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de Marx a Gramsci*
Guido Liguori**
termo “corporativo”). Historicamente, essa nova a propósito do tema da sociedade civil, é Antonio
visão de sociedade civil está atrelada a uma inter- Gramsci, cuja crítica, não sem razão, estava volta-
pretação “idealista” sobre o fim de alguns regimes da contra o taylorismo (crítica, inclusive, também
despóticos do Leste Europeu. Se isso é compreen- presente em Lênin e em quase todo o marxismo da
sível, não é, porém, de certo compartilhado. A re- época). Trentin ao rediscutir o conceito de socieda-
vogação dos direitos do não-político, ou do pré- de civil gramsciano argumenta que se não compre-
político, de fato, quase sempre termina por endermos a realidade em sua dimensão deter-
promulgar os direitos do mercado. Como escreveu minante, que é a do antagonismo de classe – ou
Marx em A questão judaica, o homem da sociedade seja, a realidade enquanto indivíduos incluídos, in-
civil termina sempre por assemelhar-se com o “ho- tegrados, através da luta de classes na sociedade
mem egoísta”, cujo egoísmo chama-se “liberdade civil –, chegaremos à forma de interpretação noto-
civil”. Enfim, do homem visto como aquele que riamente discutível, em larga medida errônea, como
“[...] curva-se sobre si mesmo, sobre o seu interes- por exemplo a desenvolvida por Norberto Bobbio
se privado e seu arbítrio próprio”.3 Essa “antropo- em seu polêmico estudo sobre Gramsci de 1967.6
logia atomista” concebe uma dupla ação na socie-
dade civil: a “liberista”, baseada sobre o mercado, A respeito desse tema, encontram-se unidos:
como a “liberal”, fundada sobre os direitos e suas Marx, Gramsci e a socieda-
associações pré-estatais, que não considera a exis- de civil. A particular leitura
tência de classes sociais; ou seja, onde a pessoa, o feita por Bobbio * sobre o
Como escreveu Marx em A
indivíduo, é impelida a prescindir do seu ser-em- conceito de sociedade civil
sociedade, 4 do seu ser determinado pela complexa na obra de Gramsci não questão judaica, o homem da
rede de relações econômicas, sociais e políticas. pode constituir um ponto de
sociedade civil termina sempre
partida sobre a presente re-
Enquanto diferente tentativa de relançar à es- flexão, sendo talvez a própria por assemelhar-se com o
querda o conceito de sociedade civil, citamos o li- interpretação de Gramsci
vro de Bruno Trentin, La città del lavoro.5 Resumin- “homem egoísta” [...].
sobre sociedade civil a que
do uma velha “querela” da esquerda, sobretudo do mais influenciou, depois de
século XX, a favor e contra Lênin e o leninismo,
Togliatti, para a recepção
Trentin – se é de fato reprodutor de alguma tese
dos seus Cadernos do cárcere na Itália e no mundo.
própria das correntes teóricas minoritárias do mo-
vimento operário e comunista de Novecento de Dito de forma extremamente sintética,7 sem
Luxemburgo a Korsch –, lendo-os como notas de sustentar as divergências de Gramsci a respeito de
um ponto de vista social-político (onde, talvez em Marx, Bobbio não argumenta de forma profunda
meio a essa polêmica é evidenciado pela primeira
*
vez esse termo), acaba opondo-se a um ponto de Esse texto de Cagliari, de 1967, “La società civile in Gramsci”,
foi lançado no Brasil em agosto de 1982 com o título de O
vista de uma práxis, sobretudo político-estatualista. conceito de sociedade civil, trad. por Carlos Nelson Coutinho
Um dos autores que Trentin usa muito em sua obra, (Rio de Janeiro: Graal, 1982).