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no Direito Penal
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Mito e Razão
no Direito Penal
Produção Editorial
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Introdução .................................................................................................. XV
O Mito ............................................................................................................. 1
1.a A cultura .................................................................................................. 1
1.a.1 Entre positivismo e naturalismo ......................................................... 3
1.a.2 A cultura como linguagem ................................................................. 4
1.a.3 A cultura a partir do Mito ................................................................. 5
1.b Campbell e a visão do mito ...................................................................... 6
1.c Mito como medium cultural ..................................................................... 8
1.d Mito, símbolo e cultura .......................................................................... 11
1.e Mito e transcendência ........................................................................... 12
1.f Conclusão ............................................................................................... 14
A Razão ......................................................................................................... 17
2.a A Cultura racional ................................................................................. 17
2.b Hegel e a Razão ...................................................................................... 17
2.c Da Crítica da Razão ............................................................................... 19
2.c.1 Razão antes da crítica – a dominação racional ................................ 19
2.c.2 A crítica de Kant .............................................................................. 21
2.c.3. Schopenhauer crítico de Kant ........................................................ 23
2.c.4. Marx e a crítica da razão: a verdade econômica ............................. 24
2.d Conclusão ............................................................................................... 26
A racionalidade dos sistemas sociais ......................................................... 29
3.a A racionalização do direito penal:
sistematização da teoria do delito ................................................................ 31
3.a.1 Hans Welzel e a doutrina da ação finalista ...................................... 32
a) Ação final e tipicidade ......................................................................... 34
b) Ação final e antijuridicidade ................................................................ 34
c) Ação final e culpabilidade .................................................................... 35
3.a.2 Claus Roxin e a ação personalista .................................................... 36
a) Ação como “manifestação da personalidade” ........................................ 37
b) O enlace pelo conceito de ação pessoal ................................................. 37
XIII
XIV
Batatas.
Esta parece uma palavra bastante inadequada para a abertura de um estudo
– pretensamente científico – em matéria jurídico penal, correto?
Talvez fosse melhor começar por “Estado Democrático de Direito”.
É muito mais profundo, muito mais jurídico, muito mais adequado. Não
há, contudo, um grande teórico da sociedade o qual alegou que uma crise na
produção de batatas motivou uma das maiores revoluções responsáveis – di-
reta e indiretamente – pela construção daquilo que hoje se compreende por
Estado Democrático de Direito?
Está, pois, justificada a presença da palavra “batatas”. A palavra batatas
pode ser uma palavra científica, jurídico-penalmente relevante para a construção
de uma análise crítica do conceito de ação tal qual utilizado pela doutrina – como
tentamos realizar aqui.
A palavra continua, contudo, com ares de inadequada para o assunto. Es-
tranho é que a própria palavra “adequada” teve também de se adequar ao jogo da
ciência jurídico-penal. Não há, mesmo, nada de errado em pensar que um crime
pode ser socialmente adequado? E esta é, não obstante, uma das maiores constru-
ções doutrinárias do século XX: não a adequação social em si, mas a adequação da
própria palavra adequado para que a teoria da adequação social se tornasse acei-
tável, juridicamente relevante, enfim, aplicável e adequada.
Talvez seja da natureza linguística do vernáculo afirmar que um crime é
algo socialmente inadequado – não por menos é um crime. Mas, após eficientes
construções doutrinárias, não mais. Uma ação que tem tudo para entrar nas ca-
tegorias de um crime pode muito bem ser adequada.
Não se trata de pensar em uma mentira sobre o crime ou sobre o conceito
de adequação, mas se trata, isso sim, de construir o novo a partir de conceitos já
dados, a partir de vocabulários já sedimentados que passam por transformações
semânticas radicais.
O mesmo ocorreu – e este processo ainda não se encerrou – com o vocábulo
ação. De algo que era necessariamente pensado como físico-biológico, oposto à omis-
são, passamos a teorias mais sutis, que demandam grande elaboração conceitual e te-
órica para aliar as noções de finalidade, personalidade, comunicação ou sentido à “ação”.
As batalhas acadêmicas travadas na definição do conceito de ação são, pre-
cisamente, acadêmicas; mas, nem por isso, deixam de ser reais. O que se retarda
– e isso é inegável – é o tempo para que tais formulações influenciem a prática
forense, o cotidiano jurídico penal, o tempo até que se torne algo natural afirmar
XV
XVI
1 No mito de Édipo, a resposta que daria cabo ao enigma apresentado ao personagem pela Esfinge era, jus-
tamente “o homem!”. E, então, se matava a Esfinge.
XVII
1.a A cultura
Um dos brocados latinos a que frequentemente recorrem os juristas é ubi
societas, ibi jus1, ou seja, “onde está a sociedade, ali está o direito”.
Apesar de dificilmente contestável, este brocado traz consigo o risco de um precon-
ceito injustificado: o de olhar a sociedade unilateralmente pelo ponto de vista do direito,
como se houvesse uma simbiose exclusiva entre direito e sociedade.
Por esta razão, o brocado estaria também correto se dissesse que onde está a
sociedade, ali está o direito, a política, a arte, a religião entre outros.
De modo bastante genérico, costuma-se chamar o direito, a política, a arte,
a religião de “fenômenos culturais”.
De extrema importância para a Teoria do Direito, a definição de “cultura”,
“mundo cultural” ou “fenômeno cultural” é controversa. Para Reale (1998), o
Direito é um fenômeno cultural que pertence ao quadro das formulações éticas
da sociedade, mas difere de demais tipos de normação pelo seu caráter estatal,
regulador e preocupado com o “bem comum” da sociedade2.
A cultura é geralmente apontada como aquilo que é típico da produção hu-
mana em contraste com o natural, aquilo que o homem partilha com os demais
animais. Essa divisão entre o “cultural” e o “natural”, entretanto, varia no correr
dos séculos de acordo com a visão filosófica que se adote.
Para Marx (2007), pensador do século XIX, por exemplo, a realidade da
existência é material e histórica3. O que move a história, para o pensador, é o
movimento dialético dos contraditórios que surgem entre as classes econômicas
que se opõem (ex: burguesia/operariado). Para Marx, essa realidade móvel cria
verdadeiros fantasmas para tentar se justificar, para tentar mascarar o jogo dialé-
tico de dominação/submissão, tratam-se das “ideologias”.
1 Conferir Camargo, Tipo Penal e Linguagem, (1982), p.73: “Desta forma, o fenômeno jurídico surge ligado
ao fenômeno social, dando margem à aceitação da veracidade do postulado ubi jus, ibi societas; ubi societas,
ibi jus”.
2 Conferir Lições Preliminares de Direito, (1998), p. 39 e ss.
3 Lévinas, (2009), critica implicitamente o posicionamento de Marx ao denunciar que o materialismo busca
o “sentido único do ser” (p. 39- 42), enquanto que, para o autor, “não haveria totalidade [mesmo que ma-
terial] do ser, mas totalidades”, de modo que o que em Marx é mera ideologia, em Lévinas, “as significações
culturais, com seu pluralismo, não traem o ser, mas que, com isso, se elevam à medida e à essência do ser,
isto é, à sua maneira de ser” (p. 39). Mais sobre ideologia será desenvolvido nos capítulos seguintes.
4 Althusser (1980, pp.25-6) faz, contudo, a ressalva: “a superestrutura comporta em si mesma dois ‘níveis’
ou ‘instâncias’: o jurídico-político (o direito e o Estado) e a ideologia (as diferentes ideologias, religiosas,
moral, jurídica, política, etc)” (grifo do autor). Vemos que Althusser preocupa-se com certa aplicabilidade
mais imediata do jurídico e do político, atribuindo-lhes uma “instância” especial em sua leitura de Marx,
ainda assim, qualifica ambos como “ideologias” no mesmo sentido que a moral e a religião. Não à toa, o
Direito é, para Althusser tanto um instrumento do aparelho repressivo do estado (aquilo que a crimino-
logia usualmente chama de “controle social formal”), quanto um Aparelho Ideológico do Estado, como
parte da “sociedade civil”, mas que integra o Estado.
5 Isso não se confunde com o conceito de “abstração real”, que fora necessário ao filósofo quando trabalhou,
sobretudo, com temas como a economia política e a natureza do capital, para dar um exemplo. Habermas,
in Teoria de la Acción Comunicativa (2010), desenvolve aspectos desse conceito marxiano.
6 Lembramos que tal separação mantém-se enquanto mantiver-se a história, no tempo pós-histórico não há
por que haver ideologias, de modo que haveria uma “fusão” entre o super e o infraestrutural.
7 Ressaltamos que este monismo não quer dizer que temos simples acesso à Vontade por qualquer represen-
tação, na verdade, é o distanciamento da essência das coisas que origina o pessimismo de Schopenhauer.
A “natureza”, a “arte” e a “ética”, não obstante, podem ajudar a chegar às coisas em si através das repre-
sentações mais puras.
8 “Há, nos ensaios [de Max Horkheimer] da década de 30, a noção, que ressurgiria na década de 70, de que
existe ‘um sofrimento da natureza circundante’ que afasta Horkheimer da idéia de Marx de um metabolismo
entre o homem e a natureza, que nos Manuscritos Econômico-Filosóficos se traduz na ‘naturalização do homem
e no humanismo da natureza’”, Olegária Matos, in Max Horkheimer, Teoria Crítica I, (2008), p. XXI.
9 Lembramos que o materialismo que baseia filosoficamente a teoria de Marx não impede que o seu
naturalismo torne-se um naturalismo submetido a uma análise cientificista, como um positivismo
naturalista (economicista).
10 A justiça não é vista como um ente abstrato solto na natureza. Para Schopenhauer existe efetivamente
justiça em termos metafísicos, mas ela se origina no homem.
11 Paradoxalmente, note-se, esta fé no alcance do verdade pelo cientifico-positivamente verificável recai,
facilmente, em metafísica. Cf. Horkheimer, Materialismo e Metafísica in Teoria Crítica I, (2007).
12 Cf. Lévi-Strauss, Estruturalismo e Crítica, 1968, p.393: “em antropologia, como em lingüística, o método
estrutural consiste em descobrir formas invariantes no interior de conteúdos diferentes”.
13 “Linguagem do direito” não se refere aqui meramente ao uso de uma língua específica pelo direito, mas
aproxima-se mais da noção de “sentido” do Direito (Sinn), pois, para Luhmann, a linguagem não é sistê-
mica – a mesmo nível que a comunicação – e os processos intra-sistêmicos são, como explicamos a seguir,
comunicacionais, mas pré-linguísticos.
14 Esta será aprofundada ao longo do trabalho, cf. capítulos 3 e 9, especialmente.
15 Ressaltamos que esta visão da linguagem é recente, e está relacionada com o nascimento da lingüística es-
truturalista tal como apresentada por Ferdinand de Saussure no início do século XX. A linguística saussuria-
na permitiu enxergar, pela primeira vez, a linguagem (mantendo uma divisão estrutural entre língua, como
sistema abstrato, e fala, como concretização da língua) como objeto de estudo de uma ciência específica.
16 Parece-nos, por exemplo, ser o detalhe que desapercebeu Ernst Cassirer em seu excelente ensaio
Linguagem e Mito (1992), em especial, pp. 15-32.
17 No mesmo sentido, Habermas (1997, p.12): “Ora, a crítica da razão é obra dela própria: tal ambiguidade kan-
tiana resulta de uma ideia radicalmente antiplatônica, segundo a qual não existe algo mais elevado ou mais
profundo ao qual possamos apelar, uma vez que , ao chegarmos, descobrimos que nossas vidas já estavam es-
truturadas linguisticamente”. A noção de estrutura aqui, no entanto, não pode mais ser vista como a entendia
Saussure, porém como uma rede de gêneros de discursos parcialmente estáveis, como explicado infra.
18 Tanto Thor como Zeus são deuses, em seus respectivos “habitats”, os quais possuem o poder de lançar
raios, o primeiro com seu martelo e o segundo com seu cetro.
19 De acordo com a lenda, o rio Amazonas nasceu das lágrimas da Lua, uma vez que esta foi separada de seu
amante, o Sol.
20 Como se pode perceber, Campbell trabalha com conceitos da psicanálise de C. G. Jung. Para o
psicólogo “Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do
inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos”, grifos do autor, in Jung, Os Arquétipos
e o inconsciente coletivo, (2000), p.53.
21 Os Onis e demais demônios japoneses não podem ser vistos à luz da concepção ocidental nem médio-
-oriental de demônio. Os demônios japoneses não são necessariamente maus, aproximam-se mais dos
“duendes” travessos das lendas européias, ou do nosso Saci pererê, como acima defendemos. A relação da
cor vermelha do gorro e do calção do Saci e do vermelho onipresente na representação dos demônios é
um dos indícios do personagem arquétipo.
22 Não confundir Palas Atena com Têmis. Têmis era uma Titã grega (anterior aos deuses, na ordem mitoló-
gica) da qual se especula uma possível origem mesma de Atena. Há uma outra versão da lenda, mais co-
nhecida, segundo a qual Atena é filha partenogênica de Zeus e já nasceu “armada até os dentes”, oriunda
da cabeça do pai.
23 Ferraz Junior, em sua Introdução, faz uma bela perspectiva das diferenças entre a deusa Iustitia dos romanos
– que segurava, com as duas mãos, uma balança com fiel bem no meio, e estava de olhos vendados – e a
Atena (Diké) dos gregos que portava uma balança na mão direita (sem o fiel no meio) e uma espada na
mão esquerda, além disso, ela estava “de olhos bem abertos” (2007, p.32).
24 Escolhemos Atena, pois nos interessamos com o direito grego clássico, que mais influenciou a nossa con-
cepção moderna de direito graças a uma preocupação socrático-platônica com a noção de “justiça”, a
realização do direito da Grécia arcaica (relacionada a Têmis) não foi de grande influência para a nossa
concepção de direito (ressalvamos que a imagem de Têmis passou a ser recuperada pelo neoclassicismo
como um ideal humanista de justiça).
25 Nas histórias homéricas, Atena aparece aconselhando Zeus, mas também ajudando os gregos contra os
troianos. Não será possível enxergar nisto uma “legitimação” da noção ateniense de cidadania altamente
seletiva e excludente?
26 Esta legitimidade última não é, necessariamente, a legitimidade primeira, presa a um sentido de origem
que remete a um passado originário efetivo. O mito, como explicamos abaixo evolui historicamente, muta
e muda-se, transforma-se, sendo que a cada vez torna-se uma nova fonte legitimadora, em compasso com
o ritmo da sociedade. Legitimidade última no sentido de denominador comum, no sentido de última fonte
comum de sentido entre os ramos da cultura, capaz de incluir ou de excluir.
27 O saber mitológico estava, obviamente, relacionado com a permeabilidade religiosa das antigas socieda-
des, mas não era completamente dependente deste, enfim, não era necessário ser o Oráculo de Delfos para
saber que Atena era a deusa da justiça e que Dionísio era o patrono das festas.
10
11
28 Castoriadis chega ao “imaginário coletivo” a partir da psicanálise estruturalista de Lacan, sem deixar de
retornar a Freud e, até mesmo, a Kant, no sentido de um “imaginário categórico”.
29 É importante lembrar que o simbólico não se reduz ao linguístico, e, portanto, se a língua não pode ser “de-
nominador comum” da cultura, por outro lado, o simbólico (incluindo, aqui, elementos não lingüísticos)
não pode ser a estrutura da cultura.
12
30 Ver nota 8, supra. A crítica da linguagem por meios que se utilizam dela própria é uma conseqüência da
radical crítica da razão de Kant, a qual se origina da própria Razão.
13
1.f Conclusão
A análise do Direito, enquanto um ramo da cultura, pode ser feita a partir
de dois pontos de vista, lato sensu. O primeiro é o ponto de vista positivista, para
o qual demos como exemplo, a análise economicista de Marx que reduzia todos
os problemas culturais a um filtro comum e positivo: a análise econômica31. O
segundo é a análise que se pode fazer a partir de um naturalismo fundamentado
em uma teoria metafísica da existência e que reduza os problemas culturais a
suas categorias onipresentes, para o qual demos o exemplo de Schopenhauer e
seu pessimismo metafísico.
A inserção, contudo, do paradigma da linguagem, permitiu a Habermas
uma análise que não ficasse entre os extremos do positivismo e do naturalismo.
Sua análise nos leva a entender que a cultura está estruturada linguisticamente e
que as ações sociais dependem de um suporte comunicativo.
A noção de linguagem como estrutura da cultura não nos leva a adotar
o ponto de vista estruturalista, pois não pretendemos reduzir a análise jurídica
ao método saussuriano de estudo da estrutura; nos leva, tal noção, ao ponto de
vista de Bakhtin, para quem a linguagem não existe em uma estrutura supra-so-
cial que se desenvolve anacrônica e sincronicamente. Para Bakhtin, a linguagem
existe, porém, em “enunciados concretos” na vida real, os quais tomam lugar no
“diálogo”32 e alternam sua existência com a alternância dos falantes concretos.
31 Lembramos que não é correto dizer que todo marxismo é economicista, pois nos referimos principalmente
ao próprio Karl Marx e, diga-se, ao “velho Marx”, como pensam Luckács e Arendt. O próprio marxismo
após Luckács é conhecido por sua (re)hegelianização, ou seja, pela re-inserção de um aspecto plutôt filo-
sófico que econômico (e, na sua esteira, poderíamos colocar tanto as vertentes existencialistas marxistas
[Sartre] como as vertentes críticas [Escola de Frankfurt]).
32 Ressaltamos que “diálogo” para Bakhtin é um termo que se aproxima muito da noção de comunicação,
e não fica restrito ao diálogo falado, nem mesmo ao diálogo entre duas ou mais pessoas. Para Bakhtin
14
toda expressão comunicativa está inserida em um contexto maior, o qual é dialógico, pois sempre existe
enquanto “réplica” a algo que já foi dito ou, pelo menos, baseia-se em um gênero do discurso comum a
todos. Não existe, para Bakhtin, fala Adâmica.
33 Retornando ao exemplo da suástica, assim que este símbolo, no pós-guerra, passou a ser imediatamente as-
sociado não somente ao Nazismo, mas às próprias ações nazistas (genocídio, juventude hitlerista, invasão de
Paris, etc), de um modo bastante geral; assim que passou a ser o próprio símbolo da Segunda Guerra Mundial,
a suástica passou também a ser um próprio referente das diversas histórias que ocorreram na Guerra, e nas
quais ela é também um “personagem”. Ao se ver a suástica, lembra-se de histórias nas quais ela é apenas uma
parte, e não mais o todo simbólico. Neste ponto quase antinômico fica clara a dialética símbolo-mito, pois na
“reserva de sentido” da suástica, no seio da sua representação, começam a aparecer os traços de narratividade
15
típicos do mito e não do símbolo. Por outro lado, a participação constante da suástica em histórias da S.G.M.
foi o ponto de partida essencial para que esta se tornasse o símbolo destas histórias.
16
34 Seria igualmente insensato afirmar que as poucas linhas que seguem dão conta da extensa filosofia hegelia-
na, sequer de sua Fenomenologia, frisamos, contudo, que estas afirmações não são mais que um breve olhar
oblíquo sobre a filosofia do “evangelista do Absoluto”.
35 Para Hegel, “a razão é agir conforme a um fim” (HEGEL, 2008, p.39, grifos do autor).
17
36 Heidegger faz, nos penúltimo parágrafo de Ser e Tempo uma digressão sobre o conceito de tempo em Hegel.
De acordo com Heidegger, Hegel entende o tempo de maneira aristotélica e, pois, como uma sequência
de “agoras”, que resumem a única verdade do tempo o qual faz o “nada tornar-se ser” e o “ser tornar-se
nada”, que é o próprio devir. Hegel dilui, ainda, o próprio espaço no tempo, e, em uma análise, é radical ao
assimilar o próprio Espírito ao tempo, em uma relação não muito clara, que se firma em uma “negatividade
absoluta” que seria comum a ambos. Cf. Heidegger, Ser e Tempo, (2010), pp. 526-532.
37 Como Hegel explica no prefácio da Fenomenologia, contudo, lembramos que as “etapas” não são descartá-
veis, pelo contrário, o espírito deve “demorar-se nelas”, Hegel, Fenomenologia..., (2008).
18
38 “Imeadiata” porque no absoluto o saber conceitual se basta e não precisa de outro meio a não ser si mesmo,
já que, também, no saber absoluto conceito e coisa mesma não são diferenciáveis.
19
20
39 Ver os comentários de Habermas acerca desta peculiar obra, Das Andere der Vernunft (de BÖHME H. &
BÖHME G, Frankfurt, 1983), em Discurso Filosófico da Modernidade, 2002.
40 Assim como Copérnico mostrou que não é o Sol que gira em torno da Terra...
41 Tradução livre: aquilo que provavelmente é a natureza dos objetos considerados como coisas-em-si e sem
a interferências de nossa recepção pelos sentidos é algo desconhecido para nós. Não sabemos nada além
daquilo que sabemos pelo nosso modo de percebê-las.
42 Tradução livre: Pareceu-me, antes, necessário negar o conhecimento para dar lugar à fé.
43 “Time is not something which subsists of itself, or which inheres in things as an objective determination,
and therefore remains, when abstraction is made of the subjective conditions of the intuition of things.”
in Kant, The Critique of Pure Reason, 1958, p. 27. Tradução livre: O tempo não é algo o qual subsista por si
próprio, ou que seja inerente às coisas como uma determinação objetiva e assim permaneça, quando uma
abstração é feita das condições subjetivas da intuição das coisas.
21
44 Esta noção de autonomia é muito importante, até hoje, para as formulações jurídicas. Cf. Jurgen Habermas,
A Ética e da Discussão e a Questão da Verdade, 2007.
45 Há, ainda, a faculdade de julgar, vista à parte da razão pura e da razão prática.
46 Eis a origem das triviais refutações das teorias hegelianas e kantianas da Pena por serem elas “teorias
metafísicas”. Esta critica, muitas vezes precipitada, é consequência do desconhecimento do projeto maior
da filosofia kantiana, qual seja reunir física e metafísica sem usurpar os limites da razão e de seu entendi-
mento. Certamente, a problemática da utilidade social de se seguir a ditames formais da razão permanece
uma crítica válida, por exemplo, na (falta de) utilidade da pena no famoso exemplo da ilha.
22
23
48 Ou afirmam, no máximo, uma transcendência do fenômeno em busca da verdade que seria a Vontade.
49 Cremos que a metafísica da morte de Schopenhauer é uma preparação para a filosofia do “eterno retorno
do mesmo” de Nietzsche.
50 A noção de que a Vontade é o único objeto passível de conhecimento real pode ser ista como uma precur-
sora do conceito de Libido e de Pulsão de Morte, em Freud.
51 Cabe ressaltar que Hegel fora, ele próprio, um crítico de Kant. Em sua Enciclopédia (Vol I, 1995, pp. 107 e
ss.) Hegel aponta que Kant estava certo ao destacar que é preciso estudar a ferramenta do conhecimento
e não só o conhecimento em-si, mas que, ao propor isso, o filósofo de Königsberg não teria vista que o
conhecimento sobre as ferramentas do conhecimento é nada mais nada menos que um conhecimento em
si, ou seja, tais ferramentas se tornam objeto do conhecimento também. Daí a conhecida e bem humorada
crítica de Hegel a Kant: “logo se insinua [...] o equívoco que consiste em querer conhecer já antes do co-
nhecimento, ou em não querer entrar n’água antes de ter aprendido a nadar. Esta crítica, Hegel adicionou
em re-edição à Enciclopédia, reedição onde também fez questão de afirmar que: “atualmente se chegou
além da filosofia kantiana, e cada um quer estar mais longe. Estar mais longe, porém, se dá de dois modos:
há um mais-longe para frente e um mais-longe para trás. Muitos de nossos esforços filosóficos, olhados à
luz, não são outra coisa que o procedimento da velha metafísica, um pensar-passado acrítico, tal como foi
dado precisamente a cada um” (p. 109) – reconhecendo, assim, todo o potencial crítico (mas não absolu-
to) da filosofia de Kant.
24
25
2.d Conclusão
A razão surge na consciência do homem, visto tanto individual como so-
cialmente. Sua existência é predominantemente simbólica e sua reprodução é
também a reprodução da própria cultura, a qual não possui somente momentos
no inconsciente (individual ou coletivo).
Aproximamo-nos da noção hegeliana de Razão, por ser esta histórica e por
tentar englobar os momentos individuais e universais de representação, em busca
de uma verdade absoluta, visto que “o todo é o verdadeiro” (HEGEL, 2008).
Para Hegel a razão não pode ser vista em abstrato, pensada fora do desen-
volvimento do Espírito humano, localizado historicamente e que se movimenta
de modo dialético. Este movimento dialético mesmo permite ao fenomenólogo
acompanhar o desenvolvimento primário do Espírito, qual seja a consciência sen-
sível das coisas, ao momento de consciência de si do próprio Espírito, no qual o
saber se desenvolve conceitualmente e não há separação entre sujeito e objeto,
mas somente o “todo imediato”.
Este todo, porém, não pode ser simplesmente dado, pois seria ilusório. É ne-
cessário tomar conhecimento das fases mediatas de desenvolvimento do espírito
para se poder, em última instância afirmar, por exemplo, que A=A.
52 Um exemplo marcante deste deslocamento da razão na obra de Marx é a da produção das primeiras legis-
lações fabris e de proteção aos trabalhadores no contexto da revolução industrial inglesa, conferir MARX,
Karl. O Capital – Livro I, Vol. I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, pp. 540-545.
26
27
53 Vale lembrar que Luhmann emprega vários termos oriundos da Biologia, inclusive, o termo autopoiese,
desenvolvido pelas pesquisas do biólogo Maturana, sobretudo.
54 A mudança é vista, já em Nietzsche, como seleção, como prevalência de novas forças. Novas, porém,
de maneira duplamente redundante, não somente porque o “sistema” nietzscheano é cíclico (o círculo
é o símbolo do eterno-retorno) mas também porque o ciclo gira em torno do mesmo que se perpassa a si
próprio, negando, assim, toda transcendência além de si-próprio.
29
55 Teubner, em Direito Como Sistmea Autopoiético, fala em Hiperciclo, que seria um estágio posterior à auto-
poiese em que os sub-sistemas autopoiéticos constituintes do Direito (doutrina, legislação, entre outros)
inter-relacionam-se ciclicamente gerando um processo de constante auto-atualização do Direito.
56 O contato seria um exemplo de acoplamento estrutural entre Direito e Economia.
57 Lembramos que a racionalidade-com-respeito-a-fins é a própria noção de “ação racional” de acordo
com a perspectiva Hegeliana. Ou seja, o sistema de Luhmann é cego como o eterno-retorno-do-
-mesmo de Nietzsche ou como a Vontade, de Schopenhauer, mas atua, em cada caso, positiva e racio-
nalmente, como o Espírito Hegeliano, porém não de maneira a buscar a sua emancipação (pois é cego)
mas de maneira fria, o que Habermas e a Escola de Frankfurt teriam chamado de “razão técnica” ou
“administrada”, “razão-com-respeito-a-fins”. Contra esta concepção crítica da autopoiese Neves faz
uma ressalva em sua nota.
58 A temática habermasiana foi trabalhada acima, no cap. 1. para detalhes, porém, consultar a obra de Neves
(2008) e as obras específicas dos autores em questão.
59 Adotaremos, aqui, o termo “racionalização”.
60 Já Durkheim teria constituído uma teoria da “consciência social”, mas Adorno nos alerta para não criar-
mos conceitos nominalistas presos aos significados ideais, pois em sociologia (uma ciência fada à historici-
dade) a idealidade de tais concepções estaria destinada ao erro (ADORNO, 2008).
61 É especialmente o caso a partir do sistema welzeliano. É muito fácil abstrair, porém, que a imputação
objetiva, enquanto pedra fundamental da teoria do delito nos sistemas funcionalistas, é a base das próprias
teorias do Direito Penal (incluindo a Penologia e até mesmo aspectos criminológicos) que seguem uma
orientação funcionalista, como em Roxin ou em Jakobs.
31
32
62 “O neokantismo tardio de Bruno Bauch e Richard Hönigswald já havia destacado [...] o princípio supremo
de todos os juízos sintéticos de Kant, de que ‘as condições da possibilidade da experiência são ao mesmo
tempo condições da possibilidade dos objetos da experiência’. Disto se deduz que as categorias do conhe-
cimento são também categorias do ser, isto é, que não são apenas categorias gnosiológicas, mas (de modo
primário) categorias ontológicas. Era a isso que me referia com a palavra ontológico (...)” in Hans Welzel, O
Novo Sistema Jurídico-Penal, (2009), p. 9. Percebe-se certa relação com a noção de “círculo hermenêutico”
cunhada por Heidegger e ampliada por Gadamer, a qual contava com as categorias prévias do entendi-
mento humano como sendo ontológicas, como sendo as possibilitadoras da percepção do ser no mundo,
ou seja, da consciência de seu próprio Dasein para, então, possibilitar as demais análises do mundo, graças
ao contato com a linguagem. As semelhanças entre o ontologismo de Welzel e o ontologismo filosófico,
porém, são mais aparentes que essenciais, retornaremos a este ponto abaixo.
33
63 Além de pressupor e defender o livre-arbítrio, Welzel assume uma antropologia aristotélica ao ver o pensa-
mento do homem como capaz de prever o resultado de suas ações graças à capacidade de ordenar o fluxo
causal das coisas, de modo prévio, na mente, no que se baseia, justamente, a finalidade.
64 É comum ler, entre os finalistas, que ocorre um “recorte da realidade fenomenológica”
34
Na maioria das vezes eles são utilizados indistintamente [os conceitos de anti-
juridicidade e o de injusto], o que, em geral, não é prejudicial. Em alguns casos,
porém, pode dar lugar a confusões. A antijuridicidade é mera relação (uma
contradição entre dois membros de uma relação); o injusto é, ao contrário,
algo substancial: a conduta antijurídica em si. (WELZEL, 2009, p. 58).
Assim, a ação final que realiza uma conduta prevista no tipo (recorte da re-
alidade fenomênica) é, justamente, um injusto e este injusto é pessoal65.
35
66 Assim afirmamos pois é fácil pensar em casos de inexigibilidade de conduta diversa em que a condição
psicológico-subjetiva do agente pouco importa para configurar uma situação de exceção na qual, justa-
mente, não se exige uma conduta diversa à tipificada e antijurídica.
67 Tradução livre: um genus proximum ao qual se conectem todas as precisões concretas de conteúdo enquan-
to differentiae specificae.
68 Tradução livre: Deve atravessar todo o sistema jurídico-penal e constituir, de certo modo, sua coluna
vertebral [...], “elemento de enlace ou união”.
69 Tradução livre: eventos causados por animais, atos de pessoas jurídicas, meros pensamentos e atitudes
internas [...].
36
70 Tradução livre: É ação tudo o que se pode atribuir a um ser humano como centro anímico-espiritual de ação.
71 Tradução livre: Não são dominados ou domináveis pela vontade e pela consciência e, portanto, não podem
ser qualificadas como manifestações da personalidade, nem imputadas à esfera anímico-espiritual da pessoal.
37
72 Tradução livre: Tal conceito [de ação pessoal] designa o substantivo a que se podem vincular sem força, já
que foram preconcebidas por ele, todas as demais valorações jurídico-penais.
73 A “organização do comportamento” e a “evitabilidade pessoal” não se confundem, a abrangência desta
última, porém, ou de “conceito negativo de ação” pode simplesmente abarcar de modo indiferenciado a
organização do comportamento já somado com o momento da imputação o que dificulta o trabalho.
38
Assim sendo, para o sistema de Jakobs, a ação, desde que vista como “to-
mada de postura significativamente relevante”, ou seja, enquanto processo co-
municativo, continua sendo o foco da análise do Direito Penal, e o processo de
imputação que culmina na responsabilização individual (idem, ibidem) vai de-
pender do “esquema de interpretação” comum da sociedade, qual seja, as normas
de Direito Penal positivas.
Ressalte-se que a ação somente continua sendo relevante se não entendida
como no sistema finalista ou como oposição simples à omissão (JAKOBS, 2003b).
De tal forma, a “tomada de postura” enquanto ação responde por todos os
antigos critérios duais da Dogmática Penal: ação e omissão, dolo e imprudên-
cia, etc. Note-se, também, que o sistema de Jakobs guarda certa ligação com a
filosofia do direito de Hegel, mas como uma releitura comunicacional, ou seja,
Jakobs apóia-se em Hegel, mas efetua a guinada para a teoria da comunicação,
em parte seguindo a intuição de Welzel, no que depende, parcialmente de Luh-
mann e da teoria dos sistemas.74
Podemos então dizer que, também para Jakobs, o conceito de ação é primor-
dial e, enquanto unidade conceitual das categorias do direito penal enquanto cri-
tério de análise de um mudo interligado comunicacionalmente (análise biociberné-
tica), é o centro do desenvolvimento da Dogmática Penal e de sua racionalização.
3.b Conclusão
Se, por um lado, a sociedade depende do inconsciente para seu desenvolvi-
mento por meio da atuação dialética entre mito e símbolo, por outro, ela se desen-
volve racionalmente por meio do desenvolvimento moral e da apropriação de valores
universalistas que possuem como base a ação comunicativa (Habermas) ou, por meio
do desenvolvimento enquanto aumento das possibilidades de comunicação que o sis-
tema social gere com a funcionalização de sub-sistemas específicos para diminuição
da complexidade (abstrata) o que aumenta a complexidade (concreta – Luhmann).
Este processo de racionalização afetou todos os sistemas sociais e seus subsis-
temas também. No caso do Direito Penal, pudemos ver que tanto Welzel, quanto
Roxin e Jakobs atribuem um papel especial na dogmática para a “teoria da ação”,
74 Ressalvamos que o entrelaçamento entre e Jakobs e Luhmann é limitado, como será abordado mais a frente.
39
75 Dizemos, ainda, pois relembramos que Roxin, no começo de carreira, não queria trabalhar com o conceito
de ação e dizia ser ele desnecessário. Não é mais essa a realidade de sua teoria já há algumas décadas.
40
76 Fracasso, entendido aqui, como adesão de pessoas às teses e, não necessariamente, alcance último da
verdade. Isso, bem entendido, no quadro filosófico alemão, e não europeu. Na Alemanha muitas ideias
de Husserl foram assimiladas, mas por pensadores que não poderiam se dizer “fenomenólogos”, como
41
Heidegger, Gadamer, Luhmann e outros. Na França, porém, é a fenomenologia que embala um diálo-
go com o estruturalismo lingüístico, quer opondo-se a ele (Sartre, Merleau-Ponty), que unindo-se a ele
(Derrida), quer estabelecendo diálogos plurais (Ricoeur).
77 O sujeito fenomenológico entra, sim, em contato com a história, mas a radicalidade de ser ele o fundamen-
to da consciência é uma categoria a-histórica.
42
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44
79 Apesar de Habermas afirmar, em inúmeras passagens que Adorno e Horkheimer não conheceram a
guinada linguística, eles parecem-nos terem sido bem conscientes quanto ao aspecto mutável e influen-
ciável dos signos, por uma diferença que não remete, necessariamente, à realidade do mundo, das coisas, à
realidade extra-linguística.
80 Ou, como dizem os autores, o preço que se pagaria se algo fosse idêntico a tudo é que nunca seria idêntico
a si mesmo. Para que o homem conheça “a natureza” é preciso que se afaste dela, que crie entre ele e ela
uma relação de ascese e distanciamento que é o início da “objetividade e neutralidade científica” e que
negam a pequena verdade de que “eu sou um bocadinho de natureza” (conhecido aforismo de Adorno).
81 Cf. item 2.c.2 e seguintes, deste trabalho.
82 Fatalismo no sentido profético, no sentido de que o futuro já está determinado, de que “não há nada de
novo sob o sol” (v. ADORNO, HORKHEIMER, pp. 19-25).
45
46
83 Esta ideia, aparentemente, os autores adotaram de Lucácks e sua “Teoria do Romance”; cf. LUCÁCKS,
Georg. A Teoria do Romance. São Paulo: Editora 34, 2000, pp. 55 e ss.
47
84 Ressaltamos que, apesar do efeito da frase, a astúcia está em planejar a perda, comensurá-la, para previa-
mente impossibilitar sua plena realização, exatamente como no exemplo das Sereias.
48
85 A “coletividade”, no caso, que perde um membro seu, do qual, anteriormente, ela se havia diferenciado
para fins do próprio sacrifício.
86 Apesar de não definirem explicitamente o que seja “mito” e o que seja “epopeia” asseveramos que os
autores não tratam a ambos como sinônimos, mas, assim digamos, co-dependentes.
49
87 A viagem é a “não-plena” experimentação do mito que permite a Ulisses explica-los depois, explicação
esta intrínseca à própria História, cuja narratividade desenvolveu-se, muito provavelmente, a partir da
narratividade que sempre tiveram os mitos.
88 É deste modo que, hoje, é em função do lucro que se realiza ou se deixa de realizar qualquer movimento
econômico, troca inclusa.
50
51
92 Desenvolvemos esta ideia a partir da intuição de Adorno in Progresso, (ADORNO, 1995, p. 61), segundo
a qual “ele [o progresso] quer atrapalhar o triunfo do mal radical, não triunfar em si mesmo. Pode-se ima-
ginar um estado no qual a categoria perca seu sentido e que, no entanto, não seja este estado de regressão
universal que hoje se associa com o progresso”.
93 Antecipando em certa medida nossa posterior análise, afirmamos que é exatamente assim que uma teoria
fechada e extremamente pré-moldada tanto de ação final ou de imputação objetiva, que somente levam
em conta os critérios e os métodos pré-estabelecidos que tornam a análise do crime já autoritária e pressu-
põem uma certa adequação do mesmo à teoria.
52
94 Personagem do século XVIII, o marquês de Sade foi um francês que viveu no contexto da revolução fran-
cesa e escandalizou com seus romances e folhetins que louvavam a libertinagem, a violência e a difamação
dos valores morais, não a toa sendo aproximado de Nietzsche, neste excerto, por parte de Horkheimer e
Adorno. Entre suas obras Juliette, Justine e Filosofia no Boudoire. A concepção de “sadismo” é uma home-
nagem ao marquês.
95 O que nos parece uma crítica previa à teoria de Luhmann, mas ressaltamos que os devidos cuidados devem
ser tomados, já que, na teoria dos sistemas autopoieticos de Luhmann, não há “razão” lidando o processos
de seleção e adaptação que condicionam a própria evolução dos sistemas.
96 Aversão que se encontra tanto em Nietzsche quanto em Sade.
53
O fato de que insistem [Sade e Nietzsche] na ratio de uma maneira ainda mais
decidida que o positivismo tem o sentido de liberar de seu invólucro a utopia
contida, como no conceito kantiano de razão, em toda grande filosofia: a uto-
pia da humanidade que, não sendo mais desfigurada, não precisa mais de
desfigurar o que quer que seja. Proclamando a identidade da dominação
e da razão, as doutrinas sem compaixão são mais misericordiosas que as
doutrinas dos lacaios morais da burguesia.
(ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 98, grifo nosso).
97 “Primary examples of such expressions are combinations of two words with contradictory meanings
brougth together in a single formulation”, in The Possibility of a Disclosing Critique of Society: the DIALETIC
OF ENLIGHTENMENT in Light of Current Debates in Social Criticism, in HONNETH, Axel. Disrespect,
the normative foundations of critical theory, Malden: PolityPress, 2008 (pp.49-62)
54
98 Tradução livre: apresentam uma nova maneira de enxergar uma combinação convencional de significa-
dos, de modo que sua familiaridade venha a implodir.
99 Tradução livre: Experimentar eventos familiares como algo monstruosamente estranho.
100 A isso, lembramos, soma-se o fato de o juízo estético, tal qual desenvolvido pela filosofia desde Platão até
Kant, vem perdendo-se e entregando-se à “chart performance”, quer seja o HOT 100 da Billboard ou
BOX OFFICE internacional.
55
101 Não na qualidade das belas tragédias gregas, mas em sua redundante fatalidade. O que antes era dese-
jado e meticulosamente planejado para a “catarse”, hoje é uma consequência do “destino” da razão. Na
página 104, os autores afirmam que “quanto maior perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos
empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura
do mundo que se descobre no filme”; o que nos aproxima ainda mais do mito, que deve convencer o seu
“leitor”de que é não a mera história mas um saber oculto da realidade a ser experimentado.
102 Na indústria cultural, o eterno retorno do mesmo vira o eterno retorno da mesmice: “cada filme é um
trailer do filme seguinte” (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 135).
103 Anotamos, quanto a isso, a semelhança com o pensamento de Foucault: “As in judo, the best answer to
an adversary maneuver is not to retreat, but to go along with it, turning it into ones own advantage, as a
resting point for the next phase”, disponível in http://grids.jonmattox.com/people/foucault.html , acessado
em 05 de maio de 2011.
104 “Ele [o conformismo dos compradores] se contenta com a reprodução do que é sempre o mesmo. [...] é
com desconfiança que os cineastas consideram todo manuscrito que não se baseie, para tranquilidade sua,
em um best-seller. Por isso é que se fala continuamente em idea, novelty e surprise, em algo que seria ao
mesmo tempo familiar a todos sem ter jamais ocorrido.” (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, pp. 110-1).
56
105 Ressalvamos que qualquer semelhança com a positivação constitucional de “normas programáticas” é
mera coincidência.
106 “O logro, pois, não está em que a indústria cultural proponha diversões, mas no fato de que ela estraga o
prazer com o envolvimento de seu tino comercial nos clichês ideológicos da cultura em vias de se liquidar
a si mesma” (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, P. 118).
57
107 Certamente, este excerto abre inúmeras portas para uma crítica contemporânea ao que podemos chamar de
“produção jurídica”. O que deveria ser a “arte do justo” ou “da justiça”, a “luta pelo direito”, se torna um ponto
no mercado de pareceres caros de advogados badalados ou uma questão de probabilidade conforme o relator
sorteado para o caso – fazendo com que o momento decisório perca, ele também, a sua áurea, aquela sua
“loucura da decisão” (Kierkegaard; v. DERRIDA, Jacques. Força da Lei. Martins Fontes: São Paulo, 2011) se
torne um produto, sobre o qual, inclusive, incidem regras de produção regulamentadas pelo próprio judiciário
e, no Brasil, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Não que a celeridade não seja desejada, ou, até mesmo,
extremamente necessária, mas que essa busca pela decisão não industrialize o próprio “buscar a decisão”,
transformando-o em uma questão de número, de “gênero de decisão”, de preferência, assim como as obras de
arte deixam de ser sublimes em detrimento de uma boa classificação no Hot 100 ou nos Box Offices. Ainda
assim, mais nos interessa aqui como o surgimento de uma Indústria Cultural (fenômeno típico do século XX,
portanto “recente”) serve para mostrar a dialética do esclarecimento ocorrendo “nos tempos de hoje”, e não
somente na emancipação grega (como podem dar a entender os dois primeiros excertos da Dialética).
108 “Autorizados”, pois os próprios autores da crítica acabaram por revê-la. Adorno reaproximando-se de certa
“teologia negativa” em seu livro Dialética Negativa, mas, principalmente, Horkheimer, em Teoría Crítica y
Religión, Madrid: Trotta, 2000. Há, porém, um aspecto de “teoria do Nacional-Socialismo” nos Elementos
que, apesar de sofrer com esta “reconsideração”, não deixe de possuir grande importância sócio-filosófica.
58
59
115 Isto fica claro, inclusive na “aliança” que faz com Honneth para sua famosa interpretação da “dialética nega-
tiva como atividade ou exercício” presente na Teoría de la Acción comunicativa, Madrid: 2010, PP. 438 e ss.
116 Compartilha em parte, ressalvamos. Otto-Apel reivindica para a razão um a priori transcendental comu-
nicativo, termo de principal discordância com Habermas.
117 Como já dissemos, esta aproximação entre Horkheimer e a teologia cristã e Adorno e a Teologia Negativa nos é
embasamento para referirmo-nos à crítica da religião que eles exercem na Dialética somente a título ilustrativo.
118 “A Dialética do Esclarecimento não faz justiça ao conteúdo racional da modernidade cultural que foi conser-
vado nos ideais burgueses (e também instrumentalizado com eles). Refiro-me à dinâmica teórica específica
que impele as ciências, e do mesmo modo a auto-reflexão das ciência cada vez mais para além da produção
do saber tecnicamente útil; refiro-me, além disso, à fundamentação universalista do direito e da moral,
que encontram, apesar de tudo, uma personificação (por mais desfigurada e incompleta que seja), nas
instituições dos Estados constitucionais, refiro-me, enfim [...] experiência expostas nas obras de arte de
vanguarda, articuladas na linguagem pelos discursos da crítica de arte e que alcançam também um certo
efeito iluminados [...]” in Habermas, Discurso Filosófico da Modernidade. (2000), pp. 162-3.
119 Apesar de extremamente válida, a crítica habermasiana a Adorno e Horkheimer – crítica esta que abriu
espaço para o advento da linguagem – a obra de Habermas encontra-se em certo “esgotamento teórico”,
devido, primeiramente, ao idealismo/utopismo a que ela se vê relacionada e, além disso, às críticas traçadas
pela própria Escola de Frankfurt ao autor, cf. Honneth, The Critique of Power, (1991). O próprio Honneth
coloca, porém, que a obra de Habermas seria uma guinada comunicativa feita a partir da Dialética do
Esclarecimento). Há um movimento de retomada da crítica radical, e até mesmo “performativa”, inaugura-
da pela Dialética do Esclarecimento, em detrimento de projetos construtivistas como o monumentalmente
construído por Habermas, o qual continua sendo uma das maiores referências filosóficas do século XX, e
para este autor de maneira peculiar.
60
120 Além da crítica institucionalista feita por Honneth a Habermas, levantamos o problema de um teoria dual
que enxerga a união entre mundo sistema e munda da vida somente por meio da “colonização” do mundo
da vida pelo mundo sistema – essa carga de negatividade presa à concepção de “sistema capitalista” (que
deixa transparecer opiniões política que Habermas nunca escondeu, é verdade) ignoram que enem sempre
a união entre sistema e mundo da vida geram patologias sociais.
121 Para mais informações, recomendamos a consulta ao site: http://rodrigozanatta.wordpress.com/2009/03/26/
lacan-e-a-religiao-fragmentos/ . Consulta realizada em 18 de maio de 2011. Quanto à relação pessoal de Lacan
com a religião e a comparação com a sua teorização, cf. ROUDINESCO, Elisabeth. Jacques Lacan: Esboço de uma
vida, história de um sistema de pensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Em especial, pp. 279 e ss.
122 Conferir o desenvolvimento do primeiro capítulo deste trabalho.
123 Esta explicação pressupõe, como já afirmado acima, o conhecimento e este, a dominação. Por sua vez, é a
explicação capaz de aumentar o conhecimento e proporcionar mais efetiva dominação.
61
62
63
65
Reale anota, ainda, no mesmo sentido de Habermas (1997, pp. 15 e ss.), que
a base da filosofia do século XX deu-se sobre uma tentativa de sair da filosofia
do “sujeito”, focando mais no “objeto” e em sua realidade (REALE, 2002, p. 51).
O próprio Reale efetua uma “ontologia dos valores” em sua Filosofia, ao tratar
os valores e as normas como objetos (concretos) com os quais o Direito lida (v.
idem, ibidem, pp. 187 e ss. e pp. 204 e ss. onde Reale expõe sua teoria “histórico-
-cultural” dos valores); Reale chega a, na verdade, enquadrar o próprio Welzel
na “Jurisprudência dos Valores”, escola jusfilosófica que estaria em consonância
com sua concepção tridimensional do Direito (v. idem, ibidem, p. 194, nota 15).
Assim sendo, é neste mundo concreto e cheio de valor que incidem as nor-
mas penais, as quais realizam, no vocabulário de Welzel, um “recorte na realidade
fenomenológica”. Ou seja, Welzel está consciente do papel histórico e transmu-
tável de normas penais, as quais refletem fenomenologicamente a realidade; mas
este reflexo não é um reflexo falso ou enganador como em Schopenhauer, mas um
reflexo “das coisas elas mesmas”128.
Agora, faremos uma breve análise da teoria do delito em Welzel, tomando
como base a concretude do mundo, a existência dos valores e o sujeito cognos-
cente culturalmente localizado.
128 “Às coisas elas mesmas” era o mote da fenomenologia husserliana. Adorno anota o teor positivista deste
mote que alega, indiretamente, que é possível, através da análise fenomenológica, chegar às coisas elas
mesmas, ou seja, este mote alega a objetividade de um mondo verificável empiricamente por meio de um
método concreto, o método da redução fenomenológica. Ver ADORNO, T.W. Dialética Negativa. São
Paulo: Zahar, 2009. p. 73, vide “nota” de rodapé (asterisco).
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68
132 Isso explica, em parte, por que o finalismo de Welzel é independente de um conceito de “bem jurídico”,
mas pode com ele compactuar. Para que haja lesão a um valor não é preciso haver lesão a um bem jurídico,
e daí advém a diferença entre “desvalor da ação” e “desvalor do resultado”, no próprio dizer welzeliano.
133 A ação de matar – que comete uma pessoa sob ameaça de um terceiro, por exemplo – ainda não é uma
“ação homicida”, digamos assim. Exatamente por isso a análise da culpabilidade vem, na lógica welzeliana,
por último, pois a ausência de seus requisitos gera uma efeito “retroativo” na análise do delito, descons-
tituindo-o de todo caráter “criminógeno” a nível ontológico mesmo – ou seja, por mais que tipicidade e
antijuridicidade tenham sido auferidas, na ausência de culpabilidade, não há crime.
69
134 Tradução livre: Elaborou-se na cibernética, contudo, uma designação muito mais pertinente à particularida-
de determinante da ação, isto é, sua direção e sua existência causal [encauzamiento]. Quiçá houvessem pou-
pado a teoria finalista de interpretações erradas como teoria da ação enquanto acontecimento (cibernético)
dirigido ou causado pela vontade. Não sem razão Spiegel fala de uma “consideração cibernética antecipada”.
70
135 Na teoria sistêmica há uma diferença entre Welt (mundo) e o Umwelt (entorno). É preciso pensar assim:
o sistema é diferente do mundo, mas entre eles não há contato direto, pois se houvesse, a diferença entre
eles já seria aparente, pois estariam em puro contato, de forma que não, o contato entre eles é dado por
este limbo que os une, o entorno (Umwelt) que não é nem mundo (Welt) nem sistema (System).
136 Não que, antes dele, não houvesse teorias da ação, mas ela nunca foi tão determinante, quanto no finalismo.
71
72
137 Lembramos que a ação final não é, nem precisa ser, uma teoria compromissada com uma concepção de
Democracia nem, sequer, com uma teoria do bem jurídico, já que, o principal é, para ela, o desvalor da ação.
138 No finalismo, o crime culposo é realizado por meios outros que pela ação final, ou seja, em um crime
culposo há um agente que age finalisticamente, mas a “ação” que gera o crime não é uma ação final em
direção ao crime, pois a concepção de finalidade está muito próxima da orientação voluntária do resultado
dos crimes dolosos. Ainda assim, porém, a ação final está lá, nos crimes culposos, como sendo a origem da
ação não final que gerou o crime culposo, de modo que a teoria torna-se inútil para explicar a natureza do
crime culposo em si. Fora isso, some-se a complicação da teoria para explicar o crime omissivo, no qual
não há causalidade ontológica entre os acontecimentos e, logo, é impossível pensar em direcionamento
final da causalidade em um crime omissivo, de modo que, como afirma D’Avila (2003, p. 10): “logo, não
há na omissão uma ação em sentido final”.
139 Cf. Para aprofundamentos no assunto, consultar SILVEIRA, Renato M. J. Fundamentos Da Adequação
Social Em Direito Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2010, v. pp. 305 e ss.
73
74
140 A consulta foi feita em 30 de junho de 2011, e pode ser facilmente conferida ou refeita em: https://esaj.
tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do;jsessionid=B987E026126CB9E67401645342D8D83B.
141 “Suprassumir” é a tradução adotada para a complexa palavra Aufhebung no interior da filosofia de Hegel.
A mesma palavra fora traduzida por “surprimer” em francês.
75
76
5.f Conclusão
Welzel, ao fazer da ação final não somente o pólo racional da teoria do
delito, mas também o centro de toda a sua justificação social e filosófica para o
Direito Penal, deformou o conceito exigindo de mais de sua forma original, que
nasceu como questionamento da “ação causal” em crimes de tentativa, e atingia,
após alguns anos de formulação teórica, mesmo os crimes culposos que ela jamais
explicou satisfatoriamente.
Não bastante, o conceito de “finalidade”, apesar de se referir, para Welzel, a
uma característica própria do homem, assume um papel universal e deve se encai-
xar a todo tipo de crime e a toda situação (comissiva/omissiva, dolosa/culposa),
para todas as pessoas, o que faz com que a ação final – que deveria frisar o papel
pessoal do agente – se despersonalize e se desvalorize (requisito essencial de um ele-
mento para ser tão abrangente). Esse esvaziamento do conceito abriu portas para
uma “automatização” biocibernética do sistema penal, em que a relação ação-pena
se torna automática como no funcionamento ideal de uma máquina fechada.
Por último, o conceito de injusto pessoal força uma repersonalização da
ação final, em cada caso concreto, mas isso não gera uma real personalização do
evento crime e sim uma abstração do mesmo, que é transformado para adaptar-
-se aos critérios de análise dogmáticos a posteriori (tipicidade, antijuridicidade,
culpabilidade, etc.) e isso abre a porta para a mitologização do evento criminoso,
como abordaremos mais profundamente à frente.
Passamos, agora, para a análise do papel da ação enquanto comunicação
socialmente relevante em Jakobs.
77
142 “Ao contrário: o saber consiste muito mais nessa aparente inatividade que só contempla como o diferente
se move nele mesmo, e retorna à sua unidade” in HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis:
Vozes, 2008, p. 542.
79
143 Sobre a presença da reconciliação no objetivismo ideal de Hegel, Habermas afirma: “El objetivismo de
la teoría de Hegel radica en su carácter contemplativo, es decir, en que los momentos en que la razón se
disocia sólo vuelven a quedar unificados en la teoría, manteniéndose la filosofía como el lugar en que a la
vez se cumple y consuma la reconciliación de esa totalidad que se há vuelto abstracta, en que el concepto
se asegura de su obra reconciliadora” in: HABERMAS, Jürgen. Teoría de la Acción Comunicativa. Tomo I,
Madrid: Trotta, 1999. P. 464.
144 Efetivamente, o conceito de “exceção” em Carl Schmitt abre porta para essa reconciliação pois o poder
daquele que no tempo de exceção é capaz de agir torna todos os tempos indiferenciados – e, portanto,
unificados – sob o poder deste mesmo que domina o tempo de exceção.
145 Para um aprofundamento sobre a aproximação aparente de Jakobs com Luhmann e a filiação daquele
com a filosofia de Hegel, recomendamos a tese: O Sentido Operacional dos Conceitos de Pessoa e Inimigo em
Direito Penal de DINIZ, Eduardo Saad. Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia,
Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.
146 Lembramos que Habermas realiza uma cisão semelhante quando afirma que há, na sociedade, o Sistema,
que conhece somente a ação com respeito a fins, e possui como media o “poder” e o “dinheiro” e o Mundo
da Vida, onde as pessoas agem comunicativamente, interagindo em busca do entendimento recíproco.
81
Em que consiste então o fato de que a teoria tradicional caracteriza com a afir-
mação de que a ordem jurídica empresta ao indivíduo ou a certos indivíduos
a personalidade jurídica, a qualidade de ser pessoa? Nada mais nada menos
que na circunstância de a ordem jurídica impor deveres e conferir direitos aos
indivíduos, quer dizer: no fato de fazer a conduta dos indivíduos conteúdo de
deveres e direitos. “Ser pessoa” ou “ter personalidade jurídica” é o mesmo
que ter deveres jurídicos e direitos subjetivos. A pessoa, como “suporte”
de deveres jurídicos e direitos subjetivos, não é algo diferente dos deveres
jurídicos e dos direitos subjetivos dos quais ela se apresenta como portadora
- da mesma forma que uma árvore da qual dizemos, numa linguagem substanti-
vista, expressão de um pensamento substancializador, que tem uni tronco, bra-
ços, ramos, folhas e flores não é uma substância diferente deste tronco, destes
braços, ramos, folhas e flores, mas apenas o todo, a unidade destes elementos.
(KELSEN, 1999, p. 121, grifo nosso).
82
151 Diferente, pois entendemos que Jakobs se refere a expectativas no sentido pscicológico do termo, expecta-
tivas dos indivíduos, sim, mas que se encontram nos indivíduos mesmo, talvez similar com o funcionalismo
de Durkheim neste ponto. A expectativa de Luhmann tem, obviamente, relação com o sujeito concreto,
mas não com seu psicológico, e, sim, com um processo de aprendizagem, onde aprende-se (o que já é um
processo não exclusivamente psicológico) a absrover alguns tipos de frustações (que geram expectativas
cognitivas) e a reagir a outras, cuja frustação não é admissível (que geram expectativas normativas, ou
seja, estas já são uma construção social, pois “entram” no indivíduo, pela aprendizagem).
83
A ação pode ser, pois, comissiva ou omissiva, não importa, sendo mais im-
portante saber se o dever a que estava vinculada a pessoa era um dever positivo
ou negativo (JAKOBS, 2003b), discussão sobre a qual não nos delongamos aqui.
Havendo uma tomada de postura que infrinja uma norma que imputava a
uma pessoa um dever, esta pessoa comunica para a sociedade, na verdade, que
não reconhece a vigência da norma: “o conceito de ação também pode se definir
em função desse resultado, e então a definição é esta: não reconhecer a vigência
da norma” (idem, ibidem, p. 63).
Com esta teoria da ação enquanto comunicação, Jakobs pretende afirmar
que “o Direito Penal moderno não toma como ponto de referência movimentos
corporais de indivíduos ou a ausência desses, mas o significado do comporta-
mento das pessoas” (JAKOBRS, 2003b).
Como o crime comunica? A organização do comportamento (comissiva ou
omissiva) que gera resultados no mundo social é por este acolhida já como um
processo comunicativo e por ele será respondido também por meio de comunica-
ção: por meio da pena, conforme vimos acima.
84
152 “Inimigos” nascem no momento em que sua capacidade de “comunicação pessoal” é negada e, neste mo-
mento, são como máquinas ou animais capazes de agir instrumentalmente e podem ser, ainda, “objetos de
direito”, mas não mais “sujeitos” – para lembrar o “escravo” no ponto de vista de Kelsen.
85
153 Caso não esteja claro, esta é a origem de toda a teoria dos Direitos Humanos, não por menos, a Metafísica
dos Costumes pode ser chamada de “ante-projeto” da Carta de Direitos do Homem e do Cidadão. Uma
outra questão que esta afirmação esclarece, é a da teoria da pena kantiana: no famoso exemplo da ilha não
se está eliminando inimigos (estes podem ser poupados para assistir ao fim da ilha), está se executando
pessoas-indivíduos, que, pela sua liberdade recusaram ao sistema que garantia sua dignidade universal! A
pena em questão é medida exata de resposta a este indivíduo, não sendo importante (como em Hegel) a
reconciliação em si, mas a retribuição.
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87
88
154 A natureza também perde, no sentido dado pelo materialismo de Adorno e Horkheimer, porque cada
homem é um “bocadinho de natureza”.
89
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155 Como ocorre por exemplo com a teoria da “imputação do tipo” de Jakobs, que trabalha com o conceito de
“organização do comportamento”, ou, ação.
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94
156 Reconstruções etimológicas são interessantes e têm muito a contribuir, como faremos abaixo acerca da
“personalidade”, o que afirmamos é, porém, que o significado não se origina da etimologia em um vínculo
obrigatório-causal.
95
157 Um outra hipótese, porém, é a que aborda Ricoeur de se valorização a categoria aristotélica do “ato” para
uma Ontologia da Sociedade – mas essa concepção filosófica de “ato”, simplesmente apresentada, ainda
não pode ser utilizada para conceituações jurídico-dogmáticas.
96
97
158 O “corpo podre” de que nos fala o apóstolo Paulo em sua segunda epístola aos Romanos, cap. 7 vs. 24, é
referência a uma tortura bárbara, segundo a qual um criminoso que cometera homicídio deveria carregar o
corpo do morto em suas costas por tempo indeterminado, devendo tocar todas as atividades do cotidiano
com aquele corpo apodrecendo em suas costas.
159 Assim, para o jovem Bakhtin, é por meio da ação que se realiza aquela misteriosa síntese kantiana, segun-
do a qual o homem é capaz de ser objeto para si mesmo enquanto sujeito.
160 Para uma análise em sentido análogo acerca da relação entre personalidade e corpo, conferir o capítulo 1, La
Personne et la référance identifiante de RICOEUR, Paul. Soi-même comme un autre. Paris: Seul, 1990, PP.39-54.
98
99
161 “Método”, aqui, quase trai o intuito inicial da própria crítica, que, por ser dialética não pode trilhar duas
vezes o mesmo caminho, então se deve entender o método da forma mais abrangente e menos metódica
possível. Por outro lado, uma vez percorrido este caminho crítico e tomado consciência de sua extrema
miticidade, a manutenção deste exato termo revela um aspecto paradoxo no fim da dialética não sintética
(que se aproxima da negativa, apesar de não haver uma negação absoluta em momento algum), o qual
entendemos essencial na opção mesma pela permanência do conceito e do termo de método.
101
162 O filósofo afirma que o termo porvir (ou futuro) “indica que, existindo propriamente, a presença faz com que
ela mesma venha-a-si como seu poder-ser mais próprio [...] isto é, no anteceder-se-a-si” in Heidegger, Ser e
Tempo, 2009, p. 422. É o compreender do ser do homem, efetivado sempre que o homem é, pressupondo-se
a si mesmo e localizando-se em um mundo que abre o mundo temporalmente, nos dizeres de Heidegger.
163 Não temos certeza se, mesmo com esta distorção do tempo, a mídia fora, algum dia, capaz de inserir a
cotidinianidade em uma narrativa mítica (ida-evento-retorno). E cremos, aliás, que nunca o saberemos, já
103
que metade do que conhecemos por “documentos históricos” foi construída sob esta forma, o que não nos
permite nem questionar a verdade objetiva nem a simbolização do nosso próprio passado – até por que, se
mítica ou não, isso é algo mais para uma verificação sempre “contemporânea” que posterior.
104
164 Conferir item 4.b.1.1 deste trabalho, em que analisamos a origem mitológica do processo, aliada a origem
ritualística da técnica.
105
165 Para uma análise mais específica deste papel do mito no que denominanos “cultura”, conferir o capítulo 1
do trabalho.
166 Lembramos, mais uma vez, que os ritos religiosos não são, necessariamente, mitológicos. Por outro lado,
este caráter mitológico do direito depende em grande parte do desenvolvimento apurado principalmen-
te, como dissemos, das disciplinas processuais, e de uma concepção de processo como independente do
Direito Material, algo que não data de antes do século XIX.
106
167 A teoria da violência simbólica define que a significação dos termos na linguagem é imputada e afirmada
por meio de relações de poder, que podem garantir a certeza de um significado em detrimento dos demais,
criando códigos fortes e fracos. Bourdieu e Ferraz Junior, apesar de partirem de diferentes pressupostos
(Bourdieu trabalha com uma teoria dos campos da sociedade, enquanto que Ferraz Junior adere a uma
concepção pragmático-comunicacional da mesma), o ceticismo – que não é visto aqui como um defeito,
mas como uma postura – de ambos, porém, os aproxima. V. BOURDIEU, Pierre A Economia das Trocas
Simbólicas, FDUSP: São Paulo, 2010 e Ferraz Junior, Introdução ao Estudo do Direito, (2007).
168 O “nome” hebraico de Deus, na verdade, uma soma de quatro consoantes que não “produzem” som algum,
pois nomear a Deus não é algo assim tão fácil.
169 Agar fora, nos Gênesis, a esposa concubina de Abrão que engravidou de seu senhor a pedido de Sarah, es-
posa “oficial” de Abrão. Após engravidar, porém, Sarah enciumou-se de Agar e expulsou-a, abandonando-
-a no deserto, pelo que a serva foi acudida por YHWH.
170 Na Bíblia, pode-se ler relatos de Davi em I e II Samuel, mas também dados em I e II Reis e I e II Crônicas,
além, é claro, dos Salmos, escritos em grande parte, pelo próprio Davi.
171 Mas também no “livro mais pessimista da Bíblia”, os Eclesiates, também escritos por Salomão.
107
172 Esta relação também pode ser vista como corpo-espírito-alma, mas não podemos, aqui, entrar de maneira
mais aprofundada nesta questão teológica.
173 É verdade que o próprio Platão não era dualista, como se costuma afirmar com certa facilidade e preguiça.
Ricoeur in Da Metafísica à Moral, (1997), pp. 13 e ss. explica que o dualismo é a conclusão apressada de
uma leitura das “categorias” platônicas, as quais eram quatro (Ser, Movimento, Matéria, Repouso), mas
que se viam contraposta por uma meta-categoria, a qual era ideal.
174 Esta questão é muito bem trabalhada no ensaio de Julián Marías, A Perspectiva Cristã. São Paulo: Martins
Fontes, 2000 – em especial capítulos V, VIII e XV. Kierkegaard também teria desenvolvido esta concepção
de homem em termos de uma filosofia dialética, segundo a qual o homem é a síntese dialética entre corpo
e espírito, do que tirou muitas conclusões que o faria, facilmente, o pai da Psicanálise. Esta concepção traz
complicações por se imiscuir com a filosofia de Hegel, porém, razão pela qual, somente a citamos de passagem.
175 Esta concepção é similar à de Fromm, quando afirma, como relatado supra, que o corpo pode ser visto
como um “símbolo” da psique humana, mas também nos lembra a teoria dos Speech Acts, desenvolvida
por Austin e aprimorada por Searle.
108
176 Este fatalismo ainda não é um determinismo, pois – e isso é claro na história de Aquiles, por exemplo – o
fatalismo pode muito bem se desenvolver a partir da escolha humana, pelo que a Vontade continua sendo
um paradigma para a teoria da Ação.
177 Exatamente por isso que na tragédia grega a morte é o retorno, principalmente qundo ela se dá distante de
casa, pois morrer é integrar o mundo dos mortos, a quem se rende culto in memoriam. Ver, por exemplo, a
grande dor de Antígona e o dilema em torno de sua morte.
178 Direito Penal do Inimigo se mostra, pois, como uma civilização do Jus Bellum, altamente racional, estupi-
damente guiado por finalidades pré-estabelecidas, e nem um pouco democrático.
179 Essa proximidade está mais relacionada a um “querer que seja/esteja próximo” que a um “é/está próximo”,
relacionado ao processo de identificação que deveria culminar em uma “catarse” e não em uma proximi-
dade quase cotidiana.
109
110
182 Em sua obra, Villas Boas Filho faz uma contraposição entre as teorias de Habermas (ação) e Luhmann
(comunicação), para escolher pela segunda.
183 Parsos que pode, por sinal, ser visto como um paradigma pouco valorizado no Brasil, em termos de socio-
logia do século XX. Sua Theory of Social Action reúne tanto o funcionalismo em sua faceta mecanicista,
herança da escola de Durkheim, quanto em sua faceta material, herança de Marx, com uma refinada
análise da “ação social”, conforme ensinamentos de Weber.
111
184 Isso quer somente dizer que não existe o “sentido de dicionário”, pois as palavras são em si, se é que há
esse em si, neutras; tal neutralidade, porém, torna-se justamente a condição para que seu uso seja sempre
“ideológico”, em sentido bakhtiniano, que será explicitado mais abaixo.
185 É preciso não confundir a teoria da “palavra” de Bakhtin com a teoria segundo a qual a palavra é uma “caixi-
nha”, podendo ser preenchida com qualquer conteúdo como se esta tal “caixinha” fosse um nada. A palavra
tem uma história e a mudança de seu sentido está associada às mudanças sociais mesmas, e pode se dar de
modo paulatino, revolucionário, por meio de um golpe de Estado ou ainda pela insistência do uso popular.
186 Cremos necessária esta afirmação, ainda que seja preciso dizer que ela não esgote uma “teoria da verdade”.
Para o desenvolvimento do tema em um sentido próximo do que trabalhamos aqui, cf. RICOEUR, Paul.
Soi même comme um autre. Paris: Seuil, 1990. pp. 34 ss. Além disso, porém, é preciso afirmar que a relação
por nós estabelecida diz respeito a uma verdade e não à verdades que se amontoam no sentido subjetivo
112
ou, mesmo, objetivo, como um conjunto de relatos de sentimentos ou de postulados físicos. Estes tipos
de verdade se baseiam em dados usualmente fixados em um passado a ser memorado, em um passado
um tanto quanto rigidamente distinto do momento presente e que é trazido à tona por um movimento
tipicamente mitológico. O verdadeiro enquanto o fiel apresenta não só uma verdade que foi, pois não mais
fosse não mais teria credibilidade, mas que é e, justamente por ser fiel hoje pode nos apontar o futuro – pela
categoria da espera e da confiança.
187 Certamente, um pode absorver o outro. A noção de responsabilidade não se confunde com o “status” da-
quele que emite a afirmação dita verdadeira, e sim com sua capacidade de adotar para si as imputações dos
resultados derivados da prova da veracidade de sua afirmação. Neste sentido a responsabilidade depende,
sim, da imagem que se forma da pessoa ou da instituição que emite o enunciado dito verdadeiro, mas,
ainda que ela seja pouco “confiável”, ela é capaz de provar que aquilo que diz é verdadeiro – e está-se aqui
mais ao lado da retórica que de qualquer outra coisa. Entretanto, uma pessoa capaz de grande retórica
pode não ser confiável, e todas suas afirmações serão tidas como irresponsáveis, diminuindo a veracidade
mesma da afirmação. A veracidade de uma afirmação depende, pois do contexto em que a afirmação é
emitida, mas também ela própria influencia o seu contexto, podendo ser verdadeira mesmo em um con-
texto com regras de intepretação desfavoráveis.
113
188 O termo “discurso” é inesgotavelmente amplo. Dentre os referenciais teóricos já adotados neste trabalho
(Adorno, Habermas, Derrida, Bakhtin, Ricoeur, entre outros) ele possui diversas significações que não
podem ser colocadas em um único “significante” como em uma síntese hegeliana, motivo pelo qual desen-
volveremos este tema à frente.
114
189 É preciso alertar que apesar disso e apesar de topos significar “lugar”, não há um encaminhamento para a
tópica jurídica aqui.
190 Certamente Luhmann, ao adotar termos da Cibernética não lidou, somente, com “teorias da linguagem”,
resumimos sua aplicação, porém, ao exemplo dado por Pêcheux. A própria noção de autopoiese vem de
uma teoria cibernética da biologia.
115
191 Uma citação não é, certamente, uma fonte inquestionável de certezas. Ocorre que há entre a proposta
abertamente metafísica de Deleuze, a proposta pretensamente anti-metafísica de Derrida e a proposta pós-
-metafísica de Luhmann uma relação que depassa as semelhanças de família. Nesta linha de análise estilística,
uma outra nota também é relevante. Ao explicar o sentido em La Sociedad de la Sociedad (Die Gesellschaft der
Gesellschaft), Luhmann cita novamente Deleuze, como um mantra, repetindo: “le sens est toujours effet”
116
Esta constatación que de entrada parece mera conjetura (no hay sentido fuera
de los sistemas que ló utilizan y reproducen como médium), puede superarse si
se mantiene ante lós ojos la consecuenia de la clausura operativa del sistema:
su relación con el enorno es operativamente inalcanzable.
(LUHMANN, 2007b, p. 28).
192 Quanto a isso, conferir uma pequena explanação em Villas Boas Filho, Uma Abordagem Sistêmica do Direito
no Contexto da Modernidade Brasileira, (2006), páginas 63 e seguintes.
193 A questão, pois, retorna ao nível filosófico: o que significa afirmar “compreendo” ou “não-compreendo”?
O que significa, assim como se demanda Gadamer em Verdade e Método, o próprio compreender.
194 No livro Hermenêutica e Ideologia, Ricoeur faz vastas referências a Schleiermacher e desenvolve esta ideia
e suas importantes consequências para todo o pensamento hermenêutico alemão passando por Dilthey,
Heidegger e Gadamer.
117
195 Ricoeur radicaliza com a noção objetiva de texto e, para o autor, tanto aquilo que o texto “quer dizer”
(objeto da hermenêutica clássica) como aquilo que ele “não quer dizer, mas diz” (crítica das ideologia,
psicanálise inclusa) fazem parte de um só grande programa não auto-excludente da Hermenêutica.
118
196 Ressaltamos que nossa preocupação não é única nem exclusiva.Cf. AGGEO, Miguel A.A. Sistema del deli-
to: uma visión del derecho penal desde la teoria de los sistemas y la ontologia del lenguage. Buenos Aires: Editorial
de la Universidad, 2006. Aggeo adota a linguagem do linguista saussuriano Jakobson e pensa a comunica-
ção ligada ao indivíduo, mas este como “categoria social” (pp. 67-8). O autor critica as visões de Jakobs e
Luhmann, pois entende que as complexidades geradas pelos seres humanos em sistemas comunicacionais
partem de sistemas em si, vivos, ou seja, de uma relação entre indivíduo e sistemas-comunicação. De
tal modo, Aggeo critica a transposição teórica da autopoiese dos sistemas vivos para os sociais (p. 75) e
parte da premissa de que “el sistema social es uma consecuencia de la biologia humana”, a qual pode ser
lida autopoieticamente. Por último, Aggeo entende que a interpretação aproxima o comunicacional do
biológico graças à capacidade psíquica da interpretação, o que reforça sua ligação mais estreita a Maturana
e a uma concepção ontológica de linguagem (p. 80). Apesar de chegar a conclusões diversas das nossas,
entendemos que as críticas de Aggeo a Luhmann são plenamente coerentes e vão no mesmo sentido das
nossas: a separação entre vida e sentido não é capaz de sustentar a autopoiese dos sistemas sociais e a falha
se nota na capacidade de interpretação, que ainda permanece humana.
197 Isso reforça o caráter “artístico” da hermenêutica ou, ao menos, a importância da esfera artística, estética
no formação da própria significação de o que seja compreender. Em Schleiermacher compreender é uma
arte, em Heidegger a arte se manifesta do Ser como uma categoria central possibilitada pela compreensão
da presença, em Gadamer a hermenêutica da obra de arte é uma das três “fases” da formação compreensiva
do homem, em Ricoeur isso é radicalizado na formação da identidade do próprio homem pela construção de
um personagem com o qual ele se identifica e estabiliza a construção de seu “se” (soi), em uma relação que
é, ao último passo, artística. A Arte como diferencial da humanidade é uma idéia também compartilhada
por Castoriadis, que afirma, mais precisamente, que é a “criatividade” que diferencia o ser humano, e por
Chesterton, que vê na exteriorização de sentimentos e sensações a atividade tipicamente humana e social.
119
198 Neste ponto retomando Heidegger o subjetivismo de Kierkegaard, para quem o Self é uma “relação que
se relaciona consigo mesma”, já prevendo que a subjetividade é a verdade. Cf. KIERKEGAARD, Soren.
Sickness to death.
120
199 Conferir, Ricoeur, Da Metafísica ..., (1997). Em Parmênides, o Ser era exatamente aquilo que unia em si o
igual e o diferente sem tornar-se diferente de si mesmo.
200 Na verdade, a compreensão de uma lógica mítica para a sociedade não exclui uma possibilidade diferente
de que a História se mova de modo escatológico, tal qual compreende parte das teologias judaicas e cristãs,
teorizado de modo mais ou menos laico por Agostinho, Bloch, Benjamin entre outros.
121
201 Existe aqui uma questão muito delicada para ser trabalhada com ênfase nesta obra que é a da autoria
destes textos. Há uma polêmica acerca de Bakhtin e de outros teóricos que partilhavam ideias comuns,
e que ficou conhecido como seu “Círculo”, entre eles, Volóchhinov, por alguns tido como real autor de
Marxismo. Adotamos, aqui, o ponto de vista de que Bakhtin é, efetivamente, o autor de uma obra comple-
xa e incompleta, mas que o círculo pode ser responsável por modificações e intersecções que dificultam a
autoria monocrática – antes de plágio, porém, preferimos pensar em verdadeira polifonia.
123
202 Algumas exceções são o livro de SUDATTI, Ariani Bueno. Dogmática Jurídica e Ideologia. São Paulo:
Quartier Latin, 2007. Algumas referências in SHOUEIRI, Luís Eduardo (org.), Direito Tributário:
Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Quartier Latin, 2008. E alguns artigos esparsos na in-
ternet, como: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_
id=4116 (consultado em 16 de novembro de 2011). Todos, porém tratando unicamente da obra de
Bakhtin como uma fonte e ferramenta para uma “análise do discurso jurídico”, passando ao largo dos
aspectos de sua obra que permitem toda uma reestruturação da dogmática jurídica per principiem.
203 Não questionamos aqui esta possibilidade mesma. Enfrentamos seus problemas metodológicos no artigo
Mito, Método, Crítica: uma revisão ao “processo legislativo”, no prelo. Sobre a diferença de se chamar a filo-
sofia ao páreo e de criar uma distinção entre zetética e dogmática, recomendamos o formidável: Cuestiones
dogmáticas y cetéticas, más allá de Tercio Sampaio Ferraz, de Luis Alberto Warat, disponível no Google Docs
(acesso em setembro de 2012).
125
126
Bakhtin não vai desenvolver um conceito outro de razão, como faz Ha-
bermas com a “razão comunicativa”; vai, porém, desenvolver o conceito de
127
Esse fato do meu não-álibi no Ser [...] não é algo que eu venha a saber e conhe-
cer, mas é algo que eu reconheço e afirmo de um modo único e singular.
(BAKHTIN, 1993, p. 58).
205 Pois a pessoa que decide isolar-se da sociedade, como o monge, dela ainda faz parte, e dela carrega suas
marcas, entre elas, a mais profunda, a linguagem.
128
A rua cheia de gente. Digo, dentro da minha cabeça, e às vezes para fora, está
todo mundo me devendo! Estão me devendo comida, buceta, cobertor, sapato,
casa, automóvel, relógio, dentes, estão me devendo. Um cego pede esmolas
206 Conferir os critérios de irracionalidade discursiva apresentados por Habermas in Teoria de la Acción
Comunicativa, (2010), pp. 30 e ss.
207 Isso pressupõe sua capacidade de acessar um sistema objetivo de signos, certamente. Mas isso só torna seu
discurso mais objetivo, a partir do momento que se subjetiviza-o. Bakhtin trabalhou com este fenômeno
que ele lida em termos de “tensão” entre a expressividade pessoal e os gêneros do discurso, conforme
abordaremos mais à frente.
129
Com isso, queremos afirmar que a Responsabilidade está ligada a uma ex-
pressividade que coloca a relação entre a ação e o agente em termos de uma re-
lação de autoria, de expressividade. Mas não somente.
Bakhtin (1995, pp. 72 e ss.) critica a escola linguística descendente de Vossler
e Humboldt, a qual ele apelida de subjetivismo concreto, ou subjetivismo individualista.
Sobre esta corrente, Bakhtin explica que ela possui quatro proposições síntese:
208 Trata-se do 13º parágrafo do Conto – os grifos são nossos. O texto, na íntegra, encontra-se disponível em:
http://www.releituras.com/rfonseca_cobrador.asp . Consultado em 17 de Novembro de 2011.
130
Disso decorre que a ordem metodológica para o estudo da língua deve ser o
seguinte:
A partir daí, exame das formas de língua na sua interpretação linguística habitual.
(BAKHTIN, 1995, p. 124).
Daí a conclusão de que “uma análise fecunda das formas do conjunto de enun-
ciações como unidades reais na cadeia verbal só é possível de uma perspectiva que
encare a enunciação individual como um fenômeno puramente sociológico” (idem,
ibidem, p.126). Este “purismo” do Bakhtin de 1930 está certamente ligado ao po-
sitivismo que perpassa todo o histórico de teorias influenciadas pelo marxismo211.
As dificuldades de se isolar uma enunciação individual como um fenômeno pu-
ramente ideológico é a base da crítica que se faz à teoria da inter-subjetividade, con-
forme Habermas, o qual não consegue, na visão de Teubener (1989) delimitar o papel
do subjetivo no intersubjetivo; não consegue, pois, delimitar o social e o individual.
Em Bakhtin este problema somente se resolverá, de pleno, com a teoria
dos gêneros. Mas, até lá, Bakhtin trabalhou a linguagem como uma “abstração
209 Em nota de rodapé (nota 1, p. 111, BAKHTIN, 1995): “’O pensamento expresso pela palavra é uma
mentira’ (Tiutchev). ‘Oh, se pelo menos alguém pudesse exprimir a alma sem palavras!’ (Fiet). Essas duas
declarações são típicas do romantismo idealista”.
210 Conferir item 1.a.3 deste trabalho, quanto às críticas de Bakhtin á Saussure e à sua “escola”.
211 Conferir capítulo 1 deste trabalho.
131
É preciso insistir sobre o fato de que não somente a atividade mental é expressa
exteriormente com a ajuda do signo (assim como nos expressamos para os
outros por palavras, mímica ou qualquer outro meio) mas, ainda, que para
o próprio indivíduo, ela só existe sob a forma de signos. Fora deste material
semiótico, a atividade interior, enquanto tal, não existe.
(idem, ibidem, p. 51).
212 Estes termos aparecem de diversas maneiras e com diferentes traduções em inúmeros autores. A oposi-
ção que estabelecemos aqui aproxima os vocábulos “tema”, e de “semântico”, em oposição à “significa-
do” ou “significação”.
132
213 Conferir o caso que ganhou projeções midiáticas mundiais, de Fritzl: http://www1.folha.uol.com.br/folha/
mundo/ult94u396695.shtml - consultado em 23 de Novembro de 2011.
133
134
Tudo isso define a obra de arte não como objeto de um conhecimento pura-
mente teórico, desprovido de significação de acontecimento, de peso axioló-
gico, mas como acontecimento artístico vivo – momento significativo de um
acontecimento único e singular do existir; e é precisamente como tal que ele
deve ser entendido e conhecido nos próprios princípios de sua vida axiológica,
em seus participantes vivos, e não previamente amortecido e reduzido a uma
nua presença empírica do todo verbalizado (o que é acontecimento e tem sig-
nificado não é a relação do autor com o material, mas com a personagem [o
nosso anti-heroi, o criminoso, que habita dentro da casa do próprio autor]).
(BAKHTIN, 2003, p. 175).
135
só que ,mais uma vez no objeto). Já quando o artista começa a falar de sua criação além da obra criada
e, para lhe acrescentar algo, costuma substituir sua atitude efetivamente criadora, não vivida por ele na
alma mas realizada na obra (que não foi experimentada por ele mas experimentou a personagem), por sua
atitude nova e mais receptiva em face da obra já criada”.
136
137
217 Idem.
218 A Queda é o resultado teológico-antropológico que vincula toda a humanidade e o evento messiânico
de Cristo a partir do episódio do “fruto proibido” de Adão e Eva. Atenção para que a palavra “pecado”
somente é usada a partir do crime originário, de Caim, mas não ainda para Adão e Eva. Sobre a Queda,
conferir G. K. CHESTERTON. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.
219 Lembrando com Heidegger, porém, que a base da ciência enquanto estudiosa dos “entes” é sempre meta-
física pois supõe o “nada” como possibilidade do “essente dos entes”, ou da simples existência das coisas ,
condição de “verificabilidade” (Popper) de seus enunciados. HEIDEGGER, Martin. Que é Metafísica. In
Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
220 Cf. Item 9.a.1.a
221 O sentido de “perceptível” emprestamos, aqui, de MERLEU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da
Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2009. A percepção tem como episteme não o conhecimento huma-
no abstratamente considerado, mas observadores concretos, localizados inclusive de modo corpóreo. O
corpo humano faz parte do sujeito investigador que percebe um ato em estado cru, seja ele qual for, já lhe
atribuindo inúmeros tipos de cargas valorativas. Esta noção de percepção permite, de partida, englobar
todo evento humano como ação/ato, até mesmo aqueles em que não há movimento físico-biológico, como
em crimes omissivos, já que até mesmo a ausência de algo ou alguém é –ela também – perceptível. Por ou-
tro lado, podemos falar em uma “percepção social” quando um fato é reportado pela mídia, por exemplo,
ou quando uma tradução de um texto é publicada, enfim – esta percepção social atual também no plano
simbólico em uma aproximação primária da sociedade à informação, que será então processada.
138
139
140
A dogmática não pode ser vista como um mero conjunto de textos com um
papel interpretativo das leis penais. Existe, por exemplo, uma diferença crucial
entre o auxílio que um dicionário pode oferecer para a hermenêutica jurídico-
-penal e a constituição de sentido oferecida ao jurista pela “doutrina”.
A dogmática pode ser vista como um cânone discursivo baseado na autori-
dade. Certamente, esta autoridade pode ter uma fundamentação racional, com base
em uma teoria da argumentação jurídica, por exemplo, como defendem Habermas,
Günther, Alexy, entre outros. Sabe-se bem, contudo, que não é sempre a argumen-
tação racionalmente orientada que cria o status de “autoridade” em um assunto.
A imagem que uma pessoa pode construir ao seu entorno, formando uma
“personalidade” no meio Penal, no sentido de Adorno, pode muito bem ser base-
ada em uma experiência significativa para o “público leitor”: quer seja a admira-
ção carismática pelo sucesso profissional do doutrinador, sua recomendação por
outras autoridades ou o sucesso comercial de suas obras.
Sucesso comercial pode ser um critério racional de análise da autoridade,
possibilitando, inclusive, a formação de dados muito mais exatos e planificados
que a qualidade da argumentação presente em um livro, por exemplo. É neste
ponto que vemos o quanto a dogmática também abarca, de modo suspeito, a dia-
lética do esclarecimento.
Os textos que compõem a doutrina são textos que recebem uma valora-
ção e uma variação estilística dentro dos textos do gênero discursivo jurídico
penal. Assim como as leis, porém, o que define um texto como doutrinário não
é somente uma questão estético-estilística, mas também normativa – no caso, a
normatividade não está baseada na soberania estatal (como no caso das leis e das
sentenças), mas na autoridade (racional ou não, mitológica em todo caso) das
personalidades que sustentam esta mesma dogmática.
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Direito positivo, esfera axiológica, esfera ontológica: dda maneira mais sim-
plista possível, estes vêm sendo, respectivamente, os pontos de referência das
três fases de evolução da dogmática que acabamos de resumir. Atualmente,
porém, e deixando de lado os seguidores “puros” do finalismo, nenhum deles
reflete o “modus operandi” dominante na dogmática penal.
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229 Cf. nesta orientação: PRADO, DOTTI (org.). Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: em defesa do princí-
pio da imputação penal subjetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
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Como consecuencia de que lós hechos punibles que involucran a las corpo-
raciones emprarias fue apreciado como um problema esencial para el derecho
penal econômico, ha sido cada vez más notória la necesidad de relacionar el
tema de la responsabilidad penal de las personas jurídicas com el ámbito de lós
delitos econômicos.
(RIGHI, 2000, p. 123).
Outro ponto que foi somente ressaltado acerca deste tipo de criminalização
é o do impacto que ela possui no conceito e na concepção de pessoa jurídica. O
que permite a ponte entre este conceito abstrato e a visão de uma “empresa cri-
minosa” fatídica no nosso dia-a-dia social?
O que permite pensarmos que, em um futuro próximo, os tipos penais apli-
cáveis exclusivamente a pessoas físicas na Lei 11.101 de 2005230 possam ser apli-
cados a pessoas jurídicas?
A ponte é a noção de instituição, acerca da qual nos apropriamos de ideias
de Wittgenstein, Ricoeur e Castoriadis.
Primeiramente simples, a noção de instituição pode ser abstraída dos jogos
de linguagem dentro de um quadro de vida (WITTGENSTEIN, 1996), de uma
forma de vida institucionalizada, sendo que a institucionalização de tal forma de
vida se dá por jogos que linguagem que criem e modifiquem regras que se refiram
sempre a certo tipo de conteúdo do próprio jogo de que fazem parte.
230 Trata-se da lei que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade
empresária”. Certos crimes tipificados pela lei são, a nosso ver, muito mais facilmente a aplicáveis a pessoas
jurídicas que tipos da Lei de Crimes Ambientais, justamente por tratar de material empresarial. Veja-se,
por exemplo, o Artigo 168 da Lei 11.101: “Praticar [...] ato fraudulento de que resulte ou possa resultar
prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem” – é
fácil imaginar que uma corporação poça, de modo corporativo, praticar um ato fraudulento que resulte
vantagem indevida para si e não para seus sócios, ao menos, em um primeiro e direto momento.
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amaldiçoou a pessoa ‘y’ que se metamorfosiou em um ser semi-equino”; “todos os que entram na caverna
ganham uma crina”; etc.
233 Falar, por exemplo, que “eu trabalho na empresa ‘xpto’” é um feito cotidiano que reforça nossa fé na crença
se empresas – principalmente se xpto é uma boa pagadora de salários, impostos e saldos previdenciários.
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235 “Reprova-se juridicamente ao autor a realização de um fato ilícito, em situação que lhe fosse exigível que
se comportasse conforme o direito, mas não no sentido do livre-arbítrio e sim no sentido de que a ação
é fundamentalmente a expressão de um atuar incondicionado pelo meio, pois, se fosse ao contrário, não
transmitiria sentido de ação e sim de mero acontecimento” in: BUSATO, Paulo César. Bases de uma Teoria
do Delito a Partir da Filosofia da Linguagem. Revista de Estudos Criminais, nº 42. Porto Alegre: Editora
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2011. Nesta tentativa, Busato, para fugir da
problemática do livre arbítrio mantendo, contudo, a noção de exigibilidade, precisa diferenciar “ação” de
“mero acontecimento”, ao que se opõe que toda ação é um “mero acontecimento” reconstruído sob a
forma de uma ação, reconstrução esta que é feita linguisticamente perante utilização de “provas”, “teste-
munhas”, enfim, juridicamente falando, que é processualmente reconstruída – mas, antes de ser um “mero
acontecimento”, não há nada a reconstruir.
236 Tradução livre: esta capacidade se compões da capacidade de percepção sensorial e da reflexão racional,
da utilização de ambas capacidades adaptando-as ao caso concreto, mais o fator de estar isento de coação
para levar a cabo a ação.
237 Fazemos, aqui, referência aos casos de psicopatologias que ainda não tinham sido detectadas até o mo-
mento do crime e de suas repercussões processuais, mas também aos casos de embriaguez patológica tam-
bém não identificadas.
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ciência” ou do “conhecimento” (Kant), mas em termos de agente e Bem Jurídico, na conexão entre eles
estabelecida pela ação.
242 Grifos nossos.
243 Vontade e dolo não são a mesma coisa, de modo que não ensejamos deslocar, novamente, o dolo na culpa-
bilidade. A Vontade é elemento presente na constituição da ação, e está presente tanto em ações dolosas
como culposas.
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244 A ideia aqui vai em sentido próximo: “a sentença condenatória ser [...] um juízo de reprovação de conduta
humana” in GONDIM, Reno Feitosa. Epistemologia quântica e Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2005. A nosso
ver, a reprovabilidade é de cunho público, social e se manifesta com a sentença, e não no “juízo (abstrato)
de reprovabilidade” feito pelo juiz concreto na análise da culpabilidade, que é de natureza outra, apesar de
saber-se desde o princípio que é essencial para relação de autoria, a partir do momento em que se adota a
pena ao autor culpável, e não simplesmente ao passível de responsabilização. Neste sentido, faltam estudos
que coloquem em paralelo as relações civis de imputação ao responsável (Haftung) em oposição à responsa-
bilização do autor culpável (Schuld). Esta interface entre Direito Civil e Penal pode ser de grande utilidade.
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245 Não se pode confundir o que Habermas chama de “potencial normativo” com a necessidade de crítica à
modernidade, a qual permanece presente e necessária para o frankfurtiano.
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246 Em um certo saber comum, há quem defenda que a “queda do muro do Berlim” pode ser visto como o
evento que simbolicamente inaugura a pós-modernidade.
247 Para citar alguns, Feuerbach, Marx, Nietzshce, Sade, Freud, Sartre, Russel e Bataille.
248 Conferir, na mesma direção, TILLICH, Paul. Textos Selecionados. São Paulo: Fonte Editorial, 2006. Em
especial, o texto 2.
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249 E aqui parece que a fé surge como carro chefe de outra categoria, diversa tanto da explicação quanto da
experiência, mas que se baseia no esperar: esperar que haja o além-da-caverna, esperar que haja um estado
real de paz, de harmonia, enfim. Esperar, porém, relacionado com fé, esperança e não com espera – mas este
tema merece ser abordado mais especificamente em outro trabalho.
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250 Habermas, comentando a radicalidade do projeto crítico de Adorno e Horkheimer, assevera que a inter-
nalização das aporias por este pensamento “les lleva, como hemos mostrado, a las aporias de uma crítica
que en cierto modo desiste de toda pretensión de ser conocimiento teórico” (Teoría de la acción, 2010, p.
441). Apesar do tom crítico da análise habermasiana, cremos que enxergar certas propostas teóricas não
como teorias no sentido tradicional pode ser justamente a necessidade meta-metodológica adicional ao
método de que deve lançar mão o cientista, o estudioso, enfim, o jurista, para não perder de vista o próprio
espírito crítico. É este instrumento meta-metodológico proporcionado pela teoria da ação como enunciado
concreto que chamamos de “postura”.
251 Conferir o capítulo 2 deste trabalho.
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