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A PEDAGOGIA DE HEGEL COMO EXPRESSÃO DE SUA CRÍTICA SISTEMÁTI-

CA AO ILUMINISMO MODERNO

Ediovani Antônio Gaboardi


gaboardi42@gmail.com

Introdução

Hegel não dedicou uma obra sistemática específica sobre a Educação. Entretanto, seu
vínculo profissional com a temática foi constante. Aos 23 anos, tornou-se preceptor em Berna,
atividade que exerceu também em Frankfurt, até tornar-se Professor da Universidade de Jena
em 1801. Obrigado a deixar Jena em virtude da invasão napoleônica, ele acaba assumindo o
cargo de professor e diretor do Ginásio de Nuremberg, graças a seu amigo e protetor Imma-
nuel Niethammer, então Conselheiro superior das escolas e dos cultos para a confissão protes-
tante. Aliás, devido a essa circunstância, Hegel assume a incumbência de implantar as refor-
mas de ensino planejadas por ele e outros na Normativa para a organização dos estabeleci-
mentos de ensino público do Reino (FERNANDES, 1994, p. 7). Durante esse período (1808 a
1816), exerce também a função de Conselheiro escolar, o que o obriga a entrar em contato
com as questões político-pedagógicas inerentes à organização das instituições de ensino. De-
pois destes 8 anos fora da universidade e vinculado ao ensino ginasial, Hegel finalmente rece-
be uma cátedra em Heidelberg (1816) e depois em Berlim (1818, substituindo Fichte). Em
1830, um ano antes de sua morte, torna-se reitor desta universidade, um símbolo da reforma
humanista proposta por Wilhelm von Humboldt (LUZURIAGA, 1990, p. 184).
Em função de sua atividade pedagógica, especialmente no período de 1808 a 1816,
Hegel elaborou alguns textos tratando de questões educacionais na forma de discursos, cartas
e relatórios, além de estudos apresentando didaticamente partes de seu sistema (reunidos na
edição conhecida como Propedêutica filosófica). Hegel já havia escrito a Fenomenologia do
espírito e nesse período publicou os três volumes da Ciência da lógica (1812, 1813 e 1816).
Seguindo aquilo que estabelecia a Normativa, que na classe superior do Ginásio os conteúdos
já tratados fossem agora reunidos numa exposição unitária, Hegel empenhou-se também em
elaborar aquilo que viria a ser sua Enciclopédia das ciências filosóficas, publicada pela pri-
meira vez em 1817 (NOCOLIN; PÖGGELER, 1969, p. 21). Em outras palavras, os “escritos
pedagógicos” de Hegel foram elaborados não só no momento em que ele se viu mergulhado
no cotidiano escolar, mas também em meio à sua elaboração teórica mais madura. Isso sugere
que eles são, em algum sentido, o resultado de um diálogo entre a experiência prática de um
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professor de Filosofia em nível médio e a experiência teórica de um pensador em debate pro-


fundo e original com as mais sofisticadas elaborações filosóficas de seu tempo.
Em virtude dessa situação ímpar, pretendo interpretar a “pedagogia hegeliana” tanto
como uma expressão direta de seu pensamento sistemático, no seu embate com a realidade
escolar, quanto como um desdobramento, para a esfera educacional, da crítica e tentativa de
superação que Hegel empreende em relação ao iluminismo moderno. Não será explicitada
aqui propriamente a relação de Hegel com o iluminismo, pois essa temática mereceria uma
abordagem muito mais ampla. Será evidenciado, isto sim, a conexão que as posições pedagó-
gicas do autor possuem com seus trabalhos sistemáticos e como essas posições são elaboradas
por ele enquanto críticas a determinados pontos de vista que ele pensa estar presentes na pe-
dagogia moderna, de matiz iluminista.
A primeira tarefa a ser realizada é delinear e circunscrever a temática educacional no
interior da obra de Hegel. O tema da educação pode ser encontrado nas entrelinhas do pensa-
mento hegeliano como um todo, em alguns momentos específicos de seus trabalhos sistemáti-
cos ou então nos escritos que elaborou por conta de sua atividade docente. O problema é que a
ideia de educação que se tenta inferir de seu sistema filosófico é muito diferente daquela que
se apresenta em seus textos sobre o assunto, e isso pode levar até mesmo à conclusão de que
há uma contradição entre esses textos e a obra sistemática. Assim, paralelamente à argumen-
tação principal do texto, permanecerá o propósito de esclarecer a situação da temática educa-
cional no pensamento hegeliano.

1 A temática educacional no sistema hegeliano

Por não ter publicado uma obra específica sobre o tema, Hegel não pode ser classifi-
cado com um Filósofo da educação. Entretanto, é possível afirmar que seu próprio sistema
filosófico contém de forma imanente uma teoria pedagógica (MOOG apud GINZO, 1991, p.
14). Esse ponto de vista está diretamente ligado ao lugar decisivo que a cultura (espírito –
Geist) ocupa no sistema hegeliano. Embora Hegel também trate da natureza (na segunda parte
de sua Enciclopédia das ciências filosóficas), ela ocupa muito menos espaço nos seus escritos
do que a cultura humana em todas as suas dimensões. E a cultura é, em sentido hegeliano, o
resultado do processo formativo pelo qual passou a humanidade. Não se pode entendê-la sem
compreender a “lógica” de sua produção. A dialética hegeliana é essa lógica, desdobrada em
cada aspecto da cultura. Nesse sentido, ela também pode ser compreendida enquanto a lógica
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da formação da cultura humana, ou ainda, enquanto a lógica do processo educativo pelo qual
passou a humanidade.
É bem verdade que, pelo menos inicialmente, a natureza foi um tema muito importante
para Hegel, assim como para seu amigo Schelling. Segundo Hösle, a posição sobre o tema
constituiu a “differentia specifica entre, de um lado, Kant e Fichte, e, de outro, Schelling e
Hegel” (2007, p. 312). Mas a concepção hegeliana de natureza é justamente o que a torna me-
nos importante do que o espírito. Para ele, a natureza é “a ideia na forma do ser-outro”
(1989b, p. 11, § 247). E ainda, “a natureza deve considerar-se com um sistema de graus, dos
quais um brota necessariamente do outro e é a verdade próxima daquele de que resulta”
(1989b, p. 13, §249). Para Hegel, a natureza é a exterioridade da ideia. Ou seja, a liberdade e a
autodeterminação próprias do pensamento nela são substituídas pela mescla entre a necessi-
dade externa e a contingência. Mas a ideia está no interior da natureza. Esse elemento, que
tem a natureza como sua “casca”, vai-se desenvolvendo (não no sentido do evolucionismo,
mas apenas idealmente) até atingir sua exposição completa. Nesse momento, a ideia abandona
sua exterioridade e se revela nas formas cada vez mais autoconscientes do espírito. Assim, a
natureza é um nível em que a ideia não está presente em sua plenitude. Mais do que isso, a
própria natureza só pode ser compreendida adequadamente no nível do espírito, de tal forma
que este contém sua verdade oculta, íntima. Em razão disso, Hegel não terá dúvidas em afir-
mar na Estética: “Tudo quanto provém do espírito é superior ao que existe na natureza”
(1999, p. 27).
Portanto, os processos dialéticos de desenvolvimento cultural são os grandes temas da
Filosofia hegeliana. Esse itinerário começa num nível mais elementar, em que a subjetividade
apenas é capaz de distinguir o ser humano dos objetos naturais, passa pelas formas histórica e
socialmente objetivas de cultura e chega até as expressões mais idealizadas da arte, da religião
e da filosofia. Todo esse processo pode ser compreendido enquanto educação. É a humanida-
de que se desenvolve para formar-se, podendo então compreender não só o mundo, mas tam-
bém a si mesma.
Em algumas obras, essa compreensão do sistema hegeliano enquanto uma reflexão so-
bre a dinâmica formativa da humanidade é ainda mais fácil. A Fenomenologia do espírito de
1807 talvez seja o caso mais ilustrativo. De certo modo, o próprio papel sistemático dessa
obra é pedagógico, já que ela foi concebida como uma introdução ao sistema ou, mais exata-
mente, à Ciência da lógica. Seu papel seria não o de demonstrar determinadas teses, mas o de
fornecer os pressupostos necessários à própria compreensão da exposição dialética das cate-
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gorias fundamentais do sistema hegeliano.1 Mas, como a própria obra pressupõe já a validade
daquelas categorias, ou seja, articula-se como um saber embasado na ciência que quer intro-
duzir, Hegel a chamou de “ciência da experiência da consciência” (1992b, p. 72, § 88). Seu
papel seria o de expor a experiência pela qual passa a consciência ao tentar compreender o
mundo e a si mesma, partindo do ponto de vista mais ingênuo até elevar-se, através de seus
próprios erros e acertos, à perspectiva da ciência, do saber verdadeiro. Aliás, isso aproxima a
obra dos romances de formação, em que há a descrição de um processo de aprendizado atra-
vés do qual um personagem apreende a realidade externa ao mesmo tempo em que desenvol-
ve a si mesmo. No caso da Fenomenologia, esse personagem é a própria consciência humana
em geral, concebida obviamente sob o ponto de vista da perspectiva hegeliana em relação à
evolução do pensamento filosófico ocidental.2
Na Fenomenologia, Hegel toma como ponto de partida a certeza sensível, um modo de
compreender o mundo em que a consciência se vê completamente à parte dos objetos e co-
nhecendo-os na sua singularidade através dos sentidos. As contradições inerentes a essa pers-
pectiva levarão à sua refutação, mas também à elaboração de uma nova figura, a percepção.
Esse processo continuará até que a consciência converta-se em saber absoluto, superando sua
cisão com a objetividade.
Nesse viés, a Fenomenologia do espírito desenvolve o mesmo princípio pedagógico já
presente na dialética socrática. Na medida em que nos diálogos de Sócrates a verdade (mesmo
quando ela é aporética) surge como resultado do embate entre teses, sem o recurso a uma ver-
dade dada externamente, o aprender torna-se equivalente ao desenvolvimento autônomo da-
quele que investiga. Assim, ao escravo do Mênon não é ensinada a geometria. Ele a desenvol-
ve a partir das provocações de Sócrates e da consciência das contradições inerentes aos seus
próprios preconceitos. O processo educativo é autônomo e marcado por um grau cada vez
maior de autoconsciência (GABOARDI, 2010).
Além de o tema da educação estar presente indiretamente nesses aspectos gerais do
sistema hegeliano, pode-se identificar também alguns poucos momentos específicos em que
ele é mais diretamente tematizado. Schmied-Kowarzik (2005) salienta dois momentos: a se-

1
Esses pressupostos estão ligados principalmente à posição hegeliana a respeito da teoria do conhecimento de
matiz kantiana. (Cf. GABOARDI, 2002).
2
Por exemplo, Artur Bispo Santos Neto (2009) faz uma interessante aproximação entre a Fenomenologia do
espírito e o romance Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister de Goethe.
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ção “O espírito alienado. A Educação3”, na Fenomenologia do espírito, e alguns trechos dos


Princípios da Filosofia do direito.
Em relação à Fenomenologia, o autor sublinha o bifurcamento em que Hegel pensa
encontrar-se a educação (cultura): “por um lado, a objetividade sem sujeito do conhecimento
das ciências e sua desunião sem sentido e, por outro, o si mesmo „educado‟, que se alienou em
seu mundo do conhecimento de si mesmo como agente responsável” (2005, p. 163). A cultura
é o espírito alienado (estranhado), porque ela tornou-se algo objetivo, que é simplesmente
dado. Mas ela é também produzida pelo espírito. Essa dualidade entre objetividade e subjeti-
vidade, portanto, é a marca característica do modo como o espírito encontra-se na situação do
indivíduo em formação, ao qual o patrimônio de sua cultura é apresentado.
Já em relação aos Princípios da Filosofia do direito, Schmied-Kowarzik afirma ser
Hegel um dos primeiros pensadores a tentar “fundamentar a relação dialética entre educação e
sociedade” (2005, p. 164). O primeiro papel da educação seria o de reproduzir a eticidade
natural da família, baseada no amor e na confiança. Mas esse papel é logo substituído pela
necessidade de introduzir a criança na sociedade civil, tornando-a para isso independente e
livre, capaz de perseguir seus objetivos egoístas sem considerar os outros e a coletividade.
Esse papel também precisa ser superado, porque nessa situação a sociedade civil simplesmen-
te se esfacelaria. Consequentemente, à educação caberá a tarefa de manter a sociedade civil,
através da conversão dos indivíduos em membros interdependentes, cada um dando a sua con-
tribuição para tornar essa sociedade uma realidade concreta. Nesse momento, surge a escola
enquanto uma instância que submete as crianças a regras gerais, negando seu comportamento
espontâneo, e que forma os indivíduos distribuindo-os em diferentes categorias profissionais,
de acordo com a necessidade. Através desse estranhamento produzido pela escola, em que a
eticidade natural e a espontaneidade das crianças são negadas, prepara-se o caminho para a
formação do indivíduo enquanto membro do Estado. Este não é natural como a família, nem
marcado pela dissociação e pelo conflito como a sociedade civil. É uma totalidade ética subs-
tancial e consciente de si. Para isso, requer-se uma formação adequada de seus membros, es-
pecialmente daqueles que assumirão cargos públicos. “Encontrar, selecionar e preparar aque-
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Em alemão, o título da seção é “Der sich entfremdete Geist. Die Bildung”. A palavra Bildung foi tomada por
Schmiedt-Kowarzik, nesse contexto, como educação. Entretanto, é preciso lembrar que Bildung significa educa-
ção no sentido de seu resultado (INWOOD, 1997, p. 85). Por isso, na tradução brasileira da Fenomenologia, de
Paulo Meneses, ao invés de educação, usa-se o termo cultura. Além disso, cabe salientar que o termo entfremde-
te, traduzido normalmente por alienado, deriva de fremd, que significa alheio no sentido de estranho. Hegel tam-
bém usa o termo Entäusserung, que deriva de auβer, externo, e pode ser traduzido por exteriorização. Muitas
vezes, os dois termos são traduzidos indiscriminadamente por alienação. Mas Entfremdung expressa mais o
sentido de estranhamento, enquanto Entäusserung se refere ao processo de exteriorização, manifestação
(INWOOD, 1997, p.45-6). No contexto da seção indicada, a cultura (Bildung) é expressão (Entäusserung) do
espírito. Mas, como o espírito não se reconhece mais nela, ela se torna então estranha (entfremdete).
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les aptos para tais cargos é responsabilidade dos „institutos de educação pública‟ (ginásios e
universidades)” (SCHMIED-KOWARZIK, 2005, p. 168).
Isso é suficiente para deixar claro que as ideias sobre a educação surgem de modo
muito indireto nos trabalhos sistemáticos de Hegel. O tema nunca é exatamente a temática
central. Ao mesmo tempo, esses trabalhos são uma referência constante nos textos sobre edu-
cação que Hegel redigiu no período de 1808 a 1816, como parte de suas incumbências en-
quanto diretor de Ginásio e Conselheiro escolar. Procurarei mostrar isso a seguir.

2 Os “escritos pedagógicos” de Hegel: uma teoria sobre o papel da escola

De modo geral, nos discursos, cartas e relatórios em que Hegel aborda o tema da
Educação, transparece sua preocupação com o conteúdo clássico, especialmente no que se
refere à formação ginasial.
Aliás, cabe lembrar que na época de Hegel existiam na Alemanha dois centros de
formação: as Escolas elementares (Volksschulen) e os Institutos de ensino (Studien-anstalten).
Aquelas eram responsáveis por uma educação mais geral, acessível a todos, enquanto estes,
mais recentes, estavam voltados a um ensino de qualidade superior. As reformas de
Niethammer, através da Normativa para a organização dos estabelecimentos de ensino
público do Reino, referiam-se exatamente a estes institutos. Nos Institutos de ensino, todas as
crianças eram introduzidas num mesmo curso, chamado de Escola primária (8 a 12 anos). No
passo seguinte (12 a 14 anos), entretanto, já havia um primeiro nível de especialização. A
criança deveria ingressar ou no Proginásio, ou na Escola real. Esta preparava o aluno para
ingressar no Instituto real (14 a 18 anos), no qual receberia uma educação técnico-científica,
enquanto aquele conduziria ao Ginásio (também 14 a 18 anos), onde receberia uma formação
humanística que o levaria ao ensino universitário (GINZO, 1991, p. 22-3).
Pois bem, nas palavras do próprio Hegel, “o espírito e o fim do nosso estabelecimento
[Ginásio de Nuremberg] é a preparação para o estudo erudito, e com efeito, uma preparação
que está edificada na base dos gregos e dos romanos.” (1994c, p. 28, grifos do tradutor). A
literatura greco-romana era a marca tanto do Proginásio quanto do Ginásio. Em carta a
Niethammer de 1812, Hegel chega mesmo a levantar a suspeita de “que talvez o ensino
filosófico dentro dos ginásios possa parecer supérfluo, que o estudo da Antiguidade seja a
introdução à filosofia mais adaptada à juventude ginasial e a verdadeira segundo a sua
substância (1989a, p. 377-8, grifos do tradutor). E, no contexto da carta, a suspeita não parece
simplesmente retórica. Ele acaba não defendendo explicitamente o abandono do ensino de
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filosofia apenas para, como afirma, “não desviar de mim próprio o pão e a água” (1989a, p.
378).
Seu entusiasmo pela formação clássica, especialmente em relação ao ensino das
línguas antigas, leva-o a opor-se até mesmo aos movimentos nacionalistas, que defendiam o
abandono das línguas estrangeiras em prol da língua nacional (HEGEL, 1994c, p. 29-32). Para
ele, as línguas antigas não são um mero instrumento que se pode considerar útil ou não. Elas
formam o entendimento não só pela sua forma, mas por seu próprio conteúdo. A própria
substância da humanidade é enriquecida, em todas as suas dimensões, quando se entrega ao
estudo dos clássicos. A gramática dos gregos e dos romanos aperfeiçoa o intelecto, e suas
obras fornecem o alicerce para as ciências e para a vida ético-política, além de engrandecerem
esteticamente o espírito. Por isso, mesmo considerando desejável que o povo desenvolva sua
própria língua, Hegel julga ser imprescindível o mergulho nos clássicos.
Esse ponto talvez expresse muito bem a posição hegeliana em relação à pedagogia
moderna. Não se pode dizer que ele tenha estudado e aprofundado sua reflexão sobre a
temática. Trabalhos como os de Pestalozzi, Humboldt, Kant, Fichte, Herbart, Jean Paul e
mesmo Niethammer pouco o ocuparam ou não causaram nele grande impressão. Por isso,
“certo é que Hegel pouco se ocupou com a pedagogia recém-nascente como ciência”
(SCHMIED-KOWARZIK, 2005, p. 155). Assim, a sua defesa de um ensino ginasial baseado
na literatura e nas línguas antigas não decorre de uma reflexão sistemática à altura do que era
discutido em sua época. Ele parece prender-se justamente à posição que defendeu na
Fenomenologia do espírito, de uma cultura que foi produzida pelo espírito ao longo da
história e que agora precisa ser apresentada ao indivíduo para que ele possa ter condições de
relacionar-se com a realidade de seu tempo.
Para Hegel, embora os jovens sejam impacientes e tenham o desejo de entrar
imediatamente no mundo, ultrapassando os preparativos impostos pela escola,

o homem apercebeu-se do que é apenas sonho e brilho da vida e do que é a sua ver-
dade; ele experimentou que são os tesouros da sabedoria antiga, cedo implantados
no seu coração, que nos sustentam em toda a mudança de circunstâncias, que nos
fortalecem e suportam; ele experimentou como é grande o valor da cultura em geral,
tão grande que um antigo diria que a diferença entre um homem culto e um inculto é
tão grande como a diferença entre o homem em geral e uma pedra. (HEGEL, 1994a,
p. 22-3).

Esse ponto de vista certamente está vinculado à perspectiva que Hegel desenvolve
sobre o conhecimento na Fenomenologia do espírito, em que busca mostrar que a tentativa de
alcançar a realidade imediatamente é ingênua e mesmo paradoxal, por não poder dar conta de
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seus próprios pressupostos. O conhecimento é um produto cultural, não a apropriação


imediata de dados empíricos. Isso implica que a cultura humana, historicamente construída, é
um pressuposto indispensável para introduzir-se no mundo. O papel da escola é justamente o
de transmitir ao aluno esse patrimônio, e a cultura greco-romana é sua dimensão mais
essencial. Para o aluno, ela parece estar distante do cotidiano; mas, àquele que refletiu de tal
modo sobre si mesmo que foi capaz de perceber sua conexão com o espírito universal que se
realizou ao longo da história, torna-se evidente que os gregos e os romanos são condições
para o acesso à própria realidade.
A cultura, para Hegel é um elemento tão poderoso que eleva o culto acima do inculto
na mesma proporção em que a natureza humana se sobrepõe à natureza inanimada. Essa
importância dada à cultura, enquanto um patrimônio acabado a ser assimilado por sua
condição de pressuposto formativo universal, acaba definindo o papel da escola e do
professor. “O tesouro da cultura, dos conhecimentos e das verdades, no qual trabalharam as
épocas passadas, foi confiado ao professorado, para o conservar e o transferir à posteridade.”
(HEGEL, 1994a, p. 23). Em outras palavras, o trabalho primordial da escola é o de fazer a
mediação entre aquilo que a cultura universal elaborou de melhor e o aluno, que ainda não
elevou sua consciência ao nível da universalidade. A escola deve sistematizar a herança
cultural historicamente construída e criar condições para que as crianças possam ser
introduzidas nesse universo, tornando-se verdadeiramente seres humanos.
Essa visão conservadora de escola obviamente choca-se com outra tendência da
pedagogia moderna que é a ênfase cada vez maior no ensino técnico-científico, supostamente
mais útil ao novo contexto. Nesse ponto, a posição de Hegel não é a de confronto. Ele elogia a
política educacional de seu tempo por suas três obras: a ampliação das escolas elementares,
tornando acessível a todos pelo menos um ensino geral; a possibilidade de uma formação
clássica mais elevada nos Ginásios para os interessados; e a abertura da possibilidade do
“estudo das ciências e a aquisição de aptidões espirituais mais elevadas e mais úteis, na sua
independência em relação à literatura antiga” (HEGEL, 1994c, p. 30, grifos do tradutor), que
ocorreria no Instituto real. Assim, “na medida em que o mesmo [o Ginásio] foi estabelecido
ao lado dos meios de educação e conhecimentos científicos referidos [Escolas elementares e
Instituto real], perdeu a sua exclusividade e pôde extinguir o ódio contra as suas anteriores
pretensões.” (1994c, p. 31, grifos do tradutor). Quer dizer, de certa forma Hegel apoia a
possibilidade de um ensino alternativo ao Ginásio, para o qual seriam destinados alunos cujos
interesses não estariam em consonância com a finalidade dessa instituição. Isso seria benéfico
também para o Ginásio, pois lhe daria a possibilidade de manter-se fiel à sua própria natureza,
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sem precisar responder a demandas que não lhe são adequadas. Nas suas palavras, “colocado
assim, lateralmente, tem tanto mais o direito de exigir que na sua existência à parte possa ser
admitido livremente e permaneça sem ser molestado por intromissões estranhas” (1994c,
p.31).
Hegel não perde de vista aqui a noção de totalidade, mas a entende, como é típico de
sua filosofia, como resultado de mediações.

O autêntico sinal da liberdade e da força de uma organização consiste em que os di-


ferentes momentos que ela contém se aprofundam em si e perfazem sistemas com-
pletos, exercem a sua actividade e vêem-se exercê-la sem inveja e sem receio, e em
que todos são, por sua vez, partes de um grande todo. Apenas aquilo que se comple-
ta separadamente, no seu princípio, se torna num todo conseqüente; isto é, se torna
em alguma coisa – ganha profundidade e a forte possibilidade da multilateralidade.
(HEGEL, 1994c, p. 31, grifos do tradutor).

Ou seja, Hegel defende a ideia de uma totalidade diferenciada e não simplificadora ou


unilateral. A formação do Instituto real faz sentido porque dá conta de uma das dimensões do
espírito humano – o desenvolvimento técnico-científico. A diversidade, aqui, é positiva, pois
as partes não estão numa oposição excludente, mas numa relação de complementaridade.
É claro que o foco de Hegel nesse ponto é a sociedade e não o indivíduo, já que a
diversidade de formações enriquece aquela, embora possa significar uma restrição para este.
A tendência de considerar muito mais o indivíduo enquanto membro de uma totalidade ética
do que enquanto singularidade é constante no pensamento hegeliano, e a sua visão de
educação expressa exemplarmente esse aspecto.
Hegel chega mesmo a dar conselhos em relação à condução do Instituto real. Talvez de
modo surpreendente aos nossos olhos, ele destaca a necessidade de ir além das aulas teóricas
no caso de disciplinas eminentemente técnicas. Vejamos um trecho:

Los que se dedican a la agricultura, a las construcciones hidráulicas, a la construc-


ción de carreteras y a la arte de la agrimensura, no pueden permanecer hasta los 18
años en unos cursos meramente teóricos, sino que necesitan ejercitarse temprana-
mente en las habilidades prácticas requeridas y adquirir conocimientos y habilidades
empíricos (1991b, p. 168, grifos do tradutor).

Em todo esse informe de 1810, Hegel destaca a necessidade de estágios e de uma


formação mais prática para os que se preparam para o desenvolvimento de atividades que
dependam de habilidades empíricas e de treinamento. Para ele, quanto mais cedo o aluno tiver
contato com a atividade pretendida, mas facilmente se familiarizará com ela. Ele menciona
formas de organizar o currículo e de flexibilizar a frequência às aulas para tornar possível o
contato concreto com a atividade profissional. Não apenas disciplinas do Ginásio são
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dispensáveis, mas até mesmo a carga horária do Instituto real, excessivamente teórica
segundo sua avaliação, deve ser modificada para abrir espaço para esse contato direto com o
mundo do trabalho e com a profissão.
Por outro lado, no mesmo documento Hegel defende a necessidade de uma formação
geral também para os alunos que frequentam o Instituto real.

Pero, en la mayoría de estos destinos será suficiente, y en muchos casos incluso ven-
tajosos, después de la enseñanza escolar dedicar todavía algunos años a una forma-
ción general y a la fundamentación científica de los conocimientos. Estos conoci-
mientos generales son ciertamente, en conjunto, los mismos para aquellos destinos
particulares. (1991b, p. 170).

Quer dizer, mesmo no caso daqueles que não desejam uma formação universitária
erudita, alguns conhecimentos gerais, de caráter humanístico e vinculados aos fundamentos
das ciências, são imprescindíveis. Um povo, enquanto uma totalidade ética, deve diferenciar-
se nas várias habilidades de seus membros; mas, por outro lado, ele só se mantém coeso se se
nutre de uma só substância ética. Mas há também aqui um ponto de vista bastante claro sobre
o ser humano.

Habituamo-nos em demasia a considerar cada arte e ciência particular como algo de


específico; aquela a que nos dedicamos apresenta-se como uma natureza que, então,
nós possuímos; as outras a que não nos conduzem, nem a nossa destinação nem uma
formação anterior [apresentam-se-nos] como algo de estranho, em que a nossa natu-
reza já não consegue penetrar. Deste modo firma-se a opinião de que já não se con-
segue aprender outros talentos ou ciências. Mas, assim como nihil humani a me ali-
enum puto é uma afirmação bela no que respeita à moral, também tem, em parte na
relação com a técnica, e sobretudo em relação com a ciência, a sua completa signifi-
cação. (HEGEL, 1994b, p. 44, grifos do tradutor).

“Nada do que é humano me é alheio”. Essa máxima é retomada por Hegel aqui para
expressar seu propósito de compreender o conhecimento sistematicamente, tendo como
princípio a conexão entre a humanidade, expressa na cultura universal, e o indivíduo na sua
particularidade. Todas as ciências e também as técnicas são, no fundo, expressões do humano
e precisam ser concebidas nessa unidade. Assim, Hegel quer manter aberta a possibilidade da
unidade mesmo diante da pulverização dos saberes que já ocorria em sua época. E, para ele,
os conhecimentos que subjazem a toda essa diversidade são aqueles encontrados nos clássicos
do pensamento humano. Por isso, não se deve admitir que alguém se especialize
absolutamente em seu saber técnico-científico e se mantenha alienado (estranho) em relação
ao que há de mais humano nele mesmo.
Em vista disso, Hegel critica aqueles pais “que consideran como un mero medio y
como una agria condición a la lamentablemente imprescindible formación espiritual e
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científica, de la que con gusto verían dispensados a sus hijos” (1991b, p. 163). Para ele, esses
pais

son desagradecidos con esta enseñanza y creen no ver ninguna utilidad en ella, si no
hacen ningún uso directo de estas lenguas, – porque ellos no llegaron a comprender
y a tomar conciencia del influjo espiritual que aquella formación ha tenido sobre
ellos y, sin que lo sepan, la sigue teniendo todavía. (1991b, p. 163).

As pessoas que usufruíram de uma formação clássica muitas vezes podem considerá-la
inútil por ela não ser imediatamente aplicável. Entretanto, não observam que é esta formação
que as conduz cotidianamente, sem que se deem conta disso. Por isso, ela precisa ser imposta
a contragosto, e essa decisão cabe ao Estado.
Esse ponto de vista sobre a relação entre a consciência humana singular e a
universalidade do espírito decorre certamente da reflexão que Hegel desenvolveu na
Fenomenologia do espírito. Mesmo enquanto certeza sensível, a consciência já está imersa
nas mediações culturais. Isso é o que a consciência é em si, mas não necessariamente para si.
Isto é, em algumas de suas figuras particulares, a consciência estranha a si mesma, ao não
reconhecer-se como expressão do espírito universal. O ponto de vista dos pais seria um
exemplo dessa circunstância.
Aqui se vê que o ideal ético hegeliano penetra em sua concepção de ser humano,
fazendo com que a educação se torne um instrumento para a transformação do indivíduo em
vista do Estado. Mas, para ele, isso equivale à efetivação da própria natureza humana, já que a
cultura a ser ensinada é também a substância humana mais autêntica. Essa desvalorização das
perspectivas individuais em vista do universal e necessário marca o conceito de Educação que
subjaz aos escritos pedagógicos de Hegel. Mas seu fundamento encontra-se para além deles,
isto é, nas suas obras sistemáticas em que o espírito (a cultura universal) é exposto e
justificado.

3 Os “escritos pedagógicos” de Hegel: uma teoria sobre o aprendizado

A ênfase no papel da cultura acumulada na formação do indivíduo, já evidenciada por


Hegel na Fenomenologia do espírito, como se demonstrou anteriormente, traz consequências
diretas para a sua visão sobre o ensino escolar, especialmente em relação ao conceito de
aprendizado. A distância entre natureza e cultura (Geist) obriga o aluno, que parte do nível da
natureza, a atualizar-se até o ponto em que o espírito se desenvolveu. Consequentemente, a
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formação do educando não pode ser entendida enquanto desenvolvimento espontâneo da


natureza humana individual. Ela precisa pressupor a cultura existente.
Entretanto, a forma como Hegel compreende o aprendizado não é justificada por ele
simplesmente através da defesa da importância da transmissão da cultura clássica aos jovens.
Ele procura vincular sua concepção sobre o papel da escola numa espécie de pedagogia,
baseada na sua visão sobre a dinâmica cultural. É a cultura que se desenvolve em diálogo com
seu patrimônio anterior, e a escola apenas reproduz esse processo.

O progredir da cultura não pode ser visto como a tranquila continuação de uma ca-
deia em que os elementos seguintes se venham juntar aos anteriores, ainda que ten-
do-os em consideração, mas a partir da sua própria matéria e sem que este trabalho
de prolongamento se dirija contra os primeiros. A cultura tem de ter uma matéria e
um objecto anterior, sobre o qual trabalha, modificando-o e dando-lhe uma nova
forma. É necessário que conquistemos o mundo da Antiguidade, tanto para o possu-
ir, como ainda mais para ter algo que nós transformemos. Porém, para se tornar ob-
jecto, a substância da natureza e do espírito tem que se ter posto defronte de nós, tem
de ter recebido a forma de algo estranho. (1994c, p. 34, grifo do tradutor).

Aparentemente, a tese segundo a qual a natureza e a cultura precisam ser simplesmente


postas diante do aluno (ob-jectu) contrasta com processo formativo explicitado na
Fenomenologia do espírito, já que nessa obra Hegel apresenta uma consciência que se
desenvolve autonomamente. Mas a oposição é mesmo apenas aparente. A questão central da
Fenomenologia é mostrar que a tentativa de basear o conhecimento em relações naturais
imediatas ou em elementos abstratos é inviável. A mais simples forma de consciência é ainda
assim permeada por elementos culturais, que são condições para o próprio ato de
autotematização. A cultura prévia permanece, assim, um pressuposto inescapável, e a
existência da escola justifica-se pela necessidade de fornecer aos alunos esse ponto de partida,
para que o pensamento possa ter algo para tematizar.
Além disso, a relação da consciência singular com a cultura prévia nunca é de simples
assimilação. Pelo contrário, ao tentar compreender o mundo e a si mesma, a consciência põe-
se em tensão com o patrimônio herdado, caracterizando o desenvolvimento cultural como um
processo conflituoso e contraditório. Isso significa que Hegel não pensa a escola, em última
instância, enquanto uma instituição responsável pela mera conservação da cultura. De fato, ela
a conserva, mas isso para alimentar o processo dinâmico que ele chama de “progredir da
cultura”. A escola conserva a cultura e a põe diante dos alunos, mas isso lhes dá condições de
superá-la. A cultura precisa ser oferecida como algo estranho para que sobre ela cada geração
desenvolva sua própria experiência.
13

O que a escola faz é reproduzir o processo conflituoso, em que a consciência vivencia


a experiência de estranhamento de suas próprias referências básicas. Mas como aí a
experiência ocorre apenas no nível da representação, a severidade de suas consequências
sobre o indivíduo é amenizada. Como afirma Hegel,

infeliz aquele para quem o mundo imediato dos sentimentos se torna estranho; pois
isto não quer senão dizer que os laços individuais que criam uma ligação sagrada do
ânimo e dos pensamentos com a vida, a fé, o amor e a confiança, se rompem! – Para
a alienação que é condição da formação teórica não se exige esta dor ética, nem o
sofrimento do coração, mas sim a dor mais leve e o esforço da representação em se
ocupar com o que não é imediato, com o que é estranho, com algo que pertence à re-
cordação, à memória e ao pensamento. (1994c, p. 34).

Na Fenomenologia, Hegel mostrou que o desenvolvimento autônomo da consciência é


muito mais do que um processo de dúvida, é na verdade um processo de desespero (1992b, p.
66). Essa dor é causada pelo estranhamento inerente ao processo de formação da consciência.
Seu ponto de vista sobre o mundo é refutado na concretude do mundo prático. Nesse sentido,
o que a escola faz é substituir o estranhamento que levaria, de qualquer forma, a consciência a
desenvolver-se, embora de maneira historicamente limitada, por outro menos doloroso e
sistematicamente planejado. O contato com os clássicos é o que produz esse estranhamento. A
pedagogia hegeliana, assim, ancora-se na noção de estranhamento (alienação), retirada de sua
visão sobre o desenvolvimento cultural, expressa principalmente na Fenomenologia do
espírito. Embora o argumento seja bastante simples, ele revela um Hegel preocupado com a
natureza da educação escolar, utilizando elementos de seu sistema para fundamentar seu
pensamento pedagógico.
O desenvolvimento cultural sempre é um processo tenso, em que as verdades não são
aprendidas pelo simples contato com o real. O real é, antes de tudo, aquilo que historicamente
é constituído como tal. Esse é um dos sentidos da famosa tese do prefácio da Filosofia do
direito: “O que é racional é real, o que é real é racional”. (1988b, p. 51). Real não tem aqui o
sentido daquilo que é simplesmente existente (Realität). Real significa aquilo que veio a ser
(Wirklichkeit), que é fruto das experiências humanas e que se sustenta nelas. A escola, assim,
precisa fornecer aos alunos uma espécie de resumo sistemático do que é a realidade para a
sociedade na qual eles estão inseridos. Esse será o ponto de partida das experiências dos
alunos. Essa será a realidade que eles precisam, em primeiro lugar, possuir e, em segundo,
superar (Aufheben). Mas, na medida em que essa realidade não foi constituída por eles, ela se
mostra nesse contexto como algo dado, como algo estranho.
14

Para Hegel, entretanto, esse estranhamento não é necessariamente desprezado pelos


jovens. “A juventude imagina como uma sorte evadir-se do que é familiar e viver numa ilha
distante com Robinson. É uma ilusão necessária ter que procurar a profundidade em primeiro
lugar na forma do afastamento.” (1994c, p. 35). Ou seja, não é verdade que os jovens só sejam
atraídos pelos temas de seu próprio cotidiano. A necessidade do outro, do estranho, é uma das
forças mais fundamentais da alma humana. Hegel se refere a essa força que leva a consciência
a não se contentar com seu ponto de vista limitado também na Fenomenologia do espírito
(1992b, p. 68). É devido justamente a essa força que a consciência não se contenta com um
saber qualquer, mas busca aquele que é capaz de realizar todas as suas pretensões.
A necessidade desse estranhamento, ou esse “impulso centrífugo” (1994c, p. 35), deve
ser saciada pela escola através do estudo dos clássicos e pelo aprendizado mecânico da
gramática antiga. Para Hegel, “a Gramática tem como seu conteúdo as categorias, os produtos
e determinações característicos do entendimento; nela começa portanto o próprio
entendimento a ser apreendido.” (1994c, p. 36, grifo do tradutor). Através da gramática, o
aluno começa a pensar segundo regras, conduzindo seu pensamento não por devaneios
arbitrários, mas pela razão.
Aqui Hegel ultrapassa novamente o nível da simples defesa da importância do ensino
da cultura antiga. Embora de maneira muito singela, ele tenta articular um argumento
pedagógico que inclusive leva em conta as próprias disposições motivacionais do educando.
A tese é certamente muito pouco ortodoxa para os dias atuais, mas com certeza está vinculada
argumentativamente a seus trabalhos filosóficos de maior monta. O desenvolvimento cultural
requer uma experiência de estranhamento, em que a consciência depara-se com determinações
que não reconhece como suas, mas que ao mesmo tempo estão na base do próprio pensar,
como Hegel busca demonstrar na Ciência da lógica. Essa situação torna o aprendizado uma
experiência de dor. Entretanto, essa dor é muito menor quando o entendimento não é formado
na confusão e na severidade das experiências concretas, mas com a clareza e amenidade das
tarefas escolares.
Na escola, segundo Hegel, esse tipo de experiência formativa deve ser realizado
através do aprendizado mecânico, baseado na repetição e na memorização: “aquilo que é
mecânico é o que é estranho para o espírito, que tem interesse em assimilar o que reside nele
de inassimilado, em tornar inteligível aquilo que nele ainda é inanimado e em fazê-lo sua
propriedade” (1994c, p. 35). Para Hegel, o valor da gramática à formação do entendimento é
dado. O problema é que o aluno precisa de alguma forma ser confrontado com essa forma de
pensar. As experiências cotidianas só muito lentamente permitirão isso. Então, a solução
15

hegeliana é o aprendizado mecânico. A repetição e a memorização podem fazer com que o


aluno incorpore essas regras na forma de algo incompreendido, que em seguida procurará
compreender.
Aprender por memorização, para Hegel, não significa manter-se eternamente alienado
(estranho) ao conteúdo. Lembrar (erinnern) significa para ele principalmente um processo de
interiorização (in-sich-gehen) (GINZO, 1991, p. 42). Hegel aqui se vale da relação
etimológica entre o termo lembrar e a preposição in (em), que mantém seu significado
vinculado à ideia de “fazer (alguém) entrar em, isto é, ficar por dentro de (algum assunto),
perceber (algo)” (INWOOD, 1997, p. 219).
A partir dessa concepção, Hegel critica a interpretação segunda a qual a memória é
algo simplesmente mecânico e sem sentido em relação ao espírito. Para ele, “deste modo,
passa-se por alto o significado peculiar que a memória tem no espírito” (1992a, p. 88, §463).
Ela é, antes de tudo, “o momento unilateral da existência do pensar; a transição é para nós, ou
em si, a identidade da razão e do modo da existência, identidade que faz que a razão exista
agora no sujeito com sua actividade; por isso, a razão é pensar” (1992a, p.89, §464). Em
outras palavras, a memória é um momento do espírito. Nela, o pensar é apenas dado
imediatamente. Mas é a partir dela que a razão pode tornar-se uma atividade subjetiva,
reconciliando-se consigo mesma no ato de pensar. É a partir da memória que a razão pode
pensar, no sentido ativo, a si mesma, ou seja, seus conteúdos.
Como afirma Inwood (1997, p. 219-221), a memória (Erinnerung) é para Hegel o
oposto de alienação (Entäusserung). Enquanto esta tem o sentido de exteriorização, aquela
significa recolhimento e interiorização. É através da memória que o aluno inicia o processo de
aprendizagem, de interiorização daquilo que, para ele, é estranho. Observe-se que aqui Hegel
leva adiante sua argumentação de cunho pedagógico, lançando mão agora dos estudos sobre
psicologia, apresentados na sua Filosofia do espírito da Enciclopédia. Com base nas teses aí
postas, a memória seria uma forma pedagogicamente adequada de aprendizado.
A partir dessa visão sobre o processo de aprendizado, Hegel critica especialmente dois
erros que ele reconhece na pedagogia de seu tempo: o formalismo e o empirismo.
Em relação ao primeiro, é bastante conhecida, especialmente no âmbito das discussões
sobre o ensino de Filosofia, a disputa entre uma visão kantiana, que privilegia o
desenvolvimento da habilidade de pensar criticamente, e uma visão hegeliana, que acentua a
importância da história da filosofia. Sobre este aspecto em particular, Schmied-Kowarzik
chega mesmo a afirmar que a posição de Hegel demonstra “pouca familiaridade com os
problemas pedagógicos discutidos na época e pode ser até qualificada como preconceituosa”
16

(2005, p. 155). De fato, em nenhum momento Hegel analisa com cuidado e profundidade as
teses da pedagogia moderna. Em diversos momentos, faz asserções críticas aos teóricos
modernos da educação, principalmente Rousseau, mas apenas num tom polêmico e lacunar. O
desenvolvimento da pedagogia enquanto uma disciplina autônoma e a descoberta do mundo
infantil são situações encaradas com muita desconfiança por Hegel. De qualquer forma, sua
posição demarcou uma determinada visão sobre o ensino que continua servindo de referência
até hoje.4
Hegel se opõe totalmente a um aprendizado que esteja focado no desenvolvimento da
habilidade de pensar, indiferente ao conteúdo. Aqui pode-se pensar na difundida máxima
segundo a qual não se pode ensinar filosofia, mas apenas a filosofar. Ela se baseia na
afirmação de Kant segundo a qual “entre todas as ciências racionais (a priori) só é possível,
por conseguinte, aprender a matemática, mas nunca a filosofia (a não ser historicamente):
quanto ao que respeita a razão, apenas se pode, no máximo, aprender a filosofar” (1994, p.
660).5 Hegel identifica nessa tese, assim como na tendência geral da pedagogia iluminista,
uma defesa radical de um formalismo pedagógico que abandona por completo a preocupação
com os conteúdos que devem ser assimilados pelos alunos.
O ponto central do ataque hegeliano é a identificação de um dualismo entre forma e
conteúdo, entre método da filosofia e o conhecimento filosófico historicamente constituído.
Nas suas palavras,

em geral, distingue-se o sistema filosófico com as suas ciências particulares e o


próprio filosofar. Segundo a mania moderna, sobretudo da pedagogia, não importa
tanto instruir-se no conteúdo da filosofia quanto aprender a filosofar sem conteúdo;
isto significa mais ou menos: é preciso viajar e viajar sempre, sem chegar a conhecer
as cidades, os rios, os países, os homens (1989c, p. 371, grifos do tradutor).

Aqui, Hegel deixa de lado totalmente a questão de fundo do iluminismo, que era
propor uma crítica ao modelo escolástico de filosofia, em sua tendência de reduzir a
argumentação filosófica à referência a autoridades da tradição. Ignorando essa questão, ele
interpreta a ênfase no método, em primeiro lugar, como uma separação radical entre ele e
qualquer conteúdo e, em segundo, como um abandono da preocupação com o conhecimento

4
Para um panorama atual sobre a dualidade Kant-Hegel no ensino de Filosofia, pode-se consultar o trabalho de
Cesar Augusto Ramos (2007) e de Geraldo Balduino Horn (2008). A partir dos modelos fornecidos por Kant e
Hegel, diversas posições se desenvolvem, muitas tentando engendrar uma posição intermediária. Algumas dessas
alternativas, dentre autores brasileiros contemporâneos, podem ser encontradas em Ramiro Marques (2008),
Pedro G. A. Novelli (2005) e José Gonzalo A. Palacios (2007), dentre muitos outros.
5
Gerson L. Trombetta, Edison A. Casagranda e Altair A. Fávero (2002), entretanto, alertam que uma interpreta-
ção descontextualizada dessa afirmação pode levar a uma visão excessivamente formalista da posição kantiana,
que seria inadequada aos seus propósitos mais gerais. Talvez essa seja um dos problemas da leitura hegeliana.
17

filosófico. No caso específico da educação, tal diretriz permitiria à escola deixar de lado a
necessidade de ensinar conteúdos, restringindo-se ao desenvolvimento da habilidade vazia do
pensar.6
Contra essa perspectiva, Hegel defende uma unidade fundamental entre forma e
conteúdo no ensino. Ainda usando a metáfora da viagem, ele afirma:

quando se conhece uma cidade e, em seguida, se chega a um rio, a outra cidade, etc.,
aprende-se, sem mais, deste modo a viajar, e não só se aprende, mas efetivamente já
se viaja. Assim, ao chegar-se a conhecer o conteúdo da filosofia, aprende-se não só o
filosofar, mas já efetivamente se filosofa. Também o fim do próprio aprender a
viajar seria apenas chegar a conhecer cidades, etc., o conteúdo (1989c, p. 371, grifo
do tradutor).

Hegel insere aqui uma visão teleológica sobre o aprendizado. O que dá sentido ao
aprender, assim como ao ato de investigar em geral, é seu fim: o conteúdo a ser adquirido. Por
essa relação teleológica, a natureza do aprender vincula-se diretamente ao conteúdo
aprendido, assim como uma viagem não pode ser separada dos caminhos que são
efetivamente percorridos. Ao ensinar filosofia, não se pode concebê-la como uma atitude
genérica, indiferente ao conteúdo. Na sua caracterização, está diretamente envolvido o
conteúdo que a determinada. Por isso, é necessário ensinar a filosofia como “um complexo
sistemático de ciências ricas de conteúdo”. Em oposição, “o filosofar assistemático é um
pensar fortuito, fragmentário, e a consequência é justamente a alma formal para o verdadeiro
conteúdo” (1989c, p. 372, grifo do tradutor). A forma que a filosofia precisa reconhecer no
seu desenvolvimento, assim como no seu ensino, é a lógica que articula sistematicamente seu
próprio conteúdo. Sem essa entrega ao próprio conteúdo, a filosofia reduz-se apenas a uma
atitude, a um desejo, que nunca encontra a sua realização e por isso permanece vazio.
Mas, para Hegel, o fato de o ensino ter como foco a transmissão e a assimilação de um
conteúdo sistematicamente organizado não contradiz a prerrogativa moderna de uma
educação voltada para o pensar autônomo. É apenas para a pedagogia moderna que a ênfase
no conteúdo a ser ensinado implica a eliminação da autonomia do educando do rol dos
6
Embora se possa concordar que a crítica de Hegel à pedagogia moderna é superficial, ela levanta um problema
importante, considerado também por teóricos contemporâneos. Por exemplo, Hannah Arendt afirma: “a Pedago-
gia transformou-se em uma ciência do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria efetiva a
ser ensinada” (1979, p. 231). Essa questão torna-se ainda mais interessante quando se pensa a formação de pro-
fessores nos cursos de licenciatura. Delegar à pedagogia a responsabilidade exclusiva sobre a formação docente,
fazendo-a ocorrer à margem da formação específica nas diversas áreas (física, química, geografia, letras etc.),
empobrece tanto a área pedagógica quanto a área específica. O resultado disso é a incapacidade de os futuros
professores tornarem a formação específica adequada ao desenvolvimento da atividade docente. Isso significa
que o desafio atual da interdisciplinaridade, ressaltado constantemente nas reflexões sobre o ensino, precisa
começar ultrapassando as barreiras disciplinares que isolam a pedagogia das demais áreas. Hegel talvez seja um
dos primeiros autores que, à sua maneira, vislumbrou os problemas desse formalismo pedagógico, que isola a
arte de ensinar do conteúdo a ser ensinado.
18

objetivos educacionais. Nas palavras de Hegel, “como se, ao aprender o que é a substância,
causa ou seja o que for, eu não pensasse por mim mesmo, como se eu não produzisse por mim
mesmo estas determinações no meu pensar, mas as mesmas lhe fossem arrojadas como
pedras” (1989c, p. 372, grifos do tradutor). A unidade inescapável entre o pensamento e seu
conteúdo implica que a aquisição deste não pode dar-se sem ser acompanhada pelo
desenvolvimento daquele.
Por isso, Hegel não pretende substituir uma pedagogia formalista por outra
conteudística. Seu ponto de vista é, talvez, mais sofisticado. O que ele afirma é a inevitável
unidade entre forma e conteúdo. Mesmo numa pedagogia formalista, sempre se ensina
conteúdos. A questão é de que tipo são os conteúdos ensinados.

A representação originária, peculiar, da juventude sobre os objetos essenciais é, em


parte, inteiramente pobre e vazia, em parte, porém, na sua infinitamente maior parte,
é opinião, ilusão, imperfeição, incerteza, indeterminação. Graças à aprendizagem,
para o lugar dessas ilusões vem a verdade (1989c, p. 373, grifos do tradutor).

Ao valorizar unilateralmente o pensar por si mesmo, a pedagogia moderna não ensinou


sem conteúdo. Pior do que isso, permitiu que a mente dos educandos fosse ocupada por um
conteúdo pré-científico. Assim, a “pedagogia hegeliana” propõe não a introdução de
conteúdos onde eles não existem, mas a substituição das formas de pensar ingênuas por outras
mais elevadas, elaboradas pela humanidade no seu longo desenvolvimento histórico.
Além disso, a forma da filosofia (o filosofar) não pode ser captada senão como
resultado da composição sistemática do conteúdo filosófico em sua totalidade. Para Hegel, “o
pensar assistemático é um pensar fortuito, fragmentário, e a consequência é justamente a alma
formal para o verdadeiro conteúdo” (1988c, p. 372, grifo do tradutor). Ou seja, a forma de
pensar que alcança o nível filosófico é aquela em que se persegue a verdade do conteúdo
filosófico (seu caráter absoluto) através de sua sistematização. Filosofar, nesse sentido, é para
Hegel sistematizar. Mas não a partir de qualquer princípio metodológico assumido
arbitrariamente. O sistema deve surgir como resultado do próprio conteúdo, como ocorre nas
suas obras sistemáticas. Assim, em Hegel o filosofar não é uma forma prévia ao conteúdo,
mas um resultado dele.
O outro erro da pedagogia moderna, segundo Hegel, é a defesa de uma visão empirista
de aprendizado. Ele reconhece que é mais natural começar pelo sensível e concreto.
Entretanto, fazer isso não é mais científico e nem mesmo mais fácil. Nas suas palavras,

constitui um erro total considerar como mais fácil aquela via de acordo com a natu-
reza, que começa pelo sensível concreto e avança até o pensamento. É, pelo contrá-
19

rio, a mais difícil, de mesma forma que é mais fácil pronunciar e ler os elementos da
língua falada, as letras tomadas individualmente, que palavras completas. Posto que
o abstrato é o mais simples, é mais fácil de compreender. Os acréscimos sensíveis
concretos têm de ser eliminados, desde logo; resulta, por conseguinte, supérfluo re-
ferir-se a eles previamente, dado que é preciso eliminá-los de novo e isso só produz
dispersão. O abstrato é, enquanto tal, suficientemente inteligível, tanto como é ne-
cessário; além disso, o reto entendimento só poderá produzir-se mediante a filosofia.
(HEGEL, 1989c, p. 374, grifos do tradutor).

Esse ponto fica claro considerando a argumentação anterior sobre o papel da escola
frente à cultura em geral. A cultura humana é resultado de um longo processo de alienação e
reconhecimento que não pode ser repetido na escola, pois submeteria os alunos à mesma
confusão à qual foi submetida a humanidade no seu desenvolvimento. É preciso tomar a
cultura humana a partir de seus resultados e expô-la abstratamente, ou seja, na forma de
conceitos adequadamente definidos e sistematicamente organizados. A referência ao sensível
é muito mais uma fonte de confusão, já que nele os conceitos estão sempre imersos em uma
complexidade que não pode ser compreendida senão justamente por aquele que possui já as
referências culturais. Nesse sentido, o saber que os alunos carregam consigo desde o início
não pode ser o ponto de partida do ensino. Esse saber é, antes de tudo, ignorância, não porque
não tenha de fato um conteúdo e que este não se relacione de alguma forma com o mundo. O
problema é que esse saber é pouco autoconsciente, de tal forma que não pode dar conta de si
mesmo e da realidade que pretende descrever. Consequentemente, cabe à escola introduzir
aqueles conceitos abstratos que dão sentido ao real. Esses conceitos terão de ser apreendidos
mecanicamente, ou seja, por repetição e memorização.
Além de criticar as abordagens formalistas e empiristas sobre o ensino ginasial, Hegel
vê com reservas o exercício da crítica e as tentativas de desenvolver abordagens totalizantes
(como as interdisciplinares ou transdisciplinares) nesse estágio de formação. Seguindo a
terminologia hegeliana, esses pontos entram em jogo quando ele discute o lugar da dialética e
da especulação.
Aqui é necessário lembrar os três momentos do “lógico”, definidos por Hegel na
Lógica da Enciclopédia como o abstrato ou intelectual, o dialético ou negativo-racional e o
especulativo ou positivo-racional (1988, p. 134, §79). O momento mais elevado, que é a
grande novidade que Hegel pensa ter introduzido, é justamente o especulativo, o qual reúne
em si os outros dois e é a verdade deles. Entretanto, em sua reflexão pedagógica, Hegel
sustenta que o momento abstrato ou intelectual deve ser “o prevalente na esfera ginasial”
(1989c, p. 375), por seu caráter material (conteudístico), mais adequado aos fins introdutórios
desse nível de formação. Esse momento caracteriza-se justamente pela ausência da crítica, já
20

que as determinações (conceitos) não são questionadas em relação a seus fundamentos, e por
seu caráter fragmentário (disciplinar), na medida em que cada categoria é mantida isolada das
demais.
O segundo momento, o dialético, é o nível da crítica, das antíteses, das contradições.
Para Hegel, esse nível é “em parte, mais difícil do que o abstracto, em parte, o menos
interessante para a juventude, ávida de concreção e de realização” (1989c, p. 375). Ou seja,
para o filósofo, deve-se dar menos espaço à atividade crítica por ela comportar um nível de
dificuldade superior à capacidade dos estudantes de ensino médio e, além disso, não ser
atraente para eles. Ao que parece, na opinião de Hegel, os estudantes estão mais interessados
em verdades, em conhecimentos concretos, não em raciocínios cujos resultados são
aporéticos.
Já o terceiro momento, o especulativo, é “o conhecimento do oposto na sua unidade –
ou, mais exatamente, que os opostos são, na verdade, um” (1989c, p. 375). Embora este seja o
momento “genuinamente filosófico”, ele é também “naturalmente o mais difícil” (1989c, p.
376, grifos do tradutor). Por isso, sentencia Hegel, “aprender a pensar especulativamente [...]
deve, pois, considerar-se com uma meta necessária; a preparação para tal é o pensar abstracto
e, portanto, o dialéctico, ademais, a aquisição de representações de conteúdo especulativo”
(1989c, p. 376). Em outras palavras, embora o pensar especulativo seja a meta, ele não pode
ser exercitado diretamente no ensino ginasial, porque ele supõe o exercício anterior do nível
abstrato e do dialético. O máximo que se pode fornecer aí são representações de conteúdo
especulativo, mas não a especulação como tal. Subjaz a esse argumento a avaliação negativa
de Hegel a respeito da capacidade integradora dos estudantes, a capacidade de apanhar
determinações opostas (ou diferentes) e, criticando-as, reduzi-las à unidade. É justamente esse
momento especulativo o que fornece a Hegel as ferramentas para construir um sistema
filosófico pretensamente capaz de integrar as ciências de seu tempo. Assim, o que está sendo
negado ao ginásio é a possibilidade de um ensino transdisciplinar, totalizante, integrador.
Embora a meta seja o especulativo, o ensino ginasial é pensado por Hegel como
tipicamente abstrato, “em que o pensar, enquanto entendimento, atém-se à rígida
determinidade e à sua diferença relativamente às outras; uma tal abstração limitada surge ao
entendimento como subsistindo e existindo por si” (1988, p. 134, §80). Cada disciplina deve
ser ensinada como uma matéria separada, subsistindo por si mesma e atrelada a uma realidade
definidamente existente. Só passando por essa experiência do ensino abstrato é que o
estudante poderá, mais adiante, elevar seu pensamento ao nível da crítica e, por fim, ao
estágio propriamente filosófico.
21

Conclusão

Finalizando esta exposição, é possível sintetizar o pensamento de Hegel acerca da


educação escolar nas seguintes ideias. Hegel vê a escola essencialmente como um espaço de
conservação e de transmissão do que há de mais elevado na cultura universal. Esse ponto está
diretamente vinculado ao seu sistema filosófico, em que a consciência individual, quanto tenta
compreender o mundo e a si mesma, é sempre mediada pelo espírito universal. Este é um
pressuposto inescapável, que consequentemente precisa ser apreendido.
A visão de Hegel sobre a dinâmica cultural o leva a pensar a escola enquanto um
espaço para a exposição abstrata de seus resultados, potencializando o educando em vista de
seu desenvolvimento. O educando não tem condições históricas de vivenciar as experiências
que geraram o patrimônio cultural de que precisa. Consequentemente, precisa assimilá-lo
através da memória, para que assim inicie o processo de sua interiorização. Dessa forma, o
saber escolar é definido com um saber alienado (estranho). Mas, para Hegel, isso apenas
reproduz, de forma sistemática e amenizada, o doloroso estranhamento que já é experienciado
no interior dos processos de desenvolvimento cultural.
A assimilação da cultura (Geist) é a referência última da pedagogia hegeliana. Por isso,
argumentos formalistas ou empiristas são duramente criticados. A forma do pensar não pode
ser separada de seu conteúdo, pois ela é resultado de um conteúdo que foi pensado em algum
momento e se mostrou verdadeiro. Da mesma forma, a sensibilidade não é instrumento
adequado ao ensino, porque sua interpretação depende já de referenciais culturais.
Um último ponto decisivo da “pedagogia hegeliana” é sua compreensão de que o nível
ginasial compreende o momento do pensar chamado por ele de abstrato. Com isso, ele
inviabiliza um ensino crítico e integrador. Esse aspecto parece o mais paradoxal, já que a
dialética hegeliana é caracterizada justamente pela sua criticidade e sistematicidade 7.
Entretanto, o modo como Hegel define a crítica e a especulação, somado à avaliação das
circunstâncias em que se encontra o aluno do ginásio, tornam coerente a sua posição
pedagógica. O que se pode questionar é exatamente a justeza dessas duas posições.

Referências

7
Embora se possa afirmar que há uma contradição entre a criticidade e a sistematicidade do pensamento hegeli-
ano, como defende Luft (2001).
22

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Mauro W. Barbosa de Almeida. São Paulo: Perspectiva, 1979. p.221-247.

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