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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL

PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
CURSO DE TEOLOGIA

RUAN SCHÖENARDIE FALLER

O POVO DE DEUS CANTA O QUE CRÊ: UM ESTUDO SOBRE A IMPORTÂNCIA


DAS LETRAS DE MÚSICAS CRISTÃS NO ENSINO DO POVO DE DEUS

CANOAS
2019
1

UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL


PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
CURSO DE TEOLOGIA

RUAN SCHÖENARDIE FALLER

O POVO DE DEUS CANTA O QUE CRÊ: UM ESTUDO SOBRE A IMPORTÂNCIA


DAS LETRAS DE MÚSICAS CRISTÃS NO ENSINO DO POVO DE DEUS

Trabalho de Conclusão de Curso a ser


apresentado no Curso de Teologia
como requisito obrigatório para a
obtenção do grau de Bacharel em
Teologia.

Orientador: Prof. Me. Clóvis Vitor Gedrat

CANOAS
2019
2

RUAN SCHÖENARDIE FALLER

O POVO DE DEUS CANTA O QUE CRÊ: UM ESTUDO SOBRE A IMPORTÂNCIA


DAS LETRAS DE MÚSICAS CRISTÃS NO ENSINO DO POVO DE DEUS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Teologia em cumprimento parcial dos
requisitos obrigatórios para a obtenção do grau de
Bacharel em Teologia pela Universidade Luterana do
Brasil (ULBRA).

Aprovado em 20/11/2019

BANCA EXAMINADORA

Prof. Me. Clóvis Vitor Gedrat (Orientador)

Prof. Me. Raul Blum (Arguidor)

CANOAS
2019
3

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus que me capacitou para realizar meus


estudos, bem como este trabalho. Ele me deu saúde, disposição, inteligência, família,
amigos... sem a sua graciosa mão, eu não teria chegado até aqui.
Agradeço à minha família, especialmente meus pais e meu irmão que sempre
me apoiaram e me incentivaram nos estudos e durante essa caminhada acadêmica.
Meus pais ouviram muitas das minhas angústias e procuraram estar ao lado, auxiliar-
me e incentivar-me. Meu irmão, mesmo que morando longe, sei que estava torcendo
por mim e que estava de prontidão, caso eu precisasse de alguma ajuda. Sou muito
grato a eles.
Agradeço aos meus amigos da teologia da ULBRA e do Seminário Concórdia.
Caminhamos juntos, batalhamos juntos, por vezes, sofremos juntos, e estamos
chegando juntos ao final dessa etapa. Fui ajudado diversas vezes por eles em
trabalhos, em estudos, em momentos de descontração (que também são
importantes). Alguns ajudaram lendo e dando sugestões em meus trabalhos, outros
em traduções de inglês para português. Enfim, sem eles, teria sido mais difícil chegar
até aqui.
Agradeço aos professores que tive ao longo do curso. Aprendi muito com eles
e com suas disciplinas. Agradeço também ao meu orientador que é um professor que
admiro muito como pessoa, professor, teólogo, pastor e cristão. Agradeço a ele,
porque, além de todo o resto em que me ajudou, tendo um calendário muito apertado,
cedeu-me um tempo em sua sexta-feira, mesmo sendo após às 22h, algo que
contribuiu muito na produção deste trabalho. Obrigado, professores.
Agradeço também a aqueles amigos de fora da graduação que de alguma
forma participaram da minha vida nesse período acadêmico de 4 anos. Me ajudaram
incentivando, refletindo em conjunto, descontraindo, e que, por vezes, tiveram que
entender a minha ausência devido a trabalhos e atividades acadêmicas que tinha que
fazer.
Todas essas foram ou são pessoas colocadas por Deus em minha vida para,
de alguma forma, me conduzirem até a pessoa que sou hoje e para poder servir outras
pessoas com os conhecimentos adquiridos até aqui.
4

Da igreja o fundamento, é Cristo, o Salvador;


em seu poder descansa e é forte em seu amor.
Em Cristo bem firmada, segura sempre está
e, sobre a Rocha eterna, jamais se abalará.

A pura e sã doutrina procede de Jesus


e faz a sua igreja marchar em plena luz.
O nosso Deus benigno revela o seu amor,
e a todo mundo chama a crer no redentor.
(Hinário Luterano N° 306, estrofes 1 e 3)
5

RESUMO

O presente trabalho procura estudar a relação entre a música sacra com o ensino da
Palavra de Deus para as pessoas que fazem parte do Povo de Deus, a Igreja. Para
isso, no primeiro capítulo procura-se analisar textos bíblicos, tanto do Antigo quanto
do Novo Testamento, que apresentam o uso da música como ensino teológico ou que
sugerem o seu uso para ensinar a Palavra de Deus. No segundo capítulo, a partir de
referências bibliográficas, fundamenta-se que a música cristã funciona como serva da
Palavra de Deus e fala-se sobre as consequências disso para o culto e para a sua
relação com a doutrina presente nos cânticos e hinos. Concluiu-se, portanto, que a
música é instrumento para se levar a Palavra de Deus aos ouvintes; que Deus quer
que ela seja usada também nesse sentido; e que, por isso, devemos tratar com
atenção a escolha das músicas para o culto e para a vida do Povo de Deus. Devemos
ouvir, ensinar e utilizar apenas músicas que combinam com aquilo que se crê e se
confessa para que elas sejam, de fato, instrumentos adequados da Palavra de Deus
à edificação e instrução do seu povo.

Palavras-chave: Música Sacra. Música Cristã. Liturgia. Confessionalidade.


6

ABSTRACT

This research aims to study the relationship between sacred music and the teaching
of God's Word to those who are part of God's People, that is, the Church. Therefore,
in the first chapter one cares to analyze biblical texts, both in the Old and the New
Testament, which show the use of music as a means of teaching theology or suggests
its use for the instruction in the Word of God. In the second chapter, from
bibliographical references, it is founded that church music functions as a servant of the
Word of God as well as it deals with the consequences of this for worship and its
relationship with the doctrine present in songs and hymns. It was concluded, therefore,
that music is an instrument for bringing God's Word to listeners; that God wants it to
be used in this sense too; and that, consequently, one must carefully consider the
choice of hymns for the worship service and the life of God’s People. We should listen
to, teach, and use only hymns that match what you believe and confess so that they,
indeed, be instruments used by God's Word for the strengthening and instruction of
His people.

Keywords: Sacred music. Church music. Liturgy. Confessionality.


7

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

2 FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA MÚSICA COMO ENSINO................................. 9

2.1 ANTIGO TESTAMENTO.................................................................................... 9

2.1.1 Cânticos do Antigo Testamento .............................................................. 9

2.1.2 Livro dos Salmos .................................................................................... 14

2.2 NOVO TESTAMENTO ..................................................................................... 18

2.2.1 Cânticos do Evangelho de Lucas .......................................................... 20

2.2.2 Cânticos primitivos ................................................................................. 23

2.2.3 Ef 5.19 e Cl 3.16 ....................................................................................... 26

3 FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA DA MÚSICA COMO ENSINO ........................ 31

3.1 MÚSICA A SERVIÇO DA PALAVRA ............................................................... 32

3.2 MÚSICA NO CULTO ....................................................................................... 41

3.3 MÚSICA E DOUTRINA .................................................................................... 47

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 51

5 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 52
8

1 INTRODUÇÃO

A música sempre fez parte da história do Povo de Deus. Ela serviu para festejar
e celebrar, mas especialmente, serviu no louvor a Deus, na confissão de fé e no ensino
das pessoas a partir de sua vinculação com a Palavra de Deus. Nesse sentido, ao
olhar para a atualidade, percebe-se que, muitas vezes, não há um cuidado adequado
para que o conteúdo das letras de músicas cantadas e tocadas nos cultos e eventos
das igrejas cristãs estejam em acordo com a doutrina professada.
Assim, procurou-se investigar, a partir da Bíblia e de outras referências, a
fundamentação para as letras de músicas e hinos cristãos estarem de acordo com a
doutrina confessional das igrejas e as implicações que o descuido poderá causar.
Nessa perspectiva, serão analisados textos do Antigo e do Novo Testamento que
tratam da música com a função de confessar a fé que se crê e ensinar/propagar aquilo
que se crê. Posteriormente, será apresentada a vinculação da música sacra/cristã
com a Palavra de Deus, fonte de todo o conhecimento sobre quem Deus é, o que fez
e faz, e como essa relação influencia o uso da música no culto (envolvendo aspectos
litúrgicos) e da música como expressão das doutrinas.
Esse tema é importante porque, se aquilo que se canta proclama aquilo que se
crê, e pode ser instrumento de Deus em ir ao encontro das pessoas (por causa de sua
Palavra), as letras de música devem estar em acordo com as doutrinas bíblicas para
não causarem confusão ou entendimento errado nos cristãos, bem como não
atrapalhar o ensino da Palavra de Deus.
Em relação à trajetória pessoal do proponente, um anseio desta pesquisa é
mostrar que a música é um importante instrumento na igreja, especialmente na área
de ensino teológico. Na opinião deste autor, tudo o que se faz na igreja deve estar em
acordo com as Escrituras e, se as músicas fazem parte da Proclamação da Palavra,
elas devem ser escolhidas e analisadas com atenção e cuidado, não de modo
aleatório como muitas vezes é observado em cultos ou eventos cristãos.
No que se refere à relevância eclesiológica do estudo percebe-se que continua
havendo debate quanto às músicas contemporâneas e tradicionais na denominação
luterana e também fora dela e, muitas vezes, não se dá a devida importância à teologia
envolvida nas letras, o que pode ser muito prejudicial. Por isso, esse trabalho poderá
vir a ser um material de referência para reflexões nesse aspecto, com uma base
bíblica e confessional luterana.
9

2 FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA MÚSICA COMO ENSINO

A música vocal, vinculada à letra, sempre esteve presente no Povo de Deus.


Em alguns casos fica evidente sua importância e função didática. Devido a Escritura
Sagrada ser a “única regra e norma, segundo a qual devem ser ajuizadas e julgadas,
igualmente, todas as doutrinas e todos os mestres” (FÓRMULA DE CONCÓRDIA,
2016, p.499), em primeiro lugar deve-se olhar o que a Escritura apresenta sobre a
música como ensino para o Povo de Deus. Deve-se olhar o que a Palavra de Deus
tem a ensinar e orientar sobre este assunto, pois ela é a revelação de Deus: “toda a
Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção,
para a educação na justiça, a fim de que o servo de Deus seja perfeito e perfeitamente
habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3.16-17)1. Ou seja, a Escritura foi inspirada por
Deus e é útil para o ensino, repreensão, correção... e é isso que se busca nesse
capítulo: averiguar o que a Escritura tem a ensinar sobre a música ensinando o Povo
de Deus.

2.1 ANTIGO TESTAMENTO

O Antigo Testamento descreve a história do Povo de Deus antes do nascimento


de Jesus Cristo: o “Verbo que se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Descreve
desde a criação do mundo até mais ou menos 450 a.C. Nesse período, a música fez
parte do Povo de Deus e existem relatos bíblicos do Antigo Testamento que tratam
sobre a música na função de ensino. Alguns desses relatos serão analisados a seguir.

2.1.1 Cânticos do Antigo Testamento

Ao olharmos para o Antigo Testamento, chama a atenção o cântico de Moisés


registrado em Êx 15.1-18, que também é “a primeira referência bíblica à experiência
musical” (HUSTAD, 1986, p.87).
Imediatamente após Deus abrir o Mar Vermelho para o seu povo atravessar,
Moisés e os filhos de Israel entoam um cântico em gratidão e louvor a Deus. Hustad
(1986, p.87) diz que este “cântico foi um protótipo das expressões de louvor a Javé

1 Neste trabalho, todas as citações bíblicas serão feitas na tradução Nova Almeida Atualiza.
10

que se encontram por todo o Antigo Testamento, particularmente nos Salmos”. Ao


olharmos para o conteúdo do cântico, percebemos que “é centrado de maneira tão
exclusiva em Deus, que Moisés nem chega a ser mencionado. Isso representa um
contraste marcante com a literatura dos vizinhos de Israel que laureavam seus heróis”
(LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002, p.77). Também fica evidente que Moisés e o povo
louvam ao Senhor porque “triunfou gloriosamente” (v.1), “ele se tornou a minha
salvação” (v.2). Assim, “este cântico é a resposta que Moisés dá às ações de Deus
que havia libertado o seu povo da escravidão dos egípcios e, agora os havia libertado
também da perseguição do exército de faraó” (BLUM, 2014, p.28).
É interessante enfatizar ainda que o Êxodo, incluindo a travessia pelo Mar
Vermelho se tornou um símbolo da fé dos hebreus em todo o Antigo Testamento:

Em toda sua história, os israelitas têm lembrado esse grande livramento como
o elemento constitutivo pelo qual eles se tornaram povo de Deus. Os salmos,
em especial o 78, discorrem sobre o Êxodo em louvor a Deus por seus feitos
poderosos. Os profetas vezes e mais vezes exaltam Javé como o que tirou
Israel do Egito, conduziu o povo pelo deserto e lhe deu a lei (cf, Is 43.16s.; Jr
16.14; 31.32; Ez 20.6ss.; Os 2.15; 11.1; Am 2.10; 3.1s.). O Êxodo torna-se o
padrão da redenção divina. Só seria sobrepujado pelo livramento maior
realizado por Deus pela morte de seu Filho no Calvário (LASOR; HUBBARD;
BUSH, 2002, p.78).

Se a ação de Deus por seu povo no Êxodo se tornou o símbolo de fé (ou um


credo), é possível afirmar que esse cântico teve importância de propagar essa história
bem como exaltar a proeminência de Deus no fato ocorrido. Albright afirma que “a
fidelidade geral com a qual o Cântico de Miriam [Moisés] foi transmitido pode ser em
parte devido à sua popularidade como uma espécie de hino nacional israelita”
(ALBRIGHT, 1994, p.12, tradução nossa).
Esse cântico ainda é um exemplo de como “a Palavra de Deus nos mostra que
a música foi usada para registrar histórias” (KARNOPP, 1993, p.63).
Há outro Cântico de Moisés registrado em Dt 32.1-432. Este é ainda mais
interessante porque Deus pediu que Moisés e Josué escrevessem este cântico e
ensinassem ao povo de Israel (Dt 31.19). Ele ainda diz: “ponham este cântico na boca
de cada um deles, para que me seja por testemunha contra os filhos de Israel” (Dt
31.19). Deus queria que o seu povo aprendesse esse cântico para lembrar-lhes da
aliança que fizeram e para servir de julgamento se eles se desviassem:

2 Para uma análise sobre o conteúdo deste cântico ver: CRAIGIE,1976, p.373-389
11

O cântico teria uma função solene: à medida que as pessoas aprendessem


a canção e levassem suas palavras aos próprios lábios, testemunhariam
contra si mesmas, não apenas por seu compromisso com Deus, mas também
pelo conhecimento das inevitáveis consequências da infidelidade. [...]
O cântico deveria ser lembrado de uma geração para a seguinte e nunca
deveria ser esquecido. Seria um aviso dos perigos que constantemente
assolavam Israel, talvez impedindo que o povo se desviasse. Mas se eles se
perdessem, suas palavras ressoariam em condenação contra eles
(CRAIGIE, 1976, p.372, tradução nossa).

Vê-se o papel didático que esse cântico assumiu entre o Povo de Deus:
lembrar-lhes o que Deus fez por eles e a aliança que tinham firmado. Craigie ainda
relaciona sua função didática com o uso da Bíblia em nossos dias: “O papel do Cântico
de Moisés na vida do antigo Israel retrata claramente pelo menos um dos papéis que
a Bíblia desempenha em nossa vida cristã no mundo moderno” (CRAIGIE, 1976,
p.372, tradução nossa).
Desse modo, este “cântico funciona como uma parte do testemunho da
renovação da aliança; quando os israelitas o cantavam, eles testemunhavam seu
entendimento e concordância com todos os termos e implicações da aliança”
(CRAIGIE, 1976, p.373, tradução nossa).
Kunz destaca o aspecto histórico e cultural que Moisés ensinava a Lei de Deus
de várias maneiras, inclusive a música. Moisés ensinava através da “repetição e [do]
exemplo (Dt 11.19), [da] leitura pública (Dt 31.10-13), [da] música escrita (Dt 31.19),
pois era comum no Egito ensinar através de canções” (KUNZ, 2016, p.56).
No final dessa narrativa do cântico, Moisés diz ao povo: “Guardem no coração
todas as palavras que hoje testifico entre vocês, para que ordenem a seus filhos que
tratem de cumprir todas as palavras desta Lei” (Dt 32.47). Thompson (1982, p.290)
conclui que

o cântico e a lei parecem se fundir nestas últimas instruções. O elemento mais


importante era a lei. Mesmo uma peça importante como o cântico precisava
ser colocado em conjunção com a lei de Deus. Finalmente, Moisés declarou
que a lei não era uma coisa vã, mas a própria vida de Israel, através da qual
a nação desfrutaria de longevidade na terra que Deus lhe dava a possuir.

Desse modo, fica claro que Deus escolheu o cântico para preservar o
entendimento do povo quanto à sua Lei e sobre quem Deus era.
12

Em Ap 15.3 um desses cânticos (apenas diz “o Cântico de Moisés”) é cantado


junto com o cântico do Cordeiro pela Igreja triunfante. Hendriksen relaciona somente
com o cântico pós-êxodo e diz que:

A vitória sobre os Egípcios foi um vislumbre da vitória de todos os redimidos


de Deus sobre a besta, sua imagem e seu número. Por isso, o hino que a
Igreja triunfante está cantando é chamado de o canto de Moisés e do
Cordeiro. Nos dois casos é o Cordeiro quem obtém a vitória (HENDRIKSEN,
2001, p.216).

Brighton (1999, p.402, tradução nossa) afirma que nesse relato de Apocalipse,
“a igreja do Antigo Testamento (‘o cântico de Moisés’) se une à igreja do Novo
Testamento (‘o hino do Cordeiro’) em uma grande unidade”. Percebe-se, desse modo,
a importância de se valorizar as músicas do Povo de Deus ao longo da história, do
passado e do presente, bem como ver sua relevância para a época em que se vive.
O Cântico de Moisés representa a mesma fé do Povo de Deus salvo apresentado em
Ap 15. Afinal, todos fazem parte do mesmo Povo de Deus.
O Cântico de Ana, registrado em 1 Sm 2.1-10, é uma oração que tem sido
chamada de “cântico” devido ao seu caráter poético3. É outro exemplo que nos traz
alguns aspectos relevantes sobre o assunto. Ana é descrita como uma mulher estéril
que era ridicularizada porque não tinha filhos e que se entristecia por isso (1 Sm 1.6-
7). Após ela orar ao Senhor pedindo um filho, Deus atende sua oração e lhe dá um
filho. Em gratidão, ela louva ao Senhor através desse cântico.
Baldwin (1997, p.62) chama a atenção que no versículo 2, Ana chama o Senhor
de “rocha” e que isso é tem relação com o cântico de Moisés (Dt 32.31,37). Esse é
um dos fatores que faz com que ele afirme que Ana se utilizou da poesia e linguagem
cúlticas da época ao declarar seu cântico: “Não surpreende que ela tenha adaptado
frases poéticas e formas litúrgicas comuns em seus dias” (BALDWIN, 1997, p.63).
Olhando para o conteúdo do livro, Dillard e Longman dizem que:

O rnagnificat de Ana é um resumo antecipatório dos temas que formam todo


o livro: seus cânticos proféticos anseiam pelo surgimento da realeza em
Israel, uma vitória que Davi viverá para celebrar como realidade histórica, e a
santidade e proteção do ungido de Deus estão entre os temas que unificam

3Baldwin (1997, p.62-63) aponta que existem referências poéticas nessa oração para com o Cântico
de Moisés (Dt 32), também destaca o uso poético da palavra “não” ao ser repetida três vezes no
versículo 2. Bíblia de Estudo da Nova Tradução na Linguagem de Hoje diz que esta oração possui
características de Salmo (2012, p.302). Há paralelismos da poesia hebraica na estrutura dessa oração.
13

o livro (1 Sm 16.3, 6, 12-13; 24.6; 26.9,11,16,23; 2 Sm 1.14,16; 3.39; 19.21)


(DILLARD; LONGMAN, 2006, p.136).

A Bíblia da Reforma (2017, p.438) concorda com isso ao dizer que a oração de
Ana “apresenta a doutrina de 1 e 2 Samuel por meio dos seguintes temas: nós não
prevalecemos pela força; Deus executa juízo por meio do rei; Deus exalta o humilde;
e Deus age por intermédio do pequeno”. Esse cântico exprime a fé dessa serva de
Deus e mostra que cânticos podem exprimir histórias e aspectos teológicos.
Nesse cântico “é a primeira vez que a palavra messiah (ungido) é aplicada a
um rei” (BALDWIN, 1997, p.65, grifo nosso). Isso mostra essa relação do cântico com
todo o livro: “Ao mencionar o rei ungido (v. 10), o autor indica claramente a função
futura de Samuel na formação da monarquia” (LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002,
p.183). Depois, no cântico de Davi, no final de 2 Samuel, são retomados “alguns dos
temas do cântico de Ana, incluindo as vitórias concedidas pelo Senhor a ‘seu rei... seu
ungido’ (2 Sm 22.51)” (BALDWIN, 1997, p.65).
Existe relação desse cântico com o de Maria (Lc 1.46-55). Baldwin (1997, p.63)
diz que Maria adaptou este cântico para sua pessoa, pois “uma comparação
cuidadosa dos dois poemas revela a mesma sensação de maravilha diante da
misericórdia divina para com uma mulher humilde em Israel” (1997, p.66). Maria pode
ter se identificado com Ana.
Além disso, “o desejo por um filho e por um rei íntegro e ungido (1 Sm 2.10)
expresso no cântico de Ana ouve-se novamente no magnificat de Maria, quando ela
antecipa o nascimento do rei e Messias de Israel” (DILLARD; LONGMAN, 2006,
p.143).
A partir disso podemos inferir que Maria conhecia este cântico e que este
influenciou em sua forma de ver Deus e louvá-lo. O cântico de Ana é um protótipo do
cântico de Maria e da profecia de Zacarias (Lc 1.68-79), “o que demonstra como esse
cântico foi entendido pelo Israel devoto” (YOUNG, 2012, p.153).
Em 2 Sm 22.2-51 Davi proclama um cântico ao Senhor em gratidão “no dia em
que o Senhor o livrou das mãos de todos os seus inimigos e das mãos de Saul” (2 Sm
22.1). Este cântico é reproduzido bem semelhante no Sl 18.
A Biblia da Reforma (2017, p.524) diz que este cântico junto com o de Ana
formam uma espécie de moldura de 1 e 2 Samuel:
14

O Cântico de Davi mostra que, quando não havia mais esperança, um reino
foi estabelecido, um milagre ocorreu. [...] Num primeiro momento, parece que
esse reino é o de Davi, somente. Mas, na verdade, o reino descrito aqui vai
além de Davi, até seu descendente Jesus (BÍBLIA DA REFORMA, 2017,
p.524).

O apóstolo Paulo em Rm 15.9 cita o v.50 (“Por isso, eu te glorificarei entre os


gentios, ó SENHOR, e cantarei louvores ao teu nome”) desse cântico para mostrar
que os gentios também louvarão a Deus. Ou seja, o próprio Paulo cita um cântico para
fundamentar seu ensino doutrinário. Baldwin (1997, p.326) afirma que Davi mal sabia
“que chegaria a hora em que as nações traduziriam suas palavras para todas as
línguas do mundo, usando seus poemas para adorar o mesmo Deus vivo”.

2.1.2 Livro dos Salmos

O livro de Salmos é o principal representante quando se fala em música na


Bíblia. Keith os analisa da seguinte forma:

Os Salmos são a fonte da hinologia cristã, a inspiração e o modelo para todo


canto evangelístico. Se bem que Davi fora indubitavelmente o editor,
compilador e escritor da maioria dos Salmos, estes em sua totalidade
representam cada época e cada movimento nacional e religioso do povo
hebreu. Eles também registram, na mais sublime linguagem de toda literatura
mundial, os pensamentos, os objetivos, os alvos da mente humana e as
emoções do coração. Os Salmos são imortais (KEITH, 1960, p.19).

Salmos vem do grego Psalmoi que foi o título colocado na Septuaginta4 e


inicialmente tinha relação com “dedilhar”, mas posteriormente passou a descrever “um
cântico (psalmos) ou coleção de cânticos (psaltêrion)” (LASOR; HUBBARD; BUSH,
2002, p.466). Originalmente, o título hebraico é “tehillim” que significa “‘louvores’ ou
‘cânticos de louvor’” (LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002, p.466).
O livro de Salmos é uma compilação de poemas de vários contextos e épocas
diferentes do povo de Israel, abrange criações de cerca de um período de 1000 anos
(DILLARD; LONGMAN, 2006, p.202).

4Septuaginta ou LXX é o nome da primeira tradução bíblica, tradução do Antigo Testamento do


hebraico para o grego, feita por volta do séc II a.C. Foi a tradução mais usada pelos apóstolos do Novo
Testamento.
15

Segundo Dillard e Longman (2006, p.202), desde Sigmund Mowinckel5


“reconhece-se que o Saltério funcionava como o ‘hinário do Israel antigo’”6.
Afirma-se que os salmos foram usados no culto do povo de Israel. Dillard e
Longman (2006, p.202) dizem que a prova mais convincente disso são trechos dos
próprios salmos, e citam o Sl 5.7: “Eu, porém, pela riqueza da tua misericórdia, entrarei
na tua casa e me prostrarei diante do teu santo templo, no teu temor”; bem como o Sl
66.13: “Entrarei na tua casa com holocaustos; a ti pagarei os meus votos”. Desse
modo,

os salmos eram cantados em sequências regulares, seguindo os sacrifícios


matutinos e vespertinos, em dias de semana para tal especificados, e eram
acompanhados por instrumentos que ocasionalmente tocavam um interlúdio
indicado pela palavra ‘Selá’ (HUSTAD, 1986, p.89,90).

Para Sendrey, no começo o canto dos salmos era responsabilidade dos


músicos levitas, mas com o passar do tempo, a congregação foi tornando-se mais
ativa (SENDREY, Alfred, apud FREDERICO, 2001, p.80).
Frederico acrescenta que

durante o exílio na Babilônia, os salmos serviram de consolo e se tornaram


muito populares. No retorno do exílio, eles passaram a ser de domínio de
todos os judeus e não mais ficaram confinados aos átrios do Templo ou às
ocasiões das grandes festas oficiais. As pessoas cantavam os salmos em
suas festas particulares e ainda durante as festas religiosas nacionais
(FREDERICO, 2001, p.80).

Weiser destaca que “o livro dos salmos contribui para a edificação pessoal,
como base da devoção familiar, como livro de consolação e oração, como guia para
Deus nas horas de alegria e de tristeza” (WEISER, Artur, apud FREDERICO, 2001,
P.80).
E Blum (2014, p.29) diz que “o livro de Salmos é um testemunho do louvor a
Deus oferecido pelos levitas, tribo separada por Deus para conduzir o louvor no
templo.”
Lasor et al concordam que os salmos eram usados no culto do povo de Deus e
afirmam que existem 6 possíveis situações de seus usos no culto:

5 Sigmund Mowinckel escreveu um livro em dois volumes sobre os salmos, intitulado: The Psalms in
Israel's Worship, Abingdon, 1962.
6 Interessante que “Philo, o judeu Alexandrino, contemporâneo de Jesus, refere-se à coleção de salmos

do Antigo Testamento como ‘hinos’” (ISENBERG, 1978, p.182, tradução nossa).


16

(1) a peregrinação a Sião, antegozada com alegria (SI 42.1s.), buscada com
paciência (84.6) e alcançada com exultação (122.1s.);
(2) a subida da arca (talvez de uma área ao sul da cidade de Davi),
acompanhada por hinos com um convite a que se entrasse no templo (95.1-
6; 100), por lembranças da reconquista da arca em Quiriate-Jearim (132.6) e
pela recitação da aliança de Deus com Davi (v. 11s.);
(3) a torá de ingresso (15; 24.1-6), que levantava questões sobre as
qualificações dos verdadeiros adoradores e dava uma resposta sacerdotal de
uma lista de qualidades, tais como lealdade a Deus e integridade para com o
próximo;
(4) a liturgia de entrada (24.7-10), com antífonas entre os sacerdotes na
procissão, os quais pediam entrada, e os sacerdotes de dentro do templo,
que pediam uma confissão de fé no 'Javé dos Exércitos" como senha (v.10);
(5) a adoração de Javé nos átrios do templo, expressa em hinos e
acompanhamento musical (150), pontuada de lembranças dos atos gloriosos
de Deus na criação (104) e na história (105; 136), culminando, talvez, na
expectativa de uma teofania (50.1-3; 80.1-3), uma manifestação especial da
presença e da glória dele, ainda que Deus sempre estivesse presente no
templo (46.5);
(6) a bênção da partida (91; 118.26; 121), garantindo aos peregrinos proteção
e provisão divinas, ainda que não pudessem permanecer continuamente,
como os sacerdotes, no santuário (84.10) (LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002,
p.480).

Assim, os salmos eram importantes na vida do Povo de Deus e estavam


presentes na sua rotina, servindo como instrumentos de confissão de fé, louvor,
rememoração e expressão de suas crenças e emoções. Desse modo:

Nas festas e nos jejuns, nos cultos diários e nas comemorações, o povo de
Israel lembrava e revivia as vitórias passadas de Deus, consagrava-se à
obediência às leis da aliança no presente, o que exigia plena lealdade a Javé
e antevia triunfos futuros, principalmente a derrota final dos inimigos de Javé
(LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002, p.480).

E como visto na análise de outros trechos bíblicos, o conteúdo dos Salmos, e


muitos, se não todos, eram musicados, serviam também nessa recordação e
consagração do povo de Deus.
Os Salmos são divididos de diferentes formas de acordo com seu conteúdo ou
função. Os comentaristas até divergem sobre o tipo de divisão.7 Chama a atenção o
comentário que Dillard e Longman fazem sobre os Salmos de Recordação:

7Dillard e Longman (2006, p.208-215) dividem os salmos em 7 gêneros: Hinos, Lamentos, Salmos de
ação de graças, de confiança, de recordação, de sabedoria, de realeza. Já a Bíblia da Reforma (2017,
p.849) divide-os em 12 tipos: Salmos de sabedoria, Reais/messiânicos, Lamentos individuais,
Lamentos da comunidade, Salmos imprecatórios, de louvor individuais, louvor da comunidade, de
confiança, da criação, de Sião, Salmos litúrgicos e hinos de louvor descritivo.
17

A memória desempenha um papel fundamental no Saltério. Os salmos de


ação de graças relatam as preces da congregação que foram respondidas no
passado. Muito hinos e lamentos chamam a atenção para os atos passados
da libertação divina. Essas lembranças constroem a confiança em Deus. No
passado, o Senhor mostrou ser um salvador confiável, ele também o será no
presente (DILLARD; LONGMAN, 2006, p.213).

Um bom exemplo é o Salmo 105 (que aparece também em 1 Cr 16.8-22, onde


Davi pede que o cantem). Este Salmo convida o povo a louvar e dar graças ao Senhor
(v.1-4) e aponta para lembrarem daquilo que ele fez (v.5-45). A Bíblia da Reforma
(2017, p.949) diz que “este salmo era usado em culto nas ocasiões festivas que
celebravam a aliança feita por Deus com o seu povo”. Este salmo é chamado por
outros autores de Salmo Didático. “Os salmos didáticos tratam da lei ou de algum
aspecto do relacionamento entre o homem e Deus, conforme o revelado na Lei. [...]
Sem dúvida nenhuma, foram escritos para ensinar” (ELLIS,1985, p.137).
Percebe-se desse modo que muitos Salmos têm a função de instruir o povo
sobre quem Deus é, o que Deus fez, faz e fará por seu povo. Lutero diz que o livro de
Salmos poderia ser chamado de uma “pequena Bíblia”, pois:

Dentro dela, tudo o que consta na Bíblia inteira foi composto da maneira mais
bela e resumida, como num delgado [fino] livro de cabeceira. Com efeito,
tenho a impressão de que o próprio Espírito Santo quis dar-se o trabalho de
compilar a Bíblia e o livro de exemplos mais curto de toda a cristandade ou
de todos os santos, de sorte que quem não pudesse ler toda a Bíblia ainda
assim tivesse, em um pequeno livrinho, quase um resumo completo
(LUTERO, 2003, p. 34).

Ao falar sobre as emoções dos cristãos que se apresentam nos salmos, Lutero
mostra a importância que isso tem para os leitores de hoje:

Quando essas palavras agradam a uma pessoa que combinam com seu
caso, isso também serve para que ela adquira a certeza de estar na
comunhão dos santos, e de que aconteceu com ela como acontece com
todos os santos, pois todos eles cantam com ela uma e a mesma cançãozinha
(LUTERO, 2003, p. 36).

Apontando para os cristãos de hoje, Westermeyer chega a dizer que os salmos


“não são apenas o hinário do Antigo Testamento e os cânticos de Israel, eles são a
voz da Igreja” (WESTERMEYER, 1998, p.23, tradução nossa). Ou seja, cantar os
salmos é se identificar com a fé daqueles cristãos de várias épocas, é “desvendar o
seu coração e o tesouro íntimo de suas almas” (LUTERO, 2003, p.34).
18

Os salmos são palavras de pessoas reais, com emoções e sentimentos reais,


em momentos de alegria, celebração, mas também em momentos de tristeza,
infortúnio, angústia... Desse modo, eles expressam os sentimentos e as emoções do
Povo de Deus, e assim, “quando a igreja toma os salmos nos lábios, como por
exemplo nos salmos de oração, ela testemunha que levou essas palavras ao seu
coração e agora as professa como suas” (BRUNNER, 1968, p.137, tradução nossa).
O Saltério foi a base dos primeiros cristãos e serve de base e faz parte do culto,
da adoração, e por que não, do hinário do Povo de Deus de todos os tempos:

o Saltério Hebraico e a maneira como foi usado forneceu a herança musical


dos primeiros cristãos. Os textos refletiam os conceitos básicos de Deus e
sua natureza moral. Eles deram evidência do elemento pessoal da religião -
comunhão individual com Deus (REYNOLDS; PRICE, 1987, p.2, tradução
nossa).

Ao olharmos para a música do Antigo Testamento, percebemos que ela sempre


se fez presente no Povo de Deus e tinha sua função de adoração, louvor e celebração,
mas também de ensino de quem Deus era, o que fez e o que fará, bem como
testemunhava aquilo que as pessoas ou o grupo criam. E esse povo expressava o
que cria através do canto. Podemos concluir sobre a música do Antigo Testamento8
da seguinte maneira:

Assim também, não há melhor maneira de expressar devoção a Deus que


por meio do cântico. A maior parte das poesias do Antigo Testamento
apresentava-se como música; não tanto uma expressão de doutrinas
teológicas, mas a expressão de fé profunda, quer do cantor como indivíduo,
quer da comunidade. A música tem mantido seu encanto através dos séculos
porque a comunidade de fiéis pode juntar-se num cântico para expressar sua
fé e devoção. Hoje estão perdidas as notações musicais, mas as vigorosas
palavras poéticas ainda proporcionam não apenas um meio de conhecer a
Deus, mas também uma forma de anunciar o louvor a Deus, o único digno de
recebê-lo (LASOR; HUBBARD; BUSH, 2002, p.261).

2.2 NOVO TESTAMENTO

Nos deparando com o Novo Testamento, percebemos que a música continuou


sendo comum entre o Povo de Deus e que ainda manteve sua função de ensino, sua

8Existem muitos outros trechos bíblicos que se referem à música no Antigo Testamento que não serão
abordados neste trabalho.
19

função didática. Existem até alguns trechos bíblicos que recomendam utilizar a música
para ensinar.
Em primeiro lugar, deve-se destacar que

o Novo Testamento confirma e adota as práticas musicais da Igreja do Antigo


Testamento. A Igreja do Novo Testamento continuou o uso musical da
sinagoga e do Templo, com apenas os acréscimos e as mudanças
necessárias pela admissão de Jesus como o Cristo (HALTER, 1955, p.7,
tradução nossa).

Os cristãos não rejeitaram a musicalidade e os aspectos cúlticos do Antigo


Testamento, mas viram que tudo apontava para Jesus Cristo. Inclusive “o hinário do
Antigo Testamento, o Saltério, era lido com olhos cristãos, e foram rapidamente
detectadas prefigurações e profecias de Cristo” (MARTIN, 1982, p.50). O próprio
Jesus recomenda isso em Lc 24.44: “era necessário que se cumprisse tudo o que está
escrito a respeito de mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”.
Por outro lado, “os primeiros cristãos procuraram complementar sua herança
de salmos com canções de sua própria experiência cristã9. Eles desejavam canções
que louvassem o nome de Cristo e contassem seu evangelho” (REYNOLDS; PRICE,
1987, p.2, tradução nossa). Novamente vemos a relação íntima entre o que se crê e
aquilo que se canta. Suas canções apontariam especialmente para o Cristo que veio,
Jesus, “o Verbo que se fez Carne” (Jo 1.14). Através do canto eles buscariam
expressar sua fé, louvar a Deus e ensinar aos outros sobre quem é esse Deus que se
fez homem para salvar toda a humanidade.
Martin (1982, p.47) chama a atenção para o fato de que “a igreja cristã nasceu
em Cânticos”. Ele explica dizendo:

O Evangelho da era apostólica, pois, não era um teorema teológico,


apresentado de modo frio, destacado e impessoal, a ser aceito com toda a
falta de sentimento e reserva indiferente que o estudante de matemática
sente ao aprender suas lições! [...] A pregação das Boas Novas e sua
recepção pela fé eram experiências que comoviam o coração e que
arrebatavam pela alegria.

9Cf. Ef 5.14, Fp 2.6-11; 1Tm 3.16; 6.15-16; 2 Tm 2.11-13; Cl 1.15-20. Alguns desses textos serão
analisados a seguir.
20

2.2.1 Cânticos do Evangelho de Lucas

O relato do Evangelho de Lucas combina muito bem com essa ideia de que a
igreja cristã nasceu em cânticos. Nos dois primeiros capítulos, há o relato de quatro
cânticos ou louvores em poesia: O “Cântico de Maria” (Lc 1.46-56); o “Cântico de
Zacarias” (Lc 1.67-80); o louvor dos Anjos (Lc 2.14) e o “Cântico de Simeão” (Lc 2.29-
32). Keith diz que “podem ser chamados os primeiros cânticos de Natal, [...] uma vez
que são baseados no nascimento de Jesus” (KEITH, 1960, p.19).
Sobre esses cânticos registrados pelo evangelista Lucas, Patrick diz que:

Os cantores, cujos nomes eles carregavam, estavam imersos no espírito e


na linguagem da literatura devocional de sua raça, e seria natural que suas
emoções se vestissem instintivamente em palavras que lhes eram familiares
por muita meditação e longo uso devocional. [...] esses hinos refletem a
piedade e devoção da comunidade cristã mais antiga da Palestina (PATRICK,
1962, p.19, tradução nossa).

Isenberg os chama de Salmos e explica sua linguagem semelhante ao Antigo


Testamento: “Esses salmos são originários da comunidade mais antiga de cristãos
judeus, antes que uma linguagem teológica especificamente cristã tivesse surgido”
(ISENBERG, 1978 , p.183, tradução nossa).
O cântico de Maria, sobre o qual já foi referido ao falar sobre Ana, é chamado
de Magnificat, “que é a primeira palavra da tradução da Vulgata” (MARTIN, 1982,
p.51). Maria soube que seria mãe do Filho de Deus pelo poder do Espírito Santo (Lc
1.35) e após encontrar sua parenta Isabel, Maria proclama seu louvor a Deus. Ao falar
sobre a relação com o Cântico de Ana, Morris destaca diferença entre eles: “O Cântico
de Ana é um grito de triunfo diante das suas inimigas. O de Maria é uma humilde
contemplação das misericórdias de Deus” (MORRIS, 1983, p.73). Ele ainda sugere
que Maria na sua viagem de quatro dias para visitar Isabel, tenha meditado na história
de Ana e que isso influenciou seu canto10 (MORRIS, 1983, p.73).
Pode-se também dizer que “Maria reconhece que ela mesma precisa do
Salvador que está gerando” e que “durante seu cântico faz citações do Antigo
Testamento mostrando que as promessas de Deus estão se cumprindo” (BLUM, 2014,
p.30).

10Gourges (1995, p.52) diz que o v.48: “porque ele atentou para a humildade da sua serva” é quase
uma citação literal de 1 Sm 1.11: “se de fato olhares para aflição da tua serva”.
21

Gourges destaca que no aspecto da narrativa de Lucas “o cântico interrompe a


narração dos acontecimentos, para enunciar o sentido e alcance teológico deles”
(GOURGES, 1995, p.50). Ou seja, o cântico revela aquilo que Maria cria a partir do
que o anjo lhe disse (Lc 1.30ss) e a partir de seu conhecimento do Antigo Testamento.
Ela, cheia de alegria pela ação de Deus em sua vida, expressa sua fé e louva a Deus
através deste cântico. Desse modo,

o Magnificat proclama a intervenção maravilhosa em favor de Maria (vv.46-


49), se constitui numa ocasião para a revelação das ‘políticas’ de Deus em
favor dos pobres (vv. 50-53), e marca a realização decisiva da salvação e das
promessas em favor de Israel (vv. 54-55) (GOURGES, 1995, p.51).

Martin afirma que não se acham presentes neste cântico “ideias


especificamente cristãs” (MARTIN, 1982, p.51), mas os cristãos ao longo da história
aplicaram seu louvor e exaltação à obra de Jesus Cristo. Especialmente os versículos
54 e 55 que apontam para todo o Israel, para a Misericórdia de Deus e para toda a
descendência de Abraão11. De fato, Cristo tem que ser identificado no conteúdo deste
cântico.
Em Lc 1.67-80 está registrado o Cântico de Zacarias conhecido como
Benedictus. Zacarias, que havia ficado mudo por duvidar da Palavra de Deus de que
teria um filho mesmo que idoso (Lc 1.19,20), “cheio do Espírito Santo, profetizou” (Lc
1.67) através deste cântico. Keith diz que

esta foi a expressão lírica de Zacarias na ocasião do nascimento do seu filho


João. Das trevas da dúvida, as quais fizeram que seus lábios fossem selados,
Zacarias agora emerge para a brilhante luz da fé, e triunfalmente louva a Deus
pelas bençãos futuras como se já fossem realizadas (KEITH, 1960, p.21,22).

Este cântico assume um papel importante na medida em que formula “em forma
de bênção e louvor o sentido e o alcance teológico dos eventos descritos”
(GOURGES, 1995, p.28), “Deus visitou o seu povo para trazer-lhes salvação. Ele
cumpriu suas promessas. E este menino seria precursor do Salvador” (BLUM, 2014,
p.30).
Morris (1974, p.76) diz que “as palavras de Zacarias devem ser entendidas
como resultado da vinda do Espírito Santo sobre ele. São palavras de profecia,

11O Apóstolo Paulo diz que pela fé, todos somos descendentes de Abraão (Gl 3.7: “Saibam, portanto,
que os que têm fé é que são filhos de Abraão”, cf. Gl 3.29).
22

palavras que expressam a revelação de Deus”. Isso dá um destaque maior a este


cântico. O cântico aponta especialmente para o Messias prometido. João será “profeta
do Altíssimo” que “prepararia o caminho do Senhor” (v.76).
Quando Jesus nasceu, anjos foram anunciar esse acontecimento aos pastores
que estavam nos campos perto de Belém (Lc 2.8-14). Para finalizar esse aviso
especial e mostrar a importância do ocorrido, muitos anjos aparecem e louvam em
conjunto dizendo: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens,
a quem ele quer bem.” (v.14). Um exército celestial que, paradoxalmente, veio
anunciar paz (BENGEL, apud MORRIS, 1983, p.82). Primeiro falam da glória a Deus
e depois a respeito da paz dele sobre a terra. E tudo por causa do menino. É
interessante que “as condições humildes do nascimento do Salvador contrastam, no
entanto, com o coro formado por ‘uma multidão da milícia celestial, louvando a Deus”
(BLUM, 2014, p.31).
Schultz, no dicionário internacional de Teologia do Novo Testamento revela que
esse verbo “louvar” (αἰνέω) é utilizado no Novo Testamento somente se referindo a
Deus (SCHULTZ, 2000, p.34). Isso é interessante porque mostra que o único alvo do
louvor é Deus, e foi isso que os anjos fizeram.
Anjos são mensageiros de Deus, atuam a seu serviço, eles vieram anunciar
aos pastores o acontecimento super importante e aproveitaram para dar glória a Deus
na frente deles e de todos nós. “O louvor a Deus não é somente para a vida passageira
na terra. Anjos se regozijam e são desafiados por Deus a louvá-lo pelo nascimento do
Salvador” (BLUM, 2014, p.31).
Conhecido como Nunc Dimittis, o cântico registrado em Lc 2.29-32 é o louvor
de um homem que soube que não morreria antes de ver o “Cristo (Messias) do
Senhor” (Lc 2.26). Simeão expressa sua fé através desse hino. Louva a Deus em
gratidão dizendo: “agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo...” Ele “está
pronto para morrer em paz agora que viu a salvação divina” (MORRIS, 1984, p.84).
Com seu cântico, “Simeão passa a mostrar que esta salvação não é para uma só
nação individualmente, mas, sim, para todas elas” (MORRIS, 1984, p.85).
23

2.2.2 Cânticos primitivos12

Existem cânticos espalhados por outros livros do Novo Testamento,


especialmente nas epístolas: “os estudiosos acreditam que fragmentos de hinos
primitivos estão embutidos em vários lugares do Novo Testamento” (PATRICK, 1962,
p.19, tradução nossa). Patrick os separa em dois grupos: Doutrinários ou Litúrgicos e
Doxológicos (PATRICK, 1962, p.19-22).
Quanto aos Doutrinários, ele diz:

Muitos membros das congregações primitivas eram analfabetos, e havia a


necessidade de que algumas formas estabelecidas fossem fornecidas para
expressar a fé que havia neles, tanto para seu uso devocional privado quanto
para sua participação no culto comum. [...] Algumas das primeiras fórmulas
de credo aparecem nesses hinos primitivos, expressos em fraseados que, por
seu caráter rítmico, apegam-se às memórias e chegam rapidamente às
línguas dos adoradores (PATRICK, 1962, p.19, 20 tradução nossa).

E então ele cita os seguintes exemplos: Ef 5.14, Fp 2.6-11, 1Tm 3.16, 6.15-16;
2 Tm 2.11-13, Tt 3.4-7, dos quais alguns serão abordados aqui.
Quanto aos Doxológicos, Patrick afirma que todos estão no livro de Apocalipse.
Em Ef 5.14 Paulo cita o trecho de um hino para enfatizar aquilo que ele está
ensinando: “Por isso é que se diz: ‘Desperte, você que está dormindo, levante-se
dentre os mortos, e Cristo o iluminará’”.
O apóstolo Paulo está ensinando sobre a nova vida que temos em Cristo e
exorta os cristãos a viverem de acordo com essa nova vida: “Porque no passado vocês
eram trevas, mas agora são luz no Senhor. Vivam como filhos da luz” (v.8,9). Devemos
imitar a Deus como filhos amados (v.1) e viver em amor como também Cristo nos
amou e se entregou por nós (v.2). Winger (2014, p.567, tradução nossa) afirma que
“presumivelmente, Paulo está citando uma fonte extrabíblica suficientemente familiar
para seus destinatários que ele não precisou nomeá-la” e que é possível que seja uma
paráfrase de Is 60.1: “Levante-se, resplandeça, porque já vem a sua luz, e a glória do
Senhor está raiando sobre você”.
Este cântico “é frequentemente considerado um hino batismal por causa de
suas óbvias qualidades rítmicas e pelo emprego de três metáforas batismais”
(ISENBERG, 1978, p.185, tradução nossa). As metáforas são: despertar do sono,

12Não utilizamos o termo primitivo em um sentido de hierarquização ou de desenvolvimento ao longo


da história, mas sim porque pertencem a igreja primitiva ou primeva.
24

levantar dos mortos e ser iluminado por Cristo. Os efésios “que antes eram ‘trevas’,
foram transformados em ‘luz’ (5.8) pela iluminação da Palavra de Deus no Santo
Batismo (1.18)” (WINGER, 2014, p.567, tradução nossa). Não há dúvidas que o
Batismo é uma forma de Deus trazer-nos das trevas para luz (Ef 2.1) pois ele é o “lavar
regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). No batismo somos trazidos para
a nova vida em Cristo. Desse modo, Winger relacionando com o ensino de Paulo aos
Efésios, afirma:

Envolver-se em más ações envolve uma negação completa do que Deus fez
a eles no batismo. Eles estavam mortos em suas ofensas e pecados (2.1,5);
estavam envoltos nas trevas da impiedade, desesperança, carnalidade,
idolatria e escravidão ao diabo (2.2-3, 11-12; 4.17-19), mas agora eles foram
transformados em luz. A luz de Cristo brilhou sobre eles quando foram
transformados no Santo Batismo, renascidos como filhos de Deus (5.13-14).
Os imperativos do hino, ‘desperte’ e ‘levante-se’ (5.14), não significam que os
efésios agora estejam dormindo, mas que estavam adormecidos (mortos)
antes de seu batismo, quando esse hino foi supostamente cantado pela
primeira vez. Se a nossa reconstrução da origem e do uso deste hino estiver
certa, então deve ser entendido no contexto dessa ação sacramental quando
eles foram definitivamente despertados e ressuscitados (WINGER, 2014,
p.577, tradução nossa).

Fp 2.6-11 é um trecho no qual alguns pesquisadores consideram uma espécie


de Hino Cristológico (ISENBERG, 1987, p.184; MARTIN, 1982, p.57):

5
Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar de Cristo Jesus, 6 que,
mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus algo
que deveria ser retido a qualquer custo. 7 Pelo contrário, ele se esvaziou,
assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos seres humanos.
E, reconhecido em figura humana, 8 ele se humilhou, tornando-se obediente
até a morte, e morte de cruz. 9 Por isso também Deus o exaltou sobremaneira
e lhe deu o nome que está acima de todo nome, 10 para que ao nome de
Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, 11 e toda
língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai (Fp 2.5-
11).

Martin afirma que

Este é um dos trechos cristológicos mais magníficos no Novo Testamento, e


retrata poderosamente o drama da glória que Cristo tinha com seu Pai antes
de todos os tempos, sua humilhação e obediência sobre a terra, até o ponto
da morte sobre a Cruz, e sua exaltação à presença de Deus e ao triunfo e
senhorio cósmico que todas as potências espirituais confessam (MARTIN,
1982, p.57).

Era um hino utilizado pelo povo nas comunidades cristãs da época. “Os
exegetas são quase unânimes em ver neste texto um hino emprestado das
25

comunidades (por certo, da liturgia comunitária) e citado por Paulo” (GOURGES,


1995, p.67). “Paulo o incorporou na sua epístola, e ressaltou a doutrina importante ao
inserir certas palavras e frases interpretativas” (MARTIN, 1982, p.57). Gourges
apresenta que Paulo acrescentou a expressão “e morte de cruz” (v.8) para “precisar
e explicitar a ideia de obediência até a morte e salientar o caráter extremo do
aniquilamento (Kenosis)” (GOURGES,1995, p.70). Kenosis destaca essa ideia de
Cristo se esvaziar ao cumprir a obra da Salvação: assumiu a forma de servo, se
humilhou, foi obediente e morreu, foi então exaltado e deve ser louvado como Senhor.
Por esse aspecto, Patrick diz que é um “hino de Cristo como servo de Deus”
(PATRICK, 1962, p.20, tradução nossa).
Quanto ao ensino dos ouvintes, Martin destaca que Paulo apresenta esse hino
“a fim de reforçar a verdade soteriológica de que o caminho para a glória passa pela
humilhação e obediência, até mesmo ao custo da vida. Eles devem aprender isto à
medida que o veem seu credo em forma de hino” (MARTIN, 1985, p.45).
Este hino bíblico é um bom exemplo de como a música pode ser utilizada para
propagar doutrinas, ensinar a respeito de Jesus Cristo, servir como testemunho de fé,
credo de um grupo e louvar a Deus e a Cristo por tudo que são e fizeram.
Em 1 Tm 3.16, escreve o apóstolo Paulo: “Sem dúvida, grande é o mistério da
piedade: ‘Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, visto pelos
anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória’”.
Este trecho em forma poética certamente está falando “sobre a encarnação e
triunfo de nosso Senhor” (PATRICK, 1962, p.20, tradução nossa). Segundo Kelly,
“mistério da piedade” significa mistério da religião e é semelhante ao “mistério da fé”
de 1 Tm 2.9. (KELLY, 1983, p.89). “Paulo epitomiza13 seu conteúdo com uma seleção
de um hino primitivo acerca de Cristo” (KELLY, 1983, p.89). Ou seja, Paulo citou este
hino como um resumo e uma ênfase naquilo que eles criam, que os cristãos creem.
Jesus Cristo, “manifestado na carne foi justificado em espírito, visto pelos anjos,
pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” é o mistério da
piedade/religião/fé.
Nesta mesma epístola, em 1 Tm 6.15-16 está um “hino à Majestade Divina”,
uma exclamação doxológica de Paulo que é semelhante a um hino (KELLY, 1983,
p.137):

13 Sinônimo de “sintetizar”.
26

até a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo, 15 a qual, no tempo certo,


há de ser revelada pelo bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor
dos senhores, 16 o único que possui imortalidade, que habita em luz
inacessível, a quem ninguém jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e
poder eterno. Amém!

Para ele, esse trecho é “totalmente judaico no seu tom” e “louva a soberania
sem igual de Deus contra toda autoridade humana” (KELLY, 1983, p.137). Mas, ele
afirma que é bem possível que fossem palavras usadas nas devoções da sinagoga
helenística que os convertidos tinham naturalizado para a igreja cristã (KELLY, 1983,
p.137).
Quanto ao conteúdo, este trecho ensina e destaca que Deus é soberano,
especialmente perante o imperador (KELLY, 1983, p.137).

2.2.3 Ef 5.19 e Cl 3.16

Quando falamos em fundamentação Bíblica da música como ensino, os textos


bíblicos mais citados e importantes são Ef 5.19 e Cl 3.16. Hustad diz que Ef 5.19
“parece ser uma injunção bíblica clara do uso do cântico para doutrinar e ensinar a
ética cristã” (HUSTAD, 1986, p.96). Podemos aplicar para os dois textos bíblicos, pois
eles são semelhantes:

falando entre vocês com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e


louvando com o coração ao Senhor (Ef 5.19).
Que a palavra de Cristo habite ricamente em vocês. Instruam e aconselhem-
se mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus com salmos, hinos e
cânticos espirituais, com gratidão no coração (Cl 3.16).

Os dois textos são utilizados por Paulo no contexto da admoestação. Paulo


está dando orientações sobre a nova vida que temos em Cristo, sobre como os
cristãos devem viver sua vida corretamente14. Em Cl 3.12 podemos perceber bem
esse contexto literário: “Portanto, como eleitos de Deus, santos e amados, revistam-
se de profunda compaixão, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência”.
Depois ele continua com os verbos no imperativo: “Suportem-se”, “perdoem-se” (v.13);
“esteja” (v.14); “E sejam agradecidos” (v.15). Segue então nosso versículo analisado.

14 Na teologia, dizemos que Paulo está falando sobre Santificação.


27

Em Ef 5.15,16 lemos: “Portanto, tenham cuidado com a maneira como vocês vivem,
e vivam não como tolos, mas como sábios, aproveitando bem o tempo, porque os dias
são maus.” Também temos verbos no imperativo: “não sejam insensatos”, “procurem
compreender” (v.17); “não se embriaguem”, “mas deixem-se” (v.18). Winger,
analisando o contexto literário de Ef 5.19, diz:

A estrutura básica dessa perícope é uma série de antíteses absolutas, cujas


oposições continuam os contrastes vitais entre a antiga vida pagã e a nova
vida dos batizados que caracterizam a linguagem de Paulo desde o capítulo
2 (WINGER, 2014, p.590, tradução nossa).

Nessa admoestação são registrados os trechos destacados. É um importante


destaque que Paulo inicia em Colossenses apontando para a Palavra de Cristo: “Que
a palavra de Cristo habite ricamente em vocês.” (Cl 3.16). Deterding diz que é a
Palavra a respeito de Cristo:

Ele [Cristo] é o conteúdo central e principal da Palavra, que deve ser pregado
e ensinado. O tempo presente do imperativo “habite-se” (ἐνοικείτω) aponta
para uma presença contínua da Palavra. Não é meramente para ser lido,
comentado e afins, mas deve ser internalizado para estar continuamente
presente. Os crentes devem viver, pensar e existir em relação à Palavra de
Cristo (DETERDING, 2003, p.146, tradução nossa).

Martin concorda e afirma:

A ênfase cai mais obviamente na instrução dada pela palavra de Cristo (i.é,
a mensagem missionária que é centralizada em Cristo: 1.5; 4.3); os crentes
são encorajados a ensinar e admoestar uns aos outros pelo uso do dom da
sabedoria (1 Co 12.8) para assim participarem da tarefa apostólica (1.28)
(MARTIN, 1984, p.126).

Na carta aos Colossenses, Paulo ainda fala em “sabedoria” (σοφίᾳ - sofia),


Deterding chama a atenção que este termo era querido pelos protognósticos da época
e é empregado “aqui pelo apóstolo para designar a Palavra de Cristo e não os
ensinamentos dos hereges como o caminho para toda a sabedoria” (DETERDING,
2003, p.146, tradução nossa).
Em Efésios há um outro destaque interessante de Paulo. Lá ele pede, em
oposição a se embriagarem com vinho, que se “deixem encher do Espírito, falando
[...] com salmos, hinos e cânticos espirituais” (Ef 5.18,19). Winger (2014, p.591,
tradução nossa), defende que os verbos no particípio (gerúndio no português) dos
28

versículos 19-21 que são: “falando”, “cantando”, “louvando” (v.19); “dando graças”
(v.20); “sujeitem-se15” (v.21); dependem do imperativo “deixem-se encher” (v.18). Ou
seja, todos esses verbos no particípio são explicações ou formas de deixar o Espírito
Santo encher os cristãos.16 Foulkes afirma que esse “deixem-se encher do Espírito”
significa que "o cristão deve deixar sua vida aberta para ser constante e repetidamente
cheia pelo Espírito Divino" (FOULKES, 1981, p.125,126).
Deterding conclui muito bem:

‘Espiritual’, embora modifique gramaticalmente apenas ‘cânticos’, enfatiza


que os três termos se referem à música com um conteúdo definido. É
‘espiritual’ na medida em que estabelece ‘a Palavra de Cristo’ (Cl 3.16). O
paralelo em Efésios, [...] indica que o adjetivo ‘espiritual’ denota música
através da qual o Espírito Santo opera através de Palavra de Cristo. Essas
músicas são ‘espirituais’ porque são veículos para o Espírito, que opera
através da Palavra do Evangelho, também a Palavra em música
(DETERDING, 2003, p.147, tradução nossa).

Ou seja, as músicas cristãs, na medida em que o seu conteúdo central seja a Palavra
de Cristo - a mensagem a respeito de Jesus Cristo - são formas de o Espírito Santo
encher, instruir e aconselhar os cristãos.
Winger (2014, p.588, tradução nossa) diz que o adjetivo “espiritual” pode não
qualificar apenas os “cânticos”, mas todos os três tipos de músicas religiosas dados
por Paulo (“Salmos, hinos e cânticos”):

Visto que o versículo anterior falou do Espírito Santo como aquele que enche
todos os cristãos (5.18) e, portanto, permite que eles cantem, o adjetivo deve
ser melhor entendido como modificando todos os três substantivos e
indicando que são todas canções inspiradas pelo Espírito Santo: “salmos,
hinos e cânticos que são [todos] do Espírito’ (WINGER, 2014, p.588, tradução
nossa).

De qualquer modo, estes trechos nos revelam que a música, ligada à Palavra
de Cristo, pode ser usada pelo Espírito Santo para edificar os cristãos. McCommon
afirma:

Paulo reconheceu o valor do cântico no ensino da verdade. O povo gosta de


cantar. Pela repetição, eles começam a memorizar muitos dos cânticos, e o
que decoram aprendem. [...] A música não somente proporciona um meio de

15 No grego é particípio e não imperativo como na tradução NAA.


16 Winger (2014, p.592, tradução nossa) diz ainda que os três principais particípios dessa seção:
“falando”, “dando graças” e “sujeitem-se” são atividades que o Espírito Santo inspira nos cristãos.
29

expressar o nosso louvor e adoração, como, também, coloca em nossas


mãos um excelente material de doutrinamento (McCOMMON, 1963, p.45).

Quanto aos três termos utilizados por Paulo - “salmos, hinos e cânticos
espirituais” - “é impossível delinear qualquer distinção rígida” (DETERDING, 2003,
p.147, tradução nossa). Os estudiosos fazem distinções mas afirmam que não há
certeza nessas distinções. Alguns (McCommon, 1963, p.40; DETERDING, 2003,
p.147; HUSTAD, 1986, p.94,95; FOULKES, 1981, p.126) dizem que “Salmos” se
refere aos salmos bíblicos e outros salmos compostos pela igreja primitiva; “Hinos”
seriam cânticos de louvor a Deus ou a Cristo; “Cânticos espirituais”, é onde há mais
divergência. McCommon (1963, p.41) afirma que é “um tipo específico de cântico
sacro semelhante aos nossos cânticos evangélicos”. Deterding (2003, p.147) afirma
que o termo é amplo demais para se delimitar e Hustad (1986, p.95) e Foulkes (1981,
p.126) concordam em se referir a algo mais silencioso, “a melodia pode estar algumas
vezes no coração e não ser expressa por meio de sons” (FOULKES, 1981, p.126).
Parece ser uma discussão infindável, mas devemos concordar com
McCommon quando diz:

Embora seja bem difícil de se determinar a significação exata destas


palavras, como estão sendo usadas aqui, é razoável supor-se que o Apóstolo
tinha em mente três tipos distintos de cânticos sacros. Parece bem evidente
acreditar ele que as igrejas deveriam usar todos os meios eficiente de se
proclamar o evangelho e de se acrescentar vida e variedade aos cultos de
adoração (McCOMMON, 1963, p.41).

O Apóstolo Paulo, nos textos bíblicos relacionados, cita que “salmos, hinos e
cânticos espirituais” são formas de os cristãos se instruírem e aconselharem
mutuamente na sabedoria (Cl 3.16), deixarem-se encher do Espírito (Ef. 5.18),
habitando na Palavra de Cristo (Cl 3.16). O Espírito Santo age nos cristãos por essa
Palavra e os instrui.
Quanto à música no Novo Testamento, fica evidente a sua importância em
testemunhar aquilo que se crê. Os cânticos do Evangelho de Lucas e os cânticos
primitivos mostram muito bem isso ao serem utilizados para expressarem,
respectivamente, aquilo que Maria, Zacarias, os Anjos e Simeão criam, e aquilo que
Paulo e os primeiros cristãos criam. Estes cânticos também mostram sua importância
de ensinar doutrinas e aspectos teológicos sobre Deus, ou sobre Cristo ou sobre o
30

que ele fez, faz e fará. Keith (1960, p.24), falando sobre os primeiros cristãos do Novo
Testamento, diz:

Foi dito o suficiente, porém, para esclarecer que o canto ocupou um lugar
muito importante nos seus cultos. Devemos lembrar-nos que eles não tinham
o Novo Testamento nem declarações escritas da doutrina ou da fé cristã.
Assim podemos crer que a letra dos seus cânticos e hinos tornou-se o melhor
meio pelo qual preservaram os ensinos de Jesus. Certamente foi um grande
auxílio em animá-los durante a perseguição (KEITH, 1960, p.24).

As palavras de Paulo em Ef 5.19 e Cl 3.16 testificam claramente esse uso da


música para ensinar e instruir os cristãos sobre quem Deus é e o que ele faz.
Percebemos assim que a Bíblia mostra como os cristãos expressaram sua fé
através de cânticos - Cânticos de Moisés, de Ana, os Salmos, Cânticos do Evangelho
de Lucas e dos cânticos primitivos – bem como utilizaram cânticos para ensinar
histórias, doutrinas e apontar para Deus e para a obra salvadora de Jesus Cristo –
Cântico de Moisés (Dt 32), Cânticos primitivos (dos quais analisamos: Ef 5.14; Fp 2.6-
11; 1 Tm 3.16; 1 Tm 6.15-16). Além disso, temos a evidência clara de Ef 5.19 e Cl
3.16 orientando-nos a utilizar as músicas vinculadas à Palavra de Deus para ensino e
instrução do Povo de Deus.
31

3 FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA DA MÚSICA COMO ENSINO

A música foi usada na Bíblia para ensinar e foi recomendada por ela para
instruir sobre quem Deus é e o que ele faz, especialmente sobre o “Verbo que se fez
carne” (Jo 1.14), Jesus Cristo. Jesus Cristo é o Deus que se fez homem e assumiu o
castigo dos pecados de toda humanidade morrendo na cruz, foi ressuscitado, reina e
voltará para levar os que confiam nele ao céu. Essa é a mensagem central da fé cristã.
Em Jo 5.39, Jesus diz: “Vocês examinam as Escrituras, porque julgam ter nelas a vida
eterna, e são elas mesmas que testificam de mim”. Jesus se identifica como o centro
de toda a Escritura e em 2 Co 1.19,20, Paulo escreveu:

Porque o Filho de Deus, Jesus Cristo, que foi anunciado entre vocês por nós,
isto é, por mim, Silvano e Timóteo, não foi ‘sim e não’; pelo contrário, nele
sempre houve o ‘sim’. Porque todas as promessas de Deus têm nele o ‘sim’.

Jesus Cristo e sua obra salvadora é a parte principal da mensagem cristã, a


Escritura aponta para ele. Por isso, Cristo e a sua Palavra devem ser a centralidade
da música cristã. Até porque a música sacra/cristã não é um fim em si mesma, mas
ela existe para servir à Palavra de Deus. Halter explica:

A diferença principal, e talvez única, entre a música sacra e a música secular


é uma diferença de função. Onde a música secular é livre para se dirigir a
qualquer emoção do homem, a música sacra é restrita a servir a Palavra de
Deus, sua apresentação ao homem e a resposta do homem à Palavra. A
música da igreja nunca é um fim em si mesma; não é sua função de entreter
(HALTER, 1955, p.8, tradução nossa).

Por causa disso, Reynolds e Price afirmam que a “teologia – o estudo de Deus
– é uma parte significante da hinologia – o estudo dos hinos” (REYNOLDS; PRICE,
1987, p.v, tradução nossa). Para eles, não há dúvida de que os hinos e as canções
devem estar de acordo com a Bíblia e com as doutrinas que dela provém, e por isso,
destacam a importância com o cuidado nesse âmbito hinológico:

Os hinos proporcionam à congregação a oportunidade de expressar suas


crenças sobre fé e doutrina, bem como as experiências da vida cristã. Para
ser uma expressão autêntica de fé, as crenças incorporadas nos hinos devem
ser verdadeiras, devem ser baseadas nas Escrituras e devem estar de acordo
com as doutrinas aceitas pela congregação. Os responsáveis pela
compilação de um hinário prestaram atenção à verdade doutrinária e
procuraram evitar linguagens e expressões vagas e ambíguas que não estão
32

de acordo com o ensino das escrituras (REYNOLDS; PRICE, 1987, p.v,


tradução nossa).

Além de expressar a fé e a doutrina, algo cantado é mais fácil de ser


memorizado do que algo falado. Westermeyer diz que: “A música também ajuda a
memória. Um texto que foi cantado será lembrado muito depois de um falado”
(WESTERMEYER, 1998, p.28, tradução nossa). Halter também enfatiza isso ao
afirmar:

O valor didático dos hinos é experimentado por todos os que aprenderam


belos hinos cristãos em sua juventude e que recordam suas palavras e
música quando estão velhos, fortalecendo assim a sua fé nas verdades aí
expressas (HALTER, 1955, p.8, tradução nossa).

Identifica-se, portanto, que quando falamos em música sacra/cristã ou


hinologia, estamos falando em música relacionada à Palavra de Deus, música a
serviço da Palavra de Deus.

3.1 MÚSICA A SERVIÇO DA PALAVRA

A música cristã não é um fim em si mesma, sem reflexos, nem consequências,


para mero prazer e entretenimento, mas tem sua função ao estar atrelada à Palavra
de Deus. A Palavra de Deus é um dos meios pelos quais Deus age (Rm 10.17: “a fé
vem pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Cristo”). Lutero, em seu Catecismo Maior,
na explicação do 3° artigo do credo, afirma:

porque nem tu nem eu jamais poderíamos saber algo a respeito de Cristo ou


crer nele e conseguir que seja nosso Senhor, se o Espírito não no-lo
oferecesse e presenteasse ao coração pela pregação do Evangelho. [...] Ora,
para que esse tesouro [obra salvadora de Cristo] não ficasse sepulto, mas
fosse aplicado e fruído, Deus enviou e fez proclamar a palavra e, nela, nos
deu o Espírito Santo (LUTERO, 2016, p.452).

E no Catecismo Menor ele diz:

Creio que por minha razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu
Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo Evangelho,
iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé (LUTERO,
2016, p.372).
33

A partir da Escritura, sabemos que Deus age “não de modo imediato ou por
operação imediata, mas com o emprego de meios definidos e ordenados” (MUELLER,
2004, p.334). Ou seja, Deus escolheu utilizar meios para converter as pessoas –
colocar nelas a fé em Jesus Cristo como salvador. Esses meios são tão somente a
Palavra e os Sacramentos, como diz o artigo V da Confissão de Augsburgo (CA):
“Pois, mediante a palavra e pelos sacramentos, como por instrumentos, é dado o
Espírito Santo, que opera a fé, onde e quando agrada a Deus, naqueles que ouvem o
evangelho” (CA, 2016, p.65).
Sendo a Palavra de Deus um dos meios pelos quais o Espírito Santo, quando
quer, dá a fé aos não cristãos, e fortalece a fé dos cristãos, através do ensino, é
possível afirmar, junto com Lutero que:

quando se medita, ouve e trata a palavra seriamente, ela tem o poder de


nunca ficar sem fruto. Sempre desperta novo entendimento, prazer e devoção
e cria coração e pensamentos puros. Pois não são palavras inoperantes ou
mortas, senão eficazes, vivas (LUTERO, 2016, p.410,411).

A Palavra de Deus é um meio externo pelo qual o Espírito Santo age, não
importa a forma que venha ao encontro do ser humano, pode ser lida, pregada, ouvida,
mas também quando é cantada:

A Palavra de Deus, porém, é o tesouro que a tudo santifica. [...] Toda hora
em que se trata, prega, ouve, lê ou medita a palavra de Deus, dá-se, através
disso, a santificação da pessoa, do dia e da obra, não em virtude de ação
externa, mas por causa da palavra (LUTERO, 2016, p.409).

Por essa função da Palavra como instrumento de Deus para agir no ser humano
através do seu Espírito, seja convertendo ou edificando, é que a música sacra sempre
foi utilizada em prol da Palavra, a serviço da Palavra. Tanto no Antigo Testamento,
quanto no Novo Testamento, como mostrado no primeiro capítulo, bem como na
história do Povo de Deus, a música foi utilizada como instrumento para difundir a
mensagem do Evangelho e ensinar doutrinas:

devemos reconhecer um propósito didático no uso da música pela Igreja. O


valor educacional da música em conexão com as palavras tem sido uma das
principais razões para a criação e uso de hinos pela Igreja (HALTER, 1955,
p.8, tradução nossa).
34

Infelizmente, também há, na história do Povo de Deus, relatos de pessoas que


utilizaram hinos para propagar doutrinas erradas:

No segundo século da era cristã, surgiu entre os cristãos gregos uma seita
chamada Gnósticos, que usavam hinos para inculcar um cristianismo
‘prático’. Infelizmente, falsas doutrinas também deslizaram em seus hinos.
Diante da grande popularidade desses hinos heréticos, a própria igreja foi
estimulada à produção de hinos ortodoxos (HALTER, 1955, p.8, tradução
nossa).

Se, por um lado, a música é capaz de propagar ensinamentos errados, por


outro, quando transmite a correta palavra de Deus, ela é capaz de solidificar algumas
doutrinas, sustentar a fé e manter os cristãos nela. “A Igreja Antiga se confrontou com
doutrinas falsas” (BLUM, 2014, p.32), mas “uma das formas de manter os cristãos na
sua fé foi instruí-los com hinos que lhes transmitissem a palavra correta de Deus”
(BLUM, 2014, p.32). Volz (1978, p.335) afirma que Basílio de Cesaréia (c. 330 - 379)
acreditava que a música tinha um valor educacional: “pela suavidade do som,
poderíamos inconscientemente receber o que é útil nas palavras” (BASÍLIO, apud
VOLZ, 1978, p.335, tradução nossa), além disso, Basílio “considerou os salmos um
recurso poderoso para o ensino da fé cristã” (FREDERICO, 2003, p.100).
Ambrósio (c. 340 - 397), arcebispo de Milão “compôs vários hinos para
popularizar a doutrina ortodoxa da trindade” (VOLZ, 1978, p.335, tradução nossa), e
defender a doutrina cristã perante o arianismo17 (BLUM, 2014, p.33).
No período da Reforma, a corrente humanista 18 fez os teólogos retornarem o
estudo das línguas originais da Escritura e aprofundarem suas reflexões na Palavra
de Deus. João Calvino, Ulrich Zwínglio e Martinho Lutero foram os três renomados
reformadores desse período. Todos os três refletiram sobre o uso da música no culto
e na vida do Povo de Deus, cada um teve uma conclusão diferente.
Desses, Calvino e Zwínglio foram os mais críticos com a música sacra. João
Calvino (1509 – 1564), restringiu o uso da música no culto. Calvino temia o poder que
a música tinha de distrair da Palavra de Deus: "onde Lutero se alegrava com os

17 Arianismo – foi uma corrente teológica trazida por Ário (c. 270 – 336) que negava a pré-existência e
a divindade da segunda pessoa da Trindade – Jesus Cristo. Ele afirmava que Cristo era “criatura, tendo
sido criada ou no tempo, ou antes do tempo” (HÄGGLUND, 2014, p.59). A questão ariana levou ao
Concílio de Niceia (325) e a formulação do Credo Niceno que condenou os ensinos de Ário, defendeu
e difundiu a correta doutrina bíblica.
18 Humanismo foi uma linha filosófica que influenciou os teólogos do período da Reforma. Dentre seus

princípios estava a retomada do estudo das línguas originais bíblicas.


35

prazeres da música, Calvino via esse prazer como uma distração da Palavra de Deus"
(GEBAUER, 1978, p.339, tradução nossa). Patrick afirma que “ele também não
concordaria com a introdução de parte cantada, porque o interesse por ela poderia
desviar a atenção da intenção espiritual do que estava sendo cantado” (PATRICK,
1962, p.89, tradução nossa). Assim, Calvino “livrou-se do coro e da sua literatura de
maneira completa e os iconoclastas calvinistas removeram os órgãos das igrejas ex-
católicas” (HUSTAD, 1986, p.119). Ele, seguindo o princípio da reforma de voltar as
Escrituras, defendeu que apenas o saltério deveria ser usado no culto, “em uníssono
e sem acompanhamento” (HUSTAD, 1986, p.119). Na concepção de Calvino,

somente os Salmos podiam expressar o que de melhor havia para ser


oferecido a Deus. No seu entender, a música sacra devia ser simples, porque
é expressão de um povo, e modesta, já que é oferecida a Deus (FREDERICO,
2001, p.151).

Por isso, em 1542 ele publicou um “Saltério Genebriano” (KEITH, 1960, p.71)
que “combinou as melhores versões métricas dos Salmos com as melodias
compostas e adaptadas pelos melhores músicos daquele tempo” (KEITH, 1960, p.71).
Sua ideia musical para o culto ficou conhecida como “salmos metrificados” ou
“Salmódia métrica”.
Ulrico Zwínglio (1484 – 1531), o músico mais habilidoso dos três,
diferentemente de Calvino, tomou uma atitude mais radical: “excluiu toda sorte de
execução musical do culto” (FREDERICO, 2001, p.155). Decisão que está
“intimamente relacionada ao seu conceito de culto” (GEBAUER, 1978, p.340, tradução
nossa). Para ele, o canto no culto deveria ser espiritual (GEBAUER, 1978, p.340,
tradução nossa). Ele não via a música como aliada da Palavra de Deus, mas como
algo que poderia atrapalhar: “a música, para ele, era uma atividade secular e devia
ser colocada em plano secundário ao conhecimento da Palavra” (FREDERICO, 2001,
p.155). Além disso, ele dizia que “não existe nenhuma recomendação bíblica para o
canto na igreja, a não ser os modelos do Antigo Testamento de Moisés e Ana, que
oraram em silêncio, em seus corações” (FREDERICO, 2001, p.155).
Martinho Lutero (1483 – 1546), por outro lado, aprovou, utilizou e recomendou
a música para ensinar a Palavra de Deus às pessoas. Gedrat diz que, para Lutero, “a
qualidade estava associada à utilidade da música: ou era própria para a adoração e a
proclamação da Palavra de Deus, ou era imprópria para tal” (GEDRAT, 2011, p.82).
36

Lutero é um personagem muito importante ao se falar sobre a música e seu


uso a serviço da Palavra:

Em contraste com alguns outros reformadores que viam a música como


sempre potencialmente problemática e que necessitavam de cuidadoso
controle e direção, Lutero, na liberdade do Evangelho, podia exaltar o poder
da música para proclamar a Palavra e tocar o coração e a mente do homem,
enfatizando a música como criação de Deus - não do homem - e como
presente de Deus ao homem para ser usado em seu louvor e proclamação.
E salientando particularmente o sacerdócio real de todos os crentes, Lutero
lançou as bases para o envolvimento de todos os cristãos - congregação,
coro, compositor, instrumentistas - no louvor corporativo ao mais alto nível de
habilidade. Ao ver toda a música sob a mão redentora de Deus, Lutero
enfatizou a liberdade do cristão de usar toda a música na proclamação do
Evangelho (HALTER; SCHALK, 1978, p.15,16, tradução nossa).

Lutero não viu problema em utilizar a música a serviço da Palavra de Deus,


muito pelo contrário, ele a valorizou e a utilizou de diversas formas: compôs hinos,
compilou hinários, criou melodias, trouxe de volta o canto congregacional para o povo
participar ativamente do culto. Ele queria que o povo voltasse a cantar, a cantar o que
crê.
Lutero em seu escrito “A ordem do Culto na Comunidade” de 1523 escreveu:
“Os cantos nas missas e vésperas devem ser preservados. Eles são muito bons e são
tomados da Escritura” (LUTERO, 2000, p. 68). Ele não rejeitou aquilo de bom que
existia na liturgia, na missa e no âmbito da música, mas procurou corrigir aqueles
aspectos que atrapalhavam a mensagem divina: “para a música de seus hinos utilizou
tanto formas antigas quanto contemporâneas. Jamais desprezou a tradição” (BLUM,
2014, p.35).
Ele incentivou a produção de hinos em alemão para que o povo participasse
das missas cantando e pudessem entender o conteúdo e ainda ajudou na confecção
de dois hinários nos quais ele reuniu “alguns hinos sacros a fim de propagar e dar
impulso ao santo Evangelho” (LUTERO, 2000, p. 481). No prefácio ao hinário
Wittenberguense de 1524, ele escreveu:

No meu entender, nenhum cristão ignora que o canto de hinos sacros seja
bom e agradável a Deus. [...] O próprio S. Paulo o institui em 1 Co 14[.26] e
ordena aos colossenses que cantem com vontade ao Senhor hinos sacros e
salmos, para que desta maneira a Palavra de Deus e a doutrina cristã sejam
propagadas e exercitadas das mais diversas maneiras (LUTERO, 2000, p.
480).
37

Percebe-se, claramente, que Lutero tinha a convicção de que os hinos sacros


serviam para propagar a Palavra de Deus e as doutrinas. Desse modo, não houve
como ele não criticar aqueles que negligenciavam a música como criação de Deus:

não sou da opinião de que, pelo Evangelho, todas as artes devam ser
massacradas e desaparecer, como pretendem alguns pseudo-espirituais. Na
verdade, eu gostaria que todas as artes, particularmente a música,
estivessem a serviço daquele que as concedeu e criou (LUTERO, 2000, p.
480).

Na ordem do culto na comunidade de 1523, no qual ele traz conselhos de como


aplicar as propostas da Reforma à uma comunidade local com relação ao culto e a
liturgia, ele ressalta que a Palavra de Deus é o que deve prevalecer nos cultos:

O resultado é este: que tudo, tudo aconteça para que a Palavra tenha livre
curso e que tudo isso não se transforme novamente em um palavrório e
vozerio vazio como foi até agora. Podemos dispensar a tudo, menos a
Palavra, e nada melhor do que promover a Palavra (LUTERO, 2000, p.69).

Assim, “Martinho Lutero, dentre os reformadores protestantes, foi o que mais


defendeu a música como uma maravilhosa dádiva de Deus a ser usada no louvor e
na pregação da sua Palavra” (GEDRAT, 2011, p.75). Lutero, adaptou a liturgia para a
língua alemã, compôs hinos em alemão, nos quais ensinava a Palavra de Deus e
retomou o canto congregacional, sua intenção era colocar o povo em contato com a
Palavra de Deus.
A postura de Lutero para com a música cristã é um exemplo a ser seguido pelos
cristãos de todos os tempos. Não se deve ser radical quanto à forma e ao uso, mas
cuidar para que a música esteja a serviço da Palavra ou, pelo menos, que não
atrapalhe. Para Lutero, “as notas deveriam explicar o texto, ou seja, a música estaria
sempre a serviço da mensagem, e não o contrário” (ALMEIDA, 2011, p.66,67).
Sem dúvida, Lutero é uma boa referência nesse assunto e

ainda hoje, em diversas igrejas protestantes do ocidente, inclusive no Brasil,


os hinos de Lutero mantém sua presença como um marco histórico, advindo
da pertinência da letra em consonância com a doutrina professada pelos
adeptos do movimento reformado (ALMEIDA, 2011, p.18).

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750), músico luterano e compositor alemão,


“um dos maiores gênios musicais de todos os tempos” (FREDERICO, 2001, p.177)
38

também utilizou a música para expressar e comunicar a Palavra de Deus. Ele


compunha predominantemente música religiosa que prestava “serviço ao culto,
através de seus corais, suas missas, seus oratórios e suas cantatas” (MEDAGLIA,
2008, p.77). Ele utilizava elementos musicais para enfatizar o texto: “O texto é
valorizado dramaturgicamente e muitas palavras ou fatos narrados são descritos
através de efeitos sonoros” (MEDAGLIA, 2008, p.77).
Nesse sentido, suas cantatas eram significativas, quase todo culto ele
compunha uma nova. Stevenson afirma que “a cantata de Bach era essencialmente
um contraponto musical ao sermão” (STEVENSON, 1953, p.51, tradução nossa). Ele
usava os textos do fim de semana ou a temática do culto para criar suas cantatas:
“Ninguém jamais questionou o fato de J. S. Bach ter composto algumas das mais
esplendidas obras de música coral e instrumental seguindo a orientação do lecionário
e calendário” (WHITE, 1997, p.63). Blume destaca positivamente esse uso musical de
Bach a serviço da Palavra: “A palavra de Deus como era proclamada na liturgia e
interpretada na retórica de um sermão era agora pregada e interpretada musicalmente
na cantata (em especial por Bach)” (BLUME apud FREDERICO, 2001, p.177).
Ele usou suas cantatas como “uma exposição dos fundamentos e princípios da
fé cristã” (EINSTEIN apud STEVENSON, 1953, p.52, tradução nossa). Bach foi outro
bom exemplo de utilizar a música a serviço da Palavra de Deus.
Percebe-se, desse modo, que música cristã não é algo para ser tratado em
segundo plano, como se fosse algo de pouca importância. Deus usa a sua Palavra
lida, pregada, ouvida, cantada para abençoar os cristãos e não-cristãos. Assim, ela
deve ser vinculada à pregação da Palavra:

A música não é algo a ser, simplesmente, ligado à periferia da vida da igreja,


ou para ser relegado a um plano secundário. A música ocupa uma posição
de destaque como grande meio de ensino e de treinamento. Pode ser usada
com poderosa força para sustentar a pregação da Palavra e é poderoso
veículo para levar a mensagem de salvação. [...] Ela tem seu devido lugar ao
lado da pregação da Palavra (McCOMMON, 1963, p.133,134).

A música cristã deve ter atenção da parte dos pastores e músicos para que, a
Palavra anunciada através da música, possa ser um meio adequado de edificação
nos cristãos, através da ação do Espírito Santo. Hustad chama a atenção do poder da
Palavra mesmo através da música:
39

Crendo na ‘autoridade divina das Escrituras’, as atividades de adoração e


ministração (inclusive a música) se conformarão aos padrões bíblicos,
quando estes são explícitos, e estarão saturadas de verdade bíblica. As
próprias palavras das Escrituras serão consideradas ideais para serem
usadas como música (HUSTAD, 1986, p.40).

Pastores e músicos da igreja não podem ser negligentes diante das músicas
cantadas e utilizadas nos cultos, eventos, congressos e reuniões, pois não é toda
música que corresponde às verdades bíblicas, atrapalhando assim a ação de Deus
de edificar seu Povo e provocando confusão doutrinária dentro dele. A música tem
relação com a pregação e isto é apontado por Marzolf, que diz:

Canto litúrgico é pregação. Hinário é homilética [pregação]. É uma homilética


poderosa, pois quando o processo de pensamento está conectado à rima,
métrica e à melodia, o que é ensinado se torna infinitamente mais memorável
(MARZOLF, 1995, p.7, tradução nossa).

Às vezes, as pessoas lembram melhor do cântico cantado do que da pregação


do pastor ou da palestra edificante que assistiram. Vê-se a importância do cuidado
com o que se ensina através das letras das músicas, daquilo que o Povo de Deus
canta.
A dificuldade que os pregadores têm para comunicar a verdade divina para as
pessoas de uma forma compreensível também é uma dificuldade da música:

O homileta luta para comunicar uma verdade divina contracultural de uma


maneira que seja compreensível. Este é um desafio para aqueles que sobem
no púlpito, aqueles que dirigem o coro, aqueles que lideram o culto a partir
do órgão, aqueles que cantam sermões uns aos outros no hinário da igreja e
aqueles que selecionam hinos para a homilia congregacional (MARZOLF,
1995, p.9, tradução nossa).

Todas essas funções citadas por Marzolf fazem parte da tarefa de ensino da
Palavra de Deus, e fica claro que a música sacra está inclusa na pregação da Palavra.
Portanto, deve-se cuidar com as músicas que são cantadas e o tipo de música.
Deterding, ao comentar sobre Colossenses 3.16 e a “habitação da Palavra de Cristo”,
os quais foram analisados no capítulo anterior, afirma que “o principal critério de
avaliação da música no culto cristão, se é para seguir o padrão estabelecido aqui,
será seu conteúdo querigmático”19 (DETERDING, 2003, p.158, tradução nossa), ou
seja, seu conteúdo proclamatório, sua mensagem. Ele faz um alerta para a Igreja:

19 “Querigma” (κήρυγμα), é uma palavra grega que pode ser traduzida por proclamação ou pregação.
40

Música e hino que proclamam qualquer mensagem contrária à Palavra de


Cristo serão rejeitadas. A música que não é contrária às Escrituras, mas é
fraca em seu conteúdo teológico ou focada nas preocupações mais
periféricas da revelação bíblica, terá um lugar muito menor no culto cristão do
que aquela que proclama ricamente os ensinamentos da fé centrados em
Cristo. Da mesma forma, um lugar muito reduzido será dado à música que é
introspectiva ou antropocêntrica, em comparação com a que é fortemente
focada na Palavra de Cristo. A música que é meramente sentimental
encontrará, no máximo, um lugar muito limitado no culto cristão,
especialmente em comparação com a que proclama objetivamente as
grandes verdades da fé e conduz os adoradores em ação de graças e louvor
por essas grandes verdades (DETERDING, 2003, p.158, tradução nossa).

Ou seja, deve-se rejeitar as músicas que proclamam mensagens contrárias à


Palavra de Deus. Aquelas que estão corretas mas têm menos conteúdo bíblico ou
teológico na letra vão ser menos interessantes para a Igreja, no culto, em eventos ou
na vida dos cristãos do que aquelas que tem mais ensino bíblico. Se para os ouvintes
entenderem corretamente a mensagem de um hino ou cântico, é preciso explicar
antes, talvez seja um sinal de que a letra não é clara e/ou não está correta
teologicamente, e deve-se cuidar com esta música. Pois, o Povo de Deus precisa
cantar o que ele, de fato, crê.
Fica a sugestão para que sejam compostas novas músicas, fiéis ao ensino
bíblico e que possam ser usadas na proclamação do Evangelho e da Palavra de
Cristo. Existem bons músicos e poetas no Povo de Deus. Eles, por vezes, não foram
incentivados a compor. Em Cl 3 “São Paulo nos exorta e nos desafia a usar os dons
divinos da poesia e da melodia no alto serviço da pregação” (Marzolf, 1995, p.6,
tradução nossa).
Fica claro que “a música pode ser um meio eficiente de educação e pode
sustentar a pregação do evangelho. Através do canto, podemos ensinar as grandes
verdades da Bíblia de uma maneira eficaz” (McCOMMON, 1963, p.47). Deve-se,
desse modo, cuidar com o conteúdo das letras que cantamos, promover a criação de
outras músicas e utilizar boas músicas na proclamação da Palavra. Enquanto as letras
de música refletem a Palavra de Deus, o Espírito Santo pode agir através delas:

Os nossos hinários pregam a Palavra de Cristo. Por isso eles sempre serão
importantes na obra da evangelização. Sendo Palavra de Deus, o Espírito
Santo quer agir por meio deles. E neste sentido a música sempre tem a tarefa
de captar a atenção do ouvinte. Ela faz o papel de condutor da mensagem.
Por isso o mais importante sempre será a letra (KARNOPP, 1997, p.67).
41

O culto público é o principal local de ensino da Palavra de Deus bem como


onde os cristãos se reunem para louvar a Deus e receber as bençãos que ele dá
através de sua Palavra. Nesse sentido, a música cristã tem papel importante no culto
cristão.

3.2 MÚSICA NO CULTO

O culto cristão é o principal momento semanal de reflexão, estudo e instrução


na Palavra de Deus. É o momento que o Povo de Deus se reúne para ouvir a Palavra
de Deus, receber o perdão dos pecados, participar da Santa Ceia, bem como
agradecer e louvar a Deus através das orações e hinos de louvor:

Ênfase particular, no entanto, é dada à culto corporativo e congregacional,


onde os cristãos se reúnem para ouvir a Palavra e participar do Sacramento.
Para os luteranos, o culto corporativo não é simplesmente uma opção
agradável; é o trabalho indispensável e central da comunidade cristã reunida,
da qual todas as outras facetas da vida e missão da igreja, incluindo a vida
de adoração individual, derivam sua força, propósito e direção (HALTER;
SCHALK, 1978, p.14, tradução nossa).

Como foi visto, a música pode e é utilizada na proclamação da Palavra como


também é confissão de fé porque expressa aquilo que o povo crê.
Na teologia existe uma expressão em latim importante para se referir ao culto:
lex orandi lex credendi – “a norma de orar é a norma do crer”. Essa expressão é
atribuída originalmente a Próspero de Aquitânia (c. 390 – c. 465), um “leigo com boa
formação teológica” (TABORDA, 2003, p.72). Ele usou essa expressão para
argumentar contra os semipelagianos20 de sua época. Sua argumentação era que a
forma que os cristãos oram revela o que eles creem. No seu contexto especificamente:

Quando o encarregado da oração eclesial, sustentado pela súplica de toda a


Igreja, pede pela conversão dos infiéis, dos idólatras, dos judeus, dos
hereges, dos cismáticos, dos penitentes, dos catecúmenos, não o faz em vão,
como se mostra pelos efeitos da oração, a graça da conversão dessas
pessoas. Daí se segue que toda vez que uma conversão acontece, ela é obra
da graça de Deus, suplicada pela Igreja (TABORDA, 2003, p.74).

20“O semipelagianismo é uma reformulação moderada do pelagianismo” (TABORDA, 2003, p.72);


Pelágio defendia o livre-arbítrio do homem, “supunha que o homem tem em si mesmo a capacidade de
escolher entre o bem e o mal” (HÄGGLUND, 2014, p.105).
42

Ou seja, ao orarem pela conversão das pessoas mediante a Graça de Deus,


os cristãos expressam a sua fé de que as pessoas são convertidas pela Graça de
Deus. Com o tempo essa frase foi sendo utilizada com respeito a liturgia: “Muitas
vezes ouvimos a frase ‘Lex orandi lex credendi’, isto é, ‘a regra de culto é a regra do
crer’. [...] A maneira como rendemos culto terá um efeito no quê e como cremos”
(ROSIN, 2011, p.12).
Essa expressão pode ser usada no sentido inverso também: “como cremos e a
teologia que confessamos vai afetar – ou ao menos deveria afetar – a forma como
cultuamos” (ROSIN, 2011, p.12). De fato, essa expressão é verdadeira. Se
observarmos a liturgia seguida nos cultos e celebrações de diferentes denominações
iremos perceber variações que representam as diferenças teológicas entre elas.
Um bom exemplo é a reforma litúrgica que Lutero promoveu na liturgia da missa
católica: “Partindo do princípio da justificação por graça e fé, distingue em sua análise
da missa romana três grupos de partes litúrgicas. Uma é eliminada, outra é tolerada e
a terceira, aceita sem restrições” (DREHER, 2000, p.155). Nesse sentido ele critica o
cânone da missa que apresentava a Santa Ceia como um sacrifício humano para
conquistar bençãos de Deus e não como uma ação Divina em favor do ser humano
pecador:

Aí a missa começou a se tornar um sacrifício, acrescentaram-se os ofertórios


e as coletas mercenárias, inseriram-se entre o Sanctus e o Gloria in excelsis
sequências e prosas. [...] Temos tolerado e ainda toleramos todas essas
coisas até que sejam abolidas totalmente, visto que o Evangelho revela todas
essas abominações. Entrementes examinaremos todas as coisas e
reteremos o que é bom (LUTERO, 2000, p.158,159).

Lutero manteve o que estava de acordo com a Palavra de Deus, corrigindo


especialmente o que afetava a doutrina da Justificação pela fé. Nesse sentido, ele

sabia que o culto era provavelmente o contato mais frequente que as pessoas
tinham com a teologia, e aprendiam pela forma que cultuavam – lex orandi,
credendi, vivendi21. Desta forma, Lutero passou a tratar o culto como forma
de ensino da teologia. [...] certifique-se que as pessoas vejam Jesus (ROSIN,
2011, p.25).

21O autor acrescentou “Lex vivendi” para enfatizar que a forma que cultuamos “afeta como cremos e
também como vivemos” (ROSIN, 2011, p.12).
43

A Confissão de Augsburgo, artigo XXIV, também apresenta esse cuidado


didático no culto:

Não houve, outrossim, modificação notável nas cerimônias públicas da missa,


à exceção do fato de, em alguns lugares, se cantarem hinos alemães além
dos latinos, para instruir e exercitar o povo, já que a finalidade principal de
todas as cerimônias é que o povo delas aprenda o que lhe é necessário saber
de Cristo (CA, 2016, p.45).

A finalidade principal de todas as cerimônias é aprender de Cristo, pois “o culto


principal de Deus é ensinar o Evangelho” (Apologia da Confissão, 2016, p.233). Jesus
Cristo é o ponto central do culto, quem ele é, o que fez e sua Palavra devem conduzir
todo o culto, inclusive a liturgia e a música. Valente, analisando os escritos do teólogo
católico Joseph A. Ratzinger, afirma:

Tendo como pano de fundo a frase do evangelista João ‘e o Verbo se fez


carne e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória’ (Jo. 1,14), diz o teólogo
[Ratzinger], que esta auto-revelação, autocomunicação de Deus é o ponto de
referência de todo o culto, que consiste em contemplar a Glória de Deus. A
música litúrgica é uma consequência da realidade e da dinâmica da
encarnação da Palavra (VALENTE, 2015, p.20).

O Verbo que se fez carne é o centro do culto e a música litúrgica deve servir a
esse Verbo.
Martinho Lutero, ao falar sobre culto, gostava da palavra “Gottesdienst” -
serviço de Deus. Em oposição ao modo de pensar e agir da sua época, especialmente
com respeito as missas católicas romanas, Lutero ensinou que

o culto não deve ser entendido como uma obra, algo que nós fazemos (ou o
sacerdote faz) para agradar a Deus e para receber algo dele. O culto correto
[...] se concentra no que Deus faz para nós e para nossa salvação (ROSIN,
2011, p.18).

Gottesdienst é uma palavra alemã que traz os dois aspectos do culto divino:
Deus vindo a nós e nos servindo através da Palavra e Sacramentos; e nós servindo a
ele em gratidão com nossas ofertas, orações e louvor:

A presença de Deus é o elemento principal no culto cristão. Ele é o orador


indicado quando as Escrituras são lidas, quando o sermão é pregado, quando
o hino apresenta uma mensagem bíblica, e quando o Sacramento é
celebrado. Mas Deus também é o público. Ele ouve a resposta do coração,
ele ouve as palavras que cantamos, as litanias que dizemos, as orações, o
44

louvor e a ação de graças que estão espalhados pelo culto (CONSTIEN,


1971, p.30, tradução nossa).

Desse modo, no culto há essas duas perspectivas, Deus servindo o seu Povo
e o seu Povo retribuindo em gratidão e louvor. Culto é lugar onde “Deus fala a nós,
nós nos dirigimos a Deus e falamos uns com os outros. Todas estas são partes vitais
do culto na liturgia da Palavra” (WHITE, 1997, p.126). Conforme Nuechterlein, a
música no culto serve como um meio pelo qual “o próprio Deus se comunica com seu
povo na Lei e no Evangelho; os cristãos se comunicam com Deus em oração, louvor
e agradecimento; e os cristãos ensinam e advertem uns aos outros (Cl 3:16)”
(NUECHTERLEIN, 1978, p.106, tradução nossa).
Nada no culto é obra humana para conquistar algo de Deus, mas sim maneiras
de Deus abençoar seu Povo com seu perdão, vida e salvação e esse Povo retribui
louvando e agradecendo. Os hinos e a liturgia se enquadram nessa ação de Deus
para com o Povo e na ação do Povo para com Deus:

O ponto não é que servimos a Deus na esperança de alcançar algo – entoar


hinos, oferecer orações, ou passar pela liturgia na esperança de servir e
agradar a Deus e ganhar mérito. Na verdade, Deus nos serve. Ele serve ao
nos salvar. O que dizemos em louvor é uma resposta ao presente do perdão
e graça salvadora (ROSIN, 2011, p.19,20).

A liturgia histórica que muitas denominações cristãs utilizam, inclusive a igreja


Luterana, faz bem essa função de mostrar Deus indo ao encontro do pecador com
seu amor, dando o perdão em nome de Jesus:

Somos lembrados do pecado e graça nas palavras introdutórias e na


confissão e absolvição. Ouvimos o que Deus fez e continua fazendo por nós
nas leituras das Escrituras, no Credo e, claro, no sermão. E então somos
lembrados novamente que o nosso pecado foi superado pela graça na liturgia
que segue o Sacramento (ROSIN, 2011, p.19,20).

Um aspecto importante a ser ressaltado sobre a liturgia histórica é que ela é


importante na medida em que é formada por trechos da Escritura e identifica os
cristãos de hoje com o Povo de Deus de todos os tempos. Mas ela não pode ser um
fim em si mesma, se o povo não entende o que acontece ou o por quê é daquele jeito,
ela deve ser explicada ou modificada:

Os cultos tradicionais podem ainda servir, desde que as pessoas


compreendam o que está acontecendo. Se não conhecem, ensine-os -
45

escreva sobre eles em boletins da igreja e pregue sobre eles como uma forma
de explicá-los. Assegure-se de que fazemos isto não simplesmente para ser
tradicionais, mas como uma ligação com a igreja antes e depois de nós
(ROSIN, 2011, p.25).

Não podemos nos prender apenas ao tradicional, ainda mais se isso não está
mais fazendo sentido para as pessoas. “A nossa forma litúrgica precisa ser útil para
compreendermos a nossa teologia” (KARNOPP, 2012, p.36). Halter e Schalk, dois
teólogos luteranos escreveram:

Os luteranos entendem que sua herança é uma fonte significativa de


continuidade com seu próprio passado, assim como com toda a igreja
católica. No entanto, os luteranos não divinizam, engessam ou aceitam sua
herança acriticamente. Os luteranos também enxergam sua herança como
base para avançar em direção ao futuro. Assim, o culto luterano é
simultaneamente conservador e aberto ao futuro (HALTER; SCHALK, 1978,
p.14, tradução nossa).

É muito bom que a Igreja olhe para trás, se identifique com os outros cristãos
que vieram, e coloquem em seus hinários e na sua liturgia aspectos que os identificam
como um só Povo, o mesmo Povo de Deus. O perigo é a Igreja acabar se fechando
para os novos tempos e ignorar as boas composições musicais que existem, ou os
diferentes tipos de instrumentos a serem usados. Tanto o antigo como o novo são
importantes. Delaney mostra muito bem isso:

Como a fé é uma coisa dinâmica, devemos esperar que ela seja expressa de
maneira dinâmica. As novas formas de hoje podem se fundir com formas de
ontem para enriquecer ainda mais o culto cristão. O coração cristão é poético
e inventivo. As pessoas em todas as gerações têm o seu modo de cultuar em
palavras mais significativas para eles (DELANEY, 1971, p.143, tradução
nossa).

O próprio Lutero é um bom exemplo dessa valorização do tradicional sem


ignorar o contemporâneo:

Lutero não era somente tradicional, mas também contemporâneo. Os hinos


que usava não eram somente retirados do passado, mas também escritos no
seu tempo. As palavras nas partes do culto eram colocadas em uma
linguagem que o povo pudesse compreender. Não era mudança pela
mudança, mas mudança porque o que havia não servia mais como uma vez
tinha servido (ROSIN, 2011, p.25).

Sendo tradicional ou não, a música no culto é importante e o ideal é que ela


não seja aleatória, mas que esteja em acordo com as leituras bíblicas ou o tema do
46

culto. Hinos ou cânticos podem ser usados para reforçar a temática do culto, das
leituras ou da pregação:

Quando bem planejada, a música coral pode combinar muito bem com o
ministério da palavra ao oferecer um comentário musical sobre as leituras.
Com demasiada frequência hinos com textos não-relacionados à ocasião
atrapalham o fluxo de um culto cuidadosamente planejado sob outros
aspectos (WHITE,1997, p.63).

Também pode-se utilizar o período litúrgico para utilização dos hinos e os


índices que a maioria dos hinários tem. Steuernagel sugere que se utilize “a
consonância temática (ou seja, de conteúdo teológico e litúrgico) entre o conteúdo
cantado e o momento litúrgico em que a peça é inserida” (STEUERNAGEL, 2015,
p.94) para que fique mais clara a mensagem divina para os participantes do Culto. Um
exemplo de um bom uso nesse sentido seria utilizar um hino ou cântico de confissão
de pecados na parte da liturgia em que confessamos os pecados; ou então um cântico
trinitário no início do culto. Caso não seja respeitado essa lógica litúrgica, “haverá
confusão temática, [...] e pode ter diferentes resultados: desinteresse, falta de
compreensão do conteúdo bíblico-teológico ou, pior, má interpretação deste conteúdo
em decorrência da defasagem temática” (STEUERNAGEL, 2015, p.94,95).
Kretzmann recomenda que se dê atenção à escolha das músicas:

Como o pensamento e os temas do sermão do pastor se refletem nos hinos


que ele escolhe, ele deve dar tempo ao músico da igreja para preparar
músicas que tornem o culto uma unidade e não uma série de partes
desconexas e, às vezes, totalmente sem relação (mesmo que boas). Isso
requer estudo e preparação por parte do pastor, uma total abertura e
disposição para considerar a importância do trabalho e serviço da música
como sendo o ingrediente único e importante do culto, ao lado da Palavra e
do Sacramento (KRETZMANN, 1978, p.219, tradução nossa).

Ou seja, a escolha de músicas para o culto não deve ser feita de modo
apressado, aleatório e sem levar em consideração o tema do culto, da pregação ou
as leituras do dia, bem como o período litúrgico. Mas sim, dedicar-se também na
escolha dos hinos e cânticos para que o culto ensine melhor a Palavra de Deus e que
o Povo de Deus possa sempre cantar aquilo que se crê, e ter mais proveito e prazer
neste cantar. Pois:

a função do pastor como líder do canto congregacional não é apenas


estimular o canto em si; aliás esta tarefa nem é primordial. É preciso lembrar
47

que a música litúrgica não tem um fim em si mesma mas ela é instrumento
da divulgação da Palavra que se ouve ou para o Sacramentos que se recebe.
Portanto, a tarefa primordial do pastor como líder do canto congregacional
será a de supervisionar e orientar os líderes no canto a fim de se utilizar
músicas e textos que transmitam com pureza e fidelidade a mensagem bíblica
e sua aplicação na vida cristã (BLUM, 1985, p.12).

3.3 MÚSICA E DOUTRINA

A música sacra/cristã deve servir à Palavra porque aquilo que se canta definirá
o que se crê ou o que se crê definirá o que se canta (Lex orandi lex credendi). Assim,
querendo ou não, quando se tem uma canção ou um hino, ali expressa-se a teologia,
ou a compreensão doutrinária, de alguém. As letras de músicas são uma das formas
de condensar àquilo que se crê:

Ao lado da Bíblia, um bom hinário é o melhor tratado teológico que a igreja


possui. Uma vasta categoria de hinos revelará interessantes informações
praticamente relativas a cada princípio de nossa herança doutrinária. É
melhor que as igrejas usem somente os hinários que foram editados
especificamente por causa do seu conteúdo doutrinário, se pretendem
conservar seus membros completamente firmes na fé (McCOMMON, 1963,
p.44).

Dessa forma, os hinários e cancioneiros são materiais importantes de ensino e


base para os cristãos, pois eles “unem uma igreja na prática e na crença” (RESCH,
1993, p.169, tradução nossa). A doutrina presente neles deve corresponder com
aquela ensinada e confessada pela Igreja. Os luteranos creem que suas doutrinas
correspondem à Palavra de Deus, e nesse sentido, “o nosso hinário jamais poderá
deixar de ser um compêndio que ensina a Palavra de Deus” (KARNOPP, 1993, p.66).
Não há dúvidas de que

em todas as épocas, o entendimento da igreja sobre sua fé precisa ser


cristalizado em alguma forma de credo, para sua própria confirmação, para o
estabelecimento de seus membros na verdade e para a elevação de sua
bandeira aos olhos do mundo (PATRICK, 1962, p.20, tradução nossa).

Isso é perceptível na análise bíblica, inclusive em alguns textos analisados no


capítulo anterior22, bem como no uso que Lutero fez da música, da liturgia e dos
hinários em sua época. A música cristã deve servir como base de fé e como
testemunho dessa fé as outras pessoas.

22 Ex 15; Dt 32, Fp 2.6-11, 1Tm 3.16, 6.15-16.


48

Por outro lado, deve-se cuidar com as músicas que possuem melodias bonitas,
arranjos bem feitos, que são muito bem executadas, gravadas e divulgadas, mas que
possuem letras erradas, letras que expressam doutrinas não-escriturísticas. Por mais
que pareça inofensiva, a música pode danificar o ensino: “palavras errôneas, vestidas
com notas, parecem possuir inocência, mas é uma inocência enganosa que, ao longo
dos anos, muitas vezes provou ser um inimigo interno” (RESCH, 1993, p.164,
tradução nossa). Karnopp afirma corretamente:

Aquilo que cantamos precisa estar fundamentado na Palavra do Senhor, bem


como estar em harmonia com aquilo que confessamos. O conteúdo de uma
letra é o conteúdo da fé que professamos. Cantamos o que cremos e cremos
o que cantamos. Não é possível pregar uma coisa em cima dos púlpitos e
cantar outra dos hinários e cancioneiros (KARNOPP, 2012, p.75).

Uma forma de ilustrar este assunto é a linguagem de integridade e integração,


utilizado por Buss. Esta linguagem ao ser aplicada à Igreja aponta para a atualidade,
sem abandonar a fidelidade à doutrina. Dessa forma, a Igreja não deixa de ser fiel,
consegue ser atual, relevante e que vai ao encontro das pessoas. Nesse sentido,
“Integridade” significa aquilo “que é essencial para definir a igreja como igreja, como
aquilo que ela não pode abandonar sem perder sua própria identidade” (BUSS, 2014,
p.58). Nesse ponto entra a

lealdade ao ensino das Sagradas Escrituras mas também na aceitação de


expressões autênticas da verdade bíblica tais como elas se encontram
principalmente nos Símbolos, isto é, nos Credos Ecumênicos e nas
Confissões Luteranas, e também outros documentos que a igreja aceita com
o biblicamente sadios e corretos tais como obras dogmáticas, hinários, e
liturgias (BUSS, 2014, p.59).

A integração, por outro lado, “consiste em pregar a palavra de tal maneira a


efetivamente comunicar a mensagem de Lei e Evangelho ao mundo a fim de
convencê-lo do pecado e trazê-lo a Cristo” (BUSS, 2014, p.61). Nesse sentido,
significa procurar compreender o mundo, suas mudanças, sua realidade atual. Aí fica
a questão levantada pela tensão integridade-integração: como ser relevante sem
perder a essência? Na música poderíamos pensar assim: Devemos abrir mão dos
hinos tradicionais nos quais sabemos que as doutrinas estão bem expostas e que
ensinam corretamente por cânticos ou músicas que se apresentam como mais
atrativas e que muitas vezes não expressam o mesmo conteúdo ou possuem até
49

erros? Por outro lado, devemos ficar presos somente ao hinário e não tentar ir ao
encontro da cultura que nos cerca e ao que as pessoas têm ouvido?
Em casos que o foco é muito maior na Integração, vê-se a crítica feita por
Krüger:
Tem-se notado que os critérios para a adoção das músicas geralmente não
passam pelo interesse em analisar seus reais sentidos e sua relação fiel com
os textos ou ensinamentos bíblicos, mas pela popularidade do cantor ou da
banda que as acompanha, pelo tipo de ritmo, pela forma como se espera que
a congregação reaja e, especialmente, pelo gosto pessoal do “ministro” de
louvor (KRÜGER, 2015, p.56).

A preocupação é mais em agradar as pessoas do que cuidar com o que se


ensina. É importante ressaltar que por vezes as pessoas não tem consciência desse
poder que a música tem de ser uma “porta de entrada importante para doutrinas e
interpretação bíblica” (KRÜGER, 2015, p.60), caracterizando ingenuidade sobre o
assunto.
Porém, em casos que o foco é bem maior na Integridade, pode acontecer de a
Igreja não transmitir “a mensagem de uma maneira inteligível aos perdidos que
precisam ouvi-la” (BUSS, 2014, p.64). Ou ainda

pouco adianta executar uma música com texto correto, seja do repertório
tradicional, seja de uma criação contemporânea, se a mensagem não for
entendida pelos ouvintes, devido ao arranjo que dificulta a clareza da emissão
do texto ou se o texto é sufocado pelo volume dos instrumentos (BLUM, 2014,
p.46).

A tensão existe e deve ser motivo de reflexão constante por parte de teólogos,
pastores e músicos de igreja:

Se, por um lado, precisamos nos dirigir às pessoas de hoje que anseiam por
mudanças, por outro lado, a palavra de Deus é imutável. Ela nunca muda. O
mesmo Evangelho que salvou os primeiros cristãos continua a nos salvar
hoje. Mas, também é verdade, que a palavra precisa ser aplicada e dirigida
aos problemas e ansiedade de hoje e, de uma maneira compreensível e que
toque aos corações do povo atual (BLUM, 2014, p.46).

Para tentar responder, recorre-se a McCommon (1963, p.43), que acrescenta


argumentos sobre o uso da música na igreja. “Corretamente usada, a música pode
ser um dos nossos mais eficientes meios de educação. Ela se coloca ao lado da
educação visual como um meio principal de instrução”. A música ensina; utilizando a
dinâmica integridade-integração, consegue-se aplicar, como Lutero fez, nos primeiros
50

momentos da Reforma, melodias conhecidas, ou mesmo melodias novas, às letras


novas, que estejam de acordo com o ensino da Palavra de Deus. O papel principal da
música não é fazer os ouvintes se sentirem bem, mas expressar, através da melodia
aquilo que a poesia quer transmitir. Assim, a música pode e “deve ser usada no ensino
e na admoestação de uns aos outros” (McCOMMON, 1963, p.43). Ela

deve ser julgada pela maneira fiel como ela cumpre as suas funções,
confirmando as crenças comuns (teologia) e os alvos (adoração, comunhão
e ministério), bem como a identidade (tradições de cada cultura e subcultura
em particular (HUSTAD, 1986, p.39,40).

Parece que, novamente, o equilíbrio, mostrado por Lutero, é a melhor solução.


Não se resolve a tensão, segue-se com ela sem pender tanto para um lado como para
o outro. A doutrina, o ensino bíblico, precisam estar certos em qualquer tipo de música
cristã, podendo ser utilizadas as duas maneiras - tanto o estilo tradicional, como o
contemporâneo. Não se restringir a apenas um deles, pois o Povo de Deus que canta
hoje, faz parte do mesmo povo que cantou no passado. O fundamental é que aquilo
que se cante esteja em acordo com aquilo que se crê para que sirva de instrução às
pessoas, proclamação da Palavra e confissão de fé do Povo de Deus. Na medida em
que a doutrina é colocada em forma hínica, entendida por todos e memorizada através
do seu uso repetido, o hino é uma forma que aplica doutrina à vida (RESCH, 1993,
p.171, tradução nossa).
Aquilo que o Povo de Deus crê precisa estar claro e presente nas músicas que
eles cantam. E doutrinas divergentes não podem aparecer. É responsabilidade dos
pastores, líderes musicais e músicos de cuidar com as músicas que serão utilizadas
para que o Povo de Deus sempre cante aquilo que crê. É deixado o incentivo aos
poetas e compositores para que componham mais músicas expressando as doutrinas
e a Palavra de Deus corretamente, para ir ao encontro das pessoas, para haver
integração sem perder a integridade.
Deus gosta que o seu Povo cante. O seu Povo gosta de cantar. Devemos
buscar fazer isso adequadamente para que sempre “a Palavra de Cristo habite
ricamente” (Cl 3.16) em nós, Povo de Deus.
51

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma melhor compreensão


sobre o papel das letras de música no ensino do Povo de Deus. Na análise feita a
partir de textos bíblicos, tanto no Antigo Testamento (Cânticos de Moisés, Cântico de
Ana, Davi, Salmos), bem como no Novo Testamento (Cânticos do Evangelho de
Lucas, Cânticos primitivos), percebeu-se que a música foi usada para ensinar
histórias, para lembrar o povo sobre quem Deus era e o que fez por ele, e como
confissão de fé do Povo de Deus. Mas também foi incentivada para ensino e instrução
na Palavra de Deus (Dt 32, Ef 5.19 e Cl 3.16). A partir de nossa análise, fica evidente
que a música pode e deve ser usada a serviço da Palavra de Deus, na edificação do
Povo dele.
A partir das reflexões teológicas propostas por Lutero, pelas confissões
luteranas, pela vinculação da música na liturgia e no culto, pelo axioma lex orandi lex
credendi e pelo uso da música ao longo da história do Povo de Deus, percebeu-se
que a música sacra/cristã deve ser instrumento a serviço da Palavra de Deus. Ela
deve servir a esse propósito na proclamação do Evangelho e na confissão de fé
perante as pessoas. Desse modo o Povo de Deus deve cantar aquilo que crê.
Por fim, foi mostrado como essa relação da música sacra com a Palavra de
Deus deve refletir-se nos cultos e nas doutrinas presentes nos hinários e cancioneiros
do Povo de Deus tendo em vista a necessidade da igreja de se manter íntegra – fiel
as doutrinas – e integrada – indo ao encontro das pessoas.
Ficou claro para o pesquisador que aquilo que o Povo de Deus canta tem que
estar em acordo com o que a Bíblia ensina para que a música cristã esteja cumprindo
bem sua função de serva da Palavra, e assim, Deus, edifique, console e abençoe seu
povo, bem como que ela funcione como Proclamação da Palavra e confissão de fé
adequada do povo.
Apesar de o assunto ter sido abordado em diversos aspectos, ele continua
sendo muito amplo e poderiam ser feitas outras pesquisas para estender a reflexão.
Uma possibilidade seria analisar músicas de hinários e cancioneiros com doutrinas
bíblicas e verificar como elas estão em concordância. Também poderiam ser
estudados textos bíblicos que acabaram não sendo analisados neste trabalho, como
o cântico presente em Cl 1.15-20, por exemplo. Ou ainda, verificar, como a tradição,
na forma musical ou na poesia afasta ou aproxima, ensina ou confunde.
52

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