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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Felipe Amorim de Oliveira

Livres, sem crescer: os industriais e a política econômica dos governos FHC


(1995-2002).

Campinas - SP
Dezembro de 2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Felipe Amorim de Oliveira

Livres, sem crescer: os industriais e a política econômica dos governos FHC


(1995-2002).

Texto apresentado como requisito para


qualificação no Mestrado Acadêmico do
Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Econômico do Instituto de
Economia da Unicamp.

Área de concentração: História Econômica.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Paulo Zaluth


Bastos

Campinas - SP
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Felipe Amorim de Oliveira

Livres, sem crescer: os industriais e a política econômica dos governos FHC


(1995-2002).

Texto apresentado como requisito para


qualificação no Mestrado Acadêmico do
Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Econômico do Instituto de
Economia da Unicamp.

Área de concentração: História Econômica.

Qualificado em:
Banca examinadora

_____________________________________________
Prof Dr. Pedro Paulo Zaluth Bastos. (Orientador)

_____________________________________________
Prof Dr.

_____________________________________________
Prof Dr.

_____________________________________________
Prof Dr.
Sumário
Introdução ........................................................................................................................ 5
1- O instrumental poloulanziano. ................................................................................ 27
1.1 O Estado dependente na era da globalização do capital ........................................... 34
2- Um novo projeto de desenvolvimento. ................................................................... 42
3- Globalização e neoliberalismo: as possibilidades de inserção das economias
periféricas ...................................................................................................................... 56
3.1 A globalização financeira ........................................................................................ 56
3.2 A globalização Produtiva. ........................................................................................ 64
3.3 O neoliberalismo ..................................................................................................... 69
3.4 Neoliberalismo e governo Cardoso: os policy makers entusiastas. ............................ 75
4- Da crise da dívida externa ao Plano Real: uma crise orgânica. ................................ 81
4.1 O fim da tríplice aliança: setores públicos e privados na crise dos anos 1980. ........... 82
4.2 As frações burguesas e suas posições políticas nos anos 1980................................ 88
4.3 A Resolução da crise orgânica: O Plano Real. ......................................................... 99
4.4 Bloco no poder e governo FHC: uma definição. ..................................................... 102
5- A política econômica da nova dependência: crescimento reprimido ..................... 111
5.1- A política econômica sob a âncora cambial........................................................... 111
5.2 – O câmbio flutuante: a política econômica do segundo mandato. .......................... 111
5.3 – A indústria sob a economia-política do Real. ....................................................... 111
6 – Os industriais e sua atuação política nos governos FHC. ..................................... 112
Referências. ................................................................................................................. 113
5

Introdução
“Eu acredito firmemente que o autoritarismo é uma pagina
virada na História do Brasil. Resta, contudo, um pedaço do
nosso passado político que ainda atravanca o presente e
retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da
Era Vargas – ao seu modelo de desenvolvimento
autárquico e ao seu Estado intervencionista.”
(Fernando Henrique Cardoso)
É com essas palavras que Fernando Henrique Cardoso despedia-se do Senado
Federal para tomar posse como presidente eleito. Nela é possível notar um diagnóstico, a
cerca do significado histórico de sua própria eleição. Primeiro, de que o autoritarismo era
página virada da história nacional, compreende que sua eleição é ponto final da longa
transição democrática iniciada pelo governo autoritário de Ernesto Geisel (1974-1979). Dado
esse pressuposto, era necessário virar a página da Era Vargas, e iniciar outro modelo de
desenvolvimento.
Não é incomum na história brasileira presidentes recém-eleitos atribuírem missões
grandiosas para si, a novidade de FHC foi elevar a projeto de Estado uma leitura particular da
história política brasileira. Para Cardoso, desde os 1930 até sua eleição o Brasil perseguiu o
mesmo modelo de desenvolvimento que compreendia uma forte intervenção estatal na busca
pela autonomia nacional via desenvolvimento das forças produtivas, especificamente no
avanço da industrialização verticalizada, cabia ao si mesmo modificar esse projeto de
desenvolvimento exaurido.
Por essa leitura do agente histórico, de saída aos pesquisadores sobre seu mandato
coloca-se a tarefa de compreendê-lo não apenas como uma mudança no cargo da presidência,
mas como um projeto de Estado a longo prazo, ao qual se propõe inaugurar um novo projeto
de desenvolvimento que transcende ao seu próprio mandato. Como todo projeto de
desenvolvimento que se pretende a esse nome, envolve um rearranjo multidimensional nas
relações entre Estado, sociedade e mercado.
E foi justamente isso que buscou realizar ao longo de seus dois mandatos como
presidente da República, para o bem, ou para o mal, reconhece-se que sua eleição representou
uma virada de capítulo na história nacional. O Brasil antes de FHC orientava-se por uma certa
ideia de desenvolvimento que se modificou ao longo dos vários presidentes que ocuparam o
6

cargo desde o início da Era Vargas, mas cuja ossatura institucional era a mesma 1. De Cardoso
essa ideia se modifica, bem como, os arranjos políticos-institucionais que permeiam as
relações entre Estado, sociedade e mercado.
Este estudo tem por objetivo lançar luzes sobre as relações entre Estado e
Mercado nos anos de Cardoso, mais especificamente, das relações entre Estado e frações da
classe dominante. Partindo de uma perspectiva relacional, inaugurada por Nicos Poulantzas,
na qual, o Estado será compreendido como um campo de disputa entre as frações da classe
dominante para hegemonizar o conjunto da política estatal. O Estado deixa de ser concebido
como um ente, dotado de força própria e passa a ser visto como uma esfera do modo de
produção capitalista, que tem a função de organizar e implementar a dominação da classe
dominante. Essas por sua vez, não são homogêneas, e nem possuem os mesmos interesses,
pelo contrário são cindidas em frações, e cada qual têm seus próprios interesses frente às
políticas estatais. Para fazer valer seus interesses se organizam em um bloco político, ao qual
Poulantzas (1977) chamou de bloco no poder, uma comunidade de interesses, com diversas
frações de classe ocupando esse bloco, com interesses contraditórios entre si, mas cuja
hegemonia é função de uma única fração, a qual o Estado atende prioritariamente esses
interesses.2
Essa perspectiva metodológica se acopla a uma certa da compreensão do
desenvolvimento do capitalismo no Brasil - um capitalismo tardio, de industrialização
retardatária - ao qual foi inaugurado pela chamada Escola de Campinas. Essa adesão nos
permitirá tomar
“[...] as transformações econômicas e sociais no Brasil como um processo que retém
simultaneamente tanto as características gerais de todo e qualquer desenvolvimento
capitalista, bem como aquelas específicas, próprias de um capitalismo que se
constitui na etapa monopolista do capitalismo mundial e que tem como ponto de
partida um passado colonial.” (DRAIBE, 1985, p.11).
Ou seja, para compreender o processo histórico de acumulação de capital no
Brasil é necessário que se faça a partir da análise integrada, como um movimento que carrega
consigo as determinações internas e as determinações externas. Esse desenvolvimento
obedece a lógica da acumulação, guiados por essa necessidade.

1
Com essa afirmação não queremos endossar a tese de o Brasil perseguiu ao desde 1930 aos anos 1980 o mesmo
modelo de desenvolvimento econômico. Tese essa defendida tanto por liberais, como Franco (1998), como por
progressistas como Fiori (2003). Em nosso entendimento o desenvolvimentismo, sofre uma série de
modificações ao longo desses 50 anos, aos quais não serão debatidos. Nosso entendimento é que a forma do
Estado, a maneira de intervir na economia é parecida ao longo desses anos, todavia, com modificações na
composição das frações de classe no bloco no poder.
2
Os conceitos poulantzianos e a compreensão do Estado capitalista brasileiro serão tratados em maiores detalhes
no primeiro capítulo desta dissertação.
7

Mello (1988) ao pensar a formação do capitalismo brasileiro fixou momentos


históricos e lógicos do processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esse processo
se move pelas necessidades de acumulação de capital, e sua objetivação é a internalização das
bases técnicas e produtivas para a reprodução ampliada do capital, o desenvolvimento das
forças produtivas tipicamente capitalista, ao qual foi definido por Mello, como a reprodução
do departamento 1 (D1), produtor de bens de capital e do departamento 2, produtor de bens de
consumo capitalista (D2). A partir do momento em que uma economia nacional internaliza
esses dois departamentos, lhe possibilita a capacidade de geração da sua própria demanda
com a articulação dos investimentos entre os dois departamentos, por isso, Mello (1988) e
Tavares (1975) consideram que a grande indústria é o momento de autodeterminação do
capital, que consegue acumular capital sem a necessidade de apoio de mercados externos.
Ao compreender esse processo lógico, Mello conceitua o processo de acumulação
de capital no Brasil em três estágios. Um caso de capitalismo tardio, porque sua
independência nacional ocorre dentro de um quadro do no antigo sistema colonial, com
passado colonial, portanto. Essa industrialização se inicia como crescimento industrial, pois, o
eixo dinâmico da acumulação não era a indústria e sim a agroexportação, a indústria se forma
dentro do complexo cafeeiro, como um dos momentos de reprodução deste capital. Com a
crise de 1930, o eixo dinâmico da economia muda para o setor industrial, este passa a
comandar o processo de acumulação de capital, mas essa industrialização é restringida, pois,
lhe faltam às bases técnicas e financeiras para introduzir num só golpe as forças produtivas
tipicamente capitalistas, por isso ocorre, mas esbarra nas necessidades de importar bens de
capital para constituir a indústria, por isso é restringida, pois faltam as bases técnicas e
financeiras para autodeterminação do capital. Olhando para essa problemática Mello (1988)
aponta que a Industrialização Brasileira é retardatária, pois ocorre no momento em que a
industrialização pesada já tinha ocorrido nos países centrais, como Alemanha, Inglaterra e
EUA, o que implica que para endogenizar a grande indústria era necessária algum grau de
associação com o capital internacional, pois, nesse período as grandes empresas dos países
centrais monopolizavam as bases tecnológicas para a implantação da grande indústria. Entre
1957-1962, com o Plano de Metas, o Brasil implementou um novo pacote de investimentos
que em um só golpe constitui as bases produtivas para a reprodução endógena do D1 e D2, no
entanto, o momento da consolidação da grande indústria carrega especificidades históricas, a
saber, ao mesmo tempo em que se endogeniza a grande indústria está se realizando a
transnacionalização do mercado interno, pois, setores importantes do D1 e do D2 são
reproduzidos por empresas transnacionais que se instalam na economia brasileira. Outra
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especificidade é que dada a estrutura de concorrência e as necessidades de acumulação de


capital, a industrialização no Brasil ocorreu com forte participação estatal, este toma a forma
de regulador, criando legislações específicas para atrair investimentos estrangeiros, ao mesmo
tempo, produtor, investindo em áreas estratégicas como o setor de insumos industriais e
infraestrutura para garantir que não ocorram pontos de estrangulamentos à frente e para trás.
No salto para industrialização pesada, são necessários instrumentos prévios de acumulação,
muito a frente a demanda, constituindo-se como “barreiras à entrada” a novos participantes,
no capitalismo nacional, apenas o Estado e as grandes empresas estrangeiras possuíam tais
requisitos. Dados esses componentes, o empresário nacional ficou de fora dos setores da
industrialização pesada, pois “[...] careciam de instrumentos prévios de mobilização e
centralização de capital, necessários a uma concentração de recursos, internos e externos, da
magnitude requerida.” (Tavares, 1975, p. 144). A burguesia nacional, todavia, não é liquidada
economicamente no salto a industrialização pesada, coabita como sócia menor do capital
estrangeiro, como a “pata fraca” da articulação industrial, como cogumelos na nova etapa de
acumulação. Assim, a industrialização pesada no Brasil, se constituiu com essa tríplice aliança
entre Estado e capital estrangeiro nos setores líderes, e capital privado nacional, nos setores de
menor importância. Para Tavares (1975) e Mello (1988), a partir desse momento a economia
brasileira endogeniza as bases produtivas para a reprodução ampliada do capital, possuindo a
mesma capacidade de autogerar seus ciclos de acumulação que outras economias avançadas.
Todavia, com certas particularidades, (i), o forte peso do Estado e dos setores estrangeiros que
articulam com seus investimentos os ciclos de acumulação; (ii) uma indústria pesada que já
nasce oligopolista, como um monopólio moderno concentrado, o que possibilita as empresas
oligopolistas defenderem suas margens de lucro, assim, no auge dos ciclos econômicos era
possível notar aumento de preços.
O tipo de associação industrial formada na etapa de industrialização pesada detém
uma peculiaridade sócio-política ao qual foi examinada por Enzo Falleto & Fernando
Henrique Cardoso (1975), no clássico Dependência e Desenvolvimento na América Latina.
Na obra indicam que não se pode compreender o desenvolvimento de sociedades dependentes
sem se levar em consideração a correlação de forças internas em cada momento histórico de
transformação do capitalismo a nível internacional, pois, o capitalismo periférico é
dependente do investimento estrangeiro, seja, a nível técnico, aquilo que já apontamos uma
industrialização que só pode ocorrer com algum grau de associação; seja a nível financeiro,
faltam às bases financeiras para a industrialização prosseguir. A consequência sociológica é
que a burguesia nacional, não cumpre a mesma função de desenvolvimento das forças
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produtivas que cumpriu nas industrializações dos países europeus e dos Estados Unidos 3, seu
papel na industrialização periférica é associar-se ora ao Estado, ora ao capital estrangeiro para
continuar presente como força política e econômica no jogo de forças do capitalismo
periférico. Para compreender o desenvolvimento de sociedades dependentes, faz-se necessário
uma análise global do desenvolvimento, que não separe os componentes econômicos e sociais
do desenvolvimento.
Mello (1988), inspirado na problemática da dependência apontou a dupla
determinação que relaciona o caso brasileiro com a totalidade histórica do capitalismo. A
partir do momento de independência nacional, “[...] a dinâmica social latino-americana é
determinada em primeira instância, em primeira instância, por “fatores internos”, e em última
instância, por “fatores externos”, a partir do momento em que se estabelece o Estado
nacional”. (Mello, 1982, P.26). Logo, a correlação de forças internas, determina a forma que
será processada às mudanças de cada etapa do capitalismo mundial; em última instância, o
momento histórico, ou a etapa de desenvolvimento o capitalismo internacional, compreendia
por Mello como a estrutura de concorrência em cada etapa do capitalismo global. É a
articulação dessas duas determinações que explica a dinâmica social das sociedades
dependentes, todavia, as forças políticas internas tem primazia sobre as forças externas. Nesse
sentido, a tradição do capitalismo tardio não separa os processos econômicos da dinâmica
política que determina os rumos da acumulação, portanto, o diálogo metodológico com a
teoria relacional do Estado capitalista é perfeitamente possível. O que resta é um instrumental
analítico para analisar as “forças internas” ao qual será complementado pelo instrumental
poulantziano.
A par deste instrumental, passaremos a apresentar a literatura existente sobre o
governo Cardoso e suas dinâmicas políticas. Podemos dividi-las em dois: de um lado,
encontramos trabalhos macroeconômicos, que buscam analisar do ponto de vista técnico as
decisões de política econômica, sem relacioná-las com a luta política entre as classes, no qual
essas decisões são tomadas a partir do corpo teórico que as informa. De outro, encontramos
análises políticas que partem de outras problemáticas, alguns partem das mudanças do cenário
internacional para compreender as modificações das forças políticas internas; outros fazem o
oposto, analisam as mudanças nas correlações políticas internas para entender de que maneira
se aderiu aos preceitos seguidos no cenário internacional. Nossa exposição começa com os
trabalhos econômicos.

3
Refiram-se os casos de capitalismo atrasado, EUA, França e no capitalismo originário inglês, para um exame
mais detalhado do caso dessas industrializações, cf. Oliveira (2002).
10

Os economistas ortodoxos costumam ser favoráveis às políticas econômicas


adotadas por FHC, é um consenso relativamente estabelecido por estes que mais importantes
que os resultados macroeconômicos em termos de produto e emprego, são as principais
mudanças estruturais promovidas pelas políticas econômicas: a abertura da economia e a
mudança no padrão de atuação estatal.
Para Compreender essa posição é necessário resgatar os pressupostos com os
quais trabalham. Segundo essas análises o Estado antes do plano Real estava esfacelado. Para
Edmar Bacha membro da equipe econômica do Real, o então Ministro da Fazenda Fernando
Henrique Cardoso e sua pequena equipe econômica, acertadamente adotaram uma política
econômica bastante conservadora, voltada para começar a corrigir a deterioração das contas
públicas, “[...] cujos desequilíbrios eram identificados como a causa fundamental da inflação
crônica no Brasil”. (BACHA, 1997, P. 13). Para controlar a inflação que estava à beira da
hiperinflação4, era necessário colocar como objetivo principal a recuperação das contas
públicas, apresentando um orçamento que à época fora chamado de realidade orçamentária.
A situação fiscal, no entanto, refletia o esgotamento de um modelo, para Gustavo
Franco (1998) a crise do modelo de substituição de importações (SI), para tanto, era
necessário formular um novo projeto de desenvolvimento no qual o Estado deixaria de atuar
pelo lado da demanda, como indutor de certos ramos produtivos considerados estratégicos,
seja por meio das estatais, seja por meio de subsídios, para promover a oferta, por meio do
Estado regulador, impulsionando a concorrência. Este Estado deixa de ser concebido como
intervencionista, e passa a compreender que o crescimento ocorrerá pelo investimento
privado.
Para Franco, o Brasil seguia o mesmo modelo de desenvolvimento desde 1930,
esse modelo era desastroso para a economia, pois, (i) diminuía a produtividade, por conta, do
excesso de protecionismo, que restringia a competitividade; (ii) aumentava a concentração de
renda, pois a poupança forçada era retirada dos salários, seja por fundos parafiscais como o
PIS-PASEP, seja através da inflação decorrente da frouxidão da política monetária; (iii)
decorrente do excesso de protecionismo, o modelo punia os consumidores e beneficiava as
empresas oligopolistas, que tinham lucros extraordinários na falta de competição. Estes três

4
Há um debate entre os economistas sobre a economia brasileira ter ou não chegado ao ponto de hiperinflação.
Alguns defendem que isso não ocorreu porque não se chegou ao ponto da dolarização, isto é, a troca da moeda
nacional desvalorizada por outra moeda forte como meio de pagamento. Outros, como Carneiro (2002), apontam
que mais importante que a dolarização é o encurtamento dos mecanismos de indexação, na qual as taxas de juros
são corrigidas por indexadores de prazos cada vez mais curtos. Para o autor, no momento em que o indexador da
taxa de juros dos títulos públicos passa a ser a taxa overnight, corrigida diariamente, a economia entrou de fato
em um processo hiperinflacionário.
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fatores combinados necessariamente levavam à estagnação do investimento, da produtividade


e a inflação.
O meio para por fim essa espiral de erros era realizar uma série de reformas:
abertura comercial e financeira; ajustes fiscais permanentes na maquina pública, retirando
subsídios, e liquidando empresas estatais, consideradas ineficientes; modernização nas leis
trabalhistas; reformas administrativas, dentre outras. Todas elas combinadas fariam com que a
economia brasileira voltasse ao caminho do desenvolvimento, agora contaria com uma
enxurrada de investimentos estrangeiros atraídos pelas boas políticas domésticas.
Nesse sentido, os governos FHC são vistos como “arrumadores da casa”, antes
deles o Brasil estava sem rumo, com um modelo econômico exaurido, com deterioração nas
contas públicas, e constantes crises de balanço de pagamentos. Por isso, a despeito do
crescimento econômico não ter sido tão vistoso, deixou um legado “intangível”, muito
importante, como defende Giambiagi (2016).
No final da sua gestão, como saldo positivo – intangível, porém muito importante -,
FHC deixou, fundamentalmente: (1) um “tripé” de políticas – metas de inflação,
câmbio flutuante e austeridade fiscal – que, se mantidas ao longo dos anos,
poderiam criar as condições para o desenvolvimento econômico futuro, com a
inflação baixa e equilíbrios externos e fiscal; e (2) um elenco bastante robusto de
mudanças estruturais importante, com destaque para a Lei de Responsabilidade
Fiscal; a reforma parcial da Previdência Social; o ajuste fiscal nos estados; o fim dos
monopólios estatais nos setores de petróleo e telecomunicações; e a reinserção do
Brasil no mundo, através da obtenção de novos fluxos de IDE de, na média, quase
US$20 bilhões/ano nos oito anos, com perspectivas concretas de continuar a serem
expressivos nos anos seguintes [...]. (GIAMBIAGI, 2016, P. 193)
Apesar do PIB ter crescido na média 2,35% em oito anos, ter concluído seu
governo com a taxa de desemprego aberto na média de 2002 em 7,9%, o Brasil, para
Giambiagi “[...] tornou-se mais parecido com uma nação adulta nos anos de 1990” (IDEM). O
legado reformista é mais importante do que os resultados da política econômica. Para os
ortodoxos, o desempenho não foi melhor por dois motivos; primeiro devido ás crises externas
que provocavam choques externos, ao quais não eram agravados pelas reformas
institucionais; segundo, apesar de ter feito muitas reformas, não teria feito todas as
necessárias, como a reforma tributária, mais privatizações, independência legal do Banco
Central, ajustes fiscais mais rigorosos, reformas trabalhista, dentre outras. Todavia, mesmo
assim, muitos reconhecem a dificuldade de fazer reformas constitucionais, aos quais são
necessárias 3/5 de votos nominais, nas duas câmaras, em dois turnos, por isso, entendem que
o balanço final é positivo. Seu legado histórico foi ter implementado um novo projeto de
desenvolvimento, partindo de um “amplo” consenso de boas práticas macroeconômicas.
Economistas heterodoxos, por outro lado, focam suas análises nos resultados
efetivos da política econômica ortodoxa seguida por Cardoso e seus policy makers. Criticam-
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na por entender que seus mix câmbio valorizado, juros altos e ajustes fiscais provocaram um
padrão de crescimento oscilante, desemprego alto, e vulnerabilidade externa crescente.
Segundo Almeida & Beluzzo (2002), o plano Real garantiu a recuperação da
moeda nacional, utilizando-se como método básico, o mesmo procedimento que outros países
fizeram em seus processos de combate a inflação, a recuperação da confiança na moeda
nacional, por meio da garantia de seu valor externo. Chamada de âncora cambial consistia em
estabilizar a taxa de câmbio nominal, “[...] garantida por financiamento em moeda estrangeira
e/ou por um montante de reservas capaz de desestimular a especulação contra a paridade
escolhida” (IBID, 363).
Mais do que uma escolha de uma âncora cambial, o plano vinha acoplado ao
enquadramento do Brasil aos mercados financeiros liberalizados, na qual os emprestadores
seriam atraídos pelos ganhos de capital provenientes dos ativos ofertados no processo de
abertura financeira. Esses ativos incluíam títulos da dívida pública, em geral curtos e de
elevada liquidez; ações de empresas em processo de privatização; bônus e papéis comerciais
de empresas e bancos de boa reputação; e posteriormente, ações depreciadas de empresas
privadas, especialmente daquelas mais afetadas pela abertura econômica, valorização cambial
e taxas de juros altas.
Diante da fragilidade intrínseca das moedas recém-estabilizadas, estes ativos
precisavam prometer elevados ganhos de capital e/ou embutir prêmios de risco em
suas taxas de retorno. Cria-se, assim, uma situação na qual a rápida desinflação é
acompanhada por uma queda não muito lenta das taxas nominais de juros. As taxas
reais não podem ser reduzidas abaixo de determinados limites estabelecidos pelos
spreds exigidos pelos investidores estrangeiros para adquirir e manter em carteira
um ativo denominado em moeda fraca, artificialmente valorizada. (BELLUZZO &
ALMEIDA, 2002, p. 367)
Os investidores dos mercados globalizados carregam esses ativos em seus
portfólios enquanto os mercados financeiros estiverem normalizados, ao menor sinal de crise
no mercado financeiro internacional, são os primeiros a serem liquidados, por serem
percebidos como ativos de maior risco. Além do mais,
Independentemente do que possa ocorrer com o ciclo financeiro, os mercados
emergentes também estão, em geral, mais sujeitos às alterações nas opiniões
predominantes quanto à sustentabilidade dos respectivos regimes cambiais. Isso
significa que seus processos de estabilização são indubitavelmente vulneráveis, em
proporção direta ao grau de dependência do ingresso de recursos externos (déficit
em conta corrente), estando sujeitos, ademais, a problemas de inconsistência
dinâmica. A estabilização conquistada nessas condições coloca-se sob permanente
ameaça de ruptura. (Idem, p.368)
Dessa maneira, o Plano Real obteve um sucesso inicial estrondoso com rápida
deflação de preços e aumento da demanda agregada. Todavia, esse processo carrega os
impasses estruturais do plano de estabilização, internamente, à medida que o consumo se
aquecia aumentavam-se as importações, que não eram compensadas pelas exportações, tendo
13

em vista a sobrevalorização cambial e a falta de competitividade das empresas brasileiras em


um cenário de abertura econômica com juros altos. O resultado é que se aumentava o déficit
em conta corrente, coberto pela entrada de capitais especulativos, à medida que o déficit em
conta corrente se aprofundava os portadores dos ativos brasileiros ameaçavam liquidá -los,
para fazer frente a essa ameaça, que poderia colocar a perder a estabilização da moeda. Para
fazer frente às ameaças especulativas, a política economia via-se obrigada a subir os juros
como prêmio de risco aos carregadores dos ativos brasileiros, ao fazê-lo desaquecia a
economia provocando oscilações continuas no ritmo de crescimento. Pelo lado externo,
qualquer oscilação no mercado financeiro internacional, provoca saídas repentinas de capitais
especulativos aportados nos mercados brasileiros, o que ameaçava a todo o momento, o
montante de reservas necessários para fazer frente à especulação e continuar obtendo sucesso
no processo de estabilização.
Como alertado pelos autores, o Plano real não foi apenas um plano de
estabilização monetária, “[...] estávamos diante de um projeto de desenvolvimento liberal que
supõe a convergência relativamente rápida das estruturas produtivas e da produtividade da
economia brasileira na direção dos padrões competitivos e modernos das economias
avançadas” (IBID, P.373). Todavia, essa rápida convergência não ocorreu, e o projeto liberal
de desenvolvimento via-se até a desvalorização cambial de 1999, no impasse entre
crescimento ou estabilidade monetária.
Trabalhando sobre essas mesmas condições estruturais, outros economistas
heterodoxos notaram as mesmas contradições na política econômica do Real. Luiz Filgueiras
(2001) sentenciará que nunca antes a política econômica havia sido tão reflexa às
adversidades da economia mundial como no modelo econômico do Real. Carneiro (2002), na
mesma direção que Belluzzo & Almeida apontam “[...] que a economia brasileira se encontra
num impasse, ou seja, somente será possível manter a estabilidade da moeda à custa do
crescimento econômico.” (IBID, p.398). A política econômica do governo escolheu manter a
estabilidade a qualquer custo, o que implica que a dinâmica econômica necessariamente teria
um baixo dinamismo. Portanto, as reformas que supostamente lograram manter a
estabilização da economia tiveram como contrapartida o baixo dinamismo econômico. De
nada adianta melhorar as condições da oferta se a demanda a todo o momento é retraída. Por
isso, economistas heterodoxos defendem que o legado da era FHC é dúbio, por um lado,
finalmente a economia brasileira conseguiu vencer a inflação, por outro lado, à custa de
inseri-la em um regime de baixo dinamismo econômico.
14

Entre as análises políticas podemos diferenciá-las entre três abordagens. A


primeira, parte da correlação de forças internas para compreender a maneira como o consenso
neoliberal fora implementado pelo governo, nesse sentido, se o governo FHC aderiu ao
neoliberalismo, o fez porque havia um bloco político interno que sustentava tal decisão
estratégica; tanto assim, que o neoliberalismo já estava em alta no mundo desde o início dos
anos 1980, quando os governos Ronald Regan, nos EUA, e Margareth Tatcher, no Reino
Unido, já estavam eleitos e mesmo assim o Brasil perseguia o modelo desenvolvimentista,
inclusive com apoio de certos setores burgueses nacionais.
A segunda são aqueles que partem das mudanças internacionais, para
compreender as mudanças no cenário político interno, nesse sentido, a decisões de FHC estão
em concordância com exigências do imperialismo, e as forças internas nada mais fazem do
que se subordinar a essas decisões. Muitas vezes colocam com ponto de mudança o Plano
Brady e a formulação do Consenso de Washington, como imposições dos países imperialistas
aos países periféricos, logo tem menos peso a configuração interna das forças políticas
dominantes, o que não significa, obviamente, que a classe dominante interna não tenha
apoiado tais mudanças, todavia, foi decidida de fora para dentro.
Por fim, podemos encontrar uma terceira vertente, ao qual se aproxima mais da
própria leitura do governo, para os quais, o governo FHC não aderiu a nenhum programa
externo, mas se tratou de um projeto político renovador e democrático. A chave heurística,
nesse caso, não é entre neoliberalismo e interesse nacional, mas entre atraso e moderno, entre
patrimonialismo e universalismo de procedimentos. Para estes últimos, o antigo modelo
nacional-desenvolvimentista varguista é visto como herdeiro das piores práticas da política
brasileira: patrimonialismo, personalismo, corrupção, irresponsabilidade fiscal, mandonismo,
capitalismo de compadrio, Estado de compromisso, entre tantos outros termos comuns a esse
universo de análise, no qual sempre operou o pensamento liberal nacional. As mudanças
propostas pelo governo são vistas como decisões modernizadoras em concordância com as
boas práticas internacionais, e que ao mesmo tempo, minariam os velhos males da política
nacional, abrindo uma nova página na política brasileira. A seguir veremos como diferentes
autores analisam o significado histórico da eleição de FHC.
Brasílio Sallum (1999), partindo de um instrumental gramsciano, compreende o
governo FHC como o desfecho final de uma transição política ao qual passaram diversos
países da América Latina, este desfecho reafirma o rumo do processo de transformação
histórica, o fim do modelo desenvolvimentista, e a afirmação do projeto neoliberal. Para o
autor, esse desfecho tornou-se possível a partir do bem-sucedido plano de estabilização
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promovido por Cardoso, enquanto ministro da Fazenda. Opõe-se a dois tipos de análises, a
primeira, chamada por Sallum de voluntarista, no qual foi a capacidade de articulação de
FHC que lhe possibilitou dominar uma economia em desordem e ganhar o clamor popular. Já
a segunda vertente, hiperestruturalista, segundo a qual a “[...] candidatura de FHC teria sido
gestada pelas novas elites dominantes para viabilizar, no Brasil, a coalização de poder capaz
de dar sustentação de permanência ao programa de estabilização ao programa de estabilização
hegemônico.” (Idem, p. 24). Essas duas vertentes opostas não compreendem
[...] quer os processos sociais de construção e direcionamento da vontade política
quer a própria política enquanto atividade de articulação da vontade coletiva.
De fato, a coligação eleitoral que articulou a candidatura de Cardoso deu
acabamento final a um longo processo de construção social de um novo bloco
hegemônico saído das entranhas da Era Vargas mas oposição a ela. (IDEM)
Esse bloco hegemônico é formado pelas elites empresariais, seguidas de partidos
centro-direita e camadas médias. Nesse sentido, a vitória de Cardoso, representa ao mesmo
tempo, sua capacidade de liderar um novo pacto de dominação, e a ascensão de um novo
bloco hegemônico, formando uma unidade política, para Sallum dura entre o lançamento do
plano Real, antes, pois da posse oficial do presidente, e termina em seu segundo governo,
quando se alterou radicalmente o regime cambial do país.
Durante todo este período, o governo Cardoso buscou com perseverança cumprir o
propósito de liquidar os remanescentes da Era Vargas, pautando-se por um ideário
multifacetado, mas que tinha no liberalismo econômico sua característica mais forte.
Salvo engano, o núcleo dessa perspectiva pode ser resumido neste pequeno conjunto
de proposições: o Estado não cumpriria funções empresariais, que seriam
transferidas para a iniciativa privada; suas finanças deveriam ser equilibradas e os
estímulos diretos dados às empresas privadas seriam parcimoniosos; não poderia
mais sustentar privilégios para categorias de funcionários; em lugar das funções
empresariais, deveria desenvolver mais intensamente políticas sociais; e o país teria
que ampliar sua integração com o exterior, mas com prioridade para o
aprofundamento e expansão do Mercosul. (SALLUM, 1999, p. 31)
Para Sallum esse liberalismo cardosiano dividia-se quanto aos seus rumos, com
dois grupos, que em linhas gerais reivindicavam o liberalismo como solução, no entanto, em
doses diferentes. O primeiro, denominado pelo autor de neoliberais, mais doutrinários e
fundamentalista, possuía a direção hegemônica durante todo o primeiro mandato, encontrava
guarida no próprio presidente e nos Ministérios da Fazendo, do Banco Central, orientava de
modo consistente o núcleo duro da política governamental. O segundo grupo de liberais-
desenvolvimentistas, absorvia parte da tradição desenvolvimentista anterior, todavia, não teve
a consciência da primeira, “[...] não se materializou em texto programático e nem chegou a
orientar sistematicamente a ação governamental. Mas pode ser reconstruída a partir do debate
público, de conceitos esparsos aparecidos em documentos oficiais e do “espírito” de
iniciativas governamentais surgidas em reação a certas consequências sociais e econômicas
supostamente negativas da ortodoxia liberal”. (SALLUM, 1999, P. 32-33). Esses possuíam
16

certa guarida, nos Ministérios do Planejamento, e no Ministério da Indústria, Comércio e


tecnologia. Divisando o bloco hegemônico, Sallum aponta que o governo de Cardoso,
buscava orientar-se seguindo em linhas gerais ao primeiro grupo, mas nota que ao longo do
primeiro mandato foram tomadas medidas compensatórias às reivindicações do segundo
grupo. Ao optar por dar preferência ao neoliberalismo, FHC angariou para Sallum resultados
poucos expressivos no presente, como desemprego alto, e economia oscilante, todavia, essa
opção fora política teve como objetivo manter coeso o sistema político, para controlar a
agenda legislativa.
O objetivo central do programa de governo de Fernando Henrique era preservar a
estabilidade monetária e mudar o padrão de desenvolvimento brasileiro, superando a
Era Vargas, que – nas palavras do Presidente – “ainda atravanca o presente e retarda
o avanço da sociedade”. Já que ela fora parcialmente constitucionalizada em 1988, o
cerne do programa do novo governo consistia em um conjunto de projetos
destinados a reformar parte da Constituição e alterar leis infra-constitucionais que
materializavam institucionalmente o remanescente do varguismo. Como as reformas
constitucionais programadas eram numerosas e de aprovação muito difícil (uma
mudança constitucional exige 3/5 de votos nominais em dois turnos de votação em
cada uma das casas do Congresso Nacional), o governo dedicou a maior parte das
suas energias à luta na arena político-institucional. (Idem, p. 41)
Para Sallum essa constante disputa para controlar a agenda do legislativo para dar
prosseguimento às reformas constitucionais estaria na raiz da aposta cardosiana, em postergar
o presente e apostar no futuro. Nesse sentido, o governo de FHC buscava muito mais
construir um novo projeto de desenvolvimento do que angariar bons resultados
macroeconômicos, a estabilização monetária e a reforma da Constituição, considerada
desenvolvimentista, andavam lado a lado.
Marcos Ianoni (2009), concordando em linhas gerais com os argumentos de
5
Sallum , compreende a vitória de Cardoso e deu seu projeto liberal, como o encontro entre a
fortuna e a virtú. A fortuna na exaustão da crise multidimensional que acompanhou a política
brasileira, do fim da ditadura ao plano real; a virtu se encontra na própria capacidade de
liderança de Cardoso, ao conseguir congregar um novo pacto de dominação, a partir do Plano
real que para o autor, se não soluciona, resolve o impasse nacional para qual estratégia de
desenvolvimento deveria ser perseguida.
Marcos Nobre & Vinícius Freire (1998), partem do mesmo instrumental
gramsciano, para identificar as fissuras do bloco hegemônico que ascende ao poder,
caracterizam o governo FHC como estabilização imperfeita e política difícil. Diferente da
maior parte dos analistas políticos, para os autores o governo FHC não redefine um novo
5
Ianoni discorda de Sallum quanto a importância do Plano Real. Para Sallum, o plano é uma peça subordinada,
da aliança partidária de centro-direita. Para Ianoni, o Plano Real é a peça central que“[...] viabilizou a
repactuação sociopolítica, inclusive o seu acabamento na esfera político-institucional pela aliança de centro-
direita”. (Ibid, p.173)
17

pacto de dominação, antes herda um crise hegemônica, e o plano Real, que para os autores é
indistinto do programa de FHC, “[...] é um projeto de refundação econômica desenhado para
conter em si mesmo pelo menos os instrumentos inicialmente necessários para também criar,
e recriar, condições políticas para seu gerenciamento, isto é, para administrar a referida e
herdada crise de hegemonia.” (P. 124). Nesse sentido, o governo FHC, é caracterizado por
uma estabilização imperfeita, decorrente da crise de hegemonia, o Estado não consegue
definir o lugar do país periférico na nova organização mundial.
O que obriga, portanto, a uma administração miúda, cotidiana, do ajuste econômico
em que se responde a sinalizações de rota internas e externas nem sempre claras,
tarefa que se conjuga às dificuldades próprias de uma instabilidade crônica dos
mercados mundiais na qual está ancorada, em última análise, a estabilização. Esta
seria uma primeira formulação do que chamamos de "estabilização imperfeita".
(Ibid, 1998p. 125)
A política difícil se encontra na indefinição de ganhadores e perdedores com a
nova estratégia de desenvolvimento associado, num ambiente econômico mundial incerto.
“[...] Ao analisarmos o funcionamento do sistema político sob FHC, encontramos como que
um duplo daquela administração miúda, cotidiana, da "estabilização imperfeita": também na
política os pactos e alianças são precários, a legitimidade é insidiosa, os limites da ação são
escorregadios.” (Idem). Portanto, o governo FHC seria um processo permanente de
negociação da construção da hegemonia, ou seja, seria gestada ao longo do governo, não foi
definido de antemão.
As análises gramscianas anteriores têm o mérito de lançar luz sobre como se
formou e quais eram as disputas dentro do bloco hegemônico, todavia, esses trabalhos não
informam quais as divisões no interior da burguesia, nem quais apoiavam esses diferentes
grupos. Preenchendo essa lacuna as análises poulantizianas de Boito (1999) e Saes (2001)
saem da problemática da hegemonia, para olhar para as frações da burguesia brasileira, para
definir qual era a configuração do bloco no poder, tentando encontrar a hegemonia não de
dentro do Estado para fora dele, mas de dentro da burguesia para a política pública do Estado,
como um proxy de qual fração hegemoniza o conjunto mais geral da política estatal.
Boito (1995) tipifica quais frações burguesas eram prioritárias e quais eram
deixadas a margem das principais políticas governamentais, o faz a partir dos critérios de
fracionamento da burguesia no espaço nacional, divisando-a segundo, o porte do capital, o
setor de funcionamento e a relação com o imperialismo. Seu resultado é que a política
neoliberal de FHC é guiada pelos interesses da fração bancária-financeira interna aliada aos
interesses do imperialismo do capital financeiro internacional. Saes (2001) segue os mesmo
critérios, mas sem olhar com mais profundidade para o fracionamento da burguesia, optando
18

por caracterizar qual bloco hegemônico ascendeu ao poder com a chegada de FHC, no seu
entendimento: as frações liberais-conservadoras da política, a grande burguesia nacional e as
classes médias. Ambas as análises revelam quais os interesses e as disputas no interior do
bloco no poder.
Partindo para a segunda vertente de análise, do externo para o interno,
encontramos o trabalho liderado por Ivo Lesbaupin (1999), O Desmonte da Nação: Balanço
do Governo FHC analisa o governo a partir do prisma do interesse nacional. Para o autor, o
governo atende prioritariamente os interesses do capital financeiro internacional, levando a
um desmonte do Estado nacional moldado desde a era Vargas.
FHC governou, em primeiro lugar; para o capital financeiro internacional, para os
países mais ricos – os Estados Unidos, em primeiro lugar -, para os banqueiros e o
capital financeiro. Teve aliado apenas parcial no grande empresariado, pois muitas
das medidas que tomou lhe causaram grandes prejuízos: ainda assim, apoiaram.
Destruiu um grande número de pequenas e médias empresas. Mas governou
sobretudo contra os trabalhadores. Para estes, ofereceu apenas o controle da
inflação. À custa de desemprego, do rebaixamento dos salários e da precarização do
emprego. (LESBAUPIN, 1999, P. 12).
Dessa maneira, a burguesia nacional é vista como sócia, de um projeto de
desmonte do Estado concebido pelo capital financeiro internacional, a consequência lógica é
que mesmo se as burguesias internas não topassem esse projeto, ainda assim, o Estado seria
obrigado a leva-lo a cabo.
Tarso Genro, membro do PT, denuncia que a política econômica de FHC
representou a adesão brasileira ao neoliberalismo, com a feição de social-democracia, a quem
coube implementar o ajuste neoliberal na economia, apresentado-o a sociedade como único
caminho possível. Nesse sentido, FHC seria parte de um fenômeno global em que a social-
democracia teria assumido direta ou indiretamente o programa neoliberal de direita, “[...] a
socialdemocracia incorporava de forma estrutural a desregulamentação e a redução do
tamanho do Estado como elementos incontornáveis para realizar uma política "viável" no
"capitalismo globalizado"”. (GENRO, 1998, P.43).
Os artigos de Francisco de Oliveira podem ser descritos como os mais críticos ao
governo. Para o autor, o governo FHC deu continuidade ao programa de pagamento da dívida
externa, exaurindo do Estado sua capacidade de realizar mudanças sociais em um país com
desigualdades históricas.
Weberianamente, o Estado perdeu o monopólio exclusivo da violência;
marxisticamente, o Estado foi privatizado numa escala impensável em qualquer país
radicalmente liberal. Essa tendência já vinha desde o autoritarismo, mas,
perversamente, o Estado democrático a agravou. Depois de Sarney, que praticou o
"é dando que se recebe" como uma modalidade de desregulamentação, Collor levou
a tendência ao paroxismo: já que o Estado não funciona, o melhor é suprimi-lo.
(OLIVEIRA, 1995, P.62)
19

Dessa maneira, o Estado foi posto a serviço da globalização, gastando todos os


seus recursos em favor da dívida externa, enquanto utiliza [...] “seu ‘último recurso
metodológico’, suas Forças Armadas, para reprimir bandidos”. (IDEM). O discurso de
Cardoso prometia retirar o Estado da economia para focá-lo no social, no entanto, este Estado
longe de atacar as iniquidades sociais, presta-se ao serviço do ajuste fiscal mais regressivo
contra os de baixo. Esse arranjo tornou-se possível, graças à pedagogia perversa que foi sendo
construída pelos dez anos do processo hiperinflacionário, “[...] uma espécie de
conservadorismo que se pode resumir em mudança social regressiva, isto é, um anseio
generalizado e difuso por estabilidade, segurança, ordem, e, par contre, o medo à mudança
social progressista.” (1995, P.63).
O lado reverso da pedagogia perversa é acumulação financeira que propiciou os
altos ganhos especulativos da classe dominante brasileira. O neoliberalismo constitui-se como
o programa escolhido que daria continuidade aos ganhos da burguesia, por isso.
As burguesias se jogaram todas na candidatura Fernando Henrique Cardoso (...).Seu
programa transformou-se na bíblia dos empresários, ou o que é mais sintomático: a
bíblia, composta por privatização, retirada do Estado da economia,
desregulamentação de alto a baixo, ataque aos direitos sociais e humanos,
desregulamentação do mercado de força de trabalho, "desconstitucionalização" da
Constituição-cidadã de Ulysses Guimarães que criou a "ingovernabilidade" (a
esmagadora maioria dos tucanos, inclusive o presidente eleito, votou, na
Constituinte, a favor do que hoje apontam como elementos de "ingovernabilidade"),
passou a ser o livro comum, transcendental, da grande burguesia e do candidato.
(OLIVEIRA, 1995, P.66)
A política para Oliveira (1999) é “[...] a da reivindicação da parcela dos que não
tem parcela, a da reivindicação da fala, que é, portanto, desentendimento em relação a como
se reparte o todo, entre os que têm parcelas ou partes do todo e os que não tem nada.” (Idem,
P.60). O neoliberalismo se apresenta, como racionalidade privada, erguida ao Estado, assim, o
“[...] O Estado deve ter a mesma ‘rationale’ da empresa privada; deve retrair seus efetivos
quando a crise ordena; deve aplicar os mesmos critérios aos negócios (licitações de bens
públicos, p. ex.), que uma empresa privada”. (Idem, p.73). Dessa forma, opera-se um roubo da
fala, uma privatização da arena pública, o Estado ao ser concebido e dirigido tal como uma
empresa privada, anula a política dos dominados, sua continuidade dialética é o Estado
policial contra as reivindicações populares. Para Oliveira, o programa neoliberal de FHC, em
nome da globalização, tomava cada vez mais uma face totalitária. Colocou-se como grande
culpado pelo desiquilíbrio das contas públicas as despesas sociais, quando para Oliveira, o
desiquilíbrio provinha, da dívida pública interna e do serviço da dívida externa.
Em análise diametralmente opostas as últimas que foram apresentadas, Rubem
Barbosa, defende que com as eleições de 1994, os paulistas efetivamente chegaram ao poder.
20

Defendendo as reformas do Estado, entende que o novo modelo de desenvolvimento, tem


como eixo fundamental a compatibilização entre democracia política e economia de mercado.
O projeto, em seu entender, se apresenta não apenas socialmente justo, mas compatível com
as novas práticas dos países desenvolvidos, estar-se-ia adotando um caminho reconhecido
para o desenvolvimento. Para Barbosa FHC acertadamente, buscava romper com a Era
Vargas, que para ele é,
Visceralmente ‘maqueaveliana’, atribui ao Estado o papel de regenerador e condutor
da sociedade e pressupõe a incapacidade desta última para gerar soluções adequadas
a seus desafios básicos creditando ao Estado e a política a responsabilidade pela
redenção ou construção de uma sociedade. (BARBOSA, 1995, P.97-98)
Para Barbosa, FHC representa os paulistas no poder, redimidos a despeito do seu
enorme peso econômico, vindos de outra tradição, diametralmente oposta ao maquiavelismo
getulista, uma tradição liberal e democrática. Por isso, seu desafio era remodelar as
instituições a margem e combatendo o getulismo impregnado nelas, eram necessárias
reformas estruturais que remodelassem a relação entre Estado, mercado e a sociedade,
afirmando a democracia e a economia de mercado como valores.
O Desafio previsto, portanto, é o de eliminar a estrutura institucional, a burocracia e
cipoal legal constitutivos de nosso Estado como nichos de interesses privilegiados.
A diminuição do peso do Estado não é imaginada aqui como diminuição do poder
do Estado, mas como sua reconstrução por fora do processo de privatização a que
foi sistematicamente submetido durante década (...) consiste numa operação de
limpeza do Estado, reorganizando-o como instituição dotada de poder decisório
efetivo porque livre do controle direto ou indireto de interesses particulares variados.
(BARBOZA, 1995, P. 138-139)
Portanto, esse projeto não era neoliberal antes uma remodelação moderna do
Estado, pois caberiam novas funções, tais quais: i) formular uma política industrial nova, que
buscasse preservar e ampliar os setores competitivos; ii) redefinir os mecanismos indutores do
investimento; iii) investimento em infra-estrutura seja diretamente, seja em parceria; iv)
investir e estimular o desenvolvimento científico e tecnológico; v) promover uma nova
política educacional e readequação do trabalhador a nova economia competitiva. Por isso,
defende:
O Estado não reduzido, é redefinido em função de exigências novas do paradigma
tecnológico e das condições alteradas de competitividade. Esta redefinição implica
recriar a sua credibilidade interna e externa, através do saneamento de suas finanças,
e da racionalização do seu sistema tributário, do aumento de sua capacidade fiscal,
da eficiência crescente dos seus serviços, num programa estrategicamente
concebido, da reestruturação do gasto público, da eliminação de um cipoal irracional
de leis, decretos e regulamentos. (BARBOSA, 1995, P.145)
Dessa forma, Barbosa aponta que com o Plano real foram lançados os novos
alicerces do novo modelo de Estado, definindo a maneira como agentes políticos e
econômicos deveriam tratar com o Estado. Lançaram-se as bases para um novo projeto de
desenvolvimento, ao qual dependeria para seu sucesso da aprovação de um conjunto de
21

reformas. No entanto, para aprovar essas reformas o executivo era obrigado “a sujar as mãos”
com práticas “maquiavelianas” para obter sucesso em sua aprovação, como a distribuição de
emendas parlamentares, loteamento de cargos no executivo, entre outras práticas, pouco
afeitas ao novo espírito da administração pública. Por isso, em seu entendimento o
presidencialismo brasileiro conviveria durante muito tempo com práticas maquiavelianas.
Ao apresentarmos essas análises vemos o quão dispares são, pode significar o que
nos parece provável, ainda resta um trabalho mais profundo sob os governos FHC, um
trabalho que relacione as mudanças das políticas estatais com a ação política da classe
dominante. Economistas focam suas análises, nas orientações da política econômica, esta
definida a partir dos pressupostos teóricos da equipe econômica do governo, a partir disso
buscam realizar uma análise técnica, na qual se avalia os acertos ou erros de acordo com a
racionalidade econômica. Segundo Moraes (2018)
É assim que o vê uma parcela considerável dos analistas econômicos, para os quais a
ação estatal só pode ser entendida a partir de sua posição relativa diante de uma
ciência sempre racional, em linha reta. As respostas procuradas são quase sempre
objetivas: sim ou não, certo ou errado, racional ou irracional. Raras vezes se
perguntam o que esteve por trás desta ou daquela decisão, quais os elementos que
direcionaram para este ou para aquele caminho, a posição governamental.
(MORAES, 2018, P.14).
Portanto, as análises econômicas não buscam discutir a correlação de forças que
está por trás da formulação das políticas públicas, em especial, da política econômica muitas
vezes analisada sob o prisma da tecnicidade das decisões, perdendo de vista a economia
política por trás da política econômica.
As análises políticas por outro lado, muitas vezes não debatem a política
econômica, e buscam compreender a correlação de forças políticas no interior bloco
hegemônico que domina a política do governo. Nesse caso, as análises são ainda mais difusas,
alguns autores entendem que o governo atende prioritariamente aos interesses estrangeiros,
sobretudo, do capital financeiro internacional, mas perdem de vista que tal intento não seria
possível se não houvesse uma correlação de forças internas favoráveis à adoção de tais
medidas. Por outro, aqueles que excessivamente concentram seu olhar para as forças internas
sem analisar o ponto de vista mais geral do movimento internacional do capital. Ao fim e ao
cabo, várias perguntas permanecem sem respostas.
Esse trabalho busca revisitar um capítulo relativamente recente da história
nacional, se insere em um esforço maior que têm se desenvolvido nos anos recente na ciência
social brasileira. Referimo-nos aos trabalhos poulantzianos que vem sendo publicados nos
últimos anos. Entre os quais podemos arrolar os trabalhos de Armando Boito, e seu grupo de
pesquisa no IFCH da Unicamp; a recente tese de doutorado de Rafael Moraes, revisitando os
22

estertores do final dos governos militares, pelo IE-Unicamp; a tese de Eduardo Costa Pinto
sobre o governo Lula, dentre tantas outras.
A perspectiva teórica e metodológica adotada nesta dissertação busca se filiar a
esse esforço de compreender o Estado e as frações de classe dominante. Não avaliaremos os
resultados da política estatal, nem seus pressupostos, ou sua racionalidade, nosso intento é
compreender os interesses envolvidos na formulação desse novo projeto de desenvolvimento
encabeçado por Fernando Henrique Cardoso. As ações da política estatal deixam de ser objeto
da análise, para serem vistas como locus de análise das correlações de forças, tais decisões
refletem as mudanças nas correlações de forças políticas no interior e fora do Estado.
O primeiro passo, para tal empreitada, seria a escolha de qual arena servirá de
objeto privilegiado para análise. Nossa escolha é pela política econômica. Por um significado
histórico, ao qual foi bem definido por Fiori (2003), o Estado na periferia do capitalismo
assume funções extras, que não encontramos nos países centrais, o que olhe confere um
estatuto inusitado. Suas funções são de organização e defesa dos monopólios nacionais,
muitas vezes assumindo o próprio comando do processo de desenvolvimento, e além do mais,
de gerir a inserção do país, pactuando sua inserção no sistema econômico mundial.
Sua intervenção e sua política econômica, em particular, definem os objetivos de
curto e longo prazos da sociedade como um todo, decidindo a cerca de seus planos
estratégicos e táticos de implementação. Aqui, mais do que nos países centrais, é a
política econômica que estabelece os horizontes coletivos, organizando, em torno do
seu processo de decisão, todos os momentos conjunturais, assim como a
multiplicidade infinita de atores, com seus interesses e expectativas heterogêneos .
(FIORI, 2003, P. 99)
Fiori apreende o significado histórico da política econômica, nos países
periféricos, sua função particular é de estabelecer os horizontes coletivos da ação do conjunto
da sociedade, aqui mais do quem em qualquer outro lugar, “[...] ciclos políticos e ciclos
econômicos se interpenetram” (Idem, p. 100). Em nosso entendimento, para compreender um
ciclo de governo é necessário olhar para um campo onde esses dois ciclos se cruzam
mutuamente, lugar onde a ação do Estado é por excelência o reflexo da correlação de forças
entre as frações de classe dominante, este lugar, portanto, é a política econômica.
A política econômica será vista, portanto, como um campo de disputa, como locus
onde os interesses das frações de classe são confrontados para a definição dos rumos gerais
que a política global do Estado tomará. A política econômica será compreendida por nós, não
apenas como o manejo dos instrumentos clássicos da macroeconomia: política monetária,
fiscal e cambial. Partiremos de uma compreensão ampliada, em que a política econômica
compreende a política mais geral que orienta a estratégia de desenvolvimento do governo.
Nesse sentido, a reforma do Estado, privatizações, reforma administrativa, entre outras serão
23

concebidas como aspectos particulares de uma política econômica mais geral. Essa escolha
pelo alargamento do campo para verificação decorre do fato, de que as frações de classe
disputam não apenas a política econômica do dia-a-dia, mas também, a estratégia geral de
desenvolvimento a ser perseguida pelo Estado.
Escolhido o campo de análise, precisamos escolher qual fração da classe
dominante será objeto de análise. A maior parte dos trabalhos poulantzianos tem optado por
decifrar e encontrar as posições políticas de uma fração de classe através da recuperação das
declarações públicas dadas por seus “intelectuais”, isto é, as lideranças empresariais do setor
escolhido, reconhecido por seus pares e por toda a sociedade. Assim, busca-se investigar
todas as declarações públicas dadas por esses empresários nos meios de comunicação, e ao
mesmo tempo, analisar as publicações da fração estudada em revistas e outras publicações
para encontrar essas demandas. Tal abordagem nos parece a mais adequada, todavia, não
explica o todo, isto é, para realmente verificar em que medida as políticas estatais
correspondem aos interesses de uma determinada fração de classe seria necessário adotar esse
mesmo procedimento para todas as frações de classe dominante presentes no capitalismo
nacional. No entanto, esse intento é impossível para um único pesquisador, nos limites de
uma dissertação de mestrado, ou mesmo de uma tese de doutorado. Por isso, Eduardo Costa
Pinto (2010) em sua tese de doutorado adota outro procedimento, ao invés de investigar as
declarações dadas por empresários, opta por analisar a dinâmica econômica dos principais
grupos econômicos no capitalismo brasileiro, através da análise de seus balanços
consolidados. Assim a acumulação de capital desses grupos reflete as decisões de política
econômica, por consequência, o grupo que mais lucrou durante um período seria a fração
hegemônica dentro do bloco no poder. Tal procedimento, apesar de criativo, elucida as
estratégias econômicas que as frações de classe dominante adotam para acumularem mais
capital, mas não explica a prática política das classes. O bloco no poder, segundo Poulantzas
(1977) é o campo da prática política das classes, apreendida por está ultima, não pela
dinâmica econômica dos grupos. Talvez, o procedimento mais completo seria analisar as
declarações de todas as frações de classe, ao mesmo tempo acompanhar a dinâmica dos
principais grupos econômicos, e cotejá-las com a política econômica do governo, todavia,
mais uma vez é uma impossibilidade prática para um único pesquisador.
Cientes dessas limitações, optamos como objeto de análise a fração interna
industrial da classe dominante, esse grupo foi considerado estratégico ao longo do ciclo
desenvolvimentista anterior, vistos muitas vezes como os paladinos da emancipação
econômica brasileira. No entanto, no momento de abertura comercial têm sua posição
24

econômica fragilizada pelo aumento da concorrência com capitais estrangeiros, por isso,
partimos do pressuposto de que essa fração não tinha a hegemonia no bloco no poder, mas
disputava-a com outras frações de classe. Todavia, mesmo com sua posição fragilizada pela
abertura comercial, não perde sua importância na dinâmica política do bloco no poder, além
do mais, até onde sabemos não há um estudo integrado dos interesses dos industriais durante
os governos FHC 6.
Ao longo da pesquisa iremos investigar as declarações públicas dadas pelos
principais empresários industriais durante o período do governo FHC, entre eles: Antônio
Ermírio de Moraes, Benjamin Steinbruch, Rubens Ometto Silveira Mello, entre outros. Esses
empresários serão vistos como representantes orgânicos da categoria estudada, como uma
caixa de ressonância do pensamento da fração de classe dos industriais. A investigação dessas
declarações será realizada nos arquivos de alguns jornais escolhidos. Tais como: o arquivo do
jornal Folha de São Paulo, e da Revista Veja, da editora Abril, ambas do Estado de São Paulo;
e os arquivos do Jornal O Globo, do Rio de Janeiro. O período dos governos FHC foi
recortado em três: primeiro, de 1994-1996, marca o momento de espera dos industriais quanto
às primeiras medidas do governo e se estende até a marcha dos industriais até Brasília para
pressionar o congresso por reformas7. O Segundo período, vai de 1996 a crise cambial de
1999. O terceiro, de 1999 a 2002, quando se encerra o segundo mandato de Cardoso.
É necessário se aprofundar ainda mais, investigando a publicação das principais
entidades representativa dos industriais, optamos por duas delas. As publicações da Federação
Das indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), principal federação patronal do Estado de
São Paulo, Estado esse que ainda nos anos 1990 era o principal polo industrial do país, cuja
publicação analisada será a Revista da Indústria, de publicação mensal. E as publicações da
Confederação Nacional das Indústrias (CNI), entidade máxima de organização dos industriais
que congrega a reunião das federações industriais de todos os Estados, cujas publicações
analisadas serão a Revista Indústria & produtividade, de publicação bimestral, e a revista
Indústria Brasileira: Revista da confederação nacional das indústrias, de publicação mensal.
Essa duas entidades foram escolhidas por alguns motivos: primeiro, por representarem
diversos setores industriais; segundo, por motivos regionais, uma esclarece as posições dos
industriais do principal polo industrial do país, ao passo que a outra, representa empresários
6
Existem alguns estudos sobre os industriais como o de Álvaro Bianchi (2010) que estuda a FIESP entre o final
dos anos 1970 ao início dos anos 2000, sobre a CNI a tese de doutorado de Wagner Mancuso (2004) estuda a
agenda da entidade durante os anos 1990. Nossa proposta é estudar a atuação das duas entidades durante os
governos FHC o que em nosso entendimento é algo inédito.
7
A análise foi ampliada para o ano de 1994, porque concordamos com Sallum (1999) de que o governo FHC
começa de fato com o lançamento do plano Real, sua eleição é um desdobramento do sucesso do plano.
25

de todo os Estados; terceiro, foram as principais publicações encontradas em série até o


momento.
Além das publicações das entidades patronais, iremos investigar as publicações do
instituto de pesquisa dos industriais o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
(IEDI), instituto mais técnico cujo objetivo é criar estratégias e estudos para o
desenvolvimento industrial. Nesse caso, o IEDI funciona como uma base teórica no qual os
empresários industriais se informam para formularem seu discurso midiático.
O material será classificado de acordo a questões mais gerais, e aquelas mais
específicas sobre os períodos recortados. As questões mais gerais serão aquelas que dizem
respeito à própria conjuntura daquele tempo histórico, a saber: a) globalização; b) reforma do
Estado; c) abertura comercial; d) acordos comerciais; e) papel do Estado na economia; f)
avaliação pessoal do presidente. No outro polo, restarão as questões específicas sobre cada
período. Tais como; a) crítica a ministros do governo; b) elogios a ministros; c) avaliação de
políticas públicas do governo; d) critica a outras frações de classe; e) demandas por políticas
públicas; f) avaliação da política industrial.
Após a classificação do material estudado, buscaremos cotejá-la com a política
estatal, no instituto de verificar em que medida após a declaração de algum membro da fração
de classe, ou de alguma publicação houve alguma mudança na política estatal. Para a análise
de como o Estado reage às pressões dos industriais, contaremos ainda com os diários do
presidente FHC, ao qual trazem opiniões a quente, no momento que ocorreram as demandas
empresariais. Esses diários nos serão úteis como locus da análise das relações entre
empresariado e Estado.
A análise das declarações dos industriais será realizada no intuito de captar as
demandas dos industriais, suas avaliações sobre as políticas estatais, suas avaliações sobre a
conjuntura histórica, a ideologia que os informava, e as mudanças de posições ao longo dos
dois governos. Destaca-se que não pretendemos ao analisar esse material encontrar aquilo que
os industriais realmente pensavam sobre o governo, tal intento, só seria possível se tivéssemos
acesso às reuniões fechadas entre seus pares. Por isso, essas declarações serão tomadas como
“discursos oficiais”, ou seja, revela a posição política de um grupo, não necessariamente
aquilo que o agente histórico realmente pensa.
Partindo da maneira como compreendemos o desenvolvimento do capitalismo
brasileiro, este trabalho está divido até o momento em quatro capítulos. No primeiro deles, o
tema será o Estado e a frações da classe dominante, na qual se buscou formular um conceito
teórico-metodológico do Estado capitalista no Brasil, apresentado os conceitos tais como
26

foram formulados por Poulantzas para historicizá-los a partir de uma discussão a cerca das
funções do Estado e suas relações com as frações de classe na era da globalização.
O segundo capítulo é uma recuperação histórica da trajetória de Fernando
Henrique Cardoso. Esta em duas dimensões, a teórica, no qual a partir da teoria da
dependência, buscou-se clarear qual o projeto de país que ali estava pressuposto; e em um
segundo momento a recuperação da trajetória política de FHC, quais foram suas principais
ideias na qual desaguaram em seu projeto de país.
No terceiro capítulo, busca-se apreender as mudanças do capitalismo mundial, em
dois sentidos. Primeiros, as mudanças no sistema monetário e financeiro internacional,
conhecidas como globalização financeira, com intento de indicar quais foram as modificações
do sistema e como impactaram de maneira desigual os diferentes países do sistema capitalista.
Em um segundo momento, analisamos a chamada globalização produtiva e a maneira pela
qual altera a estrutura de concorrência do capitalismo mundial, e como essas mudanças
impactam diretamente as formas de associação do capitalismo periférico com o as empresas
transnacionais. Terceiro, apresentamos o neoliberalismo e suas principais ideias, como base
ideológica da globalização. Por fim, como os policy makers, defenderam as ideias neoliberais.
O quarto capítulo, parte do conceito de crise de hegemonia para reconstruir o
processo político e econômico que vai da ditadura militar ao seu desfecho com o lançamento
do plano real. Serão recuperados os momentos-chave que explicam o desfecho da crise, tendo
como foco de análise ações do Estado e das principais frações de classe dominante, com
objetivo de apontar a mudança nas posições políticas dessas frações de classe ao longo deste
período de crise de hegemonia. A crise do Estado, e as mudanças do bloco no poder ao longo
desse período serão correlacionadas, de tal forma que a crise do Estado reflete as mudanças
das posições políticas das frações, bem como, da composição final do bloco no poder, no
momento de lançamento do Plano Real como a resolução da crise hegemônica.
27

1- O instrumental poloulanziano.
Nicos Poulantzas promove uma reformulação na teoria marxista do Estado ao se
propor uma teoria específica do tipo de Estado capitalista (CARNOY, 1988), separando a
política como uma esfera com autonomia própria dentre as outras esferas da vida social, por
um lado, rejeitando o economicismo presente em algumas formulações marxistas, na qual a
esfera da política é mera emanação da esfera econômica. Por outro, do políticismo
institucionalista, na qual a política se separa de todas as outras esferas da sociedade, o Estado
e suas instituições são encarados como neutros, e os interesses econômicos dos grupos
dominantes tem o mesmo peso que o de outros grupos, dessa forma, encaram a política como
uma disputa isonômica. Poulantzas procura um tertium datur dentre essas duas posições, a
política é um campo com autonomia própria, os fenômenos políticos não tem correspondência
direta a esfera econômica, todavia, a esfera política é a arena onde ocorre a disputa política
das lutas de classes. Nesse sentido, os fenômenos políticos tem certa correspondência com a
disputa econômica das classes, logo, não há isonomia entre os indivíduos, para Poulantzas os
indivíduos são suportes objetivos das classes sociais, se apresentem no campo da disputa
política como agentes de uma determinada classe social.
Para Poulantzas o traço distintivo do Estado capitalista é a ausência de
determinação de sujeitos, não há indivíduos que controlam diretamente o poder do Estado,
não é o objeto particular de uma classe específica, no sentido ser meramente passivo aos
interesses de alguns indivíduos, neste sentido, afasta-se da concepção maniqueísta, por ele
criticada do PCF (Partido Comunista Francês), na qual o Estado seria o mero comitê
executivo da burguesia, seu objeto particular; tampouco, concebe o Estado como sujeito
autônomo, no qual a partir de sua moldura institucional permite em condições de igualdade a
representação de todas as classes sociais no seio deste Estado. Para o autor, o Estado
capitalista é um Estado de classe, todavia se apresenta de modo específico, o fato de a
dominação política estar ausente de suas instituições, se apresentando como um Estado-
popular-de-classe, sua legitimidade se funda no conjunto de indivíduos-cidadãos,
formalmente livres e iguais, portanto, pode afirmar que representa não o interesse da classe
dominante, mas o interesse do “povo”, representante da soberania popular. Nesse sentido, o
sistema jurídico-político
[...] resulta um caráter normativo expresso no conjunto de leis sistematizado a partir
de princípios de liberdade e igualdade: é o reino da lei. A igualdade e a liberdade dos
indivíduos-cidadãos residem na sua relação com as leis abstratas e formais,
consideradas enunciativas dessa vontade geral no interior de um “Estado de direito”.
O Estado capitalista moderno apresenta-se, assim, como encarnado o interesse geral
28

de toda a sociedade, como substancializando a vontade desse “corpo político” que


seria a “nação”. (POULANTZAS, 1977, P.119).
Estado capitalista é uma instância do modo de produção capitalista (MPC), faz
parte de suas relações de produção, é o nível regional da instância jurídico-política, construída
pelas suas instituições e pelas leis, ambas refletem o nível ideológico. Pressupõe para sua
existência, o desenraizamento de classe dos indivíduos, tomados não como suportes objetivos
das classes sociais, mas como “indivíduos nus”, liberados dos laços de dependência pessoal,
decorrente da separação do produtor direto dos meios de produção, processo que Poulantzas
conceituou como efeito de isolamento, na qual os indivíduos são isolados na instância
jurídico-política das suas determinações estruturais de classe. Nas relações econômicas, o
processo real é a da relação de detentores dos meios de produção, e detentores unicamente da
força de trabalho, todavia, a função específica do Estado no MPC é transformar esses agentes
da produção em sujeitos jurídicos, compradores e vendedores da força de trabalho, através de
contratos reconhecidos pelo Estado. Nesse sentido, o Estado promove uma separação do
econômico do político, pelo lado, econômico, “[...] engendra a concentração do capital e a
socialização do trabalho, simultaneamente instaura, no nível jurídico-político, os agentes da
produção como “indivíduos-sujeitos”, políticos e jurídicos, despojados de sua determinação
econômica e, portanto, do seu pertencimento de classe”. (Idem, p.123). Portanto, o Estado é
uma unidade de isolamento como dirá Poulanzas.
Assim, este Estado se apresenta constantemente como a unidade propriamente
política de uma luta econômica que manifesta, em sua natureza, este isolamento. Ele
aparece como representativo do “interesse geral” de interesses econômicos
concorrenciais e divergentes que ocultam aos agentes, tal como estes vivem, seu
caráter de classe. Por via de consequência direta e através de todo funcionamento
complexo do ideológico, o Estado capitalista oculta, sistematicamente, no nível de
suas instituições políticas, seu caráter político de classe: trata-se, no sentido mais
autentico, de um Estado popular-nacional-de-classe. Este Estado se apresenta como
a encarnação da vontade popular do povo-nação. O povo-nação é institucionalmente
fixado como conjunto de “cidadãos”, “indivíduos” cuja unidade o Estado representa,
e tem, precisamente, como substrato real este efeito de isolamento que as relações
sociais econômicos do MPC manifestam. (Idem, p.129)
Compreendida a função jurídica-política do Estado capitalista, é necessário
compreender a relação do Estado com as classes dominantes e dominadas. O Estado
representa os interesses políticos da classe dominante, não seus interesses econômicos, “[...]
ele é o centro do poder político do poder político das classes dominantes na medida em que é
o fator de organização da sua luta política” (Idem, p.185), não atende diretamente as
demandas específicas das classes dominantes, somente seu interesse geral, como dirá
Gramsci, os interesses dominantes levam a melhor, mas só até certo ponto, ou seja, não até o
mesquinho interesse corporativo. O Estado capitalista não exclui a representação das classes
dominadas, permite dentro do seu jogo institucional, certa garantia dos interesses econômicos
29

das classes dominadas, o faz a nível jurídico-político, complementando-se com sua função
ideológica, de “consentimento” particularmente organizado e dirigido das classes dominadas.
Todavia, este não é um efeito meramente ideológico, denota um fato real: “[...] esse Estado
permiti, pela sua própria estrutura, as garantias de interesses econômicos de certas classes
dominadas, eventualmente contrária aos interesses econômicos a curto prazo das classes
dominantes, mas compatíveis com seus interesses políticos com sua dominação hegemônica.”
(Idem, p.185)
O Estado capitalista é um Estado de uma sociedade divida em classes, na qual os
interesses das classes dominadas aparecem como possibilidades nos próprios limites
institucionais, em que o Estado impõe a dominação hegemônica da classe dominante. O
Estado ao mesmo tempo em que apresenta os limites de sua ação política, freando a ação
revolucionária das classes dominadas, garante a dominação política, hegemônica, das classes
dominantes. Por isso, dirá Poulantzas que o poder político do Estado baseia-se num estável
equilíbrio de compromisso. Compromisso na medida em que atende a certos interesses das
classes dominadas, sem que isso atinja o poder político das classes dominantes. Ao fazê-lo
mantém o equilíbrio da luta de classes na medida em que sacrífica os interesses econômicos
mais imediatos da burguesia, sem atingir o seu poder político, ao mesmo tempo o
compromisso é instável, na medida em que é fixada pela inconstante conjuntura política.
O detém ante as classes dominantes, portanto, uma autonomia-relativa,
característica derivada de sua função de mediar e unificar os interesses da burguesia para
apresentá-los como interesses gerais da nação, consolidando assim a hegemonia da classe
dominante sobre a classe dominada. “[...] Assim, poder-se-á dizer, localizando a relação entre
o Estado capitalista e as classes politicamente dominantes, que esse Estado é um Estado com
direção hegemônica de classe.” (Idem, p.133). Gramsci, segundo Poulantzas foi o primeiro a
formular o conceito de hegemonia, no entanto de maneira muito ampla, já o marxista franco-
grego tentar aprofundar esse conceito de hegemonia, a burguesia não é unificada em seus
interesses particulares, o é apenas no seu interesse geral comum - exploração econômica e
dominação política. Portanto, o Estado no MPC assegura a hegemonia política da burguesia,
mas esta se restringe a prática política das classes dominantes.
Poulantzas, com o passar dos anos após a publicação de Poder político e classes
sociais, passa a aprofundar seu entendimento sobre o Estado capitalista, no referido livro,
sobressai o Estado enquanto função e estrutura, já em sua última obra O Estado, o poder e o
socialismo, passa a aprofundar o entendimento do Estado como um campo de disputa, uma
teoria, portanto relacional. Em suas próprias palavras:
30

Ao precisar algumas de minhas formulações anteriores, diria que o Estado, no caso


capitalista, não deve ser considerado como uma entidade intrínseca mas, como aliás
é o caso do ‘capital’, como uma relação, mais exatamente como a condensação
material de uma relação de forças entre as classes e frações de classe, tal como ele
expressa, de maneira sempre específica, no seio do Estado. (POULANTZAS, 2000,
P.130)
Esta concepção não significa que nesta formulação Poulantzas abandona a ideia a
autonomia-relativa do Estado, justamente pelo fato de organizar e unificar os interesses gerais
da burguesia, na medida em que para fazê-lo precisa se afastar dos interesses particulares
destas classes, esta autonomia é mantida, podemos dizer que é um traço constitutivo, inerente
do Estado no MPC. No entanto, aqui o Estado passa a ser um campo de disputa e um processo
estratégico, na qual comparecem núcleos e redes de poder presentes na sua própria ossatura
material, refletindo os interesses contraditórios das classes no capitalismo, seus aparelhos
podem inclusive representar frações de classes distintas, com interesses divergentes dos
dominantes, inclusive, alguns interesses das classes dominadas, todavia, ao fim e ao cabo, o
Estado aparece como a condensação material de uma relação de forças, apesar de interesses
diversos, sua direção é assegurada pela hegemonia de uma fração dominante, sua política
global reflete a direção desta fração hegemônica.
O conceito de Estado no MPC só pode ser compreendido ao se investigar a classe
dominante, esta não é unificada e coesa, que detém o mesmo interesse independente de sua
atividade na reprodução do capital, mas é entrecortada por frações, são indivíduos
representantes de uma classe social geral, e também de uma fração de classe específica, que
cumprem papeis sociais, na produção e reprodução da sociabilidade capitalista. Seus papéis
sociais de classe são emanações de três níveis estruturais: econômico, político e ideológico,
cada instância se condiciona como condição necessária para a reprodução das outras
instâncias, são estruturas condicionadas reciprocamente. Logo, esse conjunto de estruturas
conforma o fracionamento da burguesia, por dois motivos: primeiro pela diversificação das
atividades econômicas, no circuito completo de produção, circulação e realização do capital
(D-M...P...M-D’) é possível que um mesmo agente realize todo o curso de valorização do
capital, todavia, não é o que costuma ocorrer na realidade, normalmente cada agente se
especializa em uma função da reprodução do capital, o que gera frações de classes emanadas
diretamente da esfera econômica. O segundo motivo, são os efeitos jurídico-políticos, ao se
especializarem em uma determinada função na reprodução do capital, os agentes econômicos
tendem a se agregar a uma atividade política, como forma de defender seus interesses
políticos específicos. Logo, a própria estrutura das relações sociais capitalistas forma
objetivamente, classes e frações de classes decorrentes desses dois motivos, e assim como, o
31

modo de produção capitalista, são unidades contraditórias, que podem até ter um interesse
geral comum, mas não anula suas contradições internas e seus interesses específicos.
As frações de classe se articulam para formarem uma comunidade de interesses,
aquilo que foi conceituado por Poulantzas (1977) como bloco no poder, que para o autor é um
traço específico das frações no MPC, recobre o campo das práticas políticas, nesse sentido,
não se pode depreender que o bloco reflete a forças econômicas das classes, ou seja, que a
fração de classe que mais acumula capital seria a fração dominante no bloco no poder. Não
ocorre desta maneira, o bloco refere-se ao campo específico das práticas políticas. Uma
configuração particular, ao qual de um lado, comparece o Estado, com seu jogo institucional,
jogo que funciona como uma unidade especificamente política do poder do Estado, o fato de
tonar possível, a partir dos seus limites institucionais, coexistindo várias classes e frações no
seio de seus aparelhos; por outro, a configuração particular das classes dominantes no MPC,
funcionando como uma unidade política, recoberta pelo conceito de bloco no poder.
Para Poulantzas: “[...] o bloco no poder constitui uma unidade contraditória de
classes e frações politicamente dominantes sob a égide da fração hegemônica” (Poulantzas,
1977, p. 229.) Como o bloco é uma unidade contraditória, as frações disputam sua
hegemonia, mas, na articulação do bloco no poder há uma tendência à formação de um núcleo
hegemônico, composto por uma fração de classe. Hegemonia é a “[...] capacidade de uma
fração fazer prevalecer seus interesses no interior do bloco” (FARIAS, F. 2008, p.93). Essa
forma particular do exercício de sua hegemonia, não se ocorre apenas pelo atendimento de
suas demandas, de uma maneira impositiva, mas também, por meio de vetos e contra
decisões. O fato de o bloco ser uma unidade contraditória, expressa sua coesão e coerção, a
fração dominante, domina de acordo com a conjuntura, o estágio do capitalismo, e a forma
que o Estado assume em cada estágio do capitalismo, esta unidade não é definida por sua
duração, o que indica a sua dinâmica, dada pela conjuntura e pelas forças que ocupam o
bloco, passíveis de mudança. O conceito de bloco no poder indica a existência de uma
unidade contraditória com a dominante – essa dominância é resguardada para uma das frações
que compõem o bloco no poder, ou ainda: a aliança de várias classes com a fração dominante.
Esta última é quem unifica os interesses gerais do bloco, - a aliança no poder – e também é
aquela a quem o Estado garante, por excelência, os interesses específicos.
Assim, o Estado quando formula suas políticas econômicas não o faz a partir de
sua própria vontade, o faz visando atender aos interesses do bloco no poder, priorizando a
fração hegemônica. Segundo Pinto & Teixeira (2010) a política econômica, na qual longe de
ser o resultado de decisões técnicas, como imaginam os economistas ortodoxos, é resultado
32

do choque e entrecruzamento de interesses das frações dominantes que busca privilegiar e


atender os interesses específicos da fração dominante. Esse choque e entrecruzamento de
interesses se inserem no seio do Estado, nos seus aparelhos, expressando uma condensação de
forças. As diversas classes e frações do bloco no poder só participam da dominação política,
na medida em que estão representadas no Estado, logo, coexiste uma disputa dentro do
Estado, entre setores e aparelhos que representam as frações de classe em luta. Essas
contradições aparecem em aparelhos e setores do Estado que são mais importantes que outros.
Decisões e contra-decisões; prioridades e contra-prioridades, são medidas tanto positivas, no
sentido de imposição de uma demanda específica da fração dominante, quantas meramente
negativas, vetos advindos à políticas de outras frações que não a dominante. Por isso, o
Estado emite sinais contraditórios, toma medias que ora visam favorecer uma fração, ora
outras. No entanto, O Estado mantém uma unidade de aparelho, isso se traduz por sua
política global e maciça em favor da fração hegemônica, este é o lugar privilegiado que ocupa
a fração dominante, o elemento que constitui sua hegemonia ante as demais frações.
Por fim, resta-nos apresentar como Poulantzas dividiu as frações de classe no
espaço nacional. Estas segundo três categorias: primeiro, o porte do capital se é pequeno,
médio ou grande; segundo, sua relação com o capital estrangeiro, se é avessa ao capital
estrangeiro, ou mantém uma relação complementariedade ou se é mera extensão de seus
interesses no espaço nacional; terceiro, a função que ocupa na reprodução do capital, se é uma
fração comercial, financeira ou industrial. Esses elementos, no entanto, não se resumem
apenas no campo econômico, as frações das classes dominantes, podem ou não traduzirem sua
existência econômica em disputa política, sobre este processo Poulantzas conceitua como
efeitos pertinentes. Podem fazê-lo em políticas econômicas particulares ou terem uma agenda
própria de interesses para a política econômica do Estado. Os Efeitos pertinentes recobrem
tantos os aspectos políticos, quanto ideológicos, seus interesses frente às outras classes
dominantes e o Estado, quanto à forma como seu discurso político se apresenta no campo da
luta entre as diferentes frações dominantes.
Encontramos três diferentes frações de classe no espaço nacional em sua relação
com o imperialismo, bem como, suas demandas políticas e a forma particular que assume seu
discurso político-ideológico. Primeiro, a fração nacional compreende aquela anti-imperialista,
avessa à entrada do capital estrangeiro no espaço nacional. Pode a depender da conjuntura,
formar uma frente anti-imperialista com as classes populares. Seu interesse político é a
ampliação do mercado interno, por isso, sua agenda econômica pode em alguns momentos
coincidir com as demandas classes populares, como a política de aumento do salário mínimo
33

visando à ampliação do poder de compra e consequentemente o aumento da demanda. No


entanto, esta fração perde sua força com a transnacionalização do capital em meados dos anos
1950 no Brasil, sendo deixada de lado em definitivo com o golpe de 1964 (Martuscelli, 2018).
Ou como foi bem definido por Moraes, “[...] nos países, como o Brasil, que lograram se
industrializar por meio da associação ao capital externo, esta fração da burguesia nunca foi
muito além de mera abstração.” (2018, p. 27)
A fração compradora ou associada compreende a que se apresenta como mera
extensão dos interesses imperialistas no espaço nacional. Geralmente se reúne nos setores
comerciais e financeiros, todavia, é possível encontrar setores industriais que também não
possuem qualquer discordância com os interesses imperialistas, bem como, é possível
encontrar setores do comércio e dos bancos que não aceitam no todo o interesse estrangeiro.
Sua ação política tende a ser conservadora (SAES, 2014), visando à redução dos direitos
sociais, e a ampliação do orçamento do Estado para o pagamento da dívida pública. Sua
principal contradição é que tende a ter dificuldade para apresentar seus interesses para as
frações dominadas, por vezes, é a fração dominante no bloco no poder, mas divide a função
ideológica de apresentar seus interesses particulares como interesses gerais para toda a
sociedade com outras frações dominantes (Martuscelli, 2018).
Por fim, temos a burguesia interna, aquela fração que não é avessa ao capital
estrangeiro, tampouco, é anti-imperialista e nacionalista. Aceita a entrada de capital
estrangeiro no espaço nacional, contanto que o Estado arbitre para que haja uma convivência
harmônica. Diferentemente da fração nacional, sua ambição não se restringe ao mercado
interno, visando prioritariamente a conquista de mercados externos. Sua atuação política tende
a ser conservadora, é avessa ampliação de direitos sociais universais, tendo predileção por
políticas focalizadas voltadas à diminuição das iniquidades sociais (Martuscelli, 2018). A
depender da conjuntura se apresenta no campo de disputa pela hegemonia; ora mais
nacionalista, ora mais favorável às demandas do imperialismo. Por isso, dificilmente
consegue manter a hegemonia no bloco no poder no longo prazo, pois suas contradições
internas a impedem. Todavia, apesar de sua fragilidade ela costuma se apresentar
ideologicamente como a fração que representa os interesses das classes dominantes aos
dominados (Martuscelli, 2018). Pois segundo Poulantzas nem sempre a fração hegemônica no
bloco no poder é a fração dominante ideologicamente. 8 Os industriais costumam ter uma

8
Segundo Poulantzas (1977) existem dois tipo de hegemonia: a hegemonia da fração hegemônica no bloco no poder, isto é a
fração que faz valer seus interesses no interior do bloco no poder, e a hegemonia ideológica, isto é a função de estabelecer a
hegemonia frente as classes dominadas. De acordo com o autor tais funções geralmente se concentram na mesma fração de
classe, todavia, ele advogava a possibilidade de descasamento dessas funções, sendo repartida entre duas frações. Martuscelli
34

ideologia mais próxima das demandas dos dominados. Segundo Farias (2008), isso faz com
que estas sejam mais visíveis na cena política.
A ideologia do industrialismo – que desloca a crença da fonte de riqueza da terra
para a indústria – confere à burguesia industrial uma possibilidade de presença mais
ativa ou visível na cena política, comparada aos outros setores do capital ligados à
esfera da circulação. Já as burguesias comercial e bancária, por suas inserções na
esfera não-produtiva da economia, sendo vulneráveis à crítica de parasitarem os
setores produtivos, tendem a uma presença mais discreta na luta política. Se a
burguesia industrial sente-se mais à vontade para defender seus interesses através
dos partidos políticos, as burguesias comercial e bancária preferem as ações pela via
do associativismo e do lobby (FARIAS, 2008, P. 85)
Eivados de uma ideologia industrialista, a fração interna consegue maior acesso
aos corações e mentes das classes dominadas, de certa forma, sua ênfase no emprego ante os
outros aspectos macroeconômicos como a estabilização, inflação, a coloca nessa posição
ideológica, o que por vezes pode ser usada como arma na disputa política com outras frações
de classe.
Todos esses critérios de divisão são dinâmicos e mutáveis, certas frações podem a
depender da conjuntura alterarem suas posições políticas e ideológicas, podem inclusive fazê-
lo apenas para políticas específicas, por exemplo, no Brasil, comumente se caracteriza a
fração bancária-financeira como uma fração compradora, todavia, quando se trata de defender
maior competitividade no setor bancário por meio da abertura do setor com a entrada de
bancos estrangeiros no espaço nacional, esta se opõe temendo ser engolida pelos grandes
bancos estrangeiros, desta forma, nessa questão específica se apresenta como fração interna.
Por isso, não se deve fixá-las como características imutáveis e eternas. Essas frações são
dinâmicas, representam uma tipologia abstrata, são podem ser realmente verificadas ao se
analisar empiricamente as frações de classe no capitalismo brasileiro.

1.1 O Estado dependente na era da globalização do capital


Estas frações remetem-se diretamente a forma particular que assume o Estado
nacional em cada estágio histórico, bem como, as formas de inserção do imperialismo em
cada etapa do capitalismo internacional. Para que estes conceitos sejam operacionalizados
precisamos mediá-los a conjuntura e a realidade histórica brasileira durante os governos FHC.
Por sorte, não andaremos em um vazio teórico, Poulantzas buscou refletir, ainda que em outro
momento histórico, sobre esses mesmos problemas no livro As classes sociais no capitalismo
de Hoje (1975).

(2018) discorda do autor, defende que geralmente ocorre justamente o oposto, sobretudo, para o caso brasileiro, na qual a
fração hegemônica no bloco no poder é a fração associada, e a função ideológica é exercida pela fração interna da burguesia.
35

Na referida obra teorizou sobre a forma do Estado no estágio do capitalismo


imperialista de dominação do capital monopolista. O fez a partir do Estado imperialista
francês de meados dos anos 1970. Segundo Autor, o que caracteriza o Estado na dominação
do capital monopolista é o estatismo autoritário, além das características já arroladas, dos
aparelhos repressivos e ideológicos, se sobressai o aparelho econômico do Estado, este deixa
de permanecer alheia a reprodução do capital, para garantir diretamente a reprodução
ampliada do capital. Poulantzas ressalta quatro modificações, nesse sentido: (i) o papel do
Estado como promotor da internacionalização dos seus grupos burgueses internos; (ii) Seu
papel na centralização financeira, e na concentração industrial, ajudando a formar grandes
blocos de capital monopolista; (iii) na dissolução de formas de acumulação anteriores a
emergência do capital monopolista; (iv) na realização direta das contra tendências principais à
baixa tendencial da taxa de lucro, como investimentos em pesquisa e inovação, para que as
industrias monopolistas tenham recursos novos, intensivos em tecnologia, o que lhes permite
extrair maior taxa de mais-valia relativa; e na desvalorização do capital constante ao
promover, com financiamento público a reestruturação industrial.
Estas mudanças da forma de atuação do Estado decorrem do estágio de
competição dos diferentes capitais monopolistas, e da entrada de filiais norte-americanas no
espaço econômico francês, de tal forma que o Estado nacional agora é entrecruzado por
interesses não apenas de suas burguesias nacionais, mas também do imperialismo. Tendo em
mente esta complexidade de relações que se estabelecem no espaço nacional, poder-se-ia
imaginar, apressadamente, que o Estado nacional perde sua razão de ser, ao que a autor
prontamente discorda:
A internacionalização atual do capital não suprime e não abala os Estados nacionais,
[...] afeta profundamente a política e as formas institucionais desses Estados pela
inclusão em um sistema de interconexões, que não se limita de forma alguma a um
jogo de pressões “exteriores” e “mútuas” entre Estados e capitais justapostos. Esses
Estados encarregam-se eles próprios dos interesses do capital imperialista
dominante no seu desenvolvimento no próprio seio da formação “nacional”, a
saber, em sua interiorização complexa com a burguesia interior que ele domina.
(POULANTZAS, 1975, P. 78. Grifos do autor)
Logo, o questionamento de perda ou ganho do poder o Estado ante a
internacionalização do capital é uma falsa questão, tendo em vista, que o poder do Estado
advém do jogo de forças entre as diferentes classes e frações de classe dominantes, que
podem modificar a configuração de forças do bloco no poder, mas não faz com que o Estado
perca força. Apesar da penetração de firmas estrangeiras no espaço econômico nacional, estas
não participam diretamente do bloco no poder, têm seus interesses representados por uma
fração burguesa de origem nacional, mas não são uma fração autônoma, não podem disputar a
36

hegemonia do bloco no poder, este é sempre ocupado por uma fração burguesa de origem
nacional.
Nesse sentido, as mudanças do estágio atual do Estado decorrem das mudanças no
bloco no poder, no qual predomina a dominação hegemônica do capital monopolista no
interior dos espaços nacionais. Poulantzas caracterizou o capital monopolista como de um
lado, a concentração industrial, no qual grandes indústrias operando com o capital dinheiro,
vindo dos grandes bancos passam a concentrar processos produtivos e comerciais em vários
ramos industriais, formando um grande capital monopolista industrial. De outro, a
centralização do capital dinheiro, na qual bancos por meio da intermediação do crédito
passam a ser reunir em grandes bancos monopolistas, este último nomeado pelo autor como
capital monopolista bancário. Há ainda um segundo nível de concentração;
Esse processo de fusão não para, no entanto, aí: estende-se a interdependência
crescente do capital monopolista industrial e do capital monopolista bancário, o que
dá lugar à emergência daquilo que designa em geral pelo termo de “grandes
impérios financeiros”. Estes apresentam um momento superior de fusão entre
grandes firmas industriais e grandes bancos. Essa etapa de fusão, que representa a
reunião, sob propriedade econômica e controle únicos, das grandes firmas industriais
e dos grandes bancos, pode apresentar-se sob a forma de uma dominante seja do
capital industrial, que cria ou controla seus próprios bancos, seja do capital bancário,
que cria ou controla suas próprias firmas industriais. (POULANTZAS, 1975, P. 123)
Estes dois processos ocorrem em simultâneo, de tal modo, que há uma
interpenetração doravante a sociedade por ações, no qual os bancos têm ativos de firmas
industriais em seus portfólios, ao que foi caracterizado pelos clássicos do marxismo como
Lênin e Hilferding9, como capital financeiro, a fusão do capital industrial com o capital
bancário, sob a dominância deste último dando origem ao capital financeiro 10. Essa nova
figura jurídica apresenta-se como a reunião de várias frações do capital o que ensejaria uma
figura jurídica sem contradições entre as diferentes frações que ocupam este capital
financeiro. Essa homogeneidade é apenas aparente, para Poulantzas, apenas eleva o nível das
contradições agora integradas em uma figura jurídica aparentemente distinta. Nesse sentido,
para ele, o capital financeiro, não é uma fração autônoma do capital, tal como a fração
bancária ou a industrial, tendo em vista, que na formação deste capital uma fração predomina
ante as outras, é a figura do processo de reunião e concentração de capitais, não uma fração
distinta.
Para Poulantzas o processo de concentração e centralização de capitais decorre de
três motivos: primeiro, da tendência à queda da taxa de lucro, na qual a concentração e

9
Cf. Lênin O imperialismo Fase superior do Capitalismo (1916); e Hilferding O capital Monopolista (1910)
10
Para Poulantzas apenas Hilferding, caracterizou o capital financeiro como uma dominação do capital bancário
sob o capital industrial, para ele o monopólio nem sempre é dominado pela fração bancário, por isso, considera
este ponto um equívoco da análise de Hilferding.
37

centralização permitem combater, via aumento da exploração da força de trabalho, pelo


aumento da produtividade, além de possibilitar ganhos de escalas ao verticalizar a produção;
por outro, decorre da concorrência com as firmas monopolistas americanas no espaço
nacional francês. Terceiro, da tendência à internacionalização da burguesia francesa para a
conquista de espaços de acumulação em outros Estados nacionais.
Essa análise do autor nos fornece pistas para dar início a nossa empreitada,
todavia, é necessário estabelecer os limites dela. Primeiro, o autor lidava com o caso francês
de um país imperialista, na qual a formação de capitais monopolistas se apresentava como
resposta a concorrência com as firmas americanas. Segundo, a formas organizacionais deste
capital são distintas com relação a grande corporação moderna, estas últimas, ao que parecem
não sofrem do dilema de onde investir seus capitais, dada os diferenciais de cada espaço
nacional podem alocar seu capital fictício em países que geram diferenciais em juros, e/ou
podem alocar seus investimentos produtivos em países com baixo custo de mão de obra e com
diferenciais tecnológicos11. Por fim, a própria forma do Estado, quando o autor realizou esta
análise o fez a partir do Welfare-State francês, no qual os interesses das classes dominadas se
apresentam de maneira totalmente distinta do que no caso brasileiro, além é claro da
internacionalização do regime de capital que ainda não estava no seu estágio de globalização
que afetará de forma desigual os diferentes países.
Depois de recuperar as reflexões de Poulantzas sobre as mudanças da natureza do
Estado na era do Capital monopolista, precisamos tentar precisar de que maneira a
globalização afeta a natureza do Estado periférico, e relação com suas frações burguesas
dependentes. Par dar conta dessa empreitada, nos apoiamos em autores, poulantzianos e não
poulantzianos que buscaram refletir sobre os mesmos problemas.
A primeira questão é saber se a tipologia poulantziana ainda permanece válida no
contexto de globalização. Esse problema se apresenta da seguinte maneira: dada as tendências
recentes de financeirização do capital, que gera um entrecruzamento dos direitos de
propriedade com grupos financeiros, comerciais e bancários possuindo títulos de empresas
industriais, supostamente essas empresas perderiam o foco na produção e passariam a realizar
ações típicas de empresas financeiras, ganhando no curto prazo com a especulação financeira,
no “jogo do dinheiro”. Tal possibilidade teria como consequência tornar obsoleto o

11
A questão sobre a natureza e dinâmica de acumulação de capital das grandes corporações será tratada no
quarto capítulo desta dissertação.
38

fracionamento da classe capitalista, a financeirização a teria tornado homogênea em seus


interesses12.
Discordamos dessa interpretação, ainda que haja motivos para desconfiar do
fracionamento das classes e de fato existirem tendências atuais que parecem indicar sua
obsolescência, há autores com argumentos consistentes que mostram o contrário. Segundo
Saes (2014) e Boito Jr.(1999), o fato de haver uma pulverização dos direitos de propriedade
não retira o caráter fracionado da burguesia, tampouco descaracteriza seus interesses
específicos. Segundo Saes (Idem), Poulantzas caracterizou o capital financeiro 13 como um
“[...] grupo multifuncional, em cujo posicionamento perante a política de Estado pode
preponderar uma das duas dimensões – industrial ou bancária” (Idem, p. 110). Esse grupo
multifuncional pode até atuar tentando ser comtemplado em todos os seus interesses, todavia,
quando é “[...] colocado diante do conjunto da política de Estado (política Tributária, cambial,
monetária, creditícia, etc) essa unidade vai ter de optar por defender os interesses econômicos
de uma fração capitalista ou de outra, e essa decisão dependerá, fundamentalmente, de qual
dimensão for predominante em sua ação econômica global.” (Idem). A título de exemplo, na
década de 1990 com a desregulamentação financeira e a política de juros altos, várias
empresas bancárias estavam arrematando empresas industriais; e estas últimas estavam
diversificando a carteira de seus investimentos em áreas financeiras, todavia nota-se que as
empresas industriais eram contrárias a certas políticas macroeconômicas dos governos FHC
como a abertura comercial e a política de juros altos, mesmo que as fizessem ter altos
rendimentos nos seus ativos financeiros, mas resultava em perdas nos ativos produtivos, o que
demonstra a validade do fracionamento das classes dominantes e seus efeitos pertinentes no
campo político.
Como mostra Martuscelli (2018) aqueles que defendem a unificação da burguesia,
perdem de vista que as empresas transnacionais têm laços umbilicais com seus países de
origem, os Estados desses países promovem ativamente os interesses dessas empresas. Para o
autor, a unificação da burguesia é um mito, considera-a parte componente da ideologia da
globalização.
[...] Diferentemente do que prega essa ideologia, entendemos que o desenvolvimento
desigual do capitalismo, a existência de diferentes Estados nacionais e a

12
Souza (2009) defende que no capitalismo transnacionalizado de caráter monopolista, o fracionamento da classe dominante
perdeu sua validade, tendo em vista que as diferentes funções do capital são cada vez mais desempenhadas pelo mesmo
grupo. A autora, todavia, defende que para o caso brasileiro, ainda possui validade o fracionamento da classe dominante,
deve-se segundo ela, dividir as frações internas e o capital estrangeiro.
13
Aqui o termo capital financeiro está sendo utilizado tal como foi formulado por Hilferding (1910), na qual capital
financeiro é a junção do capital bancário ao capital industrial, por meio do controle acionário do primeiro sobre o segundo,
formando um novo tipo de capital.
39

impossibilidade de ocorrência de um processo de repartição igualitária da mais-valia


global são obstáculos estruturais à formação de uma classe dominante mundial ou
global nos marcos do modo de produção capitalista. [...] (MARTUSCELLI, 2018, P.
71)
Diante dos argumentos expostos, nossa conclusão é de que ideia da unificação da
burguesia é generalização indevida, o fato de grandes empresas transnacionais operarem em
diferentes setores, não significa que essas burguesias deixam de ser cindidas tanto a nível
setorial, quanto a nível nacional.
O segundo questionamento sobre a validade dos conceitos poulantzianos é sobre o
fim do Estado nacional, de modo que naquela conjuntura dos anos 1990, o Estado-nação
estaria em declínio, por conta da intervenção das grandes corporações nos espaços, a tal ponto
que o Estado nacional não mais teria a primazia de atender aos interesses do bloco no poder
de origem nacional. O Estado agiria, no sentido de defender os interesses dessas corporações
na tentativa de atrair investimentos e manter as empresas transnacionais instaladas em seu
espaço nacional. Tornando-se imperativo todo tipo de concessão ao capital estrangeiro, de
vantagens fiscais á redução de custos salariais.
Essa questão é um tanto quanto espinhosa, sobretudo, porque não podemos
abordá-la tal qual estivéssemos lidando com um Estado no capitalismo central, pois há uma
diferença fundamental. Segundo Souza (2009), reside na própria natureza da dependência,
Na medida em que o processo de desenvolvimento capitalista na periferia se faz com
forte participação do capital estrangeiro, o Estado inevitavelmente deve usar dos
recursos que lhe são próprios – poder de taxação, de regulamentação comercial e
financeira/monetária, isenções fiscais, etc. – para atrair e garantir os investimentos
externos em território nacional, transformando o capital estrangeiro numa força
econômica e política internamente. Em momentos de expansão econômica é
possível conciliar interesses estrangeiros e locais; mas, em momentos de crise, em
que é preciso cortar gastos (como a partir da segunda metade dos anos 1970 e a
década de 1980 no Brasil), a ‘inversão’ do papel do Estado tende a assumir um
conteúdo inexorável e conflitante. (SOUZA, 2009, p. 39-40)
Em se tratando do caso brasileiro um Estado periférico e dependente, além dos
interesses nacionais internos, ganha um peso significativo os interesses dos capitais
estrangeiros, justamente pela relação de dependência, sobretudo financeira. Portanto, o Estado
brasileiro tem um problema adicional para lidar com os interesses estrangeiros, justamente
pela dinâmica complexa dos interesses internos e estrangeiros.
Ao olharmos a conjuntura econômica e política mundial dos anos 1990 essas
relações ficam ainda mais complexas. De acordo com Cano (2000), as mudanças ocorridas na
economia mundial pós-1979 com o segundo choque dos preços de petróleo se traduziram em
redução da margem de manobra para as políticas econômicas dos países periféricos, com a
imposição de uma verdadeira “ressureição liberal-conservadora”, os obrigando a se
40

adequarem aos ditames do Consenso de Washington 14. Sua consequência política é a redução
da capacidade do Estado de acomodar os interesses dos setores internos com os interesses
imperialistas. Se antes era possível acomodá-los via endividamento externo, concessões
fiscais, etc. Nos anos 1990 com a necessidade do Estado de garantir estabilidade fiscal e
monetária já não era mais possível à fuga para frente (Fiori, 2003), sendo obrigado a incorrer
ao ajuste fiscal recessivo. Como consequência ou os setores internos se adequavam a esta
nova realidade modificando seus interesses de acordo com a nova conjuntura econômica
mundial, ou estariam em permanente rota de coalização com os interesses imperialistas e os
setores a ele articulados.
Com todos estes argumentos poderíamos dizer que para o caso brasileiro o Estado
perdeu completamente sua autonomia relativa, ficando à mercê do imperialismo? Certamente
não. Se há esse conjunto de argumentos que encaminham a questão nesse sentido, há tantos
outros para dizer que o Estado periférico e dependente brasileiro ainda possui funções
fundamentais para a garantia dos interesses do bloco no poder nacional. Observa -se segundo
Boito Jr.(1999) que as burguesias internas têm demandando proteção ativa do Estado nacional
contra os interesses imperialista, por medo de ser pulverizado por este, e o Estado brasileiro,
tem agido para manter uma convivência harmônica entre os interesses imperialista e os
interesses do bloco no poder.
Outros autores não poulantzianos como Hirst & Thompson (2002), apontam que a
atuação do Estado continua sendo essencial para reordenar o espaço de acumulação, isto é,
mudanças institucionais, como reformas das relações entre público-privado, política
alfandegária, entre outras. Se as grandes corporações aportam em algum país, o fazem pela
estabilidade interna garantida pelo Estado-nação, em primeira instância é este quem permite
atrair as grandes empresas transnacionais e garantir seus lucros 15. O que podemos apreender
das formulações dos dois autores, é que em ultima instância mesmo que o Estado vise uma
agenda voltada para o capital estrangeiro, o faz a partir do jogo de forças políticas internas, o
que determina em primeira instância como será a relação com o capital estrangeiro. Nesse
sentido, ainda que haja argumentos para rogar o fim do Estado-nação este não perdeu sua

14
Consenso de Washington, como ficou conhecido, era o documento formulado por Oliver Williamson (1990)
economista da tradição novo institucionalista. Para o autor, havia literalmente um consenso em Washington de reformas
políticas e econômicas para América Latina no ano de 1989, passando pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional
(FMI) para o governo dos Estados Unidos. Tal termo se tornou convencionalmente utilizado, apesar do autor não gostar da
intepretação que se tem tirado dele. O Consenso pode ser resumido em uma certa taxonomia: prudência macroeconômica,
liberalização microeconômica e orientação externa. Na sessão seguinte trataremos dele com maiores detalhes.
15
Discordamos entre outros pontos de Hirst &Thompson (2002) quando afirmam que a arte de governar do
Estado consiste na distribuição de poder. O poder do Estado se funda na condensação das frações de classe que
ocupam o Estado, portanto, não há uma distribuição do poder, e sim uma disputa desigual para dirigir o Estado, e
não uma distribuição do poder do Estado.
41

força ante a globalização, pelo contrário, torna-se peça essencial para garantir os lucros e as
reformas econômicas ditadas pela burguesia interna e mundial.
O que defendemos, portanto, é a validade das análises poulantzianas para o caso
brasileiro, o Estado não perde força, pois como vimos nenhum o Estado o tem, o que modifica
é a hegemonia do bloco no poder, agora é entrecortado por outros elementos e outros
interesses transformados pela conjuntura histórica. Quando autores como Cano (2000)
defendem que o raio de manobra do Estado fora reduzido com a ressureição liberal-
conservadora, perdem de vista que a autonomia anterior no auge do padrão de Bretton Woods
decorria da configuração particular que assumia o bloco no poder naquele período, que
instava um tipo de atuação estatal mais intervencionista, no sentido, de garantir a demanda
para a reprodução ampliada do capital industrial. Por outro lado, aqueles que apontam que a
conjuntura história pós-choque dos preços do petróleo de 1979 reduziu as possibilidades de
inserção dos países periféricos, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do tipo de
financiamento ofertado, predominando capitais especulativos de curto prazo. Nesse sentido, a
atuação estatal se modifica justamente pelo predomínio da financeirização como modo de ser
da riqueza contemporânea (Braga, 1999), agora o papel central do Estado neoliberal é a
garantia da solvência da divida pública, como a forma predominante de remuneração de todos
os capitais.
As burguesias nacionais dos países dependentes, da mesma maneira modificam
suas demandas e atuações para se adequarem as mudanças da relação de dependência na
conjuntura histórica da globalização financeira, se antes a burguesia interna instavam uma
atuação intervencionista do Estado, e uma convivência harmônica com o capital estrangeiro
nos grandes blocos de investimentos, tal atuação é impossibilitada pela própria crise fiscal.
Por bem, se faz necessário relembrar a caracterização feita por Falletto & Cardoso (1975), as
burguesias nacionais se associam ora ao Estado, ora ao capital estrangeiro, na era da
globalização não perdem esse caráter associativo, o que modificam são as formas de
associação, modificando seus interesses de acordo com as mudanças do capitalismo
internacional. Da mesma forma, o Estado continua atendendo prioritariamente os interesses
do bloco no poder, este modificado em sua relação de dependência.
42

2- Um novo projeto de desenvolvimento.


O objeto deste capítulo será o projeto de país de FHC, com o objetivo de
compreender qual estratégia de desenvolvimento o Brasil deveria adotar dado os seus
problemas históricos. O faremos a partir da recuperação do seu pensamento político e social,
buscando compreender a construção desse projeto de país através do próprio presidente. Essa
construção perpassa seu olhar sobre o problema brasileiro da dependência, e suas
repercussões no campo político, econômico e social; bem como, sua análise da conjuntura
histórica dos fins dos anos 1980 e início dos anos 1990, por conseguinte, da globalização e
das reformas pró-mercado realizado por inúmeros países da economia mundial, de que
maneira o Brasil, dada a sua condição de dependência deveria orientar-se nestes processos.
Durante todo este capítulo nosso intento não é fazer uma avaliação da viabilidade deste
projeto de país, tão somente apresentá-lo.
Nossos passos em direção a essa reconstrução começam na teoria da dependência,
a partir dela podemos compreender o núcleo de sua crítica ao modelo desenvolvimentista,
bem como, as saídas para aquele modelo. Logo em seguida, centramos a reconstrução em sua
atuação como senador, como agente político da redemocratização brasileira, buscando clarear
sua análise do processo constituinte, em seus termos no que se avançou e no que se retrocedeu
em matéria de dar respostas que considerava adequada para aquela situação histórica. Por fim,
investigamos o seu programa de governo, como a formulação final do seu projeto de país.
Esta avaliação nos será útil para o resto da dissertação para vermos em que medida o curso
dos acontecimentos forçou o governo a recuar de certas crenças ou abandoná-las quando a
realidade confrontou aquelas ideias.
Antes de dar inicio a essa empreitada, devemos responder dois questionamentos
que possivelmente surgirão, a saber, não seria um contrassenso estudar a trajetória do
pensamento político de um presidente da república se estamos adotando uma perspectiva
relacional do poder do Estado? Isto é, para Poulantzas, sobretudo, a partir do Livro, O Estado,
O poder, o socialismo, considera o Estado como um campo de disputa, “[...] não deve ser
considerado como uma entidade intrínseca, mas, como aliás é o caso do ‘capital’, como uma
relação, mais exatamente como a condensação material de uma relação de forças entre as
classes e frações de classe, tal como ele expressa, de maneira sempre específica, no seio do
Estado.” (POULANTZAS, 2000, P.130) Nesse sentido, seria um contrassenso buscar as
origens de um projeto do Estado, pois, o Estado segue suas ações a partir das demandas do
bloco no poder. O Estado é uma relação social, não um ente separado das forças políticas.
43

Esta concepção não significa que nesta formulação Poulantzas abandona a ideia a
autonomia-relativa do Estado, justamente pelo fato de organizar e unificar os interesses gerais
da burguesia, na medida em que para fazê-lo precisa se afastar dos interesses particulares
destas classes, esta autonomia é mantida, podemos dizer que é um traço constitutivo, inerente
do Estado no Modo de produção capitalista (MPC). O Estado pode se projetar no campo da
disputa entre as frações de classe para partindo do seu projeto político, orientar o curso da
disputa entre as frações de classe. Obviamente o resultado e o curso dos acontecimentos
dependem da maneira como Estado se relaciona com o bloco no poder, pode tentar mudar o
peso das forças políticas no Bloco, mas jamais pode ir contra esse bloco, sob o risco de perder
sua autonomia relativa. Dito isto, este capitulo se justifica a partir deste pressuposto,
compreender o projeto de país que o Estado concebe e como partindo deste projeto buscou -se
lançar pontes aos interesses das frações de classe burguesa, quais setores buscou estreitar
laços e quais foram confrontados.
Tratando-se do Brasil, como nos mostra Draibe (1985) em seu trabalho clássico,
as articulações que se estabelecem nos setores dominantes costumam ser “[...]fugazes,
instáveis, respondendo a um campo sempre heterogêneo de interesses fragilmente aliados em
torno de objetivos específicos” 16. (Ibid, 1985, p.42) É nesse campo heterogêneo e instável que
se funda a autonomia relativa do Estado brasileiro, o núcleo político dirigente, se encontra na
figura da presidência, que em última instância, imprime o sentido (social e político) da ação
estatal.
O Segundo questionamento, parte de certa inquietação comum na historiografia
das ideias e sua relação com o poder, a saber, qual a relação entre as ideias e a ação? em que
medida os agentes históricos guiam suas ações por meio de suas ideias anteriores ao exercício
do poder? Este é um elemento importante ou uma questão subordinada a outras relações que
importam mais, como as instituições ou os conflitos de classes?
Essas questões se sobressairiam se quiséssemos compreender a relação entre FHC
sociólogo e FHC presidente, de maneira a apontar qual a relação das ideias do primeiro, com
o exercício do poder do segundo. No entanto, esse não será nosso objeto, consideramos
suficientes as pesquisas que já foram realizadas visando dar cabo destes problemas (Sobrinho,
2003; Bentes, 2006; Cruz, 1999), nossa proposta é tão somente lançar luzes sobre o projeto de

16
Draibe formula este entendimento quando estava analisando o processo de industrialização no Brasil, como um curso
particular que assume a revolução burguesa no Brasil. Dessa forma, poder-se-ia parecer anacrônico, buscar uma análise do
passado para projetá-la em outro tempo histórico, todavia, a análise de Draibe buscava compreender a transição de um tipo de
Estado para outro, de tal forma que este nos parece ser o núcleo de seu pensamento que permanece válido para pensar a
relação entre o projeto do Estado e a relação com as classes dominantes, pois, em nosso entendimento, estamos lidando com
uma transição de um tipo de Estado para outro, do Estado desenvolvimentista para o Estado neoliberal.
44

país de FHC, a partir do resgate de sua obra como sociólogo e político, encontrando
elementos explicativos desta. Em nosso entendimento o seu projeto de país é condensação de
ideias anteriores que podem ser explicadas desde a teoria da dependência. Não significa dizer
que o presidente orienta seu projeto de país a partir de suas categorias construídas como
sociólogo, como afirma Cruz (1999) não podemos buscar uma correspondência pura e simples
entre as ideias do sociólogo e suas ações como presidente: “Se é assim, mais próprio seria
dizer que Cardoso se vale das antigas categorias para orientar-se no caminho que escolheu,
como político, entre as várias alternativas que as mesmas permitiam divisar.” (Idem, p. 240)
Nesse sentido, em sua atuação como governante, utiliza-se de suas categorias analíticas não
para guiá-las, mas para justificá-las.
Destarte, não estamos lindando com um político profissional, ou melhor, de um
ator que se fez na política, mas sim de um intelectual que marcou o século XX com a sua
teoria da dependência, e que por conta das “[...] artimanhas do autoritarismo afastaram
compulsoriamente da cátedra universitária e converteram em aprendiz de político” (Cardoso,
1995, p. 3). Por isso, nossa entrada no seu pensamento político se inicia quando o autor ainda
era apenas um sociólogo, para observar os traços que podem lançar luzes sobre o projeto de
país desenvolvido ulteriormente como político.
FHC escreve com Enzo Falletto, em 1969, um livro que marcou o debate político-
intelectual latino-americano nos anos 1970 Dependência e desenvolvimento na América
Latina. Partiram de uma crítica das teorias cepalinas, na qual se apostava na capacidade do
Estado como agente racionalizador na indução do desenvolvimento econômico, postulando ao
centro da estratégia de desenvolvimento o protagonismo da burguesia nacional capaz de
romper com o passado colonial e industrializar os países periféricos, o grande agente que
obstaculizava tal processo era o imperialismo, nos dizeres marxistas ou os países centrais
através do mecanismo da troca desigual que permitia absorção do excedente produzido nos
países latino americanos, na teoria cepalina. Nas palavras dos autores:
O pressuposto geral implícito nessa concepção era que as bases históricas da
situação latino-americana apontavam para um tipo de desenvolvimento
eminentemente nacional. Tratava-se, então, de fortalecer o mercado interno e de
organizar os centros nacionais de decisão de tal modo que se tornassem sensíveis
aos problemas do desenvolvimento de seus países. (CARDOSO, F & FALLETTO,
E.; 1969. P;12)
No entanto, nos anos 1950 esgotava-se o processo de substituição de importações
e chegava-se a estagnação sem terem avançado nos setores de alta tecnologia - sem dar o salto
à industrialização pesada - quando isto ocorreu em casos como o Brasil, tal tarefa estava
45

sendo realizada não pela burguesia nacional, mas pelo capital estrangeiro. Os autores
questionam a interpretação cepalina.
Em uma primeira aproximação fica, pois, a impressão de que o esquema
interpretativo e as previsões que à luz de fatores puramente econômicos podiam
formular-se ao terminar os anos 1940 não foram suficientes para explicar o curso
posterior dos acontecimentos. [...] Não teriam sido os fatores inscritos na estrutural
social brasileira, o jogo das forças políticas e sociais que atuaram na década
“desenvolvimentista” os responsáveis tanto do resultado favorável como da perda do
impulso posterior do processo brasileiro de desenvolvimento? (Ibid, p. 13-14)
O questionamento feito pelos autores é que o esquema estruturalista abstraiu de
seu modelo de análise as forças políticas e sociais internas. Para os autores, desde o momento
em que se estabelece o Estado nacional, a dinâmica social latino-americana é determinada em
primeira instância por “fatores internos”, e, em última instância, por “fatores externos”
(Mello, 1988). A luz dos acontecimentos econômicos, sociais e políticos da América-Latina,
em especial do caso brasileiro, para FHC & Falletto, não havia uma oposição excludente entre
desenvolvimento e dependência, era possível o desenvolvimento dependente e associado,
tendo em vista como diz Pinto & Teixeira (2012), a burguesia nacional tornou-se “sócia
menor” do capital estrangeiro, este último adentra nos espaços de acumulação dos países
periféricos com as filiais estrangeiras visando o mercado interno destes países, configurando
uma nova situação de dependência, agora de investimentos e tecnologias estrangeiras (Pinto
& Teixeira 2012), de modo que era possível uma estratégia de desenvolvimento associada ao
capital estrangeiro17.
O eixo de mudança que a teoria da dependência opera, é deslocar a relação de
exploração entre as nações presente nas teorias cepalinas, através de diversos mecanismos,
mas, sobretudo da troca desigual, para colocá-la no terreno das classes sociais, através da
vinculação de poder entre as empresas transnacionais capitalistas e as classes dominantes
internas dos países dependentes. Nesta inter-relação entre as classes dominantes internas e
externas gera uma situação específica de dependência, para Cardoso incide nos aspectos
econômico, social e político.
No plano econômico uma limitação estrutural ao crescimento sustentado, esta se
deve a forma como a mais-valia gerada aqui se transfere para o centro através do intercâmbio
desigual. Na qual no circuito da produção o seu controle, sobretudo, nos ramos de alta
tecnologia ocorre por capitais externos. “É por isso que as ‘deliberações’ e ‘decisões’ da
17
Para Sampaio Jr (1997) a crítica Cardoso & Falletto (1975) não representou um avanço em relação a teoria cepalina, antes
uma regressão, tendo em vista, havia uma crítica à forma de articulação do capital estrangeiro nos espaços periféricos, a
maneira como sua penetração moldava a acumulação de capital a partir das empresas transnacionais, de modo a obstaculizar
um projeto de país. Cardoso e Falleto, no seu entender dissociam desenvolvimento nacional e acumulação de capital. Para os
cepalinos a acumulação de capital era um meio para o desenvolvimento nacional, não seu próprio fim. Se esta se torna um
fim em si mesmo o que ocorre é um processo de modernização das formas de consumo (Furtado, 1974) não o
desenvolvimento.
46

periferia encontram obstáculos reais na estrutura não só do comércio mundial, mas do sistema
produtivo internacional” (CARDOSO, 1993, p. 198).
No aspecto social, a natureza incompleta e heterogênea da industrialização
periférica, produz o efeito social de burguesia que só se complementa associando-se na
produção ao capital estrangeiro ou subordinando-se no comércio mundial. Outros efeitos são
camadas proletárias que se distanciam das massas populares na medida em que avança a
industrialização, ao mesmo, tempo em que há massas marginalizadas que não são facilmente
absorvíveis, mesmo com quando a industrialização prospera.
Por fim, no plano político, emerge um Estado-produtor e repressivo, um Estado
que se apresenta como nacional, e para tanto, busca consenso, organiza e implementa a
organização capitalista. Para equilibrar os interesses da burguesia local e das multinacionais
torna-se ele próprio produtor, um Estado capitalista-produtor. “Torna-se, assim, O Estado
mola do desenvolvimento, excludente, concentrador de rendas e baseado num sistema
produtivo que atende à demanda das camadas de altas rendas.” (Idem, p. 199)
FHC aponta que tinha esperança de que o governo Geisel iria transformar o
modelo político e econômico brasileiro, todavia, no seu entender o que houve foi um
aprofundamento das relações clientelistas e patrimonialistas na relação do Estado com os
agentes econômicos, de modo que no fim da década os problemas oriundos do esgotamento
do modelo de substituição de importações, como a crise da dívida, a hiperinflação, o
endividamento do Estado brasileiro, entre outros, eram decorrência da manutenção anacrônica
daquele modelo de desenvolvimento.
O nacional-desenvolvimentismo teve amplo sentido no seu tempo. Mas deixou de
ter quando a conjugação favorável de fatores se inverteu, ou se perverteu, a partir de
meados da década de 70 e, mais acentuadamente, de seu final. É que o mundo
começava a mudar mais rapidamente que o Brasil. E a resposta para isso, sob o
regime autoritário, que silenciou as vozes mais lúcidas de advertência, foi a de
empreender uma “fuga para frente”. (CAROSO, 1994, P.9-10)
Aqui chegamos ao ponto em que FHC esboça a sua leitura sobre o mal-estar
brasileiro, o nacional-desenvolvimentismo seguido desde a era Vargas havia se esgotado, foi
levado até os seus estertores pelo regime autoritário deixando como legado de um lado um
país mais industrial e moderno ante sua face agrária nos anos 1930; por outro, todas as
consequências sociais, políticas e econômicos da exaustão do modelo. Pelo lado econômico,
uma divida externa impagável, com um Estado endividado; socialmente injusto com enorme
concentração de renda; politicamente, os males brasileiros patrimonialismo, clientelismo e
paternalismo foram não apenas mantidos, mas se sofisticaram com o avançar da
modernização no Brasil.
47

O Estado desenvolvimentista apesar de se apresentar como nacional, buscando a


autonomia por meio do protecionismo à indústria, cria um modelo de relacionamento
“privatista”, no qual recursos públicos são transferidos para grupos privados em nome do
interesse nacional, sob as mais diversas formas: subsídios, intervenção direta, protecionismo,
o uso de estatais para manter setores artificiais, mesmo que dessem prejuízos aos cofres
públicos, créditos subsidiado por bancos públicos; todas essas intervenções apesar de serem
feitas em nome do desenvolvimento criaram uma relação de clientelista e patrimonialista
entre Estado e os agentes privados, processo esse que foi aprofundado com a burocratização
do Estado, este se torna o guichê na qual os interesses de grupos privilegiados são recebidos e
atendidos. O aparato estatal, como as empresas estatais e as autarquias, não refletiam os
interesses públicos, pelo contrário, foram privatizados na medida em que serviam apenas para
o interesse de certos grupos privilegiados. Como sintetiza Maria Sobrinho (2003), que em sua
em sua dissertação analisa o pensamento político de Cardoso, aponta que para ele.
Assim, a crise ou falência do estado brasileiro decorre desse processo de deformação
que sofreu devido à privatização e às formas de clientelismo e fisiologismo que
pressionaram, de modo que foi se construindo um instrumento controlado por
setores contrapostos aos interesses públicos. [...] Desse modo, o ‘enfeudamento’ do
estado – que envolve também toda uma política de preços para beneficiar o setor
privado consumidor de seus produtos – é em grande medida responsável pela
deficiência das estatais bem como pela má qualidade dos serviços públicos,
educação, saúde, etc. Assim, erigiu-se no Brasil um estado do mal estar-social.
(SOBRINHO, 2003, p.271)
Logo, a crise da dívida, a hiperinflação, a falência do estado não eram decorrência
da mudança da conjuntura mundial, antes refletiam a patologia do estado brasileiro, “o estado
passou a não servir mais nem às classes dominantes. Passou a ser um corpo doente.” (Cardoso
Apud Sobrinho, 2003, p. 271). A solução era a reforma do Estado e a construção de um novo
modelo de desenvolvimento agora verdadeiramente público, que atendesse os interesses da
maioria da população.
Esse estado de coisas começa a ser questionado nos fins dos anos 1970, para
Cardoso um novo capítulo da história nacional começou a ser escrito, novos atores entraram
em cena, num borbulhar que deu origem a constituição de 1988 e a redemocratização. Houve
um renascimento da sociedade civil, entidades como a CNBB (Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), os sindicatos, os partidos
democráticos, entre outros, despertaram no regime autoritário pedindo seu fim, esse processo
abriu caminho para novas lideranças. “[...] Permitiu, sobretudo, o enraizamento de instituições
democráticas no Brasil, abrindo espaço para um país melhor” (Cardoso, 2006, p. 15). É nesse
processo que o intelectual, deixa o campo da pesquisa para engajar-se ativamente na
48

construção do país melhor que sonhava agora como político. Nesse caminho, tornou-se
senador, depois Ministro da Fazenda para então ser presidente.
Não cabe nos limites desta dissertação analisar toda essa trajetória, no entanto,
como constituinte já podemos observar os contornos daquilo que seria seu projeto de país. Em
suas memorias políticas relata que em janeiro de 1988, apresentou o seguinte discurso.
Pronunciei então um discurso no Senado sobre “a crise e as opções nacionais”,
criticando as hesitações do governo na matéria, propondo uma integração
“soberana” de nossa economia no plano mundial, a partir do fortalecimento entre
nós do que chamei de “espírito de empresa”, que dispensaria o protecionismo,
aceitaria regras de concorrência e assimilaria a revolução tecnológica. Via nisso o
caminho para melhorar a eficiência da burocracia pública e ampliar a democracia
social. Mais ainda, criticava a indiferença de nossas elites diante da miséria do povo.
(CARDOSO, 2006, p. 115)
Se antes da constituinte Cardoso, era entusiasta do processo de redemocratização,
no caminhar da constituinte se decepcionou com as discussões levadas pelos constituintes; de
um lado, o Brasil conquistava a sua emancipação democrática, com a carta constitucional,
colocando fim ao autoritarismo; por outro, reafirmava seu arcaísmo ao aprovar uma
constituição nacionalista e estatizante, atrasada com o que estava ocorrendo no resto do
mundo. Na constituinte um dos eixos centrais era o nacionalismo estatizante, houve um falso
debate entre privatização versus estatização, quando para Cardoso, se tratava do debate entre
clientelismo e espírito público, “progressistas” defendiam o populismo e os conservadores, o
atraso18. Esse falso debate aparece nas propostas de estatização do sistema bancário, a
distinção entre empresa nacional e estrangeira, na defesa dos monopólios, sobretudo, em
jazidas minerais, o corporativismo em regras muito generosas para o funcionalismo público,
leis trabalhistas protecionistas e atrasadas, um sistema de previdência generoso, especialmente
para os funcionários públicos. Todas essas idiossincrasias coroam uma constituição
democrática, que garante amplos direitos políticos, de um lado; e de outro, manteve o país
atrasado com regras econômicas do “velho” nacional-desenvolvimentismo estatista. A
constituição de 1988 foi encarada por Cardoso, como a institucionalização do nacional-
desenvolvimentismo, através de um aparato institucional voltada aos princípios da autarquia e
do isolamento, quando a necessidade histórica requeria uma moldura institucional voltada
para a competição e integração.
Para Cardoso, enquanto o Brasil insistia no velho modelo, o mundo passava por
transformações, sem perceber nos tornamos “antiquados”, surgia um mundo novo em nossas
costas sem que sequer tenhamos percebido. O novo mundo são as mudanças organizacionais e
18
“No seu entender, não se tratava, no fundo, de uma polarização entre conservadores e progressistas, mas, respectivamente,
da reminiscência do atraso e do populismo. Ou seja, de um lado, setores encastelados no estado que se aferravam aos
esquemas clientelistas e “cartoriais” da máquina e, de outro, setores que defendiam os direitos sociais, mas sob o viés
populista” (SOBRINHO, 2004, P.258)
49

tecnológicas, surgidas durante os anos 1970 na “velha Europa”, essa revolução tecnológica
permitiu ampliar a acumulação de capital com melhor distribuição de renda, as mudanças
organizacionais permitiram o espraiamento da produção ao redor do globo, aumentando a
rede de integração comercial mundial, de modo que o velho modelo desenvolvimentista era
intensivo em mão-de-obra e recursos naturais, o novo mundo prescinde desses recursos,
inclusive os condena por ser socialmente injusto e ambientalmente insustentável. Para
Cardoso, a demora em debelar o processo inflacionário e relocar o país nos rumos do
desenvolvimento se deve à negação de que o mundo havia mudado.
Seguindo para o governo Collor, FHC sempre defendeu um pacto nacional, entre
os vários setores da sociedade para propor uma oposição responsável que encaminhasse as
reformas necessárias para tirar o Brasil da crise que se encontrava, no entanto, sempre foi
muito cioso de se aproximar do Governo, tanto que manteve-se distante. Considerava que o
Governo Collor foi um “tremor na terra” do país. Apesar dos equívocos achava que o
governo, “[...] colaborou para a revitalização da sociedade e um consenso maior em torno das
principais reformas necessárias para o país, como a privatização, redução do déficit público e
a necessidade de internacionalização da economia, de modo que o país estava, diante de um
novo projeto nacional, pelo menos in fieri” (SOBRINHO, P. 343)
Foi a exaustão da inflação que produziu na sociedade o sentimento de que era
impossível continuar coexistindo com a inflação que não dava trégua. Foi esse sentimento que
entregou as possibilidades políticas para um plano deflacionário vitorioso, do qual esteve à
frente como Ministro da Fazenda. Foi o sucesso do plano o fiador da vitória como candidato a
presidência. E neste momento seu projeto de país foi apresentado com todas as letras em seu
discurso de despedida do senado federal.
Levamos a cabo a tarefa de transição. 19[...] Eu acredito firmemente que o
autoritarismo é uma página virada na História do Brasil. Resta, contudo, um pedaço
do nosso passado político que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da
sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas – ao seu desenvolvimento autárquico
e ao seu Estado intervencionista. Esse modelo, que a sua época assegurou progresso
e permitiu a nossa industrialização, começou a perder fôlego no fim dos anos 1970.
[...] No fim da década perdida, os analistas políticos e econômicos mais lúcidos, das
mais diversas tendências, já convergiram na percepção de que o Brasil vivia, não
apenas um somatório de crises conjunturais, mas o fim de um ciclo de
desenvolvimento de longo prazo. Que a própria complexidade da matriz produtiva
implantada excluía novos avanços da industrialização por substituição de
importações. Que a manutenção dos mesmos padrões de protecionismo e
intervencionismo estatal sufocava a concorrência necessária à eficiência econômica
e distanciava cada vez mais o Brasil do fluxo de inovações tecnológicas e gerenciais
que revolucionavam a economia mundial. E que a abertura de um novo ciclo de
desenvolvimento colocaria necessariamente na ordem do dia os temas da reforma do

19
Neste ponto FHC alude a sua afirmação neste mesmo discurso de que sua eleição representava o ponto final da transição
democrática no Brasil. Cf. p.4 do mesmo discurso.
50

Estado e de um novo modo de inserção do País na economia internacional.


(CARDOSO, F. 1995; P.9-11)
A longa citação acima esmiúça a análise FHC sobre os desafios brasileiros. Com a
sua eleição o Brasil concluía sua longa transição democrática, iniciada pelo governo Geisel,
agora era necessário concluir a segunda transição iniciada de forma atabalhoada pelo governo
Collor, o fim do passado getulista que atravancava o desenvolvimento brasileiro, seu modelo
de Estado desenvolvimentista e o objetivo de um desenvolvimento autárquico. Para FHC a
persistência neste modelo de Estado e seu modelo desenvolvimento altamente protecionista
deixava o Brasil de fora das modernizações industriais dos últimos anos. Nesse sentido,
vemos além de um olhar sobre o passado uma perspectiva otimista sobre o presente, no que
tange a globalização, sobretudo quando alude à distância da economia brasileira das
inovações tecnológicas e gerenciais, e a possibilidade de modernização via integração ao
movimento econômico mundial. A agenda de transição colocava dois pontos essenciais
Reforma do Estado – o entulho do passado e um novo modelo de intervenção estatal-;
segundo, uma abertura da economia que colocasse a economia Brasileira nos novos eixos de
transformação da economia mundial.
Quanto aos pilares do novo governo os definia em quatro. A manutenção e o
aprofundamento da estabilidade macroeconômica produzida pelo plano Real; segundo a
abertura da economia, com a diminuição das barreiras tarifárias, o firmamento de acordos de
comércio multilaterais, como a ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana) e o
MERCOSUL (Mercado Comum do Sul), nas quais tinham por objetivo modernizar a
indústria nacional, para promover a exportação e possibilitar o aumento das importações; o
terceiro ponto é a mudanças nas relações entre Estado e Mercado, o novo modelo de
desenvolvimento deve transferir o protagonismo do Estado para o setor privado, o Estado
produtor cede o lugar para o Estado regulador. “[...] Em vez de substituir o mercado, trata-se,
portanto, de garantir a eficiência do mercado como princípio geral de regulação” (Cardoso,
1995, p.17). Para tanto, cabe ao Estado criar um novo ambiente institucional que retire o
excesso de proteção às indústrias nacionais, que passe a tratar de forma semelhante empresa
nacional e estrangeira. O quarto ponto, é a constituição da infraestrutura econômica e social
para o novo modelo de desenvolvimento. Neste ponto, FHC toca na necessidade de avançar
no processo de modernização e construção de uma infraestrutura econômica, para tanto, este
setor contará com financiamento do Estado, e por outro, a estabelecer novos marcos
institucionais de parcerias público-privado, incluindo a privatização de setores de
infraestrutura para garantir o investimento nesses setores. O segundo ponto deste quarto item
é o investimento em políticas sociais, tendo como sócio destas parcerias as ONGs, segundo
51

FHC “organizações neo-governamentais”, que provaram seu valor no combate as misérias e


iniquidades sociais brasileiras.
Resumindo: estabilidade macroeconômica assentada na disciplina fiscal e monetária,
com a continuidade do Plano Real; integração da economia brasileira ao mercado
mundial; preponderância da iniciativa privada no setor produtivo, acompanhada pelo
esforço dos instrumentos de regulação do Estado; constituição de uma infraestrutura
econômica e social moderna através de novas formas de parceria entre Estado,
empresa e comunidade. Eis, no meu entender os pontos fundamentais da agenda de
reformas que temos pela frente, para que a retomada do crescimento nos últimos
anos seja de fato o início de um novo ciclo de longo prazo. (CARDOSO, 1995, p.
23)
Ao analisarmos seu projeto de país, vemos certo congraçamento de sua trajetória
política e acadêmica, de modo, que é possível observar certa correspondência entre essa
trajetória e o seu projeto de país. Como visto o fato de estarmos numa condição de
dependência não significa uma impossibilidade de desenvolvimento, poder-se-ia consciente
dos problemas nacionais, pactuar novas formas de inserção periférica. Se nos anos 50 a crença
anti-industrialista do imperialismo era falaciosa, para Cardoso nos anos 90 as oportunidades
eram diversas, a globalização era uma realidade, poderíamos elaborar uma estratégia de
inserção periférica exitosa, semelhante à dos países do leste-asiático que estavam
aproveitando as mudanças da globalização para outra forma de inserção. Neste ponto se
quisermos identificar os alvos deste projeto, se faz necessário identificar sua leitura sobre a
conjuntura geopolítica daquele momento, na qual identifica as possibilidades do
desenvolvimento nacional.
Para Cardoso a globalização apresenta do ponto de vista positivo a
internacionalização da produção e a ampliação do comércio intrafirmas. Para as economias
periféricas, os anos 1990 apresentam um novo caráter, como vimos anteriormente, o capital
estrangeiro nos anos 50 deixou de explorar as economias periféricas como simples enclaves
produtivos, com a chegada das multinacionais a periferia passou a produzir novos bens
industriais com os investimentos dessas multinacionais. Nos anos 1980 com o espraiamento
da produção, os diversos países receptores desses investimentos começam uma disputa
acirrada em termos de ambiente macroeconômico para tornarem-se aptos para receber esses
investimentos, para tanto, o desafio nacional era entregar uma imagem positiva para os
investidores externos. Por isso, a defesa da competição, do espírito empresarial, da
estabilidade macroeconômica e a crítica ao protecionismo e as práticas do velho nacional-
desenvolvimentismo. Para Cardoso quanto mais se insista nas práticas do antigo modelo, mais
distante ficaríamos da torrente de investimentos externos propiciada pela globalização.
O cenário mudou, em seu entender a globalização carrega consigo novas
oportunidades, todavia, é ainda mais excludente que o processo de transnacionalização dos
52

anos 1970, pois, agora uma multinacional não precisa produzir num mercado nacional para ter
acesso a este. Com o avanço das telecomunicações e dos transportes, qualquer empresa
multinacional pode produzir partes de sua mercadoria em diversos países do mundo e exportar
o seu produto final para um país que sequer produz alguma parte desta mercadoria. A
globalização é vista como uma nova configuração da divisão internacional do trabalho. De um
lado, estavam os países integrados ao comércio mundial, e que teriam todas as condições
econômicas para promover o bem-estar de sua população; de outro, ficariam os países
excluídos do comércio, e que agora não poderiam contar com o recurso da “autonomia
nacional”, que neste novo cenário competitivo leva ao isolamento, e do isolamento para a
estagnação como no caso brasileiro. Todavia, o volume do comércio intra-firmas é que geram
as novas possibilidades, as multinacionais se direcionam para países com diferenciais
competitivos, para FHC são a mão-de-obra qualificada e as tecnologias disponíveis destes
países. Por isso, a globalização é um fato, o que se pode fazer diante da realidade é um projeto
modernizador que busque se apropriar daquilo de melhor que tem a oferecer, acesso aos
mercados e tecnologia.
A globalização era um fato, assim como o capitalismo uma nova fase da expansão
deste modo de produção, e como todas as outras fases, carrega consigo as suas contradições,
Cardoso não se furtou de observa-las, como ponto negativo, criticava a volatilidade dos fluxos
financeiros internacionais:
A mobilidade dos fluxos financeiros através das fronteiras nacionais pode ser vista
como uma forma eficiente de alocar recursos internacionalmente e de canalizá-los
para os países emergentes, por outro, a volatilidade dos capitais de curto prazo e a
possibilidade de seu uso para ataques especulativos contra a moeda são considerados
como uma nova forma de ameaça à estabilidade econômica do país. (Cardoso apud
Bentes, 2006, p.113)
Os Estados nacionais ficam atados ante aos ataques especulativos. Via a
necessidade de disciplinar os fluxos financeiros internacionais, todavia, era necessário um
consenso internacional sobre as normas de funcionamento dos mercados financeiros
internacionais. Para Cardoso, a partir do consenso era possível disciplinar a globalização
financeira.
O papel do Estado na nova ordem, por essas duas condicionantes, mesmo a que
enxerga como mais positiva, tende a perder alguns aspectos de sua força. Pelo lado
econômico há um consenso invisível de que a única alternativa é a estabilidade
macroeconômica, de modo, que não cabe mais o intervencionismo estatal nas forças do
mercado. Todavia, “[...] ao contrário do que pregam muitos globalistas, FHC argumenta que
apenas um Estado forte e com maior capacidade de implementação poderá ser capaz de
53

cumprir a tarefa de minimizar os efeitos negativos da globalização e atender as demandas da


sociedade nacional” (BENTES, 2006, P.116). Se por um lado, o Estado perde sua força em
alguns aspectos, por outro, pode canalizar aquilo que lhe resta para melhorar o bem-estar da
população focando-se naquilo que é essencial nos serviços público. O mesmo FHC pensava,
no entanto, que apesar das enormes dificuldades geradas pela globalização, com uma política
econômica responsável e consciente é possível atenuar os efeitos negativos da globalização.
Portanto, o olhar de FHC é positivo sobre a globalização, não deixa de reconhecer suas
assimetrias e dificuldades, mas aparece sempre como um desafio de integração, sua luta é pela
defesa da internacionalização da economia brasileira, como o eixo central do novo projeto de
país, da nova estratégia de desenvolvimento. Como analisado por Ana Paula Bentes FHC,
Apesar de entender a globalização como eminentemente excludente, defende a tese
de que está não é uma posição determinista, não necessariamente haverá exclusão ou
desemprego estrutural do país globalizado. Tudo vai depender da composição da
economia em questão, das variáveis internas e externas e, sobretudo da capacidade
negociatória de seus governantes. Exatamente como tratava a questão do
desenvolvimento associado nas décadas de 1960 e 1970. (Idem, 2006, p.119)
Os eixos da nova estratégia de negociação é promover a abertura da economia
brasileira, mas investindo em tecnologia e formação de capital humano, a globalização para
Cardoso pode gerar o efeito indesejado de exclusão da mão-de-obra não qualificada, a
histórica educação deficitária brasileira precisava ser corrigida para nos inserirmos
competitivamente na economia internacional. Na geopolítica, a necessidade de
multilateralismo, países em desenvolvimento que tivessem interesses em comum poderiam
enfrentar as assimetrias da globalização, e uma forma de promover uma abertura econômica
com a capacidade negociatória requerida.
A partir da compreensão de sua leitura sobre a globalização, e seu projeto de país,
podemos identificar quais frações de classes são prioritárias no projeto de desenvolvimento-
associado de FHC. Os objetivos traçados pelo seu governo não pairam no ar, podem até visar
o interesse da maioria da população, mas convergem ou divergem dos interesses particulares
das classes dominantes. Nesse sentido, o núcleo para o qual os pontos centrais do seu projeto
de desenvolvimento convergem é o capital estrangeiro, visto que o binômio abertura e
estabilidade macroeconômica requerem para serem alcançados uma boa relação com o capital
estrangeiro. Tanto para a entrada de capital estrangeiro para financiar o balanço de
pagamentos, quanto o IDE (Investimento Direto Externo) necessário para modernizar a
indústria brasileira, e permitir maior capacidade de exportação. Logo, fica claro que a classe
priorizada pelo governo são os grupos internacionais.
54

Por outro, sempre viu com desconfiança a burguesia interna, posição essa que
pode ser compreendida desde a publicação do livro Dependência e Desenvolvimento na
América Latina, a burguesia nacional não tem, e não terá o papel civilizatório que teve nos
países centrais, sempre preferiu a associação com o capital estrangeiro à promoção dos
interesses nacionais. Criticou algumas frações de classes nacionais, especialmente os
industriais. Quando na implementação do plano Real criticou a posição da FIESP, defendiam
que não havia correlação entre déficit público e inflação (CARDOSO, 2006, P.144), por isso,
a fração nacional que se colocasse antagônica aos interesses da abertura da economia seria
criticada por Cardoso. Estas são vistas como atrasadas, dependentes do clientelismo estatal,
responsáveis junto das elites estatais da crise do estado desenvolvimentista, portanto, estariam
sempre alijadas de terem seus interesses promovidos pelo governo, a não ser que se
colocassem como parceiras do capital estrangeiro.
Mais do que uma crítica à burguesia interna, FHC enxerga no processo de
abertura da economia uma forma de modernizar a economia brasileira, eliminaria setores
artificiais que só existiam em decorrência do protecionismo. Politicamente, pode-se aludir que
o processo de abertura minaria o poder político de “velhos” grupos industriais paternalistas
que cresceram ao longo da industrialização sob as expensas do Estado. Essa burguesia sairia
renovada do processo de abertura, as que sobrevivessem deixariam de requererem do Estado
proteção para se aliarem ao processo de abertura para terem novas oportunidades
competitivas. Logo, estar-se-ia forjando com a abertura uma configuração de forças políticas
interna capaz de responder ao desafio da globalização.
Em nosso entendimento, o processo de abertura é central no projeto de país de
Cardoso, é quase um valor absoluto, um fim em si mesmo, que em seu processo
excomungaria todos os males nacionais. A economia seria moderna e competitiva; a
competição poria fim no clientelismo e no patrimonialismo; socialmente permitiria a
incorporação de camadas sociais historicamente excluídas dos processos de modernização
ocorridos no Brasil.
Em síntese, podemos dizer que o projeto de país de FHC pode ser resumido em
dois pontos essenciais – reforma do Estado e abertura econômica. O segundo guia a primeira.
Com a reforma do Estado se pretendia substituir o Estado produtor pelo Estado regulador,
com isso, resguardar os cofres público para atuar como agente transformador das mazelas
sociais. Deveria realizar os investimentos em bem-estar e deixar o mercado cuidar da
economia. A abertura da economia permitiria que a ausência do Estado fosse compensada
com o investimento privado que seria atraído por esse novo espírito empresarial do Estado
55

brasileiro, esses investimentos podem ser tanto externos como internos, mas a aposta de FHC
é que ele seria em sua maior parte externo.
56

3- Globalização e neoliberalismo: as possibilidades de inserção das economias


periféricas.
“O Estado mínimo da falsa utopia neoliberal não é mínimo
na economia, como pregam os tolos: ele se faz mínimo é na
política. Num movimento de pinças simultâneo, o Estado se
faz Máximo na economia e mínimo na política, e os dois
lados se projetam uma economia sem política, portanto sem
disputa.”
(Francisco de Oliveira)
Se pudéssemos descrever a globalização tal como foi propagandeada desde que o
termo se tornou midiático nos anos 1980, poder-se-ia dizer que a imaginamos como um
processo de espraiamento e interconexão da produção global, isto é, mercados antes isolados
se conectam a cadeia de valor, aumentando o volume e a expansão do comércio mundial.
Uma mercadoria manufaturada passa por inúmeros países para realizar seu processo de
valorização e realização, por vezes sendo realizada em um país que sequer qualquer
componente foi produzido. No entanto, esta maneira bastante simplista, propalada com grande
entusiasmo pela mídia hegemônica, por políticos e economistas, esconde a dupla face da
globalização, o lado financeiro e o lado produtivo, por isso mesmo, separam processos que
estão profundamente conectados, e não só, mas também hierarquizados (Carneiro, 2007). Para
apreender o processo é necessário reestabelecer a interconexão dos dois movimentos,
hierarquizando-os, pois mais importante do que o aumento do comércio global é o movimento
de expansão do capital financeiro propiciado pela emergência dos mercados globalizados que
atinge com muito mais impacto as economias periféricas do que o processo de globalização
da produção.
Neste capítulo temos quatro objetivos, o primeiro é recuperar as principais
transformações do sistema monetário-financeiro internacional que culminaram na
globalização financeira. Segundo, apontar as principais transformações no padrão de
concorrência mundial, e como estas transformações impactam as economias periféricas.
Terceiro, apresentar os aspectos mais gerais da base ideológica desses processos o
neoliberalismo. Por fim, como os policy makers do governo FHC avaliam a globalização e o
neoliberalismo.

3.1 A globalização financeira


Nosso ponto de partida é a Ordem de Bretton Woods, vigente do pós Segunda
Guerra Mundial á 1971, quando os EUA (Estados Unidos da América) decretam a
57

inconversibilidade do dólar-ouro. A institucionalidade provou desde os primeiros anos uma


hegemonia de benefícios mútuos exercida pelos EUA para toda sua rede de alianças,
sobretudo, Europa e Japão, decorrentes do fato de estarem em regiões estratégicas no conflito
com a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Assim se nos anos iniciais do
após Segunda Guerra, o mundo sofria com restrições de liquidez, decorrentes da escassez de
dólares, a partir do plano Marshall, elaborado pelos americanos, operou -se uma
industrialização a convite para as economias europeias e o Japão (Serrano & Medeiros, 1999).
Dessa forma, seus aliados estratégicos puderam promover uma série de políticas pró-
desenvolvimento: taxas de câmbio desvalorizadas, favoráveis à competição; políticas de
proteção tarifária e não tarifárias, entre outras; pelo lado americano, abertura unilateral do seu
mercado interno, missões de ajuda técnica, ajuda financeira de organizações multilaterais, a
expansão das multinacionais americanas e dos bancos.
[...] Assim, podemos caracterizar como ‘desenvolvimento a convite’ a estratégia
americana de não apenas permitir, como também em vários casos promover
deliberadamente o desenvolvimento econômico dos países aliados nas regiões de
maior importância estratégica para o conflito com a URSS. (Serrano & Medeiros,
1999, P.133).
Para Belluzzo (1995), a estratégia americana só foi possível devido ao poder de
seignorage20 do dólar, que a permita ser um exportador liquido de capitais, exortando a
grande corporação americana e seus bancos para seus aliados estratégicos.
Para a periferia do capitalismo, como o Brasil, o convite foi bem menos generoso,
não puderam contar com ajuda oficial dos americanos ou das outras organizações
multilaterais para realizar seu processo de industrialização. Todavia, na medida em que as
economias europeias e japonesas foram sendo reconstruídas opera-se o investimento externo
cruzados na periferia, na qual, a partir da internacionalização do mercado interno, algumas
economias periféricas, como o Brasil, puderam dar o salto à industrialização pesada, na qual o
setor de bens de produção capitalista e bens intermediários são internalizados, podendo
reproduzir as bases técnicas e produtivas para a reprodução ampliada do capital industrial.
Organizou-se uma divisão interna da produção industrial, na qual as grandes empresas
transnacionais ocupam, sobretudo, o setor de bens de produção capitalista, as empresas
estatais, o setor bens intermediários, e as empresas nacionais, o setor de bens de consumo
não-duráveis. Tal divisão só é possível pela forma de inserção das empresas transnacionais
nos espaços periféricos, reproduzindo nas filiais as plantas produtivas da matriz, tendo a

20
O termo refere-se ao privilégio exorbitante de que tinha a moeda americana por ser a moeda de meio de pagamento
universal, os EUA não sofre das mesmas restrições que qualquer outro país, isto é, a necessidade de ter saldos comerciais
positivos para financiar seu balanço de pagamentos, bastando o FED (Federal Reserve) emitir moeda para financiar seu
déficit de balanço de pagamentos.
58

capacidade de integrar a estrutura industrial, na qual toda a cadeia de valor é gerada no


mesmo espaço nacional.
A institucionalidade de Bretton Woods permitiu ao capitalismo viver sua era
dourada (Golden Age), calcada no tripé, taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis; autonomia da
política monetária; restrição à mobilidade de capitais, estes últimos sendo estritamente
regulados pelo sistema monetário e financeiro internacional. Tal arranjo institucional permitiu
não só a recuperação das economias centrais, mas também a industrialização de alguns países
periféricos. No entanto, o sistema possuía uma idiossincrasia fundamental: o poder
seignorage do dólar. Os EUA ao tornarem-se fonte de demanda efetiva e emprestador em
última instância do sistema capitalista acabaram por tornarem-se deficitários em seu balanço
de pagamentos. Assim, as economias centrais começam a carregar uma quantidade enorme de
dólares à espera de valorização; por outro, na medida em que se recuperavam, as grandes
empresas europeias e japonesas começam a disputar mercados com as grandes empresas
americanas, operando um novo grau de concorrência.
A liquidez a paço de espera começa a sua busca por valorização com a expansão
dos mercados financeiros offshore, com a reciclagem dos eurodólares das economias centrais,
com o surgimento de operações de empréstimos/depósitos que escapavam do controle dos
bancos centrais. Para Belluzzo (1995), essa foi a primeira rodada na globalização financeira,
na qual bancos privados europeus começam a fazer operações de empréstimos em dólar para
outros Estados nacionais, a margem das regulações de Bretton Woods, pois excediam os
regulamentos dos bancos americanos, como taxas de juros flutuantes, e acima do teto imposto
aos bancos americanos.
No fim dos anos 1960, a economia americana começa a apresentar déficits em
sua balança comercial, algo que não ocorria desde 1893 (Mazzucchelli, 2009), o que implicou
em uma corrida contra o dólar, com os seus carregadores buscando trocar dólares pelas
reservas americanas de ouro. Em 1971, o governo americano tentando conter as especulações
contra a moeda americana, decreta o fim da conversibilidade ouro-dólar, e uma sobretaxa de
10% nas importações. Os questionamentos persistem, e em 1973, as taxas de câmbio deixam
der ser fixas, para tornarem-se flutuantes, com estes dois gestos unilaterais, os americanos põe
fim às duas principais âncoras de Bretton Woods, sumariamente alijadas da ordem monetária
internacional. O gesto americano, no entanto, não contou com a obediência dos espectadores
europeus, que seguiam atacando a moeda americana, o impasse é finalmente resolvido a partir
do gesto unilateral de Paul Vocker, presidente do FED, que decide subir abruptamente as
59

taxas de juros, foi o definitivo shown of American Power (Mazzucchelli, 2009). Sem qualquer
pudor, os EUA, jogam a economia mundial e a si mesmo para a recessão e instabilidade.
[...] A partir daí o movimento do crédito interbancário se orientou decisivamente
para os EUA e o sistema bancário passou a ficar sob controle do FED. E não apenas
sob o controle da política monetária, que dita as regras do jogo, as flutuações na taxa
de juros e câmbio, mas também a serviço da política fiscal americana. A partir do
início dos anos 80, todos grandes bancos internacionais estão em Nova York, não
apenas sob o umbrela do FED, mas também obrigatoriamente – porque não há outra
alternativa – o déficit fiscal americano. (TAVARES, 1985. P. 7)
Poder e dinheiro formam um casamento inseparável, com formas de repactuação
de tempos em tempos, a retomada da hegemonia americana não foi apenas um gesto do poder
americano, foi a repactuação com a grande finança tomando a frente do processo de
globalização financeiro. A hegemonia do dólar foi retomada, mas sob bases totalmente
fictícias e financeiras, seu fundamento é permitir ser lastro para as operações securitizadas nos
mercados financeiros, ou seja, ser a moeda financeira internacional, no qual todas as
operações são denominadas em dólar.
Nesse sentido, para Carneiro (2007), a globalização no seu processo mais geral e
abstrato é o predomínio geral do capital financeiro como etapa superior e desregulada do
capitalismo. Os agentes econômicos nessa nova etapa disseminam a lógica de acumulação por
meio dos ganhos patrimoniais, em detrimento daqueles oriundos dos rendimentos. Uma
crescente importância da esfera financeira ante a produtiva, um aprofundamento dos traços
inerentes ao capitalismo.
"[...] Dessa perspectiva, pode-se também constatar a ampliação relativa da esfera da
valorização da riqueza financeira vis à vis aquela da produção ou geração da renda.
Enfim, exacerba-se a independência relativa da valorização da riqueza financeira
ante a real, por meio de bolhas de preços recorrentes de um amplo espectro de ativos
financeiros." (Carneiro, 2007, p.3-4)
Para Braga (1997) a financeirização constitui o modo de ser da riqueza
contemporânea, na qual a concorrência e a valorização operam sob a lógica financeira, os
capitais buscam se valorizar simultaneamente através da renda (produção) e pela
capitalização, formando uma macroestrutura financeira, ao lado da estrutura produtiva.
Essa segunda fase da globalização financeira é marcada pela desregulamentação
financeira, da ordem de Bretton Woods. Para Belluzzo (1995), a segunda onda de
globalização financeira é pautada pela instabilidade e descentralização do sistema monetário
internacional, no qual emergem três transformações financeiras conhecidas genericamente por
globalização, desregulamentação e securitização. Globalização, porque o espaço econômico
para a circulação e realização da riqueza agora é global, de tal forma que os ativos
financeiros, operando como quase-moedas que geram juros e rentabilidade, pulam de praça
em praça na busca da máxima valorização. A desregulamentação impõe-se necessariamente
60

para que este padrão da riqueza possa operar, ocorre não somente pela imposição
conversibilidade da conta de capitais dos países, mas também as desregulamentações no
mercado financeiro e bancário, na qual ganha predominância o mercado de capitais ante ao
mercado de crédito. Por fim, o instrumento que permite a busca pela liquidez e valorização, a
securitização, que permitiu aos bancos operarem a mudança que transforma créditos bancários
em títulos de capitalização, lastreados pelo dólar, como a moeda que chancela as operações
financeiras.
A resposta americana de subir unilateralmente as taxas de juros para retomar o
controle do sistema bancário, teve como contrapartida a reciclagem da carteira dos bancos
privados, ajustando, sem grandes traumas, a carteira dos bancos, na medida em que os
créditos desvalorizados dos países em desenvolvimento foram sendo substituídos por dívida
emitida pelo Tesouro Nacional aos Estados Unidos 21. Belluzzo (1995) aponta que o papel
americano na gestão da crise do sistema de crédito nos anos 1980, criou as condições para o
surgimento de novas formas de intermediação financeira. "Esse processo de transformações
na esfera financeira pode ser entendido como a generalização e a supremacia dos mercados de
capitais em substituição à dominância anterior do sistema de crédito comandado pelos
bancos." (BELLUZZO, 1995, p. 16). O processo, portanto, de desintermediação do sistema
bancário, na qual ganha predominância a individualização, e a seleção restrita a aqueles que
estão aptos a receberem a riqueza financeira disponível no mundo, essa seleção tende a
privilegiar as empresas internacionais ou aquelas capazes de gerar receita em moeda
estrangeira.
O aspecto mais significativo é que os agentes econômicos principais: famílias,
empresas financeiras e não-financeiras, reforçam a forma de acumulação de capital da
globalização financeira, ao se pautarem por uma lógica de valorização financeira dos seus
investimentos, “[...] na qual buscam maximizar o ganho patrimonial e não o de rendimentos
associam a esta postura a busca de uma maior liquidez desses investimentos.” (Carneiro,
2007, p. 13).
Os bancos desde o fim dos anos 1960 passaram a substituir moedas e depósitos à
vista pelos ativos geradores de juros, através do processo generalizado de securitização,

21
No começo dos anos 1980, os bancos americanos estavam em crise por conta das operações de empréstimos
aos países sub-desenvolvidos, cujas taxas de juros eram lastreadas pela flutuação da taxa de juro prime
americana, com a elevação da taxa de juro pelo FED, esses países entraram em severas dificuldades para honrar
o serviço da divida externa contraída ao longo dos anos 1970. O papel do FED em reciclar a carteira dos bancos
fora fundamental para não gerar uma quebradeira generalizada dos bancos. Ao fazê-lo a crise do sistema
internacional de crédito transmutou-se em crise da dívida externa dos países subdesenvolvidos, que tem
repercussão direta no Brasil, ao qual será tratado no próximo capítulo.
61

impulsionando uma concorrência financeira generalizada. Emergem novos agentes não-


bancários, no processo que ficou conhecido como desintermediação bancária, em que novos
agente operam no mercado financeiro, como bancos emprestadores, manejando a liquidez do
sistema financeiro. Passam a operar com esses mesmos ativos, utilizados como quase-moedas,
portadores de rentabilidade e liquidez.
Nas empresas não-financeiros, altera-se a forma de controle da propriedade para a
maior pulverização do seu capital, na busca de maior valorização da riqueza e de maior
liquidez possível, através da valorização patrimonial em Fusões e Aquisições e Compras
Alavancadas. Altera-se inclusive a governança, agora pautada pela maximização do valor
acionário. A busca passa a ser de um lucro superior a taxa de juros, transformando-se num
benchmarking imediato para o retorno da atividade produtiva (Carneiro, 2007). Na medida em
que todas as vezes que lucros forem inferiores a taxa de juros, reduz-se o valor acionário
cotado nas bolsas de valores. As empresas entram num circuito de maior alavancagem
financeira, na medida em que entregam como colateral, a valorização dos seus ativos, para a
obtenção de empréstimos. O destino dessa massa financeira se pulveriza, começam a fazer
operações típicas de grandes investidores dos mercados financeiros: especulação do mercado
de câmbio, fusões e aquisições, compra e venda de ativos financeiros, em suma, do jogo do
dinheiro, de tal forma que não podemos mais distinguir a grande empresa industrial de uma
empresa financeira. As empresas transnacionais operam uma estratégia tecno-financeira, que
“[...] tanto podia assumir a forma produtiva de investimentos de capital, como uma variedade
de formas que não envolviam, nem investimento industrial, nem criação de valor, e às vezes
apresentando aspectos improdutivos, quando não parasitários.” (Chenais, 1996, p.76). As
empresas transnacionais operam sob a lógica da máxima valorização do capital, de maneira
diferenciada e multiforme.
Os Estados nacionais são reconfigurados sob o padrão sistêmico da riqueza
financeirizada. De um lado estão os países aptos a receberem os investimentos produtivos das
grandes corporações que geralmente aportam em países desenvolvidos, dadas as
possibilidades de acesso a economias de escopo – novos produtos e processos; ou em países
em desenvolvimento, mas que possuem baixo custo de mão-obra e são ricos em recursos
naturais. De outro, ficam o resto dos países periféricos escolhidos como mercados de
exportação de mercadorias e espaço preferencial para a valorização da riqueza financeira.
Nesse sentido, o espaço de manobra para política econômica destes países é reduzido ao
extremo, tendo em vista que qualquer variação da taxa de câmbio e juros pode gerar
instabilidade em seus balanços de pagamentos. A circulação da massa financeira determina de
62

forma interdependente os movimentos das taxas de câmbio e juros, “[...] uma vez que suas
variações estabelecem as rentabilidades dos ativos financeiros e as modificações dos valores
patrimoniais nos diferentes mercados nacionais globalizados” (BRAGA, 1999, P.195).
Na Ordem de Bretton Woods, os Estados nacionais possuíam autonomia, e eram
impulsionados a manter um estrito controle da sua conta de capitais, na ordem globalizada,
ocorre uma regressão, na qual vem à tona uma enxurrada de capitais especulativos de curto
prazo procurando a valorização fictícia dos seus ativos. Com o fim das taxas de câmbio fixas,
as flutuações passaram a ser alvos dos especuladores, restringido a capacidade de manejo da
política monetária, por conseguinte gerando enorme instabilidade das taxas de juros, inclusive
nas três zonas monetárias do capitalismo (iene, dólar e euro).
Na verdade, as flutuações das taxas de câmbio, supostamente destinadas a corrigir
desequilíbrios do balanço de pagamentos e dar maior autonomia às políticas
domésticas, foram desestabilizadoras. Isto porque a crescente mobilidade dos
capitais de curto prazo obrigou a seguidas intervenções da política monetária,
determinando oscilações entre taxas de juros das diversas moedas e criando severas
restrições a ação da política fiscal. (BELLUZZO, 1995, P. 16)
Para Carneiro (2002), a globalização financeira é resultante da interação de dois
movimentos básicos. Ao nível domestico, da progressiva liberalização financeira, expressa na
conversibilidade da conta de capitais do balanço de pagamentos; no plano internacional, na
crescente mobilidade de capitais, através das desregulamentações do sistema monetário-
financeiro internacional. Na ordem da globalização financeira, supostamente estar-se-ia
resolvendo a tríade impossível 22, pois seu sistema combina taxas de câmbio flutuantes, livre
mobilidade de capitais e a princípio, autonomia da política monetária.
Essa institucionalidade não leva em conta a existência de uma hierarquia de
moedas. Primeiro, é a moeda reserva o dólar, que ocupa o centro dessa hierarquia, e, por
conseguinte, pode desfrutar dessa institucionalidade como um todo, o que significa dizer que
tem plena autonomia para fixar suas taxas de juros, por remunerar um investimento que é
feito na moeda mais forte do sistema suas taxas de juros são as mais baixas, estabelecem o
piso da taxa de juros do sistema como um todo. No segundo nível encontramos as moedas-
conversíveis ao dólar dos países centrais, por receberem um fluxo permanente de capitais
produtivos e financeiros, têm a possibilidade manter uma certa autonomia da sua política
22
Na literatura sobre o sistema monetário internacional, o que define o sistema monetário-financeiro
internacional é combinação de três elementos, o grau de liberdade do movimento de capitais, o regime cambial e
o grau de autonomia da política doméstica. Chamam a combinação desses três elementos de tríade impossível,
pois só é possível combinar dois elementos de cada vez, ficando um terceiro automaticamente excluído. Assim
no padrão ouro-libra, o regime de câmbio era fixa, dada a paridade escolhida por cada moeda em relação ao
ouro-libra, existia livre mobilidade de capitais, todavia, as políticas monetárias domésticas funcionavam
exclusivamente para defender a paridade escolhida. No padrão de Bretton Woods, havia autonomia das políticas
domésticas, mas um controle estrito sobre a mobilidade de capitais. O padrão da globalização financeira
supostamente permite a combinação dos três elementos, resolvendo a tríade impossível.
63

doméstica, podem fixar sua taxa de juro um pouco acima da taxa de juro americana, se o
fizerem abaixo disso, podem sofrer com saídas de capitais e consequentemente da
desvalorização da sua taxa de câmbio. Todavia, esta tem um piso, “[...] a partir do qual passa
a ser interessante a volta dos capitais, para adquirir ativos produtivos ou financeiros a baixo
preço, em razão da moeda desvalorizada” (Carneiro, 2002, p. 233). Por fim, temos as moedas
não-conversíveis dos países periféricos, essas não tem autonomia quanto a sua política
doméstica, caso fixem sua taxa de juro abaixo do risco país, pode ocorrer um desvalorização
sem limites de sua taxa de câmbio, sem que os capitais retornem a essas moedas, pois pode
não haver interesses dos capitais na compra dos ativos dos países periféricos, o que pode por
em risco a própria existência dessa moeda.
À medida que se caminha para fora do núcleo do sistema, as taxas de juros vão se
elevando, dado que as moedas vão se tornando menos seguras. Pode-se interpretar o
fenômeno de outra maneira e afirmar que os proprietários dos capitais exigem um
prêmio maior para investir nas moedas menos seguras. [...]
Ou seja, a autonomia da política econômica doméstica, entendida como a capacidade
de determinar as taxas de juros, é restrita quando comparada à dos países do centro
do sistema. (CARNEIRO, 2002, P. 231-232)
A condição para os países periféricos participarem do sistema é aceitarem o risco
país, formulado pelas agências de classificação de risco. Se por um acaso fixarem sua taxa de
juro abaixo desse risco, pode haver uma fuga de capitais, com possibilidade de não
retornarem. Podemos dizer a partir do conceito de hierarquia de moedas formulada por
Carneiro (2002), que há um intima conexão entre o papel ocupado pela periferia na divisão
internacional do trabalho e suas taxas de juros elevados. Para manter a autoridade sobre sua
moeda nacional, isto é, para garantir que sua moeda seja meio de pagamento em transações
domésticas estes países são obrigados a manterem suas taxas de juros no patamar mais
elevado do sistema financeiro, o que implica tornarem-se fonte de valorização fictícia de
capitais especulativos.
A globalização, portanto, é um nome fantasia dado pela dominância da
financeirização no modo de ser da riqueza contemporânea, neste processo os Estados
nacionais ficam atados a chancelar os movimentos especulativos sobre suas moedas
nacionais, são instados a promover a estabilização monetária a qualquer custo, realizarem
ajustes fiscais permanentes, e manterem a plena conversibilidade de sua conta de capitais para
servirem de centros de valorização e circulação da massa financeira. Sob seu signo as chances
de inserção das economias periféricas são extremamente reduzidas. Tornam-se centros de
valorização da riqueza financeira global.
64

3.2 A globalização Produtiva.


Segundo Gonçalves et alii (1998), a globalização produtiva se caracteriza por três
processos: o avanço do processo de internacionalização da produção, o acirramento da
concorrência internacional, e a maior integração as estruturas produtivas das economias
nacionais. Podemos afirmar que seu aspecto mais geral é um processo de internacionalização
da concorrência capitalista, na qual emerge uma nova estrutura de concorrência patrocinada
pela tríade EUA, Japão e Europa, na qual tem papel central a grande corporação globalizada,
que modifica suas formas de atuação, com consequências imediatas para os fluxos de
comércio internacionais e as decisões de investimentos.
A empresa transnacional típica do padrão de Bretton Woods quando aportava em
algum país o fazia reproduzindo sua planta produtiva da matriz para as filiais, o que permitia
aos países receptores desses investimentos uma verticalização produtiva, integrando sua
indústria aos investimentos das transnacionais, no qual toda a cadeia de valor era gerada no
mesmo espaço nacional. A partir de meados dos anos 1970, com a revolução tecnológica nas
telecomunicações e nos transportes, a empresa transnacional tem a possibilidade de espalhar
sua cadeia de produção pelo globo sem perder o comando da cadeia de produção, por
conseguinte, podendo transportá-la para diferentes países a baixos custos de transportes.
Aumentando substancialmente o comércio mundial intrafirma e/ou intragrupos.
Moraes (2018), seguindo a tipologia de Chesnais (1996) caracteriza a expansão
das multinacionais sob três padrões.
O primeiro sendo a estratégia de aprovisionamento, que correspondia ao modelo
mais antigo de internacionalização, por meio da integração vertical a partir da busca
de recursos minerais, agrícolas e energéticos nos países periféricos. O segundo
padrão referia-se a uma estratégia de mercado, com a criação de filiais
intermediárias em busca de acessos a novos mercados, como no caso de diversas
indústrias de bens de consumo duráveis que se instalaram no Brasil ao longo dos
anos 1950. E, por fim, o terceiro perfil referia-se a uma estratégia de produção
racionalizada, por meio da instalação de filiais montadoras, promovendo uma
produção integrada internacionalmente, visando ao aumento da lucratividade global
do grupo ou empresa. Surgem a partir deste último caso as empresas transnacionais
(CHESNAIS, 1996, p. 75). A despeito dos dois primeiros padrões continuarem a
existir, foi o terceiro que predominou a partir de então, no período que se
convencionou chamar de globalização. (MORAES, 2018, P. 86)
Assim as empresas multinacionais, passaram espalhar sua cadeia de produção ao
redor do globo, buscando os diferencias que cada mercado tem a oferecer. O sentido desta
parte do capítulo é compreender de que maneira a globalização produtiva afeta as formas de
associação dos capitalismos periféricos com o movimento geral comércio mundial.
Durante os anos 1970, a economia global viveu o fim da era do ouro, e um
período prolongado de instabilidade sob signo da estagflação. No começo dos anos 1980,
65

todavia, as principais economias do mundo, retomam ainda que a patamares mais baixos, o
crescimento. Para Coutinho (1990), a retomada se deu através da cooperação das principais
economias capitalistas, todavia, com a retomada do investimento privado, e não somente pelo
gasto público, “[...] está não seria insuficiente para assegurar a sustentação continuada dos
fluxos (decisões) privados de investimento produtivo – num clima de instabilidade global –
sem a articulação e difusão, simultânea, de um cluster de inovações, baseado em novas
tecnologias de impacto abrangente, sobre o conjunto das estruturas industriais das principais
economias capitalistas (p. 70)”. Ocorreu aquilo que Coutinho, inspirado em Schumpeter
chama de verdadeiro “vendaval de destruição criativa”, a introdução de uma nova base
tecnológica das indústrias de computadores e periféricos, e telecomunicações. Essa destruição
criativa é realizada justamente pelas grandes corporações dos países centrais.
Segundo Coutinnho, desde os anos 1980 vem ocorrendo sete tendências no
cenário econômico mundial: 1- o peso crescente do complexo eletrônico; 2- um novo
paradigma de produção industrial, a automação flexível; 3- revolução nos processos de
trabalho; 4- transformação das estruturas e estratégias empresariais; 5- novas bases de
competitividade; 6- a globalização como aprofundamento da internacionalização; e 7- as
“alianças tecnológicas” como nova forma de competição. A respeito destas três últimas cabem
algumas considerações: as novas formas de competitividade representam duas mudanças;
Primeiro, a dimensão sistêmica da competitividade, a inovação privada tende a fluir com
maior dinamismo nas economias com externalidades benignas, que combinam uma interação
acentuada entre a empresa privada e as instituições públicas de ciência e pesquisa aplicada.
Permitindo a redução de custos e riscos. Trata-se da constante busca de inovações disruptivas,
que levem as grandes empresas a posições monopolistas. O segundo traço é que a capacidade
competitiva se funda cada vez menos na dotação de fatores e recursos naturais, e mais como
resultado deliberado das estratégias privadas e/ou públicas de investimento com inovação.
São vantagens comparativas dinâmicas e construídas.
Quanto à globalização, a abertura dos mercados nos anos 1980, combinada com a
revolução nas telecomunicações, permitiu a qualquer agente operar, direta ou indiretamente,
nos diversos mercados mundiais. Estabelece-se uma interconexão global nos mercados,
financeiros, de títulos e valores, resultando num intenso processo de interpenetração
patrimonial entre as grandes burguesias industriais e financeiras das principais economias
capitalista. Ocorreu um processo acentuado de concentração de capitais nas mãos das grandes
corporações da tríade, num processo que Chesnais (1996) chamou de investimento externo
direto cruzado, a compra de inúmeras empresas americanas por seus competidores japoneses e
66

alemães, por meio de fusões, aquisições e participação majoritária, aumentando o grau de


concentração e internacionalização da economia mundial em diversos setores industriais.
Com a estruturação de sofisticadas redes globais informatizadas de gestão on-line,
dentro das empresas multinacionais, as permitiu distribuir suas atividades para outros países
fora da matriz, o processo em si não é novo, mas a forma de global sourcing sim. Trata-se de
buscar economias que possuem algum grau de vantagem locacional. Coutinho lista três
formas de sourcing: para suprimento de peças e componentes padronizados ou de matérias-
primas, especialmente em fases de escassez geral; o sourcing das preferências e das
características dos mercados consumidores; por fim, aquele direcionado pelas vantagens de
conhecimentos tecnológicos, incluindo recursos humanos qualificados. Trata-se de conseguir
captar “janelas” de inovação ou avanços emergentes. Por isso, a formação de alianças
tecnológicas entre duas ou mais empresas concorrentes, através de acordos de cooperação,
projetos conjuntos, consórcios de pesquisa, joint-ventures etc. configurando uma situação de
concorrência oligopolista, na qual aparecem cooperação e competição entre as grandes
corporações.
Segundo Chesnais (1996), a partir do final dos anos 1970, assistiu-se a novas
formas de investimentos patrocinadas pelas empresas transnacionais.
As novas formas de investimentos (NFI) são definidas por contraposição ao
investimento direto, que comporta, como vimos, um aporte de capital monetário
(seja em capitais transferidos a partir do exterior, seja levantados no mercado
financeiro do país receptor). As NFIs garantem a uma companhia uma fração do
capital e o direito de conhecer a conduta de outra companhia, sendo que o
operador/parceiro estratégico não fornece nenhum aporte em capital, somente em
ativos imateriais. As NFIs originam, seja uma participação minoritária, seja uma
empresa comum (a chamada Joint-venture), reconhecendo à multinacional a
propriedade de uma fração do capital, um direito de participação nos lucros e um
direito a acompanhar a conduta de um parceiro menos poderoso, com base num
aporte sob a forma de ativos imateriais. Entre estes, incluem-se o know-how de
gestão, as licenças de tecnologia (em geral superadas pelas mudanças tecnológicas),
como o franchising e o leasing, muitas vezes empregados nos serviços. [...] Tais
aportes são, às vezes, bastante fictícios; seu valor é sempre inferior ao das parcelas
do capital reconhecido a seus proprietários. (CHENAIS, 1996, P. 78-79)
Dessa maneira, as empresas transnacionais têm multiplicado suas participações
minoritárias, conformando um tipo de empresa-rede, através de acordos de terceirização e
cooperação inter-empresas, controlando as empresas coligadas, ao mesmo tempo, sem
precisar ter a responsabilidade pelos eventuais custos produtivos.
Carneiro (2007) aponta que as formas de global sourcing são hierarquizadas
dentre os diferentes países, na qual as parcerias tecnológicas, que geram alto valor agregado,
sobretudo, pelo conhecimento tecnológico, ficam segregadas aos países desenvolvidos que
concentram o core bussiness das grandes multinacionais, ao passo, que os países periféricos
67

buscam-se a exploração de recursos naturais e mão-obra-barata. Ocorre uma globalização


assimétrica, na qual os países periféricos se inserem na globalização produtiva, nos segmentos
da cadeia produtiva intensivos em recursos naturais e em trabalho. Dessa maneira para
receberem as novas formas de investimentos, torna-se imperioso ter mão-de-obra competitiva,
o que implica na redução dos direitos trabalhistas.
A globalização da produção representa a quebra dos antigos oligopólios nacionais
estáveis, caracterizada por Belluzzo (2014), pela produção padronizada, tecnologia
codificada, busca da integração vertical, aversão à cooperação. O padrão de concorrência da
globalização, busca por um lado centralizar o controle da cadeia global de produção, através
de fusões e aquisições; por outro, uma nova distribuição espacial da produção, a
internacionalização das cadeias de geração de valor. Centralização do controle e
descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a natureza e a direção do
investimento direto, reconfigurou a divisão do trabalho entre produtores de peças e
componentes e os “montadores” de bens finais e, alterou as participações dos países nos
fluxos de comércio. O propósito da competição entre os grandes blocos de capital é o de
assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base produtiva da grande
empresa e o “livre” acesso a mercados. Os países periféricos, como o Brasil, são os que mais
sofrem com a intensificação da concorrência mundial, ao verem setores industriais sendo
desmontados pela concorrência das grandes empresas multinacionais.
A torrente de investimentos da globalização, tão propalada por seus defensores,
não representa uma oportunidade de “ouro” para os países periféricos, pelo contrário,
aumentou as assimetrias do capitalismo mundial. Moldou uma nova divisão internacional do
trabalho, na qual de um lado ficam concentrados as inovações tecnológicas e competitivas das
grandes multinacionais dos países centrais, de alto valor agregado, e aumento da geração de
renda; no outro, sobram os demais países periféricos, na qual se especializam produtivamente,
na cadeia de mais baixo valor agregado da cadeia global de valor, em recursos naturais e mão-
de-obra não qualificada, e como centros de circulação e valorização da massa financeira do
mundo. Na América-Latina, como demonstra Carneiro (2002; 2007), sua inserção no processo
de globalização, ocorreu por uma inserção financeirizada comandada pela dimensão
financeira da globalização, o investimento direcionado para a periferia foi em sua maior parte
de fusões e aquisições, nas quais não representa novo investimento produtivo, somente
participação em setores já existentes.
No entanto, as assimetrias da globalização não são mencionadas, pelo contrário
são propaladas com grande entusiasmo, como promessa de integração e desenvolvimento, na
68

qual os países que buscassem seguir as indicações dos mecanismos multilaterais, como o FMI
(Fundo Monetário Internacional) veriam suas economias sendo inundadas por investimentos
estrangeiros que trariam estabilidade e crescimento. Entregou como propaganda, o
desenvolvimento do Leste Asiático como exemplo de políticas econômicas liberalizantes bem
sucedidas, atribuem a tal desempenho as reformas liberais que esses países realizaram no
último quarto do século XX23.
Stglitz (2002) aponta que a globalização traria pelo menos quatro benefícios:
novos produtos, mais baratos via importação; novas tecnologias; novos setores produtivos; e
ajuda internacional. Para o autor, muitas vezes a globalização é injustamente criticada, quem a
crítica geralmente ignora seus benefícios, que para ele são reais. Para o autor, no entanto, seus
críticos são menos desequilibrados que seus patrocinadores, que costumam ignorar seus
malefícios ao defendê-la,
[...] Para eles, a globalização (que costuma ser associada à aceitação do capitalismo
triunfante norte-americano) significa progresso; os países em desenvolvimento
devem aceitá-la se quiserem crescer e combater a miséria de maneira eficaz.
Entretanto, para muitos no mundo desenvolvido, a globalização não trouxe
benefícios econômicos prometidos.(STIGLITZ, 2003, P. 31)
Seus malefícios, não podem ser ignorados, a despeito do aumento da renda global,
a miséria aumentou, especialmente na África, e aumentou a desigualdade, mesmo nos países
desenvolvidos. Não houve estabilidade global, pelo contrário basta ver as crises América
Latina e Ásia. O medo da queda de uma moeda em algum país em desenvolvimento tem
efeito contágio para todo o sistema financeiro. Os países em desenvolvimento foram
obrigados a abrir suas barreiras comerciais sob a promessa de aumento do comércio com os
países desenvolvidos, no entanto, esses mesmos países não eliminaram suas barreiras
comerciais. Por isso, conclui o autor, que a globalização tem vários aspectos positivos, tirou
milhões de pessoas, especialmente na Ásia do campo, para a cidade em atividades mais bem
remuneradas, ainda que pareçam exploradas aos olhos dos países desenvolvidos, todavia
mantém uma série de assimetrias.
O que mais gera controvérsia é seu aspecto econômico, especialmente, as
instituições que formulam regras para a liberalização, o FMI, Banco mundial e a OMC
(Organização Mundial do Comércio). Na década de 1980 o FMI e o banco mundial fizeram

23
Segundo Carneiro (2002), a inserção Asiática na globalização é diferenciada pelo mercado triangular que se
formou naquele continente. O Japão exporta partes, peças e componentes dos países do continente, acarretando
déficit com esses países, ao mesmo tempo mantém um superávit comercial com os países da OCDE. Dessa
maneira, o leste asiático operou uma inserção complementar com as economias desenvolvidas, ao passo que na
América Latina, sua conexão com o país desenvolvido mais próximo, os EUA, ocorreu de maneira não
complementar, com déficits na conta de capitais e em transações correntes, definindo, portanto, uma inserção
financeirizada, ao passo que no leste asiático a inserção foi produtiva.
69

mais do que emprestar dinheiro para os países em desenvolvimento, condicionaram tais


ajudas a reajustes estruturais. Os principais, a abertura da conta de capitais e abertura
comercial. O primeiro trouxe uma enxurrada de capitais especulativos, que tão logo ajudam
esses países vão embora ao menor sinal de instabilidade; já abertura comercial, provocou
destruição de diversos setores por ter sido feita de maneira veloz, sem que houvesse tempo
para que as economias se adaptarem, diferentemente do que houve na Ásia, por exemplo. Para
Stiglitz os principais responsáveis pelos malefícios da globalização sãos essas instituições,
que ao invés de pensarem o desenvolvimento para todos os países, respondem aos interesses
dos países desenvolvidos, mais especificamente os interesses de grupos privados, sobretudo,
as grandes corporações financeiras e industriais, ávidas em lucrar de maneira predatória com
as economias em desenvolvimento.

3.3 O neoliberalismo.
Essas ideias da globalização, atreladas a mudanças do capitalismo globalizado
vieram acompanhadas de uma nova ideologia triunfante, ou melhor, de uma nova razão do
mundo: o neoliberalismo. Essa conjuntura histórica de modernização-conservadora (FIORI &
TAVARES, 1993), ocorre numa quadra de crescimento das ideias neoliberais, alguns autores
tratam como uma mera retomada de ideias que pareciam mortas desde a crise de 1929, outros
como uma revolução no pensamento conservador. Todavia, seria simplista se tomássemos o
neoliberalismo como uma ideologia nova, na batalha das ideias, sim é isso, mas é muito mais.
Sua concepção mais geral aponta uma ideologia liberalizante, que crítica todo tipo
de intervenção estatal na economia, ao qual caberia ao Estado, intervir apenas, no campo da
segurança, tudo o mais deveria ser ofertado pelo mercado, uma concepção, portanto, de
Estado mínimo. O mercado entendido como um alocador ótimo de recursos, ao passo, que a
intervenção estatal é sempre vista como distorcida.
Essa “ideologia” ascende em um momento de crise na Europa do Welfare-State Keynesiano
(WSK), segundo Claus Offe (1984), um tipo de arranjo político e econômico que permitiu a
convivência pacífica e duradoura entre capitalismo e democracia. Esse arranjo institucional,
sobretudo, na Europa, fora a um arranjo econômico promovido pelo Estado na qual o as
instituições passam a garantir maior estabilidade econômica e social aos cidadãos. Fora um
pacto do pós Segunda Guerra que garantiu direitos aos trabalhadores em troca de sua
produtividade. Neste modo de regulação estatal, garante-se seguridade trabalhista, em quase
pleno emprego, junto de direitos sociais como saúde, educação, segurança, etc. Temos por um
lado à aceitação da lógica do lucro pelos trabalhadores, em troca da garantia de padrões
70

mínimos de vida pelos capitalistas. Esse arranjo econômico-estatal garante crescimento e


seguridade, cada classe “assume o papel da outra” (OFFE, 1984, P.373) no jogo de somas
positivas, cada classe leva em consideração os interesses da outra, a lucratividade pelos
trabalhadores e o investimento que garanta o emprego pela classe capitalista. A intervenção
estatal garantiu prosperidade à classe capitalista e a segurança a classe trabalhadora.
Todavia, como vimos, esse arranjo institucional entra em crise com a estagflação que atingiu
boa parte das economias capitalistas centrais, propiciando a conjuntura perfeita para as
críticas ao WSK, Segundo Perry Anderson
A chegada da grande crise do modelo econômico no pós-guerra, em 1973, quando
todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinado
pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação mudou
tudo. A partir daí as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise,
afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizados no poder excessivo e
nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia
corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre
os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez
mais os gatos sociais. (ANDERSON, 1996, P.10)
Harvey (2008) aponta que nos idos dos anos 1970, ocorreu uma polarização entre
sociais-democratas e neoliberais, e até a metade da década os socais-democratas foram
vencedores em diversos países da Europa, todavia, inúmeros fatores determinaram a derrota
do projeto progressista, para Harvey o principal deles a reorganização política da classe
capitalista que saiu de sua aparente apatia defensiva, para por meio de um novo discurso ir
para uma ofensiva contra WSK. Apontavam que o remédio para resolver o impasse era o
ajuste recessivo e o retorno à ordem do mercado. Para os teólogos do livre mercado, como
dirá Hobsbawm (2008), os capitalistas só voltariam a investir se o excesso de regulação fosse
retirado, e o Estado agisse com mão pesada sobre a classe operária organizada, vista como
corporativista e parasitária. Esse mesmo Estado também é visto como disfuncional intervia
em excesso nos mercados, o que diminuía a vontade dos empresários de investirem.
Todavia, precisamos compreender que este remédio neoliberal não se resume a
este conjunto de medidas, o neoliberalismo não é apenas uma ideologia ou tipo de política
econômica, como bem definiu Dardot e Laval (2016), “[...] é um sistema normativo que
ampliou sua influência ao mundo inteiro, estendo sua lógica do capital a todas as relações
sociais e esferas sociais.” (P.7). Os críticos do neoliberalismo o compreendiam como um
retorno puro e simples ao laissez-faire, todavia, o ponto de Dardot e Laval é que só podemos
compreendê-lo se buscarmos suas raízes, que são muito profundas, e que apontam para uma
renovação do pensamento liberal. Por isso, existem dois lados do neoliberalismo, um primeiro
é o discurso negativo, a destruição programada das regulamentações e das instituições; o
71

segundo, uma forma propositiva, que busca construir outras relações sociais, outra maneira de
viver, uma reformulação da subjetividade, outra forma da nossa existência.
Essa norma de impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição
generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar a em luta econômica
uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o modelo de mercado,
obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas, muda até o individuo, que
é instado a conceber a si próprio a comportar-se como uma empresa. Há quase um
terço do século, essa norma de vida rege as políticas públicas, comanda as relações
econômicas mundiais, transforma a sociedade, remodela a subjetividade. As
circunstâncias desse sucesso normativo foram descritas inúmeras vezes. Ora seu
aspecto político (a conquista do poder pelas forças neoliberais), ora seu aspecto
econômico (o rápido crescimento do capitalismo financeiro globalizado), ora seu
aspecto social (a individualização das relações sociais às expensas das
solidariedades coletivas, a polarização extrema entre ricos e pobres), ora sob seu
aspecto subjetivo (o surgimento de um novo sujeito, o desenvolvimento patologias
psíquicas). Tudo isso são dimensões complementares da nova razão do mundo.
(Dardot & Laval, 2016, p. 16)
O neoliberalismo é uma racionalidade calcada na generalização da concorrência
como norma de conduta, com o modelo de empresa como forma de subjetivação, nesse
sentido, trata-se de uma nova governamentabilidade, conceito foucaltiano que indica as
práticas de governo para reger a conduta dos homens, através da inculcação das disciplinas,
das práticas de controle e vigilância dos indivíduos, o governo de si. A originalidade do
neoliberalismo está no fato de criar um conjunto de regras que definem não apenas o outro, o
regime de acumulação, mas também, mais amplamente outra sociedade.
Anderson (1996) demarca a origem do neoliberalismo com a Sociedade Mont
Pèlerin, na Suíça, no imediato pós-guerra, na qual participavam inimigos férreos do Estado de
bem-estar europeu, como Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von
Misses, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, e o mais
eminente, Friedrich Hayek, autor do livro que fez sucesso à época o Caminho da Servidão,
publicado em 1943, nas vésperas da eleição inglesa, na qual levava uma mensagem drástica:
“[...] Apesar de suas boas intenções, a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo
desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna”. (HAYEK Apud Anderson, 1995, p.
9). Segundo Harvey (2008), o neoliberalismo escolhe como valores centrais da civilização
ocidental, a dignidade humana e liberdade individual, estas estariam ameaçadas por todo
canto, não apenas pelo totalitarismo nazi-fascista, ou pelo stalinismo, mas também pela bem
intencionada social-democracia.
Para Dardot & Laval (2016) a Sociedade Mont Pèlerin é um desdobramento do
Colóquio Walter Lipman, realizado em Paris, em 26 de agosto de 1938, esse colóquio se
encerrou com um projeto de renovação do liberalismo, nasceu cosmopolita pretendendo ter
ampla difusão global. O retorno ao liberalismo foi feito a partir de um front unido contra o
72

“intervencionismo de Estado” e a escalada do “coletivismo”, tratava-se de criar um


intervencionismo propriamente liberal. Não era recriar o laissez-faire, mas de criar uma
intervenção para que as leis do mercado prevaleçam. O neoliberalismo é o resultado de uma
ordem legal que pressupõe o intervencionismo jurídico do Estado. Nesse sentido, o
neoliberalismo abandona a ideia de que ordem liberal é uma ordem natural, que seria
realizada sem a necessidade de intervenção do Estado. O neoliberalismo pelo oposto aponta
que o Estado neoliberal, pressupõe um tipo específico de intervenção do Estado.
Na teoria, segundo Harvey (2008), esse Estado deve favorecer fortes direitos
individuais à propriedade privada, o regime de direito e as instituições de mercados de livre
funcionamento e do livre comércio. O Estado deve manter seu monopólio legítimo da
violência para garantir a todo custo os direitos de propriedade e dos negócios. Pelo lado
desconstrutivo, defende a privatização de todos os ativos estatais, inclusive alguns bens
comuns, como terra e água. Desregulamentação de todos os mercados, de terra, bens, capital e
trabalho.
[...] Afirma-se que a privatização e a desregulação combinadas com a competição
eliminam os entraves burocráticos, aumentam a eficiência e a produtividade,
melhoram a qualidade e reduzem custos – tanto os custos diretos ao consumidor
(graças a mercadorias e serviços mais baratos) como, indiretamente, mediante a
redução da carga de impostos [...]. (HARVEY, 2008, P.74).
Teoria o Estado neoliberal deveria restringir sua ação a apenas garantir os
mecanismos de mercado, na prática, intervém no mercado a todo instante em nome do “bom
ambiente de negócios”, promovendo uma ampla desregulamentação dos mercados de
trabalho, mercadorias e dinheiro. A ideia subjacente é que os mercados são autorreguláveis e
que possuem todas as informações disponíveis para melhor alocação de recursos, por outro, o
Estado sempre intervém de maneira equivocada no mercado, pois não possui as mesmas
informações que o mercado dispõe.
A contradição patente é que a desregulamentação financeira tem gerado
constantes crises no sistema financeiro, devido aos negócios arriscados em que se metem as
altas finanças, na teoria os agentes financeiros deveriam lidar com o ônus do risco, entretanto
o que ocorre é oposto. Os Estados dos países centrais, por meio, dos organismos multilaterais
como o FMI obrigam países endividados a empreenderem diversas políticas draconianas
frente as suas populações para fazer frente ao pagamento da dívida externa. Como diz Harvey,
“[...] investimentos feitos sem cautela deveriam ser punidos com perdas do emprestador, mas
o Estado torna os emprestadores imunes a perdas, devendo os tomadores pagar em seu lugar,
seja qual for o custo social decorrente. A teoria neoliberal deveria alertar: ‘Emprestador,
cuidado!’ – mas a pratica é: ‘Tomador, cuidado!’ (Ibid, 2008, p.84). Nesse sentido, mais do
73

que uma nova ideologia, o neoliberalismo deve ser visto como uma restauração do poder de
classe dos capitalistas.
Podemos dizer a partir das reflexões de Boito (1999) que essa disfuncionalidade
entre o Estado neoliberal na prática e o da teoria, remonta sua própria contradição interna.
Segundo Boito (1999), ideologicamente o discurso neoliberal teórico resgata a defesa da
concorrência transplantada da época do capitalismo concorrencial, e uma ideologia prática,
que corresponde na verdade a defesa do capitalismo de monopólios, da especulação financeira
e do imperialismo. Assim, defende-se a lógica da concorrência para todas as dimensões da
vida social, inclusive entre indivíduos, mas na prática, defende o capitalismo no auge dos
monopólios. Assim, segundo Boito o neoliberalismo consiste num conjunto de ideias fora do
lugar.
Atendo-se à superfície do discurso neoliberal, a primeira impressão que se pode ter é
a de que os neoliberais seriam sempre favoráveis à substituição da produção, da
regulamentação e da intervenção estatal na economia pela livre ação dos agentes
econômicos do mercado. Poder-se-ia legitimamente esperar, também, que eles
fossem contra os monopólios em geral, e não apenas contra os monopólios públicos.
Mas não é isso que ocorre na prática. Os princípios da ideologia neoliberal não
correspondem, de maneira coerente, às propostas e à prática política que eles
inspiram. A defesa do mercado circunscreve-se apenas e tão somente àquilo que
convém aos grandes monopólios e ao imperialismo, na era do capitalismo
monopolista e da especulação financeira. (BOITO, 1999, P.26)
Na prática, portanto, o neoliberalismo se torna a ideologia dominante que legitima
a globalização produtiva e financeira, que como vimos, em seu processo real leva a
concentração e centralização do capital na mão das grandes corporações. Na teoria, os
monopólios privados deveriam ser criticados pelos neoliberais, mas sua crítica se estende tão
somente aos monopólios estatais.
É um equívoco tratar o Estado neoliberal como Estado mínimo, a intervenção
estatal não deixa ocorrer, para Boito (1999) há uma redução e uma reformulação da
intervenção estatal. Na redução podemos dizer que o Estado passa a ser mínimo com os mais
pobres, ao cercear direitos sociais e desregulamentar o mercado de trabalho, desindexação dos
salários, criminalização das greves, entre outras políticas restritivas; ao mesmo tempo, se
torna máximo em sua intervenção em favor dos monopólios privados, consequência direta das
desregulamentando o sistema bancário, liberalização do comércio, do mercado de capitais e
das privatizações, outro tipo de intervenção. Por isso, como define Boito (1999)
[...] A ideologia neoliberal, numa definição ampla, deve ser considerada, então, uma
apologia abstrata do mercado que se aplica, de um modo geral, sempre e quanto tal
aplicação interessar ao capital financeiro, ficando prejudicada toda aplicação que for
incompatível com tais interesses. (BOITO, 1999, P.29-30)
74

Outros autores marxistas, como Gérard Duménil & Domenique Lévy (2004),
apontam para essa mesma contradição, de um lado o Estado passa intervir menos, de outro
amplia sua intervenção.
[...] Em cada país, a liberdade de iniciativa, de comprar e vender, de empregar e
demitir trabalhadores, de comprar filiais e fazer fusões e etc. foi aumentada, ao
passo que os direitos dos trabalhadores, restringidos. No plano internacional, as
fronteiras comerciais foram reduzidas, quando não suprimidas, e os capitais
adquiriram o direito de circular livremente. [...] Entretanto, em muitos domínios, o
poder estatal foi reforçado. É o caso, principalmente, das políticas monetárias que de
agora em diante, quase exclusivamente visam à estabilidade dos preços, a despeito
do desemprego que geram. Em todo lugar, os Estados foram vetores do
neoliberalismo, tanto no plano nacional, quanto no internacional. As alavancas que
os promotores da ordem neoliberal têm à mão são, principalmente, ao nível das
empresas, as taxas de juros elevadas e um “governo de empresa” (leia-se uma
“gestão”) direcionada aos interesses dos acionistas – elemento chave da nova
disciplina imposta aos trabalhadores e aos gerentes. No nível estatal, novas políticas
macroeconômicas (baixa inflação) ou sociais (diminuição dos custos do trabalho),
visando atender aos mesmos interesses. (DUMÉNIL, G & LÉVY, D., 2004, P.13)
O neoliberalismo chegou a América-Latina no contexto da crise da dívida
externa, na virada dos anos 1980 para os anos 1990. O FMI negociou com esses países através
do Plano Brady, o reescalonamento e perdão de parte de sua divida externa condicionada a
“ajustes estruturais” em suas economias, tais quais: privatização, corte nos gastos sociais, leis
de mercado mais flexíveis abertura comercial e financeira. Por outro lado, a promessa é que
com a abertura seriam beneficiados pelo aumento do comércio internacional e pela reentrada
de poupança externa para auxilia-los em suas retomadas de crescimento. Para Saes (2007), a
imposição do neoliberalismo, e sua adesão aos países da América-Latina configura uma
novíssima dependência.
[...] Mas, em que consiste a novíssima dependência? O capital financeiro e o capital
monopolista industrial do Primeiro Mundo, bem como os governos ― como os
Estados Unidos ― e as entidades que os representam ― como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco
Mundial ―, querem, não mais realizar novos investimentos no aparelho reprodutivo
para fazer avançar a industrialização associada nos países periféricos, e sim obter
ganhos fáceis, apoderando-se de todos os setores econômicos já existentes que
possam propiciar ganhos reais e imediatos. Mais especificamente: o capital
estrangeiro e seus representantes pressionam os Estados latino-americanos para que
implementem uma política liberal. [...] (SAES, 2007, p.159).
Na novíssima dependência, diferentemente da anterior, do processo de
substituição de importações, a América-Latina não leva qualquer vantagem, enquanto no tipo
de associação anterior, os países periféricos recebiam investimentos estrangeiros em alguns
setores, o que promovia a industrialização dependente, na nova fase da dependência, os
efeitos anteriores foram dinamitados, sobrou apenas a exploração financeira da região. Seja
por meio de fusões e Aquisições, seja por meio do investimento de portfólio. Para Saes
(2007), instaura a pilhagem e o empobrecimento da América-Latina, um processo de
periferização de “segundo grau”, “[...] que consiste num afastamento dessas economias com
75

relação às funções clássicas desempenhadas pela periferia do sistema capitalista mundial”


(SAES, 2007, p. 162).
O neoliberalismo aparece nesse sentido, como uma imposição do imperialismo
aos países periféricos, tais Estados são obrigados a realizarem os ajustes estruturais sob a pena
de ficarem de fora do sistema econômico mundial. Por isso, neoliberalismo e a globalização
são faces da mesma moeda, indissociáveis em alguns casos.

3.4 Neoliberalismo e governo Cardoso: os policy makers entusiastas.


No Brasil, as promessas da globalização e do neoliberalismo ganham entusiastas
desde a redemocratização. Com a eleição de Collor, uma forma pitoresca chega ao palácio do
Planalto, todavia, foi somente com FHC que esse projeto realmente ganha uma opinião
pública favorável, sobretudo, pelo sucesso do plano real, que tinha como âncora para o
processo de estabilização a abertura da economia brasileira.
Já vimos como FHC enxerga a globalização, de uma forma predominante
positiva, agora veremos como os policy makers de seu governo a defendiam. Gustavo Franco
(1999) um dos formuladores do plano real cria uma narrativa para explicar o “atraso”
brasileiro, o grande culpado seria a combinação de nacionalismo e desenvolvimentismo
protecionista. Para Franco, o Brasil sempre teve um pendor anti-liberal, nos momentos em
que o mundo estava permeado de práticas liberais o Brasil as negava, foi assim no Império, e
em menor medida durante a República Velha, na qual pendíamos ora para maior abertura, ora
mais protecionismo. O destino foi finalmente decidido com a revolução de 1930, na qual se
aderiu em definitivo ao nacionalismo econômico, para tanto, agora se tinha uma formulação
teórica que dava as bases intelectuais necessárias para tal viragem: a teoria cepalina do
desenvolvimento do dessarollo hacia dentro, calcada em três pilares: substituições de
importações, mercado interno e autarquia. Para franco os economistas da cepal foram longe
demais, postularam um teoria geral da industrialização tardia, quando estavam lindando com
um situação conjuntural anormal, dos anos 1930, devido aos rebatimentos da crise de 1929 na
periferia, de tal forma, que deveríamos ter retomada nosso envolvimento comercial com o
mundo quando a economia mundial voltou a estabilidade no pós Segunda Guerra Mundial.
O ciclo desenvolvimentista, que para o autor é ininterrupto de 1930 aos anos
noventa, deixou como legado as contradições do modelo, nesse sentido, Franco diverge
inclusive de FHC, se para o presidente, o modelo desenvolvimentista teve amplo sentido no
pós-1930, para Franco nem nestas épocas. Reputa a maior parte do avanço industrial do
desenvolvimentismo às multinacionais, que sem qualquer ajuda do Estado, e seguindo
76

rigidamente as regras protecionistas começaram a nos inserir naturalmente nos processos


conducentes a globalização, entendido como aumento de manufaturados na pauta de
exportação nacional. Durante os anos 1960, a atividades das multinacionais teria nos inserido
nas tendências internacionais, não tanto por tê-las procurado, mas pelo germe plantado pelas
empresas estrangeiras. Para o autor esse germe, vai minando a ideia que a “industrialização
tardia” necessitava de auto-suficiencia, vão pouco a pouco “[...] moderando os pendores
autarcizantes, transformando-os em desígnios mercantilistas” (Idem, p.100). No entanto, nos
anos 1970 ao invés de seguimos o germe das multinacionais, apostou-se numa dose ainda
maior de “mercantilismo”, culminando nos anos 1980 na marcha da insensatez:
O lento crescimento de nossa disposição para um maior envolvimento com a
economia internacional foi dramaticamente interrompido pela eclosão da crise de
1982. De uma hora para outro, todo o arsenal de defesas contra choques adversos,
que parecia ter caído em desuso, via-se novamente em plena operação: os controles
cambiais, a repressão das importações, os índices de nacionalização, listas negativas,
moratórias, racionamento de divisas até para os viajantes, além da retórica do
combate à “evasão de divisas” e da inevitabilidade de se “apertarem os cintos” frente
ao que se tomava como uma influência exógena, uma catástrofe natural. (Ide, p.101
).
Na narrativa de Franco a década perdida fora fruto de más decisões feitas à época,
ao invés de maior abertura apostou-se no “velho” desenvolvimentismo, consagrando-o
inclusive na constituição. A crise da dívida externa e a necessidade de transferir recursos reais
ao exterior o que causava necessariamente maiores desvalorizações cambiais para aumentar as
exportações, não comparecem a narrativa, tais problemas sequer são mencionados. Para os
tucanos, a culpa da década perdida foi à negação do “choque de capitalismo” necessário,
como se tal choque propiciasse uma enxurrada de investimentos externos contidos devido à
patologia nacionalista brasileira.
Franco vai além, cria uma história contra factual na qual os caminhos do
desenvolvimento brasileiro seriam outros se tivéssemos aderido desde os o pós- Guerra ao
liberalismo derrotado, que nem os países centrais estavam mais seguindo. Para tanto, compara
a trajetória brasileira com os dos países asiáticos, sobretudo, a Coréia do Sul, no qual quanto
mais o processo de industrialização avançava mais aumentavam o grau de abertura, nesse
sentido, o sucesso do país asiático, se deve a sua adesão aos programas liberalizantes. Ainda
que aponte que a há controvérsias, sobre os motivos do desenvolvimento asiático, reputa seu
desenvolvimento ao grau de abertura de tais economias.
O recurso a uma histórica contrafatual não é novo, como mostra Bastos (2003),
economistas liberais sempre criticaram, o artificialismo das experiências industrializantes
latino-americanos,
77

[...] liderados por políticos populistas, elites predadoras de renda e ideólogos


(sobretudo economistas) movidos, no fundo, por interesses particulares. [...]
Intervenção estatal, ideologia antiliberal, projeto “artificial” de desenvolvimento. A
suposição implícita dos críticos liberais desta tríade é que eles, sim, conheceriam o
curso “natural” de desenvolvimento distorcido por essa conjunção de interesses
escusos; pois é por referência a um curso presumidamente “natural” de
desenvolvimento que a “estratégia artificial” é criticada. (p.245-246)
Nos anos 1980, contudo, os liberais periféricos conquistaram o espaço das ideias
dominantes, tanto no Brasil quanto alhures, agora apresentam um “novo” projeto de
desenvolvimento, que traria de volta o tempo perdido com políticas artificiais. O projeto tinha
como núcleo a abertura da economia brasileira, criticada por ser tão fechada quanto dos países
socialistas. Para Franco, desde a emergência da globalização a economia mundial se
beneficiou de uma enxurrada de investimentos, o Brasil restou como párea mundial pela sua
rebeldia, e como consequência, não teria se beneficiado pela torrente de investimentos.
Aponta que se o Brasil aderisse à globalização os investimentos estrangeiros retornariam,
devido a adesão aos bons fundamentos macroeconômicos.
Franco definiu a globalização em três pontos: (i) o crescimento das filiais de
empresas transnacionais (ETN), que resultou numa transição de federais de filiais para outro
onde o caráter global de suas atividades lhes determina esforços contínuos de racionalização
de atividades em escala global, dos quais resulta uma nova identidade supranacional, com
amplas e profundas implicações no tocante às suas propensões ao comércio exterior; (ii) A
proliferação de estratégias de ajustamento e racionalização compreendendo desintegração
vertical, outsourcing e relocalização no exterior; (iii) A proliferação de "novas formas" de
investimento internacional compreendendo uma miríade de vínculos financeiros e
notadamente tecnológicos estabelecendo uma racionalidade global no processo produtivo sem
necessariamente envolver a complexidade do processo de investimento direto.
Desta sua compreensão, salta aos olhos, que não há uma única reflexão sobre
como a globalização penetra de maneira desigual nos diferentes países. Ressalta como
principal os vínculos tecnológico, que como vimos, é restrito a um seleto grupo de países,
tampouco há um aprofundamento crítico nas “novas formas” de investimentos financeiros nos
países periféricos. Para Franco toda e qualquer forma de “investimento” é valido, não há
assimetrias que criem constrangimentos a política econômica doméstica. Sua leitura otimista,
o leva a concluir:
Isso quer dizer, essencialmente, que: (i) existem razões "exógenas" a determinar o
crescimento das exportações brasileiras, independentemente de políticas locais de
incentivo e de política cambial mais agressiva, associadas ao crescente
envolvimento das filiais brasileiras de ETNs na economia industrial global; (ii)
existem razões para esperar um crescimento fenomenal do investimento direto
estrangeiro, desde que, evidentemente se consolide progressivamente a estabilidade
macroeconômica, de tal sorte que o Brasil recupere os percentuais do investimento
78

direto global que desfrutou no passado; (iii) não se deve esquecer que boa parte
desses novos investimentos será feita através de "novas formas" de associação
financeira e tecnológica em detrimento da forma habitual e canônica de investimento
direto (greenfield) podendo, outrossim, os números de investimentos diretos
subestimarem bastante a internacionalização experimentada pela economia
brasileira; e (iv) será inevitável, também, que uma outra parte dos novos
investimentos seja feita através de aquisição de ativos existentes - strategic asset
seeking FDI (foreign direct investment), no dizer de Dunning o que deverá trazer
questões relativas às políticas de competição e poderá reavivar velhas preocupações
com a desnacionalização do parque produtivo nacional. (FRANCO, 2000, P. 78)
O problema não é só a potencial desnacionalização do parque produtivo nacional,
e sim a forma como o “investimento” estrangeiro pode aumentar a vulnerabilidade externa da
economia brasileira, tais como fuga de capitais, ataques especulativos a moeda nacional, além
dos problemas na indústria como Fusões e Aquisições, que não representam adição de
capacidade produtiva, somente desnacionalização e desindustrialização.
Respondendo a estes possíveis problemas aponta como solução mais abertura,
grande culpada pela economia brasileira não ter conseguido responder aos choques externos
dos anos 1980. O faz a partir da comparação do Brasil com a Coréia do Sul, ambas tinham o
mesmo nível de endividamento, as mesmas desvalorizações cambiais, no entanto o grau de
abertura da economia asiática era muito maior que a brasileira. Logo, cria-se o paradoxo da
vulnerabilidade externa, “[...] quanto mais fechada a economia mais difícil é fazer
"ajustamento externo" e mais propensa à instabilidade macroeconômica a economia deverá
ser. Assim sendo, a industrialização que busca a auto-suficiência aumenta a vulnerabilidade
externa e não diminue” (Idem, p.80). Logo, o novo modelo de desenvolvimento deverá
aumentar substancialmente o grau de abertura da economia para reduzir as possibilidades de
novos choques externos.
Os liberais embebidos de sua história contra factual, comparando-nos com uma
suposta estratégia liberal bem sucedida dos asiáticos, agora formulam um novo Consenso da
estratégia a ser perseguida pelas economias periféricas. Em 1989, foi promovido um amplo
seminário pelo Instituto de Economia Internacional de Washington, que sistematizou críticas
ao modelo desenvolvimentista latino-americano, e elaborou propostas “consensuais” para
superar o modelo intervencionista. O remédio: reformas liberais. Williamson (1990),
economista que cunhou o termo consenso de Washington, definiu o consenso em dez pontos,
dos quais os seis principais serão arrolados a seguir:
(i) reforma fiscal que ampliasse a base de incidência dos tributos, de modo que o
Estado não deveria mais se financiar por meio do imposto inflacionário. Essa reforma teria
como objetivo manter uma forte disciplina fiscal buscando a redução dos déficits
orçamentários para gerar superávits primários robustos e estruturais; (ii), prioridade dos
79

gastos públicos, propondo redirecionamento dos gastos para áreas políticas sensíveis
(subsídios, defesa, máquina administrativa) para melhorar a distribuição de renda como saúde,
educação e infraestrutura. (iii) a política cambial deveria sofrer uma dolarização direta ou
indireta, com a valorização da moeda nacional, com uma política monetária passiva. (iv)
liberalização comercial e financeira, com a desproteção dos mercados nacionais, que traria
investimentos estrangeiros para que os países periféricos pudessem se inserir
competitivamente na globalização; (v) privatizações e desregulamentação da atividade
econômica para aumentar a competição no cenário nacional e abater a divida de curto prazo
dos governos endividados; (vi) defesa da propriedade intelectual e a necessidade de um
elevado nível de proteção a propriedade da indústria, através da concessão de monopólios
para as empresas patenteadas. Com esse receituário o Brasil voltaria a receber capitais
estrangeiros, bastando segui-lo. “[...] Dessa forma, ingressar-se-ia no melhor dos mundos, isto
é, um ambiente de inflação baixa, crescimento e uma adequada inserção (competitiva) na
economia mundial globalizada.” (FILGUEIRAS, 2010, P.97).
O consenso de Washington, assim como Franco, “[...] operam em contexto livre
de restrições econômicas internacionais ou locais que implicassem na insustentabilidade
histórica do projeto de abertura.” (Bastos, 2003, p. 250). Não há fatores assimétricos que
conformam estruturalmente a instabilidade das economias periféricas no pensamento liberal.
O consenso de Washington se apresenta como um conjunto de boas práticas sem levar em
conta a especificidade das economias periféricas, sua dependência tecnológica e financeira, de
tal forma, que no caso Latino americano a abertura pode provocar instabilidades financeiras e
comerciais, que não são compensadas pelo investimento estrangeiro que supostamente seria
atraído pela agenda reformista, pelo contrário, o processo “natural” é aprofundar a
instabilidade dessas economias.
Franco defendeu o consenso.
[...] o que parece cada vez mais evidente é que existem sim práticas e instituições no
terreno da economia sobre as quais é muito difícil discrepar. [...] há muitos
princípios econômicos quase que universalmente aceitos, como há padrões em
contabilidade: "comumente" ou "geralmente" aceitos, por que fazem sentido, mas
não impostos por ninguém. (FRANCO, 2000, s.p.).
No entanto, entre os economistas do governo, havia discrepância, inclusive do
próprio ministro da Fazenda, Pedro Malan (1991), que antes de assumir o posto criticou o
Consenso, seu ponto é que o consenso é generalista, sem levar em conta as especificidades de
cada país em desenvolvimento, segundo, por acreditar que depois das referidas reformas o
80

crescimento e o desenvolvimento advirão quase naturalmente. Para Malan é necessário ir


além, estas reformas podem ser importantes para a estabilidade econômica, mas não são
suficientes para retomar o desenvolvimento. O caminho complementar seria a modernização
do setor público, “[...] terá de desempenhar um papel essencial, ainda que não intensivo, de
coordenação na programação de investimentos para o crescimento futuro com mudança
estrutural e tecnológica.” (MALAN, 1991, P,11).
Talvez a crítica de Malan seja um alinhamento as ideias de FHC que buscava um
meio termo entre neoliberalismo e desenvolvimentismo, buscavam dissociar o programa
draconiano neoliberal com a promessa renascentista da globalização, de tal forma, que seria
possível promover a abertura econômica, sem aderir ao lado negativo do programa, como
cortes nos gastos sociais e desregulamentação total do mercado de trabalho. Todavia, Com o
decorrer da implementação do Plano Real, as vozes críticas às reformas liberais foram
silenciadas, de tal forma, que veremos um predomínio absoluto de neoliberais, nos governos
de Cardoso, sobretudo, no primeiro, parece que a realidade mostrou a impossibilidade de
dissociar neoliberalismo da globalização, pelo menos na América Latina.
81

4- Da crise da dívida externa ao Plano Real: uma crise orgânica.


Podemos dizer seguindo as reflexões de Sallum (1999) e Ianoni (2009), que os
governos FHC inauguram um novo modelo de desenvolvimento. No entanto, as mudanças no
bloco no poder, e na forma de Estado não ocorreram do dia para a noite, foi um processo
histórico tortuoso, no qual decorrem anos de crise orgânica (Gramsci, 2007)24, em que o bloco
no poder se cindiu ante dois projetos antagônicos, de um lado as frações dominantes que
defendiam uma nova aliança neonacional desenvolvimentista (Bianchi, 2010; Ianoni, 2009);
de outro, as frações que defendiam a adesão brasileira ao neoliberalismo. Para nós, seguindo o
entendimento de Ianoni (2009) a crise da dívida externa, iniciada com o segundo choque dos
preços do petróleo deu inicio a crise multidimensional brasileira, que só é resolvida com o
plano real, quando finalmente se reestabelece um novo pacto de dominação.
Para Ianoni (2009), o pacto de dominação nacional-desenvolvimentista, estava
calcado nas burocracias estatais, capital estrangeiro e setores burgueses nacionais, o que
decorria um padrão de crescimento voltado para a garantia da demanda, com o Estado
desenvolvimentista, atuando no investimento produtivo, via endividamento externo,
investimento estatal (direto e indireto) e subsídios ao setor privado. A crise da dívida externa
interrompe o padrão de financiamento do Estado desenvolvimentista, e coloca o Estado em
uma situação de severa crise fiscal, a partir daí se inicia a crise. Essa crise é multidimensional,
envolve todas as esferas da vida social: hegemônica porque as classes se encontram em luta
aberta pela apropriação da renda nacional, na qual comparecem no campo de disputa, as
classes subalternas assalariadas, revigoradas pela redemocratização, e de outro, as frações
dominantes buscando preservar seu estoque de riqueza, ante os planos deflacionários, sem que
se determinasse um novo pacto de dominação. Ideológica, pois havia dois campos de disputa
sem que nenhum conseguisse imprimir seu projeto político na ossatura estatal. Econômico,
decorrente da crise da divida externa, que proporcionou um padrão de crescimento de stop
and go (Carneiro, 2002), em que se alteram ciclos de crescimento, seguidos de recessão, com
a presença de uma escala inflacionária, só interrompida, por curtos e fracassados planos
deflacionários; por fim, político-institucional, na medida em que não se conseguia estabelecer
ou reestabelecer a relação entre Estado, mercados e sociedade. Deste modo o Plano Real

24
Nas palavras de Gramsci, crise hegemônica ou crise orgânica: “[...] é a crise de hegemonia da classe dirigente,
que ocorreu ou porque a classe dirigente fracassou em algum grande empreendimento político para o qual pediu
ou impôs pela força o consenso das grandes massas (como a guerra, ou porque amplas massas (sobretudo de
camponeses e pequenos burgueses intelectuais) subitamente da passividade política para uma certa atividade e
apresentam reivindicações que, em seu conjunto desorganizado, constituem uma revolução. Fala-se de ‘crise de
autoridade’: e isso é precisamente a crise de hegemonia, ou a crise do Estado em seu conjunto.” (GRAMSCI,
2007, P. 60)
82

[...] resolve, embora não a ponto de solucionar, questões-chave e interdependentes


da crise multidimensional então existente no país. O Plano Real resolve problemas
relacionados: 1) à nova inserção internacional orientada para o mercado dos setores
público e privado da economia brasileira; 2) à repactuação sociopolítica, que deixa
para trás mais de uma década de crise de hegemonia, aberta pela ruptura da aliança
desenvolvimentista; 3) à ordem político-institucional; 4) e à esfera ideológica, por
assegurar, de imediato, e induzir, ao longo do tempo, a um ambiente nacional muito
mais propício à expansão da cultura e da agenda liberais, sob diferentes matizes,
entre os agentes de mercado, elites políticas e atores sociais. (IANONI, 2009, P.143.
Grifos do autor)
Nosso objetivo neste capítulo é recuperar as principais nuances do processo
histórico que culminou no Plano Real, apontando como as frações dominantes foram
modificando suas posições políticas, de tal modo que no lançamento do plano real já se estava
configurada uma nova hegemonia no bloco no poder, para tanto, nossa lente se volta às
frações industriais e as frações bancário-financeiros, de modo a observar como este último
depois de intensas batalhas reafirma sua hegemonia no bloco no poder, e carrega consigo a
fração industrial para uma posição neoliberal. Essa reconstituição observa não apenas as
posições políticos, mas como se deu a deterioração do Estado, e o fortalecimento dos grupos
privados, como aponta Pinto (2019), o ajuste privado e o ajuste do setor público são faces da
mesma moeda, de tal forma, que o Estado para manter a acumulação privada entra em crise
fiscal. Nosso ponto de partida é o ajuste externo promovido por Delfim Netto, no governo
Figueiredo, nosso ponto de chegada o Plano Real. Destaca-se que não procuraremos fazer
uma recuperação exaustiva desse processo histórico, nosso intento é tão somente recuperar os
momentos-chave que explicam o curso ulterior dos acontecimentos políticos e econômicos
depois da eleição de FHC.

4.1 O fim da tríplice aliança: setores públicos e privados na crise dos anos 1980.
O ano de 1979 se apresenta ao Brasil como o ano do segundo choque dos preços
do petróleo, consequência da subida unilateral das taxas de juros pelo FED, o que provocou
de imediato a retração dos capitais destinados à periferia, além disso, as taxas de juros desses
empréstimos eram atreladas às flutuações das taxas de juros americanas, logo esse aumento
provou uma explosão da dívida externa. Por conseguinte, o Brasil passa ao longo dos anos de
demandante de financiamento para exportador liquido de capitais, ao longo dos anos os
mercados financeiros voluntários vão se fechando completamente para a periferia. Essa crise
externa ocorre no momento em que o país passava por significativas mudanças, o eufórico
discurso do II PND (Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico), dava lugar à
incerteza diante da duplicação da taxa de inflação, de 40% de 1974 para 80% no ano 1979,
pelo lado político, a abertura lenta, gradual e segura seguia sua marcha prometendo devolver a
83

democracia ao Brasil. Nestas conjunções de turbulências, depois de um curto período


tentativa de ajuste ortodoxo com Mario Henrique Simonsen a frente da Seplan, o presidente
Figueiredo chama novamente Delfim Netto para comandar a economia.
Delfim retorna sob os braços do empresariado, com um discurso eufórico de que
era possível, controlar a situação da crise de balanço de pagamentos, a inflação, e voltar a
crescer. Sua frase eufórica ao empresariado ilustra bem seu otimismo: “senhores apertem os
cintos, vamos voltar a crescer”. Seu conjunto de medidas foi descrita como um choque
heterodoxo (BELLUZZO; L; & COUTINHO, L. 1982): ajuste de preços e tarifas do setor
público, eliminando os preços corrigidos abaixo da inflação que aumentava a situação de
endividamento do setor público e das empresas estatais; eliminação de subsídios aos setores
exportadores; controlar o déficit do tesouro com mudanças tributárias que aumentavam os
impostos; maxidesvalorização cambial. De início Delfim anunciou correções graduais, para
depois anunciar desvalorizações mais agressivas para compensar, a retirada de subsídio dos
exportadores; expurgo do aumento dos preços do petróleo do IPA (índice de preços do
atacado); tabelamento dos juros e das correções monetárias a partir da inflação esperada, as
próximas correções monetárias e cambiais seriam prefixadas.
O resultado da política heterodoxa foi bastante diferente da imaginada por Delfim
Netto, a maxidesvalorização e prefixação irreal das correções, fez com que os agentes
ameaçassem trocar a massa de capitais especulativos por mercadorias e ativos mobiliários.
Além disso, com a expectativa de uma nova maxidesvalorização gerou uma onda de
importações especulativas que pressionaram ainda mais o balanço de pagamentos.
Esse quadro somado com o aumento dos juros e dos preços do petróleo fez com
que o governo se rendesse à ortodoxia recessiva: contenção creditícia, aumento dos juros
internos, corte de gastos e investimentos públicos. Resultou na recessão iniciada em 1981,
com o governo recorrendo ao FMI em 1982, o Brasil mergulhou na mais grave e severa crise
desde o pós-guerra. No restante do governo Figueiredo, a estratégia da política econômica
era aumentar as exportações25 e conter as importações mantendo a política de
maxidesvalorizações. Na política monetária foi mantida uma taxa de juros alta, para empurrar
as empresas para buscarem o exterior para financiamento, além de tentar atrair capital
estrangeiro para financiar o déficit do balanço de pagamentos. Houve aumento dos preços,
mas não ocorreu a entrada de capital estrangeiro. O objetivo central da política de ajustamento

25
Como definia o próprio Delfim Netto “exportar é o que importa”. Discurso do Presidente Fernando Henrique
Cardoso em 23.8.2001, na posse de Sérgio Amaral como Ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do
Comércio Exterior.
84

tanto no período ortodoxo quanto no período heterodoxo, era modificar o núcleo dinâmico da
economia brasileira, do mercado interno ao mercado externo, impulsionar as empresas
brasileiras a tentarem conquistar o mercado externo, a maxidesvalorização cambial era o
núcleo da política de ajustamento.
Segundo Almeida & Belluzzo (2002), os responsáveis pela política econômica no
início dos anos 1980, acreditavam que a preservação da estrutura patrimonial do setor privado
e a reestruturação do balanço de pagamentos seriam suficientes para o Brasil sair da crise e
voltar a crescer. Para isso, era necessário combinar restrições ao consumo interno com a
maxidesvalorização cambial, ao qual modificaria a relação entre os mercados internos e
externos, e o setor privado seria induzido a buscar o setor externo, num drive exportador. No
entanto, o ajuste monetário gerou um efeito reverso ao esperado, contribuiu para desorganizar
as avaliações dos possuidores de riqueza, realimentando as expectativas de inflação. Diante
das incertezas advindas dos expurgos nos índices de correção monetária, e os limites
quantitativos das operações bancárias, os agentes econômicos empresas e bancos passaram a
tomar medidas defensivas, procedendo a um profundo ajuste patrimonial. Dessa forma,
setores público e privado tomaram rumos distintos, o setor privado sai da crise líquido,
preservando sua carteira de ativos; já o setor público assume a divida do setor privado e passa
remunerar suas operações, deteriorando sua situação fiscal.
Essa troca de posições decorre do aperfeiçoamento dos mecanismos de correção
monetária, esta surgida com as reformas bancárias-financeiras de 1966-1968, do regime civil-
militar que tinham por objetivo central de criar mecanismos de financiamento de longo prazo
para a acumulação de capital (TAVARES, 1978)26. Em um país que recorrentemente tinha
processos inflacionários, foi criado o mecanismo da correção monetária, para dar segurança
aos emprestadores de que teriam taxas de juros positivas, lhes assegurando a rentabilidade de
seus empréstimos. O mecanismo foi usado com a criação das ORTN (obrigações reajustáveis
do tesouro nacional) e nas LTN (letras do tesouro nacional), que rendiam um percentual mais
a correção monetária.
Sem a intenção o governo acabou por criar duas moedas: uma moeda de curso
forçado, o papel-moeda; e a moeda-indexada emitida a partir dos bancos e demais instituições
financeiras, tendo como lastro os papéis emitidos pelo tesouro. Diante da aceleração
inflacionária, o representante da liquidez deixou de ser a moeda corrente e passou a ser a
moeda-financeira. O governo tentava controlar a inflação, lançando novos títulos para retirar

26
Ressalta Tavares que esse objetivo não foi alcançado, tendo em vista que as instituições financeiras
continuaram a não financiar operações de longo prazo, que foi remetido ao Estado através dos bancos públicos.
85

moeda de circulação, acabava por colocar mais lenha na fogueira, aumentando sua crise fiscal
sem, contudo, combater a escalada inflacionária.
O aperfeiçoamento do mecanismo de correção através da moeda indexada se
apoia no mecanismo de indexação – o principal deles: a correção monetária. As empresas e
famílias passam a reter depósitos remunerados como se fossem depósitos à vista, mas que
rendem o equivalente à correção monetária. Os bancos reduzem seus ativos menos líquidos,
como empréstimos, substituindo-os pelos títulos públicos. Para não ocorrer a dolarização o
Banco Central é obrigado a se adaptar, aperfeiçoando a correção, emitindo títulos a prazos
cada vez mais curtos indexados a correção monetária. Na prática o BC perdeu completamente
a capacidade de realizar à política monetária, entendido como a capacidade de alterar as taxa
de juros ao nível das reservas do sistema bancário (Carneiro, 2002). O sistema bancário
carrega os títulos públicos como lastro de suas operações, recebendo “dinheiro podre” e
limpando com moeda-indexada, significa que alterar ou mexer com a liquidez poderia quebrar
todo o sistema bancário. O BC central era obrigado a realizar a zeragem automática, que
consistia na recompra de títulos públicos não colocados no mercado pelos bancos. Ao Fazê-lo
transformava a crise monetária em crise fiscal, pois os títulos precisam recompor a inflação
passada e manter sua rentabilidade com taxas de juros positivas. Caso o BC tentasse alterar a
liquidez desses títulos, os agentes poderiam trocar os ativos financeiros por ativos reais. O
governo, portanto, trocou sua divida externa, por divida interna. Os detentores da riqueza
passaram de devedores a credores, no processo conhecido pela estatização da dívida externa.
Que segundo Cruz operava da seguinte maneira:
O governo central, através dos DRME junto ao Banco Central, assumiu parcela
expressiva do passivo associado ao crédito externo. Os capitais privados, ao
anteciparem a liquidação de suas dívidas, fugiram dos choques do câmbio e dos
juros transferindo os seus efeitos para o passivo não monetário das autoridades
monetárias. Mais ainda, dados os termos da renegociação com o cartel dos bancos
credores, coube ao Banco Central bancar diretamente o custo do giro de um estoque
crescente de débitos externos. Verifica-se, portanto, que a estatização da dívida
externa constituiu um poderoso instrumento de socialização do ônus da crise, de
comprometimento dos fundos públicos a favor da preservação do capital bancário
internacional e de frações privilegiadas do capital privado em operação no país.
(Cruz, 1995; P. 132)
As empresas estatais também foram parte do esquema de endividamento do setor
público, e desindividamento do setor privado. Segundo Almeida & Belluzzo (2002) antes da
crise tinham uma saúde financeira saudável, com um padrão de endividamento e taxas de
lucros próximos do setor privado, todavia, ao longo dos anos 1980 foram usadas como parte
do esquema financeiro, lhes foi impossibilitada atualizar as tarifas condizentes com a taxa de
inflação, foram usadas como instrumento de contenção da inflação crescente. Assumiram as
dívidas do setor privado, sobretudo dos bancos. Por fim, transformam-se em captadores dos
86

escassos financiamentos externos, estes investimentos foram contraídos em moeda


estrangeira, com as constantes desvalorizações cambiais combinadas a subidas das taxas de
juros subprime do Fed terminavam por encarecer a dívida contraída.
Pelo lado externo, ao longo dos anos 1980, o mercado de crédito voluntário se
fecha a periferia. Segundo Carneiro (2002), temos três períodos distintos. Entre 1979-1983,
ainda há absorção de recursos reais, financiado pela queima de reservas, pois houve apenas
racionamento de novos financiamentos pelo mercado financeiro internacional. Entre 1983-
1985, os financiamentos tornam-se ainda mais escassos, e o Brasil entra no esquema de
financiamento Ponzi, em que os novos empréstimos são suficientes apenas para pagar o
serviço (juros) da dívida passada, além disso, começa a ocorrer à transferência de recursos
reais ao exterior. Entre 1985-1989, ocorre a supressão absoluta de novos financiamentos. Com
este cenário que se deteriora anos após ano, a economia brasileira torna-se extremamente
vulnerável a qualquer choque externo. Seu crescimento só poderia ocorrer pelo lado externo,
tendo em vista que são superávits comerciais que devem pagar a dívida externa, o que a
coloca numa encruzilhada, apontada por Batista Jr. (1987), na qual caso o consumo interno
aumentasse mais do que saldos exportáveis, haveria a redução do superávit comercial, e as
empresas operariam próximo do limite da capacidade de ocupação, para atender a demanda
dos dois setores, seria necessário aumentar as importações para aumentar a capacidade
produtiva interna, algo impossível dado às necessidades de reduzir as importações e gerar
altos superávits comerciais para fazer frente à dívida externa 27.
As grandes empresas e os bancos diante das incertezas provocadas pela dívida
externa operam aquilo que Almeida & Belluzzo (2002) chamam de ajuste patrimonial
defensivo, como forma de manterem sua rentabilidade e taxas de lucro. As grandes empresas
operam mudanças: (i) o direcionamento da produção em direção ao mercado externo; (ii) uma
estratégia curto prazista, com a redução do endividamento, pela desalavancagem (buscando
reduzir despesas financeiras); (iii) redução no nível de estoque, corte nos planos de
investimentos; (iv) ampliação de aplicações financeiras, em ativos e títulos da dívida pública;
(v) elevação do mark-ups, pelo aumento dos preços mais que proporcionais do que os custos
da produção.
Os grandes bancos reestruturam sua carteira de ativos. Reduziram seus
empréstimos para empresas (sobretudo, capital de giro) e famílias, e direcionaram suas

27
Há uma intensa controversa sobre a capacidade de crescimento da economia brasileira nos contexto da crise da
dívida externa. Para Castro & Souza (1988), a economia poderia crescer, contanto que a demanda doméstica não
excedesse a capacidade de produção externa.
87

operações em aplicações em títulos da dívida pública e crédito para empresas e órgãos e


empresas estatais.
[...] Com isso, os ganhos de tesouraria (título da dívida pública interna) tornaram-se
a principal fonte dos lucros dos grandes bancos privados, criando uma relação
umbilical entre a taxa de lucro dos bancos privados e taxa de juros básica da
economia. (PINTO, 2019, P.22-23)
Importa observar neste duplo movimento, os bancos ao tornarem-se os principais
operadores da moeda indexada, garantiram os lucros de todos os setores capitalistas, de
forma, a gerir parte considerável do estoque de riqueza dos setores industriais. O que nos
parece é que ao fazê-lo, em condições de crise, ganharam considerável poder político no
bloco no poder, não se está afirmando, obviamente que seu poder político deriva unicamente
desta posição privilegiada na apropriação da riqueza nacional, todavia, parte de sua relação
com as outras frações de classe vem deste lugar. Sintetizando, todo esse processo, segundo
Pinto.
Em linhas gerais, a forma do ajuste exportador brasileiro na década de 1980, por um
lado, possibilitou a reestruturação corrente e patrimonial das grandes empresas
industriais e bancárias e, por outro, provocou enormes desequilíbrio fiscais e
financeiros do setor público. Ao final do governo Sarney o déficit operacional
alcançou 6,9% (1989) evidenciando a incapacidade do Estado (com seu fundo
público) em coordenar as demandas: i) dos interesses externos (transferências de
recursos para o exterior); ii) dos segmentos dominantes (sobretudo dos segmentos
financeiros que passam a ter papel importante da rolagem da dívida pública interna –
que teve seus prazos de vencimento extremante reduzidos com o regime de inflação
alta); iii) dos trabalhadores com o aumento de seus poder sindical; iv) dos interesses
regionais (estados e municípios); v) dos movimento sociais e dos compromisso
sociais assumidos (sobretudo com a Promulgação da nova Constituição de 1988); e
vi) das estratégias desenvolvimentistas ainda em vigência. Equalizar todos esses
interesses era impossível naquela conjuntura de enormes transferências de
excedentes para o exterior. Os interesses externos foram preservados juntamente
com os lucros e o patrimônio do setor privado (bancos e empresas), no entanto, a
contrapartida disso foi a crise fiscal e financeira do setor público (e de suas empresas
estatais) – que desmontou a capacidade estatal de manter o pacto desenvolvimentista
– e a enorme aceleração da inflação. (PINTO, 2019, P.26)
Para Carneiro (2002) a crise do setor público se deteriora pela crise de seu
financiamento, sendo o principal marco dessa crise a restrição ao financiamento externo. Esse
constrangimento atinge duplamente as finanças públicas. De um lado, o setor público amplia a
renúncia fiscal e o volume de subsídios para gerar superávits comerciais para fazer frente a
divida externa; por outro, arca com o pagamento de uma carga de juros em elevação em
moeda estrangeira. É central na deterioração das contas públicas a transferência de recursos
para o exterior, seja pela forma de se obter superávits comerciais, deteriorando suas receitas;
seja deteriorando o orçamento, ao assumir a dívida privada.
Assim, ao longo dos anos 1980 assiste-se a deterioração do principal ator do tripé
da economia brasileira, ao mesmo tempo em que o Estado se endivida, perdendo sua
capacidade de intervenção, o setor privado rumou para posições defensivas, preservando e
88

ampliando seu estoque de riqueza as expensas do Estado. Pelo lado externo, as duas alavancas
que proporcionavam os ciclos de acumulação interno, o financiamento no mercado bancário e
as empresas transnacionais passaram por mudanças em sua dinâmica e forma de inserção na
periferia do capitalismo. Ao longo dos anos 1980, a segunda pata mais importante do tripé
mingua seus investimentos na periferia, só retornariam de outra maneira nos anos 1990, até lá,
a economia brasileira oscilava, e flertava a todo o momento com a hiperinflação. Durante todo
este período assistiu-se há anos crise de orgânica sem que o país pudesse redefinir os rumos
do desenvolvimento capitalista, as bases que propiciaram o desenvolvimento anterior estavam
erodidas, a disputa era de qual rumo seguir depois de tomar consciência disso.

4.2 As frações burguesas e suas posições políticas nos anos 1980 28.
Para compreender de fato as mudanças no bloco no poder, que culmina em uma
ampla frente neoliberal, é necessário retornar ao terreno das práticas políticas das frações de
classes dominantes, verificar como seus discursos de classe foram se modificando ao longo do
período de crise orgânica.
Podemos demarcar como grande ponto de virada das posições políticas da
burguesia brasileira a crise de implementação do II PND, e a campanha contra a estatização
surgida em 1974. Nesse cenário podemos notar algumas nuances que se farão presentes no
idos dos anos 1990, sobretudo a crítica ao excesso de intervencionismo estatal e a defesa da
livre iniciativa. Ainda que essas críticas escondam que o verdadeiro interesse dos setores
financeiros e comerciais era a estatização da poupança 29 e não da economia, naquele
momento de auge do desenvolvimentismo, setores importantes da burguesia como a fração
bancária-financeira e a comercial já tinham “virado a casaca” para o lado liberal. Por outro
lado, como mostra a recente tese de doutorado de Moraes (2018) a fração industrial e os
setores da indústria de base coadunadas em torno da Fiesp 30, Abdib e Abiamaq ainda eram
fiéis ao modelo desenvolvimentista, todavia, não eram avessos a entrada do capital

28
Nesta parte, a reconstrução focará nas frações bancárias e nos industriais, todavia, em boa parte dela,
utilizamos de material secundário, pesquisas sobre essas frações. O leitor notará que a fração bancária é muito
menos analisada que a industrial, a isso se deve o fato de termos encontrado poucos trabalhos sobre esses
empresários, além do mais, nosso objeto é a fração industrial, no qual temos mais material acumulado, seja por
fonte primária em documentos e revistas das entidades, seja pelo fato da fração ter sido mais estudada ao longo
dos anos, o que propicia um acumulo de bibliografia maior em relação à fração bancária.
29
Refiro-me a crítica feita por Lessa (1978) de que o mote central da campanha era a estatização da poupança
pública, no qual o BNDE, passa a controlar os fundos parafiscais PIS e Pasep para fortalecer o padrão de
financiamento arquitetado e que, portanto, tal campanha não seria contra a intervenção do Estado na economia e
sim da não privatização da poupança pública pelos bancos privados.
30
Respectivamente, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Associação Brasileira para o
desenvolvimento das Indústrias de Base e Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos.
89

estrangeiro, demandavam uma intermediação estatal que tornasse a convivência entre ambos
harmônica, definindo espaços de acumulação.
No início da Nova República o bloco no poder encontra-se cindido, de um lado
encontramos os setores bancários-financeiros, defendendo o abandono das políticas
desenvolvimentistas; de outro, setores industriais, incluindo, a FIESP que defendiam um novo
pacto desenvolvimentista. Os primeiros, apesar do seu poder político tinham uma frágil
articulação de classe, precisavam engordar suas entidades para veicular mais amplamente seu
discurso político; já os segundos tinham maior aceitação pela sociedade, todavia, vinham
sofrendo com falências de pequenas e médias empresas desde os fins dos anos 1970.
No aspecto mais geral todos os setores empresariais modificaram suas atuações
políticas desde o final da ditadura militar, Segundo Diniz (1991), observou -se o
fortalecimento de sua capacidade de organização e a diversificação de poder, e a expansão dos
seus instrumentos de influência política.
[...] O setor modernizou-se, aperfeiçoou seus mecanismos de representação e
renovou seus quadros dirigentes, desalojando lideranças tradicionais e substituindo
líderes dos segmentos mais dinâmicos, identificados com uma proposta de
revitalização do capitalismo brasileiro. A instauração da Nova república, em 1985,
veio a reforçar a visibilidade política desses atores, que assumiram um papel
crescentemente ativo juntos às elites governamentais. (DINIZ, 1991, P. 351)
Para Diniz (1991), o empresariado logrou não apenas estreitar seus laços com a
nova tecnocracia estatal passou a ocupar o Estado em setores estratégicos para a formulação
da política econômica 31. Essa participação nos negócios do Estado se observa tanto com
administradores líderes de segmentos empresariais, quanto pela via eleitoral, com grande
número de empresários concorrendo em cargos no legislativo e executivo. Diniz, no entanto,
ressalta que não houve rompimento com o padrão corporativista anterior. O que houve foi à
articulação entre ambas, um padrão de atuação complementar. De um lado, renovam-se as
antigas bases de representação corporativa 32, com as federações patronais como a FIESP,
reforçando sua representatividade junto às bases empresariais, aumentando seu poder de
mobilização; e de outro, “[...] a proliferação de associações paralelas, que se tornavam uma
arena decisiva para a representação dos interesses empresariais. [...]” (Idem, p.352).

31
Nesse mesmo sentido, Segundo Sallum (1999). “[...] Com o fim do regime militar-autoritário, pareceu que o
corporativismo, os ‘anéis burocráticos e os ‘cartórios’ deixaram de ser suficientes como garantias do controle
exercido pelo empresariado sobre o Estado. Não apenas o empresariado renova e multiplica suas organizações e
expande sua atuação na esfera pública mas também a sua perspectiva passa a predominar largamente nos meios
de comunicação de massa, difundindo-se, com isso, na massa empresarial e nas classes médias.” (SALLUM,
1999, P. 26)
32
Diniz chama de representações corporativistas, as associações patronais formalmente vinculadas ao Estado,
como sindicatos, federações e confederações.
90

Encontrando as mesmas evidências em Minella (1994) que ressalta como o


empresariado passou a estar mais presente nos meios de comunicação.
Nesse novo contexto, o empresariado brasileiro — ou, mais especificamente, os
grandes empresários e as organizações empresariais mais expressivas — passou a
atuar e a veicular de forma direta e aberta um conjunto de posicionamentos e
demandas através da grande imprensa e nos meios de comunicação em geral. É
surpreendente o número de artigos publicados diariamente por empresários na
imprensa, no País. Manifestando-se diretamente — ou através de seus intelectuais
orgânicos —, o empresariado revela-se de alguma forma (ora com sutilezas e
entreditos, ora de forma nua e crua). (Minella, 1994, p. 505)
As frações bancárias foram as primeiras a sentir os ventos da mudança, de frações
pouco articuladas, passaram a lançar sua voz no debate público com mais frequência, observa -
se um pequeno número de empresários tomando a frente das principais entidades patronais do
setor, por outro, o financiamento de think tanks, como o instituto Liberal. Segundo Minella,
esses movimentos políticos ocorrem pela deterioração da imagem do setor frente à sociedade.
O setor vinha sofrendo críticas intraburguesas, pela proteção que recebia do
governo, ante o processo inflacionário que atingia de maneira desigual diferentes setores da
sociedade. Foram atacadas pela alta rentabilidade de seus negócios, devido à escalada
inflacionária, ao quais os próprios banqueiros reconheciam. Segundo Minella (1994), entre
1981-1983, criou-se um caldo de cultura em que proliferaram conflitos intraburgueses, em
que industriais e outros setores da sociedade passaram criticar os bancos pelo custo do
financiamento do capital de giro e do desconto das duplicatas. Por conseguinte, sua
articulação frente à sociedade deve ser vista como uma forma de responder a essas críticas, e
melhorar sua imagem frente à opinião pública. Acostumados a atuarem sob as sombras com a
redemocratização viram seu triunfo ser esvanecido pela conjuntura, seu poder econômico
poderia estar ameaçado pela sua falta de coesão política.
Procuraram responder as críticas, adotando uma explicação unicausal para
explicar os problemas do País, o déficit público, fruto do excesso de gastança seria o culpado
do setor financeiro cobrar tanto por seus serviços financeiros, devido a instabilidade e as altas
taxas de inflação. Ainda que fosse um bom argumento, lhes faltava um projeto político
próprio, um programa que redefinisse os rumos do desenvolvimento.
Do discurso defensivo unicausal, os banqueiros passaram a defender abertamente
uma agenda neoliberal, o faziam desde os fins dos anos 1970, primeiro, como um discurso
mais tímido, um liberalismo social, Segundo o banqueiro Roberto Konder Bornhausen,
defende o "princípio da responsabilidade social e do compromisso da empresa para com os
valores da comunidade a que pertence". Porém esse liberalismo
91

[...] “defende, igualmente, a primazia da oferta e da demanda, a liberdade de


mercado e a eficiência como critério de concorrência". Esse liberalismo social —
afirma o empresário — "(...) não é contrário a qualquer forma de planejamento que
se sobreponha às leis do mercado”. (BORNHAUSEN Apud MINELLA, 1994,
P.516)
Com o decorrer da crise, e as críticas sofridas, os banqueiros passaram a se
articular em torno de dois eixos: uma frente ampla empresarial na defesa do liberalismo;
segundo, a defesa dos bancos em relação à sua responsabilidade na crise econômica do País.
Defende-se a desregulamentação do setor financeiro, para estes o Estado interviam em
excesso tanto com os bancos públicos, como regulador.
Dessa forma, como expressão da crise orgânica, os setores financeiros recebiam
críticas e procuravam responde-las revertendo-as ao Estado como grande culpado da crise.
Minella (1994) aponta dois momentos dos embates intraburgueses, até a metade 1985, no qual
se verifica um embate maior entre banqueiros e industriais, no qual teve como resultado, uma
CPI, denominada CPI dos Juros, que tinha como alvo sistema financeiro, e a radicalização dos
órgãos de representação do setor industrial em sua crítica aberta ao setor financeiro. No
segundo momento, caracteriza-se por um discurso que buscava enfatizar os pontos de
convergência mais gerais do empresariado, tratando de garantir (não sem dificuldades) uma
unidade mínima durante a transição para o governo civil.
Nesse momento de embate, vemos os discursos críticos do Presidente da CNI
(Confederação Nacional das Indústrias), Albano Franco.
Um discurso crítico ao sistema financeiro partia da Confederação Nacional da
Indústria (CNI). Em 1982, o presidente Albano Franco considerava que "(...) os
bancos, fortalecidos pela limitação da oferta de crédito, exercem o seu poder
discriminatório na determinação do nível da taxa de juros (grifo nosso) vigente na
economia" (FRANCO, 1982, p. 12). Segundo o empresário, esse poder especial do
sistema financeiro "(...) é particularmente reforçado pelo elevado nível de
concentração bancária (grifo nosso) existente na economia brasileira" (IDEM). O
processo de concentração, afirmava, não teria trazido reduções dos custos bancários,
nem economias de escala e maior eficiência. E concluía que o sistema financeiro
"(...) tem estabelecido especial resistência aos ajustes que ora se sucedem na
economia brasileira, transferindo parcelas da sua cota de contribuição para os
demais agentes econômicos" (grifos nossos) (FRANCO, 1982, p.l5). (MINELLA,
1994, P. 523)
A CNI persistiu em suas críticas no ano seguinte, afirmando que havia uma crise
dos juros na economia brasileira, e que poderia ameaçar o processo de transição para a
democracia.
A FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) rebateu as críticas afirmando
que o Governo é maior banqueiro, além de regular as atividades dos bancos privados. Esse
tom crítico, dá lugar ao discurso de reconciliação quando os banqueiros começam enfatizar o
92

déficit público, a origem "(...) todos os nossos grandes problemas atuais: inflação (...),
endividamento interno e o desequilíbrio do balanço de pagamentos" (BORNHAUSEN Apud
Minella, 1994, p. 524). Desloca-se o foco da crítica e os empresários passaram a se unir, ainda
que precariamente, em torno de uma única bandeira. Tanto que a revista Indústria e
Desenvolvimento, da CNI passa a colocar no centro da agenda o déficit público, e as críticas
ao Estado Empresário, defendendo um retorno às origens – a livre iniciativa.
Dessa maneira, a atuação dos banqueiros pode ser sintetizada, segundo os
resultados da pesquisa de Minella (1994), em quatro pontos. Primeiro, a defesa de uma
explicação unicausal para a complexa crise econômica a qual o Brasil vinha passando, no qual
o grande culpado seria o excesso de gastos do setor público, que tinha como consequência a
escalada inflacionária, e os bancos para responder aumentavam os juros, defendiam que seus
altos rendimentos decorriam de uma política econômica equivocada, que não era formulada
pelo setor. Segundo, uma tentativa de melhorar sua imagem perante a opinião pública, no qual
segundo alguns empresários como Léo Wallace Cochrane Júnior, presidente da FENABAN
(Federação Nacional dos Bancos), a imagem do setor estava péssima ao final do Governo
Sarney, mesmo após intensas campanhas para melhorá-la. Terceiro, a reorganização das
entidades de classe do setor, federações mais tradicionais como a FEBRABAN passaram a ter
como lideranças banqueiros reconhecidos por seus pares, além da proliferação de novas
associações patronais, e a criação de think tanks, para a difusão ideológica do liberalismo. Por
fim, a adoção de um discurso de reconciliação com outros setores empresariais, ao longo dos
anos 1980, esse discurso girou um torno da defesa da livre-iniciativa, propondo uma
economia liberal para superar a crise, e a adesão a demandas que não necessariamente
surgiram do setor, como a defesa de uma reforma tributária. Neste último aspecto, cabe
destacar que entre a literatura especializada é um relativo consenso que ao final do fracassado
do plano cruzado, em 1986, o empresariado se uniu em torno da defesa do antiestatismo
(Diniz, 1991), não necessariamente pela atuação dos bancos, esse setor se não foi o pioneiro,
foi aquele que defendia há mais tempo o projeto neoliberal como saída para a crise.
Ao olharmos para os industriais encontramos um setor industrial mais coeso em
relação às suas declarações perante a sociedade, mas rachado internamente. Segundo Moraes
(2018), uma parte, o setor da burguesia interna, nos setores de bens de capital, pequenas e
médias empresas, coadunados em torno da Abidib e da Abimaq, sofreram de forma mais
aguda os efeitos da crise externa; já os setores nomeados por Moraes (2018) como “complexo
93

multinacional” 33, “[...] que almejaram um eficiente ajuste patrimonial, ampliando o


componente financeiro de seus ganhos e reduzindo a imobilização de capital, mantendo a
salvo da crise seus níveis de rentabilidade.” (MORAES, 2018, P.192). O primeiro grupo
estava representado no Manifesto dos Oito, 34 já o segundo grupo estava representado pelos
setores multinacionais e pelo setor financeiro. Moraes estende sua análise das frações
industriais até o fim do governo Figueiredo, mostrando que o primeiro grupo perde força, com
o caminhar da crise, no entanto, suas demandas foram incorporadas pela FIESP, no qual se
seguiram críticas ao ajuste recessivo, o elevado custo do dinheiro e o incentivo a especulação
financeira. No entanto, a mesma FIESP preocupada em manter-se próximas dos ciclos de
decisões da política econômica, manteve o apoio irrestrito as políticas governamentais.
A despeito do pragmatismo da direção da FIESP, expressa na presidência de
Teobaldo De Nigris, os setores industriais perdem força no governo Figueiredo, com isso uma
candidatura de oposição acende a presidência da entidade com Luiz Eulálio de Bueno Vidigal,
que eram mais críticos ao excesso de pragmatismo, e estavam mais alinhados com o
manifesto dos Oito. Deste ponto em diante, a FIESP passa a endossar críticas, e promover
estudos contra a política econômica do governo Figueiredo, no começo predominavam as
críticas às políticas recessivas, demandando um política de desenvolvimento a médio e a
longo prazo como remédios para sair da crise.
A partir de então, o assunto predominante na maior parte das publicações destas
entidades industriais paulistas passou a ser a redução da ingerência estatal. Tudo que
dizia respeito ao Estado, em especial ao poder Executivo, era refutado. Ao longo de
1983, 1984 e 1985, diversas declarações, divulgadas pelos informativos da FIESP,
mostraram o crescimento da insatisfação com os desequilíbrios nos gastos públicos,
com o arrocho ao setor privado enquanto “as despesas do Estado-empresário
[continuavam] a elevar-se” (I&D, nº 10, 1983, p. 40). Os industriais combatiam o
que acreditavam ser uma “situação de intervenção exagerada” (I&D, nº 12, 1983, p.
16), os “altos juros” e a “escassez de crédito e os preços controlados”, uma soma de
fatores que denominavam “superestatização”. (MORAES, 2018, P. 198)

33
Segundo Moraes (2018) “Se formou dentro das classes dominantes da economia local um conjunto de
interesses que circulava entre a fração interna e a fração associada, ao qual podemos chamar de “complexo
multinacional” (CAMPOS, 2009). Este complexo nem está totalmente desconexo do mercado nacional, uma vez
que necessita das condições locais – baixos custos de mão de obra, recursos naturais, reserva de mercado, entre
outros – para se reproduzir, mas também não mantém conexões com as estratégias nacionais já que seus
parâmetros de desempenho são medidos em moeda conversível, em face das cadeias de valor globais. Suas
relações com o ambiente interno e com o Estado Nacional são fluidas e inconstantes, o que torna difícil delimitá-
lo como fração associada ou como fração interna . [...]” (Idem, p.56)
34
Manifesto intitulado “Só democracia absorve tensões sociais”, publicado pelo Jornal Folha de São Paulo e pela
Gazeta Mercantil, em junho de 1978, pedindo a abertura do regime, criticando a política econômica oficial e
defendendo a empresa privada nacional. O documento foi assinado por oito dos mais importantes empresários do
país, Antônio Ermírio de Morais (Grupo Votorantim), Cláudio Bardella (Bardella Indústrias Mecânicas S/A),
Paulo Vellinho (Grupo Sprinder-Admiral), Jorge Gerdau (Grupo Gerdau), Paulo Villares (Indústrias Villares
S/A), José Mindlin (Metal Leve), Laerte Setúbal Filho (Grupo Itausa) e Severo Gomes (cobertores Parayba e ex-
Ministro da Indústria e Comércio do Governo Geisel), em sua maioria ligados à ABDIB. (MORAES, 2018, P.
157)
94

Para Moraes a mudança na ênfase do discurso mostra como o complexo


multinacional retorna ao centro do poder, os setores de bens de capital, coadunados em torno
da Abimaq perdem sua força política conquistada nos idos do II PND, o discurso
industrialista, se fecha em torno das pequenas e médias, que dependiam da expansão do
mercado interno, e não tinham condições de realizar o ajuste patrimonial das grandes
empresas, tampouco, podiam se associar a alguma multinacional. As empresas líderes por
outro lado, conseguiram se defender do ajuste recessivo, alinharam-se, em parte, ao discurso
dos setores financeiros e multinacionais.
Todavia, como mostra Bianchi (2010) esse apoio foi tático, quando presidente
Sarney é empossado, cedeu em alguns pontos, como a necessidade de controlar os gastos
públicos, por meio de um efetivo controle do orçamento fiscal, por outro, não deixou, de
pontuar sua crítica em relação à repressão à demanda. Nesse sentido, a FIESP saiu do governo
militar aderindo aos economistas da oposição, incorporando nas suas fileiras economistas
heterodoxos da Unicamp, como Luiz Gonzaga Belluzzo, contudo como nos mostram Bianchi
(2010) e Diniz (2010), em torno de um projeto neodesenvolvimentista35. No plano mais
imediato buscavam compatibilizar um plano deflacionário sem que houvesse uma excessiva
repressão à demanda.
O fracasso do plano cruzado marca o abandono da FIESP em torno do projeto
neodesenvolvimentista, tanto que o novo presidente Mario Amato, afirmara que “[...] sente
que é chegado o momento de se pensar em um novo ordenamento do Programa de
estabilização econômica, substituindo o regime de economia dirigida pelo da economia de
mercado, a vontade burocrática pelo sistema de livre comercio e competição e da eficácia.”
(AMATO Apud Bianchi, 2010, p.180). O fracasso do plano cruzado representou que a única
alternativa para a saída da crise brasileira era o projeto neoliberal. Nesse sentido, a crise
ideológica do bloco no poder, estava decidida em favor de um projeto hegemônico.
No processo da constituinte de 1988, podemos notar essa virada no
pronunciamento de Mario Amato, na Subcomissão de Princípios Gerais, Intervenção do
Estado e da Atividade Econômica da Assembleia Constituinte em 1987. Segundo Bianchi:
Em sua alocução, o presidente da FIESP definiu suas bandeiras: a preferencia à
empresa privada na exploração das atividades econômicas; a livre associação de
capitais, bem como a igualdade entre empresas; a garantia ao direito de propriedade;
e a proibição de intervenção do Estado no processo econômico que resulte em
limitação da rentabilidade das empresas privada, dificuldade para seu
desenvolvimento tecnológico ou a restrição de sua livre gestão. [...] No novo

35
Na verdade não era o mesmo tipo de desenvolvimentismo, segundo Bianchi (2010) um modelo
neodesenvolvimentista que combinava algum grau de abertura econômica, mas “[...] reservava ao Estado um
importante papel, seja nas funções de planejamento, seja nos investimentos estratégicos.” (Idem, p. 172)
95

programa, é possível ouvir ao longe ecos daqueles pronunciamentos de Vidigal


Filho sobre a Constituinte. Mas há temas novos, como a isonomia no tratamento das
empresas nacionais e estrangeiras e a nova palavra de ordem do empresariado, a
desregulamentação da atividade econômica. Pronunciada de maneira pausada, quase
soletrada, a nova bandeira sintetizava o estado de ânimo do empresariado com os
sucessivos congelamentos, choques e intervenções macroeconômicas. (BIANCHI,
2010, P. 183-184)
A adesão ao neoliberalismo não foi apenas tática, se consubstanciou em duas
novas associações destinadas ao estudo de proposições de políticas econômicas e setoriais da
FIESP. O primeiro surgido em 1987, Pensamento Nacional de bases empresariais (PNBE),
tinha um caráter mais amplo de representação, e nas palavras de Bianchi, tornaram-se uma
“[...] caixa de ressonância para as críticas aos projetos de ‘estatização da economia’ veiculada
neste” [...] (Idem, p. 188), de início representava os industriais como um todo, a partir dos
anos 1990, se constituiu em uma organização majoritariamente representativa de pequenos e
médios empresários do setor de serviços. O segundo, o Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (IEDI) tinha um propósito mais técnico, com o objetivo de criar
estratégias e estudos para o desenvolvimento industrial, o pressuposto era o diagnóstico
comum, comungado por praticamente toda a burguesia brasileira, de que a crise estrutural era
decorrente do esgotamento do modelo por substituições de importações, e na necessidade de
criação de um novo modelo para a década de 1990. Armados com estes novos institutos,
purgados de antigas crenças desenvolvimentistas, os industriais estavam prontos para se
apresentarem como os novos defensores do liberalismo nacional.
Todavia, a crise política não tinha fim, se expressa nas eleições de 1989, na qual
representantes tradicionais da política brasileira são quase todos escamoteados, angariando
votações minúsculas aquém do necessário para chegarem ao segundo turno, disputado pela
polarização entre a direita, representada por Fernando Collor de Mello e a esquerda por Luiz
Inácio Lula da Silva. A FIESP fez sua parte, com a declaração de Mario Amato de que
haveria uma fuga de empresários, caso Lula fosse eleito. Segundo Bianchi (2010), Collor não
era a primeira opção do empresariado paulista, preferiam nomes tradicionais como Orestes
Quércia e Mário Covas, ambos derrotados no primeiro turno, por conseguinte, uniram-se em
torno de Collor como forma de afirmar o projeto neoliberal. Esse projeto sai vencedor, as
principais bandeiras do novo presidente eram o combate à corrupção, e o neoliberalismo,
modelo que levava a promessa de fazer o Brasil adentrar no clube das nações desenvolvidas.
Pouco após a posse de Collor, a entidade publicou um longo documento de quase
trezentas páginas na qual apresentava seu projeto para o Brasil, intitulado Livre para Crescer,
publicado em agosto de 1990. O título quase poético expressava os novos rumos defendidos
pela entidade – o neoliberalismo como projeto. Na apresentação escrita por Mario Amato
96

defendia que era consenso entre os empresários de que o Brasil precisava se modernizar “[...]
abrindo-se mais para o exterior, alterando o papel do Estado na economia e promovendo
reformas que aumentem seu grau de eficiência”. Aponta que no passado a entidade defendia o
modelo por substituições de importações como modelo de desenvolvimento, mas que este
havia se esgotado e era hora do Brasil aderir a um novo ideário, “[...] sintonizado com a nova
ordem econômica do mundo e do Brasil moderno.” (AMATO, 1990, P.12-13)
O documento coordenado por Maria Helena Zockun está dividido em quatro
partes: a primeira, diagnóstico da economia brasileira, defendia que o modelo de substituição
de importações havia se esgotado, e que a tentativa de mantê-lo artificialmente desde os anos
1970 seria a causa da inflação que adoecia a economia brasileira. Predominava no modelo o
gigantismo estatal e a ineficiência do Estado e a elevado grau de autarquização da economia.
Mostravam estudos comparativos entre países emergentes como a Coréia do Sul, segundo a
qual, as diferentes performances decorriam da maior abertura do país asiático em comparação
ao Brasil. Criam ainda uma narrativa de que os governos mais bem sucedidos como Médici,
Castello Branco e Costa Silva decorriam de seu elevado grau de abertura externa, ao qual teria
sido revertido pelo Governo Geisel, este último apontado como culpado pela origem da
escalada inflacionária e os desequilíbrio fiscal do setor público.
Na segunda parte uma nova estratégia de desenvolvimento, indica os caminhos
para a economia brasileira superar os obstáculos apresentados na primeira parte. Propõe uma
reforma do Estado, através de “significativas reformas institucionais”. Essas reformas
precisavam moldar um Estado condizente com as funções modernas, na qual deve estimular o
crescimento e satisfazer à provisão de serviços públicos com adequada distribuição de renda.
Para estimular o crescimento, propõe que a primeira ordem é a adequação orçamentária,
defende um profundo ajuste fiscal, patrimonial e administrativo do Estado, que teria por fito o
substituição do Estado empresário pelo Estado regulador, no entender da entidade, “[...] a
livre iniciativa e o sistema de mercado, quando funciona competitivamente gera uma
distribuição eficiente de recursos e produtos.” (FIESP, 1990, p.106). Defende critérios
mercadológicos para a sobrevivência das empresas estatais, apontando a necessidade de
encerramento e privatização de algumas empresas, tais reformas deveriam ser feitas em
conjunto a uma reformulação da relação público-privado, indo além pedindo o fim da
discriminação entre empresa nacional e empresa estrangeira. Por fim, desregulamentação do
mercado de trabalho. Na parte fiscal, para a FIESP a atrofia do Estado brasileiro está em seu
excesso em funções empresariais e regulatórias. Esta atrofia está intimamente conectada com
97

a má distribuição da renda, o Estado gastava em excesso no setor produtivo e sobravam


poucos recursos para investir no bem-estar e na formação do capital humano.
Defende uma nova política de comércio exterior, a chave para a nova
reorganização da economia:
A abertura ao exterior, entendida aqui como um processo gradual de liberalização do
setor externo da economia brasileira aos fluxos de comércio e de capitais, tem o
objetivo de criar um ambiente competitivo que possibilite uma alocação melhor de
recursos entre os setores, com um mínimo de distorções. (FIESP, 1990 p.135)
A política de abertura abriria espaço para a economia brasileira se inserir
competitivamente no novo cenário internacional, através da especialização e integração ao
comércio mundial. Neste ponto, fica claro o abandono do projeto de verticalização produtiva
dos anos desenvolvimentista, a abertura é novo modelo dinâmico de crescimento, que geraria
uma melhor distribuição da renda.
Na terceira parte, são apresentadas as propostas de política econômica e social,
calcada na necessidade da estabilidade de preços para o Estado voltar a controlar sua moeda, e
uma nova política social, voltada para corrigir as possíveis distorções de mercado, e a
necessidade de investimento em capital humano. Na Quarta parte, viabilização da política
proposta, procura identificar as possíveis forças resistentes às mudanças, avaliando seu poder
de resistência e como revertê-las.36
O documento deixa claro a adesão ao projeto neoliberal de Collor, ao mesmo
tempo é possível notar a vitória dos setores da indústria alinhados com o capital estrangeiro e
com o capital financeiro. Ao leitor atento, vê-se que esse programa praticamente antecipa as
mesmas linhas do programa de Cardoso que será apresentado quatros depois.
Era de se esperar, portanto, um alinhamento integral ao projeto neoliberal
representado por Collor. E de início, como mostra Bianchi (2010), isto de fato ocorreu,
todavia, havia uma pedra no caminho, - a rápida reversão das barreiras tarifárias -, no
documento a FIESP defendia que houvesse tal reversão, entretanto, deveria ser feita no
timming correto, de maneira gradual, a equipe de Zélia Cardoso de Mello, o fez. No entanto,
setores de bens de capital foram os primeiros a acusar o golpe, Einar Kok, da Abimaq,
alertava para os riscos que uma abertura drástica poderia causar para a indústria nacional.
Essas vozes dissonantes nunca conseguiram ir além de um nível econômico corporativo.
Segundo Bianchi (2010), “[...] a lembrança traumática dos últimos meses do governo Sarney

36
Interessante é a leitura dos hábitos e dos costumes dos brasileiros, segundo a Fiesp, são “[...] acostumados a
dependência, à improvisação e ao personalismo[...]” (p.233), que entrariam em choque ao universo das regras
mais gerais e universais: menos proteção, menos casuísmo e menos favores das entidades estatais.
98

tornava o empresariado disposto a aceitar o sacrifício em troca da estabilidade social e


econômica” (p.199).
De início a crise era tão aguda que “[...] mesmo com frágeis bases parlamentares e
laços orgânicos com o empresariado, Collor logrou aprovar no Congresso, em curto prazo, um
invasivo e impopular plano de estabilização, que sequestrou os ativos financeiros.” (Ianoni,
2009, p.152). O empresariado apoiou o plano, e a agenda que seguia junto dele: abertura
comercial, desregulamentação financeira, desestatização e ajuste fiscal.
Para Sallum (2009), o governo Collor contribui para danificar o arcabouço
institucional nacional-desenvolvimentista, para reorientá-lo em um sentido antiestatal e
internacionalizante. Dentre as medidas adotadas pelo governo neoliberal, estão: a suspensão
das barreiras não tarifárias ao exterior; um programa planejado de redução das tarifas de
importação ao longo de quatro anos; um programa de desregulamentação das atividades
econômicas; privatização das empresas estatais (não protegidas pela constituição) esta última
tinha por objetivo tanto recuperar as finanças públicas como reduzir o papel do Estado na
economia 37; por fim, uma política de integração regional com o Mercosul.
Apesar do avanço nas reformas institucionais, o estilo agressivo de Collor,
seguido do desastroso plano Collor II, que congelava preços e salários, reajustava tarifas,
desindexava os preços e unificava a data base dos dissídios dos trabalhadores, foi a gota
d’água para o empresariado. Para Ianoni (2009), mostrou que os atores da cena política
recusariam qualquer plano que violasse contratos e regras de mercado, mostrando que não
seriam mais aceitos pela sociedade. Bianchi (2010) acrescenta outros elementos para a
ruptura, como a rápida abertura para o exterior, combinada com hiperinflação, além da
demora em dar prosseguimento ao programa de privatizações 38.
O impeachment de Collor decorreu de sua inabilidade política, expressa na sua
tentativa de governar por decreto, somada ao seu estilo agressivo pouco afeito às negociações
em um momento de crise tão aguda (Skidmore, 1998). Foi a expressão de um país em crise
multidimensional, envolto em perene estagflação. Segundo Ianoni,
O impeachment foi o maior trauma que a nova democracia brasileira enfrentou e
uma expressão ímpar da crise e da ausência de projetos consistentes para um país
envolto em perene estagflação Embora o impedimento de Collor tenha ocorrido sem
rupturas institucionais e em contexto de grande participação da sociedade civil,

37
A ideia de usar as privatizações como forma de recuperar as contas públicas só ficou no planejamento, tendo
em vista que tanto Prado (1994), quanto Almeida (2010) apontam que a maioria das moedas utilizadas no
processo de privatização era de títulos “podres” da dívida pública, o que não ajudou na recuperação das contas
públicas.
38
Para Prado (1994), esta demora se devia a inabilidade técnica da equipe de Collor, que tentavam passar por
cima da constituição ao tentar programar um conjunto de normas para todas as empresas ofertadas, ao invés de
programar empresa por empresa.
99

Itamar Franco assumiu o governo de um Estado que navegava à deriva das


expectativas da comunidade nacional e do sistema internacional (Ianoni, p.157).
Dessa forma, coube ao desafortunado Itamar Franco tomar a frente da
interminável crise brasileira (Skidmore, 1998), depois trocar inúmeras vezes seus ministros, e
demitir dois ministros da Fazenda, o escolhido da vez fora o Ministro das relações exteriores,
o senador Fernando Henrique Cardoso, a quem coube elaborar um novo e último plano de
estabilização, que como veremos resolve a crise multidimensional brasileira.
Para Sallum (1999), o cesarismo 39 de Collor naufragou, mas não foi suficiente
para o retorno do desenvolvimentismo, entre as forças político-partidárias, “[...] o reformismo
liberal já avançara tanto que inviabilizava qualquer volta ao nacionalismo desenvolvimentista.
[...]” (Idem, p. 29). Acrescenta-se que não apenas entre as forças político partidárias, entre a
classe dominante, o reformismo liberal já estava decidido desde a constituinte.

4.3 A Resolução da crise orgânica: O Plano Real.


Para Ianoni, o plano real, contou com dois elementos essenciais para o seu
sucesso, a interação entre a virtu na liderança política de FHC, (incluindo sua equipe
econômica e a coalização liberal articulada) e as características de uma crise estrutural em que
encontramos a fortuna do tempo histórico, ou, “[...] a interação política entre conjuntura e
liderança legítima, ou seja, pela ação política circunstanciada e de vocação hegemônica”. No
processo, constrói-se um novo pacto de dominação liberal, que atravessa diversos setores da
sociedade e do Estado, uma profunda interação entre Executivo, judiciário e legislativo,
partidos políticos, grande mídia, burguesia, entes federativos subnacionais, e outros setores da
sociedade civil, “[...] resultando na emergência sincronizada, nas esferas sociopolítica e
político-institucional, de um pacto de dominação liberal que superou a crise de hegemonia e
inaugurou um novo padrão de Estado no Brasil” (IANONI, 2009, P. 163). A coalização do
governo Itamar contou com todos os partidos, pró-impeachment, exceto o PT: PMDB, PSDB,
PDT, PSB, e o PFL que não tinha votado a favor do impedimento de Collor, mas que também
fazia parte da coalização. Dentre os fatores históricos que fortaleceram o executivo nos meses
que antecederam a implementação do plano, temos o escândalo de corrupção do Orçamento
de 1993, e a chegada do prazo para a revisão constitucional. Outro fator, importante, foi a
carta branca recebida pelo novo Ministro da fazenda para formular a equipe econômica da
maneira que bem entendesse. FHC tornou-se porta voz do plano, e o testa de ferro das críticas
que seriam endereçadas a equipe econômica, como descreve em seu livro de memórias

39
Fenômeno político, conceituado por Gramsci, na qual numa situação de crise, o entrechoque de forças
políticas equipotentes permite o surgimento de um líder providencial.
100

(2006), por diversas vezes se reuniu com a equipe em seu bunker particular, seu apartamento
em São Paulo, para discutir os rumos da estabilização e alinhar um discurso coeso para ser
apresentado à opinião pública, essa característica de liderança fora fundamental para dar o
sucesso ao plano real, e proteger a equipe de formulação e execução do plano, FHC foi muito
mais um Ministro político da fazenda, do que um tecnocrata acostumado a lidar com
planilhas.
O Plano Real equaciona as crises, por isso mesmo não podemos encará-lo como a
simples vitória brasileira, contra o “dragão da inflação”, é necessário ir além e ver como em
seu projeto de formulação, estava ancorada uma nova economia-política a ser seguida, esta
finalmente põe fim ao antigo pacto de dominação Estado desenvolvimentista. O que nos
proporemos, a seguir, é reconstruir os passos institucionais do plano real, e analisar como em
sua ossatura estão presentes as frações de classe dominantes que seriam protagonistas no novo
pacto de dominação liberal.
Segundo Filgueiras (2012) o Plano real se deve a dois conjuntos de fatores, que
possibilitaram seu sucesso. Primeiro, o aprendizado dos seguidos fracassados planos de
estabilização, ao qual se indicou certos procedimentos que não deveriam ser repetidos,
mostrou que a inflação não era apenas inercial, de tal forma que era necessário controlar a
expansão dos salários na nova moeda, que após a queda da inflação poderia haver um boom
de consumo, que pressionaria a oferta dos bens de consumo, por fim que a passagem abrupta
de todos os preços e salários, carregam consigo a inflação da moeda velha na moeda nova.
Segundo, estava claro que não havia mais possibilidades políticas do Brasil
permanecer rebelde ao Consenso de Washington, todos os demais países da América Latina,
já haviam resolvido seus processos inflacionários, o que gerava uma pressão da comunidade
internacional sobre o Brasil, esta pressão não é apenas política, mas impedia o ingresso de
capitais necessários para financiar o balanço de pagamentos no momento da estabilização.
Segundo Carneiro (2002), o principal fator de fracasso dos planos anteriores era sua tentativa
de estabilizar o câmbio sem a entrada de novos capitais para financiar a conta corrente do
balanço de pagamentos. A adesão ao Consenso permitiria a renegociação da dívida externa, e
o reingresso do Brasil nos mercados financeiros internacionais, supostamente atraídos pelas
boas políticas adotadas.
O Plano real é descrito em três fases e com uma a mais que não estava descrita,
mas que fazia parte. A primeira é o ajuste fiscal; a segunda a criação de um novo indexador, e
o embrião de uma nova moeda a URV (Unidade Real de Valor), a terceira, a introdução da
nova moeda, o Real; por fim, uma quarta fase que não estava explicitada que seriam as
101

reformas estruturais de cunho liberalizante. “[...] Na realidade, essas fases não são meramente
sequenciais ou lineares, sobrepõem-se e envolvem um conjunto de políticas, monitoramentos
das já iniciadas e formulação e implementação de outras.” (Ianoni, 2009, p.168).
A primeira fase começa com o lançamento do PAI (Plano de ação Imediato),
ainda no Governo Itamar Franco, lançado no dia 13 de junho de 1993, consistia na elaboração
de um novo orçamento que carregasse a verdade tarifária, segundo o próprio Cardoso (2006),
até a implementação do PAI, o orçamento no Brasil era uma peça de ficção. Para Filgueiras
(2012), o PAI ia muito além de apresentar um orçamento real, seu objetivo era criar um novo
regime fiscal, visando equilibrar o orçamento, em particular sua fragilidade, tendo em vista
que entre o momento de pagamento dos tributos, e o recebimento pelo Estado seu valor era
corroído pela inflação. Os mecanismos utilizados foram a elevação de impostos federais, e a
criação de um novo o IPMF (Imposto sobre movimentações financeiras) e o Fundo Social de
emergência (FSE), o FSE desvinculava 20% das transferências constitucionais para Estados,
Municípios, fundos regionais e algumas políticas sociais. Seu objetivo inicial era cortar, US$
16,1 bilhões do orçamento para serem destinadas ao pagamento dos juros da dívida pública,
no final depois de árduas negociações, restaram US$ 15,5 bilhões. O nome como admitido
pelo próprio Cardoso (2006), não tinha nada de social, só denominaram de “Social” para
facilitar sua aprovação pelo Congresso. Para Filgueiras (2012) mais do que dar liberdade
orçamentária ao governo, o PAI serviu para dar credibilidade ao plano Real, e reverter as
expectativas inflacionárias.
A segunda Fase começa com a introdução da URV, ela seria um superindexador,
cuja variação de uma banda, seria formada por três outros índices, o IGPM da FGV, o IPCA
do IBGE, e o IPC da Fipe/USP. Também tinha o objetivo de amarrar a URV ao dólar, em
uma futura âncora cambial. Com a URV, estava se criando o embrião de uma nova moeda,
pois já cumpria a função de unidade de conta. Carrega o bom aprendizado do plano cruzado, a
de que introdução de uma nova moeda deveria ser feita de maneira progressiva, quase
espontânea, induzida através da fixação imediata dos preços, e contratos públicos em URV.
Quando toda economia estivesse operando com base na URV, se transformaria na nova
moeda, o Real. Neste momento, todos os preços relativos estariam alinhados, não mais
contaminados pela memória inflacionária da moeda velha. “[...] Em outras palavras, seu papel
essencial foi o de apagar da memória o passado eliminando, desse modo, o componente
inercial da inflação” (FILGUEIRA, 2012, P.105)
A fase final ocorreu no dia 01 de julho de 1994 com a introdução da nova moeda,
quando a URV foi transformada em Real, quando ela valia CR$ 2750,00, cuja conversão foi
102

estabelecida de 1 URV= R$1,00. Nessa etapa explicitou-se a âncora cambial, a taxa de


câmbio foi fixada na paridade um dólar para R$0,83 com o apoio e garantia das reservas em
dólar, mas sem que se pudesse converter o real em dólar. O governo garantiu que a base
monetária seria expandida de acordo com as reservas em dólares depositadas no BC, no
entanto, devido re-monetização da economia, essa passo foi flexibilizado. Dessa maneira, o
Brasil adotou uma dolarização mais flexível, para a âncora cambial.
Com o receituário liberal, de abertura comercial e financeira, a economia não
ficou ameaçada de sofrer com escassez de divisas, devido às altas taxas de juros que atraiam o
capital especulativo usado para a formação de reservas, tampouco, houve um aumento
explosivo do consumo suficiente para retomar a hiperinflação, por dois motivos: primeiro, foi
reprimido pelas altas taxas de juros; segundo, com a valorização cambial, mais a redução das
alíquotas de importação o mercado doméstico fora inundado por mercadorias estrangeiras,
suficientes para dar conta da demanda doméstica.
A fase de reforma do Estado não aconteceu de imediato, se estendeu pelos dois
mandatos de FHC, era a parte essencial do plano, pois era o núcleo do novo modelo de
desenvolvimento. A primeira parte continha uma reforma do Estado, com mudanças
constitucionais na ordem econômica, que visavam retirar parte da ossatura desenvolvimentista
expressa na constituição, como a diferença entre empresa nacional e estrangeira, os
monopólios estatais, e venda estatal, que começaram ainda no governo Collor. Já as reformas
administrativa e fiscal, só foram discutidas no segundo mandato.
Assim, o Plano Real se apresenta como a constituição de um novo modelo para
re-equacionar as relações entre Estado e frações de classe, em um sentido liberalizante,
demandado por toda a burguesia brasileira desde o final dos anos 1980.

4.4 Bloco no poder e governo FHC: uma definição.


O Plano Real, mais do que um plano de estabilização monetária, definiu o novo
pacto de dominação hegemônico, é a partir dele que podemos chegar à configuração
particular que assume o bloco no poder durante os governos FHC. Esse bloco, não é o mesmo
nem na correlação das forças políticas, nem em termos de tamanho dos capitais. Entre os
governos Collor e durante os governos FHC, ocorre uma reestruturação dos grupos
econômicos nacionais (Rocha, 2013), com estes grandes grupos econômicos, se
transformando,
[...] em uma estrutura financeira de grande porte cuja inserção no processo produtivo
se caracteriza pela multiplicidade das formas de apropriação do excedente, [...] tende
a entrelaçar as redes de propriedade sobre o capital e autonomizar o capital de suas
103

determinações mais formais, transformando-o, grosso modo, em capital portador de


direitos de mais-valia. (ROCHA, 2013, P. 43).
Segundo Belluzzo & Almeida (2002), a reestruturação patrimonial defensiva dos
anos 1980, preservou a estrutura de organização capitalista baseada na especialização
produtiva. Dessa forma, saltou aos olhos de diversos autores, como Miranda & Tavares
(1999), que o processo de industrialização no Brasil, possui essa peculiaridade, de não ter
operado um processo de conglomeração.
Durante o ajuste recessivo dos anos 1980, as grandes empresas, conseguiram
lograr os mecanismos de proteção já citados, e geração de liquidez para o setor privado
durante o período de alta inflação, estes mecanismos geraram como consequência, uma maior
diversificação dos grupos econômicos. Desendividadas, com capacidade de geração de
liquidez, com uma grande quantidade de títulos públicos acumulados durante a década de
1980, estes grandes grupos puderam participar ativamente dos leilões de privatizações,
durante os anos 1990, como forma operarem uma reestruturação para uma estrutura financeira
de grande porte. Há uma correlação direta, entre o processo de privatização e a reestruturação
patrimonial dos grandes grupos nacionais, e isso tem rebatimentos no campo da prática
política das frações de classe, no processo que em nosso entendimento, configura um bloco no
poder, cuja hegemonia se dará em torno do grande capital monopolista bancário-financeiro.
No geral o processo de privatização, tem sido definido em dois períodos distintos,
primeiro nos governos Collor e Itamar Franco, as principais empresas ofertadas se concentram
no setor produtivo; no segundo momento nos governos FHC se concentram mais nos setores
de serviços e infraestrutura. A partir dos dados coletados por Rocha (2013), podemos observar
que dos grupos signatários do manifesto dos Oito em 1978, pelo menos três deles tiveram
participações importantes nos processos de privatização, são eles: grupo Votorantim, grupo
Gerdau e Grupo Itaúsa.
O Grupo Votorantim, segundo Rocha (2013), se tornou o maior grupo industrial
de origem privada da economia brasileira, tendo a frente à figura de Antônio Ermírio de
Moraes, que será onipresente nos programa de reformas nos anos governos FHC, como
veremos. Desde os anos 1970, vinha ampliando o seus negócios na área de refratários e
equipamentos pesados. Nos anos, 1980 galgou mais passos em direção a uma empresa
integrada, entrando nos ramos financeiros e agronegócio, em alguns ramos que já possuía
presença, com a aquisição de empresas de celulose, cimento e papel. Nos anos 1990, buscou
reduzir suas áreas de negócios, centralizando seus ativos em menos empresas, encerrando
suas atividades especialmente em equipamentos pesados. Sua participação nos leilões de
privatizações se concentrou no ramo da mineração e siderurgia.
104

O Grupo Gerdau, tendo a frente à figura de Jorge Gerdau, teve um crescimento


exponencial desde o II PND, sua capacidade produtiva cresceu 260% nesse período. A partir
da privatização seus ativos cresceram 800%. Sua atuação nas privatizações se concentrou no
setor de siderurgia, todavia, nos anos 1990, assim como o grupo Votorantim, reduziu sua
diversificação, e buscou concentrar seus ativos na siderurgia, adquirindo usinas siderúrgicas
no Brasil e no exterior.
Por fim, o grupo Itaúsa, distinto dos outros dois, tem sua origem no setor
financeiro, sendo um holding do banco Itaú, dentre os grupos brasileiros, fora o que passou
por um processo acelerado de conglomeração, a composição dos seus ativos assemelha-se
mais ao perfil dos grupos industriais do que ao perfil dos grupos financeiros. Adquiriu os
ativos nos setores de petroquímica.
Esses três grupos indicam, que não podemos analisar a indústria brasileira, pós-
crise da dívida externa, e durante o processo de abertura da economia, como a mesma
indústria que existia durante os seus anos desenvolvimentistas. Mas que ao contrário do que
se possa imaginar, certos grupos e setores da indústria saíram fortalecidos durante todo o
período. As privatizações não enfraqueceram esses setores, pelo contrário como mostra Rocha
(2013), serviram para consolidar sua posição hegemônica na economia brasileira.
Neste sentido, o posicionamento dos grupos econômicos brasileiros indica que,
embora a privatização não tenha correspondido a todos os anseios do empresariado
nacional, o grande capital brasileiro aproveitou a melhoria de suas condições
financeiras durante a década de 1980, para participar ativamente dos leilões,
traçando estratégias bem definidas e consolidando sua posição hegemônica em
relação a uma parte significativa da indústria brasileira. (ROCHA, 2013, p. 49)
A abertura da economia iniciada em 1991 apresenta uma nova reestruturação
patrimonial, em que os grandes grupos nacionais vão ao mesmo tempo se concentrando em
seu core-business ao mesmo tempo em que mantém a estratégia de valorização financeira de
seu estoque de riqueza (TAVARES & MIRANDA, 1999). Esse traço dos grupos nacionais,
será um elemento fundamental para compreender o bloco no poder, buscando analisar quais
setores se fortalecem e quais vão perdendo seu poder político de outrora. Serve para descartar,
o simplismo de pensar que com a abertura o Estado brasileiro tornar-se-ia um instrumento do
imperialismo, o bloco no poder, continua sendo ocupado por frações nacionais, e o Estado
atende primordialmente a esses interesses.
Nesse sentido, não podemos enxergar o programa de reformas de FHC como pura
emanação dos interesses imperialistas no espaço nacional, pelo contrário é possível dizer que
a grande burguesia brasileira era não apenas favorável, mas entusiasta do projeto de
reorganização do Estado e de abertura econômica. Todavia, o que distingue o setor industrial
105

das demais frações de classe era o timming da abertura, deveria ser feita de maneira gradual,
de modo que o setor pudesse incorporar as novas tecnologias e padrões organizacionais para
ganhar competitividade frentes às empresas transnacionais.
Depois de demarcarmos as mudanças da orientação política da grande burguesia
brasileira, resta por fim, caracterizar o bloco no poder nos governos FHC e seus interesse
prioritários para tanto, nos apoiamos nos textos de Boito Jr.(1999), Diniz (2010) e Saes
(2001).
Para Boito Jr.(1999) a política econômica neoliberal tem como grande bloco
hegemônico o grande capital monopolista, nesse sentido, uma continuidade com relação aos
anos de desenvolvimentismo, todavia, se os atores centrais da política econômica são os
mesmos, seus interesses se modificaram. De modo geral, todas as frações da grande burguesia
brasileira e do imperialismo ganhavam com a política neoliberal, mas esse ganho era desigual.
Para entender essas contradições, Boito Jr. formula para pensar a hierarquia de interesses do
bloco no poder a metáfora dos círculos concêntricos. Vejamos:
a) O círculo externo e maior representado a política de desregulamentação do
mercado de trabalho e supressão dos direitos sociais; b) o círculo intermediário
representando a política de privatização; c) o círculo menor e central da figura
representando a abertura comercial e a desregulamentação financeira. [...] Todos os
três círculos abarcam interesses imperialistas e burgueses, e cada um deles abarca,
sucessivamente do circulo maior ao menor, interesses de fração cada vez mais
restritos. (Idem, p.51)
No primeiro círculo ficam os interesses mais gerais que unificam a burguesia, na
qual todas as suas frações se beneficiam, em maior ou menor grau. No segundo circulo, o
grande beneficiário é o grande capital monopolista internacional e brasileiro, tendo em vista,
que as normas brasileiras nos leilões de privatização impediam a participação de pequenos
investidores, somente em 1997 houve uma pequena alteração, “[...] quando alguns bancos
criaram fundos de privatização que passaram a aceitar aplicações mínimas de 500 reais [...]”
(Idem, p.52). Esse segundo círculo, excluiu setores da média e pequena burguesia. Por fim, no
terceiro círculo, o mais restrito dos três, pois demarca a grande fissura do bloco no poder, os
grandes beneficiários são o imperialismo e os setores a ele associados como o setor bancário-
financeiro nacional. Essa política divide o bloco burguês porque os setores internos da
burguesia industrial podem perder com essa política econômica. Ela se constitui em um tripé
que tende a prejudicar os setores industriais: desregulamentação financeira associada a juros
altos, estabilidade monetária e abertura econômica.
Todavia, devemos demarcar as diferenças entre os industriais. Entre a grande
indústria, e os setores médios e pequenos. A grande indústria tem possibilidade de lucrar
como grande empresa, isto é, não afeta seus lucros os juros altos e taxa de câmbio valorizado,
106

porque pode lucrar com a valorização financeira do seu estoque de riqueza e tem poder de
acesso aos mercados financeiros internacionais, além disso, dada sua posição privilegiada no
mercado, também tem a possibilidade de formar joint-ventures com o capital estrangeiro
visando se internacionalizar. Já as pequenas e médias empresas não têm esses privilégios, por
isso, são as que mais sofrem com a abertura, ao longo dos governos FHC, muitas críticas
endereçadas ao governo pela FIESP e CNI partem do descontentamento destes setores,
coadunados em torno da Abidib e Abimaq, presentes nos setores das indústrias de base e de
bens de capital, que dependiam fundamentalmente do mercado interno e das encomendas de
empresas estatais. Com a abertura, sofrem com a concorrência externa e com a redução das
encomendas. A indústria, portanto, é entrecortada por essas duas áreas de um lado, os setores
mais próximos ao capital estrangeiro e ao setor financeiro; e de outro, as pequenas e médias
empresas que dependem do mercado interno.
Há ainda o fator regional, os industriais por vezes se dividem entidades patronais
de outros Estados que não São Paulo e costumavam apoiar com maior vigor a abertura da
comercial. Explica-se pelo fato de que a indústria paulista tinha um custo de mão-de-obra
mais alto que outros Estados devido ao seu parque produtivo maior. Outros Estados como os
do nordeste começavam a serem escolhidos como destinos para investimentos estrangeiros,
devido custo menor de mão-de-obra, o que provocava embates no interior dos empresários.
Não poucas vezes veremos a FIESP criticar a abertura comercial e a desnacionalização, e no
mesmo momento entidades patronais de outros Estados criticarem os paulistas. Há algum
grau de verossimilhança quando Gustavo Franco (1999) afirma que a abertura fez mais pelo
desenvolvimento regional que todas as políticas de desenvolvimento regional realizadas na
história econômica brasileira. De fato, a abertura comercial provocava uma desconcentração
regional da produção industrial brasileira, gerando embate entre os empresários.
Entre os dois governos o teor das demandas também eram alteradas, no primeiro
governo, os industriais concentravam seus esforços em prol das reformas constitucionais.
Tanto que em 1996 organizam uma marcha para Brasília para pressionar o congresso para
agilizar as reformas. No primeiro mandato, geralmente a crítica de algum aspecto da política
econômica, sobretudo, da abertura comercial, vinha acompanhado da demanda por reformas.
É possível notar este aspecto no editorial do presidente da CNI, Mario Amato, escrito antes
mesmo do início oficial do governo FHC, no qual afirma ser necessária uma trégua no
processo de liberalização comercial.
É necessária, também, uma trégua na liberalização comercial, iniciada em 1989, para
gerar-se uma nova estratégia industrial para o país, com base numa agenda positiva.
107

A indústria vem convivendo com forte pressão competitiva e devemos agora


perseguir a implementação de reformas estruturais que reduzam o chamado “custo
Brasil”. (AMATO, Mario In Revista CNI: Indústria & Produtividade, nov-dez,1994,
p. 3)
No segundo governo, começaram a criticar mais abertamente a política econômica
sem, no entanto, deixar de pressionar por reformas. Portanto, podemos dizer que a grande
demanda da indústria era a aprovação das reformas que diminuiriam o “custo Brasil”.
A indústria mantinha uma “oposição velada” à política econômica dos governos
FHC. Utilizamos a expressão oposição velada, porque na maior parte do tempo nunca foi
explícita, nunca houve uma ruptura em definitivo com a política neoliberal. Boito Jr.(1999)
aponta que o setor industrial se apresentava com um discurso neoliberal moderado, que
possuía representação no governo, controlava o ministério da Indústria e comércio, e alguns
outros representantes, como o ministro do Planejamento, José Serra, o principal mote do
grupo é moderar a abertura comercial, cujo ritmo era ditado pelo outro grupo dos neoliberais
extremados, estes representados no ministério da Fazendo e no BC, composto pelo setor
bancário-financeiro nacional e os setores imperialistas do capital financeiro.
Seguindo em linhas gerais essa interpretação, mas observando como essa
rachadura ocorria dentro do Estado, Sallum (1999) destaca que o governo FHC é cortado por
duas versões de liberalismo. Uma primeira mais doutrinária e fundamentalista chamada pelo
autor de neoliberais, os quais defendiam.
Para a corrente neoliberal dominante a prioridade era a estabilização rápida dos
preços por meio das seguintes medidas complementares: a) manutenção do câmbio
sobrevalorizado frente ao dólar e outras moedas, de forma a estabilizar os preços
internos e pressioná-los para baixo pelo estímulo à concorrência derivada do
barateamento das importações; b) preservação e, se possível, ampliação, da
“abertura comercial” para reforçar o papel do câmbio apreciado na redução dos
preços das importações; c) o barateamento das divisas e a abertura comercial
permitiriam a renovação rápida do parque industrial instalado e maior
competitividade nas exportações; d) política de juros altos, tanto para atrair capital
estrangeiro – que mantivesse um bom nível de reservas cambiais e financiasse o
déficit nas transações do Brasil com o exterior, como para reduzir o nível de
atividade econômica interna – evitando assim que o crescimento das importações
provocasse maior desequilíbrio nas contas externas; e) realização de um ajuste fiscal
progressivo, de médio prazo, baseado na recuperação da carga tributária, no controle
progressivo de gastos públicos e em reformas estruturais (previdência,
administrativa e tributária) que equilibrassem “em definitivo” as contas públicas; f)
não oferecer estímulos diretos à atividades econômicas específicas, o que significa
condenar as políticas industriais setoriais e, quando muito, permitir estímulos
horizontais à atividade econômica – exportações, pequenas empresas, etc., devendo
o Estado concentrar-se na preservação da concorrência, através da regulação e
fiscalização das atividades produtivas, principalmente dos serviços públicos (mas
não estatais). (SALLUM, 1999, P. 33)
Para Sallum (1999), essa corrente dominou amplamente a política econômica do
lançamento do Plano Real, até pelo menos a crise cambial de 1999 quando o autor encerra sua
108

análise. Tinha como representantes de dentro do governo o Ministério da Fazenda, o Banco


Central e o próprio Fernando Henrique. Para esta corrente o desequilíbrio externo não era
grande problema, o mais importante era chegar à estabilidade de preços, por isso, a
necessidade de manter apreciada a taxa de câmbio por um longo período, e com este manejo
facilitar as importações que minariam o poder dos oligopólios industriais. O desiquilíbrio
seria cobertos pelas reservas de divisas disponíveis e com o afluxo de capital externo.
Portanto, têm uma visão bastante otimista do mercado mundial, para os neoliberais, na
medida em que o Plano Real continuasse a perseguir o ajuste fiscal, contando com os juros
altos, a poupança externa cobriria o balanço de pagamentos; por outro lado, acreditavam que a
rápida abertura comercial, iria mudar o padrão de inserção da economia brasileira, integrando
os setores industriais competitivos nas cadeias globais de valor. Do ponto de vista das frações
burguesas essa corrente era apoiada pelo grande capital financeiro, os comerciais, e o grande
capital imperialista das finanças, portanto, da burguesia associada.
A segunda corrente era a liberal-desenvolvimentista,
Nele, o velho desenvolvimentismo dos anos 50 a 70 renasce sob predomínio liberal.
Nessa versão de liberalismo também dá-se prioridade à estabilização monetária, mas
a urgência com que ela é perseguida aparece condicionada aos efeitos potenciais
destrutivos que as políticas antiinflacionárias ocasionarão no sistema produtivo. Por
isso, combate-se o radicalismo dos fundamentalistas, exigindo-se um câmbio não
apreciado, para evitar déficits na balança de transações correntes (comercial e de
serviços), e juros mais baixos para não desestimular a produção e o investimento. De
outra forma: a combinação de câmbio menos valorizado e juros “razoáveis” não
permitiria uma queda tão brusca da inflação, mas provocaria menos desequilíbrios
da economia doméstica em relação ao exterior e, assim, menor dependência de
aportes de capitais estrangeiros para equilibrar o balanço de pagamentos. Este
desenvolvimentismo continua industrializante, mas seu foco ampliou-se para incluir
as atividades produtivas em geral, desde a agricultura até os serviços. Além disso, os
seus partidários não aspiram, como desejavam seus antecessores dos anos 50,
construir no país um sistema industrial integrado. Aspiram, sim, que a produção
local tenha uma participação significativa no sistema econômico mundial. No
entanto, esse desenvolvimentismo limitado pelo molde liberal apenas vê com bons
olhos formas bem delimitadas de intervenção do Estado no sistema produtivo.
Assim, dentro dessa perspectiva, são favorecidas as políticas industriais setoriais,
mas desde que limitadas no tempo e parcimoniosas nos subsídios. Tais políticas
terão por objetivo não a substituição de importações a qualquer preço mas o
aumento da competitividade setorial e, quando muito, o “adensamento das cadeias
produtivas” para desenvolver no país o máximo possível de atividades econômicas
com padrão internacional de produtividade. (SALLUM, 1999, P. 34-35)
Essa corrente tinha como representantes, o Ministério do Planejamento, e o
Ministério da Indústria e Comercio. Dentro do governo era uma corrente minoritária, bastante
fracionada, de forma que mesmo dentro dos seus representantes as críticas aos neoliberais
oscilavam no tom; alguns mais críticos, outros mais moderados. Também não havia um corpo
doutrinário, ou um projeto de desenvolvimento alternativo, suas críticas foram sendo
construídas na medida em que eram sentidos os efeitos da política neoliberal. Dentre as
109

frações burguesas que apoiavam essa corrente, também é possível notar heterogeneidade das
frações, dentre as quais: a grande burguesia industrial, setores do agronegócio, alguns setores
bancários, setores pequenos e médios da burguesia nacional; nos setores estrangeiros, certas
montadoras de veículos, que também era prejudicada pelo câmbio apreciado e pelos juros
altos. Portanto, era apoiada predominantemente, pela burguesia interna.
A partir destes elementos podemos apontar provisoriamente o bloco no poder e o
lugar ocupado pelos industriais. O bloco no poder, como consequência direta ao
neoliberalismo da política econômica tem como fração hegemônica a fração bancária -
financeira, da grande burguesia associada, apoiado pelo maior parte do imperialismo. A
função ideológica, no entanto, é ocupada pela fração industrial, esta fração, todavia, é
entrecortada por setores distintos, ao quais já foram apresentados.
A fração bancária-industrial apesar de ser a grande beneficiária das políticas
neoliberais, nem sempre toma posições de burguesia associada, em certas políticas
econômicas, modifica suas posições para uma fração interna, ao serem contrárias, dentre
outras políticas, a abertura indiscriminada do mercado bancário, temendo a competição com
bancos estrangeiros. Da mesma maneira, a fração industrial nem sempre toma posições de
burguesia interna, por vezes, setores da grande indústria, se alinham ao neoliberalismo e aos
seus representantes no governo. Por isso, devemos ressaltar que o bloco no poder não é fixo, é
dinâmico e muitas vezes modificado por políticas econômicas particulares.
Em relação aos dominados, cabe acrescentar que a política econômica neoliberal é
apoiada pela classe média, pois, barateia as importações com a valorização cambial e por
alguns setores populares, por conta da queda da inflação que melhorou o poder de compra dos
salários (Saes, 2001).
A par de todos esses elementos é possível lançar nossas hipóteses. A primeira
delas, o que divide em primeira instância o bloco no poder é a diferença entre a pequena e a
grande burguesia, mais do que as diferenças setoriais. Nesse sentido, do ponto de vista
setorial, a hegemonia estava com a fração bancária-financeira, mas do ponto de vista da
burguesia como um todo, o que marca a hegemonia é o porte do capital, por conseguinte,
certos setores industriais, sobretudo aqueles que internacionalizadas também participam da
política hegemônica, portanto, um bloco no poder que tem a hegemonia do grande capital
monopolista nacional. Segundo, a indústria vai intensificando suas críticas à política
econômica, em parte pelos efeitos da política de abertura que vai minando sua força política
devido à competição com setores estrangeiros. Todavia, ao longo dos dois governos, grandes
empresários do setor como Antônio Ermírio de Moraes, nem sempre entoam as críticas das
110

entidades nacionais, nossa hipótese que isso ocorre devido ao fato de que para os maiores
empresários industriais era mais importante estar próximo da hegemonia do bloco no poder,
do que entoar críticas de sua fração de classe. Essa distinção, talvez ocorra, devido ao fato de
que para entidades patronais como a CNI e a FIESP era necessário representar os interesses
dos industriais como um todo, incluindo setores pequenos e médios que eram os mais
prejudicados pela política neoliberal. Por fim, na medida em que em as críticas dos industriais
vão se avolumando o governo cede em alguns pontos a demandas da indústria, temendo a
força política que a fração tinha. Não poucas vezes FHC relata em seus diários na presidência
preocupações em relação ao aumento do desemprego e como entidades patronais dos
industriais utilizavam-se desse indicador para criticar a política econômica.
111

5- A política econômica da nova dependência: crescimento reprimido.


No capítulo a ser desenvolvido, serão analisadas as decisões de política econômica durante o
os dois mandato de FHC, analisando de que maneira a condução da política econômica
afetava o crescimento da economia.

5.1- A política econômica sob a âncora cambial.


Nessa primeira parte do capitulo, será analisado o desempenho macroeconômico durante o
primeiro mandato de FHC, partindo da hipótese de que âncora cambial ao mesmo tempo em
que cumpria o papel de permitir a estabilização monetária; criava impedimentos para o
crescimento da economia.

5.2 – O câmbio flutuante: a política econômica do segundo mandato.


Nessa segunda parte, o objeto será as mudanças no tripé macroeconômico durante o segundo
mandato, e como essas mudanças impactaram no crescimento da economia.

5.3 – A indústria sob a economia-política do Real.


Nesta última parte, a análise focará no desempenho da indústria durante os dois mandatos de
FHC, buscando compreender quais as mudanças estruturais ocorreram durante o período.
112

6 – Os industriais e sua atuação política nos governos FHC.


Esta terá como foco, as posições políticas, demandas e interesses dos industriais durante os
dois mandatos de FHC.
113

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