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I M A G I N Á R I O S C O L O N I A I S:

CONTINUIDADES E RUPTURAS
NA AMÉRICA LATINA CONTEMPORÂNEA
DIANA ARAUJO PEREIRA
J U A N P A B L O M A R T Í N R O D R I G U E S ( O R G. )

I M A G I N Á R I O S C O L O N I A I S:
CONTINUIDADES E RUPTURAS
NA AMÉRICA LATINA CONTEMPORÂNEA

ENSAIO
PORTAL EDITORA
EDITOR Reynaldo Damazio
CO N SEL HO EDITORIAL Adolfo Montejo Navas, Carlos Felipe Moisés,
Edison Carmagnani Filho, Eduardo Sterzi,
Frederico Barbosa, Tarso de Melo
COMERCIAL Paula Amorim
ARTE Regina Kashihara
INTERNET Ricardo Botelho
CONTATO Largo do Paissandu, 72 • cj 1603 • Centro
São Paulo • SP • CEP 01034-901
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www.portaleditora.com.br

CAPA Anna Bella Geiger, Variáveis, 1978-2009, serigrafia e bordado


à máquina sobre linho. Foto: Ana Hortides

© Portal Editora 2015 Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida
ou armazenada, por quaisquer meios, sem a autorização prévia
e por escrito da editora e do autor.
APOIO

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO – CIP

Pereira, Diana Araujo e Rodrigues, Juan Pablo Martín (org.)

IMAGINÁRIOS COLONIAIS: continuidades e rupturas na América


Latina contemporânea /
Diana Araujo Pereira e Juan Pablo Martín Rodrigues (org.).
296 p.; 14x21cm
ISBN 978-85-8282-041-4

1. Ensaios brasileiros. 2. América Latina. 3. Cultura. I. Título.

CDD B869.4

Índice para catálogo sistemático


I. Ensaios brasileiros : cultura – Século XXI

Bibliotecária Janaina Ramos CRB 8/9166


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..........................................................................................................7
PREFÁCIO À IMAGINÁRIOS COLONIAIS..................................................... 13

IMAGINÁRIOS COLONIAIS

Relatos de um continente desaparecido.............................................................. 19


Alfredo Cordiviola

La Condamine, un viaje por las fronteras imperiales...................................... 37


Esteban Ponce Ortiz

Inscribiendo la nación: Colonialidad e imaginarios en Paraguay a inicios


del siglo XX ................................................................................................................... 71
Aníbal Orué Pozzo

Esclavas africanas y sus descendientes en una sociedad colonial:


el caso de Costa Rica................................................................................................103
María de los Ángeles Acuña León

Rasu Bilca: Pervivencia histórica de una deidad del ande peruano


en el imaginario religioso colectivo....................................................................133
Rosaura Andazabal Cayllahua

Revisión del milagro guadalupano a través de la epistolografía


franciscana....................................................................................................................163
Juan Ignacio Jurado-Centurión López

Gonzalo Pizarro: imagens de uma impossibilidade.......................................187


Brenda Carlos de Andrade

Uma topologia colonial: De Sepúlveda a Conrad...........................................207


Juan Pablo Martín Rodrigues
La imposible re-presentación cinematográfica de la Conquista: Para
recibir el canto de los pájaros (1995) y También la lluvia (2010)............227
Bruno López Petzoldt
Diana Araujo Pereira

Ruptura e continuidade na cartografia cultural da América Latina.........261


Mariluci Guberman

APRESENTAÇÃO DOS AUTORES...................................................................291


APRESENTAÇÃO

A América Latina, o “Novo Mundo” inventado nos séculos XV e


XVI, ainda hoje é um continente em formação. Séculos de encobri-
mento das culturas nativas e de projetos colonialistas marcam a sua
história pós-navegações, da mesma forma que séculos de resistências
variadas, sub-reptícias ou explícitas, demarcam sua memória e ima-
ginação coletivas.
Depois de fragmentar-se ao longo do século XIX em várias nações,
no século XX volta a aglutinar-se em uma nova “ideia” de América
Latina. E já nas primeiras décadas do século XXI é visível o fortaleci-
mento de um novo giro histórico, cultural e epistemológico, marcado
pelas imagens e discursos da descolonização, fomentados nos mais
diversos contextos acadêmicos, mas também em coletivos artísticos,
sociais e políticos espalhados pelo continente. Com ações e argumentos
os mais diversos, a expressão resistência cultural ganha força e espaço
nas mídias, sobre tudo nas alternativas, demarcando novos rumos para
o pensamento e as práticas socioculturais latino-americanas, através
da criação e do fortalecimento de verdadeiras “guerrilhas culturais”,
expressas e articuladas de diversas maneiras: movimentos espontâneos
da sociedade civil – em protestos multitudinários que tomam os espaços
públicos – ou ações de coletivos organizados em diversos âmbitos, cujos
objetivos são claramente forjados na luta cotidiana pela resistência cul-
tural, seja ela de ênfase linguística, étnico-racial, artístico-cultural, etc.
O projeto deste livro nasce da observação destas novas direções
e do diálogo compartilhado com os estudantes da disciplina Invenção

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da América, ministrada no curso de Letras, Artes e Mediação Cultural
da UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana),
assim como das reflexões entre discentes e docentes do Programa
de Pós-graduação em Letras e Linguística da UFPE. Imaginários
coloniais – continuidades e rupturas na América Latina contempo-
rânea tem por objetivo problematizar a continuidade dos discursos
criados durante os períodos de conquista e colonização da América,
além de observar e analisar processos de rupturas que formam
o mapa cultural latino-americano contemporâneo, reconhecendo as
relações com a memória histórica que se mantêm vigentes no ima-
ginário coletivo que permeia a realidade sociocultural do continente
em pleno século XXI.
Falar em termos de “invenção” da América significa remeter-nos
ao livro publicado em 1958, pelo historiador mexicano Edmundo
O´Gorman. Um estudo do processo de chegada europeia ao continente
americano que destoava da historiografia da época e, talvez por isso,
não teve entre os historiadores do continente a mesma repercussão
que certamente teve entre os escritores. Como um estopim para no-
vas abordagens e releituras do nosso processo histórico, a ideia da
“invenção” da América inspirou as letras do continente. Escritores
de diversas nacionalidades tomarão esta ideia como ponto de partida
para uma série de revisões e críticas à história oficial. Se a história
foi “inventada”, por que não reinventá-la? Por que não alterar suas
marcas colonialistas trazendo à tona, ou dando visibilidade, a outras
racionalidades que impregnam nossa imaginação coletiva? É assim
que o famoso “boom” da literatura latino-americana verá surgirem
obras propositivas de outra visão da história, incrementando um mo-
vimento que desde as primeiras décadas do século XX buscava esta
outra visão da história latino-americana; uma visão que transitasse
entre a ficção e a história oficial, sem a pretensão de ser fiel às suas
versões sempre tão legitimadas pela perspectiva eurocêntrica que
ainda prevalece nos discursos da história oficial; dando, portanto,
livre expressão à outras versões possíveis, verossímeis, dos proces-
sos históricos vividos pelo continente. Como afirma Carlos Fuentes
(Tiempos y espacios. México: FCE, 1997),

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Creadores de otra historia, los artistas, sin embargo, están inmersos
en esta historia. Entre ambas se crea la verdadera Historia, sin en-
trecomillado, que es siempre resultado de una experiencia y no de
una ideología previa a los hechos. [...] Imaginar el pasado. Recordar
el futuro. Un escritor conjuga los tiempos y las tensiones de la vida
humana con medios verbales.

Neste sentido, trazemos para dialogarem neste livro pesquisadores


da história e da literatura, entendendo este diálogo como ponto de
partida fundamental para repensar nossa configuração sociocultural.
Através da colaboração de autores vinculados a diferentes paisagens
do continente (Costa Rica, Paraguai, Brasil, Equador e Peru), propomos
uma cartografia bastante ampliada que, no entanto, enseja a reflexão
a respeito de nossas semelhanças mais do que de nossas diferenças,
ao levantarem processos que demarcaram (e ainda demarcam) subje-
tividades e imaginários compartilhados, forjados através de processos
históricos similares.
Os dois primeiros capítulos, de Alfredo Cordiviola e Estaban Ponce
Ortiz, introduzem interpretações de processos cartográficos (viagens e
excursões com objetivos colonizadores ou científicos, em cujo âmbito
os termos colonização e pesquisa científica acabam se confundindo)
propõem a reflexão da relação entre geografia e pensamento: ambos
os capítulos reconstroem tentativas de traduzir o continente através
da escritura cartográfica nas quais vigoram, por cima da objetividade,
uma grande carga simbólica herdada de outros contextos culturais em
confronto com o “barroquismo natural do continente”, como afirma
Esteban Ponce.
Já Anibal Orué Pozzo nos traz o cenário, tão pouco conhecido no
Brasil, do processo de construção da nação paraguaia; por um lado
muito semelhante, já que se forja sobre as mesmas bases coloniais
do resto do continente, porém impregnado de particularidades bem
mais dramáticas, advindas de uma guerra que havia dizimado dois
terços da população.
A historiadora María de los Ángeles Acuña León nos mostra
um outro ponto de contato fundamental na observação de nossas

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semelhanças históricas e de suas consequências: a descrição do pro-
cesso de escravidão na Costa Rica poderia, facilmente, ser comparado
ao processo escravocrata do contexto brasileiro. As construções que
se criam naquele momento, em relação ao negro e, mais especifica-
mente, à mulher negra, bem poderiam ser transportados, sem maiores
dificuldades, para pensar a sociedade contemporânea brasileira.
O capítulo de Rosaura Andazabal Cayllahua complementa os dois
capítulos anteriores – mais vinculados aos problemas das configura-
ções nacionais do século XIX – com um dado diferente, ao introduzir
no livro a temática da sobrevivência de elementos religiosos dos andes
peruanos, anteriores à chegada europeia e até mesmo ao chamado
Império Inca, isto é, elementos de cosmovisões inerentes às comuni-
dades andinas (14.600 a.C.) que resistem e gozam de plena saúde no
imaginário coletivo do Peru contemporâneo. Na mesma linha, o texto
de Juan Ignacio Jurado-Centurión López reforça esta perspectiva de
permanência de elementos pré-hispânicos na sociedade contempo-
rânea, levando-nos ao contexto mexicano através de uma releitura
do milagre da famosa Virgem de Guadalupe.
Na sequência, Brenda Carlos de Andrade nos remete novamente
ao contexto do século XIX, através da abordagem de romances histó-
ricos que se constroem pela tessitura de dois planos bem marcados:
a época da conquista, como plano diegético, e o século XIX, como pano
de fundo da escritura de tais romances, o que os leva a incorporar, na
sua tessitura literária, as necessidades inerentes ao período histórico
de criação das identidades nacionais. Romances que problematizam
tal tessitura através das ambiguidades incorporadas pelo autor. Nesta
mesma linha, o capítulo de Juan Pablo Martín Rodrigues nos propõe
um percurso ainda mais amplo: de Sepúlveda a Conrad – uma re-
flexão que se constrói sobre a escritura literária como fomentadora
de diálogos, nos quais se entre mesclam os âmbitos históricos e fic-
cionais, instaurando interessantes e significativas vinculações entre
personagens e épocas diferentes.
O capítulo de Diana Araujo Pereira y Bruno López Petzoldt segue
o mesmo percurso, mas agora tomando a linguagem cinematográfi-
ca como texto no qual história e ficção se fusionam como âmbitos

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complementários para a compreensão do quebra-cabeça latino-
-americano. Para terminar, o capítulo de Mariluci Guberman retorna
à literatura, trazendo em primeiro plano uma reflexão sobre a obra
de Miguel Angel Asturias.
Esperamos que este livro inspire outras releituras, assim como
outras abordagens para esta relação ambígua e complementar entre
a escritura histórica e a produção artística na América Latina. O pro-
cesso de descolonização dos imaginários que subjazem nas práticas e
nos saberes da América Latina contemporânea exige um aprendizado
novo do passado que, curiosamente, pode ser realizado, em grande
medida, através das suas produções artístico-culturais.

Diana Araujo Pereira


Tríplice Fronteira, Foz do Iguaçu, agosto de 2015

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PREFÁCIO À IMAGINÁRIOS COLONIAIS

O prefácio como gênero paratextual pressupõe um discurso


que tanto pode tratar de tópicos referentes à elaboração da obra,
como privilegiar uma voz que discorra sobre elementos concei-
tuais tratados no volume. Como de autoridades o mundo já está
repleto... de desconfiança, vale dizer que uma opção real para
o presente leitor é o de conferir, diretamente e sem interferências,
e portanto, saltando esse preâmbulo, as abordagens que se dão em
Imaginários coloniais: continuidades e rupturas na América Latina
Contemporânea. Ou, caso prefira, atrevo-me a convidá-lo a uma
rápida panorâmica.
A partir da digressão que duvida da eficácia do próprio prefácio,
arrisco-me a sugerir que a obra apresenta, em diferentes latitudes,
a pesquisa sobre os imaginários coloniais, a fim de desconstruir
o conjunto de imagens, criadas para colonizar e modelar um pen-
samento periférico, uma vez que, na modernidade, a própria noção
de América Latina, conforme Mignolo (2002), figura como produto
e conseqüência de uma geopolítica do conhecimento.
Neste sentido, a confluência de imagens reunidas pelo discurso
vão desfiando aos olhos do leitor máquinas de ler uma heterogenei-
dade, cujas posições assimétricas reforçaram desde a colônia, por
meio de dispositivos e tecnologias empregadas no campo cultural,
a fixação, o controle e a manipulação de temas que se configuraram
como verdadeiros artefatos culturais do imaginário colonial, e que
foram sendo reforçados ou revisados durante a emancipação política

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no século XIX, no fim do século XX com os 500 anos, e seguem
sofrendo ressignificações na contemporaneidade.
Reencenar a memória e conceber uma arte do presente é o que
o volume escancara, uma vez que o imaginário colonial se construiu
de costas para as culturas indígenas e alguns relatos, que circulam na
modernidade, recriam diferentes projeções que implicam um saber
e um poder.
Deste modo, o imaginário colonial move-se entre fluxos: por um
lado, foi produzido graças à hegemonia de uma cultura sobre outras
silenciadas; e, por outro, permite reconhecer a irrupção do que não é
passível de observação no real e se transformou, simbolicamente, em
diferentes contextos, apropriações e modelagens subjetivas.
Como o imaginário atua a partir de bens simbólicos, pode tam-
bém criar o jogo para desmistificar a totalidade do real, e com isso
criar uma epistemologia para ir além do que se deseja totalizar.
A literatura modelada entre o fictício e o imaginário permite duvidar
do pensamento cartesiano, segundo Wolfgang Iser. Enfim, a propos-
ta do volume é a de problematizar o modo como se leem as obras
literárias, propondo a interdisciplinaridade, pois a abordagem do
imaginário colonial envolve a literatura, as artes visuais, a história,
a arqueologia, as viagens geodésicas, o corpo feminino escravo, na
busca de outro paradigma que considere, de algum modo, a intercul-
turalidade como uma proposta teórica sociocultural, aberta a questões
contemporâneas, no desejo de superar velhos esquemas, operações
e fronteiras de espaço e tempo.
Vale mais alguns exemplos? A pesquisa intrínseca de uma faceta
da ficção de um determinado escritor, como Miguel Angel Asturias,
e como nele se manifesta o imaginário colonial (entre a ruptura e
a continuidade), em dois universos paralelos. Por um lado, o mundo
mágico da memória e de uma experiência vital (biográfica) com a
cultura maia e, por outro, o surrealismo proveniente da cultura oci-
dental. Criada a linguagem mítica a partir desses dois pólos, surgiria
uma estética da dissonância, segundo Mariluce Guberman. Outra
entrada para o imaginário colonial pode ser observada na discussão
de um modelo de romance histórico, como o do escritor colombiano

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Felipe Pérez, que, escrito no período folhetinesco, entre 1856 a 1858,
marca a possibilidade de revisitar a história do Peru pela ficção. Não
apenas como um processo de apropriação de personagens históricos
do período pré-colombiano (Huayana Capac) à conquista (Atahualpa)
e aos conquistadores (Los pizarros), mas para chegar à luta pela inde-
pendência. O último dos quatro romances (Jilma) encarnaria um casal
amoroso que não repete o modelo sentimental de fundação, como
ocorreu em Amalia de J. Marmol, na Argentina, ou em Iracema de
José de Alencar, no Brasil. Felipe Pérez não concilia em um casal o
descendente de Pizarro com a princesa indígena, mas frustra o modelo
imaginado pelo Estado-Nação. (Brenda C. de Andrade)
Neste sentido, a obra vai operando entre diferentes gêneros e
temporalidades, dialogando com a imaginação imposta pelo passado
colonial que já não se fundaria apenas a partir de um construto de
nacionalidade (século XIX), nem da festa pelos quinhentos anos,
mas procuraria atender àqueles que não viram motivo para festejar
o desaparecimento das línguas, de bocas amordaçadas, de mentes
feridas e os corpos escravizados, que ainda perambulam. Quando
não disparam modelos, observam entroncamentos da topologia co-
lonial, ao reunir romances do boom às crônicas, criando um modo
de parodiar a conquista, por sobre anacronismos que congregam tais
simultaneidades (Juan Pablo Martin Rodrigues).
Outro prisma é o tratamento de como o imaginário colonial surge
para indicar a emergência de antigos embates da era pré-colombiana
na região de Ayacucho; eis um artigo que combina mitos, arqueologia,
arte visual dos retábulos com os rituais em louvor à montanha sagra-
da (que petrificou o curaca Rasu Bilca), e que ressurge revitalizado
em uma região urbana habitada por migrantes andinos. (Rosaura
Adazabal Cayllahua).
Ou então o imaginário colonial surge a partir de documentos que
comprovam uma memória da escravidão no Caribe, e que manipu-
lou uma supremacia racial pela cor da pele e, em particular, a do
corpo feminino afro-caribenho que, em razão de diferentes tipos de
discriminação na Costa Rica, permite hoje uma reflexão sobre como
a escravidão atuava, não só pela posse do corpo para o trabalho não

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remunerado, como também pelo domínio da sexualidade feminina,
embora não tivesse conseguido, de fato, apagar uma contínua resis-
tência mental. (Maria de los Angeles Acuña León).
Também enriquecem a obra as viagens geodésicas que construíram
o mito equatorial da “metade do mundo”. Elas surgem retextualizadas
hoje, não apenas como repertório de romances históricos desse terri-
tório particular, como também incidindo na criação política de uma
utopia diversificada, como a da UNASUL. (E.Ponce Ortiz).
Note-se também o giro por bens simbólicos que partem da con-
temporaneidade, como a operação meticulosa que lê e compara dois
filmes: Para recibir el canto de los pájaros (1995) de Jorge Sanjinés
e También la lluvia (2010) de Icíar Bollaín. Ao retomar o tempo da
Conquista, recupera imagens de descontinuidade, de metadiscursivi-
dade, além da certeza da impossibilidade de retorno ao artifício que
seria um “filme de época”, a fim de questionar, cada produção a seu
modo, o império da celebração que marcou os 500 anos. Por trás do
que significa o imaginário colonial estudam-se questões éticas e estéti-
cas, em tempos em que embrulhar o passado em imagens harmônicas
consistiria em embutir no roteiro a certeza de diferentes simultanei-
dades e anacronismos. (Diana A. Pereira e Bruno L. Petzoldt).
Outra abordagem viria de uma revisão do passado, não como modo
de justificar a conciliação sob a égide de uma comunidade imaginada,
mas como uma polêmica pendular na imprensa paraguaia do início do
século XX, entre Cecílio Baez e Juan O´Leary, remendando um fio de
continuidade a cerzir um projeto de Estado nação, cuja modernização
continua colonizando os setores subalternos com um saber e um poder
orquestrado parcialmente por uma elite. (Aníbal Orue Pozzo).
Deste modo, a discussão que traz para o foco central os imaginários
coloniais permite a liberdade de cruzar territórios em uma dinâmica
particular, como a que revisa, no México, as práticas e os espaços
sagrados de imaginários indígenas, sendo apropriados para instituir
milagres, como foi o caso das aparições sagradas em corpo de Virgem.
Coincidentemente, a Virgem mexicana viria de Guadalupe, a mesma
região de onde provinha Hernán Cortés e a maior parte do seu séqui-
to de conquistadores (Estremadura). O artigo que escava a epístola

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do bispo Zumárraga, de 1530, com uma importante reflexão atual,
permite ao leitor acompanhar a polêmica sobre a aparição da Virgem,
entendendo como os próprios indígenas usaram o relato para camuflar
sua conversão. Observamos, também, o quanto o cristianismo não
apenas combatia a “idolatria”, como poderia adotar como estratégia a
adaptação de rituais, práticas ou até mesmo espaços sagrados oriundos
do universo indígena. (Juan I. Jurado Centurión Lopez).
Ainda com a intenção de discorrer sobre o imaginário colonial,
rompe-se tempo e espaço para dar lugar a um artefato cultural como
o mito da Atlântida – um continente perdido que opera a partir de
uma revisão deste “continente” na obra de Julio Verne – Vinte mil
léguas submarinas, para reuni-lo às crônicas do Novo Mundo (XVI,
XVII), chegando a relacionar o mito platônico da caverna à era glo-
balizada com a leitura de filmes, cujo uso diferente da mesma fábula
de um continente perdido, curiosamente “Atlântida” (o que remete ao
Oceano que une e separa o Velho do Novo Mundo), refina-se em um
mergulho que demonstra como o mesmo relato atende a diferentes
desejos, necessidades ou abordagens, segundo tempos e espaços tão
distantes como entre oriente e ocidente.
Afinal, neste rápido zoom, a que remete os leitores a pluralidade
de enfoques dos Imaginários Coloniais?
Na tentativa de escapar da inutilidade do preâmbulo, arrisco-me
a pensar que, de fato, o que une os diferentes bens simbólicos aqui
estudados, tem como foco a busca de um novo paradigma de leitura
da arte a partir do presente, na convergência da literatura com outras
práticas de imaginação cultural; entre confluências que congregam
uma questão sociocultural. Contra supostas assimetrias e hierarquias,
constrói-se o movimento que ambiciona descolonizar o pensamento.
Ainda no embate entre uma geopolítica que une o saber ao poder,
a obra pretende desnudar tal processo ao assumir enfoques abertos
no tempo e no espaço.
Ao trazer à baila a discussão sobre o imaginário colonial, este
livro pretende desmascarar o espaço de poder moderno (Estado-
Nação), ainda impregnado por tal imaginário na modernidade, o que
destacaria a emergência em efetuar a ruptura epistemológica. Aquilo

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que Santiago Castro Gómez (2005) chama “de produção da alteridade
para dentro e a produção da alteridade para fora”. Entre o fictício e
o imaginário, entre criar mundos e encapsular sujeitos, a proposta
pode ser a de romper a homogeneização que tende a consolidar as
disciplinas, com o objetivo de desconfiar das continuidades que im-
plicam o repertório de imagens.
Partindo de um projeto interfronteiriço, Imaginários Coloniais:
Continuidades e Rupturas na América Latina Contemporânea busca
estudar a imponderabilidade dos bens simbólicos, para descolonizar
a mente. Nestor García Canclini invoca o jogo do imaginario para du-
vidar da totalidade do real, e Michel Maffesoli ressalta do imaginário
a sua transfiguração. Nesta perspectiva, os temas, abordagens e bens
simbólicos permitiriam entrever, de modo latente, como pano de fundo,
a interculturalidade; e como modo de repensar as culturas originárias
ou afro-caribenhas negadas e submetidas pelo imaginário colonial.
A discussão sociocultural abrange diferentes regiões latino-ame-
ricanas (através das abordagens interdisciplinares entre a rede de
pesquisadores, articulada em torno dos imaginários coloniais), e expõe
uma reflexão contemporânea, em duas línguas francas (o português
e o espanhol), sobre os objetos simbólicos em movimento. Ao abrigar
a potência da crítica à colonialidade do saber e do poder, problema-
tiza os imaginários coloniais em suas interações, deslocamentos e
cruzamentos em diferentes graus de complexidade.
Finalmente, ao concluir esse prefácio, não há como escapar da
potência que ainda ressoa no comentário de Mario de Andrade,
sobre o núcleo de ambigüidade do gênero: “Apesar de interessan-
te, este prefácio é inútil.” Afinal, o que é um prefácio senão um
vestíbulo marcado pela construção de uma leitura prévia da obra?
E que conseguirá indicar apenas uma porta possível para adentrar
em um universo múltiplo, como as inúmeras entradas abertas
ao leitor de Imaginários Coloniais: Continuidades e rupturas na
América Latina contemporânea.

Alai Garcia Diniz


Florianópolis, agosto de 2015

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RELATOS DE UM CONTINENTE DESAPARECIDO

Alfredo Cordiviola

“Où étais−je ? Où étais−je ? Je voulais le savoir à tout prix, je voulais


parler, je voulais arracher la sphère de cuivre qui emprisonnait ma tetê”
pergunta atordoado e incrédulo o professor Pierre Aronnax. O professor,
que era presumido, queria saber com urgência onde estava e o que
era aquilo que aparecera de repente diante dos seus olhos. Tratava-se
de uma inteira cidade em ruínas, com seus templos desmoronados e
suas ruas desertas e truncadas. Uma vaga acrópole, fragmentos de um
aqueduto, muralhas derruídas e um cais abandonado apareciam ao
longe. Tudo tendia a evocar a fatal passagem do tempo e a devastação
do que havia existido alguma vez, mas também a admirável permanên-
cia desses vestígios que só podiam proceder de tempos muito remotos.
O professor (que se definia como “l’historien des choses d’apparence
impossible qui sont pourtant réelles, incontestables” (VERNE, 2001, p.
343) já tinha visto, por vocação ou imposição, muitas das coisas curio-
sas que existiam nas terras e nos mares. Mas nesse momento estava,
contudo, paralisado pelo estupor. Queria saber, mas não podia falar.
Afinal, estava preso num escafandro, e estava preso no fundo do oceano
Atlântico, rodeado por ruínas incertas e definitivamente submersas. Só
podia esboçar alguns gestos, a modo de interrogação. Então o capitão
Nemo, que sabia bem o que era aquele lugar, para responder utilizou
um pedaço de rocha e com ela escreveu sobre um granito de basalto
preto uma única palavra em letras capitais. Essa palavra era “Atlantide”.
Será fácil reconhecer que esta cena pertence a um romance
muito popular, Vingt mille lieues sous les mers, escrito por um autor

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igualmente muito popular, célebre por suas imaginações antecipató-
rias e pela capacidade de inventar viagens planetárias e fantásticas:
Jules Verne. Publicado primeiro como folhetim entre 1869 e 1870 na
Magasin d´Éducation et de Récréation, Vinte mil léguas submarinas
alimentava as expectativas de um público massivo seduzido pelos
espetáculos do progresso, as maravilhas da máquina e as visões do
exotismo. Nesse tour pelos sete mares – marcado pelos ressentimentos
e invenções do capitão que desenha o Nautilus para fugir do mundo
e para conhecer melhor seus segredos – aparecem locais surpreen-
dentes e criaturas estranhas que se multiplicam pelos mais diversos
confins das águas profundas. Entre canibais, vulcões extintos, túneis
secretos e paisagens polares, a Atlântida, com suas evocações de rei-
nos esplendorosos e arruinados, sua arquitetura mediterrânea e sua
grandeza perdida, retorna em um contexto marcado pelos fascínios
da técnica e pela expansão imperial da Inglaterra e da França, que
modelavam as formas de um mundo cada vez menor, mais conhecido,
mais mapeado e mais aprisionado no devir dos grandes fluxos dos
capitais e dos poderes hegemônicos. O romance podia ser lido como
uma engenhosa e visionária ficção científica, mas também como uma
parábola sobre os conflitos (entre a ciência e a natureza, entre as
classes, entre as nações) que atravessam os tempos modernos. Nesse
marco, depois de muitas peripécias que se estendem desde o Pacífico
sul até a Antártica e desde o Caribe até a Escandinávia, surgem as
ruínas remotas e fugidias que o mito platônico, com sua carga de
perdição e de catástrofe, havia instalado na imaginação ocidental.
Como Aronnax, diante desses vestígios, o leitor contemporâneo podia
assim também exclamar: “Je marchais là même où avaient marché les
contemporains du premier homme!” (VERNE, 2001, p. 347).
Em 1877, poucos anos depois da publicação do romance de Verne,
Helena Petrovna, conhecida como Madame Blavatsky, escreve em
Isis unveiled uma detalhada argumentação em favor da existência
da Atlântida. Blavatsky cultivava a filosofia hermética, os poderes
mediúnicos e as virtudes dos esoterismos orientais; dois anos antes
tinha fundado, para promover a fraternidade universal, a Sociedade
Teosófica, com o objetivo de divulgar os novos caminhos da ciência

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e da metafísica. A Teosofia (como outras correntes do Espiritualismo
que nessa época se propagavam pela Europa e os Estados Unidos)
podia ser vista como um modismo, mas sua reputação também obe-
decia a uma aparente capacidade de oferecer algumas respostas para
as prementes interrogações que os tempos modernos obrigavam a
formular. Nessa atmosfera marcada pelas expectativas e as incertezas,
as ideias de Blavatsky (que para os céticos não passavam de ser um
corpus de teorias heterogêneas ou inverossímeis articuladas de forma
extravagante) teriam uma vasta e díspar influência entre artistas,
pensadores e curiosos de todo tipo. Os adeptos das explicações extra-
ídas das mitologias de variada procedência, os ávidos por conhecer
as revelações do que tinha acontecido e do que aconteceria com os
destinos da humanidade e os devotos dos mistérios deste e dos outros
mundos visíveis e invisíveis podiam assim alimentar suas ânsias de
saber na obra magna de Blavatsky, A Doutrina Secreta, escrita em
1888. A obra pretendia revelar todos os conhecimentos adquiridos e
recebidos pela autora ao longo da sua novelesca existência e também
anunciar as leis que governam o universo e as diversas evoluções,
passadas e futuras, da estirpe humana. Nesse esquema evolutivo,
a Atlântida cumpria, conforme as iluminações de Blavatsky, um papel
fundamental, já que dessa ilha destruída por remotos cataclismos
teríamos surgido todos nós, os atuais espécimes que conformamos
a raça humana.
Segundo a Doutrina Secreta, até esse momento do crepúsculo do
século XIX em que a obra foi composta, cinco “raças-raiz” teriam exis-
tido na história, iniciada há trezentos milhões de anos. Os membros
das duas primeiras não possuíam corpo físico e os da terceira eram
hermafroditas; as três habitaram terras igualmente desaparecidas, cha-
madas respectivamente A Ilha Imperecível, o Continente Hiperbóreo
e Lemúria. A quarta raça, que era mortal, foi a dos Atlantes, que em
sua maioria pereceram na hecatombe; daqueles que sobreviveram,
dispersos pelo mundo, surgiu a quinta raça, a atual, que Blavatsky
chama de “ariana”. Esta, por sua vez, também haverá de ser superada
por duas raças-raiz futuras, quando a humanidade venha a cumprir
os sete ciclos que completarão a sua evolução.

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Os atlantes eram gigantes e possuíam uma civilização muito
avançada, mas, vítimas da degeneração, foram quase totalmente
exterminados, como as terras em que habitavam, há uns onze mil
anos. Daquilo que fora a Atlântida viriam a surgir todos os outros
continentes, quando a fatal ação das águas redesenhou a forma
e o lugar das massas planetárias. Como a Atlântida, algum dia, este
mundo, tal como o conhecemos, também haverá de ser destruído,
pelas águas ou pelo fogo, e dessa destruição emergirá a futura raça-
-raiz, que também estará sujeita a mais um círculo de destruição e
de regeneração. Isso, pelo menos, era o que anunciava a doutrina
secreta da Teosofia.
Para o eclético misticismo da Teosofia, a Atlântida não apenas
tinha existido em um local e em um tempo precisos, mas também,
de alguma forma continuava existindo, em este outro estágio da
humanidade e do planeta atualmente (e só por enquanto) vigente.
Como para o professor Aronnax, para Blavatsky a Atlântida constituía
o espaço mais propício para albergar o mito da origem da humanidade.
A ilha-berço, que desapareceu do campo do visível mas permanecia,
submersa, como testemunho de outras eras, aparece como o local mais
preciso para explicar de onde viemos, e como uma eventual hipótese
para imaginar o que poderia nos aguardar no incerto presente e nos
ainda distantes futuros. Para a Doutrina, é o fundamento das ilações,
pura ideia, premissa inicial e obrigatória de um raciocínio que não
poderá se confirmar até que as hipotéticas ruínas e sua conjectural
procedência venham a ser resgatadas do oceano. Porém, por outro
lado, enquanto essa descoberta não acontecer, por isso mesmo sua
vigência como teoria mais ou menos plausível – ou como a Teoria –
poderá ser mantida, já que obedece unicamente às regras que imperam
no plano da especulação.
As postulações da Teosofia não podem ser consideradas extem-
porâneas nem divorciadas por completo do mundo e do momento
histórico em que foram formuladas. Como foi dito, mesmo numa
época como essa da segunda metade do século XIX, tão marcada
pelas linearidades do progresso, essas teorias e saberes faziam parte
certamente de um Zeitgeist atravessado por discussões basilares

22
sobre a origem do homem, suas relações com outras espécies, seus
vínculos com o divino e seu lugar nos planos da criação do existente.
Nas disputas entre monogenistas e poligenistas, entre darwinianos
e antidarwinianos, entre detratores e apologistas do evolucionismo,
as inquisições relativas à gênese do universo e à procedência da hu-
manidade pareciam favorecer o ressurgimento de um mito como o da
Atlântida. O mito ressurge com força porque, com seus seres remotos
e suas grandezas legendárias, parece ser capaz de ocupar um lugar no
cerne destes debates e de interpelar as divergentes hipóteses que deles
emanavam. Por outra parte, a vitalidade do mito responde também a
um declarado fascínio pelas ruínas e pelas civilizações perdidas que
já vinha estimulando a imaginação europeia desde o século anterior.
O Grand Tour, a estética do pittoresco, o culto à antiguidade clássica
eram sintomas e causas deste fascínio que nos Setecentos se cristaliza
antes de tudo na Itália, mas que se estende muito além, e principal-
mente pelas regiões mediterrâneas, em busca dos passados perdidos.
Nessa Itália das colunas derruídas do foro romano e das ruas desoladas
e silentes de Pompeia, as ruínas se oferecem como espetáculos, e os
mistérios daquilo que se perdera anima a exploração em procura de
outros reinos de outrora, que reverberavam nos textos bíblicos e nas
églogas e épicas clássicas. Nessa segunda metade do XIX, enquanto
as escavações de Heinrich Schliemann resgatavam das sombras uma
suposta Troia homérica, a fábula do continente submerso evocado
nos diálogos platônicos vinha a alimentar continuidades culturais
e a recompor linhagens que se adentravam em tempos ainda mais
remotos e intangíveis.
Esse interesse pela Atlântida, evidente entre outros em textos
tão diversos entre si como o romance de Jules Verne e o compêndio
doutrinário de Madame Blavatsky, não obedecia, contudo, a uma
súbita necessidade oitocentista de resgatar as parábolas da filosofia
platônica. Com suas singularidades e contextos específicos, esse
interesse estava, como vimos, firmemente ancorado no imaginário
da época, mas distava muito de ser um fenômeno exclusivo desse
momento histórico particular. Essa era apenas uma continuação e
uma nova instância de um longo debate prévio, cujo ápice devia ser

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 23
situado muito antes, no momento mesmo da configuração do sistema-
-mundo colonial moderno. De fato, se o século XIX invoca a veraz
existência da Atlântida, é porque essa veracidade tinha sido discutida
intensamente já no século XVI, a partir de um acontecimento que
mudou em forma definitiva as formas e as percepções da Ecumene.
Esse acontecimento foi a aparição no horizonte europeu da quarta
parte do mundo, as terras que do outro lado do Atlântico passariam
a ser conhecidas como América.
A história do apogeu e desaparição da Atlântida, exposta frag-
mentariamente nos diálogos Timeu e Crítias, evoca a fábula da ilha
divina, pródiga e feliz, que sucumbe até a extinção diante da força
desenfreada das paixões, e serve para que Platão elabore sua teoria
política e defina seu modelo de república justa e ordenada. Segundo a
narração, a história, contada como verdadeira, aconteceu em épocas
remotas, como tantas outras histórias que funcionam como exemplo
ou como suplemento nos diálogos. Atlântida surge no relato como
ausência, como lugar vazio coberto para sempre pelas águas tempes-
tuosas e barrentas que guardam memória da hecatombe. Atlântida
é aquilo que foi uma vez para ser destruído muitas vezes; nas ar-
gumentações platônicas, parecia ser mais importante que operasse
como emblema de uma desaparição antes que como território a ser
recuperado. Enquanto ilha arrasada e definitivamente submersa, a
Atlântida oferecia uma precisa parábola sobre as consequências do
mau governo, uma alegoria da decadência dos impérios e da ruptura
do pacto entre deuses e homens ocasionada pela força cega da hybris,
e uma evidência contundente dos poderes do mundo natural.
Contudo, como já vimos, essa visão da ilha como mera fábula
exemplar não seria a única a perdurar no tempo. Se nos diálogos
platônicos a história é apresentada como verdadeira, essa afirmação
podia ser entendida indistintamente como artifício retórico, como
garantia de verossimilhança ou como revelação de um fato ocorrido.
As conjecturas sobre o caráter ficcional ou verídico da Atlântida tinham
acompanhado a circulação dos diálogos ao longo dos séculos, mas foi
especialmente a partir dos 1500, com a expansão europeia rumo ao
Ocidente, quando a hipótese da ilha como entidade concreta e real

24
(a hipótese que os teósofos e visionários do XIX iriam retomar) começou
a ecoar com maior intensidade. Nessa conjuntura, a Atlântida passou a
transformar-se em assunto recorrente nas páginas dos intérpretes e cro-
nistas que se ocupavam do Novo Mundo (CORDIVIOLA, 2014, p. 47).
Na Historia de las Indias, escrita ao longo de várias décadas por
Bartolomé de las Casas, o defensor dos indígenas invoca o relato
platônico como uma de tantas evidências que permitiriam afirmar
que os antigos tinham a suspeita, ou quiçá também a certeza, da
existência de terras habitáveis além dos mares ocidentais. Para Las
Casas, a Atlântida não seria uma fábula, mas história verossímil,
como alguns “doctísimos e irrefragables varones, autoridades e
testimonios” (entre eles, Plínio, Sêneca, Marsilio Ficino ou Filón) já
teriam afirmado. Mesmo desaparecida, podia servir como incentivo
para investigar outras regiões que estavam além do mundo conhecido.
De fato, a memória da Atlântida (e também um tratado de Aristóteles
que mencionava certas viagens dos cartagineses, duas cartas de um
físico florentino, o maestre Paulo, e outros testemunhos de navegan-
tes) funcionaram como inspiração para Colombo; segundo Las Casas,
o navegante seria capaz de imaginar que, se a ilha já não existia, po-
deria haver outras semelhantes do outro lado do oceano: “razonable-
mente pudo Cristóbal Colón creer y esperar que aunque aquella grande
isla fuese perdida y hundida, quedarían otras, o al menos la tierra
firme, y que buscando las podría hallar” (LAS CASAS, 1986, p. 53).
Opinião semelhante é defendida por Francisco López de Gómara,
que, contudo, em muitos aspectos estava nas antípodas da visão
lascasiana da conquista. Na Historia general de las Indias (1552),
Gómara considerava que a menção da Atlântida nos diálogos pla-
tônicos podia ser interpretada como uma espécie de profecia, que
o tempo iria confirmar. Como os famosos versos de Sêneca, que
em Medeia anunciavam o surgimento futuro de uma grande terra
que seria revelada por obra das navegações, a história contada por
Platão teria previsto, para Gómara, que no Ocidente existia uma
terra que era maior que a África e a Ásia reunidas. Essa terra, como
agora já era evidente, só podia ser o Novo Mundo. “No hay para
qué disputar ni dudar de la isla Atlántide”, escreve o cronista, “pues

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el descubrimiento y conquistas de las Indias aclaran llanamente lo
que Platón escribió de aquellas tierras” (LÓPEZ DE GÓMARA, 1984,
p. 314). Para que a profecia se confirme e seja fonte de verdade,
Gómara precisa ler apenas uma parte do relato de Crítias, e ignorar o
resto, especialmente onde se afirma que a ilha tinha desaparecido para
sempre da superfície do planeta. Como para Colombo, que imaginava
o Ophir bíblico nas Antilhas, ou como para Fernández de Oviedo, que
identificava a América com as Hespérides que cantavam os antigos,
para Gómara a Atlântida anunciada sempre esteve lá, e nunca dei-
xou de existir, manteve-se apenas invisível, sob outro nome, até que
os navegantes a resgataram do esquecimento e a desvendaram para
o mundo. Pelo menos dois argumentos comprovariam que América
era a Atlântida: uma prova estaria na geografia (a localização além
das colunas de Hércules, como o diálogo afirmava); a outra estaria
inscrita no próprio nome. Em um curioso exercício etimológico (que
outros autores também mencionariam), Gómara lembra que as três
primeiras letras da ilha correspondem à palavra “atl”, que significa
precisamente “água” em náhuatl.
Na interpretação do autor da Historia general de las Indias,
o nome Atlântida não designa a opulenta cidade dos canais e dos
templos descrita por Platão, mas se refere a uma superfície contínua
de terra encravada no meio do mar. Essa versão da Atlântida como
ilha-continente será a mais invocada pelos autores que no século XVI
interpretam a narrativa de Crítias como expressão de uma verdade.
Como cidade perdida, a Atlântida era apenas mais uma das que
aguardavam ocultas nas espessuras americanas, ainda mais remota
e improvável que outras, virtualmente plausíveis, como Eldorado ou
Paititi. Já como continente, a Atlântida podia dar respostas a uma das
perguntas que inquietavam os historiadores que escreviam sobre o
Novo Mundo. A Atlântida podia ser a chave para entender a origem
do homem americano e os vínculos que o uniam com Adão e Eva.
Esse será um dos primeiros aspectos a ser abordados por Agustín
de Zárate na Historia del descubrimiento y conquista de la provincia
del Peru (1555). Zárate é um dos autores que postulam a hipótese
da ilha como a mais provável e também a mais óbvia para explicar

26
o povoamento da América. A história narrada por Platão seria “cierta
y verdadera”, e viria a esclarecer todas as dúvidas. Zárate evoca a es-
plendorosa cidade com seus templos cobertos de ouro e prata, e afirma
que há memória no Peru de muitas das cerimônias que se praticavam
na ilha. No nome do oceano vê o registro daquilo que alguma vez foi
terra, nas palavras de Horácio e de Sêneca lê anúncios certeiros, e
na cartografia encontra provas contundentes de que a Atlântida foi a
remota ponte que permitiu a disseminação do homem pelo continente:

Pues sobre presupuesto de ser historia verdadera, ¿quién podrá negar


que esta isla Atlántica comenzaba desde el estrecho de Gibraltar, o poco
después de pasado Cádiz, y llegaba y se extendía por ese gran golfo,
donde, así norte sur como leste ueste, tiene espacio para poder ser
mayor que Asia y África? Las islas que dice el texto que se contrataban
desde allí, paresce claro que serian la Española, Cuba y San Juan y
Jamaica, y las demás que están en aquella comarca. La tierra firme que
se dice estar frontero destas islas, consta por razón que era la misma
Tierra-Firme que agora se llama así, y todas las provincias con quien es
continente, que, comenzando desde el estrecho de Magallanes, contiene
corriendo hacia el norte la tierra del Perú y la Provincia de Popayán
y Castilla del Oro, y Veragua, Nicaragua, Guatemala, Nueva-España,
las Siete-Ciudades, la Florida, los Bacallaos, y corre desde allí para el
septentrión hasta juntar con las Noruegas; en lo cual sin ninguna duda
hay mucha más tierra que en todo lo poblado del mundo que conoscí-
amos antes que aquello se descubriese y no causa mucha dificultad en
este negocio el no haberse descubierto antes de agora por los romanos
ni por las otras naciones que en diversos tiempos ocuparon a España
[…] y así, aquella tierra se puede claramente llamar la tierra continente
de que trata Platón (ZÁRATE, 1968, p. 110).

Essa certeza fundamentava também as hipóteses de Pedro


Sarmiento de Gamboa. Quiromante, astrólogo, descobridor de regiões
imaginárias e fundador de cidades efêmeras, navegante dos mares
do sul, vítima da Inquisição e dos corsários, Sarmiento de Gamboa
era uma dessas figuras que parecem inventadas mas que ao mesmo
tempo condensam em si todas as heterogêneas linhas de pensamento

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 27
que articulam as interpretações da América no século XVI. Nas suas
páginas e na sua trajetória convivem a magia e a ciência, a mística e a
razão econômica, a defesa de uma política naval planejada e o fascínio
pelo desconhecido e pelo fantástico, a estratégia imperialista que exalta
a função redentora da empresa colonial com as elucubrações sobre
continentes perdidos e restaurados. Em Cusco, por encargo do vice-rei
Toledo, escreve em 1572 uma História dos Incas (também chamada
História Índica), cujo objetivo principal consistia em determinar que
a conquista espanhola era uma espécie de reparação histórica contra
os males cometidos pelos incas, que não podiam ser considerados
senhores legítimos do Peru por haver exercido a tirania. Com curiosos
argumentos, que aplicavam com desenvoltura as teorias da guerra
como causa justa, condena o imperialismo inca para justificar o impe-
rialismo espanhol; se os incas eram também estrangeiros e invasores
(e ainda praticavam o sacrifício humano e outros pecados nefandos),
os espanhóis tinham, portanto, o direito de dominá-los sem ter que
enfrentar dilemas éticos de nenhuma classe.
A História, que ficou inacabada, apresenta assim uma genealogia
dos primeiros habitantes dos Andes e dos governantes incas e das
suas tiranias. No capítulo segundo, Sarmiento expõe sobre a divisão
do mundo, composto por cinco partes, e escreve:

La quinta parte se llama, o llamo, la isla Atlántica, tan famosa como


grande, y en cuantidad excedía a todas las demás dichas, a cada una
por sí, y aun a algunas juntas de las mayores. Los pobladores de la
cual y su descripción pondré, porque esta es la tierra, o a lo menos
parte de ella, de estas occidentales Indias de Castilla (SARMIENTO
DE GAMBOA, 1965, p. 207).

A notícia da ilha Atlântida, como afirma o autor, é muito antiga,


porque remete a eras anteriores a Platão, mas ao mesmo tempo nova,
porque supõe uma revelação que durante séculos foi postergada.
Interpretando as descrições que surgem dos diálogos, Sarmiento de
Gamboa deduz “por conjetura de demostración” que a mencionada
ilha se estendia desde Cádiz e Gibraltar rumo ao poente, até se juntar
com as Índias. Portanto,

28
quede de aquí averiguado que las Indias de Castilla fueron continentes
con la isla Atlántica y por el consiguiente la misma isla Atlántica,
la cual procedía de Cáliz y venía por el mar que venimos a las In-
dias, al cual todos cosmógrafos llaman mar Océano Atlántico, por
haber sido en él la isla Atlántica. Y así navegamos agora por donde
antiguamente fue tierra (SARMIENTO DE GAMBOA, 1965, p. 211).

Resolvida a localização da desaparecida ilha, Sarmiento passa


a descrever seus habitantes, que seriam descendentes de Atlas, filho
de Jafet e neto de Noé. Provenientes da África e das costas ibéricas,
foram ocupando todo o perdido território, até chegar às ilhas que
Sarmiento identifica como as de Santo Domingo, Cuba e outras do
arquipélago do Caribe. Naquela grande extensão de terra, que atra-
vessava os mares de leste a oeste,

había grandísimos reinos, suntuosos templos, casas reales de gran-


dísima admiración, como se verá por la relación que Platón da de
la metrópolis de esta isla, que excedía a Babilonia, y a Troya, y
a Roma, y a todas las fuerzas y ciudades ricas, fuertes, curiosas
y bien obradas, y a los siete milagros del mundo, de que tanto cantan
los antiguos. Había en la ciudad cabeza de este imperio un puerto,
adonde acudían tantos navíos y mercaderes de todas partes, que por
la muchedumbre y frecuencia de noche y de día se oía un continuo
y grande ruido que atronaba los moradores vecinos (SARMIENTO
DE GAMBOA, 1965, p. 212).

Mas os pecados e o tempo foram mudando tudo, até que 1320


anos antes de Cristo e 2162 depois da Criação, segundo calcula o au-
tor, aqueles “belicosos y infestadores atlánticos hombres” acabaram
perecendo sob as águas que finalmente arrasaram a ilha. Para a época
em que a Atlântida desaparece, essas outras terras que depois seriam
chamadas Índias já estavam, portanto, povoadas. Para Gamboa, os
gregos se haviam disseminado pelo território posteriormente conheci-
do como Nova Espanha (encontra evidências desse fato em Yucatán,
onde as pessoas ainda se cobrem com vestes semelhantes às que se
usavam em tempos de Ulisses); os judeus se expandiram pelo sudeste

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 29
asiático e pelas misteriosas terras de Catigara, e os atlânticos teriam
chegado até o Peru. Seriam os primeiros moradores de uma região
que, depois de várias idades, haveriam de ocupar os despóticos incas.
Se para Gómara a Atlântida era as Índias (como aparecia em um
mapa de Sebastian Münster de 1561, que chamava a América meri-
dional de “Insula Atlantica”), um século depois, o jesuíta Athanasius
Kircher, que sabia e escrevia sobre todas as coisas, haverá de incluir,
na sua obra Mundus Subterraneus, um mapa da Insula Atlantis repre-
sentada como uma gigantesca superfície de terra flutuante e fantas-
mática ocupando grande parte do oceano que separava a Hispania e
a África da América. Desse modo era como Zárate e Sarmiento ima-
ginavam a ilha evocada por Platão; isto parecia resolver o enigma da
passagem da humanidade de Oriente a Ocidente, e confirmava que
todos os homens e todas as mulheres do mundo eram descendentes
de Adão e de Eva.
Nem todos os cronistas, contudo, estavam de acordo com essa
hipótese. Um dos que negaram a teoria da ilha submersa (e muitas
outras teorias igualmente duvidosas) foi o também jesuíta José de
Acosta. Na Historia natural y moral de las Indias (1590), Acosta tam-
bém decide indagar sobre a origem dos povos americanos. Mas para
a existência da Atlântida reserva somente comentários pejorativos e
irônicos. Considera que essas conjecturas “parecen cuentos o fábulas
de Ovidio, que historia o filosofia digna de cuenta”. Concorda com
alguns comentadores antigos, como Porfírio e Orígenes, que viam
o relato como alegoria. E acrescenta

Sea como quisieren, haya escrito Platón por historia o haya escrito
por alegoría, lo que para mí es llano, es que todo cuanto trata de
aquella isla, comenzando en el diálogo Timeo y prosiguiendo en
el diálogo Cricia, no se puede contar en veras, si no es a muchachos
y viejas (ACOSTA, 1998, p.113).

Las Casas era militante das causas justas e arquiteto de modos


de convivência alternativos entre os indígenas e os espanhóis. López
de Gómara nunca esteve na América, era um intelectual que, entre
suas leituras nas bibliotecas italianas e sua convivência com Cortés

30
e outros conquistadores, ensamblava testemunhos orais e escritos
para construir uma grande apologia da expansão imperial; Zárate era
um funcionário da coroa enviado ao Peru nos tumultuosos anos do
levantamento pizarrista, preocupado por limpar seu nome de toda
suspeita de traição contra a autoridade monárquica. Sarmiento de
Gamboa era um visionário que escrevia para justificar que a tirania
dos incas era o fundamento primordial que legitimava para sempre
a presença espanhola no Peru. Acosta era um humanista jesuíta in-
teressado em inserir a ordem natural e a evolução moral das Índias
dentro do horizonte teleológico da evangelização. Afastados entre si
pelos objetivos que perseguem e pelo lugar que ocupam nas tramas
da colonialidade, todos estes autores manifestam a necessidade de
compor histórias eruditas e complexas, de vastas dimensões, defini-
das pela pretensão comum de oferecer um panorama abrangente das
realidades americanas. Enquanto historiadores, mesmo compelidos
pelas imposições da hora e pelas tarefas que deviam desempenhar,
tinham a seu favor dois elementos diferenciais: um tempo maior, que
facilitava (e impunha) a prática da leitura, da revisão e da formulação
de grandes interrogações, e uma perspectiva mais ampla, que permi-
tia tecer reflexões de cunho universalista aplicadas ao fenômeno da
ocidentalização da América sob a égide cristã e ibérica.
É nesse marco que a história da Atlântida se tornava pertinente
para indagar os passados do continente. De modo algum, portanto,
a existência da Atlântida se tratava de um assunto menor a ser dis-
cutido como se fosse extravagância ou passatempo. Se aparece tão
recorrentemente nas páginas de tantos autores, é porque podia forne-
cer pistas para desvendar algumas questões centrais suscitadas pela
expansão europeia e pela colonização do Novo Mundo. A primeira
delas tinha a ver com a necessidade de postular, conforme a visão
bíblica, uma história unificada da humanidade, em defesa da tese
monogenista que afirmava a origem única do homem. A bula papal
Sublimis Deus indicava que os americanos eram, como todos os seres
humanos, pertencentes à linhagem de Noé e descendentes em última
instância de Adão e Eva. Nesse caso, era, portanto, preciso estabe-
lecer uma rota de migrações que tivesse permitido (após o Dilúvio,

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a Arca e a dispersão final provocada pela torre de Babel) a chegada
das populações ao continente americano.
Mas essa questão não se limitava a determinar os percursos da
passagem do oriente para o ocidente nem a elucidar se esse remoto
deslocamento tinha acontecido através da Atlântida desaparecida ou
por outros rumos. Era também fundamental instituir uma continui-
dade entre a história do mundo conhecido até 1492 e a história da
quarta região que assomara no horizonte europeu a partir desse ano.
Formulada desde Europa, essa continuidade só podia estar sustentada
por uma concepção providencialista do tempo, segundo a qual a von-
tade divina tinha traçado uma única linha de sentido entre o paraíso
terrestre perdido e o Juízo Final. Havia que incluir nesse esquema
histórico as populações americanas que, por algum motivo, tinham
vivido durante tantos séculos à margem da palavra revelada.
Nesse esquema desenhado a partir da concatenação dos passa-
dos bíblicos com a antiguidade clássica mediterrânea e as diversas
evoluções medievais do cristianismo, havia que integrar as diversas
eras dos passados americanos conforme as pautas de um etnocen-
trismo europeu que só podia se pensar a si mesmo como projeto
divino e universal. Havia que achar as marcas, mesmo eventuais ou
já apagadas, que demonstrassem que os americanos não tinham sido
definitivamente esquecidos ou ignorados nesse projeto divino, para
que a promessa ulterior da redenção agora pudesse ser finalmente
cumprida pela difusão certeira da Palavra. Marcas que justificam
a empresa evangelizadora (que retomaria e concluiria algo já iniciado
em outras eras) e que, portanto, reforçam hierarquias e legitimam
a posse e a colonização como desígnio superior e irrevogável.
Assim, enquanto no século XVI, entre os cronistas da América,
a Atlântida serve tanto para fornecer explicações sobre as origens
dos habitantes do continente quanto para tentar desvendar e exaltar
os mistérios da Providência divina, no século seguinte outro autor,
também situado nas tramas do sistema-mundo colonial, adensará
ainda mais os sentidos da Atlântida. Inscrevendo esse espaço – evo-
cado antes por tantos autores – nas tramas das projeções utópicas,
Francis Bacon imagina uma ilha, um sistema político, uma norma

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de convivência, uma fantasia epistemológica, um mundo outro que
está situado no meio das águas distantes, e que se chamava a Nova
Atlântida. Em The New Atlantis (1627), Bacon descreve uma terra que,
como na Utopia de More, certos navegantes encontram por acaso na
sua deriva. Essa terra está situada “in the greatest wilderness of the
waters in the world”, em algum ponto do Pacífico Sul, mas seu nome
replica o daquele continente que alguma vez fora vizinho das colunas
de Hércules e que segundo Crítias era maior que a Líbia a Ásia juntas.
Os habitantes da ilha, que era chamada Bensalem, praticam
o cristianismo desde os tempos imediatamente posteriores à ressur-
reição de Cristo. Muito antes disso já tinha sido criada a Salomon´s
House, onde os sábios aprofundavam seus conhecimentos teológicos
e científicos. Tão apta era a comunidade para receber a fé verdadeira
que a conversão se dera por vias da direta inspiração divina que, dis-
pensando evangelizadores e apóstolos, lhes concedeu a seus membros
a oportunidade de instituir uma religião mais pura, não contaminada
pela corrupção doutrinária e eclesiástica que reinaria na Cristandade
europeia. Providencialmente escolhidos, os bensalemitas, embora não
desconhecessem o que acontecia no resto do mundo, permaneceram
ocultos desde que em tempos antigos uma catástrofe tinha acabado
com a possibilidade de realizar grandes navegações ultramarinas. Era
a catástrofe de água e fogo que, por causa dos vícios e da ambição des-
medida, tinha acabado com a Atlântida, cujo mito era o único vestígio
daquelas eras que os europeus, através de Platão, puderam chegar a
vislumbrar. Salva da devastação, Bensalem conseguira preservar a sa-
bedoria antiga. Amparados pelas virtudes cristãs, que garantem a paz
e a justiça e coíbem eventuais excessos, seus habitantes estabeleceram
o reino cristão verdadeiro, dedicado ao piedoso estudo das formas da
natureza e das benesses da Criação.
Como costuma acontecer com os textos utópicos, The New Atlantis
pode funcionar como um espelho invertido que exibe todas as falên-
cias que imperam nesse outro lado do planeta do qual os extraviados
navegantes tinham partido. A Inglaterra, a Europa, a Cristandade da
época são os alvos de uma crítica que opera mediante a descrição
de pautas de convívio e de modos de se relacionar com a natureza e

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o divino que estão ausentes ou que pareceriam impossíveis no mun-
do em que os leitores de Bacon viviam. Se a guerra e a ambição de
conquista tinham assinalado o eclipse final da grande civilização da
Atlântida, Bensalem, evitando esses pecados, conseguira instaurar
uma sociedade justa, que prodigava o bem-estar espiritual e material
a seus habitantes. Uma sociedade dedicada a expandir as virtudes do
conhecimento e da fé, que se erigia como exemplo do que poderia
ter acontecido com a humanidade se houvesse seguido pelo caminho
correto, em vez de ser merecedora do castigo divino. Porque essa
Atlântida restaurada e aperfeiçoada pelas práticas cristãs que surge
perante os fortuitos visitantes europeus é um espelho invertido, mas
para Bacon é também um espelho de salvação que revela a verdade,
as coisas tal como deveriam ser, e até como poderiam chegar a ser,
se esse modelo fosse adotado. A Atlântida perdida impõe a crítica da
ordem vigente, mas também invoca a possibilidade de uma restaura-
ção futura, baseada na religião verdadeira e na filosofia natural, tal
como havia acontecido muito antes ali em Bensalem. Restauração
que aponta a reformar os costumes da própria sociedade inglesa, mas
também de um mundo que viesse a entrar na órbita dos domínios
anglo-saxões, tal como os fatos já anunciavam e tal como aconteceria
de forma mais contundente nos dois séculos seguintes. Desta forma,
The New Atlantis também pode ser lido como uma tentativa de outor-
gar um fundamento epistemológico para a expansão e o colonialismo,
vistos como eventuais empreendimentos civilizatórios e redentores
baseados no conhecimento e na caridade.
Fábula platônica de excessos e perdição; profecia que anuncia
terras ainda não vistas que aguardavam além do mundo conhecido;
ponte entre continentes que explica o povoamento do mundo; utopia
salvacionista para o orbe cristão; referente fundamental nas genea-
logias do esoterismo; ficção científica para o consumo das massas:
Atlântida é tudo isso, mesmo que essas predicações possam parecer
contraditórias ou excludentes entre si. Atlântida é a memória que res-
surge das brumas dos tempos imemoriais, mas também o local que se
atualiza e recebe novas atribuições e sentidos atrelados a cada tempo
histórico em que retorna e volta a se instalar. De Platão até hoje, e dos

34
tempos primordiais até o século XIX, suas múltiplas evocações vão
traçando linhagens interpretativas sujeitas às necessidades que cada
presente, e cada circunstância específica, impõem nas suas singula-
res percepções da remota ilha submersa. Para os cronistas de Índias,
a Atlântida era um argumento para explicar a existência da América
e dos americanos. Para Bacon, um modelo de virtude e felicidade
geral, um reino ideal onde ciência e fé se amalgamavam sem conflito
e se sustentavam mutuamente. Para Blavatsky, o elo perdido entre
a origem dos tempos e a materialidade da vida. Para Verne, uma
história curiosa, um devaneio de forte apelo popular, e também um
nome, antes de tudo: esse nome que o capitão Nemo escreve sobre
um granito de basalto preto, e que evoca um dos tantos lugares que
a viagem submarina apresenta a seus fascinados leitores.
Porque Atlântida é isso, afinal: um nome que ecoa de muitas
formas e com muitos propósitos ao longo da história. Um nome que
continua sendo escrito, como pode ser comprovado hoje simplesmente
digitando essas nove letras em qualquer buscador de dados do espaço
virtual. Hoje, a Atlântida continua sendo objeto de debates – por exem-
plo, em congressos específicos como as Atlantis Conference Series,
celebradas, previsivelmente, na Grécia, em 2011 e 20131. Faz parte da
cultura de massas, que prossegue explorando suas possibilidades em
filmes, séries televisivas, romances e videogames. Permite elaborar
as mais surpreendentes fantasias sobre energias vitais, eras antigas,
alquimias e esoterismos capazes de revelar os passados e os futuros
da humanidade. É assunto central das mais contrapostas teorias, que
insistem em afirmar com argumentos incontestáveis que a Atlântida
pode ser achada nas proximidades da costa da Espanha, perto de
Cuba, no altiplano boliviano, na Turquia, na Indonésia ou quiçá em
pleno Mediterrâneo, no Polo Sul ou no Mar Negro. A Atlântida per-
manece tão submersa quanto estava nos tempos de Platão, mas desde
então, ao seu redor flutuam as palavras e as imagens que as gerações
foram acrescentando nas derivas da imaginação e do pensamento.

1 Ver a homepage do Congresso, http://atlantis2011.conferences.gr/

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 35
Da Antiguidade clássica aos tempos coloniais e dos tempos coloniais
até hoje, uma e muitas Atlântidas continuam aqui, entre nós, emer-
gindo sem cessar de todos os mares que nos circundam.

Bibliografia

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36
L A C O N D A M I N E,
UN VIAJE POR LAS FRONTERAS IMPERIALES

Esteban Ponce Ortiz

Rirpuka achikshna, llantushnami kan, ñawpa, kipashina, yuyayshinami kan,


shinallatak kunkay yuyayshinami rikurin, chay kunkayka chulun shina,
yuyaymanta shimi shinami tiyakun, chay sapipi ñukanchikpa yuyay tiyakunmi.
(KOWII MALDONADO, 2007, p.114)1

El problema con el padre no es cómo volverse libre en relación a él


(problema edípico), sino cómo encontrar un camino donde él no lo encontró.
(DELEUZE y GUATTARI, 1998, p.20)

La línea no conoce en sí misma materia o sustancia alguna,


y así más deberíamos tenerla por cosa espiritual que por sustancia,
pues, en atención a su naturaleza, no ocupa lugar. Con que podemos imaginar
que la intersección de infinitas líneas se realiza en un punto que carece de
dimensiones y cuyo espesor es igual al de una sola línea.
(VAREA, 2003, p.189)

Millones de años le tomaron al planeta adquirir su forma actual,


“definitiva”. La masa de gases, fluidos y sólidos que se acumulaba
sobre el eje rotatorio se distribuía por las fuerzas internas y externas

1 “El espejo como la sombra y la luz del ser, como el ñaupa y kipa
(adelante, atrás, pasado, futuro) de los quichua runa, como la memoria y la
amnesia de la conciencia, como el silencio y la voz de la conciencia, como el
eco y la voz de la memoria que conserva su matriz” La traducción al kichwa
fue proporcionada por el propio autor Ariruma Kowi Maldonado.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 37
al norte y sur de un ecuador casi fugaz en su inestabilidad. La línea
que guía la traslación de la tierra en su órbita, estaba ahí sin estar,
y conforme se estabilizaba hacía de sí misma, línea imaginaria, un
signo dentro de los códigos que ordenan el espacio y las cosas del
espacio. La línea imaginaria, en su presencia insensible, no-sentida,
se manifestaba desde los albores del sistema en la distribución de
la luz solar y en la partición de la esfera celeste, como referencia
de los conjuntos estelares que pueden o no ser observados desde su
sur o desde su norte. La línea estaba sin estar reuniendo marcas de la
tierra, ingresos y salidas, de estratos rocosos o de gases generadores
de masas líquidas. Sobre la línea se distribuían masas de corteza ter-
restre y placas que originaban continentes para volver a desaparecer
bajo nuevas placas y cortezas. Según la teoría del meteorólogo Alfred
Wegener (2009), sobre ella se habría dispuesto lo que hoy conocemos
como la costa este de América del Norte y el centro de las actuales
Europa y Asia, desplazados en millones de años hacia el hemisferio
norte y hacia el este y oeste respectivamente abriendo el cuenco del
Océano Atlántico de por medio. Y los estratos geológicos siguen en
movimiento y siguen desplazándose al sur y norte de la línea que
impone en su equilibrio una apariencia de inmutabilidad. La línea que
es y no es, ha acumulado marcas de la historia de la conformación de
nuestro planeta, y a las marcas geológicas antiquísimas, ha integrado
también las dejadas más recientemente por el paso de las culturas, y
en las confluencias de la materia geológica y las ideas, emerge para-
lela la sustancia simbólica de la línea. Cuando hablamos en términos
puramente culturales, automáticamente prescindimos de la historia de
la materia, y olvidamos que las formas generadas antes de la remota
posibilidad de cualquier cultura humana, ya gestaban la sustancia de
los signos que después “leeríamos” como historia de la tierra o como
“señales” dejadas por la naturaleza, sus fuerzas, o sus dioses. Luego,
la presencia humana únicamente ha añadido sus propias marcas, y
nuestros códigos lingüísticos y culturales se han fundido, y también
por momentos se han superpuesto sobre las marcas de la materia,
en su afán de separar la materia de la subjetividad, a la de la materia
que se hace puro objeto de estudio. En ese afán, la humanidad llegó

38
a separar cada una de las cosas de la vida de los racionalizantes que
las estudiaban, como si la vida y las cosas fueran dos cosas distintas,
y la línea imaginaria quedó también clasificada como uno más de esos
objetos de estudio separados de la vida.
De entre las casi infinitas marcas que han cruzado esa línea ima-
ginaria, hoy nos limitamos a pensar unas pocas de ellas, pero particu-
larmente la dejada en el siglo XVIII por el debate entre newtonianos
y cassinistas en torno a la forma del planeta, debate que provocó la
doble Misión Geodésica2 para medir el cuadrante terrestre: Un gru-
po de académicos iría a la entonces Presidencia de Quito y otro al
Polo Norte. Al final de más de diez años de observaciones, querellas
judiciales y personales, informes técnicos, memorias académicas,
mapas y un sinnúmero de documentos todavía por investigar, quedó
para el continente americano un amplio bagaje de material científico

2 En 1734 la Real Academia de Ciencias de París, decide terminar con


la polémica en torno a la forma de la tierra enviando dos misiones científi-
cas que trabajaran en medir el cuadrante del polo al ecuador y determinar
la forma exacta de la línea elíptica, los newtonianos afirmaban que el planeta
era ensanchado en el ecuador y achatado en los polos, los cassinnianos lo
contrario. El grupo que iba al Polo Norte iba liderado por Andrés de Celcius
y Pierre Louis Moreau de Maupertuis. El grupo que iba al ecuador tenía por
jefe a Luis Godin (matemático) y le acompañaban dos académicos más Pierre
Bouguer (matemático y astrónomo), Charles Marie de la Condamine (el más
joven de los tres, geógrafo), con ellos como auxiliares de investigación y
aprendices iban Joseph de Jussieu (naturalista), Couplet (geógrafo), Hugot
(relojero), Morainville (técnico), Seniérgues (cirujano), Verguin (ingeniero),
Jean Baptiste Godin des Odonnais, quienes iban acompañados por los ma-
rinos españoles Jorge Juan y Antonio de Ulloa. Salieron de Francia a fines
de 1735, llegaron a las costas de Ecuador en 1736, varios de ellos murieron,
desaparecieron o perdieron la salud y la razón a lo largo de la expedición.
Finalmente la expedición de Laponia en el Polo Norte completó primero el
objetivo de medir el cuadrante y demostrar la forma del planeta, pero los
datos de la expedición americana no solo confirmaron lo hecho en el Polo
sino que revelaron, para occidente, conocimientos en prácticamente todos
los órdenes sobre las regiones tropicales americanas y en gran parte crearon
todo un imaginario moderno de “lo ecuatorial”.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 39
sobre su historia natural; una historia de amor fascinante, en la vida
de Isabel Casamayor de Godin y Jean Baptiste Godin des Odonnais;
y una vertiente completa de obras literarias, homenajes áridos, monu-
mentos, y un sinfín de marcas culturales que aluden a la expedición
en general y a la línea imaginaria y su entorno, en particular. El cruce
interoceánico, por el Amazonas hacia el Atlántico, de La Condamine,
Isabel, Pedro Vicente Maldonado y Juan Bautista Godin emerge a la
vista del lector crítico como un cierto anticipo del anhelo de las na-
ciones sudamericanas por superar los límites geográficos y procurarse
espacios de utopías comunes. El 5 de diciembre de 2014, en el valle
de Pomasqui ubicado al norte de Quito, conocido popularmente como
“La Mitad del Mundo”, a los pies del monte Catequilla que conserva
un sitio ritual de la cultura Cara, doce naciones sudamericanas, en un
gesto político anhelado desde las independencias del XIX, asumieron la
responsabilidad de darle sede a UNASUR. Al gesto político se sumó el
simbólico de ubicar dicha sede en las inmediaciones del monumento
dedicado a la línea ecuatorial que demarca los hemisferios sur y norte,
y conmemora la Misión Geodésica del siglo XVIII.
De los miembros de aquella Misión, fue Charles Marie de la
Condamine3, el geógrafo, aventurero y héroe de la Francia de su

3 Charles Marie de la Condamine (1701-1774) fue incorporado como ge-


ógrafo y matemático a la Academia de Ciencias de París en 1730. Como tal
fue convocado a participar en la misión geodésica que debería medir el cua-
drante terrestre en la Real Audiencia de Quito del entonces imperio español.
La Misión fue conformada en 1734 y La Condamine con el resto de miembros
embarcaron hacia América en 1735 y regresó a Francia en 1743. Además de
ejecutar la medición del cuadrante de la tierra, La Condamine ejecutó trabajos
geográficos, botánicos y en otros campos científicos. Los más relevantes fueron
su Mapa del Amazonas, una investigación sobre el uso de la quina, otra sobre
su descubrimiento del caucho y sus usos para Europa, y las bases teóricas
para el uso del sistema métrico decimal. La medida del metro de hecho es
el cálculo de la diezmillonésima de las partes de la distancia entre el polo y el
ecuador. Los años de investigación en América fueron pródigos en hallazgos
tanto como en penurias, aventuras e intrigas que llegaron a comprometer
la Misión y las relaciones entre los reinos de Francia y España.

40
siglo, el que al llegar a tierras de la Real Audiencia de Quito ya lle-
vaba consigo, no únicamente la obsesión de demostrar la teoría de
Newton (sus compañeros se inclinaban más bien por la teoría de los
Cassini), sino también de emprender un viaje por las inmediaciones
de la latitud cero y cruzar la América del Sur de occidente a oriente
bajo el sino de la línea imaginaria, aunque no era ese, en absoluto,
el objetivo que se le había encomendado. Por eso desembarcó en
la costa de Manta, el 10 de marzo de 1736 (FUENTE, 2009, p.42)
e intentó llegar hasta Quito, siguiendo una línea recta que pronto
descubrió era imposible geográficamente, pues la selva tropical, los
abismos andinos y las condiciones climáticas impedían realizar su
sueño rectilíneo. Pronto tuvo que comprender que esa imaginaria
línea “recta” solo podía concretarse sobre abismos que le exigían
flexibilidad mental y una gran aceptación del barroquismo natural
del continente.
A pesar de todo, después de varios años de trabajos y de em-
brollos judiciales que le obligaron a recorrer Los Andes ecuatoriales,
retornó a Francia buscando la ruta más cercana al grado cero. Desde
la ciudad de Cuenca alcanzó el Pongo de Manseriche, considerado
en la época el primer punto navegable del Amazonas. Sin saberlo,
La Condamine marcó, simbólicamente, un recorrido semejante al de
las doce naciones sudamericanas que ahora hacen sede en “La Mitad
del Mundo” unidas por el doble eje de la línea ecuatorial y Los Andes.
Es difícil imaginar otro viajero que con tanta expectativa haya cruzado
el mar del ecuador, Herman Melville quizás sea el segundo; sin duda
para los navegantes de la cultura manteña que recorrían las costas
del Pacífico entre los actuales México y Perú, las marcas de las cor-
rientes que indicaban el lugar del centro fueron importantes, y aún
imprescindibles, pero la evidencia que nos dejan los documentos de
La Condamine sobre su fascinación por ese lugar, son difícilmente
equiparables. Refiriéndose a su colega Bouguer, afirma el Condamine
ficcional de la novela, En nombre de un amor imaginario: “era bueno
en matemáticas pero malo en imaginación” (VELASCO MACKENZIE,
2014, p.369), justamente para señalar la diferencia consigo mismo,
como gran imaginante de la línea del ecuador. Ese cruce fue para

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 41
La Condamine un momento de realización, y también el de asumir
cierta conciencia de los múltiples cruces de fronteras que implica-
ba la ejecución del viaje: el cruce entre tres imperios que se veían
con desconfianza (Francia, España y Portugal), el de los mundos
que habían sido desgajados, no unidos, por la conquista europea
y el etnocentrismo concomitante entre la civilización y la barbarie;
el cruce de lenguas, que además era múltiple, pues aunque en su diario
de viaje desde aquel día sustituyó el francés por el castellano, en los
años que siguieron comprendió que esa lengua también, apenas si
lograba penetrar en la compleja multiplicidad cultural de “las tierras
de la mitad” (VELASCO MACKENZIE, 2014, p.369-370).
El libro de Neil Safier, Measuring the New World, estudia el juego
de enmascaramientos y performatividades que ese múltiple paso de
fronteras exigía y de qué modo La Condamine fue el que mejor logró
capitalizar su encanto diplomático y también sus habilidades de apos-
tador aguzado. Safier inicia su libro apuntando un homenaje poco
recordado y que es altamente significativo en relación a este esfuerzo
por mimetizarse con un medio no poco adverso, es el nombre quichua
que terminaron asignando los habitantes locales a uno de los mon-
tes en que La Condamine observaba las estrellas: “Francesurcu”, la
montaña del francés (SAFIER, 2008, p. xi); por otra parte, en Europa,
señala también Safier, “nunca antes los resultados de una expedición
fueron tan autoconscientemente celebrados en mapas, monografías
académicas y publicaciones oficiales” (p.6)4; el ánimo celebratorio
que va detrás de La Condamine, correspondía también a la noción
de “honor nacional” (p.6) que se jugaba en la determinación de la
forma cierta del planeta. Por un lado entonces tenemos a un agente
del conocimiento europeo, teatralizando un papel en las fronteras de
otros universos geográficos y culturales, y por otra parte tenemos un
juego de ocultamientos y máscaras para manipular información, en
medio de las pugnas por “prestigio científico” y prebendas económicas
o favores múltiples a nivel personal (p.8):

4 Todas las traducciones son mías salvo se señale expresamente lo contrario.

42
Estos conflictos sociales desmienten las aspiraciones universalizantes
de la ciencia europea y sus prácticas de representación. Las prácticas
científicas no-europeas [Safier, resiste llamarlas no-occidentales], se
respaldaban en sus propias formas de conocimiento y frecuentemente
suprimía las fuentes de las cuales el propio conocimiento derivaba.
En consecuencia, este “otro conocimiento universal” era incorpora-
do, transformado y empaquetado para satisfacer los protocolos de
presentación de la cultura impresa europea. A través de su deseo
de retratarse a sí mismos como héroes intrépidos que por su propio
brazo superan los obstáculos que se acumulan contra ellos, estos
científicos-actores y protagonistas falseaban los procesos por los
cuales el conocimiento les era entregado por otros agentes – no úni-
camente amerindios, africanos y mestizos, sino también por criollos
y otros europeos como ellos.

Las múltiples fuentes de conocimiento que los viajeros europeos


lograron en los sitios de sus investigaciones, fueron frecuentemente
ocultadas, desplazadas y excluidas de todo derecho en relación al
conocimiento que habían ayudado a conformar, esto incluye tanto
a los asistentes como a los adversarios. A veces esto era consciente,
pero la mayoría de las veces no, como los capítulos a continuación lo
mostrarán, ese conocimiento ocultado era el resultado de una prác-
tica editorial que se desentendía por completo del proceso del que el
conocimiento derivaba. Uno de los objetivos de este libro, entonces, es
mostrar cómo las prácticas sociales y materiales sirvieron para borrar
un amplísimo rango de actores que previamente habían sido recono-
cidos, incluyendo individuos pobres y que geopolíticamente estaban
excluidos de las jerarquías de la producción del conocimiento (pp.8-9).

Es claro que en el proceso de acumulación de conocimiento


y prestigio que corría paralelo al continuo cruce de fronteras de
La Condamine, no todas las intenciones se orientaban al puro enri-
quecimiento de la razón ilustrada. Florence Trystram, en su novela
histórica Diálogo con las estrellas, describe cronológicamente cada
uno de los choques que se dieron entre los miembros de la Misión,
y siempre será La Condamine, la figura que logra salir de aquellos

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 43
choques como una figura creciente. El texto de Trystram frecuenta
también las comparaciones con la otra misión que se había enviado al
Polo Norte, con el afán de producir dos medidas de grandeza histórica
en que La Condamine, siempre termina venciendo: “Si Maupertuis
ha probado que la tierra es achatada en los polos, habrán de ser ellos
quienes determinen su dimensión y más exactas y numerosas serán
sus mediciones. La medirán además en sus dos sentidos, añadiendo
un grado de paralelo al grado de meridiano previsto” (TRYSTRAM,
2002, p.82) (Cfr. También p.19-20). El relato no pretende tanto pintar
el entorno de la expedición ni la materia simbólica de la que está ro-
deada, sino más bien el hacer crecer la figura de los expedicionarios,
y particularmente la de La Condamine, que aun en los momentos de
debilidad se sobrepone al modo de los prototipos heroicos:

La Condamine no puede más y toda la fatiga de los meses pasados le


cae súbitamente en los hombros. Ya no quiere permanecer en estas
cumbres del mundo. Él ha perdido. Esta partida desigual que él libra
con las estrellas; esta partida desigual que ha creído poder ganar a
fuerza de trabajo, de obstinación, de abnegación, esta partida se le
escapa, el cielo se la ha arrebatado. La apuesta le parece de pronto
irrisoria. ¿Qué medición de la Tierra vale los padecimientos que
soporta desde hace días y semanas? ¿Qué ángulo merece la angustia
que le oprime esta noche ante millones de estrellas cuyo lenguaje
nunca entenderá? ¿Qué cifras justifican esta vida absurda que le
hunde cada día un poco más en la profundidad de las montañas, este
atropello en un desierto de rocas, de nieve, de bosques inviolables?
¿Qué orgullo, también, le incita a medirse con lo inconmensurable?
¿Qué gloria busca intentando encerrar al infinito en las hojas de una
libreta? (...) (p.104)

La lucha contra los elementos naturales desencadenados (pp.85,


86 y 87), contra la fauna tropical amenazante (p.37), contra un tiempo
que parecería generar una cierta inmovilidad en su constancia de días
y noches igual de extensas (81), casi no hay página de este relato
en que no se encuentre un catálogo de las dificultades naturales,
diplomáticas, e interpersonales que los sabios franceses tenían que

44
enfrentar. Hacia el final del relato en el “Epílogo” (pp.261-271) se
evalúa la vida de los miembros de la expedición después de la misma,
y es La Condamine el que logró acaparar la gloria en desmedro de
sus compañeros, particularmente de Godin y Bouguer, quienes apa-
rentemente nunca supieron manejar los recursos performáticos como
lo hiciera La Condamine. El relato “objetivo” del relato de Trystram
ubica a los personajes por encima de sus historias individuales como
colaboradores de la grandeza de la ciencia francesa: “Indiferente
a las disputas humanas, la ciencia prosigue con su objetivo y, mal
que bien, la triangulación avanza” (p.109). En las primeras páginas
del texto incluso se sugiere la posibilidad de que toda la expedición
haya emergido de la “fértil imaginación” de La Condamine (p.18).
El distanciamiento ficcional que marca la novela de Jorge Velasco
Mackenzie con respecto del discurso de la historia que comanda la
novela de Trystram y sobre todo el trabajo puramente histórico de
Safier, inscribe su relato en otro lugar, que no es ni el del puro home-
naje, ni la pretensión de objetivar los acontecimientos5, En nombre

5 La bibliografía en torno a la Primera Misión Geodésica Franco-Hispana,


es abundante. Alguna de esta bibliografía se ha recogido ya en el artículo,
Esteban PONCE ORTIZ. “Patrimonialización de lo Equinoccial: el problema
de lo equinoccial como condición imaginaria, potencialidades y riesgos”. En
Revista HISAL (Histoire(s) de l´Amérique Latine), Vol. X, Patromoine(s) en
Équateur: politiques culturelles et politiques de conservation: Recuperado de:
http://www.hisal.org/?journal=revue&page=article&op=view&path[]=Pon
ceOrtiz2014, 2014: 1-14. Y también en el artículo en prensa, “La construcción
simbólica de lo equinoccial en lo nacional y en una globalidad otra.” En Grado
cero: la condición equinoccial y la producción de cultura en el Ecuador y en
otras longitudes ecuatoriales. (Esteban PONCE ORTIZ, Ed.) Quito – Manta:
Corporación Editora Nacional – Mar abierto, 2014. Señalo aquí algunos de
los textos históricos fundamentales y algunos de los textos de ficción más
recientes en relación al tema: Jean Le Rond d´ Alambert, “Figure de la Terre”,
en Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné, 6. París: Braisson – David – Le
Breton – Durand, 1751-1772, p. 754; Charles Marie de la CONDAMINE.
Diario del viaje al ecuador: introducción histórica a la medición de los tres
primeros grados del meridiano. Quito: Coordinación General del Coloquio
“Ecuador 1986”, 1986; Charles Marie de la CONDAMINE. Journal du voyage

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 45
de un amor imaginario apuesta por la ficción como ejercicio radical
de imaginación para que las historias de estos personajes hablen de
otros lugares, de otras posibilidades de comprender la historia, de
otras posibilidades de construir un pasado, a conciencia de que ese
pasado es manipulado por la mirada presente, y con toda la carga
de las consecuencias históricas de esos pasados “rígidos”. De alguna
manera esta novela marca un acceso a la historia desde la desmesura
del pensamiento y de la experiencia nómada, (ALBÁN, 2011, p.25). El
tránsito de fronteras de La Condamine y el resto de personajes relacio-
nados con el viaje a tierras equinocciales, en la novela del ecuatoriano,
sugiere una suerte de camino nomádico entre el presente, el pasado

fait par ordre de Roi. Paris: L´Imprimerie Royale, 1751; Charles Marie de la
CONDAMINE. Relación abreviada de un viaje a la América Meridional siguien-
do el curso del Río Amazonas. (Trad. Nicolás Espinosa Cordero). Cuenca:
Consejo Provincial del Azuay, 1983; Larrie FERREIRO, Measure of the Earth.
The Enlightenment Expedition that Reshaped our World. New York: Basic
Books, 2011; Florence TRYSTRAM. Diálogo con las estrellas. Quito: Campaña
Nacional de Lectura Eugenio Espejo, 2002; Nelson GÓMEZ, La misión geo-
désica y la cultura de Quito. Quito: Ediguias, 1987; GUADALUPI, Gianni y
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La Condamine, las pirámides de Quito y la ciencia ilustrada (1740-1751).
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Lady of the Amazon. New York: Carroll and Graf, 2003; James R. SMITH.
From Plane to Spheroid: determining the Figure of the Earth from 3000 B.C
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Godin. Chicago: Chicago Review Press, 1995; WHITAKER, Robert. La mujer
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La expedición científica de Francia del siglo XVIII en la Presidencia de Quito.
Quito: Municipio de Quito, 1986; Ernesto CAPELLO, “Los monumentos dedi-
cados a las dos misiones geodésicas francesas y la cultura nacional” (artículo
manuscrito de próxima aparición), 2015.

46
y el futuro, esos personajes parecerían estar tocados por la promesa
liberadora de la que habla Albán: “el ser de la promesa reposa en lo
indecidible y la decisión de acoger la ofrenda de futuro equivale a
decidir hacer la historia, a escribirla (…) el fin del relato anuncia el
comienzo de la escritura (…) es el tiempo abierto al por-venir que no
cesa de llegar en la promesa de emancipación” (p.27).
Una abundancia de objetos culturales que recuerden esa expe-
dición se han producido en estos casi trescientos años desde que la
Misión Geodésica de La Condamine cumplió sus objetivos (CAPELLO,
2014), y otra, sin duda más abundante producción cultural (PONCE
ORTIZ, 2015) precedió al viaje de La Condamine, en cada una de las
festividades, tradiciones y legados propios de las culturas de Abya
Yala, que administraban una conciencia diferente de la ocupación de
las “tierras del medio” o del mundo tropical como las llamaran los
europeos. De modo que no se trata de convertir a esa expedición en
el origen de las celebraciones de “lo equinoccial”, no lo es, porque
el universo ecuatorial anterior a la llegada de los geodésicos y de
los europeos a América, ya celebraba y simbolizaba ese universo
ecuatorial, pero nos detenemos aquí, para considerar el viaje de La
Condamine por las inmediaciones de la línea ecuatorial en su gesto
simbólico de dar unidad a la vastedad geográfica sudamericana, en-
lazada por la línea invisible, y particularmente en el contexto de los
múltiples empeños que La Condamine tuvo que enfrentar para cruzar
un laberinto de demarcaciones fronterizas. Y varias fueron las formas
de enmascaramiento y teatralidad que se desplegaron alrededor del
viaje y los conflictos que suscitó (SAFIER, 2008, p.52). El énfasis del
estudio de Safier en leer a La Condamine como un “actor” que tea-
tralizaba en los “escenarios” naturales americanos el modo en que
Francia universalizaba los modos del conocimiento ilustrado, nos
lleva a pensar en el cruce de fronteras de los múltiples códigos que
La Condamine cruzaba consciente e inconscientemente, y en tanto él
procuraba dar forma definitiva al planeta y al modo de conocimiento
(epistemología) con que se lo hacía, el mundo seguía modificándose
a sus pies. Hay en esa capacidad de adaptación de La Condamine,
una suerte de jesuitismo barroco que no poseen los otros miembros

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 47
de la expedición, recordemos que además de haberse educado con
los jesuitas, La Condamine es protegido por ellos a lo largo de todo su
viaje (GÓMEZ, 1987, p.12; CONDAMINE 1983, pp.33, 99; TRYSTRAM,
2002, pp.49, 56, (SAFIER, 2008, pp.10, 15, 57-59, pp.65-68 y otras), de
hecho sus prácticas performativas y su capacidad de combinar múltiples
códigos culturales, nos hacen pensar en el barroquismo jesuítico como
reacción tropical y como alternativa de modernidad, según la presenta
el filósofo Bolívar Echeverría (2000, pp.57-82). Frente a la univocidad
de códigos que procura manejar el ethos realista, el de la modernidad
real como se ha impuesto, el ethos barroco facilita, en cambio, el tro-
picalismo comunicacional que permite que múltiples códigos entren
en contacto, y es en ese sentido en el que La Condamine se diferencia
de sus compañeros, menos capacitados a circular por las fronteras
múltiples que su expedición les exigía y con frecuencia desarticulados
en su rigidez “científica”, “racionalista”.
Trystram afirma que Godin y Bouguer eran mentalidades cien-
tíficas superiores a La Condamine (pp.266-269), pero es este el que
parecería recoger toda la gloria de la expedición, el que logra superar
los obstáculos y sobreponerse para sacar réditos de las situaciones en
que los cruces de fronteras lo habían comprometido. Parecería que
esa capacidad para cruzar por entre los diferentes códigos lo dejaba
mimetizarse con los entornos culturales. Es curioso que el discurso
científico e histórico de la memoria de La Condamine parecería en-
contrar en América como únicos pares a Pedro Vicente Maldonado6
y varios de los jesuitas con los que tuvo contacto, es curioso porque
siendo amigo cercano de Voltaire, La Condamine se muestra como
una subjetividad de un racionalismo “menos agresivo” que el de
su amigo Voltaire y el inmediato predecesor, “Descartes” (también

6 Criollo riobambeño, reconocido por La Condamine y otros miembros


de la expedición como la mente más lúcida que encontraron en la Audiencia
de Quito y que viajó con La Condamine por el Amazonas. En París fue el
primer americano en ser recibido en la Academia de Ciencias y murió súbita-
mente en Londres cuando iba a ser incorporado a la Real Sociedad Científica,
fue enterrado en Saint James y sus restos nunca han podido ser localizados.

48
alumno de jesuitas) a pesar de compartir con estos su fe en la razón,
logra mantener espacios de intercambio con los religiosos, aunque
nunca sean estos debates, por lo menos de lo que se hizo público,
de temas religiosos.
El tema del racionalismo como máquina de la modernidad occi-
dental que se impone sobre los entornos culturales no-occidentales,
e incluso sobre su propio entorno cultural en cuanto relativiza los
alcances de la razón, o las operaciones con las cuales se convierte al
discurso racional en una nueva fe absoluta que no admite mediaciones
de otros discursos, es clave en la comprensión de la particularidad, no
sólo de La Condamine, sino de todo pensamiento moderno que sea
capaz de generar dudas más allá de lo razonable, sobre la episteme
construida por la razón.
Entre los relatos que ficcionalizan la epopeya de los geodésicos,
y concretamente entre los personajes que copan esa saga, el caso
de Isabel Casamayor de Godin es el que extrema al máximo las
tensiones entre el racionalismo y una racionalidad otra que conjuga
otras lógicas menos patriarcales y menos occidentales. Me refiero
al personaje creado por En nombre de un amor imaginario y no ne-
cesariamente a otras representaciones de Isabel. Habiendo perdido
en su expedición amorosa, por ir al encuentro del esposo que la ha
abandonado atraído por otras riquezas y aventuras, la posesión de
todos sus bienes y también sus facultades racionales, el viaje por los
confines de su universo cultural es al mismo tiempo una posibilidad
y un riesgo. Con Isabel viajan las sombras emergentes de la nación
y las resonancias simbólicas del cronotopo de la línea imaginaria.
La novela de Velasco Mackenzie inscribe una marca más sobre la
línea simbólica. A diferencia de los otros relatos que han novelado
los hechos históricos relacionados a la Primera Misión Geodésica (Le
Procès des Etoiles, The Lost Lady of the Amazon o The Mapmaker´s
Wife, la novela del ecuatoriano enfatiza el tema del fraccionamiento
de la racionalidad cronológica y ordenadora, y privilegia la voz de
Isabel hablando desde el delirio. Los recursos narrativos y poéticos
trabajan más para desordenar los hechos y hacerlos significativos a
nivel simbólico, para desarticular el rigor de las prácticas científicas

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 49
racionalistas y también los recursos más inflexibles de la historia
como discurso de la verdad única. La textura de la novela de Velasco
Mackenzie se constituye sobre la tensión múltiple entre el racionalis-
mo colonial universalizante y una racionalidad otra emergente de las
sombras de las fuerzas materiales, de los linderos culturales de exilios
impuestos y autoimpuestos. Esta multiplicidad de recorridos sobre la
geografía de tierras ecuatoriales traza un perfil de ciertas constantes
representativas del espacio nacional ecuatoriano y sudamericano, de
varias sombras de los anhelos identitarios nacionales y regionales.
Por momentos esas sombras se acogen más a ciertas fijezas nacionalis-
tas, pero el mayor gasto de la novela se va en flexibilizar las entradas
y salidas del discurso nacionalista justamente para abrir las fronteras
y permitir nuevos flujos que posibiliten conciliar la necesidad de un
estado nacional con la potencialidad de otros procesos de asociación
y construcción de comunidad que sin renunciar a la modernidad
apuntan a una modernidad que cuestione las certezas del progreso,
los mecanismos en los que se monta, los riesgos a los que somete
a sus devotos, por ejemplo.
Si desde el comienzo de su viaje los expedicionarios franceses in-
tentaron localizar y fijar el lugar de la línea y las coordenadas estelares
con las cuales medir la Tierra, primero en el promontorio del Palmar,
sobre la costa de Manabí; en cambio Isabel, tan pronto emprende
su marcha por las tierras del equinoccio su desplazamiento implica
más bien una cierta borradura de esas marcas de la certidumbre. La
equinoccialidad se flexibiliza en la voz de Isabel y su discurso más
próximo a la vida que a las mediciones exactas, termina por desplegar
no un mapa de exactitudes, sino de intensidades. El espacio-tiempo
equinoccial que habita la voz de Isabel es el de una rasgadura desesta-
bilizadora de esa realidad que está siendo construida por los geodestas:

Isabel dormita: oscuras aves del delirio sobrevuelan su cama de seda


y bramante, se vuelve para estrujar el edredón; el tul del mosquitero
que no encubre el sitio de sus verdaderas pesadillas, la orilla de
fango y troncos, donde nada la protege de los insectos que le pican,
dejan marcas en su cuerpo semidesnudo. Jean Pierre, Jean Pierre,

50
balbucea y abre los ojos. Junto a ella no hay nadie, solo ese olor de
nardos y claveles abandonado por la sirvienta al amanecer, cuando
entra sin hacer ruido; algunas veces ha querido hablarle, pero conoce
pocas palabras en su lengua, no es una de las indias en la aldea en
las afueras de Riobamba, tampoco los pescadores shimigi que la en-
contraron desvanecida a las orillas del río. Isabel se queda inmóvil,
sin ganas de probar la crema de almendras, los croissant (…) En su
desvarío, todo se halla siempre en la tierra: las semillas amargas de
sábila, los huevos verdosos de tinamú, la leche agria de higuerón
(…) (VELASCO MACKENZIE, 2014, p.197).

La heroína, ya recluida en el caserón rural de Francia, persiste en


rehacer el trayecto que la ha extraído de su equinoccialidad andina
y tropical; el país de la línea imaginaria se le escapa, en medio de
una memoria que desordenadamente rebusca sus orígenes entre los
recuerdos caotizados por el trauma, ese país, ese continente de su
origen deja de existir, se recrea, desaparece. El entorno de su locura
se pinta en medio de la abundancia material lograda por el talante
mercantil del esposo (forma más visible del progreso ilustrado).
Él es el proveedor de las sedas y alfombras en los que Isabel dormita
y reconstruye la travesía desde su lugar de privilegio como criolla
adinerada en los Andes, al estado de semi-cautiva y mujer desposeída
en el centro de Francia, desde donde intenta explicarse las razones de
su vaciamiento en el que sólo el deseo queda latente como posibilidad
de futuro. En primer término lo que le queda es sólo un recuerdo de
la nación imaginada que no tuvo posibilidad de ser, para ella.
Fuera del texto literario, durante el momento de su escritura en
1996, se iniciaba el período de re-organización del estado ecuatoriano
que se extenderá hasta el 2006, período en el que la nación se cuestionó
insistentemente en torno a la naturaleza y sentido de su identidad.
El sujeto ecuatoriano parecía como Isabel tratar de explicarse el vacia-
miento de sentido de la identidad como una fijeza. Y empezaba también
a plantearse la posibilidad de una indagación identificatoria en flujo
constante. Como Isabel, también ese sujeto ecuatoriano propiciará una
afirmación del ser presente como una búsqueda de su ser hacia delante.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 51
El sujeto de la crítica cuestionaba las dudosas certezas del ser nacional
e iniciaba con Isabel la reformulación de unos procesos identificatorios
en flujo. La voz criolla de la identidad fallida que ha entregado el pa-
trimonio de la nación a los intereses de otros (legítimos o no, pero de
otros), da paso a la voz del delirio en el que el deseo de reconocerse
le hace recuperar la sábila, el tinamú y el higuerón, la solidaridad
silenciosa de los shimigi que la salvaron, el paisaje de la selva que
hiriéndola le daba vida. Mientras la crema de almendras, los croissants
y la seda quedan relegados del presente de su delirio. La presencia de
estos materiales foráneos, será tan solo el vehículo para volver al grado
cero desde el que el proceso de re-identificaciones se ha de re-iniciar
constantemente. El presente de Isabel y el de la nación, aunados en
el fracaso de una ilusión a pérdida, se convierten en el punto de par-
tida del nuevo proceso de construcción de hegemonías-heterogéneas.
El cronotopo de la equinoccialidad ha de ser el del cierre de las ilusio-
nes engañosas de la modernidad y el arranque de la ilusión consciente
de una búsqueda sin respuestas simplificadoras, siempre a pérdida.
El cuerpo de Isabel lleva las marcas de las picaduras y la degenera-
ción del fango, esas marcas deben ser el recordatorio constante de la
conciencia del trayecto recorrido para haber llegado al lugar en el que
no quiere estar y rehabitarlo desde el deseo y no desde la resignación,
desde la conciencia de que la construcción de la forma de ese deseo,
aun siendo a pérdida, es el lugar de la vida. Esas marcas de la memoria
son la posibilidad de fuga del laberinto de la identidad como fijeza
contenida en fronteras rígidas. En el nuevo proceso de identificaciones
que Isabel inicia al arranque de la novela, el tul de algodón francés
y la orilla del fango serán linderos flexibles para la nueva forma de
la nación. Los límites de la habitación de Isabel en Saint Amand, en
el centro de Francia, han de colindar desde entonces con las selvas
ecuatoriales y el frío de los Andes, desde el tiempo del delirio se
ha de visitar el de la razón y desde la exterioridad ajena y lejana
se ha de dar nueva forma y sentido a la interioridad y a la experiencia
del recorrido de un extremo a otro de la equinoccialidad americana.
El fin de Isabel es el posible inicio de una conciencia más asertiva de
las posibilidades y los riesgos de la identificación con la nación.

52
De ahí en adelante la recuperación del pasado de Isabel no es
una mera nostalgia, sino una continua incidencia en el presente para
actualizar la experiencia del pasado en el presente y por la acción del
deseo y la voluntad sobre éste, no prevé o espera un futuro, sino que
lo sintetiza en el presente y lo anticipa. El presente es una conciencia
totalizante del pasado, pero es también acción de la memoria y ac-
ción del pasado que se reitera para resignificar las marcas. De modo
que los hitos del no-país, los de la línea imaginaria, posibilitan la
existencia del nuevo espacio nacional que siempre va a estar pensado
en la tensión y el riesgo de su idealización o vaciamiento nihilista.
La equinoccialidad entonces, como imagen del hilo del tiempo que se
recoge y desanuda adquiere el contenido de un presente eternizado
en la acumulación del pasado que se resignifica de instante a instante
y de un futuro que adquiere sentido en la acción sobre el presente.
La línea “imaginaria” como forma del tiempo adquiere el valor de
una constancia en el presente en donde la posibilidad está latente y
la materia del deseo recupera todas las posibilidades de su realizaci-
ón al escapar de las limitaciones del pasado y del engaño del futuro.
El paso del tiempo como totalidad imposible en el presente, abre líneas
de fuga, pero también impone el riesgo de extraviarse en donde ya se
extravió la historia. Las facultades han de estar tan prevenidas como
sea posible para eludir los trucos del pasado. La consciencia-otra de
Isabel, o la razón remecida por el desquiciamiento de las facultades se
abre como posibilidad de ver lo que antes no se vio, y de darle un orden
nuevo que eluda las fijezas del pasado, un nuevo ser que asumiendo
la totalidad del pasado, logre girar por una voluntad de la imaginación:

... y eso que en aquellos años, un Ecuador inexistente fue el centro


del mundo, aquí en Francia y en toda Europa se hablaba de él como
un lugar. Yo viví en esos reinos que hurtaron a los indios porque los
creyeron reinos de oro, pero pequé de corazón y cabeza, y ya ves,
ahora estoy aquí, mediomueriéndome en mi propio presidio, engrilla-
da a esta memoria que no termina de fallarme. Las luces comienzan
a parpadear, las dos mujeres permanecen muy quietas, como si
creyeran que al moverse, sus cuerpos los apagarían definitivamente,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 53
sumiéndolas en la más oscura vigilia, entonces en medio de aquel
parpadeo insistente (…) Santa pregunta: “Dónde está ese país que
no existe? (…) ¿Qué son ustedes muertos o fantasmas de muertos?
¿Están vivos solo en el pensamiento de nosotros? ¿Qué es el Ecuador?

Cuando también se lo preguntaron a Pedro Donaldo en Londres, él


había dicho que el destino de esa línea algún día era ser país: un
lugar de imaginantes, una tierra de todos, donde por cada hombre
hay mil frutos y por cada fruto otras mil semillas para que sigan
floreciendo, y que haya tierra para vivir y para morir, y que los
muertos le entreguen frutos a los vivos desde debajo de la tierra, y
que ellos le den a los muertos sus sembríos para que sigan viviendo
aun estando muertos; un país como la hoja de un puñal ancho que
formará un gran bósforo (sic) en el pecho de la América mestiza, un
suelo fértil que asombrará al mundo por su pequeñez. El último grito
del condenado se disipó en el aire cuando Isabel calló (…) (VELASCO
MACKENZIE, 2014, pp.488-489)7

Esa descripción arcádica del país, interrumpida por el grito de un


condenado a muerte, es la interrupción del ejercicio “imaginante” de
Donaldo (el Maldonado imaginario de la novela), no para interrumpir
el deseo de asumir una identidad frente a la pregunta de la esclava,
sino como el recordatorio necesario para la conciencia sobre la fragi-
lidad del deseo, y el recordatorio de que es de forma explícita sobre
la conciencia de aquella fragilidad en donde está el lugar de la vida.
La comunidad de imaginantes de la novela de Velasco Mackenzie es
convocada a habitar la línea del deseo en toda su extensión y fragili-
dad; la de las falsas coordenadas “exactas” en que estamos obligados
a asumir la realidad, pero también de las posibilidades infinitas de
recrear esa realidad a partir de nuestras facultades, y la de la conciencia
que sintetiza las formas del tiempo para reiniciar segundo a segundo
el proceso de leer y re-imaginar sentidos para las formas del azar.
En oposición a la memoria histórica de la novela de Florence Trystram,
Diálogo con las estrellas, que pretende recuperar “ordenadamente”

7 El subrayado es mío.

54
los detalles de la Misión para enaltecer la figura histórica del héroe
La Condamine, como mero héroe francés y como mero héroe del co-
nocimiento moderno, la memoria de la Isabel de Velasco Mackenzie,
“que no termina de fallar”, es justamente el resquicio por el que se
abre una fuga a la trampa de la Historia como convicción de control
del pasado. Es la memoria que duda de sí la que posibilita una acción
diferente en el presente, en tanto que la certeza histórica facilita la
instauración de una vida en “simulacro”, un “como sí” conociéramos
el pasado; “como sí” manejáramos todos los hilos del tiempo; “como
sí” nuestro limitado acceso a la realidad pudiera darnos pistas ciertas
de un universo que no deja de actuar sobre un mínimo de leyes cono-
cidas y un máximo de azar (no porque no haya leyes que controlen la
materia, sino porque no hay conciencia que logre abarcarlas). Isabel
no opta por el olvido sino por una fragmentación crítica de la memoria.
El gesto de asumir consciencia de esa fragmentación y de los procesos
que pretendieron identidades como unidades sin fisuras, se constituye
en fundamento de nuevos procesos identificatorios que evitan cerrar
esa unidad. La preocupación de la novela es la misma preocupación
latente en el seno de la sociedad ecuatoriana, y los procesos de la
novela son a un tiempo ecos y alternativas sobre el modo de asumir
esas preocupaciones identificatorias.
Si toda construcción discursiva se sostiene en el fondo sobre líne-
as imaginarias eje que les aseguran rigor frente a sí mismas, hemos
de pensar que la novela de Velasco Mackenzie se produce como un
esfuerzo por recuperar la fuerza simbólica de la equinoccialidad con
la totalidad de su imaginario, por un lado como concientización del
engaño que se sustrae a cualquier pretensión de fijeza, de negaci-
ón frente al cambio, y por otro como único sustento posible de los
proyectos de acción en el presente. Esa recuperación total del poder
simbólico de la línea conlleva la inclusión de formas antipódicas
barrocas y clásicas, para usar los términos en que Bolívar Echeverría
confronta los procesos de modernidad (2000, p.175). Las formas de
los personajes de la novela de Velasco Mackenzie serían formas bar-
rocas de asumir el entorno: su idea del viaje, del cruce de fronteras
y de la reflexión sobre la línea imaginaria, no es la que se otorga

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 55
a los personajes históricos a los que representan, aquellos que siendo
criollos privilegiados en el sistema colonial reclaman derechos que
únicamente fortalezcan el lugar de su poder, los personajes de Velasco
Mackenzie aceptan ingresar en una esfera en la que intentan pensar un
complejo utópico que “arriesgando” su propia condición detentadora
del ordenamiento cultural, asumen ingresar en el “interior” de lo que
su mundo les ha inculcado es la barbarie, su viaje por los linderos de
la nación y el continente no es una mera apropiación, es un some-
terse al riesgo cultural de quedar atrapados en las dificultades de un
cruce intercultural en pos de afirmar otra nación. Los personajes de
esta novela asumen el enmascaramiento como recurso que trabaja
por detrás del poder:

¿Cómo hacer política republicana allí donde el despotismo estatal


la imposibilita sistemáticamente, allí donde está obligada a corrom-
perse y claudicar, a desdecirse y traicionarse, puesto que cualquier
autoafirmación directa y abierta orillaría a la rebelión y la encauzaría
así al suicidio a la derrota heroica que traslada los actos políticos,
reducidos a la consistencia de hechos históricos aleccionadores,
al plano de lo imaginario? (ECHEVERRÍA, 2000, p.186)

En la dinámica productiva de la novela como aparato generador


de significantes, la línea ha de sostener todavía la nada imaginaria
del anhelo de identidad y nación, pero como una fuente de deseo,
no como esencia fundante del estado nacional cerrado. Y sobre todo,
las conciencias de los personajes actúan como conciencias de la fra-
gilidad y del vacío exterior al lugar del deseo, y la conciencia de que
habitar este mundo como es, implica asumir las limitaciones de la
racionalidad para habitarlo, y la ilusión de la forma como vía alterna
a las falsas certezas, pero también como riesgo de una nueva fuga del
mundo como es. El desvarío de la Isabel de la novela de Jorge Velasco
Mackenzie es una suerte de coyuntura, o un paso más allá del de La
Condamine histórico, una voluntad de encontrar bajo la línea imagi-
naria el acceso a una vía para hacer realidad el sueño de ese país de
“imaginantes”. Por eso es que la novela genera una cierta complici-
dad entre La Condamine e Isabel que parecería no tener fundamento

56
alguno en la realidad histórica, pero es en esa fuerza imaginativa que
comparten los dos con Donaldo (el Maldonado histórico) en donde
los personajes se asocian de manera barroca en contra de Jean Pierre
(figura del Jean Baptiste Godin des Odonnais histórico), que sería una
representación algo caricaturizada de los males de la modernidad real.
Ahora, si en los personajes de Velasco Mackenzie se hace clara una
línea de fuga, ésta no implica una negación de todo empeño positivo
por acceder a los secretos de la realidad desde la razón, a ubicarlos
y a pretender controlarlos; lo que hay es una conciencia aguda de la
fugacidad con que ese saber al hacerse pasado, trasluce sus engaños
y límites. La voz delirante de Isabel no niega la acción positiva de los
geodésicos, sino que la pone en perspectiva, la ajusta a las posibilida-
des presentes de re-simbolizar tanto los accidentes geográficos como
los fundamentos epistémicos de aproximarnos a ellos.
La posibilidad de una auténtica “diversalidad”, como la propone
Enrique Dussel y la refrenda Walter Mignolo (MIGNOLO, 2001, p.27),
en que los diferentes grupos culturales no tengan que ser arrastrados
por la violencia etnocéntrica (en América Latina concretamente por el
eurocentrismo y su variante estadounidense), sino que en el ejercicio
abierto de múltiples cosmogonías, epistemologías y códigos los saberes
y conocimientos y en la toma de conciencia del etnocentrismo como
experiencia común a la especie, y finalmente, en la crítica a los pro-
cesos de dominación ligados a esas mismas prácticas etnocéntricas, se
logren generar espacios productivos de nuevas prácticas culturales más
horizontales, más interculturales, más conscientes de las potenciales
mecánicas de transculturación en los términos de Ángel Rama (2008).
Y en este sentido la línea imaginaria del ecuador abre en los textos
que la visitan un pasaje simbólico que viabiliza esa mirada múltiple.
Incluso si la “orientamos”, si giramos su ángulo para que haciéndose
una vertical y no una horizontal, ese puro gesto de girar el mapa ya
horizontaliza las relaciones de norte y sur. Ese simple giro de la línea
marca un movimiento de rotación constante en el que oriente cae
siempre en occidente. La línea imaginaria es forma barroca de varia-
ciones y pliegues, sin dejar de ser el accidente que puede ser medido y
localizado; deviene pues en una verticalidad que rompe con las formas

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 57
hegemónicas del conocimiento eurocéntrico y equilibra el plano en un
nuevo orden de cosas, menos jerárquico y más democrático. Llama
mucho la atención que en varios de los dibujos que La Condamine
adjuntó a sus publicaciones, la esfera terrestre aparece “orientada”, es
decir que la línea ecuatorial es una vertical, y el hemisferio norte está
desplazado hacia la izquierda del planisferio (SAFIER, 2008, p.40)8.
No ha sido posible en esta investigación hacer comparaciones con
ilustraciones semejantes para ver si había una razón explícita para
que el planisferio aparezca en esa posición, tampoco ha sido posible
encontrar una justificación explícita de La Condamine sobre el porqué
de esa alineación orientadora del plano de la esfera terrestre, pero
no puedo dejar de interpretar en el contexto de este análisis, que hay
una voluntad de “naturalizar” la mirada de las representaciones de la
orientación del planeta, el “exceso de naturaleza barroca” que rodea
al geodesta que inscribe la primera medición del grado cero en suelo
americano, parece como la multiplicidad de corrientes discursivas de
la novela facilita el cruce de esa doble mirada que alude por una parte
a las cartografías ilustradas dominantes del siglo XVIII al mismo tiempo
que a las cartografías del deseo más contemporáneas, tanto como a
los abigarramientos simbólicos barrocos en los que las asociaciones
multiplican los mapas y sus significaciones.
Leído el viaje de La Condamine en esta perspectiva, como una
marca más de las múltiples, que desde los albores de la humanidad
identificaron el camino del sol, y que en su trayecto, asumió el reto,
aunque no siempre haya sido capaz de ver en él algo más de lo que
veían sus contemporáneos, de entrar en contacto con las diferentes
marcas culturales que le antecedían en ese viaje sobre la línea imagi-
naria; leído en esta perspectiva de múltiples líneas en fuga hacia un
entorno cultural indefinido, el viaje de Charle Marie de La Condamine
es un espacio privilegiado para leer los cruces simbólicos acumula-
dos sobre esa cronotopía múltiple. El espacio de la línea imaginaria
del ecuador, tan ligado con diferentes nombres a todas las culturas del

8 La ilustración que muestra Safier está extraída del volumen publicado


por La Condamine en París en 1751, Journal du voyage fait par ordre du Roi.

58
pasado, y desde la persistencia actual por mantener viva la compleji-
dad de universos culturales, no asimilados del todo por la modernidad
(y en algunos casos apenas tocados por ella, en las inmediaciones
mismas de la línea; pienso sobre todo en los “no –contactados” de la
Amazonía ecuatoriana, colombiana y brasileña) y que siguen buscando
en el “Inti Ñan” (para usar el nombre kichwa), una ruta alternativa a
la sofocante modernidad. Ese espacio, y esas culturas, encuentran en
el viaje y en los escritos de La Condamine un discurso, que aunque es
eminentemente colonizador, mantiene abiertos espacios para pensar
en esa modernidad barroca latente de Echeverría como posibilidad
del lugar de “imaginantes” (VELASCO MACKENZIE, 2014, p.489) en
donde la modernidad sea posible de otra manera que no sea la pura
universalización de occidente.
El enclave histórico de la Misión Geodésica Francesa que terminó
por asignar indirectamente el nombre a la República, al mismo tiempo
que consolidaba el “sistema mundo” como lo define Mignolo; tambi-
én, desde la potencialidad simbólica de este nombre de la República
y de la línea imaginaria, hace a sus pobladores entes de una franja
imaginaria, siempre proclives a habitar más ese cronotopo que sin
deshacerse de las coordenadas puntuales del conocimiento ilustra-
do – moderno, se revierte siempre hacia un pliegue barroco y hacia
una voluta que extrae la patria de los imaginantes hacia un más allá
de toda coordenada específica. El recorrido por ese amplísimo pai-
saje cultural es una radical propuesta de interculturalidad, al mismo
tiempo que una convocatoria a un proyecto multinacional que exige
mirar con sospecha las identidades cerradas e invita a participar de
amplios procesos identificatorios que continuamente nos extraigan
de los centros culturales fijos.
Habitar el espacio ecuatorial – equinoccial, desde una nueva
mirada intercultural, implica reasumir la tropicalidad como lugar de
cruces, que como afirma el cronista Cieza de León, “no es oriental
ni occidental”; diversalizar el entorno de la línea, el espacio tropical
como espacio de emancipación del pensamiento, de ninguna manera
puede ser configurarla como una mera dualidad alterna de occidente.
El punto es justamente empezar a mirar, a partir de las experiencias

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 59
de los cruces equinocciales, una relación distinta entre oriente y occi-
dente. En este sentido la propuesta de Cristóbal Cobo (2012 y www.
quitsato.org, 2014) en torno al giro del planisferio es tan importante
para modificar ciertas fijezas mentales ligadas al modo en que orde-
namos el planeta. Si vemos el mapa en la perspectiva “orientadora”
sugerida por Cobo, necesariamente las nociones de oriente y occi-
dente se dinamizan en el devenir día-noche, y norte y sur en cambio
se disponen en una relación menos jerárquica, de mayor equilibrio.
En esta nueva sicología del planisferio, el trópico en su totalidad
emerge como una centralidad geográfica y simbólica que “administra”
el equilibrio solar, y geofísicamente hablando la dualidad oriente occi-
dente se restringe a un episodio de cruces ecuatoriales y equinocciales
siempre en movimiento. Hablando en términos culturales, este tipo de
cambios simbólicos (el giro en 90º del planisferio no sería poca cosa)
puede propiciar una mejor aceptación de la diversalidad en oposición
al encasillamiento dual de las pugnas oriente-occidente.
Si no rompemos esa dualidad, entonces, el cuerpo de occidente
que cae, en la figura de Jean Luc Nancy, sobre oriente; y el oriente
al recibirlo, geopolíticamente, se incomoda entre el peso de asumir
esa caída y el deseo de hacerse indiferente a ella. Así como la caída
del universo kichwa en el dominio colonial moderno – occidental,
implicó un desgarramiento al punto de generar el espejismo de que la
cosmovisión del occidente-moderno era la única que prevalecía; del
mismo modo hoy los universos no occidentalizados, o no enteramente
occidentalizados reasumen su papel frente a la cultura hegemónica,
y el re-orientamiento del universo tropical-ecuatorial aporta, en sus
diferentes dimensiones (UNASUR es una de ellas) la posibilidad de
generar una convivencia diversal, una alternancia de poderes “pa-
racrónica”, una simultaneidad diacrónica y circulante, que reniega,
o cuando menos duda, del progreso clásico. La línea que une a las
naciones del sur como eje simbólico, no es ya únicamente la línea
imaginaria que separa los hemisferios sur y norte, sino por el contrario
es el espacio utópico de otras formas de unidad.
Esas formas de unidad alternas, ya estaban presentes en el con-
tinente sudamericano antes de la llegada de Occidente, el camino de

60
los yumbos es un ejemplo de ello9, Frank Salomon (1986) analiza el
doble cruce simbólico, de valor altamente prolífico al pensar el espacio
equinoccial. El camino de los yumbos, es el antecedente de la ruta
de Maldonado para unir a Quito con el puerto de Esmeraldas, y está
ligado a la equinoccialidad no solamente por la fisicalidad de la ruta,
tan próxima a la línea, sino también por el cruce del sabio criollo con
la Misión Geodésica. Por otra parte, el camino de los yumbos no puede
dejar de asociarse a la yumbada como forma popular festiva asociada
a los ciclos solares que mantuvo en la memoria de las comunidades
la presencia e importancia de esas comunidades antiguas tan ligadas
a la integración intercultural del espacio proto – nacional y de la inte-
gración espacial del ecuador continental y ahora del símbolo que reúne
a las naciones sudamericanas con el resto del mundo y particularmente
de la franja tropical. Otro trabajo importante en relación a este tema
concreto es el de Hólguer Jara Chávez sobre la zona de Tulipe (2006)
y la cultura yumbo, y se presta como uno de los posibles ingresos
a los múltiples trabajos arqueológicos que se aproximan al tema de
la geografía cultural del territorio equinoccial. La riqueza del análisis
antropológico e histórico y la riqueza de material gráfico del libro de
Jara, hacen de la obra uno de los mayores tributos a las culturas ecu-
atoriales en una pieza clave del paisaje cultural equinoccial andino.
Por la importancia que ese punto tiene como puente entre Amazonía,
Andes y costa del Pacífico, casi directamente bajo el “Camino del sol”
y también como enclave histórico que reúne diferentes momentos de
los procesos culturales en América del Sur es un espacio de privile-
gio para reflexionar sobre las antiguas y las nuevas simbolizaciones
en torno a lo equinoccial, en palabras de Jara: “los ceques (o líneas
imaginarias cartográficas) no son vistos sólo como líneas que unen
puntos cardinales sino como elementos de orientación cultural en la
geografía física” (JARA, 2006, vol.2, p.182). Este trabajo de Jara al

9 Era el complejo de rutas, paralelo o cercano a la línea ecuatorial, a través


del cual se daba una red de comercio entre la Amazonía, los altos Andes y la
costa del Pacífico, por lo menos desde los siglos anteriores al poderío incásico,
hasta épocas recientes.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 61
igual que otros de sus textos, aluden a la importancia simbólica de lo
solar para los pueblos ecuatoriales10.
El tema de las representaciones solares en el material cultural
ecuatoriano y de ciertas tensiones entre las agendas coloniales y
postcoloniales al estudiarlas y nos deriva a un asunto que es clave
al pensar las condiciones simbólicas de lo equinoccial, el vacío, o la
necesidad de ciertas mediaciones teóricas para comprender el paso
de las imágenes representadas, o de las identidades representadas,
o en la fórmula de Benedict Anderson, de las comunidades imaginadas,
a convertirse en una comunidad de imaginantes, como lo declara la
versión de Pedro Vicente Maldonado en la novela En nombre de un
amor imaginario de Jorge Velasco Mackenzie. La tremenda contra-
dicción de Ortiz Crespo en pretender leer los astros de la escultura
y arquitectura colonial, enajenados de su contexto inmediato, para

10 Cfr. Hólguer JARA CHÁVEZ (2012), “Kitu antes de San Francisco de


Quito”, en KITU territorio solar en la mitad del tiempo,, Quito, Gobierno
de la Provincia de Pichincha, pp. 19-67. Este mismo libro incluye también
el artículo de Alfonso ORTIZ CRESPO, “De soles, lunas y estrellas”, pp. 69-
106 y ambos estudian las representaciones solares de diferentes materiales
culturales ecuatorianos, con la diferencia de que en el primer caso se trata
de aglutinar ejemplos para integrar esas representaciones a un universo
cultural ecuatorial y en el segundo caso, Ortiz pretende demostrar que las
representaciones solares en los templos católicos coloniales no estaban in-
fluenciados por cosmovisiones andinas, lo cual puede ser aceptable como
hipótesis, aunque resulta inadmisible que el investigador no reflexione más
a fondo sobre esa presencia solar en iglesias construidas bajo la latitud cero,
como si la representación solar dentro del catolicismo fuera idéntica en una
iglesia ibérica o en una iglesia quiteña. Como si las representaciones solares
en templos católicos en Europa no tuvieran diferencia alguna con las de los
pueblos americanos y concretamente los ecuatoriales. Por otra parte, en la
investigación de Alfonso ORTIZ CRESPO (coord.), Imágenes de identidad.
Acuarelas quiteñas del siglo XIX. Quito: FONSAL – TRAMA, 2005, se pretende
describir diferentes construcciones identitarias desde la “pose, la vestimenta y
el oficio” (KENNEDY TROYA, 15) de diferentes personajes pero se desatiende
nuevamente la presencia escandalosa de ciertos soles que no son de manera
alguna casualidades en esas acuarelas.

62
leerlos más bien desde una tradición europea, aparentemente intocada
por el contacto con otras tradiciones culturales parecería corresponder
más a la visión del criollaje histórico del que habla Anderson que pre-
tendía imaginar la sociedad en la que las identidades de sus miembros
venían dadas por la clase dominante. Noción en la que por cierto
entran el La Condamine y el Maldonado históricos, ciertamente, pero
en los cuales, ciertos rasgos leídos por el novelista Velasco Mackenzie
particularmente, los convierten en personajes que potencialmente
facilitan la construcción de comunidades de “imaginantes” que son
hacedores de sus identidades y no meros objetos de identificación.
Afirma por ejemplo, el investigador Ortiz que su trabajo “m[ue]stra
que el sol, la luna y las estrellas estaban en el firmamento y en la
mente de la humanidad antes que llegaran los incas a estas tierras
equinocciales” (p.89), sin embargo sus argumentos terminan por
señalar la presencia de esos astros en los templos católicos como si
estuvieran absolutamente desvinculados, aun hipotéticamente, de las
culturas que ocuparon esas tierras equinocciales cientos y miles de
años antes de la llegada de los españoles. Por otra parte las Imágenes
de identidad que nos muestra en el libro y exhibición homónimas,
parecen aludir a unas formas identitarias fijas que resisten todo movi-
miento. Como con certeza se vio el tema del “ser” en los siglos XVIII
y XIX. Es poco probable que el Pedro Vicente Maldonado histórico
haya soñado una nación de “imaginantes” en donde las identidades
estuvieran en flujo, de hecho como lo describe Salomon en el artículo
citado, el choque de los intereses personales de Maldonado con los
de la comunidad Yumbo, fue la principal razón por la que fracasó
la apertura de la ruta a Esmeraldas. Sin embargo, es la ficción de
Velasco Mackenzie, sobre la nacionalidad ecuatoriana como plura-
lidad y sobre la equinoccialidad como espacio físico y significativo,
el discurso literario más propicio para producir una comunidad de
imaginadores que puedan leer con complejidad en ese laberinto
cultural, de aparente unilinealidad, que es el paisaje equinoccial;
más allá de los individuos históricos de La Condamine, Maldonado,
Isabel Casamayor o cualquiera de los otros personajes ligados a la
Misión Geodésica, Velasco Mackenzie potencia la posibilidad de

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 63
hacer de ellos imaginantes que actúan y que salen al encuentro de
otros imaginantes y no meros impostores de identidades.
La insistencia con que la novela de Velasco transforma a Isabel
Casamayor de Godin, de objeto colonial que correspondería a una de
esas acuarelas del libro de Ortiz, en sujeto femenino que se apropia
de la historia para construirla desde su “estado delirante”, corres-
ponde a la propuesta central de este ensayo de convertir el paisaje
equinoccial, en un espacio complejo desde el que reelaboramos los
saberes con que rehacemos el sistema mundo que hemos heredado.
De este modo la referencialidad original de lo equinoccial “insano”
o “desconocido” por occidente, se convierte a partir de la producción
de un paisaje cultural equinoccial, amplísimo, en una metaperiferia
siempre descentrada de sí misma, como lo ha dicho el crítico Fernando
Nina (2011) , intentando revertir el proceso por el que somos imagi-
nados por otros como sujetos de una nación que creemos existente y
pasar a ser imaginantes o imaginadores, de una nación que sabemos
inexistente pero en el proceso permanente de desearse, de hacerse
en el presente no como esperanza, sino como radical anticipación
del futuro. De ser buscadores de una identidad nos convertimos en
hacedores de procesos identificatorios, como el que se produjo en la
sede de UNASUR en “la Mitad del Mundo” hace pocos meses.

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I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 69
I N S C R I B I E N D O L A N A C I Ó N:
COLONIALIDAD E IMAGINARIOS EN PARAGUAY
A INICIOS DEL SIGLO XX

Aníbal Orué Pozzo

Introducción

En los primeros años del siglo XX paraguayo, se desató una


gran polémica que se expresó a través de dos medios impresos de
publicación diaria en Asunción: El Cívico y La Patria. Dos grandes
intelectuales paraguayos, Cecilio Báez y Juan E. O’Leary, se enfren-
taban, contraponiendo modelos, visiones de mundo y formas de
entendimiento de la historia paraguaya. El tema: la reivindicación
o no de la Primera República paraguaya (1811-1870), con sus con-
secuencias en términos de educación, salud, propiedad de la tierra,
lengua, cultura, religión, y otros tantos aspectos que, de alguna
manera, fueron introducidos en la discusión. Esta polémica tuvo
sus consecuencias para la historia paraguaya. Hasta la fecha, es
decir, en pleno siglo XXI, las ideas “victoriosas” y las “derrotadas”
siguen teniendo vigencia en el país, como dos caras de una misma
moneda. Sin embargo, la moneda tiene varias caras. Las ideas y
propuestas de Báez fueron inicialmente las vencedoras, pues las
fuerzas políticas que las sustentaban asumen el control del Poder
Ejecutivo paraguayo tras una cruenta revolución en el año 1904.
Los argumentos y propuestas del contendor que “pierde” en 1902,
Juan E. O’Leary – quien explicitaba e incorporaba de alguna ma-
nera los sentimientos de la “gran nación paraguaya” sustentada en

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 71
su tradición guaraní – terminan, en el tiempo, venciendo y siendo
incorporadas al imaginario paraguayo del siglo XX.
El imaginario construido y sustentado por Juan E. O’Leary continúa
vigente en sectores hegemónicos de Paraguay. Los mismos constituyeron
fuentes de inspiración para varios tipos de gobiernos autoritarios, inclusive
para aquellos de rasgos más democráticos. Lo que sigue es un intento
por comprender no solamente las circunstancias históricas de dicha po-
lémica y de las ideas que las sustentaban, sino también una brecha para
pensar el desarrollo de las ideas en Paraguay, desde una perspectiva de
la colonialidad del poder y del saber. Trataré de demostrar que, en última
instancia, las ideas sustentadas por ambos polemistas, expresaban nada
más que otros rostros de la racionalidad-modernidad eurocéntrica. Es decir,
a pesar de sustentarse en tradiciones y experiencias del pasado paraguayo,
la matriz de pensamiento de ambos intelectuales estaba profundamente
anclada en la modernidad eurocéntrica. Cecilio Báez, por un lado, expre-
saba más directamente estos sesgos de un pensamiento eurocéntrico de
manera más directa. Mientras, O’Leary, era la “conciencia criolla” que,
de alguna manera, expresaba la tensa y al mismo tiempo fluida relación
con la matriz del pensamiento europeo, pero tratando de anclarla en el
territorio “nacional”. Estas estrategias son rostros que expresan de manera
más explícita (a pesar de haber cortado los lazos políticos con el imperio
casi 100 años antes) que una matriz colonial de pensamiento continuaba
presente, y con “muy buena vida”, a lo largo de todos esos años.

Inscribiendo la nación

Los años posteriores a la guerra de la Triple Alianza – o Guerra


del Paraguay1 – , conocidos como la era liberal, también denominada

1 Entre 1864 y 1870, Brasil-Argentina-Uruguay llevan adelante una guerra


contra Paraguay, país que termina la contienda con 2/3 menos de la pobla-
ción que tenía antes de comenzar el conflicto. Guerra de la Triple Alianza
es el nombre con el cual es conocido este conflicto en Paraguay; guerra del
Paraguay, es la denominación que asume en el exterior – Brasil, Argentina y
Uruguay – por la historiografía tradicional.

72
de Segunda República paraguaya (CABALLERO AQUINO, 1985),
constituye un período poco estudiado por la historiografía paraguaya.
Abente señala,

La República liberal paraguaya, que se extiende desde la finalización


de la guerra de la Triple Alianza hasta la conclusión de la guerra
del Chaco, es uno de los periodos en la historia paraguaya menos
investigado y valorado, y recién últimamente ha despertado algún
interés académico. Durante este periodo la acumulación de capital
se desarrolló exclusivamente en el dominio privado, las doctrinas
económicas fueron sustentadas por la doctrina del laissez-faire, y la
esfera política incorporaba, de manera teórica, los principios liberales
de oposición pública y competencia entre elites. Estos trazos básicos
y distintivos, en ese orden particular, no se encuentran en otro pe-
riodo de la historia paraguaya. De esta manera, es conceptualmente
acertado hablar de la República liberal como un período distintivo
en la historia paraguaya2.
(ABENTE, 1989:61)

De igual manera se manifestaba Lewis (1993) en un agudo y de-


tallado estudio sobre los partidos políticos y las generaciones durante
la era liberal o pos guerra de la Triple Alianza. Siendo este período
sumamente importante para la historia paraguaya, y al mismo tiempo
muy poco estudiado, es indudable que despierte hasta el presente
interrogantes y cuestionamientos acerca de una época en la cual se
forjan y moldean las ideas acerca de un determinado modelo de nación
que las generaciones contemporáneas incorporan en su imaginario.
El trabajo que sigue es un intento de interpretación de los distintos
procesos de construcción de imaginarios y representación de la na-
ción – los “procesos nacionalistas” y colonialistas de inserción del
estado-nación – , en los medios impresos de inicios de siglo XX en
Paraguay. Sin embargo, no puedo dejar de mencionar, por lo menos
en passant, algunos aspectos que, a lo largo de los años, contribuyeron

2 La Guerra del Chaco es un conflicto que involucró a Paraguay y Bolivia


y se dio entre los años 1932-1935.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 73
a la configuración de una idea de nación – o de varias ideas asociadas
a ella-, asimismo de un imaginario relacionado con este concepto.
Y también, cómo y de qué manera estas ideas e imaginarios construi-
dos constituyen caras de una misma matriz asociada a un pensamiento
colonial, a la modernidad-racionalidad eurocéntrica de entendimiento
del estado-nación. Según Hobsbawm, la nación se interpreta desde el
papel, es decir, desde las diversas producciones impresas elaboradas
y difundidas, sean estas publicaciones periódicas o no. Pero, no sola-
mente desde el papel; el papel es, sin duda alguna, una de las formas
seguidas por Europa. Existen “naciones” que pueden ser interpretadas
desde el peso de la tradición, desde los movimientos sociales, desde la
geopolítica presente en los intersticios de las resistencias de sectores
subalternos o excluidos, desde los pliegues de otras visiones que no
las hegemónicas.
Intentar reconstruir el camino recorrido por la idea de nación
en el país es un camino sumamente escabroso, aunque no deja de
ser desafiante para un investigador que se sitúa en el campo de los
estudios de las ciencias sociales y, más específicamente, en el de la
comunicación. Es desde esta perspectiva que emprendí este trabajo,
asimismo procuré desvendar ciertos pasajes que, aunque sumamente
citados en la historiografía paraguaya, fueron poco estudiados. Es el
caso de la construcción del concepto e idea de nación en Paraguay,
a partir de la polémica periodística entre dos intelectuales a inicios
del siglo XX.

Paraguay a inicios del siglo XX

Poco más de tres décadas posteriores a la finalización de la


guerra de la Triple Alianza, entre octubre de 1902 y marzo de 1903,
se desata una polémica que abarca diferentes aspectos de Paraguay,
previos a dicho conflicto. Dos intelectuales discuten en dos medios de
comunicación impresos: Cecilio Báez, uno de los primeros doctores
en derecho y ciencias sociales egresado de la Universidad Nacional
de Asunción en 1893, en ese entonces con poco más de 40 años, y su
joven disciplino, Juan E. O’Leary, estudiante de derecho, con escasos

74
23 años. A lo largo de los casi seis meses de intensa polémica, míti-
nes y concentraciones organizados en Asunción en defensa de una
u otra postura, diversos y distintos temas sobre el pasado paraguayo
se insertan y desarrollan en los artículos publicados en los diarios El
Cívico – los textos de Cecilio Báez – y La Patria – que publicaba las
ideas de Juan E. O’Leary.
El último cuarto de siglo había sido sumamente difícil para el país,
luego de la tragedia de la derrota. Una nueva constitución, la de 1870,
ordenaba políticamente el país y proporcionaba el marco jurídico en
la cual nuevas instituciones se insertaban, casi todas desconocidas
en la República. De los trece presidentes que ejercieron mandatos
constitucionales hasta 1902, doce tuvieron un envolvimiento directo
en el conflicto de la Triple Alianza. De éstos, ocho sentaron plaza en
el ejército de López, siendo algunos de ellos estrechos colaboradores
del mismo, acompañándolo hasta su muerte, en marzo de 1870.
Cuatro ex presidentes integraron la Legión Paraguaya, organización
formada en Buenos Aires en 1865 bajo el amparo de la Asociación
Paraguaya – grupo del exilio paraguayo en Buenos Aires, fundado en
1858 – , y combatieron junto al ejército argentino contra el paraguayo.
Uno solo de los presidentes, quien asume tras un golpe de estado en
1902, no formó parte de ninguno de los bandos en conflicto durante
la guerra (Amaral, 1994; Decoud, 1930; Freire Esteves, 1996; Gill
Aguinaga, 1959). Es posible observar la presencia de los “escombros
de la guerra” en la política paraguaya hasta bien entrado el siglo XX.
De alguna forma, los presidentes electos o impuestos representaban
a sectores favorecidos o no por el desenlace de la guerra.

La nación, sus intérpretes e imaginarios

El estado-nación que emerge como resultado del proceso de in-


dependencia en Paraguay, no es muy distinto al modelo que durante
esos años se instalaba en otros países de América Latina y el Caribe,
a excepción de la revolución haitiana de 1804. Un sector criollo toma
cuenta del poder, expulsando a los españoles, volcando la mirada
a Europa, imitando ser europeo sin nunca serlo. Al asumir el control

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 75
del aparato administrativo del poder, buscaban ellos mismos desar-
rollar aquello que los colonizadores europeos ya no podían hacer,
es decir, incluir a los emergentes sectores económica y socialmente
dominantes – aunque criollos – en la distribución del poder. Los
criollos construyen un país que imaginan deseado, a espaldas y con
los ojos puestos en Europa, antes que en la región y en sus diversos
habitantes. Incorporan la matriz de pensamiento del Imperio en el
sentido de considerar a amplios sectores subalternos (indígenas,
afro-descendientes, mujeres, etc.) como grupos inferiores frente
al civilizado europeo, en quien deberían espejarse. De esta forma,
desde un inicio el estado-nación que emerge de la independencia, se
construye a espaldas, y hasta diría en oposición, a sectores subalter-
nos no criollos y no europeos. Este un estado-nación reconfigurado
a partir del europeo que tiene como punto de partida la Revolución
Francesa. Poco más de 300 años después del inicio de la colonización
de América, de su invención, sectores criollos reclaman una mayor
participación en la administración y gestión del territorio y en la
producción de la riqueza y, frente al escaso margen de maniobra
que la dominación imperial impone a sus colonias, emprenden el
camino de romper ese lazo imperial para ser, ellos mismos, quienes
efectúen la intermediación entre el imperio y la colonias, ahora ya
con lazos políticos cortados. Sin embargo, y a pesar del corte polí-
tico – la independencia del imperio consigue romper ese vínculo-,
el nuevo estado-nación que emerge de este proceso no consigue
terminar con los fuertes vínculos coloniales en términos del saber y
del ser, pasando a asumir la universalidad de Europa y su desarrollo,
de espaldas a las experiencias de amplios sectores cuya historia se
remonta a siglos anteriores. Con la derrota “del colonialismo britá-
nico primero, e ibérico después, en América se instala una paradoja
histórica específica: se pasa de estados independientes articulados
a sociedades coloniales.” (QUIJANO, 2008, p.109)
En Paraguay, casi todas las “instituciones cívicas” o “ciuda-
danas” que emergen pos independencia, llevan la impronta de un
profundo contenido colonialista. Los diversos congresos consti-
tuyentes – desde aquellos que declaran la independencia, nombran

76
o eligen autoridades, designas cónsules, etc. – se caracterizaron por
profundo contenido no solamente elitista, también racial. De estos
cabildos, asambleas, encuentros, etc., solo participaban aquellos que
demostraban ser propietarios de tierra. Esto era un claro ejemplo de
exclusión, de una vision de un modelo de sociedad que solo incluía
a algunos, al mismo tiempo que excluía a una amplia mayoría de
sectores subalternos, indígenas, mujeres, etc. Todos estos imagina-
rios se espejan, de alguna manera, en el imaginario burgués europeo
como modelo de universalidad hacia el cual se debe avanzar. Se
dejan de lado instituciones propias de las poblaciones indígenas
que durante siglos establecieron relaciones y operaron de forma
comunal, para imponer determinados modelos eurocentrados que
apuntan a consolidar el dominio de un determinado sector – y su
forma de dominación – sobre una mayoría de pobladores del país.
Y es sobre este hecho social que se construyen imaginarios y sobre
los cuales se asienta la construcción y posterior consolidación de la
“nación paraguaya”, asimismo del “rescate de sus tradiciones”, de
los héroes ligados o asociados a estos procesos, construidos todos
ellos en función a una colonialidad del pensamiento y del saber.
Los países se independizaron de la metrópolis, del imperio; es decir,
consiguieron su independencia política. Sin embargo, el modelo de
pensamiento que introduce la modernidad-racionalidad europea,
que es intrínseco a la presencia colonial en América, se mantiene
intacto. Aquellos que logran, finalmente, asumir el control del pro-
ceso estatal constituye, de un lado,

[…] una reducida minoría de origen “europeo” o “blanco”, frente


a la abrumadora mayoría, de “indios”, de “negros” y de sus corres-
pondientes “mestizos”. De otro lado, los “indios” eran siervos en
su mayoría y los “negros”, salvo en el Haití resultante de la primera
gran revolución social y nacional americana del período de la mo-
dernidad, eran esclavos. Esto es, esas poblaciones no sólo estaban
legal y socialmente impedidas de tomar alguna participación en la
generación y en la gestión del proceso estatal, en su condición de
siervos y de esclavos, sino que además no habían dejado de ser

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 77
poblaciones colonizadas en tanto “indios”, “negros” y “mestizos”
y, en consecuencia, tampoco tenían opción alguna de participar en
el proceso estatal. (QUIJANO, 2008, p.110)

Así, la sociedad pos independencia continuó organizada según el


patrón de poder del colonialismo. El estado que emerge y se separa
políticamente del imperio, es un estado “independiente del poder
colonial, pero, simultáneamente, en su carácter de centro de control
del poder, era una ceñida expresión de la colonialidad del poder en
la sociedad.” (QUIJANO, 2008, p.110)
A mediados del siglo XIX, el estado paraguayo “expropia” vastas
extensiones de tierras indígenas – yerbales naturales – , obligando
a sus pobladores a abandonarla, transformándolos por la fuerza y
la “violencia legítima del Estado”, en “ciudadanos paraguayos”. Es
decir, pasan de ser indígenas dueños de sus tierras, a ciudadanos
paraguayos sin tierra, sin hábitat, expropiados de sus tradiciones,
expulsados de sus territorios ancestrales, y con nombres “para-
guayizados” o españolizados. Sobre estos hechos y realidades es
que se construyen los imaginarios relativos a la “nación paraguaya”;
el poder y sus aparatos ideológicos expresan estas representaciones
“legítimas”. Es la república criolla que incluye a algunos y excluye a
la gran mayoría de sus habitantes – sectores subalternos – , conside-
rados inclusive inhumanos, sin embargo pasibles de evolucionar hasta
el modelo europeo y civilizador que los mismos decían representar.
El nuevo estado-nación independiente, como en toda América Latina,
no emergía “como un moderno Estado-nación: no era nacional respecto
de la inmensa mayoría de la población… era una ceñida expresión de
la colonialidad del poder” (QUIJANO, 2008, p.110)
Según Hobsbawm (1997), tres criterios permitían que un pueblo
sea clasificado firmemente como nación. El primero era su asociaci-
ón histórica con un estado que existiese en aquellos momentos o un
estado con un pasado bastante largo. El segundo era la presencia de
una antigua élite cultural, poseedora de una lengua vernácula literaria
y administrativa nacional y escrita, es decir, la identificación nacional
era fuertemente lingüística. Finalmente, el tercer criterio era una pro-
bada capacidad de conquista, o sea, la presencia de/en un territorio

78
determinado. Este entendimiento de la nación desde el Estado, cuyos
orígenes es posible remontarlo a la Revolución Francesa, es una de
las variables desarrolladas por las élites criollas en la construcción
de la nueva institución en América Latina. Sin embargo, es posible
señalar que ninguna de las tres constituyen asociaciones, realidades
o criterios que orientaron a las élites criollas para impulsar el nuevo
estado-nación. No se constituyó el estado-nación a partir de una
asociación histórica con “estados” previamente existentes en la regi-
ón, aquellos presentes antes de la llegada del colonizador europeo;
la élite social, económica y cultural sobre la cual se erige en nuevo
estado-nación no contempló, en momento alguno, las tradiciones
de los grupos indígenas existentes en la región en términos de una
“identificación nacional lingüística”. Nunca existió una sola lengua
en la región, son las élites criollas quienes acaban imponiendo una
lingua franca, el español. Finalmente, la capacidad de conquista,
o la presencia en un territorio determinado: en el caso de Paraguay,
las naciones Guaraní migraban constantemente y su identidad no está
asociada necesariamente al territorio, son culturas en movimiento con
fronteras también móviles; pero tampoco constituyen las únicas en
el espacio conocido más tarde como Paraguay. El esquema que nos
presenta Hobsbawm es aquel que termina iluminando los corazones
y mentes de la élite criolla, que mira a Europa como cuna de sus tra-
diciones y del Estado, y al español como la lengua de la civilización.
Es necesario, entonces, inventar tradiciones, para lo cual se incluyen
determinadas prácticas sociales, mientras se excluyen otras. Lengua,
territorio y nación son elementos que la modernidad impone como
necesarios para el desarrollo y consolidación de un estado-nación
europeo. Sin embargo, aquel que emerge desde América Latina está
muy lejos de incorporar estos elementos como únicos y exluyentes.
Al contrario, algunos de ellos los repelen.
Es en este sentido que voy a interpretar la polémica que se desata
en medios impresos paraguayos a inicios del siglo XX. Es un encuentro
de “civilizaciones” entre aquella que aun no termina de terminar,
y otra que aun no termina de nacer, es decir, entre propuestas di-
rectamente asociadas al modelo europeo de conocimiento y saber.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 79
Una directamente ligada a ella y otra más tamizada, de matiz criolla,
buscando, desde el territorio, expresar sus opiniones sobre el modelo
a implementar que, aunque exprese una oposición política al dominio
del imperio, declara su admiración como modelo único y universal
en el campo de las ideas y del pensamiento. Cecilio Báez y Juan E.
O’Leary, son expresiones de un mismo proceso, de una misma diná-
mica colonial que ha dejado sus profundas huellas en el imaginario
social paraguayo. A pesar del mal de ojo conservador y excluyente de
ambas posturas, existe una cura social para dichos entendimientos y
argumentos. Solo que no lo impulsan, pues sus miradas son profun-
damente elitistas y eurocéntricas, no diversas y plurales.

La polémica y su desarrollo

La discusión entablada entre Cecilio Báez y Juan E. O’Leary,


a finales de 1902 y comienzos del año siguiente, expresa y representa,
en realidad, el eco social y político que, de alguna manera, ya venía
gestándose desde el momento mismo de finalización de la guerra de
la Triple Alianza en 1870. El fin de la guerra significaba el ocaso de
una etapa y modelo en la historia política paraguaya, y la emergencia
de otro; este último con el estigma de haber sido conquistado en los
campos de batalla, es decir, por la fuerza e imposición de las armas.
¿Mayor fuerza y legitimidad al proceso? Es posible, pero no por ello
menos cuestionable, o sustentable, por uno u otro sector en conflicto,
y cuyas repercusiones se escucharán años más tarde en el periodismo
de inicios del siglo XX paraguayo.
Lo que sigue a continuación es un intento por reconstruir el
momento discursivo desarrollado en los medios impresos acerca de
varios temas que estaban, en esos momentos, agitando la aún pequeña
sociedad asuncena, y paraguaya, en proceso de reconstitución insti-
tucional, asimismo de reconfiguración de sus principales expresiones
simbólicas, siempre desde la propuesta de sectores hegemónicos. De
esta manera, temas como la tiranía, educación y enseñanza, heroísmo,
etc., todos ellos asociados a posturas en relación a la Primera Republica
paraguaya (1811-1870); sobre el patriotismo, juicios y posturas sobre

80
los gobernantes anteriores como José Gaspar Rodríguez de Francia
(1813-1840), Carlos Antonio López (1841-1862) y Francisco Solano
López (1862-1870); acerca del cotidiano, de la vida y costumbres
durante estos años, y otros, inclusive anteriores como la revolu-
ción comunera en el siglo XVIII, el proceso colonial en Paraguay,
y tantos temas más, invadieron las páginas de los diarios asuncenos –
El Cívico y La Patria. Desde estos medios, dos intelectuales y periodis-
tas, llenaron sus hojas, “entusiasmaron” a sus lectores, defendieron y
argumentaron sus posturas políticas, teóricas y pasionales, en relación
a los varios temas en disputa.
Uno de los temas que emerge claramente es aquel relacionado
a la nación, y al nacionalismo que se sitúa a partir del mismo.
El país – luego de una larga y tormentosa guerra de la cual sale derro-
tado-, está siendo reconstruido, reelaborado, rediseñado, imaginado
e inventado a lo largo de los textos periodísticos publicados en ese
tiempo, entre otros espacios. Y con ello surgen nuevos entendimientos
de nación, desarrollados por ambos periodistas-intelectuales, en el
sentido expresado más arriba.
Los años posteriores a la guerra implican, por su vez, la recupe-
ración del prestigio y fortuna de las familias perseguidas por López.
Se establece un corte y diferenciación entre la emergencia de una
nueva clase dirigente, surgida de los escombros del ejército de López.
Varios de los mismos estrechos colaboradores del ex presidente y
aquellas familias que, en oposición a López, buscaban recuperar su
antiguo protagonismo político y económico. El arribismo y oportunis-
mo de los primeros – la incorporación de gran parte de tierras fiscales
a su peculio personal partir de los ’80 del siglo XIX – y el sectarismo
y las aún no cicatrizadas heridas de los segundos, conviven en la
sociedad paraguaya hasta bien entrado el siglo XX. En este contexto,
cualquier crítica o cuestionamiento a los López –o su defensa intran-
sigente– despertaba en la sociedad airadas reacciones.
Esta situación puede ilustrar el estado de ánimo existente en la
sociedad paraguaya a inicios del siglo XX, en relación al tema de
la Primera República, específicamente aquél relacionado al gobierno
de Francisco Solano y a la Guerra de la Triple Alianza. Estos elementos

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 81
constituyen, sin duda alguna, los inicios del proceso de reconstrucción
de una idea de nación, asimismo de construcción de un imaginario
social en torno a estos personajes de la historia paraguaya. La nación
comienza a ser reconfigurada a partir de la discusión de la práctica
social de sus héroes y villanos; o por lo menos de una parte de los
mismos, sus sectores dirigentes: es una proyección de la matriz colo-
nial en los sectores dominantes de la sociedad paraguaya.

Báez y O’Leary, expresión de dos posturas


y modelos históricos próximos

Cecilio Báez, nace el 1º de febrero de 1862 en Asunción. A los


25 años contrae matrimonio con María Marcelina Allende, de padre
español. Inició sus estudios secundarios en el Colegio Nacional en 1878.
En 1881, obtiene el título de agrimensor, graduándose en la primera
remesa de este colegio en 1882. El 15 de julio de 1893, la Universidad
Nacional de Asunción expide los tres primeros diplomas de doctor
en derecho y ciencias sociales, siendo Báez el primero en recibirlo,
entonces con 31 años, siendo decano de dicha facultad el español
Ramón Zubizarreta. En 1896 es designado profesor de la asignatura
Revista de la Historia, y en el año 1900 asume la cátedra de Sociología,
ambas en la Facultad de Derecho. Fue uno de los fundadores del
Centro Democrático, más tarde Partido Liberal, el 10 de julio de
1887. Fue diplomático, diputado y senador por el Partido Liberal, y
en diciembre de 1905, el Parlamento lo designa presidente provisional
de la República entregando este cargo al año siguiente. Fue decano
de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales y rector emérito de la
Universidad Nacional de Asunción. Al tiempo del inicio de la polémica,
contaba con 42 años de edad, y era presidente del entonces Partido
Liberal Radical. Muere en Asunción el 18 de junio de 1941.
Juan Emiliano O’Leary, por su parte, nace en Asunción el 12 de
junio de 1879. Al contrario de Báez a la fecha de la polémica, O’Leary
era un joven de apenas 23 años; “su maestro”, al decir del mismo,
le doblaba en edad. Desde muy joven, y siendo alumno del Colegio
Nacional – del cual años más tarde sería su director – , comienza su

82
trayectoria en las letras y también inicia su actividad en el periodismo,
siendo redactor del diario La Prensa. Posteriormente, y bajo la direcci-
ón de Enrique Solano López3, fue redactor de La Patria, periódico en
el cual ejerció, durante un corto período, su dirección. Se inscribe en
la Facultad de Derecho, que abandona debido a su intensa actividad
periodística. Proviene, por vía materna, de una familia duramente
castigada por la dictadura francista – su abuelo estuvo muchos años
preso en las cárceles de Francia – , asimismo por los López. Su madre
fue destinada, es decir, perteneció al grupo de mujeres a las cuales
Francisco Solano “destinó”, o sea, las confinó a determinados pueblos
del interior del país obligándolas a pasar todo tipo de sufrimientos
y penurias, dada la oposición a su gobierno4. Este hecho, sin em-
bargo, no impidió que, de crítico a López, emprendiera una de las
más grandes y amplias campañas que la historia de las ideas y del
periodismo registra en el país. Reivindicaba a López no solamente
del ostracismo y del estigma de “traidor” que los vencedores de la
guerra lo impusieron, sino también reivindicaba cada uno de los distin-
tos aspectos sociales, políticos y económicos de la Primera República
paraguaya (1811-1870). Fue docente en el Colegio Nacional y también
diplomático. Inicialmente simpatizante del liberalismo paraguayo,
se integró luego a las filas de la Asociación Nacional Republicana,
Partido Colorado, permaneciendo en la misma hasta el fin de sus días.
Su libro, El centauro de Ybycuí (1929), da continuidad a uno de las

3 Hijo de Francisco Solano López, quien regresa al Paraguay a comienzos


de los ’90 del siglo XIX e inicia la reivindicación de su padre.
4 Lamentablemente la historiografía oficial paraguaya registra solamente
al grupo de mujeres denominadas residentas, que acompañaron al ejército
de López hasta su derrota y muerte en Cerro Corá. Todos los homenajes
oficiales y semi oficiales se orientan a recordar y homenajear a este grupo
de mujeres, en función al discurso oficial de sacrificio, esfuerzo, entrega a
la patria, reconstructoras del país, etc. Las destinadas, esposas y madres de
opositores a López – o “desertores” según el propio Mariscal – están ausentes
de la historia oficial – a pesar de haber participado también en gran parte de
las tareas desarrolladas por las residentas – , inclusive para el movimiento
feminista paraguayo.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 83
grandes construcciones historiográficas, al denominar al fundador del
Partico Colorado, General Bernardino Caballero, como el primer re-
constructor del país. De esto a Stroessner, como segundo reconstructor,
es un solo paso; O’Leary lo da. Muere en Asunción el 31 de octubre
de 1969, y la dictadura de Stroessner le rinde homenaje como “héroe
nacional”. Con “justicia”, pues gran parte del imaginario social en
relación a la guerra de la Triple Alianza – sus héroes y villanos –,
asimismo la reivindicación del stronismo, como continuador de las
“glorias pasadas”, se implementa a partir de las ideas construidas
y desarrolladas por este escritor.

Esquema propuesto

Para el estudio de los textos periodísticos de Báez y O’Leary seguí


el siguiente esquema: separé en cada uno de los autores los temas
en los cuales estaban presentes las grandes ideas y argumentaciones
acerca de los gobiernos y sus resultados, durante la Primera República
paraguaya. Al mismo tiempo efectué un cruzamiento, entre los temas
levantados a partir de cada autor, aquellos comunes y su tratamiento.
O’Leary comienza a firmar sus artículos de esta serie bajo el pseu-
dónimo de Pompeyo González, desde el jueves 20 de noviembre de
1902, y lo publica bajo el título de El Cretinismo paraguayo. Báez, por
su parte, el sábado 18 de octubre publica su primera entrega de la serie
La Educación, Las pruebas del cretinismo, a la cual O’Leary se refiere en
su entrega del jueves 20 de noviembre. Un mes de diferencia entre el
primer artículo de Báez sobre La Educación, y el primero de la serie de
Juan E. O’Leary, también firmado bajo el nome de plume de Pompeyo
González. Si se acompaña la serie El cretinismo paraguayo, firmada
por Pompeyo González, se tiene un total de 35 entregas, publicadas
desde el 20 de noviembre de 1902, hasta el mes de febrero de 1903.
Báez, por su parte, es mucho menos prolífico en este sentido. Tiene
un total de 24 entregas sobre temas distintos relacionados de alguna
forma a la Primera República, en el mismo periodo.
En líneas generales Juan E. O’Leary acompaña el siguiente esque-
ma o secuencia en sus textos:

84
• Los primeros son, en general, sumamente retóricos de refu-
tación sobre aspectos generales del cretinismo. Luego, pasa a
analizar las ideas de Báez sobre Francia, comenzando el 22
de noviembre, en el tercer artículo de la serie, y terminando
en el séptimo artículo, el sábado 29 de noviembre, con una
última referencia.
• A fines de noviembre “termina” de estudiar el tema del gobier-
no de Rodríguez de Francia, y comienza el tratamiento de la
revolución de los comuneros. El primero de la serie es del día
viernes 28 de noviembre, sexto artículo de la serie, y el último
el sábado 29 de noviembre, séptimo de la serie. Es decir, de-
dica dos artículos al tema de la Revolución de los Comuneros.
• Luego de la Revolución de los Comuneros, O’Leary comienza
a desarrollar aspectos sobre España – desde el 1º de diciem-
bre – y las “luces”, es decir, la importancia de España durante
algunos siglos, y su siglo de oro, hasta el jueves 4 de diciembre
(dos artículos).
• Desde el viernes 5 de diciembre se inicia el estudio del gobierno
de Carlos Antonio López. Para este estudio O´Leary se basa
en varias obras sobre la guerra. El último es del lunes 12 de
enero de 1903, el número 25 de la serie. Según O’Leary “En
diez y seis artículos hemos refutado las pruebas del cretinismo
paraguayo de la época del primer presidente”.
• Desde el martes 13 de enero, artículo 26 de la serie, comien-
za el tema de la guerra de la Triple Alianza, y Francisco
Solano López.
• Desde el miércoles 14 de enero, número 27 de la serie, O’Leary
comienza a desarrollar las “causas de la guerra”, la política
de Francisco Solano, hasta el 10 de febrero, que corresponde
al artículo 35 de la serie.
• Dos manifestaciones. Una a favor de Báez: el 30 de noviem-
bre. El Cívico da cuenta de la misma en su edición del día 1º
de diciembre de 1902. Otra manifestación a favor de O’Leary,
el 4 de enero de 1903. La Patria informa de la misma en su
edición del día 5 de enero.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 85
Por otro lado, Cecilio Báez acompaña, de manera aproximada el
siguiente esquema:
• Se puede datar el inicio de esta serie de artículos el sábado 18
de octubre de 1902. Comienza con La Educación. Las pruebas
del cretinismo.
• Luego va desarrollando su argumentación, en el sentido de
la educación jesuítica, y con esto sustenta que la falta de edu-
cación preparó a los paraguayos para la tiranía.
• El 21 de octubre continúa con los tiempos de la colonia y la
revolución comunera. Analiza el período del tirano Rodríguez
de Francia, el 20 de octubre y continúa el 21 de octubre.
• La educación tiempos del viejo López, los congresos, y otros
temas de la tiranía, los presenta el miércoles 22 de octubre.
• El viernes 24 de octubre presenta una introducción general
sobre la tiranía, apoyándose en un estudio sobre el autorita-
rismo en España e Inglaterra; luego continúa estudiando los
años de la tiranía de Carlos Antonio (1841-1861).
• El jueves 26 de octubre escribe sobre los años de Carlos
Antonio López y el “carácter de la tiranía”.
• En noviembre escribe sobre “El desenlace de la tiranía”, es
decir, ya estudiando los años de Francisco Solano López.
Acompañan a los textos de Báez publicados en El Cívico, declara-
ciones de ex soldados, prisioneros y personas próximas a Francisco
Solano, tomadas por las tropas brasileras de ocupación en Asunción
durante el año 1870, de manera a reforzar la argumentación de Báez
sobre la tiranía en Paraguay.

Contenidos de la polémica

De los distintos temas desarrollados durante la polémica, he


seleccionado los siguientes:

1. Sobre la tiranía
La discusión sobre la tiranía se introduce “oficialmente” a partir
del Manifiesto del Gobierno Provisorio, el 10 de setiembre de 1869.

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Este gobierno, conformado y alentado por las tropas aliadas que en ese
momento ocupaban Asunción, se pronuncia con un documento explica-
tivo de sus antecedentes y su misión. Una parte importante del mismo
está destinada a “los tiranos de nuestra patria”, asimismo a la tiranía,

Los tiranos de nuestra patria, ávidos del poder, celosos de toda liber-
tad: temblando a la menor idea de la garantía individual, desconfiando
del ejercicio del más insignificante derecho, elevaron al rango de
legislación, inicuos principios y monstruosos caprichos estigmatizados
por la moral y la civilización. En el afán de dominarlo todo, todo lo
rebajaron, hasta reducir al pueblo a la más abyecta condición… El
sistema bárbaro de la esclavitud, fue, en vez de abolido, afianzado
en toda su horrible condición. Por este medio no quedó libertad que
no fuese suprimida; no quedó derecho que no fuese atropellado; no
quedó garantía que no fuese destruida ni santuario que no fuese
violado (Manifiesto del Gobierno Provisorio, 10 de setiembre, 1869).

En mayo de 1870, el gobierno provisorio emite un decreto –anula-


do en 1936 bajo la presidencia del Coronel Rafael Franco– en el cual
declara a López traidor a la patria y confisca todos sus bienes (FREIRE
ESTEVES, 1996). En el primer artículo de la serie La Educación. Las
pruebas del Cretinismo, Báez sostiene con relación a los gobiernos
tiránicos que

el pueblo vivió pues en la ignorancia más profunda, tanto en los


dramáticos tiempos del coloniaje, como en los muy trágicos de los
dictadores nacionales. Segregado del mundo civilizado por la triple
barrera de los grandes desiertos territoriales, de la ignorancia de la
lengua castellana y del sistema teocrático-político, implantado por las
misiones católicas y por los gobiernos dictatoriales, el pueblo para-
guayo ha llegado a ser el más pobre, el más ignorante y el mas incapaz
para la vida democrática (BÁEZ, en El Cívico, 18 de octubre, 1902).

En relación a los efectos de la tiranía señalaba:

El tirano se complace en humillar y envilecer a sus súbditos, en todas


partes y en todos los tiempos. Inglaterra, la tierra de las instituciones
libres, ofrece ejemplos abundantes de ello. Bajo el reinado de los

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 87
Plantagenets, los Tudors y los Estuardos que eran príncipes crueles
– los súbditos eran obligados a llevar, como los perros, collares de-
gradantes. El tirano siente satisfacción cuando rebaja a los hombres.
El doctor Francia se ensañaba principalmente en las clases princi-
pales. Carlos Antonio López humillaba a todo el mundo. Francia y
López acapararon en sus manos todos los poderes. El primero se hizo
jefe de la iglesia, y el segundo estuvo a punto de imitarle.” (BÁEZ,
en El Cívico, 24 de octubre, 1902)

Para Báez, todos los gobiernos de la Primera República, es decir,


previos a la guerra de la Tiple Alianza (1864-1870) pueden ser en-
cuadrados dentro de esta caracterización. Todos estos gobernantes
fueron tiranos. Son 54 años, desde la proclamación de Rodríguez
de Francia como Supremo Dictador en 1816, hasta 1870, cuando, a
la muerte de Solano López, concluye esta etapa, abriéndose el país
a las instituciones de la “democracia tradicional”. Al mismo tiempo
construye diversos modelos y desarrolla varios ejemplos en térmi-
nos históricos, de manera a, comparativamente, situar la tiranía en
Paraguay, en el contexto de aquellas que se desarrollan en Europa.
Rodríguez de Francia, Carlos Antonio López y Francisco Solano, expre-
san y representan estereotipos en términos de tiranía. No constituyen
fenómenos aislados. La tiranía es un fenómeno que emerge dada la
falta de instrucción del pueblo.
O’Leary, por su parte, responde cada palabra, cada línea, cada párra-
fo y cada entrega de Báez, de manera sumamente puntillosa. Al contrario
de su contrincante, O’Leary apunta directamente y se refiere a Báez en
todos sus artículos. Inclusive, al tomar Cecilio Báez los grandes temas
como La Educación –y en este contexto desarrollar diferentes aspectos
sobre la tiranía de Francia y de los López– pareciera que se dirige a
una ciudadanía indiferenciada, a todo los habitantes del país, lectores
del periódico. O’Leary, por su parte, especifica, apunta, orienta todo y
cada uno de sus artículos a deconstruir los textos de Báez, citándolo
y refutando palabra por palabra las argumentaciones “del maestro”.

Con dolor y con vergüenza como paraguayo, he leído los insultos


lanzados a la faz de mi patria, en forma de deshilvanados estudios

88
históricos por el doctor Cecilio Báez, compatriota mío y antiguo
defensor del doctor Francia, justificador del despotismo en nuestra
historia, y enemigo tenaz, implacable, encarnizado de la República
Argentina y del General Mitre. (O’LEARY, en La Patria, 20 de no-
viembre, 1902. Edición vespertina)

Los artículos de O’Leary se inician, todos ellos, con un texto de


Báez de manera a destacar qué es lo que se está discutiendo. El texto
de Báez, al cual hace referencia Pompeyo González en cada entrega,
es el siguiente:

“EL PARAGUAY ES UN PAIS CRETINIZADO por secular


despotismo y desmoralizado por treinta años de mal gobierno.
………………. “Y he aquí que el pueblo SIGUE SIENDO
semejante a un cretino, a un ser sin voluntad ni
discernimiento.”

En su primer artículo, O’Leary ya preanuncia lo que serían sus


entregas. Este autor separa y diferencia la patria nueva, aquella
surgida de los escombros de la guerra, de la de los gobiernos de la
Primera República. Frente a esta patria nueva –la juventud– levanta
y construye, simbólica y textualmente en el discurso periodístico, la
patria vieja, la patria del sufrimiento, de las grandezas y de la gloria.
La Primera República paraguaya renace, en las palabras y en el texto
de Juan E. O’Leary, desde sus escombros, para levantar vuelo:

La providencia no quiso que fuera testigo de aquel gran incendio que


devoró nuestra pesada grandeza y redujo a polvo la suprema energía
de nuestra viril nacionalidad; no quiso que contemplara, siquiera sea
en los brazos de mi madre, el cuadro de sangre de aquella guerra cruel
e inhumana en que el propio hermano nos asesinara, cediendo a los
bajos sentimientos de una ambición desmedida, tan grande como su
propio crimen; pero me ha cabido la desgracia de presenciar, treinta
años después, algo más repugnante, algo que más que justamente
subleva mis sentimientos de hijo de esta tierra; he visto a la patria
nueva – la juventud – insultada, escarnecida; y he visto a la patria
vieja, a la patria del sufrimiento, de las grandezas y de la gloria,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 89
brutalmente abofeteada, y escupida sin compasión”. (O’LEARY,
en La Patria, 20 de noviembre, 1902. Edición vespertina)

A continuación emprende la justificativa, señala el por qué de


emprender esta defensa, y con ello trata de seducir al lector ,

Y ya que ningún paraguayo levanta su voz – no en defensa de sus


tiranos como ayer hiciera el doctor Báez – en defensa de nuestra
nacionalidad, en defensa de sus grandezas históricas y en nombre de
su honor mancillado, hablaré yo, para que mañana las generaciones
que nos sucedan no sientan por nosotros tan profundo desprecio,
para que los extranjeros que lean todo cuanto un paraguayo dice en
su país, puedan leer también, la protesta, a menos generosa, de un
humilde paraguayo, que si nunca escribió versículos brillantes entre
las bayonetas de los regimientos argentinos, como cierto escritor
nacional, que por sus propagandas patrióticas mereció de los diarios
porteños el título de “partidario del látigo y panegirista de los tiranos”,
al menos tiene la entereza de juzgar los acontecimientos de nuestra
historia con criterio propio, desafiando la ira de los descendientes de
los que nos dieron la Constitución e hicieron la felicidad de la patria”.
(O’LEARY, en La Patria, 20 de noviembre, 1902. Edición vespertina)

Cuando Báez emprende un estudio comparado de la tiranía,


O’Leary contra argumenta de manera lapidaria,

Pero, me preguntareis, querido lector: ¿a qué viene todo esto en los


artículos sobre el cretinismo paraguayo? Oh! la razón es muy podero-
sa! No se trata de caer por caer a España, como no se trata de hacer
lujo de una erudición tan basta como indigesta.

Báez es un escritor de grandes arranques. Para probar que el pueblo


paraguayo ERA y ES imbécil se vio obligado a arrancar su estudio
de las causas productoras de este fenómeno sociológico. Los efectos
se estudian en sus causas. Probado, como probó, que España en
el siglo XVII, era cretina, pudo ya deducir, lógicamente, que lo era
el Paraguay, por aquello de que “de tal palo tal astilla.”…Pinta al
pueblo español como el más cretino de Europa, y poco después dice
que en Inglaterra, “la tierra da las instituciones libres” el pueblo, bajo

90
los Estuardos, “se veía obligado a llevar al cuello, como los perros,
collares degradantes. (O’LEARY, La Patria, 29 de noviembre, 1902.
Edición vespertina)

Declara enfáticamente que no defiende a Solano López, que solo


defiende la causa del pueblo y la dignidad de los paraguayos. Desafía a
Báez a sostener lo contrario, sin que el mismo apele “al insulto soez y
canallesco”. Ante las acusaciones de Báez de que los lopiztas – nunca
identifica a Pompeyo González individualmente – defienden la tiranía
y los gobiernos despóticos de la Primera República, O’Leary, en una
respuesta sumamente emotiva, señala

Tengo una madre anciana que todos los días me enseña los san-
grientos rastros de la bárbara tortura, y con lágrimas en los ojos me
cuenta la horrible historia de su infortunio. Ella me crió en el odio
a los tiranos. En mi hogar aprendí a amar la libertad y a aborrecer
el despotismo. Su padre envejecido en las prisiones del dictador: su
madre muerta de miseria en la peregrinación; sus hermanos fusila-
dos; sus hijos muertos de hambre en las soledades del destierro…….
Todos cruzaron mil veces ante mis ojos, respondiendo a la solemne
evocación de mi madre! En el pecho materno me nutrí en ese odio
santo a la tiranía. Pero también en el regazo de mi madre aprendí a
amar a mi país y a admirar, con religioso respeto, las grandezas de su
pasado. La que por traidora había comido el amargo pan del destierro
y había apurado el cáliz de todas las amarguras educó en el culto al
heroísmo, en el amor a la gloria y en el desprecio a la traición que
le subleva! Si sois hijos, si amáis a vuestra madre, decidme si puedo
yo defender a los tiranos. Si pretendiera glorificar al Mariscal López,
antes tendría que pisotear el corazón de mi madre. Es preciso que
sepa el pueblo que nadie acusa ni defiende a los tiranos. El doctor
Báez ataca a los déspotas para probarnos la inconsciencia de nuestro
pueblo, para negarle todo derecho a la gloria que solo alcanza con
voluntad y discernimiento… En esta discusión no juegan ningún papel
los tiranos…Yo defiendo a mi patria, yo defiendo su dignidad, con el
mismo entusiasmo con que maldigo a sus tiranos.
(O’LEARY, La Patria, 23 de diciembre, 1902. Edición de la tarde)

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 91
Como se puede observar, dos modelos políticos y sociales “seme-
jantes” se enfrentan en cada uno de estos escritores. Ambos empren-
den una estrategia narrativa distinta, la defensa de una determinada
idea y forma de gobierno. Ambos defienden un determinado modelo
político que intentan insertar e impulsar como un nuevo referente en
el imaginario social de sus lectores. O’Leary defendiendo a la patria
vieja, ante las acusaciones de Báez en contra de la misma; Báez de-
fendiendo a la patria nueva, que surge de la derrota política y militar
de la patria vieja. La tiranía es condenada por ambos, siendo O’Leary
quien a pesar de condenarla, rescata el carácter histórico de Francia
y de los López, a pesar de ser tiranos.

2. Sobre la educación
Cecilio Báez abre la serie con un texto en el cual presenta, en ge-
neral, el desarrollo de la educación en el país desde la colonia hasta la
independencia. Sostiene que Paraguay ha sido uno de los países más
atrasados de América. Cuestiona duramente – como buen liberal y
anticlerical – la educación jesuítica al cual estuvo sometida una parte
de la Provincia durante la colonia:

Los jesuitas, los fundadores de las Misiones, habían constituido una


República independiente con las reducciones de los indios. Cada
reducción tenía su escuela; pero no concurrían a ella sino un corto
número de niños o jóvenes, los destinados al servicio del culto o a
desempeñar algunos cargos concejiles. Aprendían a leer y escribir
en guaraní y a contar. Leían también el latín y el castellano, pero
sin entenderlo. Les estaba prohibido en absoluto aprender la lengua
española, por el temor que abrigaban los misioneros de que la raza
nueva se comunicase con la antigua. De esta suerte el guaraní ha
llegado a ser la lengua generalmente hablada en el país, y se sustraía
el pueblo a la comunión de los pueblos civilizados, preparando el
sistema de aislamiento del doctor Francia. Con el fin de formar un
clero indígena, estos evangelizadores crearon también una cátedra
de teología moral y casuística.
(BAEZ, en El Cívico, 18 de octubre, 1902)

92
Para Báez, la situación no tuvo mejorías con el advenimiento de
la independencia,

El dictador Francia no se ocupó de escuelas; y las que existían en su


época, se hallaban en el más completo abandono….en ellas el único
libro en uso era el catecismo y que seguía, sin sospecharse, el método
de Lancaster, según el cual los niños de más edad enseñaban a los
de menos edad. Los alumnos carecían de papel, y garabateaban con
la ayuda de un punzón de hueso o madera sobre tablillas enceradas.
(BAEZ, en El Cívico, 18 de octubre, 1902)

Finalmente, durante el gobierno del viejo López (1841-1862), el


proceso educativo continuó acompañando la situación heredada de
la larga dictadura de Francia.

La instrucción pública no fue mejor atendida en la presidencia de don


Carlos Antonio López. Existían escuelas, es cierto, pero la enseñanza
que en ellas se daba era tan miserable que no es cosa de mentarse
seriamente. El Colegio dirigido por Bermejo admitía a muy pocos
alumnos, generalmente designados por el mismo dictador. Estos
aprendieron algunas nociones de retórica y de teología moral, pero
no se les enseñaba ni los rudimentos de la ciencia política. Agréguese
a esto que jamás hubo escuelas para las niñas. (BAEZ, en El Cívico,
18 de octubre, 1902)

Para Báez, recién después de 1870, con la derrota a manos del


ejército de la Triple Alianza, Paraguay llega a incorporarse al movi-
miento de los pueblos civilizados, y “tiene escuela de verdad, donde el
individuo ilustra su espíritu y adquiere consciencia de su personalidad,
que antes no la tenía”. Sin embargo aún se está lejos de lo ideal, de
manera a elevar la “condición moral del pueblo”. La simple instruc-
ción primaria, escribe Báez, no es suficiente “para formar ciudadanos
consientes, individuos que no poseen el español viven incomunicados
de las ciudades o centros urbanos, y ni leen siquiera los periódicos”.
La reacción de Pompeyo González es rápida y contundente.
Enfrenta al maestro, lo cuestiona y, muchas veces, ironiza las argu-
mentaciones levantada por Báez cuando analiza la educación en el país

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 93
a lo largo de los años. Para O’Leary una cosa es clara: la educación
no es la única explicación del despotismo:

El doctor Báez lo sabe mejor que yo: la educación, como dice él, no
es la única explicación del despotismo. Por eso buscaba, hace once
años, otra explicación a nuestras tiranías. Lo de la educación fue un
pretexto para descargar su ira sobre los hijos de Solano López, como
si estos tuvieran la culpa de las maldades de sus padres. (O’LEARY,
en La Patria 21 de noviembre, 1902)

O’Leary señala que los artículos de Báez sobre la educación tienen


una muy sencilla explicación: “Son los últimos esfuerzos por tenerse
de pie, del palacio encantado que se desmorona.” A continuación,
arremete contra las apreciaciones de Báez en relación a España:

Es ya una costumbre arraigada, profundamente, la de aprovecharse de


cualquier coyuntura para enrostrarle a la madre patria su ignorancia,
su despotismo y su iniquidad en el pasado. En los días patrios los
oradores dedican gran parte de su resuello oratorio a España, por el
crimen incalificable de habernos arrebatado a la barbarie, de haber
derramado en nuestra alma la hermosa luz de la verdad cristiana, de
habernos incorporado a la civilización, y de habernos dejado libres,
con una patria sobre la tierra, sin verter una sola gota de sangre.
(O’LEARY, en La Patria 1 de diciembre, 1902)

Enfrenta a Báez en el tema de la educación en España, al iro-


nizar que éste juzga a ese país precisamente en su Siglo de Oro,
juzga a la España de Quevedo y Lope de Vega. Según O’Leary, Báez
presenta el “lúgubre cuadro de su ignorancia, de su imbecilidad, en
una palabra, de su cretinismo en aquel siglo en que alumbraba al
mundo por el prodigioso número de sus hombres de ciencia, de sus
escritores y de sus artistas.” Pompeyo González sostiene que Báez
pinta al pueblo español como el más cretino de Europa, atribuyendo
a este pueblo todos los errores y todos los infortunios de su tiempo.
Para O’Leary, los siglos XVI y XVII se dan la mano en la historia de
la cultura española, y aquella época que para Báez fueron épocas de
oscuridad y barbarie, fue precisamente la de los más grandes filósofos

94
españoles, de sus hombres de genio como Lope de Vega y otros tan-
tos. Sostiene que no se tratan de espíritus vulgares sino de hombres
superiores, cuyo talento es mil veces más grande de los que hablan
del embrutecimiento español de aquellos días, refiriéndose al propio
Cecilio Báez. Mientras que para éste la educación es el proceso que
alejará al pueblo de la tiranía, y que su ausencia es la primera causa
de la existencia de aquella, para O’Leary la situación no es tan simple
como aparentemente lo presenta el primero. Ante las acusaciones de
Cecilio Báez de que durante los años de los López éstos continuaron
el sistema de Francia, es decir, invirtieron muy poco en la instrucci-
ón pública, O’Leary sostiene lo contrario y enfrenta decididamente
al primero con “vastas pruebas documentales”.

3. Sobre el patriotismo, soldados y héroes


En este tema, es nuevamente Cecilio Báez quien abre la discusión
y, al hacerlo, remueve viejas heridas aun en proceso de cicatrización:

El honor del ejército es la cosa más grave en un país civilizado y altivo.


Considérese la tempestad que se ha levantado en Francia con motivo
de averiguarse si el capitán Dreyfus era o no traidor, o sencillamente,
si por su conducta era o no digno de pertenecer al ejército. Pero en
un país embrutecido como el Paraguay, nadie se cuidaba de eso. Los
oficiales, al suscribir declaraciones indignas del ciudadano y del mili-
tar, revelaban no poseer el sentimiento del honor, por causa del brutal
despotismo, por efecto del terror que acobardaba a todo el mundo.
Por eso mismo, los padres maldecían a sus hijos, las esposas de sus
maridos caídos en desgracia, y bendecían al verdugo implacable de
su pueblo (BAEZ, en El Cívico, 24 de octubre, 1902).

De manera que quede claro las intenciones en sus escritos,


Báez sostiene que sus argumentaciones no son de odio contra
las personas, tampoco obedecen a fines políticos. Los artículos,
aclara, responden a la necesidad de una “regeneración moral del
pueblo paraguayo”, tan envilecido y tan vejado por sus tiránicos
gobernantes. Cuando entra a estudiar la constitución del “alma
paraguaya”, Báez apunta:

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 95
El alma paraguaya es un alma helada por el terror; es un alma donde
no ha podido brotar la flor de la poesía, porque carece de pasión,
porque le ha insensibilizado el espectáculo del crimen. Aun durante
la guerra, la época de las violentas emociones, no surgió un poeta
para inflamar el valor del guerrero. Los pueblos bárbaros de la
Escandinavia han dejado sus cantos épicos, porque han tenido sus
bardos y sus vates; pero el pueblo paraguayo no posee ni un canto
patriótico. Su himno nacional es la obra de un extranjero (BAEZ,
en El Cívico, 13 de enero, 1903).

El entendimiento de Juan E. O’Leary es totalmente distinto.


No solamente cuestiona cada palabra, cada línea escrita por Báez
sobre el tema, sino que construye un texto que se orienta a apoyar y
elevar el nivel moral, tan vilipendiado por Báez, y al mismo tiempo
a dar vuelos a sus acciones en bien de la patria:

Recorred, de un confín a otro, el mutilado suelo de la República,


y veréis que allí donde poseéis la planta encontrareis un recuerdo
de su heroísmo acrisolado en el martirio. Preguntad a los inmensos
pantanos del sud y a sus arroyos cristalinos, preguntad a las serranías
silenciosas y tristes como inmensos ataúdes, que cubren las regiones
del norte: todos en coro, el pantano, el arroyo y el monte, os narrarán
la historia de su sublime grandeza moral, el poema de sus infortunios,
de su agonía y de su hambre, sufridos sin protestar, por conservarnos
libre la patria donde nacimos!
(O’LEARY, en La Patria, 28 de noviembre, 1902)

A continuación comienza a citar las grandes batallas de la guer-


ra, en las cuales el ejército y sus soldados “se llenaron de gloria
y laureles”:

Id a interrogar a las cenizas de los que allí duermen: ellos se animaran


para iluminar con el recuerdo la noche tempestuosa del pasado. Pero
preparaos si no tenéis suficiente alma, seguid… la luz de tanta gloria
os fulminaría...La cordillera de Escurra os diría agitando su lengua
de piedra y estremeciéndose al conjuro de vuestra evocación: “Por
aquí también pasó. Formaba una columna de inválidos, de ancianos

96
y de niños. No iba solo: las mujeres ayudaban a hacer rodar sobre mi
espalda los pesados cañones, en cuyas gargantas dormía el rayo de la
patria venganza...… ¡Todos iban! ….. los que no podían caminar se
hacían arrastrar….. y todos juntos seguían la marcha, preparándose
nuevamente para la lucha encarnizada, en que el chacal del Plata
disputaba al león de las selvas paraguayas.. nadie lloraba…… nadie
se quejaba…..¡Pobre raza huérfana!.... Pobre pueblo mártir!!!...
(O’LEARY, en La Patria, 28 de noviembre, 1902)

O’Leary incorpora al texto diversos momentos de la historia para-


guaya en el cual, para éste, es posible apreciar y valorar esa “valentía
y heroísmo” del común. Del mismo modo que el pueblo paraguayo
supo enfrentar momentos adversos, supo enfrentar al invasor durante
la guerra de la Triple Alianza, de igual manera ahora, en ese momento,
debe levantarse, debe expresar nuevamente su valentía enfrentando
a todos aquellos que tratan de negar su pasado:

Sagrado es el amor del hijo para la madre, divino el honor del pueblo,
la dignidad de la patria, el orgullo nacional. Las cuestiones históricas,
repetimos, tienen el privilegio de agitar vivamente el sentimiento
de los pueblos. Y ningún país tiene más derecho que el Paraguay
de conmoverse al conjuro de la historia. El pueblo turbulento del
coloniaje, el que paseó su indomable arrojo hasta los confines de
la Patagonia, el que fundó ciudades como Buenos Aires y estalló en
revoluciones como la de los comuneros de Asunción; el que sufrió
tiranías como la de Francia y desplegó heroísmos como el que des-
plegó en la guerra, tiene derecho a despertar, cuando alguien penetra
en ese templo donde duerme su pasado... (O’LEARY, en La Patria,
4 de diciembre, 1902)

En los párrafos presentados, he tratado de mostrar otro de los


aspectos desarrollados por estos dos intelectuales a lo largo de su
polémica. El patriotismo está estrechamente vinculado, para ambos
escritores, a acciones que los ocasionales gobernantes emprenden de
manera a orientar sabia e inteligentemente al pueblo en un momento
dado de la historia. Si bien ambos autores construyen sus estrategias
narrativas partiendo de la historia paraguaya, inclusive antes de la

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 97
independencia, el punto culminante, el punto en el cual entregan
toda su potencialidad al texto, es cuando comienzan a estudiar este
proceso en el contexto de la guerra.
Es posible percibir que a partir de las estrategias narrativas que estos
escritores emprenden, emergen imaginarios y representaciones sociales,
asociados a uno u otro modelo o visión de país, asimismo a emocio-
nalidades también asociadas a las mismas. El texto de Cecilio Báez,
en lo que se refiere al patriotismo, a la valentía y heroísmo del pueblo
paraguayo, es sumamente duro, corto, inflexible, inclusive cáustico, bien
organizado y estructurado de forma a presentar sus argumentaciones.
Juan E. O’Leary, por su parte, a partir de su estrategia narrativa de vin-
cular el patriotismo, la valentía y los héroes de la patria a determinados
aspectos y situaciones de la guerra, no solamente invierte y desarrolla
argumentaciones que den prueba de sus afirmaciones, sino que, con un
texto claro y emotivo en cuanto a sus percepciones y visiones, lleva al
lector a un entendimiento sumamente diferente a los de Báez.

La contemporaneidad de estos imaginarios

Pero, y es necesario observar, esta experiencia en torno a la polé-


mica sobre nación no es única. A lo largo de la historia de Paraguay
existieron varios momentos en los cuales, desde los medios de
comunicación, desde el discurso del poder, desde las instituciones
del Estado, se establecieron situaciones semejantes a las señaladas
más arriba. Durante la dictadura de Stroessner (1954-1989), varios
medios de comuniación expresaban y construían representaciones e
imaginarios asociando el gobierno de la dictadura a diversos factores
de progreso y de democracia, inclusive como un gran protector de
los derechos humanos. De esta forma, no solamente para el discurso
del poder cualquier contestación a su estabilidad era cuestionada;
los medios también construían representaciones e imaginarios que
cristalizaban y estigmatizaban todo movimiento o persona opuesta a
la dictadura, como “sub-humano”, criminalizándolos.
Por otro lado, también fue durante el stronismo que se consolidó
el imaginario de nación a la medida de los intereses hegemónicos –sus

98
héroes y sus villanos. La dictadura retoma el imaginario construido por
Juan E. O’Leary – convertido en uno de sus ideólogos – y lo potencializa.
Stroessner es comparado con el Mcal. Francisco Solano López, como
héroe y reconstructor del país que, luego de varios años de inestabili-
dades y golpes de estado pasa, a partir de Stroessner, por un periodo
de gran estabilidad y progreso gracias a su gran gestión gubernativa.
Las ideas de O’Leary no solamente están por detrás de esta construcción
imaginaria, sino también detrás de los sectores dominantes interesados
en insistir en una construcción individual de la historia.
En los últimos años, uno de los momentos más significativos de
esa persistencia de imaginarios que aún continúan vivos, “pues no
estaban muertos”, hace referencia a la masacre de Curuguaty y su
desenlace, el golpe parlamentario contra el presidente Fernando Lugo,
en junio de 2012.
Desde los inicios del Gobierno Lugo, en 2008, una santa alianza
se hizo fuerte y comenzó su acción contraria a este proceso. Sectores
conservadores – políticos y empresarios – , medios de comunicación y
una parte de la jerarquía de la Iglesia Católica se unieron para denostar
y acusar a este Gobierno de prácticas no democráticas, y de defender
intereses de sectores radicalizados como campesinos, sectores empo-
brecidos, mujeres, indígenas y otros grupos de excluidos. Defendiendo
el modelo de “democracia occidental”, estos grupos declaraban
abiertamente su oposición a una práctica plural y participativa de
distintos sectores que componen la sociedad paraguaya. Asumiendo
el modelo de estado-nación colonial, sectores conservadores de la
sociedad paraguaya se unían de forma a combatir toda propuesta
de crítica e intento –aunque sumamente tibio– de desmontar parte
de ese aparato colonial. Cuando sucede la masacre de Curuguaty5

5 Se da el nombre de masacre de Curuguaty al enfrentamiento entre fuer-


zas policiales y campesinos que ocupaban tierras del Estado, que terminó
en la muerte de 11 campesinos y seis policías. Este hecho fue aprovechado
por sectores conservadores de Paraguay para instalar un juicio político en
el Parlamento a una semana de estos sucesos. En 24 horas, el Parlamento
termina destituyendo al entonces presidente Fernando Lugo.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 99
el 15 de junio de 2012, el discurso del poder, y también el discurso
desde el poder, crecen y tienen su desenlace en el golpe parlamentario
que destituye al entonces presidente Lugo. Los imaginarios y repre-
sentaciones que, durante los largos años de la dictadura stronista se
desarrollaron e insertaron en corazones y mentes de la población a
través de diversas estructuras como medios de comunicación, sistema
educativo, instituciones públicas, y otras, renacen y cobran nuevas
vidas. El discurso anti comunista, asimismo la crítica y exclusión de
sectores subalternos señalados más arriba, están a la orden del día
(Orue Pozzo, 2014, 2015). El discurso conservador asume el imaginario
construido a inicios del siglo XX, lo recontextualiza e imprime al mis-
mo un nuevo empuje. Es necesario oponerse a la invasión extranjera,
como lo hizo el Mcal. López el siglo pasado durante la Guerra de la
Triple Alianza. Así, el discurso del poder de políticos, instituciones
del Estado, medios de comunicación, de sectores conservadores en
general, se unen al unísono para oponerse a la nueva Triple Alianza,
al “socialismo del siglo XXI, encabezado por Fernando Lugo”, y apoya-
do por Argentina, Brasil y Uruguay. Es necesario extirpar de nuestra
tierra “la ideología extranjera del socialismo, de los izquierdistas, las
comunas campesinas”, etc., etc. evitando la “cubanización del país”.
Quienes defienden esta postura – sectores conservadores seducidos
por la ideología neoliberal-, olvidan que dicha postura teórica e ide-
ológica no es “genuina” de la región, ni mucho menos de Paraguay;
pero eso ya no importa.

Conclusión

Siempre es interesante recordar cómo y de qué manera las institu-


ciones coloniales, y luego aquellas que continúan durante el período
“independiente”, instituciones hegemónicas creadas por el Imperio,
construyen y moldean subjetividades entre sus miembros, sean éstas
en el orden ideológico y discursivo. Tanto Báez como O’Leary expresan
ambos una matriz colonial, defendiendo la construcción de la patria,
de la nación, bajo la conducción de sus sectores dominantes que ven
a Europa como el modelo a seguir. En momentos O’Leary defiende la

100
“primera modernidad”, la del sur, asociada a España e Italia, mientras
Báez la cuestiona, defendiendo la “segunda modernidad”, la del norte,
Francia, Alemania e Inglaterra.
El desarrollo de una violencia física sobre grupos subalternos en
Paraguay también implicó una “violencia epistémica e ideológica”
sobre dicha población, como bien lo señala Spivak (1998). Ambos
polemistas no consideran en momento alguno la presencia de secto-
res subalternos como las naciones indígenas, los afrodescendientes,
mujeres, etc., en el territorio. Expresan más bien la visión de una
matriz que piensa a estos sectores como inferiores, teniendo el modelo
Europeo como el faro a seguir. La modernidad es reforzada en esta
polémica, y la emergencia del estado nación en Paraguay está asocia-
do exclusivamente a sus sectores hegemónicos, excluyentes. A pesar
de constituirse en una de las grandes “polémicas intelectuales” en el
Paraguay de inicios del siglo XX, ella nada más es que la expresión
de una matriz de pensamiento colonial profundamente inserta en la
mentalidad de sus dirigentes. Es la colonialidad del poder y del saber
expresado en el texto.
Y cuando pensábamos que este entendimiento estaba en franco
retroceso, es decir, que la crítica a la misma se había diseminado a lo
largo y ancho del país, ésta renace y demuestra que los imaginarios
construidos a inicios del siglo XX – durante la polémica entre Juan
E. O’Leary y Cecilio Báez – , y que luego fueron reforzados a lo largo
de toda la dictadura de Stroessner, están aún vivos y bien “seguros”.
Cuando entre los años 2008-2012, sectores conservadores retoman
este discurso, nos demuestran que esos imaginarios continúan aún
válidos como ejes articuladores del discurso hegemónico dominante.
Y también nos demuestran que la crítica a ese proceso de construcción
de imaginario debe ser una de las tareas más urgentes a desarrollar
desde amplios sectores sociales, de forma a avanzar, si es posible,
hacia una deconstrucción radical de los héroes y villanos en la his-
toria paraguaya.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 101
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102
ESCLAVAS AFRICANAS Y SUS DESCENDIENTES
E N U N A S O C I E D A D C O L O N I A L:
EL CASO DE COSTA RICA

María de los Ángeles Acuña León

Costa Rica, situada en la América media o istmo centroameri-


cano, limita al norte con Nicaragua, al este con el mar Caribe, al
sureste con Panamá y al oeste con el océano Pacífico. Cruzada en
forma longitudinal por una cadena de montañas, prolongación del
eje volcánico de Centroamérica, las cordilleras de Guanacaste y
Central, otra cadena montañosa es la cordillera de Talamanca y los
Montes del Aguacate. Costa Rica tiene 1061 km. de costa sobre el
Pacífico y 112 km. sobre el Caribe.
En tiempos prehispánicos estaba habitada por diversos grupos
indígenas, organizados en cacicazgos, con influencia mesoamericana
en la región norte del territorio y con influencia Chibcha hacia el sur.
Cristóbal Colón llegó a su costa caribeña en su cuarto y último viaje, en
1502. Sin embargo, la penetración española al interior del territorio se
dará hasta la segunda mitad del siglo XVI. La provincia o gobernación
de Costa Rica, como parte de la Capitanía General de Guatemala, fue
establecida y delimitada por la corona en el siglo XVI bajo el reinado
de Felipe II (FONSECA, 1983, p. 28). “Los términos y jurisdicción de
la provincia de Costa Rica fueron: por la parte del Norte desde las
bocas del Río de San Juan hasta el Escudo de Veraguas del reino de
Tierra-Firme: por la parte del Sur, desde el río del Salto, hasta el río
de Boruca que también confina con Tierra Firme” (FERNÁNDEZ,
1976, p.398).

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 103
Costa Rica se mantendrá como una colonia marginal del imperio
español, que estará inmersa en la búsqueda de un producto que la
logre conectar al comercio peninsular, pues la provincia se encuentra
en la periferia de las grandes rutas marítimas. De ahí que durante
los siglos XVII y XVIII se inició el cultivo del cacao, en los valles de
Matina, en la costa Caribe de la provincia, como resultado de esa
búsqueda por un producto comercializable. A partir de esta activi-
dad la importación de esclavos y esclavas africanas a la provincia
tiene cierta significación y su presencia pronto será evidente tanto al
interior del país como en la capital, Cartago y en el litoral Pacífico,
en poblaciones como Esparza y Bagaces. Costa Rica surge como una
sociedad con esclavos y esclavas (BERLÍN, 1998, p.8).
Ya para mediados del siglo XVIII ante la declinación de la pro-
ducción y comercialización del cacao, los esclavos y las esclavas
permanecieron en la sociedad, empleados en un número importante
de actividades de producción y de servicio para sus amos. Se debe
destacar que a fines del siglo XVIII e inicios del siglo XIX, la mayoría
de la población esclava costarricense era mulata, en la que fue de sig-
nificación la presencia de las mujeres, de ahí la importancia de conocer
el universo social de las esclavas. Nos mueve por tanto el interés de
ampliar y completar el conocimiento sobre el papel de estas mujeres y
sus descendientes en la construcción de las sociedades coloniales en el
Reino de Guatemala, con el fin de seguir la pista a las rupturas y con-
tinuidades coloniales que perviven y trascienden los siglos coloniales.

Mujeres en el comercio de esclavos

América es la región donde la esclavitud se identifica con las


grandes plantaciones y el carácter extensivo de los cultivos tales como
azúcar, café, tabaco, arroz, algodón, oro y plata para comercializarlo
en el mercado. Igualmente es en América donde se da la manipulación
de raza como un medio de controlar la población esclava. Antes de la
esclavitud, ya existía un conjunto de valores en torno a lo blanco y lo
negro, pero no sería sino hasta que el modelo se trasladara a América
y al Golfo de Guinea cuando se crearía en el marco del mercado de

104
mano de obra esclava la imagen esclavo-africano, esclavo-negro, y
como consecuencia la población africana es reducida e identificada
de manera exclusiva con el término negro, y éste a su vez se asimila
al de esclavo. (CÁCERES, 1999, p. 29; 2000, p.44). Por tanto, como
vemos, se ha justificado la esclavitud en términos del color de la piel,
se ha justificado con el racismo, que como bien dice Tatiana Lobo,
fue una consecuencia de la esclavitud y “la piedra angular que legi-
timaba el secuestro, la violencia, la explotación y el crimen (LOBO
Y MELÉNDEZ, 1999, p.12).
Fueron alrededor de 11.7 millones de esclavos y esclavas africanos
los importados hacia América, entre los siglos XVI y XIX (LOVEJOY,
1982, pp. 473-501). Kelly Kennet afirma que: “la diáspora africana
de los últimos quinientos años ha demostrado ser uno de los eventos
más importantes y definitivos en la creación del mundo moderno.”
Lo medular en nuestro interés es cuando Kelly argumenta que: “Las
huellas del impacto de este movimiento de población son evidentes
en cualquier lugar de América” (KENNETH, 2001, p.468).
Las principales zonas proveedoras de africanos esclavizados en
el comercio trans-Atlántico fueron las regiones de Angola y Congo,
la Bahía de Benin o Costa de Esclavos, Bahía de Biafra y Costa de
Oro. Ha sido planteado que entre 1662 y 1867 cuatro de cada cinco
esclavos que salieron de África procedían de estas regiones (ELTIS Y
RICHARDSON, 1997, p.6). La presencia de las mujeres esclavas en
los barcos es constante, entre niñas y adultas significaron la tercera
parte del total de la población esclavizada enviada a América. Por
supuesto que las zonas proveedoras y sus diferentes puertos tuvieron
sus alzas y bajas a través de los cuatro siglos en los que se mantuvo
el comercio (ACUÑA, 2004, p.17). Es innegable que las africanas y
los africanos que fueron transportados a América trajeron con ellos
su cultura, su historia y sus vivencias particulares.

Hay que reconocer que los barcos que cruzaban el Atlántico lleva-
ban no sólo esclavos sino individuos, hombres y mujeres, cuyas
experiencias en el nivel de la religión, el poder estatal, los conflictos
políticos y guerras por citar solo algunas, variaban considerablemente
(LOVEJOY, 1999, p.20).

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 105
La situación política de África en los siglos del comercio de es-
clavos y los roles que desempeñaban estas mujeres esclavizadas en
sus sociedades de origen son fundamentales para poder entender
el patrón demográfico e incluso geográfico que mostró el comercio
trans-atlántico de esclavas (ELTIS, 2000, p.105). La variante de oferta
y demanda de mujeres esclavas por región geográfica obedeció a las
especificidades históricas y de género al interior de África, mientras
que la adquisición de esclavas al otro lado del Atlántico se vio ma-
tizada por los intereses económicos y un “ajuste” en las actitudes
de género por parte de los compradores occidentales.
Por ejemplo, de las regiones cercanas a las rutas comerciales do-
minadas por comerciantes islámicos, salieron un menor número de
mujeres esclavas con rumbo a América, pues este comercio absorbió
un mayor número de mujeres. De zonas conflictivas, resultado de
la inestabilidad política, rivalidades políticas, las guerras, el pillaje
y el secuestro, la población sufrió una esclavización masiva, donde
las mujeres y las niñas no estuvieron exentas. En África Occidental,
encontramos tanto sociedades patrilineales como matrilineales con
fuertes raíces en el parentesco, sin embargo se argumenta que aún bajo
la más estricta dominación patriarcal en que se encontrase la mujer
en África, ella tenía acceso a una amplia gama de experiencias y un
papel en la toma de decisiones de carácter económico (ELTIS, 2000,
p. 92). Las mujeres en África mantuvieron altos puestos políticos,
fueron vitales en el comercio, especialmente en el Occidente y zonas
rivereñas, donde destaca su papel en la agricultura y la producción
textil. Además dominaron el comercio de víveres, gozaron de auto-
nomía en el manejo de sus finanzas y jugaron un papel relevante en
muchos aspectos de la religión (ROBERTSON Y BERGER, 1986, p.5).
Por tanto se puede afirmar que la mujer africana goza de derechos
y posee un status muy diverso al interior de su sociedad, y en el caso
específico de África Occidental su trabajo es muy importante y valora-
do dentro de la economía. Sin embargo, como bien agregan Robertson
y Berger, “su gran trabajo les hizo más valiosas como esclavas”; parece
entonces que esta mayor libertad económica e importancia al interior
de las sociedades son la causa de que los comerciantes de esclavos

106
consideren el venderlas para el comercio trans-Atlántico (ROBERTSON
Y BERGER, 1986, p.5).
De estos factores se explica la preferencia por parte de los comer-
ciantes africanos de esclavos por ofrecer mujeres a los tratantes euro-
peos. De ahí se entiende como: “Los comerciantes de esclavos fueron
a África demandando principalmente hombres, lo que encontraron,
al menos, en los mayores mercados del África Occidental, fue una
mayor oferta de mujeres esclavas” (ELTIS, 2000, p.100). Esto causó
conflictos y protestas por parte de los comerciantes y los compradores
al otro lado del Atlántico, pues como ha sido afirmado: Los comer-
ciantes africanos, en la mayoría de sus mercados, deseaban vender
más mujeres de las que los europeos estaban dispuestos a comprar,
mientras que los europeos querían comprar más hombres de los que
los comerciantes africanos estaban dispuestos a vender (Eltis, 2000,
p. 100). En consecuencia, un número importante de mujeres fueron
compradas y embarcadas hacia los puertos americanos, ya que los
europeos “ajustaron” sus actitudes en función de sus beneficios eco-
nómicos y cada vez compraron más esclavas.
Las mujeres esclavizadas que llegaron a Costa Rica provenían de
la costa Occidental de África. Por ejemplo, María y Petrona de etnia
Sana o Lucumi, ambas estaban escarsificadas como las personas de esa
región. La negra María de Guinea, “es con efecto de Guinea por estar
rayada en la cara.” Otra esclava, igualmente de nombre María, de casta
popo, “tiene rayada la cara” (ANCR, Serie Cartago # 249, 1719, f. 6;
Serie Guatemala # 185,1719, fs. 6, 8; Serie Cartago # 242, 1719, f. 1v).
Un dato interesante para Costa Rica es que en diversas ocasiones
varias mujeres argumentaron que llegaron muy pequeñas y por tanto
no recordaban con mucho detalle su llegada a la provincia. Esto nos
indica que el comercio de esclavos hacia estas zonas tenía una ten-
dencia a transportar un porcentaje importante de niñas en condición
esclava. Tales fueron los casos de dos esclavas que pertenecieron
a Doña Petronila de Oses Navarro. Teresa, de 25 años, “dijo haber
llegado pequeña” y “la negra María chiquita insiste en que vino muy
pequeña y no se acuerda”; lo mismo ocurrió con Magdalena, de cas-
ta Mina, quién llegó a la costa caribeña de Costa Rica en un barco

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 107
inglés, fue introducida a la provincia de contrabando y declaró que
‘llegó muy pequeña, que no sabe quien la trajo, ni por donde llegó
a Cartago, que fue vendida a Don Agustin de Azofeifa en cuya casa
siempre ha estado” (ANCR, Serie Cartago # 233, 1719, fs .2, 32; Serie
Cartago # 264, 1720, f. 8).
Es evidente la presencia e importancia de las mujeres dentro
del colectivo de esclavos; ellas fueron desembarcadas en América,
donde la visión patriarcal occidental creó una imagen, muy distinta
de la africana, de la mujer esclava que determinó los roles que ésta
tuvo al interior de las sociedades en América. Se trate de sociedades
esclavistas o sociedades con esclavos estas mujeres padecieron la
misma subordinación y dominación por parte de sus amos, su papel
fue cambiado, transformado.
La esclavitud afectó tanto a hombres como a mujeres, sin embargo
las mujeres esclavas vivieron, esa situación en una forma bastante
diferente a la experiencia que tuvieron los hombres esclavos. Las
africanas que llegaron al Nuevo Mundo tuvieron pocas oportunidades,
fueron compradas como esclavas en África y puestas a trabajar en los
campos y las plantaciones en América; habían arribado a un mundo
de total subordinación (ELTIS, 2000, p.100).

Esclavas africanas y sus descendientes

Las mujeres africanas esclavizadas fueron enviadas a América,


en un recorrido que se inició en las costas occidentales de África,
incluyó a las islas del Atlántico, llegó a las islas del Caribe y de ahí
se redistribuyó hacia las colonias españolas, en un viaje de África al
Caribe y en nuestro caso a la provincia de Costa Rica. Efectivamente
las islas del Caribe son los mayores puertos de desembarco para los
recién llegados de África y por tanto los puntos más importantes en
las redes comerciales de redistribución de los esclavos y esclavas.
América Central, como parte de la América española, estuvo ligada a
dichas redes comerciales. Esclavitud – que como expresión extrema de
las relaciones de dominación – es el límite máximo del poder total, el
del amo, y de la total ausencia, la del esclavo (CACERES, 1999, p.30).

108
Después de 1542, con la promulgación de las Leyes Nuevas, se
intensificó el tráfico de los esclavos de origen africano hacia y a través
de Centroamérica. De esta manera el istmo quedó inmerso y vinculado
a la diáspora africana. Phillip Curtin estimó que unos 21.000 esclavos
africanos ingresaron entre 1520 y 1820 a la región (KRAMER, LOVELL
Y LUTZ, 1993, p.85). Aquí debemos señalar que: “en 1543 llegó al
reino de Guatemala la primera barcada de africanos, por Real Cédula
se autorizó su venta y reventa libre, a precios justos”, dando inicio
así al tráfico de esclavos africanos en sus dos dimensiones, la legal y
la ilegal, a lo largo del reino de Guatemala y muy especialmente en
su costa caribeña (MARTINEZ, 1981, p.83).
En el caso de Costa Rica un número importante de esclavos afri-
canos ingresaron a la provincia por el comercio ilícito. De acuerdo a
los testimonios, muchas de las mujeres en condición esclava llegaron
desde Jamaica en embarcaciones inglesas, compradas en las costas de
Matina por los españoles de la provincia de Costa Rica. Por ejemplo,
Nicolasa, negra de casta Mina, declaró: “que vino en un navío de
ingleses que se hizo pedazos en las playas de Matina” (ANCR, Serie
Cartago # 244,1719, f. 2).
Sin embargo, algunas esclavas indican que llegaron por otras ru-
tas, por ejemplo Juana Manuela de casta Arara declaró “que llegó de
Panamá por el valle de Barba que la trajo el abuelo de su dueño, Don
Pedro de Alvarado”. La negra Magdalena explicó “que quien la trajo a
esta ciudad fue su amo el Capitán Lorenzo de Arburola que fue desde
Portobelo por el puerto de Matina, en una canoa”. Por su parte María,
negra al parecer de 50 años, dijo “que vino de Panamá y que la trajo
Don Lope de al Carasso por el Puerto de Caldera”. Fue introducida por
comercio legal pues se le encontró marcada con el sello del asiento ho-
landés. Asimismo, otra esclava llamada María, de casta Conga, expuso
que llegó desde Panamá y entró por el puerto de Caldera, marcada en
su hombro derecho con el sello del asiento portugués (ANCR, Serie
Cartago # 230,1719, fs. 1v, 16v; Serie Cartago # 232,1719, f. 3; Serie
Cartago # 232, 1719, f. 1v, 3v; Serie Cartago # 240,1719, F. 3v).
De ahí que la presencia africana es indiscutible en nuestras socie-
dades de ayer y de hoy, donde los ascendientes africanos constituyen

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 109
lo que se ha dado en llamar la tercera raíz en la conformación social
y étnica de las sociedades americanas y caribeñas, formando parte
del crisol de los mestizajes en las Américas como los antecesores de
los latinoamericanos contemporáneos.
La conquista y colonización de Costa Rica fue tardía; se inició en la
década de 1560, para este momento el resto de Centroamérica estaba
bajo el dominio español. De ahí que se argumente que “Costa Rica
fue la última provincia conquistada en Centroamérica y, en algunos
sentidos, la menos satisfactoria y más frustrante para los españoles y
criollos” (KRAMER, LOVELL Y LUTZ, 1993, p.37).
La historiografía costarricense establece: “el negro está aso-
ciado a la historia de Costa Rica desde sus inicios;” además se
asevera: “en la formación del costarricense la ascendencia negra
desempeña un papel de bastante significación (DUNCAN, 1993,
p.201; MELENDEZ Y DUNCAN, 1977, p.45). Por tanto, se debe
dejar de lado la marginación y la negación de la población de
ascendencia africana en la conformación de la identidad nacional
costarricense, pues:

El negro, además de formar parte importante de la raíces étnicas del


costarricense, trabajó en los cacaotales, en la ganadería, en las tareas
urbanas, construyó caminos, levantó casas e iglesias, desarrolló el
comercio, la agricultura y la exportación de ganado mular: la negra
fue ama de llaves, criada y partera, amamantó y crió a los hijos de
su ama, curó las dolencias del blanco, lo alimentó y lo atendió en la
vejez, cosió su ropa, tejió sus telas, fue su amante y la madre de sus
hijos (LOBO Y MELENDEZ, 1999, p.17).

Carlos Meléndez argumenta que:

En el momento mismo del descubrimiento y la conquista de nuestro


país el comercio esclavo se hallaba ya en un proceso, de modo que
el negro acompañó, paso a paso, a los españoles en los procesos
mismos del sometimiento del indígena y del descubrimiento de los
territorios y del asentamiento de las primeras poblaciones (MELEN-
DEZ Y DUNCAN, 1977, p.24).

110
Sin duda, la esclavitud formaba parte de la vida cotidiana en la
Costa Rica colonial, donde fue plenamente aceptada y difundida en
la sociedad. (CACERES, 2001; ACUÑA, 2004, 2009).
El primer centro de colonización y de afirmación del dominio
español en la provincia fue la ciudad de Cartago, establecida en el
Valle del Guarco. Se convirtió en la capital colonial y por ende en el
centro político-administrativo, económico y social de Costa Rica. Por
ejemplo en 1676, el gobernador de turno, Don Juan Francisco Sáenz
señaló, sobre su población: “su gentío se compone de más de 600
vecinos españoles, mestizos y mulatos avecindados en esta ciudad y
sus valles” (FERNANDEZ, 1976, p.369). Costa Rica, en su poblamiento
durante la colonia, presenta el siguiente panorama:

La mayor parte de la población española vivió en el siglo XVII dispersa,


con dos ciudades como ejes, Cartago en el Valle Central y Espíritu
Santo de Esparza en el Pacífico, la cual perdió su importancia en el
transcurso del siglo XVII. La población indígena por su parte vivía en
los pueblos de indios, en las tierras sin conquistar de Talamanca y
en la región de los indígenas votos, al noreste de la provincia, mien-
tras la población negra, mulata, parda y mestiza vivía en las áreas
centrales y el Pacífico (CACERES, 2000, pp.17-18).

Durante los siglos XVI y XVII la provincia participó en el comercio


de víveres, de sebo y de mulas para abastecer el mercado panameño.
En el Valle Central se dio la producción de alimentos, por ejemplo, a
base del trigo, y en el Pacífico central la cría de ganado, de donde se
obtenían diversos derivados, entre ellos el preciado sebo. La provincia
fue zona de paso en la comercialización de mulas, pues la mayoría
de éstas provenían de la zona pacífica de Honduras y Nicaragua
(FONSECA, 1983, p.44). A mediados del siglo XVII, la provincia en-
frentó la crisis del comercio de abastos con Panamá, al decaer y final-
mente desaparecer, hacia 1700, las ferias comerciales de Portobelo, que
colocó a Costa Rica al margen de toda actividad comercial importante.
Sin embargo, hacia 1660, dio inició el cultivo del cacao en la región
Caribe de la provincia de Costa Rica, en plantaciones propiedad de
importantes vecinos de la ciudad de Cartago (SOLORZANO, 1993,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 111
p.101). El período de auge del cultivo y comercialización del cacao
se dio en la primera mitad del siglo XVIII. Los mercados principales
fueron Portobelo en Panamá y Granada en Nicaragua.
Las mujeres esclavizadas que llegaron a Costa Rica vivieron probable-
mente en el Valle Central, ya fuese en Cartago, en el repoblado Ujarrás, en
cualquiera de las nuevas poblaciones que surgieron en el oeste del valle,
como Villanueva, Villa Vieja, Villa Hermosa y Escazú, o las apartadas
Bagaces o Esparza. Para el año de 1682, vivían en la ciudad de Cartago
y sus barrios 475 españoles, 16 mestizos y 100 mulatos y negros libres.
Mientras que en Esparza vivían 55 españoles y 29 mulatos y negros libres.
Los indígenas se encontraban distribuidos en 18 pueblos con una pobla-
ción tributaria de 1343 personas (QUIROS Y BOLAÑOS, 1989, pp.70-71).
Costa Rica muestra un crecimiento sostenido de la población de
origen africano mulata y criolla en la composición social y numérica
de la provincia. Para el siglo XVII:

Los mulatos, pardos, zambos y negros criollos-son a los lejos – domi-


nantes y su proporción tan elevada que podemos hablar de una primera
población afrocostarricense o afroamericana claramente definida. En
todo caso, estamos frente a la primera y segunda generación de naci-
dos en la región, principalmente en Cartago, muchos de ellos fueron a
su vez hijos de esclavos nacidos en América (CACERES, 2000, p.71).

En Costa Rica desde muy temprano el grupo de ascendencia


africana estaba conformado en su mayoría por mulatos, algunos en
condición esclava y otros libres. Se ha planteado que el mestizaje que
se da en Costa Rica tiene su origen principalmente en la mezcla entre
mulatos libres y mestizos. Por tal razón no es extraño que la mayoría
de los libertos sean mulatos. Individuos que a través de la manumisión
y el mestizaje lograron su libertad, en un interés por la movilidad y el
ascenso social.
Una población con un papel económico importante, vinculación
y participación en las milicias, en la cofradía de los Ángeles y otros
trabajos artesanales, comerciales, agrícolas y de servicio. Se consti-
tuyeron en un grupo importante de la población para el siglo XVII,
los cuales fueron concentrados en un sitio específico en las afueras

112
de la ciudad de Cartago, separados de los indígenas y españoles, en
lo que se conoció como la Puebla de los Pardos, cuyo límite territorial
estuvo señalado por una cruz de Caravaca (CACERES, 2000, p.86).
Los africanos, inmigrantes en condición esclava, llegaron a la
provincia en pequeños números y grupos. Sin embargo, la presencia
de hombres, mujeres, niños y niñas de todas las edades fue conti-
nua durante toda la vida colonial (ACUÑA, 2004, p.36). El cuadro
1 muestra los bautizados de origen africano, niños, niñas y adultos,
registrados en los libros parroquiales de la provincia de Costa Rica.
Fueron estos emigrados y emigradas forzosos la base para el creci-
miento de la población africana criolla.
El cuadro nos muestra los bautizados de origen africano en Costa
Rica, entre los años de 1594 y 1821; los mulatos libres o esclavos van a
ser el grupo más numeroso con 8044 individuos, seguidos por los negros
en cantidad de 309 personas, los denominados esclavos, en número de
406, de quienes desconocemos su grupo étnico, negro y mulato y por
último los zambos (mezcla entre indígena y negro), con una cantidad
de 63 personas, para una cifra de 8832 africanos y sus descendientes.
Cuadro 1. Provincia Costa Rica
Bautizados Origen Africano, 1594-1821

Etnia Niños/Niñas Adultos TOTAL

Mulatos 113 1 114

Mulatos Libres 7644 7644

Mulatos Esclavos 286 286

Negros 152 152

Negros Libres 42 42

Negros Esclavos 78 37 115

Zambos 63 63

Esclavos 413 3 416

Total 8791 8832

Fuente: AHD, Libros de Bautizos, Provincia de Costa Rica, 1594-1821

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 113
Definitivamente, el rol de las mujeres esclavizadas en la reproduc-
ción fue fundamental: “La reproducción criolla de esclavos costarri-
censes estuvo prácticamente fundamentada en las mujeres, primero
con mayor intensidad en las negras, luego en sus descendientes mu-
latas” (LOBO Y MELENDEZ, 1999, p.95). En consecuencia, es válido
afirmar que en la Costa Rica colonial la población de origen africano
se conformó a partir de dos raíces: el esclavo bozal y el criollo.
Por tanto no sorprende, por una parte, que los estudiosos señalen
que la población costarricense moderna tiene una historia de ascen-
dencia trihíbrida1, es decir, heterogénea, trirracial, presentando fre-
cuencias génicas2 con una variación regional3. El componente negro
aumentó en las regiones Pacífico Norte y Atlántica, como también el
amerindio en las mismas regiones Pacífico Norte y Atlántica. Por su
parte, el componente caucásico se incrementó en las zonas Norte y
Central (BARRANTES Y MORERA, 1995, pp. 49, 50, 52).
Por otra parte, los genealogistas pueden rastrear las raíces afri-
canas en las familias costarricenses, tanto coloniales como contem-
poráneas, en las cuales se identifican casos emblemáticos, como por
ejemplo el de Ana Cardoso, mulata esclava comprada en 1669 por
don Tomás Calvo, quien tuvo cinco hijos con Miguel Calvo, hijo de
su amo, y que posteriormente pasará de ser esclava a ser dueña de
esclavos (LOBO Y MELENDEZ, 1999, pp.137-138; MELENDEZ, 1999,
pp.51-137). Este caso demuestra del protagonismo desempeñado por
las esclavas y sus descendientes en la formación y la historia de la
sociedad costarricense.

1 Los tres principales grupos étnicos en la composición racial costarricense,


a saber: amerindios, caucasoides y negroides.
2 El material hereditario pasa de generación en generación escribiendo su
historia en las moléculas de ADN. Así un individuo o una población puede
caracterizarse fundamentalmente por su variabilidad genética expresada en
términos de sus frecuencias génicas.
3 Los autores, siguiendo criterios históricos y no de división geográfica,
dividieron a Costa Rica en cinco regiones: Central, Atlántica, Chorotega
o Pacífico Norte, Norte y Sur.

114
Subordinación y explotación

Las esclavas sufrieron una triple subordinación por ser mujeres,


por ser esclavas y por ser negras, fueron explotadas tanto en sus capa-
cidades productivas como reproductivas, experimentaron la explotación
económica y sexual, fueron víctimas del patriarcado y del racismo.
El control de la población de sangre mixta y particularmente de la africa-
na se hizo a través de varios mecanismos, como fueron la violencia, la
normativa legal, la construcción de la idea de la raza y de la inferioridad
de los negros, con el fin de justificar la esclavitud. Fuente y origen de
los mitos y estereotipos que sobre la cultura africana y particularmente
sobre las mujeres africanas, esclavas o libres fueron creados.
La legislación española establece, en las Siete Partidas, que la es-
clavitud se transmite matrilinealmente: el hijo heredaba la condición
o status jurídico de la madre. “Es esclavo el nacido de madre esclava,
aunque el padre sea libre, y es libre el hijo de madre libre aunque el
padre no lo sea. Además se agrega, si la madre adquiere la libertad
por poco o mucho tiempo hallándose encinta, el hijo nacerá libre”
(Siete Partidas, 1348, Partida 4, título XXI, ley II: 175)4.
Se aplica por tanto en la legislación española lo que los portugue-
ses llamaron la ley del vientre, por medio de la cual las esclavas son
definidas como reproductoras de mano de obra para sus amos, pues
“el vientre que da hijos es la parte más productiva de la propiedad
esclava” (LEIVA, 1987, p.42).” De esta manera, las esclavas fueron
explotadas por sus amos en su rol reproductivo, esto es tanto en su
sexualidad como en su maternidad.
En el caso de Costa Rica, se corrobora en la ley del amo el dere-
cho que este tiene sobre los hijos de sus esclavas, pues en el caso de

4 Las Siete Partidas fueron escritas por el rey Alfonso X o mejor conocido
como Alfonso El Sabio, entre los años de 1256 y 1263, promulgadas hasta
el año de 1348, es específicamente en la cuarta partida donde se hallan las
leyes sobre esclavitud. Este es un código basado en legislación romana y en
leyes islámicas para regular y normar las relaciones entre amos y esclavos,
sus deberes y derechos.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 115
María y Petrona, dos negras de casta Lucumi, se hizo referencia al
“riesgo del amo de perder su inversión pues pudieron haber muerto
las dichas dos negras antes de los partos y en los partos” (ANCR, Serie
Cartago # 229,1719, f. 18.). Con respecto a esta plena potestad sobre
los hijos de las esclavas, de forma muy clara doña Ana de Morales
en su litis en contra de doña Beatriz de Morales, por la posesión de
una mulatilla esclava nombrada Antonia Rosa, hace valer de forma
clara y contundente su derecho. Morales alega:

Me hizo gracia y donación, doña Margarita de Morales (a la cual


llama madre de crianza) de una mulata su esclava, nombrada Josefa
Nicolasa, y estando posesionada de ella a los cuatro años parió una
mulatilla, nombrada Rosa que para en mi poder, que siendo la mu-
latilla fruto del vientre de mi esclava por lo que me asiste el derecho
a ella, además de la posesión adquirida y según reglas y disposiciones
del derecho, no puedo ser despojada de ella sin que muestre instru-
mento, que derogue esta donación (ANCR, Serie Complementario
Colonial #4309,1737, fs. 21-22).

Por lo tanto, son muchos los casos donde se demuestra el derecho


de los amos sobre sus esclavas y sus descendientes. Por ejemplo, doña
Josefa Nicolasa de Guevara vendió en 150 pesos plata “un negrito
nombrado Nicolás Policarpo, de 14 años, hijo de Dionisia”, una negra
esclava que había heredado de su madre”; por su parte, Magdalena
de Sosa vendió en 84 pesos “una mulatilla de siete meses, nombrada
María Manuela, hija de Ambrosia González su esclava”, la cual había
heredado de sus padres; de igual manera los esposos don José Antonio
Sáenz y Rosa Gutiérrez vendieron en 100 pesos plata a “una negrita
nombrada Agustina, de 5 años, hija de Manuela”, su negra esclava
(ANCR, Protocolos Coloniales Cartago, # 897,1724, f 38v; # 892,1720,
f 16v; # 898,1725, f 101 v).
El interés por controlar la sexualidad y reproducción de los es-
clavos se observa igualmente en la legislación sobre matrimonios,
donde se dispone: “Procúrese en lo posible, que habiendo de casarse
los negros, sea el matrimonio con negras. Y declaramos que estos, y
los demás que fueren esclavos, no quedan libres por haberse casado,

116
aunque intervenga para esto la voluntad de sus amos” (Recopilación
1973, p. 361, Libro VII, Título V, Ley V). Otra ley nos dice que “los
blancos no contraerán matrimonio con sus esclavas negras o mulatas,
y cuando suceda de hecho, no consigan estas su libertad”, al igual
que “el negro o mulato esclavo y lo mismo las mujeres, permanecerán
en el mismo estado, aunque casen con libres” (KONETZKE, 1953, p.
566, Código Carolino, Capítulo 19, leyes 9 y 10). Todas estas dispo-
siciones trataron de regular las relaciones legítimas e ilegítimas entre
las esclavas, negras o mulatas con los hombres ya fuesen estos sus
compañeros africanos o sus amos blancos.
Las mujeres africanas en condición de esclavitud enfrentaron
no solo el ocultamiento que afectó al conjunto de la esclavitud, sino
también a la imagen de maldad, bajeza, pecado y promiscuidad que
sobre ellas construyeron sus amos. Además de las percepciones er-
róneas sobre el matrimonio y la familia entre los esclavos, con las
consabidas concepciones de la mala madre y la esposa negligente.
Estas valoraciones permitieron y justificaron la construcción de
la omisión de la mujer esclava y de su negación como sujeto social,
en el imaginario de la cultura occidental.
Es por tanto en la dinámica del poder ligada a la dinámica de la
raza, donde se justificaron e implementaron todas estas valoracio-
nes sobre la inferioridad de la mujer esclava; asimismo reforzaron
la imagen creada, justificando la dominación y asegurando su total
subordinación. Porque no se debe olvidar que en el contexto de la
esclavitud la mujer, en su rol ligado a la reproducción biológica y
ante la explotación sexual que sufre, se enfrenta a la pérdida de su
maternidad y sexualidad. De esta apropiación de la sexualidad feme-
nina se deriva el elemento distintivo con respecto al hombre esclavo.
Las esclavas no sólo fueron abusadas sexualmente por sus amos,
sino que también fueron forzadas a la prostitución. Las imágenes y
estereotipos creados por los amos sobre las esclavas y sus compor-
tamientos fueron claves para justificar su dominación y reforzar la
explotación sexual, la que se constituyó en una forma de dominio y
control social. Un ejemplo es la causa por estupro que se presentó con-
tra don Miguel Laya y Bolívar, amo de Felipa de Arias, la niña esclava

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 117
de diez a doce años de edad, en la cual declaró que: “era verdad que
el Capitán don Miguel le había quitado violentamente su virginidad,
por lo que le daba mal tratamiento”; que “por primera vez avisó a su
señora de que su amo la perseguía de lo que no hizo caso y que por
esto la castigaba su ama y que el amo todos los días la amenazaba”
(ANCR, Serie Complementario Colonial #5816,1724,fs 7v, 9v). Aunque
la legislación española daba el derecho a las mujeres esclavas de acusar
a sus amos de haberlas violado y si esto se comprobaba obtenían su
libertad, desafortunadamente en la provincia de Costa Rica no hay
evidencia de tal situación (KONETZKE, 1953, p. 567).
Una real cédula de 1672 ordena a Virreyes, presidentes, go-
bernadores, arzobispos y obispos de Indias que impidan que las
negras esclavas ni libres salgan de noche de las casas de sus dueños
(Recopilación 1973, p. 363, Libro VII, Título V, Ley XII). Esto se debe
a la costumbre introducida en Indias por los dueños de esclavas de
enviar a estas a hacer ventas y si no retornaban con las ganancias las
obligaban a conseguirlas en las noches con torpeza y deshonestidad.
Las autoridades en la provincia de Costa Rica como respuesta a esta
real disposición mandaron:

Ninguna mulata mestiza, negra, ni persona de servicio de ninguna


persona, vecino ni estante en esta ciudad así libre como esclava
sea osada a salir a la calle con ningún pretexto, en dando la cam-
pana de las animas ni pase de noche de que nacen escándalos y lo
cumplan pena de cien azotes por cada vez que se ejecutara en las
inobedientes y si el caso de que sus amos las envíen a alguna cosa
forzosa fuere tal debe de ser acompañada y con luz encendida y
papel o señal de los dichos sus amos y para que a las justicias que
las encontrare les conste la urgente necesidad y los suso dichos lo
cumplan pena por cada vez de veinte pesos (ANCR, Serie Cartago
#1078,1672, f.180).

Refiriéndose a este mismo asunto, encontramos otras dos reales


cédulas, una emitida en 1710 en Madrid, donde se reitera: “El escanda-
loso abuso de enviar a las negras y mulatas a ganar el jornal saliendo
al público, las más de ellas desnudas con notable escándalo, pasando

118
a cometer muchos pecados mortales por llevar a sus amos la porción
que es costumbre” (KONETZKE, 1953, p.113).
Y la otra real cédula dada en 1752 en Aranjuez, en la cual se
dice que: “Las esclavas que por sus amos son enviadas a ganar el
jornal vendiendo tabacos, dulces y otras cosas, de que se sigue que
si la esclava no es de conciencia escrupulosa o no puede vender
lo que le da su ama, es preciso procure, sino quiere ser castiga-
da cruelmente, sacar por medios ilícitos el jornal.” (KONETZKE,
1953, p.261).
Aunque en las tres cédulas se ordena que no se cometan esos
excesos y explotación en el servicio y sexualidad de las esclavas, es
importante señalar que no encontramos, en el caso de Costa Rica,
ninguna referencia sobre el derecho dado en las Siete Partidas donde
se establece que la esclava obtiene su libertad cuando su señor la
pone en la “putería” para ganar dineros con ella (Las Siete Partidas,
1348, Partida 4, título XXII, ley IV, p. 184).
Se plantea que la imagen común de las esclavas africanas estaba
compuesta por la mujer de color, la matriarca dominante y la pasiva
mula de trabajo (BUSH, 1990, p.5). Imagen que justifica y enfatiza
la inferioridad de la mujer esclava africana en América. Por ejemplo,
las mujeres esclavas africanas trabajaron en los campos, realizando
toda suerte de trabajos pesados, mientras que las mujeres europeas
no son imaginadas realizando ese tipo de tareas.
Existe una distinción importante en el sentido sexual entre las
mujeres africanas y las europeas. De una mujer esclava se espera que
cumpla funciones económicas y sexuales pues: “en las sociedades co-
loniales y en las economías de plantación, el acceso a las mujeres de
color era un componente clave en la construcción de la masculinidad
blanca” (PUTNAM, 1999, p.161).
De igual forma se afirma que van a surgir en este contexto colo-
nial dos imágenes ideológicas que aún hoy día persisten. Son ellas:
1. Por un lado, la mujer de color, cuya subordinación la pone
a disposición sexual de cualquier hombre, mientras su na-
turaleza “salvaje” asegura que ella misma disfrutará de su
propia dominación.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 119
2. Por otro lado, la mujer blanca: la encarnación de toda virtud
moral, la belleza ideal y sexualmente inaccesible, ya que su
virginidad, o su fidelidad, es la medida de su valor (PUTNAM,
1999, p.140).
Asumimos, por tanto, que al igual que el género y la clase, la raza
debe ser entendida como una construcción social, y por ende como
una representación de las relaciones de poder por parte de los amos
(MARTIN, 2000, p.33).
En la provincia de Costa Rica, entre la élite colonial, las esclavas
tuvieron la reputación de prostitutas. Esto es reflejo de los estereotipos,
imágenes negativas y las malinterpretaciones que sobre las esclavas y
su comportamiento sexual prevalecieron en las sociedades coloniales
esclavistas en América. Estos estereotipos fueron usados para consoli-
dar la inferioridad de las mujeres africanas esclavizadas y justificar su
dominación, explotación y subordinación. Para las élites las mujeres
esclavas fueron consideradas como inmorales, promiscuas, lascivas y
desvergonzadas. Por ejemplo, algunas mujeres españolas dijeron que
las esclavas eran: “callejeras de la calle como acostumbran las que son
de su clase”, que las esclavas mulatas como personas de servidum-
bre eran “viles, de baja suerte, atrevidas y desvergonzadas”, que las
esclavas “estaban corruptas como callejeras pues algunas llegaban a
su poder con varios hijos“, o como se calificó a Ana Miranda “como
persona de tan vil y baja esfera como una mulata esclava de malos
procedimientos” (ANCR, Serie Complementario Colonial # 4480,1772,
f 102; Serie Guatemala # 311,1755,fs.1v, 13v, 16). Estas imágenes
negativas reforzaron y justificaron la subordinación y la explotación
sexual y económica de las mujeres esclavas por sus amos.
La participación de las mujeres esclavizadas en la economía co-
lonial se ha reducido a considerarlas primero como un bien más, una
mercancía; segundo como un símbolo de prestigio, de lujo, pero en
realidad el aporte económico de ellas como productoras y creadoras
de riqueza va más allá de estas ideas. Sí debemos apuntar que muchas
transacciones comerciales se realizaron con estas mujeres: fueron
vendidas, se cancelaron deudas con ellas y fueron cambiadas por
otras mercancías, como objetos de una mera transacción comercial.

120
De ahí que en mucha de la documentación colonial de tipo comercial
conocemos en el mejor de los casos solo su nombre, tal es el caso
donde el Capitán Thomas de Chávez hizo entrega de algunos bienes
excepto de una “mulatilla esclava nombrada Dionisia” (ANCR, Serie
Complementario Colonial # 4051,1717, f.1).
Pero la mayoría de las veces ni siquiera se consigna el nombre de
la mujer. Por ejemplo, se pagó una deuda del Capitán Luis Gutiérrez
a doña Antonia Salmón Pacheco con “una negra su esclava por can-
tidad de trescientos pesos” (ANCR, Serie Complementario Colonial
# 4277,1731, f.13v). En estos casos es evidente la total negación de
estas mujeres como sujetos sociales; ellas fueron una mercancía,
un medio para obtener dinero o algunos productos. Es innegable la
dualidad de los esclavos: son personas y son mercancías, y como
personas son propiedad (LOVEJOY, 1981, p.11). En 1701, Gertrudis
de Chavarría vendió a Lorenzo Arburola “una negra, sujeta a perpetuo
cautiverio y servidumbre, de casta arara, nombrada María de treinta
años poco mas o menos, en quinientos y veinticinco pesos de a ocho
reales de plata”. En la carta de venta se establece que el comprador
“disponga de ella a su voluntad como de cosa suya propia, comprada
con su propio dinero, tenida y adquirida con justo y derecho título”
(ANCR, Serie Cartago # 232, 1719, fs. 26-27).
Sin embargo, el aporte de las mujeres esclavizadas a la economía
como creadoras y productoras de riqueza fue más allá de los concep-
tos de mercancía y prestigio. Las mujeres esclavas contribuyeron a la
economía local pues su trabajo fue muy productivo y dio dinamismo
a dicha economía. Por ejemplo, por medio de las transacciones comer-
ciales que se realizaron con las esclavas, los dueños estuvieron ligados
a las redes de comercio tanto internas como externas de la provincia.
La posesión de mujeres esclavas les permitía a sus dueños primero
acumular riqueza y segundo aumentar su capital, a través de sus ca-
pacidades reproductivas. De esta manera, las mujeres esclavas tienen
el papel de productoras y reproductoras de riqueza para sus amos.
El trabajo esclavo femenino fue clave para la manutención no
solo de los propios hijos sino que también de los amos. Por ejemplo,
el negrito José Manuel fue “depositado” en casa del teniente don

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 121
Sebastián de Garita, en cuyo poder estaba la negra Lorenza, su madre,
“para que con el trabajo de ella sea alimentado” (ANCR, Serie Cartago
# 24,1719, f. 23v). En el caso de los amos, el producto del trabajo de las
esclavas fue de gran importancia y ayuda como lo indica el siguiente
ejemplo. Doña Francisca Miranda pide “ser resarcida de los jornales
de su esclava, Ana, en el tiempo que ha estado presa por haber estado
falta de su servicio personal”, además solicita sea levantada la multa
de 200 pesos para libremente usar del servicio de su esclava tanto
dentro como fuera de la ciudad (ANCR, Serie Guatemala # 311,1755,
f. 24). El trabajo de esta esclava claramente era muy importante para
el bienestar de su dueña; Ana no fue un símbolo de estatus o rique-
za, sino la creadora y productora de lo necesario para la atención y
manutención de la casa y negocios de su ama.
Aunque fundamentalmente se ubica a estas mujeres en el servicio
doméstico, amas de llaves, niñeras, en labores de cocina, lavandería,
costura, algunas veces el personal de confianza de las familias, ellas
participaron en otras actividades. Pues como declara la negra Antonia,
ella les servía a sus amos en la casa, en labores como darles de cenar
o ayudar a echar las bestias de su cercado (ANCR, Serie Complementario
Colonial # 4140, 1624, f 13). Pero también hay testimonios de que tra-
bajaron en el cultivo de las milpas, o como declaró la esclava Eugenia
“que los amos la habían ocupado en guardar milpas”; el indio Joseph
López da testimonio de que “vio desgranando maíz a la negra Lorenza
en la casa de Miguel López”. En el caso de la esclava Juana Manuela,
al ser introducida en la provincia, fue traída por su amo Gregorio de
Azofeifa “del valle de Matina a la casa del molino que hoy, es de doña
Luisa Calvo extramuros de esta ciudad, Cartago;” donde probablemente
fue empleada por su amo en labores propias del Molino (ANCR, Serie
Complementario Colonial # 4140,1724, f.13; Serie Cartago # 260,1719,
f 12; Serie Complementario Colonial # 5815,1723, f 5).
Las mujeres esclavas tuvieron un aporte valioso y fundamental
en la economía de la provincia. Por una parte contribuyeron a las
fortunas y bienestar de sus dueños. Por otra parte fueron fuente de
riqueza ya que por medio de su trabajo y papel como reproductoras
de mano de obra en condición esclava, mantuvieron y aumentaron

122
las fortunas de la élite. Pero también fueron creadoras y productoras
para la manutención de sus hijos y sus amos. Por estas razones, las
mujeres esclavas fueron clave en sus papeles productivos y reproduc-
tivos en la colonial Costa Rica.

Castigos

Las mujeres esclavas recibieron los mismos castigos que los hom-
bres. En todas las sociedades coloniales se castigaron a las mujeres
esclavas con el azote. En Costa Rica, en la ciudad de Cartago, Rosa
Pacheco, una mulata esclava, y su esposo Mariano Bonilla, un mulato
libre, fueron acusados de robar en la tienda de Antonio de la Fuente,
el dueño de Rosa. Debido a esta acusación, Mariano fue puesto preso
en la real cárcel con un par de grilletes, y Rosa presa con un cepo en
casa de Doña Manuela Baeza; el castigo fue de la siguiente forma.

Se condenó a Mariano Bonilla, á que sea sacado de la cárcel donde


se halla en bestia de albarda, y con la guardia necesaria, y pregonero
delante, que haga notorio su delito, y por mano de verdugo se le den
doscientos azotes por las calles acostumbradas, y vuelva a la cárcel.
Después de quince días fue desterrado por cinco años al castillo de
San Juan de este reino a servir a ración y sin sueldo en la obras de
su majestad. Se condenó a Rosa Pacheco a que se le den, cien azotes
en el cabildo, y se mantenga puesta a la argolla de la vergüenza por
cuatro horas, y que su amo don Antonio de la Fuente, después de seis
meses fue vendida fuera de la ciudad para que no reincida en más
robos (ANCR, Complementario Colonial # 5166,1774, fs. 105v, 106).5

Las mujeres esclavas enfrentaron maltrato por parte de sus amos,


de las autoridades y de la población española en general. Por ejem-
plo, Dominga Madriz fue acusada de robo por doña Narcisa Bonilla,

5 Argolla de la vergüenza: castigo público, que se ejecuta con algunos delin-


cuentes, poniéndolos a la vergüenza metido el cuello en una argolla, en Roque
Barcia, Primer Diccionario General Etimológico de la Lengua Española, tomo 1
(Madrid: Establecimiento Tipográfico de Álvarez Hermanos, 1880), p. 405.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 123
quien alegó que después de falsear una ventana de su casa la esclava
Dominga entró y “le robo dos pesos de algodón, unas enaguas y otras
varias menudencias”. Bonilla pidió se le pagara lo robado y se castigue
la infamia. El castigo consistió en poner presa a Dominga “en la cárcel
real de la ciudad con un par de grillos”. Sin embargo, la dueña de la
esclava doña Agueda Madriz contestó “que la esclava estaba tan cas-
tigada y maltratada por el hecho que era imposible que se trasladara a
la cárcel” (ANCR, Complementario Colonial #5768,1781, fs. 1, 2, 2v).
Un ejemplo es el caso de Antonia, mulata esclava de edad de 50
años, acusada de incendiaria por su amo, el Capitán Juan Cortés.
Éste acuso a Antonia, su mulata esclava, de haber iniciado fuego por
tres veces en su hacienda, incendio que causó daños en el trapiche,
la casa y una siembra de caña. La mulata esclava fue apresada y
encerrada en un calabozo. Sin embargo, después de varias averigua-
ciones y declaraciones no se pudo comprobar la acción de Antonia
en el incendio, por lo que el juez ordeno le fuera devuelta a su amo
“para que dispusiera de ella” (ANCR, Serie complementario colonial
#5815, 1723, f.1).
Otro ejemplo es el de Petronila Corrales, una mulata esclava acu-
sada de injurias por doña María Bonilla. Este caso tiene como origen
el cortejo que hace don Juan Manuel de la Ensina a las dos mujeres
involucradas en esta causa. Bonilla alega que Petronila estaba gritando
un sinnúmero de insolencias y que ésta le gritó contra su honor y
decoro pues le dijo: “grandísima puta, Ré-puta y la puta que te parió”.
Ante esto Bonilla pidió a las autoridades: “Sea castigada en público la
mulata, acordándose vuestra señoría de las penas y rigores que el Rey
Nuestro Señor, que Dios guarde, manda se castiguen en sus Indias,
a los mulatos que faltaren al respeto a los españoles mayormente
cuando no se les a ofendido.” (ANCR, Serie Complementario Colonial
#5747,1773, fs.1v-2v).
En este caso el amo de Petronila, Don Joseph de Nava señaló
que la “mulata su criada se había desvergonzado con doña María
Bonilla, por tal razón la reprendió, castigó, y conminó para que se
contuviese y no lo volviese a hacer (ANCR, Serie Complementario
Colonial #5747,1773, fs. 5, 5v).

124
Un caso de maltrato y agresión fue el de Ana María, una esclava
mulata de 12 años que se presentó ante el gobernador de la provincia,
José Perie, “bañada en sangre que producía de varias heridas, que
dice le hizo en la cabeza don Manuel Joseph Garcia, sobrino de su
ama doña Manuela Sancho, de orden de esta sin habérsele dado mo-
tivo para ello” (ANCR, Serie Complementario Colonial # 4480,1772,
f. 47). Este caso muestra el trato recibido por estas mujeres, donde
algunas veces la agresión fue verbal, como en la situación de la es-
clava Petronila, insultada y amenazada por doña María Bonilla, quien
“teniendo un chirrión en la mano” le gritó “este lo he de empapelar
para pelar a esa perra zamba”(ANCR, Serie Complementario Colonial
#5747,1773, f. 3v).
Por tanto en Costa Rica las esclavas sufrieron de prisión, aplica-
ción de grilletes, cepo, azotes, argolla de la vergüenza, palizas y el
exilio, los cuales fueron los castigos que la “justicia” colonial aplicó
a las esclavas y a sus compañeros en los delitos contra la ley de los
esclavistas (BARCIA, 1880, p.845; GARCÍA, 1978, p.219).6

Resistencia

La resistencia entre las esclavas tomó varias formas e intensidades,


en un abierto desafío a la autoridad del amo estas mujeres concreti-
zan dicha resistencia en diversas situaciones. La forma de resistencia
más radical fue la fuga, aunque no hay evidencia de la existencia
de comunidades cimarronas en la provincia de Costa Rica; pero sí
hay certeza de que las esclavas se fugaban. Por ejemplo, Eugenia
Vanegas declaró que se había “huido de esta ciudad a los platanares
del rey donde estuvo por un año”; o la esclava Ana María, quien se
fugó por maltrato, y una esclava de casta conga que se fugó junto
con otro esclavo (ANCR, Serie Cartago #241,1719, fs. 28,41; Serie

6 Cepo: Instrumento hecho de dos maderos gruesos que unidos forman


en el medio unos agujeros redondos en los cuales se asegura la garganta
o la pierna de un reo, cerrando los maderos. Cepo: Madero que fijo a la pierna
del reo le servía de prisión.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 125
Complementario Colonial #4480, 1772, f.89; Serie Cartago #109,1701,
f. 32v). Las mujeres esclavas incluso amenazaban a sus amos con la
posibilidad de su fuga como otra forma de resistencia, tal es el caso
de la esclava Eugenia, quien advirtió a su amo, vecino de Cartago, si
era vendida y dejada en la ciudad de Panamá, iba a huir o a ahorcarse
(ANCR, Serie Complementario Colonial #4140,1724, f. 9v).
Por tanto, se registra evidencia de una resistencia diaria a la
esclavitud, por parte de estas mujeres, que como es claro se lleva
a cabo en varios planos y dimensiones. Causando daño a las cosechas,
dejando el trabajo sin terminar, robando, mintiendo, con expresiones
más violentas como el incendio, la fuga, la revuelta y hasta el asesi-
nato. Otras formas de resistencia implementadas por estas mujeres
esclavas tuvieron lugar en el campo judicial, ellas recurrieron a la
acción jurídica ante la violación de alguna disposición o para la rei-
vindicación de algún derecho. De allí que se cuente con una valiosa
documentación judicial que nos permite conocer como las esclavas
lucharon cotidianamente contra la esclavitud.
Los esclavos tenían derecho de buscar un amo nuevo si este le mal-
trataba, en este caso el amo entregaba un “papel de venta” donde se
autorizaba a la esclava o esclavo a buscar un nuevo amo (KONETZKE,
1953, p.567). Un ejemplo es el caso de Juan Damián, Gregorio y sus
respectivas esposas, todos negros esclavos, que pidieron otro amo por
el maltrato que les daba su ama. De la misma forma Antonia, una
mulata esclava, solicitó cambio de amo, pues alegaba “que si tenía
que ir a pasar trabajos con su amo, no quiere ir con él, que se le de
“papel de venta” para buscar amo a su contento”. O el caso de Juana
Barrantes, una mulata esclava, quién recibió carta de venta de su amo
Francisco de Solís, y ella misma salió con carta en mano a buscar
amo. Según declaración del Capitán Benito Barrantes, “la mulata
había ido a buscarlo para que la comprase” (ANCR, Serie Guatemala
#163,1717, f. 1; Serie Complementario Colonial #5815,1723,f. 9; Serie
Complementario Colonial #4104,1720, f. 1).
Las esclavas y los esclavos, al ser acusados judicialmente, tenían
el derecho de tener un “defensor de esclavos”. Este no va a estar
definido en la legislación sino hasta el año de 1789, dentro de la

126
pragmática para la educación, trato y ocupaciones de los esclavos
(KONETZKE, 1953, p.649). Por ejemplo, Paula, mulata esclava,
tuvo una hija llamada Ana María, la cual fue acusada por su ama de
ingrata para poder revocarle la libertad que le había sido otorgada
primero por donación y luego ratificada en testamento. El goberna-
dor notificó a Paula Sancho que nombrara persona de su confianza
para que la defendiera en este asunto. A lo que Paula replicó: “No
era posible encontrar persona que la defienda porque su señora
era emparentada con la mayor parte de los vecinos, y por esto se
excusan todos a representarla, y suplica al gobernador lo haga de
oficio o como tenga por conforme.” A continuición el funcionario
citó e implementó la real provisión de abril de 1790, en la cual su
majestad ordenó:

que todas las causas, y negocios[sic] que miren a la clase y estado


de esclavos se traten con los procuradores síndicos de los lugares
nombrando a estos por protectores de los esclavos con cargo de
residencia si no cumpliesen sus encargos con la exactitud, celo, y
eficacia que se requiera para sus defensas, y siéndolo en esta ciudad
en la actualidad don José Ruperto Prieto, se le pasen estos autos en
traslado para que alegue a favor de la parte de los esclavos (ANCR,
Serie Complementario Colonial #4480,1772, f. 73).

Otro de los derechos reclamados por las esclavas fue el de poder


obtener su libertad y la de sus hijos, ya fuese a través de la compra
por parte del mismo esclavo o esclava u otorgada por el amo. De ahí
que la legislación indiana mandara “que si algún Negro, ó Negra,
ú otros cualesquiera tenidos por esclavos, proclamaren á la libertad,
los oigan, y hagan justicia, y provean que por esto no sean maltratados
de sus amos” (Recopilación, 1973, p. 362).
A este respecto dos casos interesantes son el de Paula, mulata
esclava quien recurre al supremo tribunal “pidiendo auxilio, y favor
como las leyes lo franquean”, para litigar en contra de Manuela
Gertrudis Sancho de Castañeda, ama de su hija y hermanas, para
que les conceda la libertad según lo estipulado en carta de libertad
otorgada por Sancho en su testamento. Por tanto pide al gobernador

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 127
que tanto su hija como su hermana y sobrinos sean declarados libres
en el momento en que se halla verificado el fallecimiento de Sancho,
pues le “parece que usando del derecho materno debe solicitar el
bien de su hija” (ANCR, Serie Complementario Colonial #4480,1772,
fs.66v,116). Este litigio finalizó, en 1790, después de 18 años, cuan-
do el gobernador de turno ordena se le diga a Sancho de Castañeda
que no puede vender las esclavas y que después de su muerte deben
quedar libres.
Otro caso interesante es el de Pascuala, una mulata esclava que
fue vendida por don José Francisco Taboada a don Manuel Antonio
de Arana, vecino de Nicaragua, junto con su madre por solicitud de
ésta. Taboada, aunque no indica el nombre de la madre, sí enfatiza
que de una manera vehemente esta mujer se negó a ser separada
de su hija. Taboada sostiene que ante tal petición no tuvo más que
representar el derecho natural y el paternal, pues aunque la niña no
tenía la edad para poder hablar la madre lo hacía por ella. Ya que la
niña iba a ser vendida a otros amos, la madre alegaba que su hija
“no quedaba en donde la criasen con el gusto que ella deseaba, y
que quería gozar del beneficio de libertarla.” Refiere Taboada que la
madre ya era libre y estaba trabajando para liberar a la hija (ANCR,
Serie Complementario Colonial #4707,1786, fs. 3v, 4, 11).
Estos testimonios bastante elocuentes evidencian la lucha que día
a día realizaron estas mujeres en su diaria convivencia en la sociedad
colonial. Por una parte encontramos aceptación, como en el caso de
Taboada, quien respetó el derecho de la madre; o por otra parte la
oposición al derecho de la madre sobre sus hijos, como es el caso de
don Juan Antonio Barrantes, quien argumentó que “la esclava tenía
cinco años de edad, cuando se vendió, y no necesitaba ya del abrigo
y calor de la madre para su crianza” (ANCR, Serie Complementario
Colonial # 4707,1786, f. 9).
Como hemos visto, el mundo de las mujeres esclavas en la
provincia de Costa Rica fue un mundo de explotación sexual,
abuso y castigo. Sin embargo, igualmente constatamos que las es-
clavas, este sujeto doblemente subalterno en su calidad de mujer
y de esclava, fueron capaces de implementar diversas estrategias

128
de resistencia, que incluyeron el escapar de sus amos, vía la fuga
o el confrontar a sus amos, vía la acción jurídica para hacer va-
ler sus derechos y los de sus descendientes. Estas mujeres, en la
esfera exterior del trabajo responden al mundo de su amo, en su
papel de productividad y en la participación en la producción de
alimentos, como también en el mercado; y al interior de su mundo,
de su comunidad esclava, intentan responder a su rol tradicional
como mujeres africanas. Como mujer, madre y esposa conservan
la influencia de las tradiciones culturales africanas, mantienen
una batalla por sobrevivir a la deshumanización y el abuso y por
retener su identidad cultural.

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132
R A S U B I L C A: P E R V I V E N C I A H I S T Ó R I C A
DE UNA DEIDAD DEL ANDE PERUANO
EN EL IMAGINARIO RELIGIOSO COLECTIVO

Rosaura Andazabal Cayllahua

A la memoria de don Jesús Urbano Rojas


(Huanta, 1925 – Lima, 2014)

Era Rasu Bilca uno de los ídolos y huacas mayores del Chinchay
Suyo, adonde el Inca acudía para ofrendarla, al igual que a los
existentes en los otros suyos que conformaban el territorio Inca del
Tawantinsuyu (GUAMAN POMA, 1998, p.248).
La toponimia denota la fusión de dos términos Quechua, rasu
que significa nieve o hielo y bilca que quiere decir nieto. Aunque
este último término indicaría otras significaciones como “abuelo”,
“tatarabuelo” y por extensión a “ancestro”; además de poder inter-
cambiarse con los términos “huaca”, o “persona” y/o “lugar u objeto”
con cualidades sobrenaturales; fijándosele también el carácter de
“sagrado”, teniendo de este modo una aproximada traducción de la
toponimia como “nevado sagrado” (LEONI, 2005, p.164). Rasu Bilca
figura en acepciones contemporáneas como Ras[z]uwillka, Ras[z]
uhuillca, Raswillka o Rasuwilca.
Los orígenes de Rasu Bilca se hallarían vinculados, según la
geología, a la conformación de los Andes que se habría dado en
dos momentos del “plegamiento peruano”, uno durante el periodo
Cretácico de la era Mesozoica que levantó las serranías y permitió el
acceso al mar, cuando el eje occidental de los Andes era de menor

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 133
altura que la actual; y el segundo producido a finales del Terciario,
donde las montañas alcanzaron los 3.000 metros sobre el nivel del
mar (OCHATOMA, 2007, p.57) y más.
Es probable que Rasu Bilca constituya una de las deidades reli-
giosas más antiguas del territorio peruano. Su ubicación en el actual
departamento de Ayacucho evidencia una de las ocupaciones humanas
más remotas del Perú, descubiertas por Mac Neish, donde se halló
presencia de “huellas de combustión” y la talla de herramientas líticas
y de huesos de animales, cuya datación cronológica señala los 14.600
a.a.C para el Complejo de Ayacucho, seguido de los yacimientos
arqueológicos de Pacaicasa y Pikimachay (LEÓN, 2007, pp.218-225)
A aquella población primigenia “local” se habría sumado alrede-
dor de los 6.000 a.a.C., en las alturas de Huamanga, otro contingente
humano proveniente de los Andes Centrales, quienes habrían sido
“una primera tradición de pintores prehispánicos” asentados en las
cuevas de Ayamachay y Jaywamachay, donde representaron escenas
sencillas de caza vinculadas a las fases Jaywa y Piki del Complejo
Ayacucho, ubicadas en la subcuenca superior de los ríos Huatatas y
Cachi (ANDAZABAL, 2010, p.13)1. Con ello, la importancia de Rasu
Bilca como símbolo religioso, habría ganado mayores adeptos entre
los nuevos pobladores foráneos a la región y, a través de ellos, cabe
la posibilidad de que su fama haya traspuesto las fronteras locales
de entonces.
La veneración a Rasu Bilca, que desde sus orígenes habría formado
parte de la cosmogonía religiosa regional prehispánica, comprende la
ruta geográfica de las actuales provincias de Huanta y Huamanga, en
el departamento de Ayacucho.
Los estudios sobre la estructura jerárquica de los wamanis en
Ayacucho2 coinciden en señalar la existencia de cuatro hatun wa-
mani (o deidades principales) asociados a cerros nevados. Siendo

1 De acuerdo con la revisión de las investigaciones de Ismael PÉREZ y


José CCENCHO (2004).
2 Según cita que recoge Leoni de las investigaciones de ANDERS (1986),
ISBELL (1978), MORISETTE y RACINE (1973).

134
el de mayor importancia el cerro [nevado] Rasuwillka [Rasu Bilca],
situado en el flanco norte del valle de Ayacucho (Véase mapa), a
4.954 m.s.n.m. De gran influencia en la región, a la que se hallan
subordinados el resto de wamanis (LEONI, 2005, p.152).
Mapa de ubicación del Nevado Rasuwillka [Rasu Bilca] y sitios
arqueológicos de importancia en el valle de Ayacucho (LEONI, 2005, p.153)

Ñawinpukyo y el vínculo sagrado con Rasu Bilca


en el Período Intermedio Temprano

Las investigaciones arqueológicas, etnográficas, antropológicas e


históricas visibilizan la significación e importancia del Apu Rasu Bilca.
Asociada a la cultura Huarpa cuyo principal asentamiento urbano
estuvo en Ñawinpukyo (Ojo de agua), al sudeste de la actual ciudad

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 135
de Ayacucho que, habría logrado ampliar la frontera agrícola de la
región mediante la construcción de andenes (Lagunillas), reservorios
(Quicapata) y canales en Racaypampa (ATLAS DEPARTAMENTAL
DEL PERÚ, 2003, p.49).
Ñawinpukyo (valle de Ayacucho, Perú) fue un pequeño complejo
ceremonial – de la sociedad Huarpa – que data del Período Intermedio
Temprano (ca. 0–550/600 d.C.), ubicada sobre una colina, a 5 km al
sudeste del centro de la actual ciudad de Ayacucho, Colina que forma
parte del flanco sur del valle y alcanza una altura de 3.007 msnm. Allí
si bien se hallan restos arqueológicos en las laderas y en la parte baja
de dicha colina, la concentración más densa se ubica directamente
sobre la cima, donde se configuran amplias áreas abiertas alternadas
con arquitectura arqueológica en ruinas que evidencian una secuencia
ocupacional que va del período Intermedio Temprano (Huarpa) hasta
finales del Horizonte Medio, asociada a ocupación Huari. Contexto
arqueológico que corresponde explícitamente al estudio y análisis – de
Juan Leoni – de un edificio circular en la Plaza Este, relacionado con
una montaña [Rasu Bilca] de reconocido valor simbólico y religioso
(LEONI, 2005, p.151,154).
Los resultados del estudio arqueológico y etnográfico –en analogía
a rituales contemporáneos en la comunidad puneña de Chillihuani3–
de Leoni, en torno a los hallazgos en la Plaza Este de Ñawinpukyo,
perfilan actividades festivas a gran escala de índole religiosa, donde
se habría dado el sacrificio y consumo de camélidos, con el entierro
a posteriori de dichos restos en el espacio más sagrado al interior del
complejo. Además de observarse el entierro ritual de vasijas empleadas
en dichas ceremonias, en estructuras preparadas exprofeso.
La evidente relación del edificio circular con el nevado Rasuwillka
[Rasu Bilca], sería un claro indicador que las ceremonias eran parte
del culto a este cerro, siendo la veneración a las montañas una parte
central de la religión en Ayacucho durante el Intermedio Temprano.
En este sentido, la concentración de restos camélidos hallados en

3 Según recoge del estudio de BOLIN(1998).

136
Ñawinpukyo representaría ritos propiciatorios que apelaban al favor
del cerro Rasuwillka [Rasu Bilca] para el éxito de las cosechas y la
reproducción de los rebaños (LEONI, 2005, p.160). Por otro lado,
el hecho de que los restos animales se hallasen incompletos podría
sugerir varias formas de consumo, una parte de la carne se habría
distribuido en varios lugares, otro tanto fue destinada a ser desecada
(charqui) para almacenarse, y otros tantos pudieron descartarse en
lugares no detectados aún.
Rituales ceremoniales que habrían jugado un importante rol de
integración social a nivel comunitario y supracomunitario que, en
el caso de la reconocida importancia del nevado Rasuwillka [Rasu
Bilca] como poderosa deidad regional, es posible que el centro
ceremonial de la Plaza Este de Ñawinpukyo haya constituido un
santuario que habría congregado a habitantes foráneos, como foco
o como tránsito de peregrinaje que conducía a centros ceremoniales
directamente vinculados a Rasuwillka [Rasu Bilca]. En este contex-
to, la ubicación de Ñawinpukyo adquiere gran significación, pues
además de controlar la entrada al mismo desde el sur, establece una
visión panorámica del valle y del nevado Rasuwillka [Rasu Bilca]
(LEONI, 2005, p.161).
Este período de la prehistoria ayacuchana se habría caracteriza-
do por la presencia de unidades políticas de pequeña escala, repre-
sentadas por conjuntos de sitios centrados en torno a uno o varios
asentamientos principales, como serían los casos de Ñawinpukyo,
Conchopata, Acuchimay y sitios menores, pudiendo haber formado
uno de estos enclaves que controlaron el sur del valle de Ayacucho
(LEONI, 2005, pp.154,155).
Asentamientos de plazas circulares ceremoniales que corres-
ponden, como en este caso, a la cultura Huarpa, vinculados a la
veneración del nevado Rasuwillka [Rasu Bilca], que a diferencia
de los posteriores templos Wari en forma de “D” no muestran, en
general, una asociación directa con dicho nevado. Y ello debido, tal
vez, al impulso de nuevas concepciones religiosas y cosmológicas
impulsadas por las élites de la emergente sociedad Wari (LEONI,
2005, p.162).

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 137
Rasu Bilca (al fondo). Foto: Rosaura Andazabal. 2011

El sitio Wari de Marayniyoq: ritualidad mortuoria


orientada hacia el Apu Rasu Bilca

El sitio arqueológico de Marayniyoq se halla en una larga planicie,


ubicada a sólo 4 kilómetros de la ciudad de Wari, en el lugar llamado
Vega Pampa. Se puede acceder a ella tanto desde Huanta como desde
Ayacucho por la carretera que une a ambas ciudades. Allá pueden
verse secciones y cabeceras de muros, además de alfarería dispersa
del Horizonte Medio sobre un área extensa y, al extremo norte con
estructuras asociadas a cerámica Huarpa del Período Intermedio
Temprano (VALDEZ y otros, 2000, p.550).
Las investigaciones arqueológicas efectuadas en Marayniyoq en
1999 apuntan a señalar que el sitio habría sido un centro especializado
Wari del valle de Ayacucho, destinado al procesamiento de granos
como el maíz y a la producción de chicha. Lo cual se sustenta por el
hallazgo de una serie de batanes (moray) y sus respectivas moliendas
(tunay), junto a grandes vasijas (maqmas) sin decorar de base cónica

138
y otras formas más pequeñas funcionalmente relacionadas a las an-
teriores para la fermentación, transporte, distribución y consumo de
la chicha. Habiéndose necesitado un gran contingente humano para la
preparación, traslado y construcción final de estos grandes bloques de
piedra o batanes que presentan depresiones de forma ovoide en un
solo lado, sobre las que se hallaron moliendas bien pulidas y manos
de piedra (qollota).
De este modo Marayniyoq, junto a Conchopata, sería otro centro
de especialización situado a inmediaciones de la ciudad capital, evi-
denciando que Wari habría dispuesto de diversos centros especializa-
dos, destinados a producir y procesar productos que el centro urbano
y otros asentamientos Wari de la región consumieron (VALDEZ y
otros, 2000, pp.549-562).
Por otro lado, el renovado interés por el estudio de las formas
mortuorias Wari del valle de Ayacucho asociada a la antropología
física, vienen siendo aplicadas a propósito de los descubrimientos
de cámaras funerarias en Seqllas, Posoqoypata, Muyu Urqo – en
Conchopata–, y Ñawinpukyo, los cuales evidencian que durante el
Horizonte Medio en el valle de Ayacucho existieron varias formas
de enterramiento. Y junto a ellas se ubica a Cheqo Wasi, señalada
como lugar de enterramiento de la élite Wari. De allí que se concluya
que la población Wari, en su centro de origen veneró a sus muertos
de forma bastante similar a como lo hicieron los Incas en una etapa
posterior (VALDEZ y otros, 2006, p.114).
En casi todos estos sitios arqueológicos se evidencia que habría
sido una práctica común Wari, por lo menos en el valle de Ayacucho,
el depositar los restos humanos en estructuras subterráneas dotadas
de un acceso superior cubierto por grandes lajas. Lo cual habría
permitido que las estructuras funerarias fuesen abiertas y reabiertas
para depositar nuevos restos, además de facilitar el contacto entre los
vivos y los muertos. Dichos accesos de las estructuras mortuorias, en
todos los casos, estaban orientados hacia el este, hacia la montaña
sagrada Rasuwillka [Rasu Bilca]. Junto a las cámaras funerarias, se
han hallado otras formas de enterramiento en forma de pequeñas
estructuras cilíndricas (cistas), excavadas directamente en el suelo y

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 139
revestidas de piedras, en las que iba dispuesto en cada cista un indi-
viduo en posición sedente con las piernas flexionadas hacia el pecho,
como las halladas en Wari Muyu Orqo en Conchopata y Ñawinpukyo
(VALDEZ y otros, 2006, pp.114, 116)
En el caso de las estructuras mortuorias de Marayniyoq, un sitio
Wari en la sección media del valle de Ayacucho, las excavaciones
efectuadas entre los años 1999 y 2002 han permitido el hallazgo de
dos estructuras funerarias de nuevas formas para el caso Wari. En el
caso de la cámara, la estructura es rectangular, con techo y un acceso,
nuevamente orientado hacia las montañas de Rasuwillka [Rasu Bilca].
Con el techo compuesto de dos bloques de piedra megalítica muy cerca
de la superficie, sobre las que sellaba una cubierta de arcilla compacta
similar a los hallados en Seqllas y Posoqoypata, cuyas paredes son
de pirca sin enlucir, de dos metros de largo por ochenta centímetros
de ancho y una profundidad de poco más de un metro. Al sureste,
similar al de Seqllas, se ubica un pequeño nicho que tal vez haya sido
empleado para el depósito de las ofrendas. Pues por el norte pasa
un largo muro en dirección este-oeste, cuyo acceso de la cámara se
halla conectado a este muro, lo cual podría estar indicando que en su
forma original los muertos fueron orientados hacia las montañas de
Rasuwillka [Rasu Bilca] (VALDEZ y otros, 2006, pp.116, 117)
Estos sitios mortuorios de Marayniyoq aunque intervenidos y
disturbados (evidenciado en el retiro casi total del ajuar funerario, la
dispersión de las muestras óseas fuera de la estructura y la falta de
la cubierta de laja sobre ella) permiten percibir que originalmente las
estructuras debieron de estar cubiertas por tres piedras megalíticas,
además de haberse hallado junto a los huesos humanos, como parte
del ajuar funerario de Marayniyoq, a diez miniaturas de cerámica
de disímiles formas, de mal acabado y sin decoración; a una pieza
trabajada de Spondylus, a cinco pequeños aros de oro y huesos de
cuy (VALDEZ y otros, 2006, pp. 117, 118).
De todo el conjunto del ajuar funerario de Marayniyoq, son las minia-
turas de cerámica las que ocupan un lugar de relevancia en las ofrendas
mortuorias Wari. En síntesis, los resultados de los análisis de los restos
óseos humanos provenientes de dos estructuras mortuorias excavadas

140
en el sitio Wari de Marayniyoq denotan la presencia de una población
numerosa, con individuos de todas las edades y de ambos sexos que
perfilan una alta mortalidad infantil. Dichas estructuras se encuentran
orientadas en dirección al nevado sagrado Rasu Bilca, cuya práctica
de entierro, relativamente común en la población Wari, consistió en
mantener juntos los huesos de varios individuos en estructuras fune-
rarias accesibles para el uso de varias generaciones.

Rasu Bilca en la etapa Inca: de curaca a nevado mítico

La tradición oral que se pierde en los albores de los tiempos con-


textualiza el origen de Rasu Bilca vinculado a la etapa de expansión
Inca en territorio ayacuchano, con clara evidencia de la pugna que
entonces existió con los curacas de Vilcashuamán, uno de los cuales
era precisamente el joven curaca Rasu Bilca que, en este punto de
nuestro estudio, figura como un ser humano de poder social, político,
económico y religioso, de rango local. Supeditado a la administración
Inca, tanto él como otras autoridades locales habían sido despojados
de sus tierras en el valle, y replegados hacia las montañas. En tanto
los valles fueron ocupados por construcciones Inca como el templo
del Sol en Inka Raqay4, donde jóvenes mujeres escogidas vivían para
adorar al dios Sol Inca. Contexto en el cual vemos a Rasu Bilca ha-
ciendo uso de su poder local como curaca que se desplaza con libertad
en su entorno más próximo, que va en busca, tal vez, de legitimar
su ascendencia a través del enamoramiento de una mujer prohibida,
destinada al culto solar, estableciendo de este modo serias fricciones
con el Estado Inca, al haber traspuesto los límites y reglas de dicha
religión. Lo cual perfila la posibilidad de que el joven curaca Rasu
Bilca hubiera sido exterminado y enterrado en el Apu Nevado Rasu
Bilca, como parte de las sanciones que le correspondía, según las leyes
del incanato para el caso de las vírgenes del Sol y de las mamaconas,
como son citadas en las crónicas de los siglos XVI y XVII.

4 o Incaraqay, situado en la cumbre del cerro Alkowillka (VALDEZ,


2000, p.14)

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 141
Así, el que tuviese relaciones sexuales con las vírgenes del Sol,
aunque ellas consintiesen, era condenado a la horca, colgado de los
pies hasta morir o enterrado vivo, y si el que había cometido el de-
lito era “casado”, la sanción alcanzaba a la esposa, a los hijos, a los
criados y al vecindario; mientras que la virgen del Sol era enterrada
viva. Similar suerte corría aquel que osaba escalar la casa o el reco-
gimiento de las mamaconas, pues morían colgados de los pies en la
casa donde se había cometido el delito; y si la mamacona era la que
había permitido el ingreso y pecado con él, recibía la misma pena
(ANDAZABAL, 2007, p.20).
Aunque la versión oral que veremos a continuación no expresa
de manera tácita que el curaca Rasu Bilca haya consumado el acto
sexual en la virgen del Sol Waman Tika (flor del águila), la desobe-
diencia de ambos les habría costado la vida, ajustándose a las leyes
del Inca. Pudiendo caber la hipótesis de que las autoridades Incas,
frente al homicidio perpetrado, hayan empleado la mitificación de
ambos personajes para evitar de este modo un enfrentamiento con
las autoridades locales, sobre todo en el caso del curaca Rasu Bilca,
quien si bien estaba sometido a la ley del Inca, no era parte de él ni de
su curacazgo. Razón por la cual el curaca Rasu Bilca es “convertido”
en el nevado sagrado de mayor altura, de gran jerarquía y poderes
sobrenaturales, que controla todo el valle de Huanta y traspone sus
fronteras hasta Huamanga y más. Y siendo Waman Tika una figura de
menor rango y poder es “convertida” en laguna, dando lugar – según
esta leyenda – al origen del hermoso valle de Huanta.
Esta versión recogida por Saturnino Ayala Aponte5 forma parte
de la tradición oral de la provincia de Huanta, en el departamento de
Ayacucho (Perú), donde Rasu Bilca pervive aún como el Apu Wamani
de mayor jerarquía.
Cuenta la leyenda que en Huanta se hallaba Inka Raqay, un templo
Inca donde bellas ñustas cuzqueñas vivían para adorar al dios Sol,
bajo el mando y cuidado de mama Ccoyllur (Madre Estrella). Se dice

5 Tomado de: http://stephannycardenas.wikispaces.com/MITOS+


Y+LEYENDAS+DE+HUANTA

142
que de todas ellas destacaba por su gracia y belleza la ñusta Waman
Tika (Flor del Águila), quien cierto día que se hallaba junto a mama
Ccoyllur preparando chicha para una ceremonia sagrada, y al verse
que hacían falta algunas yerbas silvestres para su elaboración, fue
enviada a recoger llantén y pinco pinco hasta las orillas del río Cachi,
muy cerca del templo.
Waman Tika iba feliz por el camino, y como fiel servidora del pa-
dre Sol alzaba sus manos al cielo para agradecerle por el caluroso día
que le regalaba. Llegó así al remanso del río, cuyas aguas cristalinas
reflejaban su imagen cual si fuese un espejo. Extasiada la bella ñusta
se inclinó para recoger con las manos un sorbo de agua que mien-
tras bebía, le agradecía al río Cachi por lo fresquita que estaba; pero
como el intenso brillo del Sol seguía sofocándola, decidió presurosa
mojarse el rostro, y tan pronto sintiera esa sensación de frescura se
vio tentada a bañarse. Había mirado a todos los lados para cerciorarse
que estaba sola, y creyéndolo así, se introdujo tan solo en camisón
en aquellas límpidas aguas.
Waman Tika había olvidado las palabras y consejos de Mama
Ccoyllur, quien les tenía prohibido tanto a ella como a todas las ñustas
que como hijas del dios Sol no podían mostrarse a ningún mortal,
menos aún el cuerpo, pues de hacerlo serían expulsadas del templo
Inka Raqay.
Ya era tarde para volverse atrás, pues la inocente ñusta no había
advertido que muy cerca de allí, oculto, y detrás de un árbol, la miraba
embelesado el poderoso jefe huantino Rasu Bilca.
Rasu Bilca, aunque respetuoso con los incas, siempre mantuvo
una actitud de odio, desafío y disconformidad para con ellos, pues
no olvidaba que en la defensa de sus tierras habían muerto en las
zonas de Ayahuarcuna y Quinua los mejores guerreros. Los incas, si
bien respetaron a los jefes huantinos otorgándoles libertad de tránsito
por donde quisiesen, les habían quitado las mejores tierras del valle,
conminándolos a vivir en las punas, además de haber reemplazado
en Vilcas a su dios Waman (Águila) por el dios Sol.
Rasu Bilca, aprovechando su condición de jefe, desde hacía tiempo
ya rondaba el templo Inka Raqay, pues desde el día que vio por vez

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 143
primera a Waman Tika, había quedado prendado de su belleza. Él no
consideraba lo prohibido que estaba el mirar a las ñustas sagradas del
Sol, que estaba penado bajo pena de muerte. Por ello, aquella mañana
que vio salir a Waman Tika del templo, la siguió – sin dejarse ver –
hasta el río Cachi, donde distraída vio bañarse a la inocente ñusta.

Dibujo: Juan Zárate Cuadrado, 2014.6

Tan pronto la ñusta advirtiera perturbada que un hombre la


miraba, muy rauda empezó a cubrirse toda; asustada y mirando al
cielo le pedía desesperada a su padre Sol que la cubriese de la mirada
impropia de Rasu Bilca. Así, Waman Tika pudo salir presurosa del río
e ir corriendo en busca de sus ropas para vestirse.
El dios Sol escuchando los ruegos de la bella ñusta le envió con
la diosa Pachamama (Madre tierra) una nube de velo blanco para
que la cubriera totalmente, pero ello solo duró un instante porque

6 Trabajado en base a la imagen que se halla en: http://stephannycardenas.


wikispaces.com/MITOS+Y+LEYENDAS+DE+HUANTA

144
enseguida Rasu Bilca, saliendo de su escondite, empezó a soplar con
suma fuerza para que la nube que cubría el cuerpo de la ñusta cayese.
Admirando la belleza de la joven cuzqueña, el atrevido Apu
huantino, entre emocionado y soberbio le dijo: ¡Adorable hija del Sol!
¡Waman Tika esplendorosa! Permite que este humilde enamorado
contemple tu belleza sin par.
Sin hacer caso de las palabras del valeroso huantino, Waman Tika
trató de coger su ropa para cubrirse, y le pidió a la diosa Pachamama
que le ayudase a salvar su pureza. La diosa, acudiendo al llamado de
la ñusta, le cerró el paso con una frondosa rama al impetuoso Rasu
Bilca, dándole tiempo a la desconsolada ñusta para que se vistiese.
Enojada, la diosa Pachamama le ordena al Apu Rasu Bilca que
se marche, increpándole que había labrado la desgracia de Waman
Tika al haberla mirado. Rasu Bilca indolente le da la espalda a la
Pachamama y se va.
Mamakuna Ccoyllur que desde lo alto del templo había visto toda
la escena, esperaba indignada a Waman Tika por la enojosa situación
que había provocado su descuido. Por ello, al verla venir, bajó rau-
da hasta las puertas del templo, donde detuvo a Waman Tika para
reprenderla por lo que había hecho, y más severa aun la miraba con
desprecio por haber sido profanada. Enseguida Mamakuna Ccoyllur
cerró las puertas del templo a la desconsolada ñusta, señalándole que
en adelante debía cuidar de su destino.
Dicen que Waman Tika, cayendo de rodillas frente a las puertas
del templo, lloraba su desgracia, y que sus lágrimas que a raudales
caían se iban convirtiendo en rocas cristalizadas, y de este modo todo
el valle se iba volviendo un roquedal.
Viendo el mal que causaba, Waman Tika le invocó a la Pachamama
que sus lágrimas no dañasen el lugar, sino que sirviesen para regar
las tierras conservando su verdor.
Mientras tanto, Rauraq, amigo de Rasu Bilca que había observado
toda la escena, se fue en busca de él para contarle lo que sucedía con
la bella ñusta. Luego de escuchar a Rauraq, el Apu Rasu Bilca llegó
hasta donde se hallaba Waman Tika llorando arrodillada, y cuando
intentaba levantarla del brazo para pedirle que fuera su esposa, de

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 145
pronto la tuvo que soltar porque un trueno retumbó en el lugar, vi-
éndose la luz intensa de un relámpago.
Era la diosa Pachamama que había impedido que el Apu Rasu
Bilca tocase a Waman Tika diciéndole: ¡Alto Rasu Bilca! ¡No puedes
tocar a una Virgen del Sol! Es voluntad del dios Sol que desde este
momento te conviertas en un majestuoso nevado, protector de estas
comarcas, y como no obraste por maldad sino por amor, el padre Sol
te concede el consuelo de que tus lágrimas se unan a la de tu amada
Waman Tika en este bello vergel, destinado a ser la “Esmeralda de
los Andes”. Esta es la denominación que hasta la actualidad ostenta
la provincia de Huanta, en el departamento de Ayacucho.
De este modo, la memoria oral nos señala que el Apu Rasu Bilca
y Waman Tika fueron castigados por no cumplir las leyes sagradas
del dios Sol. Ambos personajes dejan su condición humana para in-
tegrarse al entorno geográfico – de la ceja de selva ayacuchana – de
la Pachamama, y, debido al poder local que ostentaba Rasu Bilca y
al haber actuado por amor, el dios Sol (Inca) lo erige como el neva-
do tutelar de Huanta, el de mayor altura e importancia, el principal
abastecedor de agua que discurre hasta confluir en su sima con su
amada Waman Tika en varias de las lagunas encantadas que aún hoy
forman parte del entorno cosmológico de sus habitantes.

El Apu Nevado Rasu Bilca en el imaginario religioso


del Arte ayacuchano

Instaurada la colonia, podría haber parecido que las órdenes de la


corona española de extirpar las idolatrías habrían logrado su cometido
de erradicar todo viso religioso pagano, para dar paso a la expansión
y legitimación de la religión católica que venía del occidente con Dios
Padre celestial, Dios Hijo crucificado y el Espíritu Santo transfigurado en
una inmaculada paloma blanca, junto al sistema de catequesis que las
diferentes órdenes religiosas fueron enseñando con la Biblia en mano,
a la feligresía sometida que buscaban convertir. Pero, según demuestra
la historiografía contemporánea en torno al sincretismo religioso del
ande peruano, esto se tradujo en una suerte de resistencia subrayada

146
en una serie de mecanismos que los andino-amazónicos emplearon
para conservar, representar y mantener vigentes a sus dioses en sus
paqarinas de origen, sea en los cerros, nevados, promontorios, colinas,
cuevas y lagunas.
Es el caso del Apu Nevado Rasu Bilca, que como ya hemos visto
fue y es aún el de mayor importancia en el actual departamento de
Ayacucho, formando parte de la cordillera oriental que delimita con
la selva de San Francisco (ARROYO, 2006, p.105) y está rodeado
de cinco lagunas mágicas denominadas San Antonio, Pampaqocha,
Chakakqocha, Yanaqocha y Qarqarqocha (URBANO R., 1999, p.1).
Su importancia como deidad principal en el imaginario colectivo
de los ayacuchanos, que habría trascendido, como hemos visto, desde
épocas prehispánicas hasta hoy, radica en su poder asociado a la fer-
tilidad de la tierra, a la reproducción del ganado y a la redistribución
de las aguas que emanan de sus cinco lagunas. Todo lo cual se halla
íntimamente relacionado a sus poderes sobrenaturales como otorga-
dor de riquezas y bienestar para sus habitantes, pero también letal
sancionador cuando se profana su entorno o no se le ha ofrendado
como lo amerita.
Estas son razones fundamentales por la que sus habitantes han
preservado por siglos una mezcla de temor, respeto y afecto por él, tal
como se puede discernir de las palabras de algunos de los máximos
exponentes del arte ayacuchano.
Es el caso del retablista huamanguino Joaquín López Antay,
dedicado a la producción de arte religioso popular que por la década
de 1930 y en época de auge abasteció a los arrieros de Carmen Alto
que partían de Huamanga en grandes tropas, para emprender largos
y costosos viajes, quienes llevaban para la venta y/o el intercambio
(trueque) imágenes religiosas que él modelaba con sumo fervor re-
ligioso (ARGUEDAS, 1958, p.188). Había pertenecido a una familia
de ascendencia española por línea paterna, e india por vía materna,
pero no indio común, sino pequeño propietario de tierras. Aprendió
el oficio de “escúltor”, de su abuela materna Manuela Momediano de
Antay. Mientras que su abuelo fue fabricante de qollqe libro (libro
de plata), láminas de enchapar, multicolores, que aplicaba tanto

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 147
a los cofres como al ornamento de los aparatos de cera (ARGUEDAS,
1958, p.189).
Don Joaquín López Antay fue un católico practicante que había
cumplido tanto con los cuatro cargos religiosos principales de su barrio,
como también por haber apadrinado varios bautizos y matrimonios.
Pero, cuando la ciencia médica no pudo curar a su esposa de una infec-
ción a los senos, poco después de que alumbrara a su último hijo, don
Joaquín solicitó ayuda al “Pongo” (curandero y brujo) Brun Medina,
quien vivía en la hacienda Huatata. Entonces el “Pongo” invocó a los
“Yayas” (espíritus de las grandes montañas) ofreciéndoles coca, cigar-
ros, yuraq llampu, naranjas y un “San Marcos” (retablillo que el mismo
don Joaquín fabricaba), colocándolo todo sobre una mesa. Se dice que
acudieron cuatro montañas y le dieron una receta para la esposa de don
Joaquín: que se frotara suavemente los senos con piedras calentadas,
habiendo mejorado la enferma con dichas aplicaciones.
Una de las montañas era “Rasuillka” [Rasu Bilca], de quien Don
Joaquín hablaba con mucho respeto, señalando que era un serafín,
un ángel, pero que para acercarse a la gran montaña nevada era ne-
cesario pagarle con toda reverencia, pues de lo contrario aniquilaba
y castigaba a los hombres (ARGUEDAS, 1958, p.190).
De toda la mesa ofrecida destaca el retablillo huamanguino
o cajón San Marcos, donde figuran los Santos patrones, el cóndor,
la pasión y reunión – que configura el castigo de los pastores, ante
la falta de algún ganado o producto de la tierra durante la rendición
de cuentas que el hacendado efectuaba – constituyendo una conjun-
ción mágico religiosa mestiza, en la que el sincretismo ha obtenido
una representación plástica para cumplir los fines de los cajones San
Marcos. Como un instrumento de nexo vinculante en el llamado
a las montañas que el Pongo hace para consultas médicas, y para
que favorezca la producción, formando parte del conjunto de ritos,
danzas y juego mágico con que se celebra la herranza o marcación
del ganado, de vital importancia en toda el área Chanka y su zona
de influencia como Chumbivilcas en el Cusco. Presidiendo también
el cajón de “San Marcos” antiguos ritos para la celebración de las
cosechas (ARGUEDAS, 1958, p.193).

148
Ritos de producción que figuran junto a los ritos de permiso
que se pide al Apu Rasu Bilca para acceder a su territorio, como
el que hasta la actualidad se practica tanto por los habitantes de
la periferia huantina, huamanguina, como de otros lares. Como el
realizado en el año 2011, donde tuve la fortuna de participar en
compañía de los ceramistas Rosalía y Filomeno Tineo, junto a su
sobrino Carlos Pizarro. Pago ritual que hicimos en una especie de
bloque de piedra de gran proporción que funge de cueva (véase
en la siguiente foto), cuyo pequeño acceso al extremo izquierdo
inferior se halla lleno de ortigas negras y de las comunes, al interior
del cual se halla dispuesta una laja gruesa de piedra sobre el piso –
a modo de una mesa – sobre la que se deja la ofrenda y se prenden
las velas que cada uno pueda dar. Este lugar mágico religioso se ubi-
ca antes de llegar a la laguna que al pie del Apu Rasu Bilca se halla.

Lugar de ofrenda a Rasu Bilca. Foto: Rosaura Andazabal. 2011

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 149
El Apu Nevado Rasu Bilca itinerante:
De Huanta a Alto Huampaní

Rasu Bilca pervive aún como deidad de importancia no sólo en la


cosmogonía religiosa colectiva ancestral de los huantinos y huamangui-
nos, sino también a través del proceso migratorio que los pobladores
de dichas zonas iniciaron hacia Lima desde la década de 1940, y con
mayor énfasis durante las décadas de violencia que diezmó la poblaci-
ón ayacuchana, entre 1980-2000. Habría migrado también Rasu Bilca
como Apu protector de muchos de los que huyeron de aquel infierno.
De este modo, Rasu Bilca se reconfigura y se desdobla como deidad
itinerante en la urbe limeña, allí donde masivamente se asentaron los
migrantes ayacuchanos, en los conos de Lima, donde han pugnado
por un espacio para vivir, por incorporarse al mercado laboral, por
acceder a elementales servicios básicos (agua, desagüe, luz eléctrica,
pistas y veredas), como también al acceso a la educación para sus hi-
jos, amén de otras conquistas.
Bajo la estructura de la
Cruz Andina, Rasu Bilca se hizo
tangible desde 1998 en Alto
Huampaní (Chaclacayo, Lima)
por obra del retablista e imagi-
nero don Jesús Urbano Rojas.
Primero, la Cruz de Nuestro
Señor de Rasu Bilca fue ubicada
en lo más alto del cerro, como
emulando al que él había visto
y venerado en Huanta, tanto al
Cristo occidental como al Apu
ancestral, aunque a este último
lo sintiera más, según veremos
en las siguientes líneas.
Jesús Urbano Rojas. Cruz de Nuestro Señor de Rasuwillka.
Alto Huampaní,1990; madera y pasta policromada, 350 x 120 cm.
Foto: Rosaura Andazabal, 2010.

150
Don Jesús Urbano Rojas fue discípulo de don Joaquín López Antay,
nacido en el pueblo de Soqosqocha (Laguna de totorales), de la provincia
de Huanta, departamento de Ayacucho (Perú), un 11 de noviembre de
1925 (ANDAZABAL, 1997, p.1)
Su Arte puede definirse en tres coyunturas vivenciales, prime-
ro la formación tradicional del tejido y la alfarería aprendida de
sus padres doña Paula Rojas y don Luis Urbano López, durante
la infancia (1930-1939) transcurrida en Soqosqocha. Un segundo
lapso (1940-1950) corresponde al valioso conocimiento adquirido
en Huamanga, en el taller de don Joaquín López Antay, quien
lo adiestra con suma rigurosidad en el arte de la imaginería y los
retablos. Mientras que una tercera fase se inscribe en el contexto
de juventud, experimentando durante cuatro largos años (1955-
1959) los avatares del arrieraje que cubría rutas comerciales desde
Huamanga hacia Lucanas (Ayacucho), Andahuaylas (Apurímac)
y Castrovirreyna (Huancavelica); proceso que nutrió no sólo su
imaginario alegórico en torno a la cosmovisión del hombre rural
surandino, de ceja de selva, sino que también le permitió observar
in situ el circuito comercial con las zona rurales para la venta o
trueque de los Cajones San Marcos, cuyo nexo eran precisamente
los arrieros ayacuchanos.
Imbuido de todos esos conocimientos, en la figura de don Jesús
Urbano Rojas se forjaba un nuevo prototipo de Artista autodidacta
que, a finales de 1950, manejaba técnica, costos de producción y
era conocedor del mercado urbano/rural para la distribución de sus
futuras producciones (ANDAZABAL, 2007, p.31).
Desde sus inicios mantuvo una producción exitosa basada en
la renovación de los temas, con una marcada predilección por el
uso de elementos correspondientes al entorno cosmogónico de los
arrieros de Carmen Alto – como el mismo lo había sido-, y de los
hombres de las alturas o chuturunas, mostrando de estos últimos
una prolífica representación de la vida cotidiana agroganadera,
festiva y religiosa, dispersos en los diferentes pisos altitudinales
y estratificados según la posición económica que detentaban los
disímiles sectores sociales.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 151
En la estructura iconográfica de su obra hay una deliberada in-
tención estética que armoniza tanto los colores como los diseños de
las puertas con el escenario interno, como por ejemplo en la Fiesta
de las cruces de los chuturunas (véase foto), donde los tres cerros
Rasuwillka [Rasu Bilca], Ninawaqra y Yanawaqra, que figuran al
interior del retablo y en ambas tapas internas, resultan ser los Apus
a los que reiteradamente acuden los chuturunas con sus pagapus de
guarango, trébol, hoja de coca de cinco puntas, aguardiente, cebo y
otros, cuyo escenario se concreta con la disposición descendente de
los tunales hacia las zonas bajas de los valles, tránsito obligado hacia
la ciudad. Esta proporcionalidad intencional de los Apus y cruces
designa el grado jerárquico que existe entre ellos (ANDAZABAL,
2007, p.32). Pero también, aunque refleja cierta paridad en el fervor
de los chuturunas respecto a ambos íconos andino-occidental, se
observa una leve ascendencia hacia el ícono andino al representar
sobre las cruces, en la cima triangular de los retablos, al guarango,
que es una planta medicinal y de gran utilidad para la elaboración de
sogas y puentes colgantes, el cual corresponde al entorno ecológico
de los Apus (ANDAZABAL, 2007, p.34).

Jesús Urbano Rojas. Fiesta de las cruces de los Chuturunas. Huanta, 1952.
Madera y pasta policromada, 41 x 41.5 x12.4 cm. Colección John Davies.
Foto: Daniel Gianoni (URP-ICPNA, 2010, p.76)

152
Como puede verse, don Jesús Urbano Rojas fue un artista nacido
en el entorno cosmogónico de los chuturunas de Huanta, de tránsito
hacia la selva. Veamos cómo y desde cuando el artista se halla vincu-
lado al Apu Rasu Bilca y como lo traslada, lo renueva y lo preserva en
la Lima periférica de la década de 1990 en Alto Huampaní (Chaclacayo,
Lima), donde se halla su casa-taller.
Cuenta don Jesús que la primera vez que llegó a la montaña tendría
unos nueve o diez años de edad, y fue en mayo que su padre lo llevó,
porque este es el mes que tienen por costumbre los huantinos visitar
la citada montaña. Para llegar al pie de Rasuwilca [Rasu Bilca] fueron
por el costado de la laguna de San Antonio en zigzag, como si fuera
una serpiente. A la mano izquierda estaba el Taita Orqo Yanawaqra
(Padre cerro de cuernos negros), y hacia la izquierda llegaban casi
a los brazos del señor de Rasuwilca [Rasu Bilca]. Hacia abajo se halla
Huantaqasa, Pariapampa y Uchuraccay; y de allí se sigue hasta la
selva de Huamanpata, vía por donde se llega también hasta una joven
montaña virgen y soltera, a la que se denomina Pasñato (URBANO y
MACERA, 1992, p.133).
Los Apu Orqo – como Rasu Bilca – ayudan al buen caminante
y aprenden de sus pongos. Ellos saben curar todo mal y el susto en
las personas, y lo hacen con las cerdas que el yayan cóndor tiene
en su pecho. El cual llevan bien guardado en una chuspa (bolsito
de lana de camélido). Aunque no todos los pongos pueden coger
dichas cerdas, pues solo lo hace el de mayor jerarquía, el pongo
principal, que es del señor Rasuwilca [Rasu Bilca], por ser el más
poderoso y el más rico de todos. Alrededor de Rasu Bilca existen –
o existieron – varias lagunas, y debajo de él también tiene a otras
lagunas escondidas. Contaba don Jesús que este pongo del Tayta
Orqo Rasuwilca había firmado con su sangre para ejercer dicho
cargo hasta el día de su muerte. Durante ese tiempo tuvo mucho
poder para lo que quiso hacer; a este pongo de Rasuwilca le llaman
Wiracocha, porque sólo a él le hace caso el yayan cóndor o Padre
Cóndor, mientras que los pongos menos poderosos de la zona
son los de Torongana, Pucajasa, San Cristóbal, y así siguen otros
(URBANO y MACERA, 1992, p.169).

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 153
Pero hacia el año 1992, señalaba don Jesús que todo había
cambiado para el padre Rasuwilca, porque antes sus cinco lagunas –
Pampaqocha, San Antonio, Qarqayqocha, Yanaqocha y Chakaqqocha
– estaban llenas de agua y mantenían la producción de las tierras; sin
embargo, desde que la gente ya no guardaba respeto al mes bravo,
había bajado el caudal de sus aguas, debido a que la nieve maciza
había empezado a desaparecer. Estas lagunas eran bravas, nadie podía
entrar en ellas, habiendo en sus bordes solo planta de ichus, donde
sólo bebían y pastaban los animales silvestres del cerro.
Recordaba don Jesús de lo que había oído de sus parientes mayores
que, a la llegada de los españoles, en su tierra Huanta, los hombres
de los Orqos (cerros) hicieron una asamblea para la defensa de los
señores Ninawaqra (cuernos de fuego), Yanawaqra (cuernos negros),
pero sobre todo del gran Apu Rasuwilca [Rasu Bilca]. A los Orqos
nadie los mandaba hasta que llegaron los curas, quienes con engaños
empezaron a colocar imágenes católicas al pie o en las faldas de los
cerros, para engañar a los pobladores que eran apariciones milagrosas,
con el objetivo de erradicar el demonio, fundando allí hermandades
y cofradías, además de poner la cruz en el cerro. Pero los Tayta
Orqo (Padres cerro) se defendían, resistían hasta que venía el rayo
o illapa y los destruía. No obstante, a tanta persistencia se ha logrado
dominar al señor Ninawaqra conocido hoy por la gente joven como
cerro Calvario. El señor Yanawaqra destruyó las cruces que pusieron
sobre su cima. En cambio al señor Rasuwilca [Rasu Bilca] nunca han
podido hacerle nada. “Ese no acepta nada de zonceras”, le decía su
padre a don Jesús, pues allí mismo se traga el corazón de la gente o
suelta sus piedras (URBANO y MACERA, 1992, pp.170-171).
Don Jesús sabía que el sol venía desde el sur y aparecía en di-
ciembre en el cerro Yanawaqra; avanzaba hasta llegar en el mes de
marzo donde el señor de Rasuwilca [Rasu Bilca], y así hasta el cerro
Ninawaqra o Señor del Calvario. Este era el tiempo de la cosecha
que coincidía con la fiesta del señor San Juan y la fiesta del señor
Santiago. De allí volvía nuevamente hasta llegar a Rasuwilca en el mes
de setiembre y en diciembre en Yanawaqra. Es decir, que visitaba al
nevado dos veces al año, junto a la llegada de la Mama Killa o Luna,

154
por ello señala don Jesús que los pobladores decían que eran un ma-
trimonio y cuando estaban juntos la Pachamama o Madre tierra se
abría y se ponía brava. Los hijos del Sol y de la Luna son las estrellas
y los luceros, siendo el mayor de estos últimos el Chisincuy lucero.
Dicen que la Luna, después de los días y las noches de su recorrido,
llega bonita, redondita, al cerro Rasuwilca (URBANO y MACERA,
1992, pp.183-185).
Rasuwillka [Rasu Bilca] es la montaña más alta de la región nor-
te de Ayacucho que, en las últimas décadas, ha perdido su eterno
nevado. Recuerdan las personas mayores que sea en invierno o en
verano abastecía de nieve a la población de Huanta, con las que los
comerciantes elaboraban raspadillas y helados. Todos los campesinos
de las provincias de Acobamba y Angaraes de Huancavelica, además
de los de Huanta y Huamanga, esperan que la cima del Rasuwilca se
cargue de nubes negras que los rayos y truenos provocan, para que las
lluvias bajen hasta dichos pueblos. Y estando de camino al oriente, sus
lluvias también alcanzan a la selva peruana (ARROYO, 2006, p.25).
Don Jesús tenía una vida hecha en Huamanga, había formado en
1963 la Escuela Particular de Artesanía, oficializada en 1979, siendo
su director hasta 1983, año en que fue destituido por el Estado al no
poseer título universitario. Paralelamente, condujo en el lapso de
1963 a 1981 el programa radial “Riqchari Llaqta o Despierta pueblo”.
Para entonces, en el año 1976, había fallecido ya su primera esposa,
doña Domitila Cárdenas, con quien tuvo tres hijos: Jesús, Guillermo
(fallecido) y Lourdes. La década de 1980 se tornó terrible para la
vida de don Jesús y sus hijos. Frente a la amenaza que significaba
para cualesquier poblador asumir in situ la cruenta guerra interna en
Huamanga, decidió migrar a Lima junto a los suyos. Donde luego de
sortear mil dificultades se establece en Alto Huampaní, y gracias al
apoyo del entonces presidente de la República peruana accede a un
puesto en el Colegio Nacional Santiago Estenós, donde ha dictado el
curso de Arte Popular, paralelo a las clases que impartía en la Escuela
de Arte que formaron los esposos Davies Benavides, en el Centro
Recreacional de Huampaní (Chaclacayo). Allí conocería a la señora
Genoveva Núñez Herrera, su dilecta discípula y esposa desde 1984, con

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 155
quien ha impulsado desde 1998 la celebración de la fiesta de la Cruz de
Nuestro Señor de Rasuwilca [Rasu Bilca]. Bajo el análisis de Nietszche
(1998, pp. 45-47), don Jesús Urbano Rojas formaría parte del pueblo
que cree en sí mismo y preserva a su propio Dios, aun cuando en la
cotidianeidad local hayan sido a veces amigos o a veces enemigos. Y
para que no pierda el poder, le quedan dos caminos: o bien se vuelve
mojigato, timorato, aconsejando la paz del alma o enseña el amor
tanto a amigos como enemigos; o en su defecto resiste, se transforma
y dirige a su pueblo. En este caso, don Jesús Urbano Rojas ha sido el
nexo vinculante de traslado simbólico del Apu Rasuwilca [Rasu Bilca]
hasta las alturas del Asentamiento Humano de Alto Huampaní, donde
ha privilegiado el poder de su mítica deidad ancestral, compartiendo
con sus vecinos de la primera y segunda zona, que por coincidencia
agrupa a un gran porcentaje de migrantes de la provincia de Huanta.
Desde entonces (1998), allí se celebra la Fiesta de la Cruz de
Nuestro Señor de Rasuwilca [Rasu Bilca], cada 3 de mayo de todos
los años. El proceso de la celebración a la Cruz se inicia dos días antes
de la fecha central, conocido también como la antevíspera, donde un
devoto acompañado de otros devotos, voluntarios, convivientes y
recién casados velarán a la Cruz de Rasuwilca durante toda la noche.
Acompañados de grupos musicales, bailarines y el canto en coro del
pueblo. Bajan a la Cruz de lo alto del cerro, ubicado en la segunda
zona de este asentamiento humano.
Don Jesús, que estuvo con vida hasta la última fiesta del año
2014, siempre que se hacía ello, instaba a que bajasen y cargasen la
Cruz hasta su casa, a aquellos que tenían serios pecados por robo,
por mentirosos, por ociosos, o por ser herejes arrepentidos, para que
la Santísima Cruz los redima de sus delitos. Así llegaban los fieles
devotos a la casa del que velaría la Cruz, quienes ofrecen comida y
bebida típica a la usanza de los huantinos. Paralelamente el rostro
de Cristo que va en una urna de madera y vidrio, en la cima central
del travesaño superior de la Cruz, es también velado en casa de otro
oferente (URBANO, 1989, pp.3-6)
Al siguiente día o víspera, que es el día 2 de mayo, el mayordo-
mo recoge la Cruz desde la media tarde y la lleva a su casa, siempre

156
acompañado de gente, músicos y bailarines. Allí beben abundante
chicha de jora y comen algún potaje típico como el picante de trigo.
Tanto en Huanta como en Alto Huampaní se empieza a adornar la
Cruz, por especialistas que amarran cabuyas amarillas (paqpa chill-
paska), maíz, espigas de trigo y cebada en floración, así como choclos
y frutas, plumas de loro, de papagayo o de pavo real, cubriendo todo
el cuerpo de la Cruz. Cada mayordomo o pueblo las adorna de acuerdo
a sus posibilidades. Así, se observan disimilitudes entre las adornadas
por los chuturunas u hombres de las alturas como don Jesús y las
cruces de los quechuarunas (del valle medio) y de los llaqtarunas
u hombres del pueblo (URBANO, 1989, pp.6-7).
El atavío que los quechuarunas hacían a la Cruz destacaba por su
extraordinaria belleza, se valía de trenzas y amarres de Huaylla Ichu
por todo el cuerpo y los brazos, en un remate de las flores silvestres
más hermosas. En la cima del cuerpo central de la Cruz va el gallo
despertador, al lado de la cabeza de un loro en representación del
Huatapuñuq (el que amarra el sueño), patrón de la selva. Al pie del
madero central, don Jesús ha colocado las patitas enteras del culi culi,
de la vizcacha y del pucuy pucuy, un ave cuyo canto empieza en la
madrugada hasta antes del alba. Por otro lado, en representación de
la Pachamama o Madre Tierra, se cuelgan en los brazos de la Cruz el
Taqesara (mazorca de maíz con hijos) y el Misasara o maíz de colores
blanco y rojo (URBANO, 1989, p.7).
Así arriba la Cruz de los chuturunas hasta la misa solemne del
3 de mayo, para luego ingresar a la Iglesia de Huanta y en Huampaní
Alto. En este último la misa y la fiesta se ha celebrado tanto en la
primera zona como en la segunda.
Terminada la misa se realiza la procesión, acompañada de los car-
goyoq (personas que asumen la fiesta), feligreses, músicos y bailarines,
de acuerdo a la costumbre tradicional. Empieza el baile y el convido
de comidas como el puca picante (papas sancochadas, chicharrones de
cerdo y ensalada de betarragas con cebolla), picante de atajo (planta
silvestre) y picante de trigo, acompañado de bebidas típicas del pueblo
como la chicha de jora (maíz) y el cañazo (licor de caña). Terminado
ello, se baila hasta la tarde, hasta que llega el cacharpari o despedida,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 157
donde se eligen – aunque a veces se ofrecen – a los encargados del
próximo año; momento que también es aprovechado por los nuevos
cargoyoq, para el registro de donaciones voluntarias que los feligreses
quieran y puedan hacer, lo cual queda impreso a mano alzada en un
cuaderno de actas (URBANO, 1989, pp.8-10).
Al finalizar la fiesta, al atardecer, la Cruz es llevada nuevamente
en procesión hasta lo alto del cerro, entonando cánticos especiales y
de alabanza como el que siempre solía cantar en Quechua don Jesús
Urbano Rojas, que a la letra decía:

Taytacha Rasuwillca, Señor Rasuwillca,

kaina huatallay, como este año,

kunan hinalllay, como ahora,

Kainallaraqchu así estaremos

chayaykuskasun. llegando.

Wakinllachchiqcha, Otros quizás,

runapa llaqtampi kachkasan, estarán en el pueblo de los hombres,

allpapi sonqompi. en el corazón de la tierra.

Taytacha munachun, Lo que Dios quiera,

kawsananchiqta, mientras estemos vivos,

watakunan qinaman. al otro año como ahora.

(URBANO, 1989, pp. 10-11)

Canto en homenaje al Apu Rasu Bilca que don Jesús sigue ento-
nando, de seguro, en las entrañas mismas del nevado-deidad, desde la
madrugada del 20 de mayo del 2014, en que se durmió para siempre
con el canto del pucuycito7.

7 Pucuycito, es un ave que pernocta en las alturas del Ande peruano, y


que al son onomatopéyico de pucuy pucuy anuncia el transcurrir de cada
hora a los caminantes, por ello es conocido como el reloj de los Andes. Era
una de las aves preferidas de don Jesús Urbano Rojas, quien nos contaba

158
El Maestro del Retablo Ayacuchano que, como nexo vinculante
migró e impuso al Apu Rasu Bilca bajo la forma de la cruz andiniza-
da, en lo alto del cerro de Alto Huampaní (Chaclacayo, Lima), donde
aún pervive venerada sobre todo, por migrantes del departamento de
Ayacucho, y por su esposa Genoveva Núñez Herrera.

Conclusiones

• El derrotero articulado en el presente artículo, con el auxilio


de varias disciplinas de las Ciencias Sociales, en torno al Apu
Nevado Rasu Bilca, nos evidencia la pervivencia de un símbolo
religioso o deidad del ande peruano que, se habría mantenido
a través de los siglos, desde aproximadamente los 14.600 a.a.C.
hasta la actualidad.
• Siendo una de las divinidades propiciadoras del ciclo vital de
vida de las actuales provincias de Huanta, Huamanga y más
allá, rumbo hacia la selva misma. Cuya importancia radica en
la redistribución del agua a través de sus cinco lagunas que,
ramificadas llegan al valle, asegurando la óptima producción
agroganadera.
• Los artistas de Huamanga como el “escúltor” don Joaquín
López Antay, la familia Tineo (ceramistas de tradición del bar-
rio de Santa Ana) y don Jesús Urbano Rojas, figuran asociados
a la veneración de esta montaña sagrada que, además de per-
vivir in situ en Huanta, es una deidad que simbólicamente ha
migrado y ha cobrado vida en un asentamiento urbano limeño,
bajo la forma de la Cruz de Nuestro Señor de Rasuwillka.

que lo había acompañado en sus viajes de arriero. Sobre esta ave existen
numerosas interpretaciones musicales como el del ayacuchano Milder Oré.
Véase: https://www.youtube.com/watch?v=NmJfCB1bxiY

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 159
Bibliografía

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162
REVISIÓN DEL MILAGRO GUADALUPANO A TRAVÉS
DE LA EPISTOLOGRAFÍA FRANCISCANA

Juan Ignacio Jurado-Centurión López

Introducción

Sin duda alguna, el acontecimiento más importante para impulsar


la fe cristiana en el continente americano fue la controvertida apari-
ción de la Virgen de Guadalupe en el Monte Tepeyac en diciembre de
1531. Este decisivo hecho fue uno de los puntos altos de la tentativa
de colonización del imaginario (GRUZINSKI, 2003) en las tierras de
la Nueva España. Frente a las muchas dificultades enfrentadas, tanto
por los religiosos como por los naturales, la aparición de Nuestra
Señora fue determinante para el proceso de interacción de las dos
culturas antagónicas. La historia oficial no discute la veracidad de la
presencia de la Virgen en el Monte Tepeyac; sin embargo, muchas
otras voces dudan de esa aparición y consideran el milagro como un
recurso estratégico para atraer a los indígenas para la fe cristiana.
No es nuestro objetivo en las próximas líneas cuestionar la veraci-
dad de este popular acontecimiento. El motivo que nos ha llevado a
redactar estas páginas ha sido el deseo de mostrar como la fuentes
históricas de primera mano, en este caso la epistolar, nos pueden
auxiliar a la hora de reexaminar algunos hechos históricos y al
mismo tiempo contrastar, con base en el contenido de la cata que
analizaremos a continuación, el desarrollo del proceso evangelizador
de los indígenas en los primordios de la colonización americana; los
bastidores de esta acción catequizadora y el revelador paralelismo

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 163
entre esta acción religiosa y los actuales métodos educacionales
implantados en algunos países de América Latina, entre ellos Brasil.
Esta cuestión gana mayor controversia cuando nos planteamos que
si el milagro fue la consecuencia de una maniobra: ¿Ésta fue ideada
por quién y con qué objetivo? A primera vista esta interrogación y su
consiguiente respuesta parecen obvias.
En las próximas líneas, a través del examen de la epístola redac-
tada por el primer Obispo de México Juan de Zumárraga en la década
de los 30, descubriremos que no hay tanta obviedad como parece en
esta compleja cuestión.

La epístola humanista y la influencia


de Erasmo de Rotterdam

En esta misma década se produjo para el humanismo cristiano


un momento de inflexión entre dos importantes períodos de la iglesia
cristiana moderna. La muerte de Erasmo de Rotterdam en 1536 marcó
el inicio del desprestigio del pensamiento del pensador holandés y de la
consiguiente prohibición de sus obras en la Península y en las colonias
ultramarinas. En las décadas anteriores, por un lado, la aproximación
de algunos de los postulados de Erasmo al pensamiento de algunos
intelectuales españoles de importancia en la Corte de Carlos V y, por
otro lado, el favorecimiento por parte de algunos religiosos como el
Cardenal Jiménez de Cisneros de la estricta observancia de la regla de
órdenes religiosas como la franciscana, fomentó el distanciamiento en-
tre el viejo y el nuevo modo de entender la evangelización, bien como
permitió una nueva postura de la Corona española en relación al clero
regular. El erasmismo sólo vino a confirmar algo que en la península ya
veía fraguándose desde el siglo pasado en las tierras del ahora dilatado
imperio español y que posteriormente cruzará el océano hacia tierras
americanas de la mano de, entre otros, el obispo Juan de Zumárraga,
uno de los más importantes protagonistas del suceso guadalupano.
Idelfonso Adeva (1994), en su Estudio Preliminar a la edición
crítica de la Regla cristiana breve, obra del primer obispo de México,
nos ofrece su visión particular sobre el asunto:

164
Muchos le honran por haber fomentado el humanismo greco-latino,
por haber sido impulsor de la cultura, por haber fundado colegios
de gramática para los muchachos y de educación para las niñas, por
haber introducido la imprenta (…) todo esto es pura verdad pero la
verdad epidérmica. Cabe preguntarse si el motor de esas actuaciones
era su afición estético literaria, si vibraba como Erasmo leyendo las
odas de Horacio, los discursos de Cicerón, los amoríos de Ovidio, etc.,
etc. ciertamente no. Fray Juan de Zumárraga no tenía ni más afición
ni más pensamiento que transmitir la fe salvadora (1994. P.XVVVIII).

Sea como fuere, con afición o no, al examinar los títulos de su


biblioteca personal, una de las más, si no la más importante de Nueva
España en aquellos años (CARREÑO, 1941) percibimos la importancia
que los textos de Erasmo o de Tomás Moro, entre otros, tuvieron en
su formación humanística y en la importante labor emprendida por el
mismo en pro de la educación y de la evangelización de los naturales.
Así, el Virreinato de Nueva España se convirtió de manos de unos
pocos religiosos, al menos por algunas décadas, en uno de los últimos
baluartes de esta manera de entender, de la forma más piadosa y
sincera, las palabras de Cristo. Mientras el Erasmismo se desvanece
en la península motivado principalmente por su dudosa asociación
con las ideas luteranas, el humanismo cristiano encuentra refugio en
las lejanas tierras de Nueva España.
Veremos en la secuencia, a partir del análisis de la epistolografía
franciscana, como el examen de las fuentes documentales primarias
puede mostrarnos una visión diferente de los hechos relacionados con
el milagro guadalupano. Tal perspectiva coloca a Antonio Valeriano,
autor del texto del Nican Mopohua, como el más probable incentiva-
dor de la historia a través de esta obra que camina entre lo verídico
y lo ficcional. Al igual que, según nuestro punto de vista, lo hace la
propia historia de la aparición de Nuestra Señora en tierras mexicanas.

La carta humanista de Zumárraga y el mito guadalupano

El texto del padre Zumárraga, que analizaremos en las próximas


líneas, se muestra como un buen ejemplo de la epístola humanista.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 165
Obedeciendo a los preceptos de Erasmo, la carta del primer Obispo
de Méjico, una de las voces más importantes de la comunidad Nova-
hispana que se fraguaba en la primera mitad del siglo XVI, versa
sobre diferentes aspectos de la evangelización con una estructura
simple, elegante y de carácter ejemplar, acorde con los postulados de
la retórica tradicional rescatada por los humanistas. Una carta que se
mueve entre los dos conceptos ciceronianos: la epístola familiar y la
conversacional (BAÑOS, 2005, p.509).
La intención del autor es revelar, a través de los diversos episodios,
las vicisitudes por las cuales pasa su misión, junto a sus hermanos de
orden, en las tierras americanas. Al mismo tiempo, el objetivo de la
misiva es persuadir al monarca sobre las posibles soluciones de los
varios conflictos por lo que pasa el Virreinato en estos primeros años
de dominio español. Momentos que, como afirma Gruzinski (2000,
p.130) son marcados por una ruptura dramática.
Esta carta, sin duda, se confirma como una de las más impor-
tantes del epistolario franciscano, tanto por la riqueza de datos que
nos ofrece, como por ser una de las primeras, sino la primera, carta
americana a hacer referencia, aunque de forma indirecta y con an-
terioridad al acontecimiento, al relato oficial de la aparición de la
Virgen de Guadalupe. Aun siendo anterior cronológicamente, como
podremos ver al confrontar la epístola con la conocida historia del
milagro de la aparición, algunos datos de la misma nos permiten
realizar nuevas interpretaciones de la historia de uno de los más
famosos mitos mexicanos.
Fray Juan de Zumárraga (1468-1548), después de una intensa
labor en su país natal, llegó a Méjico en 1527, todavía con el título
de Obispo sin consagración, nombramiento que solo aconteció ofi-
cialmente en 1533. Desde el primer momento, tuvo que enfrentar la
hostilidad de los conquistadores, del futuro Vice-Reino de la Nueva
España y especialmente del Gobernador del Panuco y Presidente de
la Primera Audiencia (1527), Blasco Nuño de Guzmán. Esta audiencia
enviada por el monarca Carlos V tenía como uno de sus principales
propósitos neutralizar el creciente poder de Hernán Cortés y, al mis-
mo tiempo, fiscalizar si las órdenes enviadas por la Corona estaban

166
siendo obedecidas. La injusta gestión de esta audiencia creó un gran
malestar entre los religiosos y en especial con el Obispo quien, en
varias ocasiones, intentó informar a la corona y tuvo sus cartas in-
terceptadas por la Audiencia hasta que por fin consiguió alertar al
monarca sobre la difícil situación establecida por Nuño de Guzmán.
En la misiva que vamos a ver a continuación, de fecha posterior, el
autor de la misma no hace ninguna referencia a estos problemas y se
centra más en la dificultad que los hermanos están enfrentando a la
hora de abolir definitivamente la idolatría entre los indígenas.
El autor de la carta divide la elocutio en diferentes parágrafos y
cada uno de ellos ofrece una serie de informaciones sobre la vida en
la colonia y la convivencia con los indígenas. Los datos se suceden
y se complementan para confluir en la temática central de la misiva:
informar al monarca español sobre los avances en el proceso de
evangelización de los naturales y sobre los obstáculos encontrados
tanto por parte de los indígenas como por los propios españoles.
En las próximas líneas vamos a mostrar, de modo fragmentado, el
texto de la carta con el correspondiente análisis de sus aspectos más
importantes. Esta carta puede ser encontrada, en su versión íntegra,
al final del presente estudio.
Antes de empezar propiamente el análisis, es importante reiterar
como la epístola redactada por uno de los principales involucrados
en el asunto puede haber sido indirectamente la fuente de inspiración
más directa del milagro de la aparición.
Como aparece identificado en el texto del Nican Mopohua, escrito
por el ex-alumno y posteriormente profesor del Colegio de Santa Cruz
y Gobernador de Tenochtitlan Antonio Valeriano, la Virgen se apareció
al indio Juan Diego en diciembre de 1531. Veamos, entonces, el relato
de la primera aparición contenida en este documento, considerado
por algunos historiadores cristianos como el texto más próximo a la
verdad de los hechos:
Pasados diez años de la conquista de la ciudad de México, yacen ya
por tierra la flecha y el escudo, por todos los lados están rendidos
los habitantes del lago y del monte. De ese modo tuvo comienzo, dio
flores, abrió sus capullos a la fe, el conocimiento de aquel uno por

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 167
quien se vive, el verdadero Dios. Sólo en 1531, cuando tenía últimos
días de diciembre, sucedió que había un pobre digno, campesino del
lugar. Su nombre era Juan Diego según consta habitaba en Cuauhti-
tlán. Y cuando se trata de las cosas de Dios, todo aquello pertenecía
a Tlatilolco. Era pues un sábado, aún era de noche. Venía en busca
de las cosas de Dios y sus mensajes. Y cuando llegó al lado de la
pequeña colina en un lugar llamado Tepeyac, ya estaba amaneciendo.
Oyó cantar en la cima de una colina baja: como si distintos pájaros
preciosos cantasen y alternasen en sus cantos [...] Juan Diego se
detuvo y se dijo a sí mismo: “¿Por ventura me merezco esta digni-
dad que oigo? ¿No estoy soñando? ¿No es lo que estoy viendo un
espejismo? ¿Dónde estoy?

Allí dónde estaban nuestros antepasados, ancianos, nuestros abue-


los? ¿Allí en la tierra de la flor, en la tierra de nuestra carne? En
el interior del cielo? Yo estaba mirando fijamente lo alto de una
pequeña colina en la dirección donde el sol se levanta, de allí salía
un precioso canto celestial.

Y cuando finalmente el canto cesó, cuando todo estaba tranquilo


oyó que le llamaban de lo alto de la colina, y le dijo: “¡Digno Juan,
digno Juan Diego” Fue entonces cuando se atrevió a ir a dónde le
llamaban. El corazón en nada cambió, ni tenía ningún temor. Por
el contrario, se sintió muy feliz, muy feliz. Subió la colina, vio a
una señora que estaba de pie allí, que le llamó para que se pusiese
a su lado. Cuando llegó a su presencia, se admiró mucho por su
perfecta autoridad. Su ropa parecía y lanzaba rayos. Y ya la roca
y los peñascos donde ella estaba, al recibir como flechas rayos y
reflejos parecían esmeraldas preciosas, joyas parecían; la tierra
brilló con los resplandores del arco iris. [...] Se inclinó ante ella,
escuchó su pensamiento y su palabra sumamente recreadora, muy
ennoblecedora, como algo que atrae y busca el amor.

Le dije: “Oye, hijo mío, el más desamparado, digno Juan: ¿adónde


vas” Y él respondió: “Señora y Reina, niña: Tengo que llegar a tu
casa de México Tlatelolco, para seguir las cosas divinas que nuestros
sacerdotes, que son imágenes de Nuestro Señor, nos dan”.

168
Después habló con él y le dijo su preciosa voluntad. Y le reveló: “Tú
sabe y guarda seguro en tu corazón, hijo mío el más desamparado,
que yo soy la siempre Virgen María, Madre del Gran Dios de la gran
verdad, téotl, de Aquel por quien vivimos, el creador de la gente,
el propietario todo lo que está cerca y lejos, el Señor de los Cielos
y la Tierra.

“Tengo muchas ganas y deseo con fuerza que en este lugar sea
construida mi ermita. En ella mostraré y daré a la gente todo mi
amor, mi compasión, mi ayuda y mi defensa. Porque soy la madre
misericordiosa, tuya y de todas las naciones que viven en esta tierra,
que me amen, que me hablen, me busquen y confíen en mí. Allí he
de oír sus lamentos y proveer remedio y curar todas sus miserias,
penas y dolores.

Y para que la misericordia suceda, ve al palacio del obispo de Mé-


xico, y le dirás de qué modo yo te envío como mensajero para que
le reveles a él lo mucho que deseo que aquí se me construya una
casa, se levante mi templo en el plano. “Tú le contaras todo lo que
viste y admiraste y lo que oíste...”. (MULTHAUPT, PRÉGARDIER,
1989, pp. 14-15)

Como veremos a continuación, los protagonistas, así como los


hechos más importantes de la aparición, están presentes en la carta;
sin embargo, en momento alguno se hace referencia al milagro. Esto
evidentemente resulta obvio pues la carta fue redactada un año antes
de la supuesta aparición. Sin embargo, algunos detalles de la carta nos
hacen pensar en la relación indirecta entre ésta, el texto de Antonio
Valeriano y la posterior historia “oficial” del milagro de la aparición.
En la carta, el Obispo acusa a los indígenas de engañarles con
diferentes estrategias para continuar adorando a sus ídolos anteriores,
afirmando que uno de estos lugares de adoración estaba situado en
el Monte Tepeyac, exactamente en el mismo lugar donde la Virgen se
apareció al indio Juan Diego tan solo un año después.
La epístola se inicia, como es de praxis en todas las cartas destina-
das a la Corona, con el saludo oficial al monarca español y, este caso
particular, acompañado de la información sobre el local y el santo

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 169
correspondiente al día en que fue redactada. Santificada, Cesárea,
Católica Majestad, el Emperador Don Carlos, nuestro Señor Rey:

Más Sublime y Augusta Majestad, desde esta Ciudad de México,


capital de la Nueva España, en el día de San Ambrosio, en el año de
Nuestro Señor Jesucristo de mil quinientos treinta, os saludo. (Carta
de Fray Juan de Zumárraga. Siete de diciembre de 1530)

En el primer parágrafo es enfatizado el objetivo principal de la


carta que es, como ya fue dicho, informar sobre el proceso de evan-
gelización de los naturales. El religioso revela sutilmente que uno de
los problemas para cristianizar a los indígenas es su gran superstición,
mas, por otro lado, según el religioso esa misma creencia exacerbada
les ha ayudado a persuadirles sobre su error y presentarles, de acuerdo
con el pensamiento cristiano, la única fe verdadera. El error ya no
es más un error para convertirse ahora en una tentativa de acierto.

Su gente siempre ha sido despreciablemente supersticiosa, viendo


siempre malos agüeros y portentos [...] Esa tendencia hacia la su-
perstición y la credulidad, ambas cosas, nos han ayudado, e impedido
a la vez, a continuar con nuestra campaña de hacer que la adoración
al demonio se troque en Cristianismo. (Carta de Fray Juan de Zumár-
raga. Siete de diciembre de 1530)

De esta manera, Zumárraga justifica, por un lado, las dificultades


con la evangelización y, por otro, anticipa la solución dada: el uso de
la superstición indígena a favor del trabajo de los misioneros. Este tipo
de argucia retórica responde al principio idealizado por Ainsa (1998,
p.56) de la “fuga hacia adelante” que marcó intensamente el discurso
americano desde la carta de Colón. A través de esta estrategia retó-
rica, las cosas no están o no ocurren no porque no existan o porque
no hayan acontecido, sino porque la distancia espacial o temporal
las presentan como realidades aún por llegar. De esa manera Colón
persuadió a la Corona sobre las venideras riquezas americanas y los
religiosos lo hicieron igualmente con sus interlocutores en la penín-
sula. Si la superstición creaba serias dificultades para llevar a cabo
la deseada evangelización, un día venidero esa misma superstición

170
les llevaría a entrar en razón y aceptar la palabra del único Dios
verdadero. O por lo menos así lo creían estos primeros franciscanos
que, más llevados por el corazón que por la razón (PHELAN, 1972),
intentaron por medio del contagio espiritual que los propios indígenas
fueran los que ansiasen el bautismo y así el acceso a la cristiandad.
En el parágrafo siguiente, el Obispo hace un comentario que no deja
de sorprender viniendo de la mano de un religioso que se dice protec-
tor de los indígenas: “Los conquistadores españoles, en sus primeras
matanzas en estas tierras, hicieron una admirable labor”. Podemos
imaginar que ese admirable trabajo, como el propio autor esclarece
posteriormente, sea la destrucción de los templos e ídolos paganos,
además, la palabra matanza no nos parece, por esta razón, muy acerta-
da. A menos que la etimología nos conduzca a otro significado para el
término en el siglo XVI. Esta aparentemente inapropiada terminología
nos remite al pensamiento de Joseph Pérez (2001, p.98) sobre la íntima
correspondencia existente entre la acción evangelizadora y la conquis-
ta: la campaña militar era legitimada, de acuerdo con el autor, por la
conquista espiritual, y el saqueo de las riquezas era compensado por
el hecho de dar a los indígenas la posibilidad de conocer la palabra de
Dios y la vida cristiana. Preferimos atenernos a la idea de una matanza
material que se tradujo en la destrucción de templos y de imágenes,
que propiamente en la matanza de seres humanos.
Igualmente, en otra parte de la carta, el Obispo hace referencia a
los nativos de un modo un tanto inadecuado: “Esos hipócritas salvajes,
escondieron sus impías imágenes en esos lugares santos, creyendo que
nunca se descubrirían”. Podemos ver en esa pequeña observación del
Obispo el fenómeno conocido en el ámbito de los estudios culturales
como ambivalencia, que se caracteriza por producir en el individuo
un proceso simultáneo de negación y de identificación con el otro. Por
un lado, hay una aproximación y una valoración de la cultura y de las
costumbres indígenas, pero por otro, un efecto contrario de desprecio
y desvalorización. Este proceso difiere bastante de la demonización
practicada por los colonizadores, para quienes era necesario consi-
derar el indígena con desprecio, alejándolo de la convivencia y para
ello fue necesario adornarlo con una serie de adjetivos peyorativos

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 171
que, en muchos casos, perduran en el imaginario popular hasta hoy.
Esas dos formas de entender la naturaleza del indígena configuran los
modos de relación establecidos entre los principales involucrados en
el proceso de colonización y los nuevos súbditos de la Corona. Esta
multiplicidad de pensamiento, llevó a los propios hermanos seráficos
a formar, de acuerdo con Phelan (1972. p.86,87), dos grupos aparen-
temente antagónicos, el grupo Pro indio, al que pertenecían religiosos
como el Obispo Zumárraga o Fray Bernardino de Sahagún, y la facci-
ón antiindia a la que pertenecían también importantes miembros de
la orden franciscana.
La destrucción simbólica de los templos y de los ídolos y, princi-
palmente, la construcción de iglesias sobre las ruinas de los edificios
anteriores –en algunos casos usando las mismas piedras– representa
ese proceso de reconstrucción material y espiritual del Nuevo Mundo.
El modelo adoptado siguió los pasos de los primeros cristianos con una
posible interferencia del pensamiento erasmista que proponía la vuelta
al evangelismo inicial, como deja explícito el Obispo en su carta a la
hora de decidir donde erguir los nuevos templos: “Sin embargo, nos,
sólo emulamos a esos primeros evangelistas cristianos, que levantaron
sus altares en donde los romanos, griegos, sajones, etcétera”.
Sin embargo, en el próximo parágrafo el autor deja trasparecer
que la substitución de los cultos no siempre fue un éxito, y es debido
a este hecho que el prudente Obispo no duda a la hora de tildar a sus
obstinados catecúmenos de hipócritas salvajes. Como podemos ver
en las líneas abajo, la carta aborda uno de los mayores obstáculos
para la evangelización: la perpetuación disimulada de los cultos an-
teriores por parte de los indígenas, aprovechando la inocencia inicial
de los religiosos.

Ya os hemos mencionado acerca de nuestro éxito, durante nuestro


primer año o algo así, en esta Nueva España, al encontrar y destruir
miles de ídolos que los conquistadores habían visto. Cuando al fin,
ya no estaba a la vista ninguno de ellos y cuando los indios jura-
ron antes nuestros Inquisidores que ya no había ni uno en lugares
escondidos, nos, no obstante, sospechamos que los indios todavía
seguían venerando a esas viejas deidades prohibidas, en privado. […]

172
Nosotros, nos sentimos muy satisfechos de haber vuelto a descubrir
y destruir, otra vez, tantos objetos sacrílegos... Hasta que, después
de algún tiempo, nos dimos cuenta de que los indios sólo buscaban
apaciguarnos y mofarse de nos. Esto no tiene la menor importancia,
ya que en ese caso, lo mismo nos hubiera ofendido su impostura.
Parece que nuestros severos sermones, provocaron una verdadera
industria entre los artesanos indígenas, ya que apresuradamente
fabricaron esas figuras, sólo con el único propósito de que fueran
mostradas y rotas delante de nos, en una aparente sumisión ante
nuestras amonestaciones. (Carta de Frey Juan de Zumárraga. Siete
de diciembre de 1530)

Observando aún esa misma cuestión y recapitulando lo ya observa-


do hasta ahora, podemos entender porque esta carta de Zumárraga se
confirma como una de las más interesantes del corpus epistolar entre
toda la producción franciscana de este periodo: en pocas páginas el
sagaz religioso contempla múltiples aspectos referentes a las primeras
relaciones entre los indígenas y los religiosos, y las muchas dificultades
encontradas a la hora de cumplir su cristiana misión. Como mostramos
ya, en el inicio de este análisis, el episodio de la aparición de la Virgen
– posteriormente llamada de Guadalupe – fue uno de los momentos
más relevantes de la evangelización mejicana. La historia fue narrada
por primera vez por el profesor del Colegio Franciscano de Santa Cruz
Antonio Valeriano y es hasta hoy motivo de gran controversia, pues
parece ser que una parte importante de este crucial episodio fue extraída
de la carta en cuestión, y fue reelaborada hábilmente para forjar uno
de los más importantes milagros de la cristiandad.
Objeto de denuncia por parte de los franciscanos, la continuación
disimulada de los cultos prehispánicos parecía estar presente en el
episodio de la aparición. La elección del local no parece fortuita, era
en este lugar donde, hasta hacía poco tiempo, acontecía el culto de la
diosa-madre Tónatzin. Ese hecho, entonces, no tiene importancia para
el Obispo porque, según él, edificar donde antes se veneraba un culto
pagano era una forma habitual de terminar con la falsa idolatría. Vale
reiterar que algunos de los hechos narrados en la carta serán poste-
riormente incluidos en el episodio de la aparición de Nuestra Señora.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 173
En un punto de la tierra llamada Tepeyaca, al norte de aquí y al otro
lado del lago, había un lugar en donde los indios adoraban a Tónat-
zin, una especie de Madre Diosa, y nos, hemos mandado construir
allí un santuario a la Madre de Dios. A petición del Capitán General
Cortés, le hemos dado el mismo nombre de Santuario de Nuestra
Señora de Guadalupe, como el que está situado en el lugar de donde
él proviene, la provincia de Extremadura en España. (Carta de Fray
Juan de Zumárraga. Siete de diciembre de 1530)

Es importante además resaltar que la Virgen de Guadalupe tenía


una especial importancia para los franciscanos de aquellos años, pues
la mayor parte de los hermanos enviados a la Nueva España perte-
necían a la Provincia de San Gabriel, en la región de Extremadura,
en España. Región donde el culto guadalupano, aunque entonces en
manos de la Orden Jerónima, tenía ya una gran importancia desde
el siglo XIII. Al mismo tiempo, gran parte de los conquistadores del
Nuevo mundo, entre ellos el propio Hernán Cortés que en aquellos
momentos aún detentaba un importante poder en el Virreinato, eran
procedentes de esta región extremeña. No es fruto de la casualidad
que, en las reiteradas peticiones de religiosos para iniciar la evange-
lización de las tierras recién dominadas, el conquistador extremeño
insistiese en su deseo de recibir tan sólo misioneros franciscanos
observantes. “Los doce apóstoles de México” son el resultado de
este deseo por parte de Cortés, como también la pionera llegada de
Fray Pedro de Gante o la posterior venida de Juan de Zumárraga o
de Fray Bernardino de Sahagún.
En otro fragmento de la carta, Zumárraga agradece al monarca por
haber enviado varios injertos de rosa que, como menciona el autor,
se adaptaron muy bien al clima de la región, brotando durante todo
el año. Esta información contradice la historia de Nican Mopohua que
dice que cuando la Virgen apareció no era época de florecimiento de
las rosas.

Enviou-me ao cume da colina, onde antes a vira, para que ali colhesse
diferentes flores de Castela. Depois que as colhi, trouxe-as para baixo,
ao sopé do cerro. E ela, com as suas mãozinhas, as recolheu; outra

174
vez coloquei-as na dobra de minha manta, para vir trazê-las a ti, e
a ti, em pessoa as entregar. Ainda que eu soubesse que o topo da
colina não é lugar onde brotam, que ali é só pedra, nem por isso me
surpreendi ou duvidei. (MULTHAUPT, PRÉGARDIER, 1989, pp.21-22)

Con todo, no estamos analizando la carta de Zumárraga para


cuestionar la veracidad del milagro, sino para observar los detalles
del acontecimiento que, sin duda, poseen relación con el contenido de
la epístola. En el siguiente fragmento de la carta surge el nombre de
Juan Diego, un pobre y devoto indígena que, con clara reminiscencia
al fundador de la orden seráfica, cuida de las flores.

Queremos dar las gracias a Vuestra Generosa Majestad por vuestro


regalo, que ha sido traído por la última carabela: los muchos injer-
tos de rosas que nos habéis mandado de vuestro Real Invernadero
para suplir aquellas que nos trajimos en un principio. [...] Quizás
interese saber a Vuestra Majestad que nunca antes crecieron rosas
en estas tierras, y que las que nos plantamos, han florecido tan exu-
berantemente como nunca antes nos lo hemos visto, ni siquiera en
los jardines de Castilla. El clima aquí es tan saludable como el de
una eterna primavera, y por eso las rosas florecen abundantemente
durante todo el año, incluso en este mes (que es diciembre cuando
nos os escribimos) que de acuerdo a nuestro calendario es mitad del
invierno. Y nos, nos consideramos muy afortunados en tener a un
jardinero altamente capaz, en la persona de nuestro fiel Juan Diego.
(Carta de Fray Juan de Zumárraga. Siete de diciembre de 1530)

La carta está configurada, conforme ya hemos dicho al inicio de


este análisis, como un informe y muestra diversos aspectos referentes
al proceso de evangelización: desde las dificultades enfrentadas por la
resistencia de los indígenas para abandonar sus antiguas creencias y
la forma disimulada de perpetuarlas, hasta la esperanza de superarlas,
“edificando” nuevas creencias sobre las antiguas. El Obispo también
aprovecha la correspondencia para agradecer la gran ayuda del mo-
narca y, particularmente, el envío de los ya citados injertos de rosas.
La retórica empleada por el religioso persuade al destinatario
de la carta sobre los problemas enfrentados y, con un tono sereno y

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 175
cargado de esperanza, muestra las posibles soluciones para superar
los obstáculos. Sin embargo, reiteramos que la importancia de la
carta reside en el hecho de que en ella se presentan los elementos
y las circunstancias históricas envueltas en la construcción del mito
de la Virgen de Guadalupe; al mismo tiempo, a partir de los detalles
que nos ofrece, podemos entender como la nueva sociedad hispano-
-indígena fue surgiendo.
Confrontando, entonces, el contenido de la carta con el texto del
Nican Mopohua y también con los episodios ya conocidos que pro-
piciaron la adoración de la Virgen de Guadalupe como madrina de
los mejicanos, nos atrevemos a afirmar, a pesar de que esto pueda
sorprender a más de uno y contrariar la historia reconocida como ofi-
cial y verdadera, que el surgimiento del mito fue obra de los propios
indígenas como una forma de adaptar o mimetizar (OVIEDO, 1995,
p.35) sus creencias a la nueva religión. A nuestro favor tenemos la
denuncia del padre franciscano Fray Bernardino de Sahagún contra
el modo como los indígenas emplearon el mito de la aparición para
continuar su creencia pagana. La elección de la imagen de la Virgen
de Guadalupe para adornar el estandarte de los revolucionarios que
lucharon por la independencia de la España es también sintomática
de la relación del culto con el mundo indígena.

Cerca de los montes hay tres o cuatro lugares donde solían hacer muy
solemnes sacrificios, y que venían a ellos de muy lejas tierras. El uno
de estos es aquí en México, donde está un montecillo que se llama
Tepeacac y los españoles llaman Tepeaquilla, y ahora se llama Nuestra
Señora de Guadalupe. En este lugar tenían un templo dedicado a la
madre de los Dioses, que ellos la llamaban Tonantzin, que quiere
decir nuestra madre. Allí hacían muchos sacrificios a honra de esta
diosa, y venían a ellos de muy lejas tierras, de más veinte leguas de
todas estas comarcas de México, y traían muchas ofrendas: venían
hombres y mujeres y mozos y mozas a estas fiestas. Era grande el
concurso de gente en estos días; y todos decían “vamos a la fiesta
de Tonantzin”; y ahora que está allí edificada la Iglesia de Nuestra
Señora de Guadalupe, también la llaman Tonantzin, tomando ocasión
de los predicadores, que a Nuestra Señora la Madre de Dios la llaman

176
Tonantzin. De dónde haya nacido esta fundación de esta Tonantzin
no se sabe de cierto; pero esto sabemos de cierto, que el vocablo
significa de su primera imposición a aquella Tonantzin antigua; y es
cosa que se debería remediar, porque el propio nombre de la Madre
de Dios, Señora nuestra, no es Tonantzin sino Dios y Nantzin. Parece
esta invención satánica para paliar la idolatría debajo la equivocación
de este nombre Tonantzin; y vienen ahora a visitar a esta Tonantzin
de muy lejos, tan lejos como de antes; la cual devoción también es
sospechosa porque en todas partes hay muchas iglesias de Nuestra
Señora y no van a ellas, y vienen de lejas tierras a esta Tonantzin
como antiguamente (SAHAGÚN, 2001, p.1050).

Tal estrategia de acomodación religiosa no fue exclusiva de los


mejicanos; también fue adoptada por muchos otros pueblos como
una forma de sobrevivencia de sus antiguas creencias.

Por estas distintas razones, que son siempre difícil de distinguir en


la práctica, los historiadores indígenas nahuas y mayas adoptaron
lo que hoy llamaríamos de “mito cristiano” del origen del hombre y
de la historia de la salvación cristiana y procuraron adaptar a él las
historias de su pueblo. Estas adaptaciones tomaron formas distintas
y siguieron estrategias diversas según el autor o el pueblo. En fin, se
trató de un proceso dialógico en que los indígenas supieron escuchar
a los españoles y en que estos también supieron atender la razón de
los primeros. (NAVARRETE, 2000, p. 17)

La estratégica adaptación y el surgimiento


de la adoración.

Independiente de que el mito sea una adaptación indígena o cris-


tiana –o tal vez una aparición real de la Virgen– lo importante es que
este milagro ayudó a los religiosos a introducir el culto cristiano entre
los nahuas y, al mismo tiempo, estos últimos pudieron mantener la
adoración a su Diosa Madre indígena en la figura de Nuestra Señora,
sin muchas interferencias de los padres. Este fue el inicio del sincre-
tismo –o de la transculturación religiosa– que hasta hoy predomina

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 177
en las religiones americanas, como una forma encontrada por los dos
lados para evitar grandes conflictos en las primeras décadas.
Para algunos religiosos, era necesaria la presencia de un aconteci-
miento para firmar el vínculo entre la fe cristiana y los indígenas; entre-
tanto, entre los franciscanos liderados por el Obispo Juan de Zumárraga,
como ya observamos hace poco, la idea de un estratégico milagro no
era muy bien vista tanto por él como otros miembros de su orden.

Era preciso não somente que os índios pudessem decifrar as imagens,


mas que elas se tornassem, para eles, portadoras de uma parcela de
divindade. Se o primeiro obstáculo implicava apenas acostumar-se
progressivamente com os códigos icônicos e iconográficos do Ociden-
te, o segundo exigia que os índios tivessem a experiência subjetiva do
sobrenatural cristão. Ora, de inicio a igreja foi contra os milagres, que,
aparentemente, só desempenhavam um papel secundário na conver-
são dos indígenas. A rejeição dos milagres, manifesta em Francisca-
nos como Motolinia, Sahagún e o arcebispo Montufar, correspondia
a uma concepção otimista, triunfalista, até da evangelização. Refletia
e sustentava uma opinião indigenista segundo a qual o entusiasmo
dos índios em receber a fé tornara desnecessárias intervenções religio-
sas. Percebe-se ai igualmente a influencia secreta, mas incontestável
do erasmismo, que inspirou algumas inquietações no Arcebispo de
México Juan de Zumárraga (GRUZINSKI, 2003, p. 277).

Consideraciones finales

Una institución eclesiástica, una historia con varias versiones y


un mito que hasta hoy es motivo de gran polémica por parte de unos
y de enorme devoción por parte de otros, y en medio a todo esto una
carta poco conocida. Una fuente documental de primera mano que
nos permite viajar en el tiempo y observar de modo sorprendente lo
que se podría denominar como los bastidores de la historia. ¿Qué hubo
por detrás del episodio de la aparición de la Virgen de Guadalupe?
¿Cuál fue la efectiva participación de cada uno de los protagonistas
de esta historia? ¿Qué relación guarda este hecho pasado con nuestro
presente más próximo?

178
Considerando que los hechos narrados nunca son objetivos y
que la historia habitualmente nos llega como el resultado de una
manipulación estratégica de quienes se sienten vencedores – o en
algunos casos también de quienes se sienten injusticiados y deciden
reescribirla omitiendo unas partes y acrecentando otras nuevas – la
alternativa que nos queda en nuestra tarea de “revisionistas” es acudir
a nuevas fuentes que puedan darnos alguna luz más directa sobre los
episodios que se pretenden examinar.
Una de esas fuentes, como ya fue constatado en las páginas prece-
dentes, es sin duda la literatura epistolar. Una fuente de primera mano
que, si por un lado aún continúa ofreciendo una visión parcial de la
historia, por otro lado y para nuestro beneficio no está impregnada
de las contínuas reelaboraciones que la historia ha sufrido de manos
de unos y de otros a lo largo de los siglos.
En el caso concreto de la historia colonial hispanoamericana, el
sofocante peso de una cultura considerada como superior ha subyu-
gado durante siglos la voz de los excluidos, o como un día los llamó
el profesor Miguel León Portilla, la voz de los vencidos.
Aproximando aún más la lente y enfocando con la máxima
nitidez posible el episodio objeto de nuestro anterior análisis – el
controvertido tema de la aparición de la Virgen de Guadalupe – po-
demos concluir, a través del análisis de la correspondencia epistolar,
que la supuesta aparición y posterior culto a Nuestra Señora por el
pueblo mejicano fue el fruto de una serie de intereses que, si por un
lado beneficiaron a los indígenas en su culto de resistencia a esta
mal llamada Guadalupana, por otro fue de gran ayuda a la Iglesia
de Roma para establecer allí su poder jerárquico y su control de las
almas de los nuevos súbditos. En última instancia, no lo fue tanto
para los hermanos de la orden de San Francisco, que veían como
todo su trabajo para vencer el paganismo y conseguir una verdade-
ra conversión se desmoronaba. Y esto ocurría delante de sus ojos
y sin que pudieran hacer nada, ante el afán de unos de mantener
sus anteriores creencias aunque tuvieran que cambiar las denomi-
naciones de sus dioses ancestrales, y el empeño de otros de sumar
a las estadísticas de la cristiandad un gran número de almas en un

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 179
momento en el que el avance reformista hacía temblar las bases de
la iglesia romana.
Los hermanos seráficos no tuvieron opción sino la de aceptar
que si tradicionalmente el maquiavélico lema de “el fin justifica los
medios” les había empujado, como afirma Morán (1988, p.281),
a caminar en su Conquista espiritual de la mano de la Conquista
militar, ahora el fin no justificaba los medios y además tendría unas
consecuencias dramáticas para aquellos a quien supuestamente
la iglesia romana debía proteger. Sin embargo, esto es ya otra
historia, una historia que bien merece también ser reexaminada,
principalmente cuando establecemos el paralelismo innegable entre
el proceso de evangelización y el sistema educativo propuesto por
algunos países latinoamericanos, en el que parece que existe un
interés mayor en “convertir” al estudiante a cualquier precio para
que pase a sumarse a las entusiastas estadísticas gubernamentales
sin reparar en la calidad de su formación, que a pararse a pensar
que esta conversión forzada o precaria educación no le va a servir
para su proceso de integración a una sociedad que espera que sus
ciudadanos reúnan una serie de requisitos esenciales para el digno
acceso a ésta. Pero como ya dijimos antes y como tampoco es muy
propio de las consideraciones finales acrecentar nuevos argumen-
tos, vamos a terminar esta revisión del mito guadalupano con una
pregunta que tal vez pueda ser resuelta en otra futura reflexión:
En el contexto latinoamericano que nos movemos, y más concre-
tamente en la perspectiva de Brasil, país en el que estas páginas
han sido redactadas, ¿podemos afirmar que existe por parte de los
órganos públicos o privados encargados de cuidar de la educación
un verdadero interés en atender a las necesidades educacionales
de la población? o cómo ya observamos antes al hacer una mirada
retrospectiva a los primordios de la colonización, ese interés se cen-
tra más en el éxito cuantitativo que en el cualitativo que a nuestro
modo de ver sería el verdaderamente deseado para un país como
Brasil, que, en un utópico slogan, se promociona como el país del
futuro. Cualquier semejanza con un tiempo pasado no es tan solo
fruto de nuestra imaginación.

180
Bibliografía

ANDO, Shinjiro. “El Erasmismo español: una tradición humanista española”.


Cuadernos Canela, vol. XIX, p.57-69, Nagoya, 1997.

BAÑOS, Pedro Martín. El arte epistolar en el Renacimiento europeo. 1400-


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GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário. Sociedades indígenas e


ocidentaliazação no México espanhol. Séculos XVI – XVIII. Tradução: Beatriz
Perrone-Moisés. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

MORÁN, Pedro Borges. Conquista y evangelización: influencias mutuas. Em:


La huella de España en América. Descubrimiento y fundación de los reinos
de Indias (1475-1560) Colegio oficial de doctores y licenciados de Madrid,
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MULTHAUPT, Hermann. Elizabeth PRÉGARDIER, Elizabeth. Nican Mopohua


A Virgen de Guadalupe. Trad. José A. Ceschim e Marcos Marcionilo. Ed.
Loyola, São Paulo, 1989.

NAVARRETE, Federico. Como ser indígena, humano y cristiano. Revista


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OVIEDO. José Miguel. Historia de la literatura hispanoamericana. Madrid.


Alianza Editorial. S.A. 1995.

PÉREZ. Joseph. La España del siglo XVI. Col. Austral, vol. 518. Madrid:
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PHELAN, John L. El reino milenario de los franciscanos en el Nuevo Mundo.


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SAHAGÚN, Fray Bernardino de. Historia General de las cosas de Nueva


España. Col. Cronistas de América. 2 Vols. Madrid: Dastin Historia, 2001.

TORENO, Conde de. (Org.) Cartas de Índias. vol.1. Madrid: Biblioteca de


autores españoles, 1974.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 181
ANEXO:

Carta del Obispo Zumárraga sobre el mito guadalupano


http://foros.forosmexico.com/showthread.php?t=42400

Santificada, Cesárea, Católica Majestad,


el Emperador Don Carlos, nuestro Señor Rey: Más Sublime y
Augusta Majestad, desde esta Ciudad de Mexico, capital de la Nueva
España, en el día de San Ambrosio, en el año de Nuestro Señor
Jesucristo de mil quinientos treinta, os saludo.
En nuestras últimas cartas, Señor, nosotros nos extendíamos sobre
nuestras actividades como Protector de los Indios. Permitidnos dete-
nernos aquí sobre nuestra principal función, la del Obispo de Mexico,
y sobre nuestra labor de propagar la Verdadera Fe entre estos indios.
Como Vuestra Percipiente Majestad puede discernir en las siguientes
páginas de la crónica de nuestro azteca, su gente siempre ha sido
despreciablemente supersticiosa, viendo siempre malos agüeros y
portentos, no solamente en donde hombres razonables pueden verlos
—como en un eclipse de sol, por ejemplo—, sino también en cualquier
simple coincidencia, en cualquier fenómeno común de la naturaleza.
Esa tendencia hacia la superstición y la credulidad, ambas cosas, nos
han ayudado, e impedido a la vez, a continuar con nuestra campaña
de hacer que la adoración al demonio se troque en Cristianismo.
Los conquistadores españoles, en sus primeras matanzas en estas
tierras, hicieron una admirable labor, destruyendo sus templos mayores,
sus ídolos y poniendo en esos lugares la Cruz de Cristo y la imagen de
la Virgen. Nosotros y nuestros hermanos de hábito, hemos continuado y
mantenido esa destrucción y erigido en esos mismos sitios más iglesias
Cristianas, en donde de otra manera se estuvieran adorando a todos los
diablos y diablesas. Gracias a que los indios prefieran obstinadamente
congregarse para hacer sus adoraciones en los viejos sitios en que
acostumbraban a hacerlo, ahora han encontrado esos lugares libres de
seres deseosos de sangre como sus Huichilobos y Tlaloque, y en lugar
de ellos han encontrado a Jesús Crucificado y a su Bendita Madre.

182
Para citaros sólo alguno de los muchos ejemplos, el Obispo de
Tlaxcala está construyendo una iglesia a Nuestra Señora, en lo alto de
esa pirámide gigantesca de Cholula —que era como la arrogante Torre
de Babel de Shina —y en donde se rendía adoración a Quetzalcoátl,
La Serpiente Emplumada. Aquí, en la capital de la Nueva España,
nuestra casi totalmente construida iglesia-catedral de San Francisco,
ha sido deliberadamente edificada (como casi lo pudo determinar
el arquitecto García Brayo) en el sitio en donde una vez estuvo la
Gran Pirámide de los aztecas. Nos, creemos que incluso se utilizaron
algunas de las piedras con que estaba construido ese monumento de
atrocidad, ya demolido. En un punto de la tierra llamada Tepeyaca,
al norte de aquí y al otro lado del lago, había un lugar en donde los
indios adoraban a Tónatzin, una especie de Madre Diosa, y nos, hemos
mandado construir allí un santuario a la Madre de Dios. A petición del
Capitán General Cortés, le hemos dado el mismo nombre de Santuario
de Nuestra Señora de Guadalupe, como el que está situado en el lugar
de donde él proviene, la provincia de Extremadura en España.
Quizás a algunos les pueda parecer indecoroso que nos, cons-
truyamos nuestros Cristianos tabernáculos sobre las ruinas de esos
templos paganos que todavía están manchados con sangre derramada
en esos sacrificios sacrílegos. Sin embargo, nos, sólo emulamos a esos
primeros evangelistas Cristianos, que levantaron sus altares en donde
los romanos, griegos, sajones, etcétera, etcétera, habían estado ado-
rando a Júpiter, Pan y a Eos tras, etcétera... para que esos demonios
fueran echados fuera por la divina presencia de Cristo Crucificado,
y esos lugares que una vez fueron sitios de abominación e idolatría,
han llegado a ser lugares santificados, en donde el pueblo puede ser
inducido, de una manera más rápida, por los ministros del Verdadero
Dios, a adorarlo conforme a su Alta Divinidad.
En eso, Señor, las supersticiones de los indios nos han ayudado
mucho. Sin embargo, en otras cosas que hemos emprendido, no; por-
que además de estar muy ceñidos a ellas, son tan hipócritas como los
fariseos. Muchos de nuestros aparentes con versos, incluso aquellos
que dicen ser devotos creyentes de la Fe Cristiana, todavía viven con
un temor supersticioso hacia sus viejos demonios. Ellos piensan que

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 183
son muy prudentes al conservar cierta reverencia hacia Huichilobos
y toda la demás horda; así, ellos lo explican con toda solemnidad,
pueden evitar toda posibilidad de que esos demonios celosos tomen
venganza por haber sido suplantados.
Ya os hemos mencionado acerca de nuestro éxito, durante nuestro
primer año o algo así, en esta Nueva España, al encontrar y destruir
miles de ídolos que los conquistadores habían visto. Cuando al fin, ya
no estaba a la vista ninguno de ellos y cuando los indios juraron antes
nuestros Inquisidores que ya no había ni uno en lugares escondidos,
nos, no obstante, sospechamos que los indios todavía seguían vene-
rando a esas viejas deidades prohibidas, en privado. Así es que, nos,
predicamos más estrictamente e hicimos que nuestros sacerdotes y
misioneros hicieran lo mismo, ordenando que ningún ídolo, ni siquiera
el más pequeño, ni siquiera un amuleto ornamental, debería existir.
Y así, confirmando nuestras sospechas, los indios empezaron a traer
otra vez, humildemente, a nos, y a otros sacerdotes, gran número de
figuras de barro y cerámica y ante nuestra presencia renunciaron a
ellas y las rompieron en pedazos.
Nosotros, nos sentimos muy satisfechos de haber vuelto a descu-
brir y destruir, otra vez, tantos objetos sacrílegos...
Hasta que, después de algún tiempo, nos dimos cuenta de que los
indios sólo buscaban apaciguarnos y mofarse de nos. Esto no tiene la
menor importancia, ya que en ese caso, lo mismo nos hubiera ofendido
su impostura. Parece que nuestros severos sermones, provocaron una
verdadera industria entre los artesanos indígenas, ya que apresura-
damente fabricaron esas figuras, sólo con el único propósito de que
fueran mostradas y rotas delante de nos, en una aparente sumisión
ante nuestras amonestaciones.
Al mismo tiempo, para nuestra mayor pena y afrentamiento,
nos, supimos que numerosos ídolos verdaderos, o sea las antiguas
estatuas no las falsas, habían sido escondidas a los ojos de nuestros
frailes. ¿Y dónde supondríais vos, Señor, que las escondieron? Ellos
las escondieron en los cimientos de nuestros santuarios, de nuestras
capillas y de otros monumentos Cristianos, ¡que fueron construidos
por trabajadores indios! Esos hipócritas salvajes, escondieron sus

184
impías imágenes en esos lugares santos, creyendo que nunca se
descubrirían. Y peor todavía, creían que podrían adorar allí a esas
monstruosidades escondidas, mientras aparentaban rendir homenaje
a la cruz, o a la Virgen o a cualquier santo que estuviera visiblemente
representado allí.
Nuestra repulsión hacia esas revelaciones horribles, solamente
se vio un poco mitigada por haber tenido la satisfacción de decirles a
todas nuestras congregaciones —y del placer de ver cómo se sentían
avasallados cuando se los dije— que el Demonio y otros Adversarios
del Verdadero Dios, sufrían una angustia indescriptible con la proxi-
midad de la cruz Cristiana y de otros objetos santos de la Fe. Desde
entonces, y sin ninguna incitación, esos indios albañiles, que habían
ayudado a esconderlos, resignadamente revelaron dónde estaban los
ídolos, y muchos de ellos, no los hubiéramos podido encontrar sin
su ayuda.
Temiendo tantas evidencias de que tan sólo unos pocos indios
han despertado totalmente del sueño de su error —a pesar de todos
nuestros esfuerzos y de los esfuerzos de otros—, nos, tememos que
sólo pueden ser despertados con una sacudida, como lo fue Saulo en
las afueras de Damasco. O quizás ellos se puedan inclinar más sua-
vemente a tomar el saivatio omnibus por medio de un milagro como
aquel que hace mucho tiempo nos dio a la Santa Patrona de Vuestra
Majestad y principal Patrona de Cataluiia en el reino de Aragón: el des-
cubrimiento milagroso de la imagen negra de la Virgen de Montserrat,
a no más de cien leguas de donde nosotros nacimos. Sin embargo, no
podemos rezar para que la Virgen Bendita nos conceda otro milagro,
o incluso la repetición de uno en que Ella se manifieste a sí misma.
Queremos dar las gracias a Vuestra Generosa Majestad por vuestro
regalo, que ha sido traído por la última carabela: los muchos injertos
de rosas que nos habéis mandado de vuestro Real Invernadero para
suplir aquellas que nos trajimos en un principio. Los injertos serán
concienzudamente distribuidos entre los jardines de todas nuestras
propiedades eclesiásticas. Quizás interese saber a Vuestra Majestad
que nunca antes crecieron rosas en estas tierras, y que las que nos
plantamos, han florecido tan exuberantemente como nunca antes

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 185
nos lo hemos visto, ni siquiera en los jardines de Castilla. El clima
aquí es tan saludable como el de una eterna primavera, y por eso las
rosas florecen abundantemente durante todo el año, incluso en este
mes (que es diciembre cuando nos os escribimos) que de acuerdo a
nuestro calendario es mitad del invierno. Y nos, nos consideramos muy
afortunados en tener a un jardinero altamente capaz, en la persona
de nuestro fiel Juan Diego.
A pesar de su nombre, Señor, él es un indio como lo son todos
nuestros domésticos y como todos nuestros domésticos, es un Cristiano
de una piedad y una convicción intachable (no como esos de los que
hemos hablado en párrafos anteriores). Ese nombre bautismal le fue
dado algunos años atrás por el capellán que acompañaba a los con-
quistadores, el Padre Bartolomeo Olmedo. El Padre Bartolomeo tenía
una forma muy práctica de bautizar a los indios; no lo hacía indivi-
dualmente sino que los juntaba a todos en grandes multitudes, para
que así fueran muchos los que recibieran la gracia de este sacramento
lo más pronto posible. Y naturalmente, por conveniencia, él daba a
cada indio, aunque fueran cientos de ellos, de ambos sexos, el nom-
bre del santo que correspondía a ese día en particular. Habiendo una
multitud de San Juanes en el calendario de la Iglesia, ahora parece,
para nuestra confusión y aún molestia, que en la Nueva España, de
cada dos indios Cristianos, uno se llama Juan o Juana.
Quitando eso, nosotros estamos muy complacidos con nuestro
Juan Diego. Él camina entre las flores, con un carácter servicial y
humilde, y con sincera devoción por el Cristianismo y por nosotros.
Que Vuestra Real Majestad, a quien nos servimos, sea bendecida con
la continua benignidad de Nuestro Dios a Quien ambos servimos, es
la oración incesante de Vuestro S.C.C.M., respetuoso vicario y legado,
(ecce signum) ZUMÁRRAGA

186
G O N Z A L O P I Z A R R O:
I M A G E N S D E U M A I M P O S S I B I L I D A D E1

Brenda Carlos de Andrade

Em 1527, Francisco Pizarro, Diego de Almagro e Hernando de


Luque chegam a costa peruana. Logo depois de percorrer parte do que
hoje é a costa norte do Peru, regressam ao Panamá para empreender
uma viagem à Espanha, a fim de receberem autorização da Coroa
Espanhola para conquistar e governar o território. Com a autorização
da Coroa, eles só retornarão outra vez ao que é território peruano em
1532, em uma expedição que contava também com a presença dos
três irmãos de Francisco Pizarro.
Os quatro irmãos entrarão para história da conquista e coloni-
zação como parte das figuras históricas malquistas, embora retoma-
das, por vezes, de forma ambígua. É o caso das histórias indígenas
reescritas por religiosos europeus com diversos fins, as figuras dos
conquistadores europeus que, em geral, são percebidos como figu-
ras históricas negativas durante o período de emancipação (quando
no período colonial eram percebidos como heróis) ou documentos
coloniais esquecidos e retomados, séculos depois, como símbolos de
uma nacionalidade ou movimento de marca identitária; todos esses
processos abrem espaço para o diálogo e requerem um exercício de
criatividade ao lidar com o arenoso terreno das relações e símbolos
coloniais, na formação cultural e social latino-americana.

1 Parte dos argumentos apresentados aqui fazem parte da minha tese


de doutorado “Traçado de uma história: ficção e realidades nas narrativas
hispano-americanas do século XIX”, defendida em 2014.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 187
As marcas do colonial são elementos recorrentes nos trabalhos
de qualquer estudioso cujo tema parta da América Latina, mas acaba
também sendo um signo recorrente da conformação estrutural do
processo de ocidentalização/mundialização do mundo. Conhecidos
estudiosos da América Latina, como Walter Mignolo, Aníbal Quijano,
Edgardo Lander e todo um grupo conhecido pelos estudos da colo-
nialidade, relacionam as formas de colonialidade – que seriam as
estruturas de base do período colonial – com uma configuração mais
ampla do desenvolvimento do mundo, em relação direta com o que
conhecemos como modernidade. Nesse sentido, o colonial continua
perpassando as estruturas sociais de hoje e vai além do território
chamado de colônias. Somos herdeiros do colonial/colonialidade na
exata medida em que atuamos, vivemos e nos criamos sob a tênue
e espargida camada de fragmentos de história que nos rodeia. Essa
relação entre o passado colonial e o presente, na configuração
atual, não se conforma de modo explícito e depende de investigações
e correlações que permitam entender como tais influências agem
ainda hoje.
Há momentos, no entanto, que tornam essa relação mais evidente;
nos quais os cruzamentos históricos e as releituras do passado ultra-
passam uma interpretação fragmentária e se relacionam e ganham
uma evidência explícita. O marco crítico celebrativo dos 500 anos
de descobrimento/achamento foi um desses momentos. Uma série de
estudos evidenciou e teceu relações evidentes entre esses elementos
que, de alguma forma, releram e reinventaram o período colonial na
América Latina, depois de cinco séculos.
Outro período em que esse mesmo tipo de relação emergiu
mais claramente foi durante o século XIX. Neste século, espe-
cialmente a partir das movimentações de emancipação, revisitar
o passado colonial para incorporá-lo às novas linhas da sociedade,
ou para negá-lo como possível dentro dessas novas construções,
se tornou um imperativo. Discutir, imaginar, criar foram os pri-
meiros passos para os novos territórios se compreenderem e se
firmarem como espaços singulares. Guardadas as definições e
características próprias e recorrendo a rede criativa/aleatória

188
de Borges 2 na atribuição de precursores, é possível entender
o século XIX como um primeiro movimento de releitura e de re-
conciliação3 com o passado colonial.
O sentido atual de revisitar o passado colonial de forma crítica ou
paródica, no século XIX, possuía outros tons e outras necessidades
impulsoras. Como ressaltei em minha tese de doutorado, podemos
observar dois movimentos base: um de negação do passado colonial
e outro de apropriação desse passado como parte dos traços que con-
formavam as novas nações. O primeiro grupo podia ser subdivido em
vários espectros de intensidade: aqueles que negavam todo o passado
colonial e negavam também a herança nativa e aqueles que negavam
a herança espanhola mas acatavam as influências – de forma mais ou
menos intensa – da herança cultural indígena. Entre os que assumiam a
herança colonial, em geral lida nessa época como a cultura espanhola,
havia os que admitiam a sua importância, mas, naquele momento,
as jovens nações começavam a trilhar novos passos a partir desse
passado e, portanto, também havia os que pretendiam ou desejavam
uma continuidade da organização tal como estava – a estrutura colo-
nial. Obviamente, essas subdivisões possuem um carácter didático e
entre uma classificação e outra havia uma variada gama de indivíduos
que não se encaixavam perfeitamente em nenhuma delas, tomando
de vários matizes, muitas vezes de forma contraditória.
No vice-reinado do Peru, a inclusão da presença indígena no
caráter da nova identidade em formação, e como parte constituinte
da história local foi um elemento importante no processo colonial.
As oposições Cortés versus Cuauhtémoc, ou Xicotencatl, observadas
em romances históricos de tema mexicano, podem ser revistas aqui
através da oposição Francisco Pizarro versus Atahualpa, ou Huáscar
mais raramente. Claramente, em cada território as apropriações
da identidade indígena geraram frutos diferentes, assim como as

2 Referência ao conto de Borges “Kafka e seus precursores”.


3 Refiro-me à conciliação, não no sentido mais restrito de paz e tranqui-
lidade, mas de um trabalho de elaboração do passado ainda que incluindo
sua negação.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 189
condições históricas vão criando diferenças nessas percepções. É
inegável que, por exemplo, a figura de Tupac Amaru II (nascido José
Gabriel Condorcanqui Noguera) e a revolução anticolonial liderada
por ele no final do século XVIII, tenham contribuído para integrar
outro nome e novas concepções de identidades, indígenas, no con-
texto peruano4. No entanto, o contexto colonial – com o embate his-
tórico entre incas e espanhóis representados por Francisco Pizarro e
Atahualpa – no imaginário decimonônico não perde sua importância,
talvez só ganhe matizes diferentes no contexto mais amplo do Peru.
Desse momento histórico, vai tratar o colombiano Felipe Pérez nos
seus quatro romances históricos publicados por entregas entre 1856
e 1858 pela Imprenta de Echeverría Hermanos. Dois mundos distantes,
um império poderoso decai e outro império começa a formar-se, entre
eles um espaço pertencente aos dois e a nenhum deles. Todos esses
elementos parecem formas de se localizar em uma história, tempo e
ideologia no projeto de construção do romance e interpretação de uma
parte da história sul-americana elaborado por Felipe Pérez ao longo
dessas quatro obras. Huayna Capac, Atahualpa, Los Pizarros e Jilma in-
troduzem o leitor na formação histórica da região sul-americana. Carmen
Elisa Acosta Peñaloza, em seu estudo sobre os romances históricos de
Pérez, El imaginario de la conquista, identifica no autor o mesmo impulso
que parece ter dominado seus contemporâneos da América, ao buscar
“elaborar una propuesta sobre el pasado que contribuyera a la conso-
lidación del espíritu nacional” (2002, p. 9). Afirma mais adiante que:

Felipe Pérez participó en la propuesta romántica que en su vertiente


histórica y en la preocupación por el pasado indígena construyó una
serie de cuatro obras que, al contribuir al interés particular de conso-
lidar un sentimiento nacional, se cuestionó sobre el pasado indígena
y de la Conquista, en un interés amplio por colaborar con la mirada
que sobre el mundo español producía la literatura y el propósito que
así asumía ante sus lectores. (2002, p. 19)

4 Ver o livro Buscando un Inca: identidad y utopía en los Andes, de Alberto


Flores Galindo, que trata da tomada dessas identidades indígenas no Peru.

190
Pérez, como seus contemporâneos, enquadra-se na representação
prototípica do intelectual do período, engajado em atividades que
cumpram a finalidade maior de submeter-se a um interesse mais
amplo: o nacional. Esse impulso pode ser observado nas demais
atividades exercidas por ele ao longo de sua trajetória que incluem
trabalhos de cunho político, como ensaísta e estudioso integrante de
comissões encarregadas de trabalhos geográficos, além de literato.
A consciência de uma necessária estruturação dessas nações atravessa
seus trabalhos. Na apresentação de Huayna Capac, dedicada ao Amigo
Alpha (Manuel Ancízar), Pérez deixa claro seu projeto de construir
uma história que possa ser útil para a nação ao ter um carácter prag-
mático: “Contribuir con mi óbolo a la formación del tesoro de nuestra
naciente literatura – tal es mi pensamiento” (1856, p. 4). Ancízar,
seu conterrâneo, também exercia funções sociais semelhantes às de
Pérez, mais conhecido por seu trabalho como jornalista, escreveu a
obra Peregrinación de Alpha por las provincias del norte de La Nueva
Granada en 1850-1851. A referência a que remete o pseudônimo na
apresentação de Pérez está evidente tanto nesse texto inicial como ao
longo das obras. É interessante observar que em seu conjunto as obras
de Pérez representam uma tentativa de pôr em forma de romance um
tipo de trabalho típico do século XIX, de conhecimento e catalogação
das estruturas de espaços desconhecidos como regiões da África e das
Américas, já que os livros de viagem do período constituem projetos
de catalogação científica, política e econômica (PRATT, 1999).
Esses livros de viagem são tanto frutos como fontes de conheci-
mentos que permitiram o desenvolvimento decimonônico. De acordo
com o que argumenta Pratt, em seu conhecido livro Olhos Imperiais,
os espaços das “zonas de contato” propiciados pelas viagens botânicas
e/ou etnográficas permitiram construir (talvez o melhor seria dizer
reestruturar) uma retórica do espaço utópico estabelecido pelo olhar
europeu de outros continentes, como África e América. A ambiguidade
surge, nesse processo, na medida em que o olhar europeu se modifica
ao entrar em contato com os nativos, assim como o próprio olhar dos
nativos também muda com esse contato. Aquilo que Pratt apresenta
como parte da lógica dos escritos do século XIX pode, na realidade,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 191
ser considerado desde os primeiros contatos entre Europa e América.
Esse olhar ambíguo acaba por colocar os intelectuais americanos entre
lógicas distintas com a chegada da independência, ou seja, muitas
vezes essa elite criolla se posiciona entre aceitar um exemplo não
local para formar a identidade e, ao mesmo tempo, querer estruturar
um modelo específico baseado em certa especificidade da região.
Adolfo Prieto, em Los viajeros ingleses y la emergencia de la literatura
argentina, comenta um aspecto dessa tomada de referência externa
para o discurso nacional. No livro, o estudioso argentino analisa a
influência de relatos de viajantes ingleses e sua forma de descrição
na literatura argentina. Parece, assim, que através do olhar do outro
“mais civilizado” se instituem formas de olhar e entender o caminho
em formação dos traços específicos e da identidade argentina.
As obras desse conjunto produzido por Pérez não fogem a esse
“modelo” da ambiguidade que pretende se situar entre espaços co-
nhecidos, mas ao mesmo tempo colocar-se num local novo. A disputa
entre os elementos das tradições culturais diferentes na área hispano-
-americana e a tentativa de se forjar como um novo elemento pode
ser vista como a grande disputa do período, e se refletirá e refratará
em vários momentos, gerando escritos e trabalhos. Particularmente,
me parece que no campo dos romances indígenas essas disputas se
acentuam, já que o passado indígena constitui um traço complexo
de ser assimilado por uma sociedade que, apesar de não europeia,
já se queria ver espelhada nos reflexos de uma modernidade que é
toda europeia. Os romances do escritor colombiano demonstram essa
divisão vista de uma forma ampla; interessa nesse momento ressaltar
que, dos quatros livros escritos por ele, dois se passam no mundo
pré-hispânico e dois tratam do período colonial. Curiosamente,
esse conjunto possui dois prólogos. Um antecede Huayna Capac,
primeiro romance da série; o outro antecede Los Pizarros, primeiro
romance que trata do período da conquista e primeiros momentos
da colonização5.

5 Infelizmente não tive acesso a esse segundo prólogo. Na edição da obra


a que tive acesso ele foi suprimido.

192
Essa separação parece indicar uma divisão aparentemente equi-
tativa das presenças dos dois espaços culturais, aparente porque
finalmente em termos de páginas a terceira obra, Los Pizarros, com-
põe materialmente quase cinquenta por cento do conjunto. Peñaloza
indica, nesse sentido, uma semelhança com a obra do Inca Garcilaso de
la Vega: “La estructura de las novelas y la de los Comentarios Reales,
quizá determinada por el devenir de la propia historia, fue la misma.
En la primera parte los protagonistas fueron los incas, en la segunda
los españoles” (PEÑALOZA, 2002, p. 80). O Inca Garcilaso foi um
dos cronistas e escritores que serviram de base para a referência ao
mundo indígena e seus costumes. Pérez remete a sua obra e a cita vá-
rias vezes ao longo de seus romances, deixando clara uma intimidade
com a história local, pelo menos a que foi contada, e evidenciando
sempre essa fonte de forma a tornar seu discurso verossímil. Embora
a necessidade de uma verossimilhança seja clara a ponto de fazer com
que o autor cite vários cronistas em seus quatro romances (citações às
vezes bastante extensas), Pérez também deixa clara a dificuldade de
reconstruir esses tempos mais antigos no prólogo de Huayna Capac.

No crea U. que se me ocultan los defectos de que adolecen mis nove-


las, pues a las dificultades que ordinariamente asedian este jénero de
trabajos literarios, pr superiores que sean el talento i la instruccion
del que los emprende (supuesto falso en el caso en cuestion), en esta
vez la tarea ha sido doblemente espinosa, si se atiende a que ella
se refiere a sucesos que tuvieron lugar en una época remota i en el
seno de una civilizacion especial, débil o absurdamente transmitida
hasta nosotros por cronistas baladíes o exajerados. Pero lo diré a U.
con franqueza: estos defectos en nada me arredran, pues son preci-
samente los mismos en que hubiera incurrido cualquiera que hubiese
querido ensayar los recursos de su injenio en teatro semejante; i esto
porque yo he seguido la historia indiana hasta sus últimos desenvol-
vimientos. Cierto es que donde me ha faltado su luz he quedado a
oscuras, pero ¿quién puede ser, en ese horizonte de tinieblas, el que
señale mis errores, quién el que censure mis pinceladas?... Esto por
un lado; por otro ¿es por ventura obra tan pequeña trasladarse a esos
países que U. i yo hemos recorrido, i trasladarse a pintarlos con los

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 193
flojos recursos del lenguaje, toda vez que ellos imponen la mente de
admiración? I a pintarlos cómo? Habitados por razas desconocidas,
cuyos trajes son plumas, cuyas armas son mimbres, i cuya habla es
grito articulado del salvaje! I si no es pequeña la tarea ¿por qué no
disimular los defectos? (PÉREZ, 1856, pp. 3-4)

No excerto, ademais de tocar em pontos como chaves nos modelos


de prólogo como a (falsa) modéstia, Pérez deixa clara a dificuldade
de realização do seu projeto, também tópico comum nesses prólogos.
No entanto, o autor ressalta que tal dificuldade seria a mesma para
qualquer pessoa que tentasse reconstruir essas épocas. Parece implí-
cito no seu discurso que, com relação a essas culturas indígenas, o
mesmo véu de mistério as cobria tanto para historiadores como para
literatos, já que tratar dessa temática implica um problema duplo: o
de ser uma época remota no “seio de uma civilização especial”, que
indica ser totalmente diferente da europeia, e o de seus cronistas
terem transmitido essa época de uma forma débil ou absurda. Estes
elementos seriam suficientes para desculpar-lhe a imperícia. Por
outro lado, ele introduz um novo argumento – nos momentos em
que faltam as informações sobre os fatos por que não imaginá-los?
Ou seja, por que não dissimular os defeitos, que viriam da ausência
de informação, com a imaginação? Entra em jogo aqui a perícia e
articulação do autor para transformar o que não pode realmente ser
acessado. Essa observação parece retomar as discussões a respeito
do uso efetivamente histórico ou mais literário da obra. E, se Pérez
advoga pelo uso de alguma imaginação onde a informação já não
alcança, também é inegável sua preocupação com contar a história
“verdadeira” daquele lugar.
Essa preocupação fará com que cada um dos livros conte uma
parte significativa da história. Em Huayna Capac somos introduzidos
a essa época remota e vemos o Império Inca conquistar territórios
ao norte que pertenciam a Quitu. Nele também vemos a reação dos
de Quitu não só para se libertar como para se vingar dos Incas. Em
Atahualpa, Pérez narra a luta entre Quitu e Cuzco, com os primeiros
tentando outra vez reassumir sua autonomia. Essa luta é simbolizada
pela querela entre os dois irmãos, Huascar, o legítimo, e Atahualpa,

194
o bastardo ligado a Quitu, para assumir o poder do Império. Em am-
bos os livros, os espanhóis já aparecem descobrindo a porção sul do
continente americano, mas sempre de uma forma simplificada. É em
Los Pizarros que a história passa a ser contada sob o ponto de vista
dos colonizadores. Muitos dos fatos expostos nos dois primeiros livros
reaparecem contados pela ótica dos espanhóis e mais detalhadamente.
Essa atenção maior aos detalhes que pode ser vista como uma forma
de valorizar o europeu em detrimento dos nativos também pode ser
entendida como um simples problema de fontes, ou seja, fala-se mais
do espanhol por se contar com mais elementos dessa cultura para
referenciar os acontecimentos históricos. A argumentação nessa linha
também ecoaria os elementos problemáticos expostos por Pérez no
prólogo de Huayna Capac.
Em Los Pizarros, além do contar mais minucioso de alguns fa-
tos, descreve-se a conquista do Império Inca pelos espanhóis e uma
diferença grande entre os territórios que pertencem à Espanha e os
que pertencem aos americanos. A contraposição desses espaços se
configurava como um dos traços importantes para a construção da
identidade nacional em várias camadas da cultura e da produção
do intelectual do período no território hispano-americano em geral.
Essa contraposição e o peso dado a cada uma dessas tradições cul-
turais implicava novas formas de tentar construir uma identidade
nas colônias recém independizadas da Espanha, com ambiguidades
provenientes das projeções e desejos decimonônicos. Na realidade,
os três espaços – Império Inca, Espanha e seu nascente império e as
ilhas do Caribe já conquistadas pelos espanhóis – representam dile-
mas do período na formação das nações hispano-americanas: entre
civilizados e bárbaros; entre local/regional e estrangeiro, sendo, na
maior parte dos casos, os primeiros índices positivos e os segundos
negativos. O problema da polarização nessa época está não somente
na questão explícita em todas as polarizações, ignorar o espaço entre
um extremo e outro, mas no fato de que civilizado e local não soíam
ser termos equivalentes.
As ideias de civilização e de desenvolvimento para o século XIX cor-
respondiam a um índice de desenvolvimento intelectual e tecnológico

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 195
que não estava de acordo com o estado de desenvolvimento em que
se encontravam os diversos espaços latino-americanos. Dizê-lo não
seria reivindicar a concepção também generalizadora e extrema do
atraso das colônias americanas em relação às metrópoles europeias,
mas sim compreender que o conceito mesmo de desenvolvimento para
o período não compreendia as (ex)colônias hispânicas. Dessa forma,
reclamar uma identidade que coubera no rótulo de civilizado e local
(significando, nesse caso, principalmente desvinculado da metrópole)
requeria uma série de malabarismos, reorganizações e instabilidades,
próprios da interpretação individual de cada intelectual com respeito
a esses conceitos. Buscar, então, um modelo de identidade local e
sinônimo de desenvolvimento para as nações hispano-americanas se
converteu tanto em uma cruzada dos intelectuais como em um objetivo
político, o que muitas vezes era representado por uma mesma figura,
a do intelectual do período, que representava um papel múltiplo entre
autor, cientista, soldado e político.
Felipe Pérez buscou nesse conjunto de romances uma espécie
de equilíbrio entre os dois mundos, que pode ser observado tanto
na divisão geral da obra como também na forma como são tratados
os personagens dentro de suas ambiguidades. Peñaloza chama esse
processo de neutralização:

El mundo americano debía tener el mismo nivel del europeo para


así proponer una comparación en equilibrio tanto temporal como
espacial. El valor que para el presente tuvo la propuesta de Felipe
Pérez estuvo centrado en la neutralización del tiempo y el espacio
en la historia (PEÑALOZA, 2002, p. 30).

Pérez contrapõe ambos os espaços das tradições culturais que


haviam gerado a América Hispânica sempre numa disposição que faz
com que as forças de ambos se anulem, sem deixar transparecer uma
maior importância para um ou outro lado e, sem aceitar nenhuma das
referências, acaba aceitando ambas. O autor colombiano parece estar
consciente de que já não existe um espaço espanhol específico e que
também é impossível reviver o tempo dos Incas, e essa impossibilidade
não parecia vir de uma superioridade inerente dos povos que passavam

196
a dominar o território – as forças da mudança vinham determinadas
pelo destino ou por forças sobrenaturais. Como ele mesmo escreve,
no final do capítulo XXI, quando Atahualpa se dirige para Cajamarca
ao encontro dos espanhóis: “El hado, la fuerza del hado arrastraba
así tan confiadamente a este príncipe al teatro de su ruina. Decretos
incomprensibles del cielo!” (1856, s/p).
Essa impossibilidade fica mais visível no despretensioso e cur-
to romance que fecha a tetralogia de Felipe Pérez. Jilma parece, à
primeira vista, um pequeno epílogo para a longa trama tecida nos
três romances anteriores. Contendo pouco menos de 200 páginas,
o romance começa com o assassinato de Francisco Pizarro pelo grupo
antes comandado por Diego de Almagro o Moço, ou como Pérez os
chama “los de Chile”. A primeira parte da obra se dedica a novelar
a guerra entre pizarristas e almagristas e como Vaca de Castro con-
segue finalmente ganhar a guerra contra as forças de Almagro, filho,
condenando-o a morte para, em seguida, afastar Gonzalo Pizarro,
convencendo-o a retirar-se para cuidar de suas terras. A segunda parte
começa com alguns anos passados depois desse ponto e a chegada do
vice-rei Blasco Núñez e o início de novos conflitos que se instauram
– desde a insatisfação de Vaca de Castro, que almejava ser nomeado
vice-rei, até a insatisfação das elites de colonos que estavam atemo-
rizados que se fizessem cumprir as Ordenanzas6 que Núñez trazia.
A personagem que dá nome ao romance, Jilma, só aparece quase
na metade do livro. A donzela aparece primeiro como uma princesa
americana, filha e herdeira de Manco e uma princesa que Pérez cha-
ma de Azucena. A personagem de Jilma diferentemente de muitas
outras que são históricas, é, segundo todas as evidências, meramente
ficcional. A descrição dela apresentada pelo autor no capítulo XVII
se assemelha muito a modelos de beleza indígena difundidos em ro-
mances da época. Um leitor de Machado de Assis poderá claramente

6 Essas Ordenanzas eram produzidas depois das disputas em Valladolid


sobre a natureza humana dos índios e o direito a liberdade. Disputa essa
encabeçada por Bartolomé de las Casa a partir de questionamentos feitos em
obras como Breve historia de la destrucción de las Indias.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 197
encontrar traços de semelhança com Iracema; essa afirmação pode
ser justificada pela representação, de forma geral, da junção entre o
modelo de virgem honrada e pudica com uma beleza altiva de traços
mais próximos aos indígenas – como a cor do cabelo ou da pele. O fato
de essa princesa ser um personagem ficcional poderia ser evidência
de um projeto do autor de representar nela os modelos para o futuro
das novas nações hispano-americanas. Ela, última representante da
família imperial Inca, simboliza o império que nos anos de conquista
estava sempre na eminência de desaparecer e que, algumas vezes,
precisou do apoio da coroa espanhola para persistir. Como a fala da
própria Jilma deixa entrever a partir de sua situação:

Mira nuestros campos desolados, nuestras ciudades taladas; mira la


imperial familia destruida hoi por entero, i solo representada en mí,
última flor i vástago, que, para preservarse del rayo esterminador,
cae, señor, a tus plantas, i temblorosa de encono i de impotencia, solo
es fuerte para lanzar suspiros i verter lágrimas! (PÉREZ, 1858, p.101)

Essa formosa princesa se apaixona por Gonzalo Pizarro, último


dos Pizarros, e quase se casam. No último instante, Zuma, serva da
princesa, revela que na verdade Jilma era filha do Gonzalo Pizarro;
fruto dos amores ilícitos do conquistador e da princesa Azucena.
Apesar de ser um lugar honroso, pai de uma princesa indiana, esse
lugar não dá tanto prestígio a Gonzalo, como havia previsto Carvajal.
A intenção desse antigo homem de guerra, que nesse momento ser-
via também como conselheiro de Gonzalo, era que a união dos dois
acabasse por favorecer a causa do último Pizarro ao tomar o poder
do recém-nomeado vice-rei Blasco Núñez.

La niña, a parte de su hermosura, era la mas espléndida personificación


del vasto imperio de los incas; ganarle pues el corazon, era ganárselo
a todo el pueblo peruano, i bien se puede levantar un trono sobre el
corazon entusiasmado de un pueblo grande i poderoso. El trono para
Gonzalo era la primera aspiracion de Carvajal (PÉREZ, 1858, p.148).

Uma princesa indiana e o único herdeiro vivo de Francisco Pizarro


representariam a união em matrimônio de duas forças simbolicamente

198
potentes, sendo capaz de, através desse respaldo, alcançar uma go-
vernabilidade que contasse, talvez, até com o apoio de Carlos V. Esse
tipo de união remete a um ideal conciliatório que pode ser observado
também nas pinturas de genealogias incas do período colonial, em
que seguido ao retrato de Atahualpa ou Huascar apareciam os retratos
dos reis espanhóis.
O casamento quiçá representava algo ainda mais persuasivo poli-
ticamente, porque não era a simples continuidade simbolizada através
da imagem pintada. O casamento significava uma aliança política, a
união de dois reinos através da união de dois amantes. O casamento
representou politicamente esse papel ao longo da história, por isso
trazia ares concretos à simbologia. Além desse papel, no Romantismo
latino-americano a união por matrimônio de um casal de amantes
sugeria uma espécie de união pacífica entre as heranças culturais
representadas por cada uma das partes. Doris Sommer (1993), em
Foundational Fictions, comenta um pouco sobre a simbologia dessas
uniões em romances do século XIX hispano-americano. No entanto,
essa acaba não sendo a solução nesse livro. A promessa de um final
conciliador através do casamento acaba se desfazendo pelo segredo
revelado pela criada Zuma e, embora a relação de pai e filha possa
ser evocada como digna de uma aliança entre os povos indígenas e os
europeus aliados a Pizarro, ela não é tão satisfatória politicamente. De
modo geral, o parentesco filial, diferente do casamento, não sugere a
ideia de união de dois elementos; evoca mais a ideia de continuidade.
No caso específico da trama apresentada, a verdadeira filiação de Jilma
mancha sua ligação com a família real Inca, pois ela não era verdadei-
ramente filha de Manco. Indo mais além, a condição de Jilma era de
uma filha bastarda de um conquistador espanhol com uma princesa
inca adúltera. Apesar de não tratar explicitamente e nesses termos a
questão, fica claro também porque Jilma, morta ao final, não poderá
ser entendida como um modelo para o futuro da América Hispânica.
Essa aparente ponta de esperança para salvaguardar os domínios dos
primeiros espanhóis no Peru, juntamente com o poder da realeza Inca,
parece surgir para ser negada. Existe ao longo da obra uma noção implí-
cita de condenação: “El destino de los Conquistadores en el Perú era caer

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 199
los unos en pos de los otros, ya sobre las gradas del cadalso, ya al golpe
de la espada asesina” (PÉREZ, 1858, p.48). Essa condenação não visava
somente os espanhóis, era algo compartilhado por todos aqueles que se
dispunham a ocupar o trono do Peru, como Huayna Capac, Atahualpa e
Huascar. Ao estabelecerem-se nesse local superior, todos os personagens
da obra são tomados por uma espécie de arrogância e tirania causadas
pelo excesso de poder que os levam a cometer atos cruéis, violentos ou,
no mínimo, desmedidos, que levarão à subsequente destruição desse
governante/rei: “no parece que fuera sino una maldicion superior que
pesase sobre el trono del Perú; todos los que hemos ocupado de Huayna
Capac hasta Núñez hemos caido víctimas del puñal, de la política o del
veneno” (PÉREZ, 1858, p. 127-128).
A importante continuidade dos tronos envenenados coloca numa
mesma linha a sucessão de reis incas e vice-reis/governantes, como se
a maldição que persegue o trono os transformasse a todos em figuras
condenadas/condenáveis. De alguma forma, o narrador, localizado
no século XIX, parece criticar a organização excludente de uma es-
trutura monárquica, o que fica evidente nos romances Los Pizarros
e Jilma nas suas críticas tanto com relação ao reino espanhol e seus
desmandos, como também com relação ao reino inca na América.
Muito dos desmandos cometidos pelos últimos governantes incas são
apresantados em Huayna Capac e Atahualpa.
Algo que difere os trabalhos de Pérez, com relação a alguns
outros de seus contemporâneos, é que a condenação não se dá por
uma avaliação do caráter negativo dos governantes, tanto incas como
espanhóis. Esses governantes, apesar de tomarem decisões erradas
e mostrarem, muitas vezes, um lado extremamente tirânico, não são
apresentados maniqueistamente. O narrador revela uma compreen-
são da grandeza desses homens, mas mostra-se disposto a revelar os
males que um poder concentrado pode fazer nas mãos de um único
governante. Os personagens de Pérez, seja por falha na continuidade
da obra que saiu em folhetim, seja por plano do próprio autor, sur-
gem de um universo de ambiguidades. E a prolífica prosa do autor
colombiano dá espaço para que essas diferentes formas dos caráteres
possam ir se desenvolvendo frente aos olhos dos leitores.

200
Nesse sentido, Jilma, como último livro da série, indicaria, como
afirmei anteriormente, uma espécie de epílogo, mas de alguma forma
parece um epílogo que frustra. Frustra o leitor porque, o que apa-
rentemente indicava ser uma possibilidade de se criar um exemplo
para os novos modelos nacionais, não resta nada – morrem Gonzalo
e Jilma, últimos representantes desse período de conquista, sem que
se encontre uma resposta pacífica e conciliatória. Por esse motivo,
o último romance da série pode se insinuar como mais superficial ou
uma mera desculpa para concluir a história dos Pizarros depois da
primeira leitura. Entretanto, o tema de Jilma e Gonzalo Pizarro rea-
parece em outra obra do autor, uma peça de teatro intitulada Gonzalo
Pizarro: drama histórico orijinal.
As tramas da peça e do romance coincidem a partir da primeira
aparição de Jilma no romance. Na verdade, a obra de teatro foca
especialmente na relação e dilema com menos detalhes aos contextos
políticos, algo que no romance ganha tanta importância que leva a
aparente protagonista a só aparecer no meio da obra. Ou seja, os
temas são coincidentes exatamente no ponto em que inicialmente
parecia menos importante: os momentos finais de Pizarro e a relação
com Jilma. A repetição dessa trama revela, então, uma preocupação
que a primeira vista pode não ser evidente, mas que podem ser
facilmente explicadas pelos comentários de Manuel Ancízar7, no
prólogo à obra de teatro.

En Gonzalo Pizarro se resumió toda la audazia i el jenio revolucio-


nario de los conquistadores del Perú, i con su muerte concluyeron
las guerras civiles comenzadas desde el asesinato de su hermano
Francisco: por eso la elección de aquel personaje i de sus hechos para
asunto de un drama ha sido mui acertada, pues se trata del desen-
laze trájico de grandes acontecimientos que venian eslabonándose i
motivándose desde el desastrado fin de jefe de los conquistadores;

7 O prólogo está assinado como Alpha, mas, como comentado anterior-


mente, esse era o pseudônimo de Manuel Ancízar, a quem Pérez já havia
convertido em interlocutor do prólogo de Huayna Capac.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 201
bien que de esto mismo nació para el autor la dificultad de haber
de presentar dos esposiciones en el drama, la una sobre la situación
política del Perú en el tiempo que principia la acción, i la otra sobre
la situación individual i relativa de los personajes que van a entrar
en escena (ANCÍZAR apud PÉREZ, 1857b, p. IX).

Jilma es allí la personificación de la América indiana; carácter puro


i sencillo; alma ardorosa, heroica, mitad cristiana, mitad pagana to-
davía como lo era entónces la tierra de los incas. En Jilma está vivo i
presente el espectáculo de la ruina de su imperio i del aniquilamiento
de su ultrajada estirpe (ANCÍZAR apud PÉREZ, 1857b, p. XII).

Gonzalo e Jilma representam o último casal perfeito para encenar


o destino trágico do período de conquista e início da colonização no
Peru. Os dois, ao contrário do que pode parecer a princípio, não sur-
gem para romper as cadeias viciosas de destinos amaldiçoados por
comportamentos ambiciosos e projetar uma possibilidade de futuro,
como tantos romances do período fazem mesmo que de maneira am-
bígua. Esse par é colocado em cena justamente para repetir a queda,
mas repetir de uma forma alegórica, exemplar. Em certo sentido,
eles não são o primeiro par de um futuro promissor, mas o último
par de dois mundos condenados – o mundo do império dos incas e
o mundos dos conquistadores espanhóis tal como foi nas primeiras
décadas da conquista. Dois mundos sobre os quais se constituirá
o espaço da América Latina.
Escrevendo de um lugar de fragmentação do espaço da colônia
espanhola, o século XIX, Pérez busca na construção e ficcionalização
do passado histórico uma forma de criar as memórias para os novos
espaços que se constituíam, as novas nações que se formavam. Essa
ficcionalização do passado, em busca de rastros que pudessem construir
a base das memórias coletivas dos novos cidadãos das nações em for-
mação, não foi uma novidade para o século XIX. A grande quantidade
de romances históricos que se proliferou neste momento é uma marca
dessa característica. No entanto, a ambiguidade com que trata ambos
os lados – os nativos e os conquistadores espanhóis – é mais específi-
ca desse autor colombiano, embora ele não seja o único usando esse

202
recurso. Ao relativizar essas duas referências de passado, Pérez cria
uma forma diferente da que costumamos associar ao século XIX, em
geral visto pelo século XX como um período de visões maniqueístas,
especialmente no que se refere aos autores de romances. O espaço
criado pelas obras de Pérez é aquele que permite a ambiguidade dos
personagens sem retratá-los através dos polos do bem e do mal – muitos
dos personagens do autor transitam entre esses polos.
A propensão entre vários grupos decimonônicos para privilegiar ou
uma herança espanhola ou uma herança indígena, ou ainda a ausên-
cia das duas pautada por um olhar na modernidade modelado pelos
exemplos da França ou Inglaterra, mostra uma divisão de quadros
que tendem a certo extremismo, mas que no cotidiano e na execução
de projetos literários, e também políticos, não necessariamente se
caracterizavam por essa defesa extrema. Assim, a ambiguidade dos
personagens de Pérez, voluntária ou involuntariamente, demonstra
um certo nível de compreensão das novas formações na América
Latina que não podiam prescindir das influências de ambas as refe-
rências culturais, mas que já não podiam reviver nem uma nem outra.
Na obra de Pérez, é interessante que esse fim esteja marcado por uma
queda dos dois lados, e uma compreensão de que os dois possuem sua
parcela de culpa no que tange à crise da sucessão de trono no Peru;
por outro lado, também é interessante que esse fim seja marcado pela
presença e ação do sacerdote espanhol Pedro de la Gasca8.
É fato que ele é o responsável pelo fim do poder de Gonzalo, mas
a forma como Pérez o descreve, também com certa ambiguidade, deixa
entrever que um novo tipo de poder ia se imiscuir e emergir como
uma das maiores forças da colônia: o poder da igreja e sua negociação
através dos papéis e perdões. O autor colombiano o descreve como
um ser incorruptível, mas que, ao mesmo tempo, corrompeu todos os
homens de Gonzalo com o perdão emitido através de cédulas reais que
ele trazia da Espanha. Embora essa relação não esteja explícita, remete

8 Pedro de La Gasca é, de fato, um personagem histórico. Veio à América


como Presidente da Real Audiência de Lima com a incumbência de acabar
com a rebelião de Gonzalo Pizarro.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 203
muito às negociações e chantagens do Santo Ofício que foram um dos
principais alvos das críticas dos intelectuais contemporâneos a Pérez.

En cuanto al Presidente Pedro la Gasca, despues de haber marcado


su paso en el Perú con la huella de sangre de sus ejecuciones, arregló
el gobierno de las colonias segun los consejos de una sabia política –
sabia según los sistemas i los alcances de entónces, i regresó luego a
España envuelto en el mismo manto con que habia pasado a las Indias,
a los cuatro años de haber salido de San Lucar, i conduciendo nada
ménos que diez i nueve buques cargados de oro. Apesar de esto Gasca
no llevaba para sí ni un solo ducado (Pérez, 1858, p.211, grifo meu).

Pela descrição dos atos finais do sacerdote, pode-se observar


justamente esse lugar da ambiguidade na caracterização do persona-
gem. Apesar de se manter imune aos apelos que o ouro podia causar
e não tomar nada para si, o sacerdote deixa um rastro de sangue e
umas políticas que, segundo Pérez, eram sábias “para a época”. Ou
seja, o que está implícito nessa observação é a concepção clara de
que essas políticas para os contemporâneos do autor colombiano já
não são boas, já não fazem sentido.
O conjunto da obra de Felipe Pérez assinala, então, um aumento
no poder da igreja dentro dos assuntos da Coroa espanhola durante
o processo de colonização e fim do mundo dos Incas, bem como das
expedições de descobrimento e conquista. Juntamente com isso, tam-
bém falam, para o século XIX, de uma impossibilidade de se retomar
os dois tipos de herança cultural na sua inteireza, mesmo que isso
não seja feito da forma mais consciente. E, nesse movimento de ir
deixando emergir a impossibilidade de lidar diretamente com esses
passados, mas sem negá-los, a obra de Pérez projeta um diálogo com
os estudiosos da América Latina do final do século XX e começo do
XXI, como um precursor desavisado das ambiguidades, mais próximas
das paródias que seriam elaboradas contemporaneamente.
O conteúdo dessas obras de Pérez, assim como as relações es-
tabelecidas por elas entre o campo da literatura e da história, forja,
juntamente com outros trabalhos, novas formas de compreender
o espaço hispano-americano. A encruzilhada da identidade, ou da

204
formação de identidades, continuará sendo desenvolvida e susci-
tando questionamentos, mesmo depois de décadas. Parece difícil
compreender o fenômeno do boom latino-americano, sem entender
uma necessidade expressa de muitos intelectuais de buscarem uma
identidade local (mesmo que fosse uma identidade artística local).
A postura de intelectuais críticos de fins do século XX e começo
do século XXI, que propunham uma leitura descolonial (Mignolo e
Quijano, por exemplo), fala também de alguma forma desse identi-
dade/identificação local, que claramente já não se identifica com um
modelo de nacionalidade homogêneo e estanque, mas ainda tenta
traçar formas e desenhar modelos de ler-se a si mesmo dentro de um
sistema-mundo que constantemente identifica América Latina com
o espaço das margens. A identidade nacional já não passa, nesse
contexto, a ser uma preocupação, inclusive porque boa parte desses
intelectuais contemporâneos vai desconfiar da homogeneidade dos
discursos nacionais. No entanto, essas ambiguidades que aparecem
nas obras de Pérez, e em outros autores do século XIX como Gertrudis
Gómez de Avellaneda, Eligio Ancona, entre outros, permitiram que
se fomentasse no nível da memória coletiva uma unidade para cada
nação, mas principalmente uma unidade para esse conjunto que
chamamos América Latina. Ao buscar um passado para as novas
nações, encontra-se um passado colonial comum, necessário de ser
revisitado. Necessário porque defini-lo como memória era a forma de
se redescobrir e se reinventar no presente, para só então buscar um
futuro; e qualquer semelhança com o momento de celebração dos 500
até agora para os estudos latino-americanos não é mera coincidência.

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206
U M A T O P O L O G I A C O L O N I A L:
DE SEPÚLVEDA A CONRAD

Juan Pablo Martín Rodrigues

“Muy pronto ha de sobraros oro para empedrar la casa”,


replicó su marido. Durante varios años se empeñó en demostrar
el acierto de sus conjeturas. Exploró palmo a palmo la región,
inclusive el fondo del río, arrastrando los dos lingotes de hierro
y recitando en voz alta el conjuro de Melquíades. Lo único que logró
desenterrar fue una armadura del siglo XVI con todas sus partes
soldadas por un cascote de óxido, cuyo interior tenía la resonancia hueca
de un enorme calabazo lleno de piedras. Cuando José Arcadio Buendía
y los cuatro hombres de su expedición lograron desarticular
la armadura, encontraron dentro un esqueleto calcificado que llevaba
colgado en el cuello un relicario de cobre con un rizo de mujer.
(GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel, 1967)

A tentação que muitos dos conhecedores das cartas de relação dos


“descobridores”, ou dos relatos dos incipientes cronistas imperiais de
Índias, sempre tiveram de brincar com os anacronismos tem dado fru-
tos saborosos no campo da literatura latino-americana. Miguel Ángel
Astúrias, García Márquez ou Juan Carlos Onetti, intuem, prospectam,
sugerem Mundos singulares dentro do Continente Latino – Americano.
Como Novo Mundo, prossegue-se na incansável procura de uma
identidade, originária e liberta de discursos coloniais, empreitada que
apenas ela, a imaginação, poderia começar. Macondo ou Santamaría
configuram metáforas óbvias e necessárias sobre as crônicas-ficções
de fundação. Assim como o esqueleto do homem na armadura do
século XVI, resgatado por Jose Arcádio em “Cem Anos de Solidão”,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 207
surge do fundo da lagoa létea do esquecimento – mostrando que ainda
está ai, disposto a boiar com um relicário de cobre e cacho de mulher
no pescoço dos restos de aventureiro que buscava o mesmo ouro que
ele – , também os discursos do mesmo século XVI, submersos, mas
reais, se constituem como metáforas dos dizeres da colonialidade do
poder, fábulas que semi-ocultas, subconscientes, perpetuam encobri-
mentos, implícitos e não-ditos.
Por que, então, na procura de (re)inventar esse Orbis Novo, não
se pode tentar ressuscitar o velho cavaleiro do fundo da lagoa do
olvido, procurando remover os óxidos da armadura das velhas cartas
de relação ou crônicas imperiais, para tentar descobrir o que verda-
deiramente se encontra na estrutura metálica que protegia e isolava
o herói? Note-se que a procura é mais aquela do buscador de tesou-
ros do que a de colecionador de selos do correio; de arqueólogo do
saber mais do que de construtor de árvores genealógicas. O Mundo
que nos circunda, e sobre tudo as explicações que damos aos fatos
que vivemos, estão no genoma dos discursos já tecidos e incorporados
no dia-a-dia de forma inconsciente.
Como Macondo ou Santamaría, as naus nacionais navegam sub-
metidas aos caprichos das correntes e tempestades dos mercados, ou
dos ataques e motins induzidos pelos corsários do Novo e do Velho
Mundo. A corrida pelo ouro, poder e glória de muitos no Orbis Novo
será uma constante nas narrativas que o contemplam: José Arcádio
Buendía apenas segue as trilhas de uma miríade de outros aventu-
reiros, desde o próprio Colombo até os anônimos buscadores das
cidades de Cibola e Quivira, agônicos argonautas que muitas vezes
pagam com a própria vida sua crematística ânsia pela procura do
Eldorado, territórios espectrais que, como afirma Alfredo Cordiviola
(2013, p.19), são

Espaços que dispõem de uma potência enunciativa que os torna


tremendamente reais, mas que padecem de uma irrealidade crô-
nica que imperiosamente os define como imaginários. Espaços
que, paradoxalmente são definidos pela sua ausência, espaços
que são pura representação, feitos somente de palavras e de
desenhos no papel.

208
Aqueles espaços espectrais são cobiçados por partidas de homens
na procura de ouro, sociedades anônimas ou limitadas de inteira res-
ponsabilidade do chefe da mesnada (nem sempre fiéis ou confiáveis,
servos da força e da Fortuna), que terminam coroando, relegando
ou apagando a memória daqueles mais heróicos: Cortés, Almagro ou
Lope de Aguirre, carne de estátua ou de forca, sujeitos e objetos nar-
rativos de vidas paralelas, entre relatos de pescador e história oficial.
Personagens que constituem o (des)composto orgânico onde crescem
os imaginários coloniais. E, no entanto, aqueles lugares fantasmagó-
ricos, sem abandonarem nunca seu caráter espectral, ilusório, fábula
viva dos servos de Midas e verdadeiro coração mineiro das trevas,
tomam corpo tangível em Potosí, Pachuca, Serra Pelada...
Hernán Cortés é paradigmático dentre aqueles participantes da
corrida pela gloria mundi que instigara a sede de ouro e prata. O con-
quistador e governador da ilha de Cuba, Diego Velázquez, sabedor
das notícias dos ricos reinos de Terra Firma, decide enviar Cortés para
uma expedição de exploração do continente, numa inopinada joint
venture. Já iniciada a expedição, o próprio Cortés, vítima da mesma
febre áurea que atingira Diego Velázquez, começa a agir à revelia
do legítimo governador, para que a glória da empresa não ficasse
menoscabada por tal aliança (Sepúlveda, 1987, p. 94).
Cortés, que finalmente seria conquistador do México, termina
engrossando as fileiras da sua força expedicionária com aqueles ho-
mens que, enviados pelo governador e financiados por Velázquez,
iriam prendê-lo, fato que depois é glorificado pelos cronistas como
uma façanha mais: para o vencedor as batatas. Assim nasce o que
alguns denominam história da conquista, mas que se poderia nominar
como fundamentos e primórdios da história corporativa do mundo
ocidental, moderno, pretensamente único, como depois será abor-
dado, com o nascimento das sociedades anônimas, a separação da
responsabilidade individual dos fundos que promovem as aventuras,
a vitória dos benefícios e o “quinto real” como sintoma e gerador de
um fisco definitivamente moderno.
Juan Ginés de Sepúlveda, cronista do Imperador Carlos V, expõe a
conquista sem panos quentes, com a perícia adquirida como tradutor

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 209
de Aristóteles e a legitimidade de confessor imperial e preceptor de
latim do príncipe Filipe. Assim, na sua obra De Orbe Novo [inédita
até 1780], hoje conhecida como Historia do Novo Mundo (Sepúlveda,
1987), Juan Ginés recria a narrativa de aventura do colonizador es-
panhol. Neste fragmento, podemos ver o discurso de Hernán Cortés
aos seus homens de guerra:

Que no se trata del dominio de una sola ciudad, ni se va en pos de


la gloria que proporciona la destrucción y huida de un solo ejército,
sino que es otro Nuevo Mundo lo que se nos pone por delante como
recompensa a los esfuerzos, a los peligros y a la victoria; asimismo, la
gloria de haber sometido por las armas a muchos y grandes pueblos,
y no ya el botín ganado en la destrucción de una sola ciudad para
distribuirlo entre muchos, sino los bienes de muchos reinos extraor-
dinariamente ricos en oro y plata para repartirlos entre muy pocos.
De modo que, dado que nos obliga, de una parte, la supervivencia
y nos empuja, de otra, una gran gloria y tan grandes recompensas,
desfallecer y renunciar a una guerra que se hace por piedad y que
va a proporcionar gloria e incontables ganancias es propio de gente
pusilánime y despreciable, cosa que se aleja con mucho de la forma
de ser y las costumbres de nuestro pueblo (SEPÚLVEDA, 1987, p.153).

Sepúlveda torna-se uma referência para todos aqueles defensores


da colonização da América, como legitimador da “encomenda” de in-
dígenas e do botim bélico, pela sua fundamentação filosófica explícita
e crua da guerra de conquista. Hoje ele poderia ser um palestrante
motivacional de vendas corporativas ou fundador de uma nova fé, que,
alimentada por generosos dízimos, divinos ou profanos, outorgasse
ao líder a gloria dei e a gloria mundi. Seja como for, a febre do ouro
começara naqueles tempos, e tinha um obscuro e esquecido profeta
em Sepúlveda.
Tanto Hernán Cortés quanto Lope de Aguirre encontram-se entre
os seguidores e até cotistas do lobby de Sepúlveda, na sua luta para
derrubar as Leis de Burgos, leis de Isabel a Católica que protegiam,
de certa forma, os indígenas, limitando a encomienda, estabelecendo
limites diários da jornada laboral e até férias anuais, no intuito de

210
limitar a alarmante mortalidade dos indígenas, como novos súditos da
Rainha, principalmente nos minérios de ouro e prata e nas incipientes
plantações. O ponto culminante será a Controvérsia de Valladolid,
que termina sem vencedor claro, mas que de fato instaura o famoso
adágio castelhano “obedezcase pero no se cumpla” na hora de fazer
vigorar tais leis protetoras.
Inimigos das leis protetoras dos indígenas, Lope e Hernán tinham
muitos outros pontos de confluência. Profetas e atores protagônicos
da modernidade, eles rompem com a relação medieval de vassala-
gem: Hernán com o Governador e financiador da expedição, Don
Diego de Velázquez e Lope inicialmente com o chefe da expedição,
Ursúa, depois com o próprio Imperador Filipe, para terminar justi-
çando o próprio Imperador dos Maranhones, por ele mesmo antes
designado. Mais moderno do que eles, o Imperador Filipe não poderia
admitir restos tão evidentes de feudalismo nos virreinatos, relegando
a Hernán a um obscuro marquesado, longe das riquezas mexicanas
e do Quinto Real, e a Lope, aos tons cinza dos soldados da Fortuna.
Filipe, sábio e cauteloso pelas prováveis revoltas desses ambicio-
sos, prefere sempre ser temido a amado; e consegue manter assim
o principado sob suas rédeas, e as dos banqueiros internacionais
em que se sustentava.
Mas por que a adesão espontânea e ferrenha de tantos soldados
e encomenderos das Índias às teses de Sepúlveda? O filósofo escre-
vera Demócrates Alter, subtitulado De Justis Belli causis apud índios,
alem de relatar a crônica da própria conquista do México por Hernán
Cortés, a quem conhecera pessoalmente na Corte, na obra De Orbis
Novo. Segundo Sepúlveda, a pobreza é boa para aqueles que se sub-
metem aos votos para tal e se recolhem para a vida contemplativa,
servindo assim a Deus. Mas, os restantes servos divinos devem se
engajar na vita ativa, perseguindo os fins que são próprios do ofício
escolhido, glorificando assim o Criador através das ações diárias da
profissão, servindo ao senhor, cumprindo os deveres inerentes à mes-
ma. Como argumenta Demócrates, o alter ego de Sepúlveda na sua
obra Democates primus, primeira das obras justificativas da guerra
do filósofo de Pozoblanco, sobre o exercício das virtudes,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 211
Para vivir bien basta con ejercitar cualquiera de ellas. Ahora bien,
a los que se ocupan en el conocimiento de la verdad y en la con-
templación de las cosas excelentes, los consideran tanto más felices
cuanto el entendimiento es más excelente que las otras partes del
alma y las cosas divinas que las humanas. Pero Aristóteles se refiere
a la felicidad que se puede hallar en el hombre mortal y no a aquella
denominada por los teólogos “eterna vida” (como lo es en realidad),
la cual consiste en la clara y manifiesta contemplación de Dios, según
se desprende de aquellas palabras con que Cristo se dirige al Padre:
“Esta es la vida eterna: que te conozcan a ti solo Dios verdadero”:
lo cual, en cuerpo mortal, sin duda nadie lo consiguió, excepto Cristo,
ya que de Moisés y San Pablo se duda entre los doctores (SEPULVE-
DA, 1963, p. 156).

No caso dos perseguidores da ventura, existe a necessidade de


um discurso motivacional ou “arenga” mais efetiva, como se descre-
ve no na fala de Cortés para os soldados de Fortuna das suas hos-
tes, vivificados por Sepúlveda na sua crônica e diálogo descrito no
De Orbis Novo (1987, p. 134):

Sopesad una y otra vez todo esto, compañeros, sabiendo que la deci-
sión de renunciar a la guerra, asunto que no es ni siquiera discutible,
os es perjudicial, mientras que en la empresa, en la que incluso morir
sería lo más hermoso, es lo mejor para vuestra salvación; y compren-
ded que, lejos de vosotros tan vergonzosa duda, no debéis pensar en
nada que no sea hacer la guerra y que es necesario que os dediquéis
a ello con toda vuestra alma. De esta forma se nos abre un camino,
en primer lugar para salvarnos, después de ganar una limpia fama
y, en tercer lugar, para conseguir enormes riquezas y para – y esto
debe pesar mucho más entre hombres piadosos y leales al Estado
y a la majestad del César Carlos, nuestro Rey – propagar la religión
cristiana y el imperio de los españoles a lo largo y ancho del orbe.
Pues sometidas las naciones más poderosas a nuestro poder, una vez
desaparecido el culto a los ídolos y sus costumbres salvajes gracias
a vosotros, tal como sucedió en las islas, se vuelven más dispuestos
y dóciles para aprender y abrazar, no en contra de su voluntad,

212
la piedad cristiana mediante la doctrina del Evangelio. Nada hay más
agradable y aceptable a Cristo que tal empresa.

O próprio Cortés-Ulisses é ironicamente pintado no relato de


Sepúlveda, quando relata os presentes levados a Cortés, sobre a sede
de ouro (SEPÚLVEDA, 1987, p. 119):

Se presentaron dos jóvenes emisarios de parte de Moctezuma con un


gran séquito y cuatro ancianos consejeros portando de regalo varios
vestidos de plumas artísticamente confeccionados, vasos de oro y
plata cincelados artesanalmente, un casco dorado con granos de oro
sin pulir, tal y como suelen sacar de las minas con el propósito que
Cortés se curara de la dolencia de que estaba aquejado, de la que
había hablado a Teudilli, gobernador del rey, y cuyo remedio era el
presente de oro sin pulir. Desde luego era cierto que Cortés lo había
dicho no sólo por su ansia de poseerlo, que era mucha, sino también
como trampa para averiguar con aquel truco si había minas de oro
en aquellas regiones.

Defrontamo-nos aqui com um dos principais mitos, junto com


o da mão invisível, que configuram a cosmogonia da utopia liberal:
todos e qualquer um pode(m) ficar ricos, auxiliados pelo constante
trabalho árduo, pela audácia de superar arbitrárias ou justas normas,
pela iluminação de Deus ou pelo favorecimento da Fortuna. Mas,
o que acontece com os milhões de candidatos não contemplados pela
deusa Ocasião?
Lope de Aguirre e seus “marañones” são paradigmáticos da plê-
iade de anjos caídos na procura infrutuosa do Eldorado, vencedores
perdidos de mil batalhas, recalcados sem botim, que servem como
escarmento para as futuras gerações. Lope de Aguirre vai encarnar
o anti-Cortés: como ele, desobediente das originárias ordens, rebelde e
autônomo, na procura do próprio benefício, não consegue o reconhe-
cimento heróico que vitórias e ouro proporcionam, segundo o que o
modelo atingira. Aguirre em vão executa Ursúa, “injusto” responsável
pela expedição, dá fim aos inúmeros traidores da comandita, que
como almagristas ou pizarristas, reproduzem-se, cainitas, sem fim.
Lope sacrifica a própria filha para não perder a honra em mãos da

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 213
soldadesca que o iria prender; o deus da cobiça irá exigindo sucessivos
sacrifícios humanos sem fim, até que nem o próprio Aguirre saciaria
a sede de sangue do Bezerro de Ouro. Como sugere Cordiviola (2005,
p. 98), Lope de Aguirre,

está destituído de toda proteção estatal ou senhorial, e deve por se


mesmo procurar (no seu caso através da pura violência) seu lugar
na incipiente economia de, por assim dizer, livre mercado. Negando
a autoridade do seu patrão, o rei, proclama o seu direito a escolher,
e faz vitória do mais forte o seu credo. (...) Aguirre fracassa por seus
desmandos e por haver chegado tarde; outros, mais afortunados, mais
pícaros conquistadores do Peru já se haviam apoderado de tudo.
Aguirre chega mais tarde, como muitos outros, mas, graças aos seus
excessos, perdura na história como o nome que resume as trajetórias
de inúmeros soldados desencaminhados e anônimos, que de Charcas
a Quito, deambularam ou pereceram do mesmo modo, procurando
em vão algo que não existia.

Mas os monumentos criados, cruciais na hora de fundar o edifício


nacional e dar sustentação às narrativas libertadoras, também são
erigidos a partir das narrativas dos perdedores ou injustiçados, esque-
cidos ou convenientemente lembrados e, sobre tudo, fundamentados
nos alicerces que constituem os mitos, um dos quais é e será a Lope
de Aguirre ou a Cólera de Dios:

El Lope que habla de sí llamándose “el Peregrino” y que ofrece a Felipe


II “las más cruda guerra que nuestras fuerzas puedan sustentar” (Vás-
quez 1986, p. 117) con motivo de la ingratitud del rey, la disolución
de los frailes y la inequidad de los jueces, ese Lope que habla de sí
mismo con tanta energía que sus palabras son recogidas en lugar de
silenciadas por sus enemigos, ese Lope creado inicialmente por lo
que él dice de sí mismo, es, en sí, la reelaboración de un mito. Lope
crea un sí mismo que probablemente sea otro distinto al personaje
histórico, pero que por eso mismo permanece en la historia hasta
nuestros días. Lope es el principal redactor de la versión moderna de
un mito cuyo símbolo es él mismo. Sus enemigos no logran anular lo
que él dice y, en su intento por contradecirlo, lo citan extensamente,

214
con lo cual le dan un poder de palabra que permite a Lope obtener
justamente lo que sus oponentes evitan: la fama y la denuncia de la
corrupción en América (NEIRA et al, 2006).

Assim, Lope de Aguirre, talvez a contragosto, encarne o papel


de autêntico anti-herói dos trópicos: como um Anti-Cristo imitador
do herói, adorador da mentira, auto proclamado traidor, fala muitas
línguas, vive e fenece com inveja daqueles ditos verdadeiros conquis-
tadores; ele, o “Pelegrino”, vagará rancoroso para sempre na memória
como a “Cólera de Deus”.
Dominado por uma ideia de enérgica ação, sabedor da vantagem
que a velocidade confere aos lutadores incansáveis, Simón Bolívar
acrescenta sua merecida fama de sagaz e brilhante gênio político,
mandando editar de forma expeditiva, tão logo as conhecera, as cartas
de Lope ao Imperador Felipe II, concretamente no Correo Nacional
de Maracaibo, em 1821 (NEIRA et al, 2006). Uma das cartas, guarda-
das pelo Arquivo de Índias, transcreve-se aqui na sua parte inicial;
Aguirre conclui esta missiva denominando-se “Hijo de fieles vasallos
en tierra vascongada, y rebelde hasta la muerte por tu ingratitud”.
Como Cordiviola assinala em Um Mundo Singular (2005, p 94), es-
tas cartas de Lope constituem um anti-modelo das cartas de relação
tradicionais dos aventureiros e conquistadores. Nelas, o autor inverte
todas as características do gênero, e na sua rebeldia eterna começa
insultando o rei precisamente na parte que a retórica sempre reservara
para louvar ao poderoso senhor por parte dos vassalos; a tradicional
captatio benevolentiae serve agora a outros fins, quebrando de forma
unilateral o contrato de vassalagem medieval, diante da injustiça, que
como pícaro do Novo Mundo, Aguirre insinua, assinala e denuncia.
Sem perdão nem retorno possível, já não é preciso afundar as naves
como o herói Cortês. Apenas a vitória ou a ignomínia são possíveis,
passado o ponto definitivo e infernal do não-retorno:

Bien creo, excelentísimo Rey y Señor, aunque para mí y mis com-


pañeros no has sido tal, sino cruel e ingrato a tan buenos servicios
como has recibido de nosotros aunque también bien creo que te
deben de engañar, los que te escriben desta tierra, como están lejos.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 215
Avísote, Rey español, adonde cumple haya toda justicia y rectitud,
para tan buenos vasallos como en estas tierras tienes, aunque yo,
por no poder sufrir más la crueldades que usan estos tus oidores,
Visorey y gobernadores, he salido de hecho con mis compañeros,
cuyos nombres después te dire, de tu obediencia, y desnaturándo-
nos de nuestras tierras, que es España, y hacerte en estas partes la
más cruda guerra que nuestras fuerzas pudieren sustentar y sufrir;
y esto, cree, Rey y Señor, nos ha hecho hacer el no poder sufrir los
grandes pechos, premios y castigos in-justos que nos dan estos tus
ministros que, por remediar a sus hijos y criados, nos han usurpa-
-do y robado nuestra fama, vida y honra, que es lástima, ¡oh Rey!
y el mal tratamiento que se nos ha hecho. Y ansí, yo, manco de mi
pierna derecha, de dos arcabuzazos que me dieron en el valle de
Chuquinga, con el mariscal Alonso de Alvarado, siguiendo tu voz y
apellidándola contra Francisco Hernández Girón, rebelde a tu servi-
cio, como yo y mis compañeros al presente somos y seremos hasta
la muerte, porque ya de hecho hemos alcanzado en este reino cuán
cruel eres, y quebrantador de fe y palabra; y así tenemos en esta tierra
tus perdones por de menos crédito que los libros de Martín Lutero
(AGUIRRE, [1562] apud MATAMORO, B. 1987).

Bolívar, como extraordinário estadista, soube se utilizar das armas


mais eficazes disponíveis ao seu alcance, de forma que em toda bata-
lha pela libertação era lançado um panfleto,ventilado um discurso ou
redigida uma carta ou, o que se revelaria mais demolidor para o bando
inimigo: notícias e crônicas impressas em jornais. Não é de estranhar
a identificação do Libertador com Lope, ambos militares formados na
península, ambos legítimos credores dos direitos de conquista que
lhes são usurpados por Áustrias ou Bourbons: a terra é para quem a
ocupa, nunca para o burocrata longínquo, sedentário desconhecedor
da autêntica topologia colonial da aventura.
Se Lope de Aguirre deve apelar para a violência de fato e de
discurso, Bolívar saberá se valer de uma arma bem mais poderosa,
que a sua época lhe oferecera para obter a vitória final: a imprensa.
O século XIX dissolve o antigo paradoxo entre a pena e a espada numa

216
síntese perfeita de canhões e publicação. A arma da imaginação se
mostrará finalmente vitoriosa, na incessante procura pela ordem e
progresso. A continuidade de discursos Aguirre-Bolívar, que o pró-
prio Simón impulsionara e que poderia surpreender a primeira vista,
fundamenta a sequência salvação de almas-salvação do atraso, que
incorporam os próceres iluministas das novas repúblicas americanas
e encobre igualmente outras finalidades que a mission civilatrize da
segunda modernidade persegue. A missão cristã não foi banida no
século XVIII e XIX, mas reconvertida-recoberta em missão civilizadora
secular, algo já antecipado por Sepúlveda. Como afirma Gong (1984,
apud MIGNOLO, p. 386):

Um elemento da tradição cristã que a tendência para a secularização


não apenas manteve, mas acentuou foi a universalidade manifestada
na exortação bíblica de levar a boa nova a todas as nações. As aspi-
rações universalistas do cristianismo foram facilmente transformadas
em noções de uma civilização universal que poderia progredir aderin-
do a princípios científicos. O progresso em direção á civilização viria
à medida que se aplicassem as leis universais da física, da química
e da biologia, apesar da miríade de manifestações superficiais das
diferentes culturas. Assim nasceu a missão “civilizadora”. Continuou
sendo uma cruzada moral, com toda a autoconfiança e zelo que
muitos julgavam que os reformadores cristãos estavam perdendo,
face ao desafio da ciência secular.

Os centauros do deserto do Far West de John Huston, assim como


as planícies a serem libertadas na “Campanha do deserto” do General
Roca, na Argentina, constituem narrativas com o pano de fundo, nem
sempre explícito, do princípio político-filosófico de Domingo Faustino
Sarmiento, “governar é povoar”, que fielmente reproduz na sua obra
mais conhecida, Facundo: Civilização ou Barbárie (1845):

El año 1835 emigraron a Norteamérica quinientas mil seiscientas


cincuenta almas. ¿Por qué no emigrarían a la República Argentina
cien mil por año, si la horrible fama de Rosas no los amedrentase?
Pues bien, cien mil por año, harían en diez años un millón de euro-
peos industriosos, diseminados por toda la República, enseñándonos

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 217
a trabajar, explotando nuevas riquezas y enriqueciendo al país con
sus propiedades; y con un millón de hombres civilizados, la guerra
civil es imposible…(SARMIENTO [1845], 2004, p. 208).

Este não é o único texto fundador que estabelece a tríplice rela-


ção terra-homem-luta, como destaca Bastoni da Silva (2013, p. 285)
a respeito de Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha,

relata os ambientes à parte da civilização propugnada pela jovem


República brasileira, o contraste entre litoral e sertão, civilização
e barbárie, retomando argumento utilizado pelo escritor e político
argentino Domingo Faustino Sarmiento em Facundo, ou civilização
e barbárie (1845). Entre as duas obras, além da semelhança estrutu-
ral –por exemplo, a disposição terra-homem-luta que norteia o livro,
bem como o caráter híbrido entre texto literário e de reflexão social
–, há a representação da dualidade na formação da sociedade dos
dois países: a oposição civilização versus barbárie, a distância entre
o aspecto progressista e o arcaico no processo social, representado de
um lado pelo gaúcho e pelo sertanejo, em seus respectivos espaços,
o pampa e o sertão, e as cidades ligadas à imagem de progresso e
aos modelos europeus.

Tal dualidade apenas se explica mediante o conceito de colonia-


lidade do poder, ou da necessidade de que os vencidos consigam
fazer ouvir sua voz; aliás, uma das constantes da literatura hispano-
-americana será a tentativa, quase sempre truncada, de dar voz àqueles
que não se constituem como elementos do progresso da modernidade
e, no entanto, existem. Aporia fundamentada no (até o momento ir-
relevante, dentro da concepção da modernidade eurocêntrica) papel
das línguas indígenas, secundárias em relação à outras línguas secun-
dárias, as peninsulares, frente às línguas da modernidade: alemão,
francês, inglês.
As restantes explicações desses textos fundadores tendem a cair
na tautologia estética, sem chegar a abordar o porquê fundamental:
o estranhamento causado pelo progresso dentro de uma ordem não
será tão límpido quanto aqueles textos deixam entrever, pela exclu-
são de minorias tão numerosas que constituem uma maioria, outro

218
dos efeitos numerológicos conseguidos pelos prestidigitadores da fé
moderna, no seguimento do seu axioma simplificador.
O domínio da techné dos europeus, e os conseguintes ganhos que
disso se derivam para os incivilizados – o que Enrique Dussel (2006,
p. 275) definiria como “racionalidade (cínica) instrumental” na sua
Ética da Libertação, como mapa de rota e prioridade absolutas – não
se trata de uma invenção do colonialismo contemporâneo, mas uma
nota constitutiva e permanente da colonialidade do poder e do sistema
para tal construído.
Juan Ginés de Sepúlveda já o prenunciara no seu De Orbis Novo,
quando formula as vantagens do domínio da roda e do ferro diante
do ouro (sem grande valor para os selvagens), na mesma direção do
que Marx denominaria como ausentes de valor de câmbio, em troca
dos benefícios da civilização. Sepúlveda, inclusive, sugere uma ideia
já defendida pelo colega humanista com quem intercambiara cartas
em latim (um amigo comum de Erasmo), Tomás Moro, que enuncia
em Utopia o caráter arbitrário do valor do ouro; mas, neste caso,
com a finalidade radicalmente diferente da justificativa dos conquis-
tadores. Seja como for, vale a pena lembrar o trecho que coloca ab
initio a questão central da colonialidade, a suposta superioridade da
civilização fundamentada na vantagem técnica:

Así fue que, pues los indios cambiaban cosas de oro y doradas, mien-
tras los nuestros ofrecían utensilios de hierro y cristal o vestidos de
lana y lino, sin duda, muy inferiores de precio. Aunque si reparamos
en que los productos no se tasaban con los precios convencionales
de quienes usamos monedas de oro, sino por su valor natural y su
necesidad los indios no salían perjudicados; ellos preferían con razón
los cuchillos y tijeras de hierro, y los vestidos de lana y de lino a las
hachas de oro, brazaletes, collares, pendientes y otros adornos su-
perfluos, de la misma forma que cualquiera en sus cabales preferiría
para los combates de la guerra las armas de hierro de Diómedes a
las de oro de Glauco. No obstante, por la decisión voluntaria de los
hombres de nuestra civilización y por una ley, que se puede cambiar
por voluntad de los mismos hombres, se estableció que las monedas
de oro tuvieran más valor que el hierro. En cambio, entre aquellos

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 219
pueblos, que desconocían la moneda y empleaban el trueque, el
oro, estimado especialmente como un lujo, no era comparable al
hierro, que era indispensable para cultivar el campo, hacer la guerra,
construir casas, armar barcos y fundar ciudades (SEPÚLVEDA[1780]
1987, p. 91).

Sepúlveda sugere um processo de simplificação, que será apro-


fundado definitivamente na segunda modernidade ou modernidade
cartesiana, gerenciada a partir do norte da Europa – o que Dussel
descreve como característica fundadora do próprio conceito de
Modernidade. Como destaca Dussel, na sua Ética da Libertação (2006),
a diferença da primeira modernidade, correspondente ao Império de
Carlos V, em relação à segunda modernidade, cartesiana, é a gradativa
simplificação dos discursos e práticas. Eis o que Sepúlveda antecipa
intuitivamente, quando apaga dentro das suas narrativas o papel dos
indígenas, primeiro como decisivos aliados de Cortés, depois como
milhares de homens-mão de obra, fadados a uma morte física e cul-
tural nos minérios para obter esse ouro, que ele mesmo manifesta de
valor relativo. Segundo Dussel (2006, p. 61)

La subjetividad corporal musulmano-medieval es simplificada: la


subjetividad es postulada como un ego, un yo, del cual Descartes
escribe: de suerte que ese yo, es decir, mi alma, por lo que soy, es
enteramente distinta del cuerpo y aun es más fácil de conocer que
el cuerpo, que si no hubiera cuerpo no dejaría de ser el alma lo que
es. El cuerpo es una mera máquina, res extensa del todo extraña al
alma. (…) Este dualismo – que Kant aplicará a la ética, en cuanto
que las “máximas” no deben tener motivos empíricos o “patológi-
cos” – se articula posteriormente a la negación de la razón práctico
material, reemplazada por una razón instrumental que se ocupará
del “manejo” técnico, tecnológico (la ética desaparecerá ante una
razón more geométrico) de la Crítica del Juicio. Es aquí donde una
cierta tradición (como la de Heidegger) no ha dejado de percibir la
supresión simplificadora de la complejidad orgánica de la vida.

De forma não-dita na citada carta de Lope de Aguirre ao Imperador,


mas sugerida por Sepúlveda, a operação de simplificação racional que

220
implica o apagamento do Outro, é definitivamente configurada nas nar-
rativas de Sarmiento ou do Joseph Conrad de Coração das Trevas [1902],
onde o protagonista adorava ocupar seus momentos de lazer vendo
os “espaços vazios”, em “branco”, dos mapas de longínquos países.

Debo decir que de muchacho sentía pasión por los mapas. Podía
pasar horas enteras reclinado sobre Sudamérica, África o Australia,
y perderme en los proyectos gloriosos de la exploración. En aquella
época había en la tierra muchos espacios en blanco, y cuando veía
uno en un mapa que me resultaba especialmente atractivo (aunque
todos lo eran), solía poner un dedo encima y decir: cuando crezca iré
aquí. Recuerdo que el Polo Norte era uno de esos espacios. Bueno, aún
no he estado allí, y creo que ya no he de intentarlo. El hechizo se ha
desvanecido. Otros lugares estaban esparcidos alrededor del ecuador,
y en toda clase de latitudes sobre los dos hemisferios. He estado en
algunos de ellos y... bueno, no es el momento de hablar de eso. Pero
había un espacio, El más grande, el más vacío por así decirlo, por el
que sentía verdadera pasión (Conrad, Joseph: [1902] 1999, p. 11).

Não mais importa salvar ou converter almas, mas povoar os “de-


sertos”. A simplificação filosófica descrita por Dussel traduz-se em
narrativas onde os nativos são gradativamente apagados. As centenas
de páginas que Sepúlveda dedica a justificar a guerra contra os índios
não se fazem necessárias para povoar os “desertos” das Pampas ou
a Patagônia, a selva amazônica ou o Sertão.
O protagonista dessas narrativas é o homem desbravador em seu
desafio contra o meio íngreme; o seu antagonista, de fato, na luta
pela instauração da nova fé da Civilização, será a Terra, próxima
aos trópicos e longe da civilização, vazia, virgem. Sarmiento, como
Robinson Crussoe, é um lutador solitário com uma fé inquebrantável
no progresso, que toma posse do território inabitado autodenominan-
do-se senhor das terras desocupadas. Exilado, jornalista, educador,
Ministro da Educação, Presidente que impulsiona o avanço sobre a
ignorância e o deserto, vítima ilesa de atentado, morre solitário, surdo
e injustiçado pelos deputados do stablisment pecuarista – um herói
civil contra tudo e contra todos, Sarmiento é o protótipo do moderno

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 221
governante, dono de uma fé laica no progresso que o equipara a
Robinson no seu poder de domínio.
Para o náufrago, a posterior aparição de Sexta-feira, ou de alguns
milhares de nativos, numa ilha próxima da América ou de Utopia,
não consegue derrubar a tese inicial simplificadora da vacuidade do
espaço a ocupar e da apropriação sob o princípio do direito de ocu-
patio res nullius (ocupar coisas de ninguém, do direito romano), um
direito que é alegado de forma tangencial por Francisco de Vitória ou
Sepúlveda, mas cuja alegação devém crucial para a simplificação que
exige a razão técnico-gestora.
Os antagonistas apagados dessas narrativas são os gaúchos
de Rosas ou a fome, o rio, setas lançadas da selva aos tripulantes do
barco que procura Kurtz; nunca se percebem rostos ou histórias de
vida dos antigos ocupantes, que se tornam transparentes. Robinson
Crussoe luta contra a fome, a incerteza, a solidão, mas ele toma pos-
se da ilha no momento em que chega, nomeia os lugares, objetos e
animais, no cumprimento da missão bíblica de povoar a terra, e na fé
hegeliana de domínio da natureza. Ao encontrar o nativo, ele o bati-
zará como “Sexta feira”, que, agradecido pelas dádivas tecnológicas
e a boa nova evangélica do náufrago, submete-se de forma instintiva,
imediata, inconteste.

Cuando me divisó vino corriendo a arrodillarse otra vez a mis plan-


tas, con fervientes demostraciones de reconocimiento y humildad,
haciendo mil gestos para que yo comprendiera. Por fin apoyó la
cabeza contra el suelo junto a mi pie, y volvió a levantar mi otro
pie y colocárselo encima, tras lo cual hizo todos los ademanes
posibles de sumisión y servidumbre para darme a entender que
sería mi esclavo por siempre. Comprendí bastante todo esto, y traté
de demostrarle que me sentía muy contento con él. Poco después
empecé a hablarle, a fin de que aprendiera a contestarme poco a
poco. Ante todo le hice saber que su nombre sería Viernes, ya que
en este día lo salvé de la muerte y me pareció adecuado nombrarlo
así. A continuación le enseñé a que me llamara amo y a que contes-
tara SÍ‘ o no, precisándole la significación de ambas cosas (DEFOE
[1719] 1981, p. 97).

222
Na realidade, o apagamento do habitante da ilha é quase to-
tal; ele se constitui como pseudo-animal, que serve aos interesses
britânicos da mesma forma que o restante da ilha. Até no próprio
seguimento intuitivo de um credo cristão adquirido sem grandes
dificuldades, produz-se um ato servil que não parece ser notado
porque acontece “naturalmente”.
Mas Robinson Crussoe participa do espírito de conversão e missão
salvacionista que Sepúlveda, ainda que a contragosto, deve honrar,
vinculado à primeira modernidade, pela qual morre, com Kurtz,
o protagonista passivo do Coração das Trevas – o último a tentar
salvar almas, ele é substituido pela Companhia por não ser mais útil
aos seus fins.
Os completos e complexos relatórios antropológicos sobre a natu-
reza dos selvagens que moram no centro da área demarcada pela cor
amarela (outra das simplificações que Dussel assinala como determi-
nantes e definidoras da razão simplificadora do ego cogito cartesiano,
o mapeamento de lugares inexplorados) são conhecimentos solicitados
pela sociedade acadêmica da cidade do rio das brumas (Londres), a
cidade onde está a matriz da Companhia, elaborados por anos pelo
poliglota, líder carismático e erudito Kurtz. Estes são requeridos a
Marlowe pelo responsável da Companhia, mas desprezados imedia-
tamente pelo homem, por carecerem de utilidade imediata para a
obtenção do Marfim.
O principio simplificador opera como fundamento básico da
mission civilatrize, de forma universal, absoluta e inegociável. Quem
domina a cena não são mais os (anti)heróis, como Marlowe ou Kurtz,
mas aquele gerente que recebe Marlowe e lhe trata como a todos
os que subirão o rio, sem curiosidade nem energia, administrativa-
mente. Funcionário desprovido de todo mérito ou signo distintivo, a
não ser, precisamente, a condição de não adoecer e não questionar
nunca. Para ele, os homens que subissem o rio seriam ideais “se
não tivessem entranhas”, já que dessa forma eles não adoeceriam:
um passo mais, fatual e simbólico, na ideologia da simplificação que
a Companhia alenta e premia nos “novos tempos”. Como destaca
Dussel (2006, p.61):

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 223
La “racionalización” de la vida política (burocratización), de la
empresa capitalista (administración), de la vida cotidiana (ascetismo
calvinista o puritano), la descorporalización de la subjetividad (con
sus efectos alienantes tanto del trabajo vivo – criticado por Marx –
como en sus pulsiones – analizado por Freud – , la no-eticidad de
toda gestión económica o política (entendida solo como ingeniería
técnica), la supresión de la razón práctico-comunicativa reemplaza-
da por la razón instrumental, la individualidad solipsista que niega
la comunidad, etc., son ejemplos de diversos momentos negados
por la indicada simplificación formal de sistemas aparentemente
necesaria para una “gestión” de la “centralidad” del sistema-mundo
que Europa se vio abocada perentoriamente a efectuar. Capitalismo,
liberalismo, dualismo (sin valorar la corporalidad), instrumenta-
lismo (el tecnologismo de la razón instrumental), etc., son efectos
del manejo de esa función que le cupo a Europa como “centro” del
sistema-mundo. Efectos que se constituyen sistemas que terminan
por totalizarse. La vida humana, la cualidad por excelencia, ha sido
inmolada a la cantidad.

Nunca antes a América Latina tinha avançado tanto no crescimen-


to interno dos países que a formam, na substituição de importações
e avanço do consumo, nos Índices de Desenvolvimento Humano,
assim como na paz e na democracia. E, no entanto, sobre ela pende
a espada de Damocles da ameaça externa, da instabilidade política,
da falta de união. O antigo adágio imperial, divide et vincere se faz
atual. A proposta de Dussel, de inclusão dos até agora periféricos do
sistema na plena modernidade, entendendo-a como originada em
múltiplos focos, seguindo a Ética da Libertação ou o pensamento
Liminar, defendido por Mignolo, integram-se bem na proposta estética
de Silviano Santiago: passar da fase de formação para entrar na de
inserção plena na contemporaneidade, como de fato sempre esteve,
embora sob um olhar que a postergava aos estilos de época nascidos
de outras histórias locais.
Talvez seja a perna que falta ao tripé da unidade latino-americana,
além de desenvolvimento econômico e democracia: faz-se necessá-
rio um autêntico desenvolvimento intelectual, solidário e coletivo,

224
interétnico e transdisciplinar, que parta da autonomia epistemológica
e tente dar respostas a problemas americanos e mundiais a partir de
uma perspectiva original, sem deixar de se beneficiar pelos avanços
da modernidade; que focalize interesses próprios, sem deixar de
pertencer à crescente mundialização, mas sem ser, uma vez mais,
vítima de uma visão única e tendenciosa que associe a modernidade
à interesses externos, nem sempre benéficos para os cidadãos do
antigamente chamado primeiro mundo, que hoje em uma proporção
crescente, compartilham com os periféricos o papel subalterno a que
os grandes conglomerados os tem relegado.
Para essa construção epistemológica resta ainda muito percurso,
assim como para a divulgação e reflexão destes princípios da Ética da
Libertação. Uma autêntica base, sem rancores nem foco no passado,
mas sem repetir erros sofridos, seguindo o caminho da integração
latino-americana e internacional a partir de supostos avanços, mas que
se fundamentem no ser humano, em lugar da gradativa acumulação
do capital e destruição de ambientes naturais, a cujo destino fatal
seremos levados pelas Corporações Multinacionais, se não tiverem
um contrapeso e limite, justo e eficaz.

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226
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C I N E M A T O G R Á F I C A D E L A C O N Q U I S T A:
P A R A R E C I B I R E L C A N T O D E L O S P Á J A R O S (1995)
Y T A M B I É N L A L L U V I A (2010)

Bruno López Petzoldt


Diana Araujo Pereira

La solución no pasa por maquillar a nuestras culturas discriminadas


para subirlas al pedestal del gran arte, sino por
permitirles definir un espacio diferente (propio) de creación.
(COLOMBRES, 1993)

O contemporâneo [...] é também aquele que, dividindo e interpolando


o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação com
os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história.
(AGAMBEN, 2009)

Presentación

Las obras cinematográficas estudiadas en estas páginas comparten


un ambicioso proyecto que consiste en abordar la Conquista española
e inicio de la colonización de América a través del discurso autorrefe-
rencial-metacinematográfico. Además, ambas películas se proponen
enseñar, a través de un inaudito cruce temporal, la continuidad así
como la proyección de discursos e imágenes forjados a lo largo de los
siglos XV y XVI a nuevos contextos político-sociales de los siglos XX
y XXI. En otras palabras, las películas se construyen como proyectos
artísticos de claro fondo crítico-reflexivo acerca de las idiosincrasias
históricas de América Latina. Propician y fomentan asimismo una

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 227
profunda reflexión relacionada con la continuidad de las relaciones
de poder en la América Latina contemporánea, pautadas en dichos
discursos e imágenes forjados en los siglos XV y XVI por europeos
durante el impacto de la Conquista.
Además de la Conquista propiamente dicha, lo que problematizan
Para recibir el canto de los pájaros (1995), del boliviano Jorge Sanjinés
(n. en La Paz, 1936), y También la lluvia (2010), de la española Icíar
Bollaín (n. en Madrid, 1957), es el gesto de reproducirla mediante el
sempiterno ajuste y reajuste de los imaginarios colectivos así como
de las convenciones e imposiciones de un medio, en este caso,
el cinematográfico. Con ello, implícitamente se hace referencia a la
serie de obras (artísticas, históricas, literarias) que, a lo largo de las
últimas centurias, han imaginado aquel conflictivo período histórico
desde los más variados ángulos e ideologías. A través de provocadores
paralelismos temporales las películas ponen de relieve la preocupante
actualidad de antiguos discursos e ideas y exploran asimismo posibles
motivaciones subyacentes a la alarmante continuidad de arcaicas
relaciones de poder en la América Latina contemporánea.
Ambas películas narran la azarosa historia de un equipo de cine-
astas que se desplaza al interior de Bolivia con el objetivo de realizar
un filme de época sobre la Conquista. En También la lluvia se trata
de un grupo de españoles liderado por un director hispanoamericano
interpretado por el conocido actor Gael García Bernal, mientras que
en Para recibir el canto de los pájaros se representa a realizadores
bolivianos, quienes encaran insospechadas dimensiones de su propia
raigambre cultural. Poco a poco los cineastas representados en am-
bas películas incurren en idénticas faltas cometidas por los antiguos
conquistadores a quienes están recreando.
Numerosos personajes que pueblan el imaginario colectivo lati-
noamericano, quienes tuvieron efectiva participación en la invención
del denominado Nuevo Mundo, se pasean por las dos películas atrave-
sando, en diversas circunstancias, las vidriosas fronteras de realidad y
ficción. Fronteras cada vez más fluidas y porosas, sobre todo cuando
se aborda el ámbito del imaginario, el gran archivo que engloba y en-
treteje discursos e imágenes producidos a lo largo de nuestra existencia

228
colectiva, desbordando límites espaciotemporales y urdiendo, además,
redes subjetivas en las que se conjugan memorias, metáforas, símbolos
y mitos. Es posible comprender el imaginario como “conjunto das ima-
gens não gratuitas e das relações de imagem que constituem o capital
inconsciente e o capital pensado do ser humano” (COELHO, 2000,
p. 57). En ambas películas se percibe cómo este capital, compuesto
por imágenes creadas y reproducidas a nivel histórico y/o psicológico,
no sólo inciden en prácticas sociales, sino que también en prácticas
artísticas contemporáneas, alterando confluencias antes vividas como
naturales y generando nuevos planteamientos.
Según explica la directora Bollaín en el Pressbook de También la
lluvia (disponible en: www.vitagraphfilms.com, 06/03/2015), en un
primer momento el autor del guión Paul Laverty inserta la historia
enteramente en la época de Cristóbal Colón y la Conquista del Nuevo
Mundo. Pero más tarde decide transportar las acciones a la época con-
temporánea con el objetivo de establecer correspondencias entre las
antiguas violaciones coloniales y los abusos actuales. A ello se suma
la dimensión autorreferencial-metacinematográfica como un síntoma
contemporáneo consistente en evocar la Conquista en (de)construc-
ción continua. Precisamente la síntesis del mencionado paralelismo
histórico con la estética cinematográfica autorreferencial representa
uno de los aspectos más palpitantes de la película que se manifies-
ta explícitamente a nivel de lo representado y se refuerza aún más
a nivel de la representación o el discurso fílmico. Una idéntica estrate-
gia con intencionalidad política semejante ya había sido anteriormente
propuesta por Jorge Sanjinés en su memorable filme Para recibir
el canto de los pájaros.
Entre los fenómenos más significativos en la contextualización de
las acciones en la época contemporánea, desde la cual literalmente se
pone en escena el histórico pasado colonial, cabe destacar en ambas
películas la presencia explícita de un equipo de cineastas –hombres
del siglo XX y XXI– cuyos respectivos directores se proponen filmar
episodios de la Conquista poniendo de relieve el papel de algunos
personajes históricos como, por ejemplo, en También la lluvia, los
frailes Bartolomé de las Casas y Antonio Montesinos.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 229
En las escenas iniciales de Para recibir el canto de los pájaros
nos encontramos con una procesión de arcángeles-soldados con
alas y arcabuces vestidos con los atuendos barrocos enfáticamente
retratados por la escuela colonial cuzqueña de pintura. A continua-
ción, una reportera entrevista al director sobre el tema de su película
y le consulta sobre quiénes eran aquellos personajes. El realizador le
responde: “Son los invasores divinizados que nos ofrecen el cielo.”
Y afirma además que su proyecto consiste en crear una obra “que
ponga el dedo en la llaga, pero de forma justa.” Es interesante ob-
servar que este personaje-director –que se dice de izquierdas– toma
una posición tan claramente estereotipada al inicio de su filmación,
subrayando el discurso histórico oficial basado en el dicotómico rol
consagrado a los personajes de la conquista: “indios malos y pere-
zosos” vs. “españoles buenos y valientes”. Asimismo, el proyecto de
una película que “ponga el dedo en la llaga, pero de forma justa”,
suena como una ironía o un guiño de ojo de Sanjinés.
Al insertarse los argumentos en la época contemporánea, las
películas de Sanjinés y Bollaín incorporan una reveladora dimensión
metacinematográfica la cual desplaza los acontecimientos históricos de
la Conquista a un plano narrativo inferior o intradiegético. Pero lo que
resulta más significativo aún es que, a través de la mencionada dimen-
sión añadida, la Conquista aparece explícitamente como producto de
la construcción artificial por parte de un equipo de filmación sometido
a las exigencias así como a las limitaciones técnicas y presupuesta-
les del Séptimo Arte. Para decirlo de otro modo, la selección de los
hechos, así como el estilo de representación de la Historia, responde
directamente a las exigencias ideológicas que influyen en la manera
de interpretar las cosas, y menos a una voluntad de comprensión
e interpretación independiente y soberana.
Para recibir el canto de los pájaros y También la lluvia desarrollan
básicamente tres líneas de acción, las cuales interactúan significati-
vamente en el transcurso de la narración. Ambos filmes relacionan
procesos histórico-sociales de los períodos colonial y contemporáneo,
formando un telón de fondo sobre el cual se entrelazan reflexiones
y discursos de temporalidades distintas que, sin embargo, entran en

230
contacto a través del rodaje artístico. Es más, el mismo rodaje ficcional
permite observar la actualidad política de dichos procesos históricos.
Poco a poco, las líneas de acción se (con)funden en virtud de una
temporalidad ambigua que refuerza la indigna actualidad de antiguos
conflictos absolutamente irresolutos. En la obra de Sanjinés se imbri-
can (1) la historia de un conflictivo rodaje de una película sobre la
Conquista; (2) el contenido de dicha película en construcción, o sea,
la historia colonial (intradiegética); y a ello se asocia (3) el creciente
enfrentamiento (político, social e ideológico, por cierto, propios de
las décadas 60 y 70 del siglo XX) entre el equipo de cineastas y los
habitantes nativos del lugar de la filmación. A su vez, en También
la lluvia se entrelazan (1) el conflictivo rodaje de una película sobre
la Conquista; (2) el contenido de dicha película en construcción,
o sea, la historia colonial (intradiegética); y finalmente (3) el con-
flicto social a raíz de la Guerra del Agua en los albores del siglo XXI.
Es muy llamativa, pues, la simétrica analogía entre los argumentos
de las películas de Sanjinés y Bollaín.

La necesaria representación palimpséstica


de la Conquista

Para recibir el canto de los pájaros y También la lluvia recuerdan


otras películas realizadas sobre la Conquista como, por ejemplo,
la conocida 1492: Conquest of Paradise (1992), de Ridley Scott, o
La otra conquista (1998), de Salvador Carrasco. Por otra parte, las
obras de Sanjinés y Bollaín también se inscriben en una antigua
tradición autorreferencial que medita sobre el funcionamiento del
cine e ilumina desde distintos ángulos las entrañas e implicaciones
de la ficción cinematográfica. Con el objetivo de captar más pro-
fundamente el sugestivo potencial de significaciones propuesto por
estos filmes, es imprescindible trazar, aunque sea de modo somero,
el marco referencial que tienen las películas metacinematográficas
las cuales ponen al descubierto una astuta maquinaria que, por lo
general, permanece desapercibida en las películas comerciales de
corte clásico caracterizadas precisamente por lo contrario, vale decir,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 231
por disimular las huellas de la enunciación e intensificar la ilusión
de realismo que aquella maquinaria es capaz de sugerir.
A lo largo de la historia del cine es posible encontrar diferentes
modalidades de representación autorreferencial del cine dentro del
cine. Particularmente en el moderno cine de autor abundan modelos
de reflexión metacinematográfica como, por ejemplo, las paradigmá-
ticas Le mépris (1963), de Jean-Luc Godard, Otto e mezzo (1963), de
Federico Fellini o La nuit américaine (1973), de François Truffaut,
entre tantas otras. Al comienzo de También la lluvia llama la atención
una referencia intertextual a la primera secuencia de La dolce vita
(1960), de Fellini, cuando un helicóptero balancea por los aires una
cruz (convertida en utilería de cine). Esta referencia activa tempra-
namente en También la lluvia el gesto autorreferencial en la medida
en que el medio cinematográfico alude a sí mismo a través de una
abierta relación intertextual. Como es sabido, en el filme de Fellini,
Marcello Mastroiani navega con un Cristo colgado de un helicóptero.
Con razón recuerda Vicente Benet (2004, p. 36) que lo que fasci-
naba a la antigua audiencia del cinematógrafo de fines del siglo XIX
e inicios del XX no sólo eran las imágenes en movimiento, sino que
también el conjunto de novedosos aparatos técnicos que las producían.
Poco a poco fueron desapareciendo de la sala de exhibición los dispo-
sitivos técnicos responsables por crear la experiencia cinematográfica.
El proyeccionista, que otrora incluso interactuaba con la audiencia,
la orquesta con sus músicos así como el aparato proyector pasan a
un espacio invisible para el espectador. También la pantalla blanca
se esconde detrás de un telón y aún permanece oculta en algunas
salas de cine en la actualidad. Los procedimientos de ocultación de
los mecanismos técnicos responden a un impulso o una “finalidad de
suprimir la consciencia de que, detrás de la representación, hay una
máquina funcionando” (BENET, 2004, p.40). Asimismo, a lo largo de
la consolidación de los modelos narrativos dominantes de narración ci-
nematográfica, habitualmente denominados “Modos de Representación
Institucional” (BURCH, 2006), se imponen ciertas convenciones que
adoptan la función de articular una historia sin llamar tanto la atenci-
ón sobre los mecanismos discursivos que la construyen y vehiculan.

232
Las películas autorreferenciales reaccionan contra los modelos
de ocultación en la medida en que exponen abiertamente, pues, la
“máquina funcionando”. De algún modo, estas películas satisfacen
el deseo de echar un privilegiado vistazo por detrás de la institución
cinematográfica a fin de averiguar los secretos que suelen producir
el placer en el cine. Hoy por hoy, las películas comercializadas en
DVD por lo general incluyen materiales “extras” entre los cuales se
encuentra el así llamado making of con entrevistas del realizador
y/o los protagonistas e imágenes documentales de la “máquina fun-
cionando”, es decir, de cómo fueron creadas las imágenes del filme.
En la época contemporánea ya no satisface, pues, el visionado de la
película únicamente, sino que la audiencia cinéfila también se interesa
ávidamente por averiguar cómo y en qué circunstancias fue realizada
la película que acaba de ver. También la lluvia incorpora el making of
en su propia diégesis, o sea, además de exponer un equipo de filmaci-
ón que se propone rodar una película sobre la Conquista, se muestra
también el testimonio de la filmación del equipo de cineastas que se
propone rodar una película sobre la Conquista: hay en ello evidente-
mente una llamativa superposición de registros y representaciones.

La cámara del making of encara al espectador como incluyéndolo en el


proceso de construcción de los imaginarios de la Conquista. Aspecto que se
refuerza cuando la mirada espectadora asume la perspectiva del director
(Gael García Bernal) de espaldas en la imagen a la derecha. En el fondo
aparece el productor de la película dentro de la película levantando la cruz
para el rodaje, construyendo, pues, el escenario.

El gesto autorreferencial-metacinematográfico encierra una cierta


voluntad de destapar los procesos habitualmente ocultos en los mode-
los hegemónicos de representación los cuales operan con el propósito
de intensificar la ilusión de realismo. En este sentido, el making of de

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 233
las películas descubre abiertamente lo que durante el visionado del
filme permanece invisible. Por otra parte, la explícita presencia de la
maquinaria tecnológica e ideológica del cine en una película de ficción
refuerza la artificialidad de lo construido exclusivamente para el ojo de
la cámara. Así, los acontecimientos históricos e intradiegéticos de la
Conquista representados en las películas de Sanjinés y Bollaín son el re-
sultado de una construcción artificial previamente trazada en un guión.
Entre las prácticas cinematográficas convencionales expuestas al
inicio de ambas películas se encuentra la selección de actores según
un papel predeterminado en un guión, a saber, el casting. Para ello
son convocados los habitantes nativos de la región quienes pueden
ser contratados por poco dinero a través de honorarios muy bajos. No
obstante, los filmes que venimos examinando se diferencian notable-
mente en este punto. En También la lluvia, una multitudinaria masa
de habitantes anónimos se pone voluntariamente al servicio del cine,
sin saber muy bien cuál es el proyecto: “Escoge a los que te gustan y a
los demás los echas”, le ordena sin titubear el productor al director del
filme dentro del filme. El proceso de creación de una película implica
una relación jerárquica de poder entre los integrantes de un equipo, pero
este poder se puede extrapolar a otras dimensiones sociales, históricas
e historiográficas. En este caso, se hace patente el poder de la industria
del cine capaz de determinar quiénes son los protagonistas de la historia
del filme, y por extensión, quiénes quedan al margen de la Historia.
Para recibir el canto de los pájaros invierte el proceso: a los realiza-
dores del filme dentro del filme les llama la atención la absoluta falta
de interés por parte de los nativos en participar como actores extras
en la filmación de la película, lo cual genera un enfrentamiento que se
acentúa a lo largo de la trama. Tal enfrentamiento se convierte en el
escenario ideal sobre el cual se exploran los estereotipos que se derivan
de los discursos de los autonombrados “comunistas” del equipo que,
sin embargo, no parecen preocuparse por tildar de “perezosos” a los
habitantes del pueblo. El productor es el primero en incomodarse con
el hecho de que a los nativos “no les interesa el dinero”.
Más allá del proceso de selección de actores –mediante la exclu-
sión de otros–, la reconfiguración de su imagen física, psicológica y

234
simbólica también se realiza en función de las exigencias dramatúr-
gicas y fotográficas del medio cinematográfico. Esto se produce en
sintonía total con el imaginario colectivo de la Conquista hondamente
enraizado en la mente de los realizadores, como ilustra claramente una
escena de También la lluvia en la cual el equipo de filmación evalúa
cuidadosamente la fotogenia de uno de los protagonistas elegidos,
el líder comunitario Daniel interpretado por Juan Carlos Aduviri.
De manera análoga, numerosos líderes y/o personalidades precolom-
binos así como contemporáneos son imaginados en el arte, la Historia
y la literatura según los ideales de cada artista, autor, época o Estado.

El equipo artístico se reúne para evaluar la fotogenia de un personaje.


Se calcula si la imagen realmente se ajusta al imaginario de
la historia representada. “Pero bueno, la película es lo primero”,
concluye el director Sebastián, aludiendo a la primacía del cine que
actualiza las expectativas de los espectadores.

Desde las primeras escenas de También la lluvia aparece la


cámara del making of con el propósito de registrar las etapas de ro-
daje del filme dentro del filme. Como ya se ha mencionado, lo que
habitualmente se encuentra separado de la ficción de una película
como accesorio bajo el rótulo de “extras” en el directorio de un DVD
comercial, También la lluvia incorpora fluidamente en la diégesis
con lo cual se hace hincapié en el proceso de fabricación del mundo
ficcional. Los making of descubren el conjunto de artificios que son
necesarios para la creación de la ilusión cinematográfica, impulso que
la película de Bollaín actualiza en el contexto de la representación
de la Conquista. Mientras que las películas tienen estatus ficcional,
sus making of gozan de estatus factual, puesto que constituyen el
registro del trabajo realizado para crear el atractivo mundo ficcional.
También la lluvia transfiere este halo factual del making of al plano

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 235
ficcional de la historia a fin de subrayar la naturaleza artificial de lo
construido para la cámara, el cine y los espectadores.
En varios momentos de la película el mundo se presenta a través
del punto de vista de la cámara documental del making of la cual
muestra imágenes en blanco y negro que intermitentemente interrum-
pen el curso de la narración en colores. Esto obliga al espectador a
tomar conciencia del carácter artificial de lo que se está construyendo
como, por ejemplo, remarca una escena en la cual los realizadores
discuten sobre el sinsentido histórico que implica el rodaje de la lle-
gada de Colón en Cochabamba, con un pueblo originario quechua,
mientras que el navegante llegó al Caribe y se encontró con taínos.
Al respecto argumenta convencido el productor Costa, interpretado por
Luis Tosar: “Esto está lleno de indígenas hambrientos y eso significa
extras, miles de extras”, haciendo alusión a la ventaja económica que
justificaría el insólito desplazamiento geográfico. Resulta sumamente
revelador el hecho de que aquellas palabras se expresan precisamente
a través de la cámara testimonial en blanco y negro de la muchacha
que realiza el making of.

[b/n] [color]

De esta manera, las imágenes y sobre todo la convicción expresa-


da por el productor adquieren otro estatus referencial en el mundo del
filme. Las imágenes incluso parecen más “reales” vistas en blanco y
negro a través del dispositivo técnico que testimonia el proceso de pro-
ducción de la película dentro de la película. El detalle remite a la idea
de que, por detrás de toda representación histórica –cinematográfica
o no–, existen fuerzas e intereses que las respaldan y condicionan.
En el transcurso de la escena anteriormente aludida el director
insiste en que los quechuas tienen un aspecto cultural y físico

236
completamente diferente a los habitantes nativos del Caribe, cose-
chando la prosaica respuesta del productor: “no seas pesado, son
todos iguales”.
En esta escena, así como también en varias otras de la película de
Sanjinés, resuenan ecos de ciertas voces que discutían allá en el siglo
XV acerca de la naturaleza de los habitantes de América. El mismo
nombre que se les asignó –“indios” porque Colón creyó haber llegado
a las Indias– ilustra la pérdida de identidad cultural y lingüística que
no tardaría en convertirles en tabula rasa. A través de un proceso ho-
mogeneizador, se intenta transformar una enorme diversidad en nada
más que “indios”: un nuevo nombre de bautismo para los habitantes
de un antiguo mundo (aunque muy nuevo para los europeos), fruto
de su renacimiento colectivo. En Para recibir el canto de los pájaros
hay una singular escena que reconstruye literalmente este antiguo –y
tan contemporáneo– debate: varios sacerdotes divididos en dos grupos
discuten con furia si los indios tienen o no alma, y lo hacen sobre un
montón de cadáveres. La escena alude claramente al debate entre
Bartolomé de Las Casas y Juan Ginés de Sepúlveda en la emblemática
Junta de Valladolid –agosto y setiembre de 1550 y mayo 1551– acerca
de la polémica de los naturales o indios.1

1 El debate de Valladolid es un hito que oficializa el inicio de las luchas


entre defensores y acusadores de los indios. La Congregación estaba formada
por catorce jueces, entre teólogos, juristas y letrados. En la primera sección
Sepúlveda habló durante 3 horas y Las Casas, durante 5 días. Al respecto
explica el historiador Héctor Bruit (1995, p. 123): “As teses de Sepúlveda
foram, nem mais nem menos, produto e consagração, a posteriori, dos fatos
da conquista. [...] Sepúlveda foi o ideólogo indiscutível da realidade da con-
quista. [...] Sob o mesmo ponto de vista, as teses de Las Casas, praticadas
por ele mesmo bem antes do debate, exerceram alguma influência sobre
a realidade americana, contribuindo para formar uma certa opinião entre
as autoridades da Corte e, de alguma forma, conscientizaram e alertaram
os colonizadores que o tratamento dado aos índios devia modificar-se, até
por uma questão de estratégia política. Mas, convenhamos, não evitaram
a matança, nem a encomenda, nem conseguiram que os índios respirassem
uma tênue atmosfera de liberdade.”

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 237
Cuando el elenco de También la lluvia ensaya en el patio de
una casa la escena del arribo y la “toma de posesión de las tierras
y mares” del Nuevo Mundo por parte de Cristóbal Colón, armado
éste con una sombrilla de plástico en ristre, se duplican los roles
de actores y personajes. Los actores del filme (p. ej. Karra Elejalde)
interpretan a personajes (Antón) que asumen nuevamente –en
el mundo del filme– el papel de actores los cuales, a su vez, repre-
sentan a personas históricas (Colón). En sintonía con el simulacro
de la Conquista ensayado en un patio, este juego de desdoblamien-
tos hace hincapié en el alto grado de arbitrariedad existente entre
(el improvisado ensayo de) una representación y el presunto refe-
rente histórico imaginado a través de aquélla. Con el guión en mano
–aspecto sumamente revelador–, los actores-personajes-actores
siguen el curso de la ceremoniosa llegada del navegante genovés
–tantas veces imaginada por la Historia, la literatura, el cine– que
se representa bajo la mirada atenta del director Sebastián. Sobre
el plano del discurso fílmico resulta significativo que la narración
se acopla al simulacro de Conquista en la medida en que acom-
paña las acciones con un estilo de montaje y variación de ángu-
los como si la escena se desarrollara en escenarios naturales, es
decir, el conjunto de procedimientos narrativos fílmicos también
simula una representación de la escena como si la representara
“en serio”.

Colón, interpretado por Karra Elejalde, en el mismísimo instante de “tomar


posesión” del Nuevo Mundo, armado con una sombrilla de plástico.
El ángulo contrapicado a la izquierda lo enfoca como si efectivamente
lo esté fotografiando en el escenario natural, reforzando su importancia,
al mismo tiempo, ridiculizándolo.

238
El catering o servicio de alimentación para equipos de filmación
representa un elemento metacinematográfico tradicional. Se entrecruzan
temporalidades y niveles ontológicos cuando el personaje Colón interroga
violentamente a una ayudante del catering sobre el origen del aro de oro
arrancado de su oreja. El ensayo de la escena desborda en la realidad y el
presente, aspecto que se fortalece en el transcurso de También la lluvia.

Otra escena fundamental que aborda el desdoblamiento de actores en


pleno proceso de apropiación de un papel histórico muestra el momento
en que el personaje de Colón, con unas copas demás, intenta recordar
su parlamento en presencia del productor Costa, quien le ayuda con
el guión en mano. Lo que nuevamente se está descubriendo aquí es
el proceso de configuración del personaje siguiendo las exigencias del
cine. Las históricas frases proferidas por Colón no salen de la boca del
personaje Colón propiamente dicho, sino que del actor Antón (ebrio) que
ensaya trabajosamente, es decir, se acentúa el proceso de una forzada
interpretación –bajo la supervisión del productor– por sobre el producto
de la representación histórica. El guión y la explícita participación del
administrador de las cuentas remiten muy claramente a dos pilares sobre
los cuales descansa toda ficción cinematográfica. Más sugerente aún es
que en la escena se están parafraseando las cartas escritas por Colón
a los Reyes Católicos tras su arribo al Nuevo Mundo. Como se sabe, es
posible interpretar estas cartas y relaciones como construcciones com-
puestas por el genovés para seguir contando con el respaldo logístico
y económico de la corona española a fin de proseguir la empresa de
la Conquista (TODOROV, 1999). Es decir, la escena ilustra el proceso
de construcción de un personaje durante la evocación de escritos que,
a su vez, también fueron construidos según intereses bien delineados.
En la escena, a Antón/Colón continuamente le falla la memoria, y el
productor le corrige citando a partir del guión. En suma, la representación

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 239
histórica de la llegada al Nuevo Mundo se disuelve en las penumbras
de una habitación de hotel del siglo XXI, en Bolivia.
El conjunto de artilugios de utilería que suelen fortalecer visualmen-
te los tiempos remotos a los que se remontan los filmes de época sobre
la Conquista como, por ejemplo, las enormes carabelas del siglo XV de
1492: Conquest of Paradise, aparecen en También la lluvia abiertamente
como lo que en el fondo son: artefactos y fachadas construidos exclu-
sivamente para una vistosa representación cinematográfica, así como
la cruz de madera que navega colgando de un helicóptero al inicio del
filme (escena que, como se ha dicho, a su vez remite a otro filme).

Las carabelas del cine. Al fondo de la imagen a la derecha se observan los trajes
de los Conquistadores españoles reducidos a sencillos elementos de utilería.
Daniel observa los detalles construidos para la película mientras Costa, el
productor, informa en inglés a los productores ejecutivos que los actores extras
cuestan en Bolivia “two fucking dollars a day, and they feel like kings”.

Daniel y su hija, actores nativos en la película dirigida por Sebastián,


aparecen entre los trajes de utilería, los planos de decorado y un miembro
del equipo técnico. La toma picada los enfoca desde las carabelas.
Los personajes aparecen en la imagen como si fueran un componente más
del histórico decorado.

240
También las imágenes creadas por el equipo de filmación se
proyectan en la pantalla grande de un cine para verificar su cali-
dad, con lo cual se refuerza su estatuto de, precisamente, imágenes
ficcionales construidas en el contexto de una producción al acecho
de actores extras, baratos, en virtud de un limitado presupuesto
con el propósito de mayor rentabilidad en los circuitos comerciales.
Por ejemplo, una representación de Colón montando a caballo se
interrumpe a través de un corte que automáticamente revela la natu-
raleza cinematográfica de lo exhibido.

El corte entre estas imágenes de cine fractura abruptamente


el curso de la narración.

Sin dudas cabe destacar la duplicación del espectador en el


espacio diegético, en la medida en que se lo refleja en el filme
durante el visionado de las imágenes. Es trascendental la explícita
proyección de estas imágenes fabricadas, puesto que se expone
el instante en que la luz de la pantalla de cine impacta sobre los
espectadores contribuyendo con la consolidación del imaginario
hegemónico. La oscura sala de exhibición representa el recinto
privilegiado en donde la “máquina funcionando” del Séptimo
Arte despliega su mayor potencial cuando atrae la mirada de los
espectadores sumidos en lo que Christian Metz (1982: 129) de-
nomina “el estado fílmico”, emparentado con el estado onírico.
La incorporación en la representación autorreferencial-metaci-
nematográfica de la figura del espectador durante el proceso de
visionado de las imágenes creadas remarca el preciso instante en
que el cine alimenta y afianza las memorias colectivas, especial-
mente las históricas. La abierta exposición del acto de lectura del
filme en la sala de exhibición puede interpretarse también como
un apelo que se le plantea al espectador de También la lluvia a

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 241
fin de invitarlo a deconstruir el denso inventario de imágenes e
interpretaciones (artificiosas) de la Conquista, al menos revisarlas
críticamente o reflexionar sobre los parámetros que han influido
en su configuración artística, histórica y política.
Para recibir el canto de los pájaros y También la lluvia también
tematizan los procedimientos cinematográficos a través de la nega-
ción. Esto se percibe, en el filme de Sanjinés por ejemplo, cuando
dos miembros del equipo salen a cazar pájaros con una escopeta
violando no sólo la naturaleza del lugar, sino que también, en un
plano más profundo, la cosmogonía de los habitantes nativos, lo
que enfatiza aún más el enfrentamiento entre los cineastas y la po-
blación local. Más tarde, cuando en vez de disparar contra las aves
dirigen un micrófono para captar sensiblemente su sonoro canto,
el filme alcanza uno de los momentos culminantes: no es posible
escuchar el canto de los pájaros porque la técnica sencillamente
no registra absolutamente nada. Es curioso señalar que el silencio,
según Héctor Bruit (1995), se configura como una de las estrategias
de la resistencia indígena. Los habitantes nativos celebran con
entusiasmo la ceremonia del canto de los pájaros, mientras que
los cineastas e ingenieros de sonido permanecen sordos, a la vez,
absortos por el fracaso de sus equipos y sus oídos. Al respecto de
la película de Sanjinés se argumenta: “Para recibir el canto de los
pájaros hay que tener una cierta disposición espiritual, hay que
entender y saber comunicarse con el entorno, respetarlo, de ahí
que la sofisticada tecnología occidental no pueda grabarlo, no se
lo pueda apropiar” (PÉREZ MURILLO; FERNÁNDEZ FERNÁNDEZ,
2002, p. 90). En consecuencia, la Conquista se vuelve inenarrable e
imposible de representar en cine; en este modelo de cine al menos.
A su vez, el rifle y el micrófono simbolizan actitudes e ideologías
completamente opuestas hacia la naturaleza y la cultura autóc-
tonas. Es posible encontrar también una analogía con la cámara
de cine, o la institución cinematográfica, la cual tiene el potencial
de asumir cualquiera de las funciones simbólicas recién aludidas,
la del rifle o la del micrófono.

242
Miembros del equipo de filmación representado en Para recibir
el canto de los pájaros salen a cazar pájaros. Más tarde, acompañan atentos la
ceremonia del canto de las aves con el micrófono. Se sugiere con ello
el potencial constructivo o destructivo del cine.

Algo equivalente ocurre en También la lluvia. El equipo técnico y


humano se prepara para filmar una desgarradora escena que muestra
a mujeres autóctonas con sus bebés en brazos huyendo de hombres a
caballo que las persiguen con sus perros. Según el guión, ellas deben
ahogar a sus hijos en un río, prefiriendo su muerte que la captura.
El director Sebastián explica a las actrices nativas que, para la
filmación, serán sumergidos bajo agua muñecos de plástico a fin de
simular el ahogamiento de los chicos para la cámara. Pero las muje-
res se niegan rotundamente a representar esta escena y se marchan
indignadas: “Ni siquiera pueden imaginar la idea de hacerlo”, le
explica Daniel al director. Estas reveladoras escenas de Para recibir
el canto de los pájaros y También la lluvia abordan el contraste entre
dos visiones de mundo cuya oposición incluso se extiende al sentido
y a la función que se le otorga a la imaginación.
Al abordar la Conquista a través del gesto autorreferencial-
-metacinematográfico, el cual dirige la atención hacia el proceso de
construcción así como también pone al descubierto ciertos procesos
generalmente ocultos, Para recibir el canto de los pájaros y También
la lluvia entran en contacto con una discusión más amplia –tal vez
se deriven de ella– sobre la problemática representación así como
el encubrimiento histórico de América, comenzando por el mismo
“descubrimiento”, acaso su “invención” en el seno de la cultura

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 243
de occidente (O’GORMAN 2006), o la ambigüedad semántica que su-
fre su nombre según dónde se lo pronuncie (ABELLÁN 2009, p. 25).
Pero no es el momento para exponer el conjunto de investigaciones
que discuten las controversias que se extienden desde la leyenda
del piloto anónimo hasta las insólitas denominaciones asignadas al
continente americano y a sus habitantes originarios –fundadas ambas
en confusiones/construcciones ampliamente difundidas–, sino que
importa señalar que aquellas controversias y encubrimientos se refle-
jan en la problemática representación contemporánea de los asuntos
históricos. La amplia difusión y la consolidación de estas ideas –y
dudas– imposibilitan que la Conquista pueda ya representarse sin
alusión directa o indirecta a las intrínsecas contradicciones de su
propia historiografía cultural, artística y no artística: “En Guanahaní
(y aun mucho antes) comienza el encubrimiento del continente
que iba a llamarse América y de las sociedades indígenas que un
día vendrían a ser ‘descubiertas’”, escribe Augusto Roa Bastos en
su novela Vigilia del almirante (1992, p. 265), una concepción que
subvierte una visión de la Conquista en tanto presunto capítulo
histórico resuelto.
En las películas estudiadas, los procedimientos autorreferenciales
que interfieren en la representación de los acontecimientos históricos
de la Conquista operan de manera análoga a un palimpsesto, el cual
dificulta cada nueva escritura/filmación sobre una superficie/película
saturada de antiguos registros y transcripciones –con sus respectivos
encubrimientos y contradicciones– que se superponen imposibilitando
una lectura más unívoca. Acaso se ha tornado ilegible una Conquista
(ya) indomable a través de signos tradicionales. Las películas anali-
zadas y contextualizadas en estas páginas niegan una representación
directa de la Conquista; en vez de ello, exponen abiertamente el fallido
proceso de reescribirla en fotogramas comerciales.

De paralelismos, sincronías y coincidencias

El historiador Serge Gruzinski concluye su ensayo La guerra


de las imágenes: de Cristóbal Colón a “Blade Runner” (1492-2019)

244
bastante optimista ante el balance dedicado a mostrar el poder de las
imágenes en la guerra cultural que se propaga durante el proceso de
Conquista y Colonización de América. Afirma el autor que América
Latina, tras haber afrontado el violento y fragmentador proceso que
la constituye como ente geográfico y cultural contemporáneo, “encierra
en su pasado algo con lo cual afrontar mejor el mundo posmoderno en
el que nosotros nos estamos hundiendo” (GRUZINSKI, 1994, p.215).
El “secreto” que encierra el pasado del continente se refiere en gran
medida al aprendizaje –siempre bastante conflictivo– necesario para
la negociación de espacios de poder entre las imágenes que segura-
mente inciden en las batallas que se dan en distintos niveles así como
contextos sociopolíticos y culturales:

Los imaginarios coloniales, como los de hoy, practican la descontex-


tualización y el reaprovechamiento, la destructuración y la restruc-
turación de los lenguajes. La mezcla de referencias, la confusión de
los registros étnicos y culturales, la imbricación de lo vivido de la
ficción […] hacen de los imaginarios barrocos de la Nueva España una
prefiguración de nuestros imaginarios neobarrocos o posmodernos.
[…] Laboratorio de la modernidad y de la posmodernidad, prodigioso
caos de dobles y “replicantes” culturales, gigantesco “depósito de re-
siduos” en que se amontonan las imágenes y las memorias mutiladas
de tres continentes – Europa, África, América –, donde se adhieren
proyectos y ficciones más auténticos que la historia (GRUZINSKI,
1994, pp. 214-215).

De hecho de eso se trata, de convertir la Historia en fragmentos de


muchas historias hechas con los retazos que dejaron sus mutiladores.
De ahí la importancia del arte en la (re)creación y (re)elaboración de
las continuidades que perviven y nos asombran: “A literatura ou a arte
nunca é inocente. E sempre terá um papel fundamental na construção
do imaginário, já que a ação estética e a ação política caminharam
juntas, desde o início, na construção imaginária deste ‘Novo Mundo’.
As metáforas, os mitos e os símbolos são os elementos que dinami-
zam tanto o inconsciente individual quanto o coletivo” (PEREIRA,
2006, p. 206). En este sentido, podemos afirmar que ambas películas

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 245
analizadas se inscriben en el mosaico de las obras artísticas y/o en-
sayísticas que intentan rearmar el rompecabezas latinoamericano,
a fin de darle alguna organicidad, la que sea posible, a partir de los
retazos del pasado y los fragmentos de sueños/utopías de futuro.
También el historiador Germán Arciniegas (1964, p. 6) parece estar
de acuerdo cuando afirma: “Las vacilaciones, los tanteos, las dudas,
las equivocaciones, son parte del mismo andar de ilusos peregrinos,
con que nos movemos en 1964 como en 1492”. Es así que en el esce-
nario de También la lluvia, de intenso enfrentamiento político (abril
de 2000) entre las autoridades civiles y empresariales, por una parte,
y los movimientos sociales, por otra, vemos circular a Colón, a Las
Casas y a Montesinos. Personajes que, al inicio del filme, parecen
anacrónicos ante los conflictos actuales, pero a lo largo de la narrativa
se van acercando cada vez más al presente histórico a medida que
queda clara la actualidad de sus ideas y discursos de hace cinco siglos.
El guión establece, por tanto, varios paralelismos que poco a poco
estrechan la comunicación entre los dos polos históricos que enmarcan
sus límites temporales: el periodo de la Conquista y la actualidad de los
siglos XX y XXI. Desde el inicio del rodaje ficcional queda claro que, al
mismo tiempo que los realizadores representados filman una invasión
histórica, cometen, ellos mismos, una nueva invasión que tendrá serias
consecuencias en el propio rodaje y, sobre todo, en los personajes dentro
de la trama. El rodaje de las películas dentro de las películas se vuelve
cada vez más dificultoso a causa de las tensiones de orden cultural y
político que se les presentan a los cineastas. El cruce de temporalidades
se acentúa cuando se percibe que los cineastas cometen atropellos si-
milares a los cometidos por los antiguos colonizadores. Los personajes
históricos, vestidos como tales, se cruzan con miembros del equipo de
cineastas durante los preparativos del rodaje. Cuando por ejemplo el
padre, ataviado como Bartolomé de las Casas en Para recibir el canto de
los pájaros, practica su papel expresando al productor que “los indios
tienen alma, se los puede conquistar pacíficamente”, inmediatamente
su histórico discurso se actualiza en el contexto contemporáneo, como
si no hubieran transcurrido cinco centurias. En torno a 1550 decía Las
Casas en una larga carta dirigida a los Reyes Católicos: “[los indios

246
son] muy capaces y dóciles para toda buena doctrina, aptos para recibir
nuestra santa fe católica y ser dotados de virtuosas costumbres, y las
[gentes] que menos impedimentos tienen para esto que Dios creó en el
mundo.”2 Una muy semejante relación complementaria entre realidad
y ficción dentro de la misma ficción general, que crea el simulacro
señalado anteriormente, se nota en esta escena que ocurre sin ningún
corte, como si el sacerdote respondiera las dudas del productor desde
el fondo del siglo XVI.

Para recibir el canto de los pájaros: Un padre del siglo XV/XVI dialoga con un
miembro del equipo de filmación. A la izquierda el padre afirma: “los indios
tienen alma, se los puede conquistar pacíficamente”, justo cuando el productor
critica la falta de disposición por parte de los habitantes nativos respecto al cine.

Dentro del mundo de la película También la Lluvia, los conflictos


“reales” –la Guerra del Agua en Cochabamba– interfieren directamente
en el trabajo de filmación del equipo. La tensión política crece, se
cierran las carreteras en el país y Daniel, uno de los protagonistas del
filme dentro del filme, es arrestado por la policía. A lo largo del filme

2 Aquí no cabe entrar en el largo debate en torno a la actuación política y


filosófica de Las Casas, ampliamente discutida a lo largo del siglo XX, sobre todo.
No obstante, coincidimos con la evaluación de Héctor Bruit en lo referente a que
Las Casas, en su afán por proteger y cristianizar a los indígenas, exagera en la
indefensión de los pueblos originarios de América, generando imágenes que se vol-
vieron estigmas de una historia interpretada como victimización. Este historiador
propone nuevas interpretaciones de las actitudes de los indígenas, encontrando
en ellas un amplio espectro de estrategias de resistencia (cfr. BRUIT, 1995).

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 247
las líneas de acción se van aproximando, se entrecruzan y se reflejan
recíprocamente. Mantienen una relación especular con lo cual se
remarca, a veces demasiado evidentemente, un paralelismo histórico
y una visión circular del tiempo. El paralelismo se articula a nivel de
lo representado y a nivel de la representación a través del montaje.
Pero los problemas derivados del conflicto del agua no sólo inter-
fieren en el trabajo de filmación del filme dentro del filme, sino que
operan como articulación y reflejo de antiguos abusos en la época
contemporánea. Los problemas socioeconómicos vinculan el oro del
pasado con el agua del presente, lo que se va configurando como eje de
la trama, enfatizando asimismo la reincidencia de antiguos conflictos y
actualizándolos según los intereses de nuestra época. En este contexto,
el equipo liderado por Sebastián se desmotiva, resuelve interrumpir
el rodaje y sencillamente volver a España. En suma, diversos factores
aplazan cada vez con mayor intensidad la posibilidad de hacer un filme
sobre la Conquista. Es como si la propia Historia negara su reiterada
narración, tal vez porque la Historia no existe; lo que existen son relatos
e interpretaciones que van cambiando a lo largo del tiempo y según
se profundice nuestra capacidad crítica hacia el presente, este tiempo
inconcluso que contiene variopintas visiones del pasado.
Ambos filmes parten del protagonismo español (o criollo/mestizo)
tanto en el presente del rodaje como en el pasado colonial. (Dicho sea
de paso, un protagonismo siempre marcado por la violencia; véanse
por ejemplo las escenas de Para recibir el canto de los pájaros en las
cuales se rompen imágenes sagradas, se asesina a un noble indígena
con la crueldad del garrote vil, o la escena de los indios quemados
en la hoguera inquisitorial de También la lluvia, entre otras). Pero
a lo largo de la narración este protagonismo se va relativizando al
introducirse poco a poco los referentes culturales y sociales indígenas
–marcadamente de resistencia– lo que finalmente conlleva a la idea de
una Historia que no se deja narrar, vale decir, que niega su narración.
Las órdenes “sonido, cámara, ¡acción!” y “corten” del director
representado en Para recibir el canto de los pájaros remarcan la frontera
entre el mundo y su representación/construcción cinematográfica que
se multiplica en las salas de cine así como en el imaginario colectivo

248
de los espectadores. Los conflictos entre el equipo de filmación y la
comunidad nativa del lugar se acentúan cada vez más y la Conquista
se vuelve, pues, sencillamente inenarrable. Una vez más se enfrentan
las prácticas político-culturales del ayllu3 y la lógica económica de los
productores. Los miembros del equipo técnico se distancian, solicitan
más dinero y una serie de problemas dificultan el trabajo de repre-
sentación de la Conquista. En la interpretación propuesta por Pérez
Murillo y Fernández Fernández (2002, pp. 89s.) leemos: “La paradoja
que plantea críticamente Sanjinés es que quienes fueron a rodar una
película que desenmascarara el verdadero rostro de la Conquista de
América: violento, intransigente, etnocéntrico; en el fondo reproducen
la misma conducta hacia los indios: el desprecio, el racismo, el creerse
poseedores de la verdad y con derecho a imponerla.”
De hecho, el equipo de filmación de Para recibir el canto de los
pájaros –sordo e incapaz de captar el importante ritual del canto de
los pájaros– funciona como metonimia representativa de la sordez
de Occidente en relación a la diversidad de lenguas y culturas que
encontraron los ibéricos en el Nuevo Mundo y que, al fin y al cabo
se convierte, según sus oídos ya eurocéntricos, en nada más que
incomprensibles sonidos sin sentido. Para recibir y merecer el canto
de los pájaros hay un largo peregrinaje de reconocimiento así como
de reconexión con las raíces ancestrales que alimentan el espíritu y
que empieza, en la película, con la entrega de un objeto simbólico
y mítico a un miembro del equipo de rodaje, a modo de iniciación.
Otro paralelismo importante radica en lo sugerido por el título de
las películas. Lo que ambiciona la película de Sanjinés es algo más
sutil, simbolizado por el sonoro canto de pájaros, una clase distinta
de riqueza, igualmente vinculada a la naturaleza pero inmaterial,
mítica, simbólica. En cambio, También la lluvia remite al protago-
nismo ejercido por el agua –como una metáfora de riqueza natural
o como sangre de la tierra– a lo largo de la narrativa, formando un

3 El ayllu es una forma de organización familiar y comunitaria, cuyo tra-


bajo colectivo se ejercía sobre un territorio común. El denominado Imperio
Inca se erigía sobre la estructura del ayllu.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 249
hilo simbólico que atraviesa el guión y se hace responsable por la
continuidad histórica y política que conecta el siglo XV con el XXI.
El agua, emparejada al oro del pasado, es el elemento natural capaz
de relacionar estas dimensiones temporales diferentes, comunicando
contenidos simbólicos y atravesando conflictos distintos, aunque se-
mejantes en su modus operandi. Las mismas aguas que transportaron
a los navegantes europeos en su antigua empresa mercantil son las
que atraen, en las postrimerías del siglo XX, un segmento del nuevo
imperialismo norteamericano que procede en Bolivia.
La empresa Bechtel (que había aumentado hasta un 300% el
impuesto sobre el agua en Bolivia), responsable por el levante popu-
lar de la Guerra del Agua en Cochabamba, actualiza las antiguas y
predadoras incursiones extranjeras que desde antaño desembarcan
en América Latina. De forma metafórica, Colón resurge en las nuevas
empresas capitalistas que hoy tratan al agua potable como el oro del
siglo XV, con la misma ambición e insensibilidad hacia el otro. Ya
Las Casas y Montesinos se actualizan en la resistencia y en las luchas
sociales que ahora defienden; reconocen como propias la riqueza
material y subjetiva plasmada en el agua: condición vital y ciudadana
que determina toda la lucha.
Vale la pena destacar la significativa transición de los personajes
que representan a los productores en las dos películas. Sobre todo
la de Costa, de También la lluvia, que de un frío administrador de
un producto cinematográfico pasa a asumir un papel central en
el conflicto de la película en la medida en que incluso colabora con
la comunidad durante la Guerra del Agua que sacude a la población.
Al inicio se enfrenta también en varias ocasiones con Daniel, el doble
líder rebelde, en el pasado de la Conquista (en el filme representado)
y en el presente de la Guerra del Agua. Pero poco a poco se va esta-
bleciendo una relación amistosa entre el productor y el nativo Daniel.
Por su parte, el productor representado en Para recibir el canto de
los pájaros aparece muy distante de la realidad local, incluso rechaza
cualquier complicidad con la intención de noviazgo de su hermano con
una bonita lugareña (Rosita, la maestra del pueblo). Pero este mismo
hombre es el que, al final de la película, se pasea en una procesión,

250
cabizbajo y humilde, con un animalito en brazos, como si finalmente
aceptara relacionarse (después de haber caído en un agujero y ser
salvado por los mismos indígenas que despreciaba) con la riqueza y la
belleza propias del mundo andino. Tal profundo cambio de lo pasivo
a la activa participación en la solución de un problema admite una
lectura de apelo a los espectadores de También la lluvia y Para recibir
el canto de los pájaros respecto a la necesidad de tomar posición frente
a los desafíos que la sociedad contemporánea impone a los nativos.
En el caso de Costa y Daniel, en También la lluvia, el marcado
antagonismo entre ambos personajes poco a poco da lugar a una com-
plicidad inusitada, en la cual el ambicioso productor pasa a respetar,
y tal vez incluso a admirar, la fuerza insurgente y ética de Daniel.
El maniqueísmo anterior –“español ambicioso” vs. “indígena inge-
nuo”– se diluye y los dos personajes ganan en complejidad. Hay que
hacer hincapié en una escena emblemática evocada anteriormente:
Daniel observa los detalles del escenario del filme con la hija cuan-
do llega Costa, con quien conversa de modo informal. Al mismo
tiempo, Costa recibe un llamado por teléfono y habla en inglés con
los financiadores ejecutivos del proyecto cinematográfico. En la con-
versación telefónica, el respeto y la complicidad anteriores hacia el
indígena desaparecen y en su lugar surge la naturalizada ambición
capitalista, en cuyo contexto el lucro es la prioridad. Obsérvese que
la jerarquización se da, fundamentalmente, en inglés, a través de la
lengua hegemónica de la hegemonía financiera. Pero Daniel entien-
de la conversación porque que había trabajado en los EUA, dejando
a Costa tan descolocado que más tarde tendrá que disculparse.
Estos dos personajes se enfrentan varias veces, pues la idea de
productividad de Costa no admite el idealismo de Daniel, quien sabe
que necesita continuar la lucha por el agua, independientemente de
las reprimendas del productor y de la policía. Sin embargo, la última
escena que une a los dos es sobrecogedora pues Costa salva de la
muerte a la hija de Daniel, arriesgándose en pleno campo de batalla.
Y Daniel, al final de la película, agradece a Costa: con lágrimas en
los ojos le entrega una pequeña cajita como si fuera su mayor tesoro.
Camino al aeropuerto, Costa abre la cajita y encuentra una botellita

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 251
con agua. También aquí el agua surge en plan poético: tanto en las
lágrimas de Daniel y Costa como en el regalo final que aquél le ofrece.
Es el agua que finalmente los une.
En Para recibir el canto de los pájaros, la dicotomía “europeo
malo” vs. “indígena bueno” también se va diluyendo según vamos
conociendo al personaje interpretado por Geraldine Chaplin, una fran-
cesa esposa de un botánico andino que discursa a favor de los sueños
revolucionarios del mayo del 68. De hecho, ella se convierte en una
importante mediadora entre los indígenas y los mestizos capitalinos,
que no alcanzan a entender cabalmente cómo esta “gringa loca” puede
vivir entre ellos y, para colmo, reivindicar la nacionalidad boliviana
y con ello toda una identificación con su cosmovisión.
A través de la progresiva disolución de maniqueísmos las pelí-
culas cobran mayor profundidad. Hubiera sido mucho más simple
mantener a los personajes estables, cumpliendo con sus estereotipos
históricos. En su lugar, el guión les encamina hacia otra dirección, en
la cual sobre todo los productores viven una jornada que les llevará
a la identificación con los que antes despreciaban. El guión ficcional
se sobrepone al guión de la Historia oficial, dejando a los espectado-
res una esperanza: la de que no sólo las macrorrelaciones de poder
se modifiquen, sino que también la esperanza de poder pensar en
relaciones humanas de mayor solidaridad y respeto mutuo, generando
con ello microhistorias más éticas.
De hecho, si el proyecto cinematográfico de Sebastián en
También la lluvia tiene como objetivo darle una respuesta justiciera,
a través de la ficcionalización del proceso histórico, a la usurpación
e invención del “Nuevo Mundo” por los actores de la Conquista, es
la propia historia real que logra invertir la relación de poder actu-
alizada por la empresa norteamericana Bechtel. En otras palabras,
Sebastián actualiza –al final del siglo XX e inicio del XXI– algunos
de los personajes partícipes en la instauración del imperialismo
europeo en tierras latinoamericanas, con el objetivo de poner los
puntos sobre las íes, es decir, de recontar la Historia oficial a través
de otros parámetros, denunciando la sed de oro de Colón y defen-
diendo la capacidad de rebeldía y resistencia indígenas. No obstante,

252
se malogra el proyecto porque la realidad transgrede en la ficción
de tal forma que diluye lo puramente ficcional hasta sobreponerse
completamente. En este sentido, es la respuesta popular a la nueva
expoliación extranjera –norteamericana– en la llamada Guerra del
Agua que logra, efectivamente, señalar el inicio de una justicia his-
tórica necesaria y pendiente:

En Bolivia, la Guerra del Agua inició una serie de acontecimientos


que provocaron cambios sociales y políticos de trascendencia histó-
rica. Durante casi dos décadas, la economía boliviana había estado
bajo el dominio del Consenso de Washington, políticas basadas en el
mercado dictadas por el Banco Mundial y el FMI, y llevadas a cabo
por el liderazgo nacional ferozmente obediente a estas políticas.
La Guerra del Agua logró desbaratar los cimientos de todos aquellos
criterios (SHULTZ, 2011, p. 36).

Resaltemos que los mismos acontecimientos deflagrados en


la Guerra del Agua tienen sus raíces en el proceso de Conquista y
Colonización, y pasan por la época histórica sobre la que trabaja
Para recibir el canto de los pájaros. El enfrentamiento entre mestizos
e indígenas recobra fundamental importancia en los debates a lo lar-
go del siglo XX en la región. Ya Mariátegui (1974, p. 208), en 1925,
ponía el dedo en la llaga de su país –el Perú–, pero una llaga en verdad
andina: “La actual economía, la actual sociedad peruana tienen el
pecado original de la conquista. El pecado de haber nacido y haberse
formado sin el indio y contra el indio.”4

4 En el ámbito literario y/o sociológico, a partir de la década de 20 tal


debate se manifiesta en diversas obras que recogen el espíritu crítico de
una época que se dedica a cuestionar los planteamientos de su aristocrática
élite. Véanse por ejemplo Tempestad en los Andes (1927), de Luis Eduardo
Valcárcel, o Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana (1928),
de Mariátegui, hasta el emblemático uso de la bandera Wiphala, enarbolada
hoy por el pueblo andino como clara expresión de su pensamiento sociocul-
tural. La Wiphala –con sus variopintos colores– se vuelve símbolo de una
rearticulación de identidades territoriales, nacionales y culturales en plena
contemporaneidad de la comarca andina.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 253
En También la lluvia, el enfrentamiento entre indígenas y mes-
tizos se expone a través del discurso que hace el alcalde al equipo
de filmación y actores, en la escena en la que le van a visitar y, por
primera vez, se ven como testigos de los conflictos en la calle. Las
críticas a la sociedad boliviana, lanzadas hace casi dos décadas por
Jorge Sanjinés, resuenan en los episodios de la Guerra del Agua, y en
la escena citada se actualizan en el siglo XXI.
Hay en También la lluvia otra escena que ilustra muy bien la
intromisión del pasado en el presente: Costa sale del hospital –tras
dejar la niña herida, hija de Daniel, y tras haber arriesgado su propia
vida para salvarla– cuando ve pasar, plácidamente, en medio del
humo de las bombas y las ruinas de la ciudad en guerra, la silueta
de un sacerdote tocando una campanilla. Imposible no pensar en
la ardua tarea cumplida por Las Casas y Montesinos. La imagen lle-
ga a ser poética: un bulto fantasmal atraviesa una calle en ruinas y
el sonido que emite es casi hipnótico.
Pero la ironía subliminal se desdobla en varias vertientes. Como
resultado del enfrentamiento de la Guerra del Agua se expulsa la em-
presa de Bolivia y quienes lo hacen son los propios bolivianos que, si
no pudieron contrarrestar el emprendimiento de la Conquista, sí con-
siguen hacerlo con la nueva tentativa de usurpación de la riqueza del
siglo XX: el agua. La sed de oro se había transformado en sed de agua.
En este sentido, una de las escenas finales merece un especial
destaque. Se trata de la representación cinematográfica que muestra
a algunos indígenas –entre ellos su líder, representado por Daniel–
quemándose en las hogueras inquisitoriales de la Colonización, como
punición por sus tentativas de sublevación y herejía. Cuando el di-
rector ordena “corten” al final del rodaje de la mencionada escena,
policías del siglo XX invaden el local de la filmación para arrestar
a Daniel. Lo llevan preso al vehículo policial pero no logran marcharse
porque los extras del filme dentro del filme, vestidos como indígenas
del siglo XV, vuelcan el coche y liberan a Daniel, quien se escapa
con ellos. Si en el pasado los líderes indígenas fueron muertos en las
hogueras, horcas y cárceles, en el siglo XX la autoridad punitiva –la
policía– no consigue llevarlos presos. Daniel asume, en esta escena,

254
un alto valor metonímico: representa a todo un pasado en vías de
libertarse en la nueva narrativa que recién empieza con el nuevo siglo,
especialmente en Bolivia.

Consideraciones finales

El resultado de las propuestas reflexivo-cinematográficas estudia-


das encierra una gran ironía ética y estética: si bien los proyectos de
los directores dentro de la ficción de ambas películas acaban fallidos,
los proyectos cinematográficos de Jorge Sanjinés e Icíar Bollaín, en
cambio, tienen éxito al crear dos películas consagradas en el ámbito
internacional. Para recibir el canto de los pájaros y También la lluvia
cuestionan el discurso oficial acerca de la Conquista de América así
como también introducen elementos visuales y narrativos que deses-
tabilizan la visión lineal del tiempo.
En términos políticos, la historia latinoamericana tuvo que recor-
rer cinco siglos para que nuevos contextos geopolíticos permitiesen
una respuesta diferente a la de sometimiento al sistema imperialista
o neoimperialista extranjero. De hecho, la dimensión política alcan-
zada por las protestas populares provocó la salida de la empresa
Bechtel del territorio boliviano, así como la cancelación del contrato
y la instalación de una nueva compañía, ahora bajo control público.
No podemos dejar de observar el hecho de que en estos embates por
el agua, el liderazgo del actual presidente de Bolivia, Evo Morales,
salió claramente fortalecido:

La primera evidencia clara de que la Guerra del Agua había pro-


vocado un cambio significativo en la política boliviana, surgió en
2002 cuando Evo Morales, dirigente de los principales sindicatos de
productores de coca, se presentó como candidato a la presidencia,
encabezando al Movimiento al Socialismo (MAS). Una de las prin-
cipales argumentaciones de su plataforma electoral fue afrontar las
políticas económicas elaboradas desde Washington. Votar por Morales
sig¬nificaba expresar en las urnas lo que el pueblo había expresado
en las calles de Cochabamba. Aquello y una declaración pública en
contra de Morales hecha por el entonces embajador estadounidense,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 255
ayudaron a propulsarlo en la votación, llegando a uno por ciento de
distancia del candidato más votado (SHULTZ, 2011, p. 36).

Pero sería ingenuo pensar que tal ofensiva resuelve los problemas
del agua en Bolivia y sobre todo que haya resuelto el drama del im-
perialismo económico que sigue golpeando este país.5 No obstante,
es posible afirmar que la carga simbólica deflagrada en este momento
sigue alimentando los movimientos sociales así como la esperanza
del pueblo:

Viendo hoy las cosas en retrospectiva, parece evidente que lo que


finalmente causó que se gane la Guerra del Agua fue el corazón. […]
los habitantes de Cochabamba vieron en la Guerra del Agua un asunto
tan simple como el bien y el mal, y tuvieron la enorme valentía de
pelear por algo que pensaban era correcto. Es un ejemplo que aún
reverbera (SHULTZ, 2011, p. 49).

En este sentido, los filmes estudiados tocan algunas cuerdas épi-


cas que nos hacen falta en pleno siglo XXI, después de la disolución
de los grandes proyectos de revolución de las décadas de 60 y 70 del
siglo pasado, tan bien señalados ya como frustración en Para recibir
el canto de los pájaros. La lucha colectiva y apasionada por la defensa
del bien propio –el agua– y por la autonomía popular y ciudadana
conmueve por sí misma. No es raro encontrar, en la bibliografía de-
dicada al análisis de la Guerra del Agua, su equiparación a la lucha
bíblica entre Goliat (la empresa y por antonomasia el neoimperialismo)
y David (los indígenas bolivianos).

5 La situación actual del agua en Cochabamba sigue siendo problemática.


Veamos uno de los numerosos balances periodísticos: “El conflicto se convir-
tió en un hito político con gran trascendencia nacional e internacional, que
llevó a otros escenarios políticos a los principales protagonistas y provocó
la modificación de la Ley del Agua y del modelo económico, derivando en la
nacionalización de las petroleras instaladas en Bolivia y la principal empresa
de telefonía. Sin embargo, el problema que desató la confrontación continúa
sin solución, pues Cochabamba tiene menos agua que hace nueve años”
(ALCÓCER CAERO, 2009, s/p).

256
Más allá de la interpretación de las estrategias narrativas de los
filmes hay que preguntarse también cuál es el impulso cultural e
histórico que motiva la realización de películas sobre la Conquista
española –precisamente– a través del discurso autorreferencial-meta-
cinematográfico. No es casual que Para recibir el canto de los pájaros
y También la lluvia desdoblen la ficción a fin de desenmascarar los
artilugios que intervienen en la continua reconfiguración histórica de la
Conquista, remarcando además los paralelismos en cuanto al atropello
de las costumbres. Acaso en la actualidad resulta imposible pensar
la Conquista de otra manera que no sea a través de palimpsestos, de
acumulaciones, de saturación de lecturas, sobreimpresiones, de pa-
rodias. Si fuera el caso, hay importantes antecedentes en la literatura
y la metaficción historiográfica.
Es posible considerar las películas estudiadas como síntomas
contemporáneos que apuntan a una revisión y relativización de
“verdades” instauradas, proceso tan caro a la posmodernidad. O, en
otro sentido, como puntos de arranque que nos mueven a reflexionar
sobre los factores que impulsan procedimientos autorreferenciales
en la historia de las representaciones de la Conquista. La película de
cine 1492: Conquest of Paradise se estrena el mismo año de la publi-
cación de la antes mencionada novela Vigilia del almirante (1992).
Cada una de estas obras representan, por ejemplo, dos polos que
apuntan a actitudes opuestas respecto al modo de representación de
la Conquista: o celebrarla y recrearla a partir de las crónicas y las
fuentes históricas tradicionales, o desconfigurar así como desmitificar
las fuerzas que llevaron a una determinada lectura, vale decir, a una
invención de América. Se ha dicho que Para recibir el canto de los
pájaros y También la lluvia reflexionan sobre la representación de
la Conquista señalando los paralelismos históricos, así como también
meditan sobre el proceso de creación de una película. Ambas –la
Conquista española y el rodaje de una película– tienen en común el
hecho de que crean historias en las cuales convergen los intereses
particulares de imperios; históricos y cinematográficos.
Finalmente, cabe señalar la última –o la más actual– ironía
que cierra el proceso de paralelismos entre la realidad y la ficción:

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 257
la clara y flagrante relación entre la película de Bollaín y la de Sanjinés.
Ella española y él boliviano. Muchos se han preguntado ya sobre sus
“coincidencias o plagios”. No entramos en este debate, pero sí nos
parece fundamental remarcar que tales semejanzas no declaradas
en la última versión añaden un matiz aún más realista a la ficción
cinematográfica. ¿Una vez más la vida imita el arte?

Filmografía

Para recibir el canto de los pájaros (Bolivia 1995). Dirección y guión: Jorge
Sanjinés. Cámara: César Pérez. Fotografía: Raúl Rodríguez, César Pérez,
Guillermo Ruiz. Montaje: Pedro Chaskel, Jorge Sanjinés. Música: Cergio
Prudencio. Producción ejecutiva: Beatriz Palacios. Con Jorge Ortiz, Geraldine
Chaplin, Guido Arce, Lineth Herbas, Marcelo Guzmán, entre otros.

También la lluvia (España, México, Francia 2010). Dirección: Icíar Bollaín.


Guión: Paul Laverty. Fotografía: Alex Catalán. Montaje: Angel Hernández
Zoido. Música: Alberto Iglesias. Producción ejecutiva: Pilar Benito. Con Luis
Tosar, Gael García Bernal, Juan Carlos Aduviri, Karra Elejalde, Raúl Arévalo,
Cassandra Cianguerotti, entre otros.

Otras películas citadas:

1492: Conquest of Paradise (Francia, España 1992), Ridley Scott.

La dolce vita (Francia, Italia 1960), Federico Fellini.

La nuit américaine (Francia, Italia 1973), François Truffaut.

La otra conquista (México 1998), Salvador Carrasco.

Le mépris (Francia 1963), Jean-Luc Godard.

Otto e mezzo (Francia, Italia 1963), Federico Fellini.

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260
RUPTURA E CONTINUIDADE NA CARTOGRAFIA
CULTURAL DA AMÉRICA LATINA

Mariluci Guberman

Durante muito tempo, foram sensíveis aos olhos dos poetas di-
versos temas, realidades e sentimentos. Embora a linguagem tivesse
sido rigorosamente trabalhada pelos artistas barrocos, somente com
o escritor francês Stéphane Mallarmé é que a linguagem se voltou
sobre si mesma. O surgimento do poema crítico rompeu com a ideia de
arte como reduplicadora da natureza ou dos modelos da antiguidade.
A esse passado, opôs-se a modernidade com a ideia da criação origi-
nal e única. O poema crítico, conforme Octavio Paz (1976, p. 111),
“contém sua própria negação e faz dessa negação o ponto de partida
do canto, em igual distância da afirmação e da negação”.
A concepção de antigo e moderno está relacionada com a ideia de
tempo. Desse modo, ao se espelhar nos antigos, criava-se uma suces-
são temporal, degenerativa de um tempo primordial e perfeito. Logo,
um mundo finito como o de Dante que limitava inferno, purgatório
e paraíso. Os homens estavam destinados a viver séculos e séculos
e, além do Juízo Final, sem qualquer possibilidade de mudança. Em
oposição a essa continuidade surge a modernidade, na qual o presente
é único, não pretendendo repetir o passado e revelando um mundo
infinito, fadado a desaparecer para sempre. “A Destruição foi a minha
Beatriz”, afirmou Mallarmé em carta a Eugène Lefèbure, pois queria
avançar cada vez mais “na sensação das Trevas Absolutas”.
Essa ideia apocalíptica do século XIX surgiu, nas Artes, com o
decadentismo, um estilo e um espírito de época que, assim sendo,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 261
pode voltar toda vez que houver a sensação de vazio ou o possível de-
saparecimento da humanidade, o espírito finissecular. Nessa condição
trágica do homem, a arte assume o papel de liberadora das tensões,
transgride os padrões morais vigentes e reflete essa ruptura. Os frag-
mentos dos poemas, outrora ligados por uma cadeia verbal, passam
a se unir por “silencios, afinidades, colores” (PAZ, 1990, p.27), e os
escritores justificam em suas próprias obras a revelação do mundo.
Os temas do mal e da morte são abundantes e o sadismo, enquanto
destruição do corpo, se reflete na profunda violação da alma, uma
das abordagens da obra de Dostoiewsky.
No século XX, após as duas Grandes Guerras mundiais, em meados
dos anos 50, a América Latina foi assolada, conforme Darcy Ribeiro
(1986, p. 42), pelas “elites autocráticas de extração militar, oriun-
das da guerra fria, que assumem o poder em situações de profunda
crise política em sociedades cujas classes dominantes, sentindo-se
ameaçadas, apelam para as forças armadas como única maneira de
conservar sua hegemonia.“
Nesse período, inúmeras ditaduras surgiram na América Latina.
Com elas surgiram tiranos e atos autoritários, acompanhados de vio-
lência, tortura e silêncio. Na literatura dessa época, durante os regimes
de exceção na América Latina, muitos tiranos foram satirizados, ou
até mesmo carnavalizados, por escritores como Miguel Ángel Asturias,
Alejo Carpentier, Gabriel García Márquez, Augusto Roa Bastos e ou-
tros. Em seus romances, tanto um personagem mítico ou um herói
do universo indígena, africano ou mestiço, quanto o sofrimento e o
silêncio do povo latino-americano, ou ainda um tirano simbólico, re-
velaram a face oculta da História. Essa literatura, ainda que ficcional,
possibilitou a retirada da máscara que encobria o rosto dos poderes na
América Latina. Não havia mais espaço para atos de exceção, silêncio
ou tirania; havia espaço para soltar o grito, viver a liberdade, sem
a exploração desmedida do que existia nesse continente.
A inserção de fatos históricos da realidade, na literatura, justi-
fica-se, por meio da concepção de Roland Barthes (s.d., p. 18), ao
afirmar que a literatura é “absolutamente, categoricamente realista:
ela é a realidade, isto é, o próprio fulgor do real. Entretanto, e nisso

262
verdadeiramente enciclopédica, a literatura faz girar os saberes, não
fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto, e esse
indireto é precioso”.
É possível comparar fatores históricos da segunda metade do sé-
culo XX com outros, aparentemente semelhantes, do renascimento.
Tome-se por base dois feitos relevantes desses séculos: a investigação
científica do corpo humano, — agora, na atualidade, mais apurada
pelos transplantes —, e a busca de novos mundos — na contempo-
raneidade, a ida à lua. Entretanto, deve-se ressaltar a diferença nas
conseqüências de tais investidas em relação à descoberta de outros
mundos. Ao contrário do homem renascentista, o do século XX, ao ir
à lua, não encontrou qualquer ser vivo, desencantou-se e teve a sen-
sação de que essas experiências eram utópicas. O homem, conforme
o filósofo Sérgio Paulo Rouanet (1986, p. 39), “sem nenhuma concep-
ção de futuro, porque a crença no progresso foi uma utopia moderna,
e portanto arcaica, [...] só tem a dimensão do presente— um presente
monstruoso, avassalador”. Este homem descrente do futuro, sem
perspectiva do porvir, tem uma visão contra-utópica da atualidade.
Torna-se evidente que, além de outros componentes históricos,
o homem do século XX se expressa distintamente daquele do renas-
cimento. Dividido entre os valores utópicos e os reais, assemelha-
-se ao homem da época barroca quando, dividido entre os valores
da Igreja e os do mundo terreno, sofria o desengano. O espírito do
homem contemporâneo está mais próximo do barroco: cinqüenta
anos de expectativa, de dúvida e de frustração que o conduzem para
o centro da espiral em busca de luz. É um ser contraditório à procura
da legitimização de um novo modo de vida, de pensamento e, por
conseguinte, de uma nova expressão artística.

O real, o sonho e o mágico na obra de


Miguel Ángel Asturias

Selecionou-se para este capítulo a obra do escritor Miguel Ángel


Asturias (1899-1977), Prêmio Nobel de Literatura em 1967, que aborda
além do imaginário maia, o imaginário colonial e o contemporâneo

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 263
latino-americano e analisa processos de ruptura e continuidades na
América Latina.
Asturias nasceu na Cidade da Guatemala e morreu em Madrid. Seu
pai era mestiço e advogado; a mãe, índia maia e professora. Asturias
graduou-se em Direito e teve sua carreira diversificada: antropólogo,
professor, diplomata, tradutor, romancista, poeta, dramaturgo e jor-
nalista. Era chamado “El Gran Lengua de América”.
A primeira manifestação literária1 de Miguel Ángel Asturias foi por
ocasião do terremoto de 1917 que destruiu a Guatemala. O escritor,
ao presenciar as injustiças sociais e a retirada dos escombros para
a reconstrução da Capital, se rebela e escreve, em 1922, os contos
“Toque de Ánimas” e “Los mendigos políticos”. Este último será
o germen do romance El Señor Presidente (1946). Asturias conviveu
com o mundo mágico dos maias em sua infância, entre 4 e 7 anos,
quando seu pai sofreu perseguições políticas e foi obrigado a viver
com os indígenas maias da família de sua mãe, conforme palavras
do próprio escritor:

Mi abuelo me dejaba en los ranchos y allá había indiecitos pequeños


como yo o un poco más grandes, y con ellos empecé a jugar. El juego
de ellos, principalmente, era hacer figuritas de barro, un barro un poco
rojo, del color de aquellas tierras. Yo con esto, al mismo tiempo que
aprendía las letras, iba también aprendiendo a hacer estas figuras, que
eran un poco el trasunto de la mentalidad de ellos, de sus creencias.2

1 Miguel Ángel Asturias escreveu também, em prosa, Leyendas de


Guatemala (1930), Hombres de maíz (1949), a “trilogia bananeira”, composta
de Viento fuerte (1950), El Papa Verde (1954) e Los ojos de los enterrados
(1960), além de Week-end en Guatemala (1956), El alhajadito (1961), Mulata
de tal (1963), El espejo de Lida Sal (1967), Maladrón (1969), Tres de cuatro
soles (1971), Viernes de Dolores (1972). Asturias publicou Sien de alondra,
coleção de diversos poemas escritos entre 1918 e 1954, e o poema em prosa
Clarivigilia primaveral de 1965. Seguiu publicando em revistas outros poe-
mas, como “Bolívar” (1955), “Nombre custodio e imagen pasajera” (1959),
“Sonetos de Italia” (1965).
2 Cf. M.A.Asturias. In: LÓPEZ ÁLVAREZ (1974, p.47 ).

264
Os maias, por volta de 4.500 anos BP3, chegaram às terras altas
do México e da Guatemala, onde se estabeleceram; eram povos caça-
dores e coletores que pareciam vir do norte. Posteriormente, alguns
grupos se separaram: um foi para a costa do Golfo do México; outros
se dirigiram para as terras baixas do norte (Península de Yucatán,
no México), do centro (Petén, na Guatemala) e do sul (Quiriguá,
na Guatemala e Copán, em Honduras). No decorrer do tempo, os
maias se estenderam para as terras vizinhas — atualmente, Belice
e El Salvador. Os descendentes desses povos falantes de línguas
maias, a partir de 3.500 anos BP, criaram e chegaram a um desen-
volvimento extraordinário: sistemas astronômico e matemático-cro-
nológico muito avançados, escritura hieroglífica, arquitetura, obras
de arte, templos de pedra, verdadeiras cidades-estado de caráter
político-religioso.
A convivência de Miguel Ángel Asturias com o universo maia e os
conhecimentos históricos e antropológicos adquiridos possibilitaram-
-lhe revelar, nas décadas de 50 e 60, a magia e a revolução em sua
produção literária, denominada “trilogia bananeira”: Vento forte,
O Papa Verde e Os olhos dos enterrados. O escritor guatemalteco,
neste conjunto de obras, expõe a cruel instalação da “Platanera”4. Em
1898, Manuel Estrada Cabrera impôs à Guatemala uma ditadura, que
se estendeu até 1920 e possibilitou o ingresso do capital estrangeiro,
principalmente, a chegada da empresa norte-americana United Fruit
Co. para a exploração frutífera em terras guatemaltecas, que levou
os habitantes de origem maia a abandonar o cultivo do milho, planta
sagrada dessa civilização, para cultivar a banana.
A primeira obra dessa trilogia, Vento forte, tem como tema uma
catástrofe semelhante ao terremoto de 1917, que assolou a cidade
da Guatemala. O vento forte da “trilogia bananeira” despertou em
Asturias e em seu povo a consciência social, conforme o próprio autor
(ASTURIAS, 1987, p. 24):

3 A sigla BP significa Before Present, antes do presente.


4 A “Platanera” não só se instalou em terras guatemaltecas, mas também
em grande parte da América Latina.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 265
El terremoto no sólo sacudió la tierra, sino también las conciencias...
Gentes de todas las clases sociales se encontraron de pronto arrojadas
juntas a las calles en camisón y pijama. Había que vivir en carpas.
¿Cuál fue el resultado? Los que habían vivido retraídos, desconectados
del resto de la población, se unieron a la multitud. Sin duda esto fue
uno de los factores que contribuyeron a la caída de Estrada Cabrera.

De acordo com Mircea Eliade (1991, p. 8-9), “as imagens, os


símbolos e os mitos não são criações irresponsáveis da psique; elas
respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar
as mais secretas modalidades do ser”. Dessa forma, conhece-se melhor
o homem, o homem original, aquele não articulado com a história,
que traz em si uma grande parte da humanidade anterior à História.
Para Eliade (1991, p. 9), existe no homem uma parte histórica, finita,
e outra a-histórica, infinita. “Essa parte a-histórica do ser humano traz
[...] a marca da lembrança de uma existência mais rica, mais completa”
do que o mundo fechado de seu “momento histórico“. É a busca do
“paraíso perdido“, do “homem primordial“, por isso projetar-se no
passado, em busca de uma memória histórica ou mítica, é encontrar
suas raízes, descobrir-se. Através das memórias finita e infinita, os
escritores contemporâneos trazem à tona estilhaços do passado, um
passado messiânico que resume a história, vivificado em suas diversas
obras literárias.
A memória, conforme Walter Benjamin (1985, p. 210), numa
primeira abordagem, “é a mais épica de todas as faculdades“. Nesse
sentido, o filósofo alemão (BENJAMIN, 1985, p. 210) esclarece que
“somente uma memória abrangente permite [...] apropriar-se do curso
das coisas”. Essa concepção tem suas raízes na Grécia antiga, segundo
Benjamin (1985, p.168), quando os poetas, ainda não contaminados
pela “era da reprodutibilidade técnica da obra de arte“, eram inspira-
dos por “Mnemosyne“, a deusa da reminiscência“, mantendo assim
a esfera da autenticidade, isto é, não atrofiando a aura de suas obras.
Benjamin (1985, p. 210), ao tratar da “reminiscência“, afirma que a
mesma “funda a cadeia da tradição, que transmite os conhecimentos
de geração em geração“. Com a abordagem de “tradição“, o autor
possibilita a saída do campo filosófico para o psicanalítico, onde se

266
pode buscar a explicação científica de como os fatos são armazenados
em nossa mente e lembrados por ela.
Como a memória maia encontra-se latente na Guatemala, Miguel
Ángel Asturias pôde criar, em suas obras, uma linguagem mítica,
apoiada em um complexo sistema de imagens. Através dessa lingua-
gem mítica, o homem pode-se encontrar a si mesmo e ao outro, gra-
ças à metáfora que faz com que ele seja outro e separado do mundo
natural, possibilitando a comunicação entre os homens em oposição
ao ser-máquina. Asturias restabelece na “trilogia bananeira” a comu-
nicação entre os personagens por meio da força das palavras “—Chos,
chos moyón con5...”.
O vento e outros elementos da natureza integram o complexo
sistema mitológico maia, substrato importante na obra de Miguel
Ángel Asturias, pois faz parte do imaginário da Guatemala. Na acepção
de Gilbert Durand (1998, p. 6), o imaginário é um “museu [...] de
todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a serem produ-
zidas”. Busca-se, portanto, a essência desse povo nesses elementos
mágicos constituintes da “trilogia bananeira”, dos quais se destacam
os seguintes: a serpente emplumada, o furacão, o relâmpago, o raio,
o terremoto, a terra, o milho e, ainda, a sereia e o duende.
Conforme o livro sagrado dos maias, o Popol-Vuh (ASTURIAS;
GONZÁLEZ DE MENDOZA, 1994, p. 12), a criação do mundo na
mitologia maia se inicia com o céu e o mar nas trevas. Era o caos,
à semelhança da Bíblia: “Antes dos mundos solares atuais, existiam
mundos na noite, noite meio iluminada por uma luz difusa, emanada
dos deuses...”. Estes estavam sobre a água e envoltos nas plumas
verdes; pois eram as Serpentes Emplumadas que se reuniram e deter-
minaram o surgimento da luz: “Então veio a Palavra; [....]”, a palavra
criadora, carregada de poder sagrado.
A Grande serpente com suas sinuosidades foi a que deu forma
a Terra no ato de Criação. Algumas vezes surge como dualidade:
a primeira serpente leva pedras, em sua extremidade, e representa

5 Esta expressão de origem maia significa em língua espanhola “¡Nos


están pegando!”.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 267
a portadora dos raios e dos ventos; a segunda está enredada debaixo
da terra, sentindo sobre si o peso do mundo e ao se mover para mudar
de posição ocasiona os terremotos.
O vento forte é o furacão (deus Huracán), que se associa ao terre-
moto (deus Cabracán), para destruir a Guatemala. Esses fenômenos
físicos da natureza desempenham, simbolicamente, um papel de me-
diador entre o humano e o divino. Além do furacão, do terremoto e
do vento, há outro elemento mágico que integra o sistema mitológico
maia e se encontra na obra asturiana: o Raio, “símbolo de atividade
celeste, da ação transformadora do Céu sobre a Terra”, porque sua
visão sugere a união Céu-Terra, logo seria “o ato viril de Deus na
criação”. Se o Raio une Céu e Terra, servindo como sêmen de Deus,
ele tem o poder de sacralizar tudo que toca; assim, a Terra é o espaço
sagrado fecundado pela manifestação de Huracán.
O terremoto, ente das profundidades cavernosas, de acordo com
Fernando Ortiz (1947, p. 507), junto ao “raio, trovão, chuva, inun-
dação, vendaval, tromba d’água, maremoto e outros eram personi-
ficados como entes sobre-humanos, capazes do mal, às vezes como
‘mensageiros’ de entidades superiores”. Desta maneira, o furacão e
o terremoto, como mensageiros dos deuses, vieram para terminar,
na obra de Asturias, Vento forte, com as injustiças sociais praticadas
pela “Platanera” a seus trabalhadores.
A Terra é a origem de toda a vida, por este motivo a chamam de
“Mãe Terra”. O mito cosmogônico, Deus-Céu / Mãe-Terra, provoca
a fertilidade agrária. Para os maias, a terra e o milho, bem como a
deusa lunar, se identificam na palavra e no pensamento. Crêem que
a lua tem relação com o crescimento das plantas e que a ela se deve
a produtividade dos vegetais. É considerada a deusa da gravidez, do
parto e do tecido, bem como deusa das inundações. Seus símbolos
são os da morte, em sua saia leva dois ossos cruzados e sobre sua
cabeça se enrosca uma serpente. Ela foi a criadora do dilúvio que
terminou com um dos “sois”, isto é, com uma das eras maias; pois,
como a Terra, a lua é deusa da vida e da morte.
Outro elemento do sistema mitológico maia a ser analisado, sim-
bolicamente, é o milho. Com esse fim é preciso entender o universo

268
maia, que se constitui de Supramundo-Terra-Inframundo, representado
por quadriláteros em planos superpostos. Os três quadriláteros se
unem entre si por uma árvore gigante, sempre verde, que atravessa o
centro da Terra, funde suas raízes no inframundo e alça seus ramos em
direção ao firmamento. Por meio dela sobem e descem os deuses, que
podem estar no Supramundo, na Terra ou no Inframundo, o que nos
leva a deduzir sobre o caráter múltiplo dos deuses maias, assegurado
pela Serpente Emplumada, deus dual: matéria e espírito; bem e mal.
O milho pode ser comparado à árvore do conhecimento, um sím-
bolo universal à semelhança da própria árvore da cabala hebraica,
unindo diversos planos do universo. Na China o arroz é conhecido
como a Árvore da Imortalidade que garante ao homem o alimento, e
por isso, ao representá-la, se encontra uma plantação de arroz na copa
dessa árvore. Ao se observar o Panel de la Cruz Foliada, da cidade maia
de Palenque, no México, se constata, no alto de seus ramos, a cabeça
do Deus do Milho; bem como, em suas raízes, as caveiras, símbolo do
mundo dos mortos. Portanto, o milho é, simbolicamente, o elemento
capaz de unir os deuses ao homem. De acordo com o Popol-Vuh,
primeiro o homem foi feito de terra, depois de madeira e, por fim, de
milho. Entretanto, a identidade homem-milho não se reduz somente ao
ato de criação, adquire também uma conotação social, já que a criança
maia, ao nascer, lhe cortam o cordão umbilical e o enterram em uma
plantação de milho, que, conforme as crenças dos maienses, pode
sustentar a criança até que ela possa semear sua própria milpa6. Este
rito de passagem, o nascimento, também tem por finalidade afastar
a criança de sua mãe e, de acordo com Arnold Van Gennep (1978, p.
59-60), agregá-la à Mãe Terra, identificando o homem com o milho.
Para J. Eric Thompson (1987, p. 349), na mitologia maia, “o milho e
o homem são aliados, em sua luta pela sobrevivência, contra forças
agressivas mais poderosas e que o milho tem o poder de proteger
o homem apenas de um modo moderadamente mágico-religioso”.

6 [milpa] del mexic. milli, heredad, y pan. “Nombre que se da a la


tierra destinada al cultivo del maíz o de alguna otra semilla análoga”.
In: AMERICANISMOS (1983, p. 420).

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 269
Verifica-se esta concepção, em Vento forte, quando o Xamã provoca o
furacão, por meio de um ritual, arrasando a todos (ASTURIAS, 1976,
p. 196): “Los presidentes de la Compañía, [...], trataban de buscarle
la cara a ese otro alguien que se les oponía a sus designios, que se
les enfrentaba con superiores elementos [...]”.
A identificação homem-milho sugere também a do xamã-milho,
comprovada em Rito Soy Perraj, em seu pai e em seu filho que apare-
cem, em Vento forte (ASTURIAS, 1976, p. 172), com três dentaduras
de milho: “Tres dentaduras de maíces amarillos brillaron en la semios-
curidad; [...]”. O milho adverte aos homens para não semearem outro
fruto na terra que não ele próprio. Esta crença se apóia na superstição
de que o descendente maia “com frequência topa com ‘espiguinhas
falantes’ que ameaçam abandonar o homem se ele continuar renun-
ciando ao cultivo do milho” (THOMPSON, 1987, p. 347). O que ocorria
na “trilogia bananeira”? Em O Papa Verde (ASTURIAS, 1982, p. 106),
junto às plantações de banana, “también quedaba fuera, igual que
borra, el universo del maíz y el fríjol, el pájaro y el mito, la selva y
la leyenda, el hombre y sus costumbres, el hombre y sus creencias”.
Portanto, o milho estava relegado ao esquecimento.
Como já se verificou neste estudo, existe uma Serpente adormecida
debaixo da Terra e que suporta “o peso do mundo”. Quando, na “tri-
logia bananeira”, este peso se intensifica pelas injustiças sociais pra-
ticadas pela “Platanera” perante a impotência de seus trabalhadores,
se verifica um escape do real para o sonho e para o mundo mágico.
Miguel Ángel Asturias encontra substratos, na mitogia maia, para pros-
seguir sua obra e, desta maneira, introduz em Vento forte (ASTURIAS,
1976, p. 193) o Xamã Rito Soy Perraj, que, no cemitério, retira um
corpo de uma tumba e deste separa a cabeça de Hermenegildo Puac,
que em vida buscou o Xamã ou sacerdote para destruir a todos da
“Platanera”. Em troca, Rito Soy Perraj lhe pediu a vida e a cabeça,
o que foi autorizado por Hermenegildo contanto que houvesse revan-
che, como se narra em O Papa Verde (ASTURIAS, 1982, p. 204): “Y
cuán hermosa salió la cara de hombre manso del Hermenegildo Puac
de la cal viva en el agua, señal del poder del Chamá, la cal viva en
el agua, la vida viva en la muerte [...]”. A decapitação era praticada

270
pelos maias pré-colombianos no jogo de bola, quando era cortada
a cabeça do perdedor pelo capitão da equipe vencedora. Asturias
traz para sua obra esse costume na figura de Hermenegildo Puac,
o perdedor de terras.
Rito Soy Perraj, em Vento forte (ASTURIAS, 1976, p. 195), é “el
que maneja con sus dedos los alientos fluido y pétreo de Huracán
y Cabracán” e, em O Papa Verde (ASTURIAS, 1982, p. 206), ao se
lembrarem dos poderes de Rito Perraj, também se lembram que ele
“tenía ofrecida una pierna de neblina plumosa al Dios-Huracán, el
de la pierna quebrada”, o qual se integrou a outros elementos do
sistema mitológico maia. O Huracán, “el culebrante pasar y pasar
de la ventolera” (ASTURIAS, 1976, p. 197), se manifesta através do
Relâmpago, percorre o Caminho do Raio e desperta o Terremoto. Como
havia previsto Lester Mead, o tempo do demônio é limitado e chegará
a hora do homem. À esta afirmação, Smollet acrescenta (ASTURIAS,
1976, p. 122): “—¡El ‘viento fuerte’!”. Porém, Lester Mead explica
que o vento forte não é como algo espantoso, como uma força da
natureza; e sim “el ‘viento fuerte’ que de abajo de las entrañas de la
tierra alce su voz de reclamo, y exija, y barra con todos nosotros...”
(ASTURIAS, 1976, p. 122).
A sereia, outro elemento mítico, atrai os navegantes pela beleza
de seu rosto e pela melodia de seu canto para, depois, arrastá-los
para o mar. Em Vento forte, o mar se identifica com os bananais,
pois estes representam a dominação da Platanera e aquele conduz
o leitor ao tempo da Conquista, quando os invasores vinham pelo
mar (ASTURIAS, 1976, p. 170): “Lino se arrancaba silencioso, des-
mandado, en busca, decía, de la divina mujer encantadora que era
de carne verde como el verde vegetal del mar que al salir a tierra se
transforma en bananal”. A sereia, em Vento forte, seduz mortalmente
os trabalhadores das plantações. Logo, a sereia é um dos elementos
mágicos que fusionam o histórico ao mítico.
Na mitologia maia, o duende surge como protetor, brincalhão
e, ainda, como responsável por incêndios, granizos, pragas e outras
calamidades. É costume, entre os maias, o camponês fazer a imagem
do duende em barro ou pedra e colocá-la no meio da plantação, bem

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 271
como oferecer-lhe bebida de milho para uma boa colheita. O duende,
em Os olhos dos enterrados, desempenha um papel fundamental, pois
a interferência de um elemento mágico sugere um estado de auto-
segurança, que permite ao leitor a aceitação da fuga de Juan Pablo
Mondragón. Funciona como voz interior da consciência do herói,
indicando o caminho a seguir. Contudo, Miguel Ángel Asturias (1982a,
p. 93) deixa uma dúvida razoável quanto ao duende, conduzindo
o leitor ora para o real, ora para uma supra-realidade: “Sé que va
a decir que Cayetano Duende es duende, y va a oír decir que Cayetano
Duende es duende, pero no va a saber, si es o no es, porque esas
cosas no se saben...”.
Se por um lado a “Tropical Platanera S.A.” trazia a modernidade
para o povo guatemalteco, destruindo a cultura de seus ancestrais;
por outro lado, através do sistema mítico dos maias, os deuses tra-
ziam a vingança, em Vento forte, devorando a cultura imposta pela
Companhia norte-americana (ASTURIAS, 1976, p. 194-195):

Un viento que soplara por debajo. Constante, fuerte, más fuerte,


cada vez más fuerte y más bajo desenraizando los bananales de la
Tropicaltanera, arrancándolos para siempre. El viento que clava los
dientes en la tierra, sucio, atmosférico, salobre y desentierra a todo,
hasta los muertos.

O progresso material da Guatemala custou aos trabalhadores das


plantações de banana a redução do soldo e, aos indígenas, a obriga-
toriedade de trabalhar na construção de estradas e ferrovias. Nesta
época, a Guatemala já se encontrava sob a ditadura de Jorge Ubico,
que outorgou aos senhores do café e às empresas de banana a per-
missão para matar. Fato histórico relatado em O Papa Verde (1982,
p. 104): “Los grupos fueron llevados a los cuarteles, para el servicio,
a los más bragados y por las aguas del Motagua empezó la bajante
de muertos. ¿Dónde se ahogaban?¿Cómo se ahogaban?”.
As migrações desordenadas trouxeram um desequilíbrio econômi-
co, cultural e psíquico, conduzindo o país ao subdesenvolvimento e
à marginalização. Ao compasso dos troncos dos bananais, em Vento
forte (1976, p. 24), vieram...

272
[...] el aguardiente, la cerveza, la prostituída, el fonógrafo de trom-
peta, la victrola de lujo, las bebidas gaseosas, los chinos vendedores
de ropa, las farmacias, la guarnición de soldados tristes, el telegra-
fista enamorado, hasta formar el pueblo en un terreno que cedió la
“Tropical Platanera S.A.” [...].

A febre da Companhia em produzir riquezas provocou uma


automatização do homem, levado pela expectativa de ganhar mais,
o que provocou, em Vento forte (ASTURIAS, 1976, p. 28), o surgi-
mento do homem-máquina: “[...] llegaba la organización humana,
se puede decir, porque a partir de allí con otros hombres empezaba
la maquinaria ciega, implacable, que todo lo convertía a cifras en sus
libros, inalterable, cronométrica, precisa”.
O vento forte trouxe o Caos, conduziu ao estado pré-cósmico,
anulando o mundo presente e resgatando o passado. Portanto, com
esse vento ocorre o regresso às origens e volta-se a criar uma nova
vida, porque não há como reconstruir o mundo de injustiças sociais
das primeiras obras da trilogia, Vento forte e O Papa Verde, nas quais
são narradas a exploração dos homens da terra, a ascensão da Tropical
Platanera na Guatemala e do Papa Verde, bem como a destruição dos
bananais, constituindo um processo de neo-colonização, relatado
ficcionalmente em O Papa Verde (ASTURIAS, 1982, p. 107): “El fue-
go que en mano del español consumió las maderas pintadas de los
indios, sus manuscritos en cortezas de amatle, sus ídolos e insignias,
devoraba ahora, cuatrocientos años más tarde. [...] otro dios llegaba:
el Dólar, y otra religión, la del big stick”.
A extrema miséria na qual viviam os trabalhadores da Companhia
favorece a análise da alienação de determinados grupos humanos,
“o não ser nós mesmos e o ser pensados por outros” (PAZ, 1987,
p.152). Esta alienação está registrada por Asturias (1982, p. 182),
em O Papa Verde, por ocasião da abertura do testamento de Lester
Stoner, quando a direção da Platanera considerou melhor enviar os
nativos para os Estados Unidos, dando preferência aos filhos que
“volverán aquí completamente norteamericanos”, em “escuelas
en que les cambien por completo la mentalidad”, para que não
pensem em ser. De fato, os herdeiros trocam seu nome, aprendem

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 273
a falar inglês e passam a operar com o dólar, descaracterizando-se
por completo.
As transformações culturais pelas quais passou a população da
Guatemala traçaram um novo perfil do povo desse país, um aparen-
te equilíbrio que não permite a essa gente um exame de si mesmo,
conduzindo-a a solidão, pois somente então se atreve a ser, conforme
Octavio Paz (1987, p. 64): “Para sair de si mesmo o servo necessita saltar
barreiras, embriagar-se, esquecer sua condição. Viver só, sem testemu-
nhas. Somente na solidão se atreve a ser”. Tal procedimento resultou,
ao cair da máscara, em um processo revolucionário retratado, na terceira
obra da “trilogia bananeira”, Os olhos dos enterrados, por causa de uma
revolta contra a conivência entre o governo e a Platanera, sob a liderança
de Juan Pablo Mondragón, que exigiu melhores condições de vida e
conseguiu a queda do governo e a saída da Bananeira da Guatemala.
A busca de uma linguagem, capaz de traduzir as experiências
mentais mais complexas, produz um jogo verbal que transforma
a linguagem em sujeito principal da trilogia, como no episódio da
chuva de granizos de Os olhos dos enterrados, em que Juan Pablo,
ao tentar criar uma nova vida, encontrou obstáculos que o levaram
a fugir. Ao buscar abrigo da chuva, que começara, debaixo de um
salgueiro chorão (“sauce”), junto ao cemitério, Juan Pablo vê uma
chuva de olhos humanos (ASTURIAS, 1982a, p. 141):

Lluvia de almendrones de córneas opacas y diáfanas pupilas que


lo bañaron de miradas. Y otra, y otra ráfaga de granizo, como si
bruscamente se solidificara sobre el camposanto cercano millares
de gotitas de llanto, lo golpeó con sus pepitas de ojos desnudos,
acuosos, congelados.

Tal fato logra não só solucionar o impasse instaurado pela perse-


guição acirrada do herói pela polícia, mas também revelar o encontro
de Juan Pablo Mondragón com o mundo mágico dos maias. Miguel
Ángel Asturias, ao exprimir por meio de uma linguagem mágica a fuga
do herói, imprime à narrativa um caráter ético, ou seja, a busca da
dignidade perdida de Juan Pablo, agora como fugitivo, e a possibilida-
de de vitória do povo guatemalteco, livre da ditadura e da Platanera.

274
O herói representa todos os mortos em Os olhos dos enterrados, e não
há opção entre sua amada, Malena, e os mortos, pois estes exigem
justiça, e a missão de Juan Pablo deve ser cumprida. Desta manei-
ra, o ouvido capta o sentido das vozes dos enterrados e revela sua
significação. Asturias (1982a, p.142) se apoiou na lenda maia, para
a qual os enterrados esperam com os olhos abertos o dia da justiça.

Todo yacía apagado, los ojos eran hojas, las hojas del sauce que
disimulaba en apariencias vegetales, los cientos, los miles de ojos
humanos que colgaban de sus ramazones llorosas. [...] sus raíces
penetraban en los cráneos secos, [...] y extraían el mirar de los que
ya no tenían ojos, sino hojas...

Conforme o escritor espanhol Julián Marías7, “o mundo está


nos olhos”, porque é o olhar que o instaura, mas o ouvido capta
o sentido de suas vozes. Confirma-se esta proposição no episódio da
chuva de granizos, quando Juan Pablo Mondragón, desesperado, logra
avançar “algunos pasos defendiendo la cara de aquella lluvia de ojos
humanos”. Instaura-se o olhar na mundanidade. Asturias (1982a, p.
142), então, para manter a linguagem mágica do romance, nessa cena
registrou um jogo fonológico, em que as palavras diferentes tanto
pela grafia quanto pela semântica, como ojos / hojas, apresentam um
cambio de fonemas (o > a) que produz com a rima interna um efeito
rítmico e musical: “(¿Quién va?... ¡Yo!... El eco repitió en cada tumba
el monosílabo... ¡Yo!... ¡Yo!... ¡Yo!... ¿Yo soy todos los muertos?...
El eco repitió... ¡ ... todos los muertos! ¿Yo soy todos los muertos?...,
volvió a preguntar... y el eco repitió... ¡Todos los muertos!...)”.
Ao término da chuva, Juan Pablo Mondragón reteve um dos
olhos humanos “bajo sus dedos, tan fuerte, tan violentamente, que lo
deshizo”. O herói, neste momento, através do tato percebe que tem
entre seus dedos uma das folhas do salgueiro. Confirma-se a assertiva
de Julián Marías, para quem o tato, um dos cinco sentidos, configura
o mundo e projeta a realidade.

7 Óscar Tacca, ao tratar das vozes do romance, cita a Julián Marías. In:
TACCA (1973) p. 15.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 275
Com a trajetória Furacão ® Relâmpago ® Caminho do Raio ®
Terremoto na “trilogia bananeira”, Miguel Ángel Asturias retoma
o mito da Criação (ELIADE, 1963, p. 77-78): a Serpente como símbolo
fálico representa o “ato viril de Deus na criação”, penetra no interior
da Terra, formando o Caminho do Raio, a caverna de Os olhos dos
enterrados, e fecundando esta última (ASTURIAS, 1982a, p. 163): “Este
ya es camino manso de culebra de agua... Por aquí pasó la tromba
y se fue vaciando de su cuerpo para dejarnos paso por esta cavidad
de escama amodorrada... Otros dedos de ocote y asomaremos direc-
tamente a la Caverna Viva,...”. Trata-se de um rito, uma passagem
de um mundo a outro. Com este fim, Asturias se apóia na mitologia
maia para que Malena, personagem do terceiro romance da “trilogia
bananeira”, possa sair do mundo real e ingressar no mundo mítico.
Juntamente com Cayetano Duende, a professora entra em uma ca-
verna, somente conhecida pelo duende. Neste instante, as chamas do
fogo, que conduzem os dois pelo interior da caverna, se fragmentam
e se compõem, como canibais que se devoram uns aos outros, em
Os olhos dos enterrados (ASTURIAS, 1982a, p. 162):

[...] pies y sombras contra sombras y pies... [...] sombras que brincaban
con golpe de saltamontes a posárseles sobre los ombros... [...] así iban...
así iban... así avanzaban contra asombro y marea... divididos sus cuerpos
en pedazos y los pedazos bailando... brazos y piernas aventados al aire...
cabezas y manos aventadas al aire... mezclados... confundidos... él con
la cabeza de ella... ella con las manos de él... [...] ... ella sólo cabeza...
sin tórax... sin piernas... sin brazos... sólo cabeza... para luego aparecer
intactos... iguales... como si hubieran bailado... así iban... así avanzaban
contra asombro y marea... caníbales de sombras que se comían uno al
otro con dentelladas de fuego... así iban... así avanzaban...

Ainda que a Platanera e o fogo tenham conotações míticas, os dois


elementos apresentam, na trilogia, objetivos diferentes: o primeiro,
a vingança e o segundo, a purificação. O fogo na concepção maia
significa purificação, portanto, as chamas, que envolvem as sombras
de Malena, projetadas na parede da caverna, servem para purificar
a professora e fazem parte de ritos de passagem: primeiramente, do

276
real para o simbólico; logo, de uma linguagem simples a uma com-
plexa, uma justaposição de imagens e vocábulos, que imprimem
ritmo e movimento à linguagem poética de Asturias.

O barroco na obra de Miguel Angel Asturias

A preocupação com a linguagem que caracterizava os novos


romancistas latino-americanos começou a se manifestar na obra de
Miguel Ángel Asturias: com a intenção de transpor para sua cria-
ção as imagens da forma em que se processam na mente indígena,
o escritor guatemalteco logrou uma representatividade simbólica do
real que, por meio da linguagem, se aproxima ao barroco, e expressa
eficazmente o regime opressor de vários ditadores na América Latina.
A linguagem de Asturias está impregnada de contrastes e situa-
ções sociais e econômicas semelhantes às dos séculos XVI e XVII na
Espanha. Assim como o homem barroco vivia o desengano, a desilu-
são e o pessimismo gerados pela Contrarreforma e pelo Absolutismo,
o homem guatemalteco vivia, no século XX, a magia de seus deuses
e mitos maias junto à realidade da exploração de seus trabalhadores
pela “Platanera”. Não é mais o homem dividido entre a vida terrena/
celestial, e sim entre os valores autóctones e os valores econômicos.
É a perda da identidade de um povo. Não é mais o rei absoluto, e sim
o Papa Verde (ASTURIAS, 1982, p. 156): “Mi dominio está fuera del
tiempo y dentro del tiempo, fuera de la realidad y dentro de la realidad”.
Asturias confere a seus textos um caráter barroco, que requer
a comprovação da existência de um “espírito barroco” na “trilogia
bananeira”. A substituição do rei absoluto da época barroca pela
figura do Papa Verde, simbolizado por uma bandeira que leva a re-
presentação macabra, configura um barroquismo na obra de Asturias.
Escapar do Papa Verde e de sua tirania, somente depois da morte,
na “vida eterna”. Cabe lembrar que em muitas das igrejas barrocas
da Espanha e da América Latina, se encontra no vértice do altar mor
a representação da morte, isto é, um crâneo sobre ossos cruzados.
Percebe-se também este símbolo na obra de Miguel Ángel Asturias
(1982, p. 383), a bandeira do Papa Verde: “pabellón de pirata, en lugar

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 277
de las clásicas tibias, dos troncos de bananal, y la calavera matando
la esperanza de los pueblos que aplauden y trabajan, no va contra
ningún país en particular, va contra la esperanza de los que todavía
tienen esperanza”. Asturias resgata a estética da dissonância.
Em meio às incertezas, uma afirmação surge, em Os olhos dos
enterrados, personificada por Juan Pablo Mondragón que empreende
uma luta, liderando a revolta amparada por crenças mágicas que
emergem da mitologia maia. Tal recurso consegue não só solucionar
o impasse instaurado com a perseguição obstinada do herói pela po-
lícia, mas também exprimir poeticamente a fuga e a vitória de todo
povo guatemalteco.
O homem barroco se encontrava sob a opressão da Igreja que
lhe exigia a renúncia das “vanidades de la vida”, porque “la vida es
sueño”, “engaño de los sentidos” e “la gran comedia”; a verdadeira
felicidade está na morte, início da vida eterna. Esta concepção tam-
bém se encontra em O Papa Verde (ASTURIAS, 1982, p. 155): “En los
trópicos hasta los muertos, los despojos, son insalvables, desaparecen,
se van, no queda nada de ellos; la muerte no es eterna y la vida muy
fugaz”. A consciência de uma vida enganosa leva ao desengano. Por
conseguinte, o homem barroco, quase sem esperança, simboliza essa
época com a morte por meio das artes. Estas serão a grande válvula
de escape, a exemplo de El gran teatro del mundo, do espanhol Pedro
Calderón de la Barca ou El Divino Narciso, da mexicana Sor Juana
Inés de La Cruz.
Esta comparação da obra do escritor guatemalteco com o barroco
espanhol pode conduzir-nos à afirmação da existência de um estilo
neobarroco. Entretanto, o que há é um “espírito barroco”, uma pulsação
criadora que volta sempre que a história apresenta situações seme-
lhantes. O barroco é o símbolo do desengano, da constante expectativa
de morte, da reação do homem perante opressões inexoráveis. Ser
um homem barroco significa estar em desarmonia com as introjeções
sociais, pertencer a um mundo de sonho e de fuga, deformando ou
retorcendo linguagens e conceitos, enfim, vivendo outro mundo.
A literatura barroca, a exemplo das artes plásticas e escultóricas,
caracteriza-se por um eixo que concentra os demais elementos da

278
composição, não permitindo espaços vazios e produzindo movimen-
to, já que este eixo se aproxima ao núcleo de uma espiral que atrai
para si outros elementos, conforme Helmut Hatzfeld (1988, p. 82):
“Nada parece estável; há uma moção de estreiteza para a amplidão,
da obscuridade para a luz”. Na literatura este eixo se transfere para a
linguagem e por meio dele se transmite o “espírito barroco”. O homem
dividido reflete sua dualidade em contrastes: claro-escuro, vida-morte,
amor-ódio; logrando um jogo de oposições na linguagem. O contraste
claroscuro, uma das características barrocas, também se evidencia na
“trilogia bananeira”, mais precisamente em Os olhos dos enterrados,
quando Cayetano Duende e Malena penetram na Caverna Viva, entre
luzes e sombras, em busca de Juan Pablo Mondragón.
As sombras representam, em O Papa Verde, o sonho, o desejo de
encontrar Juan Pablo, enquanto os pés traduzem a realidade, como
podemos ratificar nas palavras de Mayarí a Geo Maker Thompson
(ASTURIAS, 1982, p. 35): “—Porque debe ser horrible vivir en per-
petua realidad..., tener los pies grandes... [...] Mientras a nosotros
se nos achican los pies, a ustedes les van creciendo... Nosotros no
estamos en la tierra”. Também em Vento forte (ASTURIAS, 1976, p.
165) “la luz del amanecer azul de oro” se contrapõe à “sombra verde
de los bananales”. Em Os olhos dos enterrados, o claroscuro apresenta
um aspecto teatral e por isto o cenário finito reflete o infinito. Miguel
Ángel Asturias emprega este recurso, apoiado em Platão, porque de
acordo com o Dicionário de símbolos (CHEVALIER; GHEERBRANT,
1988, p. 213): “A caverna e seus espetáculos de sombras [...] repre-
sentam esse mundo de aparências agitadas, do qual a alma deve sair
para contemplar o verdadeiro mundo das realidades – o mundo das
Ideias”. A coreografia presenciada por Malena, na caverna de Os olhos
dos enterrados, permite, depois de “El silencio total. La tiniebla total”
(ASTURIAS, 1982a, p.166), o esclarecimento metaforizado pela luz, e
em continuação (p.168), “Aquí al amanecer entra una luz muy rara.
Es algo así como una claridad que saliera de las piedras”.
Com o movimento das sombras, em Os olhos dos enterrados, surge
uma metamorfose que denota mudança e fragilidade. As metamorfo-
ses, bem como o disfarce de Juan Pablo, os granizos transformados em

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 279
“ojos” e “hojas”, e as sombras na caverna, são motivos bem típicos
do barroco. A linguagem escultórica barroca, expressa por uma espiral
em constante movimento, como um redemoinho, é substituída na lite-
ratura por uma linguagem, também em movimento, caracterizada por
um jogo de palavras, fonológico, sintático ou semântico, que suscita
a formação de imagens (ASTURIAS, 1982a, p. 162): “sombras que
subían a regarse con velocidad de relámpagos negros por las pantallas
cóncavas y de las bóvedas desparramábanse en lluvia de pestañas
que formaban en el suelo serpientes de cascabeles luminosos ... pies
y sombras contra sombras que brincaban ...”.

O surrealismo de Miguel Ángel Asturias

O contraste entre a educação abstrata ocidental e a educação


material dos maias possibilita uma percepção mágica da realidade,
quando Miguel Ángel Asturias convive com o mundo da magia de
seus ancestrais. O indígena pensa em imagens; os sonhos se transfor-
mam em realidade tangível e visível. Ao se apoiar na supra-realidade,
o autor da “trilogia bananeira” remete o leitor ao surrealismo, entre-
tanto a linguagem mágica em que ele se apóia pertence também à
realidade guatemalteca.
O uso da imagem por Miguel Ángel Asturias, seja uma forma
mágica de conceber a realidade, seja barroco ou surrealista, encontra
explicação em suas próprias palavras (ASTURIAS, 1968, p. 288):

Otro idioma va a regar sus destellos sobre sonidos y palabras. El idio-


ma de las imágenes. Nuestras novelas aparecen escritas no sólo con
palabras sino con imágenes. No son pocos los que leyendo nuestras
novelas las ven cinematográficamente. Y no porque se persiga una
dramática afirmación de independencia sino porque nuestros nove-
listas están empeñados en universalizar la voz de sus pueblos, con
un idioma rico en sonidos, rico en fabulaciones y rico en imágenes.

O mundo é um sistema de imagens; a partir delas, o artista percebe


os elementos que as compõem, as interações destes elementos, as
interrelações das próprias imagens, o contexto que as define, o todo

280
que a visão humana pode abarcar. Nas artes, com o advento da foto-
grafia e do cinema no século XIX, esse sistema, no século posterior,
fragmentou-se, e cada imagem, com sua focalização mais restrita,
tentou ganhar vida própria: não mais a cópia da natureza, e sim
o que se apreende dessa natureza, o real de seu reflexo, porque para
a cópia já existe a fotografia. À semelhança do pintor, que capta com
seu pincel e suas tintas a madre Natura, o fotógrafo também o faz
com sua máquina, e o poeta com as palavras. O início dos diversos
movimentos de vanguarda caracteriza-se por esta tentativa de auto-
nomia da imagem artística.
De acordo com o pesquisador espanhol Justo Villafañe (2002,
p. 13), “O mundo da Imagem está aí, com seu tremendo poder de su-
gestão e sua indubitável influência social, suas incógnitas e problemas,
que exigem uma pronta solução, ainda que ilusória” (TN). Ao seguir
essa linha de pensamento, sabe-se que por meio das imagens e da
memória aparece na literatura um significativo universo imaginário.
As imagens, para Villafañe (2002, p.30), “[...] surgem do nível do
imaginário, mantêm com a realidade nexos, que às vezes são mais
sólidos do que em uma primeira leitura se pudera supor” (TN). Por
exemplo, o viajante ou o estrangeiro, que chega à América Latina,
visualiza diretamente a imagem que lhe atrai, ao selecionar uma
paisagem, um elemento ou um fato e os imprime em sua memória
(faculdade de reter as ideias, impressões e conhecimentos adquiridos
anteriormente), propiciando a lembrança do que foi armazenado.
Para Miguel Ángel Asturias, a fundamentação da imagem está na
magia, pois é vista como “otra luz iluminando el universo de dentro
afuera”. Esta luz seria a clarividência, ou seja, a inspiração que permite
ao poeta ver as coisas em seu ser mágico, porque para ele os poetas
se fundem com o ser dos objetos, é o “clarivigilante”, “ni despierto
ni dormido”, de Clarivigilia primaveral (ASTURIAS, 1965, p. 68):

El vuelvo inmóvil de la poesía y sus desdoblamientos en canto ritual,


danza guerrera, juego de palabras, coloquio de corazones endiosados
es nuestro secreto. Oír brotar almácigas de sílabas y transplantarlas
de las salivaciones a la estrofa dorada, nuestro oficio de pensadores
con música. Conocemos el pulso de las lluvias flagelantes en el dibujo

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 281
calendárico y la caligrafía colorida, polícroma, de símbolos y advinacio-
nes astrológicas; pero postergadas por el Mágico del Canto, no pasamos
de ser hablacadáveres de lenguas perforadas con flechas de metáforas.

Após a primeira guerra mundial um grupo de jovens franceses8,


em sua maioria literatos, desiludidos com os horrores do grande confli-
to bélico de 1914 e com a devastação da Europa se reúnem inicialmente
na revista Littérature, criada em 1919, e começam a indagar sobre
a supra-realidade, já que a decepção com os acontecimentos reais
era total. Para superar essa situação na qual o homem se condiciona
a múltiplos fatores sociais, culturais e históricos, esses jovens, sob a
liderança de André Breton (1896-1966), se apóiam na única parcela
não contaminada, o inconsciente e suas imagens.
As influências de Sigmund Freud e da psicanálise são preponderan-
tes no processo de instituição do surrealismo, já que seus criadores se
interessavam tanto pelo mundo do inconsciente quanto pelos sonhos.
Entretanto, de acordo com Roland Barthes (1995, p. 269), “o sonho
que eles concebiam não era acesso ao corpo louco [...], e sim a uma
espécie de vulgata cultural, ao onírico, isto é, a um desprender retórico
de imagens“. Freud descobriu que o inconsciente funciona por meio
de imagens, o que abriu um vasto campo para a arte, que funciona
também com imagens e que aparece, portanto, como o meio mais
indicado para visualizar os conteúdos do inconsciente.

8 Esses jovens, para designar suas inquietudes de ir mais além da reali-


dade, de conhecer a supra-realidade, adotam o termo surrealismo, que foi
empregado pela primeira vez na obra de Apollinaire. O surgimento oficial do
movimento ocorre em outubro de 1924, quando Breton publica o Manifeste
du Surréalisme, com referência quase exclusiva à literatura, com exceção de
uma simples nota dedicada à pintura. Esse manifesto define o termo surrea-
lismo, destaca a crítica ao positivismo e ao racionalismo, bem como enaltece
a contribuição de Freud, além de elogiar o sonho, o maravilhoso, a liberdade e
a imagem surrealista. No quarto número da revista La Révolution Surréaliste,
Breton publica a primeira das quatro partes de “O surrealismo e a pintura”,
texto básico para compreender o que o movimento propunha em relação
a essa expressão artística.

282
As experimentações do grupo surrealista foram realizadas em Paris
com a finalidade de provocar a participação de todos na elaboração
coletiva e espontânea de uma obra, tanto escrita quanto plástica.
As reuniões constavam de ensaios derivados do automatismo, do azar,
do sonho hipnótico e das drogas. Até 1929, na Europa, o movimen-
to surrealista caracteriza-se na pintura, basicamente, por um forte
automatismo rítmico, como se vê nas obras dos franceses Hans Arp
e André Masson, e do espanhol Joan Miró. A partir de 1929, o surre-
alismo se reafirma por ocasião da publicação do segundo manifesto
de Breton, no qual assume a defesa dos princípios do materialismo
histórico ainda que em outros textos posteriores tenha atitudes mais
críticas, defendendo a liberdade total do artista perante a arte e a
serviço da política.
Na América Latina, a estreita relação entre o homem e a natureza
propicia uma fértil geração peculiar do imaginário desse continente,
um imaginário que transita do real ao surreal, o mundo mágico dos
mitos, que, na segunda metade do século XX, sob a influência do
surrealismo e do nouveau roman, rompe com as estruturas mentais
da tradição ocidental, sem a preocupação de absorver temas regio-
nais, porque seu principal objetivo é a linguagem. São os primeiros
romancistas a perceber o vasto potencial psíquico da linguagem oral,
expressando as realizações mais complexas da existência espiritual
de seus povos.
A partir do século XIX, o universo indígena configurara uma das
bases em que o escritor latino-americano se apoiara: inicialmente, uma
visão subjetiva e idílica do indígena em um espaço temível e desconhe-
cido; posteriormente, em meados do século XX, uma visão objetiva,
analítica e crítica do indígena em um espaço provocador, que torna
essa visão mágica. A estratégia do escritor dessa época é a linguagem,
embora apresente em sua obra uma linguagem culta, respeitando a
fala local para manter destacados os dois níveis lingüísticos: o do
narrador e o dos personagens. Entretanto, muitas vezes o narrador
completa o pensamento do personagem, permitindo a interseção entre
a linguagem formal e a popular, dois universos lingüísticos e culturais,
que concedem à obra uma unidade discursiva, a qual acompanha

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 283
a unidade ideológica. Ao marcar as diferenças, instaura-se o diálogo
entre as distintas culturas, buscando-se a identidade latino-americana.
Os escritores deixaram de tratar o índio de uma forma documental,
para penetrar na raiz mítica, na raiz mágica, através da linguagem do
próprio índio, salvando-o assim do anonimato imposto pela história
oficial da América Latina. A realidade filtrada pela linguagem mágica
foi um recurso empregado por esses escritores para personalizar os
nativos de suas terras. Mais que um recurso, é a busca da verdadeira
essência do povo latino-americano que vem à luz: mitos, tradições,
costumes, elementos mágicos, associados à realidade desse povo.
Em 1930, ingressam no grupo surrealista europeu os artistas es-
panhóis Salvador Dalí e Luis Buñuel, que vão difundir o movimento.
Dalí cria o método paranóico-crítico na arte, apoiado no psiquiatra
Jacques Lacan e definido por Dalí, como “método espontâneo de
conhecimento irracional, baseado na associação interpretativo-crítica
dos fenômenos delirantes”9. Com Dalí passou-se à ação: o surrealismo
adquire uma dimensão expressiva. O que a pintura nunca mostrou sai
à luz com Dalí: o corpo e suas misérias; os conteúdos de suas imagens
oníricas são mais explícitos. O trabalho pictórico é semelhante ao
trabalho onírico, isto é, a pintura como uma fábrica de sonhos. Dalí
inclusive afirmou que surrealista “soy yo”, ou seja, ele o fez presente:
Dalí consolidou o surrealismo no mundo das artes e elevou à máxima
expressão o mundo dos sonhos e do onírico, elementos característicos
da linguagem surrealista, mas conforme suas próprias experiências.
De acordo com o ensaísta e poeta mexicano Octavio Paz (1983, p. 33),
“As imagens do sonho propiciam certos arquétipos para [a] subversão
da realidade”. E Dalí foi um subversivo na arte.
Em 1932, André Breton publica Os vasos comunicantes e busca de-
monstrar que o mundo real e o do sonho são o mesmo, são aqueles que
restabelecem a unidade entre o mundo da vigília e do sonho; para este
fim, seleciona as diversas teorias de interpretação do sonho, detendo-se
principalmente na proposta de Freud. Enquanto, para o escritor francês,

9 Salvador Dalí. In: Gil Serrano; Alonso Morajudo (1994, p.8).

284
a unidade do sonho e do real se apóia em uma transformação social;
para Miguel Ángel Asturias, o surrealismo francês é “muito intelectual”.
Considerando-se os fenômenos do inconsciente, das imagens oníricas
e delirantes de Dalí, pode-se inserir Miguel Ángel Asturias e sua produção
literária como surrealista? O escritor logra em suas obras um surrealismo
especial, conforme suas próprias palavras (ASTURIAS, 1967, p. 13): “el
surrealismo de mis libros corresponde un poco a la mentalidad indígena,
mágica y primitiva, a la mentalidad de esta gente que está siempre entre
lo real y lo que se inventa. Y creo que esto es lo que forma el eje principal
de mi pretendido surrealismo”. “Pretendido”, porque não ficou impune
ao filtro mágico do escritor guatemalteco (ASTURIAS, 1975, p. 125): “el
surrealismo adquiere un carácter mágico y diferente por completo. El
no trata de una actitud intelectual, pero de una actitud vital, existencial.
Es la actitud del indio que, con su mentalidad primitiva e infantil, mezcla
lo real y lo imaginario, lo real y el sueño”.
Na literatura da América Latina, percebem-se dois momentos: o
primeiro, nas primeiras décadas do século XX, em que se dá a frag-
mentação das imagens; o segundo, surrealista (1926), mais complexo,
em que as imagens delirantes, embora fragmentadas, voltam a formar
um sistema, não mais aquele anterior à ruptura vanguardista, e sim
um sistema que se caracteriza pela fragmentação, justaposição e
movimentação das imagens, compondo uma verdadeira linguagem
coreográfica no cenário mágico latino-americano, em que se somam
ritmo, música e representação plástica, tem sua origem nas danças
dos índios que habitam a América Latina. Ainda, no século XVIII,
o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (2008, p. 193-194), que
percorreu tanto a região amazônica quanto a centro-oeste do Brasil, se
referia à dança dos indígenas brasileiros como “uma verdadeira cena”
que representa desde as caçadas ou pescarias até cenas de guerra:

Parece que se está vendo a saída do exército, a sua marcha pelo país
inimigo, as precauções com que acampam, a ardileza com que se
vão dispondo alguns destacamentos em emboscada, o modo de sur-
preender o inimigo, o tumulto e a ferocidade do combate, o triunfo
da vitória e outras muitas circunstâncias. Os atores, que figuram na
cena, correm a ocupar os seus postos, com tanto calor e entusiasmo,

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 285
com tantos gestos e visagens, com as vozes tão prontas e apropriadas
à rapidez e à celeridade das suas evoluções, que aos Europeus, que
os estão vendo, custa bem a crer que aquela é uma mera cena de
ensaio e não um combate real.

Dança e guerra, um jogo coreográfico capaz de seduzir a avant-garde


e, principalmente, os surrealistas hispano-americanos, que participaram
das manifestações desse movimento na Europa, levando-os a um intimis-
mo com as ideias e as práticas do surrealismo. Dentre eles, sobressaem
o guatemalteco Miguel Ángel Asturias (1899-1977) e o cubano Alejo
Carpentier (1904-1980), que vão definir suas obras, respectivamente,
como “realismo mágico” e “realismo maravilhoso”. Estas duas defi-
nições se baseiam no passado indígena, europeu e/ ou africano do
homem latino-americano, que convive ainda hoje com uma realidade
mágica, apontada por André Breton em sua visita ao México em 1938.
A magia ou o maravilhoso é uma concepção de um fenômeno coletivo,
religioso e histórico que, em nível continental, representa a necessidade
de se estabelecer “uma profissão de fé” sob os mesmos princípios de
“ruptura” do movimento literário europeu. Nos textos indígenas se en-
contra a supra-realidade que buscavam os seguidores de André Breton.
Não é mais necessário buscar no sonho ou no automatismo psíquico,
proposto por Breton, nem tão pouco se afastar da realidade, deixando
levar-se pelas manifestações do inconsciente, porque a literatura latino-
-americana emerge de todos esses fatores. Esta percepção mágica do
autor sobre a realidade guatemalteca se deve ao contraste da educação
abstrata ocidental de Asturias com a educação material dos indígenas:

En Salamá tuve contacto con los indígenas, pero tuve contacto tam-
bién con las piedras, con el barro, con los telares; estuve en contacto
con los objetos industriales de la vida más elemental, si se quiere, pero
vida al fin, vida de objetos que están en función de utilidad humana.
Objetos de los que no se hacía comercio, sino que se producían junto
los que podían servir.

A percepção aguçada em sua infância possibilita a Miguel Ángel


Asturias a passagem tanto para o real histórico quanto para o real

286
mágico. Realidades distintas que, na “trilogia bananeira” e em outras
obras do autor guatemalteco, se fundem em uma leitura simultânea do
realismo mágico, quando já não se distingue uma realidade da outra,
conforme declaração do próprio Asturias (1963):

Mi realismo es “mágico” porque él revela un poco del sueño como


lo conciben los surrealistas. Tal como lo conciben también los
Mayas en sus textos sagrados. Leyendo estos ultimos yo me ha
dado cuenta que existe una realidd papable sobre cual se injerta
una otra realidad, creada por la imaginación, y que se envuelve de
tantos detalles que ella llega a ser tan “real” como la otra. Toda
mi obra se desenvuelve entre estas dos realidades: la una social,
política, popular, con personajes que hablan como habla el pueblo
guatemalteco; la otra imaginaria, que les incierra en una especie de
ambiente y de paisaje de sueño.

Com o apoio dos mitos maias, Miguel Ángel Asturias rompe com
as “estruturas mentais da tradição espanhola”, sem a preocupação
de absorver temas regionais, porque seu principal objetivo é a lin-
guagem. Ao perceber o vasto potencial psíquico da linguagem oral,
Asturias (1973, p. 257) pôde expressar as realizações mais complexas
da existência espiritual de seu povo:

El realismo mágico tiene seguramente una relación directa con la


mentalidad original del indígena. El indígena piensa en imágenes;
no ve como las cosas se procesan, las lleva siempre para otras di-
mensiones en las cuales vemos desaparecer lo real y surgir el sueño,
en donde los sueños se transforman en realidad tangible y visible.

Constata-se ao final que, na “trilogia bananeira”, Miguel Ángel


Asturias desenvolve, por meio do filtro mágico da linguagem, um pro-
cesso cíclico que parte do histórico (elementos da natureza), caminha
pelo mítico (mitologia maia), atravessa o histórico (revolta contra a
ditadura), perambula do real ao simbólico (rito na caverna) e regres-
sa ao histórico (término da ditadura), revelando o imaginário maia e
o barroco colonial, as rupturas e as continuidades na contemporaneidade
da América Latina.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 287
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290
APRESENTAÇÃO DOS AUTORES

Alfredo Cordiviola (Buenos Aires, 1964). Professor titular do Depar­


tamento de Letras da UFPE. Doutor em Estudos Hispânicos e Latino-
americanos pela University of Nottingham, é pesquisador do Cnpq
e dirige o Grupo de pesquisa Literatura hispano-americana colonial.
Seu último livro é Espectros da geografia colonial. Uma topologia da
ocidentalização da America (2014).

Aníbal Orué Pozzo (Asunción, 1958). Master y Doctor en Comuni­


cación, Docente Investigador Universidad Nacional del Este (UNE),
donde coordina la Maestría en Comunicación para el Desarrollo y el
Centro de Estudios de las Relaciones Paraguay-Brasil. Investigador del
CONACYT. Posdoctorado por la Universidad Nacional de Córdoba-
Centro de Estudios Avanzados (CEA). Profesor Visitante (2001-2002)
Hofstra University y New York University, USA. Autor de varias publi­
caciones sobre historia del periodismo paraguayo y sobre la emer-
gencia de un campo de bienes simbólicos en Paraguay. Periodismo y
Nación, Asunción: Arandura, 2008. Comunicación, medios y ciuda-
danía. Asunción: Arandura, 2012, entre otros.

Brenda Carlos de Andrade (Recife, 1980). Professora de Literaturas


de Língua Espanhola na Universidade Federal Rural de Pernambuco
e professora colaboradora do Programa de Pós-graduação em Letras
da UFPE. Possui doutorado em Letras pela UFPE, onde defendeu
tese sobre romances históricos hispano-americanos do século XIX.

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 291
É membro dos grupos de pesquisa “Literatura hispano-americana
colonial” e “Literatura e Utopia”. Atualmente desenvolve um projeto
de pesquisa sobre literatura colonial intitulado “Mapeando imagens,
configurando espaços: visões da América Hispânica Colonial”.

Bruno López Petzoldt (Asunción, 1980). Doutorado em Cinema e


Literatura; Magister Artium em Literaturas Hispânicas e Medienkultur
pela University of Hamburg (Alemanha). Professor da UNILA
(Universidade Federal da Integração Latino-Americana), atuando
nas áreas de Cinema e Audiovisual; Letras, Artes, Mediação Cultural
e no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos Latino-
Americanos (PPG-IELA). Foi docente de Literaturas Hispânicas e
Cinema no Instituto de Filologias Românicas, bem como no Centro
de Estudos Latino-Americanos da University of Hamburg. Pesquisa
nas áreas de teorias do cinema e da literatura, Narratologia, Inter­
midialidade e Estudos da Memória. Autor de Los relatos de Julio
Cortázar en el cine de ficción (1962-2009) (Madrid e Frankfurt, 2014).

Diana Araujo Pereira (Rio de Janeiro, 1972). Professora de literatu-


ra latino-Americana na UNILA (Universidade Federal da Integração
Latino-Americana). Doutorado em Literaturas Hispânicas pela UFRJ,
com período de Doutorado Sanduíche na Universidad de Sevilla.
De 2008 a 2010 realizou estágio pós-doutoral na UFRJ (Prodoc-Capes).
É tradutora e poeta. Atualmente é Presidente da Associação Brasileira
de Hispanistas (2014-2016) e dirige o grupo de pesquisa Construções
socioculturais da Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina).
Tem várias publicações em revistas especializadas; entre seus livros
destacam-se o poemário Otras Palabras/Outras Palavras (RJ: 7Letras,
2008) e o livro organizado Cartografia Imaginaria da Tríplice Fronteira
(SP: Dobra, 2014).

Esteban Ponce Ortiz (Quito, 1967). Docente de literatura y cultura


latinoamericana en las universidades de las Artes (Guayaquil), Andina
Simón Bolívar (Quito), PUCE (Quito), Laica de Manabí (Manta), de
Virginia (Wise), de Maryland (College Park). Investigador del Proyecto

292
Prometeo – SENESCYT (Quito) en colaboración con la ULEAM en
el estudio sobre “Equinoccialidad y cultura”. Estudios realizados en la
Universidad de Maryland, College Park, y en la PUCE de Quito. Autor de
los libros: La idea del mal en el siglo XIX latinoamericano con Ediciones
Corregidor de Buenos Aires; Breve historia cultural de los mundos his-
pánicos con Plaza y Valdés de Madrid; co-editor del volumen de varios
autores Historias de la Independencia o ¿Independencias de la Historia?
con la Universidad Autónoma de Puebla. Colaborador en el Diccionario
histórico de traductores hispanoamericanos (Iberoamericana-Verbuert,
2013) y con las revistas: Hispamérica, Kipus, re/incidencias, Cuadernos
hispanoamericanos, País Secreto, HISAL, Diálogos latinoamericanos,
Revista de la PUCE, Lucero, entre otras.

Juan Ignacio Jurado-Centurión López (Madrid, 1965) es licenciado


en Letras por la Universidad Federal de Pernambuco y tiene el título
de Doctor por la misma institución. Actualmente trabaja como profesor
adjunto en el Departamento de Lenguas Modernas Extranjeras de la
Universidad Federal de Paraíba (UFPB) la enseñanza de las disciplinas
de la literatura española y colonial Literatura española de América.

Juan Pablo Martín Rodrigues (Burgos, 1971). Professor Adjunto,


Coordenador Licenciatura em Letras – Espanhol EaD da UFPE e líder
do grupo “Libertadores de América: Abreu e Lima e a pós-colonialidade
latino-americana.” Pertence ao grupo “Literatura Hispano-americana
colonial”, liderado por Alfredo Adolfo Cordiviola (PPGL-UFPE).

María de Los Ángeles Acuña León (San José, 1960). Doctora en


Historia. Docente e investigadora de la Universidad de Costa Rica.
Actualmente imparte cursos de historia colonial en la carrera
Bachillerato en la Enseñanza de los Estudios Sociales y la Educación
Cívica, Sede de Occidente de la Universidad de Costa Rica, en San
Ramón de Alajuela. Además en el Centro de Investigación en Identidad
y Cultura Latinoamericanas (CIICLA), de la Universidad de Costa Rica,
Sede Rodrigo Facio, en San Pedro de Montes de Oca, San José, desem-
peña los siguientes cargos: subdirectora del centro, coordinadora del

I M A G I N Á R I O S C O LO N I A I S 293
programa de investigación: La Etnicidad: entre la Interculturalidad y
las Identidades en América Latina y coordinadora del módulo: Centro
de Información y Referencia sobre Centroamérica y el Caribe (CIRCA).
Los temas tratados en sus investigaciones son sobre el mestizaje y las
mujeres esclavas en Costa Rica durante el período colonial.

Mariluci Guberman (Rio de Janeiro, 1944). Possui Estágio Pós-doutoral


em História pela UERJ (2010). Tem Doutorado em Letras pela UFRJ (1995)
com Bolsa Doutorado Sandwich no Exterior na Universidad Complutense
de Madrid. Mestrado em Letras Neolatinas pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1989). É Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação
em Letras Neolatinas UFRJ desde 1996 e do Núcleo de Estudos das
Américas – Nucleas (UERJ/CCS/IFCH) desde 2010. Foi Coordenadora
de Auxílio Pesquisa e Bolsa de Pós-Doutorado Prodc/Capes (2008-2010;
2010-2011). É Coordenadora do Grupo de Pesquisa/Cnpq Laboratório
Interdisciplinar Latino-americano e Diretora da Série Laboratório Latino-
Americano, com 4 números monográficos publicados. Foi Presidente da
Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro em
três mandatos. Foi Miembro de la Directiva de la Federación Internacional
de Asociaciones de Profesores de Español (Espanha). Pesquisas atuais:
“Provocações da Amazônia: dos rios voadores aos voos imaginários”
(FAPERJ/UFRJ/EDUNIOESTE no prelo); “A Cidade Moderna: Autonomia
da Linguagem e Novas Expressões Poéticas” e “O Canibalismo Literário
na América Latina”. É autora de livros e artigos, com publicações nos
Estados Unidos, Espanha, Suiça, Uruguai, Cuba e Brasil.

Rosaura Andazabal Cayllahua (Lima, 1961). Historiadora, egresada


de la Maestría de Historia por la Pontificia Universidad Católica del
Perú (1990) y Licenciada en Historia por la Universidad Nacional
Federico Villarreal (1991). Desde 1985 a la fecha es investigadora per-
manente en el Seminario de Historia Rural Andina, de la Universidad
Nacional Mayor de San Marcos. Habiendo orientado sus investigacio-
nes a la Historia Socio-Económica del Perú y Latinoamérica entre los
siglos XVI y XVIII; al Arte Popular Andino, y en torno a la Educación
Intercultural y Bilingüe del Ande peruano.

294
Este livro foi impresso pela Renovagraf
sobre papel Offset 75 g/m2,
para a Portal Editora, em outubro de 2015.

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