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PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
CURSO DE TEOLOGIA
CANOAS
2019
1
CANOAS
2019
2
Aprovado em 20/11/2019
BANCA EXAMINADORA
CANOAS
2019
3
AGRADECIMENTOS
RESUMO
O presente trabalho procura estudar a relação entre a música sacra com o ensino da
Palavra de Deus para as pessoas que fazem parte do Povo de Deus, a Igreja. Para
isso, no primeiro capítulo procura-se analisar textos bíblicos, tanto do Antigo quanto
do Novo Testamento, que apresentam o uso da música como ensino teológico ou que
sugerem o seu uso para ensinar a Palavra de Deus. No segundo capítulo, a partir de
referências bibliográficas, fundamenta-se que a música cristã funciona como serva da
Palavra de Deus e fala-se sobre as consequências disso para o culto e para a sua
relação com a doutrina presente nos cânticos e hinos. Concluiu-se, portanto, que a
música é instrumento para se levar a Palavra de Deus aos ouvintes; que Deus quer
que ela seja usada também nesse sentido; e que, por isso, devemos tratar com
atenção a escolha das músicas para o culto e para a vida do Povo de Deus. Devemos
ouvir, ensinar e utilizar apenas músicas que combinam com aquilo que se crê e se
confessa para que elas sejam, de fato, instrumentos adequados da Palavra de Deus
à edificação e instrução do seu povo.
ABSTRACT
This research aims to study the relationship between sacred music and the teaching
of God's Word to those who are part of God's People, that is, the Church. Therefore,
in the first chapter one cares to analyze biblical texts, both in the Old and the New
Testament, which show the use of music as a means of teaching theology or suggests
its use for the instruction in the Word of God. In the second chapter, from
bibliographical references, it is founded that church music functions as a servant of the
Word of God as well as it deals with the consequences of this for worship and its
relationship with the doctrine present in songs and hymns. It was concluded, therefore,
that music is an instrument for bringing God's Word to listeners; that God wants it to
be used in this sense too; and that, consequently, one must carefully consider the
choice of hymns for the worship service and the life of God’s People. We should listen
to, teach, and use only hymns that match what you believe and confess so that they,
indeed, be instruments used by God's Word for the strengthening and instruction of
His people.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
5 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 52
8
1 INTRODUÇÃO
A música sempre fez parte da história do Povo de Deus. Ela serviu para festejar
e celebrar, mas especialmente, serviu no louvor a Deus, na confissão de fé e no ensino
das pessoas a partir de sua vinculação com a Palavra de Deus. Nesse sentido, ao
olhar para a atualidade, percebe-se que, muitas vezes, não há um cuidado adequado
para que o conteúdo das letras de músicas cantadas e tocadas nos cultos e eventos
das igrejas cristãs estejam em acordo com a doutrina professada.
Assim, procurou-se investigar, a partir da Bíblia e de outras referências, a
fundamentação para as letras de músicas e hinos cristãos estarem de acordo com a
doutrina confessional das igrejas e as implicações que o descuido poderá causar.
Nessa perspectiva, serão analisados textos do Antigo e do Novo Testamento que
tratam da música com a função de confessar a fé que se crê e ensinar/propagar aquilo
que se crê. Posteriormente, será apresentada a vinculação da música sacra/cristã
com a Palavra de Deus, fonte de todo o conhecimento sobre quem Deus é, o que fez
e faz, e como essa relação influencia o uso da música no culto (envolvendo aspectos
litúrgicos) e da música como expressão das doutrinas.
Esse tema é importante porque, se aquilo que se canta proclama aquilo que se
crê, e pode ser instrumento de Deus em ir ao encontro das pessoas (por causa de sua
Palavra), as letras de música devem estar em acordo com as doutrinas bíblicas para
não causarem confusão ou entendimento errado nos cristãos, bem como não
atrapalhar o ensino da Palavra de Deus.
Em relação à trajetória pessoal do proponente, um anseio desta pesquisa é
mostrar que a música é um importante instrumento na igreja, especialmente na área
de ensino teológico. Na opinião deste autor, tudo o que se faz na igreja deve estar em
acordo com as Escrituras e, se as músicas fazem parte da Proclamação da Palavra,
elas devem ser escolhidas e analisadas com atenção e cuidado, não de modo
aleatório como muitas vezes é observado em cultos ou eventos cristãos.
No que se refere à relevância eclesiológica do estudo percebe-se que continua
havendo debate quanto às músicas contemporâneas e tradicionais na denominação
luterana e também fora dela e, muitas vezes, não se dá a devida importância à teologia
envolvida nas letras, o que pode ser muito prejudicial. Por isso, esse trabalho poderá
vir a ser um material de referência para reflexões nesse aspecto, com uma base
bíblica e confessional luterana.
9
1 Neste trabalho, todas as citações bíblicas serão feitas na tradução Nova Almeida Atualiza.
10
Em toda sua história, os israelitas têm lembrado esse grande livramento como
o elemento constitutivo pelo qual eles se tornaram povo de Deus. Os salmos,
em especial o 78, discorrem sobre o Êxodo em louvor a Deus por seus feitos
poderosos. Os profetas vezes e mais vezes exaltam Javé como o que tirou
Israel do Egito, conduziu o povo pelo deserto e lhe deu a lei (cf, Is 43.16s.; Jr
16.14; 31.32; Ez 20.6ss.; Os 2.15; 11.1; Am 2.10; 3.1s.). O Êxodo torna-se o
padrão da redenção divina. Só seria sobrepujado pelo livramento maior
realizado por Deus pela morte de seu Filho no Calvário (LASOR; HUBBARD;
BUSH, 2002, p.78).
2 Para uma análise sobre o conteúdo deste cântico ver: CRAIGIE,1976, p.373-389
11
Vê-se o papel didático que esse cântico assumiu entre o Povo de Deus:
lembrar-lhes o que Deus fez por eles e a aliança que tinham firmado. Craigie ainda
relaciona sua função didática com o uso da Bíblia em nossos dias: “O papel do Cântico
de Moisés na vida do antigo Israel retrata claramente pelo menos um dos papéis que
a Bíblia desempenha em nossa vida cristã no mundo moderno” (CRAIGIE, 1976,
p.372, tradução nossa).
Desse modo, este “cântico funciona como uma parte do testemunho da
renovação da aliança; quando os israelitas o cantavam, eles testemunhavam seu
entendimento e concordância com todos os termos e implicações da aliança”
(CRAIGIE, 1976, p.373, tradução nossa).
Kunz destaca o aspecto histórico e cultural que Moisés ensinava a Lei de Deus
de várias maneiras, inclusive a música. Moisés ensinava através da “repetição e [do]
exemplo (Dt 11.19), [da] leitura pública (Dt 31.10-13), [da] música escrita (Dt 31.19),
pois era comum no Egito ensinar através de canções” (KUNZ, 2016, p.56).
No final dessa narrativa do cântico, Moisés diz ao povo: “Guardem no coração
todas as palavras que hoje testifico entre vocês, para que ordenem a seus filhos que
tratem de cumprir todas as palavras desta Lei” (Dt 32.47). Thompson (1982, p.290)
conclui que
Desse modo, fica claro que Deus escolheu o cântico para preservar o
entendimento do povo quanto à sua Lei e sobre quem Deus era.
12
Brighton (1999, p.402, tradução nossa) afirma que nesse relato de Apocalipse,
“a igreja do Antigo Testamento (‘o cântico de Moisés’) se une à igreja do Novo
Testamento (‘o hino do Cordeiro’) em uma grande unidade”. Percebe-se, desse modo,
a importância de se valorizar as músicas do Povo de Deus ao longo da história, do
passado e do presente, bem como ver sua relevância para a época em que se vive.
O Cântico de Moisés representa a mesma fé do Povo de Deus salvo apresentado em
Ap 15. Afinal, todos fazem parte do mesmo Povo de Deus.
O Cântico de Ana, registrado em 1 Sm 2.1-10, é uma oração que tem sido
chamada de “cântico” devido ao seu caráter poético3. É outro exemplo que nos traz
alguns aspectos relevantes sobre o assunto. Ana é descrita como uma mulher estéril
que era ridicularizada porque não tinha filhos e que se entristecia por isso (1 Sm 1.6-
7). Após ela orar ao Senhor pedindo um filho, Deus atende sua oração e lhe dá um
filho. Em gratidão, ela louva ao Senhor através desse cântico.
Baldwin (1997, p.62) chama a atenção que no versículo 2, Ana chama o Senhor
de “rocha” e que isso é tem relação com o cântico de Moisés (Dt 32.31,37). Esse é
um dos fatores que faz com que ele afirme que Ana se utilizou da poesia e linguagem
cúlticas da época ao declarar seu cântico: “Não surpreende que ela tenha adaptado
frases poéticas e formas litúrgicas comuns em seus dias” (BALDWIN, 1997, p.63).
Olhando para o conteúdo do livro, Dillard e Longman dizem que:
3Baldwin (1997, p.62-63) aponta que existem referências poéticas nessa oração para com o Cântico
de Moisés (Dt 32), também destaca o uso poético da palavra “não” ao ser repetida três vezes no
versículo 2. Bíblia de Estudo da Nova Tradução na Linguagem de Hoje diz que esta oração possui
características de Salmo (2012, p.302). Há paralelismos da poesia hebraica na estrutura dessa oração.
13
A Bíblia da Reforma (2017, p.438) concorda com isso ao dizer que a oração de
Ana “apresenta a doutrina de 1 e 2 Samuel por meio dos seguintes temas: nós não
prevalecemos pela força; Deus executa juízo por meio do rei; Deus exalta o humilde;
e Deus age por intermédio do pequeno”. Esse cântico exprime a fé dessa serva de
Deus e mostra que cânticos podem exprimir histórias e aspectos teológicos.
Nesse cântico “é a primeira vez que a palavra messiah (ungido) é aplicada a
um rei” (BALDWIN, 1997, p.65, grifo nosso). Isso mostra essa relação do cântico com
todo o livro: “Ao mencionar o rei ungido (v. 10), o autor indica claramente a função
futura de Samuel na formação da monarquia” (LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002,
p.183). Depois, no cântico de Davi, no final de 2 Samuel, são retomados “alguns dos
temas do cântico de Ana, incluindo as vitórias concedidas pelo Senhor a ‘seu rei... seu
ungido’ (2 Sm 22.51)” (BALDWIN, 1997, p.65).
Existe relação desse cântico com o de Maria (Lc 1.46-55). Baldwin (1997, p.63)
diz que Maria adaptou este cântico para sua pessoa, pois “uma comparação
cuidadosa dos dois poemas revela a mesma sensação de maravilha diante da
misericórdia divina para com uma mulher humilde em Israel” (1997, p.66). Maria pode
ter se identificado com Ana.
Além disso, “o desejo por um filho e por um rei íntegro e ungido (1 Sm 2.10)
expresso no cântico de Ana ouve-se novamente no magnificat de Maria, quando ela
antecipa o nascimento do rei e Messias de Israel” (DILLARD; LONGMAN, 2006,
p.143).
A partir disso podemos inferir que Maria conhecia este cântico e que este
influenciou em sua forma de ver Deus e louvá-lo. O cântico de Ana é um protótipo do
cântico de Maria e da profecia de Zacarias (Lc 1.68-79), “o que demonstra como esse
cântico foi entendido pelo Israel devoto” (YOUNG, 2012, p.153).
Em 2 Sm 22.2-51 Davi proclama um cântico ao Senhor em gratidão “no dia em
que o Senhor o livrou das mãos de todos os seus inimigos e das mãos de Saul” (2 Sm
22.1). Este cântico é reproduzido bem semelhante no Sl 18.
A Biblia da Reforma (2017, p.524) diz que este cântico junto com o de Ana
formam uma espécie de moldura de 1 e 2 Samuel:
14
O Cântico de Davi mostra que, quando não havia mais esperança, um reino
foi estabelecido, um milagre ocorreu. [...] Num primeiro momento, parece que
esse reino é o de Davi, somente. Mas, na verdade, o reino descrito aqui vai
além de Davi, até seu descendente Jesus (BÍBLIA DA REFORMA, 2017,
p.524).
Weiser destaca que “o livro dos salmos contribui para a edificação pessoal,
como base da devoção familiar, como livro de consolação e oração, como guia para
Deus nas horas de alegria e de tristeza” (WEISER, Artur, apud FREDERICO, 2001,
P.80).
E Blum (2014, p.29) diz que “o livro de Salmos é um testemunho do louvor a
Deus oferecido pelos levitas, tribo separada por Deus para conduzir o louvor no
templo.”
Lasor et al concordam que os salmos eram usados no culto do povo de Deus e
afirmam que existem 6 possíveis situações de seus usos no culto:
5 Sigmund Mowinckel escreveu um livro em dois volumes sobre os salmos, intitulado: The Psalms in
Israel's Worship, Abingdon, 1962.
6 Interessante que “Philo, o judeu Alexandrino, contemporâneo de Jesus, refere-se à coleção de salmos
(1) a peregrinação a Sião, antegozada com alegria (SI 42.1s.), buscada com
paciência (84.6) e alcançada com exultação (122.1s.);
(2) a subida da arca (talvez de uma área ao sul da cidade de Davi),
acompanhada por hinos com um convite a que se entrasse no templo (95.1-
6; 100), por lembranças da reconquista da arca em Quiriate-Jearim (132.6) e
pela recitação da aliança de Deus com Davi (v. 11s.);
(3) a torá de ingresso (15; 24.1-6), que levantava questões sobre as
qualificações dos verdadeiros adoradores e dava uma resposta sacerdotal de
uma lista de qualidades, tais como lealdade a Deus e integridade para com o
próximo;
(4) a liturgia de entrada (24.7-10), com antífonas entre os sacerdotes na
procissão, os quais pediam entrada, e os sacerdotes de dentro do templo,
que pediam uma confissão de fé no 'Javé dos Exércitos" como senha (v.10);
(5) a adoração de Javé nos átrios do templo, expressa em hinos e
acompanhamento musical (150), pontuada de lembranças dos atos gloriosos
de Deus na criação (104) e na história (105; 136), culminando, talvez, na
expectativa de uma teofania (50.1-3; 80.1-3), uma manifestação especial da
presença e da glória dele, ainda que Deus sempre estivesse presente no
templo (46.5);
(6) a bênção da partida (91; 118.26; 121), garantindo aos peregrinos proteção
e provisão divinas, ainda que não pudessem permanecer continuamente,
como os sacerdotes, no santuário (84.10) (LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002,
p.480).
Nas festas e nos jejuns, nos cultos diários e nas comemorações, o povo de
Israel lembrava e revivia as vitórias passadas de Deus, consagrava-se à
obediência às leis da aliança no presente, o que exigia plena lealdade a Javé
e antevia triunfos futuros, principalmente a derrota final dos inimigos de Javé
(LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002, p.480).
7Dillard e Longman (2006, p.208-215) dividem os salmos em 7 gêneros: Hinos, Lamentos, Salmos de
ação de graças, de confiança, de recordação, de sabedoria, de realeza. Já a Bíblia da Reforma (2017,
p.849) divide-os em 12 tipos: Salmos de sabedoria, Reais/messiânicos, Lamentos individuais,
Lamentos da comunidade, Salmos imprecatórios, de louvor individuais, louvor da comunidade, de
confiança, da criação, de Sião, Salmos litúrgicos e hinos de louvor descritivo.
17
Dentro dela, tudo o que consta na Bíblia inteira foi composto da maneira mais
bela e resumida, como num delgado [fino] livro de cabeceira. Com efeito,
tenho a impressão de que o próprio Espírito Santo quis dar-se o trabalho de
compilar a Bíblia e o livro de exemplos mais curto de toda a cristandade ou
de todos os santos, de sorte que quem não pudesse ler toda a Bíblia ainda
assim tivesse, em um pequeno livrinho, quase um resumo completo
(LUTERO, 2003, p. 34).
Ao falar sobre as emoções dos cristãos que se apresentam nos salmos, Lutero
mostra a importância que isso tem para os leitores de hoje:
Quando essas palavras agradam a uma pessoa que combinam com seu
caso, isso também serve para que ela adquira a certeza de estar na
comunhão dos santos, e de que aconteceu com ela como acontece com
todos os santos, pois todos eles cantam com ela uma e a mesma cançãozinha
(LUTERO, 2003, p. 36).
8Existem muitos outros trechos bíblicos que se referem à música no Antigo Testamento que não serão
abordados neste trabalho.
19
função didática. Existem até alguns trechos bíblicos que recomendam utilizar a música
para ensinar.
Em primeiro lugar, deve-se destacar que
9Cf. Ef 5.14, Fp 2.6-11; 1Tm 3.16; 6.15-16; 2 Tm 2.11-13; Cl 1.15-20. Alguns desses textos serão
analisados a seguir.
20
O relato do Evangelho de Lucas combina muito bem com essa ideia de que a
igreja cristã nasceu em cânticos. Nos dois primeiros capítulos, há o relato de quatro
cânticos ou louvores em poesia: O “Cântico de Maria” (Lc 1.46-56); o “Cântico de
Zacarias” (Lc 1.67-80); o louvor dos Anjos (Lc 2.14) e o “Cântico de Simeão” (Lc 2.29-
32). Keith diz que “podem ser chamados os primeiros cânticos de Natal, [...] uma vez
que são baseados no nascimento de Jesus” (KEITH, 1960, p.19).
Sobre esses cânticos registrados pelo evangelista Lucas, Patrick diz que:
10Gourges (1995, p.52) diz que o v.48: “porque ele atentou para a humildade da sua serva” é quase
uma citação literal de 1 Sm 1.11: “se de fato olhares para aflição da tua serva”.
21
Este cântico assume um papel importante na medida em que formula “em forma
de bênção e louvor o sentido e o alcance teológico dos eventos descritos”
(GOURGES, 1995, p.28), “Deus visitou o seu povo para trazer-lhes salvação. Ele
cumpriu suas promessas. E este menino seria precursor do Salvador” (BLUM, 2014,
p.30).
Morris (1974, p.76) diz que “as palavras de Zacarias devem ser entendidas
como resultado da vinda do Espírito Santo sobre ele. São palavras de profecia,
11O Apóstolo Paulo diz que pela fé, todos somos descendentes de Abraão (Gl 3.7: “Saibam, portanto,
que os que têm fé é que são filhos de Abraão”, cf. Gl 3.29).
22
E então ele cita os seguintes exemplos: Ef 5.14, Fp 2.6-11, 1Tm 3.16, 6.15-16;
2 Tm 2.11-13, Tt 3.4-7, dos quais alguns serão abordados aqui.
Quanto aos Doxológicos, Patrick afirma que todos estão no livro de Apocalipse.
Em Ef 5.14 Paulo cita o trecho de um hino para enfatizar aquilo que ele está
ensinando: “Por isso é que se diz: ‘Desperte, você que está dormindo, levante-se
dentre os mortos, e Cristo o iluminará’”.
O apóstolo Paulo está ensinando sobre a nova vida que temos em Cristo e
exorta os cristãos a viverem de acordo com essa nova vida: “Porque no passado vocês
eram trevas, mas agora são luz no Senhor. Vivam como filhos da luz” (v.8,9). Devemos
imitar a Deus como filhos amados (v.1) e viver em amor como também Cristo nos
amou e se entregou por nós (v.2). Winger (2014, p.567, tradução nossa) afirma que
“presumivelmente, Paulo está citando uma fonte extrabíblica suficientemente familiar
para seus destinatários que ele não precisou nomeá-la” e que é possível que seja uma
paráfrase de Is 60.1: “Levante-se, resplandeça, porque já vem a sua luz, e a glória do
Senhor está raiando sobre você”.
Este cântico “é frequentemente considerado um hino batismal por causa de
suas óbvias qualidades rítmicas e pelo emprego de três metáforas batismais”
(ISENBERG, 1978, p.185, tradução nossa). As metáforas são: despertar do sono,
levantar dos mortos e ser iluminado por Cristo. Os efésios “que antes eram ‘trevas’,
foram transformados em ‘luz’ (5.8) pela iluminação da Palavra de Deus no Santo
Batismo (1.18)” (WINGER, 2014, p.567, tradução nossa). Não há dúvidas que o
Batismo é uma forma de Deus trazer-nos das trevas para luz (Ef 2.1) pois ele é o “lavar
regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). No batismo somos trazidos para
a nova vida em Cristo. Desse modo, Winger relacionando com o ensino de Paulo aos
Efésios, afirma:
Envolver-se em más ações envolve uma negação completa do que Deus fez
a eles no batismo. Eles estavam mortos em suas ofensas e pecados (2.1,5);
estavam envoltos nas trevas da impiedade, desesperança, carnalidade,
idolatria e escravidão ao diabo (2.2-3, 11-12; 4.17-19), mas agora eles foram
transformados em luz. A luz de Cristo brilhou sobre eles quando foram
transformados no Santo Batismo, renascidos como filhos de Deus (5.13-14).
Os imperativos do hino, ‘desperte’ e ‘levante-se’ (5.14), não significam que os
efésios agora estejam dormindo, mas que estavam adormecidos (mortos)
antes de seu batismo, quando esse hino foi supostamente cantado pela
primeira vez. Se a nossa reconstrução da origem e do uso deste hino estiver
certa, então deve ser entendido no contexto dessa ação sacramental quando
eles foram definitivamente despertados e ressuscitados (WINGER, 2014,
p.577, tradução nossa).
5
Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar de Cristo Jesus, 6 que,
mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus algo
que deveria ser retido a qualquer custo. 7 Pelo contrário, ele se esvaziou,
assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos seres humanos.
E, reconhecido em figura humana, 8 ele se humilhou, tornando-se obediente
até a morte, e morte de cruz. 9 Por isso também Deus o exaltou sobremaneira
e lhe deu o nome que está acima de todo nome, 10 para que ao nome de
Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, 11 e toda
língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai (Fp 2.5-
11).
Era um hino utilizado pelo povo nas comunidades cristãs da época. “Os
exegetas são quase unânimes em ver neste texto um hino emprestado das
25
13 Sinônimo de “sintetizar”.
26
Para ele, esse trecho é “totalmente judaico no seu tom” e “louva a soberania
sem igual de Deus contra toda autoridade humana” (KELLY, 1983, p.137). Mas, ele
afirma que é bem possível que fossem palavras usadas nas devoções da sinagoga
helenística que os convertidos tinham naturalizado para a igreja cristã (KELLY, 1983,
p.137).
Quanto ao conteúdo, este trecho ensina e destaca que Deus é soberano,
especialmente perante o imperador (KELLY, 1983, p.137).
Em Ef 5.15,16 lemos: “Portanto, tenham cuidado com a maneira como vocês vivem,
e vivam não como tolos, mas como sábios, aproveitando bem o tempo, porque os dias
são maus.” Também temos verbos no imperativo: “não sejam insensatos”, “procurem
compreender” (v.17); “não se embriaguem”, “mas deixem-se” (v.18). Winger,
analisando o contexto literário de Ef 5.19, diz:
Ele [Cristo] é o conteúdo central e principal da Palavra, que deve ser pregado
e ensinado. O tempo presente do imperativo “habite-se” (ἐνοικείτω) aponta
para uma presença contínua da Palavra. Não é meramente para ser lido,
comentado e afins, mas deve ser internalizado para estar continuamente
presente. Os crentes devem viver, pensar e existir em relação à Palavra de
Cristo (DETERDING, 2003, p.146, tradução nossa).
A ênfase cai mais obviamente na instrução dada pela palavra de Cristo (i.é,
a mensagem missionária que é centralizada em Cristo: 1.5; 4.3); os crentes
são encorajados a ensinar e admoestar uns aos outros pelo uso do dom da
sabedoria (1 Co 12.8) para assim participarem da tarefa apostólica (1.28)
(MARTIN, 1984, p.126).
versículos 19-21 que são: “falando”, “cantando”, “louvando” (v.19); “dando graças”
(v.20); “sujeitem-se15” (v.21); dependem do imperativo “deixem-se encher” (v.18). Ou
seja, todos esses verbos no particípio são explicações ou formas de deixar o Espírito
Santo encher os cristãos.16 Foulkes afirma que esse “deixem-se encher do Espírito”
significa que "o cristão deve deixar sua vida aberta para ser constante e repetidamente
cheia pelo Espírito Divino" (FOULKES, 1981, p.125,126).
Deterding conclui muito bem:
Ou seja, as músicas cristãs, na medida em que o seu conteúdo central seja a Palavra
de Cristo - a mensagem a respeito de Jesus Cristo - são formas de o Espírito Santo
encher, instruir e aconselhar os cristãos.
Winger (2014, p.588, tradução nossa) diz que o adjetivo “espiritual” pode não
qualificar apenas os “cânticos”, mas todos os três tipos de músicas religiosas dados
por Paulo (“Salmos, hinos e cânticos”):
Visto que o versículo anterior falou do Espírito Santo como aquele que enche
todos os cristãos (5.18) e, portanto, permite que eles cantem, o adjetivo deve
ser melhor entendido como modificando todos os três substantivos e
indicando que são todas canções inspiradas pelo Espírito Santo: “salmos,
hinos e cânticos que são [todos] do Espírito’ (WINGER, 2014, p.588, tradução
nossa).
De qualquer modo, estes trechos nos revelam que a música, ligada à Palavra
de Cristo, pode ser usada pelo Espírito Santo para edificar os cristãos. McCommon
afirma:
Quanto aos três termos utilizados por Paulo - “salmos, hinos e cânticos
espirituais” - “é impossível delinear qualquer distinção rígida” (DETERDING, 2003,
p.147, tradução nossa). Os estudiosos fazem distinções mas afirmam que não há
certeza nessas distinções. Alguns (McCommon, 1963, p.40; DETERDING, 2003,
p.147; HUSTAD, 1986, p.94,95; FOULKES, 1981, p.126) dizem que “Salmos” se
refere aos salmos bíblicos e outros salmos compostos pela igreja primitiva; “Hinos”
seriam cânticos de louvor a Deus ou a Cristo; “Cânticos espirituais”, é onde há mais
divergência. McCommon (1963, p.41) afirma que é “um tipo específico de cântico
sacro semelhante aos nossos cânticos evangélicos”. Deterding (2003, p.147) afirma
que o termo é amplo demais para se delimitar e Hustad (1986, p.95) e Foulkes (1981,
p.126) concordam em se referir a algo mais silencioso, “a melodia pode estar algumas
vezes no coração e não ser expressa por meio de sons” (FOULKES, 1981, p.126).
Parece ser uma discussão infindável, mas devemos concordar com
McCommon quando diz:
O Apóstolo Paulo, nos textos bíblicos relacionados, cita que “salmos, hinos e
cânticos espirituais” são formas de os cristãos se instruírem e aconselharem
mutuamente na sabedoria (Cl 3.16), deixarem-se encher do Espírito (Ef. 5.18),
habitando na Palavra de Cristo (Cl 3.16). O Espírito Santo age nos cristãos por essa
Palavra e os instrui.
Quanto à música no Novo Testamento, fica evidente a sua importância em
testemunhar aquilo que se crê. Os cânticos do Evangelho de Lucas e os cânticos
primitivos mostram muito bem isso ao serem utilizados para expressarem,
respectivamente, aquilo que Maria, Zacarias, os Anjos e Simeão criam, e aquilo que
Paulo e os primeiros cristãos criam. Estes cânticos também mostram sua importância
de ensinar doutrinas e aspectos teológicos sobre Deus, ou sobre Cristo ou sobre o
30
que ele fez, faz e fará. Keith (1960, p.24), falando sobre os primeiros cristãos do Novo
Testamento, diz:
Foi dito o suficiente, porém, para esclarecer que o canto ocupou um lugar
muito importante nos seus cultos. Devemos lembrar-nos que eles não tinham
o Novo Testamento nem declarações escritas da doutrina ou da fé cristã.
Assim podemos crer que a letra dos seus cânticos e hinos tornou-se o melhor
meio pelo qual preservaram os ensinos de Jesus. Certamente foi um grande
auxílio em animá-los durante a perseguição (KEITH, 1960, p.24).
A música foi usada na Bíblia para ensinar e foi recomendada por ela para
instruir sobre quem Deus é e o que ele faz, especialmente sobre o “Verbo que se fez
carne” (Jo 1.14), Jesus Cristo. Jesus Cristo é o Deus que se fez homem e assumiu o
castigo dos pecados de toda humanidade morrendo na cruz, foi ressuscitado, reina e
voltará para levar os que confiam nele ao céu. Essa é a mensagem central da fé cristã.
Em Jo 5.39, Jesus diz: “Vocês examinam as Escrituras, porque julgam ter nelas a vida
eterna, e são elas mesmas que testificam de mim”. Jesus se identifica como o centro
de toda a Escritura e em 2 Co 1.19,20, Paulo escreveu:
Porque o Filho de Deus, Jesus Cristo, que foi anunciado entre vocês por nós,
isto é, por mim, Silvano e Timóteo, não foi ‘sim e não’; pelo contrário, nele
sempre houve o ‘sim’. Porque todas as promessas de Deus têm nele o ‘sim’.
Por causa disso, Reynolds e Price afirmam que a “teologia – o estudo de Deus
– é uma parte significante da hinologia – o estudo dos hinos” (REYNOLDS; PRICE,
1987, p.v, tradução nossa). Para eles, não há dúvida de que os hinos e as canções
devem estar de acordo com a Bíblia e com as doutrinas que dela provém, e por isso,
destacam a importância com o cuidado nesse âmbito hinológico:
Creio que por minha razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu
Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo Evangelho,
iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé (LUTERO,
2016, p.372).
33
A partir da Escritura, sabemos que Deus age “não de modo imediato ou por
operação imediata, mas com o emprego de meios definidos e ordenados” (MUELLER,
2004, p.334). Ou seja, Deus escolheu utilizar meios para converter as pessoas –
colocar nelas a fé em Jesus Cristo como salvador. Esses meios são tão somente a
Palavra e os Sacramentos, como diz o artigo V da Confissão de Augsburgo (CA):
“Pois, mediante a palavra e pelos sacramentos, como por instrumentos, é dado o
Espírito Santo, que opera a fé, onde e quando agrada a Deus, naqueles que ouvem o
evangelho” (CA, 2016, p.65).
Sendo a Palavra de Deus um dos meios pelos quais o Espírito Santo, quando
quer, dá a fé aos não cristãos, e fortalece a fé dos cristãos, através do ensino, é
possível afirmar, junto com Lutero que:
A Palavra de Deus é um meio externo pelo qual o Espírito Santo age, não
importa a forma que venha ao encontro do ser humano, pode ser lida, pregada, ouvida,
mas também quando é cantada:
A Palavra de Deus, porém, é o tesouro que a tudo santifica. [...] Toda hora
em que se trata, prega, ouve, lê ou medita a palavra de Deus, dá-se, através
disso, a santificação da pessoa, do dia e da obra, não em virtude de ação
externa, mas por causa da palavra (LUTERO, 2016, p.409).
Por essa função da Palavra como instrumento de Deus para agir no ser humano
através do seu Espírito, seja convertendo ou edificando, é que a música sacra sempre
foi utilizada em prol da Palavra, a serviço da Palavra. Tanto no Antigo Testamento,
quanto no Novo Testamento, como mostrado no primeiro capítulo, bem como na
história do Povo de Deus, a música foi utilizada como instrumento para difundir a
mensagem do Evangelho e ensinar doutrinas:
No segundo século da era cristã, surgiu entre os cristãos gregos uma seita
chamada Gnósticos, que usavam hinos para inculcar um cristianismo
‘prático’. Infelizmente, falsas doutrinas também deslizaram em seus hinos.
Diante da grande popularidade desses hinos heréticos, a própria igreja foi
estimulada à produção de hinos ortodoxos (HALTER, 1955, p.8, tradução
nossa).
17 Arianismo – foi uma corrente teológica trazida por Ário (c. 270 – 336) que negava a pré-existência e
a divindade da segunda pessoa da Trindade – Jesus Cristo. Ele afirmava que Cristo era “criatura, tendo
sido criada ou no tempo, ou antes do tempo” (HÄGGLUND, 2014, p.59). A questão ariana levou ao
Concílio de Niceia (325) e a formulação do Credo Niceno que condenou os ensinos de Ário, defendeu
e difundiu a correta doutrina bíblica.
18 Humanismo foi uma linha filosófica que influenciou os teólogos do período da Reforma. Dentre seus
prazeres da música, Calvino via esse prazer como uma distração da Palavra de Deus"
(GEBAUER, 1978, p.339, tradução nossa). Patrick afirma que “ele também não
concordaria com a introdução de parte cantada, porque o interesse por ela poderia
desviar a atenção da intenção espiritual do que estava sendo cantado” (PATRICK,
1962, p.89, tradução nossa). Assim, Calvino “livrou-se do coro e da sua literatura de
maneira completa e os iconoclastas calvinistas removeram os órgãos das igrejas ex-
católicas” (HUSTAD, 1986, p.119). Ele, seguindo o princípio da reforma de voltar as
Escrituras, defendeu que apenas o saltério deveria ser usado no culto, “em uníssono
e sem acompanhamento” (HUSTAD, 1986, p.119). Na concepção de Calvino,
Por isso, em 1542 ele publicou um “Saltério Genebriano” (KEITH, 1960, p.71)
que “combinou as melhores versões métricas dos Salmos com as melodias
compostas e adaptadas pelos melhores músicos daquele tempo” (KEITH, 1960, p.71).
Sua ideia musical para o culto ficou conhecida como “salmos metrificados” ou
“Salmódia métrica”.
Ulrico Zwínglio (1484 – 1531), o músico mais habilidoso dos três,
diferentemente de Calvino, tomou uma atitude mais radical: “excluiu toda sorte de
execução musical do culto” (FREDERICO, 2001, p.155). Decisão que está
“intimamente relacionada ao seu conceito de culto” (GEBAUER, 1978, p.340, tradução
nossa). Para ele, o canto no culto deveria ser espiritual (GEBAUER, 1978, p.340,
tradução nossa). Ele não via a música como aliada da Palavra de Deus, mas como
algo que poderia atrapalhar: “a música, para ele, era uma atividade secular e devia
ser colocada em plano secundário ao conhecimento da Palavra” (FREDERICO, 2001,
p.155). Além disso, ele dizia que “não existe nenhuma recomendação bíblica para o
canto na igreja, a não ser os modelos do Antigo Testamento de Moisés e Ana, que
oraram em silêncio, em seus corações” (FREDERICO, 2001, p.155).
Martinho Lutero (1483 – 1546), por outro lado, aprovou, utilizou e recomendou
a música para ensinar a Palavra de Deus às pessoas. Gedrat diz que, para Lutero, “a
qualidade estava associada à utilidade da música: ou era própria para a adoração e a
proclamação da Palavra de Deus, ou era imprópria para tal” (GEDRAT, 2011, p.82).
36
No meu entender, nenhum cristão ignora que o canto de hinos sacros seja
bom e agradável a Deus. [...] O próprio S. Paulo o institui em 1 Co 14[.26] e
ordena aos colossenses que cantem com vontade ao Senhor hinos sacros e
salmos, para que desta maneira a Palavra de Deus e a doutrina cristã sejam
propagadas e exercitadas das mais diversas maneiras (LUTERO, 2000, p.
480).
37
não sou da opinião de que, pelo Evangelho, todas as artes devam ser
massacradas e desaparecer, como pretendem alguns pseudo-espirituais. Na
verdade, eu gostaria que todas as artes, particularmente a música,
estivessem a serviço daquele que as concedeu e criou (LUTERO, 2000, p.
480).
O resultado é este: que tudo, tudo aconteça para que a Palavra tenha livre
curso e que tudo isso não se transforme novamente em um palavrório e
vozerio vazio como foi até agora. Podemos dispensar a tudo, menos a
Palavra, e nada melhor do que promover a Palavra (LUTERO, 2000, p.69).
A música cristã deve ter atenção da parte dos pastores e músicos para que, a
Palavra anunciada através da música, possa ser um meio adequado de edificação
nos cristãos, através da ação do Espírito Santo. Hustad chama a atenção do poder da
Palavra mesmo através da música:
39
Pastores e músicos da igreja não podem ser negligentes diante das músicas
cantadas e utilizadas nos cultos, eventos, congressos e reuniões, pois não é toda
música que corresponde às verdades bíblicas, atrapalhando assim a ação de Deus
de edificar seu Povo e provocando confusão doutrinária dentro dele. A música tem
relação com a pregação e isto é apontado por Marzolf, que diz:
Todas essas funções citadas por Marzolf fazem parte da tarefa de ensino da
Palavra de Deus, e fica claro que a música sacra está inclusa na pregação da Palavra.
Portanto, deve-se cuidar com as músicas que são cantadas e o tipo de música.
Deterding, ao comentar sobre Colossenses 3.16 e a “habitação da Palavra de Cristo”,
os quais foram analisados no capítulo anterior, afirma que “o principal critério de
avaliação da música no culto cristão, se é para seguir o padrão estabelecido aqui,
será seu conteúdo querigmático”19 (DETERDING, 2003, p.158, tradução nossa), ou
seja, seu conteúdo proclamatório, sua mensagem. Ele faz um alerta para a Igreja:
19 “Querigma” (κήρυγμα), é uma palavra grega que pode ser traduzida por proclamação ou pregação.
40
Os nossos hinários pregam a Palavra de Cristo. Por isso eles sempre serão
importantes na obra da evangelização. Sendo Palavra de Deus, o Espírito
Santo quer agir por meio deles. E neste sentido a música sempre tem a tarefa
de captar a atenção do ouvinte. Ela faz o papel de condutor da mensagem.
Por isso o mais importante sempre será a letra (KARNOPP, 1997, p.67).
41
sabia que o culto era provavelmente o contato mais frequente que as pessoas
tinham com a teologia, e aprendiam pela forma que cultuavam – lex orandi,
credendi, vivendi21. Desta forma, Lutero passou a tratar o culto como forma
de ensino da teologia. [...] certifique-se que as pessoas vejam Jesus (ROSIN,
2011, p.25).
21O autor acrescentou “Lex vivendi” para enfatizar que a forma que cultuamos “afeta como cremos e
também como vivemos” (ROSIN, 2011, p.12).
43
O Verbo que se fez carne é o centro do culto e a música litúrgica deve servir a
esse Verbo.
Martinho Lutero, ao falar sobre culto, gostava da palavra “Gottesdienst” -
serviço de Deus. Em oposição ao modo de pensar e agir da sua época, especialmente
com respeito as missas católicas romanas, Lutero ensinou que
o culto não deve ser entendido como uma obra, algo que nós fazemos (ou o
sacerdote faz) para agradar a Deus e para receber algo dele. O culto correto
[...] se concentra no que Deus faz para nós e para nossa salvação (ROSIN,
2011, p.18).
Gottesdienst é uma palavra alemã que traz os dois aspectos do culto divino:
Deus vindo a nós e nos servindo através da Palavra e Sacramentos; e nós servindo a
ele em gratidão com nossas ofertas, orações e louvor:
Desse modo, no culto há essas duas perspectivas, Deus servindo o seu Povo
e o seu Povo retribuindo em gratidão e louvor. Culto é lugar onde “Deus fala a nós,
nós nos dirigimos a Deus e falamos uns com os outros. Todas estas são partes vitais
do culto na liturgia da Palavra” (WHITE, 1997, p.126). Conforme Nuechterlein, a
música no culto serve como um meio pelo qual “o próprio Deus se comunica com seu
povo na Lei e no Evangelho; os cristãos se comunicam com Deus em oração, louvor
e agradecimento; e os cristãos ensinam e advertem uns aos outros (Cl 3:16)”
(NUECHTERLEIN, 1978, p.106, tradução nossa).
Nada no culto é obra humana para conquistar algo de Deus, mas sim maneiras
de Deus abençoar seu Povo com seu perdão, vida e salvação e esse Povo retribui
louvando e agradecendo. Os hinos e a liturgia se enquadram nessa ação de Deus
para com o Povo e na ação do Povo para com Deus:
escreva sobre eles em boletins da igreja e pregue sobre eles como uma forma
de explicá-los. Assegure-se de que fazemos isto não simplesmente para ser
tradicionais, mas como uma ligação com a igreja antes e depois de nós
(ROSIN, 2011, p.25).
Não podemos nos prender apenas ao tradicional, ainda mais se isso não está
mais fazendo sentido para as pessoas. “A nossa forma litúrgica precisa ser útil para
compreendermos a nossa teologia” (KARNOPP, 2012, p.36). Halter e Schalk, dois
teólogos luteranos escreveram:
É muito bom que a Igreja olhe para trás, se identifique com os outros cristãos
que vieram, e coloquem em seus hinários e na sua liturgia aspectos que os identificam
como um só Povo, o mesmo Povo de Deus. O perigo é a Igreja acabar se fechando
para os novos tempos e ignorar as boas composições musicais que existem, ou os
diferentes tipos de instrumentos a serem usados. Tanto o antigo como o novo são
importantes. Delaney mostra muito bem isso:
Como a fé é uma coisa dinâmica, devemos esperar que ela seja expressa de
maneira dinâmica. As novas formas de hoje podem se fundir com formas de
ontem para enriquecer ainda mais o culto cristão. O coração cristão é poético
e inventivo. As pessoas em todas as gerações têm o seu modo de cultuar em
palavras mais significativas para eles (DELANEY, 1971, p.143, tradução
nossa).
culto. Hinos ou cânticos podem ser usados para reforçar a temática do culto, das
leituras ou da pregação:
Quando bem planejada, a música coral pode combinar muito bem com o
ministério da palavra ao oferecer um comentário musical sobre as leituras.
Com demasiada frequência hinos com textos não-relacionados à ocasião
atrapalham o fluxo de um culto cuidadosamente planejado sob outros
aspectos (WHITE,1997, p.63).
Ou seja, a escolha de músicas para o culto não deve ser feita de modo
apressado, aleatório e sem levar em consideração o tema do culto, da pregação ou
as leituras do dia, bem como o período litúrgico. Mas sim, dedicar-se também na
escolha dos hinos e cânticos para que o culto ensine melhor a Palavra de Deus e que
o Povo de Deus possa sempre cantar aquilo que se crê, e ter mais proveito e prazer
neste cantar. Pois:
que a música litúrgica não tem um fim em si mesma mas ela é instrumento
da divulgação da Palavra que se ouve ou para o Sacramentos que se recebe.
Portanto, a tarefa primordial do pastor como líder do canto congregacional
será a de supervisionar e orientar os líderes no canto a fim de se utilizar
músicas e textos que transmitam com pureza e fidelidade a mensagem bíblica
e sua aplicação na vida cristã (BLUM, 1985, p.12).
A música sacra/cristã deve servir à Palavra porque aquilo que se canta definirá
o que se crê ou o que se crê definirá o que se canta (Lex orandi lex credendi). Assim,
querendo ou não, quando se tem uma canção ou um hino, ali expressa-se a teologia,
ou a compreensão doutrinária, de alguém. As letras de músicas são uma das formas
de condensar àquilo que se crê:
Por outro lado, deve-se cuidar com as músicas que possuem melodias bonitas,
arranjos bem feitos, que são muito bem executadas, gravadas e divulgadas, mas que
possuem letras erradas, letras que expressam doutrinas não-escriturísticas. Por mais
que pareça inofensiva, a música pode danificar o ensino: “palavras errôneas, vestidas
com notas, parecem possuir inocência, mas é uma inocência enganosa que, ao longo
dos anos, muitas vezes provou ser um inimigo interno” (RESCH, 1993, p.164,
tradução nossa). Karnopp afirma corretamente:
erros? Por outro lado, devemos ficar presos somente ao hinário e não tentar ir ao
encontro da cultura que nos cerca e ao que as pessoas têm ouvido?
Em casos que o foco é muito maior na Integração, vê-se a crítica feita por
Krüger:
Tem-se notado que os critérios para a adoção das músicas geralmente não
passam pelo interesse em analisar seus reais sentidos e sua relação fiel com
os textos ou ensinamentos bíblicos, mas pela popularidade do cantor ou da
banda que as acompanha, pelo tipo de ritmo, pela forma como se espera que
a congregação reaja e, especialmente, pelo gosto pessoal do “ministro” de
louvor (KRÜGER, 2015, p.56).
pouco adianta executar uma música com texto correto, seja do repertório
tradicional, seja de uma criação contemporânea, se a mensagem não for
entendida pelos ouvintes, devido ao arranjo que dificulta a clareza da emissão
do texto ou se o texto é sufocado pelo volume dos instrumentos (BLUM, 2014,
p.46).
A tensão existe e deve ser motivo de reflexão constante por parte de teólogos,
pastores e músicos de igreja:
Se, por um lado, precisamos nos dirigir às pessoas de hoje que anseiam por
mudanças, por outro lado, a palavra de Deus é imutável. Ela nunca muda. O
mesmo Evangelho que salvou os primeiros cristãos continua a nos salvar
hoje. Mas, também é verdade, que a palavra precisa ser aplicada e dirigida
aos problemas e ansiedade de hoje e, de uma maneira compreensível e que
toque aos corações do povo atual (BLUM, 2014, p.46).
deve ser julgada pela maneira fiel como ela cumpre as suas funções,
confirmando as crenças comuns (teologia) e os alvos (adoração, comunhão
e ministério), bem como a identidade (tradições de cada cultura e subcultura
em particular (HUSTAD, 1986, p.39,40).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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