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ANDRÉ GREEN: UMA METAPSICOLOGIA CONTEMPORÂNEA PARA ORIENTAR A

CLÍNICA ATUAL.
DA ESTRUTURA ENQUADRANTE À HETEROGENEIDADE REPRESENTATIVA.

Fernando Urribarri

Com esta apresentação gostaria de revisitar a teoria da representação e do enquadre como eixos
organizadores do modelo contemporâneo desenvolvido por André Green. Abordaremos a
representação do ponto de vista da Teoria da Representação, Generalizada, com foco no conceito
chave de "estrutura enquadrante" (compreendida como matriz do sujeito e fundamento do
funcionamento da representação). Especial atenção será dada à relação com o enquadre analítico e
à compreensão de suas variações, com vistas a mostrar o papel da estrutura enquadrante como
articuladora conceitual e como modelo teórico implícito da clínica de André Green.

I- ANDRÉ GREEN E A PSICANÁLISE CONTEMPORÂNEA

Desde “O inconsciente freudiano e a psicanálise francesa contemporânea ”(1960-62), passando por


“Ideias diretrizes para uma psicanálise contemporânea” (2002), até “A clínica psicanalítica
contemporânea” (2012), a obra de André Green pode ser lida como vetorizada pela questão do
contemporâneo.

A primeira formulação explícita, até mesmo programática, da perspectiva contemporânea, encontra-


se em sua apresentação para o congresso internacional de Londres de 1975 – intitulado "O analista,
a simbolização e a ausência do enquadre analítico", onde sustenta que, quanto à evolução paralela
da teoria e da prática na história da psicanálise, sucedem-se "três movimentos".

O primeiro movimento corresponde ao modelo freudiano : focado no intrapsíquico, a teoria está


marcada pela descoberta do inconsciente e a prática pelo estudo da transferência e das resistências
segundo a aplicação das regras, empiricamente estabelecidas, do método psicanalítico. Os casos
paradigmáticos são as neuroses. No segundo movimento, pós-freudiano, o interesse se desloca
para um eixo intersubjetivo, orientado para as relações de objeto e para a contratransferência. (Os
casos paradigmáticos são as psicoses).

O terceiro movimento é concebido como uma evolução que – baseando-se nos anteriores – define-
se pela articulação do intrapsíquico e do intersubjetivo, focada em um eixo que enoda a teoria do
funcionamento representativo e o enquadre analítico (como condição de possibilidade do
conhecimento do objeto analítico e da mudança psíquica procurada por sua instrumentação
específica). Este inaugura um novo programa de investigação em torno das fronteiras da
possibilidade de análise – centrado no predomínio atual dos casos limite e das estruturas não-
neuróticas.

O desenvolvimento de Green tem sua raiz no movimento psicanalítico francês, mais especificamente
na corrente "pós-lacaniana" (institucionalmente transversal e intelectualmente pluralista) animada
pelos psicanalistas mais criativos e de prestígio de sua geração, tais como Laplanche, Pontalis,
McDougall, Aulagnier e Anzieu, entre outros. No caso de Green, o resultado de um percurso de mais
de 50 nos é a elaboração de um modelo teórico-clínico original, que articula uma reconceitualização

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dos fundamentos metapsicológicos e uma renovação do método psicanalítico (ao mesmo tempo
uma atualização e uma extensão do modelo clínico freudiano). Em "Ideias diretrizes", o autor propõe
inscrever seus próprios trabalhos como um aporte à construção coletiva de um novo paradigma
freudiano contemporâneo. Um paradigma complexo, aberto, pluralista, extenso e cosmopolita.

Ao longo de sua obra o eixo conceitual "funcionamento representativo – enquadre analítico"


desenvolveu-se, dando lugar à articulação entre, por um lado, uma teoria geral da representação e,
por outro, um novo modelo clínico orientado para a conceitualização do enquadre e suas variações
na práxis para além da neurose. Seu núcleo dinâmico é o que Green chama de Pensamento Clínico,
cuja sede é enquadre interno do analista.

O principal articulador conceitual desse eixo representação-enquadre é a noção de estrutura


enquadrante – peça chave do modelo teórico implícito da clínica de Green. Esta noção permite a
seu autor desenvolver uma potente teoria articulada da representação e do irrepresentável – como
dimensões heterogêneas, complementares e eventualmente antagônicas.

II . 2. A TEORIA GERAL DA REPRESENTAÇÃO

Esta teoria tem dois polos complementares. Um deles é o da generalização : trata-se da ampliação
do espectro e dos tipos de representação para dar conta da heterogeneidade do psiquismo
(incluindo-se o irrepresentável), tal como o revela a clínica nos limites da possibilidade de análise. O
outro é o das condições intrapsíquicas e intersubjetivas de estabelecimento do funcionamento
representativo centrado no conceito de estrutura enquadrante da representação. Ocupar-nos-emos
de ambos nessa ordem.

A "generalização" da teoria da representação parte do postulado de Grenn segundo o


qual o psiquismo se define pela relação entre a força e o sentido, sendo sua função básica a de
representar. A representação torna-se então a representação-meta da psicanálise.

Desenvolvendo a "heterogeneidade do significante psicanalítico" postulam-se três tipos de


representações básicas que são o resultado do trabalho de metabolização do psiquismo por seu
encontro com o corpo, o mundo exterior e o outro semelhante : são respectivamente o representante
psíquico da pulsão (triebrepresentanz), a representação de coisa ou de objeto e as representações
de palavra.

Porém, a essas deve somar-se o afeto, do mesmo modo que os juízos do Eu sobre o objeto são
incluídos na denominação de "representantes da realidade".

O representante psíquico da pulsão é definido como a expressão originária da pulsão no psiquismo.


A exigência pulsional se faz presente de um modo tão impreciso quanto premente, sem uma
representação-meta clara, sob forma de uma poderosa tensão, de uma perda de equilíbrio que exige
uma resposta.

Como o termo alemão deixa entender, esta não é uma representação (vorstellung), mas uma
"embaixada" da pulsão, uma trieb-representanz, uma primeira delegação pulsional. Isto significa que
o representante psíquico não é uma representação (vorstellung) : diferentemente da representação
que tem sua origem ligada à percepção, aqui não há um referente exterior que lhe sirva de
referência. Desse modo é expressão da imaginação e da criatividade radical da psique (Castoriadis
1975), de sua capacidade de dar origem a um elemento psíquico a partir de um impulso não-
psíquico, de origem somática.

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A pulsão e seu representante psíquico são a matriz do sujeito, porém seu potencial não se realizaria
sem o encontro com o objeto. O objeto é definido como "o revelador da pulsão" e como o agente que
desencadeia a representação e a função objetalizante. O par pulsão-objeto encontra sua expressão
e articulação na teoria geral da representação.

De seu lado, a representação de coisa ou de objeto é o resultado da marca mnêmica deixada por
uma experiência de satisfação com um objeto. A união entre representante psíquico da pulsão e
representação de objeto formará o representante-representação (vorstellung-representanz) :
fundador da matriz de simbolização do sistema inconsciente e do desejo que a anima.

A representação de coisa e a figurabilidade são definidas como o núcleo da atividade psíquica. Esta
liga a pulsão no Inconsciente, e graças à sua ligação com a representação de palavra permite a
passagem entre processo primário e secundário.

Definido como o significante da carne o afeto é entendido como um representante não-figurativo da


pulsão (um resto da energia do representante psíquico que não se integrou ao representante
representação). Como tal, poderá funcionar ligado à cadeia representativa ou não.

Por outro lado, a ampliação da gama representativa (do irrepresentável até a linguagem) é
acompanhada da adição aos processos primário e secundário postulados por Freud, de outras
lógicas e processos como a lógica arcaica e processos terciários.

Metapsicologicamente, a acentuação da heterogeneidade, do processual e do poético, tem seu


complemento na função terceira que postula a colocação em relação e a mediação como função
psíquica de base. Ambas as dimensões conformam uma lógica da heterogeneidade, núcleo
dinâmico do pensamento terciário em que se sustenta o pensamento clínico.

III. A ESTRUTURA ENQUADRANTE COMO MATRIZ DA REPRESENTAÇÃO E COMO MODELO


TEÓRICO IMPLÍCITO DA CLÍNICA DE GREEN

- A CONSTITUIÇÃO DA ESTRUTURA ENQUADRANTE

André Green, desde 1967, elucida e desenvolve a concepção freudiana do narcisismo primário,
entendido como uma estrutura fundamental do aparato psíquico (não apenas como um estado ou
fase do desenvolvimento libidinal). A partir dessa perspectiva o narcisismo primário constitui a
estrutura enquadrante da representação como matriz de sentido que articula a dupla dimensão
pulsional e identificatória.

"A estrutura enquadrante é concebida como resultado da interiorização do enquadre materno graças
ao mecanismo da alucinação negativa da mãe. Enquadre maternal corporal, carnal, forjado no corpo
a corpo da relação do Bebê com essa mãe que o carrega em seus braços. "A perda do peito,
contemporânea à apreensão da mãe como objeto total, implica a consumação do processo de
separação entre a criança e ela, dá lugar à criação de uma mediação necessária par paliar os
efeitos de sua ausência e de sua integração no aparato psíquico... Essa mediação é a constituição
dentro do eu do enquadre materno como estrutura enquadrante." A psique – segundo um aforismo
de Green – é a relação entre dois corpos na qual um está ausente.

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"A mãe – escreve Green – é tomada no quadro vazio da alucinação negativa e se converte em
estrutura enquadradora para o próprio sujeito. O sujeito se erige exatamente onde o investimento do
objeto foi consagrado ao lugar do próprio investimento".

A alucinação negativa cria um espaço potencial, branco, para a representação e para o investimento
de novos objetos. Isto também é obra do mecanismo de defesa de duplo transtorno das pulsões que
retorna sobre si o circuito do investimento do objeto, transformando-o em organização narcisista que
investe e delimita um espaço interno do sujeito.

Esse processo estabelece dois subespaços internos separados, porém conectados, comparados por
Green com a banda de Moebius. Desse modo diferenciam-se os investimentos eróticos e os
investimentos egóicos de meta inibida. Nessa diferença pode-se reconhecer a interiorização
diferenciada das duas funções básicas do objeto primário : a de erotização e a de
cobertura/religação). De modo correlato, os dois subespaços aprofundaram sua diferenciação. O
primeiro ocorrerá graças à repressão primária na matriz de simbolização primária que é o sistema
Inconsciente. O segundo irá compor o pré-consciente como território do pensamento delimitado pela
dupla fronteira com o Isso e a consciência. Reforcemos então a ideia segundo a qual a separação
interno-externo é acompanhada de uma separação (ou divisão) interno-interno.

No nível dinâmico, dos mecanismos de defesa, estabelece-se uma correspondência entre a


repressão dirigida para o interior, sobre a representação ; e a alucinação negativa, dirigida para o
exterior, atuando sobre a percepção. Justamente, o fracasso dessa dupla estruturação diferenciada
determinará, nos casos limite, as falhas da organização narcísica e o surgimento de um duplo
conflito limítrofe acompanhada de uma dupla angústia de intrusão e de abandono.

"Todavia, não se trata de um eu-realidade definitivo, mas de um eu capaz de formar representações


de certa duração e de jogar com essas representações". A constituição narcísica da estrutura
enquadrante do eu pode ser considerada como uma etapa intermediária necessária na evolução,
desde o "Eu de prazer purificado" até o "Eu de realidade definitivo". Essa origem evolutiva
intermediária será instituída como organização intrapsíquica de um espaço intermediário : a
estrutura enquadrante pode ser definida como um espaço transicional intrapsíquico. É a primeira
formação intermediária entre a pulsão e o objeto. Ou, como diz outro aforismo : "o sujeito é o que
fica quando o objeto se retirou".

Em nossas entrevistas para a preparação de seu livro Ideias Diretrizes, Green propôs considerar
que : "A estrutura enquadrante funciona como uma interface entre o intrapsíquico e o intersubjetivo.
É justamente a articulação dessas duas dimensões o que constitui o fio do continente". Como
núcleo da subjetividade, a organização narcísica constrói uma intersecção e uma mediação entre o
sujeito e o objeto, dando lugar, segundo Green, à criação de objetos narcísicos, transicionais e
transnarcisistas, que superam a oposição entre o narcísico e o objetal. O objeto analítico é
justamente desse tipo – soma dos duplos do analista e analisante.
Aprofundando-nos nessa linha surgirá a ideia de que a estrutura enquadrante é a sede da função
objetalizante. "Função objetalizante e representação não podem se separar e repousam ambas
sobre a noção de investimento significativo". A função objetalizante é "o que garante a transferência
de um sistema a outro, do objeto à linguagem e da linguagem ao objeto. Dos diferentes tipos de
representações entre si. Os processos terciários são obra do pré-consciente e entram em ação
graças à função objetalizante". (AG, 1989).

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A perspectiva greeniana postula a emergência do sujeito psíquico como resultado da criação de uma
organização narcísica que articula o pulsional e o identificatório. Sustentada no narcisismo materno,
essa organização cria (e é criada por) uma estrutura enquadrante ao mesmo tempo plataforma de
investimento e espaço da representação1. A organização narcísica constitui a matriz da auto-
organização psíquica e funciona como uma interface, um espaço terceiro, intermediário, com relativa
autonomia, entre o par originário da pulsão e o objeto. Assim, institui-se desde o início a estrutura
terciária do psiquismo segundo a tríade pulsão-eu-objeto, ou pulsão-representação-objeto. E
também sujeito-objeto-outro do objeto.

Sintetizando-se as principais características e funções da estrutura enquadrante, podemos


dizer que :

- É a matriz organizadora do narcisismo primário, estrutura basal do psiquismo, que liga e unifica
pulsão de vida e pulsão de morte.
- Estabelece o continente psíquico mediante um duplo limite que funciona como uma dupla interface
Eu-pulsão e Eu-objeto externo.
- É a primeira formação intermediária e constitui o espaço potencial da representação.
- Estrutura a dimensão Insconsciente do Eu e o pré-consciente como espaço transicional interno.
- É a sede da função objetalizante e dos processos terciários.
- É a matriz da auto-organização psíquica em que o auto-investimento e a auto-representação
convergem em um princípio de unidade-identidade primária que estabelece a fonte da auto-
referência, a reflexividade e o reconhecimento.

Tentemos agora definir e comentar algumas consequências importantes, teóricas e clínicas,


da introdução da estrutura enquadrante.

Em primeiro lugar trata-se de uma inovação da teoria da representação. Green propõe


complementar o modelo freudiano centrado na satisfação alucinatória de desejo, associando-o à
alucinação negativa. Esta última é o inverso invisível, a condição e o
complemento da representação inconsciente. A estrutura enquadrante como núcleo da organização
narcísica constitui uma matriz que articula trabalho do negativo e emergência representativa. À
representação como investimento (de uma marca mnêmica) articula-se o desligamento segundo
uma complementaridade similar à do símbolo e à da ausência (do objeto simbolizado).

Representa-se o que está ausente. Definida como representação da ausência de representação, a


alucinação negativa da mãe constitui a categoria intrapsíquica de ausência, condição de
possibilidade e suporte da representação. A ausência é uma categoria intermediária entre a
presença e a perda. Conduz à articulação das dimensões intrapsíquica e intersubjetiva. A ausência
é concebida como a origem e o indicador da função terceira : a ausência do objeto é a fonte do outro
do objeto, referência germinal ao pai a cuja lei e função fará lugar.

Esta teorização introduz o irrepresentável não apenas como limite da ligação representativa ou
figurativa – como é o caso do representante psíquico ou do pensamento – porém como alteridade
radical da representação : seu outro complementar ou antagonista. Agora o irrepresentável
corresponde ao branco da alucinação negativa como expressão do desinvestimento : expressão da
pulsão – ligada ou desligada – da pulsão de morte. Ou seja, de um trabalho do negativo cuja gama

1 Cria um continente identitário, subjetivante, graças à convergência, mediante uma relação


recursiva entre, por um lado, o auto-investimento auto-erótico do corpo como primeiro
envoltório corporal, e, por outro, a constituição da membrana para-excitação das pulsões
com meta inibida do Eu, e a estruturação enquadrante do espaço intrapsíquico da
representação da auto-representação.

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inclui a descorporização e a abstração normais, assim como a cisão e o descompromisso
patológicos. Os modelos clínicos do sonho e do ato podem a partir de então ser entendidos
respectivamente como expressão do funcionamento ou desfuncionamento da estrutura enquadrante.
Em outras palavras : como expressão do narcisismo de vida ou do narcisismo de morte.

Finalmente, a introdução do desligamento supõe um modelo geral de funcionamento segundo a


sequência lógica ligação-desligação-religação. Com base nessa perspectiva a função técnica do
silêncio é reavaliada considerando-se a complementaridade entre silêncio e discurso. Isto leva à
critica, por um lado, da mudez e da suposta regra do silêncio, especialmente pelo desconhecimento
de seu efeito desligador e mortífero nas estruturas não neuróticas ; por outro, leva a criticar a
intervenção de tipo tradução simultânea que desconhece a dimensão elaborativa do silêncio.

2 – Em segundo lugar deve-se observar seu valor para que se possa pensar a dialética continente-
conteúdo.
Em particular par a elucidação da auto-referência, a reflexividade e o reconhecimento como
resultado da relação, na estrutura enquadrante, entre representação e (auto)representação.

Em nossas entrevistas, André Green sustentou o seguinte : "Creio que podemos considerar que no
interior dos limites da estrutura enquadrante, o que a estrutura enquadra, encerra, limita, é um
espelho. Este seria o primeiro estágio posterior ao branco (...). Se falo metaforicamente em
espelho não é em relação à imagem, mas porque a estrutura enquadrante constitui a matriz da auto-
referência e da reflexividade. A reflexividade é parte de todo processo não-evacuativo, não
dessimbolizante. Penso de fato que a estrutura enquadrante é fonte de uma dupla auto-
reflexividade. Uma reflexividade (para consigo mesmo) é uma reflexividade dos diferentes
componentes, de diferentes elementos enquadrados entre si".

A ideia da reflexividade como inerente a todo processo psíquico não-evacuativo significa que todo
processo implica um desdobramento pelo qual o que se produz (no nível do conteúdo) é
correlativamente "percebido" ou "registrado" pela ou pelas instâncias implicadas (ou seja, no nível do
continente). Mais ainda : esse movimento reflexivo se dá tanto em nível local (da instância), como
globalmente : do sujeito com relação a si mesmo.

Isto leva a pensar em uma reflexividade narcísica primária como sinónimo de uma auto-
representação inerente/complementar do representar. Desse modo a estrutura enquadrante tornaria
possível o pensamento (como representação da relação entre representações), bem como o
desdobramento reflexivo e finalmente o reconhecimento.

Essas ideias adquirem uma relevância clínica imediata se pensarmos que a associação livre requer
um desdobramento: o analisante deve verbalizar discursivamente suas associações e,
simultaneamente, deve se ouvir, deve poder associar sobre suas associações. Este segundo
aspecto implica passividade, receptividade e inclusive um reconhecimento do que lhe vem à mente.
Toda essa dimensão é justamente a que está rejeitada nos casos limite, em que os processos
terciários são impossibilitados pela cisão. A associação livre torna-se quase impossível – ao menos
em um enquadre clássico. Ocorre como se a necessidade de vigiar o limite Eu-objeto externo para
defender a identidade os impedisse a volta sobre si inerente ao desdobramento reflexivo. Assim se
explica que a análise entendida como volta sobre si mediante o desvio por outro semelhante tenha a
via obstruída.

3 – Se, para Freud – como observa Green –, o sonho funciona como modelo implícito do enquadre,
podemos dizer que, para Green, o fundamento de ambos, do sonho e do enquadre (assim como da

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possibilidade de que o primeiro constitua um modelo para compreender o segundo), se elucida
mediante a noção de estrutura enquadrante e de seu funcionamento.

O modelo triádico da organização narcísica da estrutura enquadrante (dupla interface, plataforma de


investimentos e matriz de representação) permite pensar, inclusive nas situações limite, uma
dinâmica mínima sujeito-objeto-outro do objeto e segui-la no discurso associativo como expressão
das relações pulsão-representação-objeto. O duplo transtorno dos investimentos é postulado como
modelo de base da transferência dupla (sobre o objeto e sobre a palavra). O objeto analítico é
pensado na linha do objeto narcísico, transicional. A estrutura enquadrante apresenta o modelo do
enquadre segundo o qual é possível avaliar segundo o duplo eixo do intrapsíquico e o intersubjetivo
a produção representativa na sessão como efeito do encontro abstinente com o objeto.

Convém notar que, por sua composição e por seu uso, este é um modelo muito diferente dos
modelos etiológicos freudianos (do complexo de Édipo), do kleiniano (do objeto bom e mal), do
winnicotiano (dos cuidados maternos), etc. Ainda que os leve em conta, o modelo greeniano não é
um modelo interpretativo do tipo mítico narrativo como estes. É um esquema dinâmico da
capacidade generativa do discurso na sessão. A organização narcísica e a estrutura enquadrante
funcionam como modelo da composição do enquadre, da transferência e do objeto analítico. Trazem
as coordenadas que permitem situar e cartografar os movimentos de representação, de investimento
e de contra-investimento na sessão. A bússola da escuta é a própria representação conforme seus
efeitos de reverberação retroativa e de anunciação antecipadora.

VARIAÇÕES DA ESTRUTURA ENQUADRANTE : MODELO DO SONHO E MODELO DO ATO

Tendo chegado a esse ponto, espero que nossa afirmação inicial de que a estrutura enquadrante
constitui o modelo teórico implícito da clínica greeniana esteja mais clara e fundamentada, inclusive
a referência subjacente de outros modelos tais como o do sonho e do ato.

Isto é justamente o que podemos descobrir (e a partir de agora entender de modo cabal) ao ler as
"Aberturas para a investigação futura" com que quase encerra o Trabalho do Negativo : "A estrutura
enquadrante não é perceptível enquanto tal, apenas por meio das produções que se produzem no
enquadre (clínico)". E, como se revelasse um segredo, continua : "Como não dizer que aqui se
encontra para nós a profunda justificativa do enquadre analítico, de sua necessidade e de sua
função de revelador do enquadre interno que preside os destinos das esferas perceptivas e
representativas?"

Definitivamente, o enquadre se sustenta na estrutura enquadrante e a interferência (total ou parcial)


deste suporte determina a impossibilidade (total ou parcial) de sua instauração. Como
consequência, os impasses e as variações do enquadre também colocam em jogo a estrutura
enquadrante : nesses casos reclamando a utilização do enquadre interno do analista como condição
do trabalho analítico2.
"Na ideia de enquadre interno há algo da ordem do intrapsíquico e algo que permite a integração do
intersubjetivo – sustenta Green. Retomando o que dissemos sobre a estrutura enquadrante pode-se
pensar que o enquadre interno cria uma interface entre o intrapsiquico e intersubjetivo.
Provavelmente são os processos terciários que têm no enquadre interno um papel decisivo,

2 Isto coloca em jogo a correlação de uma série de pares complementares, muito


esquematicamente : representação-ausência, realização alucinatória de desejo-alucinação
negativa, sonho – tela branca do sonho, reflexividade-estrutura enquadrante, associação
livre-enquadre analítico. E também, claro, para as variações técnicas: o par “potencialidade
simbolizante da produção subjetiva evacuativa - enquadre interno do analista”.

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incluidos na escuta do analista. Talvez, seu fundamento seja somente a estrutura enquadrante do
próprio analista que, por via da própria análise, torne-se fonte de uma nova reflexividade, suporte do
enquadre interno. Se definirmos a estrutura enquadrante como aquilo que permite constituir a
singularidade (isto é, a separação do outro, a reflexividade e a auto-referência) pode-se pensar que
o enquadre interno constitui – pela via da análise pessoal do analista – uma matriz aberta à
singularidade do outro, à sua alteridade radical"(ver "Dialogar com André Green").

Em "O tempo fragmentado" (2002) o autor introduz uma proposta de ordenamento e articulação do
extenso campo clínico contemporâneo : segundo o díptico "modelo do sonho / modelo do ato". Este
díptico pivoteia explicitamente no papel da representação )e do irrepresentável) para colocar em
jogo as relações, ao mesmo tempo de continuidade e de ruptura, entre a primeira e a segunda
tópicas frudianas, das estruturas neuróticas e não neuróticas. Seu pivot implícito é a estrutura
enquadrante : a diferença (e a possível passagem) entre um e outro modelo corresponde ao
funcionamento da mesma.

Em que consistem os modelos desse díptico ? Tento concluir uma brevíssima pontuação dos
mesmos, que talvez permita vislumbrar as consequências clínicas enriquecedoras das propostas
metapsicológicas elaboradas por Green.

No modelo do sonho, a representação é um dado de partida, um elemento de base do psiquismo.


A pulsão está fora do aparato, é um conceito limite, cujas articulações se articulam em uma fantasia
sexual inconsciente. O trauma é o efeito retroativo da sexualidade infantil resignificada. Expressão
do desejo reprimido, a compulsão de repetição também é uma compulsão de representação. O tripé
"neurose infantil – psiconeurose de transferência – neurose de transferência" articula o campo
clínico. As formações do inconsciente em geral, e em particular o sonho e seu relato constituem uma
via regia da análise, graças à compatibilidade entre representação de coisa e representação de
palabra articuladas transferencialmente na associação livre. Com tudo isso, o processo se cencebe
em outro tripé fundamental : enquadre/sonho/interpretação.

O modelo do ato está mais ligado à segunda tópica, à substituição do Inconsciente pelo Isso (por
ele as pulsões passam a estar dentro do aparato). Nele a representação é um resultado possível,
mas não um dado de partida. Parte-se da moção pulsional do Isso : esta poderá ligar-se, dando
lugar à representação, ou desligar-se esvaziando o aparato. Assim ocorrem falhas na ligação da
moção pulsional com a representação de coisa e de palabra. O trauma muda de signo ou se
desdobra : ao excesso debe-se somar a carência, as faltas graves do objeto primário, que se torna
para o narcisismo do sujeito um objeto-trauma. A compulsão de repetição mortífera ocupa o lugar da
realização de desejo como um referente de uma dinâmica pulsional. A representação e o pré-
consciente vêm-se transbordar por um funcionamento evacuativo, projetivo, dessimbolizante. O
irrepresentável irrompe no cenário analítico invadindo a associação livre e a atenção flutuante. O
super-investimento da percepção funciona como contra-investimento contra a representação. A
interpretação do conflito intrapsíquico deverá dar prioridade e articular-se com um trabalho de
diálogo analítico, centrado no inter-subjetivo, segundo uma dinâmica que o aproxima do modelo do
jogo. A aposta passa a ser a interiorização na atualidade da sessão3. Definitivamente, o enquadre
não pode ser usado como espaço potencial para sustentar e desdobrar a representação dos
conflitos subjetivos. A constituição de um espaço, uma relação e um objeto analítico dependerão –
ao menos durante um bom tempo – do enquadre interno do analista. Então o processo analítico
(com dispositivo clássico ou em face a face) será organizado segundo o tripé enquadre
interno/ato/interiorização.

3 Um dos caminhos é a construção pela comunicação analítica de um pré-consciente


dialógico (Urribarri, 1998) como rede figurativa verbal em que poderá sustentar-se o
funcionamento representativo do paciente.

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