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I - Fôrmas em Prosa
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Muito mais complexo que o problema das fônnas poéticas é o


das fônnas em prosa. Primeiro, porque não se trata apenas de
descrevê-Ias, como fizemos com as primeiras, mas de diferençá-las.
Segundo, porque constitui problema ainda aberto e de notória atua-
lidade. A caracterização e o histórico das fônnas poéticas perten-
cem à retórica tradicional, enquanto a distinção e a análise das
fônnas em prosa constituem questões da moderna teoria literária.
Antes do século XVIII, quase tão-somente a poesia é que interes~
sava aos teóricos da Literatura, que entendiam por poesia a lírica,
a épica e o drama. A tal ponto as fônnas em prosa ostentavam
menos cotação que os poucos estudos acerca do romance anteriores
àquela centúria via de regra tinham por objetivo subestimá-lo, con-
siderá-Io inferior à epopéia, e mesmo à tragédia e à historiografia,
ou satirizá-Io: Langlois (dit Francan), Le Tombeau des Romans ou
il est discouru. I: Contre les Romans; II: Pour les Romans (1626),
Charles Sorel, Antiroman ou I'Histoire du Berger Lysis (1631) e
De Ia Connaissance des Bon:..pvres, ou Examen des Plusieurs
Auteurs (1672), Cirano, Lettre contre un Liseur de Romans (1663),
Boileau, Dialogue sur les Héros de Roman (1665), Pierre-Daniel
Huet, Traité de ['Origine des Romans (1670), A. Furetiere, Le
Roman Bourgeois (1704),1 anônimo, Roman Nouveau (1683), Len-

1 Álvaro Uns, J017UJlde leITOS, 7" série, Rio de Janeiro, O Cruzeiro [1963], pp.
312-313; Arend Kok, Introdução, notas e edição critica do Trairi de l'OrigiM des Romons,
de Pierrc-Daniel Huet, Amsterdam, N. v. Swets e Zeitlinger, 1942, pp. 51 e ss.

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glet-Dufresnoy, De l'Usage des Romans (1734).2 Por outro lado, a olhos vistos: Brander Mathews, Carl H. Grabo, G. R. Chester,
tais doutrinadores se referiam mais à novela que ao romance. Elisabeth Bowen, Sean O'Faolain, V. Propp, e tantos outros, espe-
Com o Romantismo e a conseqüente criação do romance no cialmente de língua inglesa.
sentido moderno do termo, as teorias a seu respeito entraram a Em vernáculo, a mais remota tentativa de estabelecer os limites
destronar a velha preocupação pela poesia épica e pelo teatro.3 De do conto se encontra em Corte na Aldeia (1619), de Francisco
tal modo o romance ganhou prestígio entre os estudiosos de teoria Rodrigues Lobo. Em dois diálogos, os de n!! X e XI, procurou
literária que um erudito de nome A.-J. Delcro não teve dúvidas em marcar as diferenças entre os "contos", identificados com as nar-
compilar um Dictionnaire Universel Littéraire et Critique des Ro- rativas folclóricas, e as "histórias", com as novelle boccaccianas.
mans... (1826).4 No entanto, como ainda fosse muito arraigado o Chegou, inclusive, a frisar que os contos "não querem tanto de
conceito que distinguia a poesia épica e a dramática com foros de retórica", ou seja, pedem a brevidade. A relevância das distinções
nobreza artística, os comentaristas do romance ora tendiam a con- feitas pelo escritor português do Barroco não escapou a um estu-
siderá-Io uma "enciclopédia poética", ora uma "pseudo-épica". S dioso do porte de Menéndez Pelayo, para quem ele' 'tentou antes
Seja como for, graças ao êxito alcançado pelo romance, simulta- de qualquer outro reduzir a regras e preceitos a arte infantil dos
neamente com" o ensaio jornalístico, a peça dramática de tom contadores, dando-nos de passagem uma teoria do gênero e uma
sério e fmal feliz, etc.", as doutrinas clássicas entraram em crise. 6 indicação de seus principais temas".8 Somente em nossos dias a
Menos bafejados foram o conto e a novela, o primeiro, porque teoria do conto voltou a merecer atenção em Portugal, desta vez
tratado como romance curto (sob o designativo de novella, termo com um trabalho exaustivo e sistemático, Biologia do Conto (1987),
emprestado do Italiano), num embaralhamento que ainda hoje pro- de Armando Moreno.
voca confusões, e o segundo, porque confundido com o romance. Entre nós, tirante observações esparsas de Machado de Assis,
A Friedrich Schlegel se devem as primeiras teorizações acerca do a primeira teoria do conto que se conhece, é da autoria de Araripe
conto ou novella, tendo por base II Decamerone, de Boccaccio, Jr., no "Retrospecto do Ano de 1893", publicado nA Semana de
reunidas em trabalho publicado em 1801.7 Até fins do século XIX, 1894 e mais tarde enfeixado em Literatura Brasileira. Movimento
os estudos acerca da prosa da ficção eram parciais, breves ou ainda de 1893. O Crepúsculo dos Povos (1896). Um vasto hiato se fez
filiados a antigos e superados conceitos. Todavia, as preceptivas daí por diante até que o assunto voltasse a ocupar a crítica, inicial-
literárias então aparecidas, de caráter a-normativo, ao contrário do mente graças a Herman Lima e as Variações sobre o Conto (1952).
que postulava a tradição, já começavam a abrigar doutrinas a res- Quanto à teoria do romance, um dos primeiros estudos de
peito do conto e do romance e mesmo da novela, geralmente com conjunto data de 1883: Beitrage zur Theorie und Technik des Ro-
o equívoco apontado. No setor do conto, destacam-se as idéias de mans, de F. Spielhagen. Depois dele, a quantidade de teorizadores
Poe, pioneiras e ainda atuais. Em fms do século XIX é que entram vem aumentando progressivamente até os nossos dias, numa verda-
a surgir os primeiros grandes teorizadores, contemporaneamente ao deira pletora de doutrinas e interpretações: Henry James, Albert
desenvolvimento atingido pelo conto nas literaturas ocidentais. E Thibaudet, Percy Lubbock, E. Wharton, E. Muir, E. M. Forster, R.
ao longo deste século, o número de estudiosos do assunto cresceu Koskimies, Roger Caillois, Robert Liddel, G. Lukács, Wayne C.
Booth, Lucien Goldman, F. K. Stanzel e tantos outros.9

2 Klaus Friedrich, "Eine Thcorie dcs "Roman Nouvcau", in Romanistisches Jahrbuch,


Romanisches Seminar, Hamburg. XIV Band, 196J. p. 105. 8 Menéndcz Pelayo, Orlgenes de Ia Novela, 4 voIs., Santander, Consejo Superior de
3 René Wellek, Hisloria de Ia Crilica Moderna (1750-1950), Ir. espanhola, 4 voIs. Investlgaciones Científicas, 1943, vol. m, p. 150. A esse respeito, ver Walter Pabst, La
Madrid, Grcdos, 1959, vol. lI, p. 28. Novela Corra en Ia Teoria y en Ia Creación Lileraria, Ir. espanhola, Madrid, Grcdos, 1972,
4 KIaus Friedrich, ibidem. pp. 187 e ss., - para quem é mais do que evidente a influência de Ii Libro dei Corregiano
5 René Wellek, op. cil., vol. I, p. 280; vol lI, p. 123. (1528), de Castlglione, e de I Dlporli (1550), de Girolamo Parabosco, sobre Francisco
6 Idem, ibidem, vol. I, p. 32. Rodrigues Lobo.
7 Idem, ibidem, vol. n, p. 35. 9 Ver o capítulo dedicado ao estudo do romance, mais adiante, e a bibliografia inflne.

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Nem por causa da avalancha de estudos referentes à prosa de É certo que deve haver um resíduo, um lugar-comum do ponto
ficção se pode dizer que o problema está resolvido. Os fatores que de vista da estrutura básica, para que as obras desses prosadores
detenninam o caráter aberto e complexo dessa questão podem ser continuem a merecer a designação de "romance". Mas também
arrolados do seguinte modo: em se tratando de novela e de roman- está fora de dúvida que exibem mudanças de toda ordem, numa
ce, é alto o débito para com a poesia narrativa (canções de gesta, espécie de corrida de saltos para atingir o melhor resultado na visão
epopéias). Historicamente, ambos se prendem à poesia épica, ao da realidade. Um crítico que adotasse a concepção setecentista de
menos na generalidade dos casos: por certo que seria licito objetar romance para julgar a obra, por exemplo, de um James Joyce,
com narrativas clássicas (como Dáfnis e Clói, por exemplo) que provocaria equívocos e perplexidades no leitor, entre os quais even-
não parecem dever nada à poesia épica, mas constituem exceções tualmente o de recusar-se a classificar Ulysses de romance. Idêntico
à regra. Ou, por outra, podem ser consideradas manifestações pro- raciocínio aplica-se ao conto: entre as Mil e Uma Noites e suas
to-históricas da novela, que veio a despontar na Idade Média, pelo configurações modernas notam-se diferenças que vão desde a téc-
processo de prosificação das canções de gesta. Outra determinante nica até o significado, ou desde o estilo até o conteúdo.
que perturba a clareza desejável nesse terreno: cada país, ou área Um terceiro fator interfere no bom entendjmento nesse particu-
de cultura, ou época histórico-literária, ou tendência crítica, defen- lar: alguns críticos têm encarado apressadamente o problema das
de idéias próprias acerca das fôrmas em prosa. A essas contingên- fôrmas em prosa. Orientados por conceitos duvidosos, ou polêmi-
cias deve-se acrescentar que o vocabulário da crítica literária, ape- cos, por vezes adotando esquemas mecânicos, pseudocientíficos, ou
sar do esforço de alguns e do desejo duma maioria consciente, guiados por má consciência, apressam-se em subestimar a comple-
ainda está longe de alcançar precisão e univocidade. xidade do problema. E acabam por aderir a conceitos fundados na
Outras causas podem ser aduzidas para explicar a dificuldade "fonna externa" das obras, pondo em segundo plano a "fonna
em se chegar a uma fonna de consenso nessa matéria. Em ptimeiro interna" e ignorando que existe, para além desta, uma camada
lugar, as relações entre atividade literária e as outras artes e modos semântica que não pode ser descartada sem comprometer a função
de conhecimento: além de se moverem nas duas direções, desenro-
analítica e interpretativa e judicativa que desempenham.
lam-se praticamente dentro do mesmo contexto histórico. Essa con- Em decorrência, o critério que adotam para discernir as dife-
temporaneidade e interação apontam para o fato de que a prática renças entre o conto, a novela e o romance é quantitativo: a seu ver,
literária, enquadrada que está na sociedade que lhe dá origem e
a distinção residiria no volume de páginas. Preconizam que conto
razão de ser, destina-se a servir, em qualquer dos sentidos do
é sinônimo de narrativa curta, e vice-versa, toda narrativa curta se
vocábulo "servir". 10Em segundo lugar, a história das fôrmas lite-
rárias mostra-nos um dinamismo que afasta a hipótese das soluções classifica no setor do conto. Chegam ao requinte de finnar uma
definitivas. Tomando como exemplo o romance, observa-se que distinção numérica entre o que chamam de "conto curto" ("short -short
entre suas primitivas modalidades, datadas do século xvm, e as story") e "conto longo" ("long-short story"): aquele teria cerca
atuais, operou-se visível metamorfose. Tanto assim que pennitiu a de 500 palavras, o segundo, entre 500 e 15.000 a 20.000 palavras.
alguns críticos apregoar o desaparecimento do romance como ex-
pressão de cultura, ou a sua transfonnação em uma estrutura nova.
Na verdade, entre Pamela (1740), de Samuel Richardson, tido 11 W. F. Thrall, A. Hibbard e C. H. Holman, A Handbook to Literature, S. cd., New
como o primeiro exemplar no gênero, e as criações do "nouveau Yorle, Odysscy, 1962, p. 4S8. Oulros autores ponderam que o conto ("short story") "oscila
entre o 'conto curto' ('short-short story') de menos de 2.000 palavras e a 'novclette', com
roman", nos anos 60, passando por Balzac, Stendhal, Dostoievski, mais de IS.ooo" (Northrop Frye, Shcridan Balrer, Gcorge Pcrldns, 'lhe Harper Handbook
Tolstoi, Proust, Joyce e outros, parece escancarar-se um abismo. to Literarure, New Yorle, HaIpcr & Row, 1985, p. 430). E há quem considere outro número:
tendo menos de 10.000 vocábulos, trata-se de conto (Harry Shaw, Dictionary 01 Literary
Terms, New Yorle,McGraw-Hill Book Co., 1972, p. 343). E um outro estudioso, decerto
alcrtado para o gratuito de tais números, defmc-se em "teImos atléticos: se tomarmos a
10 A esse propósito, ver Eticnoe Souriau, La Co"espondence desArrs, Paris, Flammarion, novella como um livro de 'distância média' ('middlc-distancc'), o conto se enquadraria na
1947, e A]fODSO Reyes, El Desünde, México, El Colégio de Móxico, 1944. classe dos 100/200 melros" (J. A. Cuddon, A Dictionary 01Literary Terms, reviscd cd., New

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Quanto à novela, que os ingleses chamam novelette e os franceses, Alienista e Iracema haveria entre certas obras de mais de 200
nouvelle, mais longa que o conto e menos que o romance, de 100 páginas. D. Quixote e Madame Bovary servem de exemplo. Quem,
a 200 páginas, aproximadamente. E romance seria toda narrativa I refletidamente, poderia enfaixá-Ios sob um mesmo rótulo, novela
com mais de 200 páginas. ou romance? A rigor, aquele é novela, e esse, romance. E, como
Na verdade, o critério quantitativo não é de todo falso nem sabemos, o primeiro é mais volumoso que o segundo. Assim, se o
desprezível. Contudo, deve ser empregado apenas como auxiliar do critério fosse o número de palavras, ambos teriam de ser romances.
critério qualitativo, e a posteriori, porquanto a simples contagem Estaria COlTetaa classificação? A resposta só pode ser dada pelo
das páginas impossibilita afinnar com precisão o tipo de narrativa critério intrínseco, e esse responderia que o D. Quixote é novela, e
em causa. O aspecto numérico pode confundir o observador que Madame Bovary, romance.
relegar a segundo plano o conteúdo e a estrutura das obras. Se é I Infere-se, assim,que o critério mais conveniente para se erguer
verdade que o conto encerra breve dimensão, também é certo que uma distinção rigorosa entre o conto, a novela e o romance, é o
isso decolTe de fatores intrínsecos: os contos não são contos porque qualitativo, que consiste em procurar ver a obra de dentro para
têm poucas páginas, mas, ao contrário, têm poucas páginas porque I fora, analisar-lhe e julgar-lhe os componentes, de forma, e de
são contos. conteúdo. Somente depois de bem sopesá-Ios é que estaremos aptos
Tomemos, à guisa de ilustração, o caso da Alienista: uma das a uma classificação válida e precisa. Nesse ponto, convoca-se o
obras-primas do conto machadiano, tem cerca de 100 páginas nas critério quantitativo a fim de corroborar ou negar o resultado da
edições vulgares, quase o tanto de Iracema, o romance de José de I análise. Não raro, confinna. Mas, que ingredientes são esses? En-
Alencar. A ser usado o esquema quantitativo, de imediato se con- fileirados como se segue, servirão de base para os capítulos dedi-
cluiria que as duas narrativas pertencem à categoria do conto, ou cados a cada uma das fôrmas em prosa: a ação, as personagens, o
do romance. Nada mais enganoso. Por certo que se trata dum caso , tempo, o espaço, a. trama, a estrutura, o drama, a linguagem, o
sui-generis, já que nem todos os contos possuem a extensão da leitor, a sociedade, os planos narrativos, etc.
Alienista, e não é comum um romance de .proporção igual à de Porque comuns ao romance, à novela e ao conto, podem levar
Iracema.12 Na maioria dos casos, o critério quantitativo pode ser ao equívoco de supor improcedentes todas as tentativas de estabe-
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empregado, mas deve ser confinnado pelo qualitativo, que impede lecer fronteiras entre as três fôrmas. O fato de o conto abranger
chamarmos de conto a embriões ou capítulos de romance, a poemas ingredientes do romance não invalida a distinção entre as duas
em prosa, a apólogos, a fábulas, a crônicas, etc., todos marcados fôrmas, uma vez que se movem no mesmo território - a prosa de
pelo signo da brevidade. Idêntica confusão à existente entre O I ficção. O que resta firmar é a sua diferença, calcada na densidade,
intensidade e arranjo dos componentes: a título de exemplo, as
personagens do conto discrepam das que protagonizam o romance
I e a novela por sua densidade, intensidade e estrutura. A simples
Yorlc, Doubleday & Co., 1976, p. 623). A esse respeito, ver lan Reid, 71Je Shon Story,
London, Melhuen and Co., Ud., 1977, p. 10. exibição de personagens não distingue o conto das fôrmas vizinhas,
Outros autores há que propõcJn uma dislinção baseada na qualidade, não na extensão, mas, sim, a circunstância de serem, via de regra, personagens
como Brander Matthcws ("The Phi1osophy oí lhe Short-Story", in Pen and InJc,New Yorle,
planas, surpreendidas no momento privilegiado de sua evolução.
Charles Scribner's Sons, 1902 pp. 75-106) e J. Bcrg Escnwein (Wriling the Shon-Story: a I
Praclical Handbook on the Rise, Structure, Writing, and Sale of the Modem Short-Story, Por fim, considerar falaciosa a discriminação entre as fôrmas da
New Yorlc, Hinds, Noble and ElIedge, 1909, pp. 17 e 55.). prosa em razão de os elementos expressivos do romance poderem
12 Análogo exemplo pode ser colliido em Davam grandes passeios aos domingos...
(1941), de José Regio: a despeito de alguns críticos, fundados nas suas 115 páginas, a
estar presentes no conto ou na novela, pressupõe saber, de antemão,
classificarem de novela, a obm apICSCntaestrutura de conto. Decerto apcrccbcndo-sc disso, o que caracteriza cada fôrma de per si. Autêntico círculo vicioso.
o autor incl1úu-a na terceira edição de Histórias de Mulheres (1968), volume de contos cuja E assim retomamos ao ponto de partida: a distinção há de ser
primeira edição apareceu em 1946. E sagazmente classificou-as de "con10 enovela", mas
o recurso antes mostm que esconde a consciência de haver semelhança de estrutura entre as fundada mais na função dos ingredientes que na sua mera presença
narrativas, mal encoberta pela vaga designação posta em subtítulo. ou no volume de páginas.
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14~8 'f ~.:.;.J-3
E se por função entendennos traços caracterlsticos, haveremos Navarra quanto as de Tchecov ou MaupassáÍ1t ou Dalton Trevisan
de convir que detenninados traços implicam detenninada fônna, e ou Julio Cortázar sejam rotuladas de "contos" decorre de empre-
esta, reciprocamente, pressupõe aqueles. Por outros tennos, cada garem a mesma estrutura narrativa, apesar de todas as mudanças
fôrma tem certas implicações, de modo que onde essas se encon- temáticas, estilísticas ou culturais. Idêntico raciocínio se aplica a
trem, estaremos em presença daquela: nesse caso, implicações e Madame Bovary, Ulysses, Contraponto, Aparição, Avalovana; ou a
fôrmas se equivalem. Vinculadas por elos de necessidade, onde Amadis de Gaula, D. Quixote, O Tempo e o Vento, A Barca dos
houver umas haverá outras, a ponto de todas as divergências em Sete Lemes, Grande Sertão: Veredas.
tomo de qualquer texto literário promanarem de controvérsias acer- É que, ao longo das variações temporais, observa-se a penna-
ca dos traços que identificam as fôrmas (as espécies e os gêneros, nência de um núcleo fonnal, posto que igualmente sensível à ação
visto que o raciocínio pode ser estendido aos outros graus da escala do tempo, e é tal núcleo que interessa acompanhar e descrever.
genológica).13 Em suma, uma perspectiva centrada no substantivo a estrutura -
Assim a tarefa classificatória dos textos dentro do universo dos das fônnas em prosa -, não no adjetivo - suas modulações ex-
gêneros não é, como ainda podem pensar estudiosos menos infor- trinsecas.
mados ou menos atentos, o objetivo final da crítica. É, com efeito, Tal estrutura básica não decorre de um modelo ideal, que se
o ponto de partida, não o de chegada. E se insistimos nesse ponne- armasse em abstrato e se pusesse em confronto com os textos, a ver
nor é para evitar que se distorçam os fatos. Se não soubennos em se eram congruentes entre si. A lógica interna das narrativas é que
que categoria ordenar a narrativa que acabamos de ler, seja ela qual detennina a idéia de que, por sobre as diferenças particulares,
for, principiamos por não saber como julgá-Ia, visto que, é bom obedecem a um arcabouço primordial, comum a todas. É essa
repeti-Io mais uma vez, não se pode submeter "A Cartomante" e estrutura irredutivel, ou !i que se reduzem as narrativas, que se
D. Casmurro aos mesmos padrões analíticos e intetpretativos. Se representa no esquema gráfico que fecha o estudo das três princi-
ninguém duvida que ostentam característic~ peculiares às respec- pais modalidades em prosa.
tivas fôrmas, nem por isso se diria que não procede levantar o Desse modo, as exceções ou as experiências de vanguarda (não
problema da classificação ou reconhecer-lhe a presença atuante no raro de incerta classificação, ou detenninantes de um remaneja-
próprio ato de ler. Essa questão extrapola, na verdade, os limites mento na árvore dos gêneros) somente serão consideradas quando
dos gêneros, sem perda de pertinência. Onde situar Os Sertões? Na úteis à compreensão da unidade intrínseca do conto, da novela e do
Sociologia? Na ficção? Na História? No ensaio? Será indiferente romance. Destaca-se, nesse quadro, o chamado" conto moderno",
localizar a obra num ou noutro desses nichos, ou simultaneamente etiqueta duvidosa por induzir a pensar numa estrutura própria,
em mais de um? diversa da que se encontra no "conto tradicional". Na verdade,
Para finalizar estas preliminares ao exame das fôrmas em pro- essas denominações revestem categorias históricas, e a primeira
sa, assinalemos que a distinção entre o conto, a novela e o romance assinala apenas o emprego de técnicas novas para engendrar a
e sua caracterização, que ocuparão os capítulos subseqüentes, de- velha estrutura. 14
vem ser entendidas e avaliadas em seu propósito esclarecedor. Tratando-se de conto, não importa se escrito em nossos dias,
Trata-se de uma proposta de sistematização de conceitos numa área ou nos séculos anteriores, sempre exibirá as mesmas característi-
ainda sujeita a controvérsias. Por outro lado, voltaremos nossa cas fundamentais. Ainda que o conflito não seja aparente, ou que
atenção para as características persistentes no decurso da história o método utilizado pelo contista seja o indireto, por meio de
das fôrmas em prosa: o que faz que tanto as obras de Margarida de

14 A propósito do "conto moderno". ver A. L. Bader. ' 'TIle SlIUcturc of lhe Modern
13 E. D. HiIsch, Validity in lnterpretatíon. New HavcnjLondon, Ya1e University Short StOI)'''. College English. 7 (Novcmbcr 1945). pp. 86-92. in OIarlcs E. May (00.).
Prcss. 1967. pp. 89 e 58. Shon Story 'lheories. Ohio Univm;ity Prcss. Ohio. 1976. pp. 107-115.

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implicações, a narrativa continua sendo conto. Quando não se es-
trutura ao redor de wna trama, visivel ou implicita, em razão de o
autor visar a um texto sem núcleo dramático, "em que nada acon-
tece", o resultado é o poema em prosa, capitulo ou embrião de
novela ou romance, ou crônica.ls

11 - O Conto

1. A PALAVRA "CONTO"

A palavra" conto" possui, em vernáculo, as seguintes acep-


ções: 1) número, cômputo, quantidade: "Um conto de réis"; "Um
sem conto de soldados"; 2) história, narrativa, historieta, fábula,
"caso"; embuste, engodo, mentira ("conto-do-vigário"); 3) extre-
midade inferior da lança, ou do bastão: "E, dando wna pancada
penetrante, I Co conto do bastão, no sólio puro" (Os Lusladas, I,
37). Em Portugal, além de vário emprego no sentido de medida, o
vocábulo ainda designa a "rede de pesca em fonna de saco, cuja
boca é cosida a um circulo de ferro, que se amarra segundo um
diâmetro a wna vara". 1 Na terceira acepção, o vocábulo" conto"
deriva do gr. kóntos, pelo la1. contu, com análogo sentido. Para as
duas primeiras acepções, tem-se como fonna originária o la1. com-
putu ("cálculo", "conta").
Para a acepção literária, a de número 2, aventa-se ainda outra
hipótese, menos provável: a origem remontaria ao la1. commentu
("invenção", "ficção"), Acbnite-se também que o vocábulo "con-

15 A esse rcspeilo, valia a pena registrar o kstcmunho de mn critico insuspeito: "Pelo


menos, é isso que o público ou a imensa maioria do público cspcI3 de mn romancista. Mas
1 Antônio de Morais Silva, Grande Dicionário diJ Ungua Portuguesa, loa cd., rev.,
é sabido que não pensa assim certa vanguarda literária. A catástrofe começou sem necessidade
cor., mnito amnentada e atualizada, 12 vols., Liboa, Confluência, 1951, s.v. Ver ainda
'alguma, no tcIreno do conio: baseados numa interpretação totalmente mada da arte de
Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo diJ Ungua Portuguesa, 2 vols., 3&cd., atualizada,
Tchccov, inventaram o 'conto sem enredo', o 'conto atmosférico', que na vmlade não passa
Lisboa, Parceria Antônio Maria Pereira, 1948; Antenor Nascentes, Dicionário Etimológico
de uma 'CIÔIlica' em estilo artístico" (000 Maria C8Ipcaux, "Érico Vcríssimo e o Público",
in Flávio Loureiro Chaves (org.), O Contador de Histórias: 4Q Anos de V"uiaLiterária de diJ Ungua Portuguesa, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1932: Aurélio Buarque de Holanda
Érico Verissimo, Porto Alegre, Globo, 1972, p. 37). Fcrreira, Novo Dicionário diJ Ungua Portuguesa, 1&cd., 2&impressão, Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, s.d.

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