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DIP 003 – Concepções e abordagens de recursos didáticos

Processo de avaliação de crianças com “dificuldades de aprendizagem”: um


ensaio teórico na perspectiva histórico-cultural

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS


CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DISCIPLINA CONCEPÇÕES E ABORDAGENS DE RECURSOS DIDÁTICOS


Docentes: Prof. Dra. Maria do Carmo de Sousa e Prof. Dra. Wania Tedeschi
____________________________________________________________________________

PROCESSO DE AVALIAÇÃO DE CRIANÇAS COM


“DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM”: UM ENSAIO TEÓRICO
NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

Michele Yenara Agostinho

1. Introdução

Este breve ensaio teórico tem como tema de interesse o processo de avaliação de
crianças consideradas com “dificuldades de aprendizagem”1 a partir de uma perspectiva
crítica, que questiona os modelos de avaliação centrados apenas nas crianças e seus
supostos déficits, os quais contribuem com o fenômeno da patologização e medicalização
na educação, provenientes do processo de culpabilização dos alunos e suas famílias pelas
dificuldades encontradas durante o processo de escolarização. A partir dos pressupostos
da Teoria Histórico-Cultural esperamos romper com o viés biologizante sobre o
desenvolvimento e aprendizagem dos alunos presente no senso comum dos professores e
de muitos profissionais que lidam com as queixas escolares e discutir uma outra proposta
de avaliação que possa oferecer ferramentas para o trabalho pedagógico, ao invés de
reforçar a prática vigente de rotulação das crianças e a realização de encaminhamentos
dos alunos para serviços externos às escolas.

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O termo “dificuldades de aprendizagem” é utilizado entre aspas neste texto, pois é um termo bastante
utilizado no senso comum e que traz a falsa ideia de que as dificuldades no processo de escolarização
estariam centradas apenas no indivíduo que não-aprende. Assim, utilizamos o termo como um rótulo que
acaba sendo comumente empregado para se dirigir a um grupo de crianças que apresentam algum tipo de
dificuldade no seu processo de escolarização, embora não compactuemos com uma visão reducionista do
problema.

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Processo de avaliação de crianças com “dificuldades de aprendizagem”: um
ensaio teórico na perspectiva histórico-cultural

O interesse por tal temática surge a partir do contexto de atuação profissional da


autora como psicóloga em um “Serviço de Apoio Especializado à Educação Básica”,
vinculado à Secretaria de Educação de uma cidade de pequeno porte do interior de São
Paulo. Tal serviço é composto por uma equipe multidisciplinar responsável por oferecer
suporte às escolas da rede municipal de ensino (creches, escolas de ensino infantil e
ensino fundamental I e II) em relação a diferentes demandas. No entanto, a demanda
maior por parte das instituições de ensino tem sido a solicitação de avaliações para as
crianças e jovens que apresentam atrasos em seu processo de aprendizagem.
A partir deste contexto, aliado a descrição de outras realidades pela literatura no
campo educacional, é possível perceber que ainda é muito presente nos educadores e
gestores a concepção de que as explicações para a “não aprendizagem” dos alunos está
centrada em causas orgânicas, neurológicas ou psicológicas, ou ainda, devido à falta de
estrutura de suas famílias. E frente a esta problemática muitas crianças acabam sendo
encaminhadas à serviços externos à escola, para serem avaliadas e “tratadas” por
profissionais de diversas áreas, tais como médicos, psicólogos, fonoaudiólogos,
psicopedagogos e terapeutas ocupacionais, em uma perspectiva que olha as dificuldades
de aprendizagem como problemas psicopatológicos que necessitam de tratamento médico
(MELLO, 2007; TULESKI, EIDT, 2007; MELLO, CAMPOS, 2014).
Iremos, então, defender como tese central deste ensaio que a Teoria Histórico-
Cultural ao fornecer um olhar diferenciado para a questão das “dificuldades de
aprendizagem” pode, também, auxiliar no processo de avaliação e intervenção com estas
crianças, de modo que a avaliação sirva como um guia de ações práticas para o trabalho
docente e, consequentemente, diminua o número de encaminhamentos para profissionais
externos à escola.

2. Uma leitura crítica sobre as “dificuldades de aprendizagem”

As “dificuldades de aprendizagem”, conjuntamente com o fracasso escolar, tem


sido há tempos objeto de preocupação do campo científico educacional (MELLO, 2007;
TULESKI, EIDT, 2007; FERRARI, 2013; MELLO, CAMPOS, 2014; SILVA, 2017). De
acordo com a literatura, em linhas gerais, as “dificuldades de aprendizagem” se
caracterizam por um resultado substancialmente abaixo do esperado com relação a idade

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e “nível escolar” com relação ao rendimento acadêmico em tarefas de leitura, escrita e


cálculo matemático, tendo diversos graus de intensidade e podendo ser duradouras ou
passageiras. Trata-se de um termo mais global e abrangente e relacionado a fatores
psicossociais, ambientas, emocionais, culturais, sociais e econômicos (FERRARI, 2013,
p. 24172). Rebelo (1992 apud SUETAKE, 2007) propõe que as “dificuldades de
aprendizagem” podem ser vistas como barreiras encontradas pelo aluno na captação ou
assimilação dos conteúdos propostos, durante o período de escolarização. Esses
obstáculos podem levar à reprovação, ao baixo rendimento, ao abandono escolar, ao
atraso na aprendizagem ou mesmo na busca por uma ajuda especializada. Assim, as
“dificuldades de aprendizagem” são percebidas quando o aluno apresenta dificuldades
para acompanhar o conteúdo escolar em relação ao ritmo dos colegas da mesma faixa
etária e têm sido mais recorrentes em crianças em processo de alfabetização (FREITAG
et al., 2014).
Outro termo que costuma ser bastante empregado, tanto no contexto educacional
como na literatura da área são os chamados “Transtornos de Aprendizagem”, também
denominados “Distúrbios de Aprendizagem”, que consistem em falhas no processo de
aquisição e/ou desenvolvimento das habilidades escolares devido a alguma alteração no
sistema nervoso central. Os manuais internacionais de diagnóstico como o CID-10,
elaborado pela Organização Mundial de Saúde (1992), e o DSM-V, organizado pela
Associação Psiquiátrica Americana (2014), apresentam basicamente três tipos de
transtornos específicos de aprendizagem, a saber: o Transtorno com prejuízo na leitura
(Dislexia), o Transtorno com prejuízo na matemática (Discalculia), e o Transtorno com
prejuízo na expressão escrita (Disgrafia ou Disortografia). A caracterização geral destes
transtornos não difere muito entre os dois manuais e tem em comum uma base genética,
ocorrendo em indivíduos que apresentam inteligência normal ou superior e rendimento
escolar significativamente abaixo do esperado para sua idade, escolaridade e capacidade
intelectual.

Desta forma, estas condições possuiriam uma origem biológica intrínseca ao


indivíduo, não podendo estar associadas a problemas de ordem sensorial, mental, motor,
cultural ou outras causas. Assim, de acordo com essa definição, trata-se de um diagnóstico
feito por exclusão. Para se considerar que há um “Distúrbio de Aprendizagem” seria
necessário provar que outras condições orgânicas – deficiências sensoriais

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(auditivas/visuais) ou mentais (deficiência intelectual); distúrbios emocionais; ou ainda,


aspectos relacionados ao contexto social em que o sujeito se insere, tais como mudanças
constantes de professor ou de escola, diferenças culturais ou falhas no processo de ensino,
ainda que presentes – não seriam causa(s) da dificuldade escolar constatada
(SZIMANSKI, 2012).

Resumidamente, então, a distinção entre estes termos seria que os


“Transtornos/Distúrbios de Aprendizagem” sugerem a existência de um
comprometimento neurológico que impacta na aprendizagem – embora a real etiologia
dos Transtornos/Distúrbios de Aprendizagem ainda não tenha sido esclarecida pelos
cientista – enquanto que as “dificuldades de aprendizagem” estariam mais ligadas a
problemas de ordem psicopedagógicas, social e cultural.

Mas independentemente da distinção entre os termos “dificuldades de


aprendizagem” e “Transtornos/Distúrbios de Aprendizagem”, há uma tendência comum
entre ambos em se atribuir às causas da não-aprendizagem a disfunções do indivíduo,
sejam neurológicas, psicológicas, emocionais e déficits no seu processo de
desenvolvimento maturacional, dentre outras causas. Autoras como Moysés e Collares
(1992; 1994; 1997), Patto (2015), discutem em seus estudos essa problemática, fruto de
um processo ideológico, de se transformar questões sociais em problemas orgânicos
individuais. Vemos, assim, serem reproduzidas as práticas de responsabilização do aluno
pelo seu fracasso. De acordo com Souza et al. (2009):

A necessidade de explicar o fracasso escolar, procurando encontrar o


responsável (desde que seja o outro) provoca a reincidência de práticas
pedagógicas que se reduzem a utilização dos rótulos e ao encaminhamento do
aluno para outros profissionais fora do cotidiano escolar (SOUZA et al, 2009,
p. 6).

Não por mero acaso a maior demanda por atendimento psicológico de crianças e
adolescentes, no Brasil, se refere às queixas de dificuldades escolares (NEVES,
MARINHO-ARAUJO, 2006). Se a busca por uma avaliação sobre as “dificuldades de
aprendizagem” tranquiliza os envolvidos porque nomeia um fenômeno, por outro, pode
isentar de responsabilidade àqueles que se ocupam do ensino. Argumentamos que a
prática dos encaminhamentos escolares e a busca por diagnósticos que encaixem a criança
em algum transtorno neurológico ou psiquiátrico funcionam como pretexto para que as
pessoas que a cercam se eximam da responsabilidade sobre seu desenvolvimento ou

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melhora. É como se, pelo fato de a criança apresentar algum comprometimento, ao qual
se atribui um nome, colocasse sobre ela toda a responsabilidade das inadequações e
fracassos e liberasse os que com ela interagem de promoverem condições mais adequadas
para o seu desenvolvimento. Mello (2007) argumenta que:

Apesar de a Escola buscar acompanhar e inserir algumas tecnologias como


recursos didáticos para possibilitar as aprendizagens dos conteúdos escolares,
o pressuposto metodológico e a concepção educacional que ainda persiste é a
de que a criança ou adolescente traz ou não consigo uma carga genética para a
aprendizagem. Nessa concepção, aqueles que não são privilegiados
geneticamente são os que apresentam dificuldades de aprendizagem e são
encaminhados para terapias e consultas médicas que possam resolver o
problema para a Escola (MELLO, 2007, p. 205).

Desta forma, consideramos que os esforços e o foco da intervenção não deveriam


enfatizar a busca por um diagnóstico ou pelas explicações baseadas em uma concepção
biologicista de desenvolvimento sobre as “dificuldades de aprendizagem” de cada aluno,
mas sim se voltar para as possibilidades de se auxiliar estes alunos a partir de uma visão
mais integral sobre as variáveis presentes no processo de ensino aprendizagem e, neste
sentido, defendemos que a avaliação tem um papel fundamental para se compreender as
dificuldades e poder intervir sobre elas.
No entanto, conforme argumenta Luckesi (1998), autor de referência no tema da
avaliação da aprendizagem escolar, a realidade que se apresenta no contexto escolar é a
de que os educadores acabam muitas vezes utilizando-se da avaliação como um meio de
verificação das aprendizagens de modo a classificar os educandos ao invés de utilizá-la
como um instrumento que redireciona o trabalho pedagógico para o desenvolvimento dos
alunos.
Conforme defende Chueiri (2008), a avaliação no contexto escolar não é uma
atividade neutra, destituída de intencionalidade, pois ela é determinada pelas concepções
que fundamental uma proposta de ensino e suas respectivas práticas pedagógicas que, por
sua vez, são concebidas por uma teoria e uma base epistemológica que podem tanto servir
à manutenção ou à transformação social. Assim, quando o professor realiza um processo
de avaliação, ele espelha uma dada concepção de mundo e de educação, tomando por
base suas próprias concepções, vivências e conhecimentos.
Todo este cenário suscita a necessidade de se discutir qual o tipo de avaliação que
está sendo realizada com estas crianças e como tornar estas avaliações realmente úteis

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para o trabalho pedagógico, de modo a favorecer os processos de ensino e aprendizagem.


Consideramos que esta discussão só é possível a partir de uma perspectiva que leve em
conta a complexidade social em sua totalidade, a partir de uma leitura materialista
histórica dialética da realidade e que compreenda os mecanismos por trás da produção
das “dificuldades de aprendizagem”. Além do contexto histórico social mais amplo que
permeia as instituições escolares e a sociedade, faz-se necessário compreender o processo
de desenvolvimento do ser humano, que não se reduz a um ser individual e orgânico, mas
se configura como um ser social complexo, em constante transformação, cujo psiquismo
se constitui justamente a partir da relação indissociável entre sujeito e sociedade (FACCI,
EIDT, TULESKI, 2006; FACCI, SOUZA, 2014).

3. Um outro olhar sobre o problema: a perspectiva Histórico-Cultural

De acordo com Rego (1998), o psicólogo bielorusso Lev Semionovitch Vigotsky,


elaborou as bases da Teoria Histórico-Cultural no início do século XX, no contexto da
antiga união soviética pós-revolução russa, sendo bastante influenciado pelo materialismo
histórico dialético de Marx e Engels. Assim, numa postura crítica das correntes
psicológicas de sua época, Vigotsky (2000) em conjunto com seus colaboradores, A. R.
Luria e A. N. Leontiev, propôs uma nova forma de se explicar o funcionamento
psicológico humano, a partir de uma visão dialética que teria as questões históricas e
culturais como o cerne de sua teoria.
Vigotsky (2000) criticava as teorias psicológicas de sua época e o fato de que estas
analisavam os processos naturais e nunca os processos culturais, resultantes da atividade
mediatizada pelos instrumentos históricos do ser humano, cujos elementos desenvolviam
o psiquismo humano. E aqueles que chegavam a conceber os aspectos culturais o faziam
em segundo plano, priorizando os fatores biológicos. Assim, ao propor uma mudança
epistemológica/metodológica para a Psicologia, Vigotsky (2000) traz como um dos
principais alicerces a compreensão de ser humano como ser fundamentalmente histórico
e cultural, manifestação singular de um amplo conjunto de relações sociais, indo na
contramão de perspectivas que isolam o sujeito de seu contexto, pois o próprio psiquismo
é constituído historicamente na complexa e indissociável relação sujeito e sociedade. É
por isso que consideramos que a Teoria Histórico-Cultural apresenta importantes

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contribuições para a análise do fenômeno do fracasso escolar e das “dificuldades de


aprendizagem”, justamente por se contrapor às teorias individualistas e biologizantes que
isolam o sujeito de seu contexto sócio histórico e que não vão até a gênese do problema
(GONZÁLEZ, 2012).
Uma premissa básica da Teoria Histórico-Cultural é a de que toda e qualquer
função psicológica superior, tal como a linguagem, a escrita, a aritmética, a formação de
conceitos, dentre outras, se desenvolve impulsionada por fatores culturais. Isso significa
que, embora as funções psicológicas superiores tenham uma base biológica (visto que as
funções inferiores não deixam de existir), sua gênese se encontra nas interações sociais e
na utilização de mediadores e, por isso, podemos dizer que as funções psicológicas
superiores não se desenvolvem naturalmente, somente com a maturação biológica, mas
dependem da qualidade dos mediadores sociais que irão estimular seu desenvolvimento.

O conceito de mediação também é algo central na obra de Vygotski (2000), pois


sabemos que a relação que se estabelece entre o ser humano e o mundo não é direta, mas
mediada por vários elementos. Assim, a mediação pode ser entendida como o processo
de intervenção de um elemento intermediário numa relação, que deixa de ser direta e
passa a ser mediada por esse elemento. Ao longo do desenvolvimento do indivíduo, as
relações mediadas passam a predominar sobre as relações diretas e é este fato que
caracteriza essencialmente o aspecto social e cultural humano.

Assim, diferentemente de uma visão organicista e biologizante, a Teoria


Histórico-Cultural apresenta uma vertente materialista histórica e dialética sobre o aluno
que “não-aprende”. Segundo Vigotsky, a aprendizagem se dá a partir da relação do sujeito
com o seu meio, isto é, por intermédio da interação social que é mediada por instrumentos
e signos desenvolvidos pelos homens ao longo da história. Desta forma, questões
culturais, sociais e históricas interferem diretamente na aprendizagem do sujeito, sendo o
processo de mediação, que ocorre nas relações sociais, o responsável pelo
desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VIGOTSKII, LURIA,
LEONTIEV, 2010; SILVA, 2017). Então, a partir desta mudança na forma de se
compreender o processo de desenvolvimento dos seres humanos, passamos também a
olhar para a questão dos problemas de aprendizagem a partir de uma outra ótica, conforme
colocam Leonardo, Leal e Rossato (2015):

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Desta maneira, o comportamento do aluno passa a ser compreendido como


síntese de múltiplas determinações. Seu fracasso escolar não se explica
somente como fruto de incapacidades orgânicas ou psíquicas, mas de uma
multiplicidade de fatores que tem por base as relações estabelecidas na
sociedade capitalista (LEONARDO, LEAL, ROSSATO, 2015, p. 167).

Deste modo, numa perspectiva Histórico-Cultural a avaliação deve possibilitar


uma intervenção no processo educacional do aluno, e não somente classificar os
indivíduos ou descrever o que está acontecendo no momento da avaliação. Segundo Facci
e Souza (2014):

Para seguir essas premissas é necessário observar todo o processo de


aprendizagem do estudante, a história da constituição das dificuldades no
processo de escolarização, as relações que o estudante estabeleceu e vivencia
no seu cotidiano e na escola, as potencialidades do estudante e as relações
sociais que produzem este ou aquele tipo de estudante e de dificuldade; ou seja,
com base no Materialismo Histórico-Dialético é necessário compreender a
totalidade das queixas escolares (FACCI, SOUZA, 2014, p. 393).

Neste sentido, o método instrumental, proposto por Vigotsky (2000) em suas


obras pode ser utilizado como referência para a construção deste outro modelo de
avaliação. Neste método, Vigotsky destaca os seguintes princípios: fazer uma análise do
processo, e não do objeto; buscar explicações ao se analisar um dado fenômeno, ao invés
de só descrevê-lo; e realizar uma análise genética do fenômeno, isto é, voltar ao ponto de
partida e olhar para o processo de desenvolvimento (FACCI et al, 2007; CHIODI, 2012).
É o método instrumental que permitiria, também, se avaliar o potencial de aprendizagem
da criança, outro conceito central na obra de Vigotsky. Em termos mais práticos, segundo
Facci e Souza (2014):

a meta é observar, entre outros aspectos, como as funções psicológicas


superiores estão se desenvolvendo vinculadas ao processo pedagógico, e
analisar como o estudante utiliza os recursos mediadores dispostos no
ambiente para resolver as tarefas escolares (FACCI, SOUZA, 2014, p. 394).

Desta forma, na perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem defendidas por


Vigotsky (2000), a ênfase das avaliações deve ser de ordem social, deslocando-se o
problema das “dificuldades de aprendizagem” do nível individual para o social. Como
colocam Pottker e Leonardo (2016), o que, na verdade, tem dificultado o processo de
desenvolvimento e aprendizagem de um número cada vez maior de crianças e
adolescentes é a questão da qualidade das mediações que ocorrem na escola e na
sociedade, mediações estas que são as responsáveis por promover a transição entre as
funções elementares (biológicas) para as funções psicológicas superiores nos alunos.

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Processo de avaliação de crianças com “dificuldades de aprendizagem”: um
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4. Considerações Finais

Conforme apontam Facci, Eidt e Tuleski (2006), um dos desafios educacionais da


atualidade é desenvolver procedimentos de avaliação cujos resultados e análises possam
ser utilizados para produzir informações práticas que sirvam ao planejamento
educacional. Neste sentido, tentamos argumentar neste ensaio teórico que uma mudança
de perspectiva sobre a problemática das “dificuldades de aprendizagem”, passando de um
viés biologizante e individualista para uma visão mais sistêmica e social acarretaria
também em mudanças sobre o modo como as avaliações de aprendizagem no contexto
escolar são realizadas.
Um dos pontos importantes de serem destacados em relação às avaliações seria
voltar o foco do professor para a investigação sobre a zona de desenvolvimento proximal
das crianças, além de seu nível de desenvolvimento real. No método da psicologia
histórico-cultural, os sujeitos da investigação são colocados em situações nas quais
precisam operar com signos e instrumentos. Também são feitas análises comparativas
sobre como a criança resolve um problema sozinha e como o faz com ajuda de outra
pessoa. Este tipo de atitude tem por objetivo compreender a ontogênese levando em conta
a mediação, importante característica do desenvolvimento das funções psicológicas
superiores, e investigar o nível de desenvolvimento potencial da criança. Num processo
de avaliação, olhar para este nível de desenvolvimento é absolutamente necessário numa
perspectiva de se aproveitar do processo avaliativo como um instrumento de promoção
da aprendizagem.
Defendemos ainda que, numa perspectiva Histórico-Cultural sobre as
“dificuldades de aprendizagem”, o professor seria a pessoa mais indicada para se avaliar
as supostas “dificuldades de aprendizagem” de seus alunos, visto que este profissional é
o principal responsável pelo processo educativo e quem acompanha a criança
cotidianamente onde ocorrem as mediações referentes aos processos de ensino e
aprendizagem. Ao considerarmos que a aprendizagem do indivíduo é algo atrelado à
mediação social e não a fatores orgânicos e internos do sujeito, estamos indicando que o
foco de intervenção é de caráter pedagógico e, assim, os encaminhamentos para
profissionais externos perderiam o sentido, diminuindo drasticamente.

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Por fim, consideramos que mais estudos nesta perspectiva são necessários, de
modo que possam fornecer diretrizes mais práticas sobre como poderia se dar o processo
de avaliação educacional numa perspectiva que não produza rotulações, mas que permita
descolar o eixo de análise das “dificuldades de aprendizagem” do indivíduo para o
processo de escolarização e o conjunto de relações históricas, sociais, institucionais,
pedagógicas, dentre outras, que constituem o cotidiano escolar. A partir desta mudança
de paradigma, esperamos, ainda, como resultado deste ensaio, assim como de pesquisas
futuras, contribuir com a prática pedagógica e a superação do fracasso escolar, a partir de
uma visão mais sistêmica sobre a problemática das dificuldades de aprendizagem, de
modo que o processo de avaliação forneça as bases para mudanças na dinâmica de ensino
das escolas e para aprimorar o trabalho docente, se constituindo, portanto, como um
instrumento de transformação da realidade social.

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