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Anais do CELSUL 2008

Concepções de leitura inerentes à Prova Brasil


Maristela Juchum1; Rosângela Gabriel2
1
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC
2
Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC
maristela-j@hotmail.com, rgabriel@unisc.br

Resumo. Este artigo propõe-se a analisar as concepções de leitura


inerentes à Prova Brasil com o propósito de ajudar professores e outros
profissionais que atuam na educação escolar a entender por que um
número tão elevado de alunos conclui o ensino fundamental sem um
domínio real das competências leitoras. São apresentadas algumas
questões sugeridas para a Prova Brasil, analisando-se quais habilidades de
leitura o aluno necessita dominar para poder compreender os textos
apresentados.

Abstract. This article aims to analyze the reading conceptions embodied in


the Prova Brazil with the purpose of helping teachers and other
professionals working with school education to understand why an
expressive amount of students finish the elementary school years without a
real domain of reading competences. Items presented by the Prova Brazil
are analyzed, outlining the abilities a student should have to be able to
comprehend the offered texts.

Palavras-chave: concepção de leitura; Prova Brasil; compreensão em


leitura

1. Introdução
Nas últimas duas décadas, a política educacional brasileira visou prioritariamente à
universalização do acesso ao ensino fundamental, em cumprimento à exigência
estabelecida pela Constituição de 1988, que determinou a obrigatoriedade desse nível de
ensino e o dever dos sistemas públicos de assegurarem sua oferta.
Apesar disso, as avaliações externas, entre elas a Prova Brasil, têm revelado o
baixo desempenho dos alunos no quesito da competência leitora. Se uma democracia de
qualidade, como afirma Demo (2000), pressupõe saber ler, é urgente pensarmos sobre
as causas desses resultados, a fim de buscar alternativas neste mundo surpreendente da
leitura. Na verdade o que está em jogo são, sobretudo, duas lacunas em nossa realidade
escolar: de um lado, os alunos sequer dominam o código a contento – isto transparece,
por exemplo, na cifra de quase 20% de alunos que, estando já na 4º série do ensino
fundamental, não sabiam quase nada em Língua Portuguesa, em 2003 (INEP, 2004); de
outro, grande parte dos alunos chega à 8º série sem entender o que lê. E, é aí que
surgem alguns questionamentos: Por que os alunos apresentam tantas dificuldades na
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leitura? Está o problema nos alunos, nos professores, nas provas, em todos esses atores
ou, talvez, em outra variável?
Nos testes da Prova Brasil, os estudantes respondem a questões de Língua
Portuguesa, com foco em leitura, e Matemática, com foco na resolução de problemas.
Os alunos também fornecem informações de contextos que podem estar associados ao
desempenho. Professores e diretores das turmas avaliadas respondem a questionários
que coletam dados demográficos, perfil profissional e condições de trabalho. Este artigo
tratará apenas das questões de Língua Portuguesa.
A Prova Brasil avalia alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental, da rede
pública de ensino, localizadas na zona urbana. Considerando esse universo de
referência, a avaliação é censitária, e assim oferece resultados de cada escola
participante, das redes no âmbito dos municípios, dos estados, das regiões e do Brasil. É
realizada a cada dois anos, sua primeira edição foi em 2005 e a segunda em 2007.
De acordo com o INEP (BRASIL, 2007), a Prova Brasil é uma avaliação
elaborada a partir de matrizes de referência, em que estão descritas as habilidades a
serem avaliadas e as orientações para elaboração das matrizes reúnem o conteúdo a ser
avaliado em cada disciplina e série. A construção das matrizes de referência teve como
base a consulta aos Parâmetros Curriculares e às propostas curriculares dos estados
brasileiros e de alguns municípios, buscando-se no que havia de comum entre elas. Para
estabelecimento das matrizes também foram consultados professores das redes
municipal, estadual e privada nas séries e disciplinas avaliadas.

2. Por que o foco em leitura


Garantir aos alunos o direito de compreender textos orais e escritos que aparecem em
diferentes contextos de comunicação significa oferecer-lhes condições para dominar
habilidades fundamentais, que são o pano de fundo para o avanço em qualquer área do
conhecimento, para seu pleno desenvolvimento e exercício da cidadania, em
concordância com o artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
A Prova Brasil propõe-se a avaliar a competência leitora dos alunos focalizando
habilidades consideradas desejáveis na formação de um leitor competente: quais delas
os alunos já conquistaram, quais estão se desenvolvendo e ainda quais precisam
alcançar. Para a elaboração da Prova foi selecionado um conjunto de habilidades
julgadas essenciais ao domínio de alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental. Em
Língua Portuguesa (com foco em leitura) são avaliadas habilidades e competências
definidas em unidades chamadas descritores, agrupadas em tópicos que compõem a
Matriz de Referência dessa disciplina.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) estabelecem que cabe à escola a
formação de leitores competentes. Para tal, é necessário trabalhar para que os alunos
consigam: posicionar-se criticamente diante do que lêem ou ouvem; descobrir as
intenções do interlocutor e os recursos de que se vale para alcançar seus objetivos;
transitar por diferentes gêneros. Resumindo: cabe à escola trabalhar para que os alunos
sejam capazes de manejar o intertexto social em função do qual se interpreta a vida e se
constrói uma visão própria da realidade.
Os PCNs recomendam o texto como ponto de partida e também de chegada nas
propostas de atividade com língua. No trabalho com o texto, a leitura tem papel de

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destaque tanto para a formação da competência leitora, quanto da competência escritora,


pois a possibilidade de produzir textos bem escritos, claros e coesos está intimamente
relacionada ao contato com bons modelos que fornecem matérias-primas para quem
escreve.

3. Como a Prova Brasil – Língua Portuguesa é organizada para avaliar a


leitura?
O texto é o ponto central da organização dos itens (questões) que compõem a Prova
Brasil – Língua Portuguesa. Ele serve de base à construção de cada item e é por meio
dele que a competência leitora dos alunos é avaliada. De acordo com o INEP (BRASIL,
2007), na Prova Brasil, as habilidades de leitura são reunidas em seis grandes tópicos:
Tópico I: Procedimentos de leitura – Os itens relacionados a esse tópico avaliam
a capacidade de atribuir sentido aos textos, verificando se o aluno lê as linhas
(informações explícitas), as entrelinhas (informações implícitas), se compreende o
sentido global, se identifica o tema abordado, se distingue fato de opinião.
Tópico II: Implicações do suporte, do gênero ou do enunciador na compreensão
do texto – Reúne habilidades relacionadas à interpretação de gêneros textuais diversos e
à identificação da finalidade de um texto em função de suas características.
Tópico III: Relação entre textos – Concentra habilidades relacionadas à
identificação, comparação e análise de idéias ou abordagens diversas de um mesmo fato
ou tema expresso em textos de gêneros variados, produzidos e veiculados em distintos
contextos históricos, sociais e culturais.
Tópico IV: Coerência e coesão no processamento do texto – Volta-se para a
identificação de elementos que colaboram para a construção da seqüência lógica entre
as idéias e permitem estabelecer relações entre as partes de um texto.
Tópico V: Relações entre recursos expressivos e efeitos de sentido (humor,
ironia...). - Reúne habilidades relacionadas à construção e antecipação de significados a
partir da escolha do vocabulário, de recursos expressivos, da ortografia, da pontuação,
de outras notações como itálico, caixa alta, negrito etc.
Tópico VI: Variação lingüística - Este tópico concentra habilidades relacionadas
às variações lingüísticas, procurando verificar se o aluno percebe as razões dos
diferentes usos e se tem noção do valor social que a eles é atribuído.

4. Compreensão como atividade de construção de sentido


O conceito de leitura vem sofrendo alterações ao longo dos anos. As definições mais
antigas, anteriores a 1970, referiam-se à leitura não como um processo, mas como um
produto que ocorria a partir de recepção e decodificação do input de linguagem, no
caso, o texto. Essa visão tem o leitor como um elemento passivo no processo de leitura.
Segundo Ferreiro e Palaccio (1990), os pesquisadores que trabalhavam na área dos
problemas de aprendizagem costumavam destacar a decodificação como o fator
responsável pelas dificuldades de aprendizado. Conforme Carrell (1998), a visão de
leitura anterior a 1970 considerava a leitura primeiramente como um processo
decodificador de reconstrução do sentido pretendido pelo autor por meio do
reconhecimento de letras e de palavras impressas. Novas perspectivas para definição de

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leitura começam a surgir após 1970, e a decodificação passa a ser considerada como
uma condição necessária, porém não suficiente para a leitura.
Segundo Colomer e Camps (2002), ler é entender um texto. Ler, mais do que um
ato mecânico de decifração de signos gráficos, é antes de tudo um ato de raciocínio, já
que se trata de saber orientar uma série de raciocínios no sentido de construção de uma
interpretação da mensagem escrita a partir da informação proporcionada pelo texto e
pelos conhecimentos do leitor.
Para Solé (1998), a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto;
nesse processo, segundo a autora, tenta-se satisfazer os objetivos que guiam a leitura.
Essa afirmação tem várias conseqüências. Em primeiro lugar, envolve a presença de um
leitor ativo que processa e examina o texto. Também implica que sempre deve existir
um objetivo para guiar a leitura; em outras palavras, sempre lemos para algo, para
alcançar uma finalidade.
Os PCNs revelam explicitamente sua concepção de leitura:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de


compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a
linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por
letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias
de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível
proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que
vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de
compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições feitas. (BRASIL, 1998, p.69-70)

A leitura não é um processo preciso que envolve uma percepção exata, detalhada
e seqüencial, com identificação progressiva de letras, sílabas, palavras, estruturas,
dentre outros. Ela envolve o uso parcial de pistas mínimas disponíveis, selecionadas a
partir das expectativas do leitor. Segundo Smith (1989), a leitura é pensamento que está
em parte focalizado sobre a informação visual impressa, é pensamento que é estimulado
e dirigido pela linguagem escrita. Para atribuir sentido ao texto é preciso pensar sobre
ele. Durante a leitura, é preciso construir inferências, tomar decisões e solucionar
problemas a fim de compreender o que está acontecendo nas situações que envolvem a
leitura.
Assim, a identificação ou a decifração de palavras é, sem dúvida, considerada
uma condição necessária, mas não suficiente para se compreender um texto. O ato de
leitura implica dois movimentos complementares: de um lado, há que se desvendar um
código, o que é possível após a aquisição de tal código, ou seja, do alfabeto, nas escritas
alfabéticas; de outro lado, há que se atribuir sentido ao que foi decodificado.
Segundo Magda Soares, alfabetização e letramento envolvem habilidades de
leitura e escrita; todavia a primeira restringe-se a ter aprendido a ler e a escrever, não
ultrapassando o significado de “levar à aquisição do alfabeto”, enquanto o letramento
permite ao leitor fazer o uso dessas duas ações e com elas interagir com o meio social
em que se vive.

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[…] um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado;


alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo
letrado e, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que
sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita,
pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de
leitura e de escrita. (SOARES, 2004, p. 39-40)

Para Kleiman (2007), assumir o letramento como objetivo do ensino no contexto


dos ciclos escolares implica adotar uma concepção social da escrita, em contraste com
uma concepção de cunho tradicional que considera a aprendizagem de leitura e
produção textual como a aprendizagem de competências e habilidades individuais.
Segundo a autora, é necessário que a escola parta de uma concepção de leitura e de
escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos
em que se desenvolvem. Consiste em inverter a lógica, passando de uma concepção de
leitura e escrita individual para uma concepção de leitura e escrita como práticas sociais
e coletivas. Inverte-se a questão do planejamento das aulas, ou seja, parte-se não mais
do conteúdo para a construção de conceitos, mas sim das práticas discursivas,
atribuindo sentidos aos textos que se lê e escreve segundo os parâmetros da situação
comunicativa.
Segundo Schank e Abelson (1977), citado por Colomer e Camps (2002, p. 54),

As pessoas necessitam de uma grande quantidade de conhecimentos para


poder compreender. A compreensão é um processo pelo qual as pessoas
relacionam o que vêem ou ouvem [ou lêem] com grupos de ações pré-
armazenadas que experimentaram previamente. [...] A nova informação é
entendida nos termos da antiga.
Assim, para que haja compreensão, os conhecimentos do leitor precisam
preencher os vazios da informação que lhe dá o emissor. Mas, como nem todos os
leitores possuem os mesmos conhecimentos prévios, as mesmas experiências, é
evidente que haverá diferenças na compreensão de um mesmo texto. Os conhecimentos
prévios que o leitor utiliza podem ser descritos e agrupados em dois itens: conhecimento
sobre o escrito e conhecimentos sobre o mundo. O conhecimento de mundo é resultante
do conjunto de vivências, experiências e comportamentos sociais, enquanto que o
conhecimento sobre o escrito refere-se à capacidade de escolher e de ativar todos os
esquemas de conhecimento pertinentes a um texto concreto. O sentido não reside no
texto, os conhecimentos individuais afetam decisivamente a compreensão. O texto e o
leitor são o ponto de partida para a compreensão; esta só se dá quando ambos entram
em contato, ou seja, o texto torna-se unidade de sentido na interação com o leitor.
Soares (1988, p. 1) sustenta que a leitura:
[...] é uma interação verbal entre indivíduos, e indivíduos socialmente
determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas
relações com o mundo e com os outros; o autor, seu universo, suas relações
com o mundo e com os outros; entre os dois: enunciação; diálogo?
Enunciação, portanto: processo de natureza social, não-individual, vinculado
às condições de comunicação que, por sua vez, vinculam-se às estruturas
sociais – o social determinando a leitura e constituindo seu significado.
Sendo o leitor um indivíduo inserido em um contexto sócio-cultural e a leitura
um fato cultural, enraizado no tempo e no espaço, numa vivência social, numa

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concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como


atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação
e os interlocutores sujeitos ativos que nele se constroem e são construídos. A
compreensão deixa de ser entendida como simples decodificação de uma mensagem
resultante de uma codificação de um emissor. Ela passa a ser vista como uma atividade
interativa altamente complexa de produção de sentidos, que requer a mobilização de um
vasto conjunto de saberes e sua reconstrução no interior do evento comunicativo. O
sentido de um texto é, portanto, construído na interação texto-sujeito e não algo que
preexista a essa interação. Conforme Olmi (2003), a palavra “texto”, proveniente do
latim textus, significa tecido, entrelaçado. Pela leitura, há um entrelaçamento entre o
texto e o leitor e, no texto, entrelaçam-se sílabas, palavras, idéias e informações. A
leitura é um entretecido de mensagens provenientes do texto e da mente do leitor.
Para a compreensão do texto, o leitor deve produzir inferências. Para Dell’isola
(2001, p. 103), as inferências são geradas de um conhecimento prévio de mundo que,
por sua vez, nasce do conjunto de vivências, experiências e comportamentos sociais de
cada indivíduo. Os indivíduos que pertencem ao mesmo grupo possuem conhecimento
de mundo similar, uma vez que compartilham de práticas de vida semelhantes. Significa
dizer que cada indivíduo é um ser social que apresenta uma visão de mundo própria,
relacionada ao conjunto de experiências por ele vivenciadas.
Marcuschi (2007, p. 143) afirma que entender é sempre entender no contexto de
uma relação com o outro situado numa cultura e num tempo histórico. Significa dizer
que a leitura tem que ir além do texto para dar sentido ao texto. Embora sempre se
devam respeitar os direitos do autor, se o leitor pretende tornar-se autor precisa
questionar o que lê, estabelecendo relações com tudo aquilo que já leu anteriormente.
Através da análise de questões retiradas da Prova Brasil que serão apresentadas
na seqüência, quer-se identificar e discutir as concepções de leitura a ela inerentes, a fim
de cotejar essas concepções ao referencial teórico referido nos parágrafos anteriores.

5. Análise e discussão de questões


A seguir, faremos a análise de três questões da Prova Brasil, sendo duas delas
destinadas para alunos da 4ª série e uma destinada para alunos da 8ª série do ensino
fundamental. O objetivo último dessa análise é deslocar-se do lugar das certezas ao das
dúvidas, para pensar e buscar compreender as razões que levam os alunos a
apresentarem, ainda, tantas dificuldades na compreensão leitora.

(4ª série) O hábito da leitura

“A criança é o pai do homem”. A frase, do poeta inglês William Wordsworth,


ensina que o adulto conserva e amplia qualidades e defeitos que adquiriu quando
criança. Tudo que se torna um hábito dificilmente é deixado. Assim, a leitura poderia
ser uma mania prazerosa, um passatempo.
Você, coleguinha, pode descobrir várias coisas, viajar por vários lugares,
conhecer várias pessoas, e adquirir muitas experiências enquanto lê um livro, jornal,
gibi, revista, cartazes de rua e até bula de remédio. Dia 25 de janeiro foi o dia do
Carteiro. Ele leva ao mundo inteiro várias notícias, intimações, saudades, respostas, mas

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tudo isso só existe por causa do hábito da leitura. E aí, vamos participar de um projeto
de leitura?
Correio Braziliense, Brasília, 31 jan. 2004. p.7.

No trecho “Ele leva ao mundo inteiro várias notícias...” (l.7), a palavra sublinhada
refere-se ao
(A) carteiro.
(B) jornal.
(C) livro.
(D) poeta.

Avalia-se aqui a habilidade de perceber o pronome como elemento coesivo, isto


é, percebê-lo como elemento de retomada de um termo que já apareceu antes. É um
item interessante, por chamar a atenção para a necessidade de se trabalhar classes de
palavras não de forma isolada, mas como recursos de construção do tecido do texto.
Isso quer dizer que um texto não é uma simples seqüência de frases bem-formadas. A
frase é compreendida, nesse caso, só através do nível textual. Nesse item, o aluno
precisa mobilizar vários conhecimentos sobre a linguagem para compreender que o
pronome retoma um elemento anteriormente citado no texto. Isso significa que é na
interação com o texto que o aluno irá construir o sentido.

4ªsérie

O passageiro vai iniciar a viagem


(A) à noite.
(B) à tarde.
(C) de madrugada.
(D) pela manhã

Esse item pertence ao Tópico I, que reúne habilidades relacionadas a


procedimentos de leitura. Por meio dele, avalia-se a habilidade de o aluno reconhecer
informações implícitas no texto, isto é, aquelas que não estão explicitadas no enunciado,
mas podem ser inferidas a partir do conhecimento de mundo do leitor, no caso, que o
horário 23h30min é à noite. Segundo Morais (1996), “ler nas entrelinhas” é inferir algo
que não está escrito a partir do que está escrito. No exemplo acima, o aluno deve ler o
texto todo, localizar o horário de partida do veículo e inferir o período do dia em que a
viagem aconteceria. Na perspectiva de um adulto, pode parecer um item fácil, pois a

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inferência é quase imediata se o aluno dominar a convenção da representação das horas.


De qualquer forma, esse é um conhecimento a ser aprendido e não pode ser considerado
como “dado”.
Pedagogicamente, o mais importante desse item é o fato de chamar a atenção
para a necessidade de a escola se preocupar em desenvolver uma habilidade de leitura
característica dos leitores competentes: a de realizar a leitura global do texto para
encontrar uma informação específica. Um leitor competente precisa desenvolver a
capacidade de reconhecer e atribuir novos sentidos às palavras dentro de uma produção
textual, sendo capaz de ler linhas e entrelinhas. Nesse item, confirma-se o que
Marcuschi (2008, p. 143) fala sobre compreender um texto, ou seja, a leitura tem que ir
além do texto para dar sentido ao mesmo.

(8ª série) A assembléia dos ratos

Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço na rataria duma casa velha
que os sobreviventes, sem ânimo de sair das tocas, estavam a ponto de morrer de fome.

Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se em assembléia para o


estudo da questão.

Aguardaram para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos miados pelo
telhado, fazendo sonetos à lua.

— Acho – disse um deles - que o meio de nos defendermos de Faro-Fino é lhe


atarmos um guizo ao pescoço. Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo
nos ao fresco a tempo.

Palmas e bravos saudaram a luminosa idéia. O projeto foi aprovado com delírio.
Só votou contra um rato casmurro, que pediu a palavra e disse:

— Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo no pescoço de Faro-
Fino?

Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó. Outro, porque não era
tolo. Todos, porque não tinham coragem. E a assembléia dissolveu-se no meio de geral
consternação. Dizer é fácil - fazer é que são elas!

LOBATO, Monteiro. in Livro das Virtudes, de W. J. Bennett. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 1995. p.308.

Na assembléia dos ratos, o projeto para atar um guizo ao pescoço do gato foi:
(A) aprovado com um voto contrário.
(B) aprovado pela metade dos participantes.
(C) negado por toda a assembléia.
(D) negado pela maioria dos presentes.

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Nesse item, avalia-se a habilidade de localizar uma informação explícita, que


pode estar expressa literalmente no texto ou por meio de uma paráfrase, isto é, dita por
outras palavras que informam a mesma coisa. Para chegar à resposta correta, o aluno
deveria ser capaz de retomar o texto-base, localizando, dentre outras informações,
aquela que foi solicitada. A questão exige apenas que o aluno relacione o que é
solicitado no enunciado com uma informação expressa no texto por meio das seguintes
palavras: “Só votou contra um rato casmurro...”. Por outro lado, espera-se que o leitor
tenha também compreendido a intencionalidade da pergunta feita pelo tal rato casmurro:
“Mas quem vai amarrar o guizo no pescoço de Faro-Fino?”, porém essa habilidade não
é testada diretamente nessa questão.
Se partirmos da idéia de que a elaboração das questões da Prova Brasil leva em
conta as orientações dos PCNs, podemos afirmar que ela parte de teorias que postulam a
idéia de que compreender se funda em atividades cooperativas e inferenciais, tomando o
trabalho de compreensão como construtivo, criativo e sociointerativo. O que, segundo
Marcuschi (2008, p. 248), significa dizer que o sentido não está nem no texto nem no
leitor nem no autor, e sim numa complexa relação interativa entre os três, que surge
como efeito de uma negociação.
Assim, contata-se que a compreensão das questões da Prova Brasil não consiste
num simples ato de identificação de informações, mas numa construção de sentidos com
base em atividades inferenciais. Para compreender bem cada texto proposto pela Prova
Brasil, o aluno tem que sair dele, ou seja, é necessário que saiba relacionar
conhecimentos, experiências e ações num movimento interativo e negociado. O aluno
precisa reconstruir a intencionalidade do autor através das sinalizações, percebendo as
marcas textuais e mobilizando conhecimentos que construiu na sua história de sujeito e
de sujeito leitor.
Se, como estabelecem os Parâmetros Curriculares, cabe à escola a formação de
leitores competentes é necessário trabalhar para que os alunos consigam realmente
compreender o que lêem, alterando assim os resultados ruins obtidos pela grande
maioria dos alunos brasileiros. O que nos faz pensar que, para a formação de leitores
competentes, é necessário investir nos vários atores envolvidos nesse processo, sendo
eles: alunos, professores e a própria forma como a escola trabalha a leitura. Tudo isso
porque a leitura é uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos
que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes.

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