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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA

MIRELLE SIMÕES DE AGUIAR

O DARK SIDE NO SETOR RURAL: um estudo sobre as condições de


trabalho análogas à escravidão no Brasil

VITÓRIA - ES
2019
MIRELLE SIMÕES DE AGUIAR

O DARK SIDE NO SETOR RURAL: um estudo sobre as condições de


trabalho análogas à escravidão no Brasil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Gestão Pública, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Gestão Pública.
Orientadora: Profa. Dra. Marilene Olivier Ferreira de
Oliveira.

VITÓRIA - ES
2019
MIRELLE SIMÕES DE AGUIAR

O DARK SIDE NO SETOR RURAL: um estudo sobre as condições de


trabalho análogas à escravidão no Brasil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Gestão Pública, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Gestão Pública.
Orientadora: Profa. Dra. Marilene Olivier Ferreira de
Oliveira.

Aprovada em: ..... de .... Dezembro de 2020.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Marilene Olivier Ferreira de


Oliveira
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora

Prof.ª Dr.ª Adriana Fiorotti Campos


Universidade Federal do Espírito Santo
Membro Externo

Prof.ª Dr.ª Simone da Costa Fernandes


Universidade Federal do Espírito Santo
Membro Interno
Dedico este trabalho, primeiramente, а
Deus, pela força е coragem durante esta
caminhada e a minha família, por
acreditar em mіm е me apoiar em todos
os momentos.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à Deus, por iluminar o meu caminho e ter me dado forças
para não desanimar.

Aos meus pais, Janderson e Marísia, pelo apoio incondicional em todos os


projetos da minha vida.

Ao meu irmão, Murillo, pelo companheirismo durante este caminho.

À minha grande amiga, Juliana, cujo apoio foi de vital importância para a
conclusão do Mestrado e deste trabalho.

À minha grande amiga, Bethânia, cuja amizade retoma à nossa infância, nas
salas de aula em Minas Gerais, e perdura até hoje, nas salas de aula do
Mestrado.

Aos meus familiares e amigos, que entenderam minhas ausências e


ansiedades.
À minha orientadora Marilene, que aceitou meu convite, por todos os
ensinamentos, direcionamentos, paciência e incentivo à pesquisa e ao
aprendizado.
Aos meus colegas de trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no
Espírito Santo – SRT/ES, que acompanharam, passo a passo, o desenrolar de
meu mestrado e dessa dissertação.
Em especial, ao meu chefe, Alcimar das Candeias, pelo apoio durante toda a
minha trajetória acadêmica e profissional.
Ao Leandro, Auditor Fiscal do Trabalho, que me auxiliou no levantamento dos
dados que embasaram esta pesquisa.
Por último, a todos aqueles que de alguma forma contribuíram na realização
deste sonho.
Homem
“Homem suado, abatido
Homem cansado, maltratado
Homem sofrido, conta-me sua história
Diz-me sua filosofia
O que dirige teus passos? Sofres? Estás aflito?
Conta-me, conta-me o que te aflige
Não fiques aí calado
O teu silêncio me aborrece
Sinto-me culpado pela tua agonia
Está bem, eu tento entender...
Tu não podes falar
A ti faltam palavras, certo? Palavras?
Mas para que palavras?
Tua aparência me diz tudo”
Ivan Petrovitch
RESUMO

A presente pesquisa objetivou compreender, por meio da análise dos autos de


infração lavrados pelos Auditores Fiscais do Trabalho durante o ano de 2018 e
demais dados relativos à fiscalização trabalhista, como se manifestam os
comportamentos abusivos no ambiente de trabalho no setor rural brasileiro e
que, analisados em conjunto, caracterizam o trabalho em condições análogas
ao de escravo. Deste modo, este estudo tem o intuito de elaborar um
instrumento padronizado para auxiliar no preenchimento dos Autos de Infração
e assim evidenciar informações que possam ser utilizadas na criação de
política públicas capazes de mitigar a escravidão rural contemporânea. Deste
modo, utilizou-se uma abordagem quali-quantitativa acompanhada por
pesquisa documental e bibliográfica. Os dados foram coletados em arquivos
digitais do Ministério da Economia, fomentados pelas auditorias realizadas
pelos Auditores Fiscais do Trabalho. O pano de fundo teórico teve início com
os conceitos do Dark Side, o qual considera os aspectos negativos,
complementados pela dimensão jurídica dos danos (materiais, morais e
existenciais) e pela Teoria da Escravidão Moderna de Andrew Crane (2013).
Os dados quantitativos foram organizados em tabelas, utilizando-se cálculos
percentuais que consolidam os resultados das fiscalizações. Ao final, foram
encontradas diversas modalidades de danos ao trabalhador escravizado, que
foram relatadas de modo a exemplificar as condicionantes expostas na teoria
de Crane (2013). Verificou-se, assim, as características do Dark Side em
relação aos trabalhadores em situação análoga à escravidão no setor rural
brasileiro, os principais comportamentos abusivos e os atores envolvidos na
rede de trabalho escravo.

Palavras-chave: Dark Side. Trabalho escravo. Setor rural. Atuação do setor


público. Gestão Pública.
Tem que destacar os pontos como os que estão em vermelho. Tem que incluir
ainda a área do PPGGP.
Introdução: Historicamente, a maior parte das tribos indígenas brasileiras passou por um
longo processo de transformação no qual milhares de índios foram dizimados, em todo o
território nacional. Pode-se dizer que foram violentados em sua cultura, expulsos de suas
terras e, hoje, vivem no limbo entre as memórias de um tempo que se foi e a incompletude
que a perda de suas terras e modo de viver lhes causou. Algumas dessas tribos vivem em
aldeias próximas às cidades, sem condição de autonomia de sobrevivência no parco espaço
geográfico que lhes resta, sofrendo as consequências das dificuldades de acesso a
alimentos e com raríssimos atendimentos à saúde. Nesse sentido, os jornais de Mato
Grosso do Sul têm denunciado a falta de atenção das autoridades públicas em relação à
essa situação, sobretudo quanto aos Kaiowá e Terena, cuja dependência alcóolica e
suicídios tem sido frequentes. O problema é que os integrantes dessas tribos tentam
sobreviver vendendo arcos, flechas, adereços e legumes que produzem em suas terras.
Seus principais clientes são turistas e a população local. No entanto, a demanda pelos
artefatos, legumes e frutas tem sido pequena, gerando uma renda que insuficiente para seus
gastos com a aquisição de medicamentos, roupas e utensílios, de forma geral. Imbricado
nesse problema tem-se ainda a questão das doenças típicas do homem branco, que tem
afetado as tribos em questão, incluindo a depressão, o alcoolismo e os suicídios. O
objetivo principal foi compreender e analisar as condições de vida dos índios Terena e
Kaiowá quanto à geração de renda e promoção de saúde. (Continua)

(Continuação)
Em termos teóricos a pesquisa foi amparada nas Teorias sobre Minorias,
Responsabilidade Social e Tecnologias Sociais como elementos de inclusão. Quanto aos
métodos e procedimentos, foi utilizada a abordagem qualitativa, diagnóstica, configurando-
se a pesquisa como descritiva. A coleta de dados foi realizada por meio da observação in
loco nas tribos e no local de venda dos produtos. Também foram realizadas entrevistas com
índios de ambas as tribos (18) e com representantes municipais e governamentais (4),
totalizando 22 participantes. O conteúdo observacional, anotado em caderneta de campo,
formou um texto descritivo. As entrevistas, gravadas e transcritas, passaram pela análise de
conteúdo. Os resultados mostraram que poucos índios ainda mantêm parte de seu
conhecimento sobre o uso de ervas medicinais e que medicamentos produzidos em
laboratórios já foram introduzidos em seus hábitos. Por outro lado, seus produtos para venda
estão limitados a poucos tipos de vegetais e a produtos artesanais para turistas, que já não
são atrativos. A partir dos resultados, como produto tecnológico, foram elaborados dois
projetos, sendo um com sugestões para o cultivo de ervas medicinais e orientações para seu
uso, incluindo atividades de assistência social e psicológico por meio de projetos de
extensão da universidade. O segundo projeto foi uma proposta de construção coletiva de
novos produtos que fugissem à produção de arcos, flechas e adornos, para incluir a cestaria
e a produção de artefatos em argila, com cozimento em forno. (489 palavras)
ABSTRACT

This research aimed to understand, through the analysis of the infraction


notices drawn up by the Labor Tax Auditors during 2018 and other data related
to labor inspection, as manifested the abusive behaviors in the work
environment in the Brazilian rural sector and that, analyzed together,
characterize the work in conditions analogous to that of slave. Thus, this study
intends to elaborate a standardized instrument to assist in filling the infraction
notices and thus highlighting information that can be used in the creation of
public policies capable of mitigating contemporary rural slavery. Thus, we used
a qualitative and quantitative approach accompanied by documentary and
bibliographic research. Data were collected in digital archives of the Ministry of
Economy, fostered by audits performed by the Labor Tax Auditors. The
theoretical background began with the concepts of the Dark Side, which
considers the negative aspects, complemented by the legal dimension of
damage (material, moral and existential) and Andrew Crane's Theory of Modern
Slavery (2013). The quantitative data were organized in tables, using
percentage calculations that consolidate the results of the inspections. In the
end, several forms of damage to the enslaved worker were found, which were
reported in order to exemplify the conditions exposed in Crane's theory (2013).
Thus, it was verified the characteristics of the Dark Side in relation to workers in
a situation analogous to slavery in the Brazilian rural sector, the main abusive
behaviors and the actors involved in the slave labor network.

Keywords: Dark Side. Slavery. Rural Sector. Public Sector Performance.


Public Administration.
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Trabalhadores em condições análogas à de escravo encontrados


pela Fiscalização do Trabalho no
Brasil .................................................................... 53

Tabela 2 – Trabalhadores Formalizados no Curso da Fiscalização Trabalhista


no
Brasil .................................................................................................................
54

Tabela 3 – Estabelecimentos Fiscalizados no Brasil .........................................


54

Tabela 4 – Guias de Seguro Desemprego .......................................................


55

Tabela 5 – Verbas rescisórias pagas aos trabalhadores resgatados ................


55

Tabela 6 – Número de autos de infração por estado em 2018 .........................


60

Tabela 7 – Frequência de aparições das 10 categorias caracterizadoras do


Dark Side no setor rural
brasileiro .............................................................................. 63

Tabela 8 – Órgãos que também atuam no combate às condições de trabalho


análogas à de escravidão .................................................................................
99
SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..........................................................................18
1.1 TEMPORALIDADES.....................................................................................18
1.2 INTRODUÇÃO..............................................................................................19
1.3 O CONTEXTO E O PROBLEMA..................................................................21
1.4 OBJETIVOS..................................................................................................23
1.5 DELIMITAÇÃO.............................................................................................24
1.6 JUSTIFICATIVA............................................................................................24
2 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS..................................................................26
2.1 ABORDAGEM E TIPOS DE PESQUISA.....................................................26
2.2 FONTES DE DADOS...................................................................................28
2.3 PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS...........28
2.4 FORMAS DE TRATADO DOS DADOS.......................................................28
3 DISCUSSÕES PRELIMINARES.....................................................................30
3.1 O DARK SIDE DAS ORGANIZAÇÕES RURAIS.........................................30
3.1.2.1 Acesso e implantação da violência........................................................38
3.1.2.2 Gestão da dívida.....................................................................................39
3.1.2.3 Opacidade contábil.................................................................................40
3.1.2.4 Gerenciamento da cadeia de suprimentos de mão-de-obra..................40
3.1.3 Sustentação e formação de capacitações............................................41
3.1.3.1 Legitimação Moral..................................................................................41
3.1.3.2 Manutenção de domínio.........................................................................42
3.2 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL DO DIREITO DO TRABALHO
NO BRASIL E O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO.......................43
3.3 ASPECTOS ESTRUTURAIS E CONJECTURAIS DA ESCRAVIDÃO
CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA....................................................................48
3.3.1 Atores sociais envolvidos no trabalho escravo rural contemporâneo
............................................................................................................................49
3.3.2 Categorização do trabalho escravo rural contemporâneo.................50
3.4 TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO COMO UM PROBLEMA DE
SAÚDE PÚBLICA...............................................................................................53
3.5 EFEITOS DA ESCRAVIDÃO NA SAÚDE DO TRABALHADOR.................57
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS........................................................59
4.1 ALICIAMENTO E TRANSPORTE................................................................63
4.2 REGISTRO E CTPS.....................................................................................65
4.3 SALÁRIO......................................................................................................68
4.4 JORNADA DE TRABALHO..........................................................................71
4.5 INSTALAÇÕES SANITÁRIAS......................................................................74
4.6 ÁGUA POTÁVEL E FRESCA.......................................................................75
4.7 SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO...................................................77
4.8 ALOJAMENTOS E ÁREAS DE VIVÊNCIA..................................................80
4.9 TRABALHO FORÇADO E RESTRIÇÃO DE LOCOMOÇÃO.......................85
4.10 ASSÉDIO MORAL......................................................................................87
4.11 CASOS EXCEPCIONAIS...........................................................................89
4.11.1 Crianças e adolescentes.......................................................................89
4.11.2 Idosos.....................................................................................................90
4.11.3 Trabalhadoras mulheres.......................................................................91
4.11.4 Estrangeiros...........................................................................................93
4.11.5 Religião...................................................................................................94
4.12 DEMAIS ENTES ESTATAIS QUE ATUAM NO COMBATE ÀS
CONDIÇÕES DE TRABALHO ANÁLOGAS À DE ESCRAVO..........................98
5. CONCLUSÃO...............................................................................................101
REFERÊNCIAS................................................................................................104

REFAZER O SUMÁRIO
19

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1.1 TEMPORALIDADES

Vivemos um momento de intensas mudanças no mundo laboral, fruto da


evolução da sociedade que tem transformado a relação homem/trabalho,
criando novos rumos e perspectivas, impulsionados pelos avanços
tecnológicos e pelo processo de globalização, levando os gestores a
adaptarem as rotinas trabalhistas a este contexto, criando assim uma nova
dinâmica social.
Como servidora pública da Superintendência Regional do Trabalho no
Espírito Santo desde março de 2016, órgão à época vinculado ao Ministério do
Trabalho e Previdência Social1 e hoje ao Ministério da Economia, observo o dia
a dia dos auditores fiscais na promoção e proteção dos direitos dos
trabalhadores, implicando os esforços desses servidores para verificar, dentre
outras coisas, o cumprimento da legislação trabalhista e das normas
relacionadas à saúde e segurança no trabalho, bem como, o cumprimento dos
acordos, convenções e acordos coletivos de trabalho. Neste contexto, registro
o empenho desses auditores na aplicação e promoção das políticas de
inserção da pessoa com deficiência e do aprendiz no mercado de trabalho, no
combate ao trabalho informal, ao trabalho infantil e, especialmente, no combate
ao trabalho análogo ao de escravo.
Assim, como fruto da convivência com essas situações, incomodou-me o
fato de a “escravidão contemporânea” ainda se manifestar de formas sutis,
camuflada no seio social, escondendo um dos lados mais cruéis das
organizações.

1
Evolução das denominações oficiais do Ministério do Trabalho: Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, em 26 de novembro de 1930; Ministério do Trabalho e Previdência Social, em 22 de
julho de 1960; Ministério do Trabalho, em 1 de maio de 1974; Ministério do Trabalho e da Previdência
Social, em 11 de janeiro de 1990; Ministério do Trabalho e da Administração Federal, em 13 de
maio de 1992; Ministério do Trabalho e Emprego, em 1 de janeiro de 1999; Ministério do Trabalho e
Previdência Social, em 2 de outubro de 2015; Ministério do Trabalho, em 12 de maio de 2016.
20

1.2 INTRODUÇÃO

No início da humanidade, era o homem sozinho lutando para sobreviver, até


que percebeu as vantagens de se unir a outros. Os grupos passaram a se
organizar a fim de potencializar suas capacidades para gerar o sustento e
proteção de todos. De pequenos grupos, passaram a tribos, que por sua vez,
cresceram em quantidade e número de integrantes, de onde surgiu a
necessidade de um comando que desse conta das relações entre eles. Para
Mendonça (2010, p. 30) “Nesta nova fase, o homem descobre a ambição e
ganância pelo poder.  Os mais fortes e poderosos começam a escravizar
os mais fracos para tirarem proveitos próprios e satisfazerem suas luxúrias”. 
A história do ser humano tem sido repleta de diferenças entre as
pessoas, povos e nações. A subjugação de um ser humano, grupo, país ou
conjunto de países (blocos), dentre outros elementos, possui como fatores a
força física, o desejo da posse das coisas, a capacidade ofensiva militar, o
conhecimento tecnológico, o desejo de usar outro ser humano para ganhos
mais fáceis, etc. A Figura 1 ajuda a compreender essa lógica em quatro níveis:
individual, grupal, nos países e no contexto da globalização.
De acordo com Storr (2012, p. 9) o Homo Sapiens, enquanto espécie
animal, possui diferentes graus de agressividade, “Com exceção de certos
roedores, não há outro vertebrado que tenha por hábito destruir membros de
sua própria espécie. Nenhum outro animal extrai efetivo prazer do exercício da
crueldade sobre seu semelhante”.
Dando continuidade, o autor apresenta um paradoxo, ao afirmar que
algumas qualidades do ser humano possuem duas funções antagônicas, ou
seja, impulsiona para a criatividade e desenvolvimento e, ao mesmo tempo,
podem causar sua destruição, pois
O ímpeto implacável do ser humano de subjugar ou destruir qualquer
aparente obstáculo em seu caminho não para nem quando sua ação
atinge seus semelhantes, e, uma vez que detém armas com poder de
destruição sem paralelo, [...] (STORR, 2012, p. 13).

Nesse sentido surgem alguns questionamentos, quais sejam: Será que a


agressividade humana tem sido objeto de preocupação nas políticas públicas?
A tolerância a ela pode incentivar a prática de atos agressivos? A impunidade
reforça também esses atos?
21

Figura 1 – Subjugação do ser humano

Fonte: Elaboração própria

Parece não haver consenso quanto a respostas para essas perguntas.


No entanto, algumas teorias são evocadas na tentativa de explicar tais
comportamentos. Uma delas é a Teoria das Pulsões, que Freud apresentou em
1920 o texto ‘Para além do princípio do prazer’ onde introduz os conceitos de
pulsão de vida (Eros) e de morte (Thanatos), inerentes ao ser humano
(FREUD, 1996).
Em nível do sujeito, a pulsão de morte parece relegar elementos
importantes na relação humana, como a empatia, a alteridade e a dignidade
humana.
Mas por que trazer esses elementos ao texto? Porque, a lógica
funcionalista pode ver o ser humano como mero objeto, como coisa, como
recurso passível de ser utilizado em proveito próprio. Assim, dentro da lógica
liberal, “[...] uns acabam funcionando como pilares de sustentação para a
ascensão econômico-social de outros. Para tanto, há de se lançar mão de
22

estratégias para legitimar o ato da objetificação de sujeitos, [...]” (COLLA, 2019,


p. 113). Além disso, aventa-se aqui a possibilidade de esses elementos não
estarem presentes no comportamento daqueles que buscam subjugar, dominar
ou escravizar a outrem.
No entanto, não cabe aqui discutir em profundidade esses conceitos.
Buscou-se apenas ressaltar sua importância, dado o tema desta pesquisa, que
implica em relações humanas e no papel do Estado.
A empatia pode ser compreendida como “[…] um instrumento natural,
imediato, tipicamente humano através do qual se consegue acolher e
compreender os outros seres humanos, as suas vivências, os seus estados de
alma, os sentimentos. Não é uma prática que se aprende ou aplica quando há
necessidade, mas é co-natural ao ser humano (PEZZELA, 2003, p. 110, apud
RANIERI; BARREIRA, 2012, p. 14-15).
Alteridade, por sua vez, consiste no entendimento e aceitação do ser
humano, sem vê-lo como uma ameaça. Reconhecimento da qualidade do
‘outro’, da sua realidade, da verdade do seu ser, o que facilita co-habitar com a
diferença (LÉVINAS, 2009, p. 48).
Observa-se pois, que tanto a empatia quanto a alteridade, parecem não
fazer parte do repertório de quem se coloca em uma relação com o outro na
qual há assimetria de poder, de recursos, de inserção social, dentre outros,
como nos casos em que são encontradas pessoas em situação de trabalho
análogo a de escravos.
Essa condição viola frontalmente o princípio da dignidade humana, que
segundo Delgado (2006, p. 43-44) está associada não só à questão de valores,
mas sobretudo à inserção social do ser humano, de sua afirmação.
Assim,
A dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre
em situação de completa privação de instrumentos de
mínima afirmação social. Enquanto ser necessariamente
integrante de uma comunidade, o indivíduo tem assegurado
por este princípio não apenas a intangibilidade de valores
individuais básicos, como também um mínimo de
possibilidade de afirmação no plano social circundante. Na
medida desta afirmação social é que desponta o trabalho
regulado, em sua modalidade mais bem elaborada, o
emprego. (DELGADO, 2006, p. 43-44).
23

Como se pode depreender dos argumentos apresentados, onde há trabalho


escravo não há, nas relações estabelecidas, a presença da empatia, da alteridade
e do respeito à dignidade humana. Reduz-se o homem a um objeto, a uma coisa
que é utilizada para dela se tirar proveito.
Diante de tudo isso, ainda cabem outros questionamentos, como por
exemplo: Por que o homem, em pleno século XXI, ainda apresenta esse tipo de
comportamento em relação aos seus semelhantes? Nesse sentido, acredita-se
que o trabalho análogo ao de escravos é uma faceta contemporânea de velhos
dilemas, inserida em uma miríade de fatores que, devidamente combinados,
apresenta situações das quais alguns oportunistas se aproveitam.
Um desses fatores é a própria condição histórica do ser humano, aqui
entendida pelo viés da psicologia sócio histórica, explicitada no Quadro 1.

Quadro 1 – Elementos da psicologia sócio histórica


Elementos Descrição
Homem Ser ativo, social e histórico
Sociedade Produção histórica dos homens que, através do trabalho, produzem sua
vida material, como fundada em contradições que se expressam em
ideias
História Movimento contraditório constante do fazer humano, no qual, a partir da
base material, deve ser compreendida toda a produção de ideias,
incluindo a ciência e a psicologia.
Fonte: Bock (2007) in Bock, Gonçalves e Furtado (2007, p. 15)

A psicologia sócio histórica apresenta então, a possibilidade de o ser


humano ter, em nível individual, características “[...] que a humanidade conquistou
e a sociedade valorizou, reforçou e estimulou e possibilitou à maioria” (BOCK,
2006, p. 29).
Complementando, pode-se dizer que a experiência humana consiste em
[...] toda atividade realizada socialmente pelos homens, como forma
de atender a suas necessidades, produzindo, dessa forma, sua
própria existência. As experiências concretas, de atividade dos
homens, implicam necessariamente a produção de ideias e
representações sobre elas, as quais refletem sua vida real: ações e
relações. (GONÇALVES, 2007a, p. 38).

Mas é preciso ainda registrar que essa mesma historicidade trouxe, no


entender de Gonçalves (2007b, p. 54), que apesar da pós-modernidade ter trazido
novas ideias, existem ainda “[...] diferentes concepções revelam contradições
históricas ainda não superadas” que precisam de soluções.
24

Dessa forma, acredita-se que a presença do trabalho análogo ao de


escravo no mundo, tenha também essas dimensões, configurando-se como o
elemento central dessa nova faceta de problema tão antigo, podendo ser estudado
no campo do comportamento organizacional, abrigado nos conceitos do Dark Side.
Conforme Linstead, Maréchal e Griffin (2014, p. 166), embora já existam
muitos estudos sobre diferentes vieses, o campo do Dark Side2 ainda tem
muito a ser explorado, comportamentos abusivos se manifestam e o modo
como estes afetam, não apenas a estrutura organizacional, mas a saúde do
trabalhador.
Comportamentos com perfis obscuros tornaram-se mais claros no
campo dos estudos comportamentais nos últimos anos, sendo estudados e
teorizados mais recentemente nos níveis individual, grupal e organizacional.
(LINSTEAD; MARÉCHAL; GRIFFIN, 2014, p. 168, tradução livre).
De acordo com os autores supramencionados Linstead, Maréchal e
Griffin (2014, p. 166), escuridão e luz, sempre serviram como metáforas para
descrever as diversas condições e estados humanos, no entanto, apenas
recentemente o estudo das organizações começou a empregar a metáfora do
Dark Side para sinalizar uma nova preocupação com questões nefastas no
ambiente de trabalho, que vinham sendo tradicionalmente negligenciadas,
ignoradas ou suprimidas.
Neste contexto, pode-se destacar os casos dos trabalhadores escravos
empregados na construção civil, indústria têxtil e agronegócio, sendo dentro
desse último, o foco deste trabalho, ou seja, o ambiente rural.

1.3 O CONTEXTO E O PROBLEMA

O ano de 1888 é emblemático, por ter rompido formalmente um ciclo


vergonhoso, que foi a escravidão no Brasil. No entanto, formas de vida
enraizadas e valorizadas no contexto social são difíceis de serem
desconstruídas e, consequentemente, transformadas ou erradicadas.

2
A expressão Dark Side tem sua origem no primeiro episódio da saga Star Wars idealizada por George
Lucas, cujo significado literal é – o lado negro ou lado sombrio -, que vem sendo utilizado como metáfora
para representar os aspectos negativos e até perversos que ocorrem nas organizações, não só em relação
ao mercado e à legislação como também nas relações interpessoais e trabalhistas.
25

Essa transgressão apresenta dois elementos que fizeram parte da


escravidão: “[...] a violação dos direitos humanos e uma restrição da liberdade
do trabalhador” (BASTOS, 2006, § 9º).
O que se vê então é que, passados 132 anos da atitude da Princesa
Izabel, a escravidão ainda é encontrada no país, mas com uma roupagem
diferente, onde pessoas pobres que não tiveram a oportunidade de sair do
lugar social no qual nasceram, configuram o novo perfil daquele que é
escravizado. Não há distinção de etnia, cor, idade ou gênero. A pobreza e a
falta de oportunidades é que os coloca em situação de fragilidade, sujeitos à
exploração no trabalho.
Para Girardi e outros (2014, p. 9) encontram-se entre as empresas
violadoras dos direitos humanos no trabalho as
[...] companhias siderúrgicas, carvoarias, mineradoras,
madeireiras, usinas de álcool e açúcar, destilarias, empresas
colonizadoras, garimpo, fazendas, empresas de
reflorestamentos e celulose, agropecuárias, empresas
relacionadas à produção de estanhos, empresas de citros,
olarias, cultura de café, produtos de sementes de capim e
seringueira.

Bastos (2006, § 22), Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª


Região, assim explica:
Nos trabalhos que pude examinar para preparar este esquema
observei que são vítimas desse mal homens, mulheres, crianças,
índios, garimpeiros, prostitutas e principalmente, em maior número,
os irmãos nordestinos. são aqueles invisíveis, inexistentes, as vezes
sem qualquer registro civil.

Outro exemplo dessa exploração foi encontrado em Almeida (2011, p.


47) ao afirmar que “[...] a quantidade mínima de cana de açúcar que cada
trabalhador deverá cortar, a depender da usina, é de doze a quinze toneladas
ao dia, o que representa um número incalculável de gestos extremamente
cansativos”.
Mais recentemente, em seu estudo, Oliveira e outros (2018, p. 68)
encontraram “[...] registros de casos em que mulheres e homens escravizados
morreram por exaustão, muitas vezes após doze anos trabalhando [...]”
expressando de forma clara a negação do outro em função de interesses
ligados ao lucro.
26

Isso significa que, embora possa parecer radicalismo, na realidade ainda


existe escravidão no Brasil, devido ao não cumprimento dos instrumentos
legais e à forma como ocorre. Isso porque a pessoa continua sendo vista e
tratada como um objeto, algo do qual se deseja ter a posse para exploração.
No Brasil, o uso da expressão “trabalho em condições análogas à de
escravo” justifica-se pelo fato de a escravidão legal ter sido abolida pela Lei
Áurea, não podendo existir mais a propriedade de uma pessoa sobre a outra.
Schwarz (2008, p. 139) conceituou o trabalho escravo na
contemporaneidade, a partir do Art. 149 do Código Penal Brasileiro, utilizando
uma estrutura textual mais simples, conforme a seguir transcrito.
O estado ou a condição de um indivíduo que é constrangido à
prestação de trabalho, em condições destinadas à frustração de
direito assegurado pela legislação do trabalho, permanecendo
vinculado, de forma compulsória, ao contrato de trabalho mediante
fraude, violência ou grave ameaça, inclusive mediante a retenção de
documentos pessoais ou contratuais ou em virtude de dívida
contraída junto ao empregador ou pessoa com ele relacionada.

O trabalho escravo, hoje, análogo à condição de escravos, ocorre em


diversos segmentos do sistema de produção nacional movidos pelo interesse
econômico aliado à má distribuição de renda e concentração fundiária. A essas
pessoas foi negado o acesso ao exercício pleno da cidadania dado que ele não
se efetiva onde existem miséria e analfabetismo. Nesse contexto grassa o
desemprego, tornando esses brasileiros vulneráveis a ações malfazejas
configuradas em promessas de trabalho, salário e melhores condições de vida.
Apesar disso, somente em 1995, o Brasil reconheceu oficialmente essa
situação e é importante observar que 107 anos tinham sido transcorridos desde
a promulgação da Lei Áurea. Esses dados incitam a mente a perguntar: Por
que esse tratamento tão aviltante perseverou por tantos anos?
Talvez em Sales (1992) essa resposta possa ser encontrada. A autora
estudou as raízes da desigualdade social na cultura política brasileira na
tentativa de traçar o percurso de como foi construída a cidadania no Brasil.
De acordo com Sales (1992, p. 17) a cultura da desigualdade se instalou
tendo por base a expressão “ou bem se manda, ou bem se pede”,
representando “[...] uma cultura política do mando e da subserviência.
[...] período colonial do grande domínio territorial de caráter privatista,
originando uma cultura da dádiva que mediatiza as relações sociais e
faz emergir um tipo de concessão de direitos a que nomeei de
cidadania concedida. Mesmo depois que se funda a república, o
27

compromisso coronelista e os mecanismos de patronagem e


clientelismo a ele associados contribuíram para perpetuar a cultura da
dádiva. (SALES, 1992, p. 18).

Os argumentos de Sales (1992, p. 5-6) são de que até mesmo no


período republicano foram substituídos os direitos básicos de cidadania que
deveriam ter sido outorgados pelo liberalismo que se instalava no país.
A cidadania concedida, que está na gênese de nossa cidadania, está
vinculada, contraditoriamente, à não-cidadania do homem livre e
pobre, que dependia dos favores do senhor territorial, que detinha o
monopólio do mando, para poder usufruir dos direitos elementares de
cidadania civil. (SALES, 1992, p. 6).

Ações mais incisivas sobre o trabalho escravo no Brasil tiveram início


nos anos 1990 e recebendo atenção por parte do Governo Federal até os dias
atuais.
Uma publicação de Repórter Brasil e Sindicato Nacional de Auditores
Fiscais do Trabalho (SINAIT) (2015, p. 5) contem uma linha do tempo com
ações governamentais, aqui apresentadas no Quadro 2.
O Grupo Especial Móvel de Fiscalização, subordinado à Secretaria de
Inspeção do Trabalho (SIT), do então Ministério do Trabalho e Emprego
(MELO, p. 64, 2017), com o intuito de intensificar essas práticas
contemporâneas que, como outras, vem sendo consideradas nefastas,
denominadas pela academia de Dark Side das Organizações.
Com o intuito de atender as demandas da sociedade, o direito sempre
buscou se adequar aos conceitos e valores de cada época, de modo a criar
parâmetros para uma convivência pacífica.
Quadro 2 – Linha do tempo – Ações para o combate do
trabalho escravo no Brasil
(Continua)
Ano Ações
1988 Constituição Federal (CF/88) Art. 170 - a ordem econômica é fundada na
valorização do trabalho humano e da livre iniciativa.
1995 Reconhecimento da existência do trabalho escravo contemporâneo por
parte do Governo Brasileiro. A primeira nação a admitir o problema em
seu território.
Criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do
Trabalho e Emprego.
------- Lapso de tempo sem informações.
2001 Fundação da ONG Repórter Brasil.

-------
28

Quadro 2 – Linha do tempo – Ações para o combate do


trabalho escravo no Brasil
(Finalização)
Ano Ações
2003 Primeiro Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo.
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Reformulação do código 149 do Código Penal de 1940 que proibia a
“redução de alguém à escravidão”.
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a
trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
(Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)””.
Criação da Lista Suja
-------
2005 Criação do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, pelo
qual empresas brasileiras e multinacionais assumem o compromisso de
não comprar matéria prima de fornecedores que tenham utilizado o
trabalho escravo em sua produção.
-------
2007 Maior quantidade de trabalhadores libertados em flagrante: 1.064
trabalhadores na fazenda de cana Pagrisa, em Ulianópolis (PA).
2008 Lançamento do Segundo Plano Nacional de Erradicação do Trabalho
Escravo.
-------
2011 Libertação de imigrantes escravizados pela marca de roupa Zara. O caso
dá visibilidade à exploração de imigrantes no setor têxtil em São Paulo.
-------

Fonte: Reporter Brasil e SINAIT. Trabalho escravo contemporâneo – 20 anos de combate


(1995-2015). (2015, p. 5).

Sendo assim, é essencial que o direito, como mecanismo de


organização social, ecoe os sentidos políticos, econômicos e culturais, de
maneira a atender os anseios dos cidadãos e promover uma justiça social
(SOUTO MAIOR, 2000). Recentemente, a “Reforma Trabalhista”,
instrumentalizada pela Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, teve por objetivo
modernizar as relações laborais, o que representou significativas mudanças a
29

todo um arcabouço legal, gerando impactos na forma como o mercado de


trabalho brasileiro se comporta.
Não obstante todas as intenções do legislador do trabalho, com a
finalidade de se atualizar e se adaptar a uma nova realidade social, algumas
práticas consideradas arcaicas ainda persistem nas relações laborais. A
exemplo, tem-se o trabalho escravo, cuja origem resgata a própria história da
humanidade, quando povos derrotados em batalhas eram escravizados pelos
vencedores. Esta prática se repete, em diferentes formas e por distintas
civilizações ao longo da história, perpetuando até os dias atuais, sob a figura
do “trabalho em condições análogas à de escravo”.
Assim, o estudo sobre o trabalho nessas condições adquire especial
importância, uma vez que, apesar de toda a preocupação jurídica com os
direitos dos trabalhadores, a sujeição dessa parcela populacional a situações
aviltantes ressalta uma das faces mais perversas das organizações.
A exemplo, citam-se os bolivianos usualmente encontrados trabalhando
em condições análogas à de escravos em fábricas de roupa no estado de São
Paulo. De acordo com reportagem do G1, de abril de 2018, após operação da
Polícia Civil, foi descoberta uma fábrica de roupas falsificadas em
Itaquaquecetuba, e que utilizava bolivianos como mão de obra escrava,
oferecendo apenas comida e moradia em troca dos serviços destes
profissionais.
Mais recentemente, destacam-se os trabalhadores que foram
resgatados trabalhando em condições de trabalho análogo ao escravo
em minas de extração de caulim, no Sertão da Paraíba.
Em termos específicos do locus da pesquisa considerou-se o espaço
rural, no qual tem ocorrido situações com características de escravidão. No
período de 2015 a 2018, foram fiscalizados 960 estabelecimentos rurais e
urbanos, o que resultou no resgate de 4.568 trabalhadores em condições
análogas à de escravo no Brasil e no pagamento de R$ 14.577.008,02 em
verbas rescisórias (RADAR SIT/2019). Estes dados demonstram a persistência
do pensamento de que o trabalho escravo é economicamente vantajoso e
altamente lucrativo, estando vinculado ao modelo capitalista de produção
(LEÃO, 2016), comprovando que a “escravidão” ainda é um problema real e
amplo, atingindo uma grande parcela populacional.
30

De acordo Linstead, Maréchal e Griffin (2014, p. 166), escuridão e luz,


sempre serviram como metáforas para descrever as diversas condições e
estados humanos, no entanto, somente a partir do final dos anos 1990 o estudo
das organizações começou a empregar a metáfora do Dark Side para sinalizar
uma nova preocupação com questões que vinham sendo tradicionalmente
negligenciadas, ignoradas ou suprimidas.
Neste sentido, a análise dos autos de infração lavrados pelos Auditores
Fiscais do Trabalho fortalece a compreensão de como os abusos aos direitos
dos trabalhadores se manifestam no setor rural brasileiro, ajudando a revelar o
Dark Side destas organizações.
Dessa forma, questiona-se: quais mecanismos e comportamentos têm
sido usados no setor rural brasileiro capazes de gerar condições de trabalho
análogas à escravidão?

1.4 OBJETIVOS

A partir dessa contextualização e do problema identificado, foi elaborado


o objetivo geral que é compreender, pela análise dos autos de infração
lavrados pelos Auditores Fiscais do Trabalho durante o ano de 2018, como se
manifestam os comportamentos abusivos e que tipo de mecanismos têm sido
utilizados no ambiente de trabalho do setor rural brasileiro, de modo a
evidenciar informações que possam ser utilizadas na formulação de política
públicas capazes de mitigar a escravidão rural contemporânea.
Como objetivos específicos a proposta foi:

 Caracterizar os mistreatments3 relacionados ao trabalho escravo


contemporâneo no setor rural brasileiro;
 Descrever e analisar a participação dos atores envolvidos na rede do
trabalho escravo contemporâneo no meio rural – Polícia Federal,
Auditores Fiscais do Trabalho, “gato”, famílias dos trabalhadores,
dono do negócio, governo dos estados, prefeituras, SINE, Comissão
Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo, entre outros.
3
Mistreatments, em português maus-tratos, é um termo utilizado pelos autores de teoria das
organizações para designar as situações degradantes ou humilhantes as quais os
trabalhadores são expostos no ambiente organizacional.
31

 Demonstrar os principais setores da economia envolvidos com o


trabalho escravo contemporâneo no setor rural brasileiro;
 Analisar a estrutura dos autos de infração.

1.5 DELIMITAÇÃO

De acordo com o último censo (IBGE, 2010), aproximadamente 15,65%


da população brasileira reside em área rural. Apesar de inicialmente não
parecer significativo, este número representa 29.852.986 de pessoas,
aproximadamente 30 milhões de rurícolas. Esta parcela populacional tem no
trabalho no campo sua principal fonte de sobrevivência, o que intensifica a
necessidade de formulação de políticas de trabalho, emprego e renda
direcionadas a este setor.
Assim, o presente estudo buscou analisar o Dark Side no setor rural
brasileiro, a partir do resultado das fiscalizações trabalhistas realizadas durante
o ano de 2018. Delimitou-se o ano de 2018, uma vez que se observa um
aumento significativo no número de trabalhadores resgatados durante este
período, totalizando 1.221 trabalhadores em condições análogas à de escravo
em todo Brasil.

1.6 JUSTIFICATIVA

A realização desta pesquisa se justifica ao consideramos sua


importância humana, social, teórica e prática.
No aspecto humano, conforme já demonstrado, observa-se a
perpetuação do trabalho escravo, principalmente no setor rural, como forma de
violação dos Direitos Humanos e da dignidade da pessoa humana. Deste
modo, este estudo possui o intuito de alertar a sociedade acerca do modo
como as organizações rurais contemporâneas utilizam o trabalho análogo ao
de escravo para satisfazerem suas necessidades, expondo, assim, o seu Dark
Side.
A perspectiva social é observada ao se analisar a importância de um
meio ambiente do trabalho equilibrado e que promova condições hígidas de
32

saúde e segurança (BARROS; SILVEIRA; DINIZ, 2016). Deste modo, as


formas de precarização do trabalho, entre elas a submissão a condições
análogas a de escravidão, promovem a separação entre o direito constitucional
ao trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana.
No aspecto teórico, o estudo do Dark Side no setor rural se justifica em
virtude da escassa pesquisa acerca do tema. A maioria dos estudos no campo
da Teoria das Organizações ainda está voltada para os comportamentos
positivos no setor urbano, sendo recente os trabalhos que buscam analisar as
condutas desviantes que envolvem as relações de trabalho na área rural.
Essa afirmativa se baseia em pesquisa realizada na Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A opção por esta
plataforma está relacionada ao papel desta fundação na expansão e
consolidação dos estudos de mestrado e doutorado em todo o território
nacional, conferindo, assim, credibilidade aos possíveis resultados
encontrados.
Os critérios inicialmente definidos para a inclusão dos artigos foram:
trabalhos publicados em português, com os resumos disponíveis na base de
dados selecionada e no período compreendido entre 2014 a 2019.
Para a primeira busca foram escolhidos os algoritmos Dark Side e
“trabalho escravo”, tendo sido encontrados três artigos publicados no período
estipulado. Já a segunda pesquisa utilizou as palavras-chave “trabalho
escravo” e “setor rural”, tendo como resultado 54 artigos escritos de produção
científica nacional e publicados no período convencionado, dos quais apenas
quatro tratavam efetivamente da temática.
Por fim, a justificativa prática desta pesquisa encontra-se na possível
contribuição deste estudo para a gestão organizacional e para a formulação de
políticas públicas que possam pelo menos mitigar esta realidade social.
33

2 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS

2.1 ABORDAGEM E TIPOS DE PESQUISA

O presente estudo foi realizado dentro de duas abordagens:


quantitativa e qualitativa, com o intuito de obter dados que permitam identificar
o modo como a escravidão contemporânea se distribui no território nacional,
indicando a sua dimensão e as estruturas sociais que estão associadas a esse
tipo de relação de trabalho. A utilização desse mix permite o cruzamento de
dados quantitativos e nominais para a estruturação de conclusões mais
profundas e confiáveis acerca do fenômeno social estudado.
Para atender aos objetivos indicados, utilizou-se da pesquisa
documental e descritiva, para ilustrar os casos de mistreatments relacionados
ao “trabalho escravo contemporâneo” e, posteriormente, descrever e analisar
aspectos conjecturais e estruturais deste fato social. Assim, foram examinados
todos os autos de infração lavrados pelos Auditores Fiscais do Trabalho, em
todo o território nacional, durante o ano de 2018, totalizando 105 autos.
extraídos da base de dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho,
Secretaria de Inspeção do Trabalho, do extinto Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE). Nesses, serão destacados os trechos que retratam as
condições nas quais estes trabalhadores estão submetidos, de modo a ilustrar
as situações aviltantes que caracterizam o trabalho escravo contemporâneo e
revelam o Dark Side no setor rural. Nesses, foram destacados os trechos que
retratam as condições nas quais estes trabalhadores estão submetidos, de
modo a ilustrar as condições aviltantes que caracterizam o trabalho escravo
contemporâneo e revelam o Dark Side no setor rural.
Com base nestes documentos, buscou-se, inicialmente, separar os que
abordam os casos de redução à condição análoga à de escravo ocorridos em
zona rural, resultando em 93 casos que representam a maioria das infrações
identificadas durante o ano de 2018.
Esses foram organizados em dez categorias que se configuram nas
principais formas que o trabalho escravo manifesta na atualidade. O conteúdo
desses autos foram objeto de análise tomando como referência a metodologia
proposta por Bardin (2011).
34

1. Aliciamento e Transporte;
2. Registro e CTPS;
3. Salário;
4. Jornada de Trabalho;
5. Instalações Sanitárias;
6. Água Potável e Fresca;
7. Saúde e Segurança no Trabalho;
8. Alojamentos e Áreas de Vivência;
9. Trabalho Forçado e Restrição de Locomoção;
10. Assédio Moral.

Essas foram categorias identificadas ex-ante, porém, durante a extração


dos fragmentos de texto dos autos de infração, a pesquisadora ficou em estado
de alerta para o surgimento ou não de outras características ainda não
delineadas.
A intenção foi verificar a presença de elementos que se encaixassem
nas categorias pré-determinadas ou que pudessem formar novas categorias. A
partir do material coletado foi possível identificar aquilo que configura as
condições que as equipes de fiscalização do trabalho do antigo Ministério do
Trabalho, por diversas vezes, acompanhadas por outros entes públicos,
encontraram os trabalhadores que estavam submetidos a condições análogas
à “escravidão” no meio rural.
Destaca-se que essas categorias foram criadas a partir de observação
preliminar dos autos de infração analisados, os quais indicavam serem esses
os temas usualmente abordados durante a fiscalização trabalhista no setor
rural brasileiro. Ademais, buscou-se adequar essas mesmas categorias à luz
da teoria da escravidão contemporânea como prática de gestão, proposta por
Crane (2013).
Com relação à pesquisa bibliográfica, realizou-se uma busca sobre o
“trabalho escravo contemporâneo” e teorias sobre Dark Side, utilizando bases
de dados nacionais e internacionais, das áreas das ciências humanas e
sociais. Por conseguinte, a pesquisa teve como foco manuais, cartilhas, artigos
35

e livros, por serem elementos que melhor contribuem para a construção de


referenciais teóricos.

2.2 FONTES DE DADOS

Como fonte de dados, foram levantados, no Sistema Auditor, os autos


de infração que identificaram os trabalhadores em situação análoga à de
escravidão, em todo o território nacional, durante o ano de 2018. Este
programa é solução da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do extinto
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e consolida as principais informações
que suportam as inspeções trabalhistas.
Também foram utilizadas as informações e estatísticas presentes no
Radar da Inspeção do Trabalho (RADAR SIT/2019). Esses são dados abertos
que buscam conferir transparência do trabalho realizado na promoção e
proteção dos direitos dos trabalhadores.

2.3 PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Os autos de infração são padronizados e compostos das seguintes


informações: informações do órgão responsável pela autuação, informações do
autuado, ementa, histórico, capitulação, elementos de convicção, trabalhadores
alcançados pela infração, conforme Anexo A.
A partir dos 105 autos de infração coletados criou-se uma planilha com
as seguintes variáveis de pesquisa: estado, zona (urbana ou rural),
Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), número de
trabalhadores alcançados pela fiscalização, instituições envolvidas na
fiscalização, categorização do trabalho escravo, fragmentos que retratem o
Dark Side.

2.4 FORMAS DE TRATADO DOS DADOS

O processamento e o tratamento dos dados constituem-se em uma


importante etapa da pesquisa. Assim, esta pesquisa utilizou a análise de
conteúdo para identificar, nos relatórios das inspeções trabalhistas,
36

características que possibilitassem interpretar o fenômeno social em estudo,


extraindo-se de cada discurso elementos implícitos ou explícitos, de modo a
sistematizar as principais práticas de mistreatments e os possíveis reflexos no
ambiente organizacional e na saúde dos trabalhadores (OLIVEIRA, 2008).
Adicionalmente, fez-se o levantado dos estados onde os autos de
infração foram lavrados, com o número de trabalhadores encontrados em
situação análoga à de escravo em cada um dos autos. Isso permitiu realizar um
mapeamento da situação encontrada, o que poderá gerar melhor visualização
da distribuição e da dimensão territorial do “trabalho escravo rural” no Brasil.
De forma complementar, tabelas foram elaboradas para subsidiar
estatísticas que consolidem os resultados das fiscalizações e permitam tecer
algumas análises quantitativas.
37

3 DISCUSSÕES SOBRE O TRABALHO ESCRAVO NO AMBIENTE RURAL

Este capítulo apresenta uma revisão da literatura acerca do Dark Side das
organizações, da Teoria da Escravidão Moderna proposta por Crane (2013), da
“escravidão contemporânea” como prática de gestão no setor rural brasileiro, da
proteção jurídica aos direitos dos trabalhadores e, por conseguinte, a inserção desta
temática dentro das políticas públicas do Estado.

3.1 O DARK SIDE ORGANIZACIONAL

A ideia de dualidade ainda se encontra presente em todo mundo, embora haja


quem defenda outras visões. A todo momento o ser humano se depara com essa
dicotomia formada por extremos antagônicos. No entanto, essa dualidade não é
limitante, pois conforme Costa-Leite (2009, p.234-235) essa
[...] dualidade transcende o mero limite formal e se fixa como limite binário
dos fatos contingentes e do mundo em geral. A estrutura do mundo é
dicotômica e com opostos duais, apesar de que o mundo, nele mesmo,
enquanto uma coleção de fatos contingentes, não o é.

O conceito aqui utilizado envolve a dicotomia, que consiste em “[...] uma


propriedade ontológica fundamental, pois ela divide o mundo em duas partes. Então,
em sentido geral, uma dicotomia sugere uma partição dupla da realidade” (COSTA-
LEITE, 2009, p.236).
Ainda sobre o conceito, de acordo com Moretti (2004) in Beziau; Costa-Leite e
Facchini (2004) a dualidade apresenta uma estrutura de oposição e negação. Dessa
forma, não é incomum fazer alusões aos contrapontos escuro e o claro, noite e o
dia, invisível e visível.

Desde os primórdios da história, a noite amedrontava, criando um mundo


imaginário, temido, que alcançou a condição humana pelo medo, criando estados de
consciência e fronteiras entre a vida e a morte. Posteriormente, as cores
desapareciam no escuro, as histórias infantis falavam de monstros em florestas sem
luz, bruxas com seus mantos, chapéus e gatos pretos mexiam caldeirões de poções
para fazer feitiços e a morte ganhou formato sob um manto negro. O escuro era
desconhecido e o desconhecido gerava o medo.
38

A trajetória percorrida pelo ser humano foi permeada por referências a


monstros, corpos mumificados, mortos desfigurados que voltam à vida, bestas e
lobisomens, quase todos ligados à noite e à lugares lúgubres, de difícil acesso.
Assim, Meiners (2004, p. 36), a partir de suas experiências registra que
As crianças pequenas podem ter medo do escuro, dos trovões, das aranhas
e dos monstros. Podem ficar assustadas depois de observarem
personagens, criaturas ou acontecimentos na televisão. Podem temer
desastres, como terramotos, incêndios, cheias ou violência de que tenham
sido vítimas, que tenham observado ou de que tenham ouvido falar.

Esse mundo, ainda que imaginário, ainda permeia o adulto no decorrer de sua
vida. A diferença é que eles são repaginados, encarnando os assaltos, assassinatos,
os acidentes trágicos, tsunamis, vulcões em erupção, doenças, dentre outros,
incluindo a morte.
Essas referências vieram também do próprio ambiente de trabalho, podendo
ser lembradas as minas de carvão, os ambientes insalubres, os acidentes no setor
de produção, as atividades perigosas que colocavam o homem em risco. Na
atualidade, além desse tipo de risco no espaço laboral, o trabalhador está sujeito a
outros tipos de medo, como a assimetria de poder, sentindo-se dentro de uma
engrenagem denominada por Ferraz (2017, p. 37) ao analisar o conto de Kafka,
como “A construção de medo-segurança-risco”. Neste caso, esses conceitos são
tomados por empréstimo, ainda que tenham sido utilizados para a compreensão de
uma obra literária.
Segundo a autora, “A engrenagem medo-segurança-risco se atualiza no conto
em uma espiral sufocante, gerando um discurso que poderíamos caracterizar como
paranoide” (FERRAZ, 2017, p. 37).
Essa espiral encontra-se também no ambiente organizacional e as relações
de trabalho que hoje assemelham-se a um campo minado por novos medos e
sobressaltos, gerando sofrimento físico e mental, levando as pessoas a estados de
ansiedade, estresse, depressão e desestímulo em relação à vida.
O agravante é que ter conhecimento sobre esse conjunto de fatores não
elimina suas consequências, pois o ciclo da espiral não é rompido, não se vê,
portanto, uma saída.
Por conseguinte, nesse ambiente,
Introduz-se, desde o início, um amálgama de afetos inextricáveis, em que
estão presentes: desamparo, inquietação, desejo de segurança,
39

necessidade de construir, proteção, prudência, astúcia, reintrodução do


risco, do medo e sensação de vulnerabilidade (FERRAZ, 2017, p. 36).

Com relação ao tema, até o final de década de 1990, eram estudados como
elementos da organização, sem uma denominação específica e de forma mais
abrangente. Aliás, os primeiros estudos sobre o Dark Side, nem receberam essa
nomenclatura (VAUGHAN, 1999, p. 72), cujo conteúdo foi melhor caracterizado a
partir do final dos anos 1990.
Para Linstead, Maréchal e Griffin (2014, p. 165)
Nas últimas duas décadas, houve um reconhecimento crescente de que o
lado sombrio não é o lado de fora, ou seja, um fenômeno externo que afeta
a ação organizacional, mas sim um interior sombrio que pode ser
encontrado dentro dos limites e práticas organizacionais. (Tradução livre).

A grande dificuldade de estudar o tema se dá devido ao fato de ser mais


comum encontrar situações de Dark Side em organizações muito poderosas, que
Sims (2005) denomina de ‘corporações bastardas’. A questão é que, revelar o que
ocorre pode expor os que ali trabalham, trazendo consequências desagradáveis e
até perigosas, tanto para eles, quanto para os pesquisadores (LINSTEAD;
MARÉCHAL; GRIFFIN, 2014, p. 167).
Isso porque esse lado sombrio consiste em situações em que as pessoas
machucam outras pessoas, as injustiças são perpetuadas e ampliadas, e as buscas
por riqueza, poder ou vingança levam as pessoas a comportamentos que outros só
podem ver como antiético, ilegal, desprezível ou repreensível (GRIFFIN; O'LEARY-
KELLY, 2004, p. xv, Tradução livre).
Paulhus e Willians (2002) citam alguns tipos de personalidades ofensivas, de
natureza subclínica, que ficaram conhecidas como Dark Triad. São elas o
maquiavelismo, o narcisismo e a psicopatia, que embora sejam conceitualmente
distintas, podem se apresentar empiricamente sobrepostas. É importante ressaltar
que todas as três características envolvem um estilo interpessoal de manipulação
insensível e são consideradas aversivas.
Por outro lado, dez anos mais tarde, Stead e outros (2012, p. 1026) ao
analisarem os resultados do trabalho de Paulhus e Willians (2002), chegaram a um
outro conceito, qual seja: A Tríade Negra seria melhor conceituada como uma forma
de personalidade desordenada, com baixa aceitação.
40

Para Sharma e Madan (2017) in Stachowicz-Stanusch e outros (2017) muitos


desses comportamentos são encontrados nas organizações ligados à ganância
irrestrita e ausência da ética que é esperada nas diversas profissões. Essas
transgressões de desvios organizacionais ocorrem através do prisma de toxidade no
sistema organizacional, bem como na forma de liderança exercida (Tradução livre).
Em termos de contribuições é importante destacar o livro de Griffin; O'Leary-
Kelly (2004) que trouxe, à época, muitas contribuições para o estudo do assunto. Em
sua obra eles exploraram os seguintes temas: estresse, discriminação, assédio
sexual, sexualidade, assédio moral, agressão, violência no local de trabalho,
violência doméstica que traz consequências sobre o local de trabalho, abuso de
drogas, retaliação, incivilidade, roubo, acordos paralelos, carreira e contrato
psicológico. Para os autores as pessoas que praticam o Dark Side têm um
comportamento anormal ou desviante.
Griffin; O'Leary-Kelly (2004, p. 469) classificaram os comportamentos
conforme pode ser visto na Figura 2.

Figura 2 – Tipologia do Dark Side

Fonte: Elaborado a partir de Griffin; O'Leary-Kelly (2004, p. 469)

No entanto, até aquele momento não se dava muita ênfase às consequências


de longo prazo sobre as pessoas. O mesmo pode ser dito em relação a empresas
41

que tiveram seu cotidiano na mídia ou que se transformou em informações para


seus concorrentes.
Desse modo, mister se faz registrar que essa forma de gestão tem
consequências severas também na dimensão econômica. Isso porque de acordo
com Coutinho, Pauletti e Toaldo (2018, p. 30) “Empresas que abusam do trabalho
escravo promovem uma concorrência desleal com àquelas que se mantêm na
legalidade, obtendo as mencionadas vantagens financeiras desta prática, que se
configuram como uma modalidade de dumping”.
Mais recentemente, o Dark Side vem sendo estudado em uma perspectiva
como novo viés, como no caso da coletânea organizada por Greenberg (2010), que
cunhou a expressão ‘comportamento insidioso no ambiente de trabalho’. Sob essa
nomenclatura estão os comportamentos intencionalmente prejudiciais, sutis, pouco
intensos e dentro da legislação. A questão é que eles são de longo prazo, portanto
crônicos, e direcionados tanto para as pessoas quanto para a organização.
Devido ao fato de as ações do ‘lado sombrio’ serem protagonizadas por
seres humanos, a maior contribuição vem dos estudos comportamentais que
focaram a análise em seus antecedentes, consequências e moderadores. Dessa
forma, conseguiram identificar algumas maneiras pelas quais os líderes podem
gerenciar e restringir tais comportamentos.
Um levantamento do tema em inglês trouxe um grande número de
publicações em periódicos e também de livros, considerando esse recorte
específico, mas nenhum trabalho sobre a escravidão contemporânea no meio rural
foi encontrado. No Brasil os estudos já estão estruturados, mas os interesses são
bem difusos quando se trata do Dark Side. No entanto, embora existam publicações
sobre situações consideradas no lado sombrio, o material encontrado sobre o setor
rural mostrou-se repetitivo, notadamente com a história da escravidão no mundo, no
Brasil e com relatos de casos.
As conclusões, no entanto, se repetem, conforme transcrição a seguir das
verbalizações de pessoas resgatadas em condições análogas à escravidão,
revelando aspectos que afetavam mais o físico do que o emocional: “[...] as
condições de trabalho nos relatos de trabalhadores maranhenses resgatados ou
aliciados para o trabalho escravo contemporâneo como maneira de identificar as
42

formas de precarização do trabalho e a objetificação dos sujeitos nessa prática”


(COSTA; RODRIGUES, 2017, p. 50).
Para Coutinho, Pauletti e Toaldo (2018, p. 330), na contemporaneidade,
vulnerabilidade social e a escravidão estão associadas de forma intensa, baseando-
se no fato de que “[...] dentre trabalhadores resgatados no ano de 2013,
aproximadamente 80% eram analfabetos ou não tinha concluído o ensino
fundamental”.
Dessa forma, parece que esse desvalidos não veem escapatória, pois “A
grande massa de mão de obra barata e, especialmente, desqualificada, tem-se
como consequência deste estado de coisas, diante de uma faca de dois gumes: ou
optam pela morte ou optam por viverem em condições sub-humanas de trabalho”
(MARTA; KUMAGAI, 2011, p. 18).
Por sua vez, Santana (2018, p. 114) ao estudar a escravidão rural e
agronegócio na Bahia relata que devido ao ser humano ser ‘coisificado’, pois diante
do desemprego esse “[...] contingente incomensurável de trabalhadores miseráveis,
dispostos a venderem a sua força de trabalho simplesmente para salvaguardarem a
própria existência, isto é, para terem apenas o que lhes é necessário para viver”.
É importante frisar que o registro aqui grafado sobre a repetição do conteúdo
dos artigos encontrados não tem nenhuma pretensão de crítica, trata-se apenas de
uma constatação dos pontos centrais, enfatizando que de uma forma ou outra, que
em algum aspecto eles trazem contribuições.
Nesse sentido, o trabalho de Chehab (2015) traz um escopo cuja dimensão
de contribuição mostra-se relevante, pois além de considerar a violação da
dignidade humana, que se dá por meio do cerceamento de sua liberdade, já
mencionada, sistematiza o sofrimento das ações oriundas de comportamentos
eivados de barbárie, violência, injúrias corporais e mentais, num processo de
pressão e opressão. O Quadro 3 apresenta uma síntese das suas ideias.

Quadro 3 – Sentimentos e vivências do sofrimento no trabalho escravo


(Continua)

Sentimentos Vivência
Sofriam com a distância física de seus familiares e com a
Solidão e desamparo
impossibilidade de comunicação (p. 55)
Insegurança e fragilidade Distanciamento de suas raízes (díade, filhos, família) (p. 55)
43

Injustiça e opressão Sequestro da subjetividade (p. 55)


“Reiteradas exposições a situações constrangedoras,
Impotência, frustração, vexatórias e degradantes com o propósito de humilhá-los e
submissão e servidão degradá-los para demonstrar quem é que manda” (Assédio
moral). (p. 56)
‘[...] práticas cotidianas das relações de trabalho e na própria
Medo e isolamento maneira dos aliciadores de exercer o poder e a autoridade”.
(p. 56)

Quadro 3 – Sentimentos e vivências do sofrimento no trabalho escravo


(Finalização)
Sentimentos Vivência
Angústia e vulnerabilidade ‘[...] ameaças de todos os tipos, inclusive de morte”. (p. 56)
Esquecidos e relegados à própria Falta de assistência em casos de acidentes e impossibilidade
sorte de comunicação (p. 57)
Inferioridade, desamparo, baixa Cerceamento da liberdade de locomoção: “não havia
auto estima, tristeza, insatisfação transporte de volta ou o local de trabalho era distante e de
e indignação difícil acesso. (p. 57)
Insatisfação, desânimo e
Promessas de pagamento não concretizadas. (p. 57)
descontentamento
Enganados e ludibriados Falsos discursos (p. 57)
“[..] tipo de tarefa executada, da jornada de trabalho exaustiva
Desgaste físico e mental
e do cerceamento de liberdade”. (p. 57)
“O trabalho é percebido como uma atividade incapaz de
Falta de perspectiva e esperança proporcionar crescimento, reconhecimento e de prover suas
necessidades básicas”. (p. 57-58)
“Falta de infraestrutura, reconhecimento e relacionamento
Sofrimento psíquico
interpessoal e as condições degradantes.” (p. 58)
Emoção, perplexidade,
Resgate (p. 58)
agradecimento e alívio
Repulsa Ao imaginarem estar de volta àquela situação (p. 58)

Fonte: Chehab (2015, p. 57-58)

A partir dessas considerações, pode-se dizer que evolução das relações laborais, ao
longo da história, culminou na necessidade de reformulação do modo como as
organizações realizam a gestão das pessoas que dispõem suas habilidades e
competências a seu serviço. No entanto, apesar da vasta literatura na área de
gestão dos recursos humanos, ainda são escassas as abordagens teóricas que
tratam dos comportamentos abusivos cometidos pelas pessoas organizações em
face aos seus trabalhadores, em especial, naquelas situadas no meio rural. Dessa
44

forma, será abordada a seguir a Teoria da Escravidão Moderna como prática de


gestão desenvolvida por Crane (2013).

3.2 TEORIA DA ESCRAVIDÃO MODERNA COMO UMA PRÁTICA DE GESTÃO

Ao iniciar este texto é importante frisar que antes de surgir a expressão


‘escravidão moderna’ muitos autores já vinham publicando seus trabalhos sobre o
sofrimento humano no ambiente organizacional oriundo de diversos fatores, tais
como: o poder, a supremacia do conhecimento, as relações interpessoais, as
indicações políticas, a força física, os maus tratos, as pressões psicológicas, as
exigências de dedicação extrema com muitas horas extras, dentre outros. Portanto,
o cerne do tema não é novo, mas apresenta vieses que culminaram na dimensão
daquilo que Bales (2006) chamou de escravidão moderna.
Outra análise sobre as formas de exploração do ser humano foi apresentada
por Morgan (2006, p. 280) como uma metáfora da “face repugnante da organização”
para explicar como elas se manifestam como instrumentos de dominação, com o
intuito de usar e explorar os seus empregados. O autor destaca que “a cada ano,
milhares de trabalhadores no mundo inteiro morrem em acidentes de trabalho ou
então devido a doenças relacionadas ao trabalho” (e acrescenta que “outras
centenas de milhares de trabalhadores sofrem de doenças ocupacionais que variam
de gravidade, tais como doenças do coração, da vista, dores nas costas ou doenças
pulmonares”.
De acordo com Morgan (2008, p. 280) estas atitudes, de acordo com o autor,
enfatizam “mais o lado do dinheiro do que o da saúde dos trabalhadores” e
demonstram que “a lógica econômica e o desejo de realizar grandes lucros tendem
a ser a preocupação dominante” e que “seja intencionalmente ou não, as
organizações frequentemente apresentam um grande impacto negativo no mundo
em que vivemos”.
Esses conceitos podem ser utilizados também para orientar a análise do lado
sombrio das organizações rurais brasileiras, em especial, como práticas nefastas
45

são naturalizadas. Isso porque, no Brasil, apesar da abolição da escravatura, as


barbáries a ela associadas não desapareceram do cerne social. O corpo supliciado
na “escravidão contemporânea” é, assim, um retrato de práticas históricas, que
utilizam a força de trabalho de forma desumana.
Embora o sofrimento das pessoas nas organizações tenha sido objeto de
estudos, argumentando contra a exploração do ser humano, descrevendo sua dor,
não existia uma teoria estruturada sobre o tema.
Bales (2006, p. 2, tradução livre) referencia um trabalho que publicou em
1999 com uma série de noções provisórias sobre a natureza da escravidão. Nesse
trabalho o autor expôs de forma implícita uma teoria da escravidão contemporânea,
porque não achou as ideias estivessem maduras o suficiente.
Para o autor existem algumas características do passado que determinaram o
status da escravidão, que ainda estão presentes, quais sejam:
 O nível de controle exercido sobre o escravo, baseado no uso potencial ou
real da violência;
 Uma remuneração que mal permite a sobrevivência; e
 A apropriação do trabalhador ou de outras qualidades do escravo para
ganhos econômicos. (BALES, 2006, p. 2, tradução livre).
O autor destaca que o atributo chave e central, o núcleo da escravidão, é a
condição de controle potencialmente violento de uma pessoa sobre outra. Assim, a
escravidão poderia ser definida como um fenômeno que inclui o relacionamento
social, econômico e emocional. A Teoria da Escravidão Moderna, cujas hipóteses
foram testadas por Bales em 2006, teve como ponto central o tráfico de pessoas.
Bales verificou que havia um número muito grande de vítimas suscetíveis à
exploração em vários países e, por outro lado, havia também uma demanda ainda
maior por seu trabalho, vítimas em potencial, que eram agenciadas por redes
criminosas de tráfico de pessoas com a intenção de obter lucro (MBALAMWEZI,
2016, p. 26, tradução livre).
O autor acrescenta que os fatores que determinam a ocorrência de tráfico de
seres humanos em um país são: a corrupção governamental, a oportunidade
econômica, a disponibilidade ou não de emprego, o bem-estar econômico e o perfil
demográfico (BALES; TRODD; WILLIAMSON, 2009, p. 73).
46

Entretanto, apesar de suas contribuições, optou-se por tomar como base


desta pesquisa a versão de Crane (2013) sobre a Teoria da Escravidão Moderna,
por ela se mostrar mais pertinente ao recorte dos objetivos que foram traçados,
razão das citações sucessivas, a partir deste parágrafo.
Não se pode negar que o uso de mão de obra escrava é visto como algo cruel
e desumano, que deveria ter sido extinto no mundo. No entanto, parece que a
escravidão apenas se adaptou aos novos tempos, dado que ainda se mostra
presente em muitos países em todo o mundo. De acordo com a World Population
Review (2019) a escravidão moderna está presente em 167 países, afetando 46
milhões de pessoas. O US Department of State (2017) informa em seu site sete
tipos de escravidão mais encontradas no mundo, quais sejam:
 Tráfico para prostituição;
 Tráfico sexual infantil;
 Trabalho forçado;
 Trabalho em servidão ou servidão por dívida;
 Servidão doméstica;
 Trabalho infantil forçado; e
 Recrutamento e uso ilegais de crianças-soldado.

Em relação a essa afirmativa, pode-se notar, na Tabela 1, que os números


são alarmantes.

Tabela 1 – Escravidão em alguns países


País Nº de pessoas escravizadas
Índia 18, 4 milhões
China 3,4 milhões
Paquistão 2,1 milhões
Bangladesh 1,5 milhão
Uzebequistão 1,2 milhão
Korea do 1,1 milhão
Norte
Fonte: World Population Review (2019)

Outros países que têm um número significante de escravos em sua população são:
Rússia, Nigéria, República Democrática do Congo, Indonésia, Egito, Myanmar, Iran,
Turquia e Sudão. (WORLD POPULATION REVIEW, 2019).
47

Dessa forma, é importante ter clareza sobre o que é o trabalho escravo


contemporâneo. Segundo Abrano (2006, p. 11)

Quando falamos de trabalho escravo, estamos nos referindo a muito mais


do que o descumprimento da lei trabalhista. Estamos falando de homens,
mulheres e crianças que não têm garantia da sua liberdade. Ficam presos a
fazendas durante meses ou anos por três principais razões: acreditam que
têm que pagar uma dívida ilegalmente atribuída a eles e por vezes
instrumentos de trabalho, alimentação, transporte estão distantes da via de
acesso mais próxima, o que faz com que seja impossível qualquer fuga, ou
são constantemente ameaçados por guardas que, no limite, lhes tiram a
vida na tentativa de uma fuga. Comum é que sejam escravizados pela
servidão por dívida, pelo isolamento geográfico e pela ameaça às suas
vidas. Isso é trabalho escravo.

Para Villela (2008, p. 11)


Para a caracterização do trabalho escravo ou forçado, dentro de uma visão
mais clássica, seria imprescindível que o trabalhador fosse coagido a
permanecer prestando serviços, impossibilitando ou dificultando,
sobremaneira, o seu desligamento.

No caso do Brasil, os legisladores tiveram a preocupação de inserir na


Constituição Federal (1988) elementos dos direitos do trabalhador, da dignidade da
pessoa humana e dos direitos fundamentais que são garantidos aos brasileiros. Isso
porque, conforme registra Villela (2008, p. 15)

Os trabalhos forçado e degradante negam ao trabalhador os direitos


mínimos assecuratórios de sua dignidade enquanto pessoa humana. Assim,
na forma contemporânea de escravidão, antes de se ofender a liberdade
individual do trabalhador, viola-se a sua dignidade, que consiste no atributo
que o diferencia em relação aos demais seres vivos.

Em termos da produção técnica e literária sobre o assunto, apesar da


legislação nacional utilizar o termo “trabalho em condições análogas à de escravo”,
estudos e pesquisas acadêmicas utilizam ainda as expressões “trabalho forçado” e
“trabalho escravo contemporâneo” para se referir a submissão a tratamentos que
negam a condição humana dos trabalhadores.
Conforme dito anteriormente, o Governo Brasileiro reconheceu a presença da
escravidão moderna no país, em 1995, com ‘[...] a articulação entre atores públicos e
privados em torno do reconhecimento do problema e da construção de mecanismos
de punição do crime [...]” (MASCARENHAS; DIAS; BAPTISTA, 2015, p. 180), ainda
há necessidade da busca pela eficiência. Nesse sentido Mascarenhas, Dias e
Baptista (2015, p. 180) mencionam a possibilidade da criação de uma matriz de
48

políticas públicas abrangendo a transferência de renda, a reforma agrária e o


combate à fome, como uma forma de redução dos aliciamentos e,
consequentemente, do trabalho escravo no país.

Retomando a Teoria da Escravidão Moderna proposta por Crane (2013)


pode-se dizer que ele partiu de uma leitura diversificada, na qual percebeu
elementos da escravidão presentes na contemporaneidade destacando-se textos
sobre o tráfico humano; os crimes de natureza econômica que acabam prendendo
em suas teias milhares de pessoas; o trabalho informal, que forma uma rede na qual
muitos ficam subjugados e são explorados, bem como opiniões de autores
traduzidas em análises de casos de escravidão em seus aspectos legais e humanos.
Para estruturar suas ideias apoiou-se nos construtos da Teoria Institucional e em
conceitos de capacidade estratégica.
Assim, de acordo com Crane (2013) a “Teoria da Escravidão Moderna como
uma Prática de Gestão” apresenta algumas relações entre:
 Os fatores externos que influenciam a prática da escravidão;
 As capacidades das organizações para explorarem os contextos que
apoiam a escravidão e de se isolarem para aproveitar as condições
desses ambientes; e
 As capacidades que permitem as organizações realizarem um trabalho
institucional que sustenta os contextos favoráveis e molda os
desfavoráveis.

A Figura 14, configura-se como uma espécie de mapa mental elaborado para
sua melhor compreensão.

4
Em função da quantidade de informações necessárias para a elaboração da figura, foi preciso
utilizar um tamanho de letra pequeno. Dessa forma, a mesma figura encontra-se no Anexo …….
49

Figura 1 – Teoria da escravidão moderna de Crane

Condições que permitem a Capacidades de exploração &


escravidão Isolamento Aplicação dos
“contratos”
Contexto Industrial Acesso & Implantação da
violência Construção de reputação em
 Intensidade de trabalho mercados ilegais de capital
 Distribuição de valor humano
 Elasticidade da demanda
 Legitimidade Intervenção na Facilidade de rápido acréscimo
 Grupamento regional cadeia de de dívida
suprimentos
Gestão da dívida
Permite a transferência de
Contexto socioeconômico dívida

 Pobreza & Pobreza relativa


Escravidão Moderna
 Educação & Estabelece controle sobre a
Conscientização força de trabalho
Opacidad  Trabalho Forçado por meio de
 Desemprego
e contábil ameaça
 Propriedade/controle por meio de
Disponibilidade Isola do escrutínio da cadeia de abuso
de crédito suprimentos  Desumanização e Comoditização
Contexto geográfico  Restrições na liberdade de
movimento
Fornece oferta acessível de mão
 Isolamento geográfico
 Distância física, política,
Gestão da cadeia de
suprimento de mão-de-obra
de obra  Exploração econômica por meio de
psicológica pagamento a menor

Constrói confiança e opacidade

Sustentação & formação de


Contexto Cultural capacitações Fornece
racionalizações
Tradições
Desigualdades intrínsecas Legitimação Moral
 Crenças religiosas Permite a socialização
Regulação
privada/civil
Assegura suporte dentro do
Contexto Regulatório ambiente não comercial

 Força de governança Manutenção de domínio

 Problemas de
Aumenta a interdependência e
compartilha risco

Fonte: Crane (2013, p. 53, tradução livre).

A proposição de Crane (2013) e suas explicações foram resumidas por


Mascarenhas, Dias e Baptista (2015, p. 178) em um quadro analítico que ajuda a
compreender a Teoria do Trabalho Escravo Contemporâneo, conforme observado
no Quadro 4.
50

Quadro 4 – Definição de categorias e proposições da


Teoria do Trabalho Escravo Contemporâneo
(Continua)
Categorias de Variável
Contexto Descrição Proposições geradas
analise moderadora
Macrocontexto Proposição 1. A
institucional incidência da escravidão
contemporânea se
concentra em setores
Intensidade do uso de
com mão de obra Proposição 1a.
mão de obra, valor
intensiva e não Efeitos podem ser
distribuído ao longo da
Contexto especializada, que moderados pela
cadeia produtiva,
industrial capturam pouco valor na intervenção ao
elasticidade da
cadeia produtiva e longo da cadeia
demanda, legitimidade
enfrentam problemas de produtiva.
e polos regionais.
legitimidade; incentivará
a adoção do trabalho
escravo pelos
empreendimentos.
Proposição 2. Quanto as
condições
socioeconômicas e
geográficas do
empreendimento, a
Proposição 2a. O
exploração do trabalho
Pobreza, nível de acesso ao crédito
Contexto escravo acontece em
desemprego, nível acessível pode
socioeconômico contextos de alto
educacional. moderar essas
desemprego, pobreza
condições.
crônica e baixa
escolaridade;
incentivarão a adoção
do trabalho escravo
pelos empreendimentos.
Proposição 3. A
existência de condições
Isolamento e de isolamento
distanciamento geográfico do negócio,
Contexto geográfico, psicológico, somada ao isolamento
 
geográfico político e físico dos psicológico, político e
trabalhadores da sua físico dos trabalhadores,
residência de origem. incentivara a adoção do
trabalho escravo pelos
empreendimentos.
Contexto cultural Tradição e crenças Proposição 4. Um  
religiosas entrelaçadas contexto cultural que
com desigualdades reforça desigualdades e
51

Categorias de Variável
Contexto Descrição Proposições geradas
analise moderadora
naturaliza relações de
trabalho coercitivas
sociais. incentivara a adoção do
trabalho escravo pelos
empreendimentos.
Proposição 5. A
existência e eficiência
Proposição
Governo e iniciativa do contexto regulatório
5a.Esse efeito
privada demonstram impõe sanções a
pode ser
Contexto fraca governança e exploração de mão de
moderado pelo
regulatório pouca atenção em obra em condições
desenvolvimento
relação as questões da análogas à escravidão;
de regulação
escravidão. incentivarão a adoção
privada e pública.
do trabalho escravo
pelos empreendimentos.
Rotinas de trabalho
com emprego de
violência física e
psicológica. Escravidão
por dívida. Distorções Proposição 6. A
na contabilidade. capacidade e habilidade
Capacidade e Cadeia de suprimentos para exploração e
habilidade para compreende diferentes isolamento mediam a
 
exploração e estágios em relação entre as
isolamento multiníveis, alguns fora condições externas e a
do mercado formal. adoção de práticas de
Construção de rede de escravidão.
intermediários que atua
na clandestinidade de
maneira coordenada,
cooperada e confiável.
Legitimação moral:
Microcontexto aceitação mínima do
de habilidades campo institucional em
de gestão para torno da organização,
a escravidão incluindo empregados
não escravos,
trabalhadores
escravizados, clientes Proposição 7. A
e comunidade local, capacidade para
por meio de sustentar e compartilhar
Capacidade comunicação a cultura organizacional
para sustentar e persuasiva que para a escravidão media  
compartilhar legitime, socialize essa a relação entre as
cultura organizacional condições externas e a
Manutenção do adoção de práticas de
domínio: operadores escravidão.
da escravidão
empregam métodos
ilegais para legitimar
suas atividades e
dividir os riscos com
atores fora do
mercado.
Fonte: Mascarenhas, Dias e Baptista (2015, p. 178)
52

A partir deste ponto será apresentada a proposta de Crane (2013) em seus aspectos
operacionais, juntamente com outros autores que trataram do assunto.

3.3 CONDIÇÕES QUE PERMITEM A ESCRAVIDÃO

De acordo com Nascimento e Coelho (2011, p. 3), existe uma grande


preocupação jurídica, especialmente por parte daqueles que se dedicam a pesquisa
sobre o trabalho análogo ao de escravidão, “[...] quanto à correta forma de se
identificar o trabalho escravo, quais seriam as suas características principais para
diferenciá-las de outras possibilidades de exploração menos gravosas”.
A teoria de Crane (2013) inicia-se com a análise do contexto institucional no
qual ocorre a escravidão contemporânea. Segundo o autor, existem fatores externos
que influenciam a probabilidade da escravidão, sendo que estes podem divididos em
cinco contextos:
 Contexto industrial;
 Contexto socioeconômico;
 Contexto geográfico;
 Contexto cultural; e
 Contexto regulatório.

O contexto industrial, hoje, denominado de setor produtivo, sofreu grandes


influências do processo de globalização, que estabeleceu parâmetros altos de
competitividade, a partir dos quais muitas empresas passaram a utilizar estratégias
de exploração das pessoas para se posicionarem melhor no mercado. Para Crane,
2013, p. 53, tradução livre) a escravidão moderna tende a florescer em certas
indústrias, destacando a indústria da agricultura, mineração, construção civil e
algumas formas de fabricação, como de tijolos e têxtil, etc.

O autor afirma ainda que existem vários fatores que determinam a


atratividade de determinada atividade para as práticas da escravidão, como por
53

exemplo, a intensidade do trabalho, a distribuição de valor, a elasticidade da


demanda, a legitimidade e o grupamento regional (CRANE, 2013, tradução livre).

Assim, a escravidão na contemporaneidade foi detectada em setores que


demandam mão de obra intensiva, onde podem ser utilizadas pessoas analfabetas
ou semialfabetizadas, pagos com baixos salários ou até mesmo sem remuneração,
uma vez que para sobreviverem, se tornam devedores de seus empregadores. No
Brasil, essa exploração parece ter se dado nos locais onde a pobreza, os baixos
níveis educacionais e altos patamares de desemprego estão presentes, tendo como
coadjuvante a falta de conhecimento dessas estratégias predatórias.

Essa explicação encontra suporte em Mascarenhas, Dias e Baptista (2015, p.


179) ao afirmarem que
[...] o ciclo do trabalho escravo geralmente acontece no início da cadeia de
valor, que requer força física sem especialização [...].
[...]
[...] o contexto brasileiro corrobora a afirmação de que a escravidão
contemporânea tende a florescer em setores que capturam pouco valor na
cadeia produtiva e enfrentam problemas de legitimidade, apesar de o
problema não estar restrito a esses setores [...].

Os argumentos de Crane (2013, p. 54, tradução livre) mostram que a


distribuição de valor ao longo da cadeia de suprimentos é explicada quando diante
de indústrias primárias que, ao se tornarem pouco competitivas devido aos baixos
preços de mercado e aos altos custos para implementação das tecnologias
existentes, recorrem à mão de obra escrava como estratégia para diminuir os custos
e sobrevivem as variações do mercado. Em contraste, algumas indústrias que usam
mão de obra escrava possuem alto potencial de lucratividade, no entanto, enfrentam
uma alta elasticidade da demanda acompanhada de uma baixa elasticidade da
oferta de trabalho.
Do mesmo modo, fatores socioeconômicos desempenham um papel crítico
para o desenvolvimento da escravidão moderna, em especial a pobreza, que cria um
contexto fértil para os piores tipos de exploração do trabalho (CRANE, 2013, p. 55,
tradução livre). Para Marta e Kumagai (2011, p. 23) a pobreza
[...] tem como reflexos diversos problemas sociais, desde a perda da
dignidade até a violência, em todas as suas formas e consequências. Além
disso, como é uma situação que gera um círculo vicioso, a pobreza permite
que a conjuntura que gera a escravização do ser humano se perpetue.
54

No contexto socioeconômico essas práticas têm ocorrido em países


subdesenvolvidos onde os salários são aviltantes e, no Brasil, predominantemente,
em estados da região amazônica, norte e nordeste, ou seja, em contextos
socioeconômicos onde as pessoas estão fragilizadas, sendo utilizadas em atividades
intensivas em mão de obra.
De acordo com Marta e Kumagai (2011, p. 21) boa parte da produção rural do
país é destinada à exportação, o que exige dessas organizações rurais forte
gerenciamento da otimização, em duas dimensões: redução de custos e melhoria da
qualidade do produto. Para isso, preenchem as vagas com “[...] pessoas sem
qualificação e, portanto, sem condições de suprir o mínimo necessário para sua
sobrevivência, vítimas do desemprego e da busca desmedida pelo lucro”

Em se tratando do contexto geográfico, a situação brasileira possui uma


característica peculiar, face à sua dimensão continental que gera muitos locais onde
as pessoas ficam isoladas pela distância física, distantes de centros urbanos onde
possam ter acesso às políticas públicas de saúde, educação e suporte emocional.

As dimensões socioeconômicas e geográficas, no Brasil, parecem encaixar-


se em uma das proposições de Crane (2013, p.55) para quem as situações de
pobreza crônica, baixos níveis de escolaridade e altos índices de desemprego se
tornam facilitadoras da adoção do trabalho escravo.

Nesses três contextos a intervenção na cadeia de suprimentos e a


disponibilidade de créditos fomentam cinco situações de exploração e isolamento,
quais sejam:

 Capacidade de exploração e isolamento;


 Implantação da violência;
 Gestão da dívida;
 Opacidade contábil; e
 Gestão da cadeia de suprimento de mão de obra.

O contexto cultural envolve tradições, as desigualdades intrínsecas e as


crenças religiosas e o contexto regulatório, dificuldade de governança e problemas
de atenção. Isso significa que a escravidão tende ainda a prosperar em contextos
culturais acomodativos, ou seja, onde existem uma incongruência entre instituições
formais e informais (CRANE, 2013, p. 57, tradução livre).
55

Mascarenhas, Dias e Baptista (2015, p. 180), ao estudarem a realidade


nacional, demonstram que, no Brasil, “[...] nas regiões onde há trabalho escravo, o
processo produtivo é marcado pelo crime tipificado no artigo 149 é considerado
natural ou aceitável [...]. No entanto, mesmo com o aumento das denúncias, tem
sido difícil para os fiscais do Ministério da Economia fazerem os flagrantes, pois de
acordo com Ângelo (2017, §2º), durante o Governo Temer, a redução orçamentária
destinadas às atividades dos fiscais foi grande, tendo conduzido a uma situação
drástica pois “[...] de cada 10 denúncias de trabalho escravo recebidas, a equipe só
tem condições de atender uma. E a situação tende a piorar”. Isso significa que na
maior parte dos casos, os sujeitos que deveriam ser punidos seguem ilesos.

Logo, a realidade brasileira aponta para o reforçamento das desigualdades


sociais, onde as pessoas acabam achando ‘normal’ trabalhar muito por pouco
pagamento, o que ratifica sua condição subalterna de não merecer mais porque não
possui escolaridade suficiente.

Por fim, Crane (2013, p. 57, tradução livre) apresenta o contexto regulatório,
como a última condição que influencia o desenvolvimento e permanência da
escravidão nos dias atuais. Este é composto por elementos institucionais formais,
como leis e acordos internacionais sobre os direitos humanos e escravidão. Assim, a
força da governança desempenha papel fundamental, na medida em aplica sanções
coercivas eficazes para o controle da escravidão contemporânea.

No caso brasileiro, empresários alegam que o Governo Federal, por meio do


Ministério do Trabalho (hoje Ministério da Economia) impõe um peso financeiro
sobre a mão de obra contratada, oferecendo garantias que não existem em outros
países. Isso, teoricamente, os colocaria em desvantagem, induzindo assim a
contratação ilegal sob condições análogas à de escravos. Embora isso ocorra tanto
no setor urbano quanto no rural, é neste último que as condições para tal ato
execrável se tornam mais favoráveis.

Infelizmente, isso tem sido reforçado pela falta de capacidade dos governos
estaduais para o combate ao trabalho escravo. De acordo com Ângelo (2017, §2º) o
então Ministério Público do Trabalho encontrava-se sem recursos para seu pleno
funcionamento no combate à escravidão. Isso pode ser visto na queda do número
de equipes do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM). No ano 2000 o
56

ministério contava com dez equipes e em 2017 só possuía quatro delas em


funcionamento.

3.3.1 Capacidades de exploração e isolamento

O surgimento e a persistência da escravidão no nível organizacional


dependem, entre outras coisas, da capacidade para explorar os contextos que
apoiem a escravidão e se isolarem de ambientes a ela hostis, bem como de a
prática ao longo do tempo, dado que precisam sustentar os contextos de apoio e
eliminar os contextos desfavoráveis (CRANE, 2013, tradução livre).
As capacidades de exploração e isolamento são rotinas operacionais
incorporadas aos conhecimentos táticos sobre como realizar a escravidão dentro de
do macro ambiente (CRANE, 2013, tradução livre). A título de exemplo tem-se
estruturada uma rede clandestina de aliciamento da mão de obra, por meio dos
chamados “gatos”, ou ainda, o emprego de violência física e psicológica para a
manutenção do trabalhador no local de trabalho.
Ao aplicarem os estudos de Crane (2013) à realidade nacional, Mascarenhas,
Dias e Baptista (2015, p. 180) verificaram que “[...] na cadeia de produção pecuária
brasileira, por exemplo, o aliciamento de trabalhadores por "gatos" é feito por meio
da promessa de boa renda, muitas vezes mediante um adiantamento que constitui
alívio financeiro à família [...]. Estas promessas fantasiosas estimulam os
trabalhadores migrarem para outras regiões, sem qualquer garantia das condições
da futura relação de trabalho. Assim, os autores destacam que “[...] os trabalhadores
já estão isolados no longínquo local de trabalho quando percebem que o que lhes
fora prometido não será necessariamente cumprido [...].
Sobre esse tipo de recrutamento, Nascimento e Coelho (2011, p. 4), afirmam
que ele
[...] ocorre em regiões distantes do local onde será efetivamente prestado o
serviço, podendo ocorrer também em pensões (essas localizadas mais
próximas do local). Há, na primeira abordagem, o uso de técnicas sedutoras
de aliciamento, oferecendo boas oportunidades de trabalho: serviço em
fazendas, com garantia de salário, de alojamento e comida. Para seduzir o
trabalhador, oferecem "adiantamentos" para a família e transporte “gratuito”
até o local do trabalho.
57

Assim, o desenvolvimento e o uso desses recursos permitem que as


organizações aproveitem as condições favoráveis ao desenvolvimento da
escravidão, que Crane ((2013, tradução livre) categoriza em:
 acesso e implantação da violência;
 gerenciamento da dívida;
 opacidade contábil; e
 gerenciamento da cadeia de fornecimento de mão de obra.

3.3.2 Acesso e implantação da violência

Em se tratando do setor rural, a implantação da violência se faz presente


inicialmente por meio da forma de contratação, ou seja, sem clareza, sem
documentação e com a apreensão dos documentos pessoais. Os donos dos
empreendimentos adotam estratégias que são utilizadas pelos ‘gatos’, recrutadores,
que passam a dominar o suprimento de mão de obra, sendo dificilmente alcançados
nesse processo. As localizações geográficas de seus negócios, de modo geral, são
de difícil acesso, fator que contribui para não serem vistos durante os contatos
iniciais com as vítimas.

O uso da violência é ainda mais incisivo na escravidão moderna do que os


tipos mais tradicionais de escravagismo, uma vez que nas antigas formas a
execução do trabalho escravo era garantida, não só por este tipo de tratamento, mas
também por meios legais (CRANE, 2013, tradução livre).
Rosa e Brito (2009, p. 630) ao estudarem as diversas formas de violência
presentes em uma organização, destacaram que
[...] essa violência que perpassa as relações de poder no espaço
organizacional, muitas vezes, assume certas especificidades pouco
percebidas; se apresenta de forma invisível, subjacente aos processos de
socialização e manutenção dos padrões instituídos pela organização, em
seu modus operandi, reconhecido como legítimo pelos membros da
organização [...] (ROSA; BRITO, 2009, p. 630).

Ainda em relação ao tema, Mendonça e outros (2016, p. 8) explicam que “[...]


em algumas culturas organizacionais, certos tipos de abusos podem ser
institucionalizados, como prática de ‘fazer negócios’ [...]”, desconsiderando os danos
efetivamente acarretados às vítimas.
58

Nesse sentido Crane (2013, tradução livre) destaca que, a estratégia para
explorar as condições favoráveis à escravidão seja a capacidade de acessar e, pelo
menos potencialmente, implantar a violência física ou psicológica.

3.3.3 Gestão da dívida

A maior parte da escravidão é possibilitada por um processo que explora as


condições prevalecentes no contexto socioeconômico tais como pobreza e
educação precária, ou seja, a gestão da dívida. Isso porque, a capacidade
organizacional para a gestão da dívida em um negócio de escravidão facilita
essencialmente duas atividades principais: acumulação rápida de dívida e
transferência de dívida, (CRANE, 2013, tradução livre).
De acordo com Palo Neto (2008, p. 82-83) traz a informação de que a
escravidão por dívida é a forma mais comum no mundo, pois
Nessa forma de exploração, a pessoa dá-se a si própria como penhor de um
empréstimo de dinheiro, mas a duração e a natureza do serviço não são
definidas e o trabalho, normalmente, não reduz a dívida original, fazendo
com que permaneça em vínculo de dependência por longo período.
Esse processo se constitui em um instrumento poderoso de dominação, dado
que, em função das distâncias, esses empregados não possuem alternativa a não
ser comprar seus víveres e objetos de higiene pessoal na venda local, de
propriedade de seus exploradores. Isso permite então, manipular os números para
que se torne impossível ao trabalhador quitar sua dívida, o que é fortalecido na
contabilidade dos fatos, pois o isolamento deixa o sujeito sem opção de negociar o
pagamento e se engajar em um outro trabalho.

Para Crane (2013, tradução livre) as empresas se valem de diversas


maneiras para estimular o crescimento rápido da dívida do trabalhador, destacando
as quatro principais que são:
 Altos custos de transporte da casa do trabalhador até o local em que irá
trabalhar;
 Revenda ou negociação da dívida por meio da rede de escravidão como
estratégia para inflar o seu valor;
 Alto preço de subsistência (comida e abrigo) no local de trabalho; e
 Altas taxas de juros sobre os empréstimos originais.
59

Ao tratar do processo de acumulação de dívidas pelos trabalhadores é


importante registrar que eles são iludidos por promessas fantasiosas e que somente
constatam a situação diversa da prometida ao chegarem no local de trabalho, onde
tomam ciência que já são devedores do “adiantamento”, do “transporte”, da
“hospedagem” (quando ocorre) e dos gastos com alimentação feitos no decorrer da
viagem, que são anotadas em um “[...] caderno onde constam as dívidas e que
ficará de posse do gato”.

O trabalhador percebe que o ônus das ferramentas de trabalho e


equipamentos de proteção individual (equipamentos de segurança), quando
existem, serão anotados no mencionado caderno de dívidas, bem como
botas, luvas, chapéus e roupas. Somam-se ainda despesas de alojamento e
alimentação (ambos precários). Cumpre dizer que todos os valores
anotados sempre estão absurdamente superiores aos praticados no
comércio. Uma vez que as fazendas se encontram distantes das cidades, o
que o impossibilita ter outra fonte de mercadorias, o trabalhador se torna
refém desses preços (NASCIMENTO; COELHO, 2011, p. 4).

Pode-se dizer então que, por trás desses procedimentos, há uma assimetria
de poder e de informação que coloca o trabalho em dupla desvantagem.
Assim, relações de trabalho precárias com pessoas socialmente vulneráveis
torna-se um elemento favorável ao abuso por parte daqueles que detêm o poder
(MIRAGLIA, 2015, p. 328).

3.3.4 Opacidade contábil

Estudos históricos sobre a escravidão demonstraram que as práticas


contábeis desempenhavam um importante papel na institucionalização da
escravidão, valorizando os escravos em termos financeiros, sem se preocupar com
o seu valor humano (CRANE, 2013, tradução livre), o que é ratificado por Gomes
(2017, p. 337) In Paixão e Cavalcante (2017) ao ressaltar que as operações
maculadas pelo trabalho escravo costumam ser bastante atrativas financeiramente,
uma vez que os custos com a mão de obra são mantidos “ao arrepio da lei e da
dignidade da pessoa humana”.
A opacidade contábil consiste em artifícios que levam a mascarar os
resultados obtidos pelas organizações geralmente utilizada nesses contextos de
60

escravidão moderna, “Tendo em vista que a transparência da informação contábil é


uma das formas de coibir o ato corrupto (SANTOS; TAKAMATSU, 2018, p. 22).
Assim ela apresenta uma contabilização de qualidade inferior que vem sendo
utilizada como mecanismo para manutenção da capacidade exploradora,
estabelecendo controle sobre a força de trabalho e isolando os trabalhadores
escravos do alcance visual dos demais membros da cadeia de valor.

3.3.5 Gerenciamento da cadeia de suprimentos de mão-de-obra.

O recrutamento dos trabalhadores é o passo inicial para o estabelecimento de


um sistema de exploração baseado escravidão. No Brasil, este processo ocorre de
maneira mais acentuada em regiões geograficamente isoladas e que sofrem com a
pobreza e o desemprego, destacando-se como um importante processo de suporte
à escravidão uma vez que as empresas precisam ter acesso a uma oferta adequada
de trabalho escravo fora dos canais formais e legítimos (CRANE, 2013, tradução
livre).
No meio rural brasileiro, o acesso a esses canais é proporcionado pelos
chamados “gatos”, recrutadores profissionais que se aproveitam da vulnerabilidade
social desta parcela populacional, atraindo os trabalhadores rurícolas para outras
regiões geográficas com a promessa de melhores condições de vida.
Ressalta-se que na escravidão moderna o recrutamento ocorre de forma
clandestina e em locais remotos, já que os trabalhadores não entrarão
voluntariamente no mercado de trabalho escravo. Essa clandestinidade é observada
no recrutamento (onde os indivíduos são coagidos ou enganados a entrar na cadeia
de fornecimento), no tráfico (para onde os indivíduos são transferidos e preparados
para o local de trabalho) e no destacamento (onde são postos efetivamente a
trabalhar) (CRANE, 2013, tradução livre).
Deste modo, Gomes (2017, p. 337) in Paixão e Cavalcante (2017) destaca
que “[...] a esmagadora maioria das situações de trabalho escravo, detectadas
anualmente no Brasil, estão firmemente enraizadas na cadeia produtiva de
modernas atividades econômicas, que movimentam bilhões de reais anualmente”.
Segundo o autor
No meio rural, encontramos o trabalho escravo associado a companhias
siderúrgicas, carvoarias, mineradoras, madeireiras, usinas de álcool e
61

açúcar, destilarias, empresas de colonização, garimpos, fazendas,


empresas de reflorestamento/celulose, agropecuária, empresas
relacionadas à produção de estranho, empresas de citros, olarias, cultura de
café, produtoras de sementes de capim e seringais (GOMES in PAIXÃO;
CAVALCANTE, 2017, p. 337).

Isso porque o lucro exacerbado consiste na força motriz que leva à adoção do
trabalho escravo (COUTINHO; PAULETTI; TOALDO, 2018, p. 321).

3.2.4 Sustentação e formação de capacitações

3.2.4.1 Legitimação Moral

Apesar da escravidão moderna ser considera algo extremo e, para a maioria,


uma forma inconcebível de exploração humana, ainda existem aqueles que se
utilizam deste método para suprir as necessidades de força de trabalho da sua
organização (CRANE, 2013, tradução livre).
Deste modo, estes empregadores precisam garantir que a exploração do
trabalho escravo seja aceita, ao menos minimamente, dentro do campo instituição
onde a organização está inserida. A exemplo, cita-se os funcionários não
escravizados, os próprios trabalhadores escravizados, os clientes da organização e
as comunidades locais (CRANE, 2013, tradução livre).
Assim, a capacidade de legitimação moral da escravidão entre esses grupos
é considera um fator crítico e incluirá práticas como a narrativa e outras formas de
comunicação, bem como formas mais amplas de socialização e gestão da cultura
(CRANE, 2013– tradução livre).
Observa-se assim ser comum, por exemplo, a utilização de um discurso
carregado de apelo emocional e focado na noção de moral como forma de garantir
que os trabalhadores escravos saldem suas dívidas, eliminando, assim, a
necessidade do uso de violência para manutenção da ordem e para garantir o
cumprimento da obrigação avençada.
Por fim, Anand, Ashforth e Joshi (2004) argumentam que a capacidade de
legitimar atos antiéticos ocorre por meio do uso de táticas de racionalização, por
meio das quais são utilizadas estratégias mentais que permitem que os stakeholders
vejam os atos corruptos praticados pelas organizações como sendo justificáveis. Os
autores destacam, ainda, que a racionalização é acompanhada por técnicas de
62

socialização, que permitem que os recém-chegados àquela comunidade sejam


induzidos a aceitar os atos antiéticos já praticados e aceitos pelos demais.

3.2.4.2 Manutenção de domínio

Com relação às formas de manutenção de domínio, Crane (2013, tradução


livre) salienta que os operadores de escravos utilizam métodos ilegais para alcançar
seus objetivos, deste modo, estão sujeitos a ameaças ao seu modo de governança
pelas autoridades reguladoras.
Baysinger (1984, tradução livre), ao estudar a atividade política empresarial,
argumenta que a manutenção do domínio é sustentada pela capacidade da
organização de gerenciar as estruturas internas e externas, buscando utilizar o seu
poder, com o intuito, por exemplo, de influenciar na formulação de políticas públicas
que ameaçam a legitimidade dos objetivos e finalidades organizacionais.
Assim, é mais provável que a escravidão seja sustentada em contextos
organizacionais nos quais as audiências internas e as ameaças externas sejam
gerenciadas de modo a facilitar a formulação e implementação de estratégias que
permitam à organização perseguir os seus objetivos internos.

Para tanto, estas organizações utilizam de mecanismos como lobby informal,


suborno, ameaças e outras formas de influência e cooptação (CRANE, 2013 –
tradução livre).
Deste modo, um fator crítico para o sucesso das empresas que utilizam a
escravidão é a capacidade de garantir apoio dentro e fora do ambiente que atuam
(CRANE, 2013 – tradução livre). Para tanto, a capacidade de manutenção de
domínio é importante não apenas como uma forma de comprar favores entre as
principais partes interessadas dentro do ambiente de não mercado, mas também
como uma maneira de aumentar a interdependência e compartilhar riscos com os
atores que não são do mercado (CRANE, 2013 – tradução livre).
Assim, cria-se um grau de risco compartilhado e um interesse comum em
proteger a empresa e suas atividades do escrutínio de terceiros (CRANE, 2013 –
tradução livre).
63

3.4 MEDIDAS DE COMBATE À ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Nos dias de hoje, o Estado brasileiro também vem tentando impedir, por meio de fiscalização,
punição, tratados, ações administrativas dentre outros, que um in- divíduo explore o outro e,
consequentemente, cause um mal a toda a coletividade.

Como medida de combate, temos, ainda, a atuação do Ministério Público, como órgão legítimo, com a
impetração de medidas coatoras, como a Ação Civil Pública. – p. 12

No Brasil, o ciclo da política pública para erradicação do trabalho escravo


coincide com um processo de priorização e aumento da atenção e da
governança diante do problema, em nível societal, quando foram criadas
esferas de debate público e instrumentos legais de enquadramento,
repressão e punição, além de um plano executivo de metas
(MASCARENHAS; DIAS; BAPTISTA, 2015, p. 180).

Deste modo, observa-se que, no Brasil, “[...] a estratégia para o combate ao


trabalho escravo tem sido a criação de instrumentos para fortalecer a governança e
a institucionalização do problema tanto na esfera pública como na privada [...]”
(MASCARENHAS; DIAS; BAPTISTA, 2015, p. 180).

MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho Escravo Contemporâneo: conceituação à luz do princípio da
dignidade da pessoa humana. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.

CAUSAS DO TRABALHO ESCRAVO


Assimetria de poder p. 321

Assim, a identidade do escravo contemporâneo, nas palavras de Figueira 14 “não era a cor ou raça, como
no século XIX, mas a pobreza, a exclusão social a partir do econômico”.

Com tanta mão-de-obra à disposição, não há lógica de se utilizar da desculpa da falta dela na região
sudeste do Brasil.

MARTA; kumagai (2011, p. 23)


64

Colocar o TCC

3.3 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL DO DIREITO DO TRABALHO NO


BRASIL E O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

O Direito do Trabalho é fruto de um contínuo processo de evolução social, no


qual se apresentam períodos de reinvindicações, sucedidos por conquistas de
garantias e direitos sociais.
Deste modo, um estudo histórico-cultural do direito do trabalho permite
entender como o desenvolvimento dessa disciplina está atrelado à própria evolução
da sociedade, e frequentemente está associado a questões políticas e econômicas.
Sob o prisma histórico e etimológico a palavra trabalho remete a dor, castigo,
sofrimento e tortura (CASSAR, 2017; FERRARI, NASCIMENTO, MARTINS FILHO,
2011). No entanto, esta concepção foi se alterando ao longo da história da
humanidade e, atualmente, concebemos o trabalho como o fruto de uma atividade
humana, carregado de valor simbólico que extrapola a mera compreensão de algo
estritamente necessário para a sobrevivência humana. Deste modo, o trabalho foi
“elevado ao posto de principal valor dos tempos modernos” (BAUMAN, 2008, p. 157)
e lhe atribuído a virtude de “[...] colocar a espécie humana no comando do próprio
destino” (BAUMAN, 2000, p. 157).
A evolução do trabalho humano, em todo o mundo, perpassa por períodos
nos quais o trabalho escravo foi amplamente utilizado como forma de expansão e
dominação política e econômica. A exemplo disso, cita-se a escravidão na Idade
Antiga, na Idade Média; e a ocorrida no Brasil, da metade do século XVI até a
abolição da escravatura, em 1888.
De acordo com Lago (2014), os camponeses livres de Portugal não possuíam
interesse de mudar o seu domicílio para trabalhar nas grandes plantações em uma
terra distante e com clima tropical. Além disso, a força de trabalho na metrópole
portuguesa já era escassa, sendo os escravos já utilizados como mão de obra
suplementar em certas áreas de Portugal (LAGO, 2014). Assim, como estratégia de
convencimento, foram oferecidas vastas extensões de terras férteis ao longo da
65

costa brasileira para potenciais colonizadores (LAGO,2014). Esta doação legal e


gratuita possibilitou a formação das grandes lavouras no setor açucareiro no século
XVI (LAGO, 2014). Observa-se assim que desde cedo já havia grandes proprietários
de terras no Brasil (LAGO, 2014).
Com o intuito de suprir a necessidade de mão de obra, os colonizadores
buscaram inicialmente escravizar os índios locais, que viviam da caça, pesca e
coleta (LAGO, 2014). Lago destaca que, apesar de algumas plantações de açúcar
terem iniciado suas atividades exclusivamente com mão de obra indígena, esta
prática mostrou-se pouco apropriada (LAGO, 2014).
A solução baseou-se na experiência anterior dos portugueses com a
utilização do trabalho escravo africano para a produção de açúcar nas ilhas
atlânticas de Madeira e São Tomé (LAGO, 2014).
Dorigny e Gainot (2017, p. 24) destacam que a introdução do tráfico negreiro
no território nacional não foi uma forma radicalmente nova de exploração da mão de
obra, mas apenas um deslocamento de tráficos ancestrais, uma vez que Portugal já
tinha o costume de introduzir a mão de obra servil negra na Europa Mediterrânea.
Este conhecimento associado ao capital mercantil português viabilizou a
importação de escravos africanos, que se mostraram mais adaptados ao clima, mais
resistentes e mais confiáveis que os índios locais (LAGO, 2014). Assim, Lago (2014)
salienta que durante o século XVI, de 50 mil a 100 mil escravos africanos parecem
ter ingressado no território brasileiro.
Dorigny e Gainot (2017, p. 52) destacam que “o Brasil constitui um caso
particular na história da escravidão das Américas [...]”, uma vez que “[...] foi o
território que viu desembarcar o maior número de escravos africanos [...]”,
contabilizando mais de 4 milhões.
Ao explicar o porquê da escravidão no Brasil, Nascimento, Ferrari e Martins
Filho (2011), destacam que esta foi a maneira que os colonizadores portugueses
encontraram para o usufruto econômico das terras descobertas, durante o século
XVI e o XIX.
Lago (2014) destaca que “[...] durante os três primeiros séculos do Brasil
colonial, as principais mercadorias exportadas pela colônia foram quase que
exclusivamente produzidas por trabalho escravo”. E, mesmo após a abolição da
escravidão, havia no Brasil a existência de dois mundos distintos, o dos senhores e
66

o dos escravos, que se interpenetravam, sem que uns compreendessem os outros,


por meio do trabalho (NASCIMENTO; FERRARI; MARTINS FILHO, 2011).
Neste sentido, Leão (2016) ressalta que o trabalho escravo não se trata de
um fenômeno recente, isolado e pontual, tendo sido utilizado, em diferentes
modalidades, ao logo da história econômica brasileira e da América Latina,
especialmente no setor canavieiro.
Não obstante toda a proteção jurídica conferida, ainda hoje, encontramos
trabalhadores submetidos a condições que aviltam a dignidade da pessoa humana e
os valores sociais do trabalho. Nesta esteira, o trabalho escravo contemporâneo se
caracteriza com uma das formas mais cruéis de desrespeito aos direitos dos
trabalhadores.
Ao explicar o processo de formação da consciência, Hegel (1992) utiliza a
metáfora do senhor e do escravo para exemplificar a ideia de independência e
dependência da consciência-de-si. Segundo o filósofo alemão, o senhor é “a
consciência independente para a qual o ser-para-si é a essência” (HEGEL, 1992, p.
130), já o escravo, “[...] a consciência dependente para a qual a essência é a vida,
ou o ser para um Outro” (HEGEL, 1992, p. 130). Neste sentido, o senhor de Hegel
(1992) representa uma potência que está acima desse outro ser, o escravo. Este,
por sua vez, está retido e estabelece com uma relação de dependência com o
primeiro.
Leão destaca que o capitalismo contemporâneo revela novas e distintas
formas de trabalho escravo, os quais se assumem diferentes nomenclaturas, tais
como, “[...] como trabalho análogo à escravidão, trabalho forçado, servidão por
dívida e tráfico humano [...]” (LEÃO, 2016, p. 3928), os quais tratam-se de um “[...]
conjunto de fenômenos vinculados aos modelos de desenvolvimento econômico e
ao padrão de acumulação capitalista [...]” (LEÃO, 2016, p. 3928).
A preocupação com as formas pelas quais o trabalho forçado e obrigatório se
manifesta ocorre em virtude deste tipo penal guardar resquícios direto com a antiga
forma de escravidão, que insiste em se perpetuar na atualidade.
Deste modo, a Convenção nº 29 da OIT, que entrou em vigor no plano
internacional em 1º de maio de 1932 e foi ratificada pelo Brasil com o Decreto nº
41.721, de 25 de junho de 1957, representou um pacto dos países signatários pela
adoção de mecanismos que reduzissem o trabalho forçado ou obrigatório, sob todas
67

as suas formas, no mais curto prazo possível. Assim, esta convenção estabeleceu a
expressão “trabalho forçado ou obrigatório” para designar “[...] todo trabalho ou
serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual
ele não se ofereceu de espontânea vontade”.
Além disso, a Convenção nº 105 da OIT, aprovada em Genebra em 1957 e
ratificada no território nacional pelo Decreto nº 58.563, de 1º de junho de 1966,
intensifica o compromisso dos países signatários em suprimir o trabalho forçado ou
obrigatório, não devendo recorrer ao mesmo sob forma alguma.
Destaca-se ainda a Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura de
1926, emendada pelo Protocolo de 1953, que entrou para o ordenamento jurídico
brasileiro 40 anos após a sua publicação, por meio do Decreto nº 58.563, de 1º de
junho de 1966. Adicionalmente, a Convenção Suplementar sobre a Abolição da
Escravatura de 1956, ratificadas pelo Brasil em 1966, demonstra o compromisso de
seus signatários de abolir completamente a escravidão em todas as suas formas.
Por fim, ressalta-se a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, que ingressou na esfera
nacional com o Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, por meio da qual os
signatários firmaram um compromisso de repressão à servidão e à escravidão em
todas as suas formas.
Não obstante todo o arcabouço normativo internacional de combater ao
trabalho escravo contemporâneo, a legislação pátria também buscou assegurar
direitos mínimos aos trabalhadores.
No cenário nacional, o Código Penal de 1940, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940, já criminalizava a redução de alguém à condição análoga à de
escravo, prevendo como pena a reclusão de 2 a 8 anos. Como de atender às
demandas do Ministério da Justiça, Ministério Público Federal, Ministério Público do
Trabalho, Associação dos Juízes Federais, do então Ministério do Trabalho e
Emprego e de representantes da OIT, este dispositivo é atualizado em 2003,
ampliando do entendimento do que é o trabalho análogo ao de escravo (GOMES;
GUIMARÃES NETO, 2018).
A Constituição Federal de 1988 também buscou positivar a proteção jurídica
aos direitos dos trabalhadores, os quais são assegurados ao longo de boa parte do
texto constitucional. Assim, esta elenca, em seu artigo 1º, como fundamentos do
68

Estado Democrático de Direito a “dignidade da pessoa humana” e os “valores


sociais do trabalho e da livre iniciativa”, bem como no artigo 170 prevê que a ordem
econômica se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com a
finalidade de assegurar a todos existência digna, por meio da defesa do meio
ambiente e da busca do pleno emprego, dentre outros princípios (BRASIL, 1988).
A visão contemporânea destes princípios traduz a real preocupação do
Estado com a pessoa do trabalhador, a quem o ordenamento jurídico pátrio
direciona uma gama protetiva, tanto na Constituição da República (BRASIL,1988),
em seu artigo 7º, quanto na Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943) e
outras leis esparsas.
O artigo 5º da Carta Magna, resguarda ainda os direitos e deveres individuais
e coletivos, por meio da proteção à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. Assim, ao afirmar que “todos são iguais perante a lei”, o caput do artigo
5º apresenta o princípio da “igualdade material” e está fundamentado na máxima de
que se deve “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata
medida de suas desigualdades” (NERY JUNIOR, 1999, p. 42). Este princípio se
materializa na esfera jurídica por meio das políticas de proteção e de ações
afirmativas.
Este mesmo artigo reconhece, ainda, a inviolabilidade do direito à vida, que
assume uma concepção mais ampla do que uma mera garantia de sobrevivência,
devendo ser entendida como um direito à uma vida digna e de qualidade. Trata-se
assim, de um dos alicerces dos direitos fundamentais, uma vez que, sem a vida
nenhum outro direito poderá sequer ser cogitado.
Outro direito resguardado pela Constituição Federal de 1988 é a proteção à
dignidade da pessoa humana, que é abordada em diversas passagens da carta
constituinte. Deste modo, convém destacar que o artigo 5º da Carta Magna, ao tratar
“Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, estabelece, em seu inciso III, que
“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Consoante com Sarlet (2006), estabelecer uma definição para a noção de
dignidade da pessoa sob a perspectiva jurídico-constitucional revela-se difícil e
improvável de se constituir um resultado satisfatório, uma vez que se trata de
“conceito de contornos vagos e imprecisos” (SARLET, 2006, p. 39) e possui uma
natureza polissémica.
69

O estudo dos direitos dos trabalhadores sob a ótica constitucional abrange


ainda os chamados direitos sociais. A Constituição Federal de 1988, inseriu os
direitos trabalhistas no capítulo que trata dos direitos sociais, de maneira diversa às
constituições anteriores que sempre os inseriam no âmbito da ordem econômica e
social (MARTINS, 2012). Deste modo, os artigos 7º ao 11 estabelecem um rol de
direitos aos trabalhadores urbanos e rurais, com a finalidade de proteger a sua
condição social e garantir uma vida como um mínimo de dignidade.
Mais recentemente, a Instrução Normativa da Secretaria de Inspeção do
Trabalho – SIT nº 139, de 22 de janeiro de 2018, estabeleceu os procedimentos para
a atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho visando à erradicação de trabalho em
condição análoga à de escravo, o qual é classificado como um atentado aos direitos
humanos fundamentais e à dignidade do trabalhador.
Este documento considera, assim, que estará submetido a condição análoga
à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a:
trabalho forçado; jornada exaustiva; condição degradante de trabalho; restrição, por
qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou
preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; retenção
no local de trabalho em razão de cerceamento do uso de qualquer meio de
transporte, de manutenção de vigilância ostensiva ou pela apropriação de
documentos ou objetos pessoais.

3.3 ASPECTOS ESTRUTURAIS E CONJECTURAIS DA ESCRAVIDÃO


CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

O trabalho escravo no Brasil é, indubitavelmente, estrutural e multifacetado, e


está intimamente ligado à questão agrária. Dos 105 autos de infração lavrados pelos
Auditores Ficais do Trabalho no ano de 2018, 93 correspondiam a atividades
econômicas situadas, preponderantemente, em zona rural e expõem de maneira
detalhada as agruras que estes trabalhadores são submetidos.
Em conformidade com Palo Neto (2008, p. 40), “ as condições precárias de
trabalho no campo, onde trabalhadores ainda são reduzidos à condição análoga à
escravidão têm sido objeto de denúncia da Comissão da Pastoral da Terra desde a
década de 1970”.
70

Assim, o mapeamento realizado neste trabalho permite uma compreensão


mais ampla deste problema social, com o intuito de entender como ocorre a sua
distribuição e as estruturas sociais relacionadas ao modo como o trabalho escravo
contemporâneo se desenvolve no meio rural brasileiro.
Deste modo, interpretar os aspectos estruturais da “escravidão
contemporânea” permite compreendê-lo como um problema social e buscar
ferramentas que permitam mitigar e, até mesmo, erradicar estas práticas.

3.3.1 Atores sociais envolvidos no trabalho escravo rural contemporâneo

Para uma melhor compreensão da estrutura do trabalho escravo rural


contemporâneo, torna-se fundamental entender os atores envolvidos neste
processo.
De acordo com Borjas (2012), no mercado de trabalho predomina a existência
de três atores principais: trabalhadores, empresas e governos. Neste cenário, os
trabalhadores se posicionam como protagonistas da história, já as empresas, como
coadjuvantes e, por sua vez, o governo, estabelece as regras que direcionam as
mudanças nesse mercado (BORJAS, 2012).
Por sua vez, Costa (2008) salienta que o trabalho escravo rural
contemporâneo envolve a presença de dois atores sociais. O primeiro, seria “[...] o
trabalhador escravizado, analisado na figura do jovem que parte da casa dos pais”
(COSTA, 2008, p. 176), e o segundo, o “[...] perpetrador da violência contra o
trabalhador, na figura do fazendeiro” (COSTA, 2008, p. 176). No entanto, não é
possível descartar a presença do Estado, que por meio das políticas de combate ao
trabalho análogo ao de escravo e das ações da fiscalização trabalhista, atua no
sentido de prevenir e remediar abusos aos direitos dos trabalhadores.
A compreensão dos atores envolvidos permite estudar as causas que levam
estes trabalhadores a sujeitarem-se a oportunidades que os reduzem à uma
condição análoga à de escravo.
De acordo com Dorigny e Gainot (2017, p. 53), “no início do século XIX, os
afro-americanos representavam dois terços da população brasileira; eles
começaram a decrescer claramente a partir de 1850 (abolição do tráfico de
escravos) [...]”. Assim, [...] no momento da abolição da escravatura, em 1888, os
71

negros não eram mais do que 15% da população, ao passo que os mestiços tinham
passodo de 21%, em 1830, para 41% em 1890 [...]” (DORIGNY, GAINOT; 2017, p.
53), influenciado por “[...] uma forte imigração europeia [...]” (DORIGNY, GAINOT;
2017, p. 53) que modificou a demografia brasileira.

3.3.2 Categorização do trabalho escravo rural contemporâneo

Inicialmente, convém destacar que uma das principais características do


trabalho escravo em zonas rurais é o modo como estes trabalhadores são aliciados.
A pobreza e a diminuição da possibilidade de emprego no seu local de origem, leva
esta parcela populacional a buscarem oportunidades em outras regiões do país.
Neste sentido, Palo Neto (2008, p. 42) destaca que “os casos de escravidão
encontrados nos dias de hoje estão frequentemente relacionados à miséria, à baixa
instrução e à falta de oportunidades [...]”.
A vulnerabilidade social no qual se encontram os tornam presas fáceis dos
chamados “gatos”, aliciadores profissionais que recrutam estes trabalhadores com
promessas que raramente se concretizam ao chegarem no novo local de trabalho.
Este modo de recrutamento permite um constante fluxo de mão de obra barata e
descartável, com o intuito de aumentar os lucros por meio da redução dos encargos
trabalhistas.

Compreende-se que a estratégia empresarial de buscar trabalhadores a mais de 3


mil quilômetros, como no caso dos maranhenses, é uma forma de aumentar os lucros
e externalizar os custos dessa reprodução para os locais de origem dos mesmos
(SILVA, 2016, p. 153).

Nesta esteira, a diminuição da possibilidade de sobrevivência das famílias


pobres no seu local de origem se mostra como um dos principais fatores que levam
à busca de oportunidades de trabalho em outras regiões do país (ROCHA, 2012).
Além da ausência de emprego no local de origem, Rocha (2012) destaca que o
abandono do local de origem está intimamente ligado à ausência de condições para
promoverem o desenvolvimento da sua própria terra.

A busca por trabalho assalariado em regiões distantes se apresenta, em


parte, como um meio de o trabalhador rural conservar sua propriedade no
lugar de origem. Enquanto muitos retornam para o lugar de origem sem
terem seus sonhos realizados, os que permanecem ali continuam no dia a
72

dia de trabalho domiciliar e na roça, necessários para o mínimo vital


(ROCHA, 2012, p. 152).

Em entrevista realizada com trabalhadores rurais que migraram no estado de


Piauí, Rocha (2012) observou uma predominância da concepção de “aproveitamento
do tempo para a aquisição e acúmulo de bens” (ROCHA, 2012, p. 151), contudo,
são raras as vezes que estes trabalhadores obtiveram algum proveito financeiro
(ROCHA, 2012). Rocha (2012) acrescenta que o ato de migrar se apresentava ainda
como um meio para romper com o sistema de submissão dos trabalhadores ao
controle dos fazendeiros da região, bem como a uma ansiedade e cobranças das
famílias.
Ao estudar o processo de construção da masculinidade que permeia a partida
dos jovens em busca de trabalho e o processo de desenraizamento social, Costa
(2008) demonstra com esse fenômeno viabiliza um sistema de tráfico interno de
pessoas, que tem por finalidade o trabalho forçado. Por sua vez, a autora (COSTA,
2008) salienta que este desarraigamento pode ser classificado como um “processo
que contribui para a desvalorização social dos trabalhadores escravizados,
acentuando sua vulnerabilidade” (COSTA, 2008, p. 176).
Rocha (2012), ao examinar o processo migratório de trabalhadores rurais do
estado do Piauí, que partem repetidas vezes para os estados do Pará, Mato Grosso
e Goiás, demonstra que este ato “[...] tem se apresentado como uma prática
transmitida a gerações sucessivas [...]” (ROCHA, 2012, p. 149) e “[...] inclui a
perspectiva de retorno após um período previamente definido, de acordo com a
atividade a ser executada” (ROCHA, 2012, p. 150). Estes dados demonstram a
existência de um desemprego estrutural e conjectural, relaciona a adoção de novas
tecnologias ao trabalho no campo e a crises político-econômicas internas e externas.
De maneira similar, Silva (2016) também destaca migração
“permanentemente temporária” na qual os trabalhadores rurais são submetidos, uma
vez que ao final de cada safra, regressam ao seu local de origem.
Rocha (2012) salienta ainda que “[...] a categoria de migração e retorno
fundamenta-se na ideia de um ponto de origem e um de retorno [...]” (Rocha, 2012,
p. 150). Contudo, estes trabalhadores rurais não identificam a sua volta como um
retorno, uma vez que não abandonam suas origens para se integrarem à vida do
seu local de trabalho (ROCHA, 2012). Ademais, descreve que esse sistema de
73

arregimentação sustentado pela permanência do Mito da Abundância, típico das


lendas do Eldorado, e que de forma enganosa seduzem os trabalhadores a
migrarem em busca de melhores condições de vida e escapar da pobreza (ROCHA,
2012). Observa-se, assim, que “[...] a fraude é um instrumento comum para
assegurar a permanência da pessoa vinculada ao contrato de trabalho [...]” (PALO
NETO, 2008, p. 43).
Em seu estudo, Rocha (2012) demonstra que as imagens construídas pelos
imigrantes em torno dos lugares de destino são reforçadas pelas narrativas
fantásticas que foram passadas de geração em geração e que ressaltam a fartura
desse novo local de trabalho. Assim, por meio de entrevistas, Rocha (2012) expõe
que “[...] uma das promessas feitas pelos ‘gatos’ aos trabalhadores famintos da
região era a disponibilidade de alimentos” (ROCHA, 2012, p. 157), principalmente a
promessa de carne e leite em fartura.

A propaganda gerada em torno dos lugares de destino é fortemente


empreendida pelo ‘gato’ nas regiões de origem. A decisão de se deslocarem
para outros destinos carrega fantasias de bate-papos contados à soleira das
portas, nas roças e nas quitandas, mas também carrega advertências sobre
os perigos do mundo lá fora. E, nesse emaranhado de sentimentos, os
trabalhadores partem vestidos em suas melhores roupas como em um dia
de festa, imbuídos pelo desejo de materializar sonhos, maravilhados por um
mundo cujos perigos lhes impõem desafios (ROCHA, 2012, p. 164).

Assim, Palo Neto (2008, p. 42) destaca que “[...] a condição de imigrante é
uma característica comum identificada no trabalho escravo [...]”, podendo ser
observada “[...] tanto na situação de trabalhadores nacionais como estrangeiros [...]”
(PALO NETO, 2008, p. 42). Este status é sustentado pelas condições de pobreza e
ausência de oportunidades no local de origem, bem como, pelas promessas
enganosas dos aliciadores.
Palo Neto (2008, p. 46) salienta que “[...] normalmente, o custo da viagem sai
por conta do próprio trabalhador [...]”, sendo que aqueles que não dispõem de
dinheiro, acabam pedindo emprestado para familiares ou amigos ou, então, recebem
um adiantamento do gato, o que poderá iniciar um processo de escravidão por
dívida.
Deste modo, como “[...] esses trabalhadores que já receberam o
adiantamento da passagem ou algum abono já saem com uma dívida [...]”, com o
prosseguimento da relação labora, essa só vai aumentando uma vez que o
74

trabalhador se vê obrigado a “[...] comprar as próprias ferramentas, os alimentos,


pagar seu alojamento, etc [...]” (PALO NETO, 2008, p. 46).
Finalmente, convém salientar que embora a exploração do trabalhador possa
se apresentar de várias formas, o endividamento é a principal estratégia de
submissão das áreas rurais brasileiras (PALO NETO, 2008). Deste modo, estes
rurícolas se veem imobilizados nessas propriedades até a quitação de suas dívidas,
que, “[...] de um modo geral, são contraídas de forma fraudulenta” (PALO NETO,
2008, p.46).

3.4 TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO COMO UM PROBLEMA DE


SAÚDE PÚBLICA

Conforme elucidado anteriormente, a escravidão na contemporaneidade é


estrutural e multifacetada, estando profundamente relacionada às questões agrárias
brasileira. Em virtude disso, é necessário encarar o trabalho escravo
contemporâneo como sendo “[...] uma de suas mais graves, injustas e persistentes
problemáticas sociais” (LEÃO, 2016, p. 3928).
A Tabela 1 a seguir demonstra o número de trabalhadores rurais e urbanos
resgatados e efetivamente retirados do local onde eram mantidos em situação
análoga à escravidão, pela Fiscalização Trabalhista, no período de 2015 a 2018.

Tabela 1 – Trabalhadores em condições análogas à de escravo encontrados


pela Fiscalização do Trabalho no Brasil
Ano Rural % Urbano % Total
2015 564 46,80 641 53,20 1.205
2016 519 53,40 453 46,60 972
2017 349 53,94 298 46,06 647
2018 1.221 70,01 523 29,99 1.744
Total 2.653 58,08 1.915 41,92 4.568
Fonte: Elaborado a partir do Radar SIT/ME (2019).

Com exceção do ano de 2015, o número de trabalhadores resgatados no


setor rural foi superior aos resgatados no meio urbano. Destaca-se ainda, o aumento
significativo da atuação dos auditores fiscais no ano de 2018, o que refletiu no
número de trabalhadores que foram retirados de situações aviltantes, que denegriam
a dignidade da pessoa humana. Os dados estão compilados na Tabela 2.
75

Tabela 2 – Trabalhadores Formalizados no Curso da Fiscalização Trabalhista


no Brasil
Ano Rural % Urbano % Total
2015 655 68,16 306 31,84 961
2016 456 69,00 205 31,00 661
2017 436 52,03 402 47,97 838
2018 746 78,61 203 21,39 949
Total 2.293 67,26 1.116 32,74 3.409
Fonte: Elaborado a partir do Radar SIT/ME (2019).

Principalmente no último ano (2018), observa-se um crescimento significativo


no número de trabalhadores formalizados no curso das inspeções trabalhistas.
Contudo, este mesmo crescimento não é notado ao ser analisar a quantidade de
estabelecimentos rurais fiscalizados nesse período, conforme apresentado na
Tabela 3.

Tabela 3 – Estabelecimentos Fiscalizados no Brasil


Ano Rural % Urbano % Total
2015 188 66,90 93 33,10 281
2016 139 68,14 65 31,86 204
2017 161 67,65 77 32,35 238
2018 150 63,29 87 36,71 237
Total 638 66,46 322 33,54 960
Fonte: Elaborado a partir do Radar SIT/ME (2019).

Observa-se assim, uma concentração maior trabalhadores em condição


análoga à de escravo em estabelecimentos rurais.
O resgate dos trabalhadores é acompanhado pela rescisão indireta do
contrato do trabalho, bem como, da emissão das CTPSs para aqueles que por
ventura não possuam e, ainda, da expedição e entrega dos requerimentos de
Seguro-Desemprego. A Tabela 4 apresenta os números referentes às guias de
seguro desemprego.

Tabela 4 – Guias de Seguro Desemprego


Ano Rural % Urbano % Total
2015 527 60,78 340 39,22 867
2016 496 66,31 252 33,69 748
2017 332 53,38 290 46,62 622
76

2018 713 65,77 371 34,23 1084


Total 2068 62,27 1253 37,73 3321
Fonte: Elaborado a partir do Radar SIT/ME (2019).

Em relação a esse assunto, é importante registrar que a Lei nº 7.998, de 11


de janeiro de 1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono
Salarial, instituiu também o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), prevendo, em
seu art. 2º que o programa do seguro-desemprego tem por finalidade prover
assistência financeira temporária ao trabalhador comprovadamente resgatado de
regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo. Assim, na Tabela
5 podem ser vistos os valores de verbas rescisórias, pagas aos trabalhadores
resgatados, no período estudado.

Tabela 5 – Verbas rescisórias pagas aos trabalhadores resgatados


Ano Rural (R$) % Urbano % Total
2015 1.481.045,32 41,91 R$ 2.052.789,56 58,09 R$ 3.533.834,88
2016 R$ 1.864.319,85 58,86 R$ 1.303.244,12 41,14 R$ 3.167.563,97
2017 R$ 1.992.779,89 52,17 R$ 1.826.787,75 47,83 R$ 3.819.567,64
2018 R$ 2.325.804,14 57,34 R$ 1.730.237,59 42,66 R$ 4.056.041,73
Total R$ 7.663.949,20 52,58 R$ 6.913.059,02 47,42 R$ 14.577.008,22
Fonte: Elaborado a partir do Radar SIT/ME (2019).

Além disso, é disponibilizado aos trabalhadores resgatados a oportunidade de


retornarem, caso desejem, aos seus municípios de origem.
Observa-se assim, a necessidade de encarar a “escravidão contemporânea”
como um problema de saúde pública, uma vez que o fortalecimento do bem-estar e
da qualidade de vida compõe um dos eixos de atuação das políticas públicas da
saúde. A promoção da saúde é vista como uma estratégia promissora para enfrentar
os múltiplos problemas que atingem a população brasileira (BUSS, 2000).
Partindo de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de
seus determinantes, propõe a articulação de saberes técnicos e
populares, e a mobilização de recursos institucionais e comunitários,
públicos e privados, para seu enfrentamento e resolução (BUSS, 2000,
p. 165).

De acordo com Buss, esta abordagem está associada “[...] a um conjunto de


valores: qualidade de vida, saúde, solidariedade, equidade, democracia, cidadania,
desenvolvimento, participação e parceria, entre outros [...]” (BUSS, 2000, p. 165).
77

Refere-se também a uma combinação de estratégias: ações do Estado


(políticas públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação
comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do
sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias
intersetoriais. Isto é, trabalha com a idéia de responsabilização múltipla, seja
pelos problemas, seja pelas soluções propostas para os mesmos (BUSS,
2000, p. 165-166).

Além disso, conforme já demonstrado, a escravidão além de atingir uma


grande parcela da classe trabalhadora, possui reflexos econômicos diretos no erário
público. Deste modo, o setor da saúde é sempre inserido nas estratégias nacionais e
estaduais de intervenção no trabalho escravo, sendo considerado um parceiro
fundamental nos Planos Nacionais de Erradicação do Trabalho Escravo (LEÃO,
2016).
Assim, para a compreensão do modo como o trabalho escravo
contemporâneo se configura como um dos problemas inerentes a saúde pública
brasileira, se faz necessário entender como essa se organiza e suas principais
atribuições.

Proteger, promover, vigiar e restaurar a saúde da população compõem o


leque de ações em saúde pública. Programas, recursos, estratégias dos
serviços, instituições e profissionais responsáveis são organizados para
intervir em problemas considerados prioritários [...] (LEÃO, 2016, p. 3929).

Ademais, para que um determinado fenômeno seja reconhecido como um


problema de saúde pública, se faz necessário a existência de “[...] todo um processo
social complexo envolvendo atores, instituições e especialistas [...]” (LEÃO, 2016, p.
3929), uma vez que “[...] existe um processo social tanto de produção de saúde-
doença quanto de definição das situações que deveriam ou não ser consideradas
alvos da intervenção em saúde pública [...]” (LEÃO, 2016, p. 3929).
Assim, de acordo com Leão (2016), “a categoria trabalho enquanto fator
determinante do processo saúde-doença foi institucionalizada no campo da saúde
coletiva por forças sociais dos movimentos de trabalhadores, profissionais dos
serviços públicos e acadêmicos na década de 1980[...]” (LEÃO, 2016, p. 3930). A
exemplo, cita-se a institucionalização, no final da década de 1980, do benzenismo 5,
5
O benzenismo decorre da exposição aguda ao composto orgânico benzeno, substância líquida,
inflamável e incolor, de aroma doce e agradável, utilizada na produção de
borrachas, lubrificantes, corantes, detergentes, fármacos, explosivos e pesticidas, podendo causar,
tonturas, dores de cabeça, perda de consciência e até mesmo câncer, quando inalada.
78

do câncer de pleura6, Lesões por Esforços Repetitivos entre outras doenças


ocupacionais (LEÃO, 2016) e mais recentemente, com a institucionalização de
doenças como estresse, burnout7 de difícil caracterização no ambiente de trabalho
(AGUIAR, et al., 2019). Assim, o reconhecimento destes problemas como relativos à
saúde dos trabalhadores e, consequentemente, pertencentes ao rol de atuação da
saúde pública, decorre de um longo e contínuo processo social, político e
institucional (LEÃO, 2016), e representa um avanço importante para o combate à
“escravidão contemporânea”.

3.5 EFEITOS DA ESCRAVIDÃO NA SAÚDE DO TRABALHADOR

Este capítulo tem o intuito de examinar os possíveis danos físicos, psíquicos e


morais à saúde do trabalhador submetido à trabalho escravo contemporâneo.
Neste sentindo, Silva (2016) destaca como possíveis lesões físicas o
desenvolvimento de problemas cardiorrespiratórios, dores musculares, tendinite,
problemas na coluna, pernas e braços, câncer, entre outros. Já como transtornos
psicológicos, destaca-se o alcoolismo e uso de drogas (SILVA, 2016). Além disso,
ressalta-se impacto na saúde das mulheres, que não migram, como por exemplo,
depressão, melancolia e alcoolismo (SILVA, 2016). Do mesmo modo, merece realce
os danos físicos causados pela ausência do EPI, uma vez que não são raras as
vezes em que os trabalhadores se queimam e se cortam com o uso irregular de
equipamentos e máquinas.
Ao tratar dos efeitos à saúde dos trabalhadores que migraram e que acabam
sendo submetidos a uma condição análoga à de escravos, Rocha (2012) destaca
que “para além dos sentimentos de saudade” (ROCHA, 2012, p. 152), estes
carregam “um lamento contido por não terem realizado alguns sonhos – não terem
enriquecido, comprado uma moto, construído uma casa de tijolos com cobertura de
telhas, dentre outras possibilidades” (ROCHA, 2012, p. 152).
Observa-se assim que, o contínuo movimento de migração, atrelado as
agruras vivenciadas no trabalho rural em condições análogas à de escravo, resultam

6
O câncer de pleura decorre da exposição ao amianto, uma fibra mineral utilizada em vários produtos
comerciais, cuja inalação prolongada pode provocar doenças graves.
7
O burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, decorrente do esgotamento físico e mental
associado a uma vida profissional intensa.
79

na diminuição da vida laboral desta parcela populacional, uma vez que a maioria é
acometida por doenças físicas e emocionais (ROCHA, 2012).

3.4 MEDIDAS DE COMBATE À ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Nos dias de hoje, o Estado brasileiro também vem tentando impedir, por meio de fiscalização,
punição, tratados, ações administrativas dentre outros, que um in- divíduo explore o outro e,
consequentemente, cause um mal a toda a coletividade.

Como medida de combate, temos, ainda, a atuação do Ministério Público, como órgão legítimo, com a
impetração de medidas coatoras, como a Ação Civil Pública. – p. 12

No Brasil, o ciclo da política pública para erradicação do trabalho escravo


coincide com um processo de priorização e aumento da atenção e da
governança diante do problema, em nível societal, quando foram criadas
esferas de debate público e instrumentos legais de enquadramento,
repressão e punição, além de um plano executivo de metas
(MASCARENHAS; DIAS; BAPTISTA, 2015, p. 180).

Deste modo, observa-se que, no Brasil, “[...] a estratégia para o combate ao


trabalho escravo tem sido a criação de instrumentos para fortalecer a governança e
a institucionalização do problema tanto na esfera pública como na privada [...]”
(MASCARENHAS; DIAS; BAPTISTA, 2015, p. 180).

CAUSAS DO TRABALHO ESCRAVO

Assim, a identidade do escravo contemporâneo, nas palavras de Figueira 14 “não era a cor ou raça, como
no século XIX, mas a pobreza, a exclusão social a partir do econômico”.

Com tanta mão-de-obra à disposição, não há lógica de se utilizar da desculpa da falta dela na região
sudeste do Brasil.

MARTA; kumagai (2011, p. 23)

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80

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Ao se encerrar o levantamento e a coleta dos autos de infração, passou-


se à análise e discussão dos achados, tendo como parâmetro os valores,
princípios e regras normativas que norteiam as relações de trabalho e que
estão positivas em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, ratificados
pelo Brasil, na Constituição da Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) e nas normas Regulamentadoras do então Ministério do Trabalho (MTb),
atualmente, Ministério da Economia (ME).
Cabe, portanto, iniciar este capítulo com a apresentação do mapa do
trabalho escravo no Brasil, considerando a extensão político-geográfica do
país, em 2018 (Figura 2), bem como a Tabela 6, na qual constam os autos de
infração lavrados por estado, no mesmo ano.

Figura 2 - Mapa do trabalho escravo rural e urbano no Brasil em 2018

Fonte: Elaboração própria (2019).

Os números referentes aos autos de infração em cada estado brasileiro


estão dispostos na Tabela 6, totalizando em 2018, 105 autos lavrados na zona
rural e urbana.

Tabela 6 – Número de autos


de infração por estado em 2018
Estados Autos de Infração
Alagoas 2
Bahia 11
81

Ceará 5
Espírito Santo 4
Goiás 12
Maranhão 1
Mato Grosso 4
Minas Gerais 23
Pará 11
Paraíba 2
Paraná 2
Piauí 4
Rio de Janeiro 1
Rio Grande do Norte 5
Roraima 5
São Paulo 12
Tocantins 1
Total 105
Fonte: Elaboração própria (2019).

Diante dos dados, é importante destacar que os autos de infração


analisados respeitaram, ao longo das narrativas dos depoimentos de
trabalhadores, o sigilo da fonte, imposto pelo art. 35, inciso III, do Decreto nº
4.552, de 27 de dezembro de 2002, bem como, pela alínea "c", do art. 15, da
Convenção nº 81, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Do mesmo
modo, o presente estudo resguardou esse direito, não expondo dados que
possam identificar os trabalhadores ou os estabelecimentos objetos de
fiscalização.
Outrossim, do ponto de vista jurídico é importante registrar que não
existe escravidão no Brasil, por ter sido ela extinta no final do século XIX, com
a assinatura da Lei Áurea, mas, por outro lado, sabe-se também que o simples
fato de existir uma lei, não significa que ela será cumprida por empresas ou
por pessoas físicas, quer seja na zona urbana ou rural, razão pela qual passou-
se a utilizar a expressão ‘trabalho análogo ao de escravo’, ressaltando que o
bem jurídico violado não se restringe a liberdade de locomoção, abrange
também o direito de ser tratado como ser humano, como indivíduo a que se
atribui dignidade. Em resumo, a lei regulamenta a forma de trabalho, mas não
significa que tem sido respeitada por todos. São importantes, portanto,
conforme registra Crane (2013 – tradução livre), o desenvolvimento de
pesquisas em gestão que visem explicar a persistência da escravidão mesmo
diante de regras, normas e práticas que buscam combater tais atitudes.
A partir de seus estudos, o autor desenvolveu uma estrutura teórica à
qual denominou “Teoria da Escravidão Moderna como uma Prática de Gestão”.
82

Seu objetivo foi explicar “como essas organizações conseguem (1) explorar
condições competitivas e institucionais específicas que podem dar origem à
escravidão, (2) isolar-se das pressões institucionais contra a escravidão e (3)
sustentar ou moldar as condições que permitem a escravidão florescer ou
impedir que floresça” (CRANE, 2013 – tradução livre).
Convém destacar, que legislação brasileira tipifica, no art. 149 do Código
Penal, a escravidão moderna como o ato de reduzir alguém a condição
análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados, jornada
exaustiva, condições degradantes de trabalho ou, ainda, restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida.
Apesar do conceito aberto, em especial quando se analisa a expressão
“condições degradantes”, a jurisprudência nacional é clara ao entender que não
é qualquer descumprimento de legislação trabalhista que possui o condão de
caracterizar a redução às condições análogas ao escravo, conforme observado
no julgado da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal – STF, de outubro de
2017.

TRABALHO ESCRAVO - DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE


PROTEÇÃO AO PRESTADOR DE SERVIÇOS. O simples
descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é
conducente a se concluir pela configuração do trabalho escravo,
pressupondo este o cerceio à liberdade de ir e vir (STF-RE 466508 /
MA - MARANHÃO; RECURSO EXTRAORDINÁRIO; Relator (a): Min.
Marco Aurélio; Julgamento: 02/10/2007; Publicação: 01/02/2008;
Órgão Julgador: 1ª Turma).

De maneira idêntica, em 2012, o STF se pronunciou pela necessidade


de violação intensa e persistente dos direitos trabalhistas para a
caracterização da escravidão moderna, conforme se observa no o acórdão a
seguir:

EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE


ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE
COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR.
DENÚNCIA RECEBIDA. (...) Não é qualquer violação dos direitos
trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos
direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes
e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados,
jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é
possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código
Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo
83

ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua


dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais
(STF - Inq 3412 / AL – ALAGOAS; INQUÉRITO; Relator (a):   Min.
Marco Aurélio; Julgamento: 29/03/2012; Publicação: 12/11/2012;
Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

Novamente, apensar de toda a construção teórica apontar para a


caracterização da submissão a condições degradantes como uma das formas
de escravidão contemporânea, observa-se que a jurisprudência ainda não é
pacifica com relação assunto.
A 3º Turma do Tribunal Regional Federal, no estado de Minas Gerais,
em apelação proposta pelo Ministério Público Federal, julgou improcedente o
pedido do apelante, mantendo a decisão proferida no juízo a quo, reafirmando
a inexistência de elementos que comprovassem a submissão dos
trabalhadores ao trabalho análogo ao de escravo, conforme ementa a seguir:

PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL.


TRABALHO ESCRAVO. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ART.
203, CP, AUSÊNCIA DE INDICÍOS DE FRAUDE OU VIOLÊNCIA.
ELEMENTOS ESSENCIAIS DO TIPO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
RECURSO IMPROVIDO. 1. Caso em que não consta dos autos
qualquer menção acerca de labor em jornada excessiva ou
extenuante, ameaça de demissão, existência de vigilância armada,
fornecimento de comida imprópria para consumo, dívidas com os
denunciados ou retenção de documentos, falta de pagamento de
salários ou qualquer outra circunstância que impossibilitasse ou ao
menos dificultasse que os empregados deixassem o trabalho na
fazenda. 2. Na espécie, o contexto probatório revela, em tese,
possíveis infringências às normas trabalhistas que podem ser
reparadas no âmbito da Justiça do Trabalho, sendo que isso,
certamente, não configura trabalho escravo, de modo a ensejar a
condenação pela prática do crime tipificado no art. 149 do Código
Penal. 3. Eventuais infrações trabalhistas não configuram a prática do
crime tipificado no art. 203 do Código Penal, porquanto é essencial à
tipificação do delito o emprego de fraude ou violência contra pessoa
para frustrar direito assegurado pela legislação do trabalho. 4.
Recurso improvido (TRF-1 - APR: 00011209420074013904
0001120-94.2007.4.01.3904, Relator (a): Des. Federal Mário César
Ribeiro. Julgamento: 10/11/2015; Publicação: 20/11/2015; Órgão
Julgador: 1ª Turma).

Diante dos elementos supramencionados, a análise a seguir buscou


extrapolar o conceito jurídico de trabalho análogo ao de escravo e apresentar
um estudo sobre os principais mecanismos utilizados para submeter o
trabalhador rural à escravidão no Brasil. Assim, foram retratados alguns casos
com o intuito de ilustrar como se manifesta o Dark Side no setor rural, tendo
84

como parâmetro as dez categorias discriminadas na metodologia da presente


pesquisa.

Tabela 7 – Frequência de aparições das 10 categorias caracterizadoras do


Dark Side no setor rural brasileiro
Categorias Frequência
Aliciamento e Transporte 30
Registro e CTPS 60
Salário 49
Jornada de Trabalho 23
Instalações Sanitárias 66
Água Potável e Fresca 67
Saúde e Segurança no Trabalho 55
Alojamentos e Áreas de Vivência 71
Trabalho Forçado e Restrição de
5
Locomoção
Assédio Moral 2
Total 428
Fonte: Elaboração própria (2019).

4.1 ALICIAMENTO E TRANSPORTE

O Dark Side no setor rural inicia-se com o recrutamento do trabalhador


no seu local de residência. Conforme descrito anteriormente, este processo
geralmente ocorre por meio dos chamados “gatos”, aliciadores profissionais
que se aproveitam da vulnerabilidade social destes rurícolas, ludibriando-os
com processas de trabalhado e melhores condições de vida.
Dos 105 autos de infração estudados, 39 apresentavam irregularidades
no processo de recrutamento e transporte dos trabalhadores até o local de
trabalho.
Ao tratar dos crimes contra a organização do trabalho, o Código Penal
tipifica, em seu art. 207, o aliciamento de trabalhadores de um local para outro
do território nacional, estabelecendo pena de detenção de um a três anos e
multa.
O § 1º deste mesmo dispositivo legal complementa a ideia do caput,
estabelecendo que também ficará sujeito à mesma pena aquele que “recrutar
trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território
85

nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou,


ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem”.
Em uma inspeção trabalhista realizada na Bahia, em duas fazendas
produtoras de café, observou-se que os 39 trabalhadores que se encontravam
no local haviam sido recrutados em município com cerca de 26 mil habitantes,
no estado do Alagoas, a aproximadamente 1.145 km de distância do local onde
o serviço seria prestado.
Em entrevista aos trabalhadores, os auditores constataram que os
trabalhadores receberam apenas a promessa de emprego e das condições,
mas nenhum contrato foi firmado no local de origem. As condições do contrato
de trabalho somente foram acertadas quando os trabalhadores já se
encontravam alojados na fazenda do empregador autuado.
Ademais, cada trabalhador haveria de pagar R$ 220,00 (duzentos e
vinte reais) para o custeio do transporte até a Bahia. Este valor “[...] poderia ser
pago total ou parcialmente, mediante empréstimo, hipótese em que o
trabalhador pagaria o valor citado com a atividade de panha de café na fazenda
[...]”. No entanto, foi constatado que “[...] o custeio do valor da passagem pelos
trabalhadores era de conhecimento e concordância entre o empregador
autuado e o intermediário da contratação [...]”.
Além disso, "[...] os trabalhadores teriam que pagar R$ 100,00 (cem
reais) por mês, cada um, como a remuneração de uma cozinheira de confiança
daquele intermediário [...]", bem como, "[...] também haveria a necessidade de
rateio pelos trabalhadores de todos os alimentos consumidos [...]".
Não obstante a forma pela qual foram agenciados, inclusive tendo que
custear seu transporte, sua alimentação e o pagamento dos honorários
trabalhistas da cozinheira, estes trabalhadores relataram ainda as dificuldades
sofridas na viagem do Estado de Alagoas até a Bahia.
Estes tiveram que enfrentar cerca de 24 horas de viagem até a fazenda
onde passariam a trabalhar, que ficava a 46 km de distância da sede do
município mais próximo, dos quais 30,7km eram de estrada de chão. Destaca-
se que se percorrido a pé, o percurso levaria cerca de 9 horas e 25 minutos
ininterruptos de caminhada.
86

Em depoimento os trabalhadores informaram que apenas


descobriram onde iriam trabalhar ao chegarem no local, não
conhecendo previamente o empregador. Não sabiam se posicionar
geograficamente ou retornar ao meio urbano.

Em uma outra fiscalização realizada em uma fazenda produtora de café,


no estado de Goiás, na qual laboravam 87 rurícolas, foi constatado que o
empregador mantinha em funcionamento "[...] um sistema de aliciamento de
trabalhadores voltado para manter um fluxo constante de mão de obra barata e
descartável [...]", sendo os que "[...] diversos trabalhadores foram aliciados com
promessas que não se confirmaram [...]".
Os auditores confirmaram ainda que

a) os trabalhadores eram transportados junto com materiais soltos no


interior dos veículos; b) um dos veículos estava com a porta traseira
obstruída, com pneus carecas, sem conjunto de sinalização (seta); c)
constatou-se que o caminhão baú também era utilizado para
transportar trabalhadores, sem autorização do órgão de trânsito, com
o baú sem ventilação e sem comunicação com a cabine do motorista,
com assentos sem forração de espuma, sem escada e corrimão de
acesso, sem cinto de segurança, além de outras irregularidades; d)
nenhum dos citados veículos dispunha de compartimento resistente e
fixo para a guarda das ferramentas e materiais, separado dos
passageiros, fato que potencializa os riscos de acidentes e dos danos
decorrentes; etc.

Outro caso que chama a atenção ocorreu em uma propriedade rural de


comércio de madeira, no estado de São Paulo. Durante a entrevista com os
trabalhadores resgados, estes informaram que foram arregimentados na cidade
de São Mateus-ES e no interior da Bahia, após tomarem conhecimento de
vagas de trabalho por anúncio no Sistema Nacional de Emprego (SINE),
atualmente coordenado pelo Ministério da Economia, por meio da Secretaria
Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, conforme Decreto nº
9.745, de 8 de abril de 2019.

4.2 REGISTRO E CTPS

Inicialmente, convém destacar que a ausência de registro, a retenção de


CTPS, a falta de anotação do contrato de trabalho na mesma e a admissão de
empregados sem CTPS também configuram atos que tende a restringir o
trabalhador da sua dignidade e fragiliza o exercício da sua cidadania.
87

Estas práticas se mostraram comuns no cotidiano do trabalho no campo.


Dos Autos de Fiscalização analisados, 62 apresentavam irregularidades com
relação à formalização e o registro dos trabalhadores.
Inicialmente instituída pelo Decreto nº 21.175, de 21 de março de 1932,
a Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS é o documento que narra o
histórico profissional de cada indivíduo, que faz da sua força de trabalho o seu
sustento e de sua família. Esta confere identidade e pertencimento social ao
trabalhador, além de posicioná-lo juridicamente perante as políticas públicas de
apoio ao trabalhador, especialmente a Previdência Social.
Nesta esteira, uma das práticas mais comuns que contribuem para a
caracterização do trabalho escravo contemporâneo no meio rural é a ausência
de registro do vínculo empregatício.
No curso de uma ação fiscal no estado de Goiás, em uma fazenda
produtora de café, verificou-se que 182 (cento e oitenta e dois) empregados
trabalhando sem o registro em livro, ficha ou sistema eletrônico.
Conforme se verificou ao longo dessa fiscalização, esta prática mostrou-
se comum, em especial, quando se tratava de trabalhadores com contrato de
curta duração, com destaque para aqueles que vinham de fora do estado e que
ficavam alojados nas cidades do entorno da fazenda.
Assim, a ausência do registro e da anotação dos vínculos empregatícios
na CTPS pode revelar um propósito de manter a relação empregatícia na
informalidade, causando prejuízos aos trabalhadores e ao interesse público.
Como resultado, tem-se o inadimplemento de direitos trabalhistas básicos
(como férias, décimo terceiro salário, descanso semanal remunerado, salário
mínimo, etc.) e a sonegação de encargos públicos.
Deste modo, a falta de formalização do vínculo trabalhista resulta na
ausência do recolhimento dos encargos sociais por parte do empregador, tendo
como consequência a privação dos trabalhadores dos seus direitos
previdenciários e sociais.
Outro auto de infração, em uma propriedade rural do estado do Rio
Grande do Norte, que atuava na cadeia produtiva da cera de carnaúba,
constatou-se que haviam 15 trabalhadores contratados sem registro, prestando
serviços na mais completa informalidade.
88

A ausência de registro do contrato do trabalho está intimamente


associada às práticas de retenção da CTPS, falta de anotação do contrato de
trabalho na mesma, bem como, à contratação de trabalhadores que sequer
possuem CTPS.
Consoante com art. 29 da CLT, o empregador tem o dever legal de
devolução da CTPS, colhida para registro, no prazo de 48 horas. Deste modo,
a retenção da CTPS pode ainda ser compreendida como uma medida que
restringe a liberdade do trabalhador de deixar o serviço ocupado, restringindo
assim, a sua própria liberdade de locomoção.

Art. 29 - A Carteira de Trabalho e Previdência Social será


obrigatoriamente apresentada, contra recibo, pelo trabalhador ao
empregador que o admitir, o qual terá o prazo de quarenta e oito
horas para nela anotar, especificamente, a data de admissão, a
remuneração e as condições especiais, se houver, sendo facultada a
adoção de sistema manual, mecânico ou eletrônico, conforme
instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho.

Observa-se assim que, a retenção da CTPS restringe a liberdade do


trabalhador em deixar o serviço ocupado, razão pela qual a legislação
trabalhista impôs um prazo máximo para a devolução deste documento.
Uma inspeção trabalhista realizada na zona rural do estado de Goiás,
em uma fazenda produtora de café, constatou que o "[...] o empregador
mantinha Carteiras de Trabalho e Previdência Social - CTPS retidas em seu
escritório por prazo superior às 48 horas legalmente previstas [...]". E ainda,
houveram trabalhadores que apesar de já terem deixado o estabelecimento,
continuavam com as suas CTPS mantidas com o empregador.
Em uma fiscalização trabalhista, em duas fazendas produtoras de
mamão, pimenta do reino e café, no estado da Bahia, ficou constatado que o
empregador reteve a CTPS dos seus empregados, por tempo superior ao
máximo legalmente permitido, sem a inserção dos dados do contrato de
trabalho e, somente lhes devolvendo, no dia em que estes partiram das
fazendas.
No caso em tela, a retenção dos documentos, associada às demais
infrações encontradas pela fiscalização trabalhista e ao fato dos trabalhadores
se encontrarem em local geograficamente isolado e desconhecido por eles,
sem dinheiro e sem sinal de telefone, foram suficientes para caracterizar a
89

submissão à condição análoga à de escravo. Deste modo, a ausência de


documento pessoal, necessário para diversos atos da vida cível, limita a
própria livre manifestação da vontade do trabalhador.

4.3 SALÁRIO

Vencimento, remuneração ou salário. Vários são os nomes utilizados


popularmente para se referir ao pagamento pelos serviços prestados pelo
empregador ao empregado.
A ausência de liberdade para dispor do seu salário da forma que quiser
é, sem dúvida, um dos principais pontos que caracterizam o trabalho escravo
contemporâneo.
Esta irregularidade trabalhista pode se apresentar de diversas formas
como, por exemplo, pelo atraso no pagamento do salário, pelo recebimento de
parcelas de valor incerto, pelo recebimento apenas de alimentos e remédios
como forma de remuneração e, até mesmo, pela imposição de que o
empregado adquira produtos apenas do estabelecimento do empregador,
levando-o a uma verdadeira escravidão por dívida.
Deste modo, o art. 7º, inciso IV, da Instrução Normativa SIT nº 139/2018,
define que o trabalho análogo ao de escravo por restrição da locomoção do
trabalhador em razão de dívida, configura-se limitação ao direito fundamental
de ir e vir ou de encerrar a prestação do trabalho.
Muito comum ainda é a realização de descontos indevidos no
pagamento dos empregados, o que reflete na liberdade deste de dispor do seu
salário. A CLT admite apenas os descontos previstos em lei ou em acordo ou
convenção coletiva, e estabelece ainda o percentual mínimo a ser pago em
dinheiro, ou seja, 30% do salário mínimo.

Art. 82 - Quando o empregador fornecer, in natura, uma ou mais das


parcelas do salário mínimo, o salário em dinheiro será determinado
pela fórmula Sd = Sm - P, em que Sd representa o salário em
dinheiro, Sm o salário mínimo e P a soma dos valores daquelas
parcelas na região, zona ou subzona.
Parágrafo único - O salário mínimo pago em dinheiro não será inferior
a 30% (trinta por cento) do salário mínimo fixado para a região, zona
ou subzona.
90

Ademais, a Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, que regulamenta as


relações de trabalho rural, limita o desconto com alimentação a 25% do salário
mínimo.

Art. 9º Salvo as hipóteses de autorização legal ou decisão judiciária,


só poderão ser descontadas do empregado rural as seguintes
parcelas, calculadas sobre o salário mínimo:
a) até o limite de 20% (vinte por cento) pela ocupação da morada;
b) até o limite de 25% (vinte por cento) pelo fornecimento de
alimentação sadia e farta, atendidos os preços vigentes na região;
c) adiantamentos em dinheiro.
§ 1º As deduções acima especificadas deverão ser previamente
autorizadas, sem o que serão nulas de pleno direito.
§ 2º Sempre que mais de um empregado residir na mesma morada, o
desconto, previsto na letra "a" deste artigo, será dividido
proporcionalmente ao número de empregados, vedada, em qualquer
hipótese, a moradia coletiva de famílias.
§ 3º Rescindido ou findo o contrato de trabalho, o empregado será
obrigado a desocupar a casa dentro de trinta dias.
§ 4º O Regulamento desta Lei especificará os tipos de morada para
fins de dedução.
§ 5º A cessão pelo empregador, de moradia e de sua infraestrutura
básica, assim, como, bens destinados à produção para sua
subsistência e de sua família, não integram o salário do trabalhador
rural, desde que caracterizados como tais, em contrato escrito
celebrado entre as partes, com testemunhas e notificação obrigatória
ao respectivo sindicato de trabalhadores rurais.

Assim, inexiste autorização legal para outros descontos, tais como,


pagamento do transporte entre local da contratação e o local de execução do
trabalho ou pagamento do custeio do salário da cozinheira que prepara as
refeições na fazenda, como comumente é visto nas relações de trabalho rural.
Dos autos de infração analisados, observou-se 50 apresentavam
irregularidades que impactavam na liberdade salarial do trabalhador.
Em uma auditoria realizada em duas propriedades que exploravam a
cultura de café, mamão e pimenta do reino, no estado da Bahia, os
trabalhadores afirmaram não possuir nenhum dinheiro consigo, visto que não
haviam recebido nada pelo trabalho que haviam desempenhado, esgotando,
inclusive suas reservas pessoais. Tal fato, impedia-os, inclusive, de retornarem
à suas cidades de origem, pois não havia perspectiva para pagarem o
transporte de retorno, acomodação para per noite e, até mesmo, suas
refeições. Deste modo, a retenção indevida do salário dos trabalhadores, por
meio de descontos ilícitos, é fator de limitação da sua autonomia, o que,
somando a outros fatores, caracteriza o trabalho análogo ao de escravo.
91

Além disso, convém destacar que o estabelecimento de qualquer


sistema remuneratório que, por adotar valor irrisório por tempo de trabalho,
resulta no pagamento de um salário base inferior ao mínimo legal, afronta os
direitos dos trabalhadores, tornando-os escravos do poder econômico dos seus
empregadores.
Essas medidas contribuem ainda para a degradação da natureza
alimentícia da contraprestação pecuniária, resultando na redução do poder de
aquisitivo do trabalhador e, consequentemente, na diminuição de sua qualidade
de vida e de sua família.
A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso IV, assegura a natureza
alimentar do salário mínimo.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de


outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para
qualquer fim;

De modo semelhante, a CLT, em seu art. 76, resguarda o mesmo direito.

Art. 76 - Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga


diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao
trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e
capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas
necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e
transporte.

Destaca-se que, o salário do trabalhador tem por objetivo, dentre outras


funções, prover a sua alimentação e de seus familiares, deste modo, a
natureza alimentícia do salário é considerada um valor jurídico indispensável
para garantia da dignidade da pessoa humana, razão pela qual, a legislação
nacional garantiu a intangibilidade, a indisponibilidade, a irredutibilidade, a
impenhorabilidade e o caráter forfetário do salário, impondo ao empregador a
obrigação de arcar com o mesmo, independentemente de sua econômico-
financeira.
No que tange a falta de formalização dos recibos de pagamento, em
uma fiscalização trabalhista em uma fazenda de cultivo de café, no estado de
92

Goiás, observou-se que os recibos do pagamento do salário apresentados pelo


empregador não correspondiam à realidade, tanto no que diz respeito aos
valores efetivamente recebidos pelos trabalhadores quanto no que se refere à
data de pagamento dos salários.
Ressalte-se que, conforme orientações constantes do art. 320, do
Código Civil, aplicado subsidiariamente por força do disposto no parágrafo
único do art. 8º da CLT, o recibo de quitação de um débito deve apresentar
alguns requisitos formais, quais sejam: o valor e a espécie da dívida quitada, o
nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento,
com a assinatura do credor, ou do seu representante.

Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento
particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do
devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento,
com a assinatura do credor, ou do seu representante.

4.4 JORNADA DE TRABALHO

A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 7º, inciso XIII, o


direito dos trabalhadores urbanos e rurais, a uma duração do trabalho normal
não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, podendo estas
serem compensadas ou reduzidas, mediante acordo ou convenção coletiva.
Neste sentido, a CLT reafirma, em seu art. 58, o disposto na Carta Magna,
dispondo que a jornada de trabalho não excederá de 8 horas diárias, salvo
outro limite expressamente fixado.
Percebe-se, assim, uma preocupação do legislador em evitar abusos na
composição da jornada de trabalho, que exponha o trabalhador a uma carga
horária exaustiva e que o afaste do convívio social.
Deste modo, as horas suplementares à duração do trabalho semanal
normal deverão ser pagas com acréscimo de 50% sobre o salário-hora normal,
conforme estabelecido no art. 58-A, § 3º ou compensadas diretamente até a
semana imediatamente posterior à da sua execução, de acordo com § 5 o, deste
mesmo dispositivo legal.
93

Assim, é dever do empregador manter um sistema de controle de


jornada, podendo este ser mecânico, manual ou eletrônico, no qual seja
registrado os horários de entrada, saída e repouso efetivamente praticados.
A ausência do registro da jornada diária de trabalho inviabilizava a
gestão do tempo efetivamente trabalhado, minando qualquer forma de controle
sobre os valores devidos a título de salário e dificultando, inclusive, possíveis
reivindicações acerca dos pagamentos do labor extraordinário.
Assim, a omissão patronal desatende os deveres de transparência e
lealdade que devem nortear as relações de trabalho e acentua a
vulnerabilidade do trabalhador perante aqueles que tomam sua força de
trabalho, uma vez que o controle das horas trabalhadas é disponibilizado para
apenas uma das partes.
Além disso, esta informalidade também dificulta que as instituições de
proteção ao trabalho conheçam fidedignamente os horários de trabalho
praticados.
Deste modo, a Instrução Normativa SIT nº 139/2018, estabelece que são
indicadores de submissão de trabalhador a jornada exaustiva:

3.1 Extrapolação não eventual do quantitativo total de horas


extraordinárias legalmente permitidas por dia, por semana ou por mês
dentro do período analisado;
3.2 Supressão não eventual do descanso semanal remunerado;
3.3 Supressão não eventual dos intervalos intrajornada e
interjornadas;
3.4 Supressão do gozo de férias;
3.5 Inobservância não eventual de pausas legalmente previstas;
3.6 Restrição ao uso de instalações sanitárias para satisfação das
necessidades fisiológicas do trabalhador;
3.7 Trabalhador sujeito a atividades com sobrecarga física ou mental
ou com ritmo e cadência de trabalho com potencial de causar
comprometimento de sua saúde ou da sua segurança;
3.8 Trabalho executado em condições não ergonômicas, insalubres,
perigosas ou penosas, especialmente se associado a aferição de
remuneração por produção;
3.9 Extrapolação não eventual da jornada em atividades penosas,
perigosas e insalubres.

Por meio da análise dos autos de infração, observou-se 17 casos nos


quais o trabalhador era privado dos direitos inerentes à sua jornada de
trabalho. A exemplo, cita-se uma autuação trabalhista em uma propriedade, no
Alagoas, onde foram localizados 52 trabalhadores atuando na fabricação de
farinha de mandioca.
94

Nessa localidade, os Auditores do Trabalho constataram que os


trabalhadores que atuavam na raspagem da casca da mandioca, por estarem
submetidos ao sistema de pagamento por produção, ou seja, sem qualquer
garantia de recebimento do salário mínimo legalmente estabelecido, realizavam
extensas jornadas de trabalho com o intuito de garantir uma remuneração
satisfatória.
Deste modo, para cada balaio de 100 kg, o empregador rural pagava R$
4,00 (quatro reais) ao trabalhador, o equivalente a R$ 40,00 (quarenta reais)
por tonelada.
Por meio de entrevista, observou-se, ainda, que era comum os
raspadores estenderem suas jornadas de trabalho por 9, 10, 11, 12 e até 13
horas diárias. Assim, muitos iniciavam sua rotina laboral ainda pela madrugada,
por volta das 4h00 ou 5h00. Estes somente deixavam o posto de trabalho após
concluírem o descasque de todas as raízes, o que ocorreria entre às 12h00 e
15h00, a depender da quantidade de mandioca.
Ressalta-se que, a maioria desses trabalhadores só conseguia almoçar
quando retornavam para suas casas, ao final do expediente. Somente
conseguiam realizar intervalo para almoço, aqueles trabalhadores que residiam
perto do local de trabalho e conseguiam realizar esta refeição em suas próprias
casas.
Como agravante da situação relatada, convém destacar que a maioria
dos trabalhadores encontrados nesta posição eram mulheres. Além das
mulheres, também foram encontrados 10 menores de 16 anos atuando na
mesma função.
Além dos raspadores, os trabalhadores que atuavam nos setores de
fabricação da farinha, exercendo as funções de forneiro, prenseiro ou
peneirador, cumpriam jornadas diárias que perduravam por até 18 horas
diárias.
Estes trabalhadores começavam a trabalhar por volta das 5h00 e 6h00 e
permaneciam em atividade até o período das 22h00 e 01h00 do dia seguinte,
uma vez que era necessário utilizar toda a mandioca que havia sido raspada
durante o dia.
Os trabalhadores relataram ainda que, em algumas ocasiões, às
máquinas ficavam impedidas de funcionar devido a quedas no fornecimento de
95

energia elétrica, o que obrigava os trabalhadores a estenderem até 4h00 ou


5h00 horas da manhã do dia seguinte, com o intuito de compensar o tempo
perdido e minimizar as perdas em relação às mandiocas que já haviam sido
descascadas.
Por fim, convém destacar que exaustão atrelada ao esforço contínuo e
repetitivo dos raspadores de mandioca, aumentava o risco de lesões e
acidentes de trabalho, uma vez que estes rurícolas utilizavam facas afiadas e
raspadores artesanais manuais para exercerem o seu trabalho.

4.5 INSTALAÇÕES SANITÁRIAS

A Norma Regulamentadora – NR nº 24, com redação conferida pela


Portaria da Secretaria Especial de Previdência e Trabalhado – SEPRT nº 1.066
de 24 de setembro de 2019, estabelece as condições mínimas de higiene e de
conforto que devem ser observadas pelas organizações com relação às
instalações e componentes sanitários, vestiários, locais para refeições,
cozinhas, alojamentos e vestimentas de trabalho.
De acordo com esta norma, todo estabelecimento deve ser dotado de
instalação sanitária constituída por bacia sanitária sifonada, dotada de assento
com tampo, e por lavatório. Sendo que, as instalações sanitárias coletivas
masculinas devem ser dotadas ainda de mictório.
Além disso, deve ser observado a proporção mínima de uma instalação
sanitária para cada grupo de 20 (vinte) trabalhadores ou fração, separadas por
sexo.
Extrai-se, dos autos de fiscalização estudados, a incidência de 67
irregularidades relacionados ao fornecimento de instalações sanitárias
adequadas aos trabalhadores.
Uma fiscalização em duas fazendas de produção de carvão vegetal, no
estado de Minas Gerais, foi o observado que não havia instalações sanitárias
de nenhum tipo para atender aos 37 trabalhadores que laboravam no local. Em
entrevista, estes relataram aos auditores fiscais que satisfaziam suas
necessidades fisiológicas “no mato”.
A NR nº 24 estabelece ainda que as instalações sanitárias devem ser
mantidas em condição de conservação, limpeza e higiene; ter piso e parede
96

revestidos por material impermeável e lavável; peças sanitárias íntegras;


possuir recipientes para descarte de papéis usados; ser ventiladas para o
exterior ou com sistema de exaustão forçada; dispor de água canalizada e
esgoto ligados à rede geral ou a outro sistema que não gere risco à saúde e
que atenda à regulamentação local; e comunicar-se com os locais de trabalho
por meio de passagens com piso e cobertura, quando se situarem fora do
corpo do estabelecimento.
Em outra propriedade fiscalizada, no estado da Bahia, foi detectado que
havia um formigueiro dentro de uma das instalações sanitárias. Observou-se, à
época, que já havia uma grande porção de terra já depositada sobre o piso.
Esse sanitário estava com o piso completamente tomado de sujeira, bem como
o lavatório e o vaso sanitário. A tampa do vaso sanitário estava toda rachada e
suja e o box encardido.
Em uma propriedade, de coleta de produtos não-madeireiros no Rio
Grande do Norte, foram resgatados 5 trabalhadores que além de serem
obrigados a fazerem suas necessidades de excreção no mato, atrás de troncos
e árvores, também não possuíam lavatórios e chuveiros, tendo que utilizar
baldes e canecas para se banharem. A água era trazida pelo empregador e o
banho ocorria com a total exposição dos trabalhadores às intempéries, às
sujidades da mata, a insetos e a outros animais.
Ressalta-se que a exposição dos trabalhadores a sujeira e à poeira pode
desencadear patologias cutâneas e respiratórias.

4.6 ÁGUA POTÁVEL E FRESCA

A NR nº 24, ao disciplinar as condições sanitárias e de conforto nos


locais de trabalho, estabelece, como obrigação das empresas, o fornecimento
de água potável, em condições higiênicas, para consumo dos seus
empregados. Esta deverá ser oferecida por meio de copos individuais ou
bebedouros, proibindo-se sua instalação em pias de lavatórios, e o uso de
copos coletivos.
Apesar do disposto na legislação trabalhista, não são raros os casos,
principalmente no meio rural, nos quais as empresas se recusam a cumprir o
dever legal de fornecer água potável, fresca e em quantidade suficiente para
97

seus trabalhadores. Dos autos de infração estudados, o fornecimento de água


potável e fresca mostrou-se um problema em 68 casos.
Em fiscalização ocorrida em uma fazenda de produção de carvão
vegetal, no estado da Bahia, foi observado que os trabalhadores utilizavam a
mesma água, que era trazida de um posto de combustível localizado nas
proximidades, para a realização de higienização pessoal (banho, lavagem das
mãos) e ingestão. Esta água era transportada em vasilhames reutilizados, pois
não foi fornecido, pelo empregador, nenhum outro recipiente apropriado para o
transporte do líquido.
Durante a inspeção, constatou-se ainda que estes vasilhames, que
originalmente transportavam produtos químicos (óleo lubrificante, entre outros),
possuíam a expressão "NÃO REUTILIZAR ESTA EMBALAGEM” escrita no
rótulo.
Cumpre destacar que os produtos tóxicos utilizados podem ser
absorvidos pelo corpo humano por meio das vias respiratória, pela pele, pela
via oral ou por meio da inalação, afetando diretamente a saúde do trabalhador.

Os agrotóxicos são um dos mais importantes fatores de riscos para a


saúde humana. Utilizados em grande escala por vários setores
produtivos e mais intensamente pelo setor agropecuário, têm sido
objeto de vários tipos de estudos, tanto pelos danos que provocam à
saúde das populações humanas, e dos trabalhadores de modo
particular, como pelos danos ao meio ambiente e pelo aparecimento
de resistência em organismos-alvo (pragas e vetores) nas empresas
onde haja trabalhadores em regime celetista (SILVA, et al., 2005, p.
895).

Além da água armazenada em vasilhames reutilizados, os trabalhadores


também utilizavam, para a sua higienização, a água de um tambor (tonel) de
100l, na cor vermelha, completamente enferrujado e sem tampa, situado
próximo a uma queda d’água do local onde estavam alojados.
Outra fiscalização trabalhista, em duas fazendas de cultivo de café,
mamão e pimenta do reino, na zona rural da Bahia, observou-se que os
trabalhadores utilizavam uma embalagem reaproveitada de adubo foliar para
transportar a água que era usada para consumo e higienização. Na localidade,
havia apenas uma caixa d’agua abastecida que era aproveitada para a
ingestão, higienização pessoal e das roupas dos trabalhadores, o que violava o
dever legal de fornecimento de água potável em condições de higiene.
98

A Portaria nº 2.914, de 12 dezembro de 2011, do Ministério da Saúde,


estabelece os "Procedimentos de Controle e de Vigilância da Qualidade da
Água para Consumo Humano e seu Padrão de Potabilidade", determina os
padrões mínimos de potabilidade e esclarece o que é considerado água para
consumo humano. De acordo com esta legislação, a "água potável destinada à
ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal,
independentemente da sua origem".
Esta Portaria também estabelece, ao tratar das "soluções alternativas
coletivas de abastecimento de água para consumo humano", que "toda água
para consumo humano, fornecida coletivamente, deverá passar por processo
de desinfecção ou cloração", o que não também foi constatado pela equipe de
fiscalização.
Deste modo, o fornecimento de água sem condições de higiene para o
consumo, preparo de alimentos ou higiene pessoal, expõem os trabalhadores a
diversos riscos e enfermidades, que podem causar graves transtornos de
saúde, como doenças gastrointestinais agudas, febre tifoide, hepatites,
disenteria amebiana, parasitoses diversas, viroses, dermatites, entre outras.

4.7 SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO

A ausência de medidas capazes de eliminar ou, ao menos, minimizar os


riscos das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores também é um dos
elementos que caracterizam o Dark Side no setor rural. A exemplo, pode-se
citar a ausência de avaliação de riscos; de capacitação sobre prevenção de
acidentes, inclusive com agrotóxicos; de materiais de primeiros socorros; de
exames médicos admissionais e periódicos; não fornecimento de
equipamentos de proteção individual – EPI, entre outros.
A saúde e a segurança dos trabalhadores no desempenho diário de
suas funções é tema exaustivamente debatido pela legislação trabalhista. A NR
nº 6, do MTE, estabelece, de maneira geral, as condições nas quais as
empresas deverão fornecer e assegurar o uso dos EPIs. Por sua vez, a NR nº
12, disciplina as medidas essências de proteção e segurança durante a
operação de máquinas e equipamentos, como por exemplo, motosserras,
adubadoras, colhedoras, pulverizadores, tratores, entre outros. Já, a NR nº 31,
99

busca garantir a segurança e saúde no trabalho na agricultura, pecuária,


silvicultura, exploração florestal e agricultura, uma vez que existem EPIs
próprios da atividade rural, como chapéus, coletes e faixas de sinalização.
Essa última norma disciplina, ainda, Serviço Especializado em Segurança e
Saúde no Trabalho Rural – SESTR, que tem por objetivo desenvolver ações
técnicas, integradas às práticas de gestão de segurança, saúde e meio
ambiente de trabalho, com o intuito de tornar o esse ambiente compatível com
a promoção da segurança e saúde e a preservação da integridade física do
trabalhador rural.
Como exemplo de medidas de proteção aos principais riscos aos quais
os trabalhadores rurais estão diariamente submetidos identifica-se a
necessidade do uso de perneira, para proteção contra lesões provocadas por
vegetais cortantes, escoriantes ou perfurantes e ataques de animais
peçonhentos, como cobras, lacraias, aranhas e escorpiões; de calçados de
segurança para a proteção contra risco de acidente com ferramentas
perfurocortantes, tocos, buracos, terrenos irregulares, lascas de madeira e
mesmo contra o ataque de animais peçonhentos; de capa de chuva, touca
árabe e roupas de mangas longas para a proteção contra intempéries, calor,
radiação solar e não ionizante; de luvas para a proteção das mãos contra risco
de ferimentos provocados pelo contato com as ferramentas manuais e com as
farpas das folhas ou troncos de árvores.
Apesar da extensa proteção oferecida pela legislação pátria, foram
observadas 56 ocorrências de infrações relacionadas à saúde e segurança dos
trabalhadores rurais.
Em Inspeção Trabalhista realizada no estado de Goiás, ficou constatado
que havia trabalhadores responsáveis pela aplicação de agrotóxicos e outros
produtos que não receberam os Equipamentos de Proteção Individual, de
modo que utilizavam suas próprias vestimentas na execução do serviço [...]".
Além disso, "[...] verificou-se que diversos trabalhadores, que estavam
laborando na colheita do café, estavam trabalhando com seus próprios tênis e
chinelos e, até mesmo, uma sapatilha; justamente pelo fato de não terem
recebido os equipamentos de proteção individual".
Ademais, também deve ser disponibilizado aos trabalhadores os
materiais e equipamentos aptos à realização dos procedimentos iniciais de
100

socorro, até uma possível remoção do acidentado para uma unidade de


emergência médica.
Assim, a organização deverá possuir, ainda que minimamente, alguns
produtos básicos de um Kit de Primeiros Socorros como, por exemplo, soro
fisiológico, água oxigenada e pomadas bactericidas. E ainda, materiais para
necessários à realização de curativo, como gaze, ataduras, esparadrapo ou
mesmo curativos adesivos prontos. Estas medidas se fazem necessária em
virtude principalmente do afastamento geográfico dos locais de trabalho destes
trabalhadores.
Deste modo, observa-se que a adequada prestação dos primeiros
socorros poderá desempenhar um papel preponderante em casos de acidentes
ou males súbitos, podendo não apenhas evitar ou minimizar possíveis
sequelas, como ainda representar a diferença entre a vida e a morte do
acidentado.
Outra medida necessária é a realização de exames médicos
admissionais e periódicos priva o trabalhador, bem como a orientação dos
trabalhadores acerca da existência ou não de riscos ocupacionais específicos
de suas atividades, devendo serem avaliados quanto à sua aptidão física e
mental para o trabalho que deverá ser desenvolvido.
Deste modo, a NR nº 7, do MTE, disciplina o Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional e estabelece a obrigatoriedade de elaboração e
implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que
admitam trabalhadores como empregados. De acordo com esta norma, este
programa tem como o objetivo de promoção e preservação da saúde do
conjunto dos seus trabalhadores e deverá ter caráter de prevenção,
rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos à saúde relacionados ao
trabalho, inclusive de natureza subclínica, além da constatação da existência
de casos de doenças profissionais ou danos irreversíveis à saúde dos
trabalhadores.
Assim, ao deixar de realizar os exames médicos admissionais e
periódicos, o empregador despreza os possíveis danos que do seu processo à
saúde dos seus trabalhadores, especialmente àqueles que desenvolvem
serviços com esforço físico acentuado, bem como, ignora a possibilidade de
agravamento de eventuais problemas de saúde pré-existentes.
101

Outra medida de proteção à Saúde e Segurança no Trabalho é a gestão


dos riscos inerentes à atividade econômica da organização. A realização de
avaliações dos riscos inerentes à segurança e à saúde dos trabalhadores, tem
por objetivo à prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho,
Sobre o assunto, a alínea "b" do item 31.3.3 da Norma Regulamentadora
nº 31, com redação da Portaria MTE nº 86/2005, impõe o dever de garantir que
todas as atividades, lugares de trabalho, ferramentas e processos produtivos
sejam seguros.

31.3.3 Cabe ao empregador rural ou equiparado:


[...]
b) realizar avaliações dos riscos para a segurança e saúde dos
trabalhadores e, com base nos resultados, adotar medidas de
prevenção e proteção para garantir que todas as atividades, lugares
de trabalho, máquinas, equipamentos, ferramentas e processos
produtivos sejam seguros e em conformidade com as normas de
segurança e saúde;

Consequentemente, torna-se dever do empregador identificar, avaliar e


controlar os riscos inerentes à sua atividades produtiva, de modo a garantir um
ambiente de trabalho minimamente seguro.
Ademais, convém destacar que os estabelecimentos rurais com mais de
vinte empregados também estão obrigados, por força de lei, a organizarem
uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho Rural –
CIPATR, conforme disposto na NR nº 31.

31.7.2 O empregador rural ou equiparado que mantenha vinte ou


mais empregados contratados por prazo indeterminado, fica obrigado
a manter em funcionamento, por estabelecimento, uma CIPATR.

A exemplo, cita-se uma inspeção trabalhista realizada em uma fazenda


produtora de café, no estado de Goiás, onde estavam laborando 144
trabalhadores sem a implementação da CIPATR. De maneira idêntica, foi
constatado em uma outra propriedade rural, agora em Minas Gerais, 151
rurícolas trabalhando na colheita de café sem o respaldo da CIPATR.

4.8 ALOJAMENTOS E ÁREAS DE VIVÊNCIA


102

O principal fator que caracteriza o Dark Side no setor rural é a condição


nas quais os trabalhadores ficam alojados.
A NR nº 31, ao estabelecer os preceitos a serem observados na
organização e no ambiente de trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura,
exploração florestal e aquicultura, preceitua a necessidade de o empregador
disponibilizar áreas de vivência compostas de instalações sanitárias; locais
para refeição; alojamentos, quando houver permanência de trabalhadores no
estabelecimento nos períodos entre as jornadas de trabalho; local adequado
para preparo de alimentos; e lavanderias.
Dos autos de infração estudados, 72 apresentaram irregularidades nos
alojamentos ou áreas de vivência.
A Instrução Normativa SIT nº 139/2018, em seu art. 7º, inciso III, define o
trabalho análogo ao de escravo por "condições degradantes", como sendo
“qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito
fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de
proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho”.
A exposição dos trabalhadores a condições degradantes é facilmente
visualizada quando se observa o estado dos alojamentos e áreas de vivência
disponibilizadas nas fazendas.
Observou-se ser comum reservar a estes trabalhadores espaços
apertados, malconservados, sem iluminação, sem ventilação ou condições de
higiene adequadas para vivência humana.
Além disso, também não são oferecidas condições mínimas para o
conforto, como fornecimento de colchões, roupas de cama e armários
individuais para guarda de roupas e pertences pessoais. Quando oferecidos,
colchões, travesseiros e roupas de camas, é comum ainda observar que estes
estão envelhecidos ou sujos.
Também foi observado a ausência de lavanderia onde os trabalhadores
possam realizar a higienização de suas roupas, que devido à natureza da
própria atividade laboral, apresentam grande sujicidade.
Em uma fiscalização trabalhista ocorrida no estado de Goiás, ficou
constatado que os 24 trabalhadores de uma fazenda tiveram de construir os
seus próprios “alojamento”, quais sejam: um barraco de lona no meio da mata
e um barraco de madeira à beira de um córrego. Ambos os locais, de acordo
103

com relatos dos Auditores Fiscais do Trabalho, possuíam “condições mínimas


de conforto e segurança” e destacaram que os trabalhadores estavam
submetidos a um “tratamento degradante, com negação da condição humana”.
Ao descrever a situação dos trabalhadores que estavam utilizando o
“barraco de lona”, a inspeção trabalhista relatou que este parecia uma cabana
e estava “[...] estruturado sobre estacas de madeiras e galhos de árvores e
coberto por uma lona [...]”, além disso,

“[...] não oferecia nenhuma condição de habitabilidade, pois além da


estrutura frágil e cobertura instável; não dispunha de vedação nas
laterais, sendo facilmente devassável por pessoas estranhas, animais
e intempéries; possuía piso de chão batido que virava barro quando
chovia, inundando todo o local e sujando os pertences dos
trabalhadores que ficavam espalhados por todos os cantos [...]”.

De acordo com o relato, esta estrutura tratava-se de um cômodo único,


de aproximadamente 8m2, e chegou a abrigar até 10 (dez) trabalhadores ao
mesmo tempo, sendo necessário que alguns fossem dormir em redes
esticadas nas árvores, no sereno.
Além de servir para abrigar diversas pessoas, o “barraco de lona” era
utilizado para a guarda dos pertences dos trabalhadores, alimentos, utensílios
domésticos, ferramentas de trabalho, motosserras, bombas de aplicar
agrotóxicos e outros itens que ficavam espalhados pelo local.
No local não havia ainda uma estrutura de coleta e depósito de lixo,
favorecendo a ausência de higiene. Ademais, os resíduos alimentícios também
ficavam espalhados no local, atraindo animais domésticos, insetos e roedores
ao local.
Por sua vez, o “barraco de madeira” abrigava 13 (treze) pessoas durante
a semana e 14 (quatorze) pessoas aos finais de semana. Além dos
trabalhadores, também habitavam no local duas mulheres, uma adolescente e
cinco crianças. Apesar de possuir condições melhores às do “barraco de lona”,
este local possuía apenas três cômodos, sendo um quarto, uma sala e uma
cozinha.

O barraco era uma precária construção de madeira velha, com parte


de telha em barro e parte de telha de fibrocimento do tipo "Eternit",
com piso de chão de terra. As paredes não possuíam cobertura total,
continham muitas frestas; não havia janelas para arejar o lugar, e as
104

poucas aberturas feitas nas paredes não possuíam vedação;


impedindo o adequado isolamento térmico e sujeitando o local a
todos os tipos de intempéries e a entrada de animais de toda
natureza.

Os fatos relatados, além de estarem em flagrante desrespeito aos


princípios da dignidade da pessoa humana, contrariam ainda a legislação
trabalhista, uma vez que a NR nº 31, do Ministério do Trabalho, proíbe a
instituição de moradias operárias de natureza coletiva.
Ressalta-se ainda que o acesso a esta fazenda, é realizado por 47,1 km
por meio de uma BR e, aproximadamente, 108,4 km por meio de estrada de
chão, o que torna inviável qualquer retorno desses trabalhadores ao seu local
de residência no final do dia.
Em outra fiscalização ocorrida em propriedade rural no Espírito Santo,
os auditores descreveram a situação como encontraram o alojamento, no qual
estavam habitando 8 pessoas, sendo 4 homens, 3 mulheres e 1 criança de
apenas 9 anos, que não trabalhava no local.

Ressalte-se que a situação que encontramos no alojamento era a


seguinte: a.1) moradias coletivas, tendo sido encontrados famílias,
inclusive uma criança dividindo alojamento com outros trabalhadores;
a.2) com fogões dentro dos cômodos; a.3) não foram disponibilizadas
camas para os trabalhadores(havia alguns colchonetes em mau
estado de conservação espalhados no chão e camas improvisadas,
sendo que uma destas tinha como base galões vazios do agrotóxico
round up); b)os alojamentos não eram dotados de armários
individuais para a guarda de objetos pessoais dos trabalhadores(os
pertences destes ficavam espalhados pelo chão e em cima dos
colchonetes); c)não foram fornecidas roupas de cama para os
trabalhadores, tais como lençóis, fronhas, colchas ou cobertores(os
que tinham é porque haviam trazido de suas casas); d)os cômodos
não possuíam vedação contra intempéries, principalmente frio
durante à noite; e)os alojamentos e as instalações sanitárias não
eram dotados de recipientes para coleta de lixo tampouco dotadas de
papel higiênico; f)constatamos que não havia chuveiros(elétricos)
para que os trabalhadores tomassem banho, mas apenas canos na
parede das duas instalações sanitárias; g)a água para consumo era
retirada de um poço mal vedado, com um plástico velho e uma tampa
improvisada em cima e, segundo os trabalhadores, tinha gosto ruim.

Com relação às áreas de vivência, é comum observar a não


disponibilização de locais adequados para o armazenamento e o preparo dos
alimentos, acompanhados por uma completa ausência de condições higiênicas
próprias aos seres humanos.
105

De acordo com a NR nº 31, estes locais necessitam de uma estrutura


dotada de lavatórios, de sistema de coleta de lixo, de instalações sanitárias
exclusivas para o pessoal que manipula alimentos e de porta de vedação entre
esse local e outros cômodos ou entre esse local e o lado externo da edificação.

31.23.6.1 Os locais para preparo de refeições devem ser dotados de


lavatórios, sistema de coleta de lixo e instalações sanitárias
exclusivas para o pessoal que manipula alimentos.
31.23.6.2 Os locais para preparo de refeições não podem ter ligação
direta com os alojamentos.

Do mesmo modo, a disponibilização de locais adequados para o


armazenamento dos alimentos oferecidos aos trabalhadores representa
importante medida garantidora de um meio ambiente do trabalho satisfatório do
ponto de vista da saúde e da segurança do trabalhador.

31.23.4.2 Em todo estabelecimento rural deve haver local ou


recipiente para a guarda e conservação de refeições, em condições
higiênicas, independentemente do número de trabalhadores.

Além disso, o intervalo destinado às refeições deve ser disfrutado em um


ambiente coberto e que ofereça proteção contra o mau tempo

31.23.4.3 Nas frentes de trabalho devem ser disponibilizados abrigos,


fixos ou moveis, que protejam os trabalhadores contra as intempéries,
durante as refeições.

O local para tomada de refeições deve apresentar boas condições de


higiene e conforto; com capacidade de alocação de todos os trabalhadores, de
forma que não seja necessário a realização de turnos para as refeições; com
água limpa para a higienização; com mesas com tampos laváveis, com
assentos em número suficiente; com depósito de lixo, com tampas; e com água
potável, em condições higiênicas para o consumo humano.

31.23.4.1 Os locais para refeição devem atender aos seguintes


requisitos:
a) boas condições de higiene e conforto;
b) capacidade para atender a todos os trabalhadores;
c) água limpa para higienização;
d) mesas com tampos lisos e laváveis;
e) assentos em número suficiente;
f) água potável, em condições higiênicas;
106

g) depósitos de lixo, com tampas.

A ausência de alojamentos e áreas de vivências adequadas


comprometem o exercício do trabalho de forma saudável e higiênica, expondo
os trabalhadores a riscos diversos.

4.9 TRABALHO FORÇADO E RESTRIÇÃO DE LOCOMOÇÃO

Este tópico tem o objetivo de demonstrar como o trabalho forçado, com


ou sem o uso de arma de fogo como meio de coerção, tende a restringir a livre
locomoção dos trabalhadores, caracterizando trabalho análogo ao de escravo,
demonstrando mais uma forma pela qual o Dark Side se manifesta nas
organizações rurais brasileiras.
De acordo com o art. 7º, inciso I, da Instrução Normativa SIT nº
139/2018, o “trabalho forçado é aquele exigido sob ameaça de sanção física ou
psicológica e para o qual o trabalhador não tenha se oferecido ou no qual não
deseje permanecer espontaneamente”.
Neste sentido, Castilho (2000) destaca que “a conduta de escravizar não
se limita à violação da liberdade física e pode existir mesmo havendo liberdade
de locomoção [...]” (CASTILHO, 2000, p. 57). Deste modo, “[...] a vítima é livre
do ponto de vista físico para deixar o trabalho, mas não o deixa porque se
sente escravo [...]” (CASTILHO, 2000, p. 57).
Deste modo, o inciso I, Anexo Único, da Instrução Normativa SIT nº
139/2018, estabelece os indicadores de submissão de trabalhador a trabalhos
forçados, quais sejam:

1.1 Trabalhador vítima de tráfico de pessoas;


1.2 Arregimentação de trabalhador por meio de ameaça, fraude,
engano, coação ou outros artifícios que levem a vício de
consentimento, tais como falsas promessas no momento do
recrutamento ou pagamento a pessoa que possui poder hierárquico
ou de mando sobre o trabalhador;
1.3 Manutenção de trabalhador na prestação de serviços por meio de
ameaça, fraude, engano, coação ou outros artifícios que levem a vício
de consentimento quanto a sua liberdade de dispor da força de
trabalho e de encerrar a relação de trabalho;
1.4 Manutenção de mão de obra de reserva recrutada sem
observação das prescrições legais cabíveis, através da divulgação de
promessas de emprego em localidade diversa da de prestação dos
serviços;
107

1.5 Exploração da situação de vulnerabilidade de trabalhador para


inserir no contrato de trabalho, formal ou informalmente, condições ou
cláusulas abusivas;
1.6 Existência de trabalhador restrito ao local de trabalho ou de
alojamento, quando tal local situar-se em área isolada ou de difícil
acesso, não atendida regularmente por transporte público ou
particular, ou em razão de barreiras como desconhecimento de
idioma, ou de usos e costumes, de ausência de documentos
pessoais, de situação de vulnerabilidade social ou de não pagamento
de remuneração.
1.7 Induzimento ou obrigação do trabalhador a assinar documentos
em branco, com informações inverídicas ou a respeito das quais o
trabalhador não tenha o entendimento devido;
1.8 Induzimento do trabalhador a realizar jornada extraordinária acima
do limite legal ou incompatível com sua capacidade psicofisiológica;
1.9 Estabelecimento de sistemas de remuneração que não propiciem
ao trabalhador informações compreensíveis e idôneas sobre valores
recebidos e descontados do salário;
1.10 Estabelecimento de sistemas remuneratórios que, por adotarem
valores irrisórios pelo tempo de trabalho ou por unidade de produção,
ou por transferirem ilegalmente os ônus e riscos da atividade
econômica para o trabalhador, resultem no pagamento de salário
base inferior ao mínimo legal ou remuneração aquém da pactuada;
1.11 Exigência do cumprimento de metas de produção que induzam o
trabalhador a realizar jornada extraordinária acima do limite legal ou
incompatível com sua capacidade psicofisiológica;
1.12 Manutenção do trabalhador confinado através de controle dos
meios de entrada e saída, de ameaça de sanção ou de exploração de
vulnerabilidade;
1.13 Pagamento de salários fora do prazo legal de forma não
eventual;
1.14 Retenção parcial ou total do salário;
1.15 Pagamento de salário condicionado ao término de execução de
serviços específicos com duração superior a 30 dias.

Um dos meios mais comuns de restrição à liberdade é a chamada


escravidão por dívida, já discutida anteriormente ao tratar dos modos de
retenção do salário do trabalhador.
Ademais, a violência física e psicológica é comumente utilizada como
forma de submeter o trabalhado rural ao trabalho forçado e de restringir sua
liberdade de locomoção.
Em entrevista realizada com trabalhadores resgatados no estado da
Bahia, em uma fazenda de cultivo de café, mamão e pimenta do reino, estes
relataram um episódio no qual, um trabalhador acidentado com uma lesão
cortante profunda no polegar do pé, ao questionar o gerente da fazendo sobre
como ficaria o seu trabalho, recebeu como resposta “vamos dar um tiro no seu
pé e jogar na fornalha” e acrescentou que o corte seria de responsabilidade
exclusiva do trabalhador, que “se cortou por que quis”.
108

Diante da indignação desse trabalhador, que acabou proferindo uma


palavra de baixo calão, o gerente sacou uma arma de fogo, do tipo pistola e
tentou enquadrar o trabalhador em sua mira que, felizmente, conseguiu fugir da
fazenda.
Além disso, o auto de infração analisado, destaca que ficou confirmado,
por meio das câmeras de vídeo monitoramento da fazenda, o uso da arma de
fogo em ato de grave ameaça à vida do trabalhador.
Observou-se assim que esses trabalhadores estavam submetidos a
condições de vida e trabalho que caracterizam o trabalho forçado sendo,
portanto, resgatados nos moldes do no art. 2º-C da Lei nº 7998/90.
Por fim, convém relembrar que a manutenção de trabalhadores em
condição análoga a de escravo, além de contrariar a legislação nacional, vai de
encontro ao estabelecido nos tratados e convenções internacionais
concernentes aos direitos humanos e ratificados pelo Brasil.

4.10 ASSÉDIO MORAL

Apesar de menos frequente, os relatos de assédio moral chamam a


atenção por atentar contra a dignidade psíquica do trabalhador, expondo-o
repetitivamente a situações humilhantes e constrangedoras, causando assim
danos à sua personalidade e dignidade.
As primeiras disposições acerca do dano moral remetem ao Código de
Hamurabi, um conjunto de leis Mesopotâmicas do século XVIII a.C, que
impunha ao ofensor uma pena de reparação equivalente ao dano causado
(LOBREGAT, 2001). Deste modo, a chamada Lei de Talião, traduzida na
expressão “olho por olho, dente por dente”, dispunha que as ofensas pessoais
deveriam ser reparadas na mesma classe social onde ocorrera e às custas de
ofensas idênticas (LOBREGAT, 2001).
Atualmente, a Convenção nº 190 da OIT, aprovada na última
Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, reconheceu que o assédio
moral no âmbito das relações trabalhistas pode constituir uma violação ou um
abuso aos direitos humanos, representando uma ameaça à igualdade de
oportunidades e sendo inaceitável e incompatível com as diretrizes de trabalho
decente (NAÇÕES UNIDAS, 2019).
109

Apesar da gravidade do tema, a análise dos autos de infração dos autos


de infração apontou apenas dois casos de assédio moral no ambiente rural.
O primeiro caso, já elucidado anteriormente, relata uma inspeção
trabalhista realizada na Bahia, em duas fazendas produtoras de café, onde
laboravam 39 rurícolas do estado do Alagoas. Nessas propriedades, os
trabalhadores narraram sofrerem, constantemente, com o assédio moral. De
acordo com os depoimentos, desde os primeiros dias da prestação de serviços,
o gerente da fazenda mostrava trato discriminatório e pejorativo quanto à
origem dos trabalhadores, chamando-os de “alagoanos”, “alagoano besta” e
associando sua origem à palavra "desgraça".
Ademais o tratamento ríspido, algumas ameaças utilizando arma de fogo
fizeram com que alguns trabalhadores optassem por deixar este local, mesmo
sem o pagamento de qualquer valor a título de verbas rescisórias ou
perspectiva de voltarem ao Alagoas. Parte dos trabalhadores, inclusive,
retornaram para a cidade mais próxima caminhando, pela estrada de chão,
ocasião em que foram socorridos por pessoas locais.
Do mesmo modo, uma inspeção trabalhista realizada no estado de
Roraima, em um estabelecimento rural onde trabalhavam quatro venezuelanos
em situação de trabalho análoga à de escravo, estes relataram que eram
constantemente assediados moralmente pelo empregador, com o intuito de
intimidá-los e mantê-los cativos na relação laboral.
Por fim, em uma fazenda de criação de bovinos no estado de Goiás,
foram resgatados 4 trabalhadores rurais em situação de completa privação dos
seus direitos sociais. Além de problemas com os alojamentos, atraso de
salários, ausência de medidas que assegurassem a saúde e a segurança no
trabalho, “ era comum o empregador intimidar os empregados da fazenda com
ameaças e xingamentos” dizendo-lhes, por exemplo, “que o trabalhador era
vagabundo e que se fosse acionado na justiça iria mandar a ROTAM (equipe
especializada da PMGO) surrá-lo até que vomitassem as tripas”.
Outro relato informa que o empregador chegou a dizer a um dos
empregados que “se o mesmo o acionasse na justiça um carro ou um
caminhão poderia passar por cima dele”.
De fato, um cenário de trabalho degradante e desumano combinado com
o constante assédio ao que os trabalhadores estavam submetidos, levou a
110

equipe de fiscalização a concluir pela caracterização da situação encontrada


como sendo trabalho análogo à condição de escravo,
Os episódios de ameaça deixavam os trabalhadores amedrontados e
com receio de reivindicarem seus direitos ou até mesmo de abandonarem o
trabalho.
Cunha (2018), salienta que a honra se divide em objetiva, relacionada à
reputação e a boa fama do indivíduo, e subjetiva, que se refere à dignidade e o
decoro pessoal. Neste sentido, o assédio moral no ambiente de trabalho fere a
honra subjetiva do trabalhador, ou seja, o seu sentimento de apreço próprio.

4.11 CASOS EXCEPCIONAIS

4.11.1 Crianças e adolescentes

Um cenário muito comum é a presença de crianças a adolescente no


meio rural. Seja acompanhando os pais, e ficando alojados juntamente com os
demais trabalhadores adultos, ou exercendo atividade remunerada por conta
própria.
Em uma Inspeção Trabalhista realizada em uma fazenda de fabricação
de farinha de mandioca no estado de Alagoas, dos 52 (cinquenta e dois)
trabalhadores encontrados na linha de produção, 09 (nove) eram menores de
idade.
Em uma propriedade produtora de café, no estado de Goiás, no qual
laboravam 87 rurícolas, os Auditores identificaram, em uma casa que servia de
alojamento para cerca de 16 trabalhadores da fazenda, uma família, da qual
faziam parte duas crianças, ambas do sexo feminino, com idades de 5 (cinco) e
de 9 (nove) anos.
Convém destacar que a legislação brasileira a manutenção de moradia
coletiva de famílias, bem como a separação dos alojamentos por sexo. Ao
serem mantidas nos mesmos alojamentos que os demais trabalhadores, as
mulheres e crianças têm prejudicada sua privacidade e intimidade, além de
estarem sujeitas a todo tipo de constrangimento e, até mesmo, ao risco de
violência, inclusive sexual.
111

Destaca-se ainda que os alojamentos dessa propriedade estavam em


péssimo estado de conservação, com pisos sujos, camas de alvenaria
inacabadas e colchões velhos, sujos e manchados.
De modo semelhante, os Auditores encontram dois menores de idade,
um com 17 e outro com 15 anos, efetivamente laborando na colheita de café
em uma propriedade rural no estado de Minas Gerais.
Em outra fazenda de cultivo de café, também no estado de Minas
Gerais, dos 15 trabalhadores resgatados pela Auditoria Fiscal do Trabalho,
havia um adolescente, com 17 anos completos na data da inspeção,
acompanhando o seu pai.
Conforme descrito anteriormente, o Código Penal, ao tratar dos crimes
contra a organização do trabalho, tipifica, em seu artigo 207, o aliciamento de
trabalhadores de um local para outro do território nacional, estabelecendo pena
de detenção de um a três anos e multa, que
O § 2º do art. 207, assevera o aumento desta pena de um sexto a um
terço se a vítima foi menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou
portadora de deficiência física ou mental.
Cumpre ressaltar que o Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008,
estabelece, no item 81, o trabalho realizado ao ar livre, sem proteção adequada
contra exposição à radiação solar, chuva, frio como uma das piores formas de
trabalho infantil. Deste modo, o trabalho de menores de idade no meio rural,
poderá gerar danos irreparáveis à saúde desses jovens, tais como:
queimaduras na pele; envelhecimento precoce; câncer de pele; desidratação;
doenças respiratórias; ceratoses actínicas; hipertemia; dermatoses; dermatites;
conjuntivite; queratite; pneumonite; fadiga; intermação.

4.11.2 Idosos

Nessa mesma propriedade produtora de café, em Minas Gerais, além do


adolescente, também foi resgatado um trabalhador idoso, o Sr. Carlos, nascido
em 1957 e, portanto, com 61 anos de idade na data da inspeção. Tanto o
adolescente quanto o idoso executavam as mesmas funções que as demais
vítimas, ou seja, laboravam como apanhadores de café e recebiam mediante
produtividade.
112

Não menos incomum, a presença de trabalhadores idosos no campo


reflete uma realidade do mercado de trabalho brasileiro. É crescente o número
de idosos como os principais responsáveis pelo sustento da família.
Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), um
cadastro administrativo instituído pelo Decreto nº 76.900, de 23 de dezembro
de 1975, e que constituí fonte de informação sobre o mercado de trabalho
formal no Brasil, o número de pessoas com 65 anos ou mais ocupando vagas
com carteira assinada aumentou, saindo de 484.704 em 2013, para 690.657
em 2018, o que representa um crescimento de 42,49% em cinco anos.
Em uma propriedade rural produtora de Carvão Vegetal, em Minas
Gerais, dos 25 trabalhadores identificados pela Fiscalização Trabalhista, 4
eram idosos, com mais de 70 anos, quais, sejam: Sra. Conceição, com 70
anos; Sr. Gabriel, com 70 anos; Sr. João de Deus, com 71 anos e Sr. Vicente,
com 76 anos.
Convém destacar que a Lei nº 10. 741, de 1º de outubro de 2003, ao
dispor sobre o chamado Estatuto do Idoso, garante proteção especial às
pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do


idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou
privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado
a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado:
Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.

4.11.3 Trabalhadoras mulheres

Além das questões anteriormente relatadas, observa-se ainda uma forte


presença da mulher como vítima do trabalho escravo no setor rural. O
crescimento da atuação feminina no campo reflete uma tendência do mercado
de trabalho nacional.
Contudo, as mulheres ainda são marginalizadas no meio rural. Não é
incomum, por exemplo, observar trabalhadoras dividindo alojamentos e
instalações sanitárias com os homens.
Em trabalhista em uma fazenda produtora de café, no estado de Goiás,
na qual laboravam 87 trabalhadores, foram encontradas 22 mulheres tendo que
dividir a instalação sanitária com os demais trabalhadores do sexto masculino.
113

Conforme descrito anteriormente, este mesmo estabelecimento rural,


manteve ainda um alojamento com cerca de 16 trabalhadores, incluindo uma
família, da qual faziam parte 2 crianças, ambas do sexo feminino, com idades
de 5 (cinco) e de 9 (nove) anos.
Outro auto de infração, agora de coleta de produtos não madeireiros no
estado do Ceará, onde foram resgatados 13 trabalhadores, revelou que a
cozinheira, única mulher no estabelecimento rural, era obrigada a realizar suas
necessidades fisiológicas “no mato”, ao redor da casa e à vista dos demais
trabalhadores. A ausência de instalações sanitárias adequadas também
obrigava esta cozinheira a conviver diariamente com vários homens urinando e
excretando ao redor de seu alojamento.
Além disso, o local de banho, um riacho distante cerca de 200 m do
alojamento, também era compartilhado por todos. Deste modo, restava a seta
trabalhadora tomar banho no mesmo local dos demais.
Outro caso que chama a atenção ocorreu em um garimpo, no Pará.
Neste local também funcionava uma cantina onde os trabalhadores podiam
adquirir bebidas alcoólicas, mantimentos e medicamentos. Tudo era cobrado
em ouro e anotado em outro caderno sob a responsabilidade de dona
Raimunda. Esta também anotava no caderno da cantina valores que
garimpeiros pediam para ela transferir para as cozinheiras.
Observou-se que as cozinheiras tentavam aumentar a sua renda
"ficando" ou "dormindo" com garimpeiros, que é a forma que elas falavam
sobre fazerem sexo pago com estes trabalhadores. O garimpeiro acertava com
uma cozinheira um valor de ouro para "ficar" ou "dormir" com ela, normalmente
entre 3 e 6 gramas de ouro, o equivalente a R$300,00 e R$600.
No entanto, as cozinheiras não recebiam pelo “programa”. A dona
Raimunda anotava os valores na conta da cozinheira no caderno da cantina.
Quando um garimpeiro ia embora, este acertava as contas com a dona
Raimunda. Contudo, caso do garimpeiro tivesse produzido pouco e
consequentemente ficasse "devendo" à cantina, este também ficava devendo
para alguma cozinheira pelo programa feito. A dona Raimunda primeiro
descontava da produção o que era "devido" na cantina e caso sobrasse algum
valor, esta repassava para as cozinheiras.
114

Foi observado que a dona Raimunda não apenas sabia da prática da


prostituição no garimpo, mas tinha isto como fator de estabilidade social entre
os garimpeiros, tanto que ela só contratava como cozinheira, mulheres solteiras
e que não se "amigassem" no garimpo. Era necessário que ela prestasse os
seus "serviços" aos demais garimpeiros. Caso uma cozinheira se "amigasse"
com um garimpeiro, ela ou os dois eram expulsos do garimpo.

4.11.4 Estrangeiros

Outro auto de infração, agora lavrado em um estabelecimento rural no


estado de Roraima, foram encontrados quatro trabalhadores venezuelanos em
situação de trabalho análoga à de escravo.

Ressalta-se que os trabalhadores eram estrangeiros, em situação de


vulnerabilidade, havendo saído da Venezuela, país que vive uma
crise sem precedentes, em busca de uma vida melhor no Brasil. O
impacto da imigração é sentido por todos os lados. Por toda a cidade
de Boa Vista, há semáforos lotados de venezuelanos segurando
placas em que pedem emprego. Milhares dormem nas ruas,
principalmente em praças e os abrigos abertos pelo governo ou
entidades sem fins lucrativos estão superlotados há meses. Importa
salientar que o próprio Governo Federal reconheceu, por meio do
Decreto nº 9.285, de 15 de fevereiro de 2018, o estado de
vulnerabilidade do povo venezuelano decorrente do fluxo migratório
para o Estado de Roraima, provocado pela crise humanitária na
República

De modo semelhante, durante uma outra inspeção trabalhista em uma


fazenda especializada na criação de bovinos, no estado de Goiás, também
foram encontrados trabalhadores estrangeiros em um cenário que o Auditor
Fiscal responsável pela lavratura do auto de infração descreveu como de
descumprimento, quase absoluto, da legislação trabalhista por parte do
empregador. Em relato, esse servidor destacou que era “ [...] como se
praticamente inexistissem normas de proteção ao trabalho [...].
Por sua, vez, em uma fazenda de criação de bovinos para corte, em
Roraima, a Auditoria Fiscal do Trabalho flagrou 3 trabalhadores estrangeiros,
dos quais dois homens e uma mulher, submetidos prática análoga à escravidão
na modalidade trabalho forçado. A situação na qual encontraram os
trabalhadores, levou os auditores a concluírem também pela configuração dos
115

atos praticados como tráfico de pessoas para fins econômicos, uma vez que
restou claro o aproveitamento da situação de vulnerabilidade dos mesmos.
Agrava-se o fato o baixo salário ajustado, R$ 400,00 (quatrocentos reais)
mensais, valor referente a uma jornada de cerca de 10 (dez) horas diárias, de
segunda a segunda, sem descanso semanal, bem como o isolamento
geográfico, tornando involuntário um trabalho aparentemente voluntário.
Convém destacar que, os imigrantes venezuelanos enxergam no Brasil
uma oportunidade para sobrevivem e recomeçarem suas vidas. O Direito
Internacional reconhece a imigração e o refúgio como importantes questões de
Direitos Humanos, uma vez que os imigrantes e os refugiados estão, devido a
sua condição, mais vulneráveis à discriminação e à opressão (LOPES, 2017).
Assim, “[...] os migrantes e refugiados carregam o estigma da condição
de estrangeiro e, por isso, são os primeiros a serem perseguidos quando as
condições sociais e econômicas produzem percepção de escassez [...]”
(LOPES, 2017, p. 228), especialmente quando se observa o mercado de
trabalho no setor rural brasileiro.

4.11.5 Religião

Também chama a atenção a ação de fiscalização realizada por uma


equipe especialmente designada pela Divisão de Fiscalização para Erradicação
do Trabalho Escravo – DETRAE, da Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT
do Ministério do Trabalho, em um grupo econômico que atuava em
estabelecimentos comerciais e em fazendas no estado de Minas Gerais, sob a
influência de uma igreja cristã.
Este grupo econômico, conforme narrado no auto de infração, já possuía
um importante histórico de denúncias que relatavam a manutenção de fiéis em
situação análoga à de escravidão em propriedades rurais e em empresas do
sul de Minas Gerais, bem como o apoderamento todos os bens das vítimas.
Os trabalhadores eram recrutados por membros da Igreja no Estado de
São Paulo e posteriormente removidas para cidades do sul de Minas Gerais,
onde trabalhavam em condições análogas à de escravos em pastelarias,
lanchonetes, restaurantes e fazendas.
116

Tais fatos resultaram na operação “CANAÔ, realizada pela Polícia


Federal em abril de 2013 e, diante de novos relatos acerca da continuidade dos
atos ilícitos, uma nova operação, batizada de “DE VOLTA PARA CANAÔ e
realizada em agosto de 2015.
À época, foram denunciadas 24 pessoas, contudo houveram notícias
acerca da continuidade das atividades ilícitas por parte desta comunidade
religiosa. Deste modo, a 4ª Vara Criminal da Justiça Federal de Minas Gerais
determinou, no bojo da ação penal, que a Polícia Federal e a Auditoria Fiscal
do Trabalho realizassem uma nova inspeção nos estabelecimentos já
investigados, o que resultou no auto de infração em estudo.
Inicialmente, os auditores responsáveis pela fiscalização destacaram no
auto de infração que, ao contrário do que ocorre em ações fiscais de combate
ao trabalho análogo ao de escravo, nos quais as vítimas se mostram
insatisfeitas com as condições de trabalho que lhe são impostas e são
colaborativas com os agentes públicos, no caso em relato, o diálogo e
colaboração das vítimas foi quase não existiu.
Percebeu-se que as vítimas haviam sido orientadas a não prestarem
informações e até mesmo dificultar que os agentes públicos as obtivessem.
Assim, mostrou-se corriqueiro que as vítimas mentissem sobre sua situação
cotidiana, sobre a forma de entrada na "comunidade" e o momento em que tal
fato aconteceu.
Deste modo, a convicção acerca da realidade dos fatos ocorreu por meio
de alguns poucos depoimentos confiáveis das vítimas e pela análise
aprofundada de documentos e pela busca de informações em sistemas
informatizados do Governo Federal.
Ainda sobre o processo de aliciamento dos trabalhadores, destaca-se
que este era facilitado por meio da manutenção de cultos na capital de São
Paulo, nos quais as vítimas eram iludidas e arregimentadas. Inicialmente, os
recrutados eram alojados em casas comunitárias e posteriormente distribuídos
para serem explorados em fazendas ou empreendimentos comerciais urbanos
nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia.
Deste modo, a “comunidade cristã” era utilizada como porta de entrada
por meio da qual os trabalhadores eram recrutados e inseridos no processo
produtivo do grupo econômico.
117

Por meio dos cultos, das pregações em programas de rádio e do canal


de TV da própria “comunidade cristã”, os trabalhadores/fiéis eram atraídos e
passam por todo um processo de aliciamento e convencimento para adesão a
forma de vida sugerida pela Igreja. Estes deviam ainda buscar valores
baseados na comunhão comum, no desapego e na adesão a uma vida
comunitária.
As vítimas, a maioria recrutadas em São Paulo, eram abrigadas
provisoriamente na própria cidade e posteriormente distribuídas para casas
comunitárias nas cidades onde iriam prestar seus serviços em
empreendimentos comerciais urbanos. Caso viessem a trabalhar em fazendas,
sua transferência era realizada para as próprias propriedades rurais, onde
passariam a residir.
Sobre o processo de aliciamento e adesão ao grupo econômico observa-
se a preferência por fiéis que possuam algum bem com o intuito de convencê-
los a doá-lo para a ‘comunidade’, conforme se observa no depoimento de um
dos trabalhadores resgatados pela fiscalização do trabalho.

"QUE antes de ir para Minas vendeu todos os pertences para poder ir


para Minas e que também sacou o FGTS e recebeu os direitos de
quando saiu da firma, que trabalhava em uma metalúrgica então
juntou o dinheiro dos ‘meus direitos’ e dos pertences que vendeu que
deu um total aproximado de R$30.000,00 (trinta mil reais); QUE na
época ainda em SP iniciou o investimento para o bem comum dando
R$6.000,00 (seis mil reais) para o irmão MARCOS; que esse irmão
MARCOS fazia parte da irmandade da igreja "Jesus – A verdade que
marca";(...) QUE o restante do investimento entrou tudo como ações
quando chegou na Bahia; QUE esse investimento nas ações foi de
R$24.000,00 (vinte e quatro mil reais), QUE foi considerado como
valor total os R$30.000,00 (trinta mil reais), porque foi os 6 mil e mais
os 24 mil".

Estes fatos são igualmente observados no depoimento de outro


trabalhador:

"QUE vendeu uma moto velha antes de ir para Minas; QUE na época
vendeu por aproximadamente R$2.000,00; QUE não se lembra se o
valor destinado como ‘investimento’ foi o total da venda da moto; QUE
o valor era para a produção de milho, feijão (...)".

Assim, a autuada reduz à condição análoga à de escravo na hipótese de


trabalho degradante 565 (quinhentos e sessenta e cinco) trabalhadores, sendo
118

que 151 (cento e cinquenta e um) deles já haviam sido caracterizados nesta
condição em ação fiscal empreendida em 2013.
Ademais, constatou-se que a autuada não possuía oficialmente nenhum
empregado formalmente registrado, exercendo as funções de organização e
controle do conjunto dos empreendimentos por meio de fictícios contratos de
prestação de serviços e ainda pelo comando direto sobre os empreendimentos
comerciais que são comandados ou por pessoas subordinadas a autuada ou
que simplesmente figuram como "laranjas".
Como já se apontou anteriormente, o alojamento das vítimas em casas
comunitárias consistia em uma importante estratégia aliciamento. Deste modo,
o auto de infração destaca que “[...] desde a entrada na primeira casa
comunitária fica evidente que os trabalhadores já devem iniciar atividades
laborais para sustentar suas despesas, a manutenção da casa comunitária,
bem como da ‘comunidade’ da qual passam a pertencer [..]”.
A equipe de fiscalização que atuou em São Paulo, ao inspecionar um
dos alojamentos no Bairro da Lapa, e que à época abrigava o maior número de
vítimas daquela cidade, observou que alguns dos trabalhadores lá alojados já
estavam exercendo funções laborais. Do mesmo modo, nas demais casas
comunitárias espelhadas por cidades de Minas Gerais e Bahia, foi possível
identificar um número significativo de trabalhadores que estavam atuando
como autônomos, vendendo em logradouros públicos os produtos dos
empreendimentos do grupo econômico.
Importante ressaltar que ninguém se mantém alojado e se alimentando
se não contribuir com recursos econômicos ou com a força de seu trabalho.
Trabalhadores residentes, trabalhadores autônomos e trabalhadores que
prestam serviços nos empreendimentos do grupo necessariamente contribuem
para o pagamento mensal das despesas das casas comunitárias em valores de
aproximadamente de R$ 400,00 (quatrocentos reais).
Deste modo, observou-se q submissão de 565 trabalhadores à condição
análoga à de escravo, por meio da exposição à condições degradantes de
trabalho. Evidenciou-se que a autuada, por si e pelas empresas do grupo
econômico que dirige, suprimiu direitos laborais garantidos pela Constituição
Federal da República, seja em sua totalidade ou parcialmente, impondo
condições aviltantes e degradantes às vítimas.
119

Deste modo, os auditores entenderam restarem comprovados que as


vítimas trabalhavam em troca de casa e comida, embalados por um discurso
religioso de vida em comunidade, construção do bem comum e de um
patrimônio coletivo.
A Fiscalização Trabalhista também identificou evidências do
cometimento do crime de tráfico de pessoas, conduta prevista no art. 149-A do
Código Penal.

Art. 149-A.  Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar,


alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação,
fraude ou abuso, com a finalidade de:             
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;             
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de
escravo;           
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;             
IV - adoção ilegal; ou             
V - exploração sexual.             
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1 o A pena é aumentada de um terço até a metade se:
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas
funções ou a pretexto de exercê-las;             
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa
ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas,
de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de
autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de
emprego, cargo ou função; ou        
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.
§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e
não integrar organização criminosa.  

Também foram constados indícios do cometimento dos crimes previstos


nos art. 203, do Código Penal.

Frustração de direito assegurado por lei trabalhista


Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado
pela legislação do trabalho:
Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena
correspondente à violência. 
§ 1º Na mesma pena incorre quem: 
I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado
estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em
virtude de dívida;  
II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza,
mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos
pessoais ou contratuais. 
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor
de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência
física ou mental. 
120

Bem como, do crime disposto no art. 297, §4º, do Código Penal.

Falsificação de documento público


Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou
alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
[...]
§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos
mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a
remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de
serviços.

4.12 DEMAIS ENTES ESTATAIS QUE ATUAM NO COMBATE ÀS


CONDIÇÕES DE TRABALHO ANÁLOGAS À DE ESCRAVO

Observa-se, nos autos de infração analisados que, além da presença


dos Auditores Fiscais do Trabalho, outros órgãos, como o Ministério Público do
Trabalho, Defensoria Pública Federal, Procuradoria-geral da República,
Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal,
Secretarias Estaduais de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social,
e Universidades Federais também atuam ativamente no combate às condições
de trabalho análogas à escravidão, conforme exposto na tabela a seguir.

Tabela 8 – Órgãos que também atuam no combate às condições de


trabalho análogas à de escravidão
Órgão Frequência
Fonte: MPT 46 Elaboração
Defensoria Pública Federal 30
própria (2020).
PRF 29
PF 19
MPF 10
Dos 93 autos de
PM 10
infração PM Ambiental 6 estudados,
os Secretaria Estaduais 4
Polícia Civil 2
Universidade Federal 2
Total 158

Procuradores do Ministério Público do Trabalho – MPT, estiveram presentes,


junto com Auditores Fiscais do Trabalho, em 46 casos, se firmando como
principal parceiro nesta luta.
121

A atuação do MPT é regulamentada pelo Decreto n. 40.359, de 16 de


novembro de 1956, o qual estabelece que a atuação do Ministério Público da
União junto a Justiça do Trabalho tem por finalidade zelar pela exata
observância da Constituição Federal das Leis e atos emanados dos poderes
públicos, na esfera de suas atribuições.

A Defensoria Pública Federal aparece em segundo lugar, atuando em 30


inspeções trabalhistas, com o intuito de garantir o acesso à justiça pelos
trabalhadores resgatados que, como já mencionado, são, geralmente, pessoas
advindas de um contexto socioeconômico onde prospera a pobreza, o
analfabetismo e o desemprego.

Em terceiro lugar observa-se atuação Polícia Rodoviária Federal – PRF,


que aparece como parceira dos Auditores Fiscais do Trabalho em 29 autos de
infração. Instituída pelo art. 144, II, da Constituição Federal, e presente em todo
o território nacional, a PRF tem a missão de garantir a segurança nas rodovias
federais. A expertise desses profissionais permite o acesso às propriedades
rurais, geralmente situadas em locais geograficamente isolados e de difícil
acesso.

Do mesmo modo, a Polícia Federal do Brasil – PF, também instituída


pelo art. 144, I, da Constituição Federal, se apresenta como um dos principais
aliados na fiscalização do trabalho escravo contemporâneo, tendo atuando em
19 fiscalizações trabalhistas.

Em quinto lugar, tem-se o Ministério Público Federal, que auxiliou em 10


casos de trabalho análogo ao de escravo durante o ano de 2018. Esse órgão,
possui suas atribuições previstas no art. 129, da Constituição Federal, cujas
funções são consideradas essenciais para a promoção da justiça. Assim,
compete ao Ministério Público Federal defender os cidadãos contra eventuais
omissões e abusos por parte do Poder Público, de modo a defender os direitos
individuais e sociais da população.

Também convém registrar a Polícia Militar (10), Polícia Militar Ambiental


(6), Secretarias Estaduais (4), Polícia Civil (2) e Universidade Federal (2), este
último, atua disponibilizando tradutores para os casos nos quais são
registradas denúncias de exploração do trabalho de estrangeiros.
122
123

5. CONCLUSÃO

A análise dos autos de infração objetos deste estudo demonstrou uma


violação sistemática dos valores, princípios e regras normativas, distribuídos
pela Constituição da República Federativa do Brasil, pela Consolidação das
Leis do Trabalho, pelos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos
ratificados pelo Brasil e pelas legislações esparsas.
Os ilícitos, comissivos e omissivos narrados, a par dos efeitos
prejudiciais causados à saúde e segurança dos trabalhadores, configuram
ainda, quando tomados em conjunto, um aviltamento da dignidade dos
trabalhadores, por força de sua submissão a condições de vida e trabalho
degradantes ou, ainda, pela submissão ao trabalho forçado.
As narrativas demonstraram que as condições nas quais os
trabalhadores eram mantidos, até a chegada da fiscalização trabalhista,
acabavam por negá-los da sua condição humana, por meio da violação de
diversos direitos fundamentais.
O esforço conjunto da Sociedade e do Estado torna-se ferramenta
fundamental na prevenção e combate às condições análogas ao de escravo.
Iniciando este trabalho, conforme salienta Melo (2017) é fundamenta que
haja “[...] a conscientização da sociedade civil [...]” (MELO, p. 61, 2017),
considerada um “[...] fator de especial relevância para o combate ao trabalho
forçado e degradante [...]” (MELO, p. 61, 2017).
Mecanismos como diálogos com a população e divulgação de material
informativo, esclarecendo acerca das práticas que configuram o trabalho
escravo, se mostram como importantes ferramentas “uma vez que a atuação
dos órgãos de combate do trabalho escravo é muitas vezes motivada por
denúncias recebidas por e-mail ou presencialmente [...]” (MELO, p. 61, 2017).
Outro mecanismo essencial é o apoio dos meios de comunicação,
considerados um aliado importante para a ampliação do alcance das
campanhas nacionais e regionais (MELO, 2017). Assim, o “[...] “o papel da
imprensa é justamente informar e aproximar a sociedade civil dessa realidade,
infelizmente ignorada por muitos segmentos sociais [...]” (MELO, p. 61, 2017).
124

Por fim, é fundamental “fortalecer parecerias” entre as “instituições que


atuam no combate ao trabalho escravo” (MELO, p. 61, 2017).

Aberração do trabalho escravo. Ver as conclusões.

Ao iniciar esta pesquisa ..... objetivo geral + específicos

Responder o que você obteve com cada obj especifico


Depois com o geral

- O que você acha que poderia ser feito além do trabalho que você fez.
Sugestões para pesquisas futuras.

Produto técnico.
125

REFERÊNCIAS

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das condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil. Revista Foco, v.
12, n. 1, p. 04-24, 2019.

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Executive, v. 18, n. 2, p. 39-53, 2004. Disponível em:
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126

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de 2003.

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3o, alínea “d”, e 4o da Convenção 182 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e
ação imediata para sua eliminação, aprovada pelo Decreto Legislativo no 178,
de 14 de dezembro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de
setembro de 2000, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 13 de junho de 2008 e retificado em 23 de outubro de 2008.

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do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943,
e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e
8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações
de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 de jul. 2017.

BRASIL. Decreto nº 9.745, de 8 de abril de 2019. Aprova a Estrutura


Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das
Funções de Confiança do Ministério da Economia, remaneja cargos em
comissão e funções de confiança, transforma cargos em comissão e funções
de confiança e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e
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out. 2007. Publicado em: 01 fev. 2008. Disponivel ... Onde foi publicado?????

BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF (Tribunal Pleno). Inquérito- Inq 3412
/ AL – Alagoas. Autor: Ministério Público Federal. Investigado: João José
Pereira de Lyra e Antônio José Pereira de Lyra. Relator (a): Min. Marco
Aurélio. Julgamento em: 29 mar. 2012. Publicado em: 12 nov. 2012. Onde foi
publicado????? Se não tiver um veículo de publicação, tem que colocar o site.

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Referenciar corretamente o que está marcado de rosa.

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ANEXO A

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