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Direção e espaço cênico do autor
Elenco:
Isa Kipelman, J. C. Violla, Alexandra Correa, Paulo Roberto Jantalia,
Roberto Arduin
Naum Alves de Souza. No natal a gente vem te buscar - Cópia digitalizada pelo GETEB -
Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Julho/2O11
GETEB – No natal a gente vem te buscar
PRIMEIRO ATO
I — A VIAGEM
Naum Alves de Souza. No natal a gente vem te buscar - Cópia digitalizada pelo GETEB -
Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Julho/2O11
GETEB – No natal a gente vem te buscar
Naum Alves de Souza. No natal a gente vem te buscar - Cópia digitalizada pelo GETEB -
Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro / UFSJ – Julho/2O11
GETEB – No natal a gente vem te buscar
à gente.
HOMEM — Bonito, isso.
SOLTEIRONA — Está vendo esse retrato? Foi o último que ele tirou com a gente. Eu
olho esse retrato e vejo nos olhos dele que sabia que ia morrer.
HOMEM — Não tinha cara de doente. Parece forte aqui na fotografia.
SOLTEIRONA — O senhor não conta para ninguém? Esse assunto a família pediu para
não comentar...
HOMEM — Não se preocupe. Se não quiser tocar no assunto... Mas se quiser,
também...
SOLTEIRONA — Olha, eu não sei como foi, o que ele fez, que voltou como voltou.
Um dia, eu até estava lá... foram uns homens na casa dele, reviraram tudo, levaram
umas coisas e, no dia seguinte, ele foi chamado para depor. Eu só sei que trouxeram
ele de volta morto. Falaram que foi ataque do coração... Nem deixaram abrir o
caixão. O enterro foi uma correria. Era tão forte, coitado, nunca teve nade...
HOMEM — E ficou por isso? Não contrataram um advogado para saber o que
aconteceu?
SOLTEIRONA — O meu pai já estava no hospital e morreu na mesma época, graças a
Deus sem saber de nada, coitado. Mulher não sabe lidar com essas coisas... E uma
vizinha falou que, se a gente fosse dar queixa, era perigoso fazerem o mesmo com a
gente... Nós fizemos tanta oração por ele, coitado...
HOMEM — E a senhora dele? As crianças?
SOLTEIRONA — A família dela deu um jeito e foram embora. Ela ficou de escrever,
dando o endereço mas nunca mais soubemos nem dela nem das meninas. Vai ver até
que já se casou de novol Ela tinha cara de quem ia fazer isso!
SOLTEIRONA — Olha aqui o retratinho delas. Às vezes eu fico pensando se nunca
mais vou ver as duas. Me corta o coração de saudade! Já devem ter crescido. Acho
que nem se lembram mais de mim... Criança é bicho ingrato, cresce e esquecei Que
soneiral Ainda falta tanto para chegar!
HOMEM — Dorme um pouco.
SOLTEIRONA — Já estou quadrada de tonto ficar sentada!
RUIDOS DE TREM / ESCURECE / SONS DE ESTAÇÃO / CLAREIA
II — NUMA ESTACÃO
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GETEB – No natal a gente vem te buscar
TIA — Ela disse que lá não tem espaço, que é muito apertado, você sobe como é a sua
prima...
SOLTEIRONA — Eu não ligo de ficar apertada, dormir junto, dormir na sala...
TIA — Você não liga, mas ela liga. É muito enjoada. Mas, no fundo, até que é boa,
coitada. Eu não posso reclamar porque ela tem me ajudado muito.
III — A CAMINHO
(A solteirona olho à sua volta, não querendo acreditar. Ouvem-se ruídos de chinelos
se arrastando, de velhos tossindo)
SOLTEIRONA — Não tinha lugar na casa dela, mesmo?
TIA — Foi como eu falei, minha filha...
SOLTEIRONA — Não sei como tiveram coragem.
TIA — No começo eu também não me conformava. Depois...
SOLTEIRONA — Eu Não posso acreditar. Parece que eu estou sonhando. Isso é coisa
de pesadelo.
TIA — Só que desse você não acorda. Eu, pelo menos, não acordei ainda.
SOLTEIRONA — Maldita hora em que eu sal da nossa cidade!
TIA — Você tinha como ficar lá? A casa era de vocês?
SOLTEIRONA — Não... Foi nossa. Mas o meu pai vendeu para pagar umas dividas e a
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gente morava lá ainda, de graça. O senhor que ficou com a casa, pelo menos
enquanto a mamãe era viva, nunca falou para a gente se mudar dela. Ainda era como
se fosse nossa.
TIA — Por que não ficou lá, não arranjou um emprego?
SOLTEIRONA — Eu até .neguei a falar nisso mas todo mundo achou que era mais
seguro para mim aceitar a ajuda dos parentes, até as coisas melhorarem... Eu falei que
ficaria morando num quartinho, que ajudaria nas coisas da casa, fazendo coisas para
fora...
TIA — Mas todo mundo ajudou você a ir embora, não foi?
SOLTEIRONA — Como é que a senhora sabe?
TIA — Nada... Esquece o que eu falei. Não fique triste. A gente ajuda os outros e uma
faz companhia à outra. Assim o tempo passa.
SOLTEIRONA — Passa, possa... até quando?
TIA — Vai passando... Eu estou esperando... (toca um sino) Vem almoçar, está na hora.
ESCURECE / RUÍDOS DE MÁQUINA DE COSTURA / CLAREIA
(A tia faz tricô. A solteirona vem cantando um hino protestante, com um monte de
roupinhas de criança)
TIA — É boa a máquina?
SOLTEIRONA — Oá para o gasto. Hz uma porção d roupinhas para levar ao orfanato
domingo. Uma vez, a minha mãe deu para os órfãos uma peça de flanela... Grua...
Ficou tão bonito! Todos iguaisinhosl
TIA — Se a máquina fosse melhpr, até eu poderia fazer alguma coisa. Mas essa al é
muito pesada'e as minhas varizes...
SOLTEIRONA — Mas a senhora não leu a carta que o meu irmão mondou?
TIA — Eu sei, você já leu para mim várias vezes.
SOLTEIRONA — Eu não falei para a senhora? Ele não é como os tios, os primos,.teus
filhos, teus netos... Ele respondeu a minha corta, mondou aquele cartão bacana para a
senhora. A senhora não leu? Ele vem, mas antes de vir vai mandar comprar uma
máquina de costura para nós. E nós vamos morar juntas. Ele sempre foi muito bom
comigo. Não tenho queixa.
TIA — Me faz um favor? Heim, me faz um favor?
SOLTEIRONA — Pois Não, tia.
TIA — Não fale mal-dos meus parentes, pelo menos nó minha frente?
SOLTEIRONA — Ai, tia, desculpe... É que...
TIA — Deles, eu é que tenho o direito de falar. Se você quer falar de alguém, fale de
gente de seu lado!
SOLTEIRONA — Eu estava só defendendo a senhora.
TIA — Não sou nenhuma aleijada! Não preciso de ajuda!
SOLTEIRONA — Eu não estou falando que a senhora é aleijada!
TIA — É a mesma coisa que tivesse falado.
SOLTEIRONA — Mas eu não faleil
TIA — Da na mesma!
SOLTEIRONA — A senhora quer saber de uma coisa?
TIA — Não foço a menor questão! (rasga o postal que o irmão mandou)
SOLTEIRONA — O cartão do meu irmão! (cata os pedaços) Eu vou escrever e vou
contar o que a senhora fez! Ninguém escreve mesmo paro a senhora... Agora é que
nunca mais ninguém escreve mesmo!
ESCURECE/CLAREIA
(as duas tricotam)
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SOLTEIRA — Credo, tial A senhora nunca viu pelo menos uma pretinha que fosse
direitinha?
TIA — Sá se nasceu mortal
ESCURO/SOM DE PROGRAMA DE RADIO EVANGÉLICO/CLAREIA
(As duas trabalham com bordados)
SOLTEIRONA — Fazia tempo que eu não ouvia rádio. Por causa do luto. Era chato
mas, quando eu ia na casa dos vizinhos, eles desligavam e até pediam desculpas.
TIA — Sua mãe gostava muito de rádio. Eu me lembro dela sempre trabalhando com o
rádio ligado. Da primeira vez que passou o Direito de Nascer foi uma beleza! A gente
nunca perdeu um capítulo! Três anos!
SOLTEIRONA — Eu sempre ouvi dizer que foi a coiso mais lindai
TIA — Teve um tempo que faltava força justo na hora da novela...
SOLTEIRONA — Pelo amor de Deus!
TIA — Mas eu, a sua mãe, a sua avó, íamos assistir dentro de um carro de praça de um
vizinho. Não perdemos um capítulo! No dia seguinte, um monte de gente ia na sua
casa para saber!
(A solteirona vai pegar o álbum no armário)
SOLTEIRONA — A senhora soube, não?
TIA — O que, minha filha?
SOLTEIRONA — Como foi que ela faleceu?
TIA — Soube assim por cima, coitada.
SOLTEIRONA — Coitada...
TIA — Sua mãe sofreu muito. Sempre se sacrificou para poder criar vocês.
SOLTEIRONA — Morreu sentadinho; igual a senhora está agora. Parece até que eu
estou vendai Estava boa, não tinha nada. Sempre, antes de ligar o rádio de noite, ela
fazia uma oração. É porque, às vezes, adormecia na cadeira... E sabe, ela sempre
ensinou que antes de dormir a gente devia dizer uma oração porque, se a gente morre
sem ocordar...
TIA— Foi o caso dela...
SOLTEIRONA — A oração era assim: "Agora eu me deito para dormir, guarda-me, ó
Deus, em Teu amor; se eu morrer sem acordar, recebe a minha alma, ó Senhor.
Amém." Eu faço até hoje, a gente nunca sabe... Ela não sabia.
TIA — Sofria do coração, não é? Se matou a vida inteira por vocês e pelo marido,
coitada. Era uma tonta! (a solteirona se enfurece quando ouve "tonta") Comigo foi
diferente. Meu marido Não me tinha de escrava dele! Por isso não aconteceu comigo
o que aconteceu com o sua mãe. Eu não fui tonta... Por isso é que ainda estou forte,
rija, aquil
SOLTEIRONA — "Aqui?" Grande coisa ficar forte, rija, num lugar destes!
TIA — Por que é que você está falando comigo desse jeito?
SOLTEIRONA — Tonta é a senhora, que o seu marido abandonou! Minha mãe não era
tonta! Não fale dela assim! Ela morreu, respeito! Deixe ela descansar! Ela não era
tonta! Tonta é c senhora! (sai)
ESCURECE/MÚSICA DE ANIVERSÁRIO/CLAREIA
(A tia se arruma junto do armário. A solteira vem de fora, lendo uma revista)
SOLTEIRA — Faz mais de um ano. que eu cheguei. Se eles vieram me visitar duas
vezes, foi muito. Eu é que não vou mais na casa da prima porque parece sempre que
a gente está estorvando!
TIA — Mas hoje a gente tem que ir porque é o aniversário da menina e não custa a
gente levar uma lembrancinha. Criança Não tem culpa de ter o pai e a mãe que tem.
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SOLTEIRONA — Eu, heim? Nem para os meus sobrinhos, que são meus sobrinhos, eu
mando nada, quanto mais para a filha do minha prima. Não estavam dizendo que a
senhora ia ser a madrinha? E foi? Foi?
TIA — Se você Não for eu vou ter que ir sozinha?
SOLTEIRONA — A senhora não sabe o caminho?
TIA — Sei muito bem... Mas não gosto de andar sozinha.
SOLTEIRONA — Por que? Tem medo do torado, é?
TIA — Eu vou contar para a sua prima.
SOLTEIRONA — Contar o quê?
TIA — Que você judia de mim.
SOLTEIRONA — Eu não judio de ninguém. Se a senhora quiser contar que conte. Eu
vou é continuar lendo a minha revista.
TIA — Eu vou sozinha.
SOLTEIRONA — Já vai tarde.
TIA — Eu sou um pouco surda, eu sei que é perigoso sair sozinha mas eu vou assim
mesmo.
SOLTEIRONA — Vai... Quer que eu abra a porta? Deixa eu continuar lendo a revista
que não consigo prestar atenção? Estou precisando trocar de óculos.
TIA — Eu não preciso de ninguém. Vou sozinha. Eu peço para alguém me ajudar a
atravessar alrua.
SOLTEIRONA — Vou experimentar os óculos da minha mãe, os que eram dela. A vista
dela era bem mais fraca que a minha. Como a minha já deve ter piorado, os óculos
devem estar ótimos.
TIA — Você vai ver uma coisa.
SOLTEIRONA — Não adianta a senhora me ameaçar que eu não vou. Ir, só para ser
maltratada, ter que ficar de empregada dela, ajudando a servir, lavando prato, copo?
Eu, heim? É para isso que da nos convidou. Não é pelos nossos lindos olhos.
TIA — Ela nunca fez diferença comigo. Se faz agora deve ser por sua coisa.
SOLTEIRONA — Para mim, tanto faz como tanto fez. Ela não é flor que se cheire. Eu
me lembro muito bem da primeira criança. Ela se casou em maio... E a criança
nasceu em setembro. Não deu nem para disfarçar que era de sete meses.
TIA — Isso é despeito!
SOLTEIRONA — Despeito, meu? É prima mas eu falo mesmo. Fez igual biscate! A
senhora não se lembra que todo mundo comentou que ela não devia ter se casado de
branco na igreja? Por mais que segurasse o buque no frente, não dava para disfarçar a
barriga!... Eu sentei bem na ponta do banco. Ela passou rente a mim e eu olhei bem.
Olhei mesmo. E olhei para ele também!
TIA — Eu vou lá agora e, se eu não morrer atropelada no caminho, vou contor tudo!
SOLTEIRONA — Conta também que ela ficou enjoada na festa... Precisou chamar
médico e tudo. Minha tia disse que foi por causa do rhampagne... Todo mundo
comentou. Foi um falatório que deu até vergonha!
TIA — Ela pode ter errado mas agora ninguém pode falar nem dela nem da casa delal
As crianças estão sempre que parece que saíram do banho... E você pode chegar a
qualquer hora que está tudo brilhando I
SOLTEIRONA — Já que a senhora está falando nisso, na última vez que estivemos lò
eu reporei mesmo! A cristaleira, por dentro, aquele luxo, aquela exibição. Eu
disfarcei que estava achando bonito um vaso e passei o dedo: estava tudo que era só
pó, só pó! Uma vergonha, um desleixo!
TIA — Eu nunca vi nada disso.
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SOLTEIRONA — Pior cego é o que não quer ver! E uma hora eu fui ao banheiro: tinha
um cocô boiando na privada! Eu quase vomitei!
TIA — Eu vou contar tudo. (Anda pela sala. Quer sair mas não tem coragem) Se você
não for comigo ela percebe que eu estou demorando, ela vem me buscar... Eu não
preciso de você.
SOLTEIRONA — Espere sentada que de pé cansa. (A tia muda várias vezes de lugar,
sempre incomodando a solteirona com o olhar) Vai, está bom, eu levo a senhora!
Mas até perto, só. A senhora entra e depois pede para alguém vir trazer.
TIA — E se perguntarem por você?
SOLTEIRONA — Dá qualquer desculpa. Fole que eu não estava me sentindo bem...
Que eu estavo indisposta...
TIA — Eu não gosto de mentir.
SOLTEIRONA — Tem mentira que não tem importância, que não é pecado. Vamos?
TIA — Se eu não precisasse não ia te pedir. Não gosto de incomodar ninguém... Se for
mesmo muito difícil, eu fico... Depois explico para ela...
SOLTEIRONA — Eu levo a senhora. Que é que eu posso fazer? Não custa. Não vai me
arrancar nenhum pedaço. Vamos?
TIA — Eu peço para da fazer um pretinho para você. (A solteirona dá de ombros e as
duas soem)
PASSAGEM DE TEMPO / ESCURECE / CLAREIA / SONS TIC TAC DE RELÓGIO
SOLTEIRONA — Até agora não voltou... Eu é que não vou ficar esperando... Não vou
mais ser burra de ficar preocupada com gente que não tem a menor consideração.
PASSAGEM DE TEMPO/ESCURECE/CLAREIA/CONTINUA SOM TIC TAC
SOLTEIRONA — Não chegou corta, não chegou dinheiro, o croché que eu fiz não me
pagaram... A tia não voltou e ninguém veio dar a menor satisfação... Que remédio?...
PASSAGEM DE TEMPO/ESCURE/CLAREIA/MÚSICA
SOLTEIRONA — E a tia que não volta? Tem dia que eu não a suporto mas é sempre
uma companhia... Ontem era dia de visita. Esperei, esperei... Minha irmã tinha
prometido que vinha. Coda carro que passava, coda õnibus, eu pensava que era da...
Esperei até de noite. Só se ela veio. passou na casa da prima e elas contaram o que eu
falei? E se contaram? Meu Deus! Ba não vai mais querer me ver. Não vem mais me
buscar. Vão contar poro o meu tio, para a minha tia... Eu não devia ter falada! Vão
me deixar sozinha. Acho que o tia nem vai mais voltar. Eu não quero ficar sozinha,
eu não quero morrer sozinha! (chora)
ESCURECE/ CLAREIA
SOLTEIRONA — E ogora? Não pensa mais? Que foi que aconteceu? (A tia vai tossir,
tem falto de ar, se contrai) Que é isso, meu Deus? O que é que o senhora tem, tia?
TIA — Por que é que Deus não me manda o morte?
SOLTEIRA — Que foi, tio? Que foi que eles te fizeram? Eu já estou até imaginando!
(A tia voltou. Trouxe um pretinho de doces embrulhado com um guardanapo)
TIA — Pensou que eu tivesse morrido?
(A solteirona nem responde, mal olha.)
TIA — Ficou com raiva?
SOLTEIRONA — Fiquei mas já passou. Estava bom lá?
TIA — Eu trouxe isso para você.
SOLTEIRONA — Se quiser, pode dar para os velhos. Eu não vou comer nada senão
depois eu não janto.
TIA — Sua prima mandou lembrança. Seu tio também.
SOLTEIRONA — Eles estiveram aqui? E por que não vieram me ver?
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SOLTEIRONA — Sumiu de novo. Devia ter alguém para cuidar dos velhos num lugar
como este. Já estou cansada de ficar procurando a minha tia ai pela rua! Todo dia ela
foge. Ah, eu quero é que ela se dane!
RUIDO FORTE DE UM CARRO QUE SE APROXIMA EM VELOCIDADE/
FREIA/BATE EM UM CORPO/GRITOS/GRITOS
SOLTEIRONA — Foi ela!
(A solteirona passa do desespero a um mutismo meio louco. Meio automaticamente,
pega sua mala. Parece que não raciocina)
ESCURECE LENTAMENTE/MÚSICAS INFANTIS QUE INTRODUZEM AO
CICLO DE MEMÓRIAS/CLAREIA AOS POUCOS/HÁ CORES NA
ILUMINAÇÃO/MUITO SUTIS
V — AS MEMÓRIAS DA INFÂNCIA
(O priminho morto: um bebezinho, filho de uma tia, viveu poucas horas e está sendo
velado na casa da família. Nem o pai, que sumiu, nem a mãe, que está agonizando no
hospital, estão presentes. Apenas um menino, o único irmão do bebé. Esse menino é o
"primo", que ficará nessa casa como "irmão de criação".)
(O irmão mais velho entra com o priminho. Tenta distraí-lo. Ele se recuso. Chega a
irmã, os deis cochicham até a entrada da futura solteirona)
SOLTEIRONA — Eu vi ele. Parecia que estava dormindo...
IRMÃ — A mamãe abriu o olho dele para eu ver. Era azul o olhinho.
IRMÃO — Diz que criança que morre assim é anjinho, ou vira anjinho. Eu não entendi
bem.
SOLTEIRONA — Sabia que batizaram ele?
IRMÃ — Para quê? Batizam criança morta?
IRMÃO — Eu só sei que se não batiza vai para o inferno.
SOLTEIRONA — Vira diabo. Morre pagão.
IRMÃO — Mas disseram que nasceu morto.
SOLTEIRONA — Viveu um pouco. Eu ouvi eles falando.
IRMÃ — Ah, quem vive um pouco, só um pouquinho, já faz pecado e precisa balizar
correndo!
IRMÃO — Você é batizada?
SOLTEIRONA — Eu sou. E você?
IRMÃ — Eu também sou. (ao primo) Você é?
PRIMO — Não, eu acho que eu não sou.
SOLTEIRONA — Não? E por isso que o seu irmãozinho nasceu morto!
PRIMO — Não, não é. Minha mãe chorou muito. Eu sei que ela chorou.
IRMÃ — Chorou de vergonha porque não te batizou.
PRIMO — Não fale assim da minha mãe?
IRMÃO — Teu pai não presta. Ele não dorme sempre na tua casa.
PRIMO — Porque que o meu pai não presta?
SOLTEIRONA — Porque o que ele fez com a tua mãe é pecado e é por isso que ela
chorou e é por isso que o teu irmãozinho nasceu morto. É porque ele fez com ela
coisa que é pecado.
IRM× Parece que a freira vai conversar com você...
PRIMO — Eu não quero.
SOLTEIRONA — Mas ela conversa, mesmo você não querendo...
IRMÃ — A gente te segura.
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IRMÃ — Todo mundo comenta que ele não gosta da sua mãe.
PRIMO — Gosta sim!
IRMÃO — E não gosta de você também! Nem liga!
PRIMO — Ele gosta de mim, sim. Gosta!
SOLTEIRONA — Por que, então, ele não está aqui, nem com você nem com o seu
irmãozinho?
IRMÃ — Pode ter acontecido um desastre. Dizem que ele bebe. Gente ruim morre de
desastre.
IRMÃO — Sabia que ele tem amante? Que tem até filho com outra mulher, uma mulher
que não vale nada?
SOLTEIRONA — Nem ele!
IRMÃ — Ele deve gostar mais do filho da outra mulher do que dele.
IRMÃO — Acho que é por isso que o irmãozinho dele preferiu nascer morto!
SOLTEIRONA — Fale a verdade: você queria mesmo ter um irmãozinho?
PRIMO — Queria.
IRMÃ — Mentira! Mentir é pecado, heim? Quem vai ficar morando aqui como nosso
irmão não pode mentir! Aqui ninguém mente. Precisa batizar logo esse menino!
IRMÃO — Se for verdade mesmo que você queria um irmãozinho, vá até à sala e olhe
bem para ele. Fale isso para ele, na cara dele!
PRIMO — Eu tenho medo...
SOLTEIRONA — Está vendo? É mentira sua. Se ele crescesse e mexesse nas tuas
coisas você ia bater muito nele, coitadinho. Você não respeita nem os mortos!
IRMÃ — Eu ouvi contar que um menino ganhou um irmãozinho e encheu a boca do
bebezinho de miolo de pão.
IRMÃO — Se a mãe dele não acudisse, o nenezinho ia morrer sufocado!
PRIMO — Eu nunca io fazer isso com o meu!
SOLTEIRONA — Ia, sim!
PRIMO — Não ia. Minha mãe falou que ia ser gostoso ter um irmãozinho!
IRMÃO — Ia mas Não vai ser mais. Nem bem nasceu já morreu, coitadinho.
IRMÃO — Começou a morrer na barriga dela.
SOLTEIRONA — Parece que, agora, ela também vai morrer, coitada. É quase certo. Já
está desenganada. Todo mundo ouviu, não ouviu?
IRMÃ — O pai dele já deve ter sumido com a outra mulher!
PRIMO — Eu quero ver o meu pai e a minha mãe!
IRMÃO — Vamos apagar a luz? Nós três ficamos bem juntinhos, bem agarrados, assim
não ficamos com medo!
OS TRES — (em algazarra) Apaga a luz! Apaga a luz!
PRIMO — Não apaga que eu tenho medo! Eu tenho medo!
OS TRES — Vai brincar com o teu irmãozinho lá na sala! Vai! Vai!
ESCURO/CLAREIA O CENTRO/PENUMBRA/MÚSICA
(O primo, sozinho, no escuro)
PRIMO — Estou morrendo de sono mas sei que não vou conseguir dormir... Estou
morrendo de vontade de fazer xixi mas a luz está apagada. Tenho medo de me
levantar e passar pela sala, perto do caixãozinho... Tenho medo de gente morta,
mesmo que seja o meu irmãozinho. Se eu acender a luz eles vão acordar. Vai acordar
todo mundo... Vão ficar bravos comigo. Por que o meu pai e a minha mãe não estão
aqui comigo? Eu não sei nem posso ir onde eles estão... Não pode ser verdade que a
minha mãe vai morrer e que o meu pai não gosta de mim... E que ele Não gosta da
minha mõe... Bes devem estar muito tristes por causa do meu irmãozinho. Não
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aguento mais de sono. Por que eu não durmo, acordo, e tudo está diferente e não é
mais nada disso?
ESCURECE/CLAREIA/MÚSICA
(Alguns dias mais tarde. As crianças brincam. O clima é alegre, malicioso, brincalhão.
Jogam com saquinhos de pano)
PRIMO — Agora é a minha vez.
IRM× Joga, ué, ninguém está te segurando.
PRIMO — Não precisa ser estúpida? Eu só falei que eu vou jogar.
IRMÃO — Joga logo, puxa vida!
SOLTEIRONA — Me dá os saquinhos? O papai faiou que não é para jogar a dinheiro,
heim?
IRMÃO — Não precisava nem falar. Ninguém tem dinheiro mesmo. Ele nunca dá...
IRMÃ — Que cheiro ruim! Alguém pisou!
IRMÃO — Pisou, é?
IRMÃO E PRIMO — (apontando principalmente para a irmã) BO LO FE DO RE BEN
TA O CÚ DE QUEM PEI DÓ!
SOLTEIRONA — Isso não se fala na frente de menina! Eu vou contar!
IRMÃ — Galinha que canta é porque botou ovo!
IRMÃO — Então foi você! Quem falou primeiro que alguém pisou foi você mesma!
IRMÃ — Não fui eu!
IRMÃO — (ao primo) Cheira para ver se não foi ela!
PRIMO — Deixa eu te cheirar para ver se não foi você?
IRMÃ — Eu te sento um tapa que você vai ver só, seu sem-vergonha!
IRMÃO — Cheira ela, cheira ela!
PRIMO — Eu cheiro mesmo!
SOLTEIRONA — Não deixa ele te cheirar!
IRMÃ — Não me cheira que eu te chuto a canela!
PRIMO — Eu te cheiro à força! (os dois meninos agarram e a viram de bruços)
IRMÃO — Cheira, cheira, cheira!
SOLTEIRONA — Larga ela, seu moleque da rua!
PRIMO — Eu cheiro, eu cheiro!
IRMÃO — Cheira logo senão ela vai dizer que não foi ela!
IRMÃ — Se você me cheirar ou te furo os olhos!
PRIMO — Eu cheiro, eu cheiro!
IRMÃO — Cheira depressa senão passa o fedor!
SOLTEIRONA — Eu vou contar para a minha mãe e ela vai te mandar para o orfanato!
IRMÃ — Isso mesmo. Lá é que é lugar de menino que não têm mãe!
(O primo corre para um canto e chora)
IRMÃO — Precisava falar isso? É pecado falar essas coisas!
IRMÃ — Quem mandou ele fazer isso com a gente?
SOLTEIRONA — Quem mondou ele ser sem-vergonha?
IRMÃO — Ele só estava brincando.
SOLTEIRONA — Isso é brincadeira? Então o que eu falei também foi brincadeira...
IRMÃO — Vocês são duas burras!
SOLTEIRONA — E você? Pensa que é mais inteligente só porque é menino, é?
IRMÃO — Penso sim. Penso mesmo! Menina é burra. Por isso é que eu Não gosto de
brincar com menina. Menina não pode nem relar. (Vai tentar consolar o primo)
PRIMO — Vai embora.
IRMÃO — Eu estou do teu lado.
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PRIMO — Eu também!
IRMÃ — Eu também! Mas nós não temos dinheiro... Mas você soube porque ela fez
isso? Não é pecado? Que eu saiba, é.
IRMÃO — Eu só soube isso. Não consegui saber o resto.
(O primo manifesta vontade de fazer xixi. Vai saindo quando vê que a solteirona se
aproxima. Volta correndo)
PRIMO — Olha ela!
IRMÃO — Já veio espiar, é? Ninguém está fazendo nada para você contar, sua
linguaruda.
SOLTEIRONA — Está bom. Se vocês quiserem, eu posso ir embora. Já. Só que eu não
conto uma coiso que eu sei...
IRMÃ — Que me importa... Pode ir...
PRIMO — Que é que você sabe que nós não sabemos?
SOLTEIRONA — Vocês não queriam que eu fosse embora? Eu vou. E vocês ficam sem
saber. Se eu não contar, quem é que vai contar? Eles? Ha, ha, ha! Precisei me agachar
atrás da cristaleira para ouvir tudo. E ouvi coda coisa!
(A irmã e o primo não se contêm de curiosidade. O irmão ainda não quer dar o braço o
torcer e os contem. A curiosidade vence)
IRMÃO — Está bom. A gente deixa você ficar aqui. Mas só se contar tudo.
IRMÃ — E jurar que não conta nada mais da gente.
PRIMO — Conta logo. Por que a tia Rosa tomou formicida com guaraná?
SOLTEIRONA — Eu não sei se eu devo contar... Coitada da Rosa... Eu acho que eu não
devo... Essas coisas a gente não deve ficar comentando...
IRMÃ E IRMÃO — Conta de uma vez!
SOLTEIRONA — Sabem por quê? O mecânico da oficina, perto da casa dela, fez mal
para ela!
(Espanto geral, menos do primo, que Não entendeu)
PRIMO — Bateu nela?
(As duas se entreolham achando-o criança demais)
IRMÃO — (puxando o primo para o lado) "Fez mal". Eu sei o que é isso quando falam
para a gente Não perceber. Eu Não sou bobo. (Descreve, com gestos cómicos,
grotescos, infantis, uma relação sexual)
PRIMO — Meteu nela? Eu não sabia que falavam assim! (os dois riem)
SOLTEIRONA — Acabaram? Posso continuar?
IRMÃ — Vai, conta!
SOLTEIRONA — Daí, ela começou a enjoar, e vomitar, foi ao médico e ele disse que
ela estava esperando nenê!
IRMÃ — Sem casar? Como pode?
SOLTEIRONA — Diz que o mecânico é casado!
IRMÃ — Ela tinha mesmo que se matar!
SOLTEIRONA — E pode ser pecado, mas que remédio? Qual pecado deve ser maior?
Se matar ou arranjar nenê sem se casar?
IRMA — Eu quero me casar na igreja, direitinho. Eu nunca vou fazer como a tia Rosa!
Eu, heim?
SOLTEIRONA — Eu também. Que Deus me livre e guarde!
IRMÃO — Eu nunca vou fazer uma coisa dessas com uma moça se ela for direta!
PRIMO — Nem eu!
ESCURO / MÚSICA / A ILUMINAÇÃO MUDA PARA O CICLO DA
ADOLESCÊNCIA
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VI — MEMÓRIAS DA ADOLESCÊNCIA
(Os dois meninos vestem suas roupas de rapazes à vista do público. O irmão pego uma
revista de mulher pelada e o primo, uma camisinha de vénus. Enche-a de ar e faz
brincadeiras meio grossas. A solteirona se aproxima.)
SOLTEIRONA — Que bexiguinha é essa? Parece criança... (o irmão fica bravo de ele
mostrar aquilo à irmã e os dois saem se estapeando. A solteirona, de vestido
domingueiro, olha-se no espelho, aumenta o peito, espreme espinhas, decepciono-se
com a própria figuro. Chega a irmã, quase sexy, meio uma caricatura de vamp de
cinema, só que ingénuo. Tenta fazer um penteado. A solteirona a copia)
IRMÃ — Para de me copiar?
SOLTEIRONA — Eu não estou copiando.
IRMÃ — Está fazendo o mesmo penteado que eu.
SOLTEIRONA — Não estou.
IRMÃ — Por que é que tudo que eu faço você quer fazer igual?
SOLTEIRONA — Não foi você que inventou esse penteado... Isso é penteado de artista
de cinema... Saiu na revista e você está copiando.
IRMÃ — E o que é que você tem a ver com isso?
SOLTEIRONA — Vai encontrar seu namorado, é? IRMÃ — Não preciso dar a menor
satisfação.
SOLTEIRONA — Eu já sei de tudo.
IRMÃ — Não dá para você ir ver se eu estou na esquina?
SOLTEIRONA — Não muda de assunto, não. Eu vi vocês dois... Você conhece o primo
dele?
IRMÃ — Não sei do que você está falando.
SOLTEIRONA — Não se foça de besta. Você sabe muito bem. Me faz um favor?
IRMÃ — Que é que você está querendo?
SOLTEIRONA — Você pode entregar um bilhete para mim? Não custa.
IRMÃ — Para quem? Que é que você está tramando?
SOLTEIRONA — Eu não estou tramando nada. Além de ser sua irmã, só estou
querendo que seja minha amiga...
IRMÃ — Não seja falsa?
SOLTEIRONA — Não pense que eu estou tentando roubar o seu namorado.
IRMÃ — Bem que tentou.
SOLTEIRONA — Eu, heim? Você é que toma tudo que eu tenho. Não quero nem ver o
seu namorado. Tenho nojo dele!
IRMÃ — Para quem é, então, o bilhete?
SOLTEIRONA — Para o primo dele.
IRMÃ — Posso saber do que se trata?
SOLTEIRONA — Deixe de ser indiscreta? Sua blusa estava rasgcda, toda suja de
grama...
IRMÃ — Do que é que você está falando? Eu caí na grama do jardim.
SOLTEIRONA — Não se faça de santa? Caiu sozinha, é? Pensa que todo mundo é
cego? Eu, que sou eu, vi. Se o papai souber, te mata, menina!
IRMÃ — Você já contou?
SOLTEIRONA — Não, ainda não... Mas...
IRMÃ — Onde está o bilhete? Falsa, invejosal Se você não fosse minha irmã!...
SOLTEIRONA — Entregue para o primo dele. Se eu souber que você abriu e leu, vai
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ter!
IRMÃ — Qualquer dia eu ainda bebo formicidal
SOLTEIRONA — Pode beber. Eu Não estou brincando. Se esse bilhete Não chegar, vai
ter! Eu pequei a tua blusa. Se tudo der certo, eu costuro o rasgado e dou uma lavada.
Se não der, a culpa é sua!
ESCURO/MUSICA / CLAREIA / SOM DE FUTEBOL DE RADIO
(Os dois rapazes. O primo vê a revista de mulher nua. O irmão chega.)
IRMÃO — A mamãe mandou avisar que amanhã começo a reforma da casa. NÓs dois
vamos ter que sair do nosso quarto.
PRIMO — Isso é sacanagem com a gente.
IRMÃO — Por enquanto vomos ficar no quarto das meninas.
PRIMO — Só faltava essa!
IRMÃO — Não gostou? Então vai dormir na rua, ninguém está te segurando.
PRIMO — Vai morder teu pai no bunda, vai.
IRMÃO — Em vez de ficar aí resmungando, vai é tratando de tirar aquelas revistinhas
de sacanagem de baixo do colchão.
PRIMO — E as duas! Não me diga que vamos ter que dormir com elas no mesmo
quarto?
IRMÃO — (dando banana) Aqui para elas! Por enquanto vão dormir na sala. Já deu a
maior encrenca por causa disso, ralaram que a gente é que devia ficar na sala.
PRIMO — Como? Já pensou nós dois dormindo na sala e acordando de manhã naquele
estado, com vontade de mijar, e ter que passar na frente de todo mundo, disfarçando?
Mulher não tem esses problemas. Barraca armada não é fácil.
IRMÃO — Uma vez me aconteceu isso. A besta da minha irmã ficou perguntando,
insistindo, querendo saber por que é que eu estava segurando o travesseiro na frente.
PRIMO — Um dia ela me viu assim e foi contar para o seu pai que eu estava fazendo
sacanagem. Eu estava quase estourando!
IRMÃO — Isso é estória para boi dormir. Você não é nenhum santo. Não vem que não
tem.
PRIMO — São gozados vocés! Tudo de ruim que acontece nesta casa eu é que sou o
culpado. Deixa, qualquer dia eu vou-me embora. Não me importo de trabalhar para
me sustentar. Não tenho mãe... Meu pai nunca quis saber de mim... Não tenho nada a
perder.
IRMÃO — Não precisa ser tão "dramática" desse jeito?
PRIMO — Vai tomar no cú!
IRMÃO — Vai você. Você está sendo mal agradecido.
PRIMO — Vou ter que ficar agradecendo a vida inteira?
IRMÃO — Então vai procurar o seu pai, vai morar com ele e com aquela vaca!
PRIMO — Eu já pedi para você não tocar mais nesse assunto. E, por falar em vaca,
como vai a sua tia?
IRMÃO — O que é que tem a minha tia? Ela é minha tia, irmã do meu pai, é diferente.
PRIMO — Não sei por que defender tanto assim a sua tia. Todo mundo sabe que ela...
(gestos)... Só porque é sua tia?
IRMÃO — Quando for falar da minha tia, pense antes no santo do teu pai.
PRIMO — Meu pai é homem, é muito diferente, (o irmão pega a revista de mulher nua)
IRMÃO — Ainda bem que a gente nasceu homem. Homem pode fazer o que quiser que
não tem nada demais.
(O primo pensa, observa e)
PRIMO — Escute uma coisa: o que é que você faria se pegasse a sua irmã com um
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cara?
IRMÃO — A minha irmã, aliás, as minhas irmãs, nunca iam fazer uma coisa dessas!
PRIMO — Só porque você quer.
IRMÃO — Vai tomar no cu, antes que eu me esqueça. E se eu pegar uma delas com um
cara, eu mato os dois!
PRIMO — Machão!
IRMÃO — Cala a boca, viadinho!
PRIMO — Olha aqui o viadinho!
IRMÃO — Ainda bem que ninguém ficou sabendo que você comeu a empregada.
PRIMO — Você também comeu. Não pode falar nada.
IRMÃO — Eu só comi depois que você falou. Eu nem sabia que ela dava. Mas quem
comeu primeiro foi você.
PRIMO — Mos que comeu, comeu. (Ouvem-se gritos. As meninas brigam)
IRMÃO — Claro. Senão você ia dizer que eu não era homem.
PRIMO — O pau está comendo — (Entram as duas. A irmã está possessa com a
solteirona. Os meninos caçoam, fazendo caricatura da briga. São expulsos sob a
ameaça de umas sapatadas)
IRMÃ — Tinha que contar, tinha?
SOLTEIRONA — Eu não falei nada. Eu sã comentei que a sua blusa estava rasgada. O
papai é que quis saber... Mas eu só falei mesmo que você estava acompanhada. Acho
que eu não falei nada de mais nem de menos. Tudo que acontece nesta casa eu é que
sou a culpada. Eu não pedi para nascer! Por que não me afogaram quando eu nasci?
IRMÃ — Bem que você merecia. Invejosa, hipócrita, mentirosa!
SOLTEIRONA — Que é que você fez do bilhete?
IRMÃ — Dei para ele entregar ao primo.
SOLTEIRONA — E ele? Entregou?
IRMÃ — Na minha frente.
SOLTEIRONA — E leu, na frente de vocês?
IRMÃ — Só na minha.
SOLTEIRONA — E o seu namorado?
IRMÃ — Nós terminamos tudo. A gente não tinha mesmo nada em comum.
SOLTEIRONA — E depois que ele leu? Mandou resposta?
IRMÃ — Não. Vamos mudar de assunto que eu tenho que estudar? (A solteirona pega-
a pelo braço) Acho que eu não nasci grudada com ninguém.
SOLTEIRONA — Que foi que ele comentou com você?
IRMÃ — (cantarolando) Diga que já não me quer / Negue que me pertenceu...
SOLTEIRONA — Tem coisa... Que é que ele fez depois que leu o bilhete?
IRMÃ — Quer saber mesmo? Me pediu em namoro.
SOLTEIRONA — E você? Não aceitou.
IRMÃ — Fiquei de dar resposta...
SOLTEIRONA — E eu?
IRMÃ — Eu perguntei... Ele disse que não queria nada com você.
SOLTEIRONA — Mentirosa! Você toma de mim todos os namorados, sempre estraga
tudo! Ladrona!
IRMÃ — Sobe o que ele dise? Que você é que vive atrás dele. Que já falou, mandou
recado, que não quer nada. Que é que eu posso fazer se ele está mais interessado em
mim que em você?
SOLTEIRONA — Você falou mal de mim.
IRMÃ — Eu? Até te defendi. Ele que falou que você é chata, que fala muito...
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IRMÃ — Depois do que você faz com a gente, ainda tem cara para pedir isso? Nem
pensei -
SOLTEIRONA — Eu tenho medo.
IRMÃ — É porque tem a consciência culpada de tanta ruindade.
SOLTEIRONA — Deixa?
IRMÃ — Não.
(A solteirona fica só, morta de medo. Olha, de longe, todos os cantos, debaixo do
crmário; tira um cobertor da gaveta. Cobre-se inteira e adormece sentada.
Sorrateiramente, aparecem o primo, o irmão e a irmã. O irmão, nu, enrolado numa
toalha, fica bem em frente dela. O primo vai por trãs. Gritam).
IRMÃ E PRIMO — Acorda! Olha o tarado! Cuidado que o tarado te pega!
(A solteirona berra, e os três saem correndo. Dramática, vai ao espelho, contemplo-se
com exagerada auto piedade).
SOLTEIRONA — O dia em que eu amanhecer morta vocês vão chorar e sentir a minha
falta. Vão ver o quanto dói uma saudade!...
ESCURECE / MÚSICA
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SEGUNDO ATO
(Um domingo, alguns anos mais tarde. A irmã se casou e mudou. O irmão arranjou um
emprego e foi embora para algum país estrangeiro. Os pais jó não são moços. O primo,
já adulto, ainda mora em casa. Está para se casar. A solteirona continua meio infantil.
Nem pensa mais em se casar. É hora de almoço, daqueles enfadonhos, domingueiros,
uma rotina, logo após o culto protestante. A solteirona arruma a mesa. O primo entra
ouvindo um jogo de futebol num rádio de pilha.)
SOLTEIRONA — Eu já falei para você desligar esse rádio. Estou avisando para o seu
bem. Parece que falei para a porta. Depois ele vem e desliga e você acha que todo
mundo está sempre contra você. Sorte deles que já não moram nesta casa... Só
sobromos nós dois.
PRIMO — Será que Não dá para você folar menos que eu estou ouvindo o jogo? Com
você falando feito matroca eu Não entendo nada. Deixa ele desligar. Ainda não
chegou da igreja... Sempre fica mais um pouco conversando com aqueles velhos
chatos.
SOLTEIRONA — Você não pode me ajudar a pôr a mesa?
PRIMO — Que saco! Com duas mulheres nesta casa eu é que tenho que ajudar?
SOLTEIRONA — Por que você não paga uma empregada para ajudar a mamãe?
PRIMO — Está bom, eu ajudo, soco!
(O pai chega da igreja, com a Bíblia na mão. A primeira coisa que faz é desligar o
rádio e levá-lo. Sai)
SOLTEIRONA — Eu não disse?
PRIMO — Daqui a pouco eu vou ter a minha casa, ouvir o rádio na hora e na altura que
eu quiser!
SOLTEIRONA — Você sempre foi um mal agradecido de marca maior.
PRIMO — Não precisa me jogar isso na cara de novo. Eu sei bem o meu lugar. Não
esqueço.
SOLTEIRONA — Acho bom mesmo.
PRIMO — Você tem uma ruindade! Acho que é por isso que não arruma namorado.
SOLTEIRONA — Não arrumo porque todos só querem se aproveitar. E depois, você
não tem nada com isso e cala a boca!
PRIMO — Cala a boca já morreu, quem manda no minha boca sou eu! (A mãe chega,
atraída pelos gritos)
MÃE — Se o seu pai ouve vocês brigando vai dar encrenca. Depois reclamam.
PRIMO — Ele não é o meu pai.
MÃE — É como se fosse, seu mal agradecido.
PRIMO — A senhora está sempre do lado dele.
SOLTEIRONA — Sempre contra a gente.
PRIMO — Quem diria? Até que enfim você está do meu lado! Está sempre contra...
Não precisa me puxar o soco!
(A mãe olho feio, censurando, e sai)
SOLTEIRONA — Vê se respeita a sua mãe?
PRIMO — A minha mãe morreu. Ela não é minha mãe.
SOLTEIRONA — É como se fosse, seu mal agradecido.
PRIMO — Você fala igualzinho o ela!
SOLTEIRONA — Eu posso. Ela é minha mãe... (A mãe volta)
MÃE — Fiquem quietos os dois que o seu pai vem vindo. Vocês sabem que ele não
gosta de briga na mesa. Mesa é lugar de comer, é sagrada.
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SOLTEIRONA — Falei para ele passar de noite. Por que ele não veio jantar ontem?
MÃE — Eu perguntei, ele não quis falar... eu não sei o que está acontecendo.
SOLTEIRONA — Vão prender ele? Ele fez alguma coisa?
MÃE — Eu não sei o que está acontecendo.
SOLTEIRONA — A senhora acha que ele vem para o jantar?
MÃE — Eu não sei... Ontem, depois que vocês foram dormir, ele se levantou e saiu.
SOLTEIRONA — E a senhora deixou? Nem perguntou onde ele ia?
MÃE — Ele anda mudo... Quando eu perguntei, Não quis responder... Foi tão bruto
quando o agarrei... Me deu um empurrão que cai no chão. Ficou até uma mancha
roxa na perna.
SOLTEIRONA — Por que a senhora não chamou o gente?
MÃE — Vocês jó tinham apagado a luz.
SOLTEIRONA — E a senhora ficou sozinha? Por que não me chamou? Eu dormia
junto com a senhora...
MÃE — Eu pensei que ele ia voltar e fiquei esperando.
SOLTEIRONA — E não dormiu enquanto ele Não chegou?
MÃE — Ele Não chegou... (Chora baixinho)
SOLTEIRONA — Mãe, escuta uma coisa... (a mãe olha no vazio) Mamãe, escuta uma
coisa que eu quero dizer para a senhora, (a mãe continua na mesma) Eu vou contar
uma coisa boa, para a senhora ficar alegre e esquecer tudo isso, escuta? (a mãe
começa a soluçar) No que é que a senhora está pensando?
MÃE — (o primo está entrando) Ele me chamou de cadela... Eu não fiz nada para ele...
Me chamou de cadela... (abraça-se ao primo e depois sai)
SOLTEIRONA — Estou com pena da minha mõe. Não sei o que está acontecendo com
o meu pai... Não sei o que fazer. Parece que Deus se esqueceu da gente. Não sei o
que vai ser de mim...
PRIMO — Eu te levo para morar comigo, ninguém vai te abandonar. Não chore, que
nós dois precisamos ser fortes agora. Seguro na minha mão, segura. As coisas vão
melhorar, tudo passa.
SOLTEIRONA — Você agora vai casar, abandonar a gente... Casa mesmo, bobo, não
voi fazer como eu que fiquei para titia.
PRIMO — Eu Não vou abandonar ninguém, nós vamos alugar uma casinha aqui perto.
SOLTEIRONA — Vocês vão dar festa?
PRIMO — Com o dinheiro de quem? Seu?
SOLTEIRONA — Mas não dizem que a família dela é de gente mais ou menos?
PRIMO — Mais pora menos que pora mais.
SOLTEIRONA — Você devia ter arranjado uma noiva rica, pelo menos mais
remediado.
PRIMO — Eu gosto dela. E ela de mim.
SOLTEIRONA — Só amor não enche barriga.
PRIMO — Pode deixar que eu encho a barriga dela.
SOLTEIRONA — Sem vergonha!
PRIMO — E a sua barriguinha, já desistiu de encher?
SOLTEIRONA — A esperança é sempre a última que morre, Não é? (os dois estão
rindo quando o pai entra, meio desesperado e a tensão volta. Ela sai. O pai pega uns
papéis, documentos, no armário e procura aflito alguma coisa. O primo, cauteloso,
se aproxima)
PRIMO — A gente precisava conversar.
PAI — Agora, não.
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outros tombem pensam assim. Sempre achávamos que ele não gostava da gente.
MÃE — Mas ele gosta, eu sei. E o jeito dele...
PRIMO — E a senhora? Não foi difícil viver com ele?
MÃE — Como, assim, difícil?
PRIMO — Difícil... Ele não é de faiar muito, não leva a senhora a lugar nenhum, não dá
presentes... Eu nunca vejo ele sendo carinhoso...
MÃE — Mulher é que é mais carinhoso, homem não precisa... Acho que não fica bem...
PRIMO — E a senhora não sente falta dessas coisas?
MÃE — Eu acho que já me acostumei... E, que é que eu posso fazer? Se eu escolhi
casar com ele, tenho que ficar com ele.
PRIMO — (um tristonho sorriso) Eu vou me encontrar com ela na telefónica. Já volto.
Por que a senhora não se deita um pouco?
MÃE — Eu vou ficar esperando por ele. Vai. meu filho, vai. (O primo sai, o mãe vai
para dentro mas volta. O pai chega)
PAI — Por que você não foi se deitar ainda?
MÃE — Eu não consigo dormir enquanto tem algum na rua.
Pai — Eles já dormiram?
MÃE — Onde você estava?
PAI — Em nenhum lugar.
MÃE — Está bom, então...
PAI — Não preciso ficar desconfiada que eu não estava em casa de mulher da vida.
MÃE — Se você foi, ou for, algum dia, eu gostaria de não ficar sabendo. Nem que as
crianças soubessem...
PAI — Eu quero morrer...
MÃE — Não presta falar assim. Não chega o que nós já estamos passando? (A conversa
para com a passagem do primo e a solteirona que estão voltando da televisão. Vão
para dentro)
MÃE — Eu tenho alguma culpa disso tudo que está acontecendo?
PAI — Você não tem culpa de nada. A culpa é minha. Eu é que sou o culpado. Eu
queria melhorar, ganhar mais, dar mais conforto paro vocês...
MÃE — Eu nunca quis nada mais do que o que você me deu. Para mim estava bom...
Deus me perdoe, mas parece que você passou a gostar mais do dinheiro que dos
filhos... Para mim eu não reclamo nada, falo mais pelas crianças...
PAI — Ninguém é mais criança nesta casa. Uma já se casou, o outro arranjou aquele
emprego e foi para o estrangeiro... Nenhum dos dois se lembra de nós. Se gostassem
do pai e da mãe, Não teriam saldo de casa, estariam aqui ajudando.
MÃE — Bem que eu gostaria que ficassem sempre juntos, todos... Quando um filho
cresce não é mais da gente, não dá para segurar. Mos esses dois ficaram... Você não
se preocupa com ela? Nunca deixou a coitada namorar e agora não vai mais arranjar
casamento. Eu me preocupo muito, você nem liga.
PAI — Foi bom ela não ter se casado, assim você não fica sem companhia.
MÃE — Eu nõr leria que filho meu só servisse pora isso. Você parece que não gosta
deles, nunca teve paciência... Nunca vi um deles conversando com você, recebendo
um agrado seu...
PAI — Eu nunca tive tempo para essas coisas, trabalhei desde menino. Meu pai e minha
mãe também nunca tiveram tempo para isso.
MÃE — Então, por que tivemos filhos?
PAI — Todo mundo não tem?
MÃE — Eu nom sei o que falar... Se eu puder ajudar em alguma coisa... (Longa e
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II — ENVELHECIMENTO / VELHICE
(Enquanto se ouve a música, oções mudas mostram o primo saindo de casa, para se
casar e a rotina da família. Os pais, já bem mais velhos, ele bem abatido. A solteirona
ainda é quase a mesma.)
(Despedida do primo: Solteirona faz a mola. Ele chega, os dois se abraçam
demoradamente. A mãe vem chegando, omparandd o pai. Bênçãos e abraços. A mãe lhe
ajeita o paletó e o colarinho. Um novo e desajeitado abraço no pai. A solteirona não
quer se despedir, muito comovida. Ele sai e eles se acomodom na sala. O pai lé sua
Bíblia, cochila. As duas bordam, tricotam.)
ESCURECE / CLAREIA
UMA VISITA DO PRIMO
MÃE — Mas olha só quem está ali.
SOLTEIRONA — Quem é vivo sempre aparece.
PRIMO — Nunca vi uma pessoa com tanta frase na boca! A bênção...
PAI — Deus te abençoe.
PRIMO — A bênção.
MÃE — Deus te abençoe. Que cara mais cansada! Você já está bonzinho, sarou da
gripe? E a sua mulher? Está boa?
PRIMO — Está boa. Mandou um beijo para a senhora. Para você também.
SOLTEIRONA — Hum...
MÃE — E as crianças? Já faz tempo que elas não veem ficar aqui com a gente.
SOLTEIRONA — É mesmo. Por que você não trouxe elas com você?
PRIMO — Por que vocês não vão lá?
SOLTEIRONA — Me desculpe, mas a última vez que eu fui lá ela me 'tratou com o
maior pouco caso.
MÃE — Seu pai até reclamou que ela não serviu um café!
PAI — Eu não reclamei de nada.
MÃE — Reclamou sim. Agora, na frente dele, você Não tem coragem de repetir! Meu
filho, dá uns conselhos para ela, fala com jeito que eia ouve...
PRIMO — Conselho para quê? Aconteceu alguma coisa?
MÃE — Eu não gosto de me intrometer mas... eu estou falando é para o seu bem... pede
para ela tirar melhor o pó da casa, para vestir melhor aquelas criancinhas, coitadas...
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SOLTEIRONA — Como coisa que adianta a gente falar. As duas coitadinhas, tão
bonitinhas! Também, puxaram por você, puxaram o nosso lado. Pareciam umas
judiadas saíram para passear com umas roupinhas mulambentas, mal passadas...
Fiquei com pena de você.
PRIMO — É o jeito dela. Para mim está bom como está. (para o pai) O senhor sabe que
quando eu chego do serviço para jantar, já está tudo na mesa, quentinho, gostoso...
Eu janto e saio correndo para a faculdade.
SOLTEIRONA — Parece que ela não gosta muito dessa faculdade.
PAI — Vocês não podem por ar de fofocor? Têm que ficar enchendo a cabeça do rapaz?
PRIMO — (preocupado) Que foi que ela comentou da faculdade?
SOLTEIRONA — Reclamou que você só fica indo em reunião, reunião... Olho, eu só
estou repetindo o que ela me falou... Não quero fazer fofoca. Disse que é um tal de
gente te telefonando pora marcar reunião, que você chega tarde todo dia, que não
quer que ela arrume os seus livros, que tranca suas coisas, que não conta para ela que
tanta reunião é essa.
MÃE — Olhe bem, meu filho, com quem você está andando. O mundo está sempre
tentando a gente. Cuidado com as más companhias.
PRIMO — Não se preocupe, eu vou conversar com ela. (Levanta-se para sair,
bruscamente, deixando-os meio desconcertados)
SOLTEIRONA — É verdade que está cheio de comunista na faculdade?
PRIMO — Você sabe o que é comunista?
SOLTEIRONA — Não sei nem quero saber. Já sei que é coisa ruim.
PRIMO — Então não fique falando à toa? E eu não sou comunista.
SOLTEIRONA — Pelo amor de Deus, não vai contar para ela que eu te contei, heim?
PRIMO — Tenho que ir embora. Tchau para vocês. Qualquer hora eu passo aí... (Está
se despedindo quando a mãe se lembra:)
MÃE — Ah, meu filho, eu estava me esquecendo... Veio um homem te procurar... Um
homem de terno. Perguntei se ele queria deixar recado mas ele disse que queria falar
pessoalmente.
PRIMO — Que mais?
MÃE — Daí ele me mostrou um papel com os nomes de todos os seus amigos e me
perguntou se eu conhecia. Como eu conhecia todo mundo... (O primo emudece. O pai
adormece na cadeira, deixa cair a Bíblia. A mãe e a solteirona o acodem. O primo
sai. As duas conduzem o pai para fora)
ESCURO / MÚSICA / ILUMINAÇÃO CENTRAL
III
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pai, quer dizer, o meu tio, está no hospital e, a qualquer hora, pode chegar uma má
noticia. Ninguém da família pode ficar com ele... porque está na enfermaria
coletiva... e só pode ser visitado no horário... A visita é semanal e só podemos saber
dele por uma enfermeira nossa conhecida. Ele chorou muito quando eu fui vê-lo. A
dor da doença é pouco perto da solidão, da tristeza, da saudade que ele sente. Nunca
me senti tão próximo dele quanto desta vez. Foi duro fingir ânimo e não chorar
muito... não contar tudo que eu estou passando. ele está esperando a morte, até
desejando isso, ele mesmo falou. A pobreza não deixou de acompanhá-lo nem na
velhice. Se eu pudesse, ficaria ao menos num quarto particular. Tenho medo que o
procurem para saber de mim. Jamais entenderá. Talvez até pense que cometi algum
crime. Mas eu tenho uma fé muito grande: se me acusarem de alguma coisa, ele vai
me defender! Vai agir apenas com o coração e me defenderá com todas as suas fracas
energias. Pode morrer de desgosto, mas de meu lado! Não quero que o maltratem
nem que o humilhem. Eu nunca acreditei nisso mas, agora, nesta hora de medo,
chego a desejar a ajuda de Deus, desse Deus que eles acreditaram durante toda a
vida... e que parece estar acertando as contas comigo. Que medo eu sinto deste
escuro, desta noite que está chegando ao fim. Nunca mais vou poder dormir, o sono
me abandonou. Quando fecho os olhos só sinto medo. Um dia, quando minha mãe
morreu e meu pai sumiu, eu chorei porque estava me sentindo muito sozinho. Havia
muita gente no mesmo quarto mas ninguém me servia de companhia. Aquela noite
que eles me deixaram ficou muito comprida...
ESCURO / TERMINOU A SEQUENCIA DE MEMÓRIAS / MUDANÇA DE
ILUMINAÇÃO
IV
(Num hospital. Cansaço. O irmão e o irmã, adultos, estão com a solteirona. Vieram,
foram obrigados a vir. A solteirona está adormecida, tomou muitos tranquilizantes.)
IRMÃ — Você tomou café?
IRMÃO — Tomei.
IRMÃ — Não quer descansar um pouco? Eu posso ficar com ela, não consigo mesmo
dormir.
IRMÃO — Eu também não. Não consegui dormir nem no avião. Só pensava nela. Senti
muita saudade... Você pode entender? Nunca nos demos bem. Achei que iria
encontrá-la morta, que você estivesse escondendo alguma coisa...
IRMÃ — Ainda bem que você não viu o estado dela na delegacia: louca, suja,
desgrenhada... Chorei de pena, de vergonha, de raiva... Fiquei com vergonha de
admitir que ela era minha irmã...
IRMÃO — Eu sou um merda. Ela te reconheceu logo?
IRMÃ — Na hora. Se agarrou em mim com. uma força! Estava tão suja, com tanto
medo, coitada...
(A solteirona começa a se mexer, pedindo água)
SOLTEIRONA — Água, me dá águo...
IRMÃ — Ela está acordando. Pegue água para ela.
SOLTEIRONA — Eu quero água...
IRMÃ — Ele foi buscar. Você está com sede?
SOLTEIRONA — Eu estou com sede. Eu quero água...
IRMÃO — Erga um pouco a cabeça dela. Tome devagar.
ESCURO / SOM DE TIC TAC DE RELÓGIO / CLAREIA
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(Pequena passagem de tempo. A solteirona, mais animada, está feliz com a presença
dos irmãos.)
SOLTEIRONA — Como é bom ver vocês.
IRMÃ — Você estava com saudade?
SOLTEIRONA — Eu pensava que nunca mais ia ver ninguém. Pensava que não
queriam mais me ver...
IRMÃO — Nada disso, É que eu estava morando muito longe, você sabe.
IRMÃ — E eu estou sempre muito ocupada com meu marido, meus filhos...
SOLTEIRONA — Que bom, meu Deus, que bom que vocês voltaram. Eu tinha tanta fél
Nunca perdi essa fé. Eu tinha uma esperança, uma certeza, que um dia a gente ia se
juntar de novo para nunca mais se separar. (O irmão e a irmã, incomodados pelo que
ela falou, desvencilham-se do abraço). Por que vocês não estão contentes? Eu não
aguentava mais ficar longe de vocês, da minha família. Deus é grande, nos juntou de
novo. Agora eu vou poder ter de novo aquela coisa bonita da família em união...
Como eu agradeço a Deus por isso!
IRMÃO — Escute uma coisa que eu quero te falar.
SOLTEIRONA — Que é que é? Fale, que eu quero matar a saudade. Fazia tanto tempo
que eu não te via... Você sentiu a minha falta? Eu sabia adivinhar tudo que você
queria, (para a irmã) E só em você eu tinha confiança, você se lembra?
IRMÃ — A gente precisava te explicar uma coisa.
SOLTEIRONA — Você era tão medrosa... Quando chovia, que tinha relâmpago, trovão,
você corria para a minha cama e eu lia a Bíblia até você dormir...
IRMÃO — Deixa eu falar uma coisinha?
SOLTEIRONA — (não ouvindo, entrando em clima de sonho, euforia) Vai ser tudo de
novo como antigamente, melhor ainda!
MUDANÇA DE LUZES / CLIMA DE IRREALIDADE FESTIVA MÚSICA DE
BANDA
(Iluminação no guarda-roupa, festiva, colorida. Alteração no comportamento dos
irmãos, que cumprem o sonho da solteirona. Aparece, criança, o primo, morto há muito
tempo. Todos voltam à infância. O primo brinca com o irmão. A solteirona e a irmã
colocam um porta-retratos com fotos do pai e da mãe no guarda-roupa. Os quatro
contam ums sequência de canções: de aniversário, de natal, de ano-novo. Quando
começam a cantar a Canção da Despedida, ela reage, derrubando o retrato dos pais. O
primo some. Volta à realidade.)
SOLTEIRONA — Essa música Nãol Essa música Não! A gerte não devia cantar coisa
triste! (entra em crise furiosa)
IRMÃO — Olhe para mim, escute uma coisa!
SOLTEIRONA — Não, eu não vou olhar pora ninguém! Nunca mais na minha vidai
IRMÃ — Calma, ninguém te fez nada de mau!
SOLTEIRONA — Não fizeram? Não fizeram? Vocês se esqueceram de mim, do papai,
da mamãe! Esqueceram, não esqueceram? A vida inteira vocês fizeram tudo que
podia ser de ruim para mim e para o primo! Ele morreu, sorte dele coitado... Vocês
nunca ligaram se a gente estava passando fome, passando necessidade... Não escre-
viam, não telefonavam... O papai e a mamãe viviam esperando. E morreram
esperando.
IRMÃ — Eu quero ir embora!
SOLTEIRONA — Eu nem sei por que vocês vieram... Se foi só por minha causa,
podem ir, os dois! Eu já me acostumei a ficar sozinha. Depois daquele asilo em que
vocês me puseram não podem fazer nada de pior!
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sendo direita, tendo fé, a gente ia ser feliz, que Deus nunca ia se descuidar... E foi
isso que eu ganhei de Deus? Que será que eu fiz de errado para ter tanto castigo?
(forte crise de choro, imprecações, agressão)
IRMÃO — Nós não vamos mais te deixar...
IRMÃO — Pelo amor de Deus?...
(A solteirona se assusta com as imprecações que falou contra Deus)
SOLTEIRONA — Me perdoe. Deus me perdoe. Deus me perdoe... Que é que eu falei?
Eu não falei de coração, meu Deus... Se foi essa a vida que eu tive deve ser porque
Deus escolheu assim. Me perdoe, meu Deus...
IRMÃO — Não é possível alguém pensar desse jeito!
IRMÃ — Foi assim que aprendemos... Só que ela acreditou.
SOLTEIRONA — Eu te peço perdão, meu Deus. Nunca mais vou falar desse jeito.
(Enquanto fala com Deus, os irmãos a conduzem para a cadeira.)
IRMÃ — Tome isso.
SOLTEIRONA — Eu não quero.
IRMÃO — Tome, você precisa descansar um pouco.
SOLTEIRONA — Vocês não vão aproveitar que eu estou dormindo pora ir embora?
IRMÃ — Não, não precisa ficar, com medo. É só para você descansar, ficou muito
nervosa.
(A solteirona toma o calmante, agarrada aos irmãos. Aos poucos vai adormecendo. Sua
respiração é difícil. Os dois a observam)
PASSAGEM DE TEMPO / ESCURECE / MÚSICA / CLAREIA
IRMÃ — Um pouquinho que eu feche os olhos eu vejo o papai, a mamãe, o primo...
Agora não dá mais para fazer nada por eles.
IRMÃO — Eu tenho a mesma sensação... É horrível. Espero que algum dia isso passe
senão eu vou ficar louco. Será que ela vai morrer? Esquece o que eu falei.
IRMÃ – Por que você está perguntando isso?
IRMÃO — Esquece. Sabe essa vez que eu voltei? Nos primeiros dias, pensei até em
morar de novo com eles. Os dois, velhinhos, simpáticos, estavam tão felizes com o
minha presença que até me esqueci das coisos chatas do passado.
IRMÃ — Eu fui ficando cada vez mais aflita, vendo que a vida deles eslava terminando
e o que isso significava.
IRMÃO — Como assim?
IRMÃ — Me dava tristeza, saudade, preocupação... A velhice deles, os doenças, a hora
que morressem, tudo isso ia ser problema pare mim... Além disso tudo, ainda tinha a
nossa irmã... Ia sobrar tudo para mim... Você estava no estrangeiro...
IRMÃO — (Fugindo do olhar da irmã) Será que ela vai morrer?
IRMÃ — Por favor...
IRMÃO — Você tem condições de levá-lo para morar na sua cosa?
IRMÃ — O meu marido... Eu e o meu marido... Não sei se ela teria aguentado um
casamento...
IRMÃO — Por que você está falando isso? Estão pensando em se separar?
IRMÃ — Nada disso, eu Não vou me separar dele. Não gosto nem de pensar nisso. Meu
Deus, será que ela vai morrer?
SOLTEIRONA — Não, ainda Não.
MÚSICA / ALTERAÇÃO NAS CORES DA ILUMINAÇÃO / IRREALIDADE
(A hora dos acertos finais. Um clima absolutamente irreal. A solteirona, lúcida,
comanda uma civilizada e fria reunião de família. A conversa é prática, desapaixonada.
A solteirona arruma as cadeiras e convida os irmãos a se sentarem.)
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SOLTEIRONA — E agora? O que vai acontecer comigo? Você volta? Volta para cá?
IRMÃO — Não. Não aguento ficar aqui.
SOLTEIRONA — E você?
IRMÃ — Que é que você quer me perguntar? Se você vai comigo para a minha casa?
SOLTEIRONA — É isso mesmo que eu ia perguntar.
IRMÃ — Não dá. Por causa do meu marido.
SOLTEIRONA — Só por isso?
IRMÃ — Por causa des crianças, também.
SOLTEIRONA — Se Não fosse por eles, você me levaria?
IRMÃ — Não. Só se Não houvesse mesmo uma saída.
SOLTEIRONA — O que vai ser de mim, você sabe?
IRMÃO — Sei. Já combinamos.
SOLTEIRONA — E você?
IRMÃ — Também sei. Combinamos juntos.
SOLTEIRONA — O que vai ser de mim?
IRMÃO — Não vou folor na sua frente. Não tenho coragem.
IRMÃ — Nem eu.
SOLTEIRONA — Vocês vão sumir enquanto eu durmo, não é?
IRMÃO / IRMÃ — É.
SOLTEIRONA — Os parentes jó disseram que cuidar de mim nãa é da responsabilidade
deles.
IRMÃO — O ideal seria se o primo Não tivesse morrido. Vocês se davam bem, não é
mesmo?
(Aparece o primo, com o terno de sua última noite. Segura na mão uma vela e tem, no
pescoço, uma coroa de defuntos, para evidenciar bem que está morto. Há bom humor
em sua pessoa)
PRIMO — Eu era muito ligado a ela, só que eu morri. Me mataram.
IRMÃ — Você seria a solução ideal. Agora não estaríamos com este problema.
PRIMO — Mas vocês estão com o problema. Agora. Não é imaginação de ninguém.
Estou morto há muito tempo. Acharam que eu não devia viver.
SOLTEIRONA — Falaram que você morreu de otaque do coração. Nem eu acreditei. E
olha que eu sempre fui muito burra, todos vocês folavom.
PRIMO — Eu inclusive.
SOLTEIRONA — Besta!
IRMÃO — Se você estivesse vivo... Por que te mataram? Adiantou alguma coiso?
PRIMO — Não sei se adiantou me matarem. Eu só queria ler, pensar, falar... Não fez
muito sucesso a minha morte. Outros ficaram ou eram mais famosos. Morri num fim
de corredor, num cantinho, de chão de cimento. Só me deixaram de calça e sapatos,
sem cinto nem cordões. Estava muito frio. Aí terminou o minha história. Não foi do
coração que eu morri. Nem foi suicídio!
IRMÃ — Eu quero continuar com o meu marido. Já pão há mais nada que nos ligue,
nem paixão nem desejo, só ivna convivência sem graça, para manter as aparências.
IRMÃO — Aqui eu não fico, volto para o estrangeiro. Lá eu levo uma vido sem
compromissos. Não suporto compromissos. Agora vou ter que ganhar mais para
mandar o dinheiro da sua hospedagem.
SOLTEIRONA — Obrigada, Não precisava se incomodar.
IRMÃ — Eu também vou ajudar o pagar.
SOLTEIRONA — Obrigada, Não precisava se incomodar. Vocês vêm me visitar?
IRMA — No Natal a gente vem te buscar, para passarmos juntos.
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SOLTEIRONA — É verdade?
(O primo dá uma baiana com o braço)
IRMÃ — Não.
IRMÃO — Não é verdade.
SOLTEIRONA — Eu vou ficar no casa de repouso e não estou cansada. Até...
PRIMO — Até o quê? Complete.
SOLTEIRONA — Eu não quero falar a palavra.
ÍR1MO — Não é palavrão. Fala. Deixa de ser boba? Olha que eu falo, heim?
SOLTEIRONA — Vê se não me enche?
PRIMO — Está bom.
(A solteirona se levanta para despedir a irmã e o irmão)
SOLTEIRONA — (à irmã) Obrigada por tudo. Desculpe o incômodo, (trocam beijos, a
irmã sai). (Ao irmão) Obrigada por tudo. Desculpe o incômodo. (Trocam beijos, o
irmão sai)
PRIMO — Quer que eu te espere?
SOLTEIRONA — Não. Vai embora!
PRIMO — Sem educação!
SOLTEIRONA — Sou mesmo! Vai embora! (o primo joga um beijo e vai embora)
(A solteirona arruma a sala. Abre a geladeira e dela tira um bastidor. A iluminação que
permanece é apenas a da geladeira. Em seu interior vê-se um pinheirinho de natal
artificial.)
MÚSICA NATALINA ALEGRE
(A solteirona fecha a geladeira.)
FIM
INFORMAÇÃO
A primeira versão de NO NATAL A GENTE VEM DE BUSCAR, encenada em São
Paulo, teve seu texto terminado num sábado, em 14 de abril de 1979.
A segunda versão, montada no Rio de Janeiro, com cortes gerais, espontâneos, teve
seu texto terminado na madrugada de um sábado, 27 de setembro de 198O.
O elenco paulista foi. ISA KOPELMAN / J. C. VIOLLA / PAULO JANTADA /
ROBERTO ARDUIN / ALEXANDRA CORREA.
Na montagem carioca: MARIETA SEVERO / RODRIGO SANTIAGO / ANALU
PRESTES / MÁRIO BORGES.
NOTA: Exceto a “Solteirona", papel feito pela mesma atriz, os outros são assim
distrbuídos: o ator que faz o “primo”, faz o último “homem" na viagem; o que faz o
"irmão", faz o pai e o "1º homem” na viagem; a atriz que faz a "irmã", faz a "mãe" e a
"mulher espirita"
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