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INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Campinas - SP
Dezembro de 2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Campinas - SP
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Qualificado em:
Banca examinadora
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Prof Dr. Pedro Paulo Zaluth Bastos. (Orientador)
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Prof Dr.
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Prof Dr.
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Prof Dr.
Sumário
Introdução ........................................................................................................................ 5
1- O instrumental poloulanziano. ................................................................................ 27
1.1 O Estado dependente na era da globalização do capital ........................................... 34
2- Um novo projeto de desenvolvimento. ................................................................... 42
3- Globalização e neoliberalismo: as possibilidades de inserção das economias
periféricas ...................................................................................................................... 56
3.1 A globalização financeira ........................................................................................ 56
3.2 A globalização Produtiva. ........................................................................................ 64
3.3 O neoliberalismo ..................................................................................................... 69
3.4 Neoliberalismo e governo Cardoso: os policy makers entusiastas. ............................ 75
4- Da crise da dívida externa ao Plano Real: uma crise orgânica. ................................ 81
4.1 O fim da tríplice aliança: setores públicos e privados na crise dos anos 1980. ........... 82
4.2 As frações burguesas e suas posições políticas nos anos 1980................................ 88
4.3 A Resolução da crise orgânica: O Plano Real. ......................................................... 99
4.4 Bloco no poder e governo FHC: uma definição. ..................................................... 102
5- A política econômica da nova dependência: crescimento reprimido ..................... 111
5.1- A política econômica sob a âncora cambial........................................................... 111
5.2 – O câmbio flutuante: a política econômica do segundo mandato. .......................... 111
5.3 – A indústria sob a economia-política do Real. ....................................................... 111
6 – Os industriais e sua atuação política nos governos FHC. ..................................... 112
Referências. ................................................................................................................. 113
5
Introdução
“Eu acredito firmemente que o autoritarismo é uma pagina
virada na História do Brasil. Resta, contudo, um pedaço do
nosso passado político que ainda atravanca o presente e
retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da
Era Vargas – ao seu modelo de desenvolvimento
autárquico e ao seu Estado intervencionista.”
(Fernando Henrique Cardoso)
É com essas palavras que Fernando Henrique Cardoso despedia-se do Senado
Federal para tomar posse como presidente eleito. Nela é possível notar um diagnóstico, a
cerca do significado histórico de sua própria eleição. Primeiro, de que o autoritarismo era
página virada da história nacional, compreende que sua eleição é ponto final da longa
transição democrática iniciada pelo governo autoritário de Ernesto Geisel (1974-1979). Dado
esse pressuposto, era necessário virar a página da Era Vargas, e iniciar outro modelo de
desenvolvimento.
Não é incomum na história brasileira presidentes recém-eleitos atribuírem missões
grandiosas para si, a novidade de FHC foi elevar a projeto de Estado uma leitura particular da
história política brasileira. Para Cardoso, desde os 1930 até sua eleição o Brasil perseguiu o
mesmo modelo de desenvolvimento que compreendia uma forte intervenção estatal na busca
pela autonomia nacional via desenvolvimento das forças produtivas, especificamente no
avanço da industrialização verticalizada, cabia ao si mesmo modificar esse projeto de
desenvolvimento exaurido.
Por essa leitura do agente histórico, de saída aos pesquisadores sobre seu mandato
coloca-se a tarefa de compreendê-lo não apenas como uma mudança no cargo da presidência,
mas como um projeto de Estado a longo prazo, ao qual se propõe inaugurar um novo projeto
de desenvolvimento que transcende ao seu próprio mandato. Como todo projeto de
desenvolvimento que se pretende a esse nome, envolve um rearranjo multidimensional nas
relações entre Estado, sociedade e mercado.
E foi justamente isso que buscou realizar ao longo de seus dois mandatos como
presidente da República, para o bem, ou para o mal, reconhece-se que sua eleição representou
uma virada de capítulo na história nacional. O Brasil antes de FHC orientava-se por uma certa
ideia de desenvolvimento que se modificou ao longo dos vários presidentes que ocuparam o
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cargo desde o início da Era Vargas, mas cuja ossatura institucional era a mesma 1. De Cardoso
essa ideia se modifica, bem como, os arranjos políticos-institucionais que permeiam as
relações entre Estado, sociedade e mercado.
Este estudo tem por objetivo lançar luzes sobre as relações entre Estado e
Mercado nos anos de Cardoso, mais especificamente, das relações entre Estado e frações da
classe dominante. Partindo de uma perspectiva relacional, inaugurada por Nicos Poulantzas,
na qual, o Estado será compreendido como um campo de disputa entre as frações da classe
dominante para hegemonizar o conjunto da política estatal. O Estado deixa de ser concebido
como um ente, dotado de força própria e passa a ser visto como uma esfera do modo de
produção capitalista, que tem a função de organizar e implementar a dominação da classe
dominante. Essas por sua vez, não são homogêneas, e nem possuem os mesmos interesses,
pelo contrário são cindidas em frações, e cada qual têm seus próprios interesses frente às
políticas estatais. Para fazer valer seus interesses se organizam em um bloco político, ao qual
Poulantzas (1977) chamou de bloco no poder, uma comunidade de interesses, com diversas
frações de classe ocupando esse bloco, com interesses contraditórios entre si, mas cuja
hegemonia é função de uma única fração, a qual o Estado atende prioritariamente esses
interesses.2
Essa perspectiva metodológica se acopla a uma certa da compreensão do
desenvolvimento do capitalismo no Brasil - um capitalismo tardio, de industrialização
retardatária - ao qual foi inaugurado pela chamada Escola de Campinas. Essa adesão nos
permitirá tomar
“[...] as transformações econômicas e sociais no Brasil como um processo que retém
simultaneamente tanto as características gerais de todo e qualquer desenvolvimento
capitalista, bem como aquelas específicas, próprias de um capitalismo que se
constitui na etapa monopolista do capitalismo mundial e que tem como ponto de
partida um passado colonial.” (DRAIBE, 1985, p.11).
Ou seja, para compreender o processo histórico de acumulação de capital no
Brasil é necessário que se faça a partir da análise integrada, como um movimento que carrega
consigo as determinações internas e as determinações externas. Esse desenvolvimento
obedece a lógica da acumulação, guiados por essa necessidade.
1
Com essa afirmação não queremos endossar a tese de o Brasil perseguiu ao desde 1930 aos anos 1980 o mesmo
modelo de desenvolvimento econômico. Tese essa defendida tanto por liberais, como Franco (1998), como por
progressistas como Fiori (2003). Em nosso entendimento o desenvolvimentismo, sofre uma série de
modificações ao longo desses 50 anos, aos quais não serão debatidos. Nosso entendimento é que a forma do
Estado, a maneira de intervir na economia é parecida ao longo desses anos, todavia, com modificações na
composição das frações de classe no bloco no poder.
2
Os conceitos poulantzianos e a compreensão do Estado capitalista brasileiro serão tratados em maiores detalhes
no primeiro capítulo desta dissertação.
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produtivas que cumpriu nas industrializações dos países europeus e dos Estados Unidos 3, seu
papel na industrialização periférica é associar-se ora ao Estado, ora ao capital estrangeiro para
continuar presente como força política e econômica no jogo de forças do capitalismo
periférico. Para compreender o desenvolvimento de sociedades dependentes, faz-se necessário
uma análise global do desenvolvimento, que não separe os componentes econômicos e sociais
do desenvolvimento.
Mello (1988), inspirado na problemática da dependência apontou a dupla
determinação que relaciona o caso brasileiro com a totalidade histórica do capitalismo. A
partir do momento de independência nacional, “[...] a dinâmica social latino-americana é
determinada em primeira instância, em primeira instância, por “fatores internos”, e em última
instância, por “fatores externos”, a partir do momento em que se estabelece o Estado
nacional”. (Mello, 1982, P.26). Logo, a correlação de forças internas, determina a forma que
será processada às mudanças de cada etapa do capitalismo mundial; em última instância, o
momento histórico, ou a etapa de desenvolvimento o capitalismo internacional, compreendia
por Mello como a estrutura de concorrência em cada etapa do capitalismo global. É a
articulação dessas duas determinações que explica a dinâmica social das sociedades
dependentes, todavia, as forças políticas internas tem primazia sobre as forças externas. Nesse
sentido, a tradição do capitalismo tardio não separa os processos econômicos da dinâmica
política que determina os rumos da acumulação, portanto, o diálogo metodológico com a
teoria relacional do Estado capitalista é perfeitamente possível. O que resta é um instrumental
analítico para analisar as “forças internas” ao qual será complementado pelo instrumental
poulantziano.
A par deste instrumental, passaremos a apresentar a literatura existente sobre o
governo Cardoso e suas dinâmicas políticas. Podemos dividi-las em dois: de um lado,
encontramos trabalhos macroeconômicos, que buscam analisar do ponto de vista técnico as
decisões de política econômica, sem relacioná-las com a luta política entre as classes, no qual
essas decisões são tomadas a partir do corpo teórico que as informa. De outro, encontramos
análises políticas que partem de outras problemáticas, alguns partem das mudanças do cenário
internacional para compreender as modificações das forças políticas internas; outros fazem o
oposto, analisam as mudanças nas correlações políticas internas para entender de que maneira
se aderiu aos preceitos seguidos no cenário internacional. Nossa exposição começa com os
trabalhos econômicos.
3
Refiram-se os casos de capitalismo atrasado, EUA, França e no capitalismo originário inglês, para um exame
mais detalhado do caso dessas industrializações, cf. Oliveira (2002).
10
4
Há um debate entre os economistas sobre a economia brasileira ter ou não chegado ao ponto de hiperinflação.
Alguns defendem que isso não ocorreu porque não se chegou ao ponto da dolarização, isto é, a troca da moeda
nacional desvalorizada por outra moeda forte como meio de pagamento. Outros, como Carneiro (2002), apontam
que mais importante que a dolarização é o encurtamento dos mecanismos de indexação, na qual as taxas de juros
são corrigidas por indexadores de prazos cada vez mais curtos. Para o autor, no momento em que o indexador da
taxa de juros dos títulos públicos passa a ser a taxa overnight, corrigida diariamente, a economia entrou de fato
em um processo hiperinflacionário.
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na por entender que seus mix câmbio valorizado, juros altos e ajustes fiscais provocaram um
padrão de crescimento oscilante, desemprego alto, e vulnerabilidade externa crescente.
Segundo Almeida & Beluzzo (2002), o plano Real garantiu a recuperação da
moeda nacional, utilizando-se como método básico, o mesmo procedimento que outros países
fizeram em seus processos de combate a inflação, a recuperação da confiança na moeda
nacional, por meio da garantia de seu valor externo. Chamada de âncora cambial consistia em
estabilizar a taxa de câmbio nominal, “[...] garantida por financiamento em moeda estrangeira
e/ou por um montante de reservas capaz de desestimular a especulação contra a paridade
escolhida” (IBID, 363).
Mais do que uma escolha de uma âncora cambial, o plano vinha acoplado ao
enquadramento do Brasil aos mercados financeiros liberalizados, na qual os emprestadores
seriam atraídos pelos ganhos de capital provenientes dos ativos ofertados no processo de
abertura financeira. Esses ativos incluíam títulos da dívida pública, em geral curtos e de
elevada liquidez; ações de empresas em processo de privatização; bônus e papéis comerciais
de empresas e bancos de boa reputação; e posteriormente, ações depreciadas de empresas
privadas, especialmente daquelas mais afetadas pela abertura econômica, valorização cambial
e taxas de juros altas.
Diante da fragilidade intrínseca das moedas recém-estabilizadas, estes ativos
precisavam prometer elevados ganhos de capital e/ou embutir prêmios de risco em
suas taxas de retorno. Cria-se, assim, uma situação na qual a rápida desinflação é
acompanhada por uma queda não muito lenta das taxas nominais de juros. As taxas
reais não podem ser reduzidas abaixo de determinados limites estabelecidos pelos
spreds exigidos pelos investidores estrangeiros para adquirir e manter em carteira
um ativo denominado em moeda fraca, artificialmente valorizada. (BELLUZZO &
ALMEIDA, 2002, p. 367)
Os investidores dos mercados globalizados carregam esses ativos em seus
portfólios enquanto os mercados financeiros estiverem normalizados, ao menor sinal de crise
no mercado financeiro internacional, são os primeiros a serem liquidados, por serem
percebidos como ativos de maior risco. Além do mais,
Independentemente do que possa ocorrer com o ciclo financeiro, os mercados
emergentes também estão, em geral, mais sujeitos às alterações nas opiniões
predominantes quanto à sustentabilidade dos respectivos regimes cambiais. Isso
significa que seus processos de estabilização são indubitavelmente vulneráveis, em
proporção direta ao grau de dependência do ingresso de recursos externos (déficit
em conta corrente), estando sujeitos, ademais, a problemas de inconsistência
dinâmica. A estabilização conquistada nessas condições coloca-se sob permanente
ameaça de ruptura. (Idem, p.368)
Dessa maneira, o Plano Real obteve um sucesso inicial estrondoso com rápida
deflação de preços e aumento da demanda agregada. Todavia, esse processo carrega os
impasses estruturais do plano de estabilização, internamente, à medida que o consumo se
aquecia aumentavam-se as importações, que não eram compensadas pelas exportações, tendo
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promovido por Cardoso, enquanto ministro da Fazenda. Opõe-se a dois tipos de análises, a
primeira, chamada por Sallum de voluntarista, no qual foi a capacidade de articulação de
FHC que lhe possibilitou dominar uma economia em desordem e ganhar o clamor popular. Já
a segunda vertente, hiperestruturalista, segundo a qual a “[...] candidatura de FHC teria sido
gestada pelas novas elites dominantes para viabilizar, no Brasil, a coalização de poder capaz
de dar sustentação de permanência ao programa de estabilização ao programa de estabilização
hegemônico.” (Idem, p. 24). Essas duas vertentes opostas não compreendem
[...] quer os processos sociais de construção e direcionamento da vontade política
quer a própria política enquanto atividade de articulação da vontade coletiva.
De fato, a coligação eleitoral que articulou a candidatura de Cardoso deu
acabamento final a um longo processo de construção social de um novo bloco
hegemônico saído das entranhas da Era Vargas mas oposição a ela. (IDEM)
Esse bloco hegemônico é formado pelas elites empresariais, seguidas de partidos
centro-direita e camadas médias. Nesse sentido, a vitória de Cardoso, representa ao mesmo
tempo, sua capacidade de liderar um novo pacto de dominação, e a ascensão de um novo
bloco hegemônico, formando uma unidade política, para Sallum dura entre o lançamento do
plano Real, antes, pois da posse oficial do presidente, e termina em seu segundo governo,
quando se alterou radicalmente o regime cambial do país.
Durante todo este período, o governo Cardoso buscou com perseverança cumprir o
propósito de liquidar os remanescentes da Era Vargas, pautando-se por um ideário
multifacetado, mas que tinha no liberalismo econômico sua característica mais forte.
Salvo engano, o núcleo dessa perspectiva pode ser resumido neste pequeno conjunto
de proposições: o Estado não cumpriria funções empresariais, que seriam
transferidas para a iniciativa privada; suas finanças deveriam ser equilibradas e os
estímulos diretos dados às empresas privadas seriam parcimoniosos; não poderia
mais sustentar privilégios para categorias de funcionários; em lugar das funções
empresariais, deveria desenvolver mais intensamente políticas sociais; e o país teria
que ampliar sua integração com o exterior, mas com prioridade para o
aprofundamento e expansão do Mercosul. (SALLUM, 1999, p. 31)
Para Sallum esse liberalismo cardosiano dividia-se quanto aos seus rumos, com
dois grupos, que em linhas gerais reivindicavam o liberalismo como solução, no entanto, em
doses diferentes. O primeiro, denominado pelo autor de neoliberais, mais doutrinários e
fundamentalista, possuía a direção hegemônica durante todo o primeiro mandato, encontrava
guarida no próprio presidente e nos Ministérios da Fazendo, do Banco Central, orientava de
modo consistente o núcleo duro da política governamental. O segundo grupo de liberais-
desenvolvimentistas, absorvia parte da tradição desenvolvimentista anterior, todavia, não teve
a consciência da primeira, “[...] não se materializou em texto programático e nem chegou a
orientar sistematicamente a ação governamental. Mas pode ser reconstruída a partir do debate
público, de conceitos esparsos aparecidos em documentos oficiais e do “espírito” de
iniciativas governamentais surgidas em reação a certas consequências sociais e econômicas
supostamente negativas da ortodoxia liberal”. (SALLUM, 1999, P. 32-33). Esses possuíam
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pacto de dominação, antes herda um crise hegemônica, e o plano Real, que para os autores é
indistinto do programa de FHC, “[...] é um projeto de refundação econômica desenhado para
conter em si mesmo pelo menos os instrumentos inicialmente necessários para também criar,
e recriar, condições políticas para seu gerenciamento, isto é, para administrar a referida e
herdada crise de hegemonia.” (P. 124). Nesse sentido, o governo FHC, é caracterizado por
uma estabilização imperfeita, decorrente da crise de hegemonia, o Estado não consegue
definir o lugar do país periférico na nova organização mundial.
O que obriga, portanto, a uma administração miúda, cotidiana, do ajuste econômico
em que se responde a sinalizações de rota internas e externas nem sempre claras,
tarefa que se conjuga às dificuldades próprias de uma instabilidade crônica dos
mercados mundiais na qual está ancorada, em última análise, a estabilização. Esta
seria uma primeira formulação do que chamamos de "estabilização imperfeita".
(Ibid, 1998p. 125)
A política difícil se encontra na indefinição de ganhadores e perdedores com a
nova estratégia de desenvolvimento associado, num ambiente econômico mundial incerto.
“[...] Ao analisarmos o funcionamento do sistema político sob FHC, encontramos como que
um duplo daquela administração miúda, cotidiana, da "estabilização imperfeita": também na
política os pactos e alianças são precários, a legitimidade é insidiosa, os limites da ação são
escorregadios.” (Idem). Portanto, o governo FHC seria um processo permanente de
negociação da construção da hegemonia, ou seja, seria gestada ao longo do governo, não foi
definido de antemão.
As análises gramscianas anteriores têm o mérito de lançar luz sobre como se
formou e quais eram as disputas dentro do bloco hegemônico, todavia, esses trabalhos não
informam quais as divisões no interior da burguesia, nem quais apoiavam esses diferentes
grupos. Preenchendo essa lacuna as análises poulantizianas de Boito (1999) e Saes (2001)
saem da problemática da hegemonia, para olhar para as frações da burguesia brasileira, para
definir qual era a configuração do bloco no poder, tentando encontrar a hegemonia não de
dentro do Estado para fora dele, mas de dentro da burguesia para a política pública do Estado,
como um proxy de qual fração hegemoniza o conjunto mais geral da política estatal.
Boito (1995) tipifica quais frações burguesas eram prioritárias e quais eram
deixadas a margem das principais políticas governamentais, o faz a partir dos critérios de
fracionamento da burguesia no espaço nacional, divisando-a segundo, o porte do capital, o
setor de funcionamento e a relação com o imperialismo. Seu resultado é que a política
neoliberal de FHC é guiada pelos interesses da fração bancária-financeira interna aliada aos
interesses do imperialismo do capital financeiro internacional. Saes (2001) segue os mesmo
critérios, mas sem olhar com mais profundidade para o fracionamento da burguesia, optando
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por caracterizar qual bloco hegemônico ascendeu ao poder com a chegada de FHC, no seu
entendimento: as frações liberais-conservadoras da política, a grande burguesia nacional e as
classes médias. Ambas as análises revelam quais os interesses e as disputas no interior do
bloco no poder.
Partindo para a segunda vertente de análise, do externo para o interno,
encontramos o trabalho liderado por Ivo Lesbaupin (1999), O Desmonte da Nação: Balanço
do Governo FHC analisa o governo a partir do prisma do interesse nacional. Para o autor, o
governo atende prioritariamente os interesses do capital financeiro internacional, levando a
um desmonte do Estado nacional moldado desde a era Vargas.
FHC governou, em primeiro lugar; para o capital financeiro internacional, para os
países mais ricos – os Estados Unidos, em primeiro lugar -, para os banqueiros e o
capital financeiro. Teve aliado apenas parcial no grande empresariado, pois muitas
das medidas que tomou lhe causaram grandes prejuízos: ainda assim, apoiaram.
Destruiu um grande número de pequenas e médias empresas. Mas governou
sobretudo contra os trabalhadores. Para estes, ofereceu apenas o controle da
inflação. À custa de desemprego, do rebaixamento dos salários e da precarização do
emprego. (LESBAUPIN, 1999, P. 12).
Dessa maneira, a burguesia nacional é vista como sócia, de um projeto de
desmonte do Estado concebido pelo capital financeiro internacional, a consequência lógica é
que mesmo se as burguesias internas não topassem esse projeto, ainda assim, o Estado seria
obrigado a leva-lo a cabo.
Tarso Genro, membro do PT, denuncia que a política econômica de FHC
representou a adesão brasileira ao neoliberalismo, com a feição de social-democracia, a quem
coube implementar o ajuste neoliberal na economia, apresentado-o a sociedade como único
caminho possível. Nesse sentido, FHC seria parte de um fenômeno global em que a social-
democracia teria assumido direta ou indiretamente o programa neoliberal de direita, “[...] a
socialdemocracia incorporava de forma estrutural a desregulamentação e a redução do
tamanho do Estado como elementos incontornáveis para realizar uma política "viável" no
"capitalismo globalizado"”. (GENRO, 1998, P.43).
Os artigos de Francisco de Oliveira podem ser descritos como os mais críticos ao
governo. Para o autor, o governo FHC deu continuidade ao programa de pagamento da dívida
externa, exaurindo do Estado sua capacidade de realizar mudanças sociais em um país com
desigualdades históricas.
Weberianamente, o Estado perdeu o monopólio exclusivo da violência;
marxisticamente, o Estado foi privatizado numa escala impensável em qualquer país
radicalmente liberal. Essa tendência já vinha desde o autoritarismo, mas,
perversamente, o Estado democrático a agravou. Depois de Sarney, que praticou o
"é dando que se recebe" como uma modalidade de desregulamentação, Collor levou
a tendência ao paroxismo: já que o Estado não funciona, o melhor é suprimi-lo.
(OLIVEIRA, 1995, P.62)
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reformas. No entanto, para aprovar essas reformas o executivo era obrigado “a sujar as mãos”
com práticas “maquiavelianas” para obter sucesso em sua aprovação, como a distribuição de
emendas parlamentares, loteamento de cargos no executivo, entre outras práticas, pouco
afeitas ao novo espírito da administração pública. Por isso, em seu entendimento o
presidencialismo brasileiro conviveria durante muito tempo com práticas maquiavelianas.
Ao apresentarmos essas análises vemos o quão dispares são, pode significar o que
nos parece provável, ainda resta um trabalho mais profundo sob os governos FHC, um
trabalho que relacione as mudanças das políticas estatais com a ação política da classe
dominante. Economistas focam suas análises, nas orientações da política econômica, esta
definida a partir dos pressupostos teóricos da equipe econômica do governo, a partir disso
buscam realizar uma análise técnica, na qual se avalia os acertos ou erros de acordo com a
racionalidade econômica. Segundo Moraes (2018)
É assim que o vê uma parcela considerável dos analistas econômicos, para os quais a
ação estatal só pode ser entendida a partir de sua posição relativa diante de uma
ciência sempre racional, em linha reta. As respostas procuradas são quase sempre
objetivas: sim ou não, certo ou errado, racional ou irracional. Raras vezes se
perguntam o que esteve por trás desta ou daquela decisão, quais os elementos que
direcionaram para este ou para aquele caminho, a posição governamental.
(MORAES, 2018, P.14).
Portanto, as análises econômicas não buscam discutir a correlação de forças que
está por trás da formulação das políticas públicas, em especial, da política econômica muitas
vezes analisada sob o prisma da tecnicidade das decisões, perdendo de vista a economia
política por trás da política econômica.
As análises políticas por outro lado, muitas vezes não debatem a política
econômica, e buscam compreender a correlação de forças políticas no interior bloco
hegemônico que domina a política do governo. Nesse caso, as análises são ainda mais difusas,
alguns autores entendem que o governo atende prioritariamente aos interesses estrangeiros,
sobretudo, do capital financeiro internacional, mas perdem de vista que tal intento não seria
possível se não houvesse uma correlação de forças internas favoráveis à adoção de tais
medidas. Por outro, aqueles que excessivamente concentram seu olhar para as forças internas
sem analisar o ponto de vista mais geral do movimento internacional do capital. Ao fim e ao
cabo, várias perguntas permanecem sem respostas.
Esse trabalho busca revisitar um capítulo relativamente recente da história
nacional, se insere em um esforço maior que têm se desenvolvido nos anos recente na ciência
social brasileira. Referimo-nos aos trabalhos poulantzianos que vem sendo publicados nos
últimos anos. Entre os quais podemos arrolar os trabalhos de Armando Boito, e seu grupo de
pesquisa no IFCH da Unicamp; a recente tese de doutorado de Rafael Moraes, revisitando os
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estertores do final dos governos militares, pelo IE-Unicamp; a tese de Eduardo Costa Pinto
sobre o governo Lula, dentre tantas outras.
A perspectiva teórica e metodológica adotada nesta dissertação busca se filiar a
esse esforço de compreender o Estado e as frações de classe dominante. Não avaliaremos os
resultados da política estatal, nem seus pressupostos, ou sua racionalidade, nosso intento é
compreender os interesses envolvidos na formulação desse novo projeto de desenvolvimento
encabeçado por Fernando Henrique Cardoso. As ações da política estatal deixam de ser objeto
da análise, para serem vistas como locus de análise das correlações de forças, tais decisões
refletem as mudanças nas correlações de forças políticas no interior e fora do Estado.
O primeiro passo, para tal empreitada, seria a escolha de qual arena servirá de
objeto privilegiado para análise. Nossa escolha é pela política econômica. Por um significado
histórico, ao qual foi bem definido por Fiori (2003), o Estado na periferia do capitalismo
assume funções extras, que não encontramos nos países centrais, o que olhe confere um
estatuto inusitado. Suas funções são de organização e defesa dos monopólios nacionais,
muitas vezes assumindo o próprio comando do processo de desenvolvimento, e além do mais,
de gerir a inserção do país, pactuando sua inserção no sistema econômico mundial.
Sua intervenção e sua política econômica, em particular, definem os objetivos de
curto e longo prazos da sociedade como um todo, decidindo a cerca de seus planos
estratégicos e táticos de implementação. Aqui, mais do que nos países centrais, é a
política econômica que estabelece os horizontes coletivos, organizando, em torno do
seu processo de decisão, todos os momentos conjunturais, assim como a
multiplicidade infinita de atores, com seus interesses e expectativas heterogêneos .
(FIORI, 2003, P. 99)
Fiori apreende o significado histórico da política econômica, nos países
periféricos, sua função particular é de estabelecer os horizontes coletivos da ação do conjunto
da sociedade, aqui mais do quem em qualquer outro lugar, “[...] ciclos políticos e ciclos
econômicos se interpenetram” (Idem, p. 100). Em nosso entendimento, para compreender um
ciclo de governo é necessário olhar para um campo onde esses dois ciclos se cruzam
mutuamente, lugar onde a ação do Estado é por excelência o reflexo da correlação de forças
entre as frações de classe dominante, este lugar, portanto, é a política econômica.
A política econômica será vista, portanto, como um campo de disputa, como locus
onde os interesses das frações de classe são confrontados para a definição dos rumos gerais
que a política global do Estado tomará. A política econômica será compreendida por nós, não
apenas como o manejo dos instrumentos clássicos da macroeconomia: política monetária,
fiscal e cambial. Partiremos de uma compreensão ampliada, em que a política econômica
compreende a política mais geral que orienta a estratégia de desenvolvimento do governo.
Nesse sentido, a reforma do Estado, privatizações, reforma administrativa, entre outras serão
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concebidas como aspectos particulares de uma política econômica mais geral. Essa escolha
pelo alargamento do campo para verificação decorre do fato, de que as frações de classe
disputam não apenas a política econômica do dia-a-dia, mas também, a estratégia geral de
desenvolvimento a ser perseguida pelo Estado.
Escolhido o campo de análise, precisamos escolher qual fração da classe
dominante será objeto de análise. A maior parte dos trabalhos poulantzianos tem optado por
decifrar e encontrar as posições políticas de uma fração de classe através da recuperação das
declarações públicas dadas por seus “intelectuais”, isto é, as lideranças empresariais do setor
escolhido, reconhecido por seus pares e por toda a sociedade. Assim, busca-se investigar
todas as declarações públicas dadas por esses empresários nos meios de comunicação, e ao
mesmo tempo, analisar as publicações da fração estudada em revistas e outras publicações
para encontrar essas demandas. Tal abordagem nos parece a mais adequada, todavia, não
explica o todo, isto é, para realmente verificar em que medida as políticas estatais
correspondem aos interesses de uma determinada fração de classe seria necessário adotar esse
mesmo procedimento para todas as frações de classe dominante presentes no capitalismo
nacional. No entanto, esse intento é impossível para um único pesquisador, nos limites de
uma dissertação de mestrado, ou mesmo de uma tese de doutorado. Por isso, Eduardo Costa
Pinto (2010) em sua tese de doutorado adota outro procedimento, ao invés de investigar as
declarações dadas por empresários, opta por analisar a dinâmica econômica dos principais
grupos econômicos no capitalismo brasileiro, através da análise de seus balanços
consolidados. Assim a acumulação de capital desses grupos reflete as decisões de política
econômica, por consequência, o grupo que mais lucrou durante um período seria a fração
hegemônica dentro do bloco no poder. Tal procedimento, apesar de criativo, elucida as
estratégias econômicas que as frações de classe dominante adotam para acumularem mais
capital, mas não explica a prática política das classes. O bloco no poder, segundo Poulantzas
(1977) é o campo da prática política das classes, apreendida por está ultima, não pela
dinâmica econômica dos grupos. Talvez, o procedimento mais completo seria analisar as
declarações de todas as frações de classe, ao mesmo tempo acompanhar a dinâmica dos
principais grupos econômicos, e cotejá-las com a política econômica do governo, todavia,
mais uma vez é uma impossibilidade prática para um único pesquisador.
Cientes dessas limitações, optamos como objeto de análise a fração interna
industrial da classe dominante, esse grupo foi considerado estratégico ao longo do ciclo
desenvolvimentista anterior, vistos muitas vezes como os paladinos da emancipação
econômica brasileira. No entanto, no momento de abertura comercial têm sua posição
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econômica fragilizada pelo aumento da concorrência com capitais estrangeiros, por isso,
partimos do pressuposto de que essa fração não tinha a hegemonia no bloco no poder, mas
disputava-a com outras frações de classe. Todavia, mesmo com sua posição fragilizada pela
abertura comercial, não perde sua importância na dinâmica política do bloco no poder, além
do mais, até onde sabemos não há um estudo integrado dos interesses dos industriais durante
os governos FHC 6.
Ao longo da pesquisa iremos investigar as declarações públicas dadas pelos
principais empresários industriais durante o período do governo FHC, entre eles: Antônio
Ermírio de Moraes, Benjamin Steinbruch, Rubens Ometto Silveira Mello, entre outros. Esses
empresários serão vistos como representantes orgânicos da categoria estudada, como uma
caixa de ressonância do pensamento da fração de classe dos industriais. A investigação dessas
declarações será realizada nos arquivos de alguns jornais escolhidos. Tais como: o arquivo do
jornal Folha de São Paulo, e da Revista Veja, da editora Abril, ambas do Estado de São Paulo;
e os arquivos do Jornal O Globo, do Rio de Janeiro. O período dos governos FHC foi
recortado em três: primeiro, de 1994-1996, marca o momento de espera dos industriais quanto
às primeiras medidas do governo e se estende até a marcha dos industriais até Brasília para
pressionar o congresso por reformas7. O Segundo período, vai de 1996 a crise cambial de
1999. O terceiro, de 1999 a 2002, quando se encerra o segundo mandato de Cardoso.
É necessário se aprofundar ainda mais, investigando a publicação das principais
entidades representativa dos industriais, optamos por duas delas. As publicações da Federação
Das indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), principal federação patronal do Estado de
São Paulo, Estado esse que ainda nos anos 1990 era o principal polo industrial do país, cuja
publicação analisada será a Revista da Indústria, de publicação mensal. E as publicações da
Confederação Nacional das Indústrias (CNI), entidade máxima de organização dos industriais
que congrega a reunião das federações industriais de todos os Estados, cujas publicações
analisadas serão a Revista Indústria & produtividade, de publicação bimestral, e a revista
Indústria Brasileira: Revista da confederação nacional das indústrias, de publicação mensal.
Essa duas entidades foram escolhidas por alguns motivos: primeiro, por representarem
diversos setores industriais; segundo, por motivos regionais, uma esclarece as posições dos
industriais do principal polo industrial do país, ao passo que a outra, representa empresários
6
Existem alguns estudos sobre os industriais como o de Álvaro Bianchi (2010) que estuda a FIESP entre o final
dos anos 1970 ao início dos anos 2000, sobre a CNI a tese de doutorado de Wagner Mancuso (2004) estuda a
agenda da entidade durante os anos 1990. Nossa proposta é estudar a atuação das duas entidades durante os
governos FHC o que em nosso entendimento é algo inédito.
7
A análise foi ampliada para o ano de 1994, porque concordamos com Sallum (1999) de que o governo FHC
começa de fato com o lançamento do plano Real, sua eleição é um desdobramento do sucesso do plano.
25
foram formulados por Poulantzas para historicizá-los a partir de uma discussão a cerca das
funções do Estado e suas relações com as frações de classe na era da globalização.
O segundo capítulo é uma recuperação histórica da trajetória de Fernando
Henrique Cardoso. Esta em duas dimensões, a teórica, no qual a partir da teoria da
dependência, buscou-se clarear qual o projeto de país que ali estava pressuposto; e em um
segundo momento a recuperação da trajetória política de FHC, quais foram suas principais
ideias na qual desaguaram em seu projeto de país.
No terceiro capítulo, busca-se apreender as mudanças do capitalismo mundial, em
dois sentidos. Primeiros, as mudanças no sistema monetário e financeiro internacional,
conhecidas como globalização financeira, com intento de indicar quais foram as modificações
do sistema e como impactaram de maneira desigual os diferentes países do sistema capitalista.
Em um segundo momento, analisamos a chamada globalização produtiva e a maneira pela
qual altera a estrutura de concorrência do capitalismo mundial, e como essas mudanças
impactam diretamente as formas de associação do capitalismo periférico com o as empresas
transnacionais. Terceiro, apresentamos o neoliberalismo e suas principais ideias, como base
ideológica da globalização. Por fim, como os policy makers, defenderam as ideias neoliberais.
O quarto capítulo, parte do conceito de crise de hegemonia para reconstruir o
processo político e econômico que vai da ditadura militar ao seu desfecho com o lançamento
do plano real. Serão recuperados os momentos-chave que explicam o desfecho da crise, tendo
como foco de análise ações do Estado e das principais frações de classe dominante, com
objetivo de apontar a mudança nas posições políticas dessas frações de classe ao longo deste
período de crise de hegemonia. A crise do Estado, e as mudanças do bloco no poder ao longo
desse período serão correlacionadas, de tal forma que a crise do Estado reflete as mudanças
das posições políticas das frações, bem como, da composição final do bloco no poder, no
momento de lançamento do Plano Real como a resolução da crise hegemônica.
27
1- O instrumental poloulanziano.
Nicos Poulantzas promove uma reformulação na teoria marxista do Estado ao se
propor uma teoria específica do tipo de Estado capitalista (CARNOY, 1988), separando a
política como uma esfera com autonomia própria dentre as outras esferas da vida social, por
um lado, rejeitando o economicismo presente em algumas formulações marxistas, na qual a
esfera da política é mera emanação da esfera econômica. Por outro, do políticismo
institucionalista, na qual a política se separa de todas as outras esferas da sociedade, o Estado
e suas instituições são encarados como neutros, e os interesses econômicos dos grupos
dominantes tem o mesmo peso que o de outros grupos, dessa forma, encaram a política como
uma disputa isonômica. Poulantzas procura um tertium datur dentre essas duas posições, a
política é um campo com autonomia própria, os fenômenos políticos não tem correspondência
direta a esfera econômica, todavia, a esfera política é a arena onde ocorre a disputa política
das lutas de classes. Nesse sentido, os fenômenos políticos tem certa correspondência com a
disputa econômica das classes, logo, não há isonomia entre os indivíduos, para Poulantzas os
indivíduos são suportes objetivos das classes sociais, se apresentem no campo da disputa
política como agentes de uma determinada classe social.
Para Poulantzas o traço distintivo do Estado capitalista é a ausência de
determinação de sujeitos, não há indivíduos que controlam diretamente o poder do Estado,
não é o objeto particular de uma classe específica, no sentido ser meramente passivo aos
interesses de alguns indivíduos, neste sentido, afasta-se da concepção maniqueísta, por ele
criticada do PCF (Partido Comunista Francês), na qual o Estado seria o mero comitê
executivo da burguesia, seu objeto particular; tampouco, concebe o Estado como sujeito
autônomo, no qual a partir de sua moldura institucional permite em condições de igualdade a
representação de todas as classes sociais no seio deste Estado. Para o autor, o Estado
capitalista é um Estado de classe, todavia se apresenta de modo específico, o fato de a
dominação política estar ausente de suas instituições, se apresentando como um Estado-
popular-de-classe, sua legitimidade se funda no conjunto de indivíduos-cidadãos,
formalmente livres e iguais, portanto, pode afirmar que representa não o interesse da classe
dominante, mas o interesse do “povo”, representante da soberania popular. Nesse sentido, o
sistema jurídico-político
[...] resulta um caráter normativo expresso no conjunto de leis sistematizado a partir
de princípios de liberdade e igualdade: é o reino da lei. A igualdade e a liberdade dos
indivíduos-cidadãos residem na sua relação com as leis abstratas e formais,
consideradas enunciativas dessa vontade geral no interior de um “Estado de direito”.
O Estado capitalista moderno apresenta-se, assim, como encarnado o interesse geral
28
das classes dominadas, o faz a nível jurídico-político, complementando-se com sua função
ideológica, de “consentimento” particularmente organizado e dirigido das classes dominadas.
Todavia, este não é um efeito meramente ideológico, denota um fato real: “[...] esse Estado
permiti, pela sua própria estrutura, as garantias de interesses econômicos de certas classes
dominadas, eventualmente contrária aos interesses econômicos a curto prazo das classes
dominantes, mas compatíveis com seus interesses políticos com sua dominação hegemônica.”
(Idem, p.185)
O Estado capitalista é um Estado de uma sociedade divida em classes, na qual os
interesses das classes dominadas aparecem como possibilidades nos próprios limites
institucionais, em que o Estado impõe a dominação hegemônica da classe dominante. O
Estado ao mesmo tempo em que apresenta os limites de sua ação política, freando a ação
revolucionária das classes dominadas, garante a dominação política, hegemônica, das classes
dominantes. Por isso, dirá Poulantzas que o poder político do Estado baseia-se num estável
equilíbrio de compromisso. Compromisso na medida em que atende a certos interesses das
classes dominadas, sem que isso atinja o poder político das classes dominantes. Ao fazê-lo
mantém o equilíbrio da luta de classes na medida em que sacrífica os interesses econômicos
mais imediatos da burguesia, sem atingir o seu poder político, ao mesmo tempo o
compromisso é instável, na medida em que é fixada pela inconstante conjuntura política.
O detém ante as classes dominantes, portanto, uma autonomia-relativa,
característica derivada de sua função de mediar e unificar os interesses da burguesia para
apresentá-los como interesses gerais da nação, consolidando assim a hegemonia da classe
dominante sobre a classe dominada. “[...] Assim, poder-se-á dizer, localizando a relação entre
o Estado capitalista e as classes politicamente dominantes, que esse Estado é um Estado com
direção hegemônica de classe.” (Idem, p.133). Gramsci, segundo Poulantzas foi o primeiro a
formular o conceito de hegemonia, no entanto de maneira muito ampla, já o marxista franco-
grego tentar aprofundar esse conceito de hegemonia, a burguesia não é unificada em seus
interesses particulares, o é apenas no seu interesse geral comum - exploração econômica e
dominação política. Portanto, o Estado no MPC assegura a hegemonia política da burguesia,
mas esta se restringe a prática política das classes dominantes.
Poulantzas, com o passar dos anos após a publicação de Poder político e classes
sociais, passa a aprofundar seu entendimento sobre o Estado capitalista, no referido livro,
sobressai o Estado enquanto função e estrutura, já em sua última obra O Estado, o poder e o
socialismo, passa a aprofundar o entendimento do Estado como um campo de disputa, uma
teoria, portanto relacional. Em suas próprias palavras:
30
modo de produção capitalista, são unidades contraditórias, que podem até ter um interesse
geral comum, mas não anula suas contradições internas e seus interesses específicos.
As frações de classe se articulam para formarem uma comunidade de interesses,
aquilo que foi conceituado por Poulantzas (1977) como bloco no poder, que para o autor é um
traço específico das frações no MPC, recobre o campo das práticas políticas, nesse sentido,
não se pode depreender que o bloco reflete a forças econômicas das classes, ou seja, que a
fração de classe que mais acumula capital seria a fração dominante no bloco no poder. Não
ocorre desta maneira, o bloco refere-se ao campo específico das práticas políticas. Uma
configuração particular, ao qual de um lado, comparece o Estado, com seu jogo institucional,
jogo que funciona como uma unidade especificamente política do poder do Estado, o fato de
tonar possível, a partir dos seus limites institucionais, coexistindo várias classes e frações no
seio de seus aparelhos; por outro, a configuração particular das classes dominantes no MPC,
funcionando como uma unidade política, recoberta pelo conceito de bloco no poder.
Para Poulantzas: “[...] o bloco no poder constitui uma unidade contraditória de
classes e frações politicamente dominantes sob a égide da fração hegemônica” (Poulantzas,
1977, p. 229.) Como o bloco é uma unidade contraditória, as frações disputam sua
hegemonia, mas, na articulação do bloco no poder há uma tendência à formação de um núcleo
hegemônico, composto por uma fração de classe. Hegemonia é a “[...] capacidade de uma
fração fazer prevalecer seus interesses no interior do bloco” (FARIAS, F. 2008, p.93). Essa
forma particular do exercício de sua hegemonia, não se ocorre apenas pelo atendimento de
suas demandas, de uma maneira impositiva, mas também, por meio de vetos e contra
decisões. O fato de o bloco ser uma unidade contraditória, expressa sua coesão e coerção, a
fração dominante, domina de acordo com a conjuntura, o estágio do capitalismo, e a forma
que o Estado assume em cada estágio do capitalismo, esta unidade não é definida por sua
duração, o que indica a sua dinâmica, dada pela conjuntura e pelas forças que ocupam o
bloco, passíveis de mudança. O conceito de bloco no poder indica a existência de uma
unidade contraditória com a dominante – essa dominância é resguardada para uma das frações
que compõem o bloco no poder, ou ainda: a aliança de várias classes com a fração dominante.
Esta última é quem unifica os interesses gerais do bloco, - a aliança no poder – e também é
aquela a quem o Estado garante, por excelência, os interesses específicos.
Assim, o Estado quando formula suas políticas econômicas não o faz a partir de
sua própria vontade, o faz visando atender aos interesses do bloco no poder, priorizando a
fração hegemônica. Segundo Pinto & Teixeira (2010) a política econômica, na qual longe de
ser o resultado de decisões técnicas, como imaginam os economistas ortodoxos, é resultado
32
8
Segundo Poulantzas (1977) existem dois tipo de hegemonia: a hegemonia da fração hegemônica no bloco no poder, isto é a
fração que faz valer seus interesses no interior do bloco no poder, e a hegemonia ideológica, isto é a função de estabelecer a
hegemonia frente as classes dominadas. De acordo com o autor tais funções geralmente se concentram na mesma fração de
classe, todavia, ele advogava a possibilidade de descasamento dessas funções, sendo repartida entre duas frações. Martuscelli
34
ideologia mais próxima das demandas dos dominados. Segundo Farias (2008), isso faz com
que estas sejam mais visíveis na cena política.
A ideologia do industrialismo – que desloca a crença da fonte de riqueza da terra
para a indústria – confere à burguesia industrial uma possibilidade de presença mais
ativa ou visível na cena política, comparada aos outros setores do capital ligados à
esfera da circulação. Já as burguesias comercial e bancária, por suas inserções na
esfera não-produtiva da economia, sendo vulneráveis à crítica de parasitarem os
setores produtivos, tendem a uma presença mais discreta na luta política. Se a
burguesia industrial sente-se mais à vontade para defender seus interesses através
dos partidos políticos, as burguesias comercial e bancária preferem as ações pela via
do associativismo e do lobby (FARIAS, 2008, P. 85)
Eivados de uma ideologia industrialista, a fração interna consegue maior acesso
aos corações e mentes das classes dominadas, de certa forma, sua ênfase no emprego ante os
outros aspectos macroeconômicos como a estabilização, inflação, a coloca nessa posição
ideológica, o que por vezes pode ser usada como arma na disputa política com outras frações
de classe.
Todos esses critérios de divisão são dinâmicos e mutáveis, certas frações podem a
depender da conjuntura alterarem suas posições políticas e ideológicas, podem inclusive fazê-
lo apenas para políticas específicas, por exemplo, no Brasil, comumente se caracteriza a
fração bancária-financeira como uma fração compradora, todavia, quando se trata de defender
maior competitividade no setor bancário por meio da abertura do setor com a entrada de
bancos estrangeiros no espaço nacional, esta se opõe temendo ser engolida pelos grandes
bancos estrangeiros, desta forma, nessa questão específica se apresenta como fração interna.
Por isso, não se deve fixá-las como características imutáveis e eternas. Essas frações são
dinâmicas, representam uma tipologia abstrata, são podem ser realmente verificadas ao se
analisar empiricamente as frações de classe no capitalismo brasileiro.
(2018) discorda do autor, defende que geralmente ocorre justamente o oposto, sobretudo, para o caso brasileiro, na qual a
fração hegemônica no bloco no poder é a fração associada, e a função ideológica é exercida pela fração interna da burguesia.
35
hegemonia do bloco no poder, este é sempre ocupado por uma fração burguesa de origem
nacional.
Nesse sentido, as mudanças do estágio atual do Estado decorrem das mudanças no
bloco no poder, no qual predomina a dominação hegemônica do capital monopolista no
interior dos espaços nacionais. Poulantzas caracterizou o capital monopolista como de um
lado, a concentração industrial, no qual grandes indústrias operando com o capital dinheiro,
vindo dos grandes bancos passam a concentrar processos produtivos e comerciais em vários
ramos industriais, formando um grande capital monopolista industrial. De outro, a
centralização do capital dinheiro, na qual bancos por meio da intermediação do crédito
passam a ser reunir em grandes bancos monopolistas, este último nomeado pelo autor como
capital monopolista bancário. Há ainda um segundo nível de concentração;
Esse processo de fusão não para, no entanto, aí: estende-se a interdependência
crescente do capital monopolista industrial e do capital monopolista bancário, o que
dá lugar à emergência daquilo que designa em geral pelo termo de “grandes
impérios financeiros”. Estes apresentam um momento superior de fusão entre
grandes firmas industriais e grandes bancos. Essa etapa de fusão, que representa a
reunião, sob propriedade econômica e controle únicos, das grandes firmas industriais
e dos grandes bancos, pode apresentar-se sob a forma de uma dominante seja do
capital industrial, que cria ou controla seus próprios bancos, seja do capital bancário,
que cria ou controla suas próprias firmas industriais. (POULANTZAS, 1975, P. 123)
Estes dois processos ocorrem em simultâneo, de tal modo, que há uma
interpenetração doravante a sociedade por ações, no qual os bancos têm ativos de firmas
industriais em seus portfólios, ao que foi caracterizado pelos clássicos do marxismo como
Lênin e Hilferding9, como capital financeiro, a fusão do capital industrial com o capital
bancário, sob a dominância deste último dando origem ao capital financeiro 10. Essa nova
figura jurídica apresenta-se como a reunião de várias frações do capital o que ensejaria uma
figura jurídica sem contradições entre as diferentes frações que ocupam este capital
financeiro. Essa homogeneidade é apenas aparente, para Poulantzas, apenas eleva o nível das
contradições agora integradas em uma figura jurídica aparentemente distinta. Nesse sentido,
para ele, o capital financeiro, não é uma fração autônoma do capital, tal como a fração
bancária ou a industrial, tendo em vista, que na formação deste capital uma fração predomina
ante as outras, é a figura do processo de reunião e concentração de capitais, não uma fração
distinta.
Para Poulantzas o processo de concentração e centralização de capitais decorre de
três motivos: primeiro, da tendência à queda da taxa de lucro, na qual a concentração e
9
Cf. Lênin O imperialismo Fase superior do Capitalismo (1916); e Hilferding O capital Monopolista (1910)
10
Para Poulantzas apenas Hilferding, caracterizou o capital financeiro como uma dominação do capital bancário
sob o capital industrial, para ele o monopólio nem sempre é dominado pela fração bancário, por isso, considera
este ponto um equívoco da análise de Hilferding.
37
11
A questão sobre a natureza e dinâmica de acumulação de capital das grandes corporações será tratada no
quarto capítulo desta dissertação.
38
12
Souza (2009) defende que no capitalismo transnacionalizado de caráter monopolista, o fracionamento da classe dominante
perdeu sua validade, tendo em vista que as diferentes funções do capital são cada vez mais desempenhadas pelo mesmo
grupo. A autora, todavia, defende que para o caso brasileiro, ainda possui validade o fracionamento da classe dominante,
deve-se segundo ela, dividir as frações internas e o capital estrangeiro.
13
Aqui o termo capital financeiro está sendo utilizado tal como foi formulado por Hilferding (1910), na qual capital
financeiro é a junção do capital bancário ao capital industrial, por meio do controle acionário do primeiro sobre o segundo,
formando um novo tipo de capital.
39
adequarem aos ditames do Consenso de Washington 14. Sua consequência política é a redução
da capacidade do Estado de acomodar os interesses dos setores internos com os interesses
imperialistas. Se antes era possível acomodá-los via endividamento externo, concessões
fiscais, etc. Nos anos 1990 com a necessidade do Estado de garantir estabilidade fiscal e
monetária já não era mais possível à fuga para frente (Fiori, 2003), sendo obrigado a incorrer
ao ajuste fiscal recessivo. Como consequência ou os setores internos se adequavam a esta
nova realidade modificando seus interesses de acordo com a nova conjuntura econômica
mundial, ou estariam em permanente rota de coalização com os interesses imperialistas e os
setores a ele articulados.
Com todos estes argumentos poderíamos dizer que para o caso brasileiro o Estado
perdeu completamente sua autonomia relativa, ficando à mercê do imperialismo? Certamente
não. Se há esse conjunto de argumentos que encaminham a questão nesse sentido, há tantos
outros para dizer que o Estado periférico e dependente brasileiro ainda possui funções
fundamentais para a garantia dos interesses do bloco no poder nacional. Observa -se segundo
Boito Jr.(1999) que as burguesias internas têm demandando proteção ativa do Estado nacional
contra os interesses imperialista, por medo de ser pulverizado por este, e o Estado brasileiro,
tem agido para manter uma convivência harmônica entre os interesses imperialista e os
interesses do bloco no poder.
Outros autores não poulantzianos como Hirst & Thompson (2002), apontam que a
atuação do Estado continua sendo essencial para reordenar o espaço de acumulação, isto é,
mudanças institucionais, como reformas das relações entre público-privado, política
alfandegária, entre outras. Se as grandes corporações aportam em algum país, o fazem pela
estabilidade interna garantida pelo Estado-nação, em primeira instância é este quem permite
atrair as grandes empresas transnacionais e garantir seus lucros 15. O que podemos apreender
das formulações dos dois autores, é que em ultima instância mesmo que o Estado vise uma
agenda voltada para o capital estrangeiro, o faz a partir do jogo de forças políticas internas, o
que determina em primeira instância como será a relação com o capital estrangeiro. Nesse
sentido, ainda que haja argumentos para rogar o fim do Estado-nação este não perdeu sua
14
Consenso de Washington, como ficou conhecido, era o documento formulado por Oliver Williamson (1990)
economista da tradição novo institucionalista. Para o autor, havia literalmente um consenso em Washington de reformas
políticas e econômicas para América Latina no ano de 1989, passando pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional
(FMI) para o governo dos Estados Unidos. Tal termo se tornou convencionalmente utilizado, apesar do autor não gostar da
intepretação que se tem tirado dele. O Consenso pode ser resumido em uma certa taxonomia: prudência macroeconômica,
liberalização microeconômica e orientação externa. Na sessão seguinte trataremos dele com maiores detalhes.
15
Discordamos entre outros pontos de Hirst &Thompson (2002) quando afirmam que a arte de governar do
Estado consiste na distribuição de poder. O poder do Estado se funda na condensação das frações de classe que
ocupam o Estado, portanto, não há uma distribuição do poder, e sim uma disputa desigual para dirigir o Estado, e
não uma distribuição do poder do Estado.
41
força ante a globalização, pelo contrário, torna-se peça essencial para garantir os lucros e as
reformas econômicas ditadas pela burguesia interna e mundial.
O que defendemos, portanto, é a validade das análises poulantzianas para o caso
brasileiro, o Estado não perde força, pois como vimos nenhum o Estado o tem, o que modifica
é a hegemonia do bloco no poder, agora é entrecortado por outros elementos e outros
interesses transformados pela conjuntura histórica. Quando autores como Cano (2000)
defendem que o raio de manobra do Estado fora reduzido com a ressureição liberal-
conservadora, perdem de vista que a autonomia anterior no auge do padrão de Bretton Woods
decorria da configuração particular que assumia o bloco no poder naquele período, que
instava um tipo de atuação estatal mais intervencionista, no sentido, de garantir a demanda
para a reprodução ampliada do capital industrial. Por outro lado, aqueles que apontam que a
conjuntura história pós-choque dos preços do petróleo de 1979 reduziu as possibilidades de
inserção dos países periféricos, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do tipo de
financiamento ofertado, predominando capitais especulativos de curto prazo. Nesse sentido, a
atuação estatal se modifica justamente pelo predomínio da financeirização como modo de ser
da riqueza contemporânea (Braga, 1999), agora o papel central do Estado neoliberal é a
garantia da solvência da divida pública, como a forma predominante de remuneração de todos
os capitais.
As burguesias nacionais dos países dependentes, da mesma maneira modificam
suas demandas e atuações para se adequarem as mudanças da relação de dependência na
conjuntura histórica da globalização financeira, se antes a burguesia interna instavam uma
atuação intervencionista do Estado, e uma convivência harmônica com o capital estrangeiro
nos grandes blocos de investimentos, tal atuação é impossibilitada pela própria crise fiscal.
Por bem, se faz necessário relembrar a caracterização feita por Falletto & Cardoso (1975), as
burguesias nacionais se associam ora ao Estado, ora ao capital estrangeiro, na era da
globalização não perdem esse caráter associativo, o que modificam são as formas de
associação, modificando seus interesses de acordo com as mudanças do capitalismo
internacional. Da mesma forma, o Estado continua atendendo prioritariamente os interesses
do bloco no poder, este modificado em sua relação de dependência.
42
Esta concepção não significa que nesta formulação Poulantzas abandona a ideia a
autonomia-relativa do Estado, justamente pelo fato de organizar e unificar os interesses gerais
da burguesia, na medida em que para fazê-lo precisa se afastar dos interesses particulares
destas classes, esta autonomia é mantida, podemos dizer que é um traço constitutivo, inerente
do Estado no Modo de produção capitalista (MPC). O Estado pode se projetar no campo da
disputa entre as frações de classe para partindo do seu projeto político, orientar o curso da
disputa entre as frações de classe. Obviamente o resultado e o curso dos acontecimentos
dependem da maneira como Estado se relaciona com o bloco no poder, pode tentar mudar o
peso das forças políticas no Bloco, mas jamais pode ir contra esse bloco, sob o risco de perder
sua autonomia relativa. Dito isto, este capitulo se justifica a partir deste pressuposto,
compreender o projeto de país que o Estado concebe e como partindo deste projeto buscou -se
lançar pontes aos interesses das frações de classe burguesa, quais setores buscou estreitar
laços e quais foram confrontados.
Tratando-se do Brasil, como nos mostra Draibe (1985) em seu trabalho clássico,
as articulações que se estabelecem nos setores dominantes costumam ser “[...]fugazes,
instáveis, respondendo a um campo sempre heterogêneo de interesses fragilmente aliados em
torno de objetivos específicos” 16. (Ibid, 1985, p.42) É nesse campo heterogêneo e instável que
se funda a autonomia relativa do Estado brasileiro, o núcleo político dirigente, se encontra na
figura da presidência, que em última instância, imprime o sentido (social e político) da ação
estatal.
O Segundo questionamento, parte de certa inquietação comum na historiografia
das ideias e sua relação com o poder, a saber, qual a relação entre as ideias e a ação? em que
medida os agentes históricos guiam suas ações por meio de suas ideias anteriores ao exercício
do poder? Este é um elemento importante ou uma questão subordinada a outras relações que
importam mais, como as instituições ou os conflitos de classes?
Essas questões se sobressairiam se quiséssemos compreender a relação entre FHC
sociólogo e FHC presidente, de maneira a apontar qual a relação das ideias do primeiro, com
o exercício do poder do segundo. No entanto, esse não será nosso objeto, consideramos
suficientes as pesquisas que já foram realizadas visando dar cabo destes problemas (Sobrinho,
2003; Bentes, 2006; Cruz, 1999), nossa proposta é tão somente lançar luzes sobre o projeto de
16
Draibe formula este entendimento quando estava analisando o processo de industrialização no Brasil, como um curso
particular que assume a revolução burguesa no Brasil. Dessa forma, poder-se-ia parecer anacrônico, buscar uma análise do
passado para projetá-la em outro tempo histórico, todavia, a análise de Draibe buscava compreender a transição de um tipo de
Estado para outro, de tal forma que este nos parece ser o núcleo de seu pensamento que permanece válido para pensar a
relação entre o projeto do Estado e a relação com as classes dominantes, pois, em nosso entendimento, estamos lidando com
uma transição de um tipo de Estado para outro, do Estado desenvolvimentista para o Estado neoliberal.
44
país de FHC, a partir do resgate de sua obra como sociólogo e político, encontrando
elementos explicativos desta. Em nosso entendimento o seu projeto de país é condensação de
ideias anteriores que podem ser explicadas desde a teoria da dependência. Não significa dizer
que o presidente orienta seu projeto de país a partir de suas categorias construídas como
sociólogo, como afirma Cruz (1999) não podemos buscar uma correspondência pura e simples
entre as ideias do sociólogo e suas ações como presidente: “Se é assim, mais próprio seria
dizer que Cardoso se vale das antigas categorias para orientar-se no caminho que escolheu,
como político, entre as várias alternativas que as mesmas permitiam divisar.” (Idem, p. 240)
Nesse sentido, em sua atuação como governante, utiliza-se de suas categorias analíticas não
para guiá-las, mas para justificá-las.
Destarte, não estamos lindando com um político profissional, ou melhor, de um
ator que se fez na política, mas sim de um intelectual que marcou o século XX com a sua
teoria da dependência, e que por conta das “[...] artimanhas do autoritarismo afastaram
compulsoriamente da cátedra universitária e converteram em aprendiz de político” (Cardoso,
1995, p. 3). Por isso, nossa entrada no seu pensamento político se inicia quando o autor ainda
era apenas um sociólogo, para observar os traços que podem lançar luzes sobre o projeto de
país desenvolvido ulteriormente como político.
FHC escreve com Enzo Falletto, em 1969, um livro que marcou o debate político-
intelectual latino-americano nos anos 1970 Dependência e desenvolvimento na América
Latina. Partiram de uma crítica das teorias cepalinas, na qual se apostava na capacidade do
Estado como agente racionalizador na indução do desenvolvimento econômico, postulando ao
centro da estratégia de desenvolvimento o protagonismo da burguesia nacional capaz de
romper com o passado colonial e industrializar os países periféricos, o grande agente que
obstaculizava tal processo era o imperialismo, nos dizeres marxistas ou os países centrais
através do mecanismo da troca desigual que permitia absorção do excedente produzido nos
países latino americanos, na teoria cepalina. Nas palavras dos autores:
O pressuposto geral implícito nessa concepção era que as bases históricas da
situação latino-americana apontavam para um tipo de desenvolvimento
eminentemente nacional. Tratava-se, então, de fortalecer o mercado interno e de
organizar os centros nacionais de decisão de tal modo que se tornassem sensíveis
aos problemas do desenvolvimento de seus países. (CARDOSO, F & FALLETTO,
E.; 1969. P;12)
No entanto, nos anos 1950 esgotava-se o processo de substituição de importações
e chegava-se a estagnação sem terem avançado nos setores de alta tecnologia - sem dar o salto
à industrialização pesada - quando isto ocorreu em casos como o Brasil, tal tarefa estava
45
sendo realizada não pela burguesia nacional, mas pelo capital estrangeiro. Os autores
questionam a interpretação cepalina.
Em uma primeira aproximação fica, pois, a impressão de que o esquema
interpretativo e as previsões que à luz de fatores puramente econômicos podiam
formular-se ao terminar os anos 1940 não foram suficientes para explicar o curso
posterior dos acontecimentos. [...] Não teriam sido os fatores inscritos na estrutural
social brasileira, o jogo das forças políticas e sociais que atuaram na década
“desenvolvimentista” os responsáveis tanto do resultado favorável como da perda do
impulso posterior do processo brasileiro de desenvolvimento? (Ibid, p. 13-14)
O questionamento feito pelos autores é que o esquema estruturalista abstraiu de
seu modelo de análise as forças políticas e sociais internas. Para os autores, desde o momento
em que se estabelece o Estado nacional, a dinâmica social latino-americana é determinada em
primeira instância por “fatores internos”, e, em última instância, por “fatores externos”
(Mello, 1988). A luz dos acontecimentos econômicos, sociais e políticos da América-Latina,
em especial do caso brasileiro, para FHC & Falletto, não havia uma oposição excludente entre
desenvolvimento e dependência, era possível o desenvolvimento dependente e associado,
tendo em vista como diz Pinto & Teixeira (2012), a burguesia nacional tornou-se “sócia
menor” do capital estrangeiro, este último adentra nos espaços de acumulação dos países
periféricos com as filiais estrangeiras visando o mercado interno destes países, configurando
uma nova situação de dependência, agora de investimentos e tecnologias estrangeiras (Pinto
& Teixeira 2012), de modo que era possível uma estratégia de desenvolvimento associada ao
capital estrangeiro17.
O eixo de mudança que a teoria da dependência opera, é deslocar a relação de
exploração entre as nações presente nas teorias cepalinas, através de diversos mecanismos,
mas, sobretudo da troca desigual, para colocá-la no terreno das classes sociais, através da
vinculação de poder entre as empresas transnacionais capitalistas e as classes dominantes
internas dos países dependentes. Nesta inter-relação entre as classes dominantes internas e
externas gera uma situação específica de dependência, para Cardoso incide nos aspectos
econômico, social e político.
No plano econômico uma limitação estrutural ao crescimento sustentado, esta se
deve a forma como a mais-valia gerada aqui se transfere para o centro através do intercâmbio
desigual. Na qual no circuito da produção o seu controle, sobretudo, nos ramos de alta
tecnologia ocorre por capitais externos. “É por isso que as ‘deliberações’ e ‘decisões’ da
17
Para Sampaio Jr (1997) a crítica Cardoso & Falletto (1975) não representou um avanço em relação a teoria cepalina, antes
uma regressão, tendo em vista, havia uma crítica à forma de articulação do capital estrangeiro nos espaços periféricos, a
maneira como sua penetração moldava a acumulação de capital a partir das empresas transnacionais, de modo a obstaculizar
um projeto de país. Cardoso e Falleto, no seu entender dissociam desenvolvimento nacional e acumulação de capital. Para os
cepalinos a acumulação de capital era um meio para o desenvolvimento nacional, não seu próprio fim. Se esta se torna um
fim em si mesmo o que ocorre é um processo de modernização das formas de consumo (Furtado, 1974) não o
desenvolvimento.
46
periferia encontram obstáculos reais na estrutura não só do comércio mundial, mas do sistema
produtivo internacional” (CARDOSO, 1993, p. 198).
No aspecto social, a natureza incompleta e heterogênea da industrialização
periférica, produz o efeito social de burguesia que só se complementa associando-se na
produção ao capital estrangeiro ou subordinando-se no comércio mundial. Outros efeitos são
camadas proletárias que se distanciam das massas populares na medida em que avança a
industrialização, ao mesmo, tempo em que há massas marginalizadas que não são facilmente
absorvíveis, mesmo com quando a industrialização prospera.
Por fim, no plano político, emerge um Estado-produtor e repressivo, um Estado
que se apresenta como nacional, e para tanto, busca consenso, organiza e implementa a
organização capitalista. Para equilibrar os interesses da burguesia local e das multinacionais
torna-se ele próprio produtor, um Estado capitalista-produtor. “Torna-se, assim, O Estado
mola do desenvolvimento, excludente, concentrador de rendas e baseado num sistema
produtivo que atende à demanda das camadas de altas rendas.” (Idem, p. 199)
FHC aponta que tinha esperança de que o governo Geisel iria transformar o
modelo político e econômico brasileiro, todavia, no seu entender o que houve foi um
aprofundamento das relações clientelistas e patrimonialistas na relação do Estado com os
agentes econômicos, de modo que no fim da década os problemas oriundos do esgotamento
do modelo de substituição de importações, como a crise da dívida, a hiperinflação, o
endividamento do Estado brasileiro, entre outros, eram decorrência da manutenção anacrônica
daquele modelo de desenvolvimento.
O nacional-desenvolvimentismo teve amplo sentido no seu tempo. Mas deixou de
ter quando a conjugação favorável de fatores se inverteu, ou se perverteu, a partir de
meados da década de 70 e, mais acentuadamente, de seu final. É que o mundo
começava a mudar mais rapidamente que o Brasil. E a resposta para isso, sob o
regime autoritário, que silenciou as vozes mais lúcidas de advertência, foi a de
empreender uma “fuga para frente”. (CAROSO, 1994, P.9-10)
Aqui chegamos ao ponto em que FHC esboça a sua leitura sobre o mal-estar
brasileiro, o nacional-desenvolvimentismo seguido desde a era Vargas havia se esgotado, foi
levado até os seus estertores pelo regime autoritário deixando como legado de um lado um
país mais industrial e moderno ante sua face agrária nos anos 1930; por outro, todas as
consequências sociais, políticas e econômicos da exaustão do modelo. Pelo lado econômico,
uma divida externa impagável, com um Estado endividado; socialmente injusto com enorme
concentração de renda; politicamente, os males brasileiros patrimonialismo, clientelismo e
paternalismo foram não apenas mantidos, mas se sofisticaram com o avançar da
modernização no Brasil.
47
construção do país melhor que sonhava agora como político. Nesse caminho, tornou-se
senador, depois Ministro da Fazenda para então ser presidente.
Não cabe nos limites desta dissertação analisar toda essa trajetória, no entanto,
como constituinte já podemos observar os contornos daquilo que seria seu projeto de país. Em
suas memorias políticas relata que em janeiro de 1988, apresentou o seguinte discurso.
Pronunciei então um discurso no Senado sobre “a crise e as opções nacionais”,
criticando as hesitações do governo na matéria, propondo uma integração
“soberana” de nossa economia no plano mundial, a partir do fortalecimento entre
nós do que chamei de “espírito de empresa”, que dispensaria o protecionismo,
aceitaria regras de concorrência e assimilaria a revolução tecnológica. Via nisso o
caminho para melhorar a eficiência da burocracia pública e ampliar a democracia
social. Mais ainda, criticava a indiferença de nossas elites diante da miséria do povo.
(CARDOSO, 2006, p. 115)
Se antes da constituinte Cardoso, era entusiasta do processo de redemocratização,
no caminhar da constituinte se decepcionou com as discussões levadas pelos constituintes; de
um lado, o Brasil conquistava a sua emancipação democrática, com a carta constitucional,
colocando fim ao autoritarismo; por outro, reafirmava seu arcaísmo ao aprovar uma
constituição nacionalista e estatizante, atrasada com o que estava ocorrendo no resto do
mundo. Na constituinte um dos eixos centrais era o nacionalismo estatizante, houve um falso
debate entre privatização versus estatização, quando para Cardoso, se tratava do debate entre
clientelismo e espírito público, “progressistas” defendiam o populismo e os conservadores, o
atraso18. Esse falso debate aparece nas propostas de estatização do sistema bancário, a
distinção entre empresa nacional e estrangeira, na defesa dos monopólios, sobretudo, em
jazidas minerais, o corporativismo em regras muito generosas para o funcionalismo público,
leis trabalhistas protecionistas e atrasadas, um sistema de previdência generoso, especialmente
para os funcionários públicos. Todas essas idiossincrasias coroam uma constituição
democrática, que garante amplos direitos políticos, de um lado; e de outro, manteve o país
atrasado com regras econômicas do “velho” nacional-desenvolvimentismo estatista. A
constituição de 1988 foi encarada por Cardoso, como a institucionalização do nacional-
desenvolvimentismo, através de um aparato institucional voltada aos princípios da autarquia e
do isolamento, quando a necessidade histórica requeria uma moldura institucional voltada
para a competição e integração.
Para Cardoso, enquanto o Brasil insistia no velho modelo, o mundo passava por
transformações, sem perceber nos tornamos “antiquados”, surgia um mundo novo em nossas
costas sem que sequer tenhamos percebido. O novo mundo são as mudanças organizacionais e
18
“No seu entender, não se tratava, no fundo, de uma polarização entre conservadores e progressistas, mas, respectivamente,
da reminiscência do atraso e do populismo. Ou seja, de um lado, setores encastelados no estado que se aferravam aos
esquemas clientelistas e “cartoriais” da máquina e, de outro, setores que defendiam os direitos sociais, mas sob o viés
populista” (SOBRINHO, 2004, P.258)
49
tecnológicas, surgidas durante os anos 1970 na “velha Europa”, essa revolução tecnológica
permitiu ampliar a acumulação de capital com melhor distribuição de renda, as mudanças
organizacionais permitiram o espraiamento da produção ao redor do globo, aumentando a
rede de integração comercial mundial, de modo que o velho modelo desenvolvimentista era
intensivo em mão-de-obra e recursos naturais, o novo mundo prescinde desses recursos,
inclusive os condena por ser socialmente injusto e ambientalmente insustentável. Para
Cardoso, a demora em debelar o processo inflacionário e relocar o país nos rumos do
desenvolvimento se deve à negação de que o mundo havia mudado.
Seguindo para o governo Collor, FHC sempre defendeu um pacto nacional, entre
os vários setores da sociedade para propor uma oposição responsável que encaminhasse as
reformas necessárias para tirar o Brasil da crise que se encontrava, no entanto, sempre foi
muito cioso de se aproximar do Governo, tanto que manteve-se distante. Considerava que o
Governo Collor foi um “tremor na terra” do país. Apesar dos equívocos achava que o
governo, “[...] colaborou para a revitalização da sociedade e um consenso maior em torno das
principais reformas necessárias para o país, como a privatização, redução do déficit público e
a necessidade de internacionalização da economia, de modo que o país estava, diante de um
novo projeto nacional, pelo menos in fieri” (SOBRINHO, P. 343)
Foi a exaustão da inflação que produziu na sociedade o sentimento de que era
impossível continuar coexistindo com a inflação que não dava trégua. Foi esse sentimento que
entregou as possibilidades políticas para um plano deflacionário vitorioso, do qual esteve à
frente como Ministro da Fazenda. Foi o sucesso do plano o fiador da vitória como candidato a
presidência. E neste momento seu projeto de país foi apresentado com todas as letras em seu
discurso de despedida do senado federal.
Levamos a cabo a tarefa de transição. 19[...] Eu acredito firmemente que o
autoritarismo é uma página virada na História do Brasil. Resta, contudo, um pedaço
do nosso passado político que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da
sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas – ao seu desenvolvimento autárquico
e ao seu Estado intervencionista. Esse modelo, que a sua época assegurou progresso
e permitiu a nossa industrialização, começou a perder fôlego no fim dos anos 1970.
[...] No fim da década perdida, os analistas políticos e econômicos mais lúcidos, das
mais diversas tendências, já convergiram na percepção de que o Brasil vivia, não
apenas um somatório de crises conjunturais, mas o fim de um ciclo de
desenvolvimento de longo prazo. Que a própria complexidade da matriz produtiva
implantada excluía novos avanços da industrialização por substituição de
importações. Que a manutenção dos mesmos padrões de protecionismo e
intervencionismo estatal sufocava a concorrência necessária à eficiência econômica
e distanciava cada vez mais o Brasil do fluxo de inovações tecnológicas e gerenciais
que revolucionavam a economia mundial. E que a abertura de um novo ciclo de
desenvolvimento colocaria necessariamente na ordem do dia os temas da reforma do
19
Neste ponto FHC alude a sua afirmação neste mesmo discurso de que sua eleição representava o ponto final da transição
democrática no Brasil. Cf. p.4 do mesmo discurso.
50
anos 1970, pois, agora uma multinacional não precisa produzir num mercado nacional para ter
acesso a este. Com o avanço das telecomunicações e dos transportes, qualquer empresa
multinacional pode produzir partes de sua mercadoria em diversos países do mundo e exportar
o seu produto final para um país que sequer produz alguma parte desta mercadoria. A
globalização é vista como uma nova configuração da divisão internacional do trabalho. De um
lado, estavam os países integrados ao comércio mundial, e que teriam todas as condições
econômicas para promover o bem-estar de sua população; de outro, ficariam os países
excluídos do comércio, e que agora não poderiam contar com o recurso da “autonomia
nacional”, que neste novo cenário competitivo leva ao isolamento, e do isolamento para a
estagnação como no caso brasileiro. Todavia, o volume do comércio intra-firmas é que geram
as novas possibilidades, as multinacionais se direcionam para países com diferenciais
competitivos, para FHC são a mão-de-obra qualificada e as tecnologias disponíveis destes
países. Por isso, a globalização é um fato, o que se pode fazer diante da realidade é um projeto
modernizador que busque se apropriar daquilo de melhor que tem a oferecer, acesso aos
mercados e tecnologia.
A globalização era um fato, assim como o capitalismo uma nova fase da expansão
deste modo de produção, e como todas as outras fases, carrega consigo as suas contradições,
Cardoso não se furtou de observa-las, como ponto negativo, criticava a volatilidade dos fluxos
financeiros internacionais:
A mobilidade dos fluxos financeiros através das fronteiras nacionais pode ser vista
como uma forma eficiente de alocar recursos internacionalmente e de canalizá-los
para os países emergentes, por outro, a volatilidade dos capitais de curto prazo e a
possibilidade de seu uso para ataques especulativos contra a moeda são considerados
como uma nova forma de ameaça à estabilidade econômica do país. (Cardoso apud
Bentes, 2006, p.113)
Os Estados nacionais ficam atados ante aos ataques especulativos. Via a
necessidade de disciplinar os fluxos financeiros internacionais, todavia, era necessário um
consenso internacional sobre as normas de funcionamento dos mercados financeiros
internacionais. Para Cardoso, a partir do consenso era possível disciplinar a globalização
financeira.
O papel do Estado na nova ordem, por essas duas condicionantes, mesmo a que
enxerga como mais positiva, tende a perder alguns aspectos de sua força. Pelo lado
econômico há um consenso invisível de que a única alternativa é a estabilidade
macroeconômica, de modo, que não cabe mais o intervencionismo estatal nas forças do
mercado. Todavia, “[...] ao contrário do que pregam muitos globalistas, FHC argumenta que
apenas um Estado forte e com maior capacidade de implementação poderá ser capaz de
53
Por outro, sempre viu com desconfiança a burguesia interna, posição essa que
pode ser compreendida desde a publicação do livro Dependência e Desenvolvimento na
América Latina, a burguesia nacional não tem, e não terá o papel civilizatório que teve nos
países centrais, sempre preferiu a associação com o capital estrangeiro à promoção dos
interesses nacionais. Criticou algumas frações de classes nacionais, especialmente os
industriais. Quando na implementação do plano Real criticou a posição da FIESP, defendiam
que não havia correlação entre déficit público e inflação (CARDOSO, 2006, P.144), por isso,
a fração nacional que se colocasse antagônica aos interesses da abertura da economia seria
criticada por Cardoso. Estas são vistas como atrasadas, dependentes do clientelismo estatal,
responsáveis junto das elites estatais da crise do estado desenvolvimentista, portanto, estariam
sempre alijadas de terem seus interesses promovidos pelo governo, a não ser que se
colocassem como parceiras do capital estrangeiro.
Mais do que uma crítica à burguesia interna, FHC enxerga no processo de
abertura da economia uma forma de modernizar a economia brasileira, eliminaria setores
artificiais que só existiam em decorrência do protecionismo. Politicamente, pode-se aludir que
o processo de abertura minaria o poder político de “velhos” grupos industriais paternalistas
que cresceram ao longo da industrialização sob as expensas do Estado. Essa burguesia sairia
renovada do processo de abertura, as que sobrevivessem deixariam de requererem do Estado
proteção para se aliarem ao processo de abertura para terem novas oportunidades
competitivas. Logo, estar-se-ia forjando com a abertura uma configuração de forças políticas
interna capaz de responder ao desafio da globalização.
Em nosso entendimento, o processo de abertura é central no projeto de país de
Cardoso, é quase um valor absoluto, um fim em si mesmo, que em seu processo
excomungaria todos os males nacionais. A economia seria moderna e competitiva; a
competição poria fim no clientelismo e no patrimonialismo; socialmente permitiria a
incorporação de camadas sociais historicamente excluídas dos processos de modernização
ocorridos no Brasil.
Em síntese, podemos dizer que o projeto de país de FHC pode ser resumido em
dois pontos essenciais – reforma do Estado e abertura econômica. O segundo guia a primeira.
Com a reforma do Estado se pretendia substituir o Estado produtor pelo Estado regulador,
com isso, resguardar os cofres público para atuar como agente transformador das mazelas
sociais. Deveria realizar os investimentos em bem-estar e deixar o mercado cuidar da
economia. A abertura da economia permitiria que a ausência do Estado fosse compensada
com o investimento privado que seria atraído por esse novo espírito empresarial do Estado
55
brasileiro, esses investimentos podem ser tanto externos como internos, mas a aposta de FHC
é que ele seria em sua maior parte externo.
56
20
O termo refere-se ao privilégio exorbitante de que tinha a moeda americana por ser a moeda de meio de pagamento
universal, os EUA não sofre das mesmas restrições que qualquer outro país, isto é, a necessidade de ter saldos comerciais
positivos para financiar seu balanço de pagamentos, bastando o FED (Federal Reserve) emitir moeda para financiar seu
déficit de balanço de pagamentos.
58
taxas de juros, foi o definitivo shown of American Power (Mazzucchelli, 2009). Sem qualquer
pudor, os EUA, jogam a economia mundial e a si mesmo para a recessão e instabilidade.
[...] A partir daí o movimento do crédito interbancário se orientou decisivamente
para os EUA e o sistema bancário passou a ficar sob controle do FED. E não apenas
sob o controle da política monetária, que dita as regras do jogo, as flutuações na taxa
de juros e câmbio, mas também a serviço da política fiscal americana. A partir do
início dos anos 80, todos grandes bancos internacionais estão em Nova York, não
apenas sob o umbrela do FED, mas também obrigatoriamente – porque não há outra
alternativa – o déficit fiscal americano. (TAVARES, 1985. P. 7)
Poder e dinheiro formam um casamento inseparável, com formas de repactuação
de tempos em tempos, a retomada da hegemonia americana não foi apenas um gesto do poder
americano, foi a repactuação com a grande finança tomando a frente do processo de
globalização financeiro. A hegemonia do dólar foi retomada, mas sob bases totalmente
fictícias e financeiras, seu fundamento é permitir ser lastro para as operações securitizadas nos
mercados financeiros, ou seja, ser a moeda financeira internacional, no qual todas as
operações são denominadas em dólar.
Nesse sentido, para Carneiro (2007), a globalização no seu processo mais geral e
abstrato é o predomínio geral do capital financeiro como etapa superior e desregulada do
capitalismo. Os agentes econômicos nessa nova etapa disseminam a lógica de acumulação por
meio dos ganhos patrimoniais, em detrimento daqueles oriundos dos rendimentos. Uma
crescente importância da esfera financeira ante a produtiva, um aprofundamento dos traços
inerentes ao capitalismo.
"[...] Dessa perspectiva, pode-se também constatar a ampliação relativa da esfera da
valorização da riqueza financeira vis à vis aquela da produção ou geração da renda.
Enfim, exacerba-se a independência relativa da valorização da riqueza financeira
ante a real, por meio de bolhas de preços recorrentes de um amplo espectro de ativos
financeiros." (Carneiro, 2007, p.3-4)
Para Braga (1997) a financeirização constitui o modo de ser da riqueza
contemporânea, na qual a concorrência e a valorização operam sob a lógica financeira, os
capitais buscam se valorizar simultaneamente através da renda (produção) e pela
capitalização, formando uma macroestrutura financeira, ao lado da estrutura produtiva.
Essa segunda fase da globalização financeira é marcada pela desregulamentação
financeira, da ordem de Bretton Woods. Para Belluzzo (1995), a segunda onda de
globalização financeira é pautada pela instabilidade e descentralização do sistema monetário
internacional, no qual emergem três transformações financeiras conhecidas genericamente por
globalização, desregulamentação e securitização. Globalização, porque o espaço econômico
para a circulação e realização da riqueza agora é global, de tal forma que os ativos
financeiros, operando como quase-moedas que geram juros e rentabilidade, pulam de praça
em praça na busca da máxima valorização. A desregulamentação impõe-se necessariamente
60
para que este padrão da riqueza possa operar, ocorre não somente pela imposição
conversibilidade da conta de capitais dos países, mas também as desregulamentações no
mercado financeiro e bancário, na qual ganha predominância o mercado de capitais ante ao
mercado de crédito. Por fim, o instrumento que permite a busca pela liquidez e valorização, a
securitização, que permitiu aos bancos operarem a mudança que transforma créditos bancários
em títulos de capitalização, lastreados pelo dólar, como a moeda que chancela as operações
financeiras.
A resposta americana de subir unilateralmente as taxas de juros para retomar o
controle do sistema bancário, teve como contrapartida a reciclagem da carteira dos bancos
privados, ajustando, sem grandes traumas, a carteira dos bancos, na medida em que os
créditos desvalorizados dos países em desenvolvimento foram sendo substituídos por dívida
emitida pelo Tesouro Nacional aos Estados Unidos 21. Belluzzo (1995) aponta que o papel
americano na gestão da crise do sistema de crédito nos anos 1980, criou as condições para o
surgimento de novas formas de intermediação financeira. "Esse processo de transformações
na esfera financeira pode ser entendido como a generalização e a supremacia dos mercados de
capitais em substituição à dominância anterior do sistema de crédito comandado pelos
bancos." (BELLUZZO, 1995, p. 16). O processo, portanto, de desintermediação do sistema
bancário, na qual ganha predominância a individualização, e a seleção restrita a aqueles que
estão aptos a receberem a riqueza financeira disponível no mundo, essa seleção tende a
privilegiar as empresas internacionais ou aquelas capazes de gerar receita em moeda
estrangeira.
O aspecto mais significativo é que os agentes econômicos principais: famílias,
empresas financeiras e não-financeiras, reforçam a forma de acumulação de capital da
globalização financeira, ao se pautarem por uma lógica de valorização financeira dos seus
investimentos, “[...] na qual buscam maximizar o ganho patrimonial e não o de rendimentos
associam a esta postura a busca de uma maior liquidez desses investimentos.” (Carneiro,
2007, p. 13).
Os bancos desde o fim dos anos 1960 passaram a substituir moedas e depósitos à
vista pelos ativos geradores de juros, através do processo generalizado de securitização,
21
No começo dos anos 1980, os bancos americanos estavam em crise por conta das operações de empréstimos
aos países sub-desenvolvidos, cujas taxas de juros eram lastreadas pela flutuação da taxa de juro prime
americana, com a elevação da taxa de juro pelo FED, esses países entraram em severas dificuldades para honrar
o serviço da divida externa contraída ao longo dos anos 1970. O papel do FED em reciclar a carteira dos bancos
fora fundamental para não gerar uma quebradeira generalizada dos bancos. Ao fazê-lo a crise do sistema
internacional de crédito transmutou-se em crise da dívida externa dos países subdesenvolvidos, que tem
repercussão direta no Brasil, ao qual será tratado no próximo capítulo.
61
forma interdependente os movimentos das taxas de câmbio e juros, “[...] uma vez que suas
variações estabelecem as rentabilidades dos ativos financeiros e as modificações dos valores
patrimoniais nos diferentes mercados nacionais globalizados” (BRAGA, 1999, P.195).
Na Ordem de Bretton Woods, os Estados nacionais possuíam autonomia, e eram
impulsionados a manter um estrito controle da sua conta de capitais, na ordem globalizada,
ocorre uma regressão, na qual vem à tona uma enxurrada de capitais especulativos de curto
prazo procurando a valorização fictícia dos seus ativos. Com o fim das taxas de câmbio fixas,
as flutuações passaram a ser alvos dos especuladores, restringido a capacidade de manejo da
política monetária, por conseguinte gerando enorme instabilidade das taxas de juros, inclusive
nas três zonas monetárias do capitalismo (iene, dólar e euro).
Na verdade, as flutuações das taxas de câmbio, supostamente destinadas a corrigir
desequilíbrios do balanço de pagamentos e dar maior autonomia às políticas
domésticas, foram desestabilizadoras. Isto porque a crescente mobilidade dos
capitais de curto prazo obrigou a seguidas intervenções da política monetária,
determinando oscilações entre taxas de juros das diversas moedas e criando severas
restrições a ação da política fiscal. (BELLUZZO, 1995, P. 16)
Para Carneiro (2002), a globalização financeira é resultante da interação de dois
movimentos básicos. Ao nível domestico, da progressiva liberalização financeira, expressa na
conversibilidade da conta de capitais do balanço de pagamentos; no plano internacional, na
crescente mobilidade de capitais, através das desregulamentações do sistema monetário-
financeiro internacional. Na ordem da globalização financeira, supostamente estar-se-ia
resolvendo a tríade impossível 22, pois seu sistema combina taxas de câmbio flutuantes, livre
mobilidade de capitais e a princípio, autonomia da política monetária.
Essa institucionalidade não leva em conta a existência de uma hierarquia de
moedas. Primeiro, é a moeda reserva o dólar, que ocupa o centro dessa hierarquia, e, por
conseguinte, pode desfrutar dessa institucionalidade como um todo, o que significa dizer que
tem plena autonomia para fixar suas taxas de juros, por remunerar um investimento que é
feito na moeda mais forte do sistema suas taxas de juros são as mais baixas, estabelecem o
piso da taxa de juros do sistema como um todo. No segundo nível encontramos as moedas-
conversíveis ao dólar dos países centrais, por receberem um fluxo permanente de capitais
produtivos e financeiros, têm a possibilidade manter uma certa autonomia da sua política
22
Na literatura sobre o sistema monetário internacional, o que define o sistema monetário-financeiro
internacional é combinação de três elementos, o grau de liberdade do movimento de capitais, o regime cambial e
o grau de autonomia da política doméstica. Chamam a combinação desses três elementos de tríade impossível,
pois só é possível combinar dois elementos de cada vez, ficando um terceiro automaticamente excluído. Assim
no padrão ouro-libra, o regime de câmbio era fixa, dada a paridade escolhida por cada moeda em relação ao
ouro-libra, existia livre mobilidade de capitais, todavia, as políticas monetárias domésticas funcionavam
exclusivamente para defender a paridade escolhida. No padrão de Bretton Woods, havia autonomia das políticas
domésticas, mas um controle estrito sobre a mobilidade de capitais. O padrão da globalização financeira
supostamente permite a combinação dos três elementos, resolvendo a tríade impossível.
63
doméstica, podem fixar sua taxa de juro um pouco acima da taxa de juro americana, se o
fizerem abaixo disso, podem sofrer com saídas de capitais e consequentemente da
desvalorização da sua taxa de câmbio. Todavia, esta tem um piso, “[...] a partir do qual passa
a ser interessante a volta dos capitais, para adquirir ativos produtivos ou financeiros a baixo
preço, em razão da moeda desvalorizada” (Carneiro, 2002, p. 233). Por fim, temos as moedas
não-conversíveis dos países periféricos, essas não tem autonomia quanto a sua política
doméstica, caso fixem sua taxa de juro abaixo do risco país, pode ocorrer um desvalorização
sem limites de sua taxa de câmbio, sem que os capitais retornem a essas moedas, pois pode
não haver interesses dos capitais na compra dos ativos dos países periféricos, o que pode por
em risco a própria existência dessa moeda.
À medida que se caminha para fora do núcleo do sistema, as taxas de juros vão se
elevando, dado que as moedas vão se tornando menos seguras. Pode-se interpretar o
fenômeno de outra maneira e afirmar que os proprietários dos capitais exigem um
prêmio maior para investir nas moedas menos seguras. [...]
Ou seja, a autonomia da política econômica doméstica, entendida como a capacidade
de determinar as taxas de juros, é restrita quando comparada à dos países do centro
do sistema. (CARNEIRO, 2002, P. 231-232)
A condição para os países periféricos participarem do sistema é aceitarem o risco
país, formulado pelas agências de classificação de risco. Se por um acaso fixarem sua taxa de
juro abaixo desse risco, pode haver uma fuga de capitais, com possibilidade de não
retornarem. Podemos dizer a partir do conceito de hierarquia de moedas formulada por
Carneiro (2002), que há um intima conexão entre o papel ocupado pela periferia na divisão
internacional do trabalho e suas taxas de juros elevados. Para manter a autoridade sobre sua
moeda nacional, isto é, para garantir que sua moeda seja meio de pagamento em transações
domésticas estes países são obrigados a manterem suas taxas de juros no patamar mais
elevado do sistema financeiro, o que implica tornarem-se fonte de valorização fictícia de
capitais especulativos.
A globalização, portanto, é um nome fantasia dado pela dominância da
financeirização no modo de ser da riqueza contemporânea, neste processo os Estados
nacionais ficam atados a chancelar os movimentos especulativos sobre suas moedas
nacionais, são instados a promover a estabilização monetária a qualquer custo, realizarem
ajustes fiscais permanentes, e manterem a plena conversibilidade de sua conta de capitais para
servirem de centros de valorização e circulação da massa financeira. Sob seu signo as chances
de inserção das economias periféricas são extremamente reduzidas. Tornam-se centros de
valorização da riqueza financeira global.
64
todavia, as principais economias do mundo, retomam ainda que a patamares mais baixos, o
crescimento. Para Coutinho (1990), a retomada se deu através da cooperação das principais
economias capitalistas, todavia, com a retomada do investimento privado, e não somente pelo
gasto público, “[...] está não seria insuficiente para assegurar a sustentação continuada dos
fluxos (decisões) privados de investimento produtivo – num clima de instabilidade global –
sem a articulação e difusão, simultânea, de um cluster de inovações, baseado em novas
tecnologias de impacto abrangente, sobre o conjunto das estruturas industriais das principais
economias capitalistas (p. 70)”. Ocorreu aquilo que Coutinho, inspirado em Schumpeter
chama de verdadeiro “vendaval de destruição criativa”, a introdução de uma nova base
tecnológica das indústrias de computadores e periféricos, e telecomunicações. Essa destruição
criativa é realizada justamente pelas grandes corporações dos países centrais.
Segundo Coutinnho, desde os anos 1980 vem ocorrendo sete tendências no
cenário econômico mundial: 1- o peso crescente do complexo eletrônico; 2- um novo
paradigma de produção industrial, a automação flexível; 3- revolução nos processos de
trabalho; 4- transformação das estruturas e estratégias empresariais; 5- novas bases de
competitividade; 6- a globalização como aprofundamento da internacionalização; e 7- as
“alianças tecnológicas” como nova forma de competição. A respeito destas três últimas cabem
algumas considerações: as novas formas de competitividade representam duas mudanças;
Primeiro, a dimensão sistêmica da competitividade, a inovação privada tende a fluir com
maior dinamismo nas economias com externalidades benignas, que combinam uma interação
acentuada entre a empresa privada e as instituições públicas de ciência e pesquisa aplicada.
Permitindo a redução de custos e riscos. Trata-se da constante busca de inovações disruptivas,
que levem as grandes empresas a posições monopolistas. O segundo traço é que a capacidade
competitiva se funda cada vez menos na dotação de fatores e recursos naturais, e mais como
resultado deliberado das estratégias privadas e/ou públicas de investimento com inovação.
São vantagens comparativas dinâmicas e construídas.
Quanto à globalização, a abertura dos mercados nos anos 1980, combinada com a
revolução nas telecomunicações, permitiu a qualquer agente operar, direta ou indiretamente,
nos diversos mercados mundiais. Estabelece-se uma interconexão global nos mercados,
financeiros, de títulos e valores, resultando num intenso processo de interpenetração
patrimonial entre as grandes burguesias industriais e financeiras das principais economias
capitalista. Ocorreu um processo acentuado de concentração de capitais nas mãos das grandes
corporações da tríade, num processo que Chesnais (1996) chamou de investimento externo
direto cruzado, a compra de inúmeras empresas americanas por seus competidores japoneses e
66
qual os países que buscassem seguir as indicações dos mecanismos multilaterais, como o FMI
(Fundo Monetário Internacional) veriam suas economias sendo inundadas por investimentos
estrangeiros que trariam estabilidade e crescimento. Entregou como propaganda, o
desenvolvimento do Leste Asiático como exemplo de políticas econômicas liberalizantes bem
sucedidas, atribuem a tal desempenho as reformas liberais que esses países realizaram no
último quarto do século XX23.
Stglitz (2002) aponta que a globalização traria pelo menos quatro benefícios:
novos produtos, mais baratos via importação; novas tecnologias; novos setores produtivos; e
ajuda internacional. Para o autor, muitas vezes a globalização é injustamente criticada, quem a
crítica geralmente ignora seus benefícios, que para ele são reais. Para o autor, no entanto, seus
críticos são menos desequilibrados que seus patrocinadores, que costumam ignorar seus
malefícios ao defendê-la,
[...] Para eles, a globalização (que costuma ser associada à aceitação do capitalismo
triunfante norte-americano) significa progresso; os países em desenvolvimento
devem aceitá-la se quiserem crescer e combater a miséria de maneira eficaz.
Entretanto, para muitos no mundo desenvolvido, a globalização não trouxe
benefícios econômicos prometidos.(STIGLITZ, 2003, P. 31)
Seus malefícios, não podem ser ignorados, a despeito do aumento da renda global,
a miséria aumentou, especialmente na África, e aumentou a desigualdade, mesmo nos países
desenvolvidos. Não houve estabilidade global, pelo contrário basta ver as crises América
Latina e Ásia. O medo da queda de uma moeda em algum país em desenvolvimento tem
efeito contágio para todo o sistema financeiro. Os países em desenvolvimento foram
obrigados a abrir suas barreiras comerciais sob a promessa de aumento do comércio com os
países desenvolvidos, no entanto, esses mesmos países não eliminaram suas barreiras
comerciais. Por isso, conclui o autor, que a globalização tem vários aspectos positivos, tirou
milhões de pessoas, especialmente na Ásia do campo, para a cidade em atividades mais bem
remuneradas, ainda que pareçam exploradas aos olhos dos países desenvolvidos, todavia
mantém uma série de assimetrias.
O que mais gera controvérsia é seu aspecto econômico, especialmente, as
instituições que formulam regras para a liberalização, o FMI, Banco mundial e a OMC
(Organização Mundial do Comércio). Na década de 1980 o FMI e o banco mundial fizeram
23
Segundo Carneiro (2002), a inserção Asiática na globalização é diferenciada pelo mercado triangular que se
formou naquele continente. O Japão exporta partes, peças e componentes dos países do continente, acarretando
déficit com esses países, ao mesmo tempo mantém um superávit comercial com os países da OCDE. Dessa
maneira, o leste asiático operou uma inserção complementar com as economias desenvolvidas, ao passo que na
América Latina, sua conexão com o país desenvolvido mais próximo, os EUA, ocorreu de maneira não
complementar, com déficits na conta de capitais e em transações correntes, definindo, portanto, uma inserção
financeirizada, ao passo que no leste asiático a inserção foi produtiva.
69
3.3 O neoliberalismo.
Essas ideias da globalização, atreladas a mudanças do capitalismo globalizado
vieram acompanhadas de uma nova ideologia triunfante, ou melhor, de uma nova razão do
mundo: o neoliberalismo. Essa conjuntura histórica de modernização-conservadora (FIORI &
TAVARES, 1993), ocorre numa quadra de crescimento das ideias neoliberais, alguns autores
tratam como uma mera retomada de ideias que pareciam mortas desde a crise de 1929, outros
como uma revolução no pensamento conservador. Todavia, seria simplista se tomássemos o
neoliberalismo como uma ideologia nova, na batalha das ideias, sim é isso, mas é muito mais.
Sua concepção mais geral aponta uma ideologia liberalizante, que crítica todo tipo
de intervenção estatal na economia, ao qual caberia ao Estado, intervir apenas, no campo da
segurança, tudo o mais deveria ser ofertado pelo mercado, uma concepção, portanto, de
Estado mínimo. O mercado entendido como um alocador ótimo de recursos, ao passo, que a
intervenção estatal é sempre vista como distorcida.
Essa “ideologia” ascende em um momento de crise na Europa do Welfare-State Keynesiano
(WSK), segundo Claus Offe (1984), um tipo de arranjo político e econômico que permitiu a
convivência pacífica e duradoura entre capitalismo e democracia. Esse arranjo institucional,
sobretudo, na Europa, fora a um arranjo econômico promovido pelo Estado na qual o as
instituições passam a garantir maior estabilidade econômica e social aos cidadãos. Fora um
pacto do pós Segunda Guerra que garantiu direitos aos trabalhadores em troca de sua
produtividade. Neste modo de regulação estatal, garante-se seguridade trabalhista, em quase
pleno emprego, junto de direitos sociais como saúde, educação, segurança, etc. Temos por um
lado à aceitação da lógica do lucro pelos trabalhadores, em troca da garantia de padrões
70
segundo, uma forma propositiva, que busca construir outras relações sociais, outra maneira de
viver, uma reformulação da subjetividade, outra forma da nossa existência.
Essa norma de impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição
generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar a em luta econômica
uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o modelo de mercado,
obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas, muda até o individuo, que
é instado a conceber a si próprio a comportar-se como uma empresa. Há quase um
terço do século, essa norma de vida rege as políticas públicas, comanda as relações
econômicas mundiais, transforma a sociedade, remodela a subjetividade. As
circunstâncias desse sucesso normativo foram descritas inúmeras vezes. Ora seu
aspecto político (a conquista do poder pelas forças neoliberais), ora seu aspecto
econômico (o rápido crescimento do capitalismo financeiro globalizado), ora seu
aspecto social (a individualização das relações sociais às expensas das
solidariedades coletivas, a polarização extrema entre ricos e pobres), ora sob seu
aspecto subjetivo (o surgimento de um novo sujeito, o desenvolvimento patologias
psíquicas). Tudo isso são dimensões complementares da nova razão do mundo.
(Dardot & Laval, 2016, p. 16)
O neoliberalismo é uma racionalidade calcada na generalização da concorrência
como norma de conduta, com o modelo de empresa como forma de subjetivação, nesse
sentido, trata-se de uma nova governamentabilidade, conceito foucaltiano que indica as
práticas de governo para reger a conduta dos homens, através da inculcação das disciplinas,
das práticas de controle e vigilância dos indivíduos, o governo de si. A originalidade do
neoliberalismo está no fato de criar um conjunto de regras que definem não apenas o outro, o
regime de acumulação, mas também, mais amplamente outra sociedade.
Anderson (1996) demarca a origem do neoliberalismo com a Sociedade Mont
Pèlerin, na Suíça, no imediato pós-guerra, na qual participavam inimigos férreos do Estado de
bem-estar europeu, como Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von
Misses, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, e o mais
eminente, Friedrich Hayek, autor do livro que fez sucesso à época o Caminho da Servidão,
publicado em 1943, nas vésperas da eleição inglesa, na qual levava uma mensagem drástica:
“[...] Apesar de suas boas intenções, a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo
desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna”. (HAYEK Apud Anderson, 1995, p.
9). Segundo Harvey (2008), o neoliberalismo escolhe como valores centrais da civilização
ocidental, a dignidade humana e liberdade individual, estas estariam ameaçadas por todo
canto, não apenas pelo totalitarismo nazi-fascista, ou pelo stalinismo, mas também pela bem
intencionada social-democracia.
Para Dardot & Laval (2016) a Sociedade Mont Pèlerin é um desdobramento do
Colóquio Walter Lipman, realizado em Paris, em 26 de agosto de 1938, esse colóquio se
encerrou com um projeto de renovação do liberalismo, nasceu cosmopolita pretendendo ter
ampla difusão global. O retorno ao liberalismo foi feito a partir de um front unido contra o
72
que uma nova ideologia, o neoliberalismo deve ser visto como uma restauração do poder de
classe dos capitalistas.
Podemos dizer a partir das reflexões de Boito (1999) que essa disfuncionalidade
entre o Estado neoliberal na prática e o da teoria, remonta sua própria contradição interna.
Segundo Boito (1999), ideologicamente o discurso neoliberal teórico resgata a defesa da
concorrência transplantada da época do capitalismo concorrencial, e uma ideologia prática,
que corresponde na verdade a defesa do capitalismo de monopólios, da especulação financeira
e do imperialismo. Assim, defende-se a lógica da concorrência para todas as dimensões da
vida social, inclusive entre indivíduos, mas na prática, defende o capitalismo no auge dos
monopólios. Assim, segundo Boito o neoliberalismo consiste num conjunto de ideias fora do
lugar.
Atendo-se à superfície do discurso neoliberal, a primeira impressão que se pode ter é
a de que os neoliberais seriam sempre favoráveis à substituição da produção, da
regulamentação e da intervenção estatal na economia pela livre ação dos agentes
econômicos do mercado. Poder-se-ia legitimamente esperar, também, que eles
fossem contra os monopólios em geral, e não apenas contra os monopólios públicos.
Mas não é isso que ocorre na prática. Os princípios da ideologia neoliberal não
correspondem, de maneira coerente, às propostas e à prática política que eles
inspiram. A defesa do mercado circunscreve-se apenas e tão somente àquilo que
convém aos grandes monopólios e ao imperialismo, na era do capitalismo
monopolista e da especulação financeira. (BOITO, 1999, P.26)
Na prática, portanto, o neoliberalismo se torna a ideologia dominante que legitima
a globalização produtiva e financeira, que como vimos, em seu processo real leva a
concentração e centralização do capital na mão das grandes corporações. Na teoria, os
monopólios privados deveriam ser criticados pelos neoliberais, mas sua crítica se estende tão
somente aos monopólios estatais.
É um equívoco tratar o Estado neoliberal como Estado mínimo, a intervenção
estatal não deixa ocorrer, para Boito (1999) há uma redução e uma reformulação da
intervenção estatal. Na redução podemos dizer que o Estado passa a ser mínimo com os mais
pobres, ao cercear direitos sociais e desregulamentar o mercado de trabalho, desindexação dos
salários, criminalização das greves, entre outras políticas restritivas; ao mesmo tempo, se
torna máximo em sua intervenção em favor dos monopólios privados, consequência direta das
desregulamentando o sistema bancário, liberalização do comércio, do mercado de capitais e
das privatizações, outro tipo de intervenção. Por isso, como define Boito (1999)
[...] A ideologia neoliberal, numa definição ampla, deve ser considerada, então, uma
apologia abstrata do mercado que se aplica, de um modo geral, sempre e quanto tal
aplicação interessar ao capital financeiro, ficando prejudicada toda aplicação que for
incompatível com tais interesses. (BOITO, 1999, P.29-30)
74
Outros autores marxistas, como Gérard Duménil & Domenique Lévy (2004),
apontam para essa mesma contradição, de um lado o Estado passa intervir menos, de outro
amplia sua intervenção.
[...] Em cada país, a liberdade de iniciativa, de comprar e vender, de empregar e
demitir trabalhadores, de comprar filiais e fazer fusões e etc. foi aumentada, ao
passo que os direitos dos trabalhadores, restringidos. No plano internacional, as
fronteiras comerciais foram reduzidas, quando não suprimidas, e os capitais
adquiriram o direito de circular livremente. [...] Entretanto, em muitos domínios, o
poder estatal foi reforçado. É o caso, principalmente, das políticas monetárias que de
agora em diante, quase exclusivamente visam à estabilidade dos preços, a despeito
do desemprego que geram. Em todo lugar, os Estados foram vetores do
neoliberalismo, tanto no plano nacional, quanto no internacional. As alavancas que
os promotores da ordem neoliberal têm à mão são, principalmente, ao nível das
empresas, as taxas de juros elevadas e um “governo de empresa” (leia-se uma
“gestão”) direcionada aos interesses dos acionistas – elemento chave da nova
disciplina imposta aos trabalhadores e aos gerentes. No nível estatal, novas políticas
macroeconômicas (baixa inflação) ou sociais (diminuição dos custos do trabalho),
visando atender aos mesmos interesses. (DUMÉNIL, G & LÉVY, D., 2004, P.13)
O neoliberalismo chegou a América-Latina no contexto da crise da dívida
externa, na virada dos anos 1980 para os anos 1990. O FMI negociou com esses países através
do Plano Brady, o reescalonamento e perdão de parte de sua divida externa condicionada a
“ajustes estruturais” em suas economias, tais quais: privatização, corte nos gastos sociais, leis
de mercado mais flexíveis abertura comercial e financeira. Por outro lado, a promessa é que
com a abertura seriam beneficiados pelo aumento do comércio internacional e pela reentrada
de poupança externa para auxilia-los em suas retomadas de crescimento. Para Saes (2007), a
imposição do neoliberalismo, e sua adesão aos países da América-Latina configura uma
novíssima dependência.
[...] Mas, em que consiste a novíssima dependência? O capital financeiro e o capital
monopolista industrial do Primeiro Mundo, bem como os governos ― como os
Estados Unidos ― e as entidades que os representam ― como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco
Mundial ―, querem, não mais realizar novos investimentos no aparelho reprodutivo
para fazer avançar a industrialização associada nos países periféricos, e sim obter
ganhos fáceis, apoderando-se de todos os setores econômicos já existentes que
possam propiciar ganhos reais e imediatos. Mais especificamente: o capital
estrangeiro e seus representantes pressionam os Estados latino-americanos para que
implementem uma política liberal. [...] (SAES, 2007, p.159).
Na novíssima dependência, diferentemente da anterior, do processo de
substituição de importações, a América-Latina não leva qualquer vantagem, enquanto no tipo
de associação anterior, os países periféricos recebiam investimentos estrangeiros em alguns
setores, o que promovia a industrialização dependente, na nova fase da dependência, os
efeitos anteriores foram dinamitados, sobrou apenas a exploração financeira da região. Seja
por meio de fusões e Aquisições, seja por meio do investimento de portfólio. Para Saes
(2007), instaura a pilhagem e o empobrecimento da América-Latina, um processo de
periferização de “segundo grau”, “[...] que consiste num afastamento dessas economias com
75
direto global que desfrutou no passado; (iii) não se deve esquecer que boa parte
desses novos investimentos será feita através de "novas formas" de associação
financeira e tecnológica em detrimento da forma habitual e canônica de investimento
direto (greenfield) podendo, outrossim, os números de investimentos diretos
subestimarem bastante a internacionalização experimentada pela economia
brasileira; e (iv) será inevitável, também, que uma outra parte dos novos
investimentos seja feita através de aquisição de ativos existentes - strategic asset
seeking FDI (foreign direct investment), no dizer de Dunning o que deverá trazer
questões relativas às políticas de competição e poderá reavivar velhas preocupações
com a desnacionalização do parque produtivo nacional. (FRANCO, 2000, P. 78)
O problema não é só a potencial desnacionalização do parque produtivo nacional,
e sim a forma como o “investimento” estrangeiro pode aumentar a vulnerabilidade externa da
economia brasileira, tais como fuga de capitais, ataques especulativos a moeda nacional, além
dos problemas na indústria como Fusões e Aquisições, que não representam adição de
capacidade produtiva, somente desnacionalização e desindustrialização.
Respondendo a estes possíveis problemas aponta como solução mais abertura,
grande culpada pela economia brasileira não ter conseguido responder aos choques externos
dos anos 1980. O faz a partir da comparação do Brasil com a Coréia do Sul, ambas tinham o
mesmo nível de endividamento, as mesmas desvalorizações cambiais, no entanto o grau de
abertura da economia asiática era muito maior que a brasileira. Logo, cria-se o paradoxo da
vulnerabilidade externa, “[...] quanto mais fechada a economia mais difícil é fazer
"ajustamento externo" e mais propensa à instabilidade macroeconômica a economia deverá
ser. Assim sendo, a industrialização que busca a auto-suficiência aumenta a vulnerabilidade
externa e não diminue” (Idem, p.80). Logo, o novo modelo de desenvolvimento deverá
aumentar substancialmente o grau de abertura da economia para reduzir as possibilidades de
novos choques externos.
Os liberais embebidos de sua história contra factual, comparando-nos com uma
suposta estratégia liberal bem sucedida dos asiáticos, agora formulam um novo Consenso da
estratégia a ser perseguida pelas economias periféricas. Em 1989, foi promovido um amplo
seminário pelo Instituto de Economia Internacional de Washington, que sistematizou críticas
ao modelo desenvolvimentista latino-americano, e elaborou propostas “consensuais” para
superar o modelo intervencionista. O remédio: reformas liberais. Williamson (1990),
economista que cunhou o termo consenso de Washington, definiu o consenso em dez pontos,
dos quais os seis principais serão arrolados a seguir:
(i) reforma fiscal que ampliasse a base de incidência dos tributos, de modo que o
Estado não deveria mais se financiar por meio do imposto inflacionário. Essa reforma teria
como objetivo manter uma forte disciplina fiscal buscando a redução dos déficits
orçamentários para gerar superávits primários robustos e estruturais; (ii), prioridade dos
79
gastos públicos, propondo redirecionamento dos gastos para áreas políticas sensíveis
(subsídios, defesa, máquina administrativa) para melhorar a distribuição de renda como saúde,
educação e infraestrutura. (iii) a política cambial deveria sofrer uma dolarização direta ou
indireta, com a valorização da moeda nacional, com uma política monetária passiva. (iv)
liberalização comercial e financeira, com a desproteção dos mercados nacionais, que traria
investimentos estrangeiros para que os países periféricos pudessem se inserir
competitivamente na globalização; (v) privatizações e desregulamentação da atividade
econômica para aumentar a competição no cenário nacional e abater a divida de curto prazo
dos governos endividados; (vi) defesa da propriedade intelectual e a necessidade de um
elevado nível de proteção a propriedade da indústria, através da concessão de monopólios
para as empresas patenteadas. Com esse receituário o Brasil voltaria a receber capitais
estrangeiros, bastando segui-lo. “[...] Dessa forma, ingressar-se-ia no melhor dos mundos, isto
é, um ambiente de inflação baixa, crescimento e uma adequada inserção (competitiva) na
economia mundial globalizada.” (FILGUEIRAS, 2010, P.97).
O consenso de Washington, assim como Franco, “[...] operam em contexto livre
de restrições econômicas internacionais ou locais que implicassem na insustentabilidade
histórica do projeto de abertura.” (Bastos, 2003, p. 250). Não há fatores assimétricos que
conformam estruturalmente a instabilidade das economias periféricas no pensamento liberal.
O consenso de Washington se apresenta como um conjunto de boas práticas sem levar em
conta a especificidade das economias periféricas, sua dependência tecnológica e financeira, de
tal forma, que no caso Latino americano a abertura pode provocar instabilidades financeiras e
comerciais, que não são compensadas pelo investimento estrangeiro que supostamente seria
atraído pela agenda reformista, pelo contrário, o processo “natural” é aprofundar a
instabilidade dessas economias.
Franco defendeu o consenso.
[...] o que parece cada vez mais evidente é que existem sim práticas e instituições no
terreno da economia sobre as quais é muito difícil discrepar. [...] há muitos
princípios econômicos quase que universalmente aceitos, como há padrões em
contabilidade: "comumente" ou "geralmente" aceitos, por que fazem sentido, mas
não impostos por ninguém. (FRANCO, 2000, s.p.).
No entanto, entre os economistas do governo, havia discrepância, inclusive do
próprio ministro da Fazenda, Pedro Malan (1991), que antes de assumir o posto criticou o
Consenso, seu ponto é que o consenso é generalista, sem levar em conta as especificidades de
cada país em desenvolvimento, segundo, por acreditar que depois das referidas reformas o
80
24
Nas palavras de Gramsci, crise hegemônica ou crise orgânica: “[...] é a crise de hegemonia da classe dirigente,
que ocorreu ou porque a classe dirigente fracassou em algum grande empreendimento político para o qual pediu
ou impôs pela força o consenso das grandes massas (como a guerra, ou porque amplas massas (sobretudo de
camponeses e pequenos burgueses intelectuais) subitamente da passividade política para uma certa atividade e
apresentam reivindicações que, em seu conjunto desorganizado, constituem uma revolução. Fala-se de ‘crise de
autoridade’: e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou a crise do Estado em seu conjunto.” (GRAMSCI,
2007, P. 60)
82
4.1 O fim da tríplice aliança: setores públicos e privados na crise dos anos 1980.
O ano de 1979 se apresenta ao Brasil como o ano do segundo choque dos preços
do petróleo, consequência da subida unilateral das taxas de juros pelo FED, o que provocou
de imediato a retração dos capitais destinados à periferia, além disso, as taxas de juros desses
empréstimos eram atreladas às flutuações das taxas de juros americanas, logo esse aumento
provou uma explosão da dívida externa. Por conseguinte, o Brasil passa ao longo dos anos de
demandante de financiamento para exportador liquido de capitais, ao longo dos anos os
mercados financeiros voluntários vão se fechando completamente para a periferia. Essa crise
externa ocorre no momento em que o país passava por significativas mudanças, o eufórico
discurso do II PND (Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico), dava lugar à
incerteza diante da duplicação da taxa de inflação, de 40% de 1974 para 80% no ano 1979,
pelo lado político, a abertura lenta, gradual e segura seguia sua marcha prometendo devolver a
83
25
Como definia o próprio Delfim Netto “exportar é o que importa”. Discurso do Presidente Fernando Henrique
Cardoso em 23.8.2001, na posse de Sérgio Amaral como Ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do
Comércio Exterior.
84
tanto no período ortodoxo quanto no período heterodoxo, era modificar o núcleo dinâmico da
economia brasileira, do mercado interno ao mercado externo, impulsionar as empresas
brasileiras a tentarem conquistar o mercado externo, a maxidesvalorização cambial era o
núcleo da política de ajustamento.
Segundo Almeida & Belluzzo (2002), os responsáveis pela política econômica no
início dos anos 1980, acreditavam que a preservação da estrutura patrimonial do setor privado
e a reestruturação do balanço de pagamentos seriam suficientes para o Brasil sair da crise e
voltar a crescer. Para isso, era necessário combinar restrições ao consumo interno com a
maxidesvalorização cambial, ao qual modificaria a relação entre os mercados internos e
externos, e o setor privado seria induzido a buscar o setor externo, num drive exportador. No
entanto, o ajuste monetário gerou um efeito reverso ao esperado, contribuiu para desorganizar
as avaliações dos possuidores de riqueza, realimentando as expectativas de inflação. Diante
das incertezas advindas dos expurgos nos índices de correção monetária, e os limites
quantitativos das operações bancárias, os agentes econômicos empresas e bancos passaram a
tomar medidas defensivas, procedendo a um profundo ajuste patrimonial. Dessa forma,
setores público e privado tomaram rumos distintos, o setor privado sai da crise líquido,
preservando sua carteira de ativos; já o setor público assume a divida do setor privado e passa
remunerar suas operações, deteriorando sua situação fiscal.
Essa troca de posições decorre do aperfeiçoamento dos mecanismos de correção
monetária, esta surgida com as reformas bancárias-financeiras de 1966-1968, do regime civil-
militar que tinham por objetivo central de criar mecanismos de financiamento de longo prazo
para a acumulação de capital (TAVARES, 1978)26. Em um país que recorrentemente tinha
processos inflacionários, foi criado o mecanismo da correção monetária, para dar segurança
aos emprestadores de que teriam taxas de juros positivas, lhes assegurando a rentabilidade de
seus empréstimos. O mecanismo foi usado com a criação das ORTN (obrigações reajustáveis
do tesouro nacional) e nas LTN (letras do tesouro nacional), que rendiam um percentual mais
a correção monetária.
Sem a intenção o governo acabou por criar duas moedas: uma moeda de curso
forçado, o papel-moeda; e a moeda-indexada emitida a partir dos bancos e demais instituições
financeiras, tendo como lastro os papéis emitidos pelo tesouro. Diante da aceleração
inflacionária, o representante da liquidez deixou de ser a moeda corrente e passou a ser a
moeda-financeira. O governo tentava controlar a inflação, lançando novos títulos para retirar
26
Ressalta Tavares que esse objetivo não foi alcançado, tendo em vista que as instituições financeiras
continuaram a não financiar operações de longo prazo, que foi remetido ao Estado através dos bancos públicos.
85
moeda de circulação, acabava por colocar mais lenha na fogueira, aumentando sua crise fiscal
sem, contudo, combater a escalada inflacionária.
O aperfeiçoamento do mecanismo de correção através da moeda indexada se
apoia no mecanismo de indexação – o principal deles: a correção monetária. As empresas e
famílias passam a reter depósitos remunerados como se fossem depósitos à vista, mas que
rendem o equivalente à correção monetária. Os bancos reduzem seus ativos menos líquidos,
como empréstimos, substituindo-os pelos títulos públicos. Para não ocorrer a dolarização o
Banco Central é obrigado a se adaptar, aperfeiçoando a correção, emitindo títulos a prazos
cada vez mais curtos indexados a correção monetária. Na prática o BC perdeu completamente
a capacidade de realizar à política monetária, entendido como a capacidade de alterar as taxa
de juros ao nível das reservas do sistema bancário (Carneiro, 2002). O sistema bancário
carrega os títulos públicos como lastro de suas operações, recebendo “dinheiro podre” e
limpando com moeda-indexada, significa que alterar ou mexer com a liquidez poderia quebrar
todo o sistema bancário. O BC central era obrigado a realizar a zeragem automática, que
consistia na recompra de títulos públicos não colocados no mercado pelos bancos. Ao Fazê-lo
transformava a crise monetária em crise fiscal, pois os títulos precisam recompor a inflação
passada e manter sua rentabilidade com taxas de juros positivas. Caso o BC tentasse alterar a
liquidez desses títulos, os agentes poderiam trocar os ativos financeiros por ativos reais. O
governo, portanto, trocou sua divida externa, por divida interna. Os detentores da riqueza
passaram de devedores a credores, no processo conhecido pela estatização da dívida externa.
Que segundo Cruz operava da seguinte maneira:
O governo central, através dos DRME junto ao Banco Central, assumiu parcela
expressiva do passivo associado ao crédito externo. Os capitais privados, ao
anteciparem a liquidação de suas dívidas, fugiram dos choques do câmbio e dos
juros transferindo os seus efeitos para o passivo não monetário das autoridades
monetárias. Mais ainda, dados os termos da renegociação com o cartel dos bancos
credores, coube ao Banco Central bancar diretamente o custo do giro de um estoque
crescente de débitos externos. Verifica-se, portanto, que a estatização da dívida
externa constituiu um poderoso instrumento de socialização do ônus da crise, de
comprometimento dos fundos públicos a favor da preservação do capital bancário
internacional e de frações privilegiadas do capital privado em operação no país.
(Cruz, 1995; P. 132)
As empresas estatais também foram parte do esquema de endividamento do setor
público, e desindividamento do setor privado. Segundo Almeida & Belluzzo (2002) antes da
crise tinham uma saúde financeira saudável, com um padrão de endividamento e taxas de
lucros próximos do setor privado, todavia, ao longo dos anos 1980 foram usadas como parte
do esquema financeiro, lhes foi impossibilitada atualizar as tarifas condizentes com a taxa de
inflação, foram usadas como instrumento de contenção da inflação crescente. Assumiram as
dívidas do setor privado, sobretudo dos bancos. Por fim, transformam-se em captadores dos
86
27
Há uma intensa controversa sobre a capacidade de crescimento da economia brasileira nos contexto da crise da
dívida externa. Para Castro & Souza (1988), a economia poderia crescer, contanto que a demanda doméstica não
excedesse a capacidade de produção externa.
87
ampliando seu estoque de riqueza as expensas do Estado. Pelo lado externo, as duas alavancas
que proporcionavam os ciclos de acumulação interno, o financiamento no mercado bancário e
as empresas transnacionais passaram por mudanças em sua dinâmica e forma de inserção na
periferia do capitalismo. Ao longo dos anos 1980, a segunda pata mais importante do tripé
mingua seus investimentos na periferia, só retornariam de outra maneira nos anos 1990, até lá,
a economia brasileira oscilava, e flertava a todo o momento com a hiperinflação. Durante todo
este período assistiu-se há anos crise de orgânica sem que o país pudesse redefinir os rumos
do desenvolvimento capitalista, as bases que propiciaram o desenvolvimento anterior estavam
erodidas, a disputa era de qual rumo seguir depois de tomar consciência disso.
4.2 As frações burguesas e suas posições políticas nos anos 1980 28.
Para compreender de fato as mudanças no bloco no poder, que culmina em uma
ampla frente neoliberal, é necessário retornar ao terreno das práticas políticas das frações de
classes dominantes, verificar como seus discursos de classe foram se modificando ao longo do
período de crise orgânica.
Podemos demarcar como grande ponto de virada das posições políticas da
burguesia brasileira a crise de implementação do II PND, e a campanha contra a estatização
surgida em 1974. Nesse cenário podemos notar algumas nuances que se farão presentes no
idos dos anos 1990, sobretudo a crítica ao excesso de intervencionismo estatal e a defesa da
livre iniciativa. Ainda que essas críticas escondam que o verdadeiro interesse dos setores
financeiros e comerciais era a estatização da poupança 29 e não da economia, naquele
momento de auge do desenvolvimentismo, setores importantes da burguesia como a fração
bancária-financeira e a comercial já tinham “virado a casaca” para o lado liberal. Por outro
lado, como mostra a recente tese de doutorado de Moraes (2018) a fração industrial e os
setores da indústria de base coadunadas em torno da Fiesp 30, Abdib e Abiamaq ainda eram
fiéis ao modelo desenvolvimentista, todavia, não eram avessos a entrada do capital
28
Nesta parte, a reconstrução focará nas frações bancárias e nos industriais, todavia, em boa parte dela,
utilizamos de material secundário, pesquisas sobre essas frações. O leitor notará que a fração bancária é muito
menos analisada que a industrial, a isso se deve o fato de termos encontrado poucos trabalhos sobre esses
empresários, além do mais, nosso objeto é a fração industrial, no qual temos mais material acumulado, seja por
fonte primária em documentos e revistas das entidades, seja pelo fato da fração ter sido mais estudada ao longo
dos anos, o que propicia um acumulo de bibliografia maior em relação à fração bancária.
29
Refiro-me a crítica feita por Lessa (1978) de que o mote central da campanha era a estatização da poupança
pública, no qual o BNDE, passa a controlar os fundos parafiscais PIS e Pasep para fortalecer o padrão de
financiamento arquitetado e que, portanto, tal campanha não seria contra a intervenção do Estado na economia e
sim da não privatização da poupança pública pelos bancos privados.
30
Respectivamente, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Associação Brasileira para o
desenvolvimento das Indústrias de Base e Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos.
89
estrangeiro, demandavam uma intermediação estatal que tornasse a convivência entre ambos
harmônica, definindo espaços de acumulação.
No início da Nova República o bloco no poder encontra-se cindido, de um lado
encontramos os setores bancários-financeiros, defendendo o abandono das políticas
desenvolvimentistas; de outro, setores industriais, incluindo, a FIESP que defendiam um novo
pacto desenvolvimentista. Os primeiros, apesar do seu poder político tinham uma frágil
articulação de classe, precisavam engordar suas entidades para veicular mais amplamente seu
discurso político; já os segundos tinham maior aceitação pela sociedade, todavia, vinham
sofrendo com falências de pequenas e médias empresas desde os fins dos anos 1970.
No aspecto mais geral todos os setores empresariais modificaram suas atuações
políticas desde o final da ditadura militar, Segundo Diniz (1991), observou -se o
fortalecimento de sua capacidade de organização e a diversificação de poder, e a expansão dos
seus instrumentos de influência política.
[...] O setor modernizou-se, aperfeiçoou seus mecanismos de representação e
renovou seus quadros dirigentes, desalojando lideranças tradicionais e substituindo
líderes dos segmentos mais dinâmicos, identificados com uma proposta de
revitalização do capitalismo brasileiro. A instauração da Nova república, em 1985,
veio a reforçar a visibilidade política desses atores, que assumiram um papel
crescentemente ativo juntos às elites governamentais. (DINIZ, 1991, P. 351)
Para Diniz (1991), o empresariado logrou não apenas estreitar seus laços com a
nova tecnocracia estatal passou a ocupar o Estado em setores estratégicos para a formulação
da política econômica 31. Essa participação nos negócios do Estado se observa tanto com
administradores líderes de segmentos empresariais, quanto pela via eleitoral, com grande
número de empresários concorrendo em cargos no legislativo e executivo. Diniz, no entanto,
ressalta que não houve rompimento com o padrão corporativista anterior. O que houve foi à
articulação entre ambas, um padrão de atuação complementar. De um lado, renovam-se as
antigas bases de representação corporativa 32, com as federações patronais como a FIESP,
reforçando sua representatividade junto às bases empresariais, aumentando seu poder de
mobilização; e de outro, “[...] a proliferação de associações paralelas, que se tornavam uma
arena decisiva para a representação dos interesses empresariais. [...]” (Idem, p.352).
31
Nesse mesmo sentido, Segundo Sallum (1999). “[...] Com o fim do regime militar-autoritário, pareceu que o
corporativismo, os ‘anéis burocráticos e os ‘cartórios’ deixaram de ser suficientes como garantias do controle
exercido pelo empresariado sobre o Estado. Não apenas o empresariado renova e multiplica suas organizações e
expande sua atuação na esfera pública mas também a sua perspectiva passa a predominar largamente nos meios
de comunicação de massa, difundindo-se, com isso, na massa empresarial e nas classes médias.” (SALLUM,
1999, P. 26)
32
Diniz chama de representações corporativistas, as associações patronais formalmente vinculadas ao Estado,
como sindicatos, federações e confederações.
90
déficit público, a origem "(...) todos os nossos grandes problemas atuais: inflação (...),
endividamento interno e o desequilíbrio do balanço de pagamentos" (BORNHAUSEN Apud
Minella, 1994, p. 524). Desloca-se o foco da crítica e os empresários passaram a se unir, ainda
que precariamente, em torno de uma única bandeira. Tanto que a revista Indústria e
Desenvolvimento, da CNI passa a colocar no centro da agenda o déficit público, e as críticas
ao Estado Empresário, defendendo um retorno às origens – a livre iniciativa.
Dessa maneira, a atuação dos banqueiros pode ser sintetizada, segundo os
resultados da pesquisa de Minella (1994), em quatro pontos. Primeiro, a defesa de uma
explicação unicausal para a complexa crise econômica a qual o Brasil vinha passando, no qual
o grande culpado seria o excesso de gastos do setor público, que tinha como consequência a
escalada inflacionária, e os bancos para responder aumentavam os juros, defendiam que seus
altos rendimentos decorriam de uma política econômica equivocada, que não era formulada
pelo setor. Segundo, uma tentativa de melhorar sua imagem perante a opinião pública, no qual
segundo alguns empresários como Léo Wallace Cochrane Júnior, presidente da FENABAN
(Federação Nacional dos Bancos), a imagem do setor estava péssima ao final do Governo
Sarney, mesmo após intensas campanhas para melhorá-la. Terceiro, a reorganização das
entidades de classe do setor, federações mais tradicionais como a FEBRABAN passaram a ter
como lideranças banqueiros reconhecidos por seus pares, além da proliferação de novas
associações patronais, e a criação de think tanks, para a difusão ideológica do liberalismo. Por
fim, a adoção de um discurso de reconciliação com outros setores empresariais, ao longo dos
anos 1980, esse discurso girou um torno da defesa da livre-iniciativa, propondo uma
economia liberal para superar a crise, e a adesão a demandas que não necessariamente
surgiram do setor, como a defesa de uma reforma tributária. Neste último aspecto, cabe
destacar que entre a literatura especializada é um relativo consenso que ao final do fracassado
do plano cruzado, em 1986, o empresariado se uniu em torno da defesa do antiestatismo
(Diniz, 1991), não necessariamente pela atuação dos bancos, esse setor se não foi o pioneiro,
foi aquele que defendia há mais tempo o projeto neoliberal como saída para a crise.
Ao olharmos para os industriais encontramos um setor industrial mais coeso em
relação às suas declarações perante a sociedade, mas rachado internamente. Segundo Moraes
(2018), uma parte, o setor da burguesia interna, nos setores de bens de capital, pequenas e
médias empresas, coadunados em torno da Abidib e da Abimaq, sofreram de forma mais
aguda os efeitos da crise externa; já os setores nomeados por Moraes (2018) como “complexo
93
33
Segundo Moraes (2018) “Se formou dentro das classes dominantes da economia local um conjunto de
interesses que circulava entre a fração interna e a fração associada, ao qual podemos chamar de “complexo
multinacional” (CAMPOS, 2009). Este complexo nem está totalmente desconexo do mercado nacional, uma vez
que necessita das condições locais – baixos custos de mão de obra, recursos naturais, reserva de mercado, entre
outros – para se reproduzir, mas também não mantém conexões com as estratégias nacionais já que seus
parâmetros de desempenho são medidos em moeda conversível, em face das cadeias de valor globais. Suas
relações com o ambiente interno e com o Estado Nacional são fluidas e inconstantes, o que torna difícil delimitá-
lo como fração associada ou como fração interna . [...]” (Idem, p.56)
34
Manifesto intitulado “Só democracia absorve tensões sociais”, publicado pelo Jornal Folha de São Paulo e pela
Gazeta Mercantil, em junho de 1978, pedindo a abertura do regime, criticando a política econômica oficial e
defendendo a empresa privada nacional. O documento foi assinado por oito dos mais importantes empresários do
país, Antônio Ermírio de Morais (Grupo Votorantim), Cláudio Bardella (Bardella Indústrias Mecânicas S/A),
Paulo Vellinho (Grupo Sprinder-Admiral), Jorge Gerdau (Grupo Gerdau), Paulo Villares (Indústrias Villares
S/A), José Mindlin (Metal Leve), Laerte Setúbal Filho (Grupo Itausa) e Severo Gomes (cobertores Parayba e ex-
Ministro da Indústria e Comércio do Governo Geisel), em sua maioria ligados à ABDIB. (MORAES, 2018, P.
157)
94
35
Na verdade não era o mesmo tipo de desenvolvimentismo, segundo Bianchi (2010) um modelo
neodesenvolvimentista que combinava algum grau de abertura econômica, mas “[...] reservava ao Estado um
importante papel, seja nas funções de planejamento, seja nos investimentos estratégicos.” (Idem, p. 172)
95
defendia que era consenso entre os empresários de que o Brasil precisava se modernizar “[...]
abrindo-se mais para o exterior, alterando o papel do Estado na economia e promovendo
reformas que aumentem seu grau de eficiência”. Aponta que no passado a entidade defendia o
modelo por substituições de importações como modelo de desenvolvimento, mas que este
havia se esgotado e era hora do Brasil aderir a um novo ideário, “[...] sintonizado com a nova
ordem econômica do mundo e do Brasil moderno.” (AMATO, 1990, P.12-13)
O documento coordenado por Maria Helena Zockun está dividido em quatro
partes: a primeira, diagnóstico da economia brasileira, defendia que o modelo de substituição
de importações havia se esgotado, e que a tentativa de mantê-lo artificialmente desde os anos
1970 seria a causa da inflação que adoecia a economia brasileira. Predominava no modelo o
gigantismo estatal e a ineficiência do Estado e a elevado grau de autarquização da economia.
Mostravam estudos comparativos entre países emergentes como a Coréia do Sul, segundo a
qual, as diferentes performances decorriam da maior abertura do país asiático em comparação
ao Brasil. Criam ainda uma narrativa de que os governos mais bem sucedidos como Médici,
Castello Branco e Costa Silva decorriam de seu elevado grau de abertura externa, ao qual teria
sido revertido pelo Governo Geisel, este último apontado como culpado pela origem da
escalada inflacionária e os desequilíbrio fiscal do setor público.
Na segunda parte uma nova estratégia de desenvolvimento, indica os caminhos
para a economia brasileira superar os obstáculos apresentados na primeira parte. Propõe uma
reforma do Estado, através de “significativas reformas institucionais”. Essas reformas
precisavam moldar um Estado condizente com as funções modernas, na qual deve estimular o
crescimento e satisfazer à provisão de serviços públicos com adequada distribuição de renda.
Para estimular o crescimento, propõe que a primeira ordem é a adequação orçamentária,
defende um profundo ajuste fiscal, patrimonial e administrativo do Estado, que teria por fito o
substituição do Estado empresário pelo Estado regulador, no entender da entidade, “[...] a
livre iniciativa e o sistema de mercado, quando funciona competitivamente gera uma
distribuição eficiente de recursos e produtos.” (FIESP, 1990, p.106). Defende critérios
mercadológicos para a sobrevivência das empresas estatais, apontando a necessidade de
encerramento e privatização de algumas empresas, tais reformas deveriam ser feitas em
conjunto a uma reformulação da relação público-privado, indo além pedindo o fim da
discriminação entre empresa nacional e empresa estrangeira. Por fim, desregulamentação do
mercado de trabalho. Na parte fiscal, para a FIESP a atrofia do Estado brasileiro está em seu
excesso em funções empresariais e regulatórias. Esta atrofia está intimamente conectada com
97
36
Interessante é a leitura dos hábitos e dos costumes dos brasileiros, segundo a Fiesp, são “[...] acostumados a
dependência, à improvisação e ao personalismo[...]” (p.233), que entrariam em choque ao universo das regras
mais gerais e universais: menos proteção, menos casuísmo e menos favores das entidades estatais.
98
37
A ideia de usar as privatizações como forma de recuperar as contas públicas só ficou no planejamento, tendo
em vista que tanto Prado (1994), quanto Almeida (2010) apontam que a maioria das moedas utilizadas no
processo de privatização era de títulos “podres” da dívida pública, o que não ajudou na recuperação das contas
públicas.
38
Para Prado (1994), esta demora se devia a inabilidade técnica da equipe de Collor, que tentavam passar por
cima da constituição ao tentar programar um conjunto de normas para todas as empresas ofertadas, ao invés de
programar empresa por empresa.
99
39
Fenômeno político, conceituado por Gramsci, na qual numa situação de crise, o entrechoque de forças
políticas equipotentes permite o surgimento de um líder providencial.
100
(2006), por diversas vezes se reuniu com a equipe em seu bunker particular, seu apartamento
em São Paulo, para discutir os rumos da estabilização e alinhar um discurso coeso para ser
apresentado à opinião pública, essa característica de liderança fora fundamental para dar o
sucesso ao plano real, e proteger a equipe de formulação e execução do plano, FHC foi muito
mais um Ministro político da fazenda, do que um tecnocrata acostumado a lidar com
planilhas.
O Plano Real equaciona as crises, por isso mesmo não podemos encará-lo como a
simples vitória brasileira, contra o “dragão da inflação”, é necessário ir além e ver como em
seu projeto de formulação, estava ancorada uma nova economia-política a ser seguida, esta
finalmente põe fim ao antigo pacto de dominação Estado desenvolvimentista. O que nos
proporemos, a seguir, é reconstruir os passos institucionais do plano real, e analisar como em
sua ossatura estão presentes as frações de classe dominantes que seriam protagonistas no novo
pacto de dominação liberal.
Segundo Filgueiras (2012) o Plano real se deve a dois conjuntos de fatores, que
possibilitaram seu sucesso. Primeiro, o aprendizado dos seguidos fracassados planos de
estabilização, ao qual se indicou certos procedimentos que não deveriam ser repetidos,
mostrou que a inflação não era apenas inercial, de tal forma que era necessário controlar a
expansão dos salários na nova moeda, que após a queda da inflação poderia haver um boom
de consumo, que pressionaria a oferta dos bens de consumo, por fim que a passagem abrupta
de todos os preços e salários, carregam consigo a inflação da moeda velha na moeda nova.
Segundo, estava claro que não havia mais possibilidades políticas do Brasil
permanecer rebelde ao Consenso de Washington, todos os demais países da América Latina,
já haviam resolvido seus processos inflacionários, o que gerava uma pressão da comunidade
internacional sobre o Brasil, esta pressão não é apenas política, mas impedia o ingresso de
capitais necessários para financiar o balanço de pagamentos no momento da estabilização.
Segundo Carneiro (2002), o principal fator de fracasso dos planos anteriores era sua tentativa
de estabilizar o câmbio sem a entrada de novos capitais para financiar a conta corrente do
balanço de pagamentos. A adesão ao Consenso permitiria a renegociação da dívida externa, e
o reingresso do Brasil nos mercados financeiros internacionais, supostamente atraídos pelas
boas políticas adotadas.
O Plano real é descrito em três fases e com uma a mais que não estava descrita,
mas que fazia parte. A primeira é o ajuste fiscal; a segunda a criação de um novo indexador, e
o embrião de uma nova moeda a URV (Unidade Real de Valor), a terceira, a introdução da
nova moeda, o Real; por fim, uma quarta fase que não estava explicitada que seriam as
101
reformas estruturais de cunho liberalizante. “[...] Na realidade, essas fases não são meramente
sequenciais ou lineares, sobrepõem-se e envolvem um conjunto de políticas, monitoramentos
das já iniciadas e formulação e implementação de outras.” (Ianoni, 2009, p.168).
A primeira fase começa com o lançamento do PAI (Plano de ação Imediato),
ainda no Governo Itamar Franco, lançado no dia 13 de junho de 1993, consistia na elaboração
de um novo orçamento que carregasse a verdade tarifária, segundo o próprio Cardoso (2006),
até a implementação do PAI, o orçamento no Brasil era uma peça de ficção. Para Filgueiras
(2012), o PAI ia muito além de apresentar um orçamento real, seu objetivo era criar um novo
regime fiscal, visando equilibrar o orçamento, em particular sua fragilidade, tendo em vista
que entre o momento de pagamento dos tributos, e o recebimento pelo Estado seu valor era
corroído pela inflação. Os mecanismos utilizados foram a elevação de impostos federais, e a
criação de um novo o IPMF (Imposto sobre movimentações financeiras) e o Fundo Social de
emergência (FSE), o FSE desvinculava 20% das transferências constitucionais para Estados,
Municípios, fundos regionais e algumas políticas sociais. Seu objetivo inicial era cortar, US$
16,1 bilhões do orçamento para serem destinadas ao pagamento dos juros da dívida pública,
no final depois de árduas negociações, restaram US$ 15,5 bilhões. O nome como admitido
pelo próprio Cardoso (2006), não tinha nada de social, só denominaram de “Social” para
facilitar sua aprovação pelo Congresso. Para Filgueiras (2012) mais do que dar liberdade
orçamentária ao governo, o PAI serviu para dar credibilidade ao plano Real, e reverter as
expectativas inflacionárias.
A segunda Fase começa com a introdução da URV, ela seria um superindexador,
cuja variação de uma banda, seria formada por três outros índices, o IGPM da FGV, o IPCA
do IBGE, e o IPC da Fipe/USP. Também tinha o objetivo de amarrar a URV ao dólar, em
uma futura âncora cambial. Com a URV, estava se criando o embrião de uma nova moeda,
pois já cumpria a função de unidade de conta. Carrega o bom aprendizado do plano cruzado, a
de que introdução de uma nova moeda deveria ser feita de maneira progressiva, quase
espontânea, induzida através da fixação imediata dos preços, e contratos públicos em URV.
Quando toda economia estivesse operando com base na URV, se transformaria na nova
moeda, o Real. Neste momento, todos os preços relativos estariam alinhados, não mais
contaminados pela memória inflacionária da moeda velha. “[...] Em outras palavras, seu papel
essencial foi o de apagar da memória o passado eliminando, desse modo, o componente
inercial da inflação” (FILGUEIRA, 2012, P.105)
A fase final ocorreu no dia 01 de julho de 1994 com a introdução da nova moeda,
quando a URV foi transformada em Real, quando ela valia CR$ 2750,00, cuja conversão foi
102
das demais frações de classe era o timming da abertura, deveria ser feita de maneira gradual,
de modo que o setor pudesse incorporar as novas tecnologias e padrões organizacionais para
ganhar competitividade frentes às empresas transnacionais.
Depois de demarcarmos as mudanças da orientação política da grande burguesia
brasileira, resta por fim, caracterizar o bloco no poder nos governos FHC e seus interesse
prioritários para tanto, nos apoiamos nos textos de Boito Jr.(1999), Diniz (2010) e Saes
(2001).
Para Boito Jr.(1999) a política econômica neoliberal tem como grande bloco
hegemônico o grande capital monopolista, nesse sentido, uma continuidade com relação aos
anos de desenvolvimentismo, todavia, se os atores centrais da política econômica são os
mesmos, seus interesses se modificaram. De modo geral, todas as frações da grande burguesia
brasileira e do imperialismo ganhavam com a política neoliberal, mas esse ganho era desigual.
Para entender essas contradições, Boito Jr. formula para pensar a hierarquia de interesses do
bloco no poder a metáfora dos círculos concêntricos. Vejamos:
a) O círculo externo e maior representado a política de desregulamentação do
mercado de trabalho e supressão dos direitos sociais; b) o círculo intermediário
representando a política de privatização; c) o círculo menor e central da figura
representando a abertura comercial e a desregulamentação financeira. [...] Todos os
três círculos abarcam interesses imperialistas e burgueses, e cada um deles abarca,
sucessivamente do circulo maior ao menor, interesses de fração cada vez mais
restritos. (Idem, p.51)
No primeiro círculo ficam os interesses mais gerais que unificam a burguesia, na
qual todas as suas frações se beneficiam, em maior ou menor grau. No segundo circulo, o
grande beneficiário é o grande capital monopolista internacional e brasileiro, tendo em vista,
que as normas brasileiras nos leilões de privatização impediam a participação de pequenos
investidores, somente em 1997 houve uma pequena alteração, “[...] quando alguns bancos
criaram fundos de privatização que passaram a aceitar aplicações mínimas de 500 reais [...]”
(Idem, p.52). Esse segundo círculo, excluiu setores da média e pequena burguesia. Por fim, no
terceiro círculo, o mais restrito dos três, pois demarca a grande fissura do bloco no poder, os
grandes beneficiários são o imperialismo e os setores a ele associados como o setor bancário-
financeiro nacional. Essa política divide o bloco burguês porque os setores internos da
burguesia industrial podem perder com essa política econômica. Ela se constitui em um tripé
que tende a prejudicar os setores industriais: desregulamentação financeira associada a juros
altos, estabilidade monetária e abertura econômica.
Todavia, devemos demarcar as diferenças entre os industriais. Entre a grande
indústria, e os setores médios e pequenos. A grande indústria tem possibilidade de lucrar
como grande empresa, isto é, não afeta seus lucros os juros altos e taxa de câmbio valorizado,
106
porque pode lucrar com a valorização financeira do seu estoque de riqueza e tem poder de
acesso aos mercados financeiros internacionais, além disso, dada sua posição privilegiada no
mercado, também tem a possibilidade de formar joint-ventures com o capital estrangeiro
visando se internacionalizar. Já as pequenas e médias empresas não têm esses privilégios, por
isso, são as que mais sofrem com a abertura, ao longo dos governos FHC, muitas críticas
endereçadas ao governo pela FIESP e CNI partem do descontentamento destes setores,
coadunados em torno da Abidib e Abimaq, presentes nos setores das indústrias de base e de
bens de capital, que dependiam fundamentalmente do mercado interno e das encomendas de
empresas estatais. Com a abertura, sofrem com a concorrência externa e com a redução das
encomendas. A indústria, portanto, é entrecortada por essas duas áreas de um lado, os setores
mais próximos ao capital estrangeiro e ao setor financeiro; e de outro, as pequenas e médias
empresas que dependem do mercado interno.
Há ainda o fator regional, os industriais por vezes se dividem entidades patronais
de outros Estados que não São Paulo e costumavam apoiar com maior vigor a abertura da
comercial. Explica-se pelo fato de que a indústria paulista tinha um custo de mão-de-obra
mais alto que outros Estados devido ao seu parque produtivo maior. Outros Estados como os
do nordeste começavam a serem escolhidos como destinos para investimentos estrangeiros,
devido custo menor de mão-de-obra, o que provocava embates no interior dos empresários.
Não poucas vezes veremos a FIESP criticar a abertura comercial e a desnacionalização, e no
mesmo momento entidades patronais de outros Estados criticarem os paulistas. Há algum
grau de verossimilhança quando Gustavo Franco (1999) afirma que a abertura fez mais pelo
desenvolvimento regional que todas as políticas de desenvolvimento regional realizadas na
história econômica brasileira. De fato, a abertura comercial provocava uma desconcentração
regional da produção industrial brasileira, gerando embate entre os empresários.
Entre os dois governos o teor das demandas também eram alteradas, no primeiro
governo, os industriais concentravam seus esforços em prol das reformas constitucionais.
Tanto que em 1996 organizam uma marcha para Brasília para pressionar o congresso para
agilizar as reformas. No primeiro mandato, geralmente a crítica de algum aspecto da política
econômica, sobretudo, da abertura comercial, vinha acompanhado da demanda por reformas.
É possível notar este aspecto no editorial do presidente da CNI, Mario Amato, escrito antes
mesmo do início oficial do governo FHC, no qual afirma ser necessária uma trégua no
processo de liberalização comercial.
É necessária, também, uma trégua na liberalização comercial, iniciada em 1989, para
gerar-se uma nova estratégia industrial para o país, com base numa agenda positiva.
107
frações burguesas que apoiavam essa corrente, também é possível notar heterogeneidade das
frações, dentre as quais: a grande burguesia industrial, setores do agronegócio, alguns setores
bancários, setores pequenos e médios da burguesia nacional; nos setores estrangeiros, certas
montadoras de veículos, que também era prejudicada pelo câmbio apreciado e pelos juros
altos. Portanto, era apoiada predominantemente, pela burguesia interna.
A partir destes elementos podemos apontar provisoriamente o bloco no poder e o
lugar ocupado pelos industriais. O bloco no poder, como consequência direta ao
neoliberalismo da política econômica tem como fração hegemônica a fração bancária -
financeira, da grande burguesia associada, apoiado pelo maior parte do imperialismo. A
função ideológica, no entanto, é ocupada pela fração industrial, esta fração, todavia, é
entrecortada por setores distintos, ao quais já foram apresentados.
A fração bancária-industrial apesar de ser a grande beneficiária das políticas
neoliberais, nem sempre toma posições de burguesia associada, em certas políticas
econômicas, modifica suas posições para uma fração interna, ao serem contrárias, dentre
outras políticas, a abertura indiscriminada do mercado bancário, temendo a competição com
bancos estrangeiros. Da mesma maneira, a fração industrial nem sempre toma posições de
burguesia interna, por vezes, setores da grande indústria, se alinham ao neoliberalismo e aos
seus representantes no governo. Por isso, devemos ressaltar que o bloco no poder não é fixo, é
dinâmico e muitas vezes modificado por políticas econômicas particulares.
Em relação aos dominados, cabe acrescentar que a política econômica neoliberal é
apoiada pela classe média, pois, barateia as importações com a valorização cambial e por
alguns setores populares, por conta da queda da inflação que melhorou o poder de compra dos
salários (Saes, 2001).
A par de todos esses elementos é possível lançar nossas hipóteses. A primeira
delas, o que divide em primeira instância o bloco no poder é a diferença entre a pequena e a
grande burguesia, mais do que as diferenças setoriais. Nesse sentido, do ponto de vista
setorial, a hegemonia estava com a fração bancária-financeira, mas do ponto de vista da
burguesia como um todo, o que marca a hegemonia é o porte do capital, por conseguinte,
certos setores industriais, sobretudo aqueles que internacionalizadas também participam da
política hegemônica, portanto, um bloco no poder que tem a hegemonia do grande capital
monopolista nacional. Segundo, a indústria vai intensificando suas críticas à política
econômica, em parte pelos efeitos da política de abertura que vai minando sua força política
devido à competição com setores estrangeiros. Todavia, ao longo dos dois governos, grandes
empresários do setor como Antônio Ermírio de Moraes, nem sempre entoam as críticas das
110
entidades nacionais, nossa hipótese que isso ocorre devido ao fato de que para os maiores
empresários industriais era mais importante estar próximo da hegemonia do bloco no poder,
do que entoar críticas de sua fração de classe. Essa distinção, talvez ocorra, devido ao fato de
que para entidades patronais como a CNI e a FIESP era necessário representar os interesses
dos industriais como um todo, incluindo setores pequenos e médios que eram os mais
prejudicados pela política neoliberal. Por fim, na medida em que em as críticas dos industriais
vão se avolumando o governo cede em alguns pontos a demandas da indústria, temendo a
força política que a fração tinha. Não poucas vezes FHC relata em seus diários na presidência
preocupações em relação ao aumento do desemprego e como entidades patronais dos
industriais utilizavam-se desse indicador para criticar a política econômica.
111
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