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Cassius C. Torres-Pereira 1
Aldo Angelim-Dias 2
Nilce Santos Melo 3
Celso Augusto Lemos Jr. 4
Eder Magno Ferreira de Oliveira 5
Abstract Introdução
1 Curso de Odontologia, Progress in cancer management by health systems A epidemiologia do câncer da boca é assunto
Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, Brasil.
involves improvements in surveillance, organi- bem documentado na literatura, e as diferen-
2 Centro de Ciências da zation of healthcare services, specific programs ças regionais de incidência ao redor do mundo
Saúde, Universidade de focused on primary and secondary prevention, parecem estar relacionadas aos dois principais
Fortaleza, Fortaleza, Brasil.
3 Faculdade de Ciências and scientific and technical advances in diagno- fatores de risco: tabagismo e ingestão de bebidas
da Saúde, Universidade de sis and treatment. Despite well-known progress alcoólicas. A incidência mundial estimada, por
Brasília, Brasília, Brasil.
4 Faculdade de Odontologia,
in the management of malignant neoplasms in ano, é de aproximadamente 275 mil casos para
Universidade de São Paulo, all the above areas, oral cancer displays persis- o câncer da boca e 130 mil de câncer de faringe,
São Paulo, Brasil. tently high morbidity and mortality rates, appar- sendo dois terços destes em países em desen-
5 Departamento de Cirurgia e
ently failing to reflect the accumulated scientific volvimento 1,2. No Brasil, o câncer da boca apre-
Traumatologia Buco-maxilo-
facial, Hospital Municipal knowledge on the disease. The current article dis- sentou estimativas de, aproximadamente, 15 mil
Dr. Mário Gatti, Campinas, cusses the reasons for this mismatch, the need for novos casos em 2010 e, dependendo da unidade
Brasil.
redefining priorities in oral cancer management, da federação analisada, a doença chega a ser a
Correspondência and the implementation of such priorities as a quinta colocada dentre as neoplasias malignas
C. C. Torres-Pereira public health policy. de maior incidência em homens 3. Muito embo-
Departamento de
Estomatologia, Curso de
ra existam descrições de que as malignidades da
Odontologia, Universidade Mouth Neoplasms; Health Public Policy; Oral boca estariam ocorrendo em populações mais
Federal do Paraná. Health jovens e de que poderiam estar associadas a ou-
Av. Lothário Meissner 632,
Curitiba, PR 80210-170, Brasil.
tros fatores de risco, a realidade epidemiológica
cassius@ufpr.br aponta em sua maioria um doente acima de 40
anos de idade, do sexo masculino e de baixo es-
trato socioeconômico e educacional 4,5. Os de-
terminantes socioeconômicos, em estudos mais
recentes, vêm aparecendo como um fator com
associação relevante ao aparecimento de novos
casos de câncer da boca 5.
A despeito dos avanços no diagnóstico e tra-
tamento de várias formas de neoplasia maligna
que resultaram em prevenção, diagnóstico pre-
coce e aumento de sobrevida, o câncer da boca cunho governamental. Mesmo assim, para Tor-
permanece como um problema de Saúde Pú- res 16, essas propostas inovadoras quase sempre
blica em que não se nota melhora dos indica- se debatiam no plano teórico, refletindo uma in-
dores epidemiológicos ao longo do tempo 1,2,3,4. tenção no discurso proposto e frustradas em face
Estudos apontam diversos fatores que limitam da ausência das execuções real e prática.
o enfrentamento da problemática do câncer da Segundo Saltz et al. 17, a preocupação com
boca, e dentre estes são descritas as dificuldades a elevada taxa de morbimortalidade do câncer
de estabelecimento de políticas públicas dirigi- da boca no Brasil remonta a 1938, quando Mário
das aos principais fatores de risco relacionados à Kroeff proferia palestras buscando conscientizar
ocorrência de neoplasia maligna oral 1,2,5,6. Além os cirurgiões-dentistas para o diagnóstico preco-
disso, fatores relativos ao paciente e/ou ao pro- ce dessas lesões.
fissional, juntos ou isolados, contribuem para a Em 1970, a Fundação das Pioneiras Sociais
demora no diagnóstico do câncer de boca e suas no Rio de Janeiro elaborou um programa volta-
consequências 7,8. do para a detecção de lesões iniciais de câncer
Embora a doença ocorra em uma topografia da boca, que contou, inclusive, com a criação de
amplamente acessível ao exame clínico e onde, consultórios odontológicos 17.
supostamente, as alterações iniciais neoplásicas O primeiro indício de uma preocupação, no
seriam facilmente detectáveis, estudos acumu- plano nacional, só viria em 1974, quando a Divi-
lam evidências de que esse tipo de câncer ainda é são Nacional do Câncer do Ministério da Saúde
diagnosticado muito tardiamente e, como conse- (DNC/MS) promoveu, em vários estados, cursos
quência, observa-se comumente a necessidade de diagnóstico de câncer bucal, com a intenção
de tratamento mutilador 7,8,9,10. de estender os conhecimentos acerca da doença
Diante desse quadro de demora no diagnós- e como tentativa de sensibilizar os cirurgiões-
tico discute-se na literatura a possibilidade de dentistas quanto ao diagnóstico 17.
ações de rastreamento. Entretanto, ainda não há Um ano mais tarde, o Ministério da Saúde
evidência de que um exame visual, como parte aprovou um plano inicial para elaboração do
de um programa de rastreamento de base popu- Programa Nacional de Prevenção e Diagnóstico
lacional, reduza a taxa de mortalidade por câncer Precoce do Câncer da Boca (CABUL) e, em 1976,
bucal 11,12. Por outro lado, autores têm sugerido a DNC/MS, em colaboração com a Sociedade
que estratégias de identificação de casos, basea- Brasileira de Estomatologia (SOBE, atualmente
das na delimitação do exame visual em indivídu- SOBEP), elaborou um documento que traçou
os com os principais fatores de risco, poderiam as metas básicas delineadoras dos trabalhos do
resultar em uma maior chance de prevenção se- CABUL, nos seus cinco subprogramas (a) pro-
cundária 13,14,15. moção da saúde; (b) proteção específica, diag-
Histologicamente, a maior parte dos casos nóstico precoce e limitação do dano; (c) forma-
é representada pelo carcinoma espinocelular ção de recursos humanos; (d) vigilância epide-
(CEC) ou carcinoma epidermóide 1,2. No presen- miológica; e (e) reabilitação do paciente 17.
te texto, as menções ao câncer oral referem-se Os meios propostos orientaram-se em prin-
principalmente a esse tipo histológico. O obje- cípios inovadores para a constituição de uma
tivo do presente manuscrito é apresentar ações rede permanente e hierarquizada, ainda que
de níveis primário e secundário de atenção à vertical e, de forma especializada, definida em
saúde, que possam modificar positivamente os situações pontuais dos fenômenos saúde/doen-
indicadores epidemiológicos relativos ao câncer ça. Para tanto, por meio do CABUL se formulou a
da boca, relacionando o contexto histórico, as proposta de instalar 252 módulos hierarquizados
ações e os atores envolvidos com a problemáti- e regionalizados, e de treinar 508 profissionais
ca, e as ações de vigilância em saúde que podem liberais, no período de 1977 a 1981. O CABUL
ser implantadas, principalmente no nível de ges- representou um momento de grande importân-
tão local. cia política enquanto movimentação na esfera
pública subsetorial, uma vez que as articulações
desencadeadas em torno dele inauguraram no
Políticas públicas para o câncer da boca: Ministério da Saúde, ainda que timidamente,
o histórico brasileiro propostas inovadoras de articulação interinstitu-
cional na busca de recursos financeiros 17.
Em termos de políticas públicas para o câncer da O momento foi oportuno ao menos pela
boca de âmbito nacional, identifica-se uma preo- oportunidade política da discussão iniciada por
cupação mais institucional por conta do trabalho conta da DNC/MS, que quase culmina com a ins-
quase isolado de profissionais ou de associações tituição de um órgão de coordenação federal da
dos mesmos e menos uma atenção política de Odontologia, no Ministério da Saúde 17.
O Instituto Nacional de Assistência Médica boca. Sabe-se o que essa neoplasia representa,
da Previdência Social (INAMPS) realizou, no pe- quais as suas consequências para o paciente e
ríodo entre 1977 e 1980, cursos sobre diagnós- como tratá-lo; porém, o saber acerca dessa doen-
tico e tratamento de câncer da boca, em vários ça não é difundido para a coletividade e medidas
estados. No Nordeste, duas capitais destaca- relativamente fáceis de serem tomadas não são
ram-se: Recife (Pernambuco), onde se chegou a seguidas 18,20.
instalar um posto do INAMPS para controle do Angelim-Dias 18 registra que, a partir do final
câncer, posteriormente desativado, e Salvador de 2004, um grupo técnico de experts na área de
(Bahia), onde também foi estruturado um am- câncer bucal do Ministério da Saúde começou a
bulatório para controle, igualmente desativado discutir políticas públicas voltadas para o contro-
posteriormente. le dessa doença. Os resultados esperados, porém,
Em 1986, a Campanha Nacional de Combate só poderão ser avaliados quando da real prática
ao Câncer (CNCC), na tentativa de uma atuação das atividades propostas.
mais global para uma atenção eficaz ao câncer,
no país, assinou um protocolo de cooperação
técnica com o INAMPS, criando o Programa de Prevenção primária do câncer da boca
Oncologia (Pro-Onco), sediado no Rio de Janeiro.
Um ano depois é instituído, numa ação con- Os níveis de prevenção das doenças, classica-
junta do Ministério da Previdência e Assistência mente divididos em três: primário, secundário e
Social (MPAS) com o Ministério da Saúde, por terciário, podem ser aplicados ao câncer da boca.
meio do INAMPS e da CNCC, o Programa de Ex- A prevenção primária visa a ações ou iniciativas
pansão da Prevenção e Controle do Câncer da que possam reduzir a incidência e a prevalência
Boca (PEPCCB). O PEPCCB surge como uma das da doença, modificando os hábitos da comu-
estratégias de atuação do Pro-Onco 18. nidade, buscando interromper ou diminuir os
O objetivo geral desse programa era o de “du- fatores de risco como o tabaco, o álcool e a ex-
rante o qüinqüênio 1988-1993 reduzir os índi- posição solar dos lábios, antes mesmo que a do-
ces de morbi-mortalidade por câncer da boca, ença se instale 21,22. A prevenção secundária visa
através da definição de uma política comum para ao diagnóstico precoce da doença em uma fase
as diversas unidades federadas, respeitando as anterior ao paciente apresentar alguma queixa
diferenças regionais e basicamente buscando a clínica. É sabido que o câncer bucal pode levar
integração dos diversos setores envolvidos na meses antes de apresentar algum sinal ou sin-
questão da prevenção e controle dessa forma de toma percebido pelo paciente 23. O diagnóstico
neoplasia” 18 (p. 303-4). precoce dessa doença faz com que os níveis de
Ações antes citadas de forma incipiente em cura alcancem mais de 90% dos casos 14,23. A pre-
outros programas, como reabilitar o paciente venção terciária visa a limitar o dano, controlar a
pós-tratamento cirúrgico, foram enfatizadas pelo dor, prevenir complicações secundárias, melho-
PEPCCB. Foi estabelecido então que essa con- rar a qualidade de vida durante o tratamento, e
dição, embora não fosse o problema mais pre- sempre que possível reintegrar o indivíduo à so-
valente na Odontologia Sanitária, revestia-se de ciedade, tornando-o apto a realizar as atividades
uma prioridade de atuação por conta das altas diárias exercidas anteriormente 24.
taxas de mortalidade e possível diagnóstico pre- Os fatores de risco mais importantes no es-
coce, na grande maioria dos casos, com relação tabelecimento do câncer da boca e, passíveis de
custo-benefício favorável 18. serem modificados, são o tabaco, o álcool e a ex-
Além disso, o PEPCCB previa o trabalho di- posição solar 25. O álcool e o tabaco aumentam o
ferenciado, respeitando-se as características risco dependendo da quantidade utilizada 26, e
regionais diversas presentes no país. Dois anos estão relacionados a mais de 80% dos casos, sen-
mais tarde, o tema câncer da boca volta a entrar do considerados agentes sinérgicos no aumen-
na agenda de saúde bucal no plano federal. “No- to do risco 27. O câncer do lábio apresenta uma
vas mostras de orientações surgiram em 1990 no particular importância no Brasil, por ser consi-
‘Plano Qüinqüenal de Saúde 1990/95: a saúde do derado um risco ocupacional a trabalhadores
Brasil Novo’ do Governo Collor. No item da Saúde expostos ao sol sem a proteção adequada 23,28.
Bucal, foi muito destacado o problema de câncer Foi demonstrado que após 20 anos de interrup-
da orofaringe” 19 (p. 3). ção ou moderação nos hábitos deletérios, como
O período atual pós-desenvolvimento do fumo e álcool, as chances de se desenvolver essa
SUS apresenta uma intencionalidade discursiva forma de câncer são iguais às daqueles pacientes
que assenta sobre densa série de unanimidades que nunca fumaram ou beberam 26.
relacionadas ao processo saúde/doença, mas
que ainda é inoperante em relação ao câncer da
detecção precoce do câncer bucal deve cobrir tégia exige educação continuada para os mem-
os aspectos epidemiológicos, o diagnóstico dife- bros das equipes de saúde incluindo, além do
rencial, os sinais e sintomas precoces, as lesões ACS, o auxiliar em saúde bucal (ASB), o técnico
orais potencialmente malignas, apresentação em saúde bucal (TSB), enfermeiros, médicos e
clínica das lesões, meios de diagnóstico como cirurgiões-dentistas, abordando os fatores de
a citologia, uso de azul de toluidina e técnicas risco para as doenças bucais, as barreiras que
de biópsia incisional (considerada padrão-ouro) impedem ou dificultam a realização do diag-
para diagnóstico 43,48. nóstico precoce e sinais e sintomas inicias do
Os esforços de combate aos fatores de risco câncer da boca. Essa estratégia visa a responder
para doenças bucais, especialmente nesta doen- se o diagnóstico precoce é possível7 e aponta
ça, não devem ser feitos de forma isolada, levan- para uma ação coletiva, nos moldes propostos
do a uma duplicação de esforços e mensagens por Rosin et al. 54.
conflitantes entregues ao público. Ainda, o trei-
namento em saúde bucal não deve se concen-
trar na mudança de comportamento individual Considerações finais
e nem ignorar a influência de fatores sociopolí-
ticos como os principais determinantes da saú- O câncer da boca continua sendo um proble-
de 52. Cursos de capacitação criados com esse ma relevante de Saúde Pública em que, apesar
novo enfoque coletivo e colaborativo podem ter do avanço científico sobre a doença, tal conhe-
influência positiva sobre as atitudes e comporta- cimento não consegue ser traduzido, mundial-
mentos dos participantes, sobre o conhecimen- mente e a despeito das diferenças entre os países,
to do câncer da boca e, potencialmente, fazer a em ações que impactem positivamente os indi-
diferença na prevenção, detecção precoce e no cadores de incidência e morbimortalidade. Os
rastreamento de pacientes em estágios iniciais movimentos recentes de organização da atenção
ou com fatores de risco 43,48. pública especializada em Odontologia no Bra-
Esse modelo de capacitação deve englobar sil parecem promissores no sentido de dotar o
a releitura da atenção primária e da divisão de sistema público de uma racionalidade que per-
trabalho da equipe de saúde, no âmbito da so- mita a organização de rotinas eficientes de re-
ciologia das profissões e saúde comportamen- ferência e contrarreferência em Estomatologia.
tal 7. Esse modelo, que contempla vários aspectos Há que se considerar, entretanto, que iniciativas
da vigilância em saúde bucal, reconhece que ati- verticais são apenas indutoras da organização
tudes individuais são louváveis, mas ineficazes, de uma rede de atenção. Com a municipalização
porque não atingem a grande parcela da popu- do sistema de saúde, torna-se imperioso que a
lação de risco. avaliação e o controle social voltem sua atenção
No Brasil, pela característica da ESF, uma para as unidades administrativas municipais e
possibilidade de detecção precoce se materia- consorciadas no nível microrregional. São nessas
liza na visita dos agentes comunitários de saúde esferas que, efetivamente, as ações poderão ser
(ACS). Durante a visita, o agente aponta e registra implantadas e avaliadas considerando as dife-
duas das principais categorias de risco para as renças e características epidemiológicas, de in-
neoplasias bucais ao preencher a ficha A do Sis- fraestrutura, socioeconômicas e organizacionais.
tema de Informação da Atenção Básica (SIAB): Há necessidade ainda de produção de evidências
tabagismo e alcoolismo. A visita do ACS é uma científicas que suportem ações que demonstrem
real possibilidade de se realizar, pela inversão do verdadeiro impacto sobre os indicadores epide-
acesso, o encaminhamento do paciente de risco miológicos do câncer da boca em detrimento de
para ser examinado por um cirurgião-dentista ações isoladas, voluntariosas e desconexas de
da atenção básica 53. A implantação dessa estra- ação pública, principalmente no nível local.
Resumo Colaboradores
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