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O direito de participar 10
Viviane Aquino
Joaquim Emanuel Barbosa
Sheila de Sá
Edivan Gomes Vilela
Carta ao leitor
Acessibilidade Gourmet é uma edição especial que oferece, a você, não apenas um guia de restau-
rantes das Asas Sul e Norte de Brasília mas, também, uma prestação de serviço em favor da cidadania
e da igualdade.
Esta publicação apresenta os endereços da gastronomia brasiliense que contam com acessibilidade
para pessoas com deficiência. São locais que respeitam os direitos dos deficientes, garantidos pela legis-
lação, que asseguram a liberdade de ir e vir, e sua dignidade.
Nas páginas seguintes, você encontrará 40 restaurantes que contam com banheiro e espaço interno
adaptado para receber cadeirantes, cardápio em braile e ilustrativo e garçom fluente em Libras.
Além disso, o leitor conhecerá a história de homens e mulheres com deficiência, que viveram experi-
ências referentes à acessibilidade em restaurantes da cidade. Nos encontros, eles contaram histórias de
vida e os problemas que enfrentam em relação à dificuldade de acesso a esse direito.
EXPEDIENTE
Leis
Os números mostram que os empresários do setor rantem seus direitos na sociedade. A Lei Federal
não tornam seus estabelecimentos acessíveis e, as- 10.098/2000 estabelece normas gerais e critérios
sim, não cumprem a legislação que abrange os di- básicos para a promoção da acessibilidade. Entre os
reitos das pessoas com deficiência, a começar pela deveres contidos nessa lei, determina-se o banheiro
Constituição Federal de 1988, que garante o direito acessível, com equipamentos e acessórios, como as
à cidadania e à dignidade da pessoa humana. O ar- barras de apoio, para serem utilizados por pessoas
tigo 5º diz “que todos são iguais perante a lei, sem com deficiência.
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
Em 2004, a Associação Brasileira de Normas Técni-
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
cas (ABNT) produziu a Norma Brasileira 9.050/2004,
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual-
que trata da acessibilidade. Os restaurantes passam
dade, à segurança e à propriedade”. A Constituição
a ser obrigados a ter mesas acessíveis aos cadeiran-
assegura, ainda, que todos têm o direito de ir e vir.
tes, balcões de atendimento com altura adequada
O advogado e presidente da Comissão de Defesa a eles e cardápio em braile. Já, os sanitários devem
dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem obedecer às normas em relação aos acessórios e às
dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Yure Gagarin barras de apoio.
Soares, explica que a Constituição é a base para as
Aos deficientes visuais, a Lei Distrital 3.634/2005 es-
outras leis. “A Constituição é a lei maior, que garante
tabelece que todos os restaurantes e similares do
os principais direitos. É como o avô de uma famí-
Distrito Federal são obrigados a ter cardápios em
lia. A partir dela, vêm as outras leis”, diz. Para ele, é
braile. Para os cegos que utilizam cão-guia, a Lei
fundamental que a sociedade respeite as normas e
Distrital 2.996/2002 assegura ao deficiente o direito
trabalhe para incluir os deficientes.
de entrar e permanecer em qualquer local acom-
Além da Constituição, as pessoas com deficiência panhado de seu cachorro. Leia mais sobre as leis na
são protegidas por legislações específicas que ga- página ao lado.
Nessa Lei, barreiras são entendidas como qualquer obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de
movimento e a circulação com segurança das pessoas com deficiência e têm diversas classificações. Entre
essas, tem-se as relacionadas às barreiras arquitetônicas na edificação, referentes às barreiras existentes no
interior dos edifícios públicos e privados. Também são classificadas as barreiras relativas às comunicações,
consideradas como qualquer obstáculo que dificulte ou impossibilite o recebimento de mensagens por in-
termédio dos meios ou sistema de comunicação, sejam ou não de massa.
Obriga todos os restaurantes e similares do Distrito Federal a adequar seus cardápios à linguagem braile. Apenas
os estabelecimentos que trabalham exclusivamente com o sistema de “self-service” ficam dispensados.
Assegura, ao portador de deficiência visual, o direito de ingressar e permanecer acompanhado de seu cão-
-guia, em qualquer local público ou privado, meio de transporte ou estabelecimento comercial ou industrial,
de serviços e de saúde. Nos locais públicos ou privados é assegurado ao deficiente, com o seu cão, o uso da
porta de entrada e de elevador principal ou de serviço, sem discriminação.
6 ACESSIBILIDADE GOURMET
Fiscalização
Alguns órgãos do Distrito Federal são responsáveis O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Ba-
por fiscalizar o cumprimento das leis referentes aos res e Similares de Brasília (Sindhobar), Clayton Faria de
direitos dos deficientes. O Instituto de Defesa do Machado, diz que a associação promove ações de in-
Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF) fiscaliza centivo, ainda que sem regularidade, para que os em-
o uso do cardápio em braile. De acordo com o presi- presários se ajustem às leis de acessibilidade, porém al-
dente do órgão, Oswaldo Moraes, a última verificação gumas casas ainda precisam se adequar. A ideia de que
ocorreu em agosto e em setembro deste ano, e cinco as pessoas com deficiência não vão aos restaurantes é
empresas foram autuadas. Não foram divulgados os um erro. “Mesmo que pensem assim, os empresários
nomes desses estabelecimentos. devem tornar acessíveis os estabelecimentos para fazer
com que os deficientes passem a frequentá-los”, diz.
Moraes informou que as verificações são feitas de
acordo com a sazonalidade. “Não temos previsão para A lei, para o presidente do órgão, é essencial, mesmo
realizar uma nova fiscalização, mas, se surgirem de- que muitos não a cumpram. “Ainda não existe a cul-
núncias, vamos trabalhar nesse setor ou restaurante. tura educacional na sociedade. Por isso precisamos da
Se o consumidor quiser reclamar, é preciso ligar para legislação. Ainda estamos em um nível de fazer as coi-
disque-denúncia do Procon [151]”, disse. sas apenas quando há lei”, declara Machado.
Ele afirma que, no dia seguinte à denúncia, o setor de A Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefiz)
fiscalização é acionado. Se os fiscais constatam que a é responsável por fiscalizar as obras e o cumprimen-
lei não é cumprida, o restaurante é autuado com mul- to das normas urbanísticas e arquitetônicas, como as
ta que pode chegar até R$ 212 mil. Os empresários rampas e os banheiros adaptados, por exemplo. Pro-
têm o prazo de dez dias para apresentar suas justifica- curada pela reportagem por telefone e carta, não res-
tivas e recorrer da pena. pondeu às perguntas.
foto Marcela Sá
Banheiro adaptado
do restaurante Oishi,
na SQN 105
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Segundo ela, essa parte da cidade não é “totalmente acessível”, embora existam locais
com rampas de acesso. A assessora afirmou que há estudos “na fila” para serem reali-
zados. “Já chegamos a fazer algumas vistorias e, por mais difícil que pareça ser, não é
impossível fazer acessibilidade lá. Não vamos conseguir fazer uma ponte ligando todos
os prédios, mas é possível fazer uma rota acessível próximo ao meio-fio, por exemplo”,
disse. Márcia Muniz explicou que uma das ideias é fazer, no mínimo, uma rampa de
acesso em algum lado do bloco. Não há, no entanto, nenhuma previsão de obras.
foto Marcela Sá
Cardápio em braile
do restaurante
Sagres, na SQN 316
8 ACESSIBILIDADE GOURMET
O direito de
Pouco adaptadas, as áreas voltadas para o lazer são deixadas de lado pelos
empresários do setor, dizem associações que protegem pessoas com deficiência
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico (IBGE), 58.477 mil moradores do DF são
deficientes auditivos. Para eles, a comunicação acontece por meio de gestos, sorrisos e olhares.
Assim, para a convivência social, os surdos precisam de intérpretes em Libras, imagens e boa
vontade, elementos pouco presentes nos restaurantes da capital.
De acordo com o coordenador pedagógico da Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes
Auditivos de Brasília (Apada/DF), Marcos de Brito, poucos restaurantes de Brasília têm um fun-
cionário fluente em Libras ou mesmo cardápio visual com fotos de todas as opções, para que o
deficiente possa apontar o pedido. Por isso, segundo Brito, os lugares mais frequentados pelos
surdos são os restaurantes tipo “self-service” ou lanchonetes “fast-food” (onde as fotos dos san-
duíches costumam aparecer estampadas em painéis).
Segundo Brito, as casas têm pouca sensibilidade para atender aos deficientes auditivos. “Muitos
acham que escrevendo conseguem uma comunicação, mas tem deficiente que não consegue
ler, por exemplo.” O treinamento dos funcionários, para entenderem a importância dos gestos
na comunicação também é essencial. “É preciso uma educação com as pessoas para que co-
nheçam as necessidades dos deficientes e saibam ajudar”, afirma.
N O V E M B R O 2 0 1 0 . E D I ÇDÃEOZ E M
S PB ER COI A
2 0L 1 0
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Para o coordenador da Apada, uma das alternativas de acessibilidade seria o governo atuar para
promover a inclusão dos deficientes auditivos no mercado de trabalho, a fim de que possam ser
empregados em restaurantes, desempenhando funções de garçom, cozinheiro e copeiro, entre
outras. “A partir do momento que tem um surdo convivendo dentro do estabelecimento, as pes-
soas já vão se sensibilizando, porque vivenciam a realidade dele”, explica.
Ainda, de acordo com a Apada, outra ação importante seria incluir, no currículo das universidades,
principalmente nos cursos de gastronomia e turismo, a disciplina de Libras Básica. Para Brito, essa
atividade é importante, não para que o aluno se torne fluente na língua de sinais, mas para que
entenda essa forma de comunicação visual.
Sons e toques
No caso deles, o toque, o som e as vibrações são essenciais para entender o mundo e os outros.
Ir a um restaurante e pedir uma comida seria uma tarefa fácil, se os estabelecimentos tivessem
cardápio em braile disponível. Essa é apenas uma das necessidades dos deficientes visuais, que
representam, em números, no Distrito Federal, 188.779 pessoas, segundo o IBGE.
Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Deficientes Visuais (ABDV), Flávio Luis da Silva,
os restaurantes de Brasília não são acessíveis para os cegos. Na opinião dele, faltam preparo e
sensibilidade dos atendentes e, principalmente, cardápios em braile. “Alguns até têm, mas normal-
mente são desatualizados. Os locais devem se adequar às leis (leia na página 7), pois é um direito
do cidadão.” Além dos cardápios em braile, Silva destaca a importância da sinalização para os ce-
gos. “Não é preciso ter piso tátil, com ranhuras para informar e direcionar as pessoas, em todos os
lugares, mas seria importante que em locais onde há obstáculos exista alguma referência”, explica.
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Outra opção de acessibilidade, segundo ele, seria que em cada restaurante tivesse pelo menos
um funcionário habilitado, para oferecer um tratamento acessível. “O treinamento seria para
que o atendente orientasse sobre as necessidades mínimas do deficiente, como ajudar a guiar
e avisar quando servir o prato”, declara.
Ainda, segundo Silva, os lugares mais frequentados pela maioria dos deficientes visuais, assim
como no caso dos surdos, são os “fast-food”. “Nesses locais, a pessoa já sabe o sanduíche que
quer e não precisa passar por dificuldades, então acaba sendo uma opção mais viável”, alerta.
De acordo com o diretor de Comunicação da entidade, César Aschkar, nos períodos de fiscali-
zação, os estabelecimentos procuram as empresas para fazer seus cardápios, mas, muitas vezes,
não os buscam. “Alguns mandam fazer porque é lei e pode ter multa. Mas temos caixas aqui na
ABDV com cardápios que nunca foram buscados”, informa.
De acordo com a presidente da Associação dos Deficientes de Brasília (ADB), Maria de Fátima
Amaral, existem “pouquíssimos” restaurantes com adaptação e muitos consideram suficiente
colocar apenas uma rampa. “No entanto, esquecem de adaptar os banheiros, reservar espaços
para que os cadeirantes conduzam suas cadeiras até as mesas ou mesmo se servir”, explicou.
As dificuldades também estão no lado de fora, no estacionamento. “Quando existe uma vaga,
está sempre ocupada por quem não é deficiente”, ressalta.
“Ao excluirmos
qualquer pessoa,
negamos a existência
dela como sujeito”
Sem acessibilidade, as
Como a exclusão da sociedade afeta emocional-
pessoas com deficiência
mente a vida dos deficientes?
ficam condenadas
à inutilidade social. Afeta negativamente em vários aspectos. Ao excluir-
É o que afirma a mos qualquer pessoa, negamos a existência dela como
gestora de recursos sujeito. Esse fato segrega a pessoa com deficiência a
humanos do Instituto sua nulidade perante o mundo. Acredito que se deve
Cultural, Educacional e ter cuidado ao usar o termo deficiente, pois isso afirma
Profissionalizante das a incapacidade da pessoa de se inserir na sociedade e
Pessoas com Deficiência no atender as expectativas dessa sociedade. Pelo contrário,
Brasil (ICEP) e psicóloga, a pessoa com deficiência possui limitações que podem
Ângela Cezar Almeida. ser adequadas a cada um, sem a necessidade de con-
dená-lo à “inutilidade social”.
Em conversa com a
reportagem, ela afirmou
que os restaurantes devem De que forma a sociedade poderia atuar para in-
entender os deficientes cluir essas pessoas?
como clientes potenciais,
A inclusão deve acontecer através do reconhecimento
que não são atendidos pela
dessas pessoas como sujeitos participantes da socieda-
falta de acessibilidade.
de. As dificuldades encontradas, não só pelas pessoas
com deficiência, mas por toda população que sofre
Ela explica, ainda, que
exclusão, devem-se à tentativa de ignorar a presença
acessibilidade é ter
desse público. Sendo assim, cabe a todos modificar o
condições acessíveis para
entendimento perante essa situação e considerar a par-
qualquer pessoa com
ticipação do deficiente em todas as políticas públicas e
algum tipo de limitação
no mercado de trabalho.
temporária ou permanente.
“É ter o direito de ir e vir
sem muitas complicações.”
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A postura da pessoa com deficiência deve ser de superação de tais preconceitos e internalizar seus valores
e potenciais. A sociedade coloca uma barreira a mais para as pessoas com deficiência, por isso é necessário
fortalecer sua autoestima e autoconfiança.
Pesquisador afirma
que a sociedade
não aceita a
diversidade corporal
Um dos autores do
livro “Deficiência
e Discriminação”, A sociedade exclui as pessoas com deficiência? Por quê?
o assistente social
e doutorando Infelizmente, ainda sim. Por mais que se tenham conquistado avanços,
em Sociologia, em quase todas as sociedades, as pessoas com deficiência, em alguma
Wederson Rufino dos medida, ainda são excluídas. Elas representam uma diversidade huma-
Santos, explica, em na em suas habilidades corporais. As sociedades em maior ou menor
entrevista concedida grau encontram resistências em assimilar, de forma espontânea, essa
à reportagem, que diversidade corporal. Desse modo, o resultado são a exclusão, a dis-
a sociedade ainda criminação e as desigualdades. Existe uma pressuposição, e isso está
resiste em aceitar nas práticas sociais, culturais e atitudinais, de que as estruturas sociais
a diversidade são desenhadas para corpos sem deficiência. É isso que o movimento
corporal e que, por das pessoas com deficiência há mais de 40 anos luta para combater.
isso, os deficientes Eles reivindicam o direito de estar no mundo como fundamental. Eles
sofrem exclusão e querem estar no mundo, mas com toda a beleza que a diversidade de
discriminação. seus corpos representa. Isso é desafiador para as sociedades porque
são mudanças da ordem do cotidiano que têm de ser promovidas para
Santos ressalta, a verdadeira inclusão de todas as pessoas.
ainda, que a
sociedade espera De que forma a sociedade enxerga as pessoas com deficiência?
sempre que os Essa pergunta pode ter respostas muito subjetivas. De forma práti-
deficientes sejam ca, a cultura da normalidade presente em todas as sociedades aca-
heróis e quebrem ba pressupondo que as pessoas, ou pelo menos a maioria delas, não
barreiras com atos apresentarão corpos com deficiência. Não é a toa que as principais
solitários. No entanto, reivindicações das pessoas com deficiência começaram a aparecer
ele prega que esse em momentos de efervescência política nos países anglo-saxões e
esforço deve ser de depois na Europa nos anos 1970, momento de outras reivindicações
todos: governo e no campo dos direitos humanos e sociais. Foi ali que as sociedades
cidadãos. começaram a perceber que precisavam responder de forma mais efe-
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tiva às reivindicações das pessoas com deficiência, que poderiam não necessariamente ser atendidas por
demandas universais ou de outras minorias. É um tema que toca em vários modos de avaliar o quanto uma
sociedade verdadeiramente democrática respeita todos os seus cidadãos em suas particularidades.
Não basta o direito a ser livre e o direito ao igual tratamento, se os veículos de transporte não permitem que
todas as pessoas com deficiência possam acessá-los. Não basta as pessoas terem o direito a estar no mundo,
se não há rampas para cadeirantes ou sinais sonoros nos semáforos para cegos, ou o método bilíngue nas
salas de aula, o braile nos elevadores, shoppings, ou adaptações no mercado de trabalho para as pessoas
com deficiência mental. A lista é enorme. A deficiência pode ser um demarcador de como a sociedade ver-
dadeiramente preserva os valores democráticos, da igualdade e da não discriminação.
De que forma a sociedade poderia atuar para incluir as pessoas com deficiência?
Investir em políticas públicas que de fato transformem a sociedade em um lugar em que as pessoas não
sejam discriminadas pela diversidade que seus corpos representam. As legislações tendem cada vez mais a
ser avançadas em muitos países no tema da deficiência, mas é preciso traduzi-las em conquistas cotidianas
para as pessoas com deficiência.
Viviane Aquino
Joaquim Emanuel Barbosa
Sheila de Sá
Edivan Gomes Vilela
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“Vocês vão querer bufê ou cardápio?”, perguntou nome embaixo de cada opção, eu poderia me vi-
a garçonete. A cliente fez sinal para mostrar que rar e ninguém perceberia”, afirmou Viviane.
não entendeu. “Vocês vão querer bufê ou cardá-
Novamente sentadas à mesa, era hora de escolher
pio?”, tentou novamente. Sem respostas, a acom-
a bebida. Antes disso, uma pausa. A atendente pe-
panhante e intérprete de Libras fez sinais e tradu-
diu desculpas por não saber a linguagem de sinais.
ziu a pergunta. “Bufê”, escolheu Viviane Aquino, 34
“Sei que é muito importante para quem trabalha
anos e deficiente auditiva. Ela é surda desde que
com o público, gostaria muito de aprender. No
nasceu, comunica-se por meio da linguagem de
que precisar pode me falar”, disse, olhando para
sinais (Libras) e vende artesanato em lojas.
Tatiana. A intérprete ensinou que ela precisava fa-
A cena aconteceu durante jantar no restaurante lar diretamente com Viviane, e não com os outros.
Chilli Pepper, especializado em comida mexicana, A artesã diz que é comum que garçons não per-
na 215 Sul. Viviane estava acompanhada da repor- guntem diretamente para ela. “Eles só falam comi-
tagem e da amiga e intérprete Tatiana Maximinia- go quando vocês pedem.”
no. Todas escolheram o bufê, montado no meio
Outra funcionária atendeu à mesa para anotar
do restaurante, com vários sabores mexicanos.
as bebida. Viviane se esforçou para fazer sinais e
No bufê, o garçom responsável pelo atendimento informar o que queria. A garçonete repetiu para
perguntou: “Feijão com pimenta ou sem pimen- confirmar, e se entenderam sem maiores confu-
ta?”. Viviane fez um gesto com as mãos, para mos- sões. O pedido chegou e estava correto, mas a ar-
trar que não ouviu. Ele insistiu, mas, em seguida, tesã diz que nem sempre é assim. “Uma vez pedi
ficou impaciente e pediu que outra pessoa a ser- um refrigerante, e o funcionário trouxe suco. Até
visse. O momento causou constrangimento tanto eles entenderem, eu já desisti. Eles fazem a gente
para a deficiente auditiva como para as acompa- de bobo.” Além de trocarem o pedido, é corriquei-
nhantes. ro os funcionários cobrarem na conta tudo que foi
servido, mesmo que o que veio errado e, conse-
Então, a primeira garçonete que atendeu o gru-
quentemente, devolvido. “Eu discuto, brigo e fica
po voltou e repetiu a pergunta, dessa vez falando
aquele clima chato. Nesse dia acabei pagando.
devagar e olhando para a cliente, que, finalmente,
Mas não volto nunca mais”, declarou.
conseguiu ler o lábio da funcionária e entendê-la.
Viviane apontou e escolheu o feijão sem pimenta. Além disso, em alguns lugares, já lhe cobraram até
Com boa vontade, a funcionária passou a explicar o couvert artístico dos músicos. ”Nessas ocasiões,
o que era cada prato servido no bufê. Em volta, Viviane diz que fica magoada, pois se sente lesada.
muitos clientes repararam a pequena confusão e “Não consigo perdoar quem me trata mal, querem
os gestos da intérprete. ”Se pelo menos tivesse o passar a perna e tirar vantagem. Não sou boba.”
18 ACESSIBILIDADE GOURMET Na falta de intérprete em Libras,
as mãos e a caneta
No caso do Chilli Pepper, a conclusão de Viviane é Gestos, anotações e indicações são algumas
que o restaurante deixou a desejar. “Senti que os das formas de comunicação utilizadas pelos
garçons não olhavam e não perguntavam direta- deficientes auditivos em restaurantes. As
mente para mim. Eles trocaram meu prato sem eu alunas da Associação dos Pais e Amigos dos
pedir, enquanto, no de vocês, eles perguntaram se Deficientes Auditivos (Apada-DF) Altair de
podia.” Para ela, seria essencial que os funcionários Lemos Caitano, Síria Regina Faria dos Santos
soubessem Libras. “Nem precisa ser todos os dias, e Valdirene Soares de Souza, contam que, em
mas pelo menos uma vez na semana e que fosse visitas a esses locais, costumam apontar o que
avisado no local. Teria mais cliente, com certeza.” desejam no cardápio ou escrever para que os
funcionários entendam.
Mesmo com tantos problemas de falta de acessibi-
lidade, ela nunca deixa de frequentar restaurantes Elas dizem que, mesmo com o esforço é
na cidade e, principalmente, de reclamar. “Se não comum os garçons errarem os pedidos.
fizermos isso, eles nunca vão lembrar da importân- Quando isso acontece, recorrem aos gestos. As
cia de oferecer condições de acessibilidade. Se pa- alunas afirmam que “seria perfeito”
rarmos de sair, as pessoas deixam de perceber que se os restaurantes tivessem intérpretes
existe o deficiente físico e não melhoram”, ressalta. em Libras.
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O burburinho entre as pessoas de cada mesa, a músi- mais quando o atendente não tem uma boa dicção.
ca ambiente, a voz do garçom, o choro das crianças, “Aí tem que ficar pedindo para repetir até conseguir
as freadas dos carros do lado de fora. São esses os entender. Uma pessoa é diferente da outra. Por isso,
sons mais comuns dentro da Pizzaria Fratello, na 203 é difícil ler todas as pessoas.”
Sul. Sons que o analista de sistema Joaquim Emanuel
Vários garçons atenderam Emanuel, o que gerou
Barbosa, 31 anos, não ouve. Deficiente auditivo des-
problemas de entendimento. Alguns percebiam di-
de o dia em que nasceu, com perda total da audição,
ferenças e, talvez por isso, eram mais objetivos, mas
Emanuel conhece uma Fratello diferente.
em nenhum momento notaram a surdez. Uns fala-
Emanuel é um deficiente auditivo oralizado desde os vam mais alto, outros falavam de frente, outros fala-
4 anos de idade. Isso significa que, embora não ouça vam rapidamente e sem tanta atenção. Com esses,
nenhum som, compreende e consegue falar com Emanuel precisou pedir que repetissem.
as pessoas por meio da leitura labial, que aprendeu
Para Emanuel, acessibilidade é o conhecimento da
com ajuda de um fonoaudiólogo. Com tanta facili-
situação do outro. Para ele, um restaurante acessível
dade para entender os outros, ninguém percebeu,
é aquele onde os funcionários são treinados para en-
no dia em que foi com a reportagem à pizzaria, que
tender e solucionar as necessidades da pessoa com
o analista de sistema não ouve, apesar de ter havido
deficiência. “O sonho é que todos os garçons passem
um certo estranhamento.
por curso de oratória para aprender a falar de frente,
Carregando a filha de 1 ano, Laura Barbosa, Emanuel com postura, direto para o cliente e que tenham paci-
deixou o carro no manobrista e não encontrou mui- ência. Que os cardápios sejam fáceis e que exista uma
tos problemas. Segundo ele, o funcionário percebeu sensibilidade”, ressaltou. Funcionários que se comuni-
que havia alguma dificuldade de entendimento, quem em Libras também são essenciais, diz ele.
mas, com gestos, conseguiram se comunicar. “Ele fez
Emanuel disse que já enfrentou preconceito, mas
sinal para falar que eu deveria pagar dentro do res-
não se lembra de nenhum caso para contar. É uma
taurante e eles carimbariam”, disse.
estratégia adotada por ele para esquecer situações
Na hora de olhar o cardápio e escolher a comida, ruins. “Eu aprendi a perdoar. Quando você perdoa
apareceram mais dificuldades, relacionadas ao uso totalmente uma pessoa, você não se lembra.” Por
de palavras estrangeiras que são desconhecidas, isso, embora afirme que os restaurantes sejam ina-
como shimeji e shitaki (cogumelos). “O menu precisa cessíveis, Emanuel não deixa de frequentá-los. E
ser claro, compreensivo e sem floreios”, afirmou. Ain- afirma que tudo em sua vida foi uma questão de
da, segundo ele, é importante, para a pessoa surda, crescimento e adaptação. “Foi preciso me ajustar ao
que os garçons falem em uma posição fácil para a mundo, enfrentar, correr atrás”, disse. “Sou diferente,
leitura dos lábios. “Ele tem que falar virado de fren- mas sabendo dos meus direitos pude aprender que
te, para facilitar”, recomenda. Para ele, dificulta ainda também preciso ser respeitado.”
20 ACESSIBILIDADE GOURMET
“Nem que eu use todas as palavras será possível a guia, porque sabe que está em serviço. Porém, se
descrever o que o Dino significa para mim. Ele re- tivesse sem, teria passeado de mesa em mesa, pois
presenta a minha liberdade, minha qualidade de se comporta como um cachorro normal”, explica.
vida, meu amparo, meu afeto. Eu perdi meus olhos
e ganhei os dele. O Dino é uma extensão de mim.”
Com essas palavras, a bibliotecária e deficiente vi- SERVIÇO
sual Sheila Maria Guimarães de Sá, 45 anos, define Assim que o suco ficou pronto, o garçom levou-o à
seu sentimento por Dino, o cão-guia que lhe acom- mesa. Colocou o copo na frente de Sheila, junto com
panha há seis anos. um canudinho envelopado, sem dizer nada a ela. A
Era terça-feira, no almoço, quando Sheila e Dino en- reportagem explicou à bibliotecária que o suco esta-
traram no restaurante Gordeixo, na 306 Norte. A en- va lá. Ela, então, pediu ajuda para abrir o canudinho
trada no local foi um pouco difícil, devido às escadas e identificar o local da bebida na mesa. A orientação
e à falta de piso tátil para guiar o cego. Os garçons, deveria ser dada pelos próprios atendentes. Sheila
assim como os clientes, notaram a presença do cão. não reclamou: disse que é normal isso acontecer e
Todos olharam com curiosidade e admiração. Al- que, por isso, essas atitudes não a deixam chateada
guns abriram sorrisos, outros comentaram entre si ou irritada.
e elogiaram o animal. Os atendentes não ajudaram
O mesmo ocorreu ao servir o almoço. O funcionário
Sheila a sentar-se à mesa, mas prontamente busca-
colocou o prato em frente à Sheila, assim como faz
ram o cardápio em braile.
com todos os clientes. Os talheres foram dispostos
Sentada, Sheila lia o menu em braile para escolher o sobre um prato pequeno, enrolados em um guarda-
prato. Entre as opções, carnes, massas e bufê. “O car- napo e longe da bibliotecária. Novamente, a repor-
dápio é muito importante, mesmo que a leitura em tagem precisou avisá-la. “Estava sentindo um cheiro,
braile não seja muito simples. Mas aqui sinto que es- mas achei que era do restaurante. Deviam ter avi-
tão faltando alguns dados, como preços”, disse. Caso sado.” Sheila pediu ajuda à reportagem para cortar
não houvesse o menu “adaptado”, ela diz que pediria o filé. Alguns garçons estavam por perto, mas não
ajuda ao garçom para ler todas as opções, como já ofereceram auxílio.
ocorreu algumas vezes.
“Acho que os garçons deveriam ter avisado quando
Lido o cardápio, escolha feita. Filé-mignon grelhado colocaram o prato e ajudado a servir e a cortar. Mas
acompanhado de fritas, arroz branco e vinagrete. a culpa não é deles, pois estão acostumados a ser-
Para beber, limonada suíça. Enquanto isso, Dino fi- vir assim as pessoas sem deficiência. É automático”,
cou deitado ao lado de sua dona, esperando receber ressalta. Para ela, é necessário levar o problema aos
alguma ordem. “Ele fica tranquilo quando está com gerentes, responsáveis pelos treinamentos dos fun-
22 ACESSIBILIDADE GOURMET
cionários. “A gerência deve perceber as necessidades locais não tenham cardápio em braile, ela afirma que
do deficiente e rever o tipo de atendimento que é sempre há um garçom que se dispõe a ajudar.
feito. É função deles orientarem os garçons.”
Segundo ela, a principal causa da pouca acessibilidade
Quando resolve lanchar fora de casa, Sheila costuma é a falta de informação da sociedade, que não conhece
frequentar locais de “fast-food”. “Nessas lanchonetes as necessidades da pessoa com deficiência e não sabe
eu já sei o que eu quero porque costumo comer como ajudar. “Não podemos dizer que a acessibilidade
sempre”. Isso facilita para mim, já que não preciso ler é ideal ainda, principalmente porque, além da falta de
nenhum cardápio, por exemplo. Mesmo que muitos adaptação, existem o preconceito e os estereótipos.”
Quem é
Sheila de Sá
Sheila Maria Guimarães de Sá, 45
anos, é formada em Biblioteconomia
pela Universidade de Brasília (UnB).
Ela é deficiente visual desde os 27
anos, em decorrência de crises de
glaucoma. Mãe de dois filhos, ela
mora com o mais velho, Igor de
Sá Couto, de 22 anos. Namora um
massoterapeuta há 1 ano e 2 meses.
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23
Ela chamou a atenção logo na entrada. Uma mulher do cardápio em braile, tanto para o atendimento
baixa, magra, morena e bem vestida. Todos olharam, dos funcionários como para a pessoa com defici-
se entreolharam e continuaram observando. Um ência. “Eu me torno mais independente, podendo
acessório foi suficiente para causar esse estranha- escolher a minha comida e não tomo tanto o seu
mento, comum às pessoas com deficiência visual. tempo”, afirmou.
Era a bengala usada pela cega Edivan Gomes Vilela,
Para Edivan, a ausência de cardápio em braile, o es-
48 anos, bancária aposentada.
paço pequeno para circulação nos restaurantes, a
Era horário de almoço, durante a semana, no res- pouca sensibilidade dos funcionários para ajudar,
taurante Entrecote, que trabalha com grelhados e
massas, na 305 Sul. No salão, ainda vazio, um gar-
çom prontamente atendeu Edivan, ajudando-a a “Nós temos que caçar
sentar-se à mesa. A primeira pergunta de Edivan, a cadeira”
que gosta muito de sair para comer, não foi respon-
Estudantes do Centro de Ensino Especial de
dida como esperado. “O senhor tem cardápio em
Deficientes Visuais (CEEDV) reclamam que os
braile?”, perguntou. Não tinham. Essa seria a forma
restaurantes não são acessíveis para eles. Falta
mais prática para Edivan escolher a refeição. Em si-
cardápio em braile, piso tátil e treinamento
tuações como essas, segundo a bancária, alguém lê
dos funcionários. É o que dizem Maria Mancio,
para ela as opções.
Antônio dos Reis Costa, Abrão Lincon Alves
O garçom sugeriu que ela pedisse ajuda à repórter, Vieira e Jonys Ribeiro da Silva.
que a acompanhava no almoço. Edivan, no entan-
A falta do cardápio em braile é o problema
to, solicitou que ele explicasse. Após saber qual era
mais frequente, mas eles também reclamam
a preferência da aposentada, ele leu todos os pratos
do atendimento em alguns endereços. Na
relacionados, bem como acompanhamentos e pre-
opinião de Jonys da Silva, quando eles entram
ços. Precisou ainda repetir algumas opções e explicar
nos restaurantes, os garçons ficam perdidos.
os ingredientes para, enfim, Edivan fazer o pedido.
“Eles não sabem como atender. Nós temos
Ela afirmou que a falta do cardápio em braile é muito que caçar a cadeira e, por isso, sentamos no
comum, porém sempre existe algum garçom com lugar errado, por exemplo.” Além disso, os
boa vontade para ajudar. “Não é o restaurante que é alunos também falaram sobre a importância
acessível, mas sim alguns garçons. A boa vontade é de ter um funcionário treinado para lidar com
de alguns e não de todos”, disse. todos os tipos de deficiência, que saberia
como guiar um cego.
A bancária aposentada recomendou ao funcioná-
rio que falasse com o gerente sobre a importância
24 ACESSIBILIDADE GOURMET
além da falta de conhecimento sobre deficiência vi- lharam a saída de Edivan do local. Foi preciso encon-
sual, são os principais problemas de acessibilidade trar espaços para ser guiada e usar a bengala. Embora
para os cegos. “O ideal seria que os restaurantes trei- tenha havido problemas, a avaliação geral da visita,
nassem seus funcionários para receber deficientes.” para ela, foi boa. No entanto, o fato de os garçons não
terem ido à mesa mais vezes a incomodou. “Eles qua-
Assim que chegou o almoço de Edivan, composto
se não vieram perguntar se precisávamos de alguma
de arroz colorido, salada e um hambúrguer de pica-
coisa.”
nha, o garçom colocou a refeição na mesa, em fren-
te à cliente. Edivan pediu que ele lhe dissesse onde Ela diz que, por todas essas dificuldades, não costuma
estava cada porção do prato. “Quando o garçom me sair sozinha para almoçar ou jantar em restaurantes,
guia, falando onde está o arroz e a carne, por exem- preferindo ter a companhia da filha e do marido. “Se
plo, eu consigo me virar sozinha, como cortar os eu vier sozinha, com certeza sentirei dificuldade. “Mes-
alimentos sem ajuda”, disse. Mas, para isso, é preciso mo que sempre encontre alguém para ler o cardápio,
que o funcionário do restaurante esteja atento para me sinto dependente”, ressaltou.
essa necessidade. “Eu precisei pedir.”
“ Machuca
muito perder a
independência”
Pelo telefone, a voz era de ansiedade para conceder a entrevista. Ele chegou na hora combi-
nada. Para sair do carro, teve ajuda da mãe, Nancy Peres e do motorista. Mesmo com as difi-
culdades, Bruno Braga estava tranquilo, estampando no rosto a felicidade de um jovem de 19
anos. Era noite de uma terça-feira. Sushi foi a opção para o jantar. O restaurante escolhido foi o
Sumô Lounge, na 204 Sul. Bruno é tetraplégico, desde os 16 anos, quando sofreu um acidente
de carro.
A reportagem chegou ao local antes de Bruno e pediu uma mesa no térreo. “Não temos mesa
embaixo hoje”, foi a resposta do atendente. Após ouvir que estava chegando um deficiente
físico, o funcionário prontificou-se a conseguir uma. Conseguiram um espaço para quatro
pessoas, mas o garçom nos alertou sobre o procedimento a ser seguido em visitas futuras.
“Aqui embaixo, funcionamos apenas de quinta-feira a sábado. Nos outros dias, é preciso marcar
antes”, explicou.
O estudante e a mãe chegaram quando o local já estava arrumado. Ainda assim, muitas caixas
de papelão ocupavam a área e cadeiras estavam empilhadas. Talvez, para amenizar a pequena
desordem, os garçons ligaram a televisão e colocaram um DVD, com música ambiente. Embora
ali houvesse um bufê, não haviam pratos expostos, como ocorria no andar de cima. Na falta de
um espaço para “self-service”, os garçons informaram que poderíamos pedir o que quiséssemos
das opções oferecidas, e eles as trariam do bufê, montado no andar superior.
Ao saber das dificuldades para conseguir-lhe um local, Bruno disse que embora tenha aprendi-
do a conviver com problemas, algumas situações ainda lhe deixam irritado. “Sempre que acon-
tecem coisas assim eu brigo, fico muito estressado. É uma falta de respeito”, declarou. Chamar
a atenção das pessoas, brigar por estacionamentos e enfrentar dificuldades de acessibilidade
passaram a fazer parte da vida do jovem depois de um acidente de carro.
26 ACESSIBILIDADE GOURMET
Quem é Bruno de Paula Braga Por isso, o jovem procura ir sempre a locais que
sejam adaptados para deficientes físicos, mas afir-
Estudante de comunicação social, Bruno tem ma que é difícil encontrar acessibilidade completa.
19 anos e é tetraplégico desde os 16 anos. Em “Muitas vezes tem banheiro adaptado nos lugares,
2007, quando voltava da aula de tênis com o mas a chegada até eles não é acessível.”
pai, os dois sofreram um acidente de carro.
Bruno acordou uma semana depois na Uni- Bares e restaurantes são ainda menos acessíveis. Me-
dade de Tratamento Intensivo (UTI) de um sas muito próximas umas das outras e escadas para
hospital de Brasília. Chegou a ouvir de um chegar ao banheiro são alguns pontos que preju-
médico que nunca mais iria falar, estudar, se dicam o acesso para a pessoa que anda de cadeira
mexer e que teria pouco tempo de vida. Três de rodas. Quando sabe que o lugar tem problemas,
anos depois, após muitas cirurgias e interna- ele evita ir novamente, para não passar por cons-
ções, o jovem, um exemplo de superação, trangimentos. “Ter que pedir licença, incomodar as
fala, faz movimentos parciais com braços e pessoas, pedir passagem me constrange e eu acabo
mãos, estuda e se diverte. deixando de ir”, declara.
O estudante mora com a mãe, Nancy da Silva Mesmo nos lugares em que há mesas especiais para
Braga Peres, o pai, Eudo Luis de Paula Peres, pessoas com deficiência física, podem ocorrer pro-
e os irmãos, Renan de Paulo Peres Braga, 26 blemas. É o que explica a mãe de Bruno, Nancy Bra-
anos, e Juliana de Paulo Peres Braga, 24 anos. ga. “As mesas não acomodam o cadeirante, pois o pé
não é acessível, então não entra a cadeira de rodas.
DEZEMBRO 2010
27
Cadeirantes reclamam:
Campanhas
muitas escadas e pouco espaço
A vida de Bruno mudou completamente após o
acidente. Precisar de ajuda para realizar pequenos Os estudantes Guilherme Marcião da
Costa, 19 anos, e Joyce Fernanda de
movimentos, não poder sair para namorar como
Oliveira, 20 anos, são cadeirantes e, como
gostaria e não dirigir são alguns dos “machucados” Bruno Braga, enfrentam dificuldades nos
emocionais do jovem. “Me machuca muito o afas- restaurantes pela falta de adaptação. Os
problemas mais frequentes, segundo eles,
tamento das pessoas e principalmente perder a in-
dependência. É uma dor muito grande.” Mas ainda
“As rampas sem
são os banheiros estreitos e sem barras de
assim ele diz que aprendeu a aceitar a situação e a inclinação correta
apoio e escadas, tanto na entrada quanto
no acesso a outros pisos.
viver da forma mais feliz que pode. “Meus amigos e
minha família me ajudaram sempre e são os maio-
acabam não
Para Guilherme, uma outra falha é a má
res responsáveis por eu estar aqui.” A mãe de Bruno, servindo para
distribuição das mesas, que não permite
Nancy, completa. “Ele vive uma superação absurda nada. O cadeirante
uma fácil circulação da cadeira de rodas
dentro dos estabelecimentos. Na opinião
o tempo inteiro, sempre foi forte e positivo.”
continuará
dele, para sanar esses problemas, os
empresários deveriam fazer uma pesquisa
Para ela, a inclusão do deficiente depende de
medidas institucionais de conscientização.
precisando
com os deficientes físicosde ajuda,
para identificar suas
necessidades. “Esperamos a boa vontade deles
“Falta a sociedade ter mais conhecimento. Pre- pois não
para querer mudar”,consegue
ressalta. A estudante o
cisa haver uma campanha educativa por parte
do governo, igrejas e hospitais para despertar
impulso necessário
Joyce também crítica os espaços pequenos,
que dificultam a circulação. “A maioria de
o interesse das pessoas, para elas se acostuma- para fazer
restaurantes sozinho”
tem escadas e pouco espaço.
Todos poderiam ter mais rampas.”
rem com a deficiência”, ressalta.
28 ACESSIBILIDADE GOURMET
é acessível
para você
Fazer uma refeição rápida ou demorada, comer sozinho ou com os amigos, beber vinho
ou refrigerante. Enfim, degustar de alguma forma a gastronomia encontrada nas ruas
de Brasília. Tudo isso, somado à facilidade de acesso para todos os clientes, é o que você
vai encontrar nas páginas seguintes. São restaurantes localizados na Asa Sul e
Asa Norte que pensam no consumidor com deficiência na hora de servir uma boa
e – acessível – mesa. Confira os estabelecimentos acessíveis e anote na agenda.
ALEMÃO CARNES
Fred – Especializado em comida alemã, Corrientes 348 – O prato mais pedido
o prato mais famoso da casa é um da casa é a carne assada na brasa
picadinho de filé-mignon acompanhado apenas com sal refinado, o ojo del bife,
de arroz, farofa de pão, banana à retirado do miolo do contrafilé.
milanesa e ovo pochê. Serve duas pessoas.
Endereço: 405 Sul, bloco B, loja 10 Endereço: 411 Sul, bloco D, loja 36
Telefone: 3443-1450 Telefone: 3345-1348
CHURRASCARIA
COMIDA BRASILEIRA
Telefone: 3328-0017
GALETERIA
foto Divulgação
Endereço: 412 Sul, bloco C, loja 3
Telefone: 3345-4351
COMIDA NATURAL
PIZZARIAS PORTUGUÊS
VARIADOS
Endereço: 210 Norte, bloco D, loja 60 Endereço: 212 Sul, bloco A, loja 36
Telefone: 3349-2323 Telefone: 3346-3720
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