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bem vindo ao estado suicidario Viadimir Safatle vladimir safatle, professor livre-docente do Departamento de Filosofia da Universidade de sdo Paulo, professor-convidado das unive. dades de Paris Paris VIII, Toulouse, Louvain e Stellenboch. — um dos coordenadores do Laboratorio de Pesquisas em Teoria Social, Filosofia e Psicandlise (Latestip/USP) . Vocé € parte de um experimento. Talvez sem perceber, mas vocé é parte de um experimento. © destino do seu corpo, sua morte sdo partes de um experimento de tecnologia social, de nova forma de gest&o. Nada do que esté acontecendo nesse pais que se confunde com nossa historia é fruto de improviso ou de voluntarismo dos agentes de comando. Até porque, ninguém nunca entendeu processos histéricos procurando esclarecer a intencionalidade dos agentes. Saber 9 que os agentes acham que estao a fazer é realmente o que menos importa. Como j4 se disse mais de uma vez, normalmente eles o fazem sem saber. Esse experimento do qual voc® faz parte, do qual te colocaram a forga tem nome. Trata- se da implementacdo de um “estado suicidario”, como disse uma vez Paul Virilio. Ou seja, o Brasil mostrou definitivamente como é 0 palco da tentativa de implementagdo de um estado suicidario. Um novo estagio nos modelos de gestdo imanentes ao neoliberalismo. Agora, 6 sua face a mais cruel, sua fase terminal. Engana-se quem acredita que isto € apenas a ja tradicional figura do necroestado nacional. Caminhamos em direcdo a um para além da tematica necropolitica do estado como gestor da morte e do desaparecimento. Um estado como o nosso ndéo € apenas o gestor da morte. Ele é 0 ator continuo de sua propria catéstrofe, ele é © cultivador de sua propria explosao. Para ser mais preciso, ele é a mistura da administracado da morte de setores de sua propria populagao € do flerte continuo e arriscado com sua propria destruicdo. 0 fim da Nova Republica terminaraé em um macabro ritual de emergéncia de uma nova forma de violéncia estatal e de rituais periédicos de destruicdo de corpos. Um estado dessa natureza 56 apareceu uma vez na historia recente. Ele se materializou de forma exemplar em um telegrama. Um telegrama que tinha namero: Telegrama 71. Foi com ele que, em 1945, Adolf Hitler proclamou o destino de uma guerra entaéo perdida. Ele dizia: “Se a guerra esta perdida, que a nacdo pereca”. Com ele, Hitler exigia que o proprio exército alemdo destruisse o gue restava de infraestrutura na combalida nado que via a guerra perdida. Como se esse fosse 0 verdadeiro objetivo final: que a nacdo perecesse pelas suas préprias m4os, pela mags do que ela mesma desencadeou. Esta era a maneira nazista de dar resposta a uma raiva secular contra o proprio estado e contra tudo o que ele até entdo havia representado. Celebrando sua destruicdo e a nossa. Ha varias formas de destruir o estado © uma delas, a forma contrarrevolucionaria, € acelerando em direcado a sua propria catastrofe, mesmo que ela custe nossas vidas. Hannah Arendt falava do fato espantoso de que aqueles que aderiam ao fascismo néo vacilavam mesmo quando eles proprios se tornavam vitimas, mesmo quando o monstro comecava a devorar seus proprios filhos. © espanto, no entanto, ndo deveria estar 14. Como dizia Freud: “mesmo a auto-destruigdo da pessoa ndo pode ser feita sem satisfagao libidinal”. Na verdade, esse é 0 verdadeiro experimento, um experimento de economia libidinal. 0 estado suicidd4rio consegue fazer da revolta contra o estado injusto, contra as autoridades que nos excluiram, o ritual de ligquidagdo de si em nome da crenga na vontade soberana e na preservagdo de uma lideranga que deve encenar seu ritual de onipoténcia mesmo quando j4 estA claro como o sol sua impoténcia miserdvel. Se o fascismo sempre foi uma contrarrevolugéo preventiva, ndo esquecamos que ele sempre soube transformar a festa da revolugdo em um ritual inexoravel de auto-imolagdo sacrificial. Fazer o desejo de transformagao e diferenga conjugar a gramaética do sacrificio e da auto-destruig&o: essa sempre foi a equagdo libidinal que funda o estado suicidario. © £ascismo brasileiro e seu nome proprio, Bolsonaro, encontraram enfim uma cataéstrofe para chamar de sua. Ela veio sob a forma de uma pandemia que exigiria da vontade soberana © sua paranoia social compulsivamente repetida gue ela fosse submetida a acdo coletiva e a solidariedade genérica tendo em vista a emergéncia de um corpo social que ndo deixasse ninguém na estrada em diregdo ao Hades. Diante da submissac a uma exigéncia de auto-preservacdo que retira da paranoia seu teatro, seus inimigos, suas perseguicées e seus delirios de grandeza a escolha foi, no entanto, pelo flerte continuo com a morte generalizada. Se ainda precisdéssemos de uma prova de que estamos a lidar com uma logica fascista de governo, esta seria a prova definitiva. Nao se trata de um estado autoritaério classico que usa da violéncia para destruir inimigos. Trata-se de um estado suicidario de tipo fascista que sé encontra sua forga quando testa sua vontade diante do fim & claro que tal estado se funda nessa mistura t4o nossa de capitalismo e escraviddo, de publicidade de coworking, de rosto jovem de desenvolvimento sustentavel e indiferenga assassina com a morte reduzida a efeito colateral do bom funcionamento necessario da economia. Alguns acham que estado a ouvir empresarios, donos de restaurantes e publicitaérios quando porcos travestidos de arautos da racionalidade econémica vém falar que pior que © medo da pandemia deve ser o medo do desemprego. Na verdade, eles estado diante de senhores de escravos que aprenderam a falar business english. A légica é a mesma, s6 que agora aplicada a toda a populagao. 0 engenho ndo pode parar. Se para tanto alguns escravos morrerem, bem, ninguém vai realmente criar um drama por causa disso, néo € mesmo? E o que afinal significa 5.000, 10.000 mortes se estamos falando em “garantir empregos”, ou seja, em garantir que todos continuarao sendo massacrados e espoliados em agées sem sentido e sem fim enquanto trabalham nas condicgées as mais miserdveis e precarias possiveis? A historia do Brasil € o uso continuo desta légica. A novidade é que agora ela é aplicada a toda a populacdo. Até bem pouco tempo, o pais dividia seus sujeitos entre “pessoas” ¢ “coisas” ; ou seja, entre aqueles que seriam tratados como pessoas, cuja morte provocaria luto, narrativa comogéo € aqueles que seriam tratados como coisas, cuja morte € apenas um nimero, uma fatalidade da qual ndo ha razdo alguma para chorar. Agora, chegamos 4 consagracao final desta légica. A populacdo € apenas o suprimento descartavel para gue © processo de acumulagao e concentragado nado pare sob hipétese alguma. & claro que séculos de necropolitica deram ao estado brasileiro certas habilidades. Ele sabe que um dos segredos do jogo é fazer desaparecer os corpos. Voc& retira nimeros de circulacdo, questiona dados, joga mortos por corona virus em outra rubrica abre covas em lugares invisiveis. Bolsonaro e seus amigos vindos dos pordes da ditadura militar sabem como operar com essa légica. Ou seja, a velha arte de gerir o desaparecimento que o estado brasileiro sabe fazer tdo bem. De toda forma, there is no alternative. Esse era o preco a pagar para que a economia ndo parasse, para que os empregos fossem garantidos. Alguém tinha que pagar pelo sacrificio. A Gnica coisa engragada é que sempre sdo os mesmos quem pagam. A verdadeira questdo é outra, a sabe Quem nunca paga pelo sacrificio enquanto prega o evangelho espiirio do agoite? Pois vejam que coisa interessante. Na Repiblica Suicidéria Brasileira nao ha chance alguma de fazer © sistema financeiro verter seus lucros obscenos em um fundo comum para o pagamento de salarios da populago confinada, nem de enfim implementar o imposto constitucional sobre grandes fortunas para ter a disposicSo parte do dinheiro que a elite vampirizou do trabalho compulsivo dos mais pobres. Ndo, essas possibilidades nao existem. There is no alternative: sera necessario repetir mais uma vez? Essa violéncia é a matriz do capitalismo brasileiro. Quem pagou a ditadura para criar aparatos de crimes contra a humanidade na qual se torturava, estuprava assassinava e fazia desaparecer caddveres? Nao estavam 14 dinheiro de Itai, Bradesco, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Fiesp, ou seja, todo o sistema financeiro e empresarial que hoje tem lucros garantidos pelos mesmos que veem nossas mortes como um problema menor? Na época do fascismo histérico, o estado suicidario mobilizava-se através de uma guerra que nao podia parar. Ou seja, a guerra fascista ndo era uma guerra de conquista. Zla era um fim em si mesmo. Como se fosse um “movimento perpétuo, sem objeto nem alvo” cujos impasses s6 levam a uma aceleracdo cada vez maior. A ideia nazista de dominacdo ndo esta ligada ao fortalecimento do Estado, mas a um movimento em movimento constante. Hannah Arendt falara da Nesséncia dos movimentos totalitarios que sé podem permanecer no poder enquanto estiverem em movimento e transmitirem movimento a tudo o que os rodeia”. Uma guerra ilimitada que significa a mobilizagdo total de todo efetivo social, a militarizagao absoluta em diregdo a uma guerra que se torna permanente. Guerra, no entanto, cuja direcdo nao pode ser outra que a destruigdo pura e simples. SO que o estado brasileiro nunca precisou de uma guerra porque ele sempre foi a gestdo de uma guerra civil nao declarada. Seu exército néo serviu a outra coisa que se voltar periodicamente contra sua prépria populacdo. Esta é a terra da contrarrevolugao preventiva, como dizia Florestan Fernandes. A patria da guerra civil sem fim, dos genocidios sem nome, dos massacres sem documentos dos processos de acumulagdo de Capital feitos através de bala e medo contra quem se mover. Tudo isso aplaudido por um terco da populacdo, por seus avés, seus pais, por aqueles cujos circuitos de afetos estao presos nesse desejo inconfesso do sacrificio dos outros e de si ha geracées. Pobres dos que ainda acreditam que é possivel dialogar com quem estaria nesse momento a aplaudir agentes da ss. Pois alternativas existem, mas se elas forem implementadas seréo outros afetos que circulardo, fortalecendo aqueles que recusam tal légica fascista, permitindo enfim que eles imaginem outro corpo social e politico. Tais alternativas passam pela consolidacdo da solidariedade genérica que nos faz nos sentir em um sistema de mitua dependéncia € apoio, no qual minha vida depende da vida daqueles que sequer fazem parte do “meu grupo”, que estéo no “meu lugar”, que tem as “minhas propriedades”. Esta solidariedade que se constréi nos momentos mais dramaticos lembra aos sujeitos que eles participam de um destino comum e devem se sustentar coletivamente. Algo muito diferente do: “se eu me infectar, € problema meu”. Mentira atroz, pois sera, na verdade, problema do sistema coletivo de satide, que ndo podera atender outros porque precisa cuidar da irresponsabilidade de um dos membros da sociedade. Mas se a solidariedade aparece como afeto central, € a farsa neoliberal que cai, esta mesma farsa que deve repetir, como dizia Thatcher: “nao ha essa coisa de sociedade, ha apenas individuos e familias”. so que o contagio, Margareth, o contégio é o fenomeno mais democratico € igualitaério que conhecemos. Ele nos lembra, ao contrario, que nao ha essa coisa de individuo e familia, ha a sociedade que luta coletivamente contra a morte de todos e sente coletivamente quando um dos seus se julga viver por conta propria. Como disse anteriormente, alternativas existem. Elas passam por suspender o pagamento da divida pablica, por taxar enfim os ricos e fornecer aos mais pobres a possibilidade de cuidar de si e dos seus, sem se preocupar em voltar vivo de um ambiente de trabalho que sera foco de disseminagdo, que sera a roleta russa da morte. Se alguém soubesse realmente fazer conta nas hostes do fascismo, ele lembraria o que acontece com um dos anicos paises do mundo que recusa seguir as recomendagdes de combate A pandemia: ele seré objeto de um cordao sanitario global, de um isolamento como foco nado controlado de proliferagaéo de uma doenga da qual os outros paises néo querem nunca mais partilhar. Ser objeto de um cordao sanitario global deve ser realmente algo muito bom para a economia nacional. Enquanto isto nds lutamos com todas as forgas para encontrar algo que nos faga acreditar que a situacdo ndo @ assim tao ruim, que tudo se trata de derrapadas © destemperos de um insano. Nao, ndo ha insanos nessa historia. Esse governo @ a realizado necessaria de nossa historia de sangue, de siléncio, de esquecimento. Historia de corpos invisiveis e de Capital sem limite. Nao hA insanos. Ao contrario, a légica é mito clara e implacavel. Isso s6 ocorre porque quando @ necessario radicalizar sempre tem alguém nesse pais a dizer que essa nao 6 ainda a hora. Diante da implementagao de um estado suicidario sé nos restaria um greve geral por tempo indeterminado, uma recusa absoluta em trabalhar até que esse governo caia. S6 nos restaria queimar os estabelecimentos dos “empresdrios” que cantam a indiferenga de nossas mortes. $6 nos restaria fazer a economia parar de vez utilizando todas as formas de contra violéncia popular. S6 nos restaria parar de sorrir, porque agora sorrir @ consentir. Mas sequer um reles pedido de impeachment @ assumido por quem diz fazer oposig¢ado. No que seria dificil ndo lembrar dessas palavras do evangelho: “Se o sal nao salga, de que serve entdo2”. Deve servir sé para nos fazer esquecer do gesto violento de recusa que deveria estar 14 quando tentam nos empurrar nossa propria carne servida a frio.

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