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MARCOS BECCARI
LET THE WATER BE YOUR GUIDE
MARCOS BECCARI
Let the water be your guide
Creative commons:
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observada a atribuição de autoria e sem propósitos comerciais.
Sobre o autor:
Marcos Namba Beccari é aquarelista e filósofo. Doutor em Educação pela
USP, atua como professor da UFPR, como coordenador do Grupo de Estudos
Discursivos em Arte e Design da UFPR (nedad.ufpr.br) e como um dos
coordenadores do site, revista e podcast Não Obstante (naoobstante.com.br).
É também colunista da revista abcDesign e autor de artigos diversos nas
áreas de arte, filosofia e design. Influenciado principalmente por Nietzsche
e Foucault, dedica-se ao ensino e à pesquisa transdisciplinar em crítica e
filosofia do design, estudos do discurso e estudos da visualidade.
www.marcosbeccari.com
sumário
5
Introdução
7
8 Pinceis
9 Tinta
11 Papel
Materiais
12 Acessórios
15
Formas 16
Valores 17
Bordas 18
Desenho
Proporções 19
24 Pinceladas
23 26
29
Camadas
Monocromática
Pintura 31 Orientações
33
Tom & 36
Temperamento
Composição 38
Cromática Cores
46 Fotografia
45 47
52
Narratividade
Planejamento
Coesão 53 Recomendações
Let the water be your guide
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Introdução
OU MODO DE USAR
E
ste material é direcionado aos cursos de aquarela que eu mi-
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Let the water be your guide
O que ofereço a seguir não são receitas, ata- modo a deixar a aquarela “falar” por si mesma. Desse
lhos ou regras. São apenas algumas orientações com modo, a pintura em aquarela requer um desenho
base no que eu aprendi até o momento. E o princi- certeiro, pois fazer correções compromete a pintura.
pal já foi dito pelo mestre John Singer Sargent, para A prática nos faz desenvolver uma capacidade de se
quem a aquarela é como “tirar o melhor proveito de antecipar aos erros. Na linha do que eu trabalho, em
um acidente”. De fato, trata-se de um medium que particular, é preciso também ter uma compreensão
é ao mesmo tempo elementar em sua simplicidade geral de como a anatomia humana funciona.
e ilusório em seu controle, mas também capaz de Por fim, meu maior desejo é incentivar você a
capturar elementos que fatalmente escapam do olhar pintar do seu jeito. E o ponto de partida para isso é
Por conseguinte, há dois princípios fundamen- do uma manhã por semana, ou combinando de pintar
tais que, embora pareçam contraditórios, são indis- nos finais de semana com colegas artistas, fazendo
sociáveis entre si: (1) planejar toda a pintura antes cursos, acompanhando exposições etc. Espero poder
mesmo de iniciá-la e (2) não corrigir os acidentes, de contribuir com a sua caminhada.
1. Beccari, M. Sobre-posições: ensaios sobre a insinuação pictórica. Rio de Janeiro: Áspide, 2019.
2. Beccari, M. Antirrealismo: uma breve história das aparências. Curitiba: Kindle Direct Publishing, 2019.
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Materiais
frequente deles.
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PINCÉIS
A maioria dos pincéis profissionais para A melhor maneira de guardar os pinceis é pen-
aquarela é feita com cerdas de kolinsky, marta (red durando-os de cabeça para baixo, porque isso evi-
sable) ou esquilo (petit gris, kazan) devido à sua boa ta que a água penetre na madeira (o que evita ra-
capacidade de reter água, além de serem ao mesmo chaduras e queda de pelos). Também por isso nunca
tempo resistentes e flexíveis, permitindo espon- os mantenha imersos na água, e evite deixá-los por
taneidade e controle. Existem outros pinceis feitos muito tempo de pé, com a ponta para cima. Lave os
com cerdas mais baratas, como as de cabra, texugo pinceis em água corrente, e depois os enxague com
e pônei, além das cerdas sintéticas, cuja qualidade pano ou papel, modelando as cerdas para que retor-
varia bastante — algumas marcas como a Escoda nem ao formato original. Nunca use sabão — a tinta
têm feito pinceis sintéticos muito bons. deve sair com a própria água.
nhos 7-11).
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Materiais
TINTA
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• Rosa: Opera Rose, Alizarin Crimson, Quinacri- conforme a ocasião: uma paleta de metal dobrável
done Rose, Permanent Magenta, Rose Madder. da marca Holbein (13 cores) e um estojo de metal da
• Violeta: Dioxazine Purple, Cobalt Violet, Ultra- Schmincke (24 cores). O importante é que não seja de
marine Violet, Manganese Violet, Quinacridone plástico e que tenha uma boa área para misturar as
Violet, Helios Purple. tintas. A distribuição das cores na paleta não importa
• Azul: Cerulean Blue, Ultramarine Blue, Prus- muito, desde que você consiga se “localizar”. E não
sian Blue, Royal Blue, Indigo, Mountain Blue, vale a pena comprar estojos que já venham com um
Cobalt Blue, Phthalo Blue, Cinereous Blue. kit de cores dentro, pois na maioria das vezes são
• Verde: Turquoise Green, Forest Green, May cores diferentes das que eu listei acima. Após ter-
Green, Sap Green, Phthalo Green, Hooker’s minar de trabalhar, somente a área utilizada para a
Green, Viridian, Olive Green. mistura deve ser limpada (com água e pinceis), e o
• Cinza: Warm Grey, Neutral Tint, Greenish Um- estojo deve ser guardado em um lugar arejado. Para
ber, Paynes Grey, Sepia. evitar que as tintas ressequem no estojo, umedeça-as
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Materiais
PAPEL
cendo a profundidade de campo. O papel grana fina, Os quatro lados do papel devem estar bem fixa-
prensado a frio no processo de fabricação, é muito dos durante a pintura, evitando que ele se expanda
versátil, pois permite pinceladas mais controladas, e sofra ondulações. Para isso eu utilizo fita adesiva
camadas sucessivas e um fluxo uniforme de cores. A — gosto da Scotch Blue, feita para pintura de pare-
maioria de meus trabalhos é sobre papel Arches, gra- de, que é impermeável e não prejudica o papel —, e
na fina, 300 g/m2. Já o papel satinado, que é prensado não faço nenhum tratamento prévio no papel. Alguns
a quente em sua produção, possui a superfície mais aquarelistas preferem umedecer totalmente o papel,
lisa. Por isso, ele demora mais para reter o pigmento, grampeando-o ainda molhado sobre uma armação
mas propicia conexões polidas, detalhes precisos e de madeira, de modo que a folha estique enquanto
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nação solar.
ACESSÓRIOS
mais irregular; lápis dermatográfico branco para o Máscara líquida Daniel Smith
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Materiais
caso de fios de luz; giz de cera branco para brilhos Para fazer o desenho, costumo usar uma lapi-
granulados (pois o giz cobre irregularmente a textu- seira com ponta 0,7 e grafite 2B, junto com um “lim-
ra do papel); tinta guache branca para encobrir áreas patipos” (borracha maleável) – nunca use uma bor-
já pintadas (não encobre totalmente). racha dura, de escritório, pois ela tende a quebrar as
Nunca usei cavalete para pintar, porque são fibras do papel. Para armazenar a água, qualquer re-
poucos os que inclinam o suficiente e se mantêm cipiente serve; eu gosto de usar um pequeno balde de
firmes. Se você costumar trabalhar num estúdio, metal da Holbein (15 cm de altura e 13 cm de diâme-
como eu, o ideal é ter uma grande prancheta de de- tro), que também serve para lavar os pinceis. Tam-
senho (daquelas que os arquitetos usam) com in- bém é útil ter por perto um borrifador spray de água,
clinação ajustável. Outra opção é usar uma prancheta para umedecer algumas áreas e difundir a pincelada.
de mesa, com inclinação de 30º ou 45º. Para quem Para controlar a quantidade de água carregada no
prefere trabalhar ao ar livre, é comum adaptar um pincel, utilizo um pano de alta absorção: Scotch-Brite
tripé de fotografia para um cavalete portátil: cola-se “enxuga fácil”, geralmente usado para secar pias
uma prancha de madeira no suporte para a câmera, de cozinha. Finalmente, quando não se tem muito
e encaixa-se outra prancha nas pernas do tripé, aco- tempo para realizar a pintura (como em minhas de-
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Desenho
ONDE TUDO COMEÇA
serem desenhadas;
e sombra;
sombra.
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FORMAS
conceito:
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Desenho
VALORES
direcionada.
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BORDAS
As bordas podem ser classificadas em três ti- certa dramaticidade ao desenho. Outra vezes essa
pos, conforme o grau de nitidez na passagem da luz síntese pode prejudicar a descrição dos volumes, e
para a sombra: rígidas (hard edges), suaves (soft edges) nesses casos é preciso restringir as conexões de ma-
e desfocadas (lost edges). Mas tais categorias servem neira a acentuar algumas pequenas diferenças locais.
mais para a fase de pintura, uma vez que o desenho Na maioria dos casos, essa decisão pode ser
deve ser econômico e, portanto, sinalizar apenas as feita com base na hierarquia focal, isto é, distinguin-
bordas mais rígidas. Na elaboração do desenho, es- do qual será a área de interesse principal (aonde se
sas bordas são um recurso importante para conectar dirigirá o olhar do observador) e quais serão os es-
elementos que tendemos a ver como separados: na- paços secundários (que orientam o olhar ao ponto fo-
riz, sobrancelha, boca etc. A chave para obter clareza cal). A área de interesse deverá ser a mais detalhada,
no desenho é organizá-lo por meio de agrupamentos o que requer borda rígidas com poucas conexões. Por
entre formas e volumes diferentes. Mas é difícil sa- sua vez, os espaços secundários demandam bordas
ber o quão sintéticos devem ser tais agrupamentos. suaves e silhuetas mais simplificadas, tendendo a se
Às vezes é interessante exagerar nas conexões entre dispersar/desfocar à medida que se distanciam da
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Desenho
A figura humana requer um desenho certeiro 1. Gesture drawing: O desenho gestual é foca-
quanto às proporções. E embora haja uma infinidade do em linhas de ação, no sentido de vetores
de abordagens diferentes, até os artistas mais expe- de movimentos. O método envolve uma série
rientes cometem erros o tempo todo. Mas o objetivo de princípios e pode parecer difícil no começo,
de todos os métodos que existem é traduzir o que mas depois torna-se muito útil.
vemos em algo gerenciável. O problema é que não há 2. Envelope imaginário: Desenhar um envelope
um único método que funcione bem para todo mun- imaginário ao redor da figura ajuda a visualizar
do — algumas pessoas preferem um caminho mais a forma geral da figura. Mas o que importa aqui
solto e flexível, enquanto outras se dão melhor com é tentar “deduzir” o espaço negativo que con-
cularmente pertenço ao primeiro grupo: procuro re- 3. Intersecção de ângulos: Trace os ângulos que
duzir tudo o que vejo a formas simplificadas como atravessam a figura, pontuando os principais
bolas, caixas e triângulos, verificando as relações vértices (pontos de intersecção). Evite linhas
entre elas. Listo a seguir alguns caminhos que po- curvas e não se prenda a detalhes, pois o obje-
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4. Sólidos geométricos: Procure visualizar no metade dessa linha a altura dos quadris. Per-
corpo humano sólidos geométricos inter- ceba que o ângulo dos quadris é geralmente
ligados, considerando suas partes principais: oposto ao dos ombros. E lembre-se que a colu-
cabeça, coluna, caixa torácica, pélvis, braços e na cervical nunca está reta, ela é sempre curva.
pernas. Quando visto como uma unidade geral, 6. Diagrama: Divida a folha em quatro partes
o tronco pode ser visualizado como uma espé- iguais, formando uma “cruz”, e visualize a
cie de estrutura tubular flexível. figura centralizada nessa cruz. A ideia é que
5. Medidas relacionais: Esse caminho é indica- os eixos vertical e horizontal te auxiliem a lo-
do para poses muito verticais. Comece traçan- calizar os pontos de “ancoragem” (vértices, al-
do uma linha do topo à base, encontrando na turas e limites), a serem conectados entre si.
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Desenho
no desenho.
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Pintura
PRINCÍPIOS BÁSICOS DA AQUARELA
bem como tentar prever como as cores vão interagir e o quanto vão
pintura em aquarela.
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PINCELADAS
As pinceladas podem ser pensadas em termos nova camada — comento a seguir sobre a lógica de
(modo de pincelar), sendo cada qual divido em duas entender que enquanto a tinta estiver molhada só se
movimentos de conexão e de sobreposição. A cone- feita em papel úmido (wet-on-wet) ou seco (wet-
xão se dá entre pinceladas sucessivas enquanto estão on-dry). Se o papel estiver úmido, a pincelada flu-
úmidas: você vai “puxando” e modelando as formas irá suavemente e de maneira “desfocada”, isto é,
com o pincel. Além disso, a conexão também serve sem deixar rastros nítidos. Se o papel estiver seco,
para produzir gradações tonais (do claro ao escuro, a pincelada terá bordas bem delimitadas, e você terá
e vice-versa) e cromáticas (ex. passar do azul para maior controle sobre a forma. Além disso, é possível
o laranja). Já a sobreposição é quando se aplica tinta mesclar os dois efeitos no papel seco: basta umede-
sobre uma área seca de pintura, iniciando assim uma cer previamente determinadas áreas ou “puxar” uma
Gradação tonal
Conexão
por conexão
Transição tonal
Sobreposição
por sobreposição
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Pintura
área já pintada, e ainda úmida, com um pincel carre- ladas wet-on-wet, por conseguinte, definem áreas
gado só com água — ou, ainda, borrifar um pouco de secundárias e planos distantes. Mas tais pinceladas
água sobre a pintura ainda úmida, embora tal pro- também são úteis para representar elementos que
A transição entre esses dois tipos de pinceladas rosto sombreado por um chapéu. Por fim, é possível
corresponde, em geral, à variação de foco/desfoco e subtrair do pincel o máximo de água para trabalhar
de profundidade de campo. Pinceladas wet-on-dry com sua ponta quase seca (dry brush), o que geral-
determinam a área de interesse (que atrairá o olhar) mente serve para criar texturas (como a de barba ou
Pincelada
wet-on-wet
Pincelada
wet-on-dry
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CAMADAS
A lógica de sobreposição em camadas é, a meu gia não se refere às cores dessas substâncias, mas às
ver, o princípio mais crucial da aquarela. Porque a suas consistências: o chá é translúcido e aguado, o
chave da aquarela consiste em saber em que ordem leite é semiopaco e “leitoso”, o mel é denso e viscoso.
as coisas devem ser colocadas na pintura. Acredito Quanto à umidade do papel, prefiro associá-la aos ti-
que Joseph Zbukvic tenha sido o primeiro a registrar pos de pincelada (conforme expliquei anteriormente),
um método para isso, que ele batizou de “Watercolor e não às camadas — é possível trabalhar tanto com
Clock” em seu livro Mastering Atmosphere and Mood wet-on-wet quanto com wet-on-dry nas duas primei-
in Watercolor. Seu relógio mostra, de um lado, cinco ras fases, sendo que somente a terceira fase (do mel)
níveis de umidade do papel (seco, quase seco, úmido, requer necessariamente o papel seco.
molhado e muito molhado) e, de outro, cinco tipos de Por que esse método é tão importante? O inici-
“consistências” da aquarela: chá, café, leite, creme ante em aquarela tende a usar a tinta com uma única
e manteiga. A ideia é que cada tipo de consistência consistência (seja a do chá, a do leite ou a do mel),
corresponda a uma das fases da secagem do papel. sem variar e sem planejar a sequência de tonali-
Embora seja um método bastante preciso (tal como dades. Desse modo, a pintura fica sem profundidade,
um relógio), ele me parece mais adequado à pintura porque tudo terá o mesmo valor tonal. O método nos
ao ar livre — pressupondo, por exemplo, que se deva faz compreender que, na aquarela, o valor tonal é
iniciar com o papel molhado, o que nem sempre é uma questão de consistência da tinta (mais do que da
necessário no caso da figura humana. própria cor) e de sobreposição de camadas (do claro
Em meu trabalho, eu adoto uma versão simpli- ao escuro). E as três consistências definidas seguem
ficada do mesmo método, reduzindo a consistência essa lógica global: cada qual nomeia uma das fases
da aquarela a três tipos: chá, leite e mel. Em pri- que, por sua vez, corresponde a uma camada. As três
meiro lugar, é preciso compreender que essa analo- fases/camadas devem seguir a seguinte ordem:
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Pintura
1. Chá: O pincel deve carregar uma proporção de mesma forma que a fase do chá, a fase do leite
50% água e 50% tinta. Esta fase é reservada tende a clarear, então procure já atingir os tons
aos valores mais claros da pintura — não con- mais escuros (sobretudo no caso de pinceladas
fundir com as cores mais claras (as fases não wet-on-wet). A fase do leite tende a ocupar 50%
regem cores). O importante é ter em mente que da área pintada e deve durar cerca de 40% do
esta camada ficará por detrás das próximas, e tempo total da pintura.
que ela clareará bastante depois de seca. A fase 3. Mel: O pincel deve carregar o mínimo possível
do chá tende a ocupar 80% da área da pintura de água, podendo inclusive aplicar tinta pura.
e deve durar cerca de 50% do tempo total da Esta fase é reservada aos valores mais escuros
2. Leite: O pincel deve carregar uma proporção de meios-tons nesta etapa. A fase do mel tende a
30% água e 70% tinta. Esta fase é reservada aos ocupar 20% da área pintada e deve durar cerca
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Let the water be your guide
Considero importante não fazer mais do que Com quais tipos de pincelada? Quais serão as cores de
três fases, pois o papel pode começar a desgastar base (chá), e quais deverão ser acrescentadas? Qual
e a pintura tende a ficar muito “poluída”. Também é a área de interesse principal e quais são os planos
não se pode alterar a ordem entre as camadas, ou secundários? Tudo isso deve ser respondido antes da
mesmo tentar reforçar a camada anterior após já ter primeira pincelada. E saber quando cada uma dessas
passado para a fase seguinte. De modo geral, esse questões deverá “entrar” na pintura (isto é, medi-
método nos força a pintar “numa taca só”, sem nun- ante a qual tipo de consistência da tinta) é a chave
ca voltar atrás. Isso requer um bom planejamento para uma boa organização.
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Pintura
PINTURA MONOCROMÁTICA
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Para a pintura de cima, eu estava mais interes- representar as nuances de luz e sombra, é preciso lo-
sado nas sutilezas das luzes e das massas em meio- calizar as grandes áreas tonais, de modo a enfatizar
tom. Isso me levou a decidir empurrar todas as som- a volumetria geral dos sólidos e mesclar o máximo de
bras para um intervalo muito estreito. Desse modo, nuances em um mínimo de valores.
enfatizei a gama de tons que perfaz a área iluminada, Por fim, a pintura monocromática também é
em vez daquela que está sob as sombras. útil para elaborar esboços em miniatura (thumbnail
Outra questão importante é saber organizar as sketches), de modo a visualizar com antecedência se
diferenças tonais. Um equívoco comum é dar mui- sua composição vai funcionar. Como o próprio nome
ta atenção a contrastes locais em vez de perceber indica, um esboço em miniatura não deve ser grande
as massas gerais de luz e sombra. Dessa maneira, a nem detalhado, devendo se focar nas formas maiores
distribuição tonal fica irregular e a pintura acaba se e na dinâmica tonal da composição. Um esboço em
parecendo mais com uma “ameixa seca” do que com miniatura, portanto, serve para planejar a dis-
uma cabeça ou um corpo humano. Imagine-se como tribuição de formas e valores. Além disso, ele tende
um escultor: você não esculpiria primeiro os detalhes a criar fusões e pinceladas espontâneas, o que mui-
para tentar reuni-los depois, mas começaria, para tas vezes acaba sendo mais atraente do que a pintura
fazer uma cabeça humana, pela forma de um ovo, finalizada. É interessante, então, analisar os pontos
e depois escavaria os orifícios até chegar nos vincos fortes do esboço e incorporá-los à pintura final.
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Pintura
• Incline sua prancheta em 30º ou 45º. Isso pos- com a maneira como você segura o pincel: se-
sibilita prever a direção da água (para baixo, gurá-lo perto das cerdas (tal como seguramos
pela gravidade), sem que ela escorra o tempo uma caneta) favorece pequenos detalhes, ao
Por exemplo: se você quer aplicar um azul-es- • Um erro comum é usar muita água mistura-
verdeado, você deve atingir essa cor em seu da com o pigmento, culminando numa pintu-
godê/paleta, levando-a já pronta para o papel. ra “pastel”, sem intensidade. Lembre-se que
• Sempre comece a pintar pela parte superior, secam, então procure chegar ao tom desejado
Caso contrário, as pinceladas estarão lutando • Como a aquarela seca rápido, você deve aplicar
• Na mesma lógica da “impressora”, na medida secador de cabelo. Assim você garante um fluxo
em que você vai caminhando para baixo, pro- mais homogêneo de conexões e sopreposições,
assim, não permitam mais conexões. • Não tente pintar tudo o que você vê em sua
• Use pinceis grandes para formas grandes e você vê. Por exemplo, em vez de copiar exata-
pinceis pequenos para formas pequenas. Dê mente as feições de um rosto, atente-se à forma
preferência a formas grandes na fase do chá, e a pela qual a sombra se projeta nesse rosto. É isso
formas pequenas na fase do mel. E fique atento o que você deve pintar, e não o rosto em si.
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Cores
A LÓGICA DAS SENSAÇÕES
tura, não existe cor inerente — por exemplo, o verde “natural” das
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• Cores primárias e secundárias: A ideia de cores tir a intensidade das cores, considerando o seguinte
primárias é que seja possível extrair delas to- princípio fundamental: quanto mais cores você mistu-
das as outras cores. Os pintores geralmente rar, menos intensa será a cor resultante. Suas pinturas
consideram vermelho, amarelo e azul como as parecerão mais brilhantes e vivas se você não mis-
cores mais básicas, com as quais teoricamente turar demais os pigmentos. Esse princípio nos leva a
é possível extrair as cores secundárias violeta, pensar em três atributos principais das cores: satu-
entre elas, você terá uma versão simplificada porção, resultam em um cinza neutro, que
as cores que tenham uma direção diretamente relação a esse centro cinza: a cor tem baixa
oposta entre si são chamadas de complemen- saturação quando está próxima do cinza, e alta
tares. Naquela versão simplificada do círculo, saturação quando está distante dele.
os pares de cores complementares são amare- • Matiz (Hue): Matiz é simplesmente o nome
Se você organizar sua paleta com base no cír- do círculo cromático. Nesse sentido, a matiz é
culo cromático, o uso das cores na pintura se tornará a cor em seu estado mais “puro”, o que corres-
mais lógico, pois você saberá localizar as cores e pre- ponde à sua saturação máxima.
sumir suas misturas, em vez de ficar procurando um • Valor: As cores nunca estão isoladas de valores
pigmento que corresponda exatamente à cor que você tonais. E tal aspecto não deve ser confundido
quer. Mas isso ainda não é suficiente para trabalhar com saturação (o quão intensa ou acinzentada a
com as cores. Por exemplo: embora eu tenha vinte cor aparece) nem com matiz (o preto e o branco
e quatro cores disponíveis em minha paleta, geral- não estão no círculo cromático). Na aquarela, o
mente não uso mais que dez cores em uma pintura. valor não é só uma questão de pigmentos claros
Isso não apenas por uma questão de coesão composi- e escuros, mas também da quantidade de água
cional (como explico adiante), mas antes para garan- carregada no pincel.
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Cores
Acima faço um panoramana simplificado da história dos círculos cromáticos. Da esquerda para a direita: Moses Harris
(séc. XVIII), Goethe (séc. XIX), Munsell (séc. XX). O círculo de Newton não foi incluído por não tratar de cor-pigmento.
Yellow Turq.
Ochre Light
Cerulean
Chrome
Orange
Círculo Mapeamento
Blue
“mental” da paleta
O esquema acima mostra que a teoria não corresponde perfeitamente à prática. À esquerda: o esquema “mental” que eu
faço do círculo cromático (com base no modelo de Munsell). À direita: como eu mapeio meus principais pigmentos.
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Let the water be your guide
A maneira como você conjuga os três atribu- como entre intensidades cromáticas. Não significa
tos acima determinará dois aspectos importantes da que o resto da composição tenha que ser homogêneo,
pintura: o “tom” (ou mood) e a temperatura. O tom e sim que as variações devem estar mais dispersas.
é estabelecido por meio dos valores: trabalhar com Além disso, um trabalho mais coeso não requer
baixo contraste (ou seja, com a predominância de muitas variações de tom e temperatura. Nesse sen-
valores claros ou escuros) gera um tom mais sereno tido, gosto de pensar nessas variações em termos de
ou sóbrio; já uma pintura que perpassa os dois ex- proporção, com as seguintes expressões metafóricas:
tremos do claro-escuro terá um tom mais dinâmico. galão, litro e punhado. Uma pintura pode ser arran-
Por sua vez, a temperatura da pintura se dá por meio jada para ter um “galão” de escuridão, um “litro” de
da saturação e dos matizes. Em termos de matizes, luzes e um “punhado” de meios-tons. Outra pintura
costumamos nos referir a certas cores como quentes pode comportar um “galão” de tons médios, um “li-
ou frias. Mas a temperatura geral da composição de- tro” de luz e um “punhado” de escuridão. Os mes-
pende mais de sua saturação relativa: cada vez que mos termos podem ser aplicados à saturação: cores
uma cor intensa é introduzida em um arranjo, todas intensas, menos intensas e neutras. Não importa em
as cores prévias mudam de temperatura. quais “recipientes” você vai distribuir os valores e
Como trabalhar com o tom e a temperatura? Em intensidades, e reitero que as medidas são metafóri-
primeiro lugar, considere que nosso olho é sempre cas e bastante imprecisas. O que importa é pensar
atraído pelo contraste. Sendo assim, o ponto focal em três graus de valor/saturação, distribuindo-os de
ou centro de interesse de sua pintura deve conter a modo que um deles esteja em maior proporção que
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Cores
Estudos em miniatura monocromáticos (ou embora cruciais, ainda não explicam como escolher
com poucas cores) são a melhor ferramenta para as cores para cada pintura — eis o assunto do próxi-
planejar o tom e a temperatura. Mas tais aspectos, mo tópico. Por ora, listo abaixo as orientações gerais
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COMPOSIÇÃO CROMÁTICA
Vejamos agora como escolher as cores para grande de pigmentos à sua disposição, suas possibi-
cada pintura. Em primeiro lugar, tenha em mente lidades de paletas aumentam e suas pinturas podem
paleta reduzida. Há pelo menos três razões para isso: Há muitos métodos possíveis para definir a
o olho humano enxerga mais valores do que cores gama de cores de uma pintura. No campo do design,
(pois possui muito mais bastonetes do que cones); o por exemplo, é comum definir a paleta com base em
agrupamento de muitas cores resulta em cores indis- esquemas relacionais no círculo cromático: cores
tinguíveis (do mesmo modo que a mistura de muitas complementares, tríades, análogas etc. O problema
cores acarreta em cinza neutro); uma paleta reduzida desse tipo de abordagem, quando aplicada à pintura,
nos impele a reorganizar e traduzir as cores que ve- é que ela se limita ao perímetro dos matizes, sem
mos (em vez de tentar reproduzi-las fielmente). Não indicar diretrizes de valor e saturação. Já na tradição
significa, porém, que a paleta tenha que ser reduz- acadêmica da pintura à óleo, costuma-se pensar em
ida ao máximo, ou seja, às três cores primárias. A termos de chaves cromáticas (color strings) a partir
aquarela, diferente de outros mediuns (como a pin- das cores que parecem predominar no objeto/cena
tura à óleo), não sustenta muitas variações a partir de referência: cor de fundo, da pele, da roupa etc. O
de poucas cores. Logo, a paleta reduzida em aquarela método Reilly, um pouco mais elaborado, consiste
deve conter pelo menos cinco cores e no máximo dez. em selecionar de três a seis pigmentos e, a partir da
E isso não quer dizer que você deva sempre se lim- mistura secundária entre eles, organizar pelo menos
itar a essa quantidade: se você tiver uma variedade três escalas de valores: quente, fria e neutra.
do método Reilly.
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Cores
Mas o caminho mais interessante e versátil que tadas: os vértices se referem às cores principais, ao
eu conheço reside na “máscara gama” (gamut map- passo que as cores que percorrem os lados do triân-
ping), como James Gurney o descreve. Trata-se de gulo são secundárias. A região central do polígono
delimitar a gama cromática de uma pintura através aponta para a mistura de todas as cores, o que equi-
pelo menos três vantagens nesse simples procedi- que essa temperatura não coincide necessariamente
mento: ele privilegia a escala de saturação (assi- com o cinza neutro (a menos que o polígono esteja
nalando, portanto, a temperatura geral); ele indica centralizado ao círculo cromático). Note também que
quais pigmentos serão utilizados (aqueles que este- os vértices não precisam se aproximar igualmente
jam próximos dos limites do polígono); e são mui- do perímetro dos matizes: um dos vértices pode ser
tas as possibilidades de demarcação (pode-se adotar mais intenso que os demais, por exemplo. Não sig-
qualquer forma poligonal, com qualquer tamanho e nifica, nesse caso, que a cor mais intensa deve ocupar
em qualquer posição no círculo cromático). a maior área da composição – essa distribuição pode
A ideia geral da máscara gama é servir como variar de muitas maneiras, como já vimos.
uma bússola de orientação cromática, e não como Pois bem, como criar uma máscara gama? Aqui
um método restritivo. O polígono mais fácil de ser devemos entender o seu caráter analítico: a máscara
aplicado é o triângulo, pois fornece coordenadas mais é sempre criada a partir de alguma referência exter-
simples. A primeira coordenada reside no perímetro na. Você pode, por exemplo, partir de uma pintura de
do triângulo, que indica quais cores devem ser ado- algum artista que você admira, ou ainda selecionar a
B B
A A
você inclui em uma composição,
D
mas também do que você deixa de
A - cores principais
B - cores secundárias fora.” — James Gurney
C - temp. neutra
D - cinza neutro
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Let the water be your guide
cena de algum filme que possui uma bela fotografia. Estou convencido de que esse tipo de raciocínio
A partir dessa referência, você deve tentar mapear analítico é muito mais eficaz do que qualquer modelo
ra neutra, criando uma máscara gama digital com o reduzida às cores primárias (azul, vermelho e ama-
auxílio do Photoshop. Não é um exercício fácil (rara- relo), por exemplo, é na prática um triângulo muito
mente chegamos a um recorte preciso), mas ele nos estreito dentro do círculo cromático: o vermelho e o
força a compreender melhor o círculo cromático, a amarelo estão próximos um do outro. Os resultados
dinâmica entre as cores e, principalmente, por que dessa limitação podem ser bons ou ruins, mas em
determinada composição cromática nos parece ser todo caso serão irrefletidos, pois não procedem de
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Cores
diferentes são algumas das diretrizes que Gurney diadas por cores neutras, o que corresponde à
nos fornece, e que nos levam a ponderar sobre certo forma de um diamante longo que atravessa o
“efeito narrativo” a ser aludido na pintura: círculo cromático, passando pelo centro.
valece a configuração de uma “tríade atmos- síveis: um triângulo estreito (com a base pró-
férica”: triângulos equiláteros deslocados do xima do cinza neutro e apenas um dos vérti-
• Em composições de natureza épica, ou seja, (cuja base não alcança o cinza neutro, acres-
que remetem a narrativas heroicas, é comum a centando-se uma área oposta, sem misturas
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Let the water be your guide
Claro que as diretrizes acima são discutíveis e saber “onde encontrá-las”. E geralmente as “en-
não devem ser tomadas como receitas. O importante contramos” mais facilmente nas obras dos grandes
é perceber que tais interpretações derivam de um ex- mestres, como Vermeer ou Sargent, que nos obri-
tenso estudo analítico. Ou seja, o domínio da com- gam a pensar as cores de maneira mais ampla, isto
posição cromática é mais uma questão de repertório é, como apenas um dentre outros elementos que
do que de fórmulas. Digo para meus alunos que não só funcionam em conjunto — conforme explico no
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Cores
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Coesão
OU CONSISTÊNCIA FIGURATIVA
O domínio das cores, por exemplo, não é suficiente sem uma com-
Embora tudo o que vemos possa ser pintado, nem tudo o que
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Let the water be your guide
O RECURSO FOTOGRÁFICO
Ao longo deste material, insisti na ideia de que nuances e possibilidades de tom e temperatura que
a pintura deve traduzir o que vemos, em vez de mera- escapam complemente à câmera.
mente reproduzir. Mas tal tradução não deve possuir Mais precisamente, a fotografia tende a dis-
o intuito de corrigir, reconstruir ou reinventar vi- torcer a luz e a cor das seguintes maneiras: muitas
sualmente a realidade; ela deve servir, na verdade, gradações tonais são reduzidas a preto e branco; boa
justamente para vermos melhor a realidade. Ao menos parte das cores são intensificadas quanto à satu-
é assim que eu entendo o realismo figurativo, ou seja, ração; cores intermediárias e refletidas muitas vezes
a ideia de narrar a realidade por meio da pintura. não são registradas. Claro que há uma série de ma-
Devo esclarecer que, no entanto, eu não guardo neiras para contornar isso, como você pode desco-
nenhum tipo de “purismo” nessa noção de realidade. brir ao estudar fotografia e manipulação digital. De
Eu prefiro, por exemplo, trabalhar com fotografias minha parte, acho suficiente usar, como referência,
do que modelo-vivo ou cenas ao ar livre — embora pelo menos duas versões de uma mesma foto: uma
eu não duvide do valor didático e contemplativo des- com exposição mais clara, favorecendo as nuances
sas experiências. Muitos dizem que a fotografia já de sombra, e outra com exposição mais escura, o que
nos oferece tudo “pronto”: a composição, as cores, os torna mais visíveis as gradações de luz.
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Coesão
NARRATIVIDADE VISUAL
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Let the water be your guide
cionados entre si à luz de uma estrutura coesa. Tal de temperatura (fria, quente ou neutra) ou de
estrutura é representada como uma pirâmide, o que gama (espectro do círculo cromático).
nos permite estabelecer a seguinte hierarquia: 3. Leitura: É a maneira como as coisas pintadas
1. Arranjo: É a base composicional, composta por posição. Isso pode ser feito definindo-se um
formas e valores. Mesmo nesse nível básico é ponto focal (através da variação de bordas níti-
preciso decidir se a composição será iniciada a das e difusas) ou um fluxo dinâmico (através
partir de valores (com um intervalo tonal bem de ângulos, direções e planos de profundidade).
pesos visuais e linhas de força). reconhecíveis, como resultado dos níveis an-
2. Tom: É a conjugação das cores e da luminosi- teriores. Esse nível também abarca o possível
dade, o que estabelece a chave principal da pin- acréscimo de detalhes formais (ex. fios de ca-
tura. Esse nível pode ser articulado em termos belo) e simbólicos (ex. aliança, lágrimas etc.).
FIGURAÇÃO
detalhes
ÉP
AM
ICO
temp. gama
DR
TOM
ARRANJO
valores formas
ABSTR AÇÃO
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Coesão
A ideia básica dessa organização é mostrar tonais, por uma temperatura acentuada e por uma
como cada nível interfere e/ou depende dos demais, leitura focal. Por sua vez, a tendência “épica” costuma
produzindo ao final consistência figurativa e narra- ser construída a partir de arranjos formais, de uma
tividade visual. Mas tal hierarquia não deve ser en- gama cromática delimitada e de um fluxo dinâmi-
tendida como sequência processual (como o método co de leitura. Diferente de James Gurney (que, como
do chá, leite e mel), e sim como um modelo teórico vimos, também aborda tais categorias), não penso
que relaciona os diversos elementos tratados ante- que haveria uma terceira categoria a ser chamada de
riormente: o arranjo é a base para se modular o tom, “poética” ou “sublime” — termos que, além de va-
que por sua vez interfere na definição da leitura, a gos, nos remetem antes à base da pirâmide, em que
qual esclarece, por fim, a figuração. Na prática, o predomina a abstração (tonal ou formal).
ideal é que os quatro níveis sejam pensados conjun- Claro que tais categoria são meramente con-
tamente no momento do planejamento da pintura, ceituais (em analogia forçada a gêneros literários) e,
de modo a guiarem previamente todas as decisões a no âmbito pragmático da pintura, não definem muita
serem tomadas. coisa com precisão. Não cabe aqui, portanto, apro-
Perceba também que cada nível, com exceção fundar essa dimensão estética e conceitual; por ora,
do último, indica duas variáveis de ênfase: valores e basta pontuar algumas diretrizes de como esse mo-
formas (no arranjo), temperatura e gama (no tom), delo da narratividade visual pode funcionar, e tam-
foco e fluxo (na leitura). Essa divisão indica dois bém como ele definitivamente não funciona. Com
eixos principais que eu identifico na construção da isso, também ficará mais clara a própria configu-
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Let the water be your guide
AR
R
Os dois primeiros níveis já são suficientes para obter
TOM
ANJ
narratividade, mesmo que resultem em composições
TO
O
M
mais abstratas (o que muitas vezes implica maior
LE
ITU
ARRANJO
FIG
consistência figurativa).
UR
A
AÇ
ÃO
FIGURAÇÃO
LEITURA
Uma narratividade visual mostra-se consistente
verificar
A
LEITURA
NJ
JO
M
LE
ARRANJO
ITU
ARRANJO
FIG
RA
UR
AÇ
ÃO
FIGURAÇÃO
JO
UR A
ÇÃO
TOM
ARRANJO
LEITURA
FIGURAÇÃO FIGURAÇÃO
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FIG
UR
AR
FIGURAÇÃ
R
Coesão
TOM
A
LEITUR
NJ
TO
O
LE
ITU
ARRANJO ARRAN
FIG
RA
UR
AÇ
ÃO
FIGURAÇÃO O QUE NÃO FUNCIONA PARA A NARRATIVIDADE VISUAL
AR
FIGURAÇÃO
R AN
LEITURA
LEITURA
TO
M
LE
I
FIG
UR
A
LEITU
AÇ
ARRAN RA
ÃO
FIG
JO
UR A
ÇÃO
TOM
RRANJO
ARRANJO
LEITURA
FIGURAÇÃO
TOM ARRANJO
FIG
UR
AÇ
ÃO
LEITU
RA
ANJO FIG
UR A
ÇÃO
TOM
ARRANJO
LEITURA
AÇÃO FIGURAÇÃO
ITURA FIG
UR A
ÇÃO
TOM
ARRANJO
LEITURA
FIGURAÇÃO
figuração) é autossuficiente.
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Let the water be your guide
PLANEJAMENTO EM 4 PASSOS
Agora que chegamos ao fim do percurso que eu 2. Por meio de um esboço em miniatura, defina o
procurei conduzir neste material, resta indicar um enquadramento e a fonte de luz principal.
caminho de planejamento de uma pintura e, por fim, 3. A partir de suas referências, faça uma máscara
pontuar algumas recomendações que entrelaçam to- gama para mapear as cores da composição.
AR
RA
TO
O
LE
ITU
ARRANJO
FIG
R
UR
A
AÇ
ÃO
FIGURAÇÃO
LEITURA
TOM TOM
LEITU
ARRAN RA
JO
ARRANJO
FIGURAÇÃO
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Coesão
RECOMENDAÇÕES FINAIS
1. Antes de começar a pintar, planeje ao máximo 7. Não faça correções. Nunca. Simplesmente re-
ser for bem planejado. Procure visualizar todas 8. Não tenha medo de errar. Se tiver medo, você
etapas da pintura antes de iniciá-la. vai errar muito mais. É preciso estar disposto a
rada da outra (como, por exemplo, tentar corri- 9. Saiba quando é o momento de terminar a pin-
gir um valor tonal após a aplicação de uma cor). tura. Diferente do óleo, a aquarela nos impõe
3. Não se prenda à referência. Pense nas possíveis palavras que dizemos antes de arruinar nossa
variações de arranjos, temperatura etc. Teste pintura são: “só está faltando uma coisinha...”
4. Estabeleça claramente a fonte de luz e não per- que não será a sua melhor pintura — porque
5. Crie intimidade com os pigmentos que você tem puder. Vamos aprender uns com os outros,
à disposição. Use uma paleta reduzida. Evite porque é isso o que faz tudo valer a pena.
6. O caos não reside na pintura, mas naquilo que Com amor e respeito,
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BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
Portrait Painting in Watercolor (Charles Reid, 1973) simplificada e dinâmica, ideal para iniciantes em
poço sem fundo de conteúdo: http://gurneyjourney. Brushwork Atelier — Esse site mantido por Luiz
Painting Portraits and Figures in Watercolor (Mary livros, dicas de materiais, vídeos, entrevistas e cur-
The Figure in Watercolor: Simple, Fast and Focused sobre ensino de arte, áreas de atuação e modos de
(Mel Stabin, 2002) — Traz uma abordagem mais precificar o trabalho. https://loish.net/faq/
Versão produzida em janeiro de 2020.
https://www.instagram.com/marcosbeccari
https://www.marcosbeccari.com
contato@marcosbeccari.com