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II SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES

INTERÉTNICAS
RELAÇÕES RACIAIS E RETÓRICAS DE IDENTIDADE

A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE NO CONTEXTO DAS MIGRAÇÕES


INTERNACIONAIS

ALLISSON GOMES DOS SANTOS GOES


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A PRODUÇÃO DA IDENTIDADE NO CONTEXTO DAS MIGRAÇÕES


INTERNACIONAIS 1

Allisson Gomes dos Santos Goes


UFS
allissongoes@gmail.com

RESUMO
As migrações internacionais ganham corpo a partir do surgimento e consolidação dos
Estados-Nação e em seu estágio atual são fortemente impulsionadas pela circulação do
capital, fase mais recente do processo de globalização. No contexto nas migrações
internacionais pode-se observar como as identidades dos grupos imigrantes são
reconstruídas na nova terra, onde também aflora os vários mecanismos de solidariedade
étnica que, na verdade, funcionam como estratégias ante um estado de permanência
definitivo que outrora se apresentava como provisório. O trabalho tem o caráter teórico,
mas lançará mão de exemplos empíricos explorados pelos vários autores que o
subsidiarão, tais como Stuart Hall, Abdelmalek Sayad, Marcelo Ennes e outros. A partir
destas leituras foi possível compreender quais elementos contribuem para que os
imigrantes redefinam suas identidades frente aos novos parâmetros vividos na sociedade
de imigração.
PALAVRAS-CHAVE: Imigração; Identidade; Solidariedade Étnica.

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Texto apresentado como trabalho final à disciplina “Identidade e Relações Interétnicas” ministrada no
NPPA/UFS pelo Profº. Dr. Frank Marcon no primeiro semestre de 2011.
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1. INTRODUÇÃO

O fenômeno das migrações não é recente, mas com o rótulo de migrações


internacionais só podemos observá-lo no limiar do século XIX quando ocorre a
consolidação dos Estados-Nação.
Desde o século XIX os movimentos migratórios internacionais se
intensificaram e perduram até a contemporaneidade estimulados pela globalização2 que,
a partir da diminuição de barreiras de comunicação e transporte numa escala global,
além da circulação de capitais, intensificou fluxo de pessoas de norte a sul e de leste a
oeste.
As migrações internacionais são um celeiro para estudar a questão dos processos
identitários e é exatamente neste celeiro que o presente trabalho pretende se abrigar.
Nosso objetivo é entender como se dá a produção das identidades (sejam elas culturais
ou étnicas) no contexto das migrações internacionais. Com a ajuda de autores como
Stuart Hall, Abdelmalek Sayad, Fredrik Barth e outros, faremos um passeio que se
inicia na decisão de imigrar, no ponto que faz surgir o que se chama de imigrante: o
trabalho. É o trabalho que dá forma a jornada da imigração, onde o indivíduo opta por
sair de sua terra natal em busca de melhores condições de vida. Pretende-se um estado
provisório, guardando a esperança de um dia retornar após conseguir o tão esperado
êxito material, mas o estado que parece provisório vai tornando-se definitivo. Na
sociedade de imigração vários aspectos da sua identidade são reconfigurados para dar
origem a uma nova identidade, uma identidade diaspórica, reconstruída, hibridizada,
negociada.
Nesta nova terra o grupo de imigrantes pode desenvolver mecanismos de ajuda
mútua ou de solidariedade étnica para proteger-se de alguma maneira da sociedade que
o vê como o “outro”, o “diferente”. Em vários casos podemos visualizar estes
mecanismos como no caso dos sírios, libaneses, chineses e com mais atenção os
japoneses que serão abordados aqui. Estes últimos serão vistos com mais afinco na parte
final do trabalho tomando como exemplo os japoneses no estado de São Paulo na

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A globalização é tratada com o sentido que nos traz Anthony Giddens: “A globalização não é, portanto,
um processo singular, mas um conjunto complexo de processos. E estes operam de uma maneira
contraditória ou antagônica” (GIDDENS, 2000, p. 23).
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tentativa de se observar como eles reconstruíram suas identidades dentro desse processo
de migração internacional.
Sugere-se que toda imigração acompanha uma reconfiguração identitária não só
por parte dos imigrantes, mas em alguma medida da sociedade que o recebe. As grandes
metrópoles são espaços onde é possível observar o quanto estas trocas simbólicas entre
imigrantes e naturais afetam suas identidades.

2. A JORNADA DA IMIGRAÇÃO

Decidir por imigrar não é tão simples quanto pode parecer algumas vezes. O
mundo conhece esses movimentos desde os tempos mais remotos, acentuados com o
passar do tempo pelo desenvolvimento dos meios de transportes que tornaram as
distâncias entre os diversos pontos da terra mais brandas, ou seja, elas não seriam um
empecilho para o deslocamento. Há inúmeras possibilidades de se analisar a jornada da
migração de um país para o outro, mas é sob a ótica do trabalho, da necessidade de
obtê-lo que queremos entender como se processa esta jornada.
O trabalho é que faz nascer o imigrante de acordo com as concepções do
sociólogo francês Abdelmalek Sayad (1998). Ele estuda a presença de imigrantes
argelinos na França em um período que esse país viveu forte expansão econômica. Não
há como dissociar o imigrante do trabalho. Sayad nos diz que a imigração está
diretamente relacionada com o trabalho e o imigrante “é essencialmente força de
trabalho provisória [...], temporária, em trânsito”, portanto, “o trabalho faz nascer o
imigrante, se o trabalho morre, morre também o imigrante passando a viver um estado
de não-ser (SAYAD, 1998)”.
Se o imigrante está diretamente relacionado com o trabalho podemos afirmar que
sua jornada começa na busca de uma melhor condição de vida que só pode ser garantida
a partir do trabalho. A acentuada globalização influencia muito nesse movimento de
busca pelo trabalho de forma que algumas “barreiras” são derrubadas aumentando o
fluxo de pessoas que orbitam em torno desse propósito com a expectativa de melhorar
de vida. Às vezes é uma decisão que tem que ser tomada as pressas, em outros cada
passo é calculado meticulosamente, porém, é certo que todo processo de imigração é um
processo de ruptura. O primeiro passo já foi dado: sair do lugar de origem, o próximo é
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adaptar-se à sociedade de imigração; em muitos casos nem se fala a língua local e o


imigrante pode ser recepcionado com hostilidade, principalmente aqueles que entra m no
novo país ilegalmente. O imigrante deve estar atento as leis, costumes, práticas
cotidianas, etc. para minimizar os efeitos dessa hostilidade que se manifesta e m
determinados períodos violentamente.
Há na condição da imigração uma contradição, “por um lado temos um estado
provisório que se gosta de prolongar, por outro um estado mais duradouro que se sente
como provisório (SAYAD, 1998)”. Assim, a imigração mascara a si mesma e esconde
sua verdade, pois, temos imigrantes que reivindicam sua menor temporalidade do país
receptor, mas vão permanecendo por mais e mais tempo e, o estado que era provisório
torna-se permanente, contudo, com certo resquício de passageiro. Esta é a fórmula que
faz com que os imigrantes se estabeleçam nos países de imigração: “toda imigração de
trabalho contém em germe a imigração de povoamento que a prolongará; inversamente,
pode-se dizer que não há imigração reconhecida como de povoamento” (SAYAD,
1998). Em síntese, o imigrante que nasce com o trabalho e numa condição provisória,
transforma seu status provisório em definitivo a partir das concessões feitas por ele e
pelas sociedades de imigração.
O terceiro passo então é estabelecer-se em definitivo, é onde se começa a enxergar
o lugar de imigração, aquele lugar do provisório como lugar do definitivo. Muitos
fatores pesam quando se toma a decisão de fixar-se e o trabalho continua sendo o cerne
da questão para aqueles que já construíram seus patrimônios e reergueram suas vidas no
local antes “desconhecido”. Existem outros fatores que afetam em maior ou menor grau
essa permanência: os filhos gerados no seio dessa nova sociedade, filhos que em alguns
momentos (e em alguns casos) podem reivindicar sua cidadania legal; os profundos
laços estabelecidos com a comunidade de imigrantes e/ou com a sociedade de
imigração, laços que levam a uma reconstrução identitária a partir de um processo da
tradução cultural, da hibridização, da hifenização, da negociação e nunca da assimilação
e/ou aculturação como se pensava anteriormente (HALL, 2003; LESSER, 2001).
É claro que a empreitada da imigração envolve muito mais processo dos que o
descrito acima, mas de forma geral e vendo sob a ótica de Sayad (1998) e sua
experiência com a sociedade francesa e a imigração argelina que se inicia na década de
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sessenta do século passado é possível compreender em certa medida os movimentos


migratórios abarcam os passos que delimitados anteriormente.
Imigração implica em correntes e estas aparecem e desaparecem a todo instante. É
preciso lembrar que a decisão imigrar não é tomada de forma avulsa, ela tem um
motivo, uma força propulsora e, nesse caso, a busca pelo trabalho. Todavia, não se
imigra para o desconhecido, sempre há um conhecimento prévio do lugar de destino,
seja nas propagandas feitas (como no caso da imigração do século XIX para o Brasil) ou
de uma comunidade já existente neste lugar de destino, assim, é certo que uma corrente
se estabelece para que a imigração ocorra e sua jornada se concretize. Assim, antes da
decisão de migrar há todo um contexto montado e pensado pelos agentes desse
processo; não se pode pensar numa coisa aleatória, mas trabalhada, planejada, decidida,
contudo, não deixa de ser um processo de rompimento com o que se era lá no lugar de
origem e com o que se vai ser no lugar de destino. É neste ponto que se começa a
construir uma identidade imigrante.

3. A RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NO NOVO ESPAÇO

Este ponto será analisado a partir do que Stuart Hall (2003) escreve pensando
sobre o que ele chama de diáspora caribenha na Grã-Bretanha. O exemplo de Hall nos
possibilita enxergar como ocorre a reconstrução da identidade do imigrante no seu novo
lugar de morada, que agora deixa de ser provisório e passa a ser definitivo.
Stuart Hall não está preocupado em sistematizar a imigração caribenha para Grã-
Bretanha ou Estados Unidos, mas foca sua atenção na relação entre “terra de origem” e
“pertencimento” para uma construção da identidade caribenha na diáspora. Ele observa
que há uma tentativa de deixar viva a identidade caribenha face ao novo contexto e m
que estas pessoas se estabelecem, porém, é notório que esta identidade se torna múltipla,
como acontece com o surgimento de uma identidade barbadiana:

Junto com os elos que as ligam a uma ilha de origem específica, há


outras forças centrípetas: há a qualidade de “ser caribenho” [West-
indianness] que eles compartilham com outros migrantes do Caribe...
Existem as semelhanças com outras populações ditas de minoria
étnica, identidades “britânicas negras” emergentes, a identificação
com os locais de assentamento, também as re-identificações
simbólicas com as culturas “africanas” e, mais recentemente “afro-
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americanas” – todas tentando cavar um lugar junto, digamos à sua


“barbadianidade” (HALL, 2003, p. 27)

Neste caso específico dos barbadianos na Grã-Bretanha, Hall alega que o contato
com diversos outros grupos caribenhos e com outras identidades negras britânicas
proporciona uma redefinição do “ser barbadiano” e mais, os que retornaram à Barbados
sentiram falta da vida metropolitana que estavam acostumados a levar, isso nos leva a
pensar no que faz o imigrante sentir-se como parte do local de assentamento quando
retorna (provisória ou definitivamente) ao seu local de origem. Há um sentimento de
deslocamento, típico do atual processo de globalização como afirma Hall (2005) em
outra obra.
Os mitos fundadores citados por Hall trazem a tona uma questão muito
importante: a essencialização da identidade, ela passa a ter um caráter permanente, não-
transitório e a expectativa de retorno sempre reforçará esta identidade imutável, que
encontra refúgio na tradição. Mas o que se constata é outro caminho tomado pelos
imigrantes caribenhos, onde, essa “história está marcada pelas rupturas mais
aterradoras, violentas e abruptas” (HALL, 2003, p. 30); é o caminho da “fusão”, do
“entrelaçamento de diferentes elementos culturais africanos e europeus”. É a
hibridização, uma mescla de elementos culturais caribenhos com outros metropolitanos
que originam uma nova identidade caribenha, a identidade caribenha na diáspora.
Agora, sujeitos antes separados convivem juntos “espacial e temporalmente”, uma
verdadeira “zona de contato” que permite uma “interação” entre ambas as partes. Essa
hibridização também acontece no Caribe, pode-se ver no exemplo de Hall ao constatar
que em Trinidad, o Oriente e o Ocidente são representados em complexas relações de
tradução cultural. As “Rainhas do Carnaval Indiano, pão indiano, velas Diwali
brilhando na escuridão de São Fernando”, etc., são objetos dessa tradução cultural em
Trinidad.
Os places de passage se encaixam na análise da identidade imigrante caribenha
porque essa nova identidade não pode ser encarada como oposta as outras identidades,
ou seja, elas não têm um ponto de ruptura, mas são lugares de passagem onde se vem e
se vai dependendo da situação em que se contra o imigrante.
Em uma das vertentes da globalização pós-70 observamos o desmantelamento
“dos modelos culturais a partir da nação”, como fornecedora de uma identidade cultural
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homogênea e unitária e passa a oferecer uma identidade “deslocada” e uma produção


cultural “desterritorializada” onde não se sabe qual o local de sua produção. Neste
contexto, o imigrante torna-se elemento de desestabilização dessas identidades
nacionais “fixas” e “imutáveis” a medida que ele fornece para a sociedade de imigração
atributos que podem ser agregados à formação de um outro modelo cultural.
Diante disto, verifica-se que ao reconstruir sua identidade (seja ela cultural ou
não) o imigrante se coloca num processo de “negociação” de determinados elementos
que ativarão sua nova identidade. Ele não será somente caribenho, por exemplo, mas
poderá sentir-se um “anglo-caribenho”. Essa nova identidade hifenizada pode ser
resultado desse processo de hibridização de que fala Stuart Hall e, sem dúvida, não é um
processo simples de entender e especificar, mas é no cotidiano que o presenciamos mais
claramente, como no caso dos japoneses no Brasil.
A dança e outros itens culturais caribenhos em Londres são exemplos de que “a
cultural é uma produção” e esta produção (assim como a identidade) será afetada por
elementos de todas as partes envolvidas, como diz Hall não é uma questão de “ser” e
sim de “tornar-se”. Para acrescentar ele ainda nos fala que

As identidades, concebidas como estabelecidas e estáveis, estão


naufragando nos rochedos de uma diferenciação que prolifera. Por
todo globo, os processos das chamadas migrações livres e forçadas
estão mudando de composição, diversificando as culturas e
pluralizando as identidades culturais dos antigos Estados-Nação
dominantes, das antigas potências européias, e, de fato, do próprio
globo (HALL, 2003, p. 43).

Os movimentos migratórios e a presença dos imigrantes auxiliam na aproximação


entre o que é “local” e o que é “global” e desestabilizam de alguma maneira o que está
posto como fixo. É só olhar para grandes cidades como Londres, Nova York e São
Paulo. Desta maneira, o imigrante torna-se protagonista não só do processo de
reconstrução de sua identidade, mas também da identidade da sociedade de imigração.

4. IMIGRAÇÃO E SOLIDARIEDADE ÉTNICA

Quando um grupo de imigrantes reivindica uma identidade étnica, ou seja, aquela


que está assentada numa ancestralidade ou num passado comum, é possível visualizar
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alguns fenômenos, dentre eles a solidariedade étnica. Antes de discorrer sofre esse
fenômeno vamos pincelar alguns pontos sobre “etnicidade” e “grupos étnicos” que
servirá de reforço para melhor compreensão do que está posto neste ponto de discussão.
As categorias de “etnicidade” e “grupo étnico” podem ser entendidas a partir das
concepções desenvolvidas por Fredrik Barth e apresentadas por Philippe Poutignat e
Jocelyne Streiff-Fenart no livro “Teorias da Etnicidade”. Barth,

...substituiu uma concepção estática da identidade étnica por uma


concepção dinâmica. Ele entendeu muito bem e faz entender que essa
identidade, como qualquer outra identidade coletiva (e assim também
a identidade pessoal de cada um), é construída e transformada na
interação de grupos sociais através de processos de exclusão e
inclusão que estabelecem limites entre tais grupos, definindo os que
integram ou não (POUTIGNAT, 1998, p. 11).

Como se vê noção de etnicidade contribui para uma melhor compreensão sobre os


processos de mudanças identitárias por não se restringir a traços culturais que são
imutáveis, ou seja, não se sustenta somente na cultura, na língua ou mesmo nos ritos
praticados pelo grupo, mas ela é fruto de “ações e reações entre este grupo e os outros
em uma organização social que não cessa de evoluir (POUTIGNAT, 1998)”. Fredrik
Barth acredita que a etnicidade é validada a partir da interação social entre os grupos
num processo de dicotomização entre os que são considerados membros do grupo e os
considerados de outros grupos e não como pensavam os “primordialistas” que
evocavam uma série de traços culturais para defini-la e os adeptos de uma sociobiologia
que viam nos traços físicos o elemento principal.
A etnicidade também é fruto de negociações entre os membros do grupo e não se
impõe a eles, mas, pode ser manipulada, questionada, construída e reconstruída e, as
negociações podem ser implícitas ou explícitas, tendo sempre como máxima as relações
sociais (POUTIGNAT, 1998).
Da mesma forma, os grupos étnicos tratados por Barth estão longe de sere m
agremiações sustentadas pelo elemento da cultura. Para ele, “os valores culturais
comuns ocupam, ao contrário, um lugar importante... não porque defina m
substancialmente entidades étnicas, mas porque coagem situacionalmente os papéis e as
interações étnicas” ( POUTIGNAT, 1998), ou seja, a cultura por si só não se configura um
fator de constituição de um grupo étnico, mas, quando os membros de um grupo são
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coagidos e tomam a cultura como sua referência e estabelecem uma fronteira, o grupo
étnico se sobressai. Em suma, Barth foca na ideia de fronteira como sendo o motor que
faz surgir os grupos étnicos.
De posse desse entendimento é possível apreciar dois exemplos de solidariedade
étnica entre grupos de imigrantes no Brasil. O primeiro caso foi estudado há algum
tempo, os sírios e libaneses em São Paulo estudados por Oswaldo Truzzi (1995) em sua
obra “Patrícios sírios e libaneses em São Paulo”. Ao traçar as trajetórias sociais do final
do século XIX até meados de 1960, Truzzi destaca que sírios e libaneses ao prosperar
economicamente ajudavam seus “irmãos” facilitando sua vinda ao Brasil para que
também pudessem trabalhar e ascender socialmente.
O segundo é um caso estudado mais recentemente, os chineses no estado de
Pernambuco abordado pelo antropólogo Marcos Silva (2008). Em seu trabalho ele
constatou a presença de alguns mecanismos de ajuda mútua entre seu grupo no campo
econômico pernambucano; entre os principais estão a contratação pelos comerciantes
chineses de seus próprios “companheiros” imigrantes em seus estabelecimentos. Outro
mecanismo apontado por ele estava na prática freqüente de auxílio aos que
manifestassem interesse em migrar para o Brasil.

5. JAPONESES NO BRASIL: IDENTIDADE, SOLIDARIEDADE ÉTNICA E


NEGOCIAÇÕES

A jornada dos imigrantes japoneses no Brasil começa no início do século XX com


a chegada do primeiro contingente de imigrantes vindos da terra do “Sol-Nascente” para
sanar a demanda de mão-de-obra das lavouras de café em São Paulo (ENNES, 2001). O
primeiro navio com aproximadamente 600 pessoas aporta em São Paulo, mas as
negociações entre os dois países vêm de um pouco antes no final do século XIX. Todos
esses imigrantes vinham com a perspectiva de trabalhar, conseguir enriquecer e voltar
para o Japão, como aponta Ennes (2001).
É possível fazer um paralelo entre a vinda dos japoneses e o que tratamos
anteriormente a partir da discussão feita por Sayad (1998) quando se busca definir o
conceito de imigrante e, acrescentamos, quando se inicia sua jornada rumo à nova terra.
Com os japoneses emigrados não foi diferente, eles tinha a percepção de que estavam
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vindo para o Brasil na busca de melhores condições de vida que só poderia ser obtido a
partir do trabalho e que também possibilitaria o enriquecimento. Assim, nasce o
imigrante japonês, é também o trabalho que o origina.
Como qualquer grupo de imigrante que chegava ao Brasil3 os japoneses també m
tornaram-se alvo de debates principalmente acerca de como aconteceria a formação da
raça brasileira com a introdução desses novos elementos. Há diversas fontes que pode m
atestar os intensos debates que preocupavam os nacionais quanto à questões como
mistura e assimilação, preocupações estas que não se restringiam somente aos
japoneses, mas a outros grupos de imigrantes (ENNES, 2001).
O que talvez agravasse em relação aos japoneses eram características físicas e
culturais muito mais diferentes que outros imigrantes. Mesmo os próprios japoneses
enfrentaram inúmeras dificuldades em relação à alimentação e outros aspectos da nova
terra

A começar pelas refeições - pão com mortadela servidas nos trens que
os conduziam até as fazendas. As casas nas colônias das fazendas
nada tinham de semelhante com as que moravam no Japão. A
alimentação também continuava a causar problemas, já que não
existiam verduras e legumes e sua dieta restringia-se a arroz, carne
bovina ou de peixe salgado e banha de porco.
Essas características, embora pareçam sem importância, revelam na
verdade conflitos vivenciados em decorrência de seu ethos inscrito em
seus hábitos alimentares (ENNES, 2001, p. 54).

A alimentação é somente um dos itens que podem ser explorados quanto a


dificuldade enfrentada pelas primeiras levas de japoneses e, recordando, até pouco antes
da segunda grande guerra os que cá estavam acreditavam que seu estado era provisório,
todavia, quando o Japão perde a guerra junto com Alemanha e Itália (países do Eixo)
suas expectativas são minimizadas e o estado que era provisório vai se tornando
definitivo, tal como ocorre com os argelinos na França estudada por Sayad (1998).
Se o estado que era provisório vai se tornando definitivo significa que algumas
mudanças também estão em curso. É claro que elas não são facilmente perceptíveis,
mas enxergá-las possibilita entender como a identidade nipônica (e de qualquer grupo

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Mesmo os europeus eram alvo de discussão. Esse ou aquele italiano não servia por diversos motivos.
Isso prova que mesmo os europeus brancos deveriam ser selecionados antes de aportarem no Brasil
(LAZZARI, 1980).
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imigrante) é reconstruída, redefinida, hibridizada, negociada. Antes de apresentar como


ocorreu este processo no caso japonês – a partir das considerações de Ennes (2001) –
vamos pontuar alguns os mecanismos de solidariedade étnica já demonstrados e m
outros casos anteriormente.
Os japoneses da cidade de Pereira Barreto 4 estudados por Ennes (2001) chegaram
à região com o objetivo de colonizar uma área que tinha um baixo índice de
povoamento. A empreitada foi realizada pelas empresas de imigração brasileira e
japonesa5 da época; de empregados os japoneses passaram a serem donos de lotes
quando alguns fazendeiros decidiram lotear suas terras. Como donos dos lotes eles
puderam (com ajuda de capital japonês) fundar suas colônias como aconteceu e m
muitas outras regiões do estado de São Paulo.
Chegamos a um ponto fundamental para nossa exposição. Quando as colônias são
criadas podemos observar alguns mecanismos de solidariedade étnica bem patentes. É
lógico que o ponto de surgimento destes mecanismos não é automático, pois os
japoneses são conhecidos por seu forte poder agregador entre seus membros, mas é
talvez na colônia que isso se aprofunda tendo em vista a concorrência/competição que
eles têm que enfrentar com os brasileiros, além de se defender dos diversos “ataques”
empreendidos por estes últimos.
A Cooperativa Agrícola é um dos mecanismos em questão; uma cooperativa
dirigida por japoneses e que serve para congregar os diversos proprietários com os mais
variados produtos com fins comerciais. Marcelo Ennes (2001) dá alguns exemplos de
como os japoneses selecionavam seus empregados e em especial os brasileiros que
trabalhavam na cooperativa tinham um perfil compatível com as exigências de seus
administradores. É claro que tudo isto estava implícito e foi percebido na comparação
dos discursos de empregados e patrões. Isso indica um padrão que deveria ser mantido.
Existia também uma espécie de poupança feita por grupos de japoneses com a
finalidade de ajuda mútua, o mojim, em diversas ocasiões. Há um depoimento muito
peculiar com relação ao mojim, onde uma brasileira criada por uma família japonesa só
é convidada a fazer parte do mecanismo porque é “considerada uma deles” e por ser

4
Município do oeste paulista surgido a partir da implantação de uma colônia japonesa no início do século
XX.
5
Como nosso objetivo não é tratar especificamente do processo imigratório dos japoneses para o Brasil
recomenda-se consultar Ennes (2001) e bibliografias anteriores.
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“diferente” dos demais brasileiros. De alguma forma preserva-se a comunidade em


relação aos brasileiros e compartilha-se um mecanismo de ajuda mútua muito antigo e
praticado por eles. Em síntese, Ennes (2001) diz que

Concretamente, os sistemas de ajuda mútua (mojim), os mecanismos


de solidariedade acionados em ocasiões como nascimento, casamento
e morte, o miai e, sobretudo, a aversão dos japoneses em criar laços de
dependência que não fosse mútua, fizeram que prosperassem sem a
necessidade da ajuda e da proteção do poder público. Mesmo que não
obtivessem sucesso econômico, restavam a tradição e o espírito
japonês que os distanciavam das práticas clientelistas e paternalistas
do poder local, controlado por brasileiros (ENNES, 2001, p. 128).

Chegamos agora na questão de como a identidade japonesa é reconstruída a partir


do contato com a nova terra. Se o estado em que se encontram é permanente,
“naturalmente” são costuradas relações com os brasileiros e é nessas relações cotidianas
que suas identidades são redefinidas. Isto foi mais perceptível nas segundas e terceiras
gerações. Alguns fatos podem ter contribuído para que esse processo transcorresse,
dentre eles, os casamentos interétnicos e as relações de amizades (ENNES, 2001).
Os casamentos interétnicos foram tornando-se um pouco mais comum, assim, os
japoneses já podiam vivenciar elementos da cultura brasileira em seu dia-a-dia. Um
bom exemplo se dá nas festas de casamento, havia sempre a comida japonesa a base de
peixe, arroz, etc., mas há também o cardápio brasileiro que agradava a outra parte dos
convidados. São estes intercâmbios que despertam novos gostos (tanto em japoneses
quanto em brasileiros) alimentares naqueles que em outro momento se mostrava m
irredutíveis quanto a abdicar de suas práticas culturais por um instante sequer. As
relações de amizade entre brasileiros e japoneses também se intensificaram nas gerações
posteriores à primeira imigração, posto que, eles já praticavam esportes conjuntamente,
freqüentavam ambas as Associações Culturais (japonesa e brasileira) e faziam as tarefas
escolares em grupos mesclados. Este tipo de convivência também contribuiu para que
os japoneses em Pereira Barreto tornassem mais brasileiros como aponta o próprio
Ennes (2001)

São na e por meio dessas relações que japoneses e seus descendentes


tornaram-se mais brasileiros; de diversas maneiras e modos
brasileiros, em sua grande diversidade, tornaram-se, igualmente de
14

diversos modos e maneiras, um pouco japoneses. (ENNES, 2001, p.


136)

Neste sentido, é possível afirmar que suas identidades foram redefinidas, reconstruídas ou
negociadas no sentido que demonstra Jeffrey Lesser (2001). Em alguns momentos se é mais
japonês, em outro brasileiro e em outro brasileiro e japonês ao mesmo tempo ou nipo-japonês.
Vai depender do contexto ou cenário para que esta ou aquela identidade seja ativada, situação
também observada no caso de Pereira Barreto, onde “qual ser japonês é, ao mesmo tempo,
ser brasileiro, e ser brasileiro é, igualmente, ao mesmo tempo, ser japonês” (ENNES,
2001, p. 161).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A jornada da imigração é dolorosa para aquele que deixa sua terra em busca de
melhores condições de vida. É exatamente neste ponto que nasce o imigrante, o trabalho
é seu motor principal. É o trabalho quem o concebe. Assim como não é simples imigrar,
também não é simples entender como acontece a reconstrução identitária do imigrante
no seio da sociedade de imigração. Sabe-se que ela não será a mesma vista, por
exemplo, a partir de uma identidade cultural, como no caso nos negros caribenhos na
Grã-Bretanha. Estes imigrantes puderam redefinir suas identidades no contato com
novos elementos culturais tanto da Grã-Bretanha como da própria África, onde ocorreu
a primeira diáspora.
Por outro lado, a condição diaspórica ou de imigração pode propiciar o
desenvolvimento de mecanismos de solidariedade étnica como no caso dos sírios,
libaneses, chineses e japoneses no Brasil. No sentido de preservar sua cultura, de se
defender e de ajudar uns aos outros frente às dificuldades vivenciadas no lugar que não
é mais provisório, estes reproduziram laços mútuos muito fortes.
Enfim, mesmo “fechando-se” em colônias, os imigrantes, tal como os japoneses
em Pereira Barreto, construíram relações com os brasileiros que permitiram uma
redefinição identitária e, onde eles se sentiam brasileiros e japoneses ao mesmo tempo.
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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ENNES, M. A. A construção de uma identidade inacabada: nipo-brasileiros no


interior de São Paulo. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

GIDDENS, A. Mundo em descontrole: o que a globalização esta fazendo de nós. Rio


de Janeiro: Record, 2002.

HALL, S. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da


UFMG, 2009.

HALL, S. A ide ntidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

LAZZARI, B. M. Imigração e ideologia: reação do parlame nto brasileiro à política


de colonização e imigração (1850 – 1875). Porto Alegre: Escola Superior de Teologia
de São Lourenço de Brindes; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980.

LESSER, J. A negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias, e luta pela


etnicidade no Brasil. Editora UNESP: São Paulo, 2001.

POUTIGNAT, P. Teorias da etnicidade. Seguido de Grupos étnicos e suas


fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Editora UNESP, 1998.

SAYAD, A. A imigração ou os paradoxos da Alteridade. Edusp: São Paulo, 1998

SILVA, M. A. Organizações comerciais chinesas e segmentações Étnicas do mercado


de trabalho informal no Nordeste Brasileiro. Disponível em
<http://www.anpocs.org.br>: Acesso em <01.10.2010>

TRUZZI, O. Patrícios sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: HUCITEC, 1995.

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