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nº 13 abril-junho 2014

história TEXTOS FUNDAMENTAIS

A vulgarização
do saber (1931)
Miguel Osório de Almeida
Um dos pioneiros da fisiologia no Brasil, Miguel Osório de Almeida foi
pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz durante vários anos e presidente da
Academia Brasileira de Ciências, entre 1929 e 1931. Escreveu muitos textos
de divulgação científica, diversos deles reunidos nos livros Homens e coisas
de ciência e A vulgarização do saber. Texto publicado no livro A vulgarização
do saber. Rio de Janeiro: Ariel Editora Ltda., 1931. pp. 229-240.

A
s coleções de livros de vulgari- Difícil seria responder de um modo
zação científica se multiplicam. cabal a todas essas perguntas. Esses pro-
As conferências e os cursos pú- blemas já têm sido discutidos por sábios
blicos sobre as questões mais ár- e filósofos e as conclusões são, em geral,
duas e difíceis, destinadas a pôr contraditórias. Alguns não escondem o
ao alcance de todo o mundo noções ou seu ceticismo e não crêem na possibili-
conhecimentos que eram o apanágio de dade de reduzir a termos suficientemente
grupos limitados de especialistas, secun- elementares os resultados complexos de
dam e completam a tarefa que visam a pesquisas científicas, para a compreensão
executar as edições populares. dos quais é necessária uma longa prepa-
ração.
Tudo isso demonstra que o público
em geral tem sua atenção despertada É esse ceticismo que, conquanto não
para as coisas do saber e aspira partici- expressamente declarado, transparece do
par do movimento incessante das idéias prefácio escrito por E. Meyerson para a
e compreender, pelo menos em suas li- Collection Fontenelle, dirigida por Salo-
nhas essenciais, as bases dos grandes fa- mon Reinach e Georges Urbain, que se
tos científicos e a essência das principais iniciou recentemente com um volume in-
leis naturais. Essa aspiração é, sem dúvi- titulado Deux heures de mathématiques. O
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da, nobilitante. Será ela útil? Poderá ela grande público conhece de sobra o nome
ser satisfeita? Que resultados advirão de de Salomon Reinach, historiador, arque-
uma cultura popular mais extensa e, o ólogo, crítico de arte e filólogo. Georges
que é fundamental, até que ponto pode- Urbain, menos conhecido, é uma figura
rão os homens de ciência corresponder a interessante e complexa de sábio, que, a
esse apelo coletivo? Enfim, terá a ciência uma competência das mais especializadas
alguma coisa a ganhar com esse movi- em alguns ramos da química, acrescenta
mento? uma vasta erudição científica e uma sóli-
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da cultura artística. Os que admiram suas Urbain não se limita a estudos teóricos
pesquisas aprofundadas sobre os comple- sobre música, mas compõe ele próprio.
xos não ficariam pouco surpreendidos ao
saberem que é dele um livro Le tombeau Emille Meyerson é hoje dos mais
d’Aristoxène, em que é analisada toda a autorizados e profundos pensadores da
estrutura da música, desde a Antigüidade França. Seus volumes sobre a explica-
até os nossos dias e no qual ele mostra ção das ciências, A dedução relativista e
como certos modos musicais, ainda dei- Identidade e realidade, revelam esforço de
xados de lado, constituem reservas quase erudição e capacidade de meditação ab-
inesgotáveis para essa arte, que atravessa, solutamente raros. O ideal dos homens de
agora, uma crise de renovação. Mais ad- ciência em todas as épocas, as tendências
mirados ainda ficariam se soubessem que de cada escola, desde os grandes filóso-
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No dia em que a maioria dos homens


estiver impregnada da verdadeira
significação dos fins da ciência e
tiver compreendido um pouco da
essência dos métodos científicos e,
em um passo mais adiantado ainda,
souber se aproveitar um pouco das
vantagens que a cultura científica
confere, pela precisão que empresta
ao raciocínio e pelo respeito à
verdade, a humanidade terá dado um
grande passo.

fos da Grécia, até os físicos relativistas e do tempo. Isso não importava. A ame-
atuais, foram por ele postos em evidên- aça contra esses conceitos despertava
cia em um trabalho longo e penetrante. um interesse análogo ao que haveria se
Certamente, a soma de conhecimentos se propalasse que as pirâmides do Egito
por ele adquirida, a possibilidade de ter estavam em vésperas de desabar. Os que
presente à memória uma tão larga massa nunca viram as pirâmides e muito pou-
de resultados e a necessidade essencial ca probabilidade teriam de vê-las um dia
de seu espírito de ver além dos fatos e sem dúvida se mostrariam mais apreen-
leis das ciências positivas os métodos sivos que os demais.
empregados para descobri-los e as ten-
tativas abortadas ou perdidas, feitas sem Diante desse anseio geral por saber
sucesso, tudo isso concorre para a atitude como se criava a nova ordem de idéias,
de ceticismo a que acima nos referíamos. de todos os lados se tentou esse tour de
force: expor a relatividade na linguagem
Aliás, em um de seus volumes an- mais simples compreensível à massa dos
teriores (A dedução relativista), Meyer- homens de instrução média. Uma revista
son tinha apresentado idéias semelhan- chegou a pôr o tema em concurso. Nada
tes, ao verificar o insucesso de todas as foi possível fazer e, na opinião de todos,
tentativas feitas para expor a teoria da os trabalhos escritos com esse fim, inclu-
relatividade ao alcance de todos. Quan- sive o do próprio Einstein, falharam por
do se anunciou que Einstein havia re- completo. Esse insucesso, entretanto, tem
volucionado as concepções clássicas do sua explicação fácil. A teoria da relati-
espaço e do tempo, houve uma emoção vidade exige, para ser compreendida, a
muito maior nos meios não-científicos posse de noções muito elevadas de ma-
que entre os físicos de profissão. Pou- temática, por vezes mesmo inteiramente
cas pessoas, dentre as que mais curiosas fora da cultura clássica dos matemáticos
se mostravam das novas idéias, seriam de profissão. É impossível, quase sem-
capazes de dizer o que havia de essen- pre, apresentar em linguagem profana
cial nas concepções clássicas do espaço um raciocínio que só pode ser assimilado
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com o auxílio de um simbolismo próprio. umas de outras pelo modo por que elas
Meyerson soube pôr esse ponto bem em são estudadas. Se algumas põem em tra-
evidência. A linguagem comum, a que é balho as capacidades superiores do ra-
utilizada para a vida de todos os dias, tem ciocínio e se para abordá-las com pro-
suas raízes profundas no senso comum. veito é preciso desenvolver ao mais alto
grau o poder de abstração, afastando-se,
A matemática, como a filosofia, re- como observou Meyerson, do senso co-
corre a conceitos, dependentes, em certos mum, outras não exigem mais do que as
casos, de uma espécie de senso diferente qualidades bem equilibradas dos homens
e que assim não se adaptam às condições médios. Os seus resultados podem muitas
precárias da língua habitual. Dá-se aqui, vezes ser isolados, expostos de um modo
segundo Meyerson, o que se observa em suficientemente claro, em palavras sim-
um grau muito menor com as traduções ples de uma linguagem muito próxima
literais. A passagem de certas expressões, da linguagem cotidiana. Além disso, é
que correspondem à mentalidade profun- indispensável distinguir aqui o trabalho
da peculiar a um povo, e que representam do homem de ciência que porfia por des-
exatamente o seu modo de sentir, não cobrir fatos novos, do esforço relativa-
pode ser feita convenientemente para ou- mente pequeno daquele que apenas quer
tras línguas, que se mostram assim defi- compreender o essencial de um fenôme-
cientes. A tradução em linguagem vulgar no. Chegar a evidenciar fenômenos até
de concepções matemáticas encontra dian- então desconhecidos, ou demonstrar re-
te de si uma dificuldade desse gênero, mas lações até então não suspeitadas de fenô-
em proporções muito maiores. Ela terá que menos já anteriormente descritos, é sem-
ser forçosamente incompleta e defeituosa. pre tarefa complexa, ao alcance só dos
Para bem compreender a literatura de um espíritos preparados por dons naturais e
povo, é necessário conhecer a sua língua. por uma cultura especializada. Em muitos
casos, porém, uma vez descobertos esses
Um dos argumentos fundamentais fenômenos, nenhuma dificuldade existe
dos partidários do estudo do grego e do em expô-los.
latim é mesmo esse, que a essência do
pensamento dos gregos e dos romanos, As ciências naturais apresentam inú-
formando a origem de nossa cultura, só meras questões que estão nesses casos.
pode ser assimilada por quem seja capaz Mesmo algumas das grandes concepções
de lê-los nos textos originais. Para bem orientadoras que se encontram na base
acompanhar os raciocínios dos matemá- dessas ciências podem ser explicadas
ticos, é, a fortiori, indispensável compre- com sucesso a profanos. Todo o mundo
ender a linguagem que eles empregam. compreende em seus pontos essenciais a
teoria da evolução ou a natureza micro-
Sem dúvida, nesse ponto particular, biana das doenças infecciosas. Ao leigo
o acordo não será difícil. As matemáticas não interessa, nem é necessário saber, a
e todas as questões científicas com que minúcia técnica, e sim apenas as grandes
elas têm relações muito íntimas, como a linhas essenciais de um conjunto impor-
maior parte das teorias da física e da cos- tante de conhecimentos.
mogonia, parecem condenadas a perma-
necerem por muito tempo ainda em um A utilidade de pôr o grande público a
certo isolamento. Elas só serão acessíveis par do movimento científico tem parecido
a certos iniciados e a certos privilegiados. duvidosa a muitos espíritos. O receio dos
perigos que oferece a “meia ciência” é
As ciências, porém, distinguem-se uma das principais objeções levantadas.
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Entretanto, esses perigos são mais aparecimento de outros, aumentando sua


imaginários que reais. Uma instrução ação sobre o meio que o cerca. É ela que
popular bem orientada é feita de modo estuda o próprio homem, estabelecendo
tal que não deixa dúvidas sobre a compe- as condições ótimas em que seu organis-
tência efetiva dos que a adquiriram. Não mo pode viver. A melhoria das condições
é difícil instruir sem deixar ilusão sobre de vida é, assim, uma conseqüência na-
os limites desse saber e sobre as possibi- tural do aumento e aperfeiçoamento dos
lidades exatas que ele confere. Por outro conhecimentos científicos. Em princípio,
lado, a vida moderna está cada vez mais pois, uma vida complexa, cheia e bem
dependente da ciência e cada vez mais organizada é inseparável de uma ciência
impregnada dela. Não são só as pessoas adiantada e poderosa.
cujas profissões reconhecidamente têm
uma base científica, como a medicina ou É claro que cada pessoa, mesmo se
a engenharia, que têm interesse em estar dedicando exclusivamente ao estudo, só
mais ou menos em permanente contato pode adquirir competência de valor efe-
com diferentes ciências. Hoje, todas as tivo, em um campo estreito dos conhe-
indústrias, a agricultura e um grande cimentos. Com a extensão da ciência, a
número de outras profissões sofrem uma especialização, ao menos temporária, é
evolução rápida, devido à introdução dos uma necessidade. Mas é preciso que to-
métodos e processos científicos. A técnica dos, dentro dos limites possíveis, sejam
moderna evolui para um estado racional, esclarecidos sobre o auxílio, sobre os ser-
muito mais preciso e de rendimento mui- viços que a ciência é capaz de prestar em
to maior. A difusão científica traria como todos os atos e em todos os momentos
resultado a familiaridade de todos com as da vida comum. Essa noção que parece
coisas da ciência e, sobretudo, uma con- tão elementar aos que possuem alguma
fiança proveitosa nos métodos científicos, cultura científica é, entretanto, inexisten-
uma consciência esclarecida dos serviços te ou muito vaga, às vezes mesmo nos
que estes podem prestar. meios que são, sob outros pontos de vis-
ta, altamente cultivados.
Poder-se-ia concorrer para destruir
esse estado de espírito que considera o A vulgarização científica bem con-
saber quase um luxo e a ciência como duzida tem, pois, por fim real, mais es-
um domínio à parte, teórico e abstrato, clarecer do que instruir minuciosamente
sem pontos de contato com a vida real. sobre esse ou aquele ponto em particular.
A ciência estuda os fenômenos naturais e Mantendo constantemente a maioria das
suas relações recíprocas, tratando de co- inteligências em contato com a ciência,
nhecer as suas leis do modo mais apropia- ela virá criar um estado de espírito mais
do possível. É ela que faculta ao homem receptivo e mais apto a compreender. Ela
o poder de modificar um certo número de se destina mais a preparar uma mentali-
fenômenos, ou de criar as condições de dade coletiva, do que realmente a difun-
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É fato que alguns inconvenientes podem


resultar de uma difusão larga da ciência. Muitas
vezes criam-se mal entendidos penosos. A
ciência progride e evolui constantemente.
A um conhecimento com um determinado
grau de aproximação substitui-se outro mais
aproximado ainda, quando o aperfeiçoamento
da técnica de pesquisa o permite. Isso dá aos
que observam superficialmente o progresso da
ciência uma impressão de insegurança. De
quando em vez, em altos brados, proclama-
se a falência da ciência. Não há aqui, porém,
nenhum risco de mal entendido quando
tudo isso é claramente definido e quando se
substituem as opiniões erradas sobre os fins da
ciência por uma concepção sadia e correta de
uma marcha e dos seus objetivos.

dir conhecimentos isolados. No dia em ca, assim praticada, não me parece, pois,
que a maioria dos homens estiver im- discutível. É fato que alguns inconve-
pregnada da verdadeira significação dos nientes podem resultar de uma difusão
fins da ciência e tiver compreendido um larga da ciência. Muitas vezes criam-se
pouco da essência dos métodos científicos mal entendidos penosos. A ciência pro-
e, em um passo mais adiantado ainda, gride e evolui constantemente. Os conhe-
souber se aproveitar um pouco das van- cimentos alargam-se e modificam-se. A
tagens que a cultura científica confere, um conhecimento com um determinado
pela precisão que empresta ao raciocínio grau de aproximação substitui-se outro
e pelo respeito à verdade, além de ou- mais aproximado ainda, quando o aper-
tras qualidades morais que desenvolve, a feiçoamento da técnica de pesquisa o
humanidade terá dado um grande passo. permite. As descobertas de fatos novos
obrigam a modificar as concepções gerais
A utilidade da vulgarização científi- orientadoras do pensamento. Isso tudo
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dá aos que observam superficialmente o a coletividade, as dificuldades crescem. É


progresso da ciência uma impressão de lícito, entretanto, esperar que aqui como
instabilidade, de insegurança, por vezes no outro caso se trate exclusivamente de
desalentadora. De quando em vez, em uma questão de compreensão geral, e essa
altos brados, proclama-se a falência da compreensão só pode vir depois de uma
ciência, e talvez disso tudo pudesse re- larga difusão de conhecimentos científi-
sultar um certo descrédito. Não há aqui, cos.
porém, nenhum risco de mal entendido
quando tudo isso é claramente definido e Essa difusão pode também exercer
quando se substituem as opiniões erradas um papel importante no despertar de
sobre os fins da ciência por uma concep- novas vocações. O contato constante
ção sadia e correta de uma marcha e dos com as coisas da ciência aguça a curio-
seus objetivos. sidade e revela tendências que poderiam
de outro modo permanecer para sempre
A ciência, por seu lado, só tem a ocultas. Meyerson nos diz duas palavras
lucrar com uma vulgarização bem feita. sobre as dificuldades da vulgarização e
Suas necessidades são cada vez maio- sobre a forma especial de talento que
res e se, na maioria dos países, elas são precisam ter os vulgarizadores. Nesse
desprezadas e a cultura da ciência so- ponto estamos de acordo. Nem sempre o
fre um atraso considerável, isso é bem grande gênio inventivo ou a excepcional
um indício que as classes dirigentes e os capacidade de homem de ciência pura se
povos, em geral, estão longe de bem jul- casam com a forma de inteligência mais
gar esses problemas. Quando se trata de adequada para o trabalho de vulgariza-
questões simples, em que as relações de ção. Este requer uma grande capacidade
causa e efeito são bem evidentes e ao de clareza, a possibilidade de despertar
alcance de todos, as dificuldades desa- o interesse e de aplainar as dificuldades,
parecem. Oswaldo Cruz mostrou que o que não se obtém sem esforço e paciên-
conhecimento das leis científicas exatas cia. É preciso não esquecer, porém, que
sobre a transmissão da febre amarela é esse esforço pode ser vantajoso mesmo
indispensável para a exterminação dessa para o grande sábio. Lord Kelvin declarou
doença. Não lhe foi difícil obter em se- uma vez que o preparo de suas confe-
guida meios para um grande instituto de rências populares muito concorria para
pesquisas sobre patologia experimental. o aperfeiçoamento de suas concepções.
Ninguém discutiu essa utilidade, tão bri- Como se vê, apesar do pessimismo de E.
lhante havia sido a demonstração, que, Meyerson, a tarefa de uma vulgarização
por força das circunstâncias, era essen- científica mais intensa e bem orientada
cialmente popular. Quando se trata, po- seria digna de tentar muitas inteligências,
rém, de relações menos imediatas entre que se aplicariam, assim, a um trabalho
os progressos científicos e o bem de toda útil e proveitoso.
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