Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Texto principal
Autoria: Alketa Peci, Agatha Justen Gonçalves Ribeiro, Frederico Bertholini Santos Rodrigues,
Marcelo Fornazin
RESUMO
Avaliações da produção acadêmica em administração pública (AP) identificam
problemas recorrentes, relacionados com o vale-tudo temático, prevalência do enfoque
prescritivo e metodologias precárias de análise. Esta pesquisa busca avaliar a produção
acadêmica em administração pública, no decorrer da década 2000-2010, identificando
quais paradigmas orientam a pesquisa neste campo. Em termos teóricos, o trabalho
resgata a visão paradigmática de Keinert (1992), mas atualiza esta perspectiva,
considerando que uma pesquisa orientada paradigmaticamente expressar-se-á via
compartilhamento de orientações cognitivas, solidez metodológica e existência de
autores e instituições que sistematicamente contribuem para o campo.
Para tal, o trabalho recorre também à contribuição de Lan & Anders (2000) que
aplicaram análise similar à produção em AP no contexto norte-americano. As categorias
teóricas iniciais buscaram diagnosticar:
a) a orientação cognitiva da pesquisa realizada;
b) a análise institucional destacando, especialmente, autores e instituições que
sistematicamente contribuem para o campo; e,
c) as metodologias adotadas em termos de estratégias de pesquisa, instrumentos de
coleta de dados e técnicas de tratamento de dados. Um total de 592 artigos publicados
em periódicos da área de administração classificados como B1 ou superior
(classificação WebQualis/Capes) foram analisados, por meio da análise de conteúdo
com grade mista (KRIPPENDORFF, 2004).
Os artigos foram codificados de forma independente, por mais de um pesquisador, de
forma a melhorar a validade dos construtos teóricos. Estatísticas descritivas uni e
bivariadas, assim como algumas técnicas, tais como de análise de correspondência,
também foram utilizadas para analisar com maior profundidade os dados,
especialmente, as inter-relações entre as orientações cognitivas,
metodológicas e institucionais da produção acadêmica em AP. Os resultados indicam: a)
em termos de orientação cognitiva, a prevalência do paradigma Gerencial e da
Governança, com contribuições mais modestas de outros paradigmas, mas ainda uma
dispersão grande de temas pesquisados e falta de identidade da pesquisa realizada,
revelada pela excessiva fragmentação e redundância de
1. Introdução
Este trabalho busca avaliar a produção acadêmica na área de administração pública, por
meio da análise dos trabalhos publicados nos principais periódicos da área, no período
2000-2010, buscando verificar se a pesquisa realizada é orientada por paradigma(s)
dominante(s). É possível perceber alguma tendência diferente na produção acadêmica
em AP, como decorrência do crescimento quantitativo do campo? De fato, o campo de
administração de forma geral, e de administração pública particularmente, cresceram em
termos de indicadores quantitativos. O crescimento do número de programas
acadêmicos e de cursos de pós-graduação, do número de submissões de trabalhos em
eventos da área ou de periódicos que se multiplicam refletindo as diversas
especializações do campo é expressivo. Somente durante o ano 2010, foram submetidos
342 trabalhos para a área de Administração Pública do Enanpad (Encontro da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração), sendo que mais
509 trabalhos foram submetidos, no mesmo ano, para o EnAPG (Encontro de
Administração Pública e Governança da ANPAD).
De certa forma, as avaliações anteriores têm revelado que sérios problemas qualitativos
caracterizam a pesquisa em AP, mas será que o crescimento quantitativo do campo não
tem sido acompanhado por uma melhoria qualitativa do mesmo?
O diferencial dessa pesquisa reside na tentativa de avaliar a produção acadêmica em AP
a partir do prisma paradigmático. Este olhar paradigmático já estava presente no
trabalho de Keinert (1992;1994B), entretanto, neste artigo busca-se compreender a
orientação paradigmática da área de administração publica, alinhando, de forma inédita,
a avaliação de conteúdo e de metodologia, com a avaliação dos aspectos institucionais
da pesquisa. Os “paradigmas” são conceituados, de forma mais abrangente, não apenas
como esquemas cognitivos/metodológicos que orientam a pesquisa no campo, mas
também como os aspectos institucionais que marcam sua dinâmica e peculiaridade,
revelado por um número expressivo de pesquisadores e instituições que
sistematicamente contribuem para a pesquisa no campo (LAN & ANDERS, 2000)
2. Referencial teórico
Entretanto, o campo continua a crescer e a pergunta que se coloca é como, apesar das
fragilidades,
consegue manter sua identidade e atrair um número cada vez maior de pesquisadores.
No contexto
norte-americano, Lan & Anders (2000) buscaram responder a esta questão a partir de
uma visão
paradigmática da pesquisa em AP. De acordo com Kuhn (2009), a existência de um
paradigma, ou
de um conjunto de paradigmas, não precisa englobar todos os problemas e as atividades
de pesquisa
presentes num determinado campo científico. Entretanto, a identificação de paradigmas
que
orientam as pesquisas na área indica certo grau de maturidade no desenvolvimento do
campo.
Consequentemente, o diagnóstico de um conjunto compartilhado de esquemas
conceituais,
metodológicos e institucionais que guiam a pesquisa em AP no contexto brasileiro
ajudaria na
compreensão e no avanço do campo.
Com base neste referencial os autores buscaram identificar os paradigmas que norteiam
a pesquisa
acadêmica de AP, buscando revelar: a) que tipo de objeto os pesquisadores de AP
regularmente
pesquisam; b) quais pressupostos epistemológicos – orientação cognitiva - eles
compartilham nos
seus estudos; c) quais são os métodos principais de análise utilizados nesses estudos; d)
quais as
fontes principais de dados utilizadas; e, por fim; d) qual a natureza do grupo de
pesquisadores que
realizam estudos em AP. Os autores encontram um modelo composto por três níveis
paradigmáticos
(paradigma central, abordagem cognitiva e áreas de concentração) e concluem que
existe um
paradigma que orienta a pesquisa em AP no contexto norte-americano, caracterizada
pela
problemática de publicização.
Legal:
Gerenciamento:
Política:
Ética:
Histórica:
Culturalismo:
3. Metodologia
Todos os artigos identificados como AP – um total de 592 – foram revisados por meio
da análise de
conteúdo (Krippendorff, 2004). As contribuições citadas, principalmente os trabalhos de
Lan &
Anders (2000) e Keinert (1992) - também outros autores, conforme detalhado no
Referencial
Teórico - serviram para construir as categorias de análise iniciais, optando pela análise
de conteúdo
com grade mista. De fato, as categorias iniciais foram expandidas com base na
avaliação dos dados
empíricos, resultando numa grade final mais ampla.
Considerando que um dos problemas principais da análise de conteúdo é a validade dos
construtos
(Krippendorff, 2004), cuidados especiais foram tomados com a codificação dos artigos.
A opção
pelas categorias iniciais – construídas com base na teoria - buscou melhorar a validade
de face,
enquanto a codificação independente, usando, pelo menos dois codificadores para as
mesmas
categorias buscou validar os construtos. A opção pela estratégia colaborativa de autoria
– quatro
pesquisadores colaboraram no decorrer da pesquisa – tornou possíveis estes cuidados
especiais.
Adicionalmente a estas técnicas estatísticas, foi realizada uma análise espacial dos
dados da
produção por estado, com a construção de mapas temáticos da produção para períodos
selecionados,
a fim de explicitar a distribuição da origem institucional dos trabalhos publicados no
território
brasileiro
Por outro lado, os dados apontam para um número crescente de trabalhos orientados
pelo prisma de
Governança, que traz uma perspectiva mais pluralista do Estado e das suas múltiplas
relações com
atores privados ou sem fins lucrativos. Estes trabalhos tratam de temas como regulação,
concessões
de serviços públicos, parcerias público-privadas, termos de parcerias com terceiro setor
ou
organizações sociais. Esta tendência foi também identificada no trabalho de Keinert
(1992) e
Keinert e Laporta (1994), os quais observam que a partir da década de 90 surge um
paradigma,
denominado Administração Pública como Administração Pública, que busca
aliar capacidade
política à competência técnica e redefine o papel do Estado. Tudo indica que trabalhos
que tratam
das múltiplas relações do Estado com atores privados e sem fins lucrativos, a partir da
Reforma de
1995, atraem mais a atenção dos pesquisadores do campo.
Este diagnóstico é mais preocupante quando se considera que a maioria desses trabalhos
traz uma
abordagem micro do fenômeno organizacional, “acidentalmente” situado no setor
publico. Em
outras palavras, não são trabalhos genuinamente preocupados em pesquisar o setor
público e suas
especificidades. O número baixo de trabalhos orientados pelo enfoque Histórico (5,2%)
também
indica esta falta de preocupação com a contextualização. Entretanto, em termos
comparativos, os
trabalhos orientados pelo enfoque Histórico demonstram maior preocupação de
contextualização e
busca de compreensão das especificidades brasileiras do que os trabalhos
“culturalistas”.
Por outro lado, discussões conceituais acerca de temas emergentes ou metodologias, as
quais não
são necessariamente relacionadas com a área de administração pública, ainda ocupam
um espaço
considerável entre os trabalhos publicados. De fato, a categoria caracterizada como
Epistemológica
reúne 8,9% dos trabalhos. Por fim, poucos trabalhos também representam a categoria
Ética (4,7%),
demonstrando que esta orientação, crescente em outros contextos, ainda não está
presente em boa
parte das pesquisas da área.
Para melhor apurar a orientação cognitiva dos trabalhos, realizou-se também uma
análise das
palavras-chave dos artigos publicados. As palavras-chave são relevantes à medida que,
conceitualmente, especificam de maneira mais precisa o conteúdo dos trabalhos. Nesse
sentido,
podem ajudar a compreender melhor quais as principais temáticas e orientações
cognitivas dos
artigos analisados.
Os dados obtidos corroboram com os resultados de Hocayen da Silva, Rossoni & Júnior
(2008),
situando EBAPE/FGV e EAESP/FGV como as principais instituições publicadoras em
Administração Pública. De 2000 a 2010, as duas instituições foram responsáveis por
praticamente
¼ dos artigos em administração pública publicados nos veículos com WebQualis B1 ou
superior.
Há, entre as 14 principais instituições, com mais de 10 artigos publicados,
representantes das
regiões Sudeste, Sul, Nordeste e um da região Centro-Oeste. Não há representantes da
região Norte.
Este diagnóstico coincide com a análise de Pacheco (2003) que identifica os sérios
riscos
decorrentes da presença de poucos programas de pós-graduação stricto sensu
existentes e o fato de
serem justapostos aos programas de business no sistema de pós-graduação. Para a
autora, estas características institucionais do campo podem reforçar o (auto-)isolamento
e a identidade difusa.
Outra característica que indica uma fraca articulação institucional do campo diz respeito
ao número
baixo de pesquisas publicadas que receberam apoio de instituições de fomento à
pesquisa. De fato,
em apenas 6,75% dos trabalhos (40 trabalhos) são citadas notas de agradecimento a
estas
instituições. As notas de agradecimento são orientações claras das instituições de
fomento,
indicando que grande maioria dos trabalhos publicados não recebeu fomento para sua
realização.
Para além do volume da produção por estado, é importante procurar identificar se,
regionalmente,
existe algum tipo de especialização institucional em determinada orientação cognitiva.
A
expectativa, por trás desta indagação, é perceber se existe algum tipo de orientação que
se tenha
estabelecido como dominante em contextos regionais específicos. Neste sentido, a
técnica de
análise de correspondência cumpre adequadamente o objetivo de identificar visualmente
relações
entre objetos e categorias associadas a eles. Pode ser uma representação visual da tabela
de
contingência. No caso do presente trabalho, foram relacionadas as orientações
cognitivas, sendo
apenas levadas em conta as principais categorias, com os estados da federação da
instituição
filiadora do primeiro autor
Com relação à classificação dos artigos analisados enquanto teóricos ou empíricos, esta
pesquisa, a
exemplo do que demonstraram Hocayen-da-Silva, Rossoni & Junior (2008), verifica
uma
prevalência de trabalhos de cunho empírico sobre trabalhos de cunho teórico, porém
com uma
proporção menor. Dos 592 trabalhos analisados, 60% (355 artigos) são empíricos e 40%
(237
artigos) são teóricos.
Dos trabalhos empíricos, a pesquisa mostra significativo predomínio da orientação
metodológica
qualitativa (76%). A despeito do aumento dos trabalhos quantitativos nos últimos anos,
os trabalhos
de orientação quantitativa ainda somam apenas 19,4% do total de publicações.
5. Conclusões
O trabalho revela que mais da metade dos trabalhos analisados são cognitivamente
orientados pelo
paradigma de gerencialismo e da governança. Isto é, um conjunto de pesquisadores de
AP no
contexto brasileiro compartilha algo em comum em termos cognitivos e esta orientação
está
relacionada com a redefinição do papel do Estado ao longo dos últimos anos,
evidenciando que a
reforma administrativa de 1995 ainda está presente nos estudos de administração
pública do Brasil.
A orientação pela eficiência, eficácia, qualidade ou resultados, intimamente relacionada
com o
gerencialismo, está sendo gradualmente complementada por uma orientação pelas
relações
pluralísticas do Estado com o setor privado e o terceiro setor, via regulação, concessões
de serviços
públicos, parcerias público-privadas e parcerias com organizações sem fins lucrativos.
Por outro lado a pesquisa também revela um distanciamento conceitual dos trabalhos
publicados em
AP de outras áreas afins, como Ciência Política ou Direito, assim como persistência da
pulverização
temática, conforme diagnosticado em trabalhos anteriores (PACHECO, 2003).
As falhas metodológicas reveladas pela pesquisa também contribuem para este quadro.
A pesquisa
mostra que o número de trabalhos empíricos, majoritariamente de orientação qualitativa,
prevalece
sobre os trabalhos teóricos. A orientação qualitativa da pesquisa não seria um mal em si;
esta se
torna problemática quando utilizada de forma precária. Chama atenção a prevalência de
estudos de
caso, uma parte considerável dos quais são apenas ilustrativos, utilizados sem nenhum
rigor
metodológico. Uma boa parte dos trabalhos não especifica como os dados foram
coletados e em
quase metade dos trabalhos não se discute como os dados foram tratados e analisados.
As
estratégias quantitativas de pesquisa ocupam um espaço menor e são, majoritariamente,
de natureza
descritiva. No entanto, a partir de 2005 há uma tendência de utilização de metodologias
mais
sofisticadas tanto qualitativas quanto quantitativas.