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ISSN 1415-6814.
RESUMO. Este trabalho teve como objetivo registrar o conhecimento etnoictiológico dos
pescadores de Siribinha, comunidade pesqueira artesanal localizada na cidade de Conde,
litoral norte do estado da Bahia. Neste artigo, a percepção nativa sobre o comportamento
dos peixes é observada, especialmente a produção de som, a reprodução e a ecologia trófica.
Dados foram obtidos por meio de entrevistas livres e semi-estruturadas e questionários
realizados com 84 informantes de ambos os sexos e de idades variadas. Espécimes de peixes
foram coletados, identificados e encontram-se depositados no Laboratório de Ictiologia do
Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Os
pescadores percebem o comportamento dos peixes, classificando-o em 18 etnocategorias
etológicas, tais como “peixe que pula”, “peixe que viaja”, “peixe que imanta” e “peixe que faz
cama”. Este conhecimento ictiológico tradicional é consistente com o conhecimento
ictiológico científico. Tal conhecimento sobre os caracteres etológicos dos peixes é um
recurso importante que os pescadores utilizam durante suas atividades de pesca e deveria ser
incorporado em estudos de manejo, conservação e utilização racional dos recursos
pesqueiros.
Palavras-chave: etnozoologia, etnoictiologia, etologia, pescadores artesanais.
Os peixes são recursos do ambiente percebidos e interação entre o homem e os peixes, englobando
explorados de acordo com os termos culturais aspectos tanto cognitivos quanto comportamentais
próprios de cada sociedade (O’Riordan e Turner, (Marques, 1995a).
1997). O modo como o conhecimento, os usos e os O estado atual da arte etnoictiológica,
significados dos peixes ocorrem nos diferentes desenvolvida por pesquisadores nacionais e do
grupos humanos é tema de investigação da exterior, demonstra que os pescadores acumulam, ao
etnoictiologia. A etnoictiologia pode ser interpretada longo de gerações, um sofisticado conhecimento
como a busca da compreensão do fenômeno da sobre os peixes, que inclui desde aspectos de
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UEFS, encontram-se depositados na coleção acústicas, tais como coco e pedras, para atrair suas
científica do Laboratório de Ictiologia do referido presas. Com base na resposta comportamental dada
Departamento. pelos peixes à queda de objetos na água, duas
etnocategorias apresentam-se: a dos “peixes que
Resultados respondem ao chamado” (e. g., Centropomus spp.) e a
dos “peixes que não respondem ao chamado” (e. g.,
Os pescadores de Siribinha descrevem e
Caranx spp.). Entre estas duas há ainda uma
classificam o comportamento das espécies de peixes
categoria “intermediária”, não nomeada,
em 18 etnocategorias etológicas (Tabela 1), as quais
representada pela tainha (Mugilidae). Segundo os
correspondem a processos comportamentais
pescadores, as tainhas só são atraídas pelo coco/pedra
relacionados com: reprodução, migração,
durante o dia (“se tiver tainha de noite não trisque
alimentação, produção de sons, fuga de predadores,
coco dentro d’água. Pegue ela mesmo na raça”). Para
atividade lúdica, agressão, estrutura social, entre
a utilização destas iscas, os pescadores prestam
outros. Dentre as etnocategorias etológicas
atenção tanto à qualidade da água (limpa/suja)
distinguidas localmente, a dos “peixes que pulam” é
quanto ao período (dia/noite) em que a atividade é
a que apresenta um maior número de fenômenos
realizada.
etológicos, quer estejam relacionados ao
Outras etnocategorias etológicas também
comportamento reprodutivo (“a arraia pula e solta o
presentes na Tabela 1 são: a dos “peixes que
filhote”), ou ao comportamento lúdico (“curimã
imantam”, relacionada com o comportamento social
pula mais brincando com as outras”), que ao
de formar cardumes (e. g., saúna Mugil curema); a dos
comportamento de ataque/trófico (“cangurupim,
“peixes que caminham/ viajam”, identificada com a
quando ele tá querendo comer outro peixe, aí ele
migração (e. g., caboge Callichthys cf. callichthys); a dos
pula”) ou ao comportamento de fuga (“tainha e
“peixes que abóiam”, correspondente ao
curimã pulam para se defender do cangurupim e do
deslocamento vertical (e. g., sardinha Harengula
cação”). Uma outra etnocategoria etológica
jaguana) e a dos “peixes brabos”, “peixes selvagens” e
distinguida pelos pescadores diz respeito aos “peixes
“peixes violentos”, que se referem, inclusive, ao
que fazem zoada”/produzem som. Esta é dividida
comportamento agressivo (e. g., xaréu Caranx spp.).
em duas subetnocategorias: a dos “peixes que têm
Com relação à estratégia reprodutiva dos peixes,
cantiga” e a dos “peixes que roncam”. Na primeira,
os pescadores de Siribinha distinguem não apenas
encontram-se representadas seis etnoespécies (e.g., o
os modos e os períodos em que as desovas e/ou
capado Balistes vetula é um exemplo). A segunda é
nascimentos ocorrem, mas também os
constituída por quatro etnoespécies, incluindo o
comportamentos associados à reprodução (Tabela
roncador (Conodon nobilis). Segundo a percepção dos
2). De acordo com sua percepção, quatro
pescadores, o som produzido pelos peixes pode,
etnocategorias etológicas são distinguidas: “peixes
inclusive, ser dimórfica, sazonal e qualitativamente
que desovam na boca”, cujos representantes são os
diferente. Como exemplo, é citado o peixe-galo
peixes da “família do bagre”/Ariidae; “peixes que
(Selene cf. vomer), o qual, segundo os pescadores,
fazem cama”, como a traíra (Hoplias aff.
“canta quando tá grande e quando a fêmea está em
malabaricus), o paru (Chaetodipterus faber) e a tilápia
desova ela põe a cabeça para fora e começa a cantar.
(Oreochromis sp.); “peixes que fazem ninho”,
Seu canto é bem diferente dos demais”.
representados pela piranha (Serrasalmus cf. piraya) e
A produção de som pode dar-se incidentalmente
“peixes valentes”, caráter etnoetológico
quando o peixe “reboja/resmaia”, comportamento este
demonstrado pela tilápia e paru. Segundo os
que pode ter origem antrópica (“o peixe vê a gente ou
informantes, a deposição de gametas, ovos ou
vê a canoa ele reboja”) ou biótica (“xaréu, Caranx
alevinos pode ocorrer sob “pedaço de pau grande”
spp.) faz rebojo em cima dos peixes pequenos”),
(piranha), no “meio do aguapé” (paru e tilápia), na
acarretando comportamentos de fuga da origem do
“enseada” (Bagre-urutu Sciadeichthys luniscutis) ou
estímulo (do pescador e/ou de espécies piscívoras) ou
“dentro da boca” (ariídeos). Os caracteres sexuais
de ataque (de predadores). No entanto, o peixe
secundários são também percebidos, mas estes
precisa estar na “veia d’água” (superfície) para poder
estão mais relacionados com o sistema
“rebojar”, pois o “rebojo é quando o peixe corre na
classificatório dimórfico das etnoespécies do que
veia d’água, aí a água mexe”. Após o “rebojo”, o peixe
com o seu comportamento reprodutivo:
pode ir a níveis mais baixos da coluna d’água ou
ultrapassar a superfície, pulando. “O niquim macho (Thalassophryne cf. nattereri) é
Ainda com relação ao som, foi observado que os seco, todo fininho e a fêmea tem a barriga
pescadores de Siribinha utilizam-se de iscas grande”.
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“A carapeba fêmea (Diapterus rhombeus) é mais (Diapterus rhombeus) e na dos “peixes que comem
larga que o macho; ele é menor, cresce mais”. coco assado”, como o muçum (Synbranchus
marmoratus). A conexão mineral expressa-se nas
O macho da traíra (Hoplias aff. malabaricus) tem etnocategorias dos “peixes que comem lama” e na
a cabeça mais larga e dois órgãos iguais ao do
galo (referindo-se à espécie Gallus gallus
dos “peixes que comem lodo”, sendo exemplificadas
domesticus) e o corte (ânus) do macho é bem principalmente pelos peixes da “família da tainha”
aberto, enquanto que o da fêmea é menor e ela (Mugilidae) que, por sua vez, são incluídos na
tem a cabeça chata”. etnocategoria dos “peixes que não comem o outro”,
assim como os que compõem a “família da carapeba”
No que diz respeito ao comportamento (Gerreidae). Estes, também são conhecidos como
alimentar dos peixes, diferentes etnocategorias “peixes que comem lodo/lama”. No entanto, é no
tróficas podem ser observadas (Tabela 3). A conexão hábito da carnivoria que um maior número de
vegetal é expressa em três etnocategorias: na dos etnoespécies é percebido, variando desde o consumo
“peixes que brocam o aguapé”/Eichhornia sp., cujos de microorganismos, a artrópodos (Crustacea e
representantes são a tilápia (Oreochromis sp.) e o paru Insecta), anelídeos e predação piscívora intra e
(Chaetodipterus faber); na dos “peixes que comem interespecífica.
limo” (considerado “um matinho verde que fica nos
pau”), como a tainha (Mugil spp.) e a carapeba
Tabela 1. Fenômenos etológicos apresentados pelos peixes, segundo a percepção dos pescadores de Siribinha, município de Conde, Bahia
“Rubalo (idem) come camarão. A comida dele é o “Centropomus undecimalis e C. parallelus são boas comedoras de camarão” (José Geraldo Wanderley
camarão”. Marques, comunicação pessoal)
“Muçum (Synbranchus marmoratus) deve comer limo, “(...), ainda em seu regime (referindo-se a S. marmoratus) alimentar se encontra lodo e vegetais”
(...), também come coco assado”. (Santos, 1987).
“(dentre os) peixes que são conhecidos como comedores de camarão: (...), S. marmoratus, (...)”
Muçum (idem) come isca de camarão”. (Goulding e Ferreira in Marques, 1995)
“Traíra (Hoplias aff. malabaricus) come corró, eiú, “(...) este peixe (traíra: H. malabaricus) é essencialmente carnívoro (...) se alimenta geralmente de
piaba, camarão e até das própria pequenininha ela lambaris, acarás, (...) às vezes, porém, não respeita nem seus próprios irmãos” (von Ihering in
engole”. Marques, 1995)
Bagre (Siluriformes) come lama e carniça”. “(...) peixes de couro (Siluriformes), ..., se alimentam de detritos que engolem juntamente com o
lodo, ...” (Santos, op. cit.)
“Siri, ele (referindo-se ao mero, Epinephelus itajara) “Epinephelus itajara alimenta-se principalmente de crustáceos (lagostas, caranguejos) e em menor
pega. Aquele vergonhoso (um decápoda), eu tô escala de peixes” (Figueiredo e Menezes, 1980b)
cansado de ver na barriga dele”.
“Tainha (Mugil spp.) come aquele lodo que fica nas “... Mugilídeos alimentam-se de material vegetal retirado do lodo” (Menezes e Figueiredo in
raiz dos pau”. Marques, 1991)
“... a principal razão para as tainhas entrarem nos estuários é alimentação. Elas subsistem
“Tainha (idem) come lama e limo” largamente de detritos e pequenas células de algas (...), muito do material ingerido é areia e outros
materiais não digeríveis” (Moyle e Cech Júnior, 1996)
“Xaréu (Caranx latus e C. hippos) come tainha (Mugil “... também cita predação de Mugil por Caranx em estuários” (Blaber in Marques, 1991)
spp.)”
No modelo trófico percebido pelos pescadores inserção de cadeias tróficas artificiais, resultantes do
de Siribinha, um importante recurso alimentar conhecimento da interação presa/predador. Deste
utilizável pelos peixes do estuário é conhecido como modo, os pescadores de Siribinha conectam-se a
“isca do chão”, anelídeos poliquetas que se recursos animais, vegetais e minerais
constituem, em determinadas ocasiões, em “comedia transformando-os em “iscas” para maximizar sua
de peixe” (e. g., “carapeba (Gerreidae) come isca do produção com a coleta de recursos de maior valor
chão”). Segundo os informantes, “a comedia de econômico ou de melhor aceitação estético/gustativa.
peixe é um tipo de uma isca que tem umas maré que Como exemplo de um recurso usado como isca,
ela sai mais debaixo da terra, dentro d’água. Ela fica citam-se os camarões. Estes são coletados
enterrada na areia, aí tem a lua que ela sai, aí o peixe manualmente nas lagoas e localidades rasas do
aproveita e vem comer ”. Um outro fenômeno que estuário ou através de um instrumento de pesca
resulta em recurso alimentar diretamente utilizado (covo). Utilizando-se dele, os pescadores obtêm
pelos peixes é denominado de “verdete”. Na visão diversas espécies de peixes, entre as quais o muçum
dos pescadores de Siribinha, “verdete” é uma (S. marmoratus). Este, por sua vez, se não consumido
“espuma”, que surge originariamente no mar, cuja diretamente, é amarrado nas bóias das redes de
coloração varia do “meio verde” ao “amarelo”, espera para pescar traíra (H. aff. malabaricus), que é
“amarelo bem escuro” e “preta”. Sua formação utilizada também como isca na groseira
necessita de certas condições ambientais, tais como (instrumento de pesca) para pescar jereba
“vento”, “chuva” e “sol quente”. Segundo os (Mobulidae), um tipo de raia que pode chegar a mais
pescadores, o “verdete” pode dar-se no “verão”, mas de cinco metros de envergadura e que, quando
seu maior pico é no “inverno” (“verdete dá só mais comercializada, fornece mais lucros que a simples
no inverno”). Infelizmente, a coleta desse material venda da traíra ou do muçum, o que compensa o
não foi possível, mas provavelmente trata-se de uma esforço energético gasto.
super produção de fitoplâncton. Segundo os Os pescadores também incrementam sua
informantes, os peixes associados ao “verdete” são produção pesqueira criando hábitats artificiais,
principalmente a tainha e a curimã (Mugilidae), que como, por exemplo, os “engodos”. Estes são
à época de seu aparecimento são pescadas com elaborados a partir de uma mistura de camarão
tarrafas ao longo da costa. pisado e areia, a qual é colocada sempre em um
Em Siribinha, um modo de influenciar o mesmo lugar do estuário, fazendo com que os peixes
comportamento alimentar dos peixes provém da acostumem-se a vir comer no local. Segundo os
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pescadores, “depois que o peixe aviceia ali, mata ictiológica registra que a produção de som pode
muito peixe”. tanto estar restrita a um sexo (“fêmea”) quanto dar-
se em contextos comportamentais particulares (“em
Discussão desova”), assim como possuir espécie-especificidade
qualitativa (“bem diferente dos demais”) (Tavolga,
De acordo com a visão comum de diferentes
1964). Rêgo (1994), analisando os aspectos
autores, o conhecimento dos caracteres etológicos
etnoecológicos na comunidade pesqueira de Velha
dos peixes é um recurso importante utilizado pelos
Boipeba, Bahia, diz que o canto dos peixes surge
pescadores durante suas atividades de pesca (Morrill,
como um referencial importante para os pescadores.
1967; Cordell, 1983; Royero, 1989; Bahuchet, 1992;
As informações referentes ao comportamento
Marques, 1991; 1994; 1995a, b). Segundo Cordell
reprodutivo dos peixes mostram-se consistentes com
(1983), “a pesca produtiva não é tanto uma questão
os dados encontrados na literatura ictiológica
de sorte quanto do entendimento do
científica. Três exemplos confirmam essa afirmação.
comportamento do peixe previsivelmente
Segundo os informantes, a piranha (Serrasalmus sp.)
padronizado”. A percepção dos pescadores de
“faz ninho debaixo de pau grande e ali ela desova na
Siribinha relacionada com a etologia dos peixes
areia”. De acordo com Welcome (in Marques,
implica ampliação do conjunto de informações
1995b), algumas espécies de Serrasalmus têm o hábito
disponíveis à captura dos recursos pesqueiros.
de guardar massas de ovos postas sobre raízes,
Aparentemente, não houve variações significativas
inclusive escavando ninhos em montes de plantas.
nas respostas por faixa etária. Desse modo, tanto os
Os pescadores também reconheceram que a traíra
pescadores mais experientes quanto os mais jovens
(H. aff. malabaricus) “faz cama na beirada para
apresentaram um conhecimento etnoictiológico
desovar”. A literatura registra que à época da
sólido.
reprodução, esses peixes preparam o lugar da desova,
As respostas etológicas dadas pelos peixes
no fundo do lago, açude ou rio em que vivem, à
resultam em uma das maneiras pelas quais os
pequena profundidade (Santos, 1987). Os
pescadores classificam as espécies de peixes. Por
pescadores também sabem que “os bagres (Ariidae)
exemplo, o comportamento que algumas espécies de
desovam e colocam os ovos na boca”. Segundo
peixes têm no saltar fora d’água é uma das marcas
Moyle e Cech-Júnior (1996), os machos das espécies
distintivas utilizadas pelos pescadores para agrupá-
Bagre marinus e Arius felis, assim como de outras
los em um subconjunto específico. Dentre os peixes
espécies da família, realizam a incubação dos ovos na
que possuem a propriedade de pular, destacam-se
cavidade orofaringeana.
aqueles incluídos na “família da tainha”/Mugilidae.
Observa-se que as etnocategorias etológicas
Segundo Marques (1994), esta característica é bem
relacionadas com a reprodução dos peixes dizem
conhecida do repertório comportamental dos
respeito às estratégias reprodutivas de espécies
mugilídeos, principalmente da curimã (Mugil liza) e
classificadas como guardadoras (Vazzoler, 1996). O
similares. Os Lau, pescadores das Ilhas Salomão,
caráter “valente”, por exemplo, refere-se a um
também têm uma categoria para peixes que pulam e
comportamento agressivo que está relacionado com
nela incluem a tainha e a sardinha (Akimichi, 1978).
a defesa dos filhotes contra predadores. Segundo
Do mesmo modo, os índios Desâna, do Brasil
Moyle e Cech-Júnior (1996), as interações agressivas
Central, distinguem peixes que pulam e peixes que
melhor conhecidas entre os peixes são aquelas
apenas nadam (Ribeiro, 1995).
demonstradas durante a reprodução e defesa do
Não obstante as observações empíricas,
território de nidificação.
Thomson (in Marques, 1994) afirma que a razão
De um modo geral, pode-se afirmar que o
pela qual os mugilídeos pulam permanece obscura à
conhecimento etnoictiológico referente à ecologia
ictiologia. O autor, contudo, sugere explicitamente
trófica é compatível com o conhecimento
que “outra possível explicação é que isto poderia
icitiológico acadêmico. Esta constatação é também
resultar da alegria de viver”. Em adição aos caracteres
compartilhada por outros autores, que igualmente
lúdico e de fuga, uma terceira contribuição ao rol de
trabalharam a etnoecologia e a etnoictiologia de
teorias foi dada por um pescador de Siribinha, que
diferentes comunidades pesqueiras (Petrere-Júnior,
afirmou que “quando a curimã está com dor de
1990; Machado-Guimarães, 1995; Marques, 1991,
barriga ela voa e cai de banda, ou quando está com a
1995b). Marques (1991), por exemplo, afirma que
barriga cheia demais, com lama, ela voa pra barriga
“os pescadores de Alagoas percebem muito
desgartar”.
claramente a configuração trófica do seu ambiente,
Com relação à percepção dos pescadores quanto
chegando inclusive a um impressionante nível de
aos sons produzidos pelos peixes, a literatura
Etnoictiologia dos pescadores artesanais 559
detalhamento no que diz respeito à inserção dos Cordell, J. Locally managed sea territories in Brazilian
peixes na mesma”. coastal fishing. Roma: FAO, 1983. 66p.
Com relação à criação de “hábitats tróficos” Costa Neto, E. M. Etnoictiologia, desenvolvimento e
(Angelescu in Marques, 1991), estes resultam em sustentabilidade no litoral norte baiano; Um estudo de
eficiência operacional das técnicas de pesca por caso entre pescadores do município do Conde. Maceió,
1998. (Master’s Thesis in Development and
permitir que os pescadores não desperdicem tempo
Environment) - Universidade Federal de Alagoas.
e energia na busca de recursos situados em locais
D’Olne-Campos, M. Fazer o tempo e o tempo do fazer:
inadequados. Conhecer em detalhe a ecologia trófica
ritmos em concorrência entre o ser humano e a
dos peixes implica caráter utilitário, “uma vez que a natureza. Ciência e Ambiente, 8:7-33, 1994.
inserção correta do item alimentar/isca otimizará o Figueiredo, J.L.; Menezes, N.A. Manual de peixes marinhos
esforço da pesca” (Marques, 1995). do sudeste do Brasil. IV. Teleostei (2). São Paulo: Museu de
Pode-se concluir afirmando que os pescadores de Zoologia da Universidade de São Paulo, 1980a. 96p.
Siribinha possuem os meios cognitivos necessários Figueiredo, J.L.; Menezes, N.A. Manual de peixes do sudeste
que possibilitam a devida apropriação dos recursos do Brasil. V. Teleostei (3). São Paulo: Museu de Zoologia
pesqueiros. Seu conhecimento etnoictiológico é da Universidade de São Paulo, 1980b.105p.
detalhado e coerente com a ciência ictiológica Johannes, R.E. Working with fishermen to improve
ocidental. Eles sabem onde, quando e como coastal tropical fisheries and resource management.
determinado peixe ocorre. Tal conhecimento Bull. Mar. Sci., 31:673-680, 1981.
constitui um recurso importante, que é suficiente Johannes, R.E. Integrating traditional ecological
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Agradecimentos
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Ao Prof. Paulo D. Lopes pela identificação (RJ) sob uma perspectiva da ecologia cultural. São Carlos,
taxonômica dos espécimes de peixes. 1995. (Doctoral Thesis in Ecology and Natural
Agradecimentos especiais a os moradores da Resources) - Universidade Federal de São Carlos.
comunidade de Siribinha, especialmente os Marques, J.G.W. Aspectos ecológicos na etnoictiologia dos
informantes. Sem sua hospitalidade e contribuição pescadores do Complexo Estuarino-lagunar Mundaú-
Manguaba. Campinas, 1991. (Doctoral Thesis in
esse trabalho não teria sido possível.
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