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Ainda que distante da forma como o texto épico fora construído, podemos
perceber similaridades temáticas que aproximam a protagonista de Jorge Amado das
façanhas do campeão homérico. Essas peculiaridades, aliadas à intervenção dos deuses
africanos, criam um paralelo entre os dois heróis.
Essa estratégia leva o leitor a crer que a história seja verdadeira. Talvez não seja,
mas Tereza representa a essência de algumas mulheres e é um símbolo da luta feminina
no nordeste brasileiro. A personagem conhecida, internacionalmente, é homenageada em
1977 pelo Clube Feminista Italiano, situado em Milão e que adotou o nome de “Casa de
Tereza Batista”.
Tereza tornou-se órfã ainda criança e a pobreza foi o fator determinante para que
sua tia Felipa a vendesse para o Capitão Justiniano Duarte da Rosa – o Capitão Justo ⎼
que a transformaria em escrava sexual, após estuprá-la. No decorrer da trama, a jovem se
apaixona por Daniel, mas o romance é descoberto pelo seu algoz. Eles são confrontados
pela fúria do Capitão e, para defender seu amante, Tereza mata Justiniano. Daniel se
exime de qualquer responsabilidade e a abandona.
Ela acaba sendo presa, mas graças a Emiliano Guedes, um homem rico da região,
é liberta. Com ele viverá uma relação íntima, repleta de gratidão, que durará seis anos,
até Emiliano morrer, deixando-a novamente, em uma situação de vulnerabilidade. A
partir de então, a protagonista decide que não se entregaria a um relacionamento, se não
fosse por amor.
Tereza viaja, então, para Sergipe e a prostituição torna-se sua forma de sustento.
Em dado momento do enredo, ela lidera uma campanha contra a varíola no interior do
Estado, quando até os médicos fogem da doença. Em Aracaju, conhece o pescador
Januário Gereba – Janu – por quem se apaixonou e viveu uma história de amor. No
entanto, ele era casado e não poderia seguir com Tereza, retornando para a Bahia, onde
vivia sua mulher doente.
Com a partida de Janu, ela passa por novos percalços e vai para Salvador. Nesta
localidade, lidera um movimento de prostitutas, a Greve do Balaio Fechado. Depois de
algum tempo, conhece um homem com quem decide se casar, mas Januário Gereba a
reencontra, dando o desfecho da narrativa.
Jorge Amado retrata o submundo onde Tereza e seus amigos viviam. No universo
dos excluídos, as prostitutas têm lugar de destaque, bem como, os artistas sem fama e os
trabalhadores braçais. Em suma, um recorte da classe pobre do Brasil. A valorização
desses tipos sociais é uma característica marcante nas obras do autor.
No enredo, uma grande parte do povo brasileiro pode se ver representada. Suas
lutas estão descritas, seu cotidiano é simbolizado e a maneira como vivem é reverenciada
pelo autor. Suas vozes, finalmente, são ouvidas. Modernista, o literato utiliza a linguagem
coloquial, repleta de regionalismos e livre da Gramática Normativa, nas páginas de seus
livros, promovendo assim, uma interação entre a arte literária e a realidade vivida.
Talvez as histórias dessa Deusa tenham sofrido alterações ao longo dos séculos e
aquilo que hoje é tido como um fato sobrenatural, seja a forma que os povos daquela
região africana, encontraram para descrever sua protetora. A oralidade pode dar contornos
fantásticos à cenas inusitadas, tais quais a de uma menina que assume uma posição
ofensiva e feroz para se defender de um agressor. Podemos imaginar como seria fácil a
associação de tal feito com a transfiguração que é assumida no contexto religioso. Ainda
assim, Yansã continua sendo um exemplo para as mulheres daquela região e a
personagem Tereza encarna esse papel.
Os seres divinos atuam em seu favor, para que a mesma supere suas mazelas e
sirva de exemplo aos menos favorecidos, principalmente às mulheres. Assim como
Yansã, a Deusa guerreira, Tereza possui diversas características que a tornam fonte de
inspiração. Ela é valente, indômita e ferrenha em sua atuação. Jamais recua diante das
adversidades e influencia todos a sua volta a se rebelarem contra um sistema opressor,
que prima pela desigualdade.
Os yorubás (ou nagôs), uma das etnias africanas, por exemplo, vivem a
religiosidade no seu cotidiano, estabelecendo conexões com as divindades e
compreendendo o mundo segundo sua cosmogonia. Esse entendimento chega ao Brasil
com as pessoas que foram escravizadas e se enraíza no inconsciente da população. A
presença dos deuses e suas consequentes ações no mundo material têm lugar constante
no ideário local, principalmente na Bahia. Assim, na tentativa de retratar esse espaço,
Jorge Amado explora a crença dos personagens em seu romance.
O próprio Aquiles recorre a sua mãe, Tétis, para que a mesma interceda junto a
Zeus, favorecendo os troianos, de modo que os gregos solicitem que o guerreiro retorne
à luta, alcançando assim, enorme honra. Zeus atende o pedido. Nos excertos abaixo,
podemos observar essa passagem:
honrem o meu filho e lhe paguem com honraria devida. (HOMERO. Canto I,
2013, p.99)
Ela testemunha uma briga de casal no cabaré, onde um homem usa de violência
contra sua companheira. Tal fato a faz pensar nas crueldades que sofreu, por isso Tereza
parte em defesa da mulher brutalizada. Ela não pensa nas consequências, e logo, se vê
envolvida num combate corpo a corpo com o agressor. Como resultado, Tereza tem um
dente quebrado e sua estreia precisa ser adiada.
A figura heroica descrita por Campbell (1997) pode ser percebida quando Tereza
assume para si o papel de defensora dos oprimidos, relacionado com a coragem daqueles
que já viveram os mais diversos conflitos e sofreram com a brutalidade de homens
covardes. Tais façanhas não ficam restritas ao terreno físico, pois sua desenvoltura chama
a atenção das divindades yorubás, presentes no Candomblé, e, consequentemente, na vida
da personagem dentro do espaço diegético.
Esses deuses desejam se fazer presentes na vida de Tereza. A seguir, o narrador
insere uma das mais conhecidas Iyalorixás da Bahia em sua obra ⎼ Iyá Nassô, do axé Opô
Ofonjá ⎼ citando o dia em que a personagem consulta os búzios para descobrir qual era
seu orixá:
Assim, como os deuses gregos escolhem lados na Guerra de Tróia e ajudam seus
protegidos, os deuses africanos fazem o mesmo nessa narrativa amadiana. Suas presenças
são sentidas pelos personagens que, ora rogam por sua intervenção, ora pressentem que
algo de sobrenatural se passa no enredo, relacionando tais ocorrências aos ancestrais
divinos.
Desde sua chegada ao Brasil, até os dias de hoje, podemos notar a inferiorização
dos povos africanos que já foram considerados seres sem alma, por exemplo, justificando
assim, a barbárie da escravidão. Sua história sofre um apagamento ao longo do tempo.
Se seus corpos eram objetos de consumo e trabalho por parte de quem os comprava, o
que lhes restaria culturalmente?
Durante a greve, a presença dos deuses africanos é ainda maior. Exu – Deus dos
caminhos e do caos – se decide em favor de Tereza e ameaça com a morte, as prostitutas
que abandonassem a greve:
Um final feliz, muito esperado por quem aprecia os romances e ainda assim,
reflexivo por rememorar as amarguras da protagonista. Tal qual Aquiles que se tornou
um símbolo para seu povo, Tereza é amada e respeitada, detendo as qualidades de uma
líder nata, de uma guerreira sem par, uma autoridade entre os seus.
Suas desventuras compuseram a paladina que se tornou. O percurso que fez pode
sugerir ponderações nos leitores da obra, e, sobretudo, demonstra por meio da literatura,
que a mulher brasileira é resistente, valorosa e adaptável diante das intempéries da vida,
sobrevivendo às dificuldades, com uma disposição que, por vezes, somente pode ser
explicada como atos de heroísmo ou de fé.
REFERÊNCIAS
AMADO, Jorge. Tereza Batista cansada de guerra. Ed. Martins, São Paulo, 1972.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Ed. Pensamento Ltda., Tradução Adail
Ubirajara Sobral. São Paulo, 1997.
CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura comparada. 4a ed. revisada e ampliada.
Ática, São Paulo, 2006.