] Ghibeííi é mais conhecido como au-
1985, 8 vois.) se organiza como uma
narrativa que dá corpo a uma visão quase uma estes trabalhadores. então £L s tor das portas do batistério de Florença,
mítica das artes plásticas a partir de Giot- Escultor e arquiteto, disputou constante-
Imíüu de volta S3.13.-
to até seus dias - século XVI, Foi instru- mente com Brune!!eschi pela direçao das
mento Importante para o reconhecimento iirn â. obras de Santa Maria dei Fiori - o que só
cias artes plásticas como artes liberais, absoluta). se enamora de si mesmo e, finalmente, põe-se a falar outra língua, conseguiu por curto período.
desconhecida pelo canteiro. Para escolher o novo código, nada e não o arquiteto, delegado do poder ou do capital. Mais uma vez o
mais simples do que adotar o mais próximo, o das ruínas romanas, projeto poderia ser discutido, criticado pelo corpo produtivo, posto
espalhadas por toda Europa - e que até então eram vistas como de- que seria simplesmente lógico, isto é, situado no nível de compe-
pósitos de pedras reutilizáveis. Os trabalhadores, únicos a conhecer tência dos trabalhadores da construção. Mas, mostrando-se como
as técnicas construtivas, continuaram a construir como construí- máscara e contendo frequentemente absurdos construtivos, ele se
am, mas tinham que recobrir o construído com os termos da nova torna indiscutível e passa a ser atribuído de parâmetros estéticos
linguagem, tida como repleta de sutilezas que só os iniciados ~- os cuja nebulosa evidentemente escapa ao saber operário. Tudo se
arquitetos ~ compreendiam. Não é de estranhar que o trabalho es- passa como se a máscara fosse ditada aos arquitetos pelas impene-
condido se degrade pouco a pouco. Assim, entre o século xv e o traveis mensagens das musas. O arquiteto, para provar sua necessí-
século xvi, os salários foram reduzidos pela metade, e a construção dade não pode se ater à lógica construtiva: esta ainda está nas mãos
de palácios se tornou a principal atividade económica de Roma. dos trabalhadores. Seu desenho tinha que ir para além dela. Mas ir
Em resumo: o desenho era momento do processo produtivo, além, ultrapassá-la, significava ficar aquém ou fingir o impossível. Michelangeto Buonarotti. Capela
depois se isolou e começou a querer autonomia, mas sem abando- Dois exemplos. Michelangeio gostava de utilizar absurdos Mediei, 1520-34.

nar o vocabulário g-ótico, para finalmente mudar de código e pôr o técnicos. Na capela Mediei9, por exemplo, desenhou pilastras, ar-
savoirfaire operário atrás do cenário. De componente do canteiro, quitraves e capiteis sobrepostos a uma parede em stucco que esconde
o desenho solto passava a ser hostil ao canteiro. Antes aliado dos uma maçaroca construtiva de péssima qualidade. No primeiro an-
trabalhadores, transformou-se em arma do capital contra eles. dar as proporções são mais ou menos respeitadas. Já no segundo,
A função opositiva e dominadora do desenho não é o resul- as pilastras são finas demais, jamais sustentariam a cúpula superior.
tado de uma tática consciente dos arquitetos. Ela decorre da estru- Além disso, uma fabca branca de stucco interrompe a continuidade
tura das relações de produção que independe dos afores sociais para estrutural (mas talvez ele tivesse previsto outra coisa, ele deixou
operar. Ao se separar, o desenho se põe como diferente do canteiro; a capela inacabada). Na biblioteca Laurenciana é mais explícito
a diferença evolui em. oposição; e da oposição passa à contradição. ainda: as colunas encastradas, supostamente estruturais, são mais
Vimos como se opõe; massacrando a construção tradicional com a delgadas que as paredes supostamente não estmturais. Exemplo
linguagem clássica, o que provoca a decadência do saber constru- contrário pode ser encontrado na colunata de Perrault para o Lou-
tivo. Mas esta oposição leva à contradição. Assim, o desenho que vre: a arquiürave enorme é tecnicamente impossível em pedra. A
mascara, que se põe à frente da construção real, tem a tendência a que podemos ver no local é de mentirinha, por dentro corre uma
se mostrar como máscara. Em ouü'o loca! dei o exemplo da Pina- corrente em ferro.
coteca de São Paulo. No que foi conservado da obra de Ramos de Em quase toda arquiíetura clássica podemos encontrar a
Azevedo, vemos que o prédio se sustenta pela massa da alvenaria de mesma dualidade esquisita. Por trás, uma construção real de pouca
tijolos. Entretanto, esta massa toma desnecessariamente a forma de qualidade; na frente, o aparato clássico que não disfarça sua artifi-
uma construção com pilastras, arqmtraves, etc. - do mesmo modo, cíalidade. A aparência da obra, o que ela nos mostra, não esconde
poderia assumir qualquer outra forma que mantivesse a mesma demais que é somente aparência. E aparência que diz que é apa-
massa. Podemos ver esta discrepância porque a construção não foi rência, aparência da aparência que, Hegel dixít10, revela assim que
revestida. Mas a mesma dualidade (massa que susíenta/decoraçao é aparência de outra coisa, de uma essência que só pode entrar na
fictícia) pode ser encontrada na maioria da arquitemra "clássica" efetividade aü-avés da aparência - se esta se mostrar como aparên-
italiana, porém, há um detalhe curioso e sintomático: o desenho cia. Assim, o que se revela no clássico aparente, que se mostra como [9] FERRO, Sérgio, Michet-Ange. archi-
que mascara a construção não se esforça muito para parecer con- aparência, é uma ordenação memorial das coisas (as rumas roma- íecte et sculpteur de la chapetle Medíeis.
vincente. De uma maneira ou outra o desenho deixa perceber que, nas que começam a ser piedosamente conservadas provam sua in- Lyon, Pian Fixe Edition, 1998.
[10] Ver os trabalhos de Georg Wilhelm
na realidade, ele não funciona. Se o desenho fosse totalmente con- temporalidade), uma ordenação ubíqua. Pois parece estar em cada
Friedrich HegeE: La scíence de ia logique
vmcente, imaginaríamos que é assim pela força, das coisas, por ra- monumento ao mesmo tempo em que nega estar de verdade, que (Vrin, 1970) e Propédeutíque philosophi-
zoes construtivas efetivas. A lógica consíruüva estaria no comando faz dele seu delegado mantendo-se à distância: imagem perfeita do í7üe(Minuit,1963),
it.-.Ã^^»
serrar sua pureza

com o com a banalidade de seu suporte. Repito, insiste em ser aparência,


se apresentar como aparência de um poder determinante - que, por
causa de suas idiossin.cra.sias, aponÈâ um delegado que tem nome,
se passou em pintura. Ao mesmo tempo em
o arquiteto. A contradição entre o desenho e o canteiro se torna
usar luva
na

incompatibilidade se manífesÊa como má formação, como


com seu
tosca, sobretudo no Barroco, onde a mão que guia o traçadc
não conseguiu ser mais do que um
mais. Nas igrejas barrocas, em que tudo é convocado
movimento de vertigem ascensional, a matéria impertinente,
não pode ser totalmente anulada, puxa para baixo o voo
ao períod stucco
Certas curvas reversas, ou um suicco que não consegue virar nuvem
a
ou algum reboco irregular dizem o impossível acordo entre
que faz e a mão que desenha. O desejado desaparecimento
vezes artesão, uma
se choca com seu retorno como inevitável malfazer;

a. s
ver seu trabalho, o movimento
do aparecer e o que não esta ai

{^prezzatum\ com certo descaso pela matéria, peÍo


manual, como ensma^m os nobres. Casdg!ioaeïonízo^
ISSO mais
num best-seller da época (séc. xvï), "Q cortesão"."'
Pois bem, as üicorreções técnicas e os absurdos
^arqüiÊei-os correspondem à sprezzatum dos pmtores.
[11] Meste livro, Baldassare Castiglíone suas mcorreções e seus absurdos" não são devidosFten^.
descreve o comportamento ideal do cor- como o papa no secuj
a^ignorancm, ao coníráno. Assim como s spr^zzatum':
tesão: deve ser o invsrso do comporís-
como strucóes suntuanas, os
mento do homem comum. A sprezzatwa vâumsmperiondade quase nobre, a hegemonia dá ideia'
â
("desprezamenfo") e sua característica reaazaçao^s mcoerêuciâs do desenho dearquitetura, assÏns [âvâm
geral, O cortesão deve ter um ar enfas-
!u!.ïevaçaoa procura de fo™s amdâ mai^ profundas
i),
íiado - pois, em princípio, já nasceu co- as do mais suas construções para
nhecendo e sabendo aplicar todas as re- protótipo clássico (o qual, aliás, nunes foi achado, nem no"
gras sociais típicas da eiite. Por isto tem custos e bem empregar os materiais. Para seu prestígio, e lembran-
, nem em algum exemplo concreto). Como protótír
que mostrar taE familiaridade ao aplica- xisíente) só sendria à ficção. A.q 1- e au a
Pequena ilustração anacrônica,
ias, o que acaba por se confundir com ,, mesmo assim, mas semelhante: no convento de La
certo enfado. Castigiione aconselha que, (; ; ...__;!
de saber construü- Touretíe, ao ser retirada a forma de uma
SR tais regras tiverem que ser aprendl- "assmasse^ sua obra graças à especificidade de^suas"
caiKa de escada em concreto, foi veri-
das, em caso algum há que caprichar ). la nas :, este saber empírico já acumu-
^ falsa ordem gigante de Michelangelo7a7 fadiadïs Ficado que uma janelinha saiu torta. Lê
demais, pois isto demonstraria trabalho Corbusier não quis que fosse corrigida e
mesmo plano de Palladio, as
de aquisição, O bom cortesão tem horror pensou em escrever em baixo: "por aqui
ao trabalho ~ e é preciso escamoteá-to. assim carrega consigo, ao mesmo tempo, a passou a mão do homem", com o que
Se aparecer, tem que aparecer como tca, atemporal. e a ii s esboços em tomo
ficaria Implícito que a mão do homem.
mestre que a leva
simples ocupação para preencher o ócio.
e se põe Jà isto é, do trabalhador, não "passou" peio
S mas com o cuidado de
resto da obra.
e a enciclopédia de Diderot são bons exemplos. Os engenheiros passou a ser um palimpsesto em que o texto do canteiro real se
começam a se multiplicar, ganhar status e fuçar em todas as áreas deixa ver sob a trama regular. Várias comissões de técnicos foram
técnicas, como demonstrou um dos convidados de nosso laborató- nomeadas, propuseram as soluções mais diversas. Algnmas abertu-
rio Dessin/Chantier, Antoine Picon. rãs laterais foram fechadas, mas, sobretudo, começou-se a procurar
E nesse clima de passagem - entre o século xviu e xix, entre um material que preenchesse os vãos entre as pedras. Cinquenta
a racionalidade tmmfante do Iluminismo e sua ap!icaçao funcional anos mais tarde nasceria o cimento - mas dele falaremos depois.
Panteão de Paris. Projeto de Jac- e, sobretudo entre a manufatura e a indústria, para a qual o capi- O que importa notar é que os arquitetos marcados pelo ilu-
ques-Germain Soufflot, 1758-1790, talismo começa a adotar a ciência e a tecnologia decorrente, com. minismo - Soufflot não é o único -~ e diante da Primeira Revolução
sua atenção despertada pêlos ganhos da mais-valia relativa ~ que Industrial e do nascimento das "ciências da construção" tentaram
foi projetado o Panteão de Paris, um testemunho brilhante desta racionalizar o desenho arquitetônico - isto é, para eles ainda, racio-
ttansformação. Soufflot, seu arquiteío, foi quase forçado pelo ar nalizar o clássico, sair da dicotomia construção real + máscara. En-
do tempo a adotar as exigências radonalistas. Quis fazer uma obra. tretanto, esquecendo por um momento a limitação destas "ciências",
clássica (agora de inspiração mais grega) racional ~ o que é quase a racionalização foi somente teórica, de papel. Á contradição entre
um oximoro. Estudou bem as decidas de carga, as dimensões mí- o desenho e o canteiro permanece,.mas em outro nível. O desenho
nimas necessárias, etc., e quis que a execução explicitasse a racio- quer entrar efeüvamente na construção, comandá-la no seu íntimo,
nalidade do projeto. Na coluna, por exemplo, o fuste deveria apa- não se apoiar mais totalmente no savoirfaire operário. Sem que pos-
recer como uma unidade. As paredes deveriam exibir módulos de sá haver comparação com o que a indústria começa a fazer com o
pedra regulares, todos iguais. Ora, tanto num caso como no outro, trabalho, há um esboço de tentativa de um controle mais próximo
as juntas reais não correspondiam às ideais. As pedras chegavam do canteiro - o que somente no fim do século xix tornará corpo.
ao canteiro com medidas diversas, segundo a conveniência de sua Enquanto isso, a vetha manufatura continua a penar sob o desenho.
.^i^. extraçao. Os íustes eram compostos por várias pedras e as paredes
^i^ --.-^
fig 8 Esquema construtivo. tinham uma aparelhagem, diversificada, irregular. Soufflot exigru PERGUNTAS
então que as juntas reais fossem feitas tão precisas que pudessem [JOSÉ EDUARDO LEFÉVRE] Eu queria que você comentasse alguns
quase sumir. Sobre a parede assim construída, fez gravar de modo exemplos ao longo da história da arquitetura, e particularmente,
bem manifesto as juntas ideais, assim falsificadas. Isto não era uma um caso em que, com o afastamento em relação ao historicismo,
novidade, o classicismo está cheio de coisas semelhantes. Ainda no foi adotada uma linguagem pêlos arquítetos holandeses da escola
meio do século xix, Viollet-le-Duc protestou contra esta mania ge- áe Amsterdã valorizando elementos construtivos muito bem feitos,
neralizada de encobrir o trabalho real. O que é típico de Souffiot é deixando de lado o historicismo e as referências para incluir ele-
o modo quase maníaco de fazer as juntas reais desaparecerem. Ora, mentos artesanalmente muito elaborados, inseridos dentro da obra
na prática, sem nossas atuais máquinas para serrar pedras, o único não com propósito representativo, mas porque aqueles detalhes ti-
modo de conseguir isto era inclinar Íígeíramente as superfícies de nham um sentido construtivo.
contato entre as pedras deixando que as arestas exteriores se to-
cassem perfeitamente e compensando seu afastamento no interior [SÉRGIO FERRO] Eu não pensei em falar sobre isso hoje. Um dos ca-
com cunhas de madeira. Ora, como SoufHot, querendo racionalizar pítulos que prefiro na história da arquitetura é o do ecletismo ~- tão
o clássico, havia calculado as dimensões do edifício segundo o que desvalorizado pela arquitetura moderna. Seu princípio é exatamen-
julgava justo e necessário, é evidente que a carga suportada por te este: soluções exatas, perfeitas técnicas de execução, pensamento
cada pedra, que deveria se distribuir por toda a superfície teórica claro. A obra adiciona soluções adequadas de cada passo da produ-
de contato, se concentrava sobre as arestas e a cunha de madeira. cão, soluções encontradas na história da arquitetura. Evideníemen-
Resultado: pequenas lascas de pedra, que provinham das arestas te misturam assim épocas e estilos, mas porque não? Volto a este
sobrecarregadas, não paravam de cair. O que deveria ser uma exal- tema na próxima aula.
tação de módulos perfeitos, equivalentes físicos da norma racional,
tisfaçao com o trabalho carreto, bem feito. Isto pode parecer coisa
[JOSÉ TAVARES CORREIA DE LIRA] Em determinado momento de sua
exposição, você relacionou a oposição entre canteiro e desenho
secundária, mas o que está em jogo aqui é um dos mais inü-incados
'problemas da filosofia: a identidade da necessidade e da liberdade
com a crítica modernista ao décor e a criminalização do ornamento.
e sua diferença.
No elogio de Ruskin ao canteiro medieval, é crucial â distinção
Não é sem. segunda intenção que o modernismo ataca com
de um ornamento revolucionário, onde não há qualquer submissão
tanta energia a decoração. E verdade que unha diante de si tonela-
do trabalho executivo ao intelectual, em relação às formas servis
das de má decoração nos estaques fin de siède. Mas unha também
e constitacionais de ornamento. E possível atribuir ainda algum
a decoração carreta de várias obras ecléücas (nem todas). O que o
papel revolucionário ao ornamento quando a articulação entre o
modernismo condena são restos de autonomia técnica dos trabalha-
estético e o técnico hoje se dá em um universo produtivo tão diver-
dores que se exibiam com triste orgulho em fragmentos decorativos.
só do artesanal?
Mas, paradoxalmente, poucas obras são tão decoradas quanto as que
exibem formas cúbicas Ïi-ancas, como as do próprio autor de "O
[SÉRGIO FERRO] Uma bela publicação oriunda do laboratório Des-
ornamento é um crime", Adolf Loos: decorativas no mau sentido,
sin/Chantíer é a de PhUippe Poüé sobre Philibert de LOrme 3.
pois estas formas rigorosas e esta uniformidade branca escondem
Philibert era talhador de pedra e se tornou um dos primeiros ar-
uma realidade constmtiva ouü-a, da qual estas formas são a negação
quitetos da França juntando desenho e técnica, o que é raro.Ao
e a unidade branca uma falsa imagem.
fazer uma cúpula, por exemplo, o que constitui a decoração é o
prolongamento, além do puramente necessário, do aparelhamento
[JOSÉ EDUARDO LEFÉVREJ Você mostrou com bastante clareza a se-
carreto das pedras, de suas junções e formas. No trabalho, em geral,
paraçao entre desenho enquanto construção e desenho enquanto
temos o material, as técnicas, o saber para modificá-la e a intenção.
representação, e também a oposição entre a representação incor-
Num dado momento histórico, há regras aceitas como as meiho-
rés para cada um destes componentes. A boa obra reunirá os três
parada à arquitetura como algo sobreposto (no Renascimento), e
uma representação elaborada. Mas no gótico, nós temos também
componentes respeitando tais regras. A decoração, no bom sentido,
uma construção sofisticada e, por vezes, também uma represen-
seria a didaüzação de tal procedimento.
tação sofisticada, e é essa questão da representação presente no
Um exemplo. Até o século xvi, o belo se confundia com a
gótico que coloco, porque o gótico desenvolveu um código de
exibição da maior quantidade possível de materiais raros. A primei-
linguagem que prevê elementos que não são necessariamente fan-
ra sacristia de São Lorenzo, em Florença, a sacristia vecchia, é um
cionais e estruturais.
bom exemplo disto. Corresponde à primazia do capital comercial.
No século xvi a primazia passa ao capital produtivo, ao trabalhador
[SÉRGIO FERRO] O gÓÜCO é extremamente complexo e não pode ser
portanto. Para isso o material tem que ser macio, neutro; pede-se a
considerado exclusivamente sob o ponto de vista do conflito en-
ele que registre a sabedoria do gesto produtivo - mas como o traba-
tre desenho e construção. Não somente a função simbólica conta
lho não pode enquanto tal aparecer na arquitetura, começa a ser re-
enormemente, mas arquitetura, escultura e pintura não se separam
velado pela escultura. E o que podemos ver na sacristia -nuova, tam-
completamente. Mesmo em. outros períodos históricos nossa análi-
bem em São Lorenzo. O trabalho gravado no mármore aplicado na
se não pode ser exclusiva. Uma catedral gótica representava a nova
arquitetura só pode ser considerado como o negativo do aplicado
Jerusalém" e, como nota Vítor Hugo, é ainda um livro para íletra-
no mármore da escultura. Ele some, desaparece sob o Uso perfeito,
dos. Tudo isto interfere no desenho. Hoje sabemos que não é um
enquanto nas esculturas Michelangelo espalha a marca de seu bu-
modelo de racionalidade construüva (segundo nossos paradigmas)
ril - é o non finito. Assim, entre outras considerações, é claro, o non
- embora fosse para seus construtores. Mas, mesmo que admitís-
finito é decorativo; exprime a sabedoria técnica de Michelangelo.
semos esta racionalidade, muitos detalhes foram introduzidos em
O que considero a boa decoração é, portanto, isto: a ex-
função simultaneamente técnica e simbóÜca. Os feixes de cohmetas
:, Philippe. PliiiibertdeLOrme. pansão, além do necessário, do gesto técnico pelo qual a obra se
que correspondem cada uma a um arco que as prolonga, pode figu-
Marselha, Eciitions Pareníhèses, 1996. torna não somente didática - mas exprime também a alegria, a sa-
rar como o construtor gótico imaginava o comportamento da es- políticos explica chamar o Nouvel ou o Portzamparc para projetar
trutura -~ mas representa a metáfora bíblica sobre a força da união, aqui. Perto do Paulinho ou do Lelé, são iastimáveis. Caberia um
o feixe de ramos difícil de quebrar. As duas coisas são inseparáveis. èsmdo para saber o porquê - minha hipótese é que isto decorra da
predominância da manufatura serial entre nós.
[JOSÉ PEDRO COSTAJ Mudando um pouco o tema, você foi professor
aqui na FAUUSP e em Grenoble. Sobre o aspecto didático, eu notei, a [MARIA IRENE szMRECSANYi] Deixando de lado o historicismo, como
partir de minha experiência pessoal, uma série de diferenças conside- você vê a relação entre história e canteiro? E outra pergunta: você
ráveis na forma de conduzir, inclusive não só a atitude dos professo- não gosta de nada do Nouvel?
rés como atitude também dos alunos. E eu acredito, portanto, nesse
choque de acomodação para chegar lá, e depois, o choque de aco- [SÉRGIO FERRO] OJean Nouvel é ganhador de concurso, arquiteto de
modaçâo para chegar aqui. Então, se você puder contar um pouco papel. Fora o Instituto do Aïundo Árabe, suas realizações desapon-
da sua experiência em Grenoble, como foi essa formação didática? tam. Os projetos são mal desenvolvidos, mal acabados. Aliás, é du-
viáoso que se possa falar de "seus" projetos. Ele quase não desenha:
[sÉRGio FERRO] A melhor escola de arquitetura que eu conheci é "fala" o que imagina aos colaboradores que, eles sim, desenham.
esta aqui, na qual me formei. Grupos pequenos de alunos, com pro-
fessores extraordinários, como Artigas, Flávio Motta, Paulinho e As relações entre história e prática são complexas e há que consi-
muitos ouü-os, num clima de entusiasmo arquitetônico com a cons- derá-ía em vários níveis. Em primeiro lugar, é preciso lembrar a
trução de Brasília. Nosso relacionamento com os professores não história no presente. Nossas cidades são palimpsestos. Superposição
era convencional. Havia muito trabalho disponível e já a partir do de períodos e relações sociais diversos. Como diria Hegel (em outro
segundo ano cie escola Rodrigo Lefévre e eu abrimos um escritório. sentido), "a história está inscrita no presente", isto é mais patente na
Pedíamos conselhos práticos aos professores e o Milan chegou a Europa, mas nem por isto deixa de valer aqui. Brasília já está sendo
me passar folhas de cálculo de concreto para eu usar no meu proje- conurbada. Logo o aviãozinho de Lúcio Costa será engolido por
to. Por outro lado, se os professores julgavam nossos trabalhos du- uma malha urbana: será ainda e não será mais a Brasília pioneira.
rante a semana, aos sábados as coisas se invertiam, pois visitávamos Será um caso de memória presente.
com eles suas obras. Em segundo lugar, a história - sem falar de seu aspecto pu-
Em segundo lugar indicaria a escola de Brasília, na qual tam- ramente informativo sobre o passado ~ testa nossas hipóteses so-
bem lecíonei um pouco - e por razões semelhantes. De manhã, a bre a estrutura de nossa atívidade. A análise sincrônica do presente
escola; à tarde participação no escritório encarregado de projetos tem que enírentar a análise diacrônica: como surgiram, evoluíram
na capital. Não consigo imaginar um bom ensino de arquitetura e se alternaram as relações e forças de produção relativas à arqui-
sem produção efetiva. tetura? Com isto desaparecem muitas ilusões - e podem ressurgir
Quando cheguei na França, logo após 1968, o clima contes- inúmeras possibilidades abandonadas. A mesma palavra "arquiteto"
tatório favoreceu muitas experiências práticas - todas elas, entretan- pode encobrir a multiplicidade de seus perfis. Por outro lado, certos
to, de tipo marginal; palafitas, domus, etc. Este apego à experimen- paradigmas dpológicos existem. Sejam construdvos ou de desenho,
taçâo continuou em menor escala, até que conseguimos abrir perto sobreviver mesmo aüós cessarem de existir as c<
de Lyon um importante centro de experimentações arquiteturais, o jusrifícam. Assim a soma de cubículos isolados que caracteriza a ar~
junto com outras escolas, bem equipado e aberto. Creio que é uma quitetura moderna até a ruptura de Wright, desde o começo da utili-
iniciativa única. Em Grenoble favorecemos também a pesquisa: é da ossatura em concreto não tem mais nenhuma razão de ser.
a maior concentração de laboratórios de pesquisa na

as outms na frança, são péssimas em projeío. isto, Cão, da produção que conta. E neste momento em que outra lógica,
muito
ca. entra em cena. Entretanto, terminada a produção, o dinamismo Segunda aula
vivo do fazer se congela no resultado estático. Como, entre nós, 20 de abril de 2004
não há o menor interesse em destacar o trabalho vivo, explorado e
massacrado, o desenho de arquitetura tende a valorizar a imobili-
dade da forma em vez de registrar seu devir, sua formação. Quase
todos os critérios da estética arquitetural - harmonia, equilíbrio,
"jogo sábio dos volumes", etc. ~ acentuam a estadcidade da obra.
Na direção contrária, a agitação formal de Gehry, Libeskind e cia.,
conta somente a movimentação da mão que projeta, do suposto
ato criador. Isto não é registro da progressão da ação construtiva
lúcida, mas outra forma de denegá-Ía, sinal da dominação abusiva
da prescrição sobre a realização. Como a prescrição hipostasiada é
componente do capital, tais desenhos contam, no fundo, a domi-
nação absoluta do capital sobre o trabalho ~ e, como em geral são
fantasiosas, sem lastro técnico, contam mais precisamente a domi-
nação do capital financeiro sobre a produção menosprezada. Terminamos nossa reunião passada com Soufflot e o Panteão de
Paris. Vamos continuar a dar saltos, já que o que importa é fazer
referência sumária às passagens nas quais nossa interpretação difere
mais das habituais.
Todos reconhecem a ascensão do engenheiro na virada do
século xvm para o xix. Simplificando muito, diz-se em geral que
ele se pôs entre o arquiteto e o canteiro. Isso não é falso, como não
é também sua vinculação com a auftlàrung e o espírito da Primeira
Revolução Industrial, que deve muito à sua intervenção. Salienta-
se menos suas principais áreas de atuação e suas especificidades.
Na indústria, seguramente^ Outra área dependente do Estado foi
a das edificações do aparelho administrativo em todo o território
francês, iniciadas com a Reforma Napoleônica. Ainda na depen-
dência do Estado, cuidou-se de estruturar o sistema viário com suas
estradas, pontes e ouü-as construções. Por fim, na esfera privada,
edifícaram-se atelíês, depósitos, usinas, etc. Como responsável por
grande parte do aparelho administrativo, o engenheiro disputou,
é verdade, terreno com os arquitetos, o que justificou um pouco a
querela entre eles. Mas, nas suas outras áreas de intervenção, todas
com fortes implicações na Revolução Industrial tardia da França,
nunca cruzou com o arquiteto. Tanto o sistema viário, infraestrutu-
ra indispensável para circulação de mercadorias (e dos fLincionários
do Estado e tropas), quanto os edifícios do complexo industrial,
componentes significativos do capital constante fixo, exigem racio-
nalidade construtiva e economia de custos. A preocupação com as
recentes ciências da construção respondeu em parte a estes impera-
tivos. Aliás, a maior parte das intervenções tecnológicas na constru- e mantida pela^estauração, proibiu qualquer dpo de organização
cão provém até hoje destas áreas (atualmente as extravagâncias das trabalhista. Ela é um modelo de cinismo burguês: em nome da
grandes obras simbólicas também têm forçado alguma inovação igualdade e da liberdade, que deveria ser garantida a todo cidadão,
técnica). E evidente que este cuidado com a racionalidade técnica declarou ilegais as instituições operárias que poderiam pressionar
e económica também atingiu a construção do aparelho administra- os patrões nas "justas" relações áe contratação. As velhas corpora-

tivo (produzindo ai uma arquitetura híbrida, meio carreta tecnica- coes que, mesmo enfraquecidas, serviam na defesa dos trabalha-

mente, meio afetada por um. classicismo seco, padronizado). E daí dores, foram desmanteladas, sem que nada pudesse substituí-las

se espalhou para outros tipos de obras. legalmente. O operário ficou só contra o resto da sociedade. O fig 9 Comuna de Paris. Barricada em
savoÍrfaíre, tradicionalmente transmitido pelas corporações, decaiu frente a La Madeleine, 1 870,
Os arquitetos, entretanto, conünuaram a ter sua antiga fun-
cão económica: ajudar a recolher massas importantes de mais-valia. inevitavelmente. Para contornar a situação só era possível contar

Para isso, prosseguiram atuando de preferência nos setores da cons- com as associações de assistência mútua que, clandestinamente,

tmção em que a composição orgânica do capital avantajasse o Cv, passaram a ter a função das anügas organizações. Mesmo assim, os

o capital variável (parte do capital que compra força de trabalho salários caíram e a exploração aumentou. Esta situação abafante do
viva, a única que produz valor). Ou seja, desenhavam ainda palá- operariado explica em parte sua participação intensa nas revolu-
cios, obras de prestígio, sede de empresas, residências burguesas, coes de 1830,1848 e sua liderança na Comuna, bem como a radica-

etc-, obras que requerem não somente habilidade gráfica e conhe- lidade de seus principais líderes. A literatura operária do século xix
cimento dos estilos, mas uma boa dose de irracionalidade que serve é bem mais exigente e ambiciosa que a do século xx. O resultado
à ostentação e, sobretudo, ao aumento da quota do Cv. Com isso, de mdo isso, entretanto, foi a diminuição generalizada de seu po-
estas obras se tornam verdadeiros tesouros, disponíveis se as coi- der. Os operários da construção tinham uma situação especial nes-
sãs vão mal. Nelas, o peso do engenheiro era menor. Sua função te contexto. Á industrialização transforma a submissão formal do
económica, vinculada ao Ce (capital constante: que deve sempre trabalhador manufatureiro (o savoirfaire essencial para a produção
ser reduzido) era distinta, mas complementar da função do arqui- continua até então em suas mãos) em submissão real (o processo
teto, que atuava pelo aumento do Cv. Tudo isso continua válido. A produtivo é exteriorizado pelo maquinaria, o trabalhador passa a
irracionalidade intrínseca da arquitetura servia ainda ao capital de depender dele). Ora, a construção continuou a ser manufatureira, a

outro modo. Quase meio século antes do mercado de arte tomar o submissão do operário da construção permaneceu formal, enquan-
mesmo caminho, o mercado de bens imóveis impõe à arquitetura to a maioria da produção se industrializou. O modelo da submissão
a busca do diferente. Assim que a Primeira Revolução Industrial real se generalizou pouco a pouco, criando na construção uma sÍ-

generaliza a economia de mercado, isto é, a validade universal da lei tuação paradoxal: a direção começou a procurar meios áe submeter
do valor (segundo a qual o preço das mercadorias é igual em média o trabalhador realmente, sem, entretanto, abandonar a manufatura.

ao seu valor), os vendedores procuraram falseá-la aproveitando-se Voltaremos a isso logo.

das diferenças, para obter um preço superior ao valor. A proíusão de Duas datas têm importância para compreender o que se pas-
estilos que a arquitetura inventou então - neorromânico, neogótico, sara no fim do século xix, começo do xx, no que se refere à arqui-

ficções mouriscas, persas, orientais, etc. -, respondeu racionalmen- tetura: 1848 e 1870. Durante a Revolução de 1848 aparece clara"
te com novas fontes de irracionalidade necessária à formação dos mente a divisão em classes da sociedade, na prática e na teoria. Com
tesouros ostentatórios providos de renda diferencial. Logo, entre- a publicação do manifesto comunista de Mane e Engels, torna-se
tanto, a. moda pegou e desceu na escala do luxo - e a extravagância explícita a luta de classes. Pela primeira vez, de forma clara, os ope-
começou a se contentar com ersatz, em estaque dourado ou varia- rários propõem ateliês nacionais, autogeridos, sob o seu controle.
coes de aparelhagem. Virou estilo por sua vez e parou de justificar a O ma» conhecido ateliê, o de Courbet, pintado em 1855 e hoje
renda diferencial. A diferença tornará, mais tarde, outros caminhos. exposto no museu d'0rsay, em Paris, é uma alusão aberta a estes

Enquanto isso, o operariado passou por profundas muta- ateliês operários. Esta reivindicação retorna em 1870, no curto in-
coes. A lei Lê Chapelíer, aprovada durante a Revolução Francesa terralo da Comuna. Insisto neste detalhe para lembrar que as metas
do movimento operário de então, apesar de sua repressão cons-
ares. Este material diversificado, entretanto, enü-ava num processo
tante, eram bastante radicais. Sua meta principal era a Revolução produtivo de grande racionalidade e que utilizava, do melhor modo
- pelo menos a de sua parcela mais ativa. Os jornais e os pequenos
possível, os avanços do canteiro de obras numa síntese perfeita para
grupos de militantes pregavam em seus panfletos a transformação a época. A técnica neles alimenta realmente a qualidade arquite-
profunda da sociedade. tónica, permidndo aproveitar do procedimento manufatureiro o
O fim do século xix, começo do xx, é um dos períodos mais que ele contém de possibilidades posiüvas. Tais arquitetos são, em
fig 10 Restaurante Lê traln bleue. Gare complexos da história da arte e da arquitetura: não é sem razão geral, admiráveis - mesmo que não tenham, chegado, no seu apro-
de Lyon, Paris. que vê nascer o modernismo. Falaremos agora dele, lamentando ter
veitamento da manufatura, até a revisão necessária de suas relações
que deixar de lado tanta coisa áe primeira importância: Haussman, de produção. Foram ridicularizados pelo modernismo, assim como
VtoIlet-le-Duc, Ruskin, Morris, o an nouveau, etc.
a arquitetura gótica foi pela renascença: as viradas de fundo do ca-
E costume caricaturar este período dando exemplos corno o
pitai enterram no inferno o que as precede.
da Gare de Lyon em Paris. A entrada é quase mn manifesto dá arqui- Vamos retomar algumas questões. Durante o século xix,
tetxiï-nfin de siècle, bem evidente ainda no restaurante Lê train bi eu, pouco a pouco, surgiu a tendência de transformar a submissão for-
tombado como monumento histórico (assim. como os pratos de seu
níal3o trabalho na construção em submissão real, apesar de não
fig 11 Cais da Gare de Lyon, Paris, cardápio). Um festival de estuques, candelabros, móveis decorados haver mdustrializaçao. O objetivo económico desta transformação,
1855. e pinturas dos que obtiveram o Prix de Rome . Não há recanto que como na Índzístria, ë o aumento da mais-valia relativa, obtida por
não seja investido por algïima alegaria, máscaras, flores, festões, etc. uma maior produtividade do trabalho que diminui o valor dos prp-
Á estrutura do prédio some sob o derrame de "invenções" e capri-
dutos necessários à reprodução da força de trabalho - do salário
chos - é a parte do arquiteto. Atrás da entrada, sem transições, o
portanto. Lembro que, até então, o corpo produtivo na construção
cais dos trens, coberto por uma belíssima estrutura em metal, rigo-
guardava a posse do savoirfaire construtivo - apesar do aumento da
rosamente desenhada, extraordinariamente económica e elegante e
divisão do trabalho e o reforço da direção de canteiros. Esta situ-
deixada à vista. Quase nenhuma decoração, salvo em alguns capi-
ação se torna altamente problemática para o capital após a queda
téis. Tudo com tal qualidade técnica e de execução que até hoje não do Segundo Império (1870). Anteriormente, as organizações ope-
foi necessário alterar nada, só conservar - é a parte do engenheiro. rárias, proibidas, limitadas e quase sempre secretas, não tinham a
O contraste brutal tem servido de argumento para demonstrar a dimensão necessária para constituir uma oposição séria à domina-
necessidade do modernismo: a vitória da racionalidade técnica que
cão do capital. Mas o clima político alguns anos após a Comuna
requer outra arquitetura que não seja a do "bolo de noiva .
(1870) e a instalação da República, menos autoritária e repressiva,
Mas as coisas não são tão simples. Por exemplo: os arqui-
permitiu a formação de organizações operárias mais consistentes.
tetos ditos ecléticos são rapidamente associados aos criadores de Logo, no fim do século, os primeiros sindicatos foram criados. Des-
"bolos de noiva". Ora, eles são exatamente o oposto destes. Nosso
confiados a propósito da duvidosa República Parlamentar, eles se
caro amigo Epron15, excelente historiador deste período, Íamenta-
tornaram ofensivos e claramente marcados por uma consciência de
velmente esquecido, foi o primeiro a reagir contra a interpretação classe. Eram animados por socialistas, comunistas, antigos partici-
negativa do ecletismo e demonstrou em seus precisos estudos o
pantes da Comuna libertados e, sobretudo, por anarquistas. Eles
[14] O Prixdefíome^oi criado em 1663 avanço considerável destes arquitetos sobre os outros áofin desiecle. não lutavam por melhores condições de trabalho ou salários so-
durante o reinado de LUÍS XiV, com o Tenho particular estima por eles. Tinham uma consciência aguda
intuito de premiar os mais promissores mente: a grande meta, e em curto prazo, era a autonomia produtiva,
artistas com uma bolsa de estudos em
da prática produtiva. São chamados ecléticos porque sua prática a autogestão e a Revolução social. Muitos a consideravam possível e
Roma, Originalmente o prémio era con- tem parentesco com o ecleúsmo filosófico: escolhiam as melhores próxima -- e não somente os militantes trabalhadores. Marx pensava
cedido pela Academia Real de Pintura e soluções, os melhores detalhes, livremente, entre os que a história
Escuitura e, a partir de 1720, também
assirrre a maioria da juvenmde se dizia socialista. Até a plástica dos
da arquitetura punha à sua disposição, independentemente do fato neoimpressionistas, próximos dos anarquistas, procurava preíigu-
pelaAcademia Real deArquitetura. [N.E.]
de pertencerem a este ou aquele estilo ou época. Isso evidentemen- rar a "harmonia dos complementares que deveria caracterizar a
Ê15] EPRON, Jean-Pierre, Varchitec-
°.MardaQa,1998.[N,E,] te irritou os historiadores posteriores, amantes das evoluções Une-
sociedade dos iguais a surgir em breve. A agitação operária cresce e
as numerosas greves entre 1890 e 191 o, inquietam os dominantes e disfarçado: pedra fictícia em concreto, pilares clássicos em ferro
encorajam os simpaüzantes^.. fundido, etc.
Os trabalhadores da construção participavam ativamente Somente mais tarde, na virada ao século, foi que o concreto
deste despertar, e unham uma vantagem considerável na luta que começou a atrair a atenção. Suas vantagens ultrapassavam de longe
privilegiava a ação direta, a confrontação nos locais de trabalho, a simples questão dos custos de produção'7. O concreto não pro-
cara aos anarquistas: a quase exclusividade do savoirfaire constru- vocou rapidamente um savoirfaire que se acumulasse, uma tradição
tivo. Era mais fácil parar um canteiro sendo mestre das operações. de méïier que pudesse soldar uma aliança operária (aliás, o mesmo
Eles não eram facilmente substituíveis como na indústria - e suas ocorre com o ferro: até mesmo para erguer a. torre Eiffel, no fin-
organizações, ainda estruturadas por métier, favoreciam a solídarie- zinho do século xix ~ o monumento à glória deste metal - foi ne-
dade. E, para piorar ainda mais a vida dos patrões, suas frequentes cessaria recorrer aos carpinteiros, únicos capazes de levar adiante
greves secavam a fonte das mais generosas massas de mais-valia que com precisão uma obra tão exigente). Nem o concreto nem o ferro
nutriam o conjunto da produção. Para o capital, a hora era grave. puderam se constituir como base para ofícios de proa na luta ope-
Foi quase sem premeditação que o capital empregado na rária, como a madeira e a pedra. Os dois materiais exigem cálculos,
fig 12 Torre Eiffel, Projeto de Gustave
consünção encontrou uma saída, na verdade esboçada há algum estudos estruturais, detalhes técnicos precisos, dosagens justas. Um Eiffel, Paris, 1889,
tempo. Michel Ragon nota, sem dar muita importância: conhecimento específico e complexo que tem poucas semelhanças
com o saber empírico e aproximaüvo dos pedreiros e carpinteí-
E interessante lembrar que a estrutura em ferro nasceu ros. Ele se concentrou inevitavelmente nas mãos dos engenheiros
como consequência de uma greve de carpinteiros, em 1840. e técnicos superiores - os quais, evidentemente, não se apressaram
Como esta greve durava há muito tempo paralisando os tra- em divulgá-lo entre os trabalhadores. A arma do savoirfaire destes
balhos de construção, as empresas do Crezot tiveram a ideia cede o lugar ao saber daqueles. Um quiasmo de arma: o savoirfai-
de fabricar em série vigotas de ferro. Se este material de re declina no canteiro provocando desqualificaçâo; o saber cresce,
substituição não destronou completamente a madeira, teve causando mais poder para a prescrição. Este basculamento reforça
entretanto por consequência o nascimento de um novo corps a mais-valia relativa, o que vem de encontro com os interesses do
de métier. Daqui para frente o mecânico tenderia a substituir capital diante das pressões crescentes pela redução da jornada de
o pedreiro, como o engenheiro compensaria a demissão ao trabalho - isto é, contra a mais-valia absoluta.
arquiteto [...] os mâusü-iais tinham utilizado â esttntura de Pouco a pouco a madeira e a pedra desertaram o canteiro,
ferro como "quebradoras de greve". até sua tácita proscriçâo pelo primeiro modernismo. Pedreiros e
carpinteiros, estes agitadores intratáveis, não serão mais o eixo dos
Eis o germe da receita, velha como Já vimos: para forçar uma canteiros. Isto, aliás, mais a perseguição policial, forçou os mais en-
vantagem na relação de forças, o melhor é mudar as regras do jogo. gajâdos à imigração. Foram numerosos a vir ao Brasil, sobretudo
Agora, é o material que foi mudado (depois será o código). italianos e espanhóis, por causa da proximidade da língua. Em ge-
Os ganhos para o capital provocados por esta mutação não ral, tinham o mesmo perfil: excedentes no métíer, e anarquistas. O
se mostraram ainda completamente. O que primeiro o impressio- movimento operário brasileiro deve muito a eles.
nou, além de servir para quebrar greves, foi a economia dos custos A submissão do trabalho, teorizada por Mane, resulta prm-
de produção. Por isto o recurso ao ferro foi limitado às construções cipalmente áa incorporação massiva da ciência e da tecnologia na
ligadas ao capital constate ou à circulação de mercadorias - o ter- condução da produção. Sua manifestação principal é a mecanização
ritório dos engenheiros. A racionalidade imposta pela necessária industrial. O savoirfaire tradicional é então largamente ultrapassa-
economia produziu maravilhas ~ estações ferroviárias, mercados, do pela eficácia das máquinas operacionais. As consequências são
pontes, palácios de exposições industriais e comerciais, etc. - mas, profundas: desqualificação operária (o savoirfaire não conta mais),
[16] RAGON, Michel. Hístoire de i'ar- {17] FERRO, Sérgio, "O concreto como
assim como o concreto armado, compareceu raramente nas obras diminuição do preço dos produtos (portanto do custo da força de arma", In: revista Projeto, n. 111, jun.,
chitecíure et de 1'urbanisme motíernes.
3 vols, Casterman, 1986, vol.1, p. 213. de arquitetos - ou se o fez foi como substituto, cuidadosamente trabalho, dos salários), aumento da mais-valia relativa (portanto da
nário performante, obteve-se resultados, se não iguais, pelo menos
taxa de mais-valia), submissão não somente exterior do trabalho
(portanto, despossessão interna, alienante do trabalho), redução das próximos à submissão real do trabalho industrial. Isto decorreu da

possibilidades de resistência do tipo ação direta, etc. No fim do sé- conjunção de dois fatores: por um lado não havia um savoÍr faire
acumulado que pudesse ancorar a resistência operária na produção;
culo xix e, sobretudo no começo do xx, o taylorismo e o fordismo
por outro, estes materiais exigiam, por sua própria natureza, um
prosseguindo as tendências latentes destas mudanças, transforma-
saber que se concentrou na mão da direção, o que automaticamente
fig 13 Paiácio de Cristal. Projeto de Jo- ram a organização do trabalho, reforçando a prescrição, e reduzin-
tornou-se arma para a dominação. O exemplo se espalhou. Pouco a
seph Paxton, Londres, 1851 . do o trabalhador a executante olígofrenizado.
pouco todas as áreas especializadas da construção adotaram o mes-
Na construção, a coisa foi mais complicada. A produção, por
mo modelo: concentração do saber técnico - que foi estimulado
seu papel na economia, deveria continuar manufatureira. Graças à
a crescer - em cima, concentração do poder, portanto; e desqua-
quantidade de força de trabalho que ela ocupa, bem superior rela-
üvamente à da indústria, e ao número reduzido de máquinas, ela lificação e mudança de técnicas e materiais se possível, em babco
(submissão aumentada e baixa salarial). E, por todo lado, aumento
é fonte indispensável para a acumulação do capital e uma barrei-
áa mais-valia relativa.
ra contra a queda tendencial da taxa de lucro, repito. Está fora de
Note-se que a esperança por uma revolução próxima não
questão a industrialização da construção - entretanto, tecnicamen-
era tão utópica assim. Pela. primeira vez na história se consolidou
te viável, como prova o Palácio de Cristal (1851) ou a implanta-
o pressentimento, senão a certeza, de que, com o avanço já obtido
cão da cidade de Cheyenne nos EUA (1867), entre outros exemplos
das forças de produção seria possível produzir o suficiente para res-
possíveis. Tal industrialização provocaria um desastre económico,
pender as necessidades essenciais de toda a população - pelo me-
sobretudo em plena Segunda Revolução Industrial, ávida por mais-
nos nos países mais desenvolvidos. Mane e Engels, e muitos outros,
valia fresca. Á construção, portanto, se encontrava num impasse:
sendo impossível para ela submeter realmente o ürabalho através concordavam com isso. Ás condições materiais para uma revolução
da mecanização, a submissão continuará formal, exterior; mas era
anticapitalista estavam lá, por mais limitadas que fossem. O fato
da revolução não ter ocorrido, não prova nada - ou então teremos
igualmente impossível e perigoso continuar a depender do savoir
faire do trabalhador18. Foi sob a pressão crescente do movimento que adotar a fantasia hegeliana que afirma que o possível entra
operário do fim do século xix que tudo acelerou. Desde o começo obrigatoriamente na efetividade, e conceder que Marx e Engels
do século, os setores mais avançados da construção apostaram em
foram uns apressadinhos irresponsáveis. O que os fatos provam
não é que as condições não estavam prontas para a revolução, mas
um maior ngor prescnüvo: o projeto, nestes casos, se tornou mais
exigente, preciso e exaustivo. O desenho começou a penetrar no
que a reaçâo do capital foi mais ágil e eficaz, nada mais. Tivesse a

interior dos elementos. Mas, rigoroso ou não, o projeto continuava


roda da fortuna girado ao contrário, talvez hoje tivéssemos uma
outra história da arquitetura, filha do encontro imaginável entre
dependendo do savoirfaire operário para ganhar corpo. Sob ameaça
[18] Segundo Maní, "desde 1825, qua- alguns arquitetos ecléticos e os anarco-sindicalistas áa construção.
de perder todo o controle sobre o canteiro, como num sobressalto,
se todas as novas invenções foram o re- Dreams, dreams...
sultado de colisões entre o operário e o
as múltiplas experiências isoladas do século em torno do concre-
to (mais na França, na Alemanha predominou o ferro) parecem se Não é a toa que a história do modernismo tenha inventado
empresário que buscava a qualquer cus-
to depreclar a especialidade ao operário, condensar numa atitude voluntária. Rapidamente, as várias vanta- o mito segundo o qual ele resultaria da reação contra a arquitetura
Depois de cada nova greve, mesmo que bolo de noiva", da aparição de novos materiais, o ferro, o concreto
gens dos materiais "amarelos"19 se articularam. "E a parür deste
de pouca importância, surgia uma nova
(e o vidro!) ~ unanimamente saudados como inspiradores e pro-
máquina," Ver: MARX, Karl. Miséria da fí- momento, isto é, por volta de 1900, que n aventura do concreto
iosofia, ícone Editora, 2004, p. 159-160. gressistas ~ e do engenheiro, o maior trunfo para submeter quase
começa realmente", afirma ainda M. Ragon20. Ou seja, no momen-
[19] Quebradores de greve, na giria realmente o trabalho da construção, que aparece como o antepassa-
to mesmo em que o sindicalismo revolucionário foi mais ofensivo .
francesa. do ainda tosco da restaurada "racionalidade" do arquiteto.22
Em todo canto como simples substituto (Coignet, Hennebíque),
|20] RAGON, Michei. Op.Cit, p. 248.
ou como fonte de novas formas (Baudot, Perret,T. Garnier), o con-
O verdadeiro reajuste estrutural que provoca o surgimento
[21] Ver BRON, Jean. Histoiíe du mou- do modernismo é muito mais escorregadio, mesmo que seu íunda-
creto começou a se impor. [22] VerSiegfried Giedion, Nikoiaus Pe-
vemení owrier trançais. Buois, Ed. Ou-
Com a mediação do ferro e do concreto, mesmo sem maqui- mento seja simples: ele é parte da reação instínüva, mas tenaz, do vsner e tantos outros,
vrières,1970,vol.2,p.112-137.
capital contra a ameaça de uma possível revolução. Sempre esque- das estações de trens, ou com o concreto de Maillarí ou Freyssi-
maücamente, os movimentos no enfrentamento são os segrjintes: net. O modernismo usa estes materiais, durante um bom tempo,
se alguns arquitetos do amálgama chamado ecléüco se apoiaram no de modo primário, obtuso, inapropriado. O concreto armado de
existente (presente ou passado) para propor e realizar obras apura- Tbny Garnier ou o ferro de Gropius são ainda pensados com a
das, justas e ainda perfeitas, levando em consideração a estrutura lógica da madeira e da pedra recusadas - ou então obrigados a en"
técnica da manufatura disponível (visitem o hospital Rotchild, feito trar numa grelha ortogonal que não tem nenhuma relação com o
por Moreau na Praça dos Buíte Chaumont em Paris), os moder- comportamento efetivo destes materiais. Não é curioso fazer uma fig 16 Tony Garnier, Projeto para uma
nistas se puseram logo como os arautos de uma industrialização revolução em nome de alguma coisa que será a primeira traída pela cidade industria!, 1902, Paris, Conserva-
íoire Nationa! dês Arts et Métiers,
inexistente (e improvável dentro do capitalismo), futura, no me- dita revolução? Como brincava Flávio Motta, há qualquer coisa no
Ihor dos casos, da qual somente imitam a aparência imaginária23, ar que não é avião.25
no quadro de um engodo político sobre a absoluta necessidade do
desenvolvimento das forças produtivas. Voltarei a isso logo. A Primeira Grande Guerra e a Revolução Soviética provocaram
Ao possível ataal substituíram a espera pelo não possível en- profundas alterações. Para o que nos interessa aqui, temos que

fig 15 Opera de Paris. Projeto de Char- tão. As reivindicações autogesüonárias e igualitárias do sindicaÍÍs- apontar a enorme guinada do movimento sindical. A experiência
iesGamier, 1875, mo revolucionário, que queriam modificações imediatas e radicais dolorosa da guerra, mais as orientações provenientes da União So-
na gestão da produção e o fim da divisão de classes, o modernismo viética para deter as ambições revolucionárias, mais a adoção cega,
respondeu aumentando a divisão entre concepção e realização, so- mas quase unânime, do dogma do mandsmo vulgar e mecânico se-
bretudo dando asas à sua predileção pelo ferro e pelo concreto - gundo o qual é preciso primeiro fazer avançar as forças produtivas
mas com a promessa de se ocupar da questão social assim que possí- para depois distribuir ou revolucionar (dogma adotado com satis-
vel, com a esperada industrialização da constmção, num horizonte fação pela direita também), quebraram o vigor sindical anterior. O
social imutável. Um de seus primeiros e mais cantados projetos foi mais grave foi a aceitação da condição operária como normal, pelo
o de Tòny Garnier para uma cidade industrial, ainda de operários menos por um bom tempo ainda. Como ninguém sabia dizer quan-
e patrões. Para completar, o modernismo faz campanha de denún- do as tais forças de produção atingiriam o nível necessário para a
cia pondo no mesmo saco os ecléticos e os arquitetos de "bolo de mudança, nem qual seria este nível, os sindicatos e o movimento
noiva , como os herdeiros de Garnier - o outro, dá Opera de Paris. socialista abandonaram as lutas por autogestão ou controle da pro-
Tbny Garnier propôs um novo vocabulário plástico, virtuosamente dução - e passaram a reivindicar melhorias exteriores ao processo
puriíano, que tornava a geometria elementar como racionalídade produüvo mesmo: salários, férias, assistência sanitária, etc. Até o
construtiva - mas que restaura a divisão entre o que sustenta e a fim da Segunda Grande Guerra, as maiores vitórias foram como as
máscara de rigor. Isto não o impediu de condenar o ornamento ~ a do front populaire na França: um pouco de salário, alguns direitos
BANHAM, Reyner, Teoria e projeto
ns primeira era da máquina. São Paulo, arte popular dos produtores, como ensinou W. Morris. trabalhistas e quatro semanas de férias por ano. Os documentários
Editora Perspectiva, 1975. Esta é a aventura apresentada como período heróico do mo- favoráveis ainda exibem, orgulhosos, o nascimento do turismo ope-
[24] O texto diz exatamente: dernismo. Lê Corbusier, um pouco mais tarde, em 1923 se não me rário. São avanços importantes, sem dúvida, mas que ilustram a ab-
[25] Obsen/ação para os que gostam de
engano, deixou escapar um lapso que diz claramente de que guerra dicação, o afastamento da perspectiva revolucionária. Seria o caso,
"A sociedade deseja fortemente uma apontar correlações entre arte e arquite-
coisa que ela obterá ou não, Tudo está os pioneiros foram heróis: arquitetura ou revolução", reconhece2'''. creio, de reconhecer um terceiro tipo de submissão, acrescentada à tura: a mesma situação na passagem do
aí; tudo depende do esforço que se fará E, sob o manto glorioso da história mítica, que atribui aos novos formal e à real; a submissão ideológica, interna, subjeüva. século levou a pintura a se revolucionar
e da atenção que se concederá a esses realmente com as colagens do Cubismo
materiais parte da razão de ser do modernismo, passa desperce- E evidente que esta guinada agradou ao poder económico
sintomas alarmantes. analítico de Braque e Picasso. Por um
bida a fraqueza desta tese, cujo ar de seriedade material ilude até e social. O taylorismo e o fordismo puderam avançar suas normas rápido momento, em 1912, ela corres-
Arquitetura ou revolução.
Podemos evitar a revolução." Adorno ou Habermas, porque, como explicar a extraordinária re- de organização do trabalho sem muitos entraves e resistência. O pondeu a seu conceito, trabalho tivre.
Formas próximas não têm o mesmo
gressão técnica no seu uso pelo modernismo? Não há nenhuma operariado, bem ou mal, começou a aceitar a imagem que Taylor
Ver: Lê Corbusier. Por uma arquitetura. sentido num artesanato de pouco peso
São Paulo, Editora Perspectiva, 6a edi- ocorrência deles então que possa ser comparada, por exemplo, com modelou dele: "deve cumprir ordens, pois não é pago para pensar . prático e numa manufaíura essencial
cão, 2002, p, 205. [N.E,] as estruturas justas, carretas, perfeitas e elegantes em ferro nos cais Ou a que propagou Ford: "há que trabalhar como uma mula, pois para a economia.
coisas -ea força transformadora de outras relações sociais geradas
depois do expediente haverá recompensas" - separação entre pena
e reconforto, tão violentamente criticada por Marx. pela luta coletiva e revolucionária mesmo em situação de "atraso .

Não por acaso, esta triste guinada conformista do movimen- 'As análises de Gorz, Friedman, Lefèbvre, Marcuse, a publicação
to operário foi contemporânea da afirmação do funcionalismo ra- dos Grundrisse, as reedições de Rosa Luxemburgo e dos anarquis-

cionalista do modernismo arquítetônico, que propunha o bem estar tas, sustentaram o debate. Nos países em que não chegaram as mu-
danças, entretanto, predominaram as lideranças de classe média
coletivo de uma sociedade abstraía em que os conflitos de classe,
e das camadas intelectualizadas, ao contrário do que ocorrera no
a discórdia social desapareciam como por encanto. As declarações
do CIAM, e a Carta de Atenas são exemplos desta abstração. Casi- fim do século xix, que contou com importante adesão operária. Se

nhas e apartamentos funcionais para todos, todos podem trabalhar, ensaios de transformação das relações de produção podem ser ci-
tados, envolvendo autogestão, gestão participativa ou produção co-
circular, fazer ginástica e dormir entre árvores, lagos e pássaros. O
planejamento idílico de uma sociedade harmôíúca coincide estra- operativa, não é possível afirmar que a crítica tenha entusiasmado
nhamente com o recuo do movimento operário - e confirma sem camadas consideráveis da classe operária. Ao contrário, na França,

alarde a divisão aparentemente inevitável entre o trabalho/dever/ por exemplo, onde esta classe poderia ter chegado ao poder se não
encontrasse o freio sindical, contentou-se com alguns direitos no-
sofrimento e o lazer compensatório, a ideologia do conformismo.
vos, aumento de salário, sem contestar a venda da força de trabalho.
Divisão que traz consigo a afirmação de que a venda da força áe
Não é surpreendente, portanto, que a maioria das consequências
trabalho faz parte da planificação racional. AÜás, isto encontrava
mais duradouras deste período se conceníre nas áreas culturais e
confirmação no que se passava nos países do socialismo real.
Há sem dúvida obras isoladas e experiências posiüvas neste dos costumes burgueses.

período. Os bons livros de arquitetura falam delas. Não preciso No campo da arquitetura surgiram algumas experiências
marginais (como a nossa), muiüplicaram-se as praücas e
repetir. Quis somente assinalar a ambiguidade do modernismo, o
qual foi aáotado com boa fé por vários arquitetos. Não podemos alternativas, sobretudo entre esmdantes. Segui de perto a criação

esquecer a especificidade de Wright ou a coerência das primeiras de vUles nouvelks em que, pelo menos no nível da programação e
obras de Niemeyer, por exemplo. Mas o balanço geral ao moder- de seus primeiros anos de existência, foi tentado introduzir práticas
socializantes, geralmente elaboradas por cooperativas de arquite-
nismo é triste. O que não implica, evidentemente, em dar razão
às acusações contemporâneas sobre ele. Poderíamos resumir sua tos (como a Architectes et Urbanistes Associes). Mas a produção,
mesmo nesses casos, não mudou. O projeto continuou a reinar, os
contribuição, sob o ponto de vista da produção que interessa aqui,
operários a obedecer - mesmo quando o objetivo era atender às
dizendo o seguinte: algumas obras foram fieis á organização técnica
da manufatura, o que considero positivo, mas nenhuma, salvo en- suas necessidades.
Entretanto, quase imperceptível no começo, uma outra
gano meu, foi o resultado de relações de produção dignas e justas
reviravolta se preparava. E impossível num resumo como este
- o que anula seu discurso, cuja aloíasia acompanhou uma espécie
apontar todas as raízes desta reviravolta, que ainda mobiliza in-
de delírio invertido, de forclusao do real, de cegueira conveniente.
terpretaçÕes diversas: basta citar Jean-François Lyotard, Fredric
Outro salto. Depois da Segunda Grande Guerra - que acabou com Jameson, Paul Anderson, Terry Eagleton, David Harvey, Arthur
Danto, Hans Belting, entre centenas de outras variantes inter-
a visão angélica sobre a positividade intrínseca da evolução da ci-
pretativas. Saliento somente o que toca a arquitetura. Creio que
ência e da tecnologia ~, lá pêlos anos 1960, a esperança social se
reanimou. Voltou á tona o terna de base que alimentou o período as principais são: a apatia do movimento operário, surpreendido
talvez pelo vazio de sua vitória e pêlos presentes que o patronato
que precedeu o modernismo: a crítica das relações de produção.
As recentes vitórias da Revolução Chinesa e Cubana, a resistência ofereceu por sua desistência frente a possível tomada do poder
do Vietnã e as várias guerrilhas anticoloníais e anti-imperialisías (falo da França); o retrocesso dos movimentos vitoriosos de li-
bertaçao nacional, descaracterizados pela potência do capital in-
demonstravam a impropriedade do dogma sobre a necessidade pré-
ternacional; a falência anunciada do socialismo real; o fracasso
via do desenvolvimento das forças produtivas para tentar mudar as
evidente do desenvolvimentismo; e tudo isto face à penetração da diferença não incomoda o mercado, em cada geração alguns
corrosiva do neoliberalismo de Reagan e Tatcher. Uma ressaca podem assumir a posição coerente com o fundamento (trabalho
a euforia esoerançosa. livre), uma posição que o mercado aceita, já que pode aparecer
No recanto das ideias avança um movimento de ambíguo como simples diferença. Tal é o caso, por exemplo, de Braque e
refluxo. Muitos autores, sob o pretexto de crítica (merecida) às Picasse em 1912, de Duchamp entre 1913 e 1923, de WïUem de
equematizações simplistas da esquerda militante, passam a esquivar Kooning lá pêlos anos 1950, de Rauschenberg jovem, de Tàpies
o mancísmo ate então dominante. Fropõem teses que, sem atacar maduro, etc., etc. Mas isto não pode ocorrer com os arquitetos
visivelmente Marx, em geral adotam um relfttivismo pluralista, ou envolvidos com a prática corriqueira: denegar (forcluir) o traba-
uma descentralização em redes equivalentes, quando não se põem lho submetido que comandam é obrigação para eles. Entretanto,
a desconstruir. O que é chamado marxismo ocidental (ainda que lameson, de tleiüeg'g'er a J-laüermas, de uernda a
desatado da militância), permanece como referência no campo Anderson, a palavra dos arquitetos é piamente escutada. Tudo isso
da arte, mas os sucessores de Adorno e Horkheimer na Escola de é secundário, mas não para os estudantes de arquitetura, aos quais

Braque. Natureza-moría Frankfürt, em particular Habermas, se embrenham num triste revi- me dirijo aqui.
com Ás de paus, 1911. Óleo e papier sionismo. Benjamin, graças à sua escrita fragmentaria, é usado com As estrelas ouvidas agora são Venturi, Jencks, Gehry, Ei-
colle sobre teia 0,81 x 0,60 m. Paris,
icia a contrapelo. Uutros viram simplesmente senman, KooÍhas, Portzamparc, Nouvel, Zaha Hadid, etc., os pós-
Musée Nationa! d'Art Modeme, 19 Marcel Duchamp. Nu descendo
coletores, em particular de Popper, dão início á midiaüzaçao modernistas (no sentido amplo) e adjacências. Explodem como
a escada n. 2, 1912-6. Aquarela, tinta
de seu oportunismo sob o disfarce de revolta moral veáetes após 1990, mais ou menos, com a hegemonia assegurada e pastel sobre papel fotográfico 1,47 x
Sernard-Henri Lévy, etc.). Gente como Bourdieu escasseia. o desaparecimento do outro poiídco, a URSS, 0,89 m. Filadélfia, Museum ofArt,

Quase todos, mais os estudiosos do pós-modernismo desencorajamento da classe operaria que perde seu contorno,
citei acima, se põem a discorrer sobre arte e arquiíetura. No esmaecido por cima com a proletarizaçao da classe média baixa, e
dizem a respeito das artes plásticas, e principalmente da arquite- por baixo com o gigantismo do exército planetário de reserva de
fura, espantam por sua ingenuidade. Prossegïiem o enáeusamento mão de obra. Dispensam o programa insincero do modernismo: a
da arte que aüavessou Íntocado a história da filosofia ~ de Kant, promessa não é mais necessária. Raramente a arquitetura corres-
aos idealistas alemães, de Nieízsche a Heidegger, de Sartre a Der- pondeu tão espalhafatosamente ao lado sombrio de sua fanção: in-
rida, sem esquecer quase todo o marxismo ocidental. Não conse- croduzir irracionalidade na possível racionalidade técnica da cons-
guem admitir o que Marx e William Morris afirmam claramente: trução - -um festival de des-razao. Dubai pode ser o símbolo desta
arte é manifestação do trabalho livre. Roçam nesta constatação arquitetura, mostruário dsísytars: erguida quase que exclusivamente
todo o tempo, mas um preconceito devido ao endeusamento Ím- com a acumulação advinda da ultrajante exploração de canteiros
pede que a reconheçam. Este preconceito que precisa ser anali- escravistas, é hoje o cenário do poder solto do capital financeiro,
fig 18 Paulo Picasso. Natureza-morta
espanhola, 1912, Tela oval de 0,46 x sado, provoca deformações (pelo menos no que diz respeito às de seus golpes como de suas farras. A fantasia nwveazi riche dos
0,33 m. Coleçâo particular, "artes plásticas"). Todos estes autores - por ingenuidade, prefiro projetos e sua ousadia kitch convém perfeitamente ao capital fictí-
crer ~ continuam a pensar a arte (plástica) como crítica/espelha- cio ~ corno Marx denomina o capital financeiro. Quando escrevi O
mento da sociedade que lhe assegura a possibilidade de criticar/ canteiro e o desenho, há mais de 40 anos, jamais imaginei uma prova
espelhar, e incluem a arquitetura, reino do trabalho submetido, no material de suas teses tão perfeita.
campo áa arte (plástica), seu inverso. Tornam sem mais o discurso Uma análise da arquitetura contemporânea não poderia se
dos arquitetos, figuras mais que determinadas por ferozes interes- limitar a uma vaga referência ao estranho fenómeno da cegueira
sés económicos, como palavra autêntica, desimpedida. E certo que crítica e das estrelas midiáticas. A profissão hoje atua de várias ma-
atualmente os artistas plásticos também estão sob o domínio do neiras e em níveis diferentes que justificam estudos mais aproxima-
mercado e de sua contínua veracidade pela diferença que os torna dos. Mas, neste resumo de roteiro, vou saltar para o outro extremo,
presas do não ser: da obrigação de não ser como os outros. O que sem mesmo ter o tempo de elogiar como merece a atividade de
toma seu discurso também suspeito. Entretanto, como a natureza gente como Ermínia Maricato e Nabil Bonduki. Tenho que me
ater, como até agora, apenas a algumas considerações ultragenéri- dustrial? Como a ciência entra no canteiro através da arquitetura?
cãs - portanto, grosseiras. Você falou do engenheiro e da resistência dos materiais, começou
Muitos textos, como os de Robert Kurz, bem conhecido no alguma coisa e eu queria que você aprofundasse um pouco mais.
Brasil, apontam a emergência de outro aspecto da concenüação
financeira: não é mais possível esperar, no mundo globalizado pelo [SÉRGIO FERRO] Não é pergTjnta fácil, porque a entrada da ciência
capital, o desaparecimento do desemprego. Ele não é mais con- e da técnica no canteiro se fez por mil portas. Pode ser entrevis-
21 BasElica do Sacré Coeur, Paris.
juntural, nem se limita à dosagem que o capital impõe como meio ta, começando pelo mais abstraio, no hábito de analisar, discutir,
Projeto de Paul Abadie, 1 875-1919. de evitar o pleno emprego - o que forçaria a tornar equivalentes o destrinchar cada momento da produção. Pode ser encontrada en-
salário e o valor da força de trabalho. A própria concentração do tre os ecléíicos. Com os primeiros modernos, a própria forma tem
capital e a escala dos investimentos necessários para criar empre- que ser justificada, mesmo se as razões dadas são frequentemente
gos impedem qualquer solução pacífica para a marginalização de fantasiosas. As ciências sociais começam a marcar os programas.
porções cada vez maiores da população mundial - e a degradação Aproximando do canteiro, a ciência e a técnica vêm no bojo dos
crescente do trabalho. Enormes bolsÕes de excluídos da sociedade novos materiais, como o concreto e o ferro, por exemplo. Entre-
se formam e se expandem: o único progresso que os toca é o da tanto, é preciso andar com cuidado, porque há ciência e ciência,
miséria. Os que os compõem são hoje os que não têm mais nada a técnica e técnica. Não temos ainda uma boa história da tecnologia.
perder. È com eles, com os sem tudo - terra, teto, saúde e cidadania De hábito só nos apresentam o lado positivo. Mas, imersa, mistu-
que a arquitetura, lembrando talvez da real função do arquite- rada com ela, até o menor recanto, a técnica de dominação deixa
to, tem que se engajar. Lá, outras relações de produção podem ser sua marca. Surgem, por exemplo, modos de utilização do material
ensaiadas. Sei que vários colegas já tentam efeüvá-las. Eles podem contrários à sua natureza. Gosto de citar o caso do concreto arma-
talvez provocar uma saída digna para a pequena e triste história da do que já comentei num livro. E um material que opera melhor em
arquitetura sob o capital. estruturas curvas, sem ângulos abruptos, e funciona mal em tramas
ortogonais, pois os nós de cruzamento sofrem esforços aos quais
PERGUNTAS não é adaptado. Quando o concreto é utilizado pêlos seus maio-
que aqueles comités rés conhecedores - Torroja, Nervi, Freyssinet, etc. -, predomina a
autogeridos da Comuna de 1870, chegaram a forma curva. Agora, veja o que faz o Hennebique, o "expert" que
conformar? mais divulgou o seu uso: desenvolveu inúmeros detalhes e modos
de utilização, fazendo progredir enormemente este material que
[SÉRGIO FERRO] Nenhuma. Á Comuna durou pouco, aigwis meses conhecia a fundo. Mas era também construtor, e introduziu um. dos
somente. Só houve tempo para formular algumas questões, propor primeiros reticulados ortogonais, que, se é contrário ao comporta-
a mudança política desejada. Não deixou nenhum traço concreto. mento do material, é favorável ao adensamento do tempo de tra-
Tristemente, o único vestígio efetivo é a Basílica do Sacré Coeur, balho - isto é, ao aumento da mais-valia relativa. E todos os métiers
em Montmartre, que foi construída para agradecer a Deus pela da construção adotam os mesmo parâmetros, desde seus conceitos
derrota da Comuna. Mas diretamente, nada. O mesmo em relação primeiros, até a solução prática dos menores detalhes. A propósito,
a 1948. São períodos que devem ser estudados na literatura, nos fugindo um pouco da questão, estas coisas têm impacto em outras
jornais, nos discursos políticos, atas de assembleias, etc. Indicam. áreas. O mau uso do material sempre implica em usá-lo em maior
mais projetos que realizações. Foram movimentos cortados pela quantidade. No caso do cimento isto é grave, pois é responsável
raiz, de maneira bastante violenta. pela pior doença do mundo do trabalho, as silicoses pulmonares,
além de sérias dermatoses. Há vários outros produtos nefastos,
[MARIA LÚCÍA GITAHY] Naquela linha que você colocou, de sair um fruto de alta tecnologia, que continuam a ser usados porque são
pouco do esquemadsmo e ir além, eu gostaria de saber o que síg- práticos. Este embrenhado de técnica de produção com técnica de
nificaria, para você, o papel da ciência na Segunda Revolução ín- tem que ser mais
[PEDRO ARANTEs] Eu queria fazer uma. pergunta para o Sérgio a res- ca, do canteiro. Toda tecnologia que conhecemos hoje foi, pouco a
peito do ensino da arquitetura. A sua fala coloca um ponto de vista
pouco, extraída das experiências do canteiro. Adquiriu hoje alguma
minoritário, pouquíssimo prevalente na forma como estão organi- autonomia, mas historicamente vem de lá, e deve voltar para lá.
zadas as escolas de arquitetura ~ inclusive a nossa -, que são escolas
Mas a produção mete medo por causa dos conflitos sociais imbri-
do desenho. Eu nem reivindico escolas do canteiro. Acho que nós cados nela - e por causa das provocações que a prática faz ao nosso
deveríamos pensar escolas que fossem dialeticamente capazes de saber estático. Só na produção, no fazer, é que nossas convenções e
expor a contradição entre canteiro e desenho como método peda-
paradigmas formais podem se alterar com pertinência. Quando falo
gógíco. Eu gostaria que você contasse a sua experiência em Gre- em produção não penso em maquete, mas em produção real, efe-
noble com a proposta de canteiro experimental, depois de canteiro Uva, concreta. Nunca me conformei, apesar do reduzido mercado
ligado aos sindicatos, ligado à construção civil mais ampla na Fran- de trabalho, com a ausência de centros de produção de arquitetura,
ca, e também o quanto isso se deve às discussões nos anos 1960,das
ou de intervenção na cidade no interior das escolas de arquitetu-
reformas curriculares pelas quais passou a FAU,em 1962 e 1968,na ra. Não é assim que procedem os médicos nos hospitais univer-
discussão de uma escola do desenho ou de uma escola que colocasse sitários? Eles operam, cuidam, diagnosticam ainda em formação.
o ponto de vista da história, o ponto de vista do projeto, o ponto Porque nós, os arquitetos, não poderíamos também fazer o mesmo
de vista do design, etc., nas questões que envolviam a produção do em obras de interesse social - e organizar o ensino a partir disso?
objeto. O que você imaginou? O que você experimentou? O que Tentei várias vezes chegar aí, mas nunca consegui, salvo em escala
seria esta forma de ensino que entendesse essa contradição em ar- reduzida e efémera. A Ordem dos Arquitetos da França é hostil a
quitetura como metodologia de trabalho e formação do arquiteto? intervenções fora das escolas. Ás experiências internas, louváveis,
são restritas, pois eliminam as graves questões sociais na produção.
[SÉRGIO FERRO] Não é SÓ uma questão de metodologia, mas um Tentamos, há alguns anos, criar um centro de experimenta-
modo de pensar. Tanto Goethe como Hegel e Marx põem a produ- coes práticas com 5 ou 6 escolas de arquitetura, 5 ou 6 de belas-ar-
cão no centro, no coração de tudo o que é humano. Somos animais tes e 5 ou 6 de engenharia, perto de Lyon, em Isle cFAbeau. Escrevi
como os outros, a diferença é que nós produzimos e falamos (e o primeiro programa: só foi aceito pêlos ministérios envolvidos
falamos bastante, até demais). Há páginas belíssimas de Mars, so- quando foi totalmente edulcorado, quando foi eliminado tudo que
bretudo nos Grundrisse, sobre a posição central do movimento, da se referisse à crítica social, à crítica da divisão do trabalho. Triste-
ação, do trabalho. Quanto à arquitetura, o esquecimento disto vem mente, virou uma espécie de liceu de artes, com exercícios inodo-
desde a renascença - e se acentuou com. a invenção da estética do
ros. Conheci outras experiências excelentes ligadas à arquitetura de
século xvni. E o que faz Kant, por exemplo. Á estética trata da pas- terra, que deram origem ao Laboratório Craterre - hoje o maior
sividade perceptiva. Na frente do quadro ou da obra de arquitetura, centro mundial desta arquitetura, da qual tem a cátedra da UNESCO,
olho, acho bom ou ruim, etc. O nosso campo não é o da estética com experiências generosas por todos os continentes. Este labora-
mas o da poética, no sentido da poiesis grega, do fazer. Nós somos rório participa do ensino da Ecole d'Archiíecture de Grenoble. No
arquitetos, produtores de arquítetura, não deveríamos nunca ficar primeiro ano os alunos constróem uma obra experimentai em terra
limitados à estética - mas, ao contrário, insisür na produção, no e só depois começam a desenhar. No fim. do curso, em mestrado
fazer, na poética. Nosso ensino se limita frequentemente a analisar ou doutorado, os alunos se formam professores na matéria. Vêm de
e criticar o desenho acabado. Deveríamos, ao inverso, voltar à pro- todos os cantos do mundo, e, retornando a seus países, organizam
dução, pô-la no centro do ensino. Só o acompanhamento detalhado unidades de ensino semelhantes, sempre articulados com experiên-
do seu processo, a instrução do desenho pelo andamento da obra, cias práticas. Tenho a honra de ter sido professor do Patrice Doat,
passo a passo, permitiria ensinar a elaborar o projeto. Já escrevi o diretor e fundador do Craterre.
sobre isto. Se quisermos formar arquitetos, isto é, poetas no sentido
grego, teremos que nos ocupar centralmente com o momento da [DESCONHECSDOJ Como você vê as alterações do processo produtivo
produção. O desenho é inconcebível corretamente fora da práti- na arquitetura ao Pós-Guerras, que saiu da hegemonia do Estado
de Bem Estar - uma promessa de novas condições de vida para a po- destruição dos pressupostos da racionalidade. Eu queria que você
pulação - para, gradativamente, passar de uma construção medíocre comentasse um pouco melhor esta questão por conta de algumas

para uma construção mercadoria? Inclusive, eu acho que no ensino circunstâncias que a gente acaba vivendo, particularmente na his-
de arquitetura não se ensina o processo produtivo, se ensinam sis- tória dos mutirões - da qual eu participo. Nestes movimentos di-
temas construtivos, que são duas coisas completamente diferentes. tos autogestionários me parece que há uma questão de vigilância,
punição e algumas relações que estão sendo discutidas particular-
[SÉRGIO FERRO] Outro enorme capítulo. Ê difícil responder breve- mente pelo Foucault, e que me parecem muito próximas daquilo
mente: você certamente conhece a enorme literatura que já existe que a gente aprendeu aqui com a Marilena Chauí de conformismo
sobre isto. Eu me limitarei à minha própria experiência. Morei du- e resistência. Uma saída de certo modo ideológica para a questão
rante 12 anos num vasto conjunto de habitações programado no da dominação. Me parece que nos canteiros autogeridos determi-
fim dos anos 1960, em Grenoble. A programação elaborada por nadas circunstâncias acabam levando as pessoas a assumir a casa-

gente de esquerda era muito generosa. Apartamentos muito bons, ca daquele que oprime. Isto é uma situação recorrente. No texto

com enorme equipamento social - escolas, creches, mercados, co- "A moradia" do Kropotkin, do começo do século xx, ele acredita
mércio, biblioteca, ateliês de produção (madeira, tapeçaria, cerâ- na capacidade, na bondade, na solidariedade do oprimido quando
mica, etc.). Este programa era contemporâneo das manifestações se reconhece no outro oprimido. Até um pouco em diálogo com
de 68, do clima geral de reivindicações por outras relações de pro- Proudhon, que reconhece que a grande dificuldade da revolução é
duçao, por qualidade de vida. É inúdl dizer que, apesar disto, nada o coração do pobre e identifica neste sujeito um dos principais em-
mudou no canteiro. Mas, pouco a pouco, diminuindo a pressão so- pecilhos para que se consiga algum tipo de transformação. Na hora
ciai, estes programas começam a ser desmontados, minados. Estes que você coloca a possibilidade de outro tipo de arüculação da ar-
conjuntos haviam começado a favorecer o desenvolvimento de uma quitetura com os movimentos sociais, me parece que esse obstáculo

vida comunitária bastante intensa - perigosa para o poder central ressurge. Eu queria que você comentasse um pouco essas coisas, ate

de direita. Por exemplo, os programadores haviam ousado instalar pelo comentário que você faz do Foucault.
uma central de TV administrada pêlos moradores. Os habitantes
faziam televisão, produziam o que queriam - uma televisão feita [SÉRGIO FERRO] Não há dúvida que a transformação mais profunda
por eles, para eles. Foi logo proibida porque não respeitava o mo- das relações de produção acarreta problemas enormes. Nós carre-

nopólio do Estado. Entretanto, logo depois, o principal canal de TV gamos, nas costas de cada um, séculos de exploração, dor, violência.

pública foi privaúzado - o comprador era o maior construtor deste Nós não nos desembaraçamos desta carga que nos formou e teceu

mesmo conjunto habitacional, o Buyghes. A seguir, o novo prefeito, a rede completa de nossos hábitos. Em qualquer transformação há
agora de direita, começou a transformar a Vileneuve de Grenoble crises, disputas, divisões. Que no seio dos movimentos autogeridos
num gueto. Concentrou lá todas as famílias problemáticas, sobre- possam aparecer problemas, é evidente - e mesmo talvez desejável,

tudo árabes, objeto de um racismo que emergia. E assim por dian- porque estes problemas provocam interrogações, mudanças talvez

te, com pouco restauro, fechamento de equipamentos sociais, etc. posiüvas, etc. E não há que generalizar depressa demais. Há ca-
Hoje não se constróem mais estes conjuntos ambiciosos. As novas sós urgentes, outros que podem ser mais bem planejados, muti-

construções populares são pequenas, espaUiadas, sem equipamento rões simples, combinados, autogeridos, etc. Não simplifiquemos a
social significativo. A nova estratégia dos construtores se acomoda questão. Aliás, gostaria de aproveitar a debra para um comentário.
melhor com a escala reduzida. O único projeto ambicioso atual é o Quando falo de canteiro autónomo, penso também em autogestão
da construção de presídios. de gente competente, de gente que conhece seu ofício, de operários
formados no seu domínio. Não creio na possibilidade, sobretudo
[JOÃO MARCOS LOPES] Quando você faz um comentário sobre o pós- hoje, com a enorme complexidade da sociedade, de todo mundo
estruturalismo francês, você aborda algumas questões, justamente fazer absolutamente tudo. Como campo de possíveis talvez, mas

por causa das críticas que se acaba fazendo àquele momento e à não concretamente. E acredito muito no refinamento do métíer, na

50 51
qualificação real, na elaboração progressiva do saber que se acumu- justamente nesses anos iniciais de Bauhaus, etc. Eu não sei como
la, que se transforma em paixão, em gesto exato, em fazer carinhoso funciona este pós Primeira Guerra para o seu esquema. Eu acho
e na articulação justa disto na obra de arquítetura. Não esqueçam que o corte na Primeira Guerra é um corte válido para questões
que num canteiro efetivamente autónomo a finalidade deve estar tecnológicas, comerciais, políticas, mas nesta relação particular o
interiorizada: sua vocação social faz parte de seu todo livre. Vol- que é que você tem em mente?
tando à questão levantada, há que considerar que a autogestão hoje
está cercada por seu inverso. E, como em toda oposição, os pólos [SÉRGIO FERRO] Repito: apresentei um esquema grosseiro, cheio de
se contaminam um pelo outro. Amanhã venho falar de pintura, e saltos, lacunas, e, porque não dizer, parcial: só menciono o que es-
vocês verão, espero, o papel da oposição em sua história. Todo mo- tudamos mais de perto. Qualquer passagem que apresento é cheia
mento isolado, iüiado no meio de outro mais forte que o pressio- de variantes, de outras correntes convergentes e divergentes. A par-
na acaba sofrendo deformações. Não há como culpar somente as tir de William Morris, por exemplo, há múldplas derivações que o
experiências autogeridas por algumas eventuais deformações: sem prolongam, que o desviam ou o traem, e que se cmzam com outras
justificá-las completam ente, é preciso considerar que provem em tendências, credos, esperanças não contidas em seu discurso. Só
parte do entorno hostil. Não devemos esquecer estes problemas este tema mereceria muito mais que três reuniões. Mas o que eu
mas também não hipostasiá-los. quis destacar é que neste período, na virada do século xx, ha uma
comunhão de fatores (só me referi a alguns) que convergem sobre
ÏIA DE LIRA] vuem voltar aqui a sua a questão das relações de produção, principalmente a ação do sindi-
historiográfica, que eu particularmente gosto muito, até pelo calismo revolucionário. Insisto nisso porque nossas histórias falam
crivo que você elege pra contar essa história. No entanto, um corte somente do progresso visível das forças de produção, no nosso caso
que você definiu realmente me inquietou e eu fiquei imaginando associado ao ferro ao concreto, ao vidro, etc. Ora, o que me parece
o que é que você tinha em ocorrer era geral nos casos que você menciona é que privilegiam
to de vista das relações entre arquitetos e movimentos operários, ainda as questões ligadas às forças e meios de produção - numa
arquitetos e certas convergências que você identifica, anteriores direçao sem dúvidas generosa. Admiro profundamente os esparta-
à Primeira Guerra Mundial, em relação não somente a um novo Luxemburgo sempre me entusiasmou.
momento do sindicalismo, mas também um novo momento da
libertação social pêlos arquitetos. O corte na Primeira Guerra Depois da Segunda Guerra mundial até 1968, no
realmente me inquietou quando eu fíco pensando que talvez sua caso do Brasil, e nos anos 1950, no caso de São Paulo ~ período de
pesquisa, seu trabalho, nos apresente elementos novos. Eu queria desenvolvimento, de aprofandamento da concentração, etc. - há
que você se estendesse um pouco mais para eu me situar um pouco experiências aqui no sentido de modificação das relações de produ-
melhor. O que você vê ou reconhece como convergência do mo- cão, com gente que sabe, como você falou, trabalhando na fábrica e
mento pré-guerra? O William Morris, sem dúvida, mas as demais organizando as atividades de acordo com seu saber, não apenas com
experiências são muito restritas em termos ideológicos: há um so- as forças produtivas vindas de um sis£ema envolvendo o Estado de
cialismo cristão, um certo medievalismo que ainda resiste em algu- Bem Estar Social. Refiro-me ao comunitarismo francês que sur-
nus experiências, ou um mutualismo du em 104.0, durante a guerra, e existiu até o final dos anos 1060.
tro de um certo limite ideológico e este foi um exemplo bastante
quando eu penso no pós na década de 1950 e que foi extinto com o golpe
uma visão além da um pouco
nalista de arquitetos
pressionistas, que são deixados de lado e têm uma experiência rica
aproximações com sindicatos, dos arquiíetos
dos arquitetos que se exilam na URSS, da ponte [SÉRGIO FERRO] Há vários exemplos deste tipo de cooperativa na his-
tória. Podemos encontrar variantes mais ou menos próximas desde grandes potências não trouxera justiça social. Bastava ver então o
o tempo de Münzer26, no séc ulo xvi, dos utopistas do século xix, que estava ocorrendo nos EUA com a questão racial. Ao contrário, já
etc. São tipos de propostas tão básicas, tão próprias do pensamento era evidente que quanto mais cresciam as riquezas mundiais, mais
de esquerda que não podem senão se repetir. Mas conheço pouco o aumentava a miséria. Ou modificávamos as relações de produção
que aqui foi feito neste sentido. ou nada mudaria. Penso hoje que isto ficou demonstrado pela de-
cadência escandalosa dos países ditos socialistas que, por não terem
[FRANCISCO BARROS] A pergunta que o Pedro fez a pouco foi bas- criado relações de produção novas, puderam tão facilmente aceitar
tante extensa e talvez por isso somente uma parte foi respondida. a invasão vergonhosa do capital.
A respeito do fórum de 1962, na época que o senhor era professor
da FAU, onde estavam colocadas as discussões a sobre o canteiro e o [ALEXANDRE BENOtT] Queria colocar uma questão que o Zé Lira
ensino voltado para isso dentro da PAU. levantou sobre o movimento moderno, que é a herança que pesa
sobre nós na FAU. Tem um aspecto que o senhor coloca sobre o
[SÉRGIO FERRO] É que a memória está me falhando: o velhinho tem funcionalismo que é irrefütável: tanto que ele tem aspectos po-
brancos na cabeça, fora e dentro. Voltemos então à pergunta do sidvos quanto, também, que ele cria uma posição de certo modo
Pedro. Mas preciso dizer que, ainda ha pouco, conversando sobre a paternalista dos arquitetos. Mas acho que tem outro aspecto, que,
reforma áe 62 e 68, percebi que já tenho dificuldade de me lembrar justamente pelo seu enfoque, o senhor não aborda, mas eu acho que
delas. Então vamos lá. fica como pensamento de fundo que é: como você vê o pensamento
Havia sim oposição, a já mencionada várias vezes: entre os da cidade moderna? Não como ele foi apropriado na revolução da
defensores da prioridade da evolução das forças produtivas, por- Europa, mas principalmente quando ele foi gerado, na década de
tanto do desenho como propulsor do avanço, e os que pregavam 1920, a partir da experiência alemã e da experiência russa, e que eu
a prioridade da mudança das relações de produção, portanto do acho que se cristaliza de certo modo na Carta de Atenas. Eu queria
canteiro como local de experiências de alteração. Mas acho às vezes saber se você acha que ela é um elemento superestrutural que é
que o grau da oposição é um pouco exagerado. Afinal, sob a oposi- inválido, ou que traz realmente elementos negativos desse modo de
cão, havia um mar de coisas em comum, de continuidade. O Arrigas produção. Eu cito, por exemplo, o ponto 95 da Carta de Atenas: fe-
é o grande fundador desta escola, o fundador do grupo que prefiro chando a carta Lê Corbusier fala que a propriedade privada do solo
na arquitetura brasileira, a escola pauliste. Tenho o maior respeito é um entrave para se pensar um plano de cidade. Eu queria saber se
por ele - e sempre me incomoda qualquer inchaço da oposição. isso é pertinente hoje - esse pensamento negativo dessa cidade - ou
[26] Thomas Muentzer (ou Müntzer,
Existiu, era concreta e não foi fácil para nós, se considerarmos nos- se isso constitui somente um elemento ideológico de um discurso
ou ainda Münzer) foi um revolucionário sá situação de recém-formados. Hoje não sei se, tadcamente, ele que não se realiza.
que afiou nas guerras camponesas do não tinha razão. Na mesma época do fórum de 68 preparávamos
século XVI na região daAlsácia. Seu gm-
po praticava uma forma de comunismo
o programa para a escola de Santos, e desde o primeiro ano (acho [SÉRGIO FERRO] Olha, eu nunca trabalhei em urbanismo. Tentei uma
bastante ampla. Ver o !lvro de Emst Blo- que 1969) os alunos iam todos para as favelas, em torno das quais vez em Criciúma, Santa Catarina: foi um fracasso, desisti. Não pos-
ch sobre ele [Thomas Muntzer. teólogo todo o programa fora organizado. Metade ou mais dos professo- só falar de experiências pessoais, portanto. O que conheço vem de
da revolução. Tempo Brasileiro, 1973),
rés foi parar na cadeia. Talvez o que na hora nos pareceu errado, livros e de algumas observações diretas (Brasília, São Paulo...) não
Bastante místico, o apocalipse de São
João era seu texto de referência. Em sua tenha salvado a FAU de um mal maior. È preciso, entretanto, lem- é por acaso que quase nunca falo de urbanismo. Foge ao terreno de
úiíima batalha, o surgimento de um arco brar que a crítica da divisão do trabalho que nós defendíamos, era minhas atmdades. Há muita gente muito mais capacitada do que
íris no céu pareceu-lhe um sinal divino.
tema que ia bem além de nossa escola, tinha impacto em muitas eu, inclusive nesta sala.
Avançou desprotegido com sua tropa
mal armada contra as torças superiores outras áreas. Esta crítica, exagerando um pouco, atingia o PC, cuja
dos nobres e da igreja. Foram dizimados: defesa do desenvolvimentismo vinha de longe, do enquadramento [MARIANA Fix3 Sobre uma passagem que você fez ao longo da ex-
os anjos divinos esperados não vieram
da esquerda pela visão soviéüca iniciado nos anos 1920. O outro posição, que é a passagem para a mundialização financeira, quan-
apoiá-los. Tenho particular estima por
lado, o nosso, rejeitava isto já que o desenvolvimento material das do a produção da riqueza assume, ela própria, uma nova lógica fi-
nanceirizada, isso traz grandes consequências para a arquitetura, tas formas que vemos, copiando cenários de science fiction, tentando
fazer crer em proezas estáticas, loucuras técnicas ou exibindo em
como você falou. Os edifícios, como aqueles da Berrini, acabam
se convertendo numa espécie de artigo financeiro. Vão ter que se- escala gigantesca efeitos de maquetes paradoxais. Mas não importa:
guir a mesma lógica de rentabilidade e liquidez de qualquer outro com o canteiro parecendo formígueiro esmagado, as taxas de lucro
batem recordes.
investimento que faça parte de uma carteira de investidores, que
acabam assumindo uma condição de gerente na qual você tem um
descolamento maior do valor na sua base. Eu queria te pedir para
comentar as consequências que isso trás para o arquiteto, para a
produção da arquitetura e para a história que você contou aqui.

[SÉRGIO FERRO] Há alguns anos, já discutia sobre isso com o Pedro


Arantes. Falávamos do íoyotismo e da estratégia para projetos do
novo capitalismo. O que ocorre? Hoje as grandes empresas sub-
contratam, terceirizam, exteriorizam segmentos importantes de sua
produção. Segundo a natureza do empreendimento, do "projeto",
compõem agrupamentos ad hoc de competências; ofícios, fabrican-
tes de componentes, etc. Não guardam de forma permanente senão
o núcleo central - fiscais e a parte da produção que não tem equi-
valente fora. E evidente que exteriorizam também os problemas
sociais, os nós conflitantes, etc. O "corpo produtivo assim se es-
facela ainda mais (pois mesmo antes deste processo a cabeça do tal
corpo já estava fora da produção), fica mais afastada â possibilidade
de reaçao operária, e aumentam as taxas de lucro pela diminuição
dos gastos fixos - e pela exploração maior do trabalho. As ativida-
dês subcontratadas, sempre ameaçadas de subsütaiçao por outras,
espremem seus custos ao máximo, seus operários são geralmente
temporários. O canteiro que descrevi há mais de 30 anos mudou
muito. Entretanto, os problemas que já apontei só se agravaram.
A diáspora dos trabalhadores aumentou, assim como a desquali-
ficaçâo e a insegurança. As lutas operárias dentro das unidades de
produção ficaram mais difíceis. Por outro lado, o desenho de arqui-
tetura tem que responder a uma tensão cada vez mais contraditória.
Por um lado os "edifícios inteligentes" dão compreensivelmente
prioridade à técnica, aos engenheiros: os arqmtetos seguem atrás
bordando. Entretanto, para ainda existir, e por imposição áa con-
corrência 'mercítntil, devem também encontrar a forma exótica,
"original", diferente, que destaque seu produto dos outros. Quanto
à produção... Há mediadores encarregados de fazer o desenhado
de qualquer maneira - ou, se o controle de custos se opuser, de fa-
zer alterar o desenho. De qualquer maneira perde cada vez mais o
contato com o chão produtivo esfarelado, instável, distante. Daí es-
Terceira aula
27 de abril de 2004

Antes de começar a falar sobre pintura, quero fazer duas rápidas


observações. Preparo notas, mas, ao falar, as esqueço e acabo pu-
lando coisas.
A primeira é a seguinte. Principalmente em reuniões como
as nossas, deixo às vezes a impressão que desprezo o desenho. A
verdade é o contrário. O desenho que critico é contra o qual me
manifesto, é o desenho afastado do canteiro, o que o faz hetorô-
nomo. E o desenho que desaba sobre a produção como uma praga
e que é uma das armas do capital para sua exploração. Isto não
implica em uma condenação total ao desenho. Indico isto numa
fórmula "ingênua": é preciso substituir o desenho para a produção
por um desenho da produção, trocar o desenho que vem de fora e
desconhece o canteiro por um outro que nasça da experiência do
corpo produtivo.
O Flávio, o Rodrigo e eu, quando projetávamos nossa ar-
quitetura, desenliávamos como doidos, com toda a minúcia. Nos-
sós projetos incluíam muito mais desenhos que o habitual. Tudo
era desenhado, tijolo por tijolo. Tudo o que se propõe à discussão
tem que ser apresentado com o máximo de clareza possível. Por
isto fazíamos também desenhos de explicação, frequentemente, em
perspectiva cavaleira (prática e de fácil leitura). A preparação de
um projeto, para que possa haver participação e colaboração, exig-e
ampla clareza. Isto nos levou a desenhos bem fígwativos, pouco
esquemáticos, com texturas diferenciadas para cada material, por
exemplo. Além disso, cada equipe especializada recebia um dossiê
completo com todos os documentos, gráficos e escritos da obra,
para que todos soubessem o que todos faziam. Nosso escritório foi continuou a ter crédito e parece verdade admitida por toda histó-
quase sempre deficitário por estas e por outras razões, ria da arte. Entretanto, a partir do momento em que a arquitetura
A segunda observação que gostaria de fazer é sobre a Esco- passa a ser realizada como manufatura (grosso modo, a partir de
Ía Paulista de arquitetura. Penso - talvez por ter participado dela Bmnelleschi, mas com força, a parór do século xvi, isto é, desde
- que é a melhor fatia da arquÍtetura brasileira. Falo da tradição Vasari) esta passagem entre as três artes começa a ser problemática.
fundada e estruturada a partir do trabalho de Artigas, sem dúvida O fundamento social é comum, mas cada campo responde segundo
o mais completo mestre docente de nosso ofício. Artigas e os mais a mediação particular de sua maneira de produzir. A nova organiza-
exigentes membros deste grupo, o Milan, o Paulmho, o Tozzi, etc. cão do trabalho e sua exploração fizeram com que o desenho de ar-
(e nós da Arquitetura Nova), quase sempre foram atentos à técnica, quitetura começasse a diferir do desenho na pintura e na escultura.
aos detalhes construtivos, à execução rigorosa. A meu ver, poderiam A separação não é brusca, sobretudo porque, até bem tarde, parte
ser comparados aos arquitetos ecléticos dos quais falei ontem - se da pintura e da escultura eram exercidas em ateliês complexos que
não fosse a enorme diferença formal proveniente da ausência de misturavam restos medievais com práücas de cooperação simples e
citações históricas. Seus desenhos, por sua clareza e racionalidade, vestígios de manufatura.
preparam o campo para um outro dpo de canteiro. Flávio, Rodrigo Escrevi um livro sobre a capela Mediei do Michelangelo,
e eu, só avançamos um pouco mais neste caminho. Assim, tínhamos em Florença, no qual tento detalhar estas diferenças que emergem.
o cuidado quase maníaco em bem dividir as diferentes etapas da Não é de leitura agradável; aplico, para ser o mais completo pos-
produção, as diferentes equipes e seus materiais - o que nos parecia sível, uma trama de leitura derivada de Peirce, um pouco mecani-
essencial para que cada equipe, cada profissional, pudesse colaborar camente, c-amada por camada dos signos plásdcos. A intenção foi
efetivamente, com liberdade. Evidentemente não basta preparar comparar, no mesmo autor, para evitar traços vindos de diferenças
para que a colaboração se realize obrigatoriamente. pessoais, o comportamento do arquiteto com o ao escultor. O re-
Estas são as observações que desejava fazer. Pintura agora, sultado do estudo, creio, é demonstrativo. Como exemplo, basta
lembrando que o que vou apresentar só salienta o que foi objeto de mencionar a leitura indiciai. Ás formas arquiteturais acabadas são
nossos estudos, e dem de lado muita coisa essencial. perfeitamente lisas, com um décor de arestas rigorosas. Vasari se ex-
tasia diante do stucco que mais parecia um espelho, de tão perfeito.
Uma fábula tenaz percorre a história da arte. Desde Vasari pelo O outro lado da dicotomia, típica do classicismo romano, desapa-
menos, o desenho tem três filhas, a arquitetura, a escultura e a pin- rece. A parte realmente construtiva é uma porcaria: uma maçaroca
tara. È verdade que as três irmazinhas eram muito ligadas. O pe- de pedras desiguais, de cacos de telha e de tijolos enfiados entre
dreiro românico esculpia capiteis de sua lavra quando os arquítetos duas paredes mal aparelhadas. Sobre ela, escondendo-a totalmente,
nem haviam nascido ainda. Mais tarde, a maior parte dos arquitetos o stwco branco ultraplano e o décor em "pietra serena" ou mármore
da renascença eram pintores ou escultores que, no auge da car- fingindo colunas, arqui traves, nervuras, etc., tudo exato, firio de tan-
reira, quase como prémio de reconhecimento e valor, passavam à to rigor. Na mesma sacristia, com o mesmo mármore (um pouco
arquitetura. Giotto foi pintor, Ghilberti escultor, Raphael pintor, mais rosado somente), Michelangelo coloca as esculturas - estas
Michelangelo tudo. Não havia preparação específica. O golpe mor- feitas por suas próprias mãos: O conüraste é brutal. Na arquitetura
tal imposto pelo capital nascente contra o gótico, contra o saber e desaparecem todos os traços do trabalho, toda memória da produ-
o savoirfaire dos compagnons e sua quase autonomia, não partiu de cão. Nenhuma mancha de mão, como nos carros saídos da linha
uma revolução construtiva. Sob o ângulo áa técnica, bastou voltar de montagem de Ford, admirados por Lê Corbusier. Na escultura,
às práticas romanas degradadas e depois cobrir tudo com um décor ao contrário, a presença falante e exaltada do trabalho é o cerne de
clássico. Ora, os pintores e escultores coniieciam este décor que fi- sua expressão - de Michelangelo escalpindo. Quando ele recebia o
curavam em suas obras: era o suficiente.27 bloco de mármore a esculpir, seu primeiro cuidado era retirar com
E27] O mesmo ocorreu no século XX:
A preparação específica para a arquitetura só surge com o cmzeladas grosseiras todo vestígio debcado pelo processo de extra-
Wright, Lê Corbusier, Mies, etc., não
eram formados em arquitetura. Bramante e seu entorno. A fábula da índma união das irmãzinhas cão do mármore. A matéria deveria exibir somente sua intervenção.

60
o mesmo homem, nas mesmas condições, a produzir obras radical-
Entre estas primeiras marcas abruptas e o Uso final de alguns de-
mente opostas. O parentesco das filhinhas entra em crise.
talhes, vários géneros de hachuras, cortes, furos, etc. - correspon-
dendo a vários momentos da produção e aos vários instmmentos
Uma rápida historinha da pintura, ultracurta - e só notando nosso
requeridos - contam simultaneamente o nascer das figuras e a cria-
tema (a relação entre trabalho artístico e social). Como os arquite-
Cão exaltada do mestre.
tos em formação, também os artistas quiseram subir na sociedade.
A Virgem colocada no nicho central oposto ao altar é exem-
Em vez de frequentar cozinhas e áreas de serviço, almejavam ser
fig 22 Detalhe Capela Mediei, plar. Sua postura incomoda revela ainda o bloco de mármore de
recebidos por príncipes e bispos. Para isto tomam várias proví-
onde saiu, sobretudo o lado direito. Perto dos pés esboçados, há
dências. Por um lado, procuram se distanciar dos artesãos, de seu
ainda sinais das primeiras marteladas, do começo do trabalho. Pou-
comportamento, de suas regras corporativas, de suas taxas e nunca
co a pouco, subindo pelas pernas e pela coxa, as marcas do buril
manter bodega, coisa muito feia e baixa. Por outro lado, tentam
se atenuam; primeiro, largas e profundas, depois mais sutis - com
aproximar seu ofício das "artes liberais" - mais respeitáveis que as
o buril menor ou denteado - e, quando chega no "bambíno", no
"mecânicas" -, afinar sua erudiçao e escrever sábios tratados. Entre-
Cristo, atingem o liso, o mármore lixado até quase sumir como
tanto, tais projetos tinham um obstáculo incontornável: precisavam
matéria. Mas o Cristinho se retorce de volta para o seio da mãe -- e
continuar a trabalhar com as mãos, como os artesãos, um horror
o mesmo caminho é retomado ao inverso, voltando ao início nos
para a aristocracia (Duchamp ainda não nascera). O exemplo dos
cabelos e véu de Maria.
"liberais" indicou a direção da evolução: um jurista não fala como
Michelangelo foi uma espécie de Flávio Império, sempre
um doqueiro. Havia que mudar a linguagem, enobrecê-la, mudar o
pronto para quebrar a norma. Formado dentro do pensamento ne-
modo de trabalhar com as mãos.
oplatônico, ele o inverte aqui. Para Ficmo28, saímos de Deus, des-
As primeü-as tentaüvas, lá pelo fim do século xv, foram con-
cemos à Terra, nos sujamos de carne, abandonamos a carne morta,
traditórias: aperfeiçoar a norma até atingir o virtuosismo. Assim,
subimos nos limpando, e voltamos a Deus. Emanatio e remanatío.
na gravura, por exemplo, em vez de deixar o traço do buril seguir,
MichelangeÍo sai da matéria suja, se limpa, chega ao Cristo subíi-
continuar a tradição, os artistas começam a "verticaUzar o pro-
mando o material -~ e quando sobe mais, se re-suja, volta à hylé pri-
cedimento, como dizia Foucault, isto é, chamar a atenção para a
mordial. Além de heteroáoxa, esta inversão explica o bom trabalho
elegância, a maestria, a sistematização e a pertinência íigurativa do
artístico. Sair do material dado (historicamente determinado), levar
traçado. Pensem na diferença entre uma gravura em madeira da
o material até o limite quase do desaparecimento na viagem "para o
Idade Média, parecida com as de nossos livros de cordel, e uma gra-
outro" (tema, modelo, ideia, etc.) e voltar à matéria, ou melhor, ao
vura de Dürer. Dürer exibe, exalta sua habilidade. Suas imagens não
maíeriaÍ, restaurando, enriquecido o ponto de partida. E a trajetó-
ilustram somente a paixão de Cristo, por exemplo - mas também
ria do artista. O fim. do quadro, apesar do que se possa crer, não é a
sua aptidão e talento. Seu "realismo" baseado em aposições e dife-
ilusão, não é a imagem, mas o momento em que volta à superfície,
renças de texturas (um sistema que lembra o descrito por Saussure
volta ao material de produção, agora desenvolvido pelo percurso
para a linguagem) não apaga a percepção dos rastros habilmente
imaginário, pelo processo de trabalho que o fez avançar. Quanto
valorizados do seu métier. Sobretudo nas gravuras em metal que
mais longe levar o percurso, mais a volta é fértil.
realizava sozinho. Para as gravuras em madeira da maturidade, for-
Nada disto é mais possível em arquitetura. O modo de ex-
mou uma micromanufatura - o que era costume. E é confortante,
[28] Marcílio Ficino foi um dos principais ploraçao económica da construção impõe sua marca através da ma-
criadores do neopiatonismo do século para rnirn, verificar como a alteração na maneira de produzir, per-
nufatura capitalista - e o arquiteto segue seus ditames, sem escape
XV em Florença, Teve profunda influên- imundo exploração comparável, acarreta estranhezas semelhantes
cia sobre Lorenzo de Mediei e, através possível. A escultura serve aos mesmos poderes (no caso, os Mediei)
às que surgem no desenho arquitetônico com a manufatura. Olhem
deie, sobre a produção artística toscana mas sendo fruto de um artesanato fundado em um trabalho apa-
neste período. Michelangeio é um neo- de perto as hachuras cruzadas nessas gravuras. Dürer desenhava
rentemente livre, e por isso rarefeito, vira tesouro e ilustração dele.
platônico, mas, como sempre, hetero- com pena, mina de chumbo ou pincel fino o modelo da gravura.
ctoxo. Suas poesias desenvolvem temas O modo de produzir - trabalho dominado e heterônomo, manu-
O desenho, transposto na madeira por um ajudante, obrigava os
comuns nesta escola. fatureiro ou trabalho "livre", portanto autónomo, artesanal ~ leva
entalhadores a cavar em volta do traço, já que a tinta de impressa
Retomando: o artista quer se destacar do artesão. Esconde
^p,eglnls.p;lrtesnao-profandas-Isto )á ^^Ï^m7east
'ã^vdm^^g^'^>:e ^ qsl^s
também é trabalhador manual. "Arte é cosa. mentale",
ÍPÏ^^LeonaÏ3o.Para que a mão suma, o trabalho se torna quase
.ïleAI.ÇO/lü-avestimento- Imagme»^duZ^esedmS!
^Sqr^^T^Ï;T==^^
iïs?^^fa-nsràem esta palavra), interminável: não só é preciso gas-
Ü?J.^ g ji3S modulando, alisando, mas tudo deve iludir como se o
fxten!o'zcacla um dosmúm^s cru2amentos7emulnoulmue^
^isdro fosse Janela. Há que estudar cada músculo, cada expressão,
losango branco. Quando o hachurrioTg^oTo^oï^,"^
£rocïrom;uzi: ^^S^SI ?^a hora ï0 dm' cada ÜPO de árvore' de folha' de luz'" Leonardo
Deixou POUCOS quadros emiÍhares de estudos de tudo.
un,hale istocentena d.e vezes. Trabalho"mfernduea ZIUEÏ^
Mas a soÍução, se exige perfeição, não é perfeita. Leonardo,
^m.m,:ito^^?:fa:eu^ l^m de sábio enciclopédico, teve que ser artesão ao quadrado. Ár-
±, e^ïTLVlsasommte om^d^^^^ ^ fazer o que fazia e mais artesão ainda para fazer desapa-
^:' Ï" ^\plto)lsm™ca~aïconteucue.'^^^^^^ o seu fazer. Arte adeo latet arte sua29. A estratégia enrolada para
23 Leonardo Da Vlnci, i^uSher com £SrcpÏ\E bem verdade tiueno metal aüntaTntrFno"^
um arminho, cM90. Óleo e tempera valoriza1" seu pï0duto era a de elidir sua Produção- Rasgavam ou
sobre madeira, 0,40 x 0,55 m. Cracóvia"
^:ad:;MO_ha.eIisao do t;abaih"ad°'."^Tp»Zmne7monS
escondiam os esboços, impediam entrar nos atelíês: os artistas deve-
Museu Nacional da Polónia. ï::a'»poi^ent^Laocontóriodoque0^ riam operar milagres. Os desenhos de Michelangelo que nosjestam
mestre aparece diretamente. ' -——,
foram roubados porVasari ou escondidos por auxiliares. O génio
, lte afastamento do arüsta diante do artesão (porliabilidade nâopïocura, ele encontra - repetia Picasso, pensando ser o original.
a^m^e wcmtllsse^ ° arti.taTaÍnda^o'""^
^^^r^^^ÏÏ^=^^^e
^QUaDdo.Dnrer nsitou a Itália e-"P^e7Bm"os"foÏCTeIcÏdno
Coitados dos artistas: para não serem confundidos com
vulgares artesãos, tinham que trabalhar dobrado - o cúmulo para

s^:sEï^í?:S^Ï
^lnaa^raamda pequena: as ^ravuras de Dürer'eram"venduÍdas'
manter um status em que o trabalho era considerado degradante.
Daí a terceira solução, a mais duradoura: a sprezzatura, pala-
vra que tem parentesco com o desprezo. Castiglione lançou a ideia.
^m,fuLt°l"ffitos'tmïm^
TS^^^^^'^^^^^^.
i.pïnT.deve parecer não Produz^Leonua^Ts^^uDçeT-'
O gentlema-n, o homem chique, não é o que anda bem engravata-
dmho, roupa mais que passada, cabelinho cortado agora mesmo,

k^pmtóú!M^ ht'^^^^^S^ barba feita em salão e se mexe como um boneco segundo o rimai.

tem'^áiz5:Sï^^^r^^
da ^E^è^.iod^lms deprodnçao;omal; radical ^"^
O homem chique mostra um certo spleen. Nasceu bem, não precisa,
nem deve caprichar tanto. Sabe brilhar sem forçar, meio "assim as-
sim", com um pouco de tédio e relaxamento até, para que se saiba
1'SITÏ :m cmstehçao com ou~^^Í,Zrt^usTtse'^a que já viu tudo, está acostumado a ser m desde o trisavô, sempre
^"Zíi,qT±;;bra.^rammc^ comeu em talher de prata (ouro é cafona). Engomadinho é novo
: dateI:l'-a.Ïsa rePresentada Pareces" ^ta"^rdelaumua
rico. O nobre, o cortesão (título do livro de Castiglione), é relax.
^:LqÏTCiodCTeserseme&mte;oque^
Í^^lp?^^^^a:^ZS
Os artistas vão adorar a ideia. Ticíano, amante de honrarias,
medalhas, colares e brocados é o porta estandarte. Diz a lenda que
lto;jle ?_aKsta"'mas ímóvel-seu "paçop1teTdZÏ^Iend°eraesr um dia, pintando, deixou cair o pincel e Carlos v, se baixou para
ts t.T;dapersprctíTa de ™s'ÓPO^"áe"STéuP^ot^Zr
pegá-lo. O máximo! Ticiano, o cortesão, começou a deixar bem
^lTjnaÀbe?-ec~as7^^^ claras suas pinceladas no fim da vida, como se só esboçasse. Chegou
.moldmas-ffiutT entao .?n.amiÏÕ«.E^"ej'»e;a'dTcLSaZ^st,aes
a pintar com os dedos, esnobando as regras do ofício. Continuou o
l^T;s-!re doo?OI:doe'°"»"^<dSoucdraglÏeÏLe mn finito (lembram do infinito lá atrás, seu contrário?) de Miche-
S.Ï;la?d;d?e;t;beumz:^^^^^^ langelo, inaugurando o mais popular dos fiques artísticos.
d^ÍOS' borroes- asPereza!> no rePres^o?o7eo^^d^ra Agora, outra constelação de grande pregnância se estru-
obtém o duplo resultado. A constâ,ç,o'sTfech7p:rf:i^'enn°tm A arte de esconder a arte, [N.E.j
tura. Os grandes deste mundo conhecem tudo, leram Homero,
D^leplatãoM tempos-Afinal têm muito temPo a ^tar, ngn
Entí-e os dois, aparando o choque, a moldura. Com ar mo-
n&nab±^m.(S^MO.ronhMe'm:i^m"cm^
faz.milagres. Quem, atravessando seu intervalo, se lembraria
nlomcl?;.Basta uma alusao eïá ve» •'"ritaçao (TeÏam"o^°
Ï^ ^mï^A?mura: ^^X^l^
d!^hltad0' reproduzir todos'' OT°°^del'™uare'n'dua^eZa dmoa,is
BResto^r em-ima consideração comum o ato desaparecido e o ato
tÍl^rado?A expulsão, a repulsao e a gíorificação beata? O apaga-
|xeícu'"ç^ evidenciação? A moldura é manhosa. Tecnicamente é
[Í: t,umlarmadw;:afd"°"bra'; deu^cvïndroen^' ^<;
b^ta: po"_nre "° meio dest;"-cofsasuÏnsiZ"^dem^suTois<,? B'?^^em.'Repeúúvï exalas, talhadas com esmero, são coisas de
K' ?Ïp?ão cotnpetente; mas seus entalhes e arabescos podem deixar

s^?=;z^^s^s^^::
fl°lpobres- que ,nun'ca mamm:g^7e^^uPe^
para a criatividade e a improvisação: são também fruto de
"méuer d'art, como se diz na França. São exemplos do paraergon
Kant examina na Crítica do juízo e que Derrida discute em La
^Mas o que se economizou de um lado, se ^asta de
E^.deesnÏuçar c~ansarira'm"enute,u^^ lériteen peínture m campo enorme para pesquisa: os bordos áa arte.

^u^r^n^:aAa;'he?^:sd^PeÏ^,e limite entre heteronomia e autonomia (suposta), ser do

&^:^ïisiÍiE!5E
' ~~ f- / -_J__J^:
Íneio, não é, entretanto, mediação: contém um pouco dos dois ex-
tremas - mas para mantê-los separados. A liberdade hipotética do

ïaïïÍ;^^
Íff,Lla;Nlqmfcdoïrian0^
espaço plástico não deve contaminar o que fica de fora. A moldura é
comporta. Só que, por trás da moldura, atravessa o fimdo,

T^^^Ï^^;ff:^^°^^
^rJJesentado pela mulller Pydica^que se cobrï~(yenfiwel7s
oandamento, a dependência: de cada lado, o trabalho é o que o do
outro lado não é. São opostos: por isso se espelham negativamente.
Durante mais ou menos quatro séculos, de Masaccio à Ma-
^ando.umtempao 'mtoaorqu^°'euo™n^r^ToZï2,lossTO
^c^^b^neoplS»,:^:^^^^ net, a pintura recorrera às três estratégias de separação com dosa-
gens e-combinações variadas. O motor das variações, quase semPre
deixado na sombra, é o seguinte: o pintor faz o que o trabalhador
^Daí a aparência relaxada, de fatura fingindo distraída.
:^tdJro?MÏO;ï;^;:;a(: ^raenuTrTst^fn:'ocb:?: não pode fazer. Mesmo se o trabalho artístico raramente se con-

^^i^:pï^^o:"^^1^
^ah-\m"nsn,PO^T!±s?ntta?07de"^^^^^^^
fronta com o trabalho bruto da produção comqueira, por cami-
nhos variados sempre responde, reage a ele. O que os aproxima

Z^^^ï^^^^^S
mteriormente é a questão da liberdade: ausente num lado, o outro
esm;L: f;ïcomotodo ë^to bem elememarr^Juz^^u^Z"
só pode ser definido como trabalho "livre". As aspas indicam que a

wa assmatura <os fanátícos da autentiadade sabem ïsto),7oïnv^ liberdade da arte está comprometida, tem taras heterônomas, pois

^^umJoaoDinguémarepetir;^:t^z^d::^^r é o negativo da não liberdade do trabalho comum. Depende, assim,


Ufa! Desta vez a ruptura está garantidaï ^w wl1"11' w arcesa0' do seu outro,
Um exemplo importante desta relação complexa é o seguin-
te oor EnÏ" nlseuproposlto:est"stratégia se alastra "Pidamen-
te. Na medida em que a procura por acréscimo de mais-valia re-
pepJ«to^^arteeïpeia(v^amTintore^^^^
iRube^s;velásqnra' Rembrandt - e depoÏG"oy'a';IDe'Soï,lCroeum-' lativa impõe à produção em geral (e em particular à construção,

^T?^LT^ï:^^zti^^S sua fonte) maior quantidade e precisão nos documentos de serviço

^nÍ^^^°,peCodo^que'ïl:l?^rS
(planos, descridvos, quantitativos, etc.), a pintura toma direção em
sentido contrário. No século xv, os pintores faziam estudos preci-
abominar o^iso", a ausência de marca do trabalha omcÍmlJ
^:^t ïmïïz: ^Sm^°. sós de seus quadros, quadriculavam, ampliavam, reproduziam. Mais

^^^^^^;=t^
tarde, tais cuidados só reapareciam nos grandes murais ou quando
; sze gente'-.De um lado--a dene?aï5° do momento produ'tïv'0"
o desenho do mestre era executado por outros, como ocorreu, por
exemplo, com Primaüccio, em Fontainebleau. Desde os grandes
venezianos, porém, junto com a sprezzs-tura, começou o prestígio da
"espontaneidade", do improviso criador. A técnica muda i
mecânica começa a enrolar os filósofos. Será preciso
miü^isto. Antes, a piatura era feita com óleo fino ou têmpe^
IKir•Hegel para reunir de novo uma e outra,
brcfi:undo daT Qualquer arrePenditn^tooumudTnç7d^^ ^ r3T^ta relação radical de mútua repulsão entre o trabalho na
ma.rc.asno fina_l-daÍ aPreParaÏi'° ""°uciosa"do"an^je'tï^
abalho mamifamreiro, cada polo estacionado na negação
^ m^ça.'^fündo e sombreado g°"l»ente-com''co7te^e"o^ K e^ínada do outro, se fundamenta na luta de classes. Quem
é^preeado:ma.Ï d»so,»m grande poder de'cobertura" E'sc^ o universo diáíano da arte tem seus pés mergulhados
SlcLperÏtt.esboïaI sobre-a I;ro'Pm Kulre due'P^umuZar'^^a
HK^ ; coisas.ï heíeronomia abafante imposta à produção, con-
^aLcaminhosletc.,- sem quefiq"emmarcZAtïh^prtoucaeo> lfc1ÏdaïeÍo projeto autoritário, a arte opõe a hípóstase da "au-
24 Mictielangelo Merisi da Caravag- ÏZSlsãmro2rocedmmttJ Ïod7s:^^^'^Z\ Z" Mas como os oposEos não pesam igualmente, a hetero-
gío. Martírío de São Mateus, 1599-1600, sp^aMm:c""aBeio e velás?uez P^"»m-deum7o"ouTo'LNoa
- sendo efetiva e a autonomia relativa, a arte compensa sua
Óleo sobre tela, 3,23 >; 3,43 m. Roma,
wmeço.carav3ggio parece uti]i2ar a <t^mada"e.~curaT7aró'Z
Igreja de São Luís dos Franceses, IKI^M com uma aura hipertrofiada. O respeito pomposo a seu
PT;õesmoclerni""tao caras a salvaáor Dali. Queïad.a'; CaraZ "auu'-'lj"'"~-- ^ ".,11.11. A

K^Seito é geral. A pintura, saída ao limbo das artes mecânicas, vira


.

gSO.Ïararo^-o_cabo do Pincel a PreP!lraï50 ï°"fan'doa'e^a


Z^9m-.¥wt;^^^^^^2
|^^Aa<iareÏgião e da filosoíia, paira nas alturas. Surge a figura
rïmn_ oromovido por Kant na terceira crítica (a da faculdade
lo^^naomais','corrieia''7ar" Wí. 00 yciiA"? r- _—^. . ^ ^ ^ ^ ^ . . r.._ .r

K de Julgai')-As acrobacías teóricas -como a que descreve a


leiLdllammho-muda;a?"oiamR:ma"^i^^^^^^^^^^^ áadesem finalidade, schema teleológico sem fim determinado da
^elha ttes.ïadros sobre sao Mateus- Aradrogreafia;drqueleïtóea arte, curiosa abstração do projeto em economia cujo fim aparen-
ïl0™^ mostrasol^in;g":^^°>s^: te, o produto, não é o seu verdadeiro fim, a mais-valia - ladeiam
'ÏlÏm,mmero de variacõe-0 q"adr°°foirompTeta"m:Z^! monsmnhos, como o tubo insoldável que recebe de um lado in-
delado_dürante a e2[ecuçao e »ao ""ïecemo7nS™"ecstucdoTrt
fluxos divinos e do qual refluem, do outro, obras primas " isto é,
^s^:^^de^ue.nao^^e^'s:^^
Ma^ard,ecaravagsio mudou:DO fim desua-cnr"ta ^ida"sZS
os génios, inconscientes por principio. A racionalidade acentuada
emsua função operacional se afasta da arte deixando-a entregue à
^m?pol.es.-preparava um fundo ^»"tu"dev7rd'e'eav"e"m^
irracionalidade, que assume papeis diversos. Ora aparece como es-
dLquÍextrÍa pouco a pouco su^fig"^'e"pTra;aTmeS^mT pontaneidade, ora como inspiração incontrolada, ou como talen-
; perto, como nos escravos da Academia de MicheIan^eÏo. to, ousadia, transe, arrebatamento, etc. Á técnica, muito próxima
^em^^da °ltrTS. t e^o^f^p^^^ ainda dos baixos da pro.duçao, perde seu stams de espírito objeti-
Ïerme,diarÏ_reparcm a vwaw'>. °deSaoMate«sá^^^l{^ vo. vira receituário académico, conta somente seu manejo apara-
^^;Ma^fic.o'^cristoes^deob;^ toso, o toque artístico, a sabedoria gestual, o esúlo.Tudo para não
^ïl?p^orob^^^^^ reconhecer os pés de barro da arte, sua constituição em negação
OMOJ.PTitido); sob a cabeIei",P^^amd7oTraço"(::aar^0 determinada pela sórdida produção, sua posição dependente de
g.lnaorobriu tudo -a?Tr da Perfeita sn^- O pobre' nïoüZ seu inverso. É, entretanto, só este reconhecimento justificaria a
te.mpo:.tCTeuma nda"u pasolmi- cheia de brigas ercrimeZfa;a7ea arte: apareceria então como digna de seu conceito, afirmação da
perseguis.Também morreu assassinado' miSTpraü"'"' Iugas e
possibilidade do trabalho livre, autodeterminado, e protesto con-
i. O que importa salientar é que, na arte, a improvi- tra o que foi feito dele, tripalium (instrumento de tortura, origem
s^"geTÇSO'"IMO da obra' cres"°tementeadmi»das7^ona da palavra trabalho). Mas é ainda escandaloso, vulgar, aceitar estas
^?llao.dolttaba&osocial'^etoz^^^^ coisas na nossa sociedade de classes. Sobretudo porque este con-
artesanato de luxo contraria os rumos da manufatura7DeZ?r7c^
ceito implica a necessidade de expandi-Ío a todos os trabalhos. Só
mad"sponTeida<ie'. m^W P°érica,~riDais"de"a^etoam'e^
assim a arte ultrapassaria seu ponto fraco: o de não poder (ainda)
ÏLemomdela; exatidão no cumP™ento das-ordens,7erfeZde abandonar o momento em que parou, o da negação determinada.
te-cmcaLpaciência e boa.contabilidade. Suas figzira; embÏemáS Seu outro, o trabalho heterônomo ~ cuja necessidade ou raciona"
são o gemo e o engenheiro. A dicotomia entre Herdade poéücFe lidade operacional, se superadas, poderia voltar à produção arüs-
tícajobaformade necessidade da Ïiberdade (a verdade da =nM momeïitâneas. Agora também a constelação de fatores
^^STrewso- E a Pintura-. sb'^ndo\ssÍmTp^S), ?p,mâ estrutura pregnante. ^ ^ ^
d^be"Iadeaclusiva- ders"^"d°"^"P<:'desfa"l ae>Z's1 Z^egÍ° completá-la surge, ou melhor, passa para o primeiro
a^gam.e.TOItT^T/omuD'"c~aï50^^i"ï^ aíor da história da arte: o marchand. Parece secun-
^riroTLquer:Mas~che^
s^5^x;x:==s^^a
ir^'míis mudará tudo. Já existia antes, mas até então os pintores
W^r^m-^o mercado o excedente, o que a encomenda oficial,

Pierre-Auguste Remir, Bai ot/ ISíStocráaca ou religiosa, não absorvera. Ou, por vezes, al^uns no-
moí////7 de ia Galette, 1836. Óleo só Ç^g^unados recorriam a eles para escoar suas coleçoes. Agora

EE^!r^:iS^=5
bre tela, 1,31 x 1,75 m. Paris, Musée
ci'0rsay.
Na^ançalentâo l{der das artes' ° sécul° ^ é o da passagem < EÏv aQuase totalídac^e da produÇão Passa PeÍ° m-archand por pre-
E< bem baixos, sem comparação cem os que atingem hoje - ou
dos académicos contemporâneos. E começa a grande época
rcado e da concorrência, à qual voltarei depois.

^s^^^^^ss,
Chegamos ao fim ao século xix, começo do xx. Lembrem o
dissemos ontem sobre este momento. Segunda Revolução In-
cÍustrial, evolução extraordinária das forças de produção. Tecnica-
^ ^T^^^m^i:d::^3rÏ
^n!o?ldeu5!s_do oíimpo> qu^"-^fakrde ^gZ^ SS
mente, é possível sair do tempo da escassez, atender às necessidades
básicas de todos, ou, pelo menos, isto é -am projeto realista. Avança
lïÍlasport-as dos-salõfâ"^°"^o"el'ásZs.a2 s2^oAé le^a 3 expectativa por um mundo melhor, novo, outro. As teorias revolu-

^V. ^?rag;T=rSséc^n, cionáms, anarquistas e marxistas, circulam, agitam, instrumentam.

s^,D^^u^losduïu;;:bi:po^^^ï.^ Partidos de esquerda se constituem, o sindicalismo revolucionário


os, mais as administrações imperiais nos-salõe7d'e- se expande. Vários artistas, mais ou menos politizados, começam a
z^,::^:^^^^^^
.S5 ïeroutra coisa- quer°quadriA°^P"a"7sakTÏDruo^
se preparar para a nova era, em grupos ou isoladamente. Aparecem
os ismos" de vanguarda, Pós-Impressionísmo, Fauvismo, Cubis-
Í^nÏaLmenores-menosPomP^^^^^^ mo, Futimsmo, etc. O ImpressionÍsmo, tendo reduzido o métier
lpu".ores. sem.vagas na acadïmïa^^"mro'purso^tísprdeq^ à sua mais simples expressão, preparara o terreno: aproximara o
adaptação é o Impressionismo. -" '"" ""r"' " P1ULUU^° aesta
trabalho artístico da sua base material, de seus meios elementares
„ omoprocede OImPressionismo? Começa por fazer au.- de produção. A parúr desta depuração, práticas e manifestos pro-
[30] Visitem o museu D'0rsay, em Paris, d^mmOTesií:oto?ês?^^^^^ põem um recomeço, a elaboração de linguagens objetivâs, novas, a
dedicado a segunda metade do século
XfX: 80% do espaço é ocupado pelas
5;T.toLmeT:paravmderBmeno:uc:r^ refundação dos princípios e dos objetivos da arte, sua abertura para
amplas telas académicas, No resto se nd%p:OÍUÇ:^pmtarrapidame? todos. Note-se que há como que uma vontade difusa de sair da po-
acumulam as pequenas obras de Monet, ïfi^d"^a±na^'aura..sofisücad"a'"de6mïe^ siçâo paralisante e corrosiva da negação determinada (do trabalho
Sisiey, Pfssaro, Van Gogh, Cézanne, ete.'
-em igualdade cie quantidade. S^^?:Í^ïeÏmn;az:Mï:^^^° social degradado), de superá-la integrando o que a oposição deixou
Í31] Cesare Rjpa (1555-1622) foi um ^ímdoTis^0 burguês ^balÏ dirige u^o^b^c^ n?o do outro lado da fronteira, sob forma degradada e instrumental: a
^temlo£arakr^rgflro7e~s~^^^^^^^^^^
^^^^^;S3^:??sa^^
escritor dedicado ao estudo da arte e razão33 (pelo menos em alguns "ismos"). Período magnífico o destes
autor de ianoiogla ovem descríítiow primitivos de outra era (a juntar com o que vimos em arquitetura).
l'im.a9int un!versali (Roma, 1593),
um influente fivro de emblemas utilizado ^ZrShla,dlpTrpaisagens- cen^m^^^ Vanguardas depois tornadas prematuras - mas plausíveis na hora.

sas^T^:=l^'^s
como referência por muitos artistas da mïias^ão_émais preciso gastar temp°com ^Fspr^um9. Como já indicamos ontem, isto desaba em torno da Primei-
época. [N.E.]
ra Guerra Mundial. Começa a penosa trajetória da arte moderna.
[32] Antes as cores eram guardadas em LTSldeÏadas t<Purasw'isto é, tais comoïaemdoïtub^s ^ïeïna Desmontada a esperança, a arte volta ao seu status privilegiado, [333 ADORNO, Theodor: HORKHEIMER.
saquinhos incômodos, Impróprios para
pintar em piein air.
wnçMopomn^Ieceat^Atécmc"ÍP^^^ domínio reservado de raríssimo trabalho "livre". Entretanto, nunca Max. Dialética do esclarecimento. Rio de
c.pt,r emoções ^ài^^ç^p:^^^^^ antes este privilégio teve custo tão elevado, nunca a vida fenomenal Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985.

71
^ ™.ameaçou tanto suaessêllc^. É que a arte cai comple
se preocupar - não se toca no quadro pendurado.
l^,tramas sem sa''d7do~™^ ^P;aÍist'a."Os'ZSÏn; ia COÏI1 ^i"*' ï . , n • t /

^ultiplicam, a pintura vir, mercadoria em'temp"o inte^FÏaT;6 ïiiáade requerida teve consequências longínquas, graves
^l"^^mas'nM7;:^:c(ï°^fi3^^ lÏ^ï^Desdeo Impressionismo o quadro se desligou de seu

5SÍÍͧï=ls=£
prmlegiado e raro, é ardgo de Wo--e'teTouro;OsuPreco's ^n°>aul° K ï,^ fi. oouco a pouco, de qualquer finalidade próxima (fora ser
Í£TiíÍoria)- A acl'obacia de Kant se concretizou: o quadro deve
RÏ^<!^ A autonomia do autor, antes declamada, desce à "autono-
BC^n obJeto - se é que isto tem sentido. Perseguindo a almejada

SES^^^SS^
Sn-nnoinÏa" da obra, reüra-se dela tudo que provém do mundo
CTdas molduras; tema figura, ihisão espacial, etc. A pintura se
critica até o masoquismo, na busca de um "em si" totalmente

ÏsSiÍilS^S
b^^^w^emo- SOL^^S^1C^: ?W;ado de toda contaminação exterior. Greenberg34 é o papa da re-
^n. e a "autonomia" afunda em audsmo. Agora o cômico: como

Sêë^i^S;S
; Q quadro rompeu as amarras com o mundo, surge o especialista que
inventa - o cenógrafo de exposições, o curador das mostras. E
^ dos resultados da "autonomia". Evidentemente não foi sempre

=^^sssss:s
assim. Antes, boa parte da pintura não era <(separável?: entrava num
°lazuLDíferente é ser a ne^ção do^tro"Aíéentôolra^^
todo arquitetônico. Mas, mais importante, significava, enviava os

ÈS^ii=?ï=SSS
temas e programas da cultura contemporânea, a coisa do mundo.
por isso, também mantinha linguagem comum, indispensável para

^IS^^SS^
que haja comunicação (linguagem individual, como se prega hoje,
é coisa de psicóüco). As diferenças não a solapavam. Sem dúvida, a
arte do século xx inaugurou outras pistas - mas que se perdem na

^^dwaD^d;f;us?:z;^^^^^a3 Babel do mercado de luxo.

S^ ^^ü;;:^sao:&iopJa;'<:lfi:a^^^S ^ Foi assim até mais recentemente. A Pop Art deu o primeiro sinal de
phtdï,CT.W?mo- é.originaI^°^d°^m"q"ueu^Zoree
rlaOTJgÏaI,ldade incomo<k™°' AÍt^^q^iSïS rn^Ís um salto. Aparentemente, reabriu a arte ao mundo. Voltam as

^ÍZTe dÍferent^M;s7difer^^J.qiuÏ^^ imagens, as citações do universo da mídia, restos e objetos dacida-

^rizï^ïm:?^.^^sn
wms^álMaIchands- críücos' m^^ào7wm^^^
de. Mas voltam à sua maneira: carregando no kitch, na banalidade
com prazer irônico. A lata de sopa Campbel vira ícone. A provoca-

^^^ÏISSES:^
serfôcassa~eh sim'rara-A ÍUIl?âo pnmeira desseïmteïmeZ'^-
cão de Duchamp escorrega em molecagem. Tudo bem, a arte não
é incompatível com o riso. Só que guardou do período anterior

";m?m,°_do T^ss^^^e^^Z2 o desprezo do sentido. Em entrevista que tive com Rauschenberg

ã-^c^dMe^^^^^ perguntei por isto. Resposta: "Isso só interessa meu psicanalista". A


porta se fechou novamente.
^%OCOTeÏ^damaioria'.nâoseleTOD^^^^^^^^^
^^<h^ïl5CT:^^s::^
lZT^ÍUdo ° tÏuePocieria sustentar a comparação mTáiaïnÏ
Pulando sobre muita coisa que mereceria atenção chegamos
a hoje. A razia é assustadora: o poder económico tornou conta de
todo campo da arte. Enfiou suas características até seu centro. O
^?róroTO)ulgamento-o.^^ome^^^(s^ [34] Ciement Greenberg foi um influen-
te crítico de arte norte americano. Teve
tme'.seSmdo° "emP^de™P"°^aPaoZ"dseeSILS desprezo crónico do capital financeiro pela produção ~- da qual,
papel importante na promoção e diwi-
^Iísdo róa"m dec°tÏ^H^Z: Saü^S^S entretanto, depende integralmente - atingiu o fundamento mes-
gaçâo do Expressionlsmo Abstraio e tl-
de" - >sto é, , dtferenç, e , ges<ïod';c7;;eïr"a5:Q::Z, p;^:; mo da arte: o trabalho livre. O trabalho, a meu ver único caminho cou famoso pela revelação de Jacl<son
do conceito rumo à ideia, rastro do espírito objeüvo, num tempo Pollock. [N.E,]
de desemprego estrutural, tomou-se figura patética: não somente 3. A separação se distingue tanto que parece se diluir. O ü-a-
conünua se degradando, mas, rarefeito;tomou-se angustiante", balhador industrial, atomizado, sem meios de luta comum, perde
- faltar a todo o momento. Seu conceito nobre;ïma"dasZas valor de referência opositiva. A arte, meio solta, dá viravoltas em
,raÏlde.noss3 humanizaçã0' a ^tra sendo a lin^uagem7queaartue torno de si, cria aposições internas (neoclássico versus romântico).
J\ÏsplT'_se.avacalhou em inse^uroe magro ganha pão. Mesmo 4. No fim do século xix, começo do século xx, surgem agi-
a;es.querdaraáical ° vê com de^onfiança"e m^os^o^Ï^r tações causadas primeiro pela definitiva hegemonia burguesa (crise
ainda hoje^de arte como trabalho livre cheira ^n^on^no. Mlats1 já academia, Impressionismo), mas, logo, aumentadas com a eclo-
^m2eunúÍ°_específico ou meta idenüficável, a arte"perde^uus são da Segunda Revolução Industrial, o que abre a possibilidade de
^ copia comportamentos üpicos da era do capital financei-" outra sociedade. Os movimentos operários e de esquerda se amplí-
ro^sempre pronto a se metamorfosear passageiramente em"tudoo ficam. A arte parece finalmente poder sair de sua posição de nega-
qwpossa_gerarmaiores ta^s áe iucro- ° arüsta hoje é polhnorfo, :ao determinada e corresponder a seu conceito, ü-abalho efetiva-
de<I°ltmïïutÍIlz! qualquer utensm0' °^°"ou"especiS^^^ mente livre, porque todos poderiam sê-lo, desaparecida a oposição
^iprojeto"do momento> frequentemente usando forç7deTabZ arte/trabalho social.
^outoos. Ás mensagens "politicamente carretas" gmd7chs"como $. Outra crise por volta da Primeira Grande Guerra, Recuo
da em^uas alegarias, ^mulacro de conteúdo, não c acentuado. O salto vislumbrado caí por terra e s arte deka-se engo-
^cmdl" nnícaTOCSIÇao da ^bra ho)e;' su'-P"enderi"er'dfe5eunTe) Ur pelo mercado do capital: fim da autonomia postulada do "livre";
para forçar passagem para o Parnaso dos eleitos. O tal do trabalho queda no aleatório diferenciador. A diferença arüsta/trabalhador se
_quej>e dane. Enquanto isso, os megafinancistas abrem me^ transforma: agora se assenta na oposição trabalho aleatório/traba-
dações nas quais ds megacuradores selecionam os ia selecio- lho submisso. Abdícação sindical e enquadramento da esquerda: o
ïlos'^:is.peça.s'.se possível- micas e ^megTprem ^POÏÏO tema de luta não é mais trabalho livre, mas salário e desenvolvimen-
°JeuJ^megacurador) <tconcei^ oferto ao'publico"mobÍ2aZ to das forças produtivas. O conceito da arte - trabalho livre - entra
Ï^Ï^rabater novos recordes de frequemação"Eouou^ em coma. É substituído por trabalho diferente, determinado pelo
^abaíhadOT debaixo; °outro p010 áa OPO^Ï"7onde7oTpuam^Suu mercado. À diferença vertical soma-se a horizontal, hipostasiada.
mm. uesde que partimos de 1920 não falamos mais dele: Por quê? Em reâção, começa a autofagia da arte que, no lugar da auEonomia
do produtor, passa a buscar a autonomia do produto, seguindo, sem
ZamosTOltare resumir (ainda mais'^a lmha de for^ do que foi dito - suspeitar, o movimento de fetichização da mercadoria na qual mer-
que, repita não tem pretensão nenhuma de ser úmca nem comoleta. gulhou. Duchamp, em reação oposta, transpõe a liberdade enferma
„ LuarGsta se afasta do artesâo- com 0 qual se relaciona, a do artista em arbitrariedade e manda o trabalho às favas, junto com
parürdaí, como negação determinada. Continuando ainda oró^ a terebentina. Nova versão do slogan de Leonardo: arte é cosa men-
mo dele, entretanto, utiliza estratégias diferenciadoras quese'aDlÍ- tale. A arte "conceituai" prolonga a rejeição do trabalho.
cam aos meios de produção comuns a ambos. 6. Após vários preparativos (impossíveis de detalhar aqui,
a) virtuosismo no uso destes meios mas que compreendem a ironia Pop, a ascese elitista do MinÍmalis-
b) apagamento dos meios usados mo, o descaramento da badpaintmg, o idiota do Hiper-realismo, a
c) sprezzatura, uso cortesão dos meios farra chata dos happenings, etc.) a arte se entregou totalmente ao ca-
_ 2. A separação^ estabiliza (século xvi-xvm). As três estraté- pitai financeiro. Há tempo era possível pressentir que a arte aban-
giassão apuradas, codificadas pelas ac.demms: especificam''o^^r. danaria, junto com o adjetivo "livre", o substantivo trabalho. Para
^material próprio da ?. Alem. desdâa do arteïãoTaïo-' o capital financeiro todo trabalho cheira mal, ou seja, tem que ser
[35] Gomo exemplo, poüemos citar o
grupo Krísis. Ver: KURZ, Robert; LOHOFF.
rafrabalWormanufatureiro, diminui a -ân^stia~de"confasãoenïe massacrado. Vive dele em qualquer área, mesmo as mais desmate-
Emest; TRENKLE, Norbert. Manifeste T ml!ta: AOPOSiçaose to^ mais proftmda: além dos-meio^o rializadas, mas a condição de que possa sugá-Ío até o fim, apodrece-
contre fe fravail. Editora Léo Scheer. modo de trabalhar os diferencia (ordens heterïnomas "conïraÏ^ Io, infectou tanto seu sangue que tem horror a ele. Só o exibe para
criação in loco).
jogá-lo fora, mostrando que o possui de sobra - e o despreza. Esta
é sua sprezzaïum cafona. Ás cabeças de animais empalhados sobre
a lareira, emblemas do gasto sunmário e da violência predatória da
aristocracia, são substituídas pêlos aristocratas das finanças por car-
caças ocas do que era trabalho "livre", caçadas no mercado dourado
reservado aos maiores, conspicuatnente expostos como troféus de
vitória. Os artistas eleitos não são bobos, deixam de trabalhar (com
as próprias mãos) para não ofender as narinas dos nobres mece-
28 Sérgio Ferro. Força de traba- nas, Fazem instalar, reproduzir em bem grande, aranhas, bolhas,
ího //, 1983. Tela 1,20 x 1.40. Coteção câeziníios floridos, placas metálicas inclinadas, pendurar cavalos
Paufomino.
empalhados, construir aquários gigantescos para pedaços de vaca
em formol - e, quando ainda "pintam", fazem pintar lisínlio, por
outros. Ou então escondem a mão atrás de vídeos, filmes, ready ma-
dês, apropriações... A oposição trabalho artísüco/trabalho servil foi [1] Felipe de Araújo Contier é arqulteío
s-ubstititída por outra, menos comprometedora, direção/trabalho FEUPE CONTER1 formado na FAUUSP (2009), e mestran-
do na EESC-USP. Este artigo é üaseado
seml, difícil de não icíendfícar, considerando o valor destas peças,
em seu Trabaiho Final cie Graduação e
com capkal/trabalho. Só que as taxas de lucro deixam até mesmo PROPOSTA INICIAL na sua pesquisa de Iniciação Científica
o fínancista de boca aberta. Assim como a pintura clássica fornecia apoiada pela Fapesp,
às elites a imagem de seu "eu ideal", a arte de hoje fornece aos se- Sérgio Ferro é hoje o único sobrevivente do grupo Arquitetura [2] Sobre o assunto, ver: KOUFÍV, Ana
Nova, notadamente conhecido por suas casas em abóboda, sua ar- Pauia. Grupo Arquiïetura Nova: Fíávio
nítores do capital seu "Ideal do eu", com "I" grande nos grájâcos de
SíHpérío, Rodrigo iefèvre e Sérgio Fer-
Lacan. E perfeita neste papel: às taxas exorbitantes de lucro prove- quitetura criativa feita a partir de elementos construtivos simples
ro. São Paulo, Romano Guerra, EDUSP,
mentes da exploração económica (os executantes são trabalhadores e suas posiçÕeS radicais a respeito da profissão2. Ferro é frequen- FAPESP. 2003; eARANTES, Pedro Flori.
como os outros) associa a maior prova de rancor possível contra temeníe apontado como o "intelectual" do grupo, o mais teórico Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávío
Smpérío e Rodrigo Lefèvre, tíeArïigas aos
o mundo ao trabalho - o que faz fazer. Afirma bem alto que não dentre os três discípulos rebeldes deJoãoVilanovaArtigas, embora
mutirões. São PauEo, Ed. 34, 2002.
tem outro senado senão o de, ostensivamente, não ter sentido. Na esse reconhecimento muitas vezes venha acompanhado de um es-
[3] Aiém de uma Intsnsa produção ar-
pnsao, isto e punição. quecimento dá sua atuaçao como arquiíeto "de prancheta?'J, como quitetônica ao lado de Rodrigo Lefèvre e
Tal é a fase atual da relação da arte com o trabalho, ainda e se diz. Mas essa fama tem justificativa: seus textos são mais nume- Flávio Império, vale Eembrar, por exem-
pio, que dois dos projetos mais emble-
sempre essencial. Para os que ainda se lembram do conceito da arte rosas e sofisticados, e Ferro escreve sobre arte e arquitetura com
máticos do grupo, as residências Boris
trabalho livre - só resta uma portmha, ultraestreita e marginal: clareza de suas posições políticas e filosóficas. Fausto e Bernardo Ssler, são atribuídos

voltar ao que ela quase foi na virada do século xx, um de seus mais Desde 1972 Sérgio Ferro vive na França e, nesse período somente a Sérgio Ferro,

promissores momentos. Lembrem: ela quase superou sua oposição manteve pouco contato com o Brasil - apenas escrevendo aqui e ali [â] FERRO, Sérgio; LEFÉVRE, Rodrigo.
"Proposta iniciai para um debate Possi-
iLhada na negação determinada, quase pode integrar a razão, illiada pistas do projeto que comandava â frente do laboratório DessW
üilldades de aíuação do jovem arquiteto"
também no seu oposto sob a forma de razão instrumental. Só que Chanuer. Esse isolamento contribuiu para que suas ideias ficassem tn: FERRO, Sérgio, Arquitetura e írabaiho
não ha como crer que seríamos os primitivos de alguma aurora estigmatizadas por suas posições na década de 1960. Contudo, ao livre, Cosac Naify, 2006, Publicado origi-
nalmerrte em Encontro. GFAU, 19B3,
próxima. Então, em vez de ensaiar os primeiros passos de uma nova tomarmos conhecimento de sua produção francesa, temos a opor-
[51 Em 1963 os rfois arqiatetos eram
linguagem que de qualquer modo não poderíamos antecipar, per- tunidade de compreender melhor as contribuições desse autor e
os mais jovens professores da FAUUSP,
corramos o terreno de nosso oficio, do começo até hoje, tentando julgar a transformsção de seu pensamento. com 24 anos de idade. Ferro e Lefèvre

isolar, preservar, compreender as ténues aparições da razão na arte, O primeiro texto publicado de Sérgio Ferro, "Proposta íní- trabalhavam respectivamente como as-
slstentes de F-iávlo Motta e Nestor Goulart
da necessidade casada com a liberdade. Talvez dê para salvar algu- dal para um debate: possibilidades de atuação"4 é um curto mani-
Reis Fitho. Além disso, juntos mantinham
ma coisa, esperando que sirva mais tarde. festo escrito com Rodrigo Lefévre, que tem por tema os dilemas escritório na Rua Marquês de Paranaguá
E o que busco fazer. dos arquitetos recém-formados na FAUUSP, em 1959, em busca de com mais de dezoito projetos no cumcu-
lo, sendo pelo menos onze já construídos.
posturas profissionais atentas à realidade socíoeconômica do paísi.
Eles confrontavam as^escolhas individuais do arquiteto com as ne-
inejamento, o preparo de pessoal capacitado, a industrialização e
cessidades históricas de desenvolvimento, criticando não apenas as
a racionalização da construção como "exigências comuns a ambos,
principais correntes da arquitetura daquele momento, mas a m6-
roáuçao e sociedade"11.
pm^enmção que os^arquitetos faziam da profiro, aceitando suas Assim, com a perspectiva da sititíição-w-cffnflito, e diante da
ço^ese sua exdusao na elaboração de um projefco nacionaL
rancheta, procuravam tirar posições gerais a partir de suas expe-
Segundo os autores, a arquitetura daquele~momeSto'esEarircaTe1-'
riêncías projetivas: das limitações para a arquitetura causadas pela
g;ldlÏ mwíTO^^° um des^P^7en"treJa^^ ocupação do lote urbano apontam para a necessidade de planeja-
tóÍT.\Tcolhidas-vffidascomo'teses^^^
mento do território; da utilização em larga escala de materiais de
; radaobra' que astornava^ ™tas v^eT;m.mfe7t^de^ab^
construção apontam para a racionalização da produção de mate-
: postaras arquitetônicas caducas.
riais; da experiência de modulação, incompatível com a inctóstria e
.:^APTOPOSta desse manifesto e a atuaçâo racional do arquite-
inviável para pré-fabricação de poucas unidades, apontam para a in-
^^nldo.qulos autores mütulam sítu^-^^^^ dustrializaçao da construção; da diferenciação das funções e órgãos
TZT!wde, todom^-H»^"qS^o'^ WJ^ ao edifício apontam para a economia na produção; dos avanços
^^omldapw: pensam^ "°" "economíade n^o;^:
ârquitetônicos na criação de espaços adequados a novas relações julho de 1965.
formuíação de nwa {m^aë^\ através daeïpteçToZlcu^a
sociais apontam para a importância dessas novas relações; da unida-
.ça,o,lntre.op_arücular (obra) e ° geral (a cids'de, a sociedade^
de do espaço apontam a unidade da atividade humana. Este proces-
lconoT)'Reivindlcam umara2ao que não se satisfaça comTper^
só de extrair diretrizes gerais a partir de situações particulares lhes
feiçâ°Jecnica e estética da obra ems^^enoürLlSoZZCdro
permite formular, pela primeira vez, uma "poética da economia :
suasCTIGCas.Justamente aos que assumem u^ "posição de üÏsória
^onomidarazã0'"' tema frequ»temente-re4it7do'por"sï^
Assim é que do mínimo útil, do mínimo construtivo e do
]^5Íretamït"ssas mricasse~d'"^^ïto^5°
mínimo diáático necessários, tiramos, quase, as bases de
' neos'.defensore.s de um modem™° "tédco; altamen7e"tecïcZ
uma nova estética que poderíamos chamar a "poética da
lraaonaüsta: "é coma consciên"a clara desta Wcao-nY-con^a
economia", do absolutamente indispensável, da eliminação
que.dCTemosatuar'Alógic.a absoluta nâo P°de ser no7sa"c'arac"te'r^
de todo supérfluo, da "economia" de meios para formulação
tica: risque soluções reais, são problemas que [sicf Íevamamos^
da nova linguagem, para nós, inteiramente estabelecida nas
interessante notar que «Proposta inïdafpara'uumLdelbTteM
bases de nossa realidade histórica.
foPP*Ífeado™esdo ,golPe militar' erq"e"nesse"teïo'S^ir^co
e Rodrigo Lefèvre ainda não enricavam o'desenvoTvÍment^Zcforu
Dois anos após a publicação desse texto pelo grêmio da FAU,
^produtivas, propale defendido por dÍversosTetoresud;a^^
a produção do escritório da Rua Marquês de Paranaguá continuava
^"S: Somo-oparüc10 comunista B"»leT°,"no'qualmi'l1t^
f,6J Dois tipos de maneirísmos senam crescendo ao mesmo tempo em que o interesse pelo grupo aumen-
mais frequentes na arquitetura brasileífa 'JÍÏKLda_década de I96° Parecia aberto a novas^poïsÍbiïÏdadTs
tava nos círculos arquítetônicos. Em julho desse ano de 1965, a
de então: o positivo, no sentido do "refina- quemoGvavamo,tom.Pr°Posítivo do t^-. "Apesar de-tudo7no
mento formal" - provavelmente se referin-
revista Acrópole dedica seu número 319 à obra dos jovens arquite-
^sencíal'um nítido otimismo aparece: a confÍanrçïnoTnd^en^
do ao brutalismo paulista - e o negativo, tos. No texto que acompanhava os projetos, posteriormente reba-
que se restringia à aplicação de fórmulas ) processo num sentido progressista"10. Por outro lado, a confia
tizado de "Arquitetura experimental"13, suas principais obras foram
"caracterizadas por formas deturpadas" - ^ntprogre!so^taria tnmcada Por conflitos amda^ ^çsoT.
apresentadas e comentadas por eles mesmos, sem perder de vista a
numa possivei alusão a Niemeyer,
ZanlãoideÍranáes comPlexos soci^ decorrentesïa~urban^ [11]ldem,p,35,
P] FERRO, Sérgio; LEFÉVfíE, realidade produtiva em que amavam. Passado um ano do golpe mi-
q^nvoíviam a P°PUIação n^ Produzir e consumï c"om7únïcuo [12] Idem, p, 36.
Op. cif, p. 34, litar, qualquer esperança de um desenvolvimento harmonioso das
ob£üvo de lucro; °>oníiito^ ^teresïes n^nÍfi^çãTnacZ^ [13] FERRO, Sérgio; LEFÉVRE, Rodrigo;
forças produtivas já não aparece sem desconfiança. Curiosamente,
Ks^n!l:serícoil e mdustml-e ° emPreg° ind™Í° ^stS^^ IMPÉRIO, Rá\iio. "Arquitetura EKpes-i-
os autores ainda foram surpreendidos - supostamente por acaso
Í,nte!ec.TlTot?ados Pela P°--ibil>dade°demaior"es g"anh^"T^,ac mental" in; FERRO, Sérgio. ArQuítetura e
- pela publicação, no mesmo número da revista, de um texto de traballio livre. Op. cit. Pubiicado original-
disputa j.a identificada emre'capital e-trabaTho7ma7naBq3avi^
Arúgas que antecedia ao deles. Com o título de "Uma falsa crise", mente em Acrópole, n, 31 9, julho, 1965,
o ftmdador^da FAUUSP buscava demonstrar que a modernizac Finalmente, dois projetos de Sérgio Ferro eram fündamen-
lÏ^rónalismo_em ar(luitetura nâo ^vam^sendo interrompido^ o rumo do grupo. Na casa Boris Fausto (1961), no Butan-
;gÏ:equepara aarqmtetura^ governo militar nãoïr^ S e na casa Bernardo Issler (1961), em Cotia, a ideia era testar dois
Lrcvoluçalestéüca em andamentou-. Ferro7Lefè^elFÏá^Xa í^ïnsconstruüvos distintos. A primeira investigou as possibili-
(^
Í;enlÏi°,Ïram °P°rtunid^e de conhecer o texto de Arti^sTte ides da indústria brasileira para a constmçao civil. M este caso, "o
r^?ciío'^'_d^formaindireta.'&at"^^^^^ Íuío não correspondeu às amostras, e uma série de 'defeitos' de

^^^^=^^^^^^
d:m!nstrando descontenament°^^^Ï^'daoVcï^^^^^^^ fabricação prejudicou o conjunto da proposta, forçando inúmeros
expedientes corretivos"19. A conclusão era que, apesar da forma-
\ r-ïn universitária estar "orientada para grandes tarefas", o empe-
,.AJeflexão e a teoria de sér^° Ferro e seu gnipo se desdo T ^o de prematuras experiências de industrialização nem sempre se
:.PI°r±.ïes,rimamento70^°"™D^^^^ ; mstíficavam economicamente, uma vez que são raros os projetos
^topro'f?a);porï^sMs^n=^I^S^h com alcance necessário para um resultado compensador. Já a casa
sâo pre^ ^"ï^^^^^^s5 de Bernardo Issler parecia mais adequada às condições produtivas fig 28 Casa Boris Fausto. Projeto de
^Assim, para a casa Marietta Vamprc^ó^ 7m7r^tocZ daquele momento, propiciando uma arquitetura ao mesmo tempo Sérgio Ferro, São Paulo, 1961.
^lurbmlronsolidado'comiimt:^^ engajada na pesquisa de racionalização da produção e da economia,
,',e,"^s.oma.da.aos POWOS7ecw^^^re e^^^^^^ e na elaboração de uma nova estética que expressasse sua origem
Ím^b!lÏ?do cliente- a-sol»?»foï"m^rTmucsom;ls ,uldt^ees
^?.^z^ïíE^^n^<^
material e construúva, lançando os alicerces para -uma futura pro-
tgaçâo técnica e espacial:
;la"Asuriaroase('uência da P"prieïade"prWa da'teTrale
io^omümo_absolutoda"-oncep^^^^^^ A melhor técnica, em determiníidos casos, nem sempre é a
LrobÏTarqu;tetôMCO;imp°^^^^^
^;spSïS^:^
mais adequada. Há mesmo simações em que a modernidade
construtiva é fator secundário. Enquanto não for possível a fig 29 Casa Bernardo Isster, Projeto
!lnlBl:asiI"I.tí-ou s!ia) a maior Parte do ^balho'doÏarquufte4to^e mdustrializaçâo em larga escala, o déficit habitacional exige o Sérgio Ferro, São Paulo, 1961,
restringia^ adequações deleis erint7res^pZZÜS arqmtetosse
aproveitamento de técnicas populares e tradicionais. Sua ra-
.ACasa_AIbertinapeíierneiras (I964)f'éumprojeto extrema- cionalizaçao, despreocupaáa com sutilezas formais e requin-
mmtóÏOMlizA;feitozïï:^ tes de acabamento, associada a uma interpretação carreta de
!l^mlulado/onfom;a7^^^^ nossas necessidades, não só favorece o surgimento de uma
ao,swqwtetw a &Ita de ri?OT nas P-q°""d7redauçard'e"cuZ arquitetura sóbria e máe, mas também estimula a aüvidade

S^^S^^^^^^ ^s
laJTÏfarahabitarionarpara~e^ criadora viva e contemporânea que substitui, muitas vezes
com base no improviso, o rebuscado desenho de prancheta/
mv^ "organização do construir" a partir~do"projetotde"aï
±T;a±°PWÜBC:'da^^^^^^ RUPTURAS
^"w!lem nada pre'udIcam~a~""«:f:^^^ZtíS
ss^rontóno:fa;-u;^^=d^^^
[14] A história parece ter comprovado
as pafavras de Artigas, mas ele não Na trajetória dos textos de Sérgio Ferro, "Arquitetura Nova"21 é
podia imaginar os fins a que esta revo- um importante marco de sua rupmra com as propostas arqmte-
luçao serviria.
»Jla,rasaHdladI° caPlsano (I960)> "» P")eto de vaneuar- tónicas do modernismo brasileiro dito "engajado . Para o autor,
[15} FERRO, Sérgio; IEFÉVRE, Rodriao'
IMPÉRfO, fíávio. Óp, cít, p. 40-r ' r""'a"1
t"ollouesd.^Escolapau1"^ tanto as propostas da escola carioca quanto as da escola paulista
I19]lciem,p.43.
u™/ltéüraOTientada Para ° íuturo ^Ïdo':N'o7ntmZae"m não podiam se realizar naquele momento por conta do atraso for-
[20Ïidem,p.44.

s^^^^que?^z^res^1
(161 Idem.
[21] FERRO, Sérgio. "Arquitetura Nova"
Ï17]fdem,p,41. çado do setor da construção e do papel da arquitetura na economia In: Arquitetura e trabalho livre, Op. clí.
[18] Idem, p. 42. frToS^^wode.um»oufroTPO;m^ política. Principalmente os arqmtetos paulistas que, fundamenta- Publicado originalmente em Teoria e
' transformou essa residência em <(descabTáomantfels'to'^ dos nas premissas sociais de Artigas, râdicalizavam suas posições prática, São Paulo, n. 1 ,1967, p. 3-15.
^qlutetomcas>,tais como aestrutura exagerada e aparente, a er
nïwpwico^os^mn^°7:r::^^^^^ ,, denunciando o truncado e lento processo social daquele
momento, mas obedecendo às limitações profissionais.
As principais e mais radicais posições dessa produção arqui-
tetôiuca seguiam a plástica de ArtÍgas, que defendia a didatização
^çg^a dos procedimentos construúvos, sua extrema racionaliza-
-ao e o "'economismo' gerador de espaços ultradensos raramente
Íustificados por imposições objetivas"25. Ainda segundo Ferro, os

£^E^^^^^t^s1
estudos da nova geração sobre o planejamento urbano ou sobre o
barâteamento da construção, eram usados e distorcidos a favor da
ditadura e do imperialismo. A nova arquiteturâ havia sido selecio-
nada, deglutida e apropriada pela indústria da cultura, assim como
os resquícios de uma atitade modificadora.
Limitados às obras isoladas e vazias os arquitetos estariam
alimentando o consumo contínuo e voraz da linguagem que usa-
vam para agredir e romper. Para Ferro, tratava-se da "venda pri-
vâd-a de um conhecimento coleüvo": "a presença chocante de teses
de '•°"^SltISa^S^^eaaLnente.°- gerais na particularidade vazia demonstra, claramente, o impasse a
que chegaram arquitetos e a prática da profissão: sua afirmação só é
possível dentro de um projeto que os compromete"26.

Ê^ÍSÏÏÏSS
Do impasse que a arquitetura vivia, surgiam as mcoerën-
cias técnicas e simbólicas que teriam marcado as construções com
soluções formais falsas ou exageradas tecnicamente: bloqueados
vimento e<inpr^n»23 ç^ „„ ^\_"^ -"^^Li^i- [_...j o desenvol-
nas direções que deveriam tomar experimentam vencer a limitação
pintando os limites com as formas das direçÕes"27. Ou seja, restri-
tos por um sistema caduco, "reagem dentro da faixa que o sistema
lhes atribui"28. Por isso, Ferro conclui que "dentro da arquitetura,
este é o limite da atitude crítica: a radicalização da contradição até
o absurdo. Essa situação, obviamente, é insuperável por caminhos

[22] idem, p, 47. (estritamente) arq-iütetômcos"29.

(23]ldem,p,48. Esvaziadas de sentido histórico a posição progressista e


[24] Sérgio Ferro chama o conjunto de sua linguagem só podem ser vistas como "evolução de uma técnica
arquitetos mocfemistas seguidores deAr- autossuficiente", fazendo com que os instrumentos de uma fase do [25] FERRO, Sérgio, Op. cif, p. 48.
íigas e Níemeyer na década de 1960'de desenvolvimento adquiram "a autonomia de verdades em si", o que [26] Idem, p. 50.
^rquitetos novos". Curiosamente, após
este texto, o seu grupo - Rodrigo Lefèvre
confignraria o "conforto de uma 'racionalidade sem perigo e sem [27] idem,
e Rávio Império - passou a ser identifica^ muita exigência"30. [28] Sdem,
do como grupo Arquiíetura Nova. Mas isso No fim de 1967, com o aprofundamento do regime militar e [29]ldem,p.51.
se deve à referência ao Cinema Novo.-e
o silêncio do PGB, Sérgio e Rodrigo decidem sair do partido ao lado [30]ldem,p,51-52.
â abordagem direta, aqui e agora, da
realidade brasileira, com'os meios mais de Carlos MarigheUa, com quem se engajaram na luta armada31. [31] primeiramente naAção Libertado-
simples e disponíveis que pudessem ser ra Nacional, liderada por Carlos Mari-
Em 1968, o Fómm de Ensino da FAUUSP foi palco da oposição entre
apropriados por qualquer pessoa. gheila, e depois, também na Vanguarda
o grupo de Ferro e o de Ardgas (ainda no PCB). Arügas defendia que Popular Revolucionária, comandada por
os estudantes não se distanciassem do projeto na luta contra a dita- Carlos Lamarca.
82
aura militar, evitando um derramamento desnecessário de realizar. Aliníio-me entre os que estão convictos de que a
enquanto Ferro, Rodrigo e Flávio defendiam que a refïexão"soïre' máquina permite à arte uma função renovada na sociedade."
actividade projetiva, feita a partir da prática, deve~manteceáelr^
engajamento no desenho como crítica a ditadura.
Em O canteiro e o desenho, amparado pela crítica à razão ins-
^Durante toda a década de^póo Sérgio Ferro manteve uma tuunental áa sociologia do pós-guerra, Ferro busca demonstrar
mteasamtcriocução com João Bansta Vihno^^^T^ : 3 técnica da ciência capitalista é ambígua e favorece os proprie-
íe^tiraçlojeï-po"eu^,rofessornaompediu"^^^^^ tános dos meios de produção. A técnica na mão dos trabalhadores,
du2nte o<conturbado Períod°'de7964"a" l'97'°^e"opuZZ' âure ao contrário, representaria a eliminação de irradonalidades, per-
^lte.A^bmaFâorde~adm'ra^ou::Poï^eàoS ÍniúrÍa uma verdadeira renovação da arte (no sentido do trabalho
^em,doTis^élebr"extodeFeT;ro^^'^a'^^^^^ livre). Afastado o corolário de neutralidade da técnica, era preciso
^dodepslahaouja maugural de ^as-em'I967"Ï-'^m:nT^tumI criticar a ideologia desenvolvimentista do PC, segundo a qual Âr-
tigas justificava seu apego à "técnica", como uma luta do homem
com a Natureza.
Retornando à FAUUSP, depois de dois anos de cUestinida-
ï impostos pelo regime militar, Artigas é recebido com en- Dominar a natureza foi e é criar técnica capaz de obrigá-la
t™mo pêlos estudantes e convidado a dar a aula inaugural a dobrar-se às nossas necessidades e desejos. [...] Na história
^o ano de 1967. Estavam todos se perguntando: o que S da luta que o homem vem travando com a natureza, a téc-
Alas contrariando a expectativa geral, Artigas deddmtatíca- nica e a arte caminham juntas quando não se confundem. O
mente ignorar a situação poh-tica e falar sobre (IO desenho". grafismo paleolítico, a orig-em do desenho, nossa linguagem,
['ÍArügas talvez tenha exposto atí> mais do q"e~emqual-' certamente nasceu antes da lingnagem oral. Foi a lingua-
quer outra oportunidade, o verdadeiro sentido que preten- gem de uma técnica humilíssima e também a linguagem dos
deu imprimir à arquitetura.32
primeiros planos da natureza humana rudimentar. No pen-
samento mais primitivo há traços do espírito científico.34
Se o posicionamento do principal arquiteto da escola frus-
I°lum,a.alamiIitTte dosesta^es, Sérgio Ferro~e,pres"sava"o~ Para Sérgio Ferro, a origem da arquitetura que interessava
Ï!acordorom.° .SIlêncio do rcB.^co'm7parteipa"çs7drS° ser discutida naquele momento não era a primitiva, mas a moderna,
genaaarqmtetônica no projeto áesenvolvimentísta dos miUtares que no século xv estabeleceu seu instrumento prescnüvo e instau-
nopoderjustamente por ísso; Ferro soube interpmaruratÍmdedZ rou relações capitalistas de produção (proletarização do trabalha-
^professor que, ao contrário de omitir, defenïiade "^0^0^ dor). Definida a historicidade do nosso desenho de arquitetura e sua
Ïndentesuavisão daarquite^ comomstrmnentodaSaZe" separação do restante da produção, pensá-lo como instrumento do
éüca revolucionária.
desejo humano, do domínio da natureza, é ignorar sua função espe-
^ Arügas aproximava a arquitetura da ciência cífica no presente. É preservar sua potencialidade positiva porque,
^que^fíITOTquesua íunção poétÍca ta^ém'eraumre.agê^ em tese, ela seria útil num futuro desejado. E abdicar do presente.
?Jlaedade:Buscando a legirimdad"digmdad7d"a"rrqZZ,a Portanto, o que está em Jogo na posição de Ferro é uma
Artí!l"emete a sua,fimdat5° "a Grécia AnBriga"e"no'R°en'la^cmueni>'
crítica à concepção moderna de arquitetura (e não modernista),
to, argumentando a favor da revolução instaurada namodernÍcÍade: entendendo-a a partir da configuração da luta de classes, em que
técnica e ciência operam de maneira ambígua: "universalizando'
Não esperem de^mim tomar partido contra a máquina ou o conhecimento, mas, com tal grau de especialização, que o traba-
[33] ART1GAS, Mo B. V, "O desenho",
contra a técmca. Muito ao contrário, julgo que frente a elas, Ihador é excluído de sua produção e de seus frutos. E neste senü- Caminhos da arquiíetura. São Paulo,
os arquitetos e os artistas em geral viram ampliar-se o seu do que podemos entender o desenho de arquitetura como causa e LECH,1981,p.40.
[32] ARANTES, Pedro. Op. cif, p.9.
repertório formal assim como se ampliaram seus meios de consequência das modernas relações de produção na construção e, [34]idem,p.41.
^^:a crftica de ïerro ao s^fi^o ^neo de .„ bUcado em 1972 pelo GFAU, esse texto é o primeiro esboço de

^^^^^^^s^^^
canteiro e o desenho. Dedicado à questão da habitação no Brasil,
grandes diferenças em relação aos seus textos anteriores,
contatolcom''Robert^Sc^seaae ^arb,nlBOIaffil Ferro tomou própria estrutura e pelo teor académico que visa apresentar
™a , editar a r^t:r^r^l^ar^,,tíe^^^ gn-P° que ^na tese sobre a função da arquitetura no capitalismo brasileiro a
SemmárioTobreï^T^ eP^W, e que or^Ízou o segundo :ir ao exame da produção da habitação. O trabalho está dividido
em três partes - "A casa popular", "A mdnsão" e "O estreito mer-

^^<S^^a^cmw —bros coas- cado de massa". Partindo da forma supostamente não mercantil
^lZTCt?rF^dTHFen^dorN^S:PJU^^^^^^^ da autoconstmção, o autor analisa seu oposto, a forma-tesouro da
B»t7p^Sffl^J^ue,c"^^^^^ mansão burgnesa, e, por fim, a produção em massa para o mercado
R°l^rsZ^.ncISCO weffort' Michael LÔWY' GabneTEZffi: de classe média, onde enconü-a a forma-mercadoria em seu estado
mais comum. Neste trabalho, Ferro lança os primeiros olhares ao
^e^:S^S^^^^POrta-^- tema do canteiro de obras como o ponto central da luta de classes

^^;?:>ci^^Z^;e;Ssi:S^£r
manas da usp. Os m7mhrnT^ ïc.^osona l'etras e ciêlicias Hu-
na construção, afirmando que seu atraso ou subdesenvolvimento
não devem ser entendidos como anomalias ou como etapas a serem
^uTtra^nun\mS^TlÏr^?~R0^ vencidas, mas como parte coextensíva do próprio desenvolvimento

^;l^d7s ^SÏ^^(^mï^semlnmo:R«y designai e combinado do capitalismo.40


dos Santos,"Alber^ ^enra,Suí.céfía ejranci^o Quirino Se a ruptura com o pensamento desenvolvimentista estava
^"mrFro»cZeStosFaranaiÏf^wLE^ consagrada, a prisão de Sérgio Ferro e Rodrigo Lefévre em 1971
^«^^^^n^^:^re?-SCTPOF^^
^'^szs^s^ï^
marcou definitivamente suas trajerórias. Torturados no presídio Ti-

S^2SS=ïï:^:ïïs
radentes durante um ano, ambos foram demitidos da FAUUSP por
"abandono de cargo". Após serem libertados, Rodrigo conseguiu
ser readmitido por ter prestado serviço militar. Ferro, que nun-
ca recebeu reparação por parte da universidade, se mudou para a
França em 1972, onde conseguiu um posto de docente na Ecole

i^=SSê=liiïS
f35] Sérgio Ferro foj o diretor da revista.
"a qual pubiicou "Arquitetura Nova""'"' d'Architecture de Grenoble. No entanto seu diploma brasileiro
[40] Esse trabaiho baseou-se em dados
[36] SADER-Emir' "Mós w amávamos não permitia a prática da profissão, de modo que este foi o fim de- do Dieese, na pesquisa de Carlos Lemos

=ïïSSSiÍ=
^i",revista Praga, n.-i,-t 996. e Maria Ru&t Sampaio (publicada pela
finiüvo de sua breve carreira de arquiteto profissional (1958-1969)
[37] Entrevista cedida ao autor em 2008. FAUUSP em 1978, com o título "Hafaita-
na qual realizou apenas 31 projetos, quase sempre ao lado de Ro-
Í38] "Eu não acredito que possa haver cão popuiar pauiistana autoconstruída"),
uma revolução eficaz, uma fransforma-
drigo Lefèvre e Flávio Império. e em leituras sistemáticas de ThorsteEn
,?aosoclal POEitiva e forte sem que as re-
Veblen, André Gunder Frank, Theodor
Adorno, além de Mara e Engels.
teções de produção sejam alteradas - e O CANTEIRO E O DESENHO
[41] Escrito nos primeiros anos de Ser-
laonla posição só minte- é a Posição
Hão^o^m^da^Tn°ns^T^^^ no mundo sodali^ gio Ferro na França, a partir de suas no-
burgo e de uma seriei
outras pessoas". FERRO, Sérgio. Convy-
tr7b,ih7.crZn^ no^d°Je Produïao e na d"is» sociaÍZ O canteiro e o desenho^ é certamente um dos mais impactantes textos tas de aula da FAUUSP, o texto foi trazido
sacom sérgio FGrr0' são Paulo, GFAU. reflueZpofaiae? e ' arquitetura também se tornavam tem:: ^ da arquitetura brasileira. Documento da revisão do modernismo ao Brasil por Roberto Schwarz e publi-
2002,p, 13, cario originalmente em forma de dois
pós-Brasília, tornou-se um paradigma do pensamento crítico na ar-

^^^^^^^EES
artigos na revista Almanaque. Posterlor-
Í39J _FERR0.'. sér3ia "A Produção da
casa no Brasil" fn; Arquitetura e trabalho
mo.d,ÏoZTd:iT^ol;:Da^lcI"arrelra d— pro- quitetura, A fundamentação teórica de Ferro é resultado dos anos mente foi editado em forma de livro peia
de seminários sobre O capital, de debates com Artigas, de prática Projeto Editores em 1979, quando final-
^lop-.c't-publ!cado orisinaimení^m

^i^^^^^^^^S
rrieníe ganiiou repercussão. Usaremos a
^sérgia_"A casa P°Pular", São lhe permitiu desenvolver7iia^rZlullns1Tator'A nova Posïção profissional (inclusive em Brasília) e de nülitância política.
Paulo, GFAU, 1972. ' J-""' ' edição mais recente: FERRO, Sérgio. "O
O estilo de O canteiro e o desenho é muito particular, tornando canteiro e o desenho" In: Arquitetura e
difícil situá-lo num conjunto, seja pela época, estilo ou assunto. Esse trabalho livre. Op. cít.
^b^unÏ^e_ser peTdo como uma elaboração «eclétíca^ do capital: quanto mais industrializado (mais capital
dLdmrsas_aboriagens e referendasÏ'?e^Tr^l^'tra2
lT..™pro^ama"contestad0'^^^^^^^ instante, máquinas, instalações, etc.), menor a proporção do in-

±ura^oeïaio^adê^^ ;estmlento em mao ^e °bra - únlca fonte de mais-valia. Com a

^sss^^s^^
romal?ma Poesia: Acara"umdade' eunTeneçsat^coacea^rodAobras iferta de mão de obra barata, praticamente nenhum investimento
em equipamento e alto valor agregado ao produto, é garantida uma

^^=SëiiïÍ^-
ra faixa de lucro ~ e a perpetuação da precariedade do trabalho
e ao produto.
Caso a arquitetura fosse produzida industrialmente, as con-
sequências para a economia do setor seriam radicais, redução da
margem de lucro, aumento do valor da força de trabalho e redução
ao preço final (supondo concorrência, claro). Apesar de a indus-
desenl^^:^£.1^^^^ que o
SSÊ=XÏÍI:Ï5S
çriaÍização ser viável tecnicamente e de ser uma tendência da livre
concorrência, Ferro afirma que a constmçao é mantida atrasada,
>is o valor produzido no setor sustenta os setores mais avançados,
m"amresc^t,Trcadom como outra qualq°":"c"°"mo",fira
onde a queda tendencial da taxa de lucro não pode ser evitada. Uma
símbiose entre progresso e precariedade.

^^i^?^^^
No entanto, apesar da produção permanecer atrasada, a ar~
^.ÏÏ°r do regime capit31isttl em ^ vivemos, a c.sa. a
quitetura moderna, inspirada em técnicas industriais que nunca
se realizaram no canteiro de obras, foi capaz de criar a aparência
nql.tprodÏda tmdo pw ob'enTO - faïdA"geraÏ7;
produção capitalista, isto~é, o lucro.43 do avanço técnico. Sem as consequências da verdadeira transfor-
mação do canteiro, estas tentativas estéticas de revolução da ar-
quitetura não passavam de ilusões, assim como as tentativas da
historiografia comprometida politicamente com o modernismo46,
de justificar a estética da máquina ou o Intemational Style. E até
t42}^eferindo-se ao sentido positivo
mesmo os arquitetos que defendiam os ideais de honestidade
quesárgloFerro atrifaui ao temo, pen:
sando o Ecietismo como uma forma de construdva, verdade dos materiais e economia de recursos, não
reunião do melhor de cada estilo sem a deixavam de fantasiar seus desejos na hora de projetar. Raríssimos,
preocupação de uma única norma,
mas valiosos, são os casos de arquitetos que soberam adequar sua
[43^SfNGER, Paul, "Aspectos econômi-
plástica e técnica construüva de acordo com a realidade produti-
cos rfa habitação popular", Seminário de
habitação popular. Publicação 9do Mu- ^^^S^Í:?lonzaïâo do caP-ta1^ de va. No entanto, se a verdade constmtiva é escassa na arquitetura,
seu,FAUUSf1962,p,29,Apud.FËfíRO, a falsidade pode ser mais reveladora da sociedade que a produz.
Sérgio, Op,cit,,p.io5. ' ' -'"""
Voltaremos a isso mais tarde.
3io.0p,cit,p,107. [46] Como exemplo, poderiamos citar
O que importa para Sérgio Ferro é frisar que a contradição PEVSNER, Nikolaus. Os pioneiros do de-
[45] Segundo Kar) Man a divisão ma-
entre desenho e canteiro é condição da arquitetura e resultado das senho moderno: de Wíllíam Morrís a Wai-
nufafureira do írafaalho é o resultado
transformações de sua entrada na modernidade. Desde o Renasci- ter Gropius. São Paulo, Martins Fontes,
cotetivo de trabafhos parciais:"[...] oTra^
1980; GIEOION, Sigfried. Espaço, tempo

S^^^Ê^^^
balhador parcia! não produz mercadoria. mento, o desenho concentra em torno de si o controle sobre to-
e arquiteíura: o desenvolvimento de uma
Só o produto comum dos trafaaíhadores
dos os trabalhos parcelados que até então gozavam de autonomia. nova tradição. São Paulo, Martins Fon-
parciais fransforma-se em mercadoria".
MARX.fârt. O capitai. São PaulMbril Como resultado, os trabalhadores foram excluídos das decisões tes, 2004; ou BENEVOLO, Leonardo,

==s^s=HEïE=-
História da arqultetura moderna. São
cuto'J983' v'i. t1. P.279:"Apud" projetuais, separados uns dos outros, e cada um de seu trabalho.
Paulo, Editora Perspectiva, 1976, ainda
^, Sérgio. Op.cit., p, 106.
Se arquitetura (e boa) já era produzida antes do desenho que Ferro não se refira a um autor mais
moderno, não havia uma estrutura produtiva favorável ao capita- diretamente.

89
liismo:°desellho instaïno canteiro uma "ova sociabilidade.
aitemo»T_conteudo-Fmo.comparou'"^ l. Sem precisar justificar as irracionalidades da produção

^^^^de^fcÏ^Z^^^^.^
sentido nmco é dar senridoTsoa^^Z ^u1s'to]tura "cuio
jeseniiada para os negócios, a razão instrumental comanda como

se fosse razão.
Mas a fimção do desenho na produção é também direta:
icde determinar uma divisão técnica do trabalho, comprimir o
^ldes;ní°.p^e "sumir os paclrócs domi°a"" °" "ao,
1? a2mç'°",°n fazê-la sesuir-scr ?lific>do''como";:-' cronograma, separar as equipes de trabalho, especializar as tarefas,

aon< orgânico, brutaüsta, metabólÍco'ou7om"oseuZelra hierarquizar, etc. O desenho é introduzido no canteiro, gerando
nowmorâ' confasao dasP^":n&ZU^X^ rachaduras no corpo produtivo e colando os fragmentos ao seu
menos ronformisü em rdaçSo »"uten;flio°qnce' iZ^U modo. A perda da autonomia dos trabalhadores atrai des-razao:
^m°d'lhd°-.modenado'o;:as;istm^^°^ s sucessivas equipes desfazem o trabalho da anterior e nenhuma se

^~a — w ~é-'^^ reconhece no trabalho final, senão o revestimento que encobre o


trabalho manual dando aparência de outra produção. Secundo Fer~
ro o custo deste modelo pode ser até maior que a autonomia das
equipes, contudo, sua vantagem está no controle dos trabalhadores.
-^::£Sr^sçs:^balwor!s A economia de meios e materiais não é a principal prerrogativa da
prochição. Antes, é necessário garantir sua docilidade.
Na medida em que o capitalista aumenta o controle sobre

^ï^^p^,^^^i]Eï os trabalhadores -vigilância, punições, hierarquia - seus lucros po-

ïSS^^^S=:E=
dem diminuir significativamente, tanto pelo aumento dos custos
de coerção, como pela diminuição do rendimento do trabalho. No
caso da construção, que não pode se industrializar para garantir as
taxas de lucro que alimentam os setores mais desenvolvidos, não há
e^?zs r^as^at^nçoes subsunçao real ao trabalho. Segrodo Ferro, é o desenho que simula
a subsunçao real do trabalho, estabelecendo padronização de tare-
fas, dando base para calcular sua velocidade e, em última análise,
controlando o corpo do trabalhador. O desenho, como ordem de
serviço exteriorizada, realiza todos os objetivos do capital na manu-
fatum e sem o efeito negativo da repressão direta.
Interessante para o capital, a função do desenho do arquite-
to não seria completa se não propiciasse uma nova experiência da
obra. O desenho permite compor os elementos construüvos tridi-
mensionalmente, áe acordo com critérios que nada tem a ver com
eles: volume, ritmo, símbolo, proporção. A autonomia do desenho
substitui a do canteiro, criando uma obra na qual todo o interesse
artístico (trabalho livre) se volta para a figura do arqulteto - que
consegue, assim, sua disünção do corpo produtivo. O fetiche pro-
m LÉVf-STRAUSS, Claude. Anïropo- piciado pela arte favorece a forma mercadoria, que ^anha vida en-
Sogia Estrutural. Rio de Janeiro, Tempo quanto a produção, sem história, desaparece.

^^^^s^^^^^^
Brasileiro, 2003, p, 185.
Sérgio Ferro nota que, desde o Renascimento, o desenho
[48] FERRO, Sérgio. Op. cit,, p. 109.
de arquitetura encobre como uma máscara o trabalho concreto do
canEeiro. A linguagem muda e passa a remeter ao distante passado
nTsc^Z;S:sc:bln:^,^lTcelmes-.. -P-s »e-
°"^^^^"^^s^hn^^^
tecnológico, embora apresentado pela literatura como ambição de
ordenar a natureza, responde perfeitamente aos imperativos de or-
impre^dosToZ^saltema!" OCUIta os ge'itos dos "•'balh-dor^ áem, cálculo e previsão da ideologia burguesa. E não é coincidência

-c^S^^^^^e^^^^
3 consolidação do desenho moderno com o período capitalista.
De seu surgimento na Baixa Idade Média à industrialização
-omente aïs;m7u6a"cri^unej?ldo,de um Proce-» histórico l'e° do século xix, o desenho se transformou enormemente, passando
v°^»^^^Z^e^^da^"tó"^Zene de um "plano geral" que funcionava como uma base de improviso
P°e-se à defesa'do"d^eZïnl^consntuída Por Ferro, contT:- no canteiro, para uma "ordem detalhada de serviço", vinda de fora
s^o\ZTlld;^7^quTeLP""^^^^^^
^f^Z^T;^ ^!S^5doMn'^S
do canteiro. Segundo Ferro, essa transformação do desenho trouxe
sérias consequências para o canteiro, como a perda da relativa auto-
^dotempo, osmoZnriZ"^ eenet^oô.t^°±eIAO ao ,IonÏ° nomia profissional do artesão medieval, causada pela separação de-
^çãonopresen7eTSrl°21n^ finitiva entre a concepção e a execução do trabalho. Também forçou
sa°JTOC^^:^°^^:^^m^
Brasil da décad"a'de"^6aJaBra,^rsloÏ sentídode sua causa"No"
a substituição dos trabalhadores insurgentes e o rebaixamento do
conhecimento operário, pois as instruções do desenho, traduzidas
s"uï;te^Laa,eaIe^Tnffilp.are.^^ objetivamente em simples ordens de trabalho, se tornaram válidas
"quit7mraZ ^Sec^Za,?&ta^ntorad"avezu^^ae
SïZ^S ^SA^^mlIdad^S":
para qualquer trabalhador. O savoir-faÍre do trabalhador, obsoleto,
se perde ao longo do tempo, assim como seu salário.
com7p^eZFeMlTln£dldaf^ A arquitetura é vista por Sérgio Ferro como "consulado da
":qne'te:t:n:^ue ,CZ^O^Í d^uaiprodnçao~sé$i: Fe: representação", ou seja, como representação, através da represen-
tr>ste-b,r,;ç7r^°^^a;^^^^^^^ tação, do poder do capital em território estrangeiro (do trabalho).
deveria ser-vïsto"c"o^TmZ,l^ma-,para,tanto'° desenho não Nesta estrutura de governo da representação, nunca se trata di-
n^eïaZ^S^^^^^^^ retamente com os verdadeiros interesses que comandam, apenas
te e°con^da^t,lZr,SMSta_abordagem frequenten;ena
^I^^ÏS^^^^re^^^
com suas representações travestidas. O arquiteto, como mediador,
elimina a relação direta entra as partes (capital e trabalho), e passa

^^^^^^ís^^re^^
volucionário parïa"iïst^rrim^ale.domulante- ° Prog^ma re^ a ser "único fator autónomo" nas relações de produção - por isso
mesmo objeto excepcional de análise da sociedade, desde que não
do progresso técnïaT" ^ uu dl Llyra' e recusar a ïinearidadeposiüva
se assuma a sua falsa autonomia.
Para desmontar a falsa autonomia da arquitetura, Ferro
de c<^^s^^^^^oa?enasp- ^ propõe pensar o modo de pensar da arquitetura, pois "o modo de
c°n^ç,o-dTcupuI:"d: SI»CS; I^^ud\mmEruneuescAI»'' pensar penetra a coisa pensada, se embrenha em suas entranhas e
séc"i° ™"rc"o^p^^^de?ori-Maséem^^^^^^ a absorve, como as formas sociais do pensar moldam o modo de
delosr,cionaiTstaVrd^oc^^falqu"uw pensar"50. Isto significa por em questão os fundamentos plásticos da
P^-peÍa^ZuZ^^^^dado esp,^ arquitetura (estilo, proporção, harmonia, equilíbrio), além de seus
Íeriva em,ïmatíZ^eSSÍe^e:er_°™d° instrumentos (desenho, épura, escala). Sem se deter, num primeiro
naso7con^aZ^TetM^td%De^es^63?^^^^^^^^ momento, nas determinações externas à arquitetura (objetivos prá-
,í no i°ício'do~;éculo"^llge^: ^on!e.Iet.eFamh. lo^ran,, ticos e discursivos, financiamento, etc.), Ferro acredita que a análise
produçao~Es"farecPrZ^™j!temaderePresenta^^^^^^ da linguagem é necessária e suficiente para revelar a função de me-
diaçao. Como a mediação é histórica e a linguagem muda ao longo

=.ï^ss=^E225SE
f49]Notara ambi8L;ídade pretendida por
Sérgio Ferro com o termo "acabameï.
do tempo, Ferro nota que os fundamentos plásticos da arquitetura
também são flexíveis, se adaptando para justificar a Imguagem. Isso
lhe permite afirmar que as mudanças da linguagem não seguem [50] FERRO, Sérgio. Op.cit., p. 159

93
seus supostos fundamentos teóricos. Seu ver^^r
Curiosamente, essas singelas diretrizes, assim como o carà-
sena a produção de vaïoFe su^er^LIXdadeIro _íuníamenío
^°"ï^^^ ^ ïss. ^^ÜE?
a^^r: :ss%
áe proposição conceituai presentes em O canteiro e o desenho,
^se^ nunca^aparecem nos comentários sobre autor, tido como de-
da profissão e intelectual pessimista. O fato é que, por mais
is que pareçam, suas proposições desafiam nossa imaginação,

^ £^s^^^ s— ^--
entre°a7eÏue^a eTr^nd^,câpÏ!'que alterna a autoimagem
çgo grande o abismo entre sua utopia e a realidade atual.

ENSINO E PESQUISA

iES^ï^SS Expulso da Universidade de São Paulo e ameaçado pela situação


wÍítica no Brasil, Ferro optou por um futuro incerto na França.
Naquele momento a simaçao do ensino e da pesquisa em arqui-
tetura na França era extremamente peculiar. Até 1968 imperava o

^sssss^^
academicismo da escola de Belas Artes, que repudiava toda a ar-
quitetura moderna. Habitação Social era um tema proibido, apesar

^^^Ê^^ss?^
de, entre 1965 e 1966, a França ter produzido 500.000 unidades53.
Além disso, havia entre os estudantes uma desilusão geral com^a
profissão. A resistência ao assalariamento crescente e o desejo de

en.bo.^^rS^^^?^^,,, ampÜaçâo dos campos da arquitetura, combinando referências do

^^S^^SÈ^^^
nac"ontr:m3oTJesuT^^Zrerf::^^^ urbanismo, áa economia e das ciências humanas só foram sentidos
pela primeira vez com a greve estudantil de 1966. O anseio por
um ensino que levasse em conta as dimensões sociais, históricas e

:S?^2;=S^
culturais da arquitetura era apoiado em novas referências teóricas,
como La poétiqw de 1'espace de Gaston Bachelard, Lês origines au
logement social em France de Roger-Henry Guerrand, Uurbanisme,
serem claramente respeiüdas n, obra),""""""" l°rmals a

==SÊ=Ï^Ï
utopie et réalités de Françoise Choay, Architecture gothique et pensée
scoÍasüque de ErwÍn Panofsky, Lê droit à la viUe de Henry Lefebvre,

s:^ï=SS
entre outras54.
Dois anos mais tarde a grande revolta estudantil de maio

=iÊsiÍÍ^=5:
de 1968 foi o golpe final para o ensino de arquitetura nas esco-
las de Belas Artes, e o governo francês se viu obrigado a criar, às
pressas, 21 Unidades Pedagógicas de Arquitetura55 (upA). Areforma
seca^mente, fora etapas semeÍhantesïZ^^": de 1968 se inspirava na Universidade, abolindo o centralismo da
exatidão e a repeüção convím^ull;l"tluLt:;> as apontadasï a
Beaux-Arts e universalizando o acesso dos alunos. [53] R16NON, Gérard. Histoire du méíier
3.doprmcípíoda ckreza constmtiva (que facíUta a ,
^^n^::tod::::z^^
No início dos anos 1970, a situação das escolas de arquite- d'archstecíe en France. Paris, Presses

tura ainda era nova, sem estmtura nem direção muito claras para Universiíaires de France, Coleção Que

^^°dÏd°;,rT° que lc™»ïnA£:TZ^ sais-je,1997,p,101.

^s^^üwh^'::^^ï
as UPAS. Cada escola se desenvolveu de acordo com os recursos que
[54]ldem,p,102.
dispunha. Os professores lecionavam seus cursos sem um plano pe-
[55] Em 1984, durante a presidência
(dem, p. 191. dagógico comum, sem uma preocupação com a totalidade da for- François Mitterrand, o ensino superior
195-196. ldlprmcïpl° da pnoridade das co"^ções de trabalho ( maçao do aluno, sem experiência universitária e, o mais grave, sem passou por outra reforma, transforman-
-,ri,^e^nç:e-;p;::^71cco°neLdce^°.(que do as UPAs em Écoles d'Arch!-tecture.
uma concepção clara da arquitetura. As reivindicações por trans-
^forlaçoelílaviam sido acatadas fo^Ímente, mas, na prátíc
tavam proposições objenvasT^riêZaZce^..'1'1 prática' fal- Quando esse longo trabalho terminou, a pesquisa em arqui-
na França estava mais organizada, com sistemas de íimn-
^aÏnento mais contínuos. Nesse ano de 1986 Sérgio Ferro cnou
^Taborarório Dessin/Chantier, com os olhos voltados para aïns-
criada arquitetura francesa. Jean-Louis Cohen, que conheceu de
,0 trabalho do laboratório, afirma que ali "havia efetivamente
30 Éco!e Natronal -Su^r^
cCArchftecture de Grenoble, interesse muito concreto pela verdadeira lusrória do trabalho.
Í-Ïavia um interesse pelo lugar que o arquiteto poderia assumir no
produtivo"58.
Contudo, seja por sua ausência a partir de 1984,

^:=5?^ss^^x^
a morar em Paris, seja pelo modo anárquico com que afir-
fflâ ter dirigido o laboratório, a maioria dos trabalhos desenvolvi-

^;sïSEï:S^;^^ls
S?oe»ltred:Ide:c:I;argo de coordrena^Paed^omeaIos
dos no laboratório não manteve a perspectiva marxista de Sérgio
p^y59^ AIÍ foram desenvolvidos excelentes estudos sobre históna
aos materiais de constmção, das técnicas e dos papéis prpfissio-
naÏs de arquitetos e engenheiros, mas que nunca haviam sido ar-
üculados como um conjunto histórico. Até mesmo Sérgio Ferro
subÜcou pouco sobre o assunto. Em sua obra há, sem dúvida,
comentários diversos, de Michelangelo ao pós-modernismo, além
de uma preocupação historiográfica constante, mas pouco pode
ser identificado com o trabalho de historiador, dedicado ao mo-
vimento geral da história da arquitetura ou com a filologia de
movimentos, artistas e obras m a exceçao são as aulas presentes
scua^;leZnlpemunsérgio Ferro aP':"»tar'ed'esenvo^
s^e^mw os alunos que' ma^de:^b:ru:riZ°c'Z neste volume.
Apesar disso, duas publicações de Sérgio Ferro desenvolvi-
das no laboratório Dessin/Chantier destoam dos artigos conheci-
dos no Brasil. Os estudos dedicados ao convento de La Tourette,
de Lê Corbusier, e à Capela Mediei, de Michelangelo, são frutos
de pesquisas empíricas, sobre obras-fetiche de porte relaüvamen-
te pequeno, cujos arquitetos foram consagrados pela historiografia

:::;:£^S=SS^^
como grandes génios de seus tempos. Esses estudos religam as duas
pontas do ciclo da modernidade descrito em O canteiro e o desenho, [58] Entrevista inédita a José Tavares
Renascimento e Modernismo (tardios), a génese e o ápice do pró- Correia de Lira, a quem agradeço o com-
partilhamento. Tradução !ivre minha.
cesso de modernização da arquitetura.

âEÏSIS£sSÉ;;§=
[591 Sérgio Ferro deixou o laboratório
em 1997, que com seu novo diretor,
[56J RIGNON, Gérard, Op. cif, p, 104-ró5. ARQUEOI.OGIA DO TRABALHO Phiiippe PotEé, passou a se chamar la-
boratório Cultures Constructives, O foco
[57LFËRRa S8r9'°. KEBBAL, Chérif:
permanece na história das técnicas e
--, Pftilippe; SÍMONNFT-, Cyrille. Lê A pesquisa sobre La Tourette foi feita com base nos documentos
materiais de construção, porém a críti-
Couventde is Tourette. Marselha. Paren^ da Fundação Lê Corbusier e das empresas que construíram^o con-
ffièses, 1987. ca de Sérgio Ferro ao modelo produtivo
vento. Os pesquisadores reuniram desenhos, cartas, especificações predominante foi substituída pelo o inte-
resse na diversidade cultural.
e contratos, ao quais somaram depoimentos e inúmeras visitas de
atz^sa^^^^^,^
corburi.na7Acon7m,"çZ^oTdeefa^;l^çao^postaPela^
mecanismo gigante; substituindo diagramas constmdvos re-
^inventa esquemas reguladores abstratos; ocultando as marcas

^sssss^s
»^^o^^Xl^^:^^mes^^a Ïj!YrabaÍho manual, chama a atenção para o sinal de encontro entre
:ontecimentos plásticos que adquirem autonomia; substitamdo
^termos existentes, propõe um novo léxico de termos forjados
^canhões" e "metralhadoras" de luz, "flor de concreto", "estrutura
fig 32 Maquete da Unité d'habitation de
em pente", "panos de vidro musicais", etc.). Segundo Sérgio Ferro Marseiile.
g arquitetura de Lê Corbusier é um exemplo do esforço intelectual
necessário para Justificar a irracionalidade da prática arquitetômca

=5S=:=Í= na modernidade. LeCorbusier não se satisfaz em criar um desenho


Descolado da produção, ele sente a necessidade de criar um sistema

JÍSSïSii
deu7or^,'regnZST,lr.?nmeircn°s.snrPrecn- para justificá-lo, denegando sua arbitrariedade.
/ Apesar de sensível ao aspecto técnico da construção, promo-
.COT8ntodeLaTourette~P^
sier, 1960. tor do ATBAT62 e fervoroso defensor da industrialização, Lê Corbu-
1 sier não fez nenhum esforço no sentido de pensar a produção de
LaTourette.Ao contrário, menosprezou os custos de suas decisões, ;
foi omisso no canteiro (desenhos chegavam com atraso ou não che-
gavam nunca) e não tinha solução técnica para as propostas de seu
escritório. No entanto, não deurou de intervir na transformação da

oc^^Z^ÏZW^:='- linguagem da arquitetura justamente no sentido: aparentar uma ve-

"s^^^s::^
eomveen,ên^;d:Z;^^u<: ham sido d"°°ci,do
racidade construüva - de uma constmção inexistente.

Lê Corbusier propõe uma teoria do projeto independente


ao material, de suas constríções e de suas qualidades, teoria

- ^ S ££,^z^ ^p^de sua p125-.' carregada de um ar de liberdade que contribuiu provavel-

.tudo:conia^ocgoTeStea,^teJMm,.Amatériacra7^^^^^^^ mente para estabelecer seu sucesso internacional. Todavia,

i°7o7pri^^XD^t.tsIoh^ esta orgulhosa autonomia do projeto formal experimen-

Ï^SsSëÍ?:
ée"stmmraÍ'e'n2o^mo7oe^TÀa.fimlFCTro'_ve^ ta áificuláaáes 'morais* em confessar sua emancipação do
material: por acaso é possível esquecer facilmente séculos

s^SSís^sb
de arquitetura fundada num íntimo conhecimento da pe- [62] Atelier dês bâtisseurs, criado por Lê
Corbusier em 1945 durante a recons-
dra ou da madeira? E, na ausência de regras impostas pelo
trução do pós-guerra. Lods, Bodiansky

E=:E?Ï=S=E
material, como julgar, pergunta-se Lê Corbusier, a boa ou e Wogenscky participaram desta experi-
má fundação de uma arquitetura? O julgamento elaborado ência com empresários e artesãos. Ple-

por Lê Corbusier a respeito de La Tourette revela [...] a ne- nos de convicção, mas sem programa,
a associação se decompôs por falta de
cessidade última do trabalho teórico quando não se oferece
trabalho. Em La Tourette, Wogenscky
p^^^ï^^ststudoserCTelou nenhuma explicação pragmática.03 buscou contato, primeiramente, com

i==£sS£ëli^S
o escritório de engenharia Sechaud et
1,60] Entrevista ao autor, 2008. arquitetura"modTr^a^earnaSaos ^ltsergio_Ferro a resP<:»°'&
Mefc, parceiros privilegiados depois do
ï??fío[sérgia"Desenh° e canteiro A pesquisa do laboratório Dessin/Chantier sobre o conven-
fimdoATBAT.
to de LaTourette, concluída em 1987, se propunha a analisar a

r"a^=:s^"==ES
^concepção do convento de La Touret^
[631 FERRO, Sérgio; KEBBAL, Chérif;
te" In; Arquitetura e trabaSho livre. Opu'aï
obra de arquitetura a partir da técnica e da história material, e en- POTIÉ, Philippe; SIMONNET, Cyriile. Op.
tão confrontar os discursos do arquiteto e dos historiadores com as cif, p. 123. Tradução livre minha.
emendas da produção. Esse caminho é uma inver^n ^ ^1..

^SïS^SSS^
no^qual biston^d, .7qui^",^,eliZa 7e^dlhÏItuaI- um novo campo de pesquisa histórica próprio da arquitetura e das
artes, cujo grande desafio passa a ser desvendar os segredos desses

SSSSê^Í^í
vestígios com método válido para isso.
Para discutir as questões formais, políücas e simbólicas
da concepção arquitetônica, sob o crivo da produção do objeto-
hÍst^::^^ScaSpode serrerificl^"S mercadoria, Sérgio Ferro precisa ampliar o conceito de material, e
entendê-lo como "a matéria mais os homens que a trabalham"66 e,

^d,^:^^^^^»,p^on,^ com isso, atribuir uma determinação social e histórica ao material


F^ Z: ^^S^^^^ÏTO.m^tí^^ da arquitetura. Incluir o trabalho (físico e intelectual) na análise

^^^^^^^^::^^
publicado em" m"n^n7^a aa_^aPela Méd^, de Míchelang do material lhe dá características importantes: é concebido, de- [68] FERRO, Sérgio. "Questões de mé-

^^^Tj^^^»^:
todo", ArquStetura e trabalho livre. Op.
senhado, produzido, transportado, preparado, executado e con-
cif., p. 237, Já na Introdução do livro
sumido - cada etapa com razões particulares -, e isso toma este sobre a Capela Mediei, Ferro expõe seu

^S^^g^ ^3^^^
amor como produtor uma adaptação próDna7^^^uraeüa3rte'íiérgioFerrocriou entendimento de material o mais adequado para a análise técnica e uso do conceito de matéria! da seguinte
"9 33 Capa da revista Ou.,., n. 2. RR- maneira (tradução livre minha): "O ma-
artística da arquitetura.
íemfaroWO. teria! é um conceito centrai nos escritos
Contudo, a complexidade da arquitetura - sua heterogenei- de Adorno; muito aberto, eu reduzi sua
dade de esferas autónomas e conflitantes, como as do empreendi- amplitude, O material, para ele, é tudo

£^ï=E===
A^í'oh\wmpmr'"°mcsmo a"^, p» e^r tra- que sen/e à construção da obra, desde
mento, da técnica ou da estética - exige uma abordagem sistemáti-
a organização histórica do universo so-
ca do material, que permita analisar comparativamente as relações noro, por exemplo, até o Imaginário dis-
entre essas partes. Sérgio Ferro entende que o ato de construir é ponível [.,.]. Eu empobreci esse conceito
e reduzi o material ao que se^e concre-
mediado por signos e códigos que imprimem sua marca na realiza-
lamente à construção. De Adorno, eu
cão do construído, por isso se vale das categorias de Charles Peirce,
^^Z°,Lmoloswms sa'd:s"d;^,Zunuom aguardei principalmente a ideia de sua
justificando que, ao ler a história do construído como história co- determinação social e histórica. O ma-
d, admirados por Lê Corbusier. Na~esculn^
feriai é a matéria mais os homens que a
^a:^r3smtafala?::=°^^ letiva, não se trata de buscar a ocorrência de singularidades - como
pressuporia a semiologia saussuriana -, mas de signos67. Em segun-
trabalham em condições particulares, A
cerne de su, exp^ao - de M,chelangdo"esc"ulp'n"^° e ° produção concreta grava seus passos na
do lugar, a teoria de Peirce lhe auxilia, a partir dos conceitos de sua resistência" FERRO, Sérgio. Michel-
dedução e abduçao, a estabelecer uma grade comum nos casos de Ange: architecte et scuSpíeur de la chá-

^4^SS;^aLa0^- a^a- haver ou não material documental suficiente. Por todas essas razões
pelle Medíeis, Op. cit., p. 5.

3ificuuïdTpTr,T,^^atrl\Ïm^TM adota a semiologia de Peirce como método de análise, mas acres-


(67] FERRO, Sérgio. "Questões de méto-

ÍÍ^SilÉsÍÍ^
s"obrT:kueC adTsetó<^S;: rarenda^ di°c^e:tTçaoa centa que essa orientação não desvia os objetivos de seu trabalho,
do",0p.dt,p.238.

[68] BENJAMÍN, Walter. "O autor como


fundamentados no pensamento de Hegel, Marx e Adorno. produtor". Magia e técnica, arte e poSí-
Uma chave interessante para compreendermos estes ob- tica: ensaios sobre literatura e história
da cultura. São Pauio, Brasiiiense, 1994,
jetivos e o sentido que Sérgio Ferro atribui à arquitetura na luta O texto foi traduzido e publicado em
de classes, encontra-se no texto de Walter Benjamin, O autor 1970 peia revista Ou.., por indicação
como produtor"68. de Sérgio Ferro. Em seus quatro núme-
ros, a revista dos alunos partrtíárlos de
O problema enfrentado por Benjamm é o julgamento po-
[64] FERRO, Sérgio. Michei^nge: archi- Sérgio Ferro na disputa com Artigas e a
d° ainda mais"re^toTEMareSaTTe<re,r! ,E^ocaso de um Peno: lírico da tendência de uma obra literária. O debate se faz em tor- revista Desenho pubilcou textos inéditos
tecfe etsculpteurde ia chapeHeMedÍcis.
^PIanFKeÉdition.1998. outTa7evÍdZcLTdual^oXS^le^ que nao resrtando no das tendências ditas engajadas, em relação às quais Benjamin no Brasil de autores estrangeiros como
f65LFEFro'. sér9io-/i /?tító^ ^ arqui- obr"a:enZC^;:^d^d^?br^^^^^^^ questiona as decisões estéticas dos autores: "a tendência de uma
Jean Baudriiiard, Henri Lefebvre, Walter

^a:^ FEd^S'^ss!o-= Benjamin e André Gunder FranK, aiém

=: ^^^^ sEEri
canteiro. São Pauto, GFAU. obra literária só pode ser carreta do ponto de vista político quan-
2010,p.61. ---,".—, dos braslieiros, Sérgio Ferro, Paul Singer
do for também carreta do ponto de vista literário"69. Este seria o e Roberto Segre.

ponto central da discussão de Ferro em relação à arquitetura. A [69] BEN^AMÍN, Walter. Op. cit., p.121.
?!^?ção.políüca/deuma obra só pode ser avaiiada levando em
O primeiro tema é a relação entre arquitetura e economia
consideração sua técnica arquitetônÍca. Explicado nas pafavïasïe
LJammlfíca mais CIaro °sentiáo da investigação-hïtóric7 dl )olítica, em relação ao qual Ferro se posiciona da seguinte maneira:
nosso autor:
A arquitetura faz parte de um conjunto maior, o da cons-
tmçSo em toda sua extensão, que por sua vez está incluí-
Sabemos que as^rekções sociais são condicionadas pelas
do num maior ainda, o da economia política. Acreditamos
relações de_ produção: Quando a crítica materialista aW
que é a partir áa análise da construção, toda ela, dentro da
1 uma obra, costumava perguntar como ela se vinculava
economia política e, em seguida, da arquitetura dentro da
asrelações wciaisde Punção da época. É uma pergunta
construção, que poderemos compreender corretamente
importante. Mas é também uma pergunta difídl/Sua res-
esta nossa arividade: desenhar, projetar. [...]. Assim, é a eco-
posta não é sempre meqmvoca. [...]. Em vez de se pergun-
nomia política, através da especificidade áa constmção, que
^ como s^ vincula uma obra com as relações de produção
determina fundamentabnente o que fazemos.74
época? E compatível com elas, e portanto reacionária.
ou visa sua transformação, e portanto é revolucionária? [...]
Á determinação da superestrutura pela estrutura económica
gostam de perguntar; como ela se situa dentro dessas rela."
é geralmente mal vista pêlos estudiosos da cultura, que consideram
coes? Essa pergunta visa imediatamente a função "exercida
que essa abordagem reduz a importância da subjetividade na mter-
pela obra no interior das relações literárias de produção áe
pretação de uma sociedade. Contudo, Ferro não está defendendo
uma época. Em outras palavras, ela visa de modo imediato a
técnica literária das obras.70 o mecanicismo económico nem diminumdo a importância da su-
perestmtura. Ao contrário, está afirmando que a análise da arqui-
tetura como produto da economia política de uma sociedade pode
JParaisso, o conceito central, segundo Benjamin, é o concei-
revelar dimensões ocultas desta sociedade. E que a transformação
-to detécmca'que pertníte uma alïálise materialista e sociafdToW
da arquitemra exige a transformação da sociedade. O próprio Marx
ao^mesmotempoem que rePrese^ "o ponto de partida dmlético'
era cauteloso com as interpretações a respeito deste assunto:
^ a superação do contraste Ínfecundo entre forma e conteúdo^
Finalmente, com base na análise da técnÍcaïeumaobrTse^os-'
E afirmar que uma tendência literária "pode~consisti"r numa ^-- Deve ser claro que a Idade Média não podia viver do cato-

gresso ou num retrocesso da técnica literária".72 licismo nem o mundo antigo da política. A forma e o modo
como eles ganhavam a vida explica, ao contrário, por que lá
^ A postura de Benjamin frente ao Ativismo e à Nova Obieti-
a política, aqui o catolicismo, desempenhava o papel princi-
- tendêncus supostamente engajadas - encontra'ecos^sï
veis na crítica de Ferro: pai. De resto, basta pouco conhecimento, por exemplo, da
história republicana de Roma, para saber que a história áa
propriedade fundiária constitui sua história secreta.75
Ma tendência política, por mais revolucionária que pareça,
está condenada a funcionar áe modo conti-arrevolucionárío
O segundo tema diz respeito à inversão lustoriográfica re-
enquanto o escritor permanecer solidário com o proletaria-
presentada pelo foco nos conflitos entre trabalho e capital:
do somente ao nível de suas convicções, e não na quaÏÍdJe
produtor.73
Arquiteto e desenho separado se constituíram ao mesmo
[74] FERRO, Sérgio. A históría da arqui-
, p. 122. tempo, e um é o produto do outro: são interdependentes.
A estas considerações teórico-metodológicas - a semioloeia tetura vista do canteiro. Op.cit.,p,13,
[...]. A história da arquitetura, lá por baixo, vista do canteiro,
los.concel?sde materiai e Éécnica - de^^ acrescentar^te [751 MARX, Kari, O cap;ïa/. Op. clt., p.
X P.123. é a história de suas adaptações às diferentes etapas da explo-
£mas.treflexão que nosauxilial" a compreender oÏobjeG^osEdes 77.
f73]lcfem, p, 125-126, . ração da força de trabalho pelo capital, mediada pela função
com a pesquisa em história. [76] Ferro, Sérgio, A história da arquí--
da construção dentro dá economia política. tetura vista do canteiro. Op. cit, p, 14.
Neste caso as contribuições deWalter Benjamin em suas te- IsTapoleao in pêlos operários vencidos em junho de 1848. A história
sés "Sobre o conceito de história" parecem muito oportunas. Den- áa arte e da arquitetura de Sérgio Ferro possui esta rara dimensão
tre as proposições de Benjamin para o materialismo histórico, vaïe da ligação secreta com o passado que traz para o presente a respon-
notarmos a séüma tese: sabilïáade da atuaçao. Sem a clareza dessa responsabilidade, somos
presas fáceis da idenüdade afeüya que se converte em preferências
Ao historiador que quiser reviver uma época, Fustel de estéticas ou em manifestações ideológicas.
Coulanges recomenda banir de sua cabeça tudo o que sai-
fig 34 Comuna de Paris. Destruição da
ba do curso ulterior da história. Não se poderia caracte- REDESC08R1NDO SÉRGIO FERRO
coluna Vendôme, 1870.
rizar melhor o procedimento com o qual o materialismo
histórico rompeu. É um procedimento de identificação Com este arügo esperamos ter demonstrado que^érgio Ferro não
afeüva. [...]. A natureza dessa tristeza torna-se mais níüda propõe aos arquitetos o abandono da profissão. Desde sua Prática
quando se levanta a questão de saber com quem, afinal, experimental nos anos 1960, passando pelas proposições críticas de
propriamente o historiador do Historicismo se identifica O canteiro e o desenho, até sua pesquisa em história, a obra de Sérgio
afetívamente? A resposta é inegavelraente: com o vence- Ferro é inteiramente dedicada à prática da profissão, sem, com isso,
<lor. Ora, os dominantes de turno são os herdeiros áe to- se conformar com suas limitadas possibiÜdades imediatas. Aliás,
dos os que, algum dia, venceram. A itÍentificação afetíva nem o bloqueio que sofreu na França de exercer a profissão o im-
com o vencedor ocorre, portanto, sempre, em proveito pediu de manter uma prática discreta e insügante em suas Pr°Pnas
dos vencedores de turno. Isso diz o suficiente para o ma- residências, que transformou em canteiros experimentais. Nessas
terialismo histórico. Todo aquele que, até hoje, obteve a pequenas obras, poucos trabalhadores (e bem pagos) executam
vitória, marcha junto no cortejo de triunfo que conduz todo dpo de tarefa ao longo de anos. Sérgio Ferro acompanha tudo
os dominantes de hoje a marcharem por cima dos que, de perto: traz referências de outros arquitetos, desenha e pesquisa
hoje, jazem por terra. A presa, como sempre de costume, é soluções técnicas em conjunto. Em sua residência atual, em Grig-
conduzida no cortejo triunfante. Chamam-na bens cultu- nan/referências à Lê CorbusÍer e Paulo Mendes da Rocha coexis-
rais. Eles terão de contar, no materialismo histórico, com tem com abóbodas de pedras do século ix. A prática cotidiana deste
um observador distanciado, pois o que ele, com seu olhar, canteiro se parece com as experiências do Arts ana crafrs, com a ma-
abarca como bens culturais atesta, sem exceção, uma pro- mfestaçâo sempre presente da mão e do raciocínio do trabalhador.
veníência que ele não pode considerar sem horror. "Sua Essa prática (e também sua pintura, seu apoio a movimentos
existência não se deve somente ao esforço dos grandes sociais, como o MST, e às Assessorias Técnicas a muürões autoge-
gëmos, seus criadores, mas, também, à corveia sem nome ridos), é frequentemente confundida com sua teoria e usada como
de seus contemporâneos. Nunca há um documento áe argumento contra ela. Contudo, vale lembrarmos que seu interesse
cultura que não seja, ao mesmo tempo, um documento nessas iniciativas está relacionado à esperança de ver uma arte em
áe barbárie. E, assim como ele não está livre da barbárie. harmonia com o trabalho e de acordo com as técnicas e materiais
também não o está o processo de sua transmissão, trans- usados. São antes de mais nada experimentações, e não modelos.
missão na qual ele passou de um vencedor a outro. Por Formado num período polarizado pelo capitalismo ociden-
isso, o materialismo histórico, na medida do possível, se tal e pelo comunismo soviéúco, Sérgio Ferro recusou a separação
afasta dessa transmissão. Ele considera como sua tarefa entre necessidade do trabalho e liberdade do individuo. Apesar das
escovar a história a contrapelo.77 diferenças, os dois modelos desenvolvimenüstas têm como meta o
[77] BENJAMIM, Walter. "Sobre o con-
tempo livre do trabalhador, e para isso aceitam a exploração do tra-
ceito de história", Tese Vil, In: Magia e
técnica, arte e política: ensaios sobre A disputa entre capital e trabalho nos é transmitida através balho. Neste sentido Ferro se une ao socialismo utópico, ao sindi-
literatura e história da cultura. São Paulo, bens culturais, desde as pirâmides do Egito, construídas pêlos calismo anarquista e aos espartaquistas, defendendo o trabalho livre
Brasiliense, 1994.
escravos hebreus, até o palácio da Ópera, erguido no impérÍode como reunião da necessidade com a liberdade.

105
,en.e. Sen» o c^o das revokas ^^^o - -968. <luando os

^^Sïs^^walos^soM^
As três aulas de Sérgio Ferro reunidas neste volume, em-
bora não tenham a pretensão de constituir um manual completo
sobre história da arquitetura, são provocações bem fundamenta- ~. ^?ï&o^aS^S^ a"rq"^mra,-que, ao
das ao modo como se escreve a história da arquitetura e da arte e, maI8iB;ÏM^^i^^^^á^^
experiências cmv^u^^^ ^^ distorcidas
por isso, constituem um documento íunáamental para a revisão
^:'^^^^"^^^s^^^::^
^^£SS^^^.
do autor. Uma comparação com algumas das mais célebres histó-
rias da arquitetura pode ser um interessante ponto de partida para
futuras pesquisas.
Leonardo Benevolo inicia a sua História da a-rquitewm mo-
demaïï com razões políticas: o neoclassicismo é, segundo ele, uma
^^:^^^^^^=-
amente sufocado, resiste.
resposta arquiterônica às exigências da Revolução Francesa. Mais
do que isso, Benevolo, um dos mais lidos historiadores da arqui-
tetura moderna, inicia seu livro com a especificidade da lei áe Lê
Chapelier de 1791, que, em nome dos ideais de igualdade da Re-
voluçâo, proibia a existência das corporações de ofício, criando um
novo operariado da construção. As semelhanças com Sérgio Ferro,
no entanto, terminam por ai. Seu panorama se embrenha nas dife-
renças entre escolas, personalidades e contextos sociais sem julgar
o significado dessa divisão do trabalho.
Outro íiistoríador italiano e comunista, Giulio Cario Argan,
que dedicou um livro inteiro à BrunelleschP, também destaca, na
construção da cúpula de Santa Maria dei Flori, o surgimento do
regime de trabalho moderno na construção, regulado pelo áese-
nho e pela figura do arquiteto. Assim como Ferro, nota o iim da
autonomia do canteiro, contudo, seu interesse positivo pela arte o
faz enfatizar a criação e a genialidade de artistas e arquitetos, sem
expor as contradições entre arte e trabalho heterônomo.
Na verdade é muito difícil encontrar um par para Sérgio
Ferro °, mesmo que a luta de classes não seja ponto de partida
exclusivo de sua historiografia. O que mais o diferencia dentre a
maioria dos historiadores é sua ênfase no trabalho, <Ie onde vem a
necessidade de investigação da técnica e dos materiais, assim como
suas proposições metodológicas heterodoxas. Toda sua historiogra-
fia, no íunáo, se baseia nos conflitos da prática da arquitetura, os
mesmo? apontados nos primeiros textos.
E781 BENEWLO, Leonarcio. Hísíóría üa Sérgio Ferro mostra que o progresso económico e tecno-
arqusteïura moderna, São Paulo, Editora
lógico é dependente da pobreza e regressão áa técnica, por isso se
Perspectiva, 1976.
opõe ao desenvolvimentismo, se valendo áe uma filosofia da histó-
[79] ARGAN, Giulio Cario. BruneHesch/.
Madri,Xarait,ró90. ria sem protagonistas nem etapas pré-determmaáas. Sua história
[8010 mais correto seria procurá-lo na aberta se vincula secretamente com o passado, destacando ccmste-
íl-
obra de Manfredo Tafuri, lações nas quais a luta histórica ao passado se materializa no pre-
1938 Nasce dia 25 de julho em Curitiba, Paraná.

1956 Concluí o curso científico no Colégio São Luiz, em São Pau-


lo, junto com Rodrigo Lefèvre.

1957 Ingressa na Faculdade de Arquitetura e Urbamsmo da Um-


versidade de São Paulo.

1958 Anteprojeto para o concurso de decoração dos salões dojar-


dim de Inverno Fasano (i° prémio ex-aqueo) (com Rodrigo
Lefevre).

1959 Entra no Partido Comunista Brasileiro e começa a trabalhar


em arquitetura com Rodrigo Lefèvre.

Concurso da sede do IPESP (colaboração com o arquíteto Ei-


lor Mango).

Anteprojeto de conjunto de lojas, Brasília (com Rodrigo


Lefèvre).

Projeto de interior para a loja Maison Verte, São Paulo (com


Rodrigo Lefèvre).

1960 Residência Dr. Milton Simone Pereira, São Paulo.

Residência Dr. HeUádio Capisano, São Paulo (com Rodrigo


Lefèvre).

Edifício São Paulo, Brasília (com Rodrigo Lefèvre).

Edifício Goiaz, Brasília (com Rodrigo Lefêvre).


Conclui o curso de arquitetura. Flávio Império se associa GFAU organiza exposição do projeto apresentado ao Concur-
com Sérgio e Rodrigo. Escritório na R, Haddock Lobo e só Internacional de Escolas de Arquitetura na vi Bienal de
depois na R. Marquês de Paranaguá. Artes Plásticas de São Paulo.
Participa de equipe que representa a ^AUUSP no Concurso Plano para cidade satélite de 35.000 habitantes, Coüa (com
Internacional de Escolas de Arquitetura na vi Bienal de Artes A. S. Bergamin, Arnaldo A. MardnoJ. Guilherme de Castro,
Plásticas de São Paulo (indicação honrosa).
Júlio T. Yamazald, Luiz Fisberg, Luiz Kupfer, Matheus Go-
Posto de gasolina para Eugen K. Guiorgixe. rovitz e Waldemas Hermann.

Residência Boris Fausto, São Paulo. Residência Albertma Pedemeiras, São Paulo (com Rodrigo
Lefêvre).
Residência Bernardo Issler, Cotia.
Residência Sylvio Bresser Pereira, São Paulo.
? Professor-assistente de Flávio Motta na disciplina de Hiytó-
ria da Arte e Estética na FAUUSP. 1965 Curso de pós-graduação em Evolução Urbana na FAUUSP
(tema de "A casa popular").
Docente de Composição e Plástica da Escola Superior de For-
mação de Professores de Desenho da FAAP até 1968. Curso de pós-graduaçao em Museologia na FAUUSP.

Anteprojeto de conjunto residencial A. W. Kauffmann, São Docente de Comunicação e Teoria âaArte da Escola de Arte e
Sebasüão (com Rodrigo Lefèvre). Decoração de São Paulo até 1969.

Anteprojeto de edifício de apartamentos, São Paulo (com Conferências no curso de História daArte do Centro de Pes-
Rodrigo Lefèvre). quisas Literárias Sede Sapientíae, São Paulo.

Anteprojeto de Super Quadra 402, Brasiïia (com Rodrigo Publicação do número especial da revista Acrópole (n. 319,
Lefèvre). Jul.) sobre a obra dos ürês arquitetos.

Residência Marietta e RuthVampré, São Paulo (com Rodri- Curso de SemiohgÍa com Umberto Eco na Universidade
go Lefèvre). Mackenzie, São Paulo.

0 GFAU or^amza exposição das residências Marietta Vampré Conferências na Biblioteca Municipal de São Paulo sobre
e Helládío Capisano na FAUUSP. Arte Contemporânea até 1969.

Concurso Clube da Orla, Guarujá. Ginásio Estadual e Escola Normal de brotas (com Rodrigo
Lefèvre e Flávio Império).
Conjunto residencial CÍáudio Marcondes, São Paulo (com
Rodrigo Lefevre). Anteprojeto do Centro de recreação infantil. São Paulo.

Anteprojeto de edifício de apartamentos e hotel, Guarujá Anteprojeto para edifício de apartamentos em Santo Amaro,
(com Rodrigo Lefèvre, Aflalo, Croce e Gasperim). São Paulo (com Rodrigo Lefèvre e FÏávio Império).

Anteprojeto da Sede do Sindicato dos Trabalhadores nas 1967 Sai do PCB junto com MarigheUa e alia-se ao grapo de guer-
Indústrias de Energia Elétrica, São Paulo (com Rodrigo Le- riüia urbana ALN.

fèvre e Waldemar Hermann). Dirige a revista Teoria e Prática e participa do grupo leituras

Com o golpe, toma-se um dos indiciados no processo da cie conhecido como "O segundo seminário de O capital.
FAUVSP.
Conferências sobre pintura contemporânea no TUSP.
^tepro?eto.paraedifício de aP^amentos no centro de São
Paulo (com Rodrigo Lefèvre e Flávio~Impén^' Muda-se para a França em abril.

Exposição das residências Juarez Brandão Lopes e Sylvio


S^S^eSUMCa-Kraacab^omRO- Bresser Pereira , junto com outras obras brasileiras em apre-
sentaçao itinerante Panorama da Arquitetura Brasileira, Ita-
s^sscüry-plraricaba (co» ^"^ Le- maraty, IEB.

1973 Professor catedrático da École d'Architecture de Grenoble,

^S^^OSédoR--(eo. França.

Participa de canteiros experimentais com alunos da EAG até


^SSSCamIrim-KraacabafromRodri^oLefèwe o ano seguinte.

1976 Conferências sobre arquitetura do terceiro mundo na Uni-

^^y°'Rraacaba (com Ro^ ^- dade Pedagógica de Strasbourg até 1978.

1978 Conferência: DesenWCanteiro, SBPC, São Paulo. Confe-


^:^STho-Kraacaba (com Rodn^- renda Arquitetura de hoje, IAB, São Paulo.

1979 Docente de Pintura, Escola de Belas Artes de Grenoble até


^: ^ssëtess0' Kraclcaba<com Ro^ ^ ipSo.

Publicação de O canteiro e o desenho.


1968 çpaTpp:nd: 2cZTm.dlEnsmo da FAUÜSP- Na -dan- 1981 Conferências sobre arquitetura em Salvador, Mogi, São Pau-
Í^riF3 a cidade uriversitária P^sa ,ÏecÍon,'r'"cZo
lo, Campinas e Santos. Conferência "Do desenho ao cantei-
ro", Instituto Francês de Arquitetura, Lausanne.
Adere a outro grupo de luta armada, a VPH C^I-Pal^res).
1982 Responsável pelo seminário sobre pintura e arquitetura no
Docente de Estética no MASP até 1970. Instituto Francês de Arquitetura até 1983.

' cpeS^?TÇJ,o.do ensino da FAU santos »"° do- Funda a revista DessÍn/Chantier que publicou três números
cente de H.istória da Arte.
no ano de 1983, Grenoble.

Docente de História daArte na Universidade de BrasíÜa. Organiza o colóquio UÍdée Constructive en Architecture.

SïeS;olnmento balneári0' cambori°. - (co» 1984 Muda-se de Grenoble para Paris.

1986 Membro do Comité Consultor do Ministério do Urbanis-


' ^n"Sáno Especial da Fuadaçao BIenaI de SS° Paulo em mo, da Habitação e dos Transportes na França, até 1987.

Diretor científico ao Grupo de Pesquisa Dessin/Chantier,


Surgem na FAUUSP as revistas Desenho e Ou.. EAG, Grenoble.

Preso pelo regime militar em dezembro. 1988 Membro da direçao do Joumal D'Hiftoïre de PArchitecture,
França.
D!m!ÜÏda FAÜUSP Por Abandono de car^o". Solto •
regime militar em dezembro. -~ "" ^5U '
1989 Conferência "Aarquiteturaeocanteiro",Ecoled'Architecture
de Génève.
Membro da Comissão Técnica e Assessor da Fundação Bie~
nal de São Paulo.

Recebe o título de Chevalier dês Arts et dês Lettres pelo


Ministério da Cultura da França.

Muda-se para Grignan.

Participa da criação do Centro de Experimentação em Ar-


quitetura de Isle d'Abeau, mas abandona o projeto quando o
governo francês interrém, alterando o programa.

Novo atelier em Grignan.

Aposenta-se da docência em Grenoble com a encomenda de


comentar e traduzir para o francês, O canteiro e o desenho.

Participa de conversa com os estudantes da PAUUSP, marcan- LIVROS _ „ .

do seu primeiro retorno à escola desde sua demissão Arquitetura e trabalho livre. São Paulo, Cosac Naity, zooô.

Dessin/Chantier. Paris, Éditions de ÏaVillette, 2005.


Conferência sobre História da Arquitetura e História áa
Arte na PAU Maranhão. O canteiro e o desenho. São Paulo, ProUvros, 2005 (3a edição).

Recebe da Câmara Municipal de São Paulo a medalha An- Conversa com Sérgio Ferro. São Paulo, GFAU, 2002.
chieta e o Diploma de Gratidão áa Cidade de São Paulo.
Michel-Ange: architecte et sculpteur de la chapelk Medíeis. Lyon, Plan
Reedição de O canteiro e o desenho em português e primeira FixeÈdition, 1998.
edição em francês.
JeudÍ de lapassion. Barbizo, Editions FEntrée dês Artistes, 1997-
Publica a coletânea de textos Arquitetum e trabalho livre.
Sérgio Ferro. Barbizo, Editions 1'Entrée dês Artistes, 1992. (com
BOUDOU, Marcel).

Sérgio Ferro. Barbizo, Ediúons l'Enü:ée dês Arüstes, 1990. (com


LIPOVETSKY, Gilles. Prcf. SIMONNET, CyrÍlle).

Futuro anterior. São Paulo, Nobel, 1989.

Lê Couvent de la Tourette. Marseille, Parenthèses, 1987. (com KEBBAL,


Chérif; POTIÉ, Philippe; SIMONNET, Cyrille).

Míchelangelo: notas por Sérgio Ferro. Ed. PaUvra e Imagem, 1981.

O canteiro e o desenho. São Paulo, Projeto Editores, 1979.

A casa popular/Arquitewra Nova. São Paulo, GFAU,1972.

115
ARTIGOS colóquio homônimo realizado em Grenoble entre os dias 28 e 30
Eüca na arquitetura". Seminário de 8 de março de 1996 [trad. de novembro de 1984. Ed. Picard, 1987.
Lelita OÍiveÍra Benoit] In: revista Contravento. São Paulo, n. 2, nov..
2004.
Lê chantier" In: revista Dessin/Chantier. Grenoble, n. 3, 1983.

"Notes SUT lê cadre"In: revista Dessin/Chanüer. Grenoble, n. 2,1983.


'Urna nota" In: revista Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, n. 104,
OUt., 2002.
<tUn dessin pour la porta pia" In: revista Dessin/Chanüer. Grenoble,

•'FIávio arquiteto" Ín: Flâviõ Império em cena. São Paulo, SESC, 1997. n. 2,1983.

"Lê palimpsest du Falais Thiene" In: revista Dessm/Chantíer.


"Sobre Arquitetura Nova" In: Espaço e Debates. São Paulo, n. 40,
ano xvii, 1997. Grenoble, n. i, 1983.

"Lê béton comme arme" In: revista Dessm/Chantier. Grenoble, n.


e corbusie1''ie peintre derrière l^rchitecte" ïn:}oumai d^istoire
de larchitecture, n. i, 1997. 1,1983.

"Lê pêche originei et 1'expulsion du pâradis" In: Expo: Joumal, n.


"Auto-retrato a chicotaáas" In: FREIRE, AIípio; ALMADA, Izaías;
PONCE, J. A. (orgs.). Tiradentes, um presídio da ditadum: memórias de 6,1980.

presos políticos. São Paulo, Scipione, 1997. "Reflexões para uma poUtica na arquitetura" In: Arte em revista. São
Paulo, n. 4, CEAC, Kairós, 1980.
"Desenhos" In: FREIRE, Alípio; ALMADA, Izaías, PONCE, J. A. (orgs.).
Tiradentes, um presídio da ditadura: memórias de presos políticos. São "Carta análise de Sérgio Ferro (sobre a obra de Cláudio Tozzi)" In:
Paulo, Sdpione, 1997. Matrizes, filiais e companhias. São Paulo, SESC, 1979.
'Lês traces áe la concepüon" In: Lês whier de la recherche "n-O desenho" In: revista ^/m^n^Me. São Paulo, n. 3, 1977.
architecturale^ n. 34,1993.
"A forma da arquitetura e o desenho da mercadoria In: revista
Lês verms de Pinfortune in Lê Corbusier et Ia couleur" In: Almanaque. São Paulo, n. 2, out-, 1976.
Lês rencontres de la Fondation Lê Corbusier. Paris, Fondation Lê
Corbusier, 1992. "Some comments on tíie analysis of ne-wphotographs" In: WPCS 3,
Cultural Studies^ n. 4, 1976.
Nota sem título In: SANTOS, Maria Cecília Loschiavo (org.), Maria
"A força de trabalho na construção civil" In: revista Ou...,n. 2,1970.
Antônia, uma rua na contramão. São Paulo, Nobel, 1988.
"Enquanto os homens corajosos morrem" Ïn: aparte. São Paulo, n.
'O Concreto como anna"In: revista Projeto. São Paulo, n. n i, ji
1988. ' -- -^—,—-,,^.,
i, TUSP, mar.-abr., 1968.

"Ambignidades da pop art: o buffalo n de Rauchenberg" In: GAM


(Le Corbusier segundo Sérgio Ferro" In: revista Arquitetura e
urbanismo. São Paulo, s/n, 1987. (Galeria de Arte Moderna), n. 3,1967.

"Arquitetura Nova", Teoria eprâtica. São Paulo, n. i, 1967. Reeditado


'O ensino do desenho: uma nota sobre o ensino da arquiteturawln:
posteriormente em Arte em revista, n. 4, 1980 e Esp^o e debate, n.
revista Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, n. 5, abr., 1986.
40,i997-
'Reflexões sobre o brutalismo caboclo" In: revista Projeto. São
Paulo, n. 86, abr., 1986. "Os limites da denúncia" In: jornal Rex Time. São Paulo, n.4,1967.

"A nova pintura e os símbolos" In: O arquiteto, n. 2,1966.


'La fonction modélisante du dessin à la Renaissance" In: FERRO.
Sérgio; et al. UIdée consïructive en archítecíure, Publicação do "Alberto Burri" In: O arquiteto, n. i,1966.
'^Vale tudo" ïn: Artes. São Paulo, ano i, Jan., 1966. Republicado em F ^ Angc et la sacristie de Ia Chapelle Medíeis». Paris, Melttn,
Arte em Revista. São Paulo, n. 2, Ed. Kairós, maí.-ago., 1979."Notas
|Í-.Bra,i989-
sobre a arquitetura" In: revista Acrópole, n. 319, jul., 1965. (com
LEFÈVRE, Rodrigo e IMPÉRIO, Flávio). "Stratégies á^ppareU". EA Grenoble, 1988.

t ,.^ séffl^auon du geste technique" In: StrMég.es d'appare.1.


"Proposta inicial para um debate: Possibilidades de amação do
jovem arquiteto" In; Encontro. São Paulo, GFAU, 1963. (com LEFÈVRE, Grerioble, EA GrenoHe, 1988.
Rodrigo). ^.ín rLe) - Lê Chantier dans la conception et la réa&auon du
!^ d7L Tourette-de Lê Corbusier<Grenoble,

EA Grenotíe,
couv
ENTREVISTAS içSi
Entrevista com Sérgio Ferro", entrevista à Daniela Colin Lima. programa para formação de arquitetos encomendado pela EA
In: Entrevista, s/d. Disponível em [www.vitruvius.com.br].
Grenoble,i972-
Poderia ser a maior das artes", entrevista à Simone Sayegh. In:
revista Arquitetura e Vrbanismo, n. 123,jun., 2004.

Depoimento a Geraldo Motta Filho, Guilherme Wisnik e Pedro


Arantes". In: WISNIK, Guilherme (org.). O Risco: Lúcio Costa e a.
utopia moderna. Rio de janeiro, Bang Bang Filmes, 2003.

Arquitetura e luta de classes", entrevista à Lelita Oliveira Benoit.


In: Crítica Marxista. São Paulo, n. 15, out., 2002.

Sérgio Ferro, o pintor que viveu os anos de chumbo", entrevista


a Carlos Castelo Branco. In: revista Caros Amigos, n. 49, abr., 2001.

'Entrevista com Sérgio Ferro". In; revista Caramelo. São Paulo, n.


Ó,GFAU, 1993.

"Sérgio Ferro", entrevista a Hayfa Y. Sabbag eJoséWolf. In: revista


Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, n. 27,1989.

'Ideias de Ferro esbarram na pobreza brasileira". In: revista Projeto.


São Paulo, n. 115, out., 1988.

'Reflexões sobre o brutalismo caboclo", entrevista à Alarlene Milan


Acayaba. In: revista Projeto. São Paulo, n. 86, 1986.

A geração da ruptura". In: revista Arquitetum e Urbanismo. São


Paulo, n. 3, nov., 198^.

RELATÓRIOS DE PESQUISA E OUTROS


La trace . Rapport de recherche, École á'Architecture de
Grenoble, 1999.

118
A história da arquiíetura vista do canteiro: Créditos de imagens
três aulas de Sérgio Ferro
Acervos pessoais
GFAU Felipe Contíer 30
Rua ao Lago 876 Márcio Cotrim 4
São Paulo SP 05508900 Ediane Ferro 22
1130914541 Maurício Ferro 6, 7, 10, li, 15, 16
Abíiio Guerra 12
Baseado nas conferências dos dias 20, 26 e 27 de abrii de
2004, realizadas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Desenhos
Universidade de São Paulo ! Campus Maranhão Sérgio Ferro 8

Coordenação editorial e posfácio Arquivo


Felipe Contier Acervo Pesquisa Grupo Arquitetura Nova
[foto Renato Anelli] 28
Organização do evento Acervo Rodrigo Lê fe vre 29
IAB,José Eduardo Lefsvre e José Pedro Costa
Arquivo Wikímedia Commons
Apresentação André Aáolphe Eugène Disáerí (18Í9-1889) 9, 34
José Eduardo Lefévre ejosé Pedro Costa JonathanM 3
imre Solt 20
Transcrição e revisão
Felipe Conrier, Daniel Nobre e Raquel Schcnkman Publicação
Acrópolen. 319
Projeto gráfico e djagramaçâo Ou... n. 2
Juliana Maggioíi e Raphaei Grazziano
Vídeo
Gráfica FAUÜSP IAS t VÍdeoFAU

Apoio FAUUSP

Tiragem3.000

TipologiaHelvetícaNeuceJansonTëxt

Papel Pólen 90 g/mï

Agradecimentos
LPG, Biblioteca e Vídeo FAUUSP

Ferro, Sérgio
A história da arquitetura vista do canteiro: três auias
áe Sérgio Ferro / Sérgio Ferro; apresentação de José Pedro
de Oliveira Costa ejosé Eduardo de Assis Lefevre; posfêcio
de Felipe de Araújo Contíer. São Paulo : GFAU, 20ÏO.
120 p.: 17 x 21 cm.

ISBN: 978-85-60467-OÏ-3

1. História da Arquitemra 2. História da Arte Ï.


Arquitetura fFeoría) I, Costa, José Pedro de Oliveira, apres,
H, Lefèvre, José Eduardo de Assis, apres. III, Coririer, Felipe
de Araújo, posf. IV Título

CDD 720,9
Serviço de Biblioteca e Informação da Faculdade de Arquite-
tura e Urbanismo da USP

Potrebbero piacerti anche