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Larissa Pelúcio
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por isso, acabavam por se dedicar a atividades masculinas por pura incapacidade ou por
falta de opção de ser realizarem como mulheres.
Não preciso me esforçar para sustentar com dados estatísticos e evidências
científicas as afirmações acima, mas creio que vale sustenta-las com alguns dados
recentes divulgados pelo jornal El País que publicou em sua versão para o Brasil uma
matéria que trazia o seguinte título: “Elas recebem menos convites para avaliar o
trabalho de seus pares. E meninas se veem como menos brilhantes desde os 6 anos”.
(Editoria de Ciências – El País, 2017).
A matéria trazia dados de duas pesquisas científicas sobre o alijamento de
mulheres do campo de investigações acadêmicas. A reportagem vinha ilustrada pela
foto de divulgação do hollywoodiano Estrelas Além do Tempo. Filme recentemente
indicado ao Oscar no qual racismo, sexismo, machismo e conservadorismo político se
juntam à alta tecnologia beligerante da Guerra Fria. Nada mais representativo do mundo
das ciências. O mundo que tem a razão como seu alicerce. A mesma qualidade que
sustenta nossas percepções vulgares sobre o comportamento masculino. Homem =>
razão => civilização => branquitude => ciência => verdade. Equação que não apareceu
nos infindos cálculos das protagonistas do filme, mas que definiu calculadamente o
silêncio que se instituiria sobre a participação crucial daquelas mulheres negras na
“corrida espacial”.
Mais de meio século separam a realidade retratada em Estelas Além do Tempo e
a matéria do jornal El País. Neste interim, sociedades de matriz ocidental assistiram o
crescimento dos movimentos identitários, entre estes o movimento feminista,
manifestado em diferentes correntes políticas e de luta, mas com um elemento em
comum: contestar o lugar naturalizado de opressão que justificava politicamente a
desigualdade entre homens e mulheres. Naquele momento ainda não se fala em gênero
como categoria de análise social. Mesmo no campo dos estudos feministas Trabalhava-
se muito mais com a categoria “Mulher”.
A entrada do conceito de gênero como categoria analítica (SCOTT, 1998) aporta
outras perspectivas para a construção de conhecimento científico, “pelo menos para
aquelas e aqueles que investiram na radicalidade que ela sugeria”, representou uma
virada epistemológica. (LOURO, 2002, p. 15).
Nesta profunda mutação, da qual nos fala Rago, começamos a nos dar conta que
gênero tem pouco a ver com natureza, sendo sim um conceito atravessado por ideias
políticas (pois envolvem relações de poder), sociais (pois são determinadas nas relações
entre os indivíduos vivendo em sociedade), culturais (estão marcadas por valores,
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moralidades e crenças relativas a um conjunto amplo de significações). O que significa
que aquilo que acontece em nossas vidas privadas, nas nossas casas, no interior de
nossos quartos esta informado e moldado por essas formas públicas de se entender o que
é próprio do feminino e do masculino, da mulher e do homem, adequado para meninas
ou para meninos.
De maneira que fica evidente que “o pessoal é político”. Esta curta frase se
tornou mais que um slogan do feminismo no final da década de 1960, provocou também
uma profunda mudança na forma de se fazer ciência e de se construir conhecimentos,
como venho discutindo até aqui.
Conferir dimensão política à constituição das nossas subjetividades, mostra que
o aprendizado de gênero passa por uma série persistente de normatizações que são
constantemente reiteradas no sentido de adequar nosso corpo às expectativas sociais
sobre como devemos usá-lo, adorná-lo, apresentá-lo, enfim, o corpo, como aquilo que
nos é mais próprio e particular também mostra-se um território de inscrições simbólicas
em disputa.
Mesmo os feminismos mais conservadores foram capazes de desafiar o status
quo, politizando o corpo, fazendo o privado um lugar atravessado por discursos de
poder que autorizavam, pela naturalização, o lugar subalterno não só da mulher, mas do
feminino, de tudo que se associasse a ele. Por isso, fazer do corpo um território de
enunciação é revelar que este corpo não é apenas natural. Talvez essa seja a sua
característica menor, daí a importância de reconhecermos a dimensão política do corpo,
politizar nosso desejo, marcar nosso lugar de fala, como nos ensinou Donna Haraway
(1995). Jane Flax (1991) escreveu que as feministas, por conta dessa produção situada,
foram acusadas de não estarem fazendo ciência ou de fazerem de forma distorcida,
enquanto os homens acadêmicos nunca precisaram se preocupar com questionamentos
dessa ordem em relação à sua produção intelectual.
O que os feminismos, em suas distintas expressões políticas, veem propondo, é
altamente desestabilizador do status quo. Se a ciência tem se constituído como o
discurso hegemônico do ocidente para propor soluções, articular análises sobre
fenômenos diversos e instituir verdades sobre o mundo, entende-se que enfrentar
criticamente essas verdades denunciando seus vícios de origem e suas lacunas
silenciadoras, desestabiliza privilégios, mas, mais que isso, exige que desenvolvamos
outro vocabulário para falar do presente. É nessa tarefa que os estudos feministas têm se
empenhado, não só como crítica cultural, mas também propondo novas epistemologias.
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O conceito de gênero é emblemático com todo seu potencial teórico tem sido um
eloquente exemplo da potencia dessas torções provocadas pelos feminismos e pelos
estudos de gênero e sexualidade.
A socióloga brasileira Berenice Bento (2010) escreveu que os feminismos, são
teorias pirotécnicas, porque nos oferecem instrumentos para o cerco, para a guerra e
para o espanto. Travar esse bom combate, tem nos colocado na arena disputada das
ciências canônicas; atraído discursos fundamentalistas que procuram assegurar lugares
de poder que autorizam subalternizações, apagam histórias e violentam corpos, mesmo
quando pregam que só desejam protegê-los.
A ciência, como lugar de reflexão crítica, precisa, necessariamente,
dialogar com as vozes silenciadas se queremos mesmo uma sociedade mais justa, plural
e prismática.
Referências bibliográficas
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, v.I, II. Tradução Sérgio Milliet. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
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GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os
estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade
global. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 80, p 115-147, março. 2008. (Disponível
em: www.ces.uc.pt/rccs/includes/download.php?id=982)
SCOTT, Joan Wallach. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação &
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1995, pp . 71- 99.