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Aula 04

Legislação Civil Especial p/ MP-CE (Promotor de Justiça) Com


Videoaulas
Paulo H M Sousa

98594375131 - Sara Raquel Nascimento


LEGISLAÇÃO CIVIL ESPECIAL – MPE/CE
Teoria e Questões
Aula 04 – Prof. Paulo H M Sousa

AULA 04
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL
.................................

Sumário
Sumário .................................................................................................... 1
Considerações Iniciais ................................................................................ 2
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL ............................................................... 3
1. Da codificação à recodificação ............................................................... 3
2. A caminho de um direito civil-constitucional ......................................... 11
Jurisprudência e Súmulas Correlatas .......................................................... 15
Questões ................................................................................................. 25
Questões sem comentários..................................................................... 25
Gabaritos ............................................................................................. 26
Questões com comentários ..................................................................... 26
Resumo .................................................................................................. 28
Considerações Finais ................................................................................ 28

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AULA 04 – DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL

Considerações Iniciais

Esta é uma aula completamente diferente das demais. Não trata de uma lei
específica ou de um conjunto normativo. Ao contrário, trata de um tema, qual
seja o impacto da CF/1988 no ordenamento civil, inicialmente no CC/1916 e,
depois, no CC/2002.
A Constitucionalização do Direito Civil é muito mais um arsenal teórico, que serve
de compreensão do sistema jurídico interprivado, do que manuseio prático. O
pouco alcance desse tema nas primeiras fases dos concursos se explica por meio
de uma ambiguidade: é um tema simples e complexo demais para provas
objetivas.
Explico. Simples porque fazer uma questão objetiva, em poucas linhas, de trate
de um método tão abrangente, rico e de consequências tão profundas, de
aplicação tão sutil e de impacto abissal, certamente precisa trazer resolução
bastante evidente. Não há como se escapar de um certo “senso comum teórico”
ao discutir a constitucionalização do direito civil em poucas linhas: colocar no
texto constitucional a disciplina do Direito Civil e ler o CC/2002 a partir dos
princípios trazidos pela CF/1988.
Complexo porque questionar verdadeiramente o sentido da constitucionalização,
aplicar a constitucionalização em sua vertente mais técnica, profunda e sensível,
a constitucionalização em seu sentido prospectivo, é das tarefas mais difíceis. O
fazem os Ministros do STF quando discutem a inconstitucionalidade de um artigo
do CC/2002, por exemplo. Essas decisões têm páginas e páginas de
argumentação jurídica profunda, de questões de cunho filosófico razoável, de
discussões sociais intensas, de disputas econômicas severas.
Levar o direito civil-constitucional a sério é tarefa para poucos abnegados. Exige
sensibilidade social, conhecimento técnico-jurídico e prudência (no sentido mais
romano do termo) ímpares. Eu, pessoalmente, posso apontar alguns poucos
civilistas que fazem da constitucionalização mais do que um jogo de palavras ou
de mero desvirtuamento das normas constitucionais em benefício de um ponto
de vista mais ou menos defensável. Por isso, essa aula, mais do que contribuir
para sua aprovação na prova objetiva do seu certame, certamente servirá mais
adequadamente para as fases subsequentes, nas quais você precisará de
argumentação jurídica sólida ao defender ou criticar determinado instituto jus-
civilístico.

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Por isso, essa aula é peculiar. Não há que se falar em legislação pertinente;
jurisprudência e súmulas correlatas; questões de treino. Trata-se de uma aula
“diferentona”, portanto.

DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL

1. Da codificação à recodificação
Tal qual ocorreu com o Direito Penal, que viu uma profusão de normas especiais
a tratar de determinados delitos, o Direito Civil também teve parte de suas
normas pulverizada nos Estatutos, surgidos a partir dos anos 1990. Exemplos
óbvios são o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e o Código de Defesa
do Consumidor – CDC.
Essa “onda” de Estatutos vem na esteira do
movimento conhecido como “descodificação do
Direito Civil”. Explico-me rapidamente. Em meados do séc.
XIX, o Brasil, apesar da Independência, ainda vivia, no plano
legislativo, submetido à Metrópole, pela virtual ausência de codificação nacional.
Em todas as áreas a legislação brasileira ainda era a mesma que a portuguesa.
A Constituição do Império, de 1824, assim determinava (art. 179, item l 8):
“Organizar-se-á, quanto antes, um código civil e criminal, fundado nas sólidas
bases da justiça e da equidade”. A recém ex-colônia precisava de legislação
própria e em 1830 surge a primeira delas, o Código Criminal, primeiro passo
rumo ao expurgo das Ordenações Filipinas. Esse Código seria revogado em 1890
por outro, também revogado em 1940, pelo atual Código Penal.
Posteriormente, em 1850, tivemos o Código Comercial, que ainda continua
parcialmente em vigor, em relação ao Direito Marítimo (arts. 457 e ss.), mas
revogado quase integralmente pelo CC/2002 e pela Lei 7.661/1945 (a antiga Lei
de Falências e Concordatas, revogada pela Lei 11.101/2005, a Lei de
Recuperações e Falências – LRF).
Por fim, o último dos grandes Códigos, apesar de ter iniciado suas discussões e
tramitação ainda no séc. XIX, só viria a se transformar em Código Civil em
1916. Com ele, fecha-se o ciclo da Codificação, esse movimento de
criação dos grandes Códigos característicos do séc. XIX.
O CC/1916 é exemplar, bem mais conciso que seus pares europeus, contando
com “apenas” 1.807 artigos (o Code Napoléon tinha 2.281 artigos, o BGB, outros
2.382 artigos, e o Codice italiano, 2.969 artigos). O Código brasileiro unia o
melhor dos dois mundos: as concepções jusprivatísticas liberais, de cunho avant-
garde francesa, com técnica e o apuro, a Technik alemã.

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Ainda assim, o CC/1916 era fruto de seu tempo e espaço. A realidade brasileira
era bastante distante do dever-ser codificado. O país era ainda dominado pela
“prole” da aristocracia agrária luso-brasileira, receosa quanto aos “novos
tempos”. Essa classe, porém, já sentia os impactos da nova burguesia liberal e
da nova classe média conservadora.
O Código se torna um produto de seu tempo, com as contradições que lhe são
evidentes. O Direito de Família é marcadamente patriarcal, com clara opção pelo
absolutismo do poder marital, da submissão da mulher ao marido e do controle
da sociedade conjugal pelo homem, com poder praticamente ilimitado sobre os
filhos. Moralista – numa perpetuação da falsidade dominante numa sociedade
que se constitui à margem dos preceitos pios –, impede o divórcio e a filiação
ilegítima; discrimina os filhos e a mulher em nome da manutenção da instituição
familiar.
Era um Código que aspirava os ideais liberais
e progressistas da nova burguesia, mas
mantinha os pés firmes no conservadorismo
aristocrático. Refletia técnica e dogmática
típicas de um punhado de juristas da “capital”, sem grande consideração
com a realidade interiorana do país, marcada pela informalidade, pela
ausência de conhecimento acadêmico e pelo vasto analfabetismo.
Orlando Gomes, em sua magistral e atemporal obra “Raízes históricas e
sociológicas do Código Civil brasileiro”, de 1958, desvela os meandros da
monumental obra do Direito Civil nacional. Talvez uma frase do “pai” do Código,
Clóvis Beviláqua, revele as ambiguidades que marcaram tão importante lei:
Se cumpre evitar do individualismo o que ele contém de exageradamente egoísta e
desorganizador, não é perigo menor resvelar no socialismo absorvente e aniquilador dos
estímulos individuais.

O Código Civil é marcado, assim, pelas contradições e pelas grandes mutações


existentes no final do séc. XIX e início do séc. XX. O mundo mudava e a I Guerra
Mundial eclodira há pouco. No Brasil, em que pese a Constituição de 1891
colocasse fim à fusão do Estado com a Igreja como fruto do pensamento
positivista de Benjamin Constant, o CC/1916 ainda se mantinha fiel às tradições
católicas profundamente enraizadas da população. A indissolubilidade
matrimonial é exemplar nesse aspecto.
Muito mais do que um Código de normas, Orlando
Gomes vê no Código Civil uma qualificação
sociológica que exige levar à luz e criticar as
causas e as finalidades da norma. A norma, em
si, não tem relevância alguma; sua relevância exsurge quando se
analisam as razões pelas quais aquela norma foi criada e quais são os
objetivos daquela regulação.
Mesmo que Clóvis Beviláqua pretendesse afastar o CC/1916 da “questão social”,
evidente que esse é um intento impossível. O Direito é uma ciência social e, como
tal, não se furta das questões sociais lato sensu que lhe são subjacentes. A figura

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quase mitológica e abstrata do legislador se materializa nas escolhas políticas


que são feitas quando da feitura da norma.
Novo e velho convivem já na primeira codificação civil brasileira. O
ordenamento trata do liberal e novíssimo direito de propriedade em seus
contornos mais modernos, nos moldes do droit de propriété absolu e, ao mesmo
tempo, ainda regula os vetustos e medievais aforamentos.
Ambos são institutos conflitantes e auto-excludentes, mas resistiram um ao
outro. A burguesia nacional ansiava pela compreensão de que o apossamento
dos bens de raiz deveria se dar por um instituto que reduzia a apropriação a seu
critério puramente econômico, instrumentalizada pelo contrato; a Igreja e os
setores militares pretendiam manter privilégios sobre os bens que lhes foram
confiados ainda ao tempo da Coroa.
A apropriação dos bens imóveis deveria livre, mas a tradição lusitana cartorial se
manteve estática, notavelmente. Não apenas o impasse técnico-jurídico marcou
o Código, mas também os impasses da sociedade, marcadamente desigual.
Enquanto o Código era respeitadíssimo nos círculos sociais da política do café-
com-leite pela sua técnica, era desconhecido e excludente fora deles; a
população, em geral, se mostrava distante das normas.
Se o Código de Napoleão era o “Código Civil dos franceses” (Le Code civil des
Français), uma norma feita para o povo, o Código alemão era simplesmente o
“Código Civil” (Bürgerliche Gesetzbuch). 1 Por isso, habitualmente se vincula o
Código pátrio ao BGB, situado muito mais no campo do dever-ser do que no
campo do ser, como o Code Napoléon.
O CC/1916 fez várias escolhas, muitas louváveis e tantas outras criticáveis. Não
à toa, já em 1919 o Decreto Legislativo 3.725 faz extensas mudanças no Código,
ainda que a maioria delas fosse apenas de redação.
O ímpeto codificatório de cunho claramente
positivista foi perdendo espaço,
especialmente após as grandes mudanças
sociais operadas no pós-II Guerra Mundial.
Talvez o exemplo mais claro desse movimento codificatório, cujo objetivo era
acabar com qualquer lacuna legal, tenha sido o Esboço de Código Civil de Teixeira
de Freitas.
Publicado entre 1.860 e 1.865, o Anteprojeto do Esboço
tinha 4.908 artigos, sem contar ainda com vários
dispositivos de Direitos Reais e de Direito das
Sucessões, o que faria com que ele, concluído,
contasse com mais de 5.300 artigos. O movimento codificatório atinge seu
ápice com o Esboço: científico, claro, completo, racional e sem lacunas.

1
Ou, numa mais direta e literal, o “Livro de leis dos burgueses”. Burgueses no sentido de
“habitante do burgo”, obviamente, sem a noção ideológica eventualmente aí encarada, mas no
sentido de “civil”, de “cidadão”.

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Um século depois, a racionalidade jurídica se inverte. Ao invés de um


único grande diploma legislativo, que unisse toda a codificação sobre um
grande tema (e os três, à época eram exatamente os “três grandes Códigos”
Criminal, Comercial e Civil), seria mais adequado tratar de temas em
legislações específicas, cuja discussão seria feita pessoas muito
especializadas em cada área, ao invés de generalistas.
Esse movimento passa tanto pelo Direito Civil quanto pelo Direito Penal, e começa
neste a surgir a legislação extravagante, as normas penais especiais, e naquele
os microssistemas. É o movimento da descodificação de que falei anteriormente.
Diversos estatutos e microcódigos vêm exatamente nesse
mesmo sentido. Não seria necessário alterar os
dispositivos do Código Civil para prever normas
relativas a crianças, consumidores etc., por várias razões. Uma, que já
mencionei, é exatamente a noção de criar um microssistema discutido por
experts no assunto específico do idoso, com mais “conhecimento de causa”.
A segunda, que também ajuda a compreender o movimento da descodificação, é
que determinados temas exigem legislações que extrapolam a
competência criada por aquela divisão dos três grandes Códigos. O ECA e
o CDC trazem, em si, normas de Direito Civil, Direito Penal e Direito Processual
(um dos Códigos que, posteriormente, se adicionaria aos “três grandes”, em
1939, com o CPC, formando um “quarteto”).
Ou seja, seria mais adequado estabelecer normas num
microssistema, Código ou Estatuto, próprio do que
pulverizar as normas em diversos diplomas legais, de
maneira que se perderia a unidade do tema. É o que aconteceu com o
consumidor, eis que as normas do CDC trazem aspectos civis (regulação do
contrato de consumo), comerciais (práticas abusivas de propaganda),
processuais (regras específicas para a relação consumerista) e penais (tipos
penas voltados ao mercado de consumo) e com o ECA, que regula normas civis
(como a adoção), administrativas (funcionamento das instituições ligadas a
crianças e adolescentes) penais (tipos penas voltados a proteção dos menores),
processuais etc.
Esses microssistemas inauguram, portanto, um novo marco regulatório,
que engloba regras de diversas áreas e temas,
de modo a conseguir cumprir seus objetivos de
maneira mais adequada e harmônica, evitando
conflitos normativos e assegurando
efetivamente a proteção visada pela norma.
Esse movimento continuará mesmo depois da CF/1988 e do CC/2002, como se
vê com a edição de outros estatutos. O Estatuto do Idoso, o Estatuto da
Juventude e o Estatuto da Pessoa com Deficiência são exemplares a respeito,
cada um deles trazendo normatização detalhada a respeito dos hipossuficientes
regidos por tais normas.

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Adicione-se a isso os profundos impactos causados, tanto na sociedade brasileira


quanto na legislação, pela Constituição Federal de 1988. A CF/1988 trouxe
numerosos dispositivos de proteção à pessoa como contraponto às violações
ocorridas durante a ditadura militar imediatamente antecedente. Objetivou ir
além; não apenas evitar que os direitos fossem violados, mas também
criar novas formas de proteção à pessoa.
Pretendia evitar que sequer se cogitassem violações a determinados grupos, não
apenas no plano Estado-pessoa (relações “públicas”), mas, igualmente, no plano
pessoa-pessoa (relações interprivadas). Daí o ECA e o CDC, já na aurora dos anos
1990. Nesse sentido, numerosos dispositivos constitucionais trazem
proteção, de maneira ampla, a determinadas categorias, como a criança,
o adolescente, o consumidor e o idoso.
O projeto das codificações monolíticas, assim, rui definitivamente nos anos 1990
com os microssistemas. Esse movimento, porém, remonta a décadas anteriores.
Já na passagem da década de 1940 à década de 1950, a Lei 883/1949 passou a
permitir a legitimação dos então “filhos adulterinos” após a dissolução da
sociedade conjugal.
O reconhecimento dos “filhos adulterinos”, mesmo durante a constância da
comunhão matrimonial, ocorreria apenas na década de 1970, por decisão do STF,
escandalizando a sociedade “da moral e dos bons costumes”. Já em 1949, as
vertentes mais tradicionais da sociedade já
propugnavam como o retalhamento do Código
Civil patriarcal e institucional, com
permissões como a legitimação de “filhos
ilegítimos” em breve significaria o “fim da
família”.
Na década de 1960, o Estatuto da Mulher Casada aniquila a absurda capitis
deminutio que a mulher tinha com o casamento; ainda que reconheça que o
“marido é o chefe da sociedade conjugal”, a mulher “sobe” de status, já que a
chefia deveria ser exercida “com a colaboração da mulher”; passa a permitir que
a mulher trabalhe “fora” sem autorização do marido e que os frutos de seu
trabalho sejam pessoais. De novo, o “fim da família” estava próximo.
Com a Lei 6.615/1977, a Lei do Divórcio, passou-se a permitir a dissolução da
sociedade conjugal com a separação e a dissolução do matrimônio, com o
divórcio. Se a família conseguira sobreviver custosamente aos “ventos liberais”
iniciados em 1949, certamente desfaleceria agora, com a permissão para o fim
do vínculo divino que unia o homem à mulher.
Os princípios regentes e a racionalidade do CC/1916, vão lenta, mas
continuamente, sendo postos a latere. A sociedade brasileira mudara
radicalmente entre 1916 e 1964 e continuaria a mudar nas décadas
subsequentes. O Código se mantém em pé, mas dá sinais de fraqueza mais
evidentes quando, em 1965, o Anteprojeto de Código das Obrigações de Orlando
Gomes é apresentado ao Congresso Nacional.

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Porém, é apenas com a CF/1998 que o movimento da descodificação


deslancha. Isso porque o país passara, entre as décadas de 1960 a 1980 pelo
jugo do regime militar. O amordaçamento das liberdades individuais se refletiu
claramente no plano privado. A pessoa era elemento secundário nesse período,
já que as preocupações do regime de exceção eram mais voltadas aos “inimigos
do Estado”.
A descodificação, que grassava a passos largos nos sistemas da Civil Law
europeia, ainda era tímida aqui. O próprio projeto de CC/2002, iniciado já na
década de 1960, era frequentemente posto de lado pelo legislador fardado. Com
o recrudescimento da violência estatal, já na década de 1970, o Projeto é
definitivamente esquecido. Voltará à tona em 1984, com os ares da democracia
se reaproximando.
Nesse meio tempo, a compreensão de que o Código estava defasado se torna
praticamente unânime entre os jusprivatistas. A CF/1988, então, se torna o
lugar-comum do novo anseio, já que a proteção dos hipossuficientes, em seu
sentido mais amplo, torna-se a ordem do dia.
Se o CC/1916, fruto de seu tempo, se preocupava com o patrimônio,
centralmente, a nova ordem constitucional determina que seja ele posto de lado,
erguendo-se a pessoa como centro do ordenamento jurídico pátrio. Por isso, os
“excluídos do Código” de 1916 tornam-se peça central.
Se no regime patriarcal a figura do pai era nuclear, e sua autoridade
inquestionável, o ECA vem à lume criando direitos a crianças e adolescentes,
proscrevendo os abusos parentais. Se o proprietário-empresário é a preocupação
do legislador pretérito, o legislador constitucional pretende proteger o
consumidor, a partir de um sistema, o CDC, que lhe dê paridade de armas.
Se as uniões não matrimonializadas eram postas à margem da lei e tidas por
concubinato, o constituinte tenta equiparar as uniões estáveis ao casamento. Se
o processo civil é pensado para as grandes demandas individuais, a Lei
9.099/1995 regula os Juizados Especiais Cíveis e efetiva, no Poder Judiciário, as
“pequenas causas” de 1984. Se o ímpeto do credor é tão voraz a ponto de deixar
o devedor “debaixo da ponte”, a Lei 8.009/1990 impede que o bem de família
seja excutido.
Nos anos seguintes, o ideal constitucional de
proteção dos hipossuficientes continua, e
mesmo em anos recentes esse escopo não
arrefeceu. Em 1996, a legislação dá novo status
ao concubinato, reconhecendo as uniões estáveis
com mais vigor, na esteira da jurisprudência. Em 2003, os idosos são
contemplados com um Estatuto e em 2013 os jovens também ganham norma
própria.
Curiosamente, o ideal recodificatório, aparentemente natimorto desde a
década de 1970, e a despeito do giro de compreensão da realidade –
plural, que exige a efetivação dos microssistemas –, reaparece. O ímpeto

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dos civilistas mais tradicionais de compreender o Código Civil como central no


ordenamento jamais arrefecera.
Contraprova são as palavras de Miguel Reale, que afirmou, ao tratar da “visão
geral do Projeto de Código Civil”:
Em um País há duas leis fundamentais, a Constituição e o Código Civil: a primeira estabelece
a estrutura e as atribuições do Estado em função do ser humano e da sociedade civil; a
segunda se refere à pessoa humana e à sociedade civil como tais, abrangendo suas
atividades essenciais.

Ao se defender dos críticos, depois da aprovação do CC/2002 (ainda sem esse


nome, evidentemente) pela Câmara dos Deputados, Reale continuava enfático
acerca da “atualidade do Código”. Após uma década de vigência da CF/1988 e da
jurisprudência que reinterpretava o CC/1916 à luz do novel estatuto
constitucional, Reale continuava a defender que seu projeto era “atualíssimo”.
O fato de ter tramitado (rectius: dormitado) por quase 30 anos no Congresso
Nacional lhe escapou. O fato de ter sido redigido sob a batuta de um constituinte
castrense que agia por Atos Institucionais, também. As diversas alterações na
ciência, igualmente (uma lei gestada antes do DNA, da internet, da comunicação
de massa em alta velocidade é, de per si, datada).
Miguel Reale reputava essa crítica à
“impaciência juvenil”, que contaminava
igualmente juristas mais experientes. Era a
velha retórica da experiência falando a
respeito da “confusão” dos menos
experientes, que supostamente não entendiam a respeito do assunto:
Compreende-se que as inteligências juvenis, entusiasmadas com as novidades da Internet
ou a descoberta do genoma, tenham decretado a velhice precoce do novo Código, por ter
sido elaborado antes dessas realizações prodigiosas da ciência e da tecnologia, mas os
juristas mais experientes deviam ter tido mais cautela em suas afirmações, levando em
conta a natureza específica de uma codificação, a qual não pode abranger as contínuas
inovações sociais, mas tão somente as dotadas de certa maturação e da devida “massa
crítica”, ou já tenham sido objeto de lei.

Rebatia que o Código regulava a paternidade por fecundação homóloga e


heteróloga; esquecia, porém, que ainda mantinha as vetustas presunções de
paternidade, derribadas pelo Exame de DNA. Mostrava que a norma era
vanguardista ao tratar da união estável em detrimento do concubinato; olvidava
que ele mantinha a odiosa distinção sucessória entre o companheiro e cônjuge,
a despeito das inúmeras decisões do STJ, que até então ordenava a equiparação.
Defendia que se o constituinte originário tratara do casamento entre “homem e
mulher”, não podia o Código reconhecer o casamento homoafetivo; deixava
passar que os arts. 1.514 e 1.517 poderiam simplesmente ter mencionado “duas
pessoas”, ao invés de “homem e mulher”, abrindo caminho para a aplicação do
“princípio da concretitude”, contido no “princípio da operabilidade”, por ele
mesmo enunciado, de modo a “realizar concretamente” o direito no caso.
A crítica intensa levada a cabo com a vigência do CC/2002 não era descabida. O
criador acabou absorvido pela criatura, defendendo-a de toda sorte de crítica. O

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constitucionalismo avançava a passos largos e o Direito Civil era lentamente


lançado ao ocaso porque boa parte dos civilistas continuava, como Reale, a
vislumbrar que um novo sistema monolítico teria o condão de, por si só, reanimar
o ímpeto centralizador da norma civil.
Muitos ainda pretendiam interpretar a CF/1988 a partir do novel
dispositivo civil. Compreender os artigos da Magna Carta a partir da
minudenciação trazida pelo Código, numa subversão da lógica sistêmica.
Evidente que o CC/2002 avançou em determinados aspectos em relação ao
CC/1916, tanto relativamente a elementos concretos quanto em relação a
elementos técnicos.
Nada obstante, mesmo entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
sedimentados depois da década de 1960 foram simplesmente ignorados.
Tecnicamente falando, as lições do paraibano Agnelo Amorim Filho e sua distinção
científica entre prescrição e decadência não foram absorvidas pelo legislador. A
==1150fb==

despeito do avanço em relação à norma revogada, o CC/2002 continuou a


cometer graves equívocos dogmáticos a respeito do tema. Era desnecessário
recorrer à doutrina estrangeira ou a sistemas alienígenas. Amorim Filho já tinha
compreensão clara a respeito do tema desde seu artigo na Revista de Processo
na década de 1960.
Socialmente, a jurisprudência equiparara as uniões estáveis ao casamento em
amplos aspectos, incluindo o regime sucessório. O CC/2002, em contramarcha,
regrediu a regime anterior. Os avanços do Código foram ofuscados em larga
medida porque Reale insistia em se manter fiel ao direito “sedimentado” (ainda
que ele não explicasse o porquê de seu projeto ir contra ao entendimento que se
sedimentava nas duas últimas décadas no STF e no STJ), à experiência jurídica
pretensamente assentada.
A tentativa de reconquistar os espaços perdidos para os estatutos era,
obviamente, batalha perdida. O objetivo dos microssistemas é diverso. Trata-se
exatamente de evitar a proteção demasiado genérica dada pelos grandes
Códigos. O objetivo é precisamente proteger
determinados grupos de pessoas em situações
cotidianas mais específicas, comezinhas até. É
conseguir dar guarida ao pedido de um consumidor em face de um vendedor que
se recusa a trocar o produto defeituoso; de uma criança que pretende ir a
determinado evento sem a companhia dos pais; de um idoso que não consegue
sentar-se no banco de um ônibus, sujeitando-se a acidentes.
Contudo, parece que cada um desses microssistemas responde a uma lógica
interna inaudível aos demais; parece não haver mais lógica sistemática com a
ruptura do CC/1916. Entretanto, a lógica de
unidade sistêmica não mais se assenta no
Código, mas na Constituição; há um giro
interpretativo completo, uma Virada de
Copérnico. A unidade do sistema se encontra,
então, na Carta Constitucional.

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2. A caminho de um direito civil-constitucional


A partir dessa interpretação sistêmica, calcada na CF/1988, é possível
visualizar o papel de cada norma: a proteção da dignidade da pessoa
humana em seus diversos aspectos.
Apagam-se as fronteiras e se rebaixam
as discussões de cunho puramente
dogmático em prol da elevação da
proteção à pessoa.
A Constitucionalização do Direito, então, desmantela a ordenação civil. Não só,
evidentemente, mas meu foco é exatamente o Direito Civil, no conceito
solidificado por Domat na esteira do Código Napoleão; um Direito que se
confunde com um Código: a lei dos privados.
Um primeiro passo em direção à constitucionalização se dá, previamente, com a
publicização do Direito Privado, na esteira do crescente intervencionismo estatal
que recrudesce na França desde a Revolução. A fragmentação normativa
esmaece contornos e embaralha a clássica dicotomia público-privado,
sem que, contudo, o direito se dissolva; ou, como disse Maria Celina Bodin de
Moraes no “a caminho de um direito civil-constitucional”:
Mais: no Estado Democrático de Direito, delineado pela Constituição de 1988, que tem entre
seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, o antagonismo público-privado perdeu definitivamente o sentido. Os objetivos
constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicação da
pobreza colocaram a pessoa humana – isto é, os valores existenciais – no vértice do
ordenamento jurídico brasileiro, de modo que tal é o valor que conforma todos os ramos do
Direito.

Consequentemente, o foco da proteção constitucional é, sem sombra de dúvida,


a pessoa humana. Clama-se pela despatrimonialização do Direito Privado,
marcadamente de índole patrimonial, diante da dignidade da pessoa humana,
princípio esse assentado na ordem constitucional.
E nem se discuta acerca do caráter meramente programático das normas
constitucionais; tratam-se de normas, que devem ser aplicadas do mesmo modo
que devem ser aplicadas as normas civis ou penais. A aplicação dos valores e
princípios plasmados no texto constitucional
deve ser direta e imediata, não apenas nas
relações Estado-pessoa, mas igualmente, e
quiçá com mais rigor ainda, nas relações
interprivadas.
A transformação exigida do civilista não é de pequena monta, evidentemente. O
direito civil-constitucional inverte e subverte a ordem e a lógica intrínsecas a um
dos ramos mais tradicionais do Direito Ocidental. A revisitação de institutos
clássicos não é tarefa das mais fáceis e certamente não ocorre sem oposição;
trata-se de ressignificar significantes assentados pela doutrina e pela
jurisprudência nacional e internacional há séculos.
O exemplo mais patente seja, talvez, o casamento. Figura essa que remonta ao
Direito Romano e que encontrou no medieval Direito Canônico grande parte da

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expressão contemporânea mais tradicional, repensá-lo exige esforço hercúleo.


Compreender que pode ser celebrado entre pessoas do mesmo gênero exigiu
ruptura do intérprete com a literalidade do próprio texto constitucional.
Não foram poucas as vozes a não rechaçar o reconhecimento e mesmo a
equiparação ampla das uniões homoafetivas ao casamento, mas a rechaçar que
o termo casamento fosse usado a esses casos. Vale dizer, a instituição do
casamento deveria ser exclusiva de casais heteroafetivos, mesmo que a união
civil de pessoas do mesmo sexo tivesse idêntica aplicação. O significante, porém,
não deveria ser “distorcido”.
O peso da tradição e da terminologia têm
especial relevo no Direito Civil; o recurso à
“explicação histórica” de variados institutos
sempre foi motivo de orgulho. Não são poucos
os intérpretes – em especial os da docência – a iniciar algum tema de Direito Civil
recorrendo a Roma. Mesmo o abandono do uso do latim na prática forense foi
mais crítico aos civilistas que aos demais juristas.
Por isso, o direito civil-constitucional foi alvo de intensa resistência (e ainda o é).
Se ressignificar qualitativamente o casamento foi uma batalha de décadas,
quantitativamente não será tarefa menos árdua. As uniões poliafetivas desafiam
o intérprete, que se vale dos expedientes tradicionais para escapar da resolução
desses conflitos.
Recorrer ao velho concubinato para afastar a aplicação da norma jurídica
existencial e patrimonial é ir de encontro à CF/1988 que elegeu a igualdade e a
liberdade com dois dos princípios mais fundamentais derivados da dignidade da
pessoa humana. É sempre mais cômodo, como vem fazendo o STJ nos últimos
tempos, decidir pelo non liquet requentado: o ordenamento civil não permite tal
pretensão material.
Escamotear relações paralelas e poliafetivas, taxando-as de “não-jurídicas” é
novamente tapar o sol com a peneira, como fizera o intérprete décadas antes
com a união estável. É por isso que as
premissas do “direito civil
constitucionalizado” são de especial
importância, em sua tripla perspectiva,
como enumera Luiz Edson Fachin, de
maneira sumarizada, em “Direito civil:
sentidos, transformações e fim”.
Primeiro, a constitucionalização é formal. A constitucionalização formal
“é a instância do sentido da regra positivada (na legislação
constitucional ou infraconstitucional)”. Ou seja, nem mesmo em sua
vertente mais elementar, a constitucionalização jamais significou um mero
deslocar das normas; do texto civil ao texto constitucional; do CC à CF.
Constitucionalizar não significa, portanto, enxertar no texto constitucional
matéria típica de direito civil. A regra positivada na legislação infraconstitucional

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é também constitucional, quando aquela nesta encontra escora. Mas não só. A
constitucionalização é também substancial.
A constitucionalização substancial “é a expressão normativa e vinculante
dos princípios, expressos ou implícitos na ordem constitucional
positivada, e que compõem o ordenamento”. Assim, necessário que as
normas infraconstitucionais sejam reinterpretadas à luz dos princípios contidos
no texto constitucional. Não apenas os princípios explícitos, mas também os
implícitos, geralmente ignorados pelo intérprete.
A doutrina mais apressada geralmente para por aí, crendo que a
constitucionalização tem esse duplo aspecto formal e substancial/material; crê-
se que a constitucionalização do direito civil seja a inserção de suas normas no
texto constitucional (numa via) e sua reinterpretação a partir dos princípios
constitucionais (na outra via). Não obstante, essa dupla perspectiva ignora a mais
relevante das vertentes da constitucionalização: a prospectiva.
A constitucionalização prospectiva busca:
(...) os significantes cujos sentidos são apropriados pela representação jurídica,
num determinado espalho e ao curso de certo
tempo, ora com o fim de legitimar escolhas
previamente levadas a efeito na supremacia
cultural dos interesses sociais, econômicos e
históricos, ora na contramão de tais interesses.

Constitucionalização formal

• A instância do sentido da regra positivada (na legislação


constitucional ou infraconstitucional)

Constitucionalização substancial

• A expressão normativa e vinculante dos princípios,


expressos ou implícitos na ordem constitucional
positivada, e que compõem o ordenamento

Constitucionalização prospectiva

• A busca dos significantes cujos sentidos são apropriados


pela representação jurídica, num determinado espalho e
ao curso de certo tempo (ressignificação dos significantes)

Fachin critica a falta de prestígio da doutrina, no Brasil; bem como da


jurisprudência, que ainda não compreendeu seu papel nesse desafio. Igualmente,
o legislador também ainda está à margem da constitucionalização ao variar

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abruptamente sua produção normativa, “ora num sonambulismo tocante, ora


num protagonismo cativo de pautas metajurídicas”.
Esses problemas, conjunturais, mas não estruturais, afetam diretamente a
adequada constitucionalização de cunho prospectivo. A constitucionalização é
desafiada pela compreensão de que a codificação não mais se assume
como o núcleo do ordenamento; na travessia do fato ao Direito, a efetivação
da dignidade da pessoa humana tem caráter central.
meio da constitucionalização prospectiva, o
intérprete pode buscar novos significados aos
significantes postos, ressignificando-os, sem
que o texto normativo seja alterado. A
ressignificação do casamento, da união de um homem e uma mulher à união
entre duas pessoas, exemplifica essa travessia de sentidos.
O intérprete sabe que a ressignificação ocorrerá entre sístoles e diástoles,
marchas e contramarchas da operabilidade do ordenamento. A
constitucionalização do direito civil exige uma pauta de “compromissos de longa
duração transformadora”. A constitucionalização reconhece que a mudança
é inevitável, e não reconhece nessas mudanças certa decadência dos
tradicionais institutos.
É comum, e novamente o exemplo do matrimônio é providencial, que essas
mudanças causem espécie e comoção virulenta. Desde 1949, quando o legislador
passou a permitir a legitimação de filhos adulterinos, o casamento foi tido como
perto do fim; quando da Lei do Divórcio, na década de 1970, era certo que ele
não duraria muito mais. A decadência do matrimônio era iminente; passados 70
anos, o casamento continua “firme e forte” na realidade social brasileira, talvez
agora mais abrangente, já que permite que pessoas que antes não poderiam
casar agora possa fazê-lo.
O sentido do matrimônio já não é mais o mesmo. Se antes era a união
indissolúvel entre um homem e uma mulher e se seu único objetivo era a
procriação, já não mais. Sob a perspectiva eudemonista, o casamento antes
serve para a realização do projeto de existência de duas pessoas que pretendem
comungar uma vida, juntos, em busca da realização e felicidade pessoais. O
tradicional instituto foi repetidamente ressignificado nas últimas décadas, ainda
que o significante permaneça o mesmo.
Parafraseando Enzo Roppo, a respeito do
contrato, não houve uma decadência do
instituto, antes um relançamento. A
realidade social contemporânea reclama
que o Direito transcenda suas
tradicionais fronteiras; o reclamo legítimo de proteção jurídica faz com
que la révolte des faits contre de Code, como dizia Gaston Morin, se torne
mais e mais frequente.

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O desafio do jurista que reconhece a relevância ímpar da constitucionalização do


direito civil é monumental; tão monumental quando os códigos que subjazem de
sua crítica. Maria Celina Bodin de Moraes arremata a dificuldade:
Com efeito, sabe-se hoje ser uma perspectiva ilusória aquela que considerava a operação
de aplicação do direito como atividade puramente mecânica, que se resumiria no trabalho
de verificar se os fatos correspondem aos modelos abstratos fixados pelo legislador.
A análise do caso concreto, com freqüência, enseja prismas diferentes e raramente pode
ser resolvida através da simples aplicação de um artigo de lei ou da mera argumentação de
lógica formal. Daí a necessidade, para os operadores do direito, do conhecimento da lógica
do sistema, oferecida pelos valores constitucionais, pois que a norma ordinária deverá
sempre ser aplicada juntamente com a norma constitucional, que é a razão de validade para
a sua aplicação naquele caso concreto. Sob esta ótica, a norma constitucional assume, no
direito civil, a função de, validando a norma ordinária aplicável ao caso concreto, modificar,
à luz de seus valores e princípios, os institutos tradicionais.

Por isso, a hermenêutica de índole civil-constitucional não pode simplesmente


pretender resolver os hard cases do juiz Hércules de Dworkin com base pura e
simples em critérios de interpretação e de integração. A mera obediência à
ordem de critérios não resolve os problemas concretos.
Não é possível que o jurista creia que a analogia trará solução jurídica melhor
que os princípios gerais do direito, ou que a analogia, descolada das demais
formas de integração normativa, será capaz de dar solução adequada aos
problemas jurídicos. Igualmente, o recurso aos critérios de resolução de
antinomias está longe de resolver os “casos difíceis”.
Não que o direito civil constitucionalizado abandonará esses pilares, ou os
relegará ao ostracismo. Questões comezinhas do cotidiano e problemas comuns
podem – e devem – ser resolvidos dentro das molduras previamente elencadas;
mas questões de repercussão social não podem ser tratadas talqualmente
aquelas.
Assim, a dignidade da pessoa humana, de maneira
prospectiva, permite visualizar que é necessário dar
novo sentido aos significantes cujo significado deve
estar contido na sistemática de proteção prevista na
CF/1988 por intermédio dos princípios, explícitos e
implícitos.

Jurisprudência e Súmulas Correlatas

O STJ, mesmo antes da entrada em vigor do CC/2002, já aplicava a


metodologia civil-constitucional para mitigar os efeitos deletérios de
normas vetustas e claramente inconstitucionais. A impossibilidade de prisão
do depositário infiel já vinha se sedimentando na Corte desde os anos 1990,

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situação que só seria completamente exaurida com a Súmula Vinculante 25 do


STF, em 2008.
Porém, no exemplar voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, já é possível
reconhecer claramente a constitucionalização das normas civis
infraconstitucionais a partir da ressignificação dos significantes com
base no princípio da dignidade da pessoa humana:
HABEAS CORPUS. Prisão civil. Alienação fiduciária em garantia. Princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais de igualdade e liberdade. Cláusula
geral dos bons costumes e regra de interpretação da lei segundo seus fins sociais. Decreto
de prisão civil da devedora que deixou de pagar dívida bancária assumida com a compra de
um automóvel-táxi, que se elevou, em menos de 24 meses, de R$ 18.700,00 para R$
86.858,24, a exigir que o total da remuneração da devedora, pelo resto do tempo provável
de vida, seja consumido com o pagamento dos juros. Ofensa ao princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana, aos direitos de liberdade de locomoção e de igualdade
contratual e aos dispositivos da LICC sobre o fim social da aplicação da lei e obediência aos
bons costumes. Arts. 1º, III, 3º, I, e 5º, caput, da CR. Arts. 5º e 17 da LICC. DL 911/67.
Ordem deferida (HC 12.547/DF, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA,
julgado em 01/06/2000, DJ 12/02/2001, p. 115).

A constitucionalização do direito civil se mostra, em realidade, como


método e não como objetivo; trata-se de processo metodológico que parte da
Carta ao texto infraconstitucional:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. EFETIVAÇÃO
MEDIANTE EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165; 458, II; 463, II e 535,
I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. As regras infraconstitucionais, na sua exegese, devem
partir da premissa metodológica da novel constitucionalização do direito, inaugurada pela
Carta pós-positivista de 1988 (REsp 834.678/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 26/06/2007, DJ 23/08/2007, p. 216).

A constitucionalização não alcança apenas o Direito Civil, mas é notável


em ramos tão diversos como o Direito Penal e o Direito do Trabalho. No voto
abaixo transcrito, o STJ bem reconhece a constitucionalização ocorrida em sede
laboral:
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROFISSIONAL DA
OPTOMETRIA. RECONHECIMENTO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PRECEDENTE/STJ.
LEGITIMIDADE DO ATO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. DIREITO GARANTIDO SE PREENCHIDOS
OS REQUISITOS SANITÁRIOS ESTIPULADOS NA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. VALORIZAÇÃO
DO TRABALHO HUMANO E A LIBERDADE PROFISSIONAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.
1. A valorização do trabalho humano e a liberdade profissional são princípios constitucionais
que, por si sós, à míngua de regulação complementar, e à luz da exegese pós-positivista
admitem o exercício de qualquer atividade laborativa lícita.
2. O Brasil é um Estado Democrático de Direito fundado, dentre outros valores, na dignidade
e na valorização do trabalho humanos.
Esses princípios, consoante os pós-positivistas, influem na exegese da legislação
infraconstitucional, porquanto em torno deles gravita todo o ordenamento jurídico,
composto por normas inferiores que provêm destas normas qualificadas como soem ser as
regras principiológicas.

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3. A constitucionalização da valorização do trabalho humano importa que sejam tomadas


medidas adequadas a fim de que metas como busca do pleno emprego (explicitamente
consagrada no art. 170, VIII), distribuição eqüitativa e justa da renda e ampliação do acesso
a bens e serviços sejam alcançadas. Além disso, valorizar o trabalho humano, conforme o
preceito constitucional, significa defender condições humanas de trabalho, além de se
preconizar por justa remuneração e defender o trabalho de abusos que o capital possa
desarrazoadamente proporcionar. (Leonardo Raupp Bocorny, In "A Valorização do Trabalho
Humano no Estado Democrático de Direito, Editora Sergio Antonio Fabris Editor, Porto
Alegre/2003, páginas 72/73).
4. Consectariamente, nas questões inerentes à inscrição nos Conselhos Profissionais, esses
cânones devem informar a atuação dos aplicadores do Direito, máxime porque dessa
legitimação profissional exsurge a possibilidade do trabalho, valorizado
constitucionalmente.
5. O conteúdo das atividades do optometrista está descrito na Classificação Brasileira de
Ocupações - CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Portaria n. 397, de
09.10.2002).
6. O art. 3º do Decreto nº 20.931, de 11.1.1932, que regula a profissão de optometrista,
está em vigor porquanto o ato normativo superveniente que os revogou (art. 4º do Decreto
n. 99.678/90) foi suspenso pelo STF na ADIn 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade
formal.
7. Reconhecida a existência da profissão e não havendo dúvida quando à legitimidade do
seu exercício (pelo menos em certo campo de atividades), nada impede a existência de um
curso próprio de formação profissional de optometrista.(MS 9469/DF, Rel. Ministro TEORI
ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10.08.2005, DJ 05.09.2005) 8. A
competência da vigilância sanitária limita-se apenas à análise acerca da existência de
habilitação e/ou capacidade legal do profissional da saúde e do respeito à legislação
sanitária, objeto, in casu, de fiscalização estadual e/ou municipal.
9. O optometrista, todavia, não resta habilitado para os misteres médicos, como são as
atividades de diagnosticar e tratar doenças relativas ao globo ocular, sob qualquer forma.
10. O curso universitário que está dimensionado, em sua duração e forma, para o exercício
da oftamologia, é a medicina, nos termos da legislação em vigor (Celso Ribeiro Bastos, In
artigo "Da Criação e Regulamentação de Profissões e Cursos Superiores: o Caso dos
Oftalmologistas, Optomestristas e Ópticos Práticos", Estudos e Pareceres, Revista de Direito
Constitucional e Internacional, nº 34, ano 9 - janeiro-março de 2001, RT, pág. 257).
11. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente,
pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o
magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde
que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
12. Recurso Especial provido, para o fim de expedição do alvará sanitário admitindo o ofício
da optometria.
(REsp 975.322/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe
03/11/2008).

Eis a famosa decisão do STF a respeito do reconhecimento das uniões


homoafetivas como entidades familiares dignas de respeito e proteção
jurídica:
Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA
PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO
INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA

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ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ


pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição”
ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE
DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA
HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL
DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO
FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL.
LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE
VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das
pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se
presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do
art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de
“promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso
do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual
“o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”.
Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da
“dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência
do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para
a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da
autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da
intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula
pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.
RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO
“FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A
FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO
SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do
art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase
constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de
núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se
integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao
utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a
formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada
que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a
sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus
institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por
“intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e
pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito
subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou
continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-
reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas
do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes.
Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do
Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do
seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto
à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL
REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA.
FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS
HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO.
IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”.
A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-
se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações
jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço
normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros.
Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de
1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo
terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu

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diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre


as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do
fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita
a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se
proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse
de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do
direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos
homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que
outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do
regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5.
DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que
os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular
entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas
espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a
união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria
aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-
aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM
CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO
CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA.
PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido
preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele
próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à
Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o
reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como
família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas
consequências da união estável heteroafetiva (ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO,
Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011
EMENT VOL-02607-01 PP-00001).

Uma das mais notáveis decisões do STJ a respeito da constitucionalização do


direito civil diz respeito ao reconhecimento da possiblidade de casamento
direto das pessoas do mesmo sexo, sem que seja necessário reconhecer-se
previamente a união estável para, depois, convertê-la em matrimônio. A Corte,
após o julgamento, pelo STF, que entendeu ser inconstitucional a limitação da
união estável a casais homoafetivos, interpretou a norma civil de modo a permitir
também o casamento.
Trata-se, de maneira bastante evidenciada, da constitucionalização em
sentido prospectivo, já que a Corte ressignificou o sentido do casamento,
indo além da discussão a respeito do binômio união estável – casamento,
para conformar o sentido mais abrangente do termo “família”. Passagem
exemplar do voto do relator, Ministro Luis Felipe Salomão, esclarece que “o direito
à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à
diferença”:
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
(HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM
PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA
CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO
STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF.

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1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no


estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica
da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe
aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado
um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça,
cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei
uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n.
4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à
Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união
contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar,
entendida esta como sinônimo perfeito de família.
3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e,
consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar
em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico
chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de
ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de
casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes,
um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da
pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que
ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais
também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção
do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa
humana em sua inalienável dignidade.
4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em
precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias
formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se
comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.
5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes
recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse
desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em
casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo
doméstico chamado família.
6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor
protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna,
não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de
orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares
homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais
heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto.
7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-
afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra:
o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença.
Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional
que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante
ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão
de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a
Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união.
8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam
expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar
uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios
constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa
humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.

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9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus


representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de
direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em
regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e
protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as
maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção
dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa
forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta
se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos.
10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua
coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente
vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação
tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo
resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis (REsp
1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
25/10/2011, DJe 01/02/2012).

Nada obstante, a constitucionalização do direito civil não é panaceia e nem


deve ser aplicada de maneira descolada de sua percepção adequada,
transformando-se em mera retórica de solução casuística. O STJ, nesse
sentido, considerou inadequada a retroação de norma constitucional equalizadora
dos filhos quando a situação pretérita não reclamava tal solução:
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. ESCRITURA PÚBLICA DE ADOÇÃO SIMPLES CELEBRADA
ENTRE AVÓS E NETA MAIOR DE IDADE. CÓDIGO CIVIL DE 1916. EFEITOS JURÍDICOS
RESTRITOS QUANTO AOS DIREITOS DO ADOTADO. SUPERVENIÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988. ISONOMIA ENTRE FILIAÇÃO BIOLÓGICA E ADOTIVA. DIREITO
CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL. RETROATIVIDADE MÍNIMA DA CONSTITUIÇÃO.
ALCANCE QUE NÃO TRANSMUDA A ESSÊNCIA DO ATO JURÍDICO PERFEITO. ADOÇÃO
CARTORÁRIA ENTRE AVÓS E NETA. AUSÊNCIA DE VÍNCULOS CORRELATOS AO ESTADO DE
FILIAÇÃO. FINALIDADE EXCLUSIVAMENTE PREVIDENCIÁRIA. VALORES NÃO PROTEGIDOS
PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
A adoção por avós de neto maior de idade, no sistema do Código Civil de 1916, sem que
houvesse a constatação de estado de filiação de fato, em princípio, não satisfazia nenhum
propósito legítimo, notadamente quando o adotante, como no caso, possuía filhos
biológicos. Tampouco proporcionava aproximação ou criação de vínculos afetivos, não tinha
como desígnio a retirada de pessoa de situação de desabrigo material, e, não tendo eficácia
plena, também não conferia direitos sucessórios ao adotado. Ou seja, não há outra
explicação lógica para a adoção cartorária como a ora em exame, entre avós (com filhos
biológicos) e neta maior de idade, senão a de que foi levada a efeito para fins
exclusivamente previdenciários. E foi exatamente essa a moldura fática reconhecida pelo
acórdão recorrido, no sentido de que a mencionada adoção não visou outro propósito senão
ao recebimento de pensão militar, que somente era paga a filhas de militares. Tendo sido o
de cujus genitor apenas de filhos homens, a adoção simples prevista no Código Civil de
1916 serviu bem a esse desiderato. O vínculo nascido da adoção meramente cartorária,
como a dos autos, realizada entre avós e neta maior de idade, puramente para fins
previdenciários, não é aquele vínculo visado pela Constituição Federal de 1988, ao igualar
as várias modalidades de filiação. A isonomia fincada na Carta de 1988 visou, a toda
evidência, igualar situações jurídicas de quem efetivamente sempre foi filho, por vínculos
biológicos ou socioafetivos, mas que o ordenamento jurídico anterior, por inveterado
preconceito ou por vetusto moralismo, teimava em conferir tratamento jurídico
diferenciado. Não é o caso dos autos (REsp 1292620/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel.
p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe
13/09/2013).

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Nada obstante, se ao longo da aula ficou claro que a distinção repugnante entre
a união estável e o casamento em diversos momentos era inconstitucional,
tratam-se de dois institutos diversos, especialmente porque a primeira espécie
de união é marcada por ser fática, ao passo que a segunda, o casamento, pela
formalidade jurídica típica. Por isso, ainda que em termos diversos seja
necessário, a partir da constitucionalização prospectiva, apagar as diferenças
entre os institutos, em determinados momentos essas distinções se
mostram salutares, como bem aponta o STJ:
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. DIREITO DE FAMÍLIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO.
FIANÇA. FIADORA QUE CONVIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA DE OUTORGA
UXÓRIA. DISPENSA. VALIDADE DA GARANTIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 332/STJ.
1. Mostra-se de extrema relevância para a construção de uma jurisprudência consistente
acerca da disciplina do casamento e da união estável saber, diante das naturais diferenças
entre os dois institutos, quais os limites e possibilidades de tratamento jurídico diferenciado
entre eles.
2. Toda e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisada a partir
da dupla concepção do que seja casamento - por um lado, ato jurídico solene do qual decorre
uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico, e, por outro, uma
entidade familiar, dentre várias outras protegidas pela Constituição.
3. Assim, o casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da
união estável - também uma entidade familiar -, porquanto não há famílias timbradas como
de "segunda classe" pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos
diplomas constitucionais e legais superados. Apenas quando se analisa o casamento como
ato jurídico formal e solene é que as diferenças entre este e a união estável se fazem
visíveis, e somente em razão dessas diferenças entre casamento - ato jurídico - e união
estável é que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica.
4. A exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita exatamente por
este aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união estável é
justificável. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se
presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles
conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão
de fiança.
5. Desse modo, não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união
estável sem a outorga uxória do outro companheiro. Não incidência da Súmula n. 332/STJ
à união estável (REsp 1299866/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 25/02/2014, DJe 21/03/2014).

Outra notável aplicação da constitucionalização prospectiva ocorrida no STF foi a


equiparação do prazo da licença-adotante ao prazo da licença-gestante.
O sentido do significante “gestante” deve ser relido, em sede
constitucional, como “maternidade”, de modo a permitir à genitora tempo
de convívio mais delongado e próximo com sua prole, independentemente da
origem. Do contrário, a distinção de prazos de licença claramente violaria a norma
constitucional que proíbe a discriminação entre os filhos, independentemente de
sua origem:
EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
EQUIPARAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-ADOTANTE AO PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE. 1.

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A licença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença
gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias.
Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da
igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio
da prioridade e do interesse superior do menor. 2. As crianças adotadas constituem grupo
vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para
a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de se lhes
conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em
condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à
proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação
compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva.
Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das
famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês.
Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Violação do princípio
da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 4. Tutela da dignidade e da
autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever reforçado do Estado de
assegurar-lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão, em especial quando
a realização da maternidade ocorre pela via da adoção, possibilitando o resgate da
convivência familiar em favor de menor carente. Dívida moral do Estado para com menores
vítimas da inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus assumido pelas
famílias adotantes, que devem ser encorajadas. 5. Mutação constitucional. Alteração da
realidade social e nova compreensão do alcance dos direitos do menor adotado. Avanço do
significado atribuído à licença parental e à igualdade entre filhos, previstas na Constituição.
Superação de antigo entendimento do STF. 6. Declaração da inconstitucionalidade do art.
210 da Lei nº 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Resolução CJF nº
30/2008. 7. Provimento do recurso extraordinário, de forma a deferir à recorrente prazo
remanescente de licença parental, a fim de que o tempo total de fruição do benefício,
computado o período já gozado, corresponda a 180 dias de afastamento remunerado,
correspondentes aos 120 dias de licença previstos no art. 7º, XVIII,CF, acrescidos de 60
dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em favor da mãe gestante. 8.
Tese da repercussão geral: “Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos
prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação
à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança
adotada” (RE 778889, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em
10/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-
07-2016 PUBLIC 01-08-2016).

Consequência da assunção da constitucionalização é, indubitavelmente, o


crescimento do papel do Ministério Público na defesa dos interesses,
mesmo que individuais, desde que indisponíveis:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. PROGRAMA NACIONAL DE REFORMA
AGRÁRIA. RETIRADA IMOTIVADA DE ENTIDADE FAMILIAR. DIREITO SOCIAL À MORADIA.
AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 535, II, DO CPC DE 1973. O Tribunal regional concluiu pela
ilegitimidade ativa do MPF para ajuizar a demanda, pois não haveria inequívoco interesse
social a justificar a atuação ministerial, mas mero interesse privado do casal de assentados
em permanecer no Programa Nacional de Reforma Agrária, apesar de não ter condição
compatível com as normas de seleção de assentados. O art. 6º, VII e XIV, da LC 75/1993
prevê como competência do Ministério Público a promoção de inquérito civil para a proteção
de interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (art. 6o,
VII, "d"), conferindo-lhe, ainda, competência para promoção de "outras ações necessárias
ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 6o, XIV). Ademais, o
Parquet possui competência para tutelar interesse de entidade familiar, pois o direito social

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à moradia não atinge apenas o casal, mas todos os que se encontram em situação
equivalente. Cuida-se, portanto, de direito individual indisponível, sobre o qual não pode
transigir. Hodiernamente, não podemos perder de vista a evolução do direito civil, com a
sua crescente constitucionalização, principalmente com a entrada em vigor do novel Código
Civil, que possibilita a proteção plena da pessoa humana contra a ingerência do Estado.
Sem esquecer que o direito à moradia se constitui em um direito da personalidade, por isso
é inato e indisponível. Dessarte, não existe dúvida sobre a legitimidade ativa do MPF (REsp
1602907/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017,
DJe 30/06/2017).

A decisão do STF de reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1.790 do


CC/2002 talvez resuma bem a travessia desta aula. Ainda que fosse um
avanço, na década de 1970, quando as uniões estáveis ainda eram vistas
desprestigiosamente na sociedade, em 2002, quando entrou em vigor, a distinção
se mostrou vetusta e desigualitária, ensejando a inconstitucionalização.
A partir da decisão em comento, o regime sucessório aplicável ao companheiro e
ao cônjuge é um só, o do art. 1.829, originariamente pensado apenas para o
último, em detrimento daquele:
Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Aplicação
do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva.
Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1.
A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que
resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável,
hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de
qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo
doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras
e mesas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min.
Ayres Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os
cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por
união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a
Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº
8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe
direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em
contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como
vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar
a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários
judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas
extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso
extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema
constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges
e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art.
1.829 do CC/2002”.
(RE 646721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO
BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204
DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017).

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Questões

Questões sem comentários

1. 2017 – CESPE – TJ/PR – Juiz Estadual Substituto


Com base nas disposições da LINDB e no entendimento doutrinário, a ordem
de aplicação das formas de integração da norma defendida pela doutrina do
direito civil constitucional coincide com aquilo que é propugnado pela teoria
civilista clássica.

2. 2015 – IESES – CRM/SC – Advogado


Pela moderna doutrina civil-constitucional, adotada unanimemente pelos
tribunais do Brasil, fatos e atos jurídicos equivalem-se no plano axial-
valorativo, não havendo mais razão de ordem prática para sua distinção.

3. 2014 – TRT 8R – TRT - 8ª Região (PA e AP) – Juiz do Trabalho


Substituto
É possível afirmar que o Código Civil vigente, ao limitar a liberdade de
contratar à função social do contrato, adotou uma perspectiva civil-
constitucional dessa espécie de negócio jurídico, o qual deve ser entendido
como instrumento de conciliação de interesses contrapostos, de pacificação
social e de dignificação da pessoa humana.

4. 2013 – CESPE – DPE/TO – Defensor Público Estadual


O princípio da eticidade, paradigma do atual direito civil constitucional,
funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores,
tendo por base a equidade, boa-fé, justa causa e demais critérios éticos, o
que possibilita, por exemplo, a relativização do princípio do pacta sunt
servanda, quando o contrato estabelecer vantagens exageradas para um
contratante em detrimento do outro.

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Gabaritos

1. 2017 – CESPE – TJ/PR – Juiz Estadual Substituto


E

2. 2015 – IESES – CRM/SC – Advogado


E

3. 2014 – TRT 8R – TRT - 8ª Região (PA e AP) – Juiz do Trabalho


Substituto
C

4. 2013 – CESPE – DPE/TO – Defensor Público Estadual


C

Questões com comentários

1. 2017 – CESPE – TJ/PR – Juiz Estadual Substituto


Com base nas disposições da LINDB e no entendimento doutrinário, a ordem
de aplicação das formas de integração da norma defendida pela doutrina do
direito civil constitucional coincide com aquilo que é propugnado pela teoria
civilista clássica.
Comentários
O item está incorreto, já que a LINDB trata das regras de integração de maneira
taxativa e ordenada, ao passo que a doutrina civil-constitucional não dá
prevalência ou preferência a uma delas, mas à interpretação feita à luz da norma
constitucional.

2. 2015 – IESES – CRM/SC – Advogado


Pela moderna doutrina civil-constitucional, adotada unanimemente pelos
tribunais do Brasil, fatos e atos jurídicos equivalem-se no plano axial-
valorativo, não havendo mais razão de ordem prática para sua distinção.
Comentários

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O item está incorreto, porque não se pode afirmar categoricamente que os


tribunais assumiram “unanimemente” o direito civil-constitucional. Basta ver a
decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002
veio à lume apenas em 2017, sendo que o STJ continuava a manter a distinção
entre o regime sucessório de cônjuges e companheiros até então. Os
doutrinadores adeptos da corrente civil-constitucional defendiam esse
posicionamento desde a década de 1990, ou seja, os tribunais demoraram quase
três décadas para “constitucionalizar o direito civil”, nesse aspecto, segundo a
literatura jurídica a respeito do tema.

3. 2014 – TRT 8R – TRT - 8ª Região (PA e AP) – Juiz do Trabalho


Substituto
É possível afirmar que o Código Civil vigente, ao limitar a liberdade de
contratar à função social do contrato, adotou uma perspectiva civil-
constitucional dessa espécie de negócio jurídico, o qual deve ser entendido
como instrumento de conciliação de interesses contrapostos, de pacificação
social e de dignificação da pessoa humana.
Comentários
O item está correto, na compreensão de que os valores existenciais se
sobrepõem aos valores patrimoniais, o que permite relativizar o excessivo
formalismo e patrimonialismo do princípio da força obrigatória dos contratos.

4. 2013 – CESPE – DPE/TO – Defensor Público Estadual


O princípio da eticidade, paradigma do atual direito civil constitucional,
funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores,
tendo por base a equidade, boa-fé, justa causa e demais critérios éticos, o
que possibilita, por exemplo, a relativização do princípio do pacta sunt
servanda, quando o contrato estabelecer vantagens exageradas para um
contratante em detrimento do outro.
Comentários
O item está correto, ainda que criticável. Isso porque a eticidade não está na
base de sustentação do Direito Civil-Constitucional, mas teoria tridimensional de
Miguel Reale, que ilumina o CC/2002 (que deve ser relido pelas lentes civis-
constitucionais). Reale não fala que a “pessoa humana” deve ser a fonte dos
demais valores, mas fundamenta o princípio justamente na “equidade, boa-fé,
justa causa e demais critérios éticos”.

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Resumo

Quais são as três vertentes da constitucionalização do direito civil?

Constitucionalização formal

• A instância do sentido da regra positivada (na legislação


constitucional ou infraconstitucional)

Constitucionalização substancial

• A expressão normativa e vinculante dos princípios,


expressos ou implícitos na ordem constitucional
positivada, e que compõem o ordenamento

Constitucionalização prospectiva

• A busca dos significantes cujos sentidos são apropriados


pela representação jurídica, num determinado espalho e
ao curso de certo tempo (ressignificação dos significantes)

Considerações Finais

Chegamos ao final desta aula e, com ela, chegamos ao final do nosso Curso!
Inclusive, ficam os meus parabéns antecipados para você, que está se
fazendo preparação de longo prazo, mais cuidadosa, e já voltada à
carreira que pretende apostar alto! =)
Como de hábito, quaisquer dúvidas, sugestões ou críticas, entrem em contato
comigo. Estou disponível no fórum no Curso, por e-mail e, inclusive, pelo
Facebook.
Espero que tenha gostado das aulas e da disciplina de Direito Civil e que
elas possam efetivamente ajudar você no dia da prova! Espero comentários sobre
o curso, sejam eles positivos (fica a dica!), sejam negativos. Sempre, é claro,
nos apontando o que pode ser melhorado e aquilo que ficou marcado como legal
para você.
Sei que prova que você pretende prestar é disputadíssima, dado o cargo, mas eu
sinceramente, de todo o coração, espero que você consiga a tão sonhada

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aprovação. A maior felicidade do professor é, sempre, conseguir


acrescentar algo à vida do aluno =)
Um grande abraço e estou na torcida!

Chegamos ao final desta aula. Vimos mais uma Lei Especial que pode aparecer
na sua prova. Você pôde ver, ela vem caindo, ainda que não muito, com
continuidade nos certames de Nível Superior.
Por se tratar de uma lei mais curta e simples, não muito sujeita a pegadinhas e
coisas do gênero, vale dar uma boa lida nela. Não mais que isso, já que é melhor
rever as leis mais espinhosas que aparecem no seu Edital.
Na aula que vem, continuaremos com nossa Legislação Civil Especial. Quaisquer
dúvidas, sugestões ou críticas entrem em contato conosco. Estou disponível no
fórum no Curso, por e-mail e, inclusive, pelo Facebook.
Aguardo vocês na próxima aula. Até lá!

Paulo H M Sousa

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