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CLÍNICA ATUAL.
DA ESTRUTURA ENQUADRANTE À HETEROGENEIDADE REPRESENTATIVA.
Fernando Urribarri
Com esta apresentação gostaria de revisitar a teoria da representação e do enquadre como eixos
organizadores do modelo contemporâneo desenvolvido por André Green. Abordaremos a
representação do ponto de vista da Teoria da Representação, Generalizada, com foco no conceito
chave de "estrutura enquadrante" (compreendida como matriz do sujeito e fundamento do
funcionamento da representação). Especial atenção será dada à relação com o enquadre analítico e
à compreensão de suas variações, com vistas a mostrar o papel da estrutura enquadrante como
articuladora conceitual e como modelo teórico implícito da clínica de André Green.
O terceiro movimento é concebido como uma evolução que – baseando-se nos anteriores – define-
se pela articulação do intrapsíquico e do intersubjetivo, focada em um eixo que enoda a teoria do
funcionamento representativo e o enquadre analítico (como condição de possibilidade do
conhecimento do objeto analítico e da mudança psíquica procurada por sua instrumentação
específica). Este inaugura um novo programa de investigação em torno das fronteiras da
possibilidade de análise – centrado no predomínio atual dos casos limite e das estruturas não-
neuróticas.
O desenvolvimento de Green tem sua raiz no movimento psicanalítico francês, mais especificamente
na corrente "pós-lacaniana" (institucionalmente transversal e intelectualmente pluralista) animada
pelos psicanalistas mais criativos e de prestígio de sua geração, tais como Laplanche, Pontalis,
McDougall, Aulagnier e Anzieu, entre outros. No caso de Green, o resultado de um percurso de mais
de 50 nos é a elaboração de um modelo teórico-clínico original, que articula uma reconceitualização
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dos fundamentos metapsicológicos e uma renovação do método psicanalítico (ao mesmo tempo
uma atualização e uma extensão do modelo clínico freudiano). Em "Ideias diretrizes", o autor propõe
inscrever seus próprios trabalhos como um aporte à construção coletiva de um novo paradigma
freudiano contemporâneo. Um paradigma complexo, aberto, pluralista, extenso e cosmopolita.
Esta teoria tem dois polos complementares. Um deles é o da generalização : trata-se da ampliação
do espectro e dos tipos de representação para dar conta da heterogeneidade do psiquismo
(incluindo-se o irrepresentável), tal como o revela a clínica nos limites da possibilidade de análise. O
outro é o das condições intrapsíquicas e intersubjetivas de estabelecimento do funcionamento
representativo centrado no conceito de estrutura enquadrante da representação. Ocupar-nos-emos
de ambos nessa ordem.
Porém, a essas deve somar-se o afeto, do mesmo modo que os juízos do Eu sobre o objeto são
incluídos na denominação de "representantes da realidade".
Como o termo alemão deixa entender, esta não é uma representação (vorstellung), mas uma
"embaixada" da pulsão, uma trieb-representanz, uma primeira delegação pulsional. Isto significa que
o representante psíquico não é uma representação (vorstellung) : diferentemente da representação
que tem sua origem ligada à percepção, aqui não há um referente exterior que lhe sirva de
referência. Desse modo é expressão da imaginação e da criatividade radical da psique (Castoriadis
1975), de sua capacidade de dar origem a um elemento psíquico a partir de um impulso não-
psíquico, de origem somática.
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A pulsão e seu representante psíquico são a matriz do sujeito, porém seu potencial não se realizaria
sem o encontro com o objeto. O objeto é definido como "o revelador da pulsão" e como o agente que
desencadeia a representação e a função objetalizante. O par pulsão-objeto encontra sua expressão
e articulação na teoria geral da representação.
De seu lado, a representação de coisa ou de objeto é o resultado da marca mnêmica deixada por
uma experiência de satisfação com um objeto. A união entre representante psíquico da pulsão e
representação de objeto formará o representante-representação (vorstellung-representanz) :
fundador da matriz de simbolização do sistema inconsciente e do desejo que a anima.
A representação de coisa e a figurabilidade são definidas como o núcleo da atividade psíquica. Esta
liga a pulsão no Inconsciente, e graças à sua ligação com a representação de palavra permite a
passagem entre processo primário e secundário.
Por outro lado, a ampliação da gama representativa (do irrepresentável até a linguagem) é
acompanhada da adição aos processos primário e secundário postulados por Freud, de outras
lógicas e processos como a lógica arcaica e processos terciários.
André Green, desde 1967, elucida e desenvolve a concepção freudiana do narcisismo primário,
entendido como uma estrutura fundamental do aparato psíquico (não apenas como um estado ou
fase do desenvolvimento libidinal). A partir dessa perspectiva o narcisismo primário constitui a
estrutura enquadrante da representação como matriz de sentido que articula a dupla dimensão
pulsional e identificatória.
"A estrutura enquadrante é concebida como resultado da interiorização do enquadre materno graças
ao mecanismo da alucinação negativa da mãe. Enquadre maternal corporal, carnal, forjado no corpo
a corpo da relação do Bebê com essa mãe que o carrega em seus braços. "A perda do peito,
contemporânea à apreensão da mãe como objeto total, implica a consumação do processo de
separação entre a criança e ela, dá lugar à criação de uma mediação necessária par paliar os
efeitos de sua ausência e de sua integração no aparato psíquico... Essa mediação é a constituição
dentro do eu do enquadre materno como estrutura enquadrante." A psique – segundo um aforismo
de Green – é a relação entre dois corpos na qual um está ausente.
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"A mãe – escreve Green – é tomada no quadro vazio da alucinação negativa e se converte em
estrutura enquadradora para o próprio sujeito. O sujeito se erige exatamente onde o investimento do
objeto foi consagrado ao lugar do próprio investimento".
A alucinação negativa cria um espaço potencial, branco, para a representação e para o investimento
de novos objetos. Isto também é obra do mecanismo de defesa de duplo transtorno das pulsões que
retorna sobre si o circuito do investimento do objeto, transformando-o em organização narcisista que
investe e delimita um espaço interno do sujeito.
Esse processo estabelece dois subespaços internos separados, porém conectados, comparados por
Green com a banda de Moebius. Desse modo diferenciam-se os investimentos eróticos e os
investimentos egóicos de meta inibida. Nessa diferença pode-se reconhecer a interiorização
diferenciada das duas funções básicas do objeto primário : a de erotização e a de
cobertura/religação). De modo correlato, os dois subespaços aprofundaram sua diferenciação. O
primeiro ocorrerá graças à repressão primária na matriz de simbolização primária que é o sistema
Inconsciente. O segundo irá compor o pré-consciente como território do pensamento delimitado pela
dupla fronteira com o Isso e a consciência. Reforcemos então a ideia segundo a qual a separação
interno-externo é acompanhada de uma separação (ou divisão) interno-interno.
Em nossas entrevistas para a preparação de seu livro Ideias Diretrizes, Green propôs considerar
que : "A estrutura enquadrante funciona como uma interface entre o intrapsíquico e o intersubjetivo.
É justamente a articulação dessas duas dimensões o que constitui o fio do continente". Como
núcleo da subjetividade, a organização narcísica constrói uma intersecção e uma mediação entre o
sujeito e o objeto, dando lugar, segundo Green, à criação de objetos narcísicos, transicionais e
transnarcisistas, que superam a oposição entre o narcísico e o objetal. O objeto analítico é
justamente desse tipo – soma dos duplos do analista e analisante.
Aprofundando-nos nessa linha surgirá a ideia de que a estrutura enquadrante é a sede da função
objetalizante. "Função objetalizante e representação não podem se separar e repousam ambas
sobre a noção de investimento significativo". A função objetalizante é "o que garante a transferência
de um sistema a outro, do objeto à linguagem e da linguagem ao objeto. Dos diferentes tipos de
representações entre si. Os processos terciários são obra do pré-consciente e entram em ação
graças à função objetalizante". (AG, 1989).
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A perspectiva greeniana postula a emergência do sujeito psíquico como resultado da criação de uma
organização narcísica que articula o pulsional e o identificatório. Sustentada no narcisismo materno,
essa organização cria (e é criada por) uma estrutura enquadrante ao mesmo tempo plataforma de
investimento e espaço da representação1. A organização narcísica constitui a matriz da auto-
organização psíquica e funciona como uma interface, um espaço terceiro, intermediário, com relativa
autonomia, entre o par originário da pulsão e o objeto. Assim, institui-se desde o início a estrutura
terciária do psiquismo segundo a tríade pulsão-eu-objeto, ou pulsão-representação-objeto. E
também sujeito-objeto-outro do objeto.
- É a matriz organizadora do narcisismo primário, estrutura basal do psiquismo, que liga e unifica
pulsão de vida e pulsão de morte.
- Estabelece o continente psíquico mediante um duplo limite que funciona como uma dupla interface
Eu-pulsão e Eu-objeto externo.
- É a primeira formação intermediária e constitui o espaço potencial da representação.
- Estrutura a dimensão Insconsciente do Eu e o pré-consciente como espaço transicional interno.
- É a sede da função objetalizante e dos processos terciários.
- É a matriz da auto-organização psíquica em que o auto-investimento e a auto-representação
convergem em um princípio de unidade-identidade primária que estabelece a fonte da auto-
referência, a reflexividade e o reconhecimento.
Esta teorização introduz o irrepresentável não apenas como limite da ligação representativa ou
figurativa – como é o caso do representante psíquico ou do pensamento – porém como alteridade
radical da representação : seu outro complementar ou antagonista. Agora o irrepresentável
corresponde ao branco da alucinação negativa como expressão do desinvestimento : expressão da
pulsão – ligada ou desligada – da pulsão de morte. Ou seja, de um trabalho do negativo cuja gama
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inclui a descorporização e a abstração normais, assim como a cisão e o descompromisso
patológicos. Os modelos clínicos do sonho e do ato podem a partir de então ser entendidos
respectivamente como expressão do funcionamento ou desfuncionamento da estrutura enquadrante.
Em outras palavras : como expressão do narcisismo de vida ou do narcisismo de morte.
2 – Em segundo lugar deve-se observar seu valor para que se possa pensar a dialética continente-
conteúdo.
Em particular par a elucidação da auto-referência, a reflexividade e o reconhecimento como
resultado da relação, na estrutura enquadrante, entre representação e (auto)representação.
Em nossas entrevistas, André Green sustentou o seguinte : "Creio que podemos considerar que no
interior dos limites da estrutura enquadrante, o que a estrutura enquadra, encerra, limita, é um
espelho. Este seria o primeiro estágio posterior ao branco (...). Se falo metaforicamente em
espelho não é em relação à imagem, mas porque a estrutura enquadrante constitui a matriz da auto-
referência e da reflexividade. A reflexividade é parte de todo processo não-evacuativo, não
dessimbolizante. Penso de fato que a estrutura enquadrante é fonte de uma dupla auto-
reflexividade. Uma reflexividade (para consigo mesmo) é uma reflexividade dos diferentes
componentes, de diferentes elementos enquadrados entre si".
A ideia da reflexividade como inerente a todo processo psíquico não-evacuativo significa que todo
processo implica um desdobramento pelo qual o que se produz (no nível do conteúdo) é
correlativamente "percebido" ou "registrado" pela ou pelas instâncias implicadas (ou seja, no nível do
continente). Mais ainda : esse movimento reflexivo se dá tanto em nível local (da instância), como
globalmente : do sujeito com relação a si mesmo.
Isto leva a pensar em uma reflexividade narcísica primária como sinónimo de uma auto-
representação inerente/complementar do representar. Desse modo a estrutura enquadrante tornaria
possível o pensamento (como representação da relação entre representações), bem como o
desdobramento reflexivo e finalmente o reconhecimento.
Essas ideias adquirem uma relevância clínica imediata se pensarmos que a associação livre requer
um desdobramento: o analisante deve verbalizar discursivamente suas associações e,
simultaneamente, deve se ouvir, deve poder associar sobre suas associações. Este segundo
aspecto implica passividade, receptividade e inclusive um reconhecimento do que lhe vem à mente.
Toda essa dimensão é justamente a que está rejeitada nos casos limite, em que os processos
terciários são impossibilitados pela cisão. A associação livre torna-se quase impossível – ao menos
em um enquadre clássico. Ocorre como se a necessidade de vigiar o limite Eu-objeto externo para
defender a identidade os impedisse a volta sobre si inerente ao desdobramento reflexivo. Assim se
explica que a análise entendida como volta sobre si mediante o desvio por outro semelhante tenha a
via obstruída.
3 – Se, para Freud – como observa Green –, o sonho funciona como modelo implícito do enquadre,
podemos dizer que, para Green, o fundamento de ambos, do sonho e do enquadre (assim como da
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possibilidade de que o primeiro constitua um modelo para compreender o segundo), se elucida
mediante a noção de estrutura enquadrante e de seu funcionamento.
Convém notar que, por sua composição e por seu uso, este é um modelo muito diferente dos
modelos etiológicos freudianos (do complexo de Édipo), do kleiniano (do objeto bom e mal), do
winnicotiano (dos cuidados maternos), etc. Ainda que os leve em conta, o modelo greeniano não é
um modelo interpretativo do tipo mítico narrativo como estes. É um esquema dinâmico da
capacidade generativa do discurso na sessão. A organização narcísica e a estrutura enquadrante
funcionam como modelo da composição do enquadre, da transferência e do objeto analítico. Trazem
as coordenadas que permitem situar e cartografar os movimentos de representação, de investimento
e de contra-investimento na sessão. A bússola da escuta é a própria representação conforme seus
efeitos de reverberação retroativa e de anunciação antecipadora.
Tendo chegado a esse ponto, espero que nossa afirmação inicial de que a estrutura enquadrante
constitui o modelo teórico implícito da clínica greeniana esteja mais clara e fundamentada, inclusive
a referência subjacente de outros modelos tais como o do sonho e do ato.
Isto é justamente o que podemos descobrir (e a partir de agora entender de modo cabal) ao ler as
"Aberturas para a investigação futura" com que quase encerra o Trabalho do Negativo : "A estrutura
enquadrante não é perceptível enquanto tal, apenas por meio das produções que se produzem no
enquadre (clínico)". E, como se revelasse um segredo, continua : "Como não dizer que aqui se
encontra para nós a profunda justificativa do enquadre analítico, de sua necessidade e de sua
função de revelador do enquadre interno que preside os destinos das esferas perceptivas e
representativas?"
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incluidos na escuta do analista. Talvez, seu fundamento seja somente a estrutura enquadrante do
próprio analista que, por via da própria análise, torne-se fonte de uma nova reflexividade, suporte do
enquadre interno. Se definirmos a estrutura enquadrante como aquilo que permite constituir a
singularidade (isto é, a separação do outro, a reflexividade e a auto-referência) pode-se pensar que
o enquadre interno constitui – pela via da análise pessoal do analista – uma matriz aberta à
singularidade do outro, à sua alteridade radical"(ver "Dialogar com André Green").
Em "O tempo fragmentado" (2002) o autor introduz uma proposta de ordenamento e articulação do
extenso campo clínico contemporâneo : segundo o díptico "modelo do sonho / modelo do ato". Este
díptico pivoteia explicitamente no papel da representação )e do irrepresentável) para colocar em
jogo as relações, ao mesmo tempo de continuidade e de ruptura, entre a primeira e a segunda
tópicas frudianas, das estruturas neuróticas e não neuróticas. Seu pivot implícito é a estrutura
enquadrante : a diferença (e a possível passagem) entre um e outro modelo corresponde ao
funcionamento da mesma.
Em que consistem os modelos desse díptico ? Tento concluir uma brevíssima pontuação dos
mesmos, que talvez permita vislumbrar as consequências clínicas enriquecedoras das propostas
metapsicológicas elaboradas por Green.
O modelo do ato está mais ligado à segunda tópica, à substituição do Inconsciente pelo Isso (por
ele as pulsões passam a estar dentro do aparato). Nele a representação é um resultado possível,
mas não um dado de partida. Parte-se da moção pulsional do Isso : esta poderá ligar-se, dando
lugar à representação, ou desligar-se esvaziando o aparato. Assim ocorrem falhas na ligação da
moção pulsional com a representação de coisa e de palabra. O trauma muda de signo ou se
desdobra : ao excesso debe-se somar a carência, as faltas graves do objeto primário, que se torna
para o narcisismo do sujeito um objeto-trauma. A compulsão de repetição mortífera ocupa o lugar da
realização de desejo como um referente de uma dinâmica pulsional. A representação e o pré-
consciente vêm-se transbordar por um funcionamento evacuativo, projetivo, dessimbolizante. O
irrepresentável irrompe no cenário analítico invadindo a associação livre e a atenção flutuante. O
super-investimento da percepção funciona como contra-investimento contra a representação. A
interpretação do conflito intrapsíquico deverá dar prioridade e articular-se com um trabalho de
diálogo analítico, centrado no inter-subjetivo, segundo uma dinâmica que o aproxima do modelo do
jogo. A aposta passa a ser a interiorização na atualidade da sessão3. Definitivamente, o enquadre
não pode ser usado como espaço potencial para sustentar e desdobrar a representação dos
conflitos subjetivos. A constituição de um espaço, uma relação e um objeto analítico dependerão –
ao menos durante um bom tempo – do enquadre interno do analista. Então o processo analítico
(com dispositivo clássico ou em face a face) será organizado segundo o tripé enquadre
interno/ato/interiorização.
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