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Epistemologias feministas e estudos de gênero

Larissa Pelúcio

“A ciência é um texto contestável e um campo e poder”


(Donna Haraway 1995, p. 11)

Quando, como jovem professora-assistente, entrei no Departamento em Brown,


um catedrático do Departamento de História me disse, gentilmente, mas com
grande autoridade, que a história mostrava que nunca existiram mulheres
geniais nem nas ciências nem nas letras. Parece que nascemos para ser
medíocres. Para coroar tudo isso, ao voltar de reuniões científicas,
emocionalmente abalada por minha incapacidade de participar dos conclaves
exclusivamente masculinos, onde aconteciam os verdadeiros intercâmbios
científicos (nas conversas sociais e nas refeições), lia que “grupos de homens”
eram um resultado natural dos laços entre os homens que tinham evoluído a
partir de comportamentos pré-históricos de caça. Nada a fazer, realmente, em
relação a isso. Hoje compreendo que experimentei o poder político da ciência.
(FAUSTO-STERLING, 2001, p. 17-18, nota de rodapé 14)

A bióloga feminista Anne Fausto-Sterling faz esse desabafo biográfico em um


dos seus textos traduzidos para o português (“Dualismos em Duelo”), ilustrando com
sua própria trajetória acadêmica como a ciência com C maiúsculo foi constituída como
um território masculino a partir da negação e do apagamento da participação das
mulheres na constituição de campos científicos. Na lógica do colega de Fausto-Sterling,
aparentemente bem fundamentada em dados históricos, as mulheres não ocupavam
lugar de destaque do panteão acadêmicos por uma espécie de mediocridade genética e
não porque, na história do ocidente, foram sistematicamente privadas do letramento,
desestimuladas a fazerem cálculos matemáticos e, quando, apesar de todos os
obstáculos, se destacaram foram colocadas à sobra de homens ou tiveram suas
conquistas associadas a forma ardilosa como souberam manipular sua feminilidade para
obter destaque. Ou, esta era outra possibilidade, não eram suficientemente femininas,

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por isso, acabavam por se dedicar a atividades masculinas por pura incapacidade ou por
falta de opção de ser realizarem como mulheres.
Não preciso me esforçar para sustentar com dados estatísticos e evidências
científicas as afirmações acima, mas creio que vale sustenta-las com alguns dados
recentes divulgados pelo jornal El País que publicou em sua versão para o Brasil uma
matéria que trazia o seguinte título: “Elas recebem menos convites para avaliar o
trabalho de seus pares. E meninas se veem como menos brilhantes desde os 6 anos”.
(Editoria de Ciências – El País, 2017).
A matéria trazia dados de duas pesquisas científicas sobre o alijamento de
mulheres do campo de investigações acadêmicas. A reportagem vinha ilustrada pela
foto de divulgação do hollywoodiano Estrelas Além do Tempo. Filme recentemente
indicado ao Oscar no qual racismo, sexismo, machismo e conservadorismo político se
juntam à alta tecnologia beligerante da Guerra Fria. Nada mais representativo do mundo
das ciências. O mundo que tem a razão como seu alicerce. A mesma qualidade que
sustenta nossas percepções vulgares sobre o comportamento masculino. Homem =>
razão => civilização => branquitude => ciência => verdade. Equação que não apareceu
nos infindos cálculos das protagonistas do filme, mas que definiu calculadamente o
silêncio que se instituiria sobre a participação crucial daquelas mulheres negras na
“corrida espacial”.
Mais de meio século separam a realidade retratada em Estelas Além do Tempo e
a matéria do jornal El País. Neste interim, sociedades de matriz ocidental assistiram o
crescimento dos movimentos identitários, entre estes o movimento feminista,
manifestado em diferentes correntes políticas e de luta, mas com um elemento em
comum: contestar o lugar naturalizado de opressão que justificava politicamente a
desigualdade entre homens e mulheres. Naquele momento ainda não se fala em gênero
como categoria de análise social. Mesmo no campo dos estudos feministas Trabalhava-
se muito mais com a categoria “Mulher”.
A entrada do conceito de gênero como categoria analítica (SCOTT, 1998) aporta
outras perspectivas para a construção de conhecimento científico, “pelo menos para
aquelas e aqueles que investiram na radicalidade que ela sugeria”, representou uma
virada epistemológica. (LOURO, 2002, p. 15).

Instrumentada por um olhar desconstrucionista de gênero, a crítica


feminista tem avançado da mera denúncia da exclusão e invisibilidade
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das mulheres no mundo da ciência para o questionamento dos próprios
pressupostos básicos da Ciência Moderna, virando-a de cabeça para
baixo ao revelar que ela não é nem nunca foi “neutra”. (SADEMBERG,
2001, s/n).

“Parte siginificativa a atração exercida” pelo conceito de gênero, discute Adriana


Piscitelli (2002, p. 07), vem justamente da possibilidade que se deu desde então em se
desestabilizar as tradições de pensamento centradas em paradigmas eurocêntricos, que
universalistas e por tudo isso, masculinistas. Estas seriam as marcas do pensamento
cientifico.
Aprendemos que para falar com a voz da ciência, quer dizer, para anunciar
verdades, temos que usar os artigos no masculino. Assim, quando queremos falar de
humanidade devemos falar no masculino, sob o risco de, se não o fizermos, ofendermos
a audiência. Isto é, a própria linguagem para falarmos e sermos ouvidas; para ser falar
de coisas sérias e com pretensão de verdade, é falocêntrica. Lucie Irigaray, feminista
francesa, parte de Gilles Deleuze para chamar esse regime de produção de verdades de
falogocêntrico. O logos, quer dizer, a razão, esta centrada no falo como signo de poder,
mas também do sujeito universal.
O potencial iconoclasta do conceito de gênero se evidência desde os escritos
seminais de Simone de Beauvoir ( 1980 [1949]), ainda que ela não tenha se valido dele
para denunciar a ciência como um discurso maculinista. Discurso este que construiu “a
representação do mundo, como o próprio mundo (...). Eles [os homens] os descrevem
do ponto de vista que lhes é peculiar e que confundem com a verdade absoluta”
(BEAUVOIR, 1949, p. 193 apud ADELMAN, 2009, p. 89).). De forma que esses
enunciados de verdade legitimaram posições de senso comum que colocam, até o
presente, as mulheres como incomensuravelmente distintas dos homens, como seu
“outro”, exterior e inferior a eles mesmos.
Nestas torções epistemológicas que o conceito de gênero tem provocado,
destacam-se as contribuições de Judith Butler. Em seu primeiro texto publicado (1986),
traduzido para o castelhano, Butler se apresentava como uma teórica pós-feminista, em
dialogo direto com Simone de Beauvoir e, assim, com o que ela chamava de expoente
máximo do projeto iluminista do feminismo. As fontes imediatas de Butler são Julia
Irigaray, Anne Rich e Michel Foucault. Nesse diálogo crítico com estas duas autoras, irá
se valer da ideia de um discurso falogocêntrico que estrutura a mulher como um não
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sujeito, uma vez que o mesmo discurso coloca o masculino como o único sujeito
possível e da obrigatoriedade da heterossexualidade e do caráter cultural do corpo,
borrando, portanto, a dicotomia sexo/gênero (natureza/cultura; mulher/homem;
corpo/mente). Butler, propõe que sexo e gênero são contínuos, posto que o biológico
não tem qualquer naturalidade, uma vez que o acesso a ele só pode se dar por meio da
linguagem e da cultura.
Antes dela, os aportes mais potentes no campo dos estudos de gênero são, sem
dúvida, as apresentadas por Joan Scott (1990), trazendo contribuições fundamentais ao
propor que gênero deveria ser tomado como categoria de análise. Este é um avanço
epistemológica fundamental para os estudos de Mulheres, os quais já vinham mostrando
não só a dimensão social e histórica do gênero, rechaçando determinismos biológicos,
como sua associação com as estruturas de poder. Ao adotarem o termo gênero,
feministas norte-americanas introduzem em nosso vocabulário analítico a dimensão
relacional na/da constituição das feminilidades e masculinidades. Parece evidente hoje,
mas na gênese dessas problematizações foi preciso sublinhar esse aspecto: para se
pensar na opressão das mulheres em sua radicalidade era preciso pensar de forma
relacional, e assim evidenciar as relações de poder que constituíam lugares sexuados,
generificados e hierarquizados.
Para Margareth Rago (1998, p. 25),

O feminismo não apenas tem produzido uma crítica contundente ao


modo dominante de produção do conhecimento científico, como
também propõe um modo alternativo de operação e articulação nesta
esfera. Além disso, se consideramos que as mulheres trazem uma
experiência histórica e cultural diferenciada da masculina, ao menos até
o presente, uma experiência que várias já classificaram como das
margens, da construção miúda, da gestão do detalhe, que se expressa na
busca de uma nova linguagem, ou na produção de um contradiscurso, é
inegável que uma profunda mutação vem-se processando também na
produção do conhecimento científico.

Nesta profunda mutação, da qual nos fala Rago, começamos a nos dar conta que
gênero tem pouco a ver com natureza, sendo sim um conceito atravessado por ideias
políticas (pois envolvem relações de poder), sociais (pois são determinadas nas relações
entre os indivíduos vivendo em sociedade), culturais (estão marcadas por valores,
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moralidades e crenças relativas a um conjunto amplo de significações). O que significa
que aquilo que acontece em nossas vidas privadas, nas nossas casas, no interior de
nossos quartos esta informado e moldado por essas formas públicas de se entender o que
é próprio do feminino e do masculino, da mulher e do homem, adequado para meninas
ou para meninos.
De maneira que fica evidente que “o pessoal é político”. Esta curta frase se
tornou mais que um slogan do feminismo no final da década de 1960, provocou também
uma profunda mudança na forma de se fazer ciência e de se construir conhecimentos,
como venho discutindo até aqui.
Conferir dimensão política à constituição das nossas subjetividades, mostra que
o aprendizado de gênero passa por uma série persistente de normatizações que são
constantemente reiteradas no sentido de adequar nosso corpo às expectativas sociais
sobre como devemos usá-lo, adorná-lo, apresentá-lo, enfim, o corpo, como aquilo que
nos é mais próprio e particular também mostra-se um território de inscrições simbólicas
em disputa.
Mesmo os feminismos mais conservadores foram capazes de desafiar o status
quo, politizando o corpo, fazendo o privado um lugar atravessado por discursos de
poder que autorizavam, pela naturalização, o lugar subalterno não só da mulher, mas do
feminino, de tudo que se associasse a ele. Por isso, fazer do corpo um território de
enunciação é revelar que este corpo não é apenas natural. Talvez essa seja a sua
característica menor, daí a importância de reconhecermos a dimensão política do corpo,
politizar nosso desejo, marcar nosso lugar de fala, como nos ensinou Donna Haraway
(1995). Jane Flax (1991) escreveu que as feministas, por conta dessa produção situada,
foram acusadas de não estarem fazendo ciência ou de fazerem de forma distorcida,
enquanto os homens acadêmicos nunca precisaram se preocupar com questionamentos
dessa ordem em relação à sua produção intelectual.
O que os feminismos, em suas distintas expressões políticas, veem propondo, é
altamente desestabilizador do status quo. Se a ciência tem se constituído como o
discurso hegemônico do ocidente para propor soluções, articular análises sobre
fenômenos diversos e instituir verdades sobre o mundo, entende-se que enfrentar
criticamente essas verdades denunciando seus vícios de origem e suas lacunas
silenciadoras, desestabiliza privilégios, mas, mais que isso, exige que desenvolvamos
outro vocabulário para falar do presente. É nessa tarefa que os estudos feministas têm se
empenhado, não só como crítica cultural, mas também propondo novas epistemologias.
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O conceito de gênero é emblemático com todo seu potencial teórico tem sido um
eloquente exemplo da potencia dessas torções provocadas pelos feminismos e pelos
estudos de gênero e sexualidade.
A socióloga brasileira Berenice Bento (2010) escreveu que os feminismos, são
teorias pirotécnicas, porque nos oferecem instrumentos para o cerco, para a guerra e
para o espanto. Travar esse bom combate, tem nos colocado na arena disputada das
ciências canônicas; atraído discursos fundamentalistas que procuram assegurar lugares
de poder que autorizam subalternizações, apagam histórias e violentam corpos, mesmo
quando pregam que só desejam protegê-los.
A ciência, como lugar de reflexão crítica, precisa, necessariamente,
dialogar com as vozes silenciadas se queremos mesmo uma sociedade mais justa, plural
e prismática.

Referências bibliográficas

ADELMAN, Miriam. A Voz e a Escuta – encontros e desencontros entre a teoria


feminista e a sociologia contemporânea. Florianópolis: Blucher Acadêmico, 2009.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, v.I, II. Tradução Sérgio Milliet. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

BENTO, Berenice. Política da diferença: feminismos e transexualidade. In: COLLING,


Leandro (org). Stonewall 40+ o que no Brasil? Salvador: EDUFBA, p. 79 a 110. 2011.
(Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/2260/3/Stonewall
%2040_cult9_RI.pdf#page=81)

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

FLAX, Jane. Pós-modernismo e as relações de gênero na teoria feminista. In: H.


Buarque de Hollanda (org.), Pós-modernismo e Política, Rio de Janeiro: Rocco, p: 217-
250, 1991. http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=411.

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GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os
estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade
global. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 80, p 115-147, março. 2008. (Disponível
em: www.ces.uc.pt/rccs/includes/download.php?id=982)

HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a ... Cadernos Pagu (5), Campinas-SP,


Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, 1995, pp.7-41. (Disponível em:
http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773)

LOURO, Guacira Lopes. “Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas”. Pro-


Posições,Campinas,v. 19, n. 2, Aug. 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n2/a03v19n2.pdf

RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. In: GROSSI, M. e


PEDRO, J. Masculino, feminino, plural. Florianópolis, Ed. das Mulheres, 1996.
(Versão utilizada neste artigo foi publicado em 1998. Disponível em:
http://www.historiacultural.mpbnet.com.br/feminismo/Epistemologia_Feminista.pdf

SCOTT, Joan Wallach. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação &
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1995, pp . 71- 99.

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