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VOL.

4 6 – 2 0 1 7
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ISSN 2183-3699 (versão electrónica / electronic version)
ISSN 0872-0304 (versão impressa / print version
REVISTA PORTUGUESA DE

PSICOLOGIA 2017 – VOL. 46 – 35-48 – https://doi.org/10.21631/rpp46_35

Estudo da relação entre os comportamentos autolesivos,


a psicopatologia e a personalidade em contexto prisional
Ana Margarida Ferraz
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

Mário R. Simões
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

Pedro Armelim Almiro


Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

RESUMO ABSTRACT
Os comportamentos autolesivos (CAL) representam um Self-harming behaviors (SHB) consist in a cluster of acts
conjunto de atos através dos quais o sujeito causa uma lesão in which the individual harms him/herself, including a
a si próprio, englobando um continuum entre a ideação continuum of suicidal ideation, suicidal attempt and
suicida, a tentativa de suicídio e o suicídio consumado. O suicide. The aim of this work is to understand the
principal objetivo do presente trabalho é compreender a relationship of socio-demographic, legal and criminal
relação entre os CAL e a sintomatologia psicopatológica, as characteristics, psychopathology symptoms and
dimensões de personalidade, variáveis sociodemográficas, personality dimensions to these behaviors, in a prison
jurídicas e prisionais, em meio prisional. Os resultados, context. The results, obtained through the assessment of a
obtidos através da avaliação de uma amostra de 120 reclusos, sample of 120 inmates, suggest that participants who were
sugerem que os participantes que foram vítimas de maus- victims of childhood maltreatment, who are substance
tratos na infância, que são consumidores de substâncias abusers (narcotics and alcohol) and who manifested
(estupefacientes e álcool) e que manifestaram anteriormente previous SHB, associated with psychopathological
CAL, em associação com a presença de sintomatologia symptomatology and high levels of neuroticism and
psicopatológica e valores elevados nas dimensões de psychoticism, have a higher tendency to develop SHB.
neuroticismo e psicoticismo, possuem uma tendência maior
para apresentar CAL. Keywords: self-harming behaviors; suicidal ideation,
suicidal attempt; suicide; prison.
Palavras-chave: Comportamento autolesivo; ideação
suicida; tentativa de suicídio; suicídio; prisão.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Autores / Instituições:
Ana Margarida Ferraz - Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde, com subespecialização em Psicologia Forense, pela Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)
Mário R. Simões - Professor Doutor; Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental, Laboratório de Avaliação
Psicológica e Psicometria, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Pedro Armelim Almiro - Doutor em Avaliação Psicológica pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
(FPCEUC). Investigador colaborador no Laboratório de Avaliação Psicológica e Psicometria (PsyAssessment Lab) e no Centro de Investigação em
Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da FPCEUC. É atualmente Professor Auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa
(UAL) e Investigador Integrado do Centro de Investigação em Psicologia (CIP-UAL).

Autor Correspondente:  Ana Margarida Ferraz, Email: margaridaferraz92@gmail.com


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Ferraz, Simões & Almiro

INTRODUÇÃO

A manifestação de comportamentos autolesivos (CAL) é frequente em meio prisional. No entanto, a sua investigação
tem sido escassa (Moreira & Gonçalves, 2010; Simlot, Mcfarland, & Lester, 2013). A incidência de CAL em
reclusos é significativamente mais elevada do que na população geral (Moreira & Gonçalves, 2010; Pinheiro &
Cardoso, 2011), sendo que aproximadamente 10% das mortes em meio prisional ocorre por violência autodirigida
(Souza & Ávila, 2008). Contudo, na maioria das vezes, estes comportamentos são menosprezados, por questões
culturais, religiosas e institucionais (Moreira, 2009).

Os CAL representam um conjunto de atos através dos quais o indivíduo causa uma lesão a si próprio, como a
tentativa de suicídio e o suicídio consumado, e surgem independentemente do grau de intencionalidade, letalidade,
motivo que lhe está subjacente, nível de consciência e psicopatologia associada (Direção-Geral de Saúde, 2013).
Estes comportamentos pertencem a um continuum que engloba a ideação suicida, a tentativa de suicídio e o suicídio
consumado. A ideação suicida envolve pensamentos, ruminações, preocupações, desejos e planos acerca da morte,
que se podem tornar persistentes e recorrentes e evoluir para um final letal. A tentativa de suicídio, por sua vez, é
apontada como um gesto autodestrutivo não fatal, enquanto o suicídio é uma agressão voluntária, premeditada e
deliberada executada por um sujeito para pôr termo à sua vida (Direção-Geral de Saúde, 2013). Os CAL envolvem
atos como o corte da pele e a ingestão em doses elevadas de fármacos, estupefacientes ou de objetos não ingeríveis
(e.g., lixívia, lâminas e pregos) e dividem-se em dois grupos: os “deliberate self-harm” (semelhantes a uma tentativa
de suicídio) e os “non suicidal self-injury” (destruição do tecido corporal, sem intenção de pôr termo à vida;
Carvalho, Peixoto, Saraiva, Sampaio, Amaro, & Santos, 2013; Guerreiro & Sampaio, 2013).

Os CAL podem resultar de estratégias de coping mal adaptativo face a cognições e situações contextuais às quais o
indivíduo, devido à sua vulnerabilidade, não consegue responder adequadamente (Saraiva, 2006). Geralmente, as
práticas de CAL têm origem em experiências traumatizantes vivenciadas durante a infância (rejeição, negligência
parental, abuso físico/psicológico/sexual) que são causadoras de sofrimento extremo, depressão, desesperança e
elevados níveis de ansiedade e impulsividade (Campos, Besser, & Blatt, 2013; Moreira & Gonçalves, 2010).

O sistema prisional é marcado por um conjunto de carências que afetam a saúde mental das pessoas, promovendo
sintomatologia psicopatológica e o desenvolvimento de perturbações mentais. Segundo a literatura de referência
acerca do tema (Constantino, Assis, & Pinto, 2016; Moreira, 2009; Moreira & Gonçalves, 2010; Towl, 2012), os
sujeitos em reclusão apresentam taxas mais elevadas de perturbação mental quando comparados com a população
geral, salientando-se a depressão, as psicoses, o stress pós-traumático e o abuso de substâncias psicoativas. Em meio
prisional, os CAL podem desempenhar a função de evitamento experiencial, uma vez que o recluso evita emoções,
pensamentos e experiências desagradáveis e causadoras de sofrimento (Duque & Neves, 2004). Os reclusos com
este tipo de comportamento possuem frequentemente quadros de psicopatologia grave e vulnerabilidades
psicológicas que os tornam menos aptos para responder às contingências da restrição de liberdade e aos
acontecimentos perturbadores (Moreira, 2009).
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Comportamentos Autolesivos, Psicopatologia e Personalidade em contexto prisional

Vários autores tentaram, ao longo do tempo, construir um perfil para o recluso suicida: um indivíduo masculino,
caucasiano, com cerca de vinte anos, solteiro, com história de consumo de estupefacientes, pena indeterminada ou
em situação de prisão preventiva e reincidente criminal (Blaaw, Kerkhof, & Hayes, 2005; Marzano, Rivlin, Fazel,
& Hawton, 2009). O indivíduo com este perfil é caracterizado pela solidão e desilusão consigo mesmo; pelo
isolamento e afastamento da família e pelos fracos recursos económicos. Relativamente à saúde mental, apresenta
comorbilidade psicopatológica marcada por rigidez cognitiva, pensamento dicotómico, angústia mental, sentimento
de impotência, culpabilidade e vitimização, depressão, ansiedade, impulsividade, baixa autoestima e perda de
autoconfiança (Chapman, Gratz, & Turner, 2014; Moreira & Gonçalves, 2010). Lohner e Konrad (2006) defendem
a existência de dois tipos de reclusos com CAL: com intenção suicida e sem intenção suicida. Os primeiros possuem
realmente a intenção de pôr termo à vida, pois são sujeitos depressivos, de trato dócil, que optam pela retirada social
passando os dias na cela e planeiam o ato ao pormenor. Por outro lado, existem reclusos com traços afetivos e
interpessoais psicopáticos, que recorrem aos CAL instrumentalmente, não apresentando intenção suicida real, pois
pretendem manipular o meio envolvente e captar atenção para os seus problemas (Gil & Saraiva, 2006; Moreira,
2010).

Os CAL são despoletados por fatores de risco que resultam da interação de variáveis biológicas, psicológicas,
sociais, culturais e ambientais (Smith, Ribeiro, Mikolajewski, & Taylor, 2012). A Direção-Geral de Saúde (2013)
aponta três categorias de fatores de risco para o suicídio: individuais (como a idade, género, estado civil, prática
autolesiva anterior, doença física e mental); socioculturais (estigma social, valores culturais e influência dos media)
e situacionais (desemprego, o acesso a meios letais e acontecimentos de vida negativos). No que se refere às
variáveis individuais, os quadros psicopatológicos marcados por sintomas intensos de depressão, ansiedade,
impulsividade, desesperança, ausência de estratégias de coping adequadas e perturbações da personalidade
constituem as principais variáveis associadas aos CAL (Direção-Geral de Saúde, 2013; Saraiva, 2006). As
perturbações do Eixo I (Perturbação Depressiva Major, Perturbações da Ansiedade e Dependência de Substâncias)
têm uma relação significativa com os CAL, assim como as Perturbações do Eixo II (Perturbação da Personalidade
Antissocial e Perturbação da Personalidade Borderline), marcadas por impulsividade, agressividade, hostilidade,
destrutividade e fraca tolerância à frustração (Direção-Geral de Saúde, 2013; Felthous, 2011; Smith et al., 2012).

Devido ao desadequado reportório de estratégias de coping, determinados acontecimentos e situações difíceis de


lidar na prisão funcionam como um “gatilho” para o indivíduo, desencadeando emoções fortemente negativas que
podem contribuir para a ocorrência de CAL (Carreiro, 2012; Direção-Geral de Saúde, 2013; Moreira, 2009). O modo
como cada indivíduo encara as suas experiências de vida, marcadas por acontecimentos perturbadores e geradores
de impacto negativo, influencia a sua reação perante situações ansiogénicas, que poderão originar CAL: abandono
ou maus tratos na infância, instabilidade familiar, história familiar de suicídio ou desajuste social (Carreiro, 2012;
Chapman et al., 2014). Os fatores de risco estão também associados à privação do contacto social e ao isolamento,
com relacionamentos interpessoais frágeis, sentimentos de alienação, insegurança, discriminação e abandono
familiar e do grupo de pares (Carreiro, 2012; Dye, 2010; Humber, Emsley, Pratt, & Tarrier, 2013). O contexto
económico também deve ser considerado, uma vez que os períodos de instabilidade económica, a pobreza e o
desemprego acarretam sérias dificuldades, podendo levar à adoção de comportamentos de risco por parte do
indivíduo (Direção-Geral de Saúde, 2013; Dye, 2010). Nas prisões, um meio fechado e violento, ocorrem situações
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Ferraz, Simões & Almiro

que desencadeiam elevado stress devido à abstinência de substâncias, à vitimização e abuso por parte de outros, às
sanções e isolamento disciplinar e a um processo judicial penoso. O afastamento de pessoas significativas; a prática
anterior de CAL ou história familiar de suicídio e o não comparecimento da família em datas marcantes são outros
fatores enumerados (Felthous, 2011; Pinheiro & Cardoso, 2011). A sobrelotação é outro fator que pode aumentar
fortemente o risco de CAL, uma vez que a utilização de bens (alimentos, energia elétrica e água) e serviços
disponíveis (técnicos gestores de acompanhamento, médicos e psicólogos) e o acesso a ocupações do dia-a-dia
(escola, curso profissional ou ocupação laboral) se tornam insuficientes, gerando condições de vida precárias,
insegurança e deterioração do bem-estar físico e psicológico dos reclusos (Felthous, 2011; Souza & Ávila, 2008).

Perante as carências mencionadas, a adaptação à prisão torna-se um processo adverso, uma vez que os reclusos estão
sujeitos à escassez de recursos e à carência de suporte afetivo, que influenciam negativamente o seu dia-a-dia e
tornam o meio envolvente numa ameaça potencializadora de comportamentos de risco, como o suicídio (Constantino
et al., 2016; Towl, 2012).

A presente investigação tem como objetivo conhecer a relação entre os CAL e sintomatologia psicopatológica (BSI
e BDI-II), dimensões da personalidade (EPQ-R) e aspetos sociodemográficos, jurídicos, prisionais, em reclusos.
Para tal, foram definidas as seguintes hipóteses de estudo: 1) Reclusos com um nível mais elevado de sintomatologia
psicopatológica apresentam maior risco de CAL; 2) Reclusos com um nível mais elevado de psicoticismo e
neuroticismo e nível mais baixo de extroversão apresentam maior risco de CAL; 3) Reclusos vítimas de maus-tratos
na infância, consumidores de substâncias e com práticas anteriores de CAL apresentam maior risco de CAL.

METODOLOGIA

Participantes

A amostra é constituída por 120 participantes do género masculino, com idades compreendidas entre os 19 e os 77
anos (M = 36.00; DP = 10.69), maioritariamente de nacionalidade portuguesa (n = 113; 94.16%), provenientes do
Estabelecimento Prisional de Coimbra (n = 76; 63.33%) e do Estabelecimento Prisional Regional de Leiria (n = 44;
36.66%). Estes participantes estavam condenados (n = 102; 85.00%) ou detidos preventivamente (n = 18; 15.00%)
por crimes relacionados com a toxicodependência, nomeadamente tráfico de estupefacientes, furto e roubo, com
penas entre os 2 e os 408 meses (ver Quadro 1).

Instrumentos

Neste estudo, foi administrado um questionário sociodemográfico, assim como instrumentos de avaliação
psicológica para medir as dimensões da personalidade, a sintomatologia psicopatológica e a prática de CAL (EPQ-
R; BSI e BDI-II; ECAL, respetivamente). Foi utilizada a EDS como medida de desejabilidade social, de modo a
examinar a validade das respostas.
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Comportamentos Autolesivos, Psicopatologia e Personalidade em contexto prisional

Quadro 1
Caraterísticas sociodemográficas, jurídico-penais e prisionais da amostra.
n % n %
Reclusos 120 100 Descendência
EP 1 76 63.33 Sem filhos 47 39.16
EP 2 44 36.66 1 Filho 30 25.00
2 Filhos 18 15.00
Nacionalidade Mais de 3 filhos 25 20.83
Portuguesa 113 94.16
Outra 7 5.82 Profissão
Desempregado 38 31.66
Escolaridade Empregado 75 62.50
Analfabeto 1 .83 Estudante 3 2.50
Sabe ler e escrever 3 2.50 Reformado 4 3.33
1ºciclo 14 11.66
2ºciclo 39 32.50 Antecedentes
3ºciclo 41 34.16 Criminais 76 83.33
Ensino Secundário 19 15.83 Prisionais 62 51.66
Ensino Superior 3 2.50
Situação penal
Ocupação prisional Preventivo 18 15.00
Inativo 46 38.33 Condenado 102 85.00
Curso Profissional 25 20.83
Ocupação laboral 27 22.50 Crime
Escola 21 17.50 Contra a vida 12 10.00
Escola e curso 1 0.83 Contra a integridade física 16 13.33
Contra a liberdade pessoal 2 1.66
Contra a liberdade e
Sanções Disciplinares 2 1.66
autodeterminação sexual
Nenhuma 75 62.50 Relativos a estupefacientes 21 17.50
Menos de 5 24 20.00 Contra a propriedade 56 46.66
Entre 5 e 10 8 6.66 Contra o património 4 3.33
Entre 10 e 20 5 4.16 Contra a autoridade pública 1 0.83
Contra a ordem e tranquilidade
Mais de 20 8 6.66 6 5.00
pública
n M DP
Idade 120 36.00 10.69
Toxicodependência (idade) 79 15.84 4.22
Alcoolismo (idade) 36 17.06 6.32
1ª Prisão (idade) 120 27.95 11.19
Nº Prisões 120 1.92 1.29
Pena (meses) 103 111.78 82.40

O Questionário de Personalidade de Eysenck – Forma Revista (EPQ-R; Eysenck, Eysenck, & Barrett, 1985; versão
portuguesa de Almiro & Simões, 2014) é um instrumento que avalia três dimensões de personalidade: o Psicoticismo
(P), a Extroversão (E) e o Neuroticismo (N), e inclui uma escala de Mentira/Desejabilidade Social (L), que permite
verificar a tendência do indivíduo para atribuir a si próprio atitudes e comportamentos socialmente desejáveis e a
rejeitar em si atitudes e comportamentos que são socialmente indesejáveis. A versão portuguesa apresenta boas
qualidades psicométricas, como consistência interna, teste-reteste, validade de constructo e validade de critério
concorrente.

O Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI; Derogatis, 1982; versão portuguesa de Canavarro, 2007) permite
avaliar nove dimensões de psicopatologia e obter três índices globais (Índice Geral de Sintomas – IGS, Total de
Sintomas Positivos – TSP, Índice de Sintomas Positivos – ISP). Este inventário apresenta boas qualidades
psicométricas, nomeadamente de consistência interna e validade discriminante.
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Ferraz, Simões & Almiro

O Inventário de Depressão de Beck−II (BDI-II; Beck, Steer & Brown, 1996; versão portuguesa de Oliveira-
Brochado, Simões, & Paúl, 2014) é uma escala de autorresposta que avalia a intensidade dos sintomas cognitivos,
motivacionais, físicos e afetivos da depressão. Este instrumento apresenta boas qualidades psicométricas. No estudo
de validação para a população portuguesa, Oliveira-Brochado e colaboradores (2014) propõem um ponto de corte
de 13.

A Escala de Desejabilidade Social – Versão Experimental (EDS; Almiro et al., 2017) é uma medida de
desejabilidade social, constituída por 22 questões de resposta dicotómica, que se referem a atitudes pessoais e que
permitem examinar o nível de sinceridade das respostas do sujeito (enviesamento de respostas). Este instrumento
dispõe de normas provisórias para as variáveis género e idade.

A Escala de Comportamentos Autolesivos – Versão Experimental (ECAL; Ferraz & Simões, 2015) é um
questionário de autorresposta que permite avaliar os CAL em reclusos. A ECAL é constituída por 49 itens de
resposta dicotómica e permite a obtenção de resultados para seis fatores (ideação suicida, tentativa de suicídio,
automutilação, parassuicídio, psicopatologia e isolamento). A ECAL apresenta boas qualidades psicométricas no
âmbito da precisão (α = .88, considerado “muito bom”, segundo o critério de DeVellis, 1991) e da validade de
critério concorrente.

Procedimentos

A investigação decorreu nos dois estabelecimentos prisionais, após autorização por parte da Direção-Geral de
Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). Para a constituição da amostra, foram excluídos os participantes que
não possuíam conhecimentos de língua portuguesa e que desempenhavam ocupação laboral no exterior da prisão.
Os participantes foram convidados individual e presencialmente para participar na investigação, expondo-lhes os
objetivos do estudo e assegurando os princípios de confidencialidade e anonimato dos dados. Após a assinatura do
consentimento livre e informado, os voluntários foram dirigidos para uma sala onde responderam ao protocolo de
avaliação psicológica.

A amostra foi dividida em dois grupos (idade inferior e superior a 30 anos) uma vez que é considerado, na literatura
da área da personalidade, que até essa idade as características da personalidade se desenvolvem, acabando por
encontrar a estabilidade (Roberts, Wood, & Caspi, 2008; Terracciano, Costa & McCrae, 2006).

Os dados recolhidos foram analisados através do SPSS Statistics (versão 20.0; Armonk, NY).

RESULTADOS

Foi realizada uma análise descritiva das variáveis sociodemográficas (Quadro 1), verificando-se que a maioria dos
sujeitos tem um nível socioeconómico médio-baixo, com reduzidas habilitações académicas e baixa qualificação
profissional. Dos reclusos que participaram no estudo, 23 reportaram maus-tratos na infância (19.16%) e 40
relataram CAL prévios (33.33%).
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Comportamentos Autolesivos, Psicopatologia e Personalidade em contexto prisional

Os resultados do EPQ-R (Quadro 2) sugerem pontuações médias significativamente mais elevadas, t(1807) =
4.3385, p < .001 na dimensão N, M = 11.53, DP = 5.44 comparativamente com a amostra de referência, M = 9.35,
DP = 5.31, sugerindo uma maior incidência dos traços de personalidade característicos do tipo neurótico
(instabilidade emocional, ansiedade, depressão, irritabilidade fácil e baixa autoestima). As dimensões do
Psicoticismo, Extroversão e Escala L apresentam pontuações próximas dos valores de referência esperados para a
comunidade (cf. Almiro, 2013).

Quadro 2
Resultados obtidos nos instrumentos de avaliação.
M DP Assimetria Curtose
EPQ-R
Psicoticismo 1.28 1.59 1.92 4.40
Extroversão 12.89 3.90 -0.86 0.23
Neuroticismo 11.53 5.44 0.05 -0.76
Escala L 10.00 4.06 -0.13 -1.01
BSI
Somatização 0.63 0.59 1.12 1.19
Obsessões e Compulsões 0.88 0.63 0.83 0.82
Sensibilidade Interpessoal 0.88 0.79 1.07 1.18
Depressão 0.91 0.81 1.01 0.91
Ansiedade 0.72 0.64 1.17 1.34
Hostilidade 0.79 0.81 1.61 2.77
Ansiedade Fóbica 0.35 0.51 2.29 5.40
Ideação Paranóide 1.26 0.80 0.47 -0.05
Psicoticismo 0.75 0.55 1.02 0.64
IGS 0.81 0.54 0.93 0.87
ISP 1.72 0.55 1.36 2.87
TSP 24.65 13.21 -0.16 -1.12
BDI-II 12.32 9.54 0.67 -0.03
EDSC 13.32 5.28 -0.48 -0.72
ECAL
Ideação suicida 3.98 1.89 1.54 2.46
Tentativa de Suicídio 1.79 1.47 1.78 3.31
Automutilação 0.65 1.42 2.75 1.91
Parassuicídio 0.46 0.91 2.19 7.65
Psicopatologia 1.46 1.39 1.23 4.36
Isolamento 1.81 1.46 1.19 1.91
Total 10.14 6.42 1.59 1.56

No BSI, foram obtidos resultados que se enquadram nas pontuações médias previstas para a comunidade (Quadro
2, cf. Canavarro, 2007), o que sugere que os participantes do estudo não sofrem de sintomatologia psicopatológica
de intensidade relevante. Contudo, o valor médio obtido no ISP (1.72), é ligeiramente superior ao ponto de corte
(ISP > 1.70) estabelecido por Canavarro (2007), o que poderá indicar alguma incidência de perturbações
emocionais.

Os resultados obtidos no BDI-II (Quadro 2) revelam que os reclusos não apresentam sintomatologia depressiva de
intensidade relevante. Segundo o critério estabelecido por Beck e colaboradores (1996), 69 participantes (57.50%)
apresentam “sintomatologia depressiva mínima”, 26 (21.66%) apresentam “depressão ligeira”, 16 (13.33%)
apresentam “depressão moderada” e 9 (7.50%) apresentam “depressão grave”. De acordo com o ponto de corte (>
13) proposto para a população portuguesa (Oliveira-Brochado e colaboradores, 2014), 51 participantes (42.50%)
apresentam valores sugestivos de um quadro depressivo.
42
Ferraz, Simões & Almiro

Na EDS, foram obtidas pontuações médias (Quadro 2) que sugerem que, na generalidade, os reclusos foram sinceros
a responder ao protocolo de avaliação (cf. Almiro, Sousa, & Simões, 2014). Através de uma análise mais
pormenorizada, podemos verificar que 32 sujeitos (26.66%) apresentam um nível elevado de desejabilidade social,
65 sujeitos (54.16%) encontram-se na média esperada e 23 sujeitos (19.16%) apresentam um nível baixo de
desejabilidade social.

As estatísticas descritivas obtidas para os resultados da ECAL podem ser também consultadas no Quadro 2.

Foi utilizado o método de correlação de Pearson para verificar a existência de associações entre as variáveis
sociodemográficas, jurídicas e prisionais e a ECAL e os respetivos fatores (Quadro 3). Estes valores sugerem que
ter uma história prévia de CAL, ser vítima de maus-tratos na infância, ser consumidor de substâncias
(estupefacientes e/ou álcool), não ter visitas no estabelecimento prisional e ser detido em idade jovem são fatores
que podem estar associados à prática de CAL em reclusos.

Quadro 3
Correlações do resultado total e dimensões da ECAL com variáveis sociodemográficas, jurídicas e prisionais.
ECAL 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.

Total -.21 * .20* .17 .19* .14 .18* .35** .49** -.24** .39**
Fator 1 -.15 -.07 .09 .11 .05 .19* -.22* .39** .12 .08
Fator 2 -.07 .28** .21* .14 .12 .22* .41** .59** -.19* -.11
Fator 3 -.19* .11 .11 .19* .14 .07 .22* .34** -.23* -.08
Fator 4 -.23* .07 .10 .05 .13 .09 .19* .20* .14 .00
Fator 5 -.14 .26** .25* .24** .22* .25** .22* .32** -.22* -.16
Fator 6 -.18* .12 .01 .10 .08 -.06 .28** .30** -.19* -.30**

Nota. * p < .05, ** p < .001: Fator 1 - Ideação Suicida; Fator 2 – Tentativa de Suicídio; Fator 3 –
Automutilação; Fator 4 – Parassuicídio; Fator 5 – Psicopatologia; Fator 6 – Isolamento; 1.
Escolaridade; 2. Acompanhamento psicológico no passado; 3. Acompanhamento psicológico no
presente; 4. Medicação; 5. Toxicodependência; 6. Consumos mistos; 7. Maus tratos na infância; 8.
Comportamentos autolesivos anteriores; 9. Idade da primeira prisão; 10. Receber visitas.

Relativamente às correlações entre a ECAL e os outros instrumentos de avaliação (Quadro 4), podemos verificar
que os CAL estão significativamente relacionados com as dimensões da personalidade Neuroticismo e o
Psicoticismo (EPQ-R). Este facto reforça a necessidade de maior acompanhamento ao nível da saúde mental, nos
estabelecimentos prisionais. Também a relação significativa encontrada entre os CAL e a depressão, assim como
outra sintomatologia psicopatológica, sugere que pessoas que adotam este tipo de comportamentos apresentam
níveis de instabilidade emocional elevados.

Recorreu-se ao teste t-student (amostras independentes) para comparar os resultados médios do total da ECAL e dos
fatores ideação suicida, tentativa de suicídio, automutilação e parassuicídio, entre grupos de sujeitos, de modo a
verificar a existência de diferenças estatísticas significativas. Seguidamente, foi calculada a magnitude do efeito
através do d de Cohen (Quadro 5).
43
Comportamentos Autolesivos, Psicopatologia e Personalidade em contexto prisional

Quadro 4
Correlações do resultado total e dimensões da ECAL com os instrumentos de avaliação psicológica.
Sintomatologia
ECAL Extroversão Neuroticismo Psicoticismo Depressão Psicopatológica (BSI-
IGS)
Total -.16 .48** .34** .32** .44**
Fator 1 -.11 .32** .28** .22* .33**
Fator 2 .03 .40** .15 .34** .41**
Fator 3 -.19* .32** .38** .12 .28**
Fator 4 -.20* .37** .25** .22* .24**
Fator 5 -.09 .46** .26** .25** .37**
Fator 6 -.20* .32** .20* .26** .33**

Nota. * p < .05, ** p < .001: Fator 1 - Ideação Suicida; Fator 2 – Tentativa de Suicídio; Fator 3 –
Automutilação; Fator 4 – Parassuicídio; Fator 5 – Psicopatologia; Fator 6 – Isolamento.

Os resultados encontrados mostram diferenças significativas (p < .05) entre o grupo de preventivos e o de
condenados no fator “tentativa de suicídio”, sendo que os condenados obtêm maior pontuação. O grupo de reclusos
detidos pela primeira vez antes dos 30 anos pontua mais do que o de reclusos depois dos 30 anos nos fatores
“tentativa de suicídio”, “automutilação”, “parassuicídio” e no total da ECAL. O grupo de solteiros obtém maior
pontuação do que os casados no fator “automutilação”. O grupo de toxicodependentes apresenta resultados mais
elevados no total da ECAL, comparativamente ao grupo que não consome substâncias. Os sujeitos com consumos
mistos apresentam valores superiores nos fatores “ideação suicida” e “tentativa de suicídio”, comparativamente ao
grupo sem consumos mistos. Entre os grupos de sujeitos “com” e “sem maus-tratos na infância”, o primeiro obtém
pontuações mais elevadas no fator “tentativa de suicídio” e no total da ECAL. Os sujeitos “com história anterior de
CAL” obtêm pontuações mais elevadas nos fatores “ideação suicida”, “tentativa de suicídio”, “automutilação” e
“parassuicídio” e no total da ECAL, comparativamente aos “sem história de CAL”.

De um modo geral, tendo em conta os valores de magnitude verificados (d de Cohen), os grupos de participantes
apresentam diferenças de “pequeno efeito”, ou seja, as diferenças na manifestação dos CAL são reduzidas (cf.
Loureiro & Gameiro, 2011). No entanto, os grupos “com e sem maus-tratos na infância” e “com e sem história de
CAL” apresentam diferenças de “efeito médio”, no fator “tentativa de suicídio” e no total da ECAL. Estes valores
sugerem que as diferenças na manifestação de CAL são moderadas nos grupos de reclusos em comparação.

De um modo geral, tendo em conta os valores de magnitude verificados (d de Cohen), os grupos de participantes
apresentam diferenças de “pequeno efeito”, ou seja, as diferenças na manifestação dos CAL são reduzidas (cf.
Loureiro & Gameiro, 2011). No entanto, os grupos “com e sem maus-tratos na infância” e “com e sem história de
CAL” apresentam diferenças de “efeito médio”, no fator “tentativa de suicídio” e no total da ECAL. Estes valores
sugerem que as diferenças na manifestação de CAL são moderadas nos grupos de reclusos em comparação.
44
Ferraz, Simões & Almiro

Quadro 5
Valores significativos na comparação entre grupos (teste t-student) para o total e dimensões da ECAL.
Total ECAL n M DP t df d
Detidos antes dos 30 89 11.15 6.97
4.23 112.149 0.37
Detidos após os 30 31 7.26 3.04
Toxicodependentes 41 8.68 4.97
-2.01 106.440 -0.19
Não Toxicodependentes 79 10.90 6.96
Maus-tratos infantis 97 9.05 5.06
-2.88 25.270 -0.50
Sem maus-tratos infantis 23 14.74 9.16
Com história de CAL 80 7.89 5.04
-5.72 62.678 -0.59
Sem história de CAL 40 14.66 6.56
Fator 1
Consumos mistos 96 3.79 1.82
-2.16 118 -0.20
Sem consumos mistos 24 4.71 1.99
Com história de CAL 80 3.450 1.45
-4.09 56.231 -0.48
Sem história de CAL 40 5.025 2.21
Fator 2
Preventivos 18 1.22 0.73
- 2.90 49.220 0.38
Condenados 102 1.89 1.55
Detidos antes dos 30 89 1.96 1.62
2.84 104.982 0.27
Detidos após os 30 31 1.32 0.79
Consumos mistos 96 1.63 1.30
-2.02 28.538 -0.35
Sem consumos mistos 24 2.46 1.91
Maus-tratos infantis 97 1.50 1.08
-3.37 24.718 -0.56
Sem maus-tratos infantis 23 3.04 2.14
Com história de CAL 80 1.18 0.52 -0.68
-5.96 41.887
Sem história de CAL 40 3.03 1.93
Fator 3
Detidos antes dos 30 89 0.82 1.59
3.32 117.599 0.29
Detidos após os 30 31 0.16 0.58
Solteiros 91 0.77 1.54
2.10 79.950 0.23
Casados 29 0.28 0.92
Com história de CAL 80 0.30 1.05
-3.43 52.739 -0.43
Sem história de CAL 40 1.35 1.79
Fator 4
Detidos antes dos 30 89 0.55 1.01
2.76 115.987 0.25
Detidos após os 30 anos 31 0.19 0.40
Com história de CAL 80 0.36 0.84
-2.20 67.879 -0.26
Sem história de CAL 40 0.73 0.97
45
Comportamentos Autolesivos, Psicopatologia e Personalidade em contexto prisional

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos no presente estudo vão ao encontro da literatura, sugerindo que os maus tratos na infância são
um fator de risco para a prática de CAL, pois vítimas de abuso e/ou negligência têm uma tendência maior para adotar
CAL (Chapman et al., 2014; Dye, 2010; Moreira, 2010; Saraiva, 2006). A relação moderada detetada entre a
toxicodependência e a prática de CAL reforça a ideia de que o consumo de substâncias (estupefacientes e álcool)
está relacionado com a prática de CAL (Aniceto, 2012; Direção-Geral de Saúde, 2013; Hayes, 2001). Também a
prática anterior de CAL é um fator de risco para os reclusos, principalmente aquando da entrada na prisão (Campos
et al. 2013; Pinheiro & Cardoso, 2011), sendo comprovada pela relação forte entre o resultado total da ECAL e um
passado de CAL. Na comparação entre grupos, verificou-se que reclusos que, anteriormente, adotaram CAL
obtiveram valores estatisticamente mais significativos na ECAL. Este facto alerta para a necessidade de prevenção
destes comportamentos de risco, aquando da admissão no sistema prisional (Moreira, 2009; Pinheiro & Cardoso,
2011).

A presença de sintomatologia psicopatológica é uma relevante caraterística dos indivíduos com CAL e que ficou
demonstrada no presente estudo, uma vez que sujeitos com um nível mais elevado de sintomatologia psicopatológica
apresentam uma maior propensão para adotar CAL (e.g., Felthous, 2011; Gil & Saraiva, 2006; Rivlin, Fazel,
Marzano, & Hawton, 2013). À semelhança do que foi encontrado em outras pesquisas, as dimensões de
Neuroticismo e Psicoticismo são as mais prevalentes nos sujeitos com história de CAL, ao contrário da dimensão
de Extroversão (e.g., Duque & Neves, 2004; Rozanov & Mid’ko, 2011). Estes resultados reforçam a relação entre
sintomatologia psicopatológica e as perturbações mentais e os CAL, alertando para a importância da prestação de
cuidados de saúde mental na prisão, de modo a prevenir tais ocorrências (Gil & Saraiva, 2006; Moreira, 2009;
Pinheiro & Cardoso, 2011). O reforço dos serviços na área da saúde mental nas prisões é fundamental, tendo em
vista a necessidade premente de proporcionar aos reclusos um acompanhamento psicológico mais adequado e mais
frequente. A prática da avaliação psicológica focada no estudo da psicopatologia e da personalidade aquando da
entrada dos reclusos na prisão também nos parece constituir uma importante estratégia de prevenção, permitindo
assim sinalizar, desde logo, a presença e intensidade dos sintomas psicopatológicos, conhecer as características
emocionais e comportamentais do sujeito, e tomar precauções e intervir atempadamente perante os casos de risco
iminente de CAL.

Para além das hipóteses inicialmente consideradas, foram encontrados resultados importantes para o estudo deste
fenómeno e que são referidos pela literatura. Por exemplo, foi verificado que quanto mais precoce for a reclusão
maior será o risco de CAL, ou seja, os sujeitos recluídos antes dos 30 anos têm maior tendência para apresentar
CAL. Contudo, isto não significa que os reclusos mais jovens possuem maior vulnerabilidade face aos CAL, como
referido por diversos autores (e.g., Duque & Neves, 2004; Negrelli, 2006; Pinheiro & Cardoso, 2011).

Não foi verificado que os presos preventivos apresentem mais CAL comparativamente com os condenados, como
em estudos anteriores (Hayes, 2001; Moreira & Gonçalves, 2010), e a relação entre CAL e a reincidência criminal
também não foi confirmada, como na investigação de Blaaw e colaboradores (2005).
46
Ferraz, Simões & Almiro

Neste estudo, não foram obtidos dados significativos que confirmem que o stress provocado pelas sanções e
isolamento disciplinar é responsável por muitas das simulações de tentativa de suicídio em meio prisional (e.g.,
Felthous, 2011; Moreira & Gonçalves, 2010). Também a relação entre os CAL e o tipo de crime não foi verificada
(e.g., Blaauw et al., 2005; Fazel, Cartwright, Norman-nott, & Hawton, 2008; Negrelli, 2006).

A associação entre as habilitações literárias/profissionais e a prática de CAL não foi comprovada, como é defendido
por vários autores ao sugerirem que sujeitos com nível de instrução reduzido, com emprego precário ou
desempregados apresentam maior predisposição para adotar comportamentos de risco (e.g., Blaaw et al., 2005;
Direção-Geral de Saúde, 2013; Dye, 2010; Negrelli, 2006). Similarmente, também não foram encontrados resultados
significativos de que a vulnerabilidade dos reclusos esteja relacionada com o distanciamento de pessoas
significativas (e.g., Humber et al., 2013; Marzano et al., 2009; Negrelli, 2006). Todavia, foi verificada uma diferença
significativa entre o grupo de solteiros e casados, em que os primeiros apresentam valores superiores de CAL, dado
que está em conformidade com os resultados da investigação de Negrelli (2006). Este resultado vem reforçar a
importância da rede de suporte afetiva, como um pilar fundamental para os sujeitos em reclusão (Constantino et al.,
2016; Humber et al., 2013).

Uma vez que a prática de CAL em contexto prisional é uma realidade que tem sido descurada pela investigação
nacional e internacional (Chapman et al., 2014; Moreira & Gonçalves, 2010), estes resultados pretendem contribuir
para melhor compreender este fenómeno no contexto português. No entanto, podemos referir como limitações do
presente estudo a heterogeneidade das instituições prisionais e as suas condicionantes e o reduzido tamanho da
amostra, que não permite uma generalização sustentável dos resultados. Uma vez que os reclusos provêm de
estabelecimentos prisionais diferentes, poderá haver influência nos resultados obtidos. Ainda, a utilização de
instrumentos de avaliação que não possuem estudos de validação na população prisional, como é o caso do EPQ-R,
BSI, BDI-II e EDS, também se tornaram uma limitação por apresentarem alguns itens cujo conteúdo não se adequa
ao contexto prisional.

Consideramos de elevada pertinência a continuidade deste estudo com o objetivo de explorar a influência da saúde
mental, dos traumas da infância, dos padrões de vinculação inseguros e das estratégias de coping nos CAL em meio
prisional. Um maior investimento nesta temática irá permitir um conhecimento mais alargado sobre CAL, bem como
a criação e implementação de estratégias de intervenção adequadas, de modo a reforçar a consciencialização e a
prevenir a ocorrência de situações de risco nas prisões.

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