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Tudo aquilo que não é espelho: preconceito racial e suas manifestações

entre docentes universitários no contexto de emergência de políticas


afirmativas para grupos étnico-raciais

Ellen Patrícia Braga Pantoja

RESUMO

O presente trabalho versa sobre formação docente e o papel da educação, considerando os


efeitos que a dinâmica social capitalista exerce sobre a cultura, em especial sobre a
manifestação do preconceito étnico-racial. Nesse sentido, o estudo é realizado a partir das
contribuições da teoria crítica da sociedade, em especial os estudos de Adorno e Crochík, os
quais possibilitam o exercício de um olhar sociopsicológico sobre o indivíduo e a sociedade.
O arcabouço teórico construído possibilitou a retomada de alguns dados coletados no
processo de discussão e aprovação da política de cotas étnico-raciais na Universidade Federal
do Maranhão em 2006, cujos discursos são analisados a partir de importantes aspectos
levantados pela teoria crítica no que concerne à manifestação do preconceito. Ao final, são
feitas algumas considerações sobre como o indivíduo, à luz da teoria crítica, ainda que não se
torne imune ao preconceito, possa a ele se tornar resistente por meio de uma educação voltada
para a autonomia e a emancipação. A pesquisa realizada se deu a partir de uma abordagem
metodológica qualitativa de cunho exploratório, baseada no levantamento de referências
bibliográficas, observações, vivências e diário de campo.

PALAVRAS-CHAVE: Preconceito. Formação Docente. Teoria Crítica.

INTRODUÇÃO

Muitos foram os efeitos nefastos gerados pela escravidão, pelo colonialismo e pela
propagação de teorias racialistas no Brasil, onde o significado social atribuído às diferenças
de cor de pele, por exemplo, correspondeu a uma hierarquização dos sujeitos. Se fazia
necessário refletir sobre esse problema social e a busca de sua superação em termos de
políticas de reconhecimento da diferença e promoção da igualdade material – bandeira esta
defendida e reivindicada pelo movimento negro durante o século XX.
Entretanto, ainda que leis tenham sido promulgadas e políticas públicas estejam
sendo implementadas neste início do século XXI, observa-se que o preconceito e o racismo
constituem uma tônica ainda presente nas relações sociais, dadas as condições histórico-
sociais que até hoje reverberam em nossa sociedade. Nesse contexto, se verifica ainda uma
subordinação cada vez maior da ciência técnica às forças produtivas e às relações de
produção, gerando processos formativos e educacionais aligeirados, de repressão do
diferenciado em prol da uniformização da sociedade administrada, travando o indivíduo à
experiência, o que é denominado por Adorno (2010) como “semiformação”, uma vez que não
possibilita que esse processo seja reflexivo, dialético, esclarecedor e emancipatório.
Para Adorno (2010), somente a experiência, a partir de um processo de abertura e
contato com o objeto, valorizando tanto o processo quanto seus resultados a partir de um
aprendizado que rompa as limitações auto estabelecidas, é capaz de possibilitar o
esclarecimento como consciência de si e consequente emancipação em relação à situação
vigente. Nesse sentido, Crochík (2011) afirma que a discussão sobre preconceito, tema deste
trabalho, requer de cada um de nós, inclusive docentes, uma autorreflexão sobre os nossos
sentimentos, pensamentos e atos cotidianos. Defendendo a tese de que não somos imunes ao
preconceito, o autor considera que somente nos é possível obter uma compreensão deste tema
quando, nesse processo de autorreflexão, formos capazes de reconhecer em nós mesmos a
violência que criticamos no outro.
Partindo dessa concepção, visualiza-se a importância da formação docente voltada
para uma educação que possibilite – por meio da experiência e da autorreflexão contínua – a
resistência dos indivíduos ao preconceito e à discriminação, como propõe a teoria crítica da
sociedade, considerando os efeitos que a dinâmica social capitalista exerce sobre a cultura.

OBJETIVO

Refletir a respeito da formação docente no que tange à educação para as relações


étnico-raciais, considerando a intersecção existente entre formação, indivíduo e fenômenos
psíquicos como o preconceito.

PROBLEMA

Com base no contexto apresentado, advieram as seguintes indagações: Como


podemos relacionar processos formativos aligeirados e de travamento da experiência com a
questão do preconceito tão fortemente presente nas relações sociais? Que fatores tornam o
indivíduo predisposto a essa manifestação do preconceito? Como, por meio da educação e da
formação docente voltada para uma reflexão contínua, o indivíduo, ainda que não se torne
imune, pode se tornar resistente ao preconceito?
Para tanto, é necessário compreender o papel da educação e da formação cultural
nesse processo, uma vez que os referenciais da razão têm sido embaralhados por uma
racionalidade produtivista que envolve a dinâmica capitalista, na qual o sentido ético dos
processos formativos e educacionais acabam por se submeter e vagar à mercê das marés
econômicas (MAAR, 2010). Isto significa que as relações sociais não são afetadas somente
pelas condições da produção econômica e material, mas que interagem também no plano da
subjetividade, originando relações de dominação, em que se tem a manipulação das massas
como um de seus exemplos.

METODOLOGIA

Para a realização do objetivo deste trabalho, tomou-se uma abordagem metodológica


qualitativa de cunho exploratório, baseada no levantamento de referências bibliográficas,
vivências, observações e diário de campo, utilizados durante o processo de discussão e
aprovação das cotas na UFMA.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Analisando o preconceito em suas dimensões sociais e psíquicas, Crochík (2011)


aponta como um primeiro elemento que constitui o preconceito, o fato de que este não é inato,
mas sim desenvolvido durante o processo de socialização. O autor aponta também como
elemento de sua constituição uma relativa independência entre o indivíduo que porta o
preconceito e o objeto ao qual esse se destina. Isto porque o indivíduo que apresenta
preconceito em relação a um determinado objeto tende a apresentá-lo também a outros
objetos.
De acordo com Crochík (2011), o preconceito se caracteriza por um conteúdo
específico dirigido ao objeto e por um determinado tipo de reação frente a ele, em geral, de
estranhamento ou de hostilidade. Esse conteúdo específico é denominado estereótipo, o qual é
constituído de uma série de predicados fixos que são atribuídos ao objeto, havendo um
principal, do qual os outros são derivados. Tanto o predicado principal quanto os derivados
são retirados de distinções estabelecidas pela cultura entre sexos, ocupações, doenças, raças,
povos, religiões, idade etc. A cultura, nesse desiderato, desenvolve um papel essencial,
contribuindo não apenas com a nomenclatura, como também atribuindo juízos de valores a
essas distinções.
Para o autor, a desvalorização dos objetos do preconceito seria proveniente da
divisão do trabalho, da hierarquia social estabelecida e das necessidades sociais do mundo do
trabalho, sendo assim confrontados com o ideal cultural introjetado pelo indivíduo
predisposto ao preconceito, que utiliza o pensamento estereotipado como forma de simplificar
o real, a fim de poder se relacionar com o mesmo.
Todo esse processo é a ele imposto como forma de suportar o sofrimento gerado por
uma cultura que se mostra dissociada de seus membros, revelando sua irracionalidade ao
colocar em primeiro plano o atendimento a interesses que são alheios e, por vezes, contrários
aos de seus membros. Desse modo, como afirma Crochík (2011), a violência sutil ou
manifesta exercida pelo preconceituoso acaba por se constituir numa resposta à violência sutil
ou manifesta gerada inicialmente pela cultura.
A formação do preconceito está, pois, relacionada à formação do indivíduo, tolhido
que foi da experiência e da reflexão sobre o objeto que lhe causa estranheza. Referindo-se a
uma “pseudoformação”, o autor tece o seguinte comentário:

A pseudoformação, inimiga de qualquer formação, se expressa na


superficialidade com a qual os dados da cultura são apresentados e
incorporados. Do outro lado da cultura, isto significa sua banalização; do
lado do indivíduo, seu enfraquecimento. Ele incorpora diversas informações
para estar “a par” e não ser tomado como ignorante, o que seria um golpe ao
seu já fragilizado eu [...]. (CROCHÍK, 2011, p. 138)

O autor assevera que quanto maior a dificuldade do sujeito em experimentar e


refletir, maior será sua necessidade de defesa frente aos objetos que lhe causam estranheza,
mormente pelo entendimento de que, dentro de uma leitura freudiana, o objeto que causa
estranheza é demasiado familiar ao sujeito. Esse medo frente ao diferente, segundo Crochík,
seria produto menos daquilo que não conhecemos, do que daquilo que não queremos e não
podemos reconhecer em nós mesmos através dos outros.
Atendo-se à questão dos processos formativos e da educação, o autor coloca que se
esta visa apenas introjetar valores e conhecimentos sem que os mesmos possam ser refletidos
pelos sujeitos, ela estará então favorecendo muito mais a constituição de mecanismos
psíquicos que favorecem o desenvolvimento do preconceito. Isto por estar voltada
prioritariamente às necessidades do mercado de trabalho que, pelo atual estágio de
acumulação flexível do capital e suas respectivas mudanças tecnológicas e organizacionais,
tem necessitado cada vez menos de pessoas para produzir, colocando o sujeito numa situação
ainda maior de conflito interno e externo.
Uma vez abordados alguns aspectos teóricos do preconceito na perspectiva da teoria
crítica, interessou-nos retomar alguns dados empíricos colhidos durante a pesquisa do
mestrado, referentes a discursos e argumentos utilizados nos debates que antecederam a
votação sobre política de cotas étnico-raciais na Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
– votação realizada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE) desta
universidade, em novembro de 2006.
Tais debates foram realizados nas assembleias departamentais, nos conselhos de
centro e em reuniões do Núcleo de Estudos Afro Brasileiros (NEAB) com a Pró-Reitora de
Ensino da UFMA (PROEN). Como dito na introdução deste trabalho, a pesquisa tomou como
procedimento metodológico a vivência, a observação e diários de campo elaborados a partir
do acompanhamento dessas discussões.
Para o presente trabalho, são apresentadas a seguir três situações referentes a
posicionamentos, opiniões e falas que de alguma forma marcaram esses debates e que
expressam a visão dos sujeitos envolvidos acerca da questão racial, visualizando-se inclusive
o modo como estes, consciente ou inconscientemente, manifestam o preconceito. Tais dados
passam a ser agora analisados com base nas contribuições de Adorno e Crochík em relação a
esta temática.
Ressaltamos, primeiramente, que a categoria “raça” foi trabalhada na pesquisa
enquanto conceito que corresponde não a uma realidade natural, mas sim a uma construção
social, na qual diferenças fenotípicas passaram a ser utilizadas como símbolos de
diferenciação social, cujas relações advindas dessa distinção deram ensejo a relações de
poder, definidoras de status social, classes, etc. Disto advém ainda a compreensão acerca da
categoria “racismo”, tomado enquanto forma de explicar diferenças pessoais, sociais e
culturais a partir de diferenças tomadas como naturais – diferenças marcadas pela imposição
de um padrão cultural e pela hierarquização criada a partir dele (GUIMARÃES, 2003).
Esta observação se faz importante ao tomarmos a primeira situação de análise,
referente a uma dificuldade inicial apontada por um dos membros do NEAB/UFMA durante a
discussão do projeto de ações afirmativas para grupos étnico-raciais na universidade. Tratou-
se, segundo este integrante do NEAB/UFMA na época, de provar sua condição racial:
“Primeiro, eu tenho de provar a todos que sou negro, para depois continuar provando que
existe preconceito, discriminação racial e racismo nesse país”.
Essa fala nos remete a duas importantes observações de Adorno (2011), que
passamos a analisar no presente caso: a primeira, atinente à necessidade de elaborar o
passado, marcado pela violência; e a segunda, referente à noção de tabu enquanto
sedimentação coletiva de representações.
No que se refere a “elaborar o passado”, cabe trazer a seguinte afirmação de Adorno,
ao criticar o uso dessa expressão apenas como um chavão que em nada visa esclarecê-lo:

Nesta formulação, a elaboração do passado não significa elaborá-lo a sério,


rompendo seu encanto por meio de uma consciência clara. Mas o que se
pretende, ao contrário, é encerrar a questão do passado, se possível inclusive
riscando-o da memória. O gesto de tudo esquecer e perdoar, privativo de
quem sofreu a injustiça, acaba advindo dos partidários daqueles que
praticaram a injustiça (ADORNO, 2010, p. 29).

Isto nos remete a certos aspectos da história do Brasil, especificamente o contexto


pós-abolição da escravidão e instauração do regime republicano, em que se verificava a
necessidade premente de se pensar na construção de uma nova nação, de se buscar a unidade e
de se forjar a existência de um povo. Segundo De Deus (2000), havia naquele momento um
certo clamor pelo esquecimento da recém abolida escravidão, o que foi expresso em um dos
feitos do então ministro Ruy Barbosa, que em 1890 deliberou sobre a queima de documentos
que aludissem à escravidão.
Isto significa que o passado escravocrata no Brasil se tornou uma história silenciada,
a qual somente depois de mais de um século, com o fortalecimento do movimento negro e
suas reivindicações, buscou por meio de fragmentos a sua reconstrução. Nesse ínterim,
impingiu-se, tanto nos processos formativos como na própria educação brasileira, um
esquecimento e uma submissão a um padrão cultural no qual o negro era invisível ou mesmo
sobrepujado das relações sociais por meio do alijamento e alienação quanto à sua própria
condição histórica e social.
Além desta, outras têm sido as barreiras e dificuldades impostas aos que buscam
refletir sobre a construção histórica das relações raciais no Brasil, expressas principalmente
em teorias que ainda hoje permeiam representações inconscientes ou pré-conscientes, como as
teorias racialistas e os mitos que pregam a ausência de conflitos raciais, como o da
democracia racial, abordados no início do item anterior.
Tanto as teorias racialistas quanto o mito da democracia racial se enquadram no que
Adorno denominou de “tabu”, ao discorrer sobre o magistério na Alemanha:

Tabus significam, a meu ver, representações inconscientes ou pré-


conscientes dos eventuais candidatos ao magistério, mas também de outros,
principalmente das próprias crianças, que vinculam esta profissão como que
a uma interdição psíquica que a submete a dificuldades raramente
esclarecidas. Portanto utilizo o conceito de tabu de um modo relativamente
rigoroso, no sentido da sedimentação coletiva de representações que, de um
modo semelhante àquelas referentes à economia, já mencionadas, em grande
parte perderam sua base real, mais duradouramente até do que as
econômicas, conservando-se porém com muita tenacidade como
preconceitos psicológicos e sociais, que por sua vez retroagem sobre a
realidade convertendo-se em forças reais (ADORNO, 2010, p. 98).

Assim, ao abordar inicialmente essa necessidade de primeiro provar que é negro,


para depois continuar provando que existe preconceito, discriminação e racismo em nossa
sociedade, o integrante do NEAB/UFMA estava ressaltando outra necessidade: a de
confrontar um passado não elaborado em termos de uma reflexão contínua e crítica acerca dos
efeitos deletérios da escravidão, bem como confrontar representações coletivas sedimentadas
como o ideário de uma nação brasileira racialmente híbrida, miscigenada, sincrética e, acima
de tudo, tolerante.
Essa ausência de elaboração do passado e as representações coletivas ainda
presentes, como inferioridade intelectual do negro (produto de teorias racialistas amplamente
propagadas nos séculos XVIII e XIX), também podem ser observados numa segunda situação
que trazemos para discussão. Tratou-se da:

[...] concepção de um professor do departamento de Química sobre as


desigualdades existentes entre brancos e negros tão divulgadas por institutos
de pesquisas como IBGE e IPEA. A seu ver, elas seriam decorrentes de uma
baixa estima do negro. Por se sentir inferior ao branco, o negro
simplesmente se contentaria em ocupar cargos menos estratégicos no
mercado de trabalho. Ao ouvir o discurso de membros do NEAB sobre o
processo histórico de discriminação do negro na sociedade brasileira, este
mesmo professor, como se estivesse lidando com um fato novo para si, fez o
seguinte questionamento: “então, a escravidão gerou essa baixa estima do
negro?” (PANTOJA, 2007, p. 118).

Para este professor, a questão central era a baixa estima do negro, considerada em si
mesma, como sendo causa e consequência das desigualdades apontadas pelos institutos de
pesquisa. Mesmo após uma interlocução com os membros do NEAB/UFMA, este continuou
sendo um aspecto central para ele. Em outro momento, ao ouvir o discurso dos membros do
NEAB/UFMA acerca do grau de desigualdade sócio-racial presente no Maranhão, o professor
também realizou o seguinte comentário: “mas aí isso se dá por uma questão de inferioridade
intelectual?!”. Dessa forma, em sua concepção, estabelecer reserva de vagas para negros
numa universidade pública seria o mesmo que estabelecer privilégios para um grupo de
pessoas que não têm acesso à universidade por serem menos capazes.
Relacionando-se as categorias trabalhadas na pesquisa com as contribuições da teoria
crítica, podemos dizer que o racismo – apoiado em teorias raciais que se mantêm sob a forma
de preconceitos e de estereótipos que o constituem, como atribuição de inferioridade psíquica,
biológica e intelectual do negro em relação ao branco – expressa uma forma de alienação da
realidade social decorrente de uma base objetiva: a exploração do trabalho escravo durante a
acumulação primitiva do capital, que impôs limites ao desenvolvimento dos indivíduos negros
enquanto integrantes do gênero humano e que gerou a separação entre grupos humanos não só
em classes, mas também em raças. Entretanto, isso tem sido tratado de forma a-histórica,
desconsiderando que diferenças entre brancos e negros, além de históricas, foram cultural e
politicamente construídas.
Observando as atuais condições em que o negro, dentro de um novo contexto
civilizatório, começou a ocupar determinados espaços antes demarcados a aqueles que se
enquadravam nos padrões culturais, verifica-se uma disputa por espaços de poder, nos quais
os indivíduos que se sentem em situação de ameaça diante da necessidade de sobrevivência
em meio à dinâmica do capitalismo tardio, manifestam o preconceito enquanto mecanismo
psíquico, que surge como resposta aos conflitos presentes nessa luta.
Nesse sentido, mencionamos uma terceira situação observada na pesquisa e que se
referiu a uma professora integrante do conselho do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas
(CCET/UFMA). Imbuída da compreensão de que no Brasil não existem raças puras e de que
haveria, portanto, uma só raça – a brasileira –, a professora chegou a realizar a seguinte
afirmação para o coordenador do NEAB/UFMA na época: “Mas Carlão, nós nunca tínhamos
notado que você era negro!”.
Relativizando a cor do professor, em razão da profissão exercida pelo mesmo e pela
sua notoriedade no ambiente universitário, a professora acabou por assim manifestar a
percepção de que lidar com o diferente significa conflito, o que corresponde à manifestação
do preconceito na medida em que olha com estranheza tudo aquilo que não é espelho, ou seja,
tudo aquilo que é diferente e que, portanto, lhe causa medo e aversão.
Na visão da professora, melhor seria integrar o colega professor, mas a partir de uma
assimilação cultural que prefere vê-lo a partir da ideologia branca dominante. Ou seja, é
preferível que ele não seja visto a partir de sua especificidade, das diferenças que o
constituem, pois isto significaria conflitos e, principalmente, disputa de poder e de espaço
com quem não está entre seus pares, com quem lhe é estranho. Assim, reconhecendo que
admitir a diferença é lidar com disputa de poder, a professora teceu ainda o seguinte
comentário: “Eu quero olhar para as pessoas com os mesmos olhos que eu olho hoje e não
como negros e brancos que brigam por espaços de poder”.
Esse raciocínio demonstra o anseio em se manter o poder sobre mais fraco, como
meio de garantir espaço em uma sociedade que gira em torno de poder. Entretanto, conforme
menção feita anteriormente a Crochík (2011), trata-se de uma busca fadada ao fracasso, visto
que não elimina o mal-estar gerado ao indivíduo cada vez mais fragilizado pela pressão
exercida pelo processo civilizatório.
Os posicionamentos observados nas duas últimas situações demonstram como os
indivíduos se mostram suscetíveis à manifestação do preconceito, o que advém desde seus
processos formativos mais tenros, como a primeira infância, nos quais a cultura acaba por
exercer significativa predominância, impedindo-os de, por meio da experiência, se abrirem ao
conhecimento e interação com o que consideram estranho, diferente, e ao mesmo tempo
familiar, passando a refletirem sobre o objeto e sobre si, e assim conquistando um pensamento
autônomo e esclarecido a partir da elaboração de conhecimentos acumulados anteriormente e
que foram resultados dos processos anteriores. A teoria crítica evidencia o papel decisivo que
a educação pode desempenhar nesse processo, constituindo assim um importante instrumento
para que o indivíduo se torne mais resistente ao preconceito.

CONSIDERAÇÕES

Conforme apontamos no decorrer do texto, não somos imunes ao preconceito, o que


corresponde a uma suscetibilidade produto de processos formativos que nos impelem a aderir
a uma “massa amorfa” produzida pela cultura que padroniza e homogeneíza, em meio a um
processo civilizatório cada vez mais enredado que nos sufoca e que, ao mesmo tempo, pode
nos levar a aderir a irracionalidades pautadas no autoritarismo e na violência contra aqueles
considerados socialmente fracos e hierarquicamente inferiores.
Nesse sentido, colocamos que na perspectiva da teoria crítica se faz necessário
repensar os processos formativos, uma vez que quanto maior a dificuldade do sujeito em
experimentar e refletir sobre o objeto, maior será sua necessidade de defesa frente aos objetos
que lhe causam estranheza, manifestando assim o preconceito. Por meio da teoria crítica,
vimos ainda que a educação pode desempenhar um papel fundamental nesse processo.
Há que se considerar, pois, nesse processo a questão da experiência e da reflexão,
sendo aquela condição desta. Isto porque o significado da formação é mais amplo do que a
simples introjeção de valores existentes e pré-determinados, uma vez que abrange o próprio
processo de superação da menoridade, nos dizeres de Adorno (2010), o que se dá por meio do
empirismo, da abertura ao objeto, e assim à possibilidade de o indivíduo pensar acerca do que
faz, refletindo também acerca de si mesmo. Desse modo, a educação tem sentido unicamente
como educação dirigida a uma autorreflexão crítica.
A educação, pois, deve contribuir para o processo de formação e emancipação, por
meio da criação de condições em que os indivíduos, socialmente, conquistem a autonomia.
Somente assim ter-se-ia o antídoto que permite, segundo Crochík (2011), ao menos frear a
destrutividade presente no preconceito, tornando o indivíduo mais resistente às suas
manifestações.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

CROCHÍK, J. L. Preconceito, Indivíduo e Cultura. Rio de Janeiro: Casa do Psicólogo,


2011.

_______. Preconceito, Indivíduo e Sociedade. In Temas em Psicologia. Ribeirão Preto: vol.4


n.3 dez. 1996.

DEUS, Zélia Amador de. A Questão Racial no Brasil. [S. l.: s. n.]. 2000.

GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e anti-racismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Fundação de


Apoio à Universidade de São Paulo, 2005.

MAAR, W. L. À guisa de introdução: Adorno e a experiência formativa. In ADORNO, T. W.


Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

PANTOJA, E. P. B. Direitos diferenciados e ações afirmativas: um estudo sobre políticas


de cotas para negros e índios. São Luís, 2007. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas)
– Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Universidade Federal do Maranhão, São
Luís, 2007.

SILVA, M. C. Educação em Tempos de Crise: da necessidade de controle à possibilidade de


resistência. In Anais IX Seminário Internacional Redes Educativas e Tecnologias. Rio de
Janeiro, de 05 a 08 de junho de 2017. Disponível em:
<http://www.seminarioredes.com.br/ixredes/adm/trabalhos/diagramados/TR65.pdf>. Acesso
em 02.08.2017

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