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Esse trabalho tem por objetivo levantar um debate sobre os caminhos que a
historiografia brasileira tem percorrido, pois, ao nosso ver, a constante busca por ‘inovações’,
‘transformações’, verificadas no âmbito historiográfico atualmente, possuem alguns
problemas: a)- as discussões, em geral, desconsideram a própria historicidade da História
enquanto ciência; b)- as propostas consideradas ‘inovadoras’, não raro, são aderidas pelo
simples fato de se entender que, por serem ‘novas’ são melhores que as anteriores; c)- a quase
generalização da desconsideração de categorias explicativas que são imanentes à própria
sociedade em que vivemos, como, por exemplo, modo de produção capitalista. Frente a estas
questões que consideramos problemáticas, e como nossa preocupação é levantar um debate
pautado numa reflexão que leve em conta a historicidade da História, como ciência, e, nesse
quadro, o modo de produção capitalista, voltar aos escritos iniciais, que deram origem à
historiografia brasileira no século XIX, se faz imprescindível. Assim, nos propomos a refletir
aspectos da obra do historiador Francisco Adolfo de Varnhagem (1816-1878) com o fim de
decodificar em seus testemunhos, elementos que nos permitam discutir a origem da
historiografia brasileira - fundamentada no Positivismo. Desenvolvemos este trabalho a
partir desse itenerário: 1. Apresentamos algumas considerações sobre as fontes coloniais que
deram origem à historiografia brasileira; 2. Tomamos a principal obra de Varnhagen, História
Geral do Brasil (1857), como exemplo epistemológico a gênese da historiografia brasileira; 3.
Abordamos alguns princípios do positivismo de Augusto Comte, chamando a atenção para
seus elementos metodológicos, e, 4. Insistimos na necessidade de se ater aos princípios
metodológicos como fator principal que deve nortear a discussão da historiografia atual.
TEXTO COMPLETO
Introdução
Falar hoje sobre as primeiras obras que deram início à historiografia brasileira, no
século XIX, pode significar, ou melhor, pode não ter significado algum, pois, é possível pensar
que os autores desse período e seus trabalhos já estão mais do que ultrapassados. E talvez
estejam do ponto de vista das limitações históricas que envolviam historiadores como
Capristrano de Abreu ( 1853-1927), Francisco José de Oliveira Viana ( 1883-1951), Francisco
Adolfo de Varnhagem ( 1816-1878) entre outros. Uma vez que a situação histórica em que
estes homens viveram não pode diretamente servir de exemplo para discussões político-sociais
do momento atual. Isso porque os problemas enfrentados por eles no século XIX, em relação a
vida político-social brasileira, não corresponde aos problemas por nós enfrentados atualmente.
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Mestranda pelo Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá-PR
Avenida Colombo, 5790- Bloco G.34- Departamento de Fundamentos da Educação.
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Então, o que significa voltar a esses historiadores hoje? O que se quer ao invocar
Varnhagem, por exemplo?
Esta proposta de trabalho tem sua justificativa na necessidade de ainda continuarmos a
levantar um debate sobre os caminhos que tem percorrido a historiografia brasileira. Pois, ao
nosso ver, a constante busca por “inovações”, “transformação”, verificadas no âmbito
historiográfico atualmente, possuem alguns problemas:
- as discussões, em geral, desconsideram a própria historicidade da História, enquanto
ciência;
- as propostas consideradas “inovadoras” , não raro, são aderidas pelo simples fato de
se entender que, por ser “novas” são melhores que as anteriores;
- a quase generalização da desconsideração de categorias explicativas que são imanente
à própria sociedade em que vivemos como, por exemplo: modo de produção capitalista, luta
de classes, etc.
Frente a estas questões que consideramos problemáticas, voltar aos escritos iniciais do
século XIX se faz imprescindível, tendo em vista que nos interessa levantar esse debate
pautado numa reflexão que leve em conta a historicidade da História, como ciência, e, nesse
quadro, o modo de produção capitalista.
Nesse sentido, nos propomos a voltar ao historiador Varnhagem com o fim de
decodificar em seus testemunhos históricos elementos que nos permitam discutir a origem da
historiografia brasileira. Cremos que a leitura desse autor nos permitirá um contato direto com
a forma que iniciou a historiografia brasileira, ou seja, baseada num referencial teórico
específico que está intimamente ligado a formação e consolidação da sociedade capitalista.
Elemento este que, geralmente, é desconsiderado pela grande maioria dos críticos da
historiografia brasileira.
É possível pensar ainda que, talvez essa desconsideração tenha permitido a ilusão de
que é possível, dentro do mundo burguês, uma “Nova História” que represente, através da
mudança dos objetos históricos, um passo na superação da sociedade capitalista, sem que suas
bases materiais sejam tocadas.
Coerente com essa perspectiva, pretendemos partir desse pressuposto para analisar o
tema pretendido: A historiografia brasileira nasce no momento em que a sociedade de classes
já apresenta suas contradições e deverá, a burguesia, negar sua própria historicidade e
estabelecer vínculos teóricos que conserve as relações estabelecidas em sua luta
revolucionária.
Nesse perspectiva, a historiografia - crítica epistemológica dos acontecimentos
históricos, ou ainda, a forma teórica de se explicar como a “história” deve ser escrita -
representaria, na instância ideológica, a aliada mais respeitável na conservação do ideário
burguês. O positivismo é o clássico exemplo desse princípio.
Mas, por outro lado pode-se ainda perguntar: haveríamos de encontrar resquícios desta
historiografia conservadora e/ou positivista, ainda hoje entre os historiadores atuais, se muito
tempo de passou e críticas esmagadores foram realizadas àqueles autores e à esta forma de
entender a história? Afinal suas obras não estão, a muito tempo, esquecidas nas velhas/mortas
estantes de uma biblioteca universitária, e, “novas” propostas, novos autores agora estão sendo
lidos?
Enfim, será possível afirmar que ainda hoje a historiografia brasileira sofre a influência
de um referencial teórico positivista/conservador como ocorreu no século XIX ?
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propício à “civilização” baseada nos valores europeus em um mundo tropical e selvagem que
lhes era novo e exótico.
Assim, por exemplo, nas Cartas, os padres não poupavam argumentos em narrar as
dificuldades encontradas:
A mais custa é fazer a casa, por causa dos officiaes que hão de vir de lá, porque a
mantença dos estudantes, ainda que sejam duzentos, é muito pouco, porque com o terem cinco
escravos que plantem mantimentos e outros que pesquem com barcos e redes, com pouco se
manterão(...). (NOBREGA,1935, p.84)
E ainda:
Serão cá muito necessarias pessoas que teçam algodão, que cá ha muito e outros
officiaes. Trabalhe Vossa Reverendissima por virem a esta terra pessoas casadas, porque
certo é mal empregada esta terra em degradados, que cá fazem muito mal, e já que cá
viessem havia de ser para andarem aferrolhados nas obras de Sua Alteza.
(NOBREGA,1935,p.85)
Essas solicitações nos revelam quanto foi difícil manter uma relação “educadora-
cristã” com os nativos. A preocupação de que fossem enviados oficiais da Corte, mostra o
imenso trabalho que tinham em reproduzir a vida e os valores europeus por estes lados.
(...) só aos pequenos acho com boa inclinação, si os tirassemos de casa de seus paes, o
que não se poderá fazer sem que Sua Alteza faça edificar um collegio nesta cidade com
destino a essas crianças para as educar, de maneira que com os maus costumes e malicia dos
paes se não perca o ensino que se ministra aos filhos.( NAVARRO, 1988, p.77)
E mais:
(...) muito arraigado está nelles o uso de comer carne humana, de sorte que, quando
estão em artigo de morte, soem pedi-la, dizendo que outra consolação não levam sinão esta,
da vingança de seus inimigos, e quando não lha acham que dar, dizem que se vão o mais
desolados deste mundo. Gasto grande parte do tempo em reprehender esse vicio;(...). (IDEM)
Vestir, transformar os hábitos, as crenças, a forma de pensar, viver e agir dos nativos,
esta foi a grande missão jesuítica no Brasil, bem como possibilitar o reconhecimento das
propriedades produtivas que havia deste lado do Oceano.
Os escritos posteriores terão características diferentes. Com o aparecimento de
intelectuais que procuravam entender a lógica da sociedade emergente, baseada no comércio e
na troca por dinheiro, como os economistas clássicos - Smith, Ricardo, etc. a preocupação em
entender a natureza humana, bem como desvendar o enigma do lucro, foram predominantes.
Isso será refletido no Brasil colônia também. Tomemos Antonil por exemplo. Em sua obra
Cultura e Opulência do Brasil (1711), a questão do reconhecimento territorial, da
“domesticação” do nativo, já não são problemas, bem como a forma de trabalho está
claramente definida: escravidão negra. Importava agora compreender como fazer para que
essas terras gerassem lucros.
O século XVIII dará, portanto, aos escritos coloniais uma forma especial, a
preocupação com a produção açucareira. Os engenhos e os elementos que o compunham
serão, geralmente, o objeto de estudo dos intelectuais, não só da historia, mas também da
literatura e poesia.( 5). Fazia-se urgente empreender uma indústria produtora, um sistema
econômico que viesse fortalecer a política mercantil estabelecida com Portugal.
É nesse contexto que entendemos a obra de Antonil, Cultura e Opulescência do Brasil,
escrito valioso por trazer as minúcias sobre a vida econômica do Brasil em princípios do
século XVIII. Trata desde o processo que a fabricação do açúcar passava até as relações que o
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senhor do engenho deveria manter com seus empregados. Não só isso, faz um relatório
completo das condições que regiam as industrias no pais, bem como apresenta a força que foi
ter a mão-de-obra escrava para produzir riqueza e luxo para Bahia, Pernambuco, etc.
Esta obra é portanto, valioso testemunho da vida nos engenhos brasileiros:
Servem ao senhor do engenho, em vários ofícios, além dos escravos de enxada e foice
que têm nas fazendas e na moenda, e fora os mulatos e multas, negros e negras de casa, ou
ocupados em outras partes, banqueiros, canoeiros, calafates, carapinas, carreiros, oleiros,
vaqueiros, pastores e pescadores.(...) (ANTONIL,1982,p.75)
Os braços de que se vale o senhor do engenho para o bom governo da gente e da
fazenda, são os feitores.(...) (ANTONIL,1982,p.83)
Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil
não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. E do modo
com que se há com eles, depende tê-los bons ou maus para o serviço. Por isso, é necessário
comprar cada ano algumas peças e reparti-las pelos partidos, roças, serrarias e barcas.(...).
(ANTONIL, 1982,p.89)
A análise de Antonil baseia-se na forma de trabalho estabelecida no Brasil colonia. Ao
realizar essa interpretação revela o conjunto de relações socialmente estabelecidas no período.
Uma importante revelação é que o trabalho escravo foi a alavanca que pôs em movimento a
economia, a política, toda a sociedade brasileira do século XVI ao XIX. Frisar esse mérito em
Antonil nos é importante para percebermos como a categoria “trabalho” perde esse caráter
desnudador das relações sociais, posteriormente, nos historiadores “oficiais”.
Desta maneira, podemos concluir que, os escritos coloniais resultaram da exigência de
uma prática humana que expressava a força das novas mudanças sociais, decretando a falência
da velha força feudal. Expressam, ao nosso ver, os interesses da vida moderna que surgia cheia
de ambição por expandir-se, comerciar, criando pontos de trocas, buscando lucro e regiões
onde se pudesse estabelecer e, com a ajuda da ciência, que se desenvolvia absurdamente,
apontar para uma forma de exploração mais significativa dos elementos produtivos e
geradores de riqueza que encontrasse nos caminhos outrora desconhecidos.
Quisemos com essas explicitações mostrar em que situação histórica se dá a
colonização brasileira, ou seja, na ascensão da sociedade burguesa ( capitalista). E que, do
ponto de vista da análise historiografia oficial - surgida no século XIX - essa característica será
fundamental para se compreender sua gênese e o discurso que se seguiu. Para tanto, tomemos
Varnhagen.
A historiografia surge enquanto ciência apenas no século XIX, com a ramificação das
ciências sugerida pelo positivismo. É nesse momento que se estabelecerá a forma e as técnicas
de analisar documentos considerados importantes para reconstituição da “história da Nação”.
Este acontecimento chega ao Brasil com o processo de Independência (1822), quando
assiste-se um crescente sentimento nacionalista e busca-se no passado fatos que permitam
exacerbar a grandeza da Pátria. Podemos dizer que o grande representante histórico desse
momento foi o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro fundado em 1838 no Rio de Janeiro.
É justamente ele que nos apresenta as primeiras características claras de como deveria
ideologicamente seguir os trabalhos históricos, percebidos neste discurso feito por Januário de
Cunha Barbosa, então primeiro Secretário do Instituto:
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O que convencionou chamar-se de História Positivista tem sua origem no século XIX,
quando, através da literatura de Augusto Comte, se conheceu a filosofia Positivista, ou a
filosofia do Positivismo.
De forma geral, este pensamento filosófico estabelece-se no momento em que a ciência
moderna atinge tal clareza que a especialização do conhecimento se faz possível. Assim,
buscou-se retirar do seio da Filosofia clássica, a ciência social, como já havia ocorrido com a
ciência da natureza. O conhecimento adquire aqui inúmeras ramificações tendo como centro,
no entanto, a MATEMÁTICA. A busca pela comparação, setoriação, quantificação, etc, torna-
se o método que deveria estar também no âmbito da ciência social, agora denominada ciências
sociais/física social.
A hipótese fundamental do positivismo é de que a organização social é regulada por
leis naturais, ou seja, invariáveis e independentes da vontade e da ação humana. Desse modo
sua proposição fundamental é de que essas leis que regulam o funcionamento dos vários
setores da vida social, como, por exemplo, a econômica e a política, são como as leis naturais,
reinando, assim, na sociedade uma harmonia igual à da natureza.
Desses princípios fundamentais teóricos decorre uma conclusão de cunho
epistemológico. A conclusão de que os métodos para compreender a sociedade ou os objetos
são exatamente os mesmos que são utilizados para entender a natureza. Portanto, a sociedade
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só pode ser verdadeiramente compreendida quando estudada sob a ótica da objetividade tal
qual a matemática, a biologia, etc.
Nesse sentido, do mesmo modo que as ciências da natureza são ciências objetivas,
neutras, livres de juízos de valor em sua metodologia, as ciências sociais devem funcionar
exatamente segundo esse modelo de objetividade, tratando a realidade social como um físico,
um químico ou um astrônomo, tratam seus objetos.
A questão que nos interessa aqui é saber, como que, no âmbito da História, esta
proposição teórica se apresenta e quais suas implicações, no tocante a busca pela superação da
sociedade instituída.
O positivismo entende que o conhecimento histórico é possível de ser apreendido, pois
os fatos podem ser oficialmente registrados, e isso se daria a partir da observação fiel dos
documentos que fossem passíveis de ser comprovados. Isso pressupõe que a tarefa do
historiador seria narrar cronológica e fielmente os fatos do passado, imparcialmente, quanto
mais longe estiver do período estudado, mais objetividade daria aos fatos. A história é
entendida, então, como um res gestae, e ela existe objetivamente, pois a sociedade evoluiu, e
os homens que tinham escrita, de uma forma ou de outra, registraram seus costumes, suas leis,
suas crenças, etc.
A História como ciência é tida como fundamentalmente importante no entender de
Comte, pois é ela que proporciona uma visão geral sobre a marcha progressiva do espírito
humano, considerado em seu conjunto, pois uma concepção qualquer só pode ser bem
conhecida por sua história.(COMTE,1983, p.03).
A importância dada para a História, enquanto ciência, está, para Comte, no fato de ela
proporcionar a verificação dos três estados que, historicamente, envolvem as diferentes
sociedades.
(...). Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo
de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado
teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato, estado científico ou positivo.(...).
(IDEM,p.04).
Estes princípios pressupõem ainda que, para se escrever a história basta juntar um
número suficiente de fatos bem documentados, dos quais nasce espontaneamente a ciência da
história. Pressupõe também que, a reflexão teórica, em particular, a filosofia, é inútil e
prejudicial à objetividade da reconstituição histórica, pois é imprescindível uma postura
empírista na análise dos documentos.
Outro elemento fundamental a ser analisado aqui é o sentido da concepção da natureza
humana. Por ter fundamentalmente o darwinismo como fonte para analisar as espécies, o
positivismo acaba por apresentar as diferenças sociais como um problema de ordem biológica.
Nesse sentido, haveria raças superiores a outras, raças destinadas a determinado tipo de
atividade, enquanto que, a outras, atividades diferentes. Tudo estaria, portanto, dentro de uma
ordem natural biológica, o trabalhador, por exemplo, deveria ter nascido com determinadas
características biológicas que lhe permitissem estar em sua posição social.
Em outras palavras, como na natureza há seres inferiores e superiores ( elefante X
macaco), e cada um com suas especialidades, aptidões ou dons, na sociedade isso acontece
também. Assim, muitas discriminações sociais foram justificadas em nome dos “dons
naturais” dos indivíduos ( inclusive a escravidão).
Em síntese, não se fala em processo histórico, mas em evolução histórica, e essa
evolução estaria destinada a passar por fases, e a última fase seria a superior, mais evoluída,
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onde estaria chegado ao estado positivo ( leis dos três estados). Ao historiador caberia
comparar as sociedades, e justificar seu estágio evolutivo a partir da caracterização biológica
dos homens que compõem tal sociedade, bem como o clima e os demais elementos naturais
que as envolvem.
Agora, se retomarmos o momento histórico em que esta filosofia emerge,
entenderemos o motivo de tais argumentos.
Augusto Comte- considerado grande fundador do pensamento positivo- nasceu na
França em 1798, portanto, num momento pós-revolucionário, quando a Revolução Francesa
havia trazido os ideais de uma nova sociedade e o retorno ao passado tornava-se impossível.
A burguesia havia provado o poder político e passava, desse momento em diante, a lutar contra
o movimento operário que também emergiu desta nova sociedade.
Em contrapartida da política burguesa, comprometida com o acúmulo de capital,
cresce, ao mesmo tempo, a classe trabalhadora. Suas angustias sociais e a compreensão de sua
força enquanto classe organizada acirram a instabilidade nas relações sociais historicamente
conquistadas pela burguesia.
Nesse movimento, e como cremos que o intelectual também toma partido nas lutas que
vão emergindo na sociedade, somos partidários de que Comte, indubitavelmente, toma o
partido da parcela mais conservadora da burguesia. Ser conservador não significava apenas o
conservadorismo intencional de manter o poder, mas também criar as condições para
fortalecer este poder e impedir quaisquer ameaças do inimigo que crescia em número e
consciência: o proletariado. Nesse sentido, a proposta teórica de Comte vem servir como
luvas nas mãos da burguesia.
Isso nos parece tão claro pois, apesar do pensamento comtiano ser uma resposta às
condições históricas específicas do capitalismo francês do século XIX, os lemas posivitistas
que emergem de seus escritos ( Curso de Filosofia Positiva-1830; Tratado elementar de
geometria analítica,1843, etc) difundiram-se além das fronteiras francesas, chegando também
ao Brasil.
O Curso de Filosofia Positiva, expressa nestes termos o que seria, em suma, a ciência
positiva:
(...) o caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos como
sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número
possível constituem o objetivo de todos os nosso esforços, considerando como absolutamente
inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam primeiras,
sejam finais. (...), não temos de modo algum a pretensão de expor as causas geradoras dos
fenômenos, posto que nada mais faríamos então além de recuar a dificuldade. Pretendemos
somente analisar com exatidão as circunstâncias de sua produção e vinculá-las umas às
outras, mediante relações normais de sucessão e de similitude. (IDEM, p.07)
Perceba-se o que significou, ou significa, para a classe ancorada no poder a difusão de
uma teoria que julga ser natural a realidade, que esta realidade social é imutável, que os
homens devem manter-se cada um em sua função social para que a sociedade caminhe para o
progresso e para a ordem, castrando qualquer possibilidade de pensamento e reflexão das
“causas primeiras”, que possa suscitar que a sociedade é passível de mudanças por ser fruto
da própria prática humana.
Não cremos ser exagero afirmar que o positivismo é a teoria social mais fecunda da
ideologia burguesa, e é justamente esta que está sendo ainda mantida, de uma forma ou de
outra, nas diversas propostas teóricas que foram aparecendo no decorrer da historia da
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sociedade burguesa. Por outro lado tem-se o marxismo, fruto também do século XIX, só que
do lado oposto. Este apregoa a possibilidade de transformação social. Aposta na luta de classes
como reveladora das tramas históricas, considera a realidade historicamente constituída e
essencialmente contraditória.
Cremos ser estas duas teorias ( marxismo e positivismo) desenvolvidas no século XIX
que ainda hoje se embatem, talvez num âmbito de suas “ramificações” teóricas. E cremos
mais, está destinado ao marxismo assumir a crítica teórica da sociedade burguesa e resgatar a
historicidade da própria História, pois o positivismo retirou as contradições da sociedade de
classes, para torná-la harmoniosa, pacífica, progressiva e benevolente, como já foi explicitado
aqui.
Agora, enclinamo-nos a pensar que, para não cairmos nas armadilhas do positivismo, é
necessário atermo-nos em seus princípios metodológicos, que, diferentemente do marxismo,
fragmenta a realidade estudada. Isso porque, no âmbito das ciências da natureza (química,
física, astronomia, etc) ‘cada’ fenômeno requer um procedimento de investigação particular,
diría Comte: “um método específico”. De fato, assim como não se pode observar, comparar,
descrever, classificar, por exemplo, células ou moléculas de substâncias biológicas e químicas
diferentes num mesmo telescópio, exige-se do pesquisador, então, um procedimento téorico-
metodológico diferenciado, particular específico a estas especificidades do conhecimento
científico da natureza. É evidente que, nesse sentido, deve-se “dividir para conhecer melhor”.
No entanto, reconstruir o todo também é imprescindível.
Mas o fato é que, a prática positivista procura homogeneizar epistemológicamente a
Ciência, transferindo para o estudo da sociedade esses procedimentos teórico-metodológicos.
Assim, fragmenta-se também, no âmbito da ciência humana, a realidade social em tantos
campos quanto possível.
E qual o problema disso?
O problema incide justamente na perda da análise de conjunto, das lutas que são
travadas no seio social, da essencialidade da ciência da História como contraditória, etc.
Emergindo, a contrário disso, uma visão harmoniosa, natural e sem contradições, portanto,
imutável pela força humana.
4. O Positivismo Vive !
(...) ao contrário do que asseguram muitos estudiosos, o século XIX não está “superado”: as
principais matrizes intelectuais nele emergentes estão mais vivas e atuantes que nunca(...). E talvez
não seja falso supor que isto não se modificará substancialmente antes que o processo histórico
remova definitivamente de cena o mundo burguês.
( José Paulo Netto )
Se concordamos que o cerne do pensamento conservador-burguês se estabelece com o
Positivismo, também fica fácil concordar com Paulo Netto de que a batalha que ainda
travamos contra a ideologia burguesa é contra a forma positivista de entendimento da
sociedade, do homem, e do mundo.
Nesse sentido, devemos atentar para as propostas teóricas, no caso historiográficas, que
se consideram “novas”, revolucionárias, inovadoras, etc. e que buscam, na verdade, apenas
mudanças técnicas em suas formas, mas o método de análise e entendimento da sociedade
conserva-se o mesmo, escondendo as reais contradições - que são históricas - desta sociedade .
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Estamos nos referindo à mais atual proposta de análise histórica desse século, a
chamada “Nova História”. Esta historiografia, de origem francesa, têm justamente, na busca
de mudanças “metodológicas” , a proposta de uma história ‘revolucionária’. No entanto, se
atentarmos para suas propostas “inovadoras” perceberemos que, no fundo, sua tendência é
fragmentar o conhecimento histórico em inúmeros “temas”. Isso é confirmado a partir da obra
- A História Nova - uma coletânea de Jacques Le Goff, (26) na qual encontramos a definição
minuciosa das várias vertentes de pesquisa do que, segundo este autor, comporia o que ele
chama de “História Nova”. Seriam estas as linhas de pesquisa: 1.História das Estruturas;
2.História das Mentalidades; 3.História da Cultura Material; 4.História Imediata; 5.História
dos Marginais; 6.História do imaginário; 7.História demográfica; sendo que estas linhas
podem ser redivididas, conforme o interesse do investigador, podendo formar, assim, mais
outras inúmeras “histórias de...”.
Nessa concepção, os nexos entre: Capital X trabalho, História X luta de classes, não
são percebidos num contexto histórico global. A busca por “ novos métodos” em História
permite a análise de inúmeros objetos ( muitas vezes de “outras ciências”, como, a psicologia,
a antropologia, a etnologia, etc), no entanto, destituídos de sentido histórico-conjuntural.
Consideramos relevante estas reflexões metodológicas pois, aparentemente, na
proposta ‘nova’ - que aparece revestida de objetos não comuns aos conhecimentos históricos,
como, por exemplo, a família, a criança, o medo, a bruxaria, a morte, a vida sexual, os mitos,
etc., - parece residir elementos realmente transformadores do que seria a História Positivista,
no entanto, é preciso atentar para o que afirma Otávio Ianni, em seu texto A crise de
Paradigmas na Sociologia. Diz ele:(...) o que está em curso é o debate sobre a insuficiência
ou obsolescência das teorias clássicas. Debate no qual, aos poucos, se propõem outros temas
e metodologias.(...).(IANNI,1990,p.91).
A discussão em torno dos clássicos aparece na ordem do que alguns tem chamado de
“pós-modernismo”. Aqui emerge muitas teorias críticas das anteriores abordagens históricas
que levam em conta as diversas relações em que os objetos estão inseridos, para, em
contrapartida, preconizarem o individualismo metodológico. Assim, em lugar das teorias
preocupadas com a globalidade das relações que envolve o conhecimento, cabe agora
formular ‘pontos de apoio intermediário, de modo a atender aos desafios imediatos,
localizados, setoriais, quotidianos, (...). (IBID).
No entanto, se é verdade que há impasses a serem discutidos atualmente, também é
verdade que as controvérsias sobre o seu objeto e métodos são permanentes. Pois, mesmo que
eu venha negar determinado clássico de um pensamento, não é possível criar um “método”
verdadeiramente novo, único, puro, legítimo, se não considerar os teóricos anteriores. Isso
porque o intelectual é sujeito historicamente constituído, portanto, datado. Estando
presos aos limites históricos em que está envolvido, e como, seus pensamentos são expressões
de sua vida material, e cremos não ser possível que este receba de um suposto “espírito” extra-
histórico idéias que fujam a sua própria historicidade, afirmamos que os conhecimentos
clássicos, de uma forma ou de outra, estão iluminando as teorias dessas “novas” propostas
teóricas que vemos emergir neste final de século.
Nesse sentido, quanto ao conhecimento apregoado pela “Nova História”, consideramos
ser ela, metodologicamente, fruto de um neo-positivismo, na medida em que fragmenta a
prática histórica dos homens em sociedade, tomando esta como um aspecto específico da
multiplicidade das relações sociais, perdendo a ligação que estes têm com o conjunto das
relações sociais, para transformar-se, assim, em “histórias de...”.
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Considerações finais
O debate que nos propomos a levantar neste trabalho girou em torno das questões
metodológicas da História como ciência. Pretendemos, a partir da origem a historiografia
nacional, confirmar a presença predominante do positivismo ( principal teoria sustentada pela
classe dominante) como expressão da luta travada no seio da sociedade de classes. Ao mesmo
tempo pretendemos esboçar a historicidade que envolve esta ciência para então, constatar
nossa hipótese de que não é possível pensar uma historiografia extremamente “nova”, como se
pensa atualmente, uma vez que as questões metodológicas são historicamente constituídas e
derivam, mesclam, intercalam, a vida material dos homens em sociedade. Assim, enquanto
estivermos vivendo a sociedade consolidada no século XIX, ou seja, a sociedade burguesa,
talvez não consigamos ver, de fato, emergir uma matriz teórica, que não o marxismo, proposta
a varrer o positivismo de cena.
Nesse sentido, tentamos mostrar como, a “Nova História”, principal referência
historiográfica atual, possui elementos do positivismo clássico, tornando-se, na verdade, uma
teoria intensificadora da fragmentação instituída pela filosofia comtiana do século XIX, no
âmbito historiográfico.
Finalmente, gostaria de insistir na necessidade de atentarmos para as questões
metodológicas e, conforme, aponta Josef Fontana:
É preciso reconstituir a imagem global da sociedade, como propôs um dia o
materialismo histórico, mas não para fabricar um caleidoscópio de aspectos diversos, e sim,
para centrar toda esta diversidade em torno do que é fundamental: os mecanismos que
asseguram a exploração de uns homens por outros, e que não agem somente através das
regulamentações do trabalho ou do salário, nem se fundamentam unicamente em elementos
físicos de coerção, mas impregnam toda a nossa vida, as nossas formas de compreender a
sociedade, a família, o homem e a cultura.(Apud. CARDOSO, 1988,p.106)
Notas
(1). NOBREGA, Manuel da, Cartas do Brasil -1449. São Paulo, Belo Horizonte-Edusp,
Itatiaia, 1935- p.84
(2).idem, p.85.
(3) NAVARRO, João de Azpilcueta e outros- Cartas Avulsas -1550. Belo Horizonte:
Itatiaia,S.Paulo- Edusp, 1988- p.77
(4). idem.
(5) Os romances- “Memórias de Um Sargento de Milícias”(1854) - Manuel Antônio de
Almeida; ‘“Inocência”- 1872- Visconde de Taunay e- “Memórias Póstumas de Brás
Cubas”1881 - Machado de Assis; Expressam as relações e os sentimentos dos homens nesse
período;
(6)-ANTONIL, André João, Cultura e Opulência do Brasil - Belo Horizonte: Ed.Itatiaia, S.P.
Ed.da Universidade de S.Paulo, 1982- 3a.edição.p.75-Cap.01
(7)- idem, p.83, cap. 05.
(8)-idem, p.89, cap.09/
(9)-Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, Tombo 01- 1º Trimestre de 1839,
n.01, p.10
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Anais do IV Seminário Nacional
Referências Bibliográficas
1.ANTONIL, André João, Cultura e Opulência do Brasil- Belo Horizonte: Ed.Itatiaia, S.Paulo,
1982, 3a.edição.
2.CARDOSO, Ciro Flamarion, Ensaios Racionalistas, Campus, Rio de Janeiro, 1988.
3.COMTE, Augusto Curso de Filosofia Positivista,in.; Coleção os Pensadores, Abril Cultural,
1983.
4.IANNI, Octavio, A crise de paradigmas na sociologia, revista ANPOCS, n.13 ano 05,
jun.1990, p.90 a 100.
5.MENDES, Claudinei Magno Magre, Construindo um Mundo Novo- os escritos coloniais do
Brasil nos século XVI e XVII., tese de doutorado. São Paulo, 1996.
6.MOTTA, Carlos Guilherme, Ideologia da Cultura Brasileira-1930-1974, Ática, S.Paulo,
1994.
7.NAVARRO, João de Azpicueta e outros - Cartas Avulsas (1550). Belo horizonte: Itatiaia,
Edusp, S.Paulo, 1988.
8.NETTO, José Paulo, O que é Marximo, coleção primeiros passos,Ed.Brasiliense, 7a. edição,
S.Paulo, 1991.
9.NOBREGA, Manuel da, Cartas do Brasil,(1449). São Paulo, Belo Horizonte-Edusp, Itatiaia,
1935.
10.VARNHAGEN, Francisco Adolfo de, História Geral do Brasil,in.: História - Coleção os
Grandes Cientistas Sociais, n.09, Ática, São Paulo, 1979.
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