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Faz pouco mais de dois meses que o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma
nova resolução para orientar médicos que atendem pacientes com "incongruência de
gênero", termo atualmente usado pela medicina para definir pessoas que não aceitam o
sexo de nascimento.
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A Resolução 2.265/2019 diminuiu de 21 para 18 anos a idade para se fazer a cirurgia de
mudança de sexo; autorizou o bloqueio de puberdade em crianças que digam se sentir no
corpo errado e já estejam na faixa dos 10 anos, quando começam as mudanças mais
acentuadas de cada sexo; e liberou a terapia hormonal cruzada a partir dos 16 anos para
que, ainda na adolescência, meninos comecem a adquirir características femininas e vice-
versa.
Desde que foi publicado no Diário Oficial da União, em 9 de janeiro, o documento vem
gerando muita polêmica e pedidos públicos para que o CFM volte atrás e revogue a norma.
Uma carta aberta foi publicada nas redes sociais já na semana seguinte à publicação da
resolução do CFM. Nela um grupo de médicos traz um abaixo-assinado online pedindo a
revogação da resolução e faz uma série de denúncias.
"Cerca de 80% a 95% das crianças com disforia de gênero aceitam seu sexo biológico no
final da adolescência, sendo um indicativo de que a melhor escolha terapêutica em muitos
casos é a não invasiva."
Outro questionamento feito por médicos é ético. "O bloqueio da puberdade é feito com a
mesma medicação usada para castrar quimicamente pedófilos em países em que isso é
permitido. No Brasil castrar quimicamente um pedófilo é inconstitucional, pois fere a sua
dignidade humana. Em crianças púberes, não fere a sua dignidade humana? Elas podem
ser castradas e os pedófilos não?", pergunta a psiquiatra gaúcha Akemi Shiba num artigo
sobre tratamento de afirmação de gênero publicado recentemente.
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“Era férias, eu estava inclusive viajando. Acordei com dezenas, centenas de mensagens de
médicos dizendo que eu tinha aprovado o 'negócio trans' e eu não sabia nem o que estava
acontecendo.”
No começo de março foi a vez de uma deputada federal, Chris Tonietto (PSL-RJ), apresentar
um Projeto de Decreto Legislativo (PDL 19/20) que suspende a resolução do Conselho
Federal de Medicina.
Em entrevista à Gazeta do Povo, a deputada explicou por que quer anular no Congresso a
'carta branca' dada pelo CFM aos médicos para fazerem terapia hormonal em crianças e
adolescentes que dizem se sentir no corpo errado. "Ao diminuir a idade para início do
tratamento para mudança de sexo, a resolução do CFM afeta diretamente a vida de quem
ainda não tem plena capacidade para discernir sobre uma transformação que é
irreversível. Os efeitos colaterais são graves e reais", diz Chris Tonietto.
Falta de transparência
Os atuais conselheiros contrários à norma alegam que quando o Conselho Federal de
Medicina publicou e divulgou a resolução, em 9 de janeiro, a comunidade médica foi pega
de surpresa. Parte dos 28 conselheiros do CFM diz que sequer tinha ideia do que era
aquela resolução, quando ela foi publicada no diário oficial e divulgada numa coletiva de
imprensa por um médico que nem estava mais no órgão.
"Tem algumas resoluções, como a de telemedicina, que eles abriram para consulta para os
médicos mandarem sugestões, tanto que se olhar na [resolução] de telemedicina e na de
propaganda médica também, está lá: chamamento aos médicos para mandarem
sugestões. Nessa, não foi feito isso até onde eu sei."
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A polêmica resolução 2.265 foi votada e aprovada por unanimidade em 20 de setembro de
2019, a dez dias do fim do mandato da gestão anterior do CFM. Dia 1° de outubro
assumiram os 28 representantes dos estados e do Distrito Federal eleitos para o novo
mandato, que só termina em 2024.
O CFM esperou de setembro até janeiro para publicar a resolução no diário oficial, de
acordo com Câmara, sem fazer esclarecimentos internos sobre o que estava por vir. Por
isso, segundo ele, a surpresa dos atuais conselheiros, que começaram a ser cobrados por
colegas psiquiatras, endocrinologistas e outros profissionais que atendem crianças e
adolescentes com transtornos psicológicos quanto ao seu sexo de nascimento e passaram
a ser pressionados a começar as terapias hormonais.
"Isso caiu no nosso colo, todo mundo achou que a gente tinha aprovado isso. A gente,
inclusive, soube pela imprensa.”
Diante da reclamação de parte dos atuais conselheiros, que pediram a revogação das
normas recém-publicadas, o CFM aceitou reabrir a discussão. Ouviu primeiro o psiquiatra
Alexandre Saadeh, favorável às terapias hormonais em crianças e adolescentes e à cirurgia
de mudança de sexo a partir dos 18 anos.
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idade que dizem não aceitar o sexo de nascimento já são submetidos a terapias hormonais
no ambulatório, de forma experimental. O psiquiatra disse aos conselheiros do CFM nunca
ter recebido qualquer relato de problemas sérios com os pacientes que atendeu.
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O obstetra Raphael Câmara, conselheiro do RJ, também foi ouvido. Ele apresentou diversos
estudos internacionais que mostram consequências negativas de terapias hormonais e
cirurgias para mudança de sexo. Um deles revela o que aconteceu na Suécia, primeiro país
a liberar terapia hormonal e cirurgias de redesignação sexual, a partir de 1972.
Raphael Câmara também afirmou que um terço das cirurgias para mudança de sexo geram
complicações sérias, como AVC e trombose. "Todo médico sabe que, eticamente, uma
cirurgia que tem uma taxa de complicações de 30% jamais deveria ser feita, só isso deveria
ser motivo para impedimento. Parece que todas as regras de bioética somem quando se
fala em trans."
Janaína Paschoal afirma que a resolução do CFM é uma norma ética e não tem força maior
que a de leis, mas infringe, por exemplo, a lei federal do Planejamento Familiar (Lei nº
9.263/1996), que proíbe a esterilização de menores de 21 anos e coloca uma série de
exigências para permitir vasectomia ou laqueadura até em pessoas que, nessa idade, já
têm filhos.
"Se uma pessoa adulta, com filho, tem dificuldade para se esterilizar, como é que pode você
dar hormônio para uma criança de dez anos ou tirar o aparelho reprodutor de um menino de
18 anos?"
No vídeo, falando diretamente aos conselheiros (veja aqui), a deputada disse que o CFM
aparentemente tomou uma decisão apressada ao aprovar a nova resolução para atender a
interesses de alguns grupos isolados. “Não estou falando da comunidade trans, mas
grupos que desenvolvem tratamentos experimentais já há muito tempo, apesar de as
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normas éticas proibirem. Esses grupos vinham pressionando [o Conselho] para conseguir
uma normativa ética que desse cobertura jurídica ao que eles já fazem na prática há muito
tempo.”
A deputada federal Chris Tonietto anunciou que vai pedir uma audiência pública na
Câmara Federal para que médicos mostrem os riscos das terapias hormonais e das
cirurgias para mudança de sexo aos integrantes da Comissão de Seguridade Social e
Família, onde o PDL 19/20 será analisado agora.
Em São Paulo a deputada estadual Janaína Paschoal apresentou uma emenda ao projeto
que tenta transformar em lei o que o CFM aprovou como regra para os médicos (PL
491/19). Janaína Paschoal quer impedir a autorização de terapia hormonal em crianças e
adolescentes e a cirurgia de mudança de sexo antes dos 21 anos de idade.
Ela tem falado sobre o assunto na tribuna da Alesp e recebido apoio de outros deputados e
até de transexuais que a procuram para relatar casos de pessoas que fizeram a cirurgia de
mudança de sexo e precisaram amputar as duas pernas devido a trombose provocada pela
hormonioterapia cruzada e pela retirada e dos órgãos reprodutores. O projeto está em
tramitação desde abril de 2019, sem prazo para votação.
A deputada lembra que mesmo para uma criança com uma doença rara ser submetida a
uma pesquisa é necessário seguir uma série de protocolos: é preciso ficar provado que o
que está disponível não é suficiente para tratá-la; que ela e os pais estão conscientes das
consequências físicas que aquela pesquisa pode trazer e que os riscos serão menores do
que os benefícios que se possa alcançar, entre outras exigências.
"Tem toda uma filosofia em torno das pesquisas com seres humanos, em especial, os mais
vulneráveis", lembra Janaína. "Os hormônios sabidamente têm um impacto, inclusive,
cancerígeno. Como é que você aplica esses hormônios em crianças de 9 ou 10 anos, mesmo
em adolescentes, sem deixar evidenciado que isso é uma experiência e sem as pessoas
serem alertadas dos riscos? A discussão é bioética e de saúde", alerta a deputada.
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*A Gazeta do Povo enviou por e-mail ao CFM pedido de esclarecimentos e de entrevista
com o presidente do Conselho, mas até o momento não recebeu resposta.
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