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GILBERTO SCHÄFER
Juiz de Direito na Comarca de Guaíba
Mestre em Direito Público pela UFRGS
Professor na Faculdade de Direito do Centro
Universitário Ritter dos Reis e na Escola
Superior da Magistratura/AJURIS
INTRODUÇÃO
C
SUMÁRIO: Introdução. 1. Aspectos onforme Edésio Fernandes1 o Estatuto da
gerais da Usucapião Urbana. 2. Cidade (EC), Lei Federal 10.257/01, apre
Usucapião individual no Estatuto. 2.1. senta quatro dimensões fundamentais:
A junção de posses. 3. Usucapião consolida um novo marco conceitual jurídico-
coletiva. 4. Aspectos processuais. 4.1. político para o direito urbanístico; regulamenta e
cria novos instrumentos urbanísticos para a
Transcrição e matéria de defesa. 4.2.
construção de uma ordem urbana socialmente justa
Rito sumário. 4.3. Sobrestamento de
e includente pelos Municípios; aponta processos
ações. 4.4. Legitimidade ativa.
político-jurídicos para a gestão democrática das
cidades e propõe instrumentos jurídicos para a
regularização fundiária dos assentamentos
informais em áreas urbanas.
A usucapião deve ser interpretada a
partir dos princípios constitucionais que exercem
uma função sistêmica que permitem ligar e
colmatar as lacunas legais. Assim, o instituto
deve ser interpretado a partir do princípios
constitucionais da propriedade e sua função
social e do direito à moradia2.
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1
Edésio Fernandes, Um novo Estatuto para as cidades brasileiras, in Estatuto da Cidade e reforma urbana:
Novas perspectivas para as Cidades Brasileiras, Sérgio Antonio Fabris editor, Porto Alegre, 2002, p. 7.
2
Art. 6º da CF - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
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3
Por todos Lenine Nequete, Da prescrição aquisitiva: usucapião, 3ª edição atualizada, p. 11-12
4
inicialmente duas posições tiveram acolhida nos Tribunais do Estado do Rio Grande do Sul conforme
pode-se ver: a favor da prescrição antes da CF Apelação Cível no. 190108761, 3a. Câmara Cível do
TARGS, Relator Des. Araken de Assis e contra Embargos Infringentes no. 589005420, 3º Grupo de
Câmaras Cíveis do TJRGS, em 22 de setembro de 1989, Rel. Des. Adroaldo Furtado
5
Recurso Extraordinário nº 145004-5/MT, 1ª Turma do STF, Rel. Min. Octavio Galotti. Recorrente: José
Alves dos Santos. Recorrido: Apemat-Crédito Imobiliário S/A. j. 21.05.1996, DJU 13.12.96, p. 50.180
no qual consta que “tem seu termo inicial de fluência na data da entrada em vigor da Constituição de 1988
(5 de outubro), o prazo de usucapião estabelecido no art. 183 da mesma carta.
ASPECTOS DA USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA NA CONSTITUIÇÃO E NO ESTATUTO DA CIDADE - 73
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6
“vulnera a garantia do direito de propriedade a contagem retroativa de prazo anterior a 05 de outubro de
1988, para a usucapião constitucional urbana” (Ap. cível 190128983).
7
“Trata-se de direito novo e que por isso não pode aproveitar tempo anterior a sua criação. Como bem
observa o ilustrado julgador, descabe olvidar ‘que a prescrição aquisitiva contrapõe-se à extinção do
direito do proprietário que confiante na vigência de um prazo bem mais longo, poderá ser surpreendido
de repente com um pedido de usucapião de cinco anos, restando sem nenhuma defesa em certos casos”(Voto
vencido citado nos Embargos Infringentes nº 190128983)
8
Ap. Cível 190128983, voto do Relator Desembargador Adroaldo Furtado Fabrício
9
Neste sentido Pontes de Miranda Tratado de Direito Privado, Parte Especial, XI/117, 4ª ed., SP, RT,
1983, pág. 117.
10
Sobre suspensão e interrupção do prazo ver 197 a 202 do NCC.
11
A matéria já se encontrava sumulada na súmula 340 do STF.
12
Lenine Nequete, Da prescrição aquisitiva: usucapião, 3ª edição atualizada, p.219. No usucapião ordiná-
rio a prova é de quem contesta (art. 490 do CCB).
13
Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª edição, volume VIII, tomo III,
p. 381
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Não se admite a posse praticada por prepostos do possuidor devendo a posse ser
própria, fazendo do local a sua residência, devendo existir casa na área, não importando
que a mesma seja precária ou simples.
A posse ad usucapionem deve ser mansa e pacífica, sendo conhecida – do ponto
de vista objetivo - por aqueles contra quem o usucapiente invocará o seu direito. Exige-se,
também, que a posse sem oposição, sendo de se ressaltar que somente a impugnação feita
por quem tenha legítimo interesse para tanto, como é o caso do proprietário contra quem se
visa usucapir. Apenas ele poderá retirar-lhe essa característica, desde que o mesmo logre
êxito em sua pretensão, mas que consista em medidas judiciais efetivas.
Para usucapir é necessário animus domini (a locução da norma é possuir como sua
área). Não basta a “posse ad interdicta, se ao possuidor falta aquele ânimo, o qual a seu
turno (1º), não se confunde com a opinio domini, que é a crença, certa ou errada, de que
se é senhor da coisa ou do direito e (2º), não se resume na simples intenção ou convicção
de que se está comportando como proprietário”14. Realmente o animus domini é um fato
puramente volitivo, diferente da opinio domini que é um estado psicológico, mais ligado
a posse de boa-fé. A posse com animus domini existe até na posse do ladrão, que sabe que
a coisa não lhe pertence. “Entende-se que para caracterizá-lo não basta aquela vontade:
é preciso que ela resulte da causa possessionis, isto é, do título em virtude do qual se
exerce a posse: de modo que se esta foi iniciada por uma ocupação, pacífica ou violenta,
pouco importa, haverá o ânimo; se, ao contrário, originou-se de um contrato, como o de
locação, por exemplo, que implica no reconhecimento do direito dominial de outrem,
não se pode reconhecê-lo”15, a não ser quando de forma inequívoca ocorra mudança na
causa possessionis (art. 492 do CCB e 1203 do NCC). Por isso segundo a lei não haverá
animus domini no caso de posse direta exercida nos casos do art. 1.197 do NCC: “a posse
direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito
pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor
direto defender a sua posse contra o indireto”.
Nesse sentido já decidiu a 1ª Câmara Cível do TAMG na Apelação Cível nº 0294021-
6/1999, Rel. Juíza Vanessa Verdolim Andrade. j. 15.02.2000, Publ. RJTAMG 78/199:
“Usucapião - Animus domini - Intenção de ser dono - Desnecessidade da crença de ser
dono. O ânimo de dono se configura pela conservação do imóvel por todo o tempo ad
usucapionem, com atos exteriores públicos e ostensivos, como a construção de muros e
cultivo de plantas, de forma contínua, mansa e pacífica, pois o animus domini se define
na intenção de ser dono, não necessitando o possuidor de exercer a posse com a opinio
domini, que é a crença de ser dono”.
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14
Lenine Nequete, Da prescrição aquisitiva: usucapião, 3ª edição atualizada, p.121
15
Lenine Nequete, Da prescrição aquisitiva: usucapião, 3ª edição atualizada, 121
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A Usucapião Urbana é reconhecida apenas uma vez. Exige que o usucapiente não
seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural ao tempo da aquisição. Portanto, após
adquirir pela usucapião poderá adquirir outro imóvel16. Para comprovar o requisito a lei deu
gratuidade perante o registro de imóvel, compreendido aí não apenas o registro, mas também
as certidões negativas. Para garantir essa gratuidade e evitar que os registros descumpram
a lei, penso que a melhor forma é o juiz requisitar as certidões, mediante ofício.
A comprovação de que não seja proprietário de outra área urbana ou rural há que se
dar em limites razoáveis, ou seja, dentro da mesmo Município. Não se deva exigir a prova
negativa de todo o Brasil, pois isso oneraria a parte a autora com diligência de difícil
consecução. Fora do início dessa prova negativa atribui-se ao contestante a prova de
propriedade de outro imóvel.
Segundo o art. 9º, §1º do EC “O título de domínio será conferido ao homem ou à
mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil”. Evidentemente não há óbice de
ser o imóvel usucapido por pessoa do sexo masculino ou feminino. Parece-me que o direito
deve ser reconhecido a ambos, no caso de companheirismo, se formando litisconsórcio
necessário, não podendo o direito ser reconhecido apenas a um dos companheiros, em
interpretação harmônica dos dispositivos.
A norma da usucapião moradia não estabelece limite mínimo para se invocar a
prescrição, por isso são indevidas reduções do alcance da norma constitucional em função
de restrições urbanísticas. Não é por outro motivo que o EC no seu art. 10 visa justamente
beneficiar os possuidores de áreas privadas e que nela fizeram a sua moradia naquelas
situações de grande adensamento. A redução por motivos urbanísticos não poderá ser
aceita, pois a usucapião visa tornar proprietário o possuidor da área, sendo que a intervenção
do poder público para trazer melhorias na área poderá se dar por uma infinidade de outros
instrumentos colocados à disposição pelo EC.
Pode-se usucapir área maior de 250 metros quadrados? Em outras palavras pode-se
usucapir 300 metros? A resposta geralmente assente na doutrina e na jurisprudência é
negativa, apesar de muitos Municípios adotarem terrenos padrões maiores, geralmente 300
metros quadrados. Esse padrão estabelecido pelo constituinte e não reformado pelo Estatuto
não contempla a realidade da imensa maioria dos Municípios. Na usucapião pró-labore (Lei
6.969 de 10.12.1981) ocorreu fato semelhante. Entretanto, nesse caso, foi estabelecido a
possibilidade de usucapir o módulo, autorização expressa no parágrafo único do art. 1º da
lei “prevalecerá a área do módulo rural aplicável à espécie, na forma da legislação
específica, se aquele for superior a 25 (vinte e cinco) hectares”. Parece-me possível
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16
“Usucapião. Adquire-se o domínio pela usucapião desde o momento em que se satisfaz o último
requisito para usucapir”. Acórdão na apelação cível nº 70004765327, Rel. Des. Carlos Cini Marchionatti.
Isso significa dizer que uma coisa é a usucapião e outra é a declaração judicial da usucapião. Se alguém
adquirir um imóvel antes do processo, mas depois de ter adquirido a coisa pela usucapião, mesmo assim
poderá fazer a usucapião.
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sustentar a aplicação analógica de tal dispositivo também na usucapião moradia, com base
no princípio de proteção à moradia e da função social, eis que se a área é possuída por
outrem é porque, em geral, não foi dado àquele imóvel a sua função social.
Há discussão se pode haver a usucapião de área de 250 metros dentro de um todo
maior - por exemplo de 300 metros. Apesar de polêmica, a resposta é afirmativa, pois o que
a norma exige é que se tenha posse de 250 metros, a qual deverá ser afirmada e provada
dentro desse parâmetro. Não importa o tamanho da área no registro, mas a área que o
usucapiente exerce posse (tem poder fático).
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Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por
cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor,
desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
ASPECTOS DA USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA NA CONSTITUIÇÃO E NO ESTATUTO DA CIDADE - 77
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18
Para ilustrar: Usucapião constitucional. O artigo 183 da CF exige posse pessoal, por cinco anos. Não
incidência, no caso, da “sucessio possessionis” art. 552, CCB). Negaram provimento. Apelação Cível nº
70000725416, 19ª Câmara Cível do TJRS, Rio Grande, Rel. Des. Carlos Rafael dos Santos Junior. j.
29.08.2000.
19
Lenine Nequete, Da prescrição aquisitiva: usucapião, 3ª edição atualizada, p.196.
20
Nesse sentido Apelação (Cv) Cível nº 0281390-1 - 1999, 1ª Câmara Cível do TAMG, Buenópolis, Rel.
Nepomuceno Silva. j. 18.08.1999, Unânime com a seguinte ementa: Usucapião - Espólio – Ilegitimidade
ativa - inocorrência – citação - renovação - desnecessidade – requisitos essenciais - atendimento 1 - A
viúva, investida na qualidade de inventariante, tem legitimidade para ajuizar ação de usucapião, em nome
do espólio, decorrente do status de sua representação, tendo em vista que a composse emergiu da sucessão
causa mortis (...)” e do Tribunal de Justiça do RGS conferir RJTJRGS 10/224.
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3. USUCAPIÃO COLETIVA
Segundo o artigo 10 do Estatuto “as áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta
metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos
ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde
que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou r ural”.
A aplicação imediata do dispositivo em tela não é isenta de polêmica. Entretanto,
supõe-se que o dispositivo deva ter aplicação imediata, pois houve vacatio legis, não havendo
que se falar em surpresa para o proprietário, que teve tempo suficiente para adotar as medidas
judiciais. Também não pode ser aceita a idéia de confisco, pois o direito de propriedade deve
ser aplicado em conformidade com a sua função social e o direito de moradia.
O instituto destina-se sobretudo a facilitar a defesa dos réus nas ações em que se
reivindica a coisa. Não se pode dizer que há novidade no instituto ao menos se os
possuidores na forma coletiva possuírem, cada um, área menor de 250 metros quadrados
O artigo exige que não seja “possível identificar os terrenos ocupados por cada
possuidor”. Devemos procurar essa impossibilidade de identificação nos fins do Estatuto
da Cidade para não inviabilizar a sua aplicação. Os fins estão em consonância com o direito
à moradia que exige a proteção à posse traduzindo-se em segurança jurídica contra o
proprietário-registral - não mais proprietário legal face a usucapião cuja sentença é meramente
declaratória - para que as pessoas ali assentadas possam estabelecer condições mínimas
de dignidade. Assim, o requisito não deve ser entendido num tecnicismo absoluto, mas
dentro de uma proposta que permita trabalhar áreas muito densas. Por isso, o conceito a ser
utilizado é o de densificação habitacional. Estritamente não haveria impossibilidade de
identificação, pois através de um levantamento topográfico e cadastral todos os terrenos
podem ser objeto de identificação.
Nesse sentido a questão deve ser pensada em função do adensamento da área e, inclusive,
de estudos urbanísticos posteriores para alargamentos viários e abertura de acessos.
Não parece ser razoável que possa haver usucapião coletiva em áreas nos quais os
lotes possam ser facilmente identificados. Em virtude disso é razoável que o juiz exija na
petição inicial, como requisito indispensável, a justificativa da propositura dessa modalidade
de usucapião com a devida comprovação.
Saliente-se que o dispositivo em tela facilita o manejo da usucapião como defesa,
quando não se necessita uma descrição completa e individual de cada área.
O EC no art. 10 não define o limite mínimo para cada morador. Parte do conjunto, ou
seja, admite que “as áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados”
possam ser usucapidas de forma coletiva. Não há restrição ao tamanho máximo ou mínimo
da área possuída de forma individual. Daí a possibilidade de usucapir área maior que 250
metros quadrados. No entanto, como essa modalidade se destina a área adensadas creio
que dificilmente a situação ocorrerá.
ASPECTOS DA USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA NA CONSTITUIÇÃO E NO ESTATUTO DA CIDADE - 79
A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante
sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis (art. 10§2º
do EC).
E como fica atribuída a propriedade para cada um dos moradores? Existem duas
formas de se proceder. A primeira, é atribuir uma fração ideal de terreno a cada possuidor,
independente da dimensão do terreno possuído. A segunda hipótese é de acordo escrito
entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
Esse condomínio é especial não sendo passível de extinção, a não ser em virtude de
execução de urbanização posterior à constituição de condomínio.
As dificuldades de aplicação serão menores se instituídas frações ideais diferenciadas,
que serão retomadas com a descrição individual do lotes através do sistema registral. Não se
impedirá a extinção do condomínio mesmo nos casos em que as quotas forem diferenciadas
As decisões judiciais vinham negando a possibilidade de “accessio possessionis” na
usucapião moradia21. Todavia, agora, por autorização expressa do art. 10, § 1º é permitido ao
possuidor acrescentar a sua posse a do antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
Permite-se, dessa forma, juntar as posses a fim de perfazer o lapso temporal necessário para
aquisição da propriedade. “Não é imprescindível que a cessão ou transmissão se faça por
escritura pública (como se exigiria no caso de tratar-se de direito real) ou sequer em forma
escrita outra (como sustentou a certo tempo a jurisprudência). A accessio possessionis pode
ser demonstrada, juntamente com os demais fatos constitutivos do direito invocado pelo
autor, por qualquer meio de prova, embora se deva admitir a dificuldade prática de realizá-
la em muitos caos. O que se há de exigir é apenas que o autor convença o juiz da continuidade
da posse, não-afetada pela mudança de sua titularidade22“.
Essa regra foi ampliada pelo novo Código Civil que exige unicamente a continuidade
da posse, que deve, segundo nosso juízo, ser qualificada pela moradia.
4. ASPECTOS PROCESSUAIS
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21
Apelação Cível nº 596116228, 6ª Câmara Cível do TJRS, Novo Hamburgo, Rel. Des. João Pedro Pires
Freire. j. 08.04.
22
Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª edição, volume VIII, tomo III,
p. 381.
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A argüição de usucapião como defesa em ações reais sempre foi admitida sem
qualquer restrição23. Alegada em defesa, a sentença que a reconhecia, se limitava a declarar
que o réu tem direito a ela, mas não lhe servia de título para a transcrição no registro
imobiliário. A transcrição era buscada através da ação adequada para possibilitar a
intervenção da União, do Estado e do Município ou por terceiros, citando-se inclusive a
pessoa que movera a ação anterior.
No entanto, a possibilidade de valer a sentença que a reconhecer como título para
registro no cartório de registro de imóveis não é novo no nosso direito, como se pode ver
no art. 7º da Lei nº 6.969 de 10.12.1981 que dispõe sobre a aquisição por Usucapião Especial
de imóveis rurais.
Quais são as soluções interpretativas dessa regra no sistema brasileiro?
A primeira é que ela não é aplicável, eis que a ação declarativa de usucapião continua
a ser uma ação necessária para se obter o resultado jurídico, com um rito especial de citação
por edital, intimação dos interessados e intervenção do Ministério Público. Tais exigências
não se dão quando a usucapião é utilizada como defesa. Segundo tal linha interpretativa,
nesse caso, não seria possível aplicar o dispositivo por infringência à regra do devido
processo legal, inscrita na constituição, em desrespeito ao direito material de propriedade,
que é um direito erga omnes, com risco de simulações e fraudes.
Outra hipótese interpretativa, é possibilitar o conhecimento da ação por todos os
interessados, no caso de haver a alegação de usucapião em defesa. A ampla chamada de
todos os interessados é decorrência do direito material de propriedade que está sendo
questionada. Logo, necessário fazer a citação por edital, citação pessoal dos confinantes,
haver a intervenção do MP e a intimação das fazendas e cumprir os requisitos de memorial
descritivo, especialmente quando cada possuidor possuir parte do imóvel reivindicado.
Esta segunda possibilidade atrasará mais a manifestação jurisdicional sobre a
controvérsia, em prejuízo da economia processual, submetendo todos a uma demora
excessiva do processo.
Embora com várias manifestações dos Tribunais não recepcionando a possibilidade
de registro24, o STJ através da terceira turma já decidiu com base no art. 7º da Lei nº 6.969/
81 a possibilidade de registro da sentença que reconhece a usucapião especial em defesa25.
Penso, que pode ser acolhida esta interpretação do STJ que visa dar rapidez ao processo.
Ademais, se permite a utilização da querella nullitatis para invalidar o processo em
decorrência de vícios e nulidades que atinjam terceiros.
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23
Sumula 237 do STF: O usucapião pode ser argüido em defesa
24
Apelação Cível nº 595127226, 6ª Câmara Cível do TJRS, Caxias do Sul, Rel. Des. Paulo Roberto Hanke.
j. 26.03.1996: “Conquanto argüível apenas como defesa, a “exceptio usucapionem” é imprestável para
assegurar ao excipiente direito ‘erga omnes’. O acolhimento da defesa não acarreta declaração de
domínio, passível de registro em ofício imobiliário”
25
Recurso Especial nº 233607/SP, Terceira Turma do STJ, Rel. Carlos Alberto Menezes Direito. j.
18.05.2000, Publ. DJU 01.08.2000 p. 00270.
ASPECTOS DA USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA NA CONSTITUIÇÃO E NO ESTATUTO DA CIDADE - 81
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26
Art. 5º - Adotar-se-á, na ação de usucapião especial, o procedimento sumaríssimo, assegurada a prefe-
rência à sua instrução e julgamento.
§ 1º - O autor, expondo o fundamento do pedido e individualizando o imóvel, com dispensa da juntada da
respectiva planta, poderá requerer, na petição inicial, designação de audiência preliminar, a fim de
justificar a posse, e, se comprovada esta, será nela mantido, liminarmente, até a decisão final da causa.
§ 2º - O autor requererá também a citação pessoal daquele em cujo nome esteja transcrito o imóvel
usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus ausentes, incertos e desconhecidos, na
forma do art. 232 do Código de Processo Civil, valendo a citação para todos os atos do processo.
§ 3º - Serão cientificados por carta, para que manifestem interesse na causa, os representantes da Fazenda
Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, no prazo de 45
(quarenta e cinco) dias.
§ 4º - O prazo para contestar a ação correrá da intimação da decisão que declarar justificada a posse.
§ 5º - Intervirá, obrigatoriamente, em todos os atos do processo, o Ministério Público.
82 - DOUTRINA