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Introdução
Com este título, “perspectivas cristãs para o século XXI”, proferi uma longa
palestra, no Colégio Máximo Palotino, dia 23 de setembro último, fazendo a
apresentação de meu livro “A novidade da Novidade”. Vou tentar neste artigo dar
aos leitores um eco do conteúdo dessa palestra.
Com a palavra “perspectivas” pode-se entender, antes de mais nada, aquilo
que se prevê para um futuro próximo ou longínquo. Sendo para o século XXI, é
também para o terceiro milênio. Pode-se, ainda, entender aquilo que se espera ou
se deseja que aconteça para os próximos tempos. Naturalmente, essas previsões e
essas esperanças, a que vou referir-me, dizem respeito à imagem que o
cristianismo irá apresentar no século XXI e, por decorrência, no terceiro milênio.
Muitos autores já trataram desse assunto. Poderíamos formular várias
caracterizações a respeito. Alguns falaram do século da “civilização do amor”.
Outros, na esteira de João Paulo II, falaram do século da “Nova Evangelização”.
Terceiros, falaram da volta à “espiritualidade”, à “vida mística”. Finalmente, um
quarto grupo está falando do “século do Espírito”, concretamente, do Espírito
Santo. Essas quatro formulações se entrecruzam, se condicionam mutuamente, de
sorte que não se pode tratar uma, com exclusão das demais.
Em meu livro, “A novidade da Novidade”, enfoquei as “perspectivas” pelo
prisma da Nova Evangelização, sendo que o subtítulo soa assim: “Novo milênio,
nova Evangelização”. O último capítulo, ademais, leva esse título.
Entretanto, todos os demais capítulos não tratam diretamente das perspectivas,
mas dos pressupostos para que se realizem as perspectivas da Nova Evangelização.
Entendi que mais importantes que as previsões e as esperanças são os pressupostos
para que tais previsões e esperanças se realizem. De sorte que esses pressupostos,
de forma alguma, poderão ser supostos. Deverão ser levados em conta, sob pena de
não acontecer o que se prevê, o que se espera.
São, na verdade, os fundamentos para a Nova Evangelização. É ilusório querer
“construir sobre a areia”, sem fundamentos.
Posterior à minha palestra de 23 de setembro, Frei Clodovis Boff manifestou-
me, em carta, essa mesma compreensão, a respeito de meu livro. Escreveu: “Seu
livro chegou tão rápido quanto o li de um sorvo. Gostei. Partilho com o núcleo de
sua preocupação: Volta aos fundamentos... Também acho que existe um “olvido da
arché”... o princípio, o fundamento.” Frei Clodovis fala, em seguida, de um artigo
seu que aparecerá proximamente com o título “Retorno à arché da teologia”.
Igualmente, o diretor do Instituto de Teologia dos jesuítas de Belo Horizonte,
Pe. João A. Mac Dowell, escreveu ao Pe. Ilvo, com data de 04 de setembro,
confirmando que meu livro trata dos fundamentos da evangelização. Escreve:
“Peço-lhe que transmita ao autor o testemunho de minha admiração pela sua obra
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disseram: ‘Ele não expulsa demônios, senão por Belzebu, príncipe dos demônios”.
(Mt 12,24).
Aí está, certamente, o maior pecado contra o Espírito Santo. Não poderá ser
perdoado. Pois inclui uma blasfêmia de suprema malícia. Identifica Jesus com seu
maior inimigo. Não só significa dispensar, abandonar Deus na vida, não só
significa negar Deus mas, ainda, trocá-lo pelo seu maior inimigo. Trocar o bem
pelo mal. É o desvio total do caminho da vida. “Acaso troca um povo de deuses? –
e esses não são deuses! Mas meu povo trocou a sua Glória pelo que não vale nada.
Espantai-vos disso, ó céus, horrorizai-vos e abalai-vos profundamente – oráculo de
Javé. Porque meu povo cometeu dois crimes: Eles me abandonaram, a fonte de
água viva, para cavar para si cisternas, cisternas furadas, que não podem contar
água” (Jr 2,11-13). Trocaram a fonte de água viva pela cisterna rachada.
Jesus é, com efeito, o divisor das águas da humanidade, pois “este menino foi
colocado para a queda e para o soerguimento de muitos, e como um sinal de
contradição” (Lc 2,34). E de escândalo. Hoje, mais que nunca, essa profecia
continua acontecendo. E, naturalmente, não acontece entre os que não conhecem
Jesus. Acontece entre os que se dizem seus seguidores.
Qual, portanto, a identidade de Jesus? Para a crise cultural e de fé em que
vivemos, é urgente recordar o fundamento e não se perder em questões periféricas.
Essa era também a intenção primeira dos evangelistas. Desde os primeiros
versículos até os últimos ressoa a mesma insistência: “Princípio do Evangelho de
Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1); “Verdadeiramente este homem era filho de
Deus” (Mc 15,39). A intenção mais patente dos evangelistas, em verdade, era de
confirmar na fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus, as comunidades nascentes.
Quem é, portanto, Jesus? A identidade de Jesus Filho de Deus, “unigênito do
Pai” (Jo 1,14), “um com o Pai” (Jo 10,30), “consubstancial com o Pai”, “Deus de
Deus”, “luz da luz”.
Se esse homem, Jesus Cristo, é Deus, por mais que ele tenha sido humano, não
podemos sequer sonhar em rebaixá-lo ao nível dos demais homens. Não podemos
nos prevalecer por ele ter-se recusado até a morte de cruz comportar-se como
Deus. A rotina, por outro lado, é como a ferrugem que tira o brilho dos metais
preciosos. Assim nossa rotina de cristãos dilui essa realidade estupefaciente, que
ultrapassa todo entendimento, na confusão das obviedades e até das banalidades
cotidianas.
É ela, entretanto, que faz nascer em nós o que se tem chamado de
“radicalidade do Evangelho”. Não são os conselhos morais, como se costuma
afirmar, o que por primeiro apela para essa “radicalidade”. Os conselhos morais do
Evangelho a supõem. Somente essa realidade estupefaciente poderá produzir
comportamentos de ordem moral, despertando energias desconhecidas de nossa
natureza, como sucedeu com João Pozzobon, Teresa de Calcutá, Vicente Pallotti, e
outros muitos santos e mártires.
Há uns trinta ou mais anos atrás preguei um retiro aos então seminaristas
argentinos sobre o tema: Por onde se poderia começar a entender o cristianismo? O
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A prática de Jesus, com efeito, é tão misteriosa quanto a sua identidade. Foi
por isso que os judeus em geral, incluídos os discípulos, não conseguiam entender
Jesus. Estes últimos começaram a entendê-lo somente dez dias após a Ascensão. E
assim será por todos os séculos, pois, “este menino foi colocado...como um sinal de
contradição” (Lc 234). Mais. A espada que traspassará o coração da Mãe Maria
será “para que se revelem os pensamentos íntimos de muitos corações” (Lc 2,34-
35).
Neste capítulo vou recordar, antes de mais nada, o que Jesus veio fazer em
nós. Veio da parte do Pai a fim de partilhar conosco tudo quanto de melhor possuía,
de vez que essa é a dinâmica do amor. A dinâmica do amor é partilhar com a
pessoa amada tudo quanto de melhor se possui. Ora, o que se tem de melhor é a
própria natureza. Partilhar da própria natureza significa gerar um filho. Gerar outro
igual a si é, portanto, o que há de mais sublime e “divino” na natureza.
Em Deus, a “ação” de gerar é idêntica e simultânea, “tota simul”, com a
natureza de Deus. É a realidade da Trindade: Um Pai e um Filho na eternidade de
um Amor; um eterno Amante de um eterno Amado num eterno Amor.
Esse amor a Trindade o difundiu na criação e “nestes dias que são os últimos,
falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,2). O Unigênito do Pai, desde então, tornou-se
Primogênito, porque se tornou Filho “entre muitos irmãos”, segundogênitos. O Pai,
sempre “por obra do Espírito Santo”, partilhou conosco, “à imagem de seu Filho”,
o que tinha de melhor, sua própria natureza. Fez-nos “participantes da natureza
divina” (2Pd 1,4). “Participantes da natureza” é a própria definição de geração.
Significa que somos gerados filhos. Deus repete no tempo, participativamente, sua
“ação” eterna de gerar.
Jesus foi incisivo com Nicodemos: “quem não nascer do alto”...(Jo 3). E João
acentua: “A todos que o receberem deu o poder de se tornarem filhos de Deus, aos
que crêem em seu nome...”(Jo 1,12). E, então: “Vede que prova de amor nos deu o
Pai: sermos chamados filhos de Deus. E nós o somos!” (1Jo 3,1).
A geração é o fruto supremo do amor. Mas, o amor não se esgota no puro ato
da geração. A tendência do animal para com o filho, praticamente, se esgota no ato
da geração. Pois, o animal, propriamente, não ama. Nos humanos o amor, por ser
amor, não se esgota no ato da geração. O amor é dotado de uma dinâmica de
continuidade, de perenidade e de crescimento indefinido em relações interpessoais.
Expressando essa realidade, um autor falou do “segredo de Jesus”. O segredo
de Jesus consiste em não somente partilhar de sua natureza conosco mas também
em partilhar conosco das relações do amor trinitário. Deveria ser o mais óbvio.
Pois, nele a perenidade do amor é absoluta, porque nele o amor é plenitude infinita.
Assim que um dos núcleos da Bíblia é, precisamente, “o Deus Fiel”.
Quando Jesus disse, “eu vos chamo amigos” (Jo15,15), não quis dizer que se
tratava somente de uma relação bilateral entre ele e os discípulos. Tratava-se, muito
mais, de uma relação trilateral, como é próprio do amor. Com efeito, “quem me
ama será amado por meu Pai” (Jo14,21). Isto é, o mesmo amor eterno entre o Pai e
o Verbo eterno é partilhado: “Assim como o Pai me amou, também eu vos amei”
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(Jo 15,9). Jesus partilha conosco o amor trinitário. É o segundo “segredo” de Jesus
que se fundamenta naquele que Jesus revelou a Nicodemos. Fundamenta-se na
filiação.
“Participantes da natureza divina”. A Bíblia de Jerusalém comenta que aqui
“se exprime a plenitude da vida nova em Cristo, isto é, a comunicação que Deus faz
de uma vida que só a ele pertence”. Por isso, “está aqui um dos pontos de apoio da
doutrina da “deificação” dos Padres gregos”.
Nisso está a primeira prática de Jesus. Afirma-se aqui, em primeiro lugar, a
que veio Jesus, da parte do Pai, fazer entre nós. Em teologia tem-se chamado essa
realidade de “graça”. A graça, portanto, é, sim, “algo” que Deus fez em nós e não é
“somente a sua presença em nós”. É muito mais que só presença.
Com o tema da graça tocamos aqui aquilo que o Cardeal Danneels chamou de
“o verdadeiro drama da Igreja de hoje” (Cfr “30 Dias”, nº 5,1997). Qual o nome do
“verdadeiro drama” da Igreja, hoje, apontado pelo Cardeal? É o mesmo de 1600
anos atrás e se chama de pelagianismo.
Em que consiste o pelagianismo? Pelágio, monge irlandês, de vida muito
austera, começando a ensinar que o pecado original não teve maiores implicâncias
para nossa natureza, minimizava a natureza e o papel da graça em nós.
A graça não seria, como toda natureza é, um princípio ativo em nós, donde
brota “o querer e o operar” (Fl 2,13). A graça seria somente um auxílio. O agir é
nosso, Deus nos ajuda em nosso agir. Mais. Segundo o testemunho de Santo
Agostinho sobre o pelagianismo, a graça seria somente para nos auxiliar nos
empreendimentos que não estivessem em nosso poder. A justificação, a salvação,
vencer as tentações, estariam em nosso poder ascético.
Em conseqüência, Jesus, na descrição do “Dictionaire de Théologie
Catholique”, “não é um princípio vivo, criador e santificador; Ele é somente um
modelo que nos encoraja a nos aperfeiçoar...; a graça não é outra coisa que a
influência do exemplo de Cristo, exercida sobre o homem”.
Ainda, segundo L. Bouyer, em seu “Diccionario de Teologia”, “a graça, de
acordo com o pelagianismo, não faz mais que iluminar o homem a respeito do fim
que deve alcançar, para em seguida coroar os esforços feitos para alcançá-lo”.
Observe, o “amável leitor”, o que se escreve e o que se prega, hoje. Observe e
pergunte-se, por favor: quem, hoje, ao se referir à ação de Jesus sobre nós,
caracteriza essa ação mais que uma simples ajuda, ou uma luz que ilumina nossos
projetos, nosso agir? Repete-se, constantemente, “à luz da fé”, “à luz do
Evangelho”, “à luz de Deus”, e se fica nisso. E quem, hoje, considera Jesus mais
que um modelo encorajador, um exemplo a seguir, ao par de outros exemplos de
personagens históricos?
A graça, portanto, é verdadeiramente um princípio infundido em nossa
natureza, desde o batismo, do qual deverá brotar toda ação do cristão. Não é um
elemento justaposto à nossa natureza, não é um auxílio à nossa natureza. É nossa
própria natureza que é “refundida”, “deificada”. Nossa natureza de “natural” é
refeita “sobrenatural”. É re-gerada, regenerada.
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Santo Agostinho, em sua carta a Proba, nos fala que na oração “o intuito de
nosso Senhor e Deus não é ser informado sobre nossa vontade... Mas despertar
pelas orações nosso desejo, o que nos tornará capazes de conter aquilo que se
prepara para nos dar” (Liturgia das Horas, IV, 353).
Jesus convida e insiste que os ramos permaneçam sempre unidos à cepa
porque, só assim, “aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto;
porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5).
A conclusão que tiro dessa reflexão é que a tão acentuada “ação social” da
Igreja é tomada em sentido unívoco. Isto é, salvo engano, em nenhum escrito
teológico e pastoral encontrei que se faça a necessária distinção entre uma “ação
social” e outra “ação social”, entre a ação social do líder popular que não age por fé
e aquela do evangelizador, que age por fé, consoante o que nos é dito: “Nele a
justiça de Deus se revela da fé para a fé, conforme está escrito: ‘O justo viverá da
fé’” (Rom 1,17). E em outra passagem se diz: “O meu justo viverá pela fé” (Hb
10,38).
Sem essa distinção entre uma e outra ação social, toda ação social é nivelada
por baixo e o cristão termina entrando no jogo do “mundo”, lutando no mesmo
campo, aceitando as mesmas regras do jogo, usando as mesmas armas. Escutei que
o Pe. Henrique Vaz, ter-se-ia sentido muito incômodo, quando a JUC que ele
assessorava, nos inícios dos anos sessenta, entrou nesse “jogo”, aceitou as regras do
jogo, o “Betinho” à frente. Naquela época critiquei em aula um livro publicado em
parceria entre o Pe. Henrique Vaz e o Betinho.
A Igreja como um todo também corre esse risco de deslizar, univocamente,
para esse nível da ação social. Em conseqüência, assume tarefas que são da
competência do Estado e se expõe a protelar para um futuro incerto sua ação
específica evangelizadora. Não estaríamos assim sonhando ou, inconscientemente,
encaminhando-nos para uma nova “era da cristandade”, desde que a Igreja passa a
se ocupar das competências do Estado?
É verdade que há uma urgência no socorro aos injustiçados, pobres e
excluídos. Santo Agostinho, porém, adverte seus contemporâneos de que os
imensos males que eles vivem lamentando, são até inferiores aos dos séculos
passados e que não seria o caso de ficarmos lamentando-nos.
Essa urgência, por isso, que não é novidade desde Caim e Abel, não estará
criando na Igreja a ilusão de que as soluções mais imediatas, aparentes e
“humanas”, seriam mais eficazes que aquelas da fé? É verdade que nenhum cristão
admite que a fé seja “ópio do povo”. Mas, estaríamos suficientemente isentos da
contaminação desse bacilo quando, na prática, agimos como se a fé fosse, não digo
nociva, mas inoperante? Tenho lido uma piada que dizia que os americanos que
combateram o marxismo ficaram contaminados por ele como os antropófagos que,
tendo devorado os inimigos deram-se conta, no fim da festa, que esses inimigos
eram aidéticos. Ora, muitos cristãos não foram antropófagos mas viveram na
promiscuidade com o inimigo. A agora têm dificuldade de discernir e admitir a
contaminação.
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Ainda até pouco tempo tenho escutado de uma pessoa que trabalhava nas
comissões da CNBB, que não podemos evangelizar enquanto não elevarmos o
povo a um nível de vida aceitável. Muito bem, pergunto, quando nós vamos atingir
o nível de vida, por exemplo, da Alemanha? E, perguntemos aos próprios alemães
que atingiram um razoável nível de vida, se resolveram o problema da
evangelização! Fora assim, Jesus também não teria evangelizado, pois, as
condições de vida da época eram ainda piores.
Fala-se com uma impressionante e louvável freqüência da “prática da fé”, de
buscar a transformação das estruturas “à luz da fé”, “à luz do Evangelho”. Mas,
além do que disse acima do pelagianismo, minha dúvida, e suspeita, é de que essa
“ação social”, que é chamada de “prática da fé”, vem a ser tomada em sentido
unívoco e, com essa ambigüidade, não chega a ser mesmo “prática da fé”.
Acabo de ler, na última “Convergência” de novembro de 2000, um artigo de
um jovem jesuíta italiano, Mássimo Pampaloni. O artigo intitula-se “O Palhaço de
Keirkegaard, a urgência da redescoberta da Iniciação Cristã”. Mandei-lhe logo um
exemplar de “A novidade da Novidade”, dizendo-lhe que me sentiria honrado se
esse artigo figurasse como introdução ao meu livro. O autor não trata
explicitamente da prática de Jesus, mas aponta para a direção certa no trato da
iniciação cristã, como pressuposto dessa prática. É um artigo que representa uma
nota dissonante na “orquestra teológica de uma nota só” montada no Brasil.
3. A Prática de Jesus
É verdade que o verbo “assumir” vem do latim “assumere” que quer dizer
“tomar sobre si”, “tomar para si”, ou “avocar”. Mas também sugere o substantivo
“summus”, elevado, o lugar mais alto. Costuma-se dizer, por exemplo, “em sumo
grau” ou “summum jus, summa injuria”. Daí que quando a teologia diz que o
Verbo Eterno “assumiu” uma natureza humana, poderia significar ambas as coisas:
Tomou-a para si e também elevou-a a um sumo grau. Não só a dele mas, como
vimos, participativamente, também a nossa. Essa elevação, pela participação da
natureza divina, vimos ainda, chamou-se de graça ou também elevação ao
“sobrenatural”.
O estado sobrenatural em que fomos elevados não nos permite mais reduzir a
vida humana em termos de puro humanismo. A cultura, sobretudo, dos últimos
séculos, usou de todos os meios de persuasão para implantar esse reducionismo. É
por isso que os anticorpos de defesa contra essa contaminação estão muito
debilitados, também entre os cristãos.
Agora, vou resumir a última reflexão em torno dos pressupostos da Nova
Evangelização. A última e, sem mesmo dizer “modéstia à parte”, digo que me
parece ser original, junto com ser também problemática.
Isto é, O Verbo Eterno não somente assumiu, elevou a um sumo, nossa
natureza mas também assumiu, elevou a um sumo, a história. Ele se tornou
verdadeiramente o Senhor da História.
Em conseqüência, como não podemos reduzir nossa vida ao puro humanismo,
igualmente, não podemos reduzir os acontecimentos e os fatos históricos à pura
história tomada como nossa ciência humana. Esta significa somente as leis de
explicação dos acontecimentos que nós com nossos instrumentos cognoscitivos
podemos alcançar. Ficar buscando compreensões somente nesse nível chama-se de
“historicismo”,o que foi sempre apontado como negação do cristianismo.
Assim como a “ação social” e também a “natureza humana”, para o cristão,
não são mais conceitos unívocos, da mesma forma a história não é mais um
conceito unívoco. Assim como há uma “sobrenatureza”, analogamente, há também
uma “sobrehistória”.
Ambas, tanto a “sobrenatureza” quanto a “sobrehistória” não são,
evidentemente, visíveis, não podem ser reduzidas a padrões sensíveis ou
quantificáveis. Jesus nos tinha prevenido: “Interrogado pelos fariseus sobre quando
chegaria o Reino de Deus, respondeu-lhe: ‘A vinda do Reino de Deus não é
observável. Não se poderá dizer: Ei-lo aqui! Ei-lo ali, pois eis que o Reino de Deus
está no meio de vós” (Lc 17,20-21).
Com efeito, se o Reino de Deus fosse visível, observável, a pergunta dos
fariseus seria ociosa, pois, o Reino de Deus estava no meio deles de bem que o
poderiam ver.
Jesus é o Senhor da História, pois, a partir dele toda a história se tornou
“crística”, assim como nós nos tornamos “cristãos”. Os filósofos da história
discutem sem fim o sentido filosófico dos acontecimentos humanos. Perguntam-se
ansiosos se esse sentido é “linear” ou “cíclico” ou, ainda, “misto”. O cristão,
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entretanto, o que “vive pela fé”, busca “ver”, abre a mente para o que não é
“observável”, para presença misteriosa na história do Senhor da História.
Desde que se abominou a ciência humana que ultrapassa o puro sensível, a
metafísica, todos, incluídos os teólogos, tentaram fazer teologia daquilo que “não é
observável”, com paradigmas do observável, do sensível, que são os paradigmas
das ciências sociais.
Escrevi uma segunda carta ao Frei Clodovis Boff na qual digo que a tão
decantada “análise sócio-crítica” não tem condições de nos revelar o sentido dos
“sinais dos tempos”. É preciso buscar outros critérios para se poder “ver” as
intenções misteriosas de Deus nos “sinais dos tempos”. O “ver-julgar-agir” não é
suficiente para se fazer teologia.
Finalmente, decisivo também é perguntarmo-nos como o próprio Jesus viu os
acontecimentos, os fatos históricos. Longamente tratei desse tema em “A novidade
da Novidade”. Recordo somente isto. Jesus distanciou-se dos acontecimentos
epocais, circunstanciais. Não se envolveu com eles. Viu a história de um patamar
mais alto, mais “panorâmico”. Viu-a do monte das Bem-aventuranças. Em
conseqüência, não aceitou as regras do jogo desses acontecimentos circunstanciais.
Pois, “quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão acima dos
vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos” (Is 55,9).
A “Fides et Ratio” acentua que a verdade contida na Bíblia “está para além
dos condicionamentos das circunstâncias históricas e contingentes”. Essa verdade,
por isso, “é conhecida na história, mas supera a própria história” (nº 95).
Jesus quis curar o mal que não está circunscrito nos fatos sócio-históricos
circunstanciais e contingentes. Quis curar o mal da humanidade, o mal de ontem,
hoje e sempre. Também por este motivo Jesus é ontem, hoje e sempre.
Recordo, apenas, a passagem do Evangelho onde Jesus toma distância dos
acontecimentos circunstanciais. Os escribas e fariseus fizeram tudo para provar a
Pilatos que Jesus estava “subvertendo nossa nação, impedindo que se pague os
impostos a César e pretendendo ser Cristo Rei”, pois, “ele subleva o povo...” (Lc
23,2 ss.). Pilatos reconheceu: “Vós me apresentastes este homem como um
agitador do povo...” (Lc 23,14).
Essa era a interpretação histórico-circunstancial dos escribas e fariseus. Se
conseguissem convencer Pilatos desses “crimes”, Pilatos não teria dúvidas.
Crucificaria Jesus e todos os seus discípulos. Os romanos não brincavam em
serviço. Os judeus sabiam disso.
Diante dessas tentativas de envolver Jesus nos fatos “contingentes” sócio-
político-históricos, é João que nos revela de como Jesus tomou distância deles,
negando simplesmente que estivesse envolvido nisso: “Meu reino não é deste
mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que
eu não fosse entregue aos judeus” (Jo 18,36). Em outras palavras: Se eu fosse
aquilo que me acusam, achas que seria tão estúpido de me apresentar sozinho e de
mãos vazias?
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Conclusão