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Das coisas que ganhei… das coisas que perdi

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Por Paulo Cruz

[30/12/2019] [15:42]

Não basta […] conhecer-se a si mesmo, saber suas virtudes e defeitos, para observar aquelas em
suas relações com terceiros e refrear estes em suas tendências desaconselháveis; é necessário,
igualmente, estudar aqueles com quem se tem de tratar, para saber como se deve comportar no
intercâmbio das atitudes. (José de Souza Marques)

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Das coisas que perdi em 2019, nada se compara à perda de parentes e amigos muito
queridos, que sempre acabam por levar uma parte da gente, deixando saudade. Outros
“amigos” também partiram; não da vida, mas do meu convívio. O antiquíssimo, mas infalível
crivo aristotélico ainda vige: não há amizade verdadeira quando esta se dá somente por
prazer ou por interesse. A amizade verdadeira, segundo o estagirita na Ética a Nicômaco,
consiste em amarmos as pessoas pelo que elas são, não pelo que podem nos oferecer. Os
interesses e o prazer são secundários, são consequência da real motivação que nos une: a
virtude. Caso contrário, mais hora, menos hora a fragilidade dessas relações se tornará
patente, pois o prazer é efêmero, e quem coloca os interesses acima das pessoas nunca
tem amigos, somente meios para seus fins. Desses é bom que nos afastemos mesmo.

Mas isso fica claro com a consciência de nossas próprias limitações e falhas. Com a certeza
de que nossos amigos, enquanto amigos, são mais importantes que, por exemplo, suas
opiniões políticas; e que algo mais fundamental nos liga do que nossas afinidades,
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digamos, doutrinárias. Nossos verdadeiros amigos são aqueles que, como diz C.S. Lewis em
Os quatro amores, veem (ou procuram) a mesma verdade que nós, que se importam com
as mesmas perguntas, mas não se importam em discordar das respostas. São
companheiros de jornada, e a “cada passo a jornada em comum é um teste de sua fibra – e
nós compreendemos perfeitamente esses testes, porque nós também estamos passando
por eles. Assim, cada vez que ele é aprovado, nossa confiança, respeito e admiração
crescem como um Amor Apreciativo de um tipo singularmente sólido e bem informado”.

Nossos amigos, enquanto amigos, são mais importantes que, por exemplo, suas opiniões
políticas

Aristóteles vai além, dizendo que “a amizade perfeita é a existente entre as pessoas boas e
semelhantes em termos de excelência moral [virtude]; neste caso, cada uma das pessoas
quer bem à outra de maneira idêntica, porque a outra pessoa é boa, e elas são boas em si
mesmas. Então as pessoas que querem bem aos seus amigos por causa deles são amigas
no sentido mais amplo, pois querem bem por causa da própria natureza dos amigos, e não
por acidente; logo, sua amizade durará enquanto estas pessoas forem boas, e ser bom é
uma coisa duradoura”. E assevera: “a amizade conforme à excelência moral [virtude] é à
prova de calúnias e é duradoura, enquanto as outras espécies de amizade mudam
rapidamente (além de diferirem da primeira em muitos aspectos), que elas não parecem
constituir espécies verdadeiras de amizade, ou seja, por causa de sua dissimilaridade com a
amizade conforme à excelência moral”. Ou seja, a única maneira de uma verdadeira
amizade acabar é quando um dos amigos deixa de ter excelência moral, de ser virtuoso.

Para além de nossos amigos, ex-amigos e quase-amigos, há ainda a necessidade de


convivermos com aqueles que não são nossos amigos – tampouco inimigos, pois com esses
nem convivemos – e ainda pensam (muito) diferente de nós ou, pior, a cujas ideias temos
total aversão. Esse é, talvez, o maior desafio de nossa sociedade contemporânea,
totalmente conectada via redes sociais, que potencializou e dinamizou absurdamente as
diferentes opiniões que, agora públicas e escancaradas, antes se limitavam aos pequenos
círculos de amigos e ao ambiente acadêmico. No campo aberto das divergências –
sobretudo no clima de profunda polarização política – é fácil surgirem equívocos que vão
desde uma simples interpretação de texto até a profunda convicção ideológica, o que
instaurou uma verdadeira Era dos alaridos – da qual já tratei aqui, nesta Gazeta do Povo –,
de total babelização da linguagem, na qual quase ninguém se entende, mas todos se
consideram absolutamente certos.

Tal situação me lembrou, por uma similaridade quase metafórica, de um dos melhores
filmes que vi em toda a minha vida: As maçãs de Adam, do brilhante cineasta dinamarquês
Anders Thomas Jensen, cuja genialidade como roteirista já se havia mostrado nas
colaborações com sua conterrânea Susanne Bier (cineasta excepcional, mas que,
infelizmente, cometeu, recentemente, o horrível Bird Box). O filme ganhou um título patético
no Brasil – Entre o bem e o mal –, que me recuso a adotar pois diminui absurdamente sua
complexidade. Infelizmente não está disponível nos provedores de streaming, mas ainda é
possível adquirir o DVD. Vale muito a pena!

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O filme, para mim uma pequena obra-prima, é uma espécie de tragicomédia, abrilhantada
com doses cavalares do mais refinado humor negro – politicamente incorreto, portanto –, e
conta com três dos maiores atores de sua geração: Mads Mikkelsen, Ulrich Thomsen e
Paprika Steen. Mikkelsen é Ivan, um pastor luterano que recebe criminosos em liberdade
condicional para trabalhos sociais em sua pequena comunidade. Adam, personagem de
Ulrich Thomsen, é um recém-chegado neonazista absolutamente irascível. O problema é
que lá já se encontram um muçulmano (Khalid, vivido por Ali Kazim) assaltante de postos
de gasolina – e que crê, com isso, estar combatendo o imperialismo ocidental –, e um ex-
jogador de tênis, alcoólatra e cleptomaníaco (Gunnar, vivido por Nicholas Bro). Os dois,
digamos, devidamente civilizados pelo trabalho de Ivan. Um tempo depois, junta-se a eles
uma mulher, alcoólatra em recuperação e pensando em abortar o fruto de uma gravidez
indesejada (Sarah, vivida por Paprika Steen).

Adam, como um “bom” neonazista, se considera superior aos demais e nutre um desprezo
mortal por todos, sobretudo por Ivan, cuja fé o contraria sobremaneira. Ivan determina que
todos os hóspedes necessitam de uma tarefa, uma meta a cumprir a fim de ocuparem o
seu tempo e aprendem a valorizar o trabalho e a responsabilidade. Por uma circunstância
cômica, a tarefa de Adam será fazer uma torta de maçã com as frutas retiradas de uma
frondosa macieira que fica ao lado da igreja. Ivan quer que os demais o ajudem, a fim de
fortalecerem a comunhão do ambiente investindo no trabalho em grupo; mas, como pode
imaginar, caro leitor, tal união é um desafio quase impossível.

Um objetivo comum e superior pode unir pessoas cujas ideias são diametralmente opostas

Para dificultar ainda mais a execução de seu objetivo, uma, digamos, fatalidade os
surpreende: corvos aparecem e começam a comer as maçãs. E mais: Ivan tem um grave
problema: algo o faz, insistentemente e ao mesmo tempo, negar a realidade – sobretudo a
maldade das pessoas – e tributar todos os problemas à ação de Satanás. Aparentemente
faz isso como uma forma de sobrevivência emocional. Khalid e Gunnar, que convivem com
ele há mais tempo, compreendem tal situação e os problemas que o confronto com ela
acarretam, e fazem de tudo para manter as aparências. Mas isso irrita profundamente
Adam, que passa a tentar, a todo custo, desmascarar a fé de Ivan – que julga uma mera
desculpa para sua vida cheia de problemas familiares. Daí para a frente, todo desafio dessa
comunidade girará em torno de preparar uma torta de maçã, conter a ira de Adam e
aplacar o desajuste dos demais, que parecem sucumbir à medida que Ivan vai reagindo e
piorando às investidas de Adam. Fé, descrença, ciência, milagres, moralidade e amizade,
tudo isso e mais um pouco são confrontados em um pouco mais de uma hora e meia de
um filme brilhante, que já perdi a conta de quantas vezes assisti.

As maçãs de Adam é, sobretudo, um belíssimo exemplo de como o reconhecimento de


nossas próprias imperfeições pode nos ajudar – e muito! – a conviver com as imperfeições
alheias, pois assim deixamos de ser indulgentes para conosco e severos para com o
próximo, e de pensar, como diz Gustave Thibon, que nossos atos são meros acidentes,
enquanto os dos outros são substâncias. O filme também nos mostra que um objetivo
comum e superior pode unir pessoas cujas ideias são diametralmente opostas. E essas são
lições que, no convívio pessoal, podem separar almas de meras sombras, e criar

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relacionamentos verdadeiramente abençoados, virtuosos e duradouros – e amizades
verdadeiras, portanto. Porém, infelizmente, o desafio ainda permanece nas redes sociais,
por causa da falsa proximidade e da absurda impessoalidade na qual o mundo virtual nos
lançou.

Das coisas que ganhei em 2019, nada se compara à graça divina de aprender com as
perdas e de persistir num caminho que julgo coerente com o que creio, sem tergiversações
sazonais e oportunistas. Os verdadeiros amigos permanecem – graças a Deus por eles;
outros vieram e outros tantos virão.

Um feliz 2020 a ti, caríssimo leitor, repleto de bênçãos e de realizações!

Paulo Cruz
Paulo Cruz é professor e palestrante nas áreas de filosofia, educação e questões
relacionadas ao racismo no Brasil. Formado em Filosofia e mestre em Ciências da Religião,
é professor de Filosofia e Sociologia na rede paulista de ensino público. Em 2017 foi um dos
agraciados com a Ordem do Mérito Cultural, honraria concedida pelo Ministério da Cultura,
anualmente, por indicação popular, a nomes que se destacaram na produção e divulgação
cultural.

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