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Especialização

 2014-­‐2015:  História  e  Cultura  Afro-­‐Brasileira  e  Africana    


 
Fundamentos  dos  Direitos  Humanos:  
Formação  de  comportamentos  sociais  contra  o  preconceito  e  a  discriminação  racial  
 
Profª.  Dra.  Helena  Esser  dos  Reis  (UFG)  
 
 
 
  O  presente  artigo  integra-­‐se  ao  conjunto  de  disciplinas  e  atividades  acadêmicas  
do   curso   de   Especialização   em   História   e   Cultura   Afro-­‐Brasileira   e   Africana,   e   tem   por  
objetivo   contribuir   com   a   discussão   acerca   da   formação   de   comportamentos   sociais  
contra  o  preconceito  e  a  discriminação  racial.  Tal  discussão  tem  como  suposto  que  as  
relações  sociais  e  políticas  entre  os  seres  humanos  devem  ser  pautadas  por  princípios  
de   direitos   humanos,   os   quais   visam   orientar   a   ação   e,   neste   sentido,   são   também  
propósitos.    Princípios  e  propósitos  estão  diretamente  imbricados,  pois  considerar  que  
as  pessoas  são  iguais  e  livres  implica  agir  de  modo  respeitoso  para  com  a  singularidade  
de  cada  um  e  favorecer  a  participação  de  todos  nos  processos  de  decisão  sobre  o  que  
é   comum.   Para   desenvolvermos   essas   ideias,   rapidamente   apresentadas,   tomaremos  
como   ponto   de   partida   a   análise   das   concepções   de   liberdade,   igualdade,   respeito   e  
participação   tal   como   forjados   na   modernidade,   a   fim   de   compreender   como   tais  
ideias   tornam-­‐se   princípios   que   fundamentam   os   direitos   humanos;   em   seguida,  
investigaremos   algumas   dificuldades,   que   se   enraízam   em   um   descompasso   entre   os  
princípios   e   os   propósitos   de   ação,   para   efetivação   destes   direitos;   e,   finalmente,  
discutiremos   a   formação   de   comportamentos   sociais   contrários   a   atitudes   de  
discriminação  e  preconceito  racial.    
 
Princípios:    
Em  um  contexto  de  grande  exclusão  e  opressão  política,  como  aquele  existente  
na   Europa   dos   séculos   XVII   e   XVIII,   a   origem   da   Declations   des   droits   de   l´homme   et   du  
citoyen1,   de   1798,   está   intrinsecamente   ligada   à   reivindicação   de   reconhecimento   de  
direitos   naturais,   ou   seja,   direitos   inerentes   à   natureza   dos   seres   humanos.   Naquela  
época,  juristas  e  pensadores  políticos,  conhecidos  como  jusnaturalistas2,  contrapondo-­‐
se   à   concepção   vigente   que   justificava   a   submissão   de   uns   a   outros   em   vista   de  
desigualdades   inerentes   às   pessoas,   conceberam   os   seres   humanos   como   indivíduos  
racionais,   portadores   de   direitos   naturais   e   imprescritíveis   à   igualdade   e   à   liberdade,  
de   modo   que   ninguém,   nenhum   grupo   ou   instituição,   poderia   violar   tais   direitos  
individuais   sem   afrontar   todos   os   membros   da   comunidade   humana.   Tal   concepção  
desenvolveu-­‐se  pouco  a  pouco  em  vista  de  uma  série  de  circunstâncias  que  alteraram  
as   concepções   e   os   costumes   sociais   do   período   abrindo   possibilidades   para   novas  
perspectivas   acerca   dos   seres   humanos   e   suas   relações,   baseadas   agora   no  
reconhecimento  recíproco  de  direitos  a  toda  humanidade.  
Apesar  das  diferenças  que  podemos  constatar  entre  os  autores  jusnaturalistas,  
em  geral  o  direito  à  liberdade  e  à  igualdade  eram  concebidos  como  direitos  naturais.  
Isso   significa   que   em   decorrência   da   própria   natureza   humana   as   pessoas   eram  
consideradas   livres   e   iguais;   ou   ainda,   “nascem   e   permanecem   livres   e   iguais   em  
direitos”   como   está   expresso   no   primeiro   artigo   da   Declaration   de   1798.   Ainda   que  
pareça  tão  somente  um  ato  retórico  declarar  que  as  pessoas  são  por  natureza  livres  e  
iguais,  devemos  lembrar  que  as  ações  repercutem  as  concepções,  de  modo  que  o  ato  
declaratório   não   é   nem   ingênuo   nem   inócuo.   Assenta-­‐se   sobre   uma   nova   concepção  
de  humanidade  e  projeta-­‐se  social  e  politicamente  como  propagadora  de  novas  ações,  
cujos  desdobramentos  são  imprevisíveis.  
Conceber  as  pessoas  como  livres  e  iguais  por  natureza  significa  romper  com  a  
longa   tradição   que   as   compreendia   a   partir   de   vínculos   hierárquicos   de   mando   e  

1
Veja Anexo I.
2
Para uma compreensão mais ampla sobre o tema, veja o Anexo III: Jusnaturalismo.
obediência  decorrentes  de  diferenças  naturais.  Ora,  os  jusnaturalistas  jamais  negaram  
a   existência   de   diferenças   entre   cada   uma   das   pessoas,   no   entanto,   consideram   que  
tais   diferenças   naturais,   constitutivas   de   cada   um,   não   servem   de   fundamento   para  
desigualdades   morais   e   políticas3.   É   importante,   então,   bem   compreender   o   que  
significa,   neste   contexto,   igualdade   e   liberdade:   igualdade,   baseada   no  
reconhecimento   das   inúmeras   diferenças   existentes   entre   cada   pessoa   (econômica,  
social,   cultural,   religiosa,   sexual,   afetiva...),   significa   o   direito   de   cada   um   ser   a   si  
mesmo.   Considerar   cada   pessoa   como   um   ser   individual   e   singular   implica,   por   um  
lado,  que  igualdade  não  é  identidade  (A=A)  ou  homogeneidade;  por  outro  lado,  que  as  
pequenas   diferenças   entre   uns   e   outros   não   legitimam   qualquer   subordinação   à  
vontade   ou   à   força   de   outrem.   Liberdade,   enquanto   direito   natural   destas   pessoas  
singulares,   significa   a   capacidade   de   cada   um   pensar,   decidir   e   agir   por   si   mesmo.  
Significa  participar  das  tomadas  de  decisões  sobre  as  questões  comuns  sem  qualquer  
subordinação  em  relação  a  quem  quer  que  seja.    
Concebendo   a   igualdade   e   liberdade   como   direitos   naturais   próprios   a   cada  
indivíduo4,   os   jusnaturalistas   criaram   condições   para   subverter   as   relações   sociais   e  
políticas   do   Antigo   Regime.   O   poder   político   do   monarca   absoluto   foi   contestado   e  
todo   vínculo   de   subordinação   à   vontade   imperativa   de   outrem   (seja   o   monarca,   o  
patrão,  o  mais  forte)  foi  rompido.  Partindo  do  suposto  que  ninguém  está  naturalmente  
subordinado  a  outrem  e  que  cada  um  pode  determinar  a  si  mesmo,  os  jusnaturalistas  
entenderam   que   a   estrutura   jurídico-­‐política   –   o   estado   –   depende   da   vontade   e   da  
ação   dos   próprios   indivíduos,   os   quais   voluntariamente   dão   origem   ao   estado,   visando  
à   preservação   de   seus   direitos   naturais.   A   perspectiva   do   indivíduo   passa   a   nortear  
todas  as  relações  das  pessoas  entre  si  e  com  o  mundo:  cada  um  é  capaz  de  pensar  e  

3
Neste sentido, afirma Rousseau no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre
os homens: “Conclui-se, ainda, que a desigualdade moral, autorizada unicamente pelo direito positivo, é
contrária ao direito natural (...)” (pág. 282). Rousseau se inspirou no romantismo e no iluminismo
4
Ainda que a concepção contemporânea não aceite que existam direitos decorrentes da natureza humana,
mas que todo direito funda-se de lutas historicamente dadas, considera-se, contudo, que a igualdade e a
liberdade são condições necessárias à dignidade humana e, portanto, precisam ser declaradas e protegidas.
agir   segundo   regras   que   possam   aceitar   para   si   e,   ao   mesmo   tempo,   que   possam   –  
reciprocamente  -­‐  ser  aceitas  por  todos  aos  demais.  Esse  é  o  espírito  da  Declaration  des  
droits  de  l’homme  et  du  citoyen,  que  expõe  solenemente  a  concepção  dos  deputados  
representantes  do  povo  francês:  
 
“...os   direitos   naturais,   inalienáveis   e   sagrados   do   homem,   a   fim   de   que   esta  
declaração,   sempre   presente   a   todos   os   membros   do   corpo   social,   lhes  
recorde  sem  cessar  seus  direitos  e  seus  deveres;  a  fim  de  que  os  atos  do  poder  
legislativo  e  do  poder  executivo  possam  ser  a  cada  instante  comparados  com  a  
finalidade   de   toda   instituição   política,   sendo   mais   respeitados;   a   fim   de   que   as  
reclamações   dos   cidadãos,   fundadas   doravante   sobre   princípios   simples   e  
incontestáveis,  tendam  sempre  à  manutenção  da  Constituição  e    à    felicidade    
de    todos”.        (Déclaration  des  doits  de  l´homme  et  du  citoyen)  
 
  Partindo   do   direito   natural   à   igualdade   e   à   liberdade,   os   jusnaturalistas  
encontraram  a  justificativa  necessária  para  limitar  a  ação  do  estado  absoluto  sobre  o  
indivíduo,  bem  como  para  integrar  a  todos  na  participação  das  tarefas  comuns.  John  
Locke   e   de   Jean-­‐Jacques   Rousseau,   por   exemplo,   consideram   que   antes   de   haver  
governo   é   necessário   haver   um   povo5.   Apenas   este   corpo   coletivo   chamado   povo  
detém,   segundo   eles,   o   poder   soberano,   ou   poder   supremo   no   estado.   Soberano   e  
governo,  a  partir  de  então,  passam  a  ser  distintos:  soberano  é  o  povo,  o  corpo  coletivo  
formado  por  todos  os  indivíduos  participantes  do  Estado;  governo  é  um  corpo  parcial,  
subordinado   ao   soberano   e   instituído   para   viabilizar   a   convivência   comum   e   a  
preservação  dos  direitos  naturais  dos  indivíduos6.    

5
As palavras de Rousseau, neste sentido, são muito claras: “Antes, pois de examinar o ato pelo qual um
povo elege um rei, conviria examinar o ato pelo qual um povo é povo, pois esse ato, sendo
necessariamente anterior ao outro, constitui o verdadeiro fundamento da sociedade.” (Contrato Social.
Livro I, cap. 5, pág. 31). Veja também: Locke. Segundo tratado sobre o governo. Capítulo 8.
6
Acerca da subordinação do governo ao povo soberano, afirma Rousseau: “(...) Isso não passa, de modo
algum, de um emprego, no qual, como simples funcionário do soberano, exercem em seu nome o poder
A   concepção   de   soberania   do   povo   ressalta   não   apenas   a   existência   de   um  
poder   imanente   à   comunidade,   superior   aos   poderes   ordinariamente   constituídos,  
mas   também   dá   origem   a   uma   nova   concepção   de   estado   no   qual   a   integração   e   a  
participação   de   todos   os   indivíduos   é   primordial.   A   igualdade   e   a   liberdade   de   cada  
cidadão  exige  que,  reciprocamente,  todos  os  demais  membros  da  comunidade  sejam  
iguais   e   livres.   A   condição   de   falar   por   si   mesmo,   manifestar   sua   perspectiva   acerca  
daquilo   que   concerne   a   toda   comunidade   ou   é   uma   possibilidade   para   todos   os  
membros   da   comunidade,   ou   é   uma   possibilidade   restrita   apenas   a   um   grupo.   Essa  
segunda  possibilidade  está  em  direta  oposição  à  primeira,  que  se  baseia  na  liberdade  e  
na   igualdade   das   pessoas   e   pode   dar   origem   a   um   estado   no   qual   o   respeito   à  
diversidade   social   transparece   na   participação   de   todos   nas   tomadas   de   decisões  
comuns;  a  segunda  possibilidade,  aquela  na  qual  a  manifestação  é  restrita,  baseia-­‐se  
na   submissão   de   uma   parte   dos   membros   da   comunidade   à   outra.   Ainda   que   os  
autores   jusnaturalistas   tenham   sua   própria   classificação   das   formas   de   estado   e  
governo,   podemos   compreender   –   a   partir   de   seus   pensamentos   –   como   estados  
democráticos   ou   republicanos   tão   somente   aqueles   cuja   ordem   social   e   política   seja  
baseada  na  inclusão  da  diversidade  de  indivíduos  singulares  como  igualmente  cidadãos  
e,   portanto,   participantes   das   decisões   políticas   que   dizem   respeito   à   comunidade.   Em  
oposição  a  estes,  só  restam  formas  opressivas  e  excludentes  de  organização  do  Estado,  
o  que  significa  ditadura,  tirania  ou  despotismo.    
Apesar   de   muitos   pensadores   admitirem   a   necessidade   de   representação   do  
poder  soberano  e  de  divisão  das  tarefas  governamentais  em  vários  corpos,  com  base  
em   considerações   de   ordem   política   (necessidade   de   controle   ao   exercício   do   poder  
político),   social   (a   integração   da   pluralidade   social   nas   instâncias   decisórias),  
econômicas   (impedimento   ao   uso   de   mão   de   obra   escrava),   geográficas   (dimensão  
territorial),   a   responsabilidade   de   legislar,   julgar   e   executar   passou   a   ser   entendida  

de que ele os fez depositários, e que pode limitar, modificar e retomar quando lhe aprouver”. (Contrato
Social. Livro III, cap. 1, pág, 75).
como  uma  responsabilidade  dos  próprios  cidadãos,  que  a  exercem  diretamente  ou  por  
meio   de   representantes.   A   representação   não   desresponsabiliza   os   cidadãos,   pois   se  
entende   que   o   corpo   governamental   (que   detém   as   tarefas   de   legislar,   executar   e  
julgar)   está   necessariamente   subordinado   ao   corpo   soberano   ou   corpo   do   povo.   A  
legitimidade  da  ação  governamental  deriva  de  sua  adequação  aos  propósitos  do  corpo  
soberano,   que   se   caracteriza   fundamentalmente   pela   garantia   à   igualdade   e   à  
liberdade   dos   indivíduos   que   compõem   o   estado.   O   estado   será   democrático   na  
medida   em   que   a   manifestação   pública   de   ideias   dos   cidadãos   não   seja   privilégio   de  
alguns,  mas  uma  possibilidade  aberta  para  todos.  Exatamente  por  isso,  os  princípios  de  
liberdade   e   igualdade   exigem-­‐se   mutuamente   e   estão   na   base   de   um   estado  
respeitoso  e  participativo7.  
  Tal   exigência   não   é   apenas   retórica.   É   mesmo   uma   condição   necessária   para  
existência   de   um   comportamento   social   baseado   na   igualdade,   na   liberdade,   no  
respeito  e  na  participação  de  cada  membro  da  coletividade.  Partimos  das  concepções  
de   autores   jusnaturalistas   modernos   acerca   da   pessoa   humana   e   do   modo   como  
constituem   suas   relações   sociais   e   políticas   e   compreendemos   como   tais   concepções  
tornaram-­‐se   princípios   fundamentais   do   estado   democrático   e   das   declarações   de  
direitos   humanos   que   conhecemos   no   mundo   contemporâneo.   Trata-­‐se   agora   de  
investigar  porque,  passados  mais  de  dois  séculos  desde  a  Declaração  dos  Direitos  do  
Homem  e  do  Cidadão  pelos  Revolucionários  Franceses,  ainda  hoje  encontramos  uma  
série  de  dificuldades  para  a  efetivação  destes  direitos.  
 
Dificuldades:    

7
Neste sentido, Alexis de Tocqueville afirma: “É possível imaginar um ponto extremo, onde a liberdade e
a igualdade se tocam e se confundem. Suponhamos que todos os cidadãos concorram para o governo e
que cada um tenha igual direito de concorrer para ele. Neste caso, ninguém será diferente de seus
semelhantes, ninguém poderá exercer um poder tirânico; os homens serão perfeitamente livres, porque
serão todos inteiramente iguais; e serão todos perfeitamente iguais porque serão inteiramente livres. É
para este ideal que tendem os povos democráticos.” (Democracia na América. Tomo II, parte 2, cap. 1,
pág. 383).
Mesmo   tendo   partido   do   suposto   que   princípios   e   propósitos   estão  
diretamente   imbricados,   posto   que   princípios   visam   orientar   a   ação,   a   passagem   –   dos  
princípios  aos  propósitos  de  ação  -­‐     não   é   trivial.   A   ideia   genérica   de   que   todos   os  
cidadãos   de   um   estado   democrático   são   iguais   e   livres   e,   portanto,   devem   ser  
respeitados  e  participantes  dos  processos  de  decisão,  não  transparece  imediatamente  
no   cotidiano   social   e   político   das   comunidades8.   O   reconhecimento   universal   da  
liberdade   e   da   igualdade   de   todos   os   seres   humanos,   por   meio   da   Declaration   des  
droits   de   l´homme   et   du   citoyen   de   1798,   foi   um   primeiro   passo   importante   para  
instituição   de   limites   contra   a   ação   desrespeitosa   e   excludente   da   sociedade   e   do  
estado.   Mas,   o   mero   reconhecimento   de   direitos   naturais   dos   indivíduos   não   foi  
historicamente  suficiente  para  garantir  a  cada  um  o  respeito  e  a  participação  de  todos.  
Foi  necessário  o  transcurso  de  muito  tempo  e  de  muitas  lutas  para  que  os  princípios  
universais   da   Declaration   pudessem   penetrar   amplamente   nas   concepções   e   nos  
costumes,  de  modo  a  transformar  os  comportamentos  sociais  e  as  leis  do  estado9.    
Alexis   de   Tocqueville,   em   uma   viagem   que   fez   aos   Estados   Unidos   em   1830   e  
que   está   descrita   no   livro   A   Democracia   na   América   (Tomo   I,   Livro   2,   cap.   7),   relata  
uma   cena   de   desrespeito   e   exclusão   que   o   deixou   perplexo:   durante   um   processo  
eleitoral  na  Pensilvânia,  ele  observou  que  os  negros  alforriados  não  compareceram  às  
urnas   para   votar.   Incomodado   com   o   fato,   perguntou   a   um   “anglo-­‐americano”   a   razão  
de  tal  ausência:  
 

8
Sobre esse assunto, veja: DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. Cap. 5: Revoluções e
declarações: os direitos dos homens, dos cidadãos e de alguns outros.
9
Concepções e costumes não se alteram facilmente. Logo após a memorável Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão em 1789, pela Assembléia Constituinte Francesa, Olympia de Gouges propôs a
Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã; no entanto, tal declaração não encontrou o mesmo apoio
popular e Olympia foi julgada pelo tribunal revolucionário e guilhotinada. Em tempos de desigualdade
entre homens e mulheres, a simples declaração dos direitos da mulher e da cidadã revelou-se como
afronta às concepções e aos costumes vigentes que justificaram o terrível castigo imposto à Olympia por
sua ousadia declaratória.
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-­‐  Explique-­‐me,  por  favor,  como  num  estado  fundado  por  quacres  e  conhecido  pela  sua  
tolerância,   os   negros   alforriados   não   são   admitidos   a   exercer   os   direitos   de   cidadão.  
Pagam  o  imposto,  não  é  justo  que  votem?   –  Não  nos  faça  a  injúria,  respondeu-­‐me  ele,  de  
acreditar  que  os  nossos  legisladores  tenham  cometido  um  tão  grosseiro  ato  de  injustiça  e  
intolerância.   -­‐   Então,   em   seu   estado,   os   negros   têm   direito   de   votar?   –   Sem   a   menor  
dúvida.  –  Então,  como  se  explica  que,  no  colégio  eleitoral,  esta  manhã,  não  percebi  sequer  
um  na  assembléia?   –  Isso  não  é  culpa  da  lei,  retrucou-­‐me  o  americano;  os  negros  têm,  na  
verdade,   o   direito   de   se   apresentar   às   eleições,   mas   se   abstêm   voluntariamente   de  
comparecer.   –   Isso   é   muita   modéstia   da   parte   deles.  –   Oh,   não   é   que   se   recusem   a   ir,   mas  
que  temem  ali  ser  maltratados.  Entre  nós,  ocorre  certas  vezes  faltar  força  à  lei,  quando  a  
maioria   não   a   apóia.   –   Ora,   a   maioria   está   imbuída   dos   maiores   preconceitos   contra   os  
negros,   e   os   magistrados   não   sentem   a   força   de   garantir   a   estes   os   direitos   que   o  
legislador  lhes  conferiu.”  (TOCQUEVILLE,  1977,  p.  195)  

 
 
Em  que  pese  a  importância  das  leis  para  regular  condutas  sociais  e  políticas,  o  
diálogo  travado  entre  Alexis  de  Tocqueville  e  um  habitante  da  Pensilvânia  em  1830  nos  
faz   compreender   que   as   leis   são   insuficientes   para   transformar   práticas   sociais  
profundamente   arraigadas.   É   por   meio   das   leis   que   o   estado   garante   aos   cidadãos  
direitos  civis  e  políticos,  na  medida  em  que  regulam  as  ações  dos  demais  indivíduos  e  
do   próprio   estado,   assegurando   a   cada   um   a   inviolabilidade   de   seus   direitos  
fundamentais.  No  entanto,  em  um  estado  em  que  “a  maioria  está  imbuída  dos  maiores  
preconceitos”,  a  lei  não  encontra  força  para  impor-­‐se,  pois  os  comportamentos  sociais  
desafiam   a   determinação   legal.   Tal   desafio   nem   sempre   é   direto,   afinal   não  
encontramos  nenhum  relato  de  contraposição  ao  legislador  ou  de  desrespeito  à  lei.  O  

10
Em meio às guerras religiosas que assolaram a Europa no século XVII, surgiu na Inglaterra uma
religião cristã protestante conhecida como “sociedade religiosa dos amigos” ou “Quakers”, fundada por
George Fox, em 1652. Muitos perseguidos e castigados na Inglaterra, inúmeros Quakers buscaram
refúgio na colônia norte-americana – um lugar onde as pessoas de todas as crenças teriam liberdade
religiosa. Participaram ativamente do período colonial dos Estados Unidos promovendo a tolerância
religiosa e política.
desafio  é,  antes,  indireto,  posto  que  ameaça  aos  beneficiários  da  lei  impedindo-­‐os  de  
gozarem  daquilo  que  lhes  foi  formalmente  garantido.    
Apesar  da  importância  da  proteção  jurídica  por  meio  das  leis  e  das  instituições  
do   estado   democrático,   o   exemplo   dado   por   Tocqueville   mostra   de   modo   eloquente  
que   estes   são   ainda   insuficiente   para   impedir   práticas   violadoras.   A   insuficiência   das  
leis   para   o   estabelecimento   de   comportamentos   sociais   e   políticos   coerentes   com   a  
democracia   e   os   direitos   humanos   não   decorre   apenas   de   seu   texto   ou   dos   poderes  
públicos   que   devem   zelar   pela   sua   aplicação11.   Decorre   antes   de   concepções   e  
costumes   compartilhados   pela   sociedade.   Ainda   que   os   legisladores   busquem   criar  
condições  jurídico-­‐políticas  para  coibir  situações  de  desrespeito  e  exclusão,  que  violam  
a   igualdade   e   a   liberdade   humana,   nem   sempre   encontram   respaldo   nos  
comportamentos   de   grupos   sociais.   Frequentemente   os   comportamentos   sociais  
reproduzem  condutas  discriminadoras  forjadas,  ao  longo  dos  tempos,  em  concepções  
desrespeitosas   e   excludentes   de   modo   acrítico,   ou   seja,   em   concepções  
preconceituosas.  
Concepções  e  costumes  sociais  baseados  no  reconhecimento  da  igualdade  e  da  
liberdade  promovem  comportamentos  respeitosos  e  participativos.  Pode-­‐se  dizer  que  
as   concepções   e   os   costumes   democráticos   e   o   respeito   às   leis   e   instituições  
democráticas   são   duas   faces   da   mesma   moeda12.   No   entanto,   sabemos   que   a  
declaração  solene,  por  meio  das  leis  -­‐  do  sufrágio  universal,  para  aproveitar  mais  uma  
vez   o   exemplo   que   tomamos   de   Tocqueville   –   ainda   que   encontre   resistência   em  
comportamentos   sociais   desrespeitosos   e   excludentes   e   não   seja   suficiente   para  
alterá-­‐los,  é  de  fundamental  importância.  Tão  somente  com  base  nas  leis  é  que  todo  
cidadão   pode   exigir   dos   demais   e   do   estado   o   reconhecimento   da   igualdade   e   da  

11
Sobre a relação entre as leis e a proteção aos direitos humanos veja, o texto: RIFIOTIS, Theophilos;
MATOS, Marlise. Judicialização, direitos humanos e cidadania.
12
Tocqueville afirma: “Estou convencido que a situação mais feliz e as melhores leis não podem manter
uma constituição a despeito dos costumes, ao passo que estes tiram partido ainda das posições mais
desfavoráveis e das piores leis. A importância dos costumes é uma verdade comum, à qual o estudo e a
experiência conduzem sem cessar.” (Democracia na América. Tomo I, parte 2, cap. 9, pág. 237)
liberdade   de   todos.   Assegurando   a   possibilidade   de   reivindicar   publicamente   o  
reconhecimento  e  proteção  aos  direitos,  as  leis  podem  ser  instrumentos  de  luta  contra  
práticas  sociais  e  políticas  violadoras  dos  direitos  humanos.  
 
Preconceito  e  discriminação:    
  Conhecendo   a   relação   íntima   entre   concepções,   costumes   e   leis,   instituições  
democráticas,   podemos   compreender   que   o   problema   que   ainda   resta   não   é  
propriamente   de   ordem   legal   ou   formal   –   no   sentido   de   instituição   e   fiscalização   de  
regras.   Mal   ou   bem,   temos   uma   série   de   proteções   jurídicas   à   democracia   e   aos  
direitos  humanos,  tanto  no  plano  interno  como  no  plano  externo.  O  problema  é  mais  
profundo,  pois  diz  respeito  a  concepções  e  costumes.  A  sociedade  brasileira  continua  
reproduzindo   em   seu   comportamento,   veladamente   ou   impensadamente,   concepções  
e  costumes  desrespeitosos  e  excludentes.  Sem  a  formação  de  concepções  e  costumes  
baseados   na   igualdade   e   na   liberdade,   dificilmente   teremos   comportamentos   sociais  
baseados  no  respeito  à  diversidade  e  na  participação  de  todos.  
 Para   discutirmos   de   modo   mais   localizado,   tomo   como   exemplo   a   Lei   nº  
10.639,  Lei  10.63913,  sancionada  pelo  Presidente  da  República  em  janeiro  de  2003,  que  
incluiu   no   currículo   oficial   da   rede   de   ensino   o   tema   “História   e   Cultura   Afro-­‐
brasileira”.   Apesar   dos   mais   de   10   anos   de   vigência   da   lei,   facilmente   percebemos   que  
o   comportamento   social   discriminador   da   sociedade   brasileira   pouco   foi   modificado.  
Isso   não   significa   que   a   lei   não   seja   cumprida,   nem   que   haja   problemas   estruturais   nas  
escolas   ou   no   material   didático   que   afrontem   diretamente   à   lei.   Há   um   esforço   de  
adequação  das  escolas  à  lei.  A  principal  dificuldade  em  vista  da  qual  o  comportamento  
social   discriminador   não   modificou   significativamente   nestes   10   anos   deriva   de  
concepções   preconceituosas   por   parte   de   inúmeras   pessoas   envolvidas   no   processo  

13
Remeto à mesa-redonda "Dez anos da Lei 10.639/03: balanços e perspectivas", com Nilma Lino Gomes
(UFMG) e Petronilha Gonçalves (UFSCar), organizada no dia 19 de abril de 2013 pelo NAP Brasil África
(USP). O acesso é possível em: https://www.youtube.com/watch?v=8WbLZOPcXUs
educacional,   que   reproduzem   em   suas   atitudes   cotidianas   comportamentos  
discriminadores.  Semelhante  descompasso  (entre  a  lei  e  a  ação)  não  deve  ser  atribuído  
a   qualquer   arbitrariedade   de   quem   quer   que   seja,   mas   a   concepções   e   costumes  
sociais   largamente   arraigados   e   reproduzidos   acriticamente.   Podemos   então  
experimentar,  em  relação  à  prática  escolar,  semelhante  perplexidade  e  indignação  de  
Tocqueville   ao   saber   que,   mesmo   a   lei   estendendo   o   direito   ao   sufrágio   aos   negros,  
eles   não   compareciam   às   urnas   porque   o   comportamento   social   não   lhes   garantia   o  
direito   legal;   ou   ainda,   mesmo   a   lei   brasileira   instituindo   o   ensino   de   história   e   cultura  
afro-­‐brasileira,  o  comportamento  social  continua  marcado  por  formas  de  preconceito  
e  discriminação  racial.  
A   escola   é   uma   pequena   sociedade   dentro   do   Estado   e,   por   isso,   pode   ser  
tomada   como   exemplo,   pois   o   preconceito   e   a   discriminação   racial   que   se   manifestam  
no  dia  a  dia  escolar  são  o  reflexo  das  concepções  e  costumes  que  estão  presentes  na  
sociedade   inteira.   Como   dissemos,   tais   comportamentos   sociais   não   são   arbitrários,  
têm  origens  profundas  na  história  da  humanidade.  De  acordo  com  Munanga  (2006),  o  
conceito  de  raça  foi  estabelecido,  em  bases  biológicas,  no  século  XVIII.  Naquela  época  
houve  a  tentativa  de  encontrar  uma  relação  intrínseca  entre  características  biológicas  
e  qualidades  (morais,  psicológicas,  intelectuais  e  culturais)  dos  indivíduos  e  dos  grupos,  
com   base   na   qual   diferentes   raças   humanas   poderiam   ser   classificadas   e  
hierarquizadas.   Apesar   dessa   concepção   já   não   encontrar   mais   respaldo   científico   no  
mundo   contemporâneo,   o   racismo,   no   entanto,   permanece.   Do   conceito   de   raça   à  
classificação   e   hierarquização   de   grupos   humanos,   o   racismo   ultrapassou   o   registro  
Interessante
estritamente   biológico   e   metamorfoseou-­‐se.   No   século   XX,   a   classificação   e   a  
hierarquização   já   não   se   decorriam   exclusivamente   a   partir   de   características  
biológicas,  passou  a  integrar  também  características  históricas,  culturais,  econômicas,  
sociais.   O   racismo   tornou-­‐se   mais   abrangente:   “Trata-­‐se   aqui   de   um   racismo   por  
analogia   ou   metaforização,   resultante   da   biologização   de   um   conjunto   de   indivíduos  
pertencendo   a   uma   categoria   social.   É   como   se   essa   categoria   social   racializada  
(biologizada)  fosse  portadora  de  um  estigma  corporal.”  (MUNANGA,  2003,  p.  9).  
Assim,  pouco  a  pouco  o  racismo  prescindiu  do  conceito  de  raça  para  “decretar  
a  existência  de  diferenças  insuperáveis  entre  grupos  estereótipos”  (MUNANGA,  2003,  
p.  9),  tais  como  homossexuais,  pobres,  mulheres,  árabes,  cujas  características  comuns  
explicam   suficientemente,   do   ponto   de   vista   racista,   sua   condição   hierarquicamente  
inferior.  O  racismo  se  manifesta,  em  primeiro  lugar,  como  preconceito,  na  medida  em  
que  acolhe  acriticamente  a  hierarquização  (superior-­‐inferior)  de  grupos  humanos  com  
base   na   concepção   de   características   intrínsecas   e   determinantes;   e,   em   segundo  
lugar,   manifesta-­‐se   como   discriminação   racial   posto   que   favorece   comportamentos  
sociais   desrespeitosos   e   excludentes.   A   grande   dificuldade   não   é   tanto   coibir   a   ação  
discriminatória.     Estas   práticas   podem   ser   interpeladas   juridicamente   com   base   nas  
leis.   Muito   mais   difícil   é   aniquilar   as   “representações   e   imaginários   coletivos”   que,   à  
revelia   de   qualquer   crítica   científica   acerca   do   conceito   de   raça   ou   de   grupos  
estereótipos,  sustentam  o  racismo  na  forma  de  preconceitos.  
  A   inclusão   do   ensino   de   “História   e   Cultura   Afro-­‐brasileira”   como   conteúdo  
obrigatório  no  currículo  escolar  visa,  em  primeiro  lugar,  a  instrução  dos  alunos  a  partir   valorização de
agentes
de   uma   perspectiva   abrangente   da   história   brasileira,   na   qual   peculiaridade   e   a   desvalorizados
e
importância   dos   diversos   agentes   sejam   valorizadas.   Neste   sentido,   a   instrução   traz   reconfiguração
representativas
novos   conhecimentos   que   informam   sobre   situações   vividas,   relações   econômicas,   esteriotipadas
através do
avanços  científicos,  ao  mesmo  tempo  em  que  possibilita  a  alteração  de  concepções  e   ensino de
História e
costumes.  Entretanto,  adverte  Tocqueville,  a  "instrução  que  esclarece  o  espírito"  não   cultura
afro-brasileira
pode  estar  separada  da  "educação  que  regula  os  costumes",  pois  "não  basta  ensinar  os  
homens  a  lerem  e  escreverem  para  logo  fazê-­‐los  cidadãos"  (DA.T.  I,  parte  2,  cap.  9,  p.  
352).  A  instrução  é  uma  condição  necessária,  mas  ainda  insuficiente.    
Mais   do   que   as   leis   e   as   instituições   do   Estado,   mais   do   que   o   ensino   de   um  
importante
conteúdo   determinado,   a   transformação   do   comportamento   social   depende   da  
alteração   das   concepções   e   dos   costumes,   os   quais   só   podem   ser   modificados   pela  
ação  das  próprias  pessoas  envolvidas14.  Não  se  trata  nem  de  lições,  nem  de  imposições  
de  uns  sobre  outros,  mas  da  abertura  de  cada  um  para  a  perspectiva  do  outro.  As  lutas  
pelo  reconhecimento  dos  princípios  de  igualdade  e  liberdade  dos  indivíduos  oriundas  
da  Declaration  de  1789  foram  marcadas  –  ao  longo  do  século  XIX  –  pela  participação  
popular  em  uma  diversidade  de  reivindicações  e  lutas  sociais,  econômicas,  culturais:  a  
abolição  da  escravatura,  o  reconhecimento  de  direitos  trabalhistas,  o  ensino  laico  e  a  
universalização   do   acesso   à   escola,   a   extensão   do   direito   ao   sufrágio   aos  
trabalhadores,  por  exemplo.  Essas  lutas  contribuíram  largamente  para  transformação  
de  concepções  e  condutas  sociais.  A  participação  direta  das  pessoas  nas  reivindicações  
e   lutas   contra   todas   as   formas   de   desrespeito   e   exclusão   contribuiu   para   a   ampla  
transformação   de   concepções   e   costumes   da   sociedade.   A   adesão   às   novas  
concepções   e   costumes   –   quaisquer   que   sejam   -­‐   não   advém   espontânea   e  
simultaneamente   aos   corações   e   mentes   das   pessoas,   mas   decorre   de   vivências  
historicamente   dadas.   Apenas   quando   todos   os   cidadãos   estiverem   imbuídos   de  
concepções   e   costumes   que   os   façam   respeitar   os   demais   membros   da   comunidade  
como   indivíduo   igual   e   livre,   as   leis   poderão   contribuir   na   eliminação   de  
comportamentos  sociais  preconceituosos  e  discriminadores.    
Do   nosso   ponto   de   vista,   há   uma   relação   direta   entre   a   formação   de  
concepções   e   costumes,   coerentes   com   os   princípios   que   fundamentam   os   direitos  
humanos  e  a  democracia  e  a  alteração  de  comportamentos  sociais  discriminadores.  O  
destino   da   sociedade   e   do   Estado   depende   do   compromisso   de   cada   um   com   os  
princípios   democráticos   de   igualdade,   liberdade,   respeito   e   participação,   assim   como  
de   uma   estrutura   jurídico-­‐política   que   zele   e   garanta   a   vigência   desses   valores   e  
princípios.   Segundo   Costas   Douzinas,   toda   reivindicação   de   direitos   envolve   o  
reconhecimento  de  outros  e  de  seus  direitos:    

14
O site DHnet é uma fonte de pesquisa sobre diversos temas de direitos humanos que contribuem para
formação de concepções e comportamentos respeitosos e participativos. Sugiro, no que diz respeito à
promoção da igualdade e à valorização da diversidade como formas de combater o preconceito e a
discriminação, o artigo extraído do site DHnet e colocado como Anexo IV do presente texto.
 
Não  pode  haver  algo  como  um  direito  autônomo,  absoluto,  pois  tal  direito  
violaria   a   liberdade   de   todos,   exceto   a   de   seu   detentor.   Não   pode   haver  
nenhum   direito   positivo,   pois   direitos   são   sempre   relacionais   e   envolvem  
seus  sujeitos  em  relações  de  dependência  de  outros  e  de  responsabilidade  
perante  a  lei.  Os  direitos  constituem  um  reconhecimento  formal  do  fato  de  
que   antes   da   minha   subjetividade   (jurídica)   sempre   e   já   existia   outra.  
Relacionado   a   isso   está   o   reconhecimento   de   que   os   direitos   humanos  
possuem   a   capacidade   de   produzir   novos   mundos,   ao   continuamente  
empurrar   e   expandir   os   limites   da   sociedade,   da   identidade   e   da   lei  
(DOUZINAS,  2009,  p.  349).  
 
Tal  como  os  sans-­‐coulotte,  revolucionários  de  1798  que  subverteram  a  ordem  
de  uma  sociedade  marcada  pela  desigualdade  e  pela  subserviência,  faz-­‐se  necessário,  
no   mundo   contemporâneo,   subverter   os   comportamentos   sociais   preconceituosos   e  
discriminadores.   A   possibilidade   de   tal   subversão   implica   instigar   a   formação   de  
comportamentos   sociais   comprometidos   com   a   igualdade,   a   liberdade,   o   respeito   à  
singularidade   e   à   participação   nas   decisões   comuns.   Afinal,   assim   como   as   leis   e   as  
instituições  do  Estado,  a  instrução  também  não  é  suficiente  para  alterar  as  condutas  
largamente   arraigadas.   Além   das   leis   e   da   instrução   é   preciso   envolver   toda   a  
sociedade   com   a   formação   de   comportamentos   sociais   e   políticos   contrários   a  
concepções  preconceituosas  e  atitudes  de  discriminação  racial15.  
 
Formação:  
A   formação   de   comportamentos   sociais   e   políticos   contrários   a   atitudes   de  
preconceito   e   discriminação   racial   exige   a   participação   de   todos,   de   cada   membro  
singular   da   comunidade,   capaz   de   falar   e   agir   por   si   mesmo   junto   com   cada   um   dos  
demais.   Junto   com   as   leis,   as   instituições   do   Estado   e   com   a   instrução   propriamente  
dita,   a   participação   livre   e   igual   de   cada   um   é   condição   sine   qua   non.   Isso   significa   que  
ninguém   está   dispensado,   nem   tem   qualquer   posição   privilegiada   na   construção   de  

15
Uma forma de luta pode ser vista na literatura de Cristiane Sobral – veja o poema “Não vou mais lavar
os pratos” em: http://arquivo.geledes.org.br/patrimonio-cultural/literario-cientifico/literatura/18318-nao-
vou-mais-lavar-os-pratos-poesia-de-cristiane-sobral
concepções  e  costumes  que  estão  na  base  de  comportamentos  sociais  coerentes  com  
o   respeito   a   cada   um   e   com   a   participação   de   todos.   Esta   exigência   repousa   sobre   a  
compreensão   de   que   só   há   duas   possibilidades:   ou   reciprocamente   reconhecemos  
cada   um   dos   demais   como   iguais   e   livres,   a   quem   devemos   respeitar   por   ser   uma  
pessoa  singular  e  capaz  de  tomar  parte  nas  decisões  comuns,  ou  favorecemos  relações  
hierarquizadas,   preconceituosas   e   discriminadoras;   não   há   meio   termo.   Pois,   da  
concepção  que  todos  os  indivíduos  são  iguais  e  livres  segue-­‐se,  em  primeiro  lugar,  que  
cada  um  tem  o  direito  de  reivindicar  o  respeito  a  si  mesmo  e  de  participar  das  decisões  
que   lhe   afetam;   mas   segue-­‐se   também   que   tal   reivindicação   é   exatamente   a   mesma  
para  cada  um  e,  portanto,  só  se  realizará  se  for  recíproca.  Ora,  a  reciprocidade  exige  
que   cada   um   seja   capaz   de   colocar-­‐se   no   lugar   do   outro   e   conceder-­‐lhe   aquilo   que  
reivindica  para  si16.  
Assim,  consideramos  que  a  formação  de  comportamentos  sociais  e  contrários  a  
atitudes   de   preconceito   e   discriminação   racial   exige,   de   cada   um,   o   esforço   de  
suspender  o  juízo  e  colocar-­‐se  no  lugar  do  outro.  Se  as  ações  discriminatórias  podem  
ser   combatidas   por   meio   das   leis   e   das   instituições   jurídico-­‐políticas   do   Estado,   o  
preconceito   –   muito   mais   difícil   de   ser   extirpado   –   depende   de   mudanças   de  
concepções  e  de  costumes.  Se  a  perspectiva  de  cada  um  está  centrada  sobre  si  mesmo  
é  porque  cada  um  julga  o  outro  e  suas  relações  a  partir  de  si  e  em  vista  de  si  mesmo.  
Segue-­‐se,   em   consequência,   que   a   principal   dificuldade   reside   na   própria   maneira   pela  
qual   cada   um   compreende   a   si   mesmo   e   as   suas   relações.   A   eliminação   de  
preconceitos   depende   da   capacidade   de   cada   um   ampliar   a   própria   perspectiva  
incluindo   a   perspectiva   do   outro:   “na   perspectiva   da   alteridade,   os   direitos   do   outro,   a  
sua  negação,  me  interpelam  e  por  sermos  humanamente  interpelados,  somos  também  
responsabilizados  pela  implementação  desses  direitos,  pela  sua  defesa”  (RUIZ,  2010,  p.  
220).   Ser   interpelado   pelo   outro,   longe   de   significar   aniquilação   da   própria  

16
Para aprofundar este tema, sugiro a leitura do texto: RUIZ, Castor Bartolomé. Os direitos humanos
como direitos do outro..
singularidade,   supõe   que   a   possibilidade   de   ser   o   que   se   é   depende   da   aceitação  
recíproca  da  singularidade  de  cada  um,  depende  de  compromissos  recíprocos  de  cada  
um  com  cada  um.  
Neste  sentido,  o  primeiro  artigo  da  Declaração  Universal  dos  Direitos  Humanos,  
de   194817,   afirma   que:   “Todas   as   pessoas   nascem   livres   e   iguais   em   dignidade   e  
direitos.  São  dotadas  de  razão     e  consciência  e  devem  agir  em  relação  umas  às  outras  
com   espírito   de   fraternidade”.   É   justamente   esse   “espírito   de   fraternidade”,   ou   seja,  
essa   concepção   de   proximidade   em   relação   ao   outro,   que   pode   nortear  
comportamentos   sociais   comprometidos   com   o   respeito   à   singularidade   e   com   a  
participação   de   todos,   porque   exige   uma   alteração   na   perspectiva   de   cada   um:   é  
preciso   que   se   sintam   afetadas   pelos   outros,   que   se   sintam   parte   de   uma   relação  
necessária.   Esta   ampliação   da   perspectiva   insere   cada   um   na   comunidade,   cujo  
significado   primordial   advém   do   compartilhamento   de   laços   (históricos,   sociais,  
culturais,  afetivos...)  que  tornam  todos  corresponsáveis  pelo  que  há  de  comum.    
Para   finalizar,   retomamos   o   propósito   deste   texto   expresso   logo   de   início:  
contribuir   com   a   discussão   acerca   da   formação   de   comportamentos   sociais   contra   o  
preconceito  e  a  discriminação  racial.  A  palavra  discussão  expressa  nosso  entendimento  
acerca   da   necessidade   de   abertura   para   acolher   a   diversidade   de   posições   e,   ao  
mesmo   tempo,   o   inacabamento   da   tarefa.   Do   nosso   ponto   de   vista,   a   formação   de  
comportamentos   sociais   contrários   ao   preconceito   e   à   discriminação   racial,   a   fim   de  
fundamentar   práticas   coerentes   com   os   princípios   dos   direitos   humanos   e   da  
democracia,   precisa   ser   continuamente   realizada   pela   ação   dos   próprios   envolvidos.   O  
respeito   e   a   participação   igual   e   livre   de   cada   um   traz,   como   consequência,  
possibilidades   inusitadas.   Compartilhar,   integrar,   acolher   o   outro   leva   cada   um   a  
reelaborar  suas  concepções  e  alterar  a  própria  prática.    
 

17
Veja o Anexo II.
 
REFERÊNCIAS  
 
ARENDT,  Hannah.  O  que  é  política.  Rio  de  Janeiro:  Bertrand  Brasil,  2002.  
 
______.  Da  revolução.  São  Paulo:  Ática;  Brasília,  DF:  UnB,  1988.  
 
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BOBBIO,  Norberto.  A  era  dos  direitos.  Rio  de  Janeiro:  Elsevier,  2004.  
 
BOVERO,  Michelangelo.  Contra  o  governo  dos  piores  -­‐  uma  gramática  da  democracia.  
Rio  de  Janeiro:  Campus,  2002.  
 
DOUZINAS,  Costas.  O  fim  dos  direitos  humanos.  São  Leopoldo:  Unisinos,  2009.  
 
HUNT,  Lynn.  A  invenção  dos  direitos  humanos:  uma  história.  São  Paulo:  Cia  das  Letras,  
2009.  
 
LEFORT,  Claude.  A  invenção  democrática.  São  Paulo:  Autêntica,  2011.  
 
LOCKE,   John.   Segundo   tratado   sobre   o   governo.   São   Paulo:   Abril   Cultural,   1978.  
(Coleção  Os  Pensadores).  
 
MUNANGA,   Kambengele.   Uma   abordagem   conceitual   das   noções   de   raça,   racismo  
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municipal:   um   guia   para   fazer   a   diferença.   v.   1,   Orientações   Básicas.   Rio   de   Janeiro:  
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REIS,   Helena   E.   Dos   princípios   à   ação:   dificuldades   do   ajuste.   In:   LOPES,   Ana   Maria;  
MAUÈS,  Antônio  (Orgs.).  A  eficácia  nacional  e  internacional  dos  direitos  humanos.  Rio  
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RIFIOTIS,  Theóphilos;  MATOS,  Marlise.  Judicialização,  direitos  humanos  e  cidadania.  In:  
FERREIRA;  ZENAIDE;  PEREIRA;  SILVA  (Orgs.).  Direitos  humanos  na  educação  superior:  
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2010.  
 
ROUSSEAU,  Jean-­‐Jacques.  Do  contrato  social.  São  Paulo:  Abril  Cultural,  1978.    
 
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São  Paulo:  Abril  Cultural,  1978.  
 
RUIZ,   Castor   Bartolomé.   Os   direitos   humanos   como   direitos   do   outro.   In:   FERREIRA;  
ZENAIDE;   PEQUENO   (Orgs.).   Direitos   humanos   na   educação   superior:   subsídios   para  
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SANTOS,   Antônio   Carlos   (Org.).   O   outro   como   problema:   o   surgimento   da   tolerância  
na  modernidade.  São  Paulo:  Alameda,  2010.  
 
SEGATO,  Rita  Laura.  Antropologia  e  direitos  humanos:  alteridade  e  ética  no  movimento  
de  expansão  dos  direitos  humanos.  Revista  Mana,  12  (1),  2077.    
 
TOCQUEVILLE,   Alexis.   A   democracia   na   América.   São   Paulo:   EDUSP;   Belo   Horizonte:  
Itatiaia,  1977.  
 
TOURAINE,  Alain.  O  que  é  a  democracia?  Petrópolis  :  Vozes,  1996.  
 
WOLFF,   Francis.   Quem   é   bárbaro?   In:   NOVAES,   Adauto.   (Org.)   Civilização   e   barbárie.  
São  Paulo:  Cia  das  Letras,  2004.  
 
ANEXO  I  
 
DECLARAÇÃO  DOS  DIREITOS  DO  HOMEM  E  DO  CIDADÃO  -­‐  1789  
 
Os   representantes   do   povo   francês,   reunidos   em   Assembleia   Nacional,   tendo  
em  vista  que  a  ignorância,  o  esquecimento  ou  o  desprezo  dos  direitos  do  homem  são  
as  únicas  causas  dos  males  públicos  e  da  corrupção  dos  Governos,  resolveram  declarar  
solenemente  os  direitos  naturais,  inalienáveis  e  sagrados  do  homem,  a  fim  de  que  esta  
declaração,   sempre   presente   em   todos   os   membros   do   corpo   social,   lhes   recorde  
sempre   seus   direitos   e   seus   deveres;   a   fim   de   que   os   atos   do   Poder   Legislativo   e   do  
Poder  Executivo,  podendo  ser  a  qualquer  momento  comparados  com  a  finalidade  de  
toda   a   instituição   política,   sejam   por   isso   mais   respeitados;   a   fim   de   que   as  
reivindicações   dos   cidadãos,   doravante   fundadas   em   princípios   simples   e  
incontestáveis,  dirijam-­‐se  sempre  à  conservação  da  Constituição  e  à  felicidade  geral.  
Em  razão  disto,  a  Assembleia  Nacional  reconhece  e  declara,  na  presença  e  sob  a  
égide  do  Ser  Supremo,  os  seguintes  direitos  do  homem  e  do  cidadão:  
 
Art.1º.  Os   homens   nascem   e   são   livres   e   iguais   em   direitos.   As   distinções   sociais   só  
podem  fundamentar-­‐se  na  utilidade  comum.   ROSSEAU

Art.  2º.  A  finalidade  de  toda  associação  política  é  a  conservação  dos  direitos  naturais  e  
imprescritíveis  do  homem.  Esses  direitos  são  a  liberdade,  a  propriedade,  a  segurança  e  
a  resistência  à  opressão.  
Art.   3º.  O   princípio   de   toda   a   soberania   reside,   essencialmente,   na   nação.   Nenhum  
corpo,   nenhum   indivíduo   pode   exercer   autoridade   que   dela   não   emane  
expressamente.  
Art.  4º.  A  liberdade  consiste  em  poder  fazer  tudo  que  não  prejudique  o  outro.  Assim,  o  
exercício   dos   direitos   naturais   de   cada   homem   não   tem   limites   senão   aqueles   que  
asseguram   aos   outros   membros   da   sociedade   o   gozo   dos   mesmos   direitos.   Estes  
limites  só  podem  ser  determinados  pela  lei.  
Art.  5º.  A  lei  não  tem  o  direito  de  proibir  senão  as  ações  nocivas  à  sociedade.  Tudo  que  
não  é  vedado  pela  lei  não  pode  ser  obstado  e  ninguém  pode  ser  constrangido  a  fazer  o  
que  ela  não  ordene.  
Art.   6º.  A   lei   é   a   expressão   da   vontade   geral.   Todos   os   cidadãos   têm   o   direito   de  
concorrer,  pessoalmente  ou  através  de  mandatários,  para  a  sua  formação.  Ela  deve  ser  
a  mesma  para  todos,  seja  para  proteger,  seja  para  punir.  Todos  os  cidadãos  são  iguais  
a   seus   olhos   e   igualmente   admissíveis   a   todas   as   dignidades,   lugares   e   empregos  
públicos,   segundo   a   sua   capacidade   e   sem   outra   distinção  que   não   seja   a   das   suas  
virtudes  e  dos  seus  talentos.  
Art.   7º.  Ninguém   pode   ser   acusado,   preso   ou   detido,   senão   nos   casos   determinados  
pela   lei   e   de   acordo   com   as   formas   por   esta   prescritas.   Os   que   solicitam,   expedem,  
executam   ou   mandam   executar   ordens   arbitrárias   devem   ser   punidos;   mas   qualquer  
cidadão   convocado   ou   detido   em   virtude   da   lei   deve   obedecer   imediatamente,   caso  
contrário  torna-­‐se  culpado  de  resistência.  
Art.   8º.  A   lei   apenas   deve   estabelecer   penas   estrita   e   evidentemente   necessárias   e  
ninguém  pode  ser  punido  senão  por  força  de  uma  lei  estabelecida  e  promulgada  antes  
do  delito  e  legalmente  aplicada.  
Art.   9º.  Todo   acusado   é   considerado   inocente   até   ser   declarado   culpado   e,   se   julgar  
indispensável  prendê-­‐lo,  todo  o  rigor  desnecessário  à  guarda  da  sua  pessoa  deverá  ser  
severamente  reprimido  pela  lei.  
Art.  10º.  Ninguém  pode  ser  molestado  por  suas  opiniões,  incluindo  opiniões  religiosas,  
desde  que  sua  manifestação  não  perturbe  a  ordem  pública  estabelecida  pela  lei.  
Art.   11º.  A   livre   comunicação   das   ideias   e   das   opiniões   é   um   dos   mais   preciosos  
direitos  do  homem.  Todo  cidadão  pode,  portanto,  falar,  escrever,  imprimir  livremente,  
respondendo,  todavia,  pelos  abusos  desta  liberdade  nos  termos  previstos  na  lei.  
Art.   12º.  A   garantia   dos   direitos   do   homem   e   do   cidadão   necessita   de   uma   força  
pública.   Esta   força   é,   pois,   instituída   para   fruição   por   todos,   e   não   para   utilidade  
particular  daqueles  a  quem  é  confiada.  
Art.   13º.  Para   a   manutenção   da   força   pública   e   para   as   despesas   de   administração   é  
indispensável   uma   contribuição   comum   que   deve   ser   dividida   entre   os   cidadãos   de  
acordo  com  suas  possibilidades.  
Art.   14º.  Todos   os   cidadãos   têm   direito   de   verificar,   por   si   ou   pelos   seus  
representantes,   a   necessidade   da   contribuição   pública,   de   consenti-­‐la   livremente,   de  
observar  o  seu  emprego  e  de  lhe  fixar  a  repartição,  a  coleta,  a  cobrança  e  a  duração.  
Art.   15º.  A   sociedade   tem   o   direito   de   pedir   contas   a   todo   agente   público   pela   sua  
administração.  
Art.   16.º  A   sociedade   em   que   não   esteja   assegurada   a   garantia   dos   direitos   nem  
estabelecida  a  separação  dos  poderes  não  tem  Constituição.  
Art.  17.º  Como  a  propriedade  é  um  direito  inviolável  e  sagrado,  ninguém  dela  pode  ser  
privado,  a  não  ser  quando  a  necessidade  pública  legalmente  comprovada  o  exigir  e  sob  
condição  de  justa  e  prévia  indenização.  
ANEXO  II  

DECLARAÇÃO  UNIVERSAL  DOS  DIREITOS  HUMANOS    


Adotada  e  proclamada  pela  Resolução  nº  217  A  (III)  
da    Assembleia  Geral  das  Nações  Unidas  em  10  de  dezembro  de  1948.  

Preâmbulo  

Considerando   que   o   reconhecimento   da   dignidade   inerente   a   todos   os  


membros  da  família  humana  e  de  seus  direitos  iguais  e  inalienáveis  é  o  fundamento  da  
liberdade,  da  justiça  e  da  paz  no  mundo,  

Considerando   que   o   desprezo   e   o   desrespeito   pelos   direitos   humanos  


resultaram   em   atos   bárbaros   que   ultrajaram   a   consciência   da   humanidade   e   que   o  
advento  de  um  mundo  em  que  os  homens  gozem  de  liberdade  de  palavra,  de  crença  e  
da   liberdade   de   viverem   a   salvo   do   temor   e   da   necessidade   foi   proclamado   como   a  
mais  alta  aspiração  do  homem  comum,    

Considerando  essencial  que  os  direitos  humanos  sejam  protegidos  pelo  Estado  
de   Direito,   para   que   o   homem   não   seja   compelido,   como   último   recurso,   à   rebelião  
contra  tirania  e  a  opressão,    

Considerando   essencial   promover   o   desenvolvimento   de   relações   amistosas  


entre  as  nações,    

Considerando   que   os   povos   das   Nações   Unidas   reafirmaram,   na   Carta,   sua   fé  


nos  direitos  humanos  fundamentais,  na  dignidade  e  no  valor  da  pessoa  humana  e  na  
igualdade   de   direitos   dos   homens   e   das   mulheres,   e   que   decidiram   promover   o  
progresso  social  e  melhores  condições  de  vida  em  uma  liberdade  mais  ampla,    
Considerando  que  os  Estados-­‐Membros  se  comprometeram  a  desenvolver,  em  
cooperação   com   as   Nações   Unidas,   o   respeito   universal   aos   direitos   humanos   e  
liberdades  fundamentais  e  a  observância  desses  direitos  e  liberdades,  

Considerando  que  uma  compreensão  comum  desses  direitos  e  liberdades  é  da  


mais  alta  importância  para  o  pleno  cumprimento  desse  compromisso,    

A  Assembleia    Geral  proclama    

A  presente  Declaração  Universal  dos  Diretos  Humanos  como  o  ideal  comum  a  


ser   atingido   por   todos   os   povos   e   todas   as   nações,   com   o   objetivo   de   que   cada  
indivíduo   e   cada   órgão   da   sociedade,   tendo   sempre   em   mente   esta   Declaração,   se  
esforce,  através  do  ensino  e  da  educação,  por  promover  o  respeito  a  esses  direitos  e  
liberdades,  e,  pela  adoção  de  medidas  progressivas  de  caráter  nacional  e  internacional,  
por   assegurar   o   seu   reconhecimento   e   a   sua   observância   universais   e   efetivos,   tanto  
entre  os  povos  dos  próprios  Estados-­‐Membros,  quanto  entre  os  povos  dos  territórios  
sob  sua  jurisdição.        

Artigo  I  

Todas  as  pessoas  nascem  livres  e  iguais  em  dignidade  e  direitos.  São  dotadas  de  
razão     e   consciência   e   devem   agir   em   relação   umas   às   outras   com   espírito   de  
fraternidade.    

Artigo  II  

Toda   pessoa   tem   capacidade   para   gozar   os   direitos   e   as   liberdades  


estabelecidos  nesta  Declaração,  sem  distinção  de  qualquer  espécie,  seja  de  raça,  cor,  
sexo,  língua,  religião,  opinião  política  ou  de  outra  natureza,  origem  nacional  ou  social,  
riqueza,  nascimento,  ou  qualquer  outra  condição.    
Artigo  III  

Toda  pessoa  tem  direito  à  vida,  à  liberdade  e  à  segurança  pessoal.  

Artigo  IV  

Ninguém  será  mantido  em  escravidão  ou  servidão,  a  escravidão  e  o  tráfico  de  
escravos  serão  proibidos  em  todas  as  suas  formas.  

Artigo  V  

Ninguém   será   submetido   à   tortura,   nem   a   tratamento   ou   castigo   cruel,  


desumano  ou  degradante.  

Artigo  VI  

Toda   pessoa   tem   o   direito   de   ser,   em   todos   os   lugares,   reconhecida   como  


pessoa  perante  a  lei.  

Artigo    VII  

Todos   são   iguais   perante   a   lei   e   têm   direito,   sem   qualquer   distinção,   a   igual  
proteção  da  lei.  Todos  têm  direito  a  igual  proteção  contra  qualquer  discriminação  que  
viole  a  presente  Declaração  e  contra  qualquer  incitamento  a  tal  discriminação.  

Artigo  VIII  

Toda  pessoa  tem  direito  a  receber  dos  tributos  nacionais  competentes  remédio  
efetivo  para  os  atos  que  violem  os  direitos  fundamentais  que  lhe  sejam  reconhecidos  
pela  constituição  ou  pela  lei.    
Artigo  IX  

Ninguém  será  arbitrariamente  preso,  detido  ou  exilado.    

Artigo  X  

Toda  pessoa  tem  direito,  em  plena  igualdade,  a  uma  audiência  justa  e  pública  
por   parte   de   um   tribunal   independente   e   imparcial,   para   decidir   de   seus   direitos   e  
deveres  ou  do  fundamento  de  qualquer  acusação  criminal  contra  ele.    

Artigo  XI  

1.   Toda   pessoa   acusada   de   um   ato   delituoso   tem   o   direito   de   ser   presumida  


inocente   até   que   a   sua   culpabilidade   tenha   sido   provada   de   acordo   com   a   lei,   em  
julgamento   público   no   qual   lhe   tenham   sido   asseguradas   todas   as   garantias  
necessárias  à  sua  defesa.    

2.   Ninguém   poderá   ser   culpado   por   qualquer   ação   ou   omissão   que,   no  


momento,   não   constituíam   delito   perante   o   direito   nacional   ou   internacional.  
Tampouco  será  imposta  pena  mais  forte  do  que  aquela  que,  no  momento  da  prática,  
era  aplicável  ao  ato  delituoso.  

Artigo  XII  

Ninguém  será  sujeito  a  interferências  na  sua  vida  privada,  na  sua  família,  no  seu  
lar  ou  na  sua  correspondência,  nem  a  ataques  à  sua  honra  e  reputação.  Toda  pessoa  
tem  direito  à  proteção  da  lei  contra  tais  interferências  ou  ataques.  

Artigo  XIII  
                1.   Toda   pessoa   tem   direito   à   liberdade   de   locomoção   e   residência   dentro   das  
fronteiras  de  cada  Estado.  

                2.  Toda  pessoa  tem  o  direito  de  deixar  qualquer  país,  inclusive  o  próprio,  e  a  este  
regressar.  

Artigo  XIV  

                1.  Toda  pessoa,  vítima  de  perseguição,  tem  o  direito  de  procurar  e  de  gozar  asilo  
em  outros  países.  

                2.   Este   direito   não   pode   ser   invocado   em   caso   de   perseguição   legitimamente  


motivada   por   crimes   de   direito   comum   ou   por   atos   contrários   aos   propósitos   e  
princípios  das  Nações  Unidas.  

Artigo  XV  

               1.  Toda  pessoa  tem  direito  a  uma  nacionalidade.  

                2.   Ninguém   será   arbitrariamente   privado   de   sua   nacionalidade,   nem   do   direito   de  


mudar  de  nacionalidade.  

Artigo  XVI  

                1.   Os   homens   e   mulheres   de   maior   idade,   sem   qualquer   restrição   de   raça,  


nacionalidade  ou  religião,  têm  o  direito  de  contrair  matrimônio  e  fundar  uma  família.  
Gozam   de   iguais   direitos   em   relação   ao   casamento,   sua   duração   e   sua   dissolução.    
                2.   O   casamento   não   será   válido   senão   com   o   livre   e   pleno   consentimento   dos  
nubentes.  

Artigo  XVII  
               1.  Toda  pessoa  tem  direito  à  propriedade,  só  ou  em  sociedade  com  outros.          
               2.  Ninguém  será  arbitrariamente  privado  de  sua  propriedade.  

Artigo  XVIII  

Toda   pessoa   tem   direito   à   liberdade   de   pensamento,   consciência   e   religião;  


este   direito   inclui   a   liberdade   de   mudar   de   religião   ou   crença   e   a   liberdade   de  
manifestar   essa   religião   ou   crença,   pelo   ensino,   pela   prática,   pelo   culto   e   pela  
observância,  isolada  ou  coletivamente,  em  público  ou  em  particular.  

Artigo  XIX  

Toda  pessoa  tem  direito  à  liberdade  de  opinião  e  expressão;  este  direito  inclui  a  
liberdade   de,   sem   interferência,   ter   opiniões   e   de   procurar,   receber   e   transmitir  
informações  e  ideias  por  quaisquer  meios  e  independentemente  de  fronteiras.  

Artigo  XX  

               1.  Toda  pessoa  tem  direito  à    liberdade  de  reunião  e  associação  pacíficas.          
               2.  Ninguém  pode  ser  obrigado  a  fazer  parte  de  uma  associação.  

Artigo  XXI  

                1.   Toda   pessoa   tem   o   direito   de   tomar   parte   no   governo   de   seu   país,   diretamente  
ou  por  intermédio  de  representantes  livremente  escolhidos.    

               2.  Toda  pessoa  tem  igual  direito  de  acesso  ao  serviço  público  do  seu  país.    

                3.  A  vontade  do  povo  será  a  base     da  autoridade  do  governo;  esta  vontade  será  
expressa  em  eleições  periódicas  e  legítimas,  por  sufrágio  universal,  por  voto  secreto  ou  
processo  equivalente  que  assegure  a  liberdade  de  voto.  
 

Artigo  XXII  

Toda   pessoa,   como   membro   da   sociedade,   tem   direito   à   segurança   social   e   à  


realização,   pelo   esforço   nacional,   pela   cooperação   internacional   e   de   acordo   com   a  
organização   e   recursos   de   cada   Estado,   dos   direitos   econômicos,   sociais   e   culturais  
indispensáveis  à  sua  dignidade  e  ao  livre  desenvolvimento  da  sua  personalidade.  

Artigo  XXIII  

                1.  Toda  pessoa  tem  direito  ao  trabalho,  à  livre  escolha  de  emprego,  a  condições  
justas  e  favoráveis  de  trabalho  e  à  proteção  contra  o  desemprego.    

               2.  Toda  pessoa,  sem  qualquer  distinção,  tem  direito  a  igual  remuneração  por  igual  
trabalho.    

                3.  Toda  pessoa  que  trabalhe  tem  direito  a  uma  remuneração  justa  e  satisfatória,  
que   lhe   assegure,   assim   como   à   sua   família,   uma   existência   compatível   com   a  
dignidade   humana,   e   a   que   se   acrescentarão,   se   necessário,   outros   meios   de   proteção  
social.          
                4.  Toda  pessoa  tem  direito  a  organizar  sindicatos  e  neles  ingressar  para  proteção  
de  seus  interesses.  

Artigo  XXIV  

Toda   pessoa   tem   direito   a   repouso   e   lazer,   inclusive   a   limitação   razoável   das  
horas  de  trabalho  e  férias  periódicas  remuneradas.  
Artigo  XXV  

                1.  Toda  pessoa  tem  direito  a  um  padrão  de  vida  capaz  de  assegurar  a  si  e  a  sua  
família   saúde   e   bem-­‐estar,   inclusive   alimentação,   vestuário,   habitação,   cuidados  
médicos   e   os   serviços   sociais   indispensáveis,   e   direito   à   segurança   em   caso   de  
desemprego,   doença,   invalidez,   viuvez,   velhice   ou   outros   casos   de   perda   dos   meios   de  
subsistência  fora  de  seu  controle.      

               2.  A  maternidade  e  a  infância  têm  direito  a  cuidados  e  assistência  especiais.  Todas  


as  crianças  nascidas  dentro  ou  fora  do  matrimônio  gozarão  da  mesma  proteção  social.  

Artigo  XXVI  

                1.  Toda  pessoa  tem  direito  à  instrução.  A  instrução  será  gratuita  pelo  menos  nos  
graus  elementares  e  fundamentais.  A  instrução  elementar  será  obrigatória.  A  instrução  
técnico-­‐profissional   será   acessível   a   todos,   bem   como   a   instrução   superior,   esta  
baseada  no  mérito.      

                2.   A   instrução   será   orientada   no   sentido   do   pleno   desenvolvimento   da  


personalidade  humana  e  do  fortalecimento  do  respeito  pelos  direitos  humanos  e  pelas  
liberdades   fundamentais.   A   instrução   promoverá   a   compreensão,   a   tolerância   e   a  
amizade   entre   todas   as   nações   e   grupos   raciais   ou   religiosos,   e   coadjuvará   as  
atividades  das  Nações  Unidas  em  prol  da  manutenção  da  paz.    

                3.  Os  pais  têm  prioridade  de  direito  na  escolha  do  gênero  de  instrução  que  será  
ministrada  a  seus  filhos.  

Artigo  XXVII  
                1.   Toda   pessoa   tem   o   direito   de   participar   livremente   da   vida   cultural   da  
comunidade,   de   fruir   as   artes   e   de   participar   do   processo   científico   e   de   seus  
benefícios.      
                2.   Toda   pessoa   tem   direito   à   proteção   dos   interesses   morais   e   materiais  
decorrentes  de  qualquer  produção  científica,  literária  ou  artística  da  qual  seja  autor.  

Artigo  XVIII  

Toda   pessoa   tem   direito   a   uma   ordem   social   e   internacional   em   que   os   direitos  
e    liberdades  estabelecidos  na  presente  Declaração  possam  ser  plenamente  realizados.  

Artigo  XXIV  

                1.   Toda   pessoa   tem   deveres   para   com   a   comunidade,   em   que   o   livre   e   pleno  
desenvolvimento  de  sua  personalidade  é  possível.  

                2.   No   exercício   de   seus   direitos   e   liberdades,   toda   pessoa   estará   sujeita   apenas   às  


limitações   determinadas   pela   lei,   exclusivamente   com   o   fim   de   assegurar   o   devido  
reconhecimento  e  respeito  dos  direitos  e  liberdades  de  outrem  e  de  satisfazer  às  justas  
exigências  da  moral,  da  ordem  pública  e  do  bem-­‐estar  de  uma  sociedade  democrática.    

                3.   Esses   direitos   e   liberdades   não   podem,   em   hipótese   alguma,   ser   exercidos  


contrariamente  aos  propósitos  e  princípios  das  Nações  Unidas.  

Artigo  XXX  

Nenhuma   disposição   da   presente   Declaração   pode   ser   interpretada   como   o  


reconhecimento   a   qualquer   Estado,   grupo   ou   pessoa,   do   direito   de   exercer   qualquer  
atividade  ou  praticar  qualquer  ato  destinado  à  destruição     de  quaisquer  dos  direitos  e  
liberdades  aqui  estabelecidos.  
ANEXO  III  

Jusnaturalismo  

   

I.   VÁRIAS   FORMAS   DA   DOUTRINA   DO   DIREITO   NATURAL:   O   Jusnaturalismo   é   uma  


doutrina   segundo   a   qual   existe   e   pode   ser   conhecido   um   "direito   natural"   (ius  
naturale),  ou  seja,  um  sistema  de  normas  de  conduta  intersubjetiva  diverso  do  sistema  
constituído  pelas  normas  fixadas  pelo  Estado  (direito  positivo).  Este  direito  natural  tem  
validade   em   si,   é   anterior   e   superior   ao   direito   positivo   e,   em   caso   de   conflito,   é   ele  
que   deve   prevalecer.   O   Jusnaturalismo   é,   por   isso,   uma   doutrina   antitética   à   do  
"positivismo   jurídico",   segundo   a   qual   só   há   um   direito,   o   estabelecido   pelo   Estado,  
cuja   validade   independe   de   qualquer   referência   a   valores   éticos.   Às   vezes   o   termo   é  
reservado,   por   antonomásia,   a   doutrinas   que   possuem   algumas   características  
específicas  comuns,  de  que  se  falará  a  seguir,  e  que  defenderam  as  mesmas  teses  nos  
séculos   XVII   e   XVIII:   tanto   que   se   gerou   a   opinião   errônea   de   que   a   doutrina   do   direito  
natural  teve  a  sua  origem  apenas  nesse  período.    
Jusnaturalismo   é   uma   expressão   perigosamente   equívoca,   porque   o   seu  
significado,  tanto  filosófico  como  político,  se  revela  assaz  diverso  consoante  às  várias  
concepções  do  direito  natural.  Na  história  da  filosofia  jurídico-­‐política  aparecem,  pelo  
menos,   três   versões   fundamentais,   também   com   suas   variantes:   a   de   uma   lei  
estabelecida  por  vontade  da  divindade  e  por  esta  revelada  aos  homens;  a  de  uma  lei  
"natural"  em  sentido  estrito,  fisicamente  conatural  a  todos  os  seres  animados  à  guisa  
de  instinto;  finalmente,  a  de  uma  lei  ditada  pela  razão,  específica  portanto  do  homem  
que   a   encontra   autonomamente   dentro   de   si.   São   concepções   heterogêneas   e,   sob  
certos   aspectos,   contrastantes,   mesmo   que   às   vezes   coexistam   em   doutrinas  
particulares,  como  as  panteísticas,  que  identificam  divindade,  natureza  física  e  razão.  
Todas   partilham,   porém,   da   ideia   comum   de   um   sistema   de   normas   logicamente  
anteriores   e   eticamente   superiores   às   do   Estado,   a   cujo   poder   fixam   um   limite  
intransponível:   as   normas   jurídicas   e   a   atividade   política   dos   Estados,   das   sociedades   e  
dos  indivíduos  que  se  oponham  ao  direito  natural,  qualquer  que  seja  o  modo  como  for  
concebido,  são  consideradas  pelas  doutrinas  jusnaturalistas  como  ilegítimas,  podendo  
ser  desobedecidas  pelos  cidadãos.    
 
III.  ORIGEM  DO  JUSNATURALISMO  MODERNO.  Na  realidade,  a  doutrina  tomística  da  lei  
natural  não  fazia  senão  repetir,  embora  inserindo-­‐a  em  moldes  teológicos,  a  doutrina  
estóico-­‐ciceroniana   da   lei   "verdadeira"   enquanto   racional.   E,   mesmo   que   um   lugar-­‐
comum   historiográfico   demasiado   difuso   afirme   o   contrário,   vai   prevalecendo   hoje   a  
opinião   de   que   o   Jusnaturalismo   moderno   (que   assumiu,   principalmente   no   século  
XVIII,  características  acentuadamente  laicas  e,  no  campo  político,  liberais)  procede,  em  
grande   parte,   da   doutrina   estóico-­‐ciceroniana   do   direito   natural,   propagada  
justamente  graças  à  acolhida  que  lhe  dispensou  o  tomismo.  Isso  se  deu,  sobretudo,  na  
medida  em  que  a  corrente  tomista  se  opôs  energicamente,  a  partir  do  século  XIV,  mas  
principalmente   no   século   XVI,   no   tempo   da   Reforma,   ao   voluntarismo   teológico  
inspirado  nas  teses  de  Guilherme  de  Occam,  que  punha  como  fonte  primeira  de  toda  
norma   de   conduta   e   como   fonte   de   legitimidade   da   autoridade   política   a   vontade  
divina   e,   consequentemente,   a   Sagrada   Escritura.   Entre   o   voluntarismo   e   o  
Jusnaturalismo   de   inspiração   tomística,   os   teólogos   juristas   espanhóis   do   século   XVI  
(entre  eles,  o  maior  de  todos,  Francisco  Suárez),  que  trataram  amplamente  do  direito  
natural,  tentaram,  em  geral,  uma  mediação.    
Foi   justamente   em   polêmica   com   o   voluntarismo   das   alas   extremas   do  
calvinismo   que   nasceu   a   doutrina   usualmente   considerada   como   origem   do  
Jusnaturalismo   moderno,   a   doutrina   do   holandês   Hugo   Grócio   (Huig   de   Groot),  
enunciada   no   De   iure   belli   ac   pacis   de   1625.   Nesta   obra,   ao   pôr   o   direito   natural   como  
fundamento   de   um   direito   que   pudesse   ser   reconhecido   como   válido   por   todos   os  
povos   (aquilo   que   virá   a   ser   o   direito   internacional),   Grócio   afirmou   que   tal   direito   é  
ditado  pela  razão,  sendo  independente  não  só  da  vontade  de  Deus  como  também  da  
sua  própria  existência.  Esta  afirmação,  tornada  famosíssima,  surgiu  na  época  iluminista  
como   revolucionária   e   precursora   da   nova   cultura   laica   e   antiteológica   a   que   o  
Jusnaturalismo  de  Grócio  teria  aberto  o  caminho  no  campo  da  moral,  do  direito  e  da  
política.   Com   efeito,   a   doutrina   de   Grócio   atuou   historicamente   em   tal   sentido,  
embora   a   tese   da   independência   da   lei   natural   em   relação   a   Deus   repetisse   velhas  
fórmulas   escolásticas   ligadas   à   polêmica   entre   o   Jusnaturalismo   racionalista   e   o  
voluntarismo   e   remontasse   nada   menos   que   ao   imperador   romano   Marco   Aurélio,  
seguidor  da  filosofia  estóica.    
No  século  XVII,  a  obra  de  Grócio,  graças  também  à  sua  atualidade  como  tratado  
sistemático   de   direito   internacional   e   à   fama   que,   como   tal,   obteve   em   toda   a   Europa,  
difundiu   com   grande   eficácia   a   ideia   de   um   direito   "natural",   ou   seja,   "não  
sobrenatural",   um   direito   que   tinha   a   sua   fonte   exclusiva   de   validade   na   sua  
conformidade   com   a   razão   humana.   Este   conceito   do   direito   natural   influiu  
profundamente   na   difusão   da   ideia   da   necessidade   de   lhe   adequar   o   direito   positivo   e  
a   Constituição   política   dos   Estados,   bem   como   a   da   legitimidade   da   desobediência   e  
resistência  às  leis  e  Constituições  que  não  se  lhe  adaptassem.  Aliás,  esta  tendência  se  
desenvolveu   também   à   margem   da   influência   direta   do   Jusnaturalismo   inspirado   por  
Grócio   ou   dele   derivado   e   tendo-­‐se   encontrado   na   Inglaterra   com   a   antiga   tradição  
constitucionalista   do   país   (v.   CONSTITUCIONALISMO),   que   já   havia   estabelecido  
limitações  ao  poder  real,  achou  uma  forma  precisa  nos  dois  tratados  sobre  o  Governo  
de   Locke,   escritos   em   torno   de   1680   e   publicados   em   1690.   Além   disso,   o  
Jusnaturalismo   do   século   XVII,   tanto   quanto   o   fora   para   Grócio,   foi   também   de   grande  
importância,   como   fundamento   teórico,   para   o   direito   internacional:   quase   todos   os  
tratados   de   direito   internacional   daquele   tempo   têm   por   título:   Do   direito   natural   e  
das  gentes.    
IV.   CARACTERÍSTICAS   DO   JUSNATURALISMO   MODERNO.   Está   muito   estendida   a  
opinião   de   que   entre   o   Jusnaturalismo   antigo-­‐medieval   e   o   Jusnaturalismo   moderno  
existe   uma   profunda   oposição:   o   primeiro   constituiria   uma   teoria   do   direito   natural  
como   norma   objetiva,   enquanto   que   o   segundo   seria   exclusivamente   uma   teoria   de  
direitos   subjetivos,   de   faculdades.   Na   realidade,   entre   o   Jusnaturalismo   antigo,  
medieval   e   moderno   não   existe   qualquer   fratura,   existe   antes   uma   substancial  
continuidade.   É   certo,   no   entanto,   que   o   Jusnaturalismo   moderno   ressalta   fortemente  
o  aspecto  subjetivo  do  direito  natural,  ou  seja,  os  direitos  inatos,  deixando  obumbrado  
seu   correspondente   aspecto   objetivo,   o   da   norma,   em   que   haviam   geralmente  
insistido  os  jusnaturalistas  antigos  e  medievais  e  até  o  próprio  Grócio.  É  precisamente  
devido   a   esta   sua   característica   que   o   Jusnaturalismo   moderno,   isto   é,   o   dos   séculos  
XVII  e  XVIII,  molda  profundamente  as  doutrinas  políticas  de  tendência  individualista  e  
liberal,   expondo   com   firmeza   a   necessidade   do   respeito   por   parte   da   autoridade  
política  daqueles  que  são  declarados  direitos  inatos  do  indivíduo.  O  próprio  Estado  é  
considerado   pelo   Jusnaturalismo   moderno   mais   como   obra   voluntária   dos   indivíduos  
do    
que   como   instituição   necessária   por   natureza,   que   era   o   que   ensinava   a   maior   parte  
das   doutrinas   clássicas   e   medievais.   Para   os   jusnaturalistas   modernos,   os   indivíduos  
abandonam   o   Estado   de   natureza   (diversamente   entendido,   mas   sempre   carente   de  
organização   política)   e   fazem   surgir   o   Estado   politicamente   organizado   e   dotado   de  
autoridade,  a  fim  de  que  sejam  melhor  tutelados  e  garantidos  os  seus  direitos  naturais;  
o  Estado  é  legítimo  na  medida  em  que  e  enquanto  cumpre  esta  função  essencial,  que  
lhe  foi  delegada  mediante  pacto  estipulado  entre  os  cidadãos  e  o  soberano  (contrato  
social).   Em   algumas   doutrinas   jusnaturalísticas   modernas,   o   individualismo   é   levado  
até  o  ponto  de  se  considerar  a  própria  sociedade  como  efeito  de  um  contrato  entre  os  
indivíduos;  o  contrato  social  se  desdobraria  assim  em  dois  momentos,  pacto  de  união  
e  pacto  de  sujeição.  Mas  isto  é  mais  raro  do  que  comumente  se  crê,  porque  também  
entre   os   jusnaturalistas   modernos   o   Estado   de   natureza   é   geralmente   representado  
como  uma  forma  de  sociedade;  mas  uma  sociedade  tão  precária  e  incerta  que  se  torna  
conveniente   sair   dessa   situação   para   fazer   surgir   uma   instituição   jurídico-­‐política  
organizada.    
  Direitos  inatos,  estado  de  natureza  e  contrato  social,  conquanto  diversamente  
entendidos  pelos  vários  escritores,  são  os  conceitos  característicos  do  Jusnaturalismo  
moderno;   acham-­‐se   de   tal   modo   presentes   em   todas   as   doutrinas   do   direito   natural  
dos   séculos   XVII   e   XVIII   que   se   pôde   falar   (na   verdade,   impropriamente)   de   uma  
"escola   do   direito   natural".   Isto   fez   com   que   muitos   reservassem   a   expressão  
Jusnaturalismo  para  as  doutrinas  deste  período  histórico.  E  foi  isto  também  que  criou  a  
opinião  errônea  de  que  a  ideia  do  direito  natural  nasceu  e  foi  cultivada  apenas  a  partir  
deste   período,   nomeadamente   desde   Grócio   em   diante.   Na   realidade,   as   teorias   dos  
diversos  jusnaturalistas  dos  séculos  XVII  e  XVIII  (entre  os  quais  podemos  lembrar,  além  
de   Grócio   e   Locke,   Milton,   Pufendorf,   Cumberland,   Tomás,   Barbeyrac,   Wolff,  
Burlamaqui,  Vattel,  em  posição  particular  Rousseau  e  Kant,  e  ainda,  na  primeira  fase  
do   seu   pensamento,   Fichte)   apresentam   diferenças   por   vezes   até   profundas;   os  
próprios   conceitos   de   estado   de   natureza   e   de   contrato   social   encontram-­‐se   aí  
configurados   de   modos   diversos.   Os   primeiros   desses   escritores   parecem   referir   tais  
conceitos   a   fatos   realmente   acontecidos,   enquanto   os   mais   tardios,   particularmente  
Rousseau  e  Kant,  os    
apresentam   como   meras   ideias,   aptas   para   explicar   racionalmente   a   realidade  
histórico-­‐política   e   para   estabelecer   em   relação   a   esta   um   termo   de   referência   e   de  
avaliação:  o  Estado  tem  a  sua  justificação  racional  (não  histórica)  no  contrato  que  lhe  é  
imanente  e  é  legítimo  na  medida  em  que  se  amolda  aos  termos  racionais  do  próprio  
contrato.   Por   outras   palavras,   o   Estado,   para   ser   legítimo,   devia   mostrar-­‐se   como   se  
em   cada   momento   da   sua   existência   nascesse   do   contrato.   É   certo   que   o  
Jusnaturalismo   dos   séculos   XVII   e   XVIII   pecou   gravemente   por   falta   de   sentido  
histórico:  não  só  ao  expor  como  eventos  realmente  acontecidos  meras  exigências  da  
razão,  mas  também  ao  entender  assim  o  que,  na  realidade,  eram  aspirações  políticas  e  
não  raro   econômicas   da   sociedade   da   época.   Por  outro  lado,  foi  justamente  o  havê-­‐las  
entendido   como   exigências   racionais   absolutas   que   deu   a   tais   aspirações   a   força  
necessária   para   que   fossem   satisfeitas.   O   ideal   jusnaturalístico   do   século   XVIII   teve  
assim  enormes  resultados  políticos:  foi  na  doutrina  do  direito  natural  que  se  inspirou  
—  conquanto  confluíssem  também  outros  elementos  históricos  e  doutrinais,  oriundos  
sobretudo  da  tradição  constitucionalista  inglesa  —  a  Declaração  da  Independência  dos  
Estados   Unidos   da   América   (1776),   onde   se   afirma   que   todos   os   homens   são  
possuidores   de   direitos   inalienáveis,   como   o   direito   à   vida,   à   liberdade   e   à   busca   da  
felicidade;   e   é   de   caráter   genuinamente   jusnaturalista   a   Declaração   dos   Direitos   do  
Homem   e   do   Cidadão   (1789)   que   constituiu   um   dos   primeiros   atos   da   Revolução  
Francesa   e   onde   se   proclamam   igualmente   como   "direitos   naturais"   a   liberdade,   a  
igualdade,  a  propriedade,  etc.    
 
FASSÒ,  Guido.  Jusnaturalismo.  In:  BOBBIO,  MATTEUCCI,  PASQUINO  (Orgs.).  Dicionário  
de  política.  Brasília,  DF:  UnB,  1998.  
 
Sugerimos  ler  o  verbete  jusnaturalismo  completo.    
O  dicionário  está  acessível  para  download  gratuito  no  site:    
http://search.4shared.com/postDownload/XskicYK2/dicionario_de_politica_-­‐_norbe.html  
 
ANEXO  IV  

Promoção  da  igualdade  e  valorização  da  diversidade:    

combate  ao  preconceito  e  à  discriminação  

 
Módulo  II  –  Conselhos  dos  Direitos  no  Brasil  

Para   falar   de   igualdade   é   importante   pensar   sobre   a   instituição   das   categorias   para  
criação   das   diferenças   e   o   uso   político   destas   para   o   exercício   do   poder.  
A   diferença   compreendida   como   constituidora   da   diversidade   humana   é   bela,  
enriquece  a  vida  humana  e  afirma  cada  ser  na  sua  singularidade.  

No  entanto,  a  conversão  das  diferenças  de  gênero,  raça/etnia,  deficiência  e  orientação  


sexual,   entre   outras,   em   desigualdades   são   construções   históricas   geradas   pela  
humanidade  ao  longo  de  sua  história  de  uso  do  poder.  As  ciências,  voltando  um  pouco  
no  tempo,  nos  últimos  séculos,  vão  pensar  e  falar  em  torno  de  um  sujeito  abstrato  e  
universal,   como   representação   de   toda   a   humanidade.   Um   sujeito   nos   moldes   das  
propostas  das  verdades  ocidentais  –  homem,  adulto,  branco,  heterossexual  e  cristão.  

Esse  modelo  passa  a  ser  o  centro  de  todos  os  discursos,  filosóficos,  religiosos,  médicos,  
jurídicos,   científicos,   etc.,   reafirmando-­‐o.   Nossa   forma   de   pensar   e   de   falar,   ou   seja,  
nossa   linguagem   e   nosso   imaginário   foram   aos   poucos   construídos   em   torno   desse  
centro,   desse   modelo   universal   de   humano.   Assim,   o   que   não   corresponde   a   ele,  
rapidamente  foi  conduzido  à  condição  de  “outro”,  ou  seja,  desqualificado.  

Nesse   contexto,   construíram-­‐se   categorias   de   sujeitos   que,   por   estarem   na   condição  


de   diferentes,   encontram-­‐se   em   situação   de   maior   vulnerabilidade,   como   crianças   e  
adolescentes,   mulheres,   negros(as),   pessoas   com   deficiência,   de   orientação   sexual   e  
religiosa  distintas,  dentre  outras.    

Os  movimentos  sociais,   como  já   mencionado   anteriormente,   foram   importantíssimos  


para   a   mudança   dessas   relações,   propondo   reivindicação   de   espaços,   reformulação   de  
leis,  igualdade  de  direitos.  Exemplo  desse  tipo  de  ação  são  os  movimentos  feministas,  
movimento   negro,   o   movimento   pelos   direitos   das   pessoas   com   deficiência,   o  
movimento   de   gays,   lésbicas,   travestis,   transexuais   e   bissexuais,   o   movimento   pelos  
direitos  das  crianças,  dos  adolescentes,  dos  idosos  e  o  movimento  por  um  Estado  laico.  
Esses  tiveram  importante  papel  para  a  transformação  das  concepções  sobre  o  sujeito  
universal  e  trazendo  esses  ‘novos  sujeitos’  para  a  luz  do  reconhecimento  social.  

A   luta   por   direitos   humanos   trouxe,   por   um   lado,   uma   série   de   conquistas   destes  
direitos   afirmados   em   nossa   legislação.   Entretanto,   a   conquista   destes   direitos   na   lei  
não   foi   suficiente   para   alterar   a   realidade   de   discriminação   e   de   preconceito,  
construída  historicamente  e  que  se  encontra  inserida  na  cultura  e  na  mentalidade  de  
nossa  sociedade  e  presente  no  cotidiano  de  violações  destes  direitos.  

Para   efeito   didático,   diferenciamos   aqui   preconceito   e   discriminação.   Podemos  


compreender  discriminação  no  campo  da  desigualdade  e,  portanto,  seu  contraponto  é  
a  luta  pela  igualdade  de  direitos.  Já  o  preconceito  está  no  campo  da  intolerância,  da  
dificuldade   de   conviver   com   o   diferente   e   seu   contraponto   seria   a   afirmação   da  
diversidade,  o  direito  à  diferença,  com  igualdade  de  direitos.  

Preconceito   é,   tanto   para   as   diversas   linhas   da   sociologia   e   da   psicologia,   categoria  


cognitiva,   é   atitude,   implica   em   emoções,   sentimentos   negativos   ou   de   desconforto  
diante   daquilo   ou   daqueles   que   são   considerados   diferentes.  É   relacionado   aos  
valores,  à  tradição  cultural  e  à  construção  de  mentalidades.  E,  portanto,  o  seu  combate  
exige  outros  tipos  de  iniciativas  distintas,  exige  a  construção  de  estratégias  e  ações  que  
visem  interferir  nestes  valores,  implica  em  esferas  diferentes  de  ação.  Preconceito  não  
se   manifesta   necessariamente   em   ação   concreta,   pode   “estar   guardado”,   como  
questiona  a  campanha  “onde  você  guarda  o  seu  preconceito?”  

A   discriminação   é   ação   concreta   que   implica   em   tratamento   que   desconsidera   as  


necessidades   e   especificidades   dos   sujeitos   concretos.   Para   ações   de   discriminação   a  
lei   prevê   sanções,   punições,   obrigatoriedades.   Eu   não   posso   discriminar   negros,  
mulheres,   crianças,   homossexuais   ou   deficientes   porque   são   diferentes   do   sujeito  
construído  historicamente  “homem,  branco,  adulto,  heterossexual,  sem  deficiência”.  A  
lei  proíbe  qualquer  tipo  de  discriminação  e  prevê  mecanismos  para  coibi-­‐las.  Portanto,  
planejar  o  combate  às  discriminações  exige  ações  concretas  com  amparo  legal.  

No   entanto,   o   preconceito   é   abstrato,   invisível,   composto   de   valores   e   culturas.   São  


valores  que  necessitam  de  ações  específicas  e  coletivas  para  que  se  rompa  com  a  visão  
de  mundo  baseada  no  preconceito  e  se  construa  uma  cultura  da  convivência  e  respeito  
às  diferenças.  

Uma  pessoa  pode  ter  preconceito  com  relação  a  idosos  e  assim  mesmo  ceder  seu  lugar  
no   ônibus,   em   função   da   pressão   social   ou   de   um   imperativo   legal.   Bem   como   uma  
instituição   pode   não   ter   preconceito   com   relação   a   pessoas   com   necessidades  
especiais   e   simplesmente   construir   uma   escola   sem   condições   de   acessibilidade   para  
cadeirantes   aos   banheiros,   como   acontece   em   inúmeras   escolas   em   que   há   rampas   de  
acesso   para   as   salas,   mas   não   é   possível   acesso   aos   banheiros.   É   necessário   agir  
legalmente   diante   de   ações   discriminatórias   e   de   ações   coletivas   que   interfiram   nas  
concepções  e  valores  das  pessoas.  

Isto   é,   para   alcançar   eficiência   na   luta   por   igualdade   de   direitos   e   valorização   da  


diversidade  humana,  os  conselhos  devem  considerar  a  necessidade  de  ações  distintas  
e  estratégias  diferenciadas.  O  combate  à  discriminação  exige  medida  legal,  enquanto  o  
combate  ao  preconceito  exige  ações  no  campo  da  educação,  da  cultura,  da  mudança  
de  mentalidades  e  valores.  

O   mesmo   é   similar   para   as   instituições.   Nesse   sentido,   mesmo   que   a   organização  


política   e   burocrática   das   instituições   não   seja   preconceituosa   (pois   não   têm  
capacidade  cognitiva),  pode  possuir  mecanismos  internos  de  discriminação.  Basta  citar  
diversos   exemplos   em   que   isso   ocorre.   Como   a   manutenção   de   crianças   negras  
durante  mais  tempo  nas  primeiras  séries  do  ensino  fundamental.  Condições  sanitárias  
mais   precárias,   onde   vivem   crianças   negras   e   pobres,   se   comparada   com   crianças  
brancas  com  as  mesmas  condições  financeiras.  São  ainda  mais  distintas  se  comparadas  
com  crianças  brancas  e  ricas.  

As  últimas  décadas  do  século  XX  foram  marcadas  por  grandes  mobilizações  de  todos  os  
segmentos  mais  atingidos  pelo  preconceito  e  discriminação.  A  bandeira  da  igualdade  e  
o   reconhecimento   da   diversidade   como   direito   foi   a   principal   pauta   introduzida   pelo  
conjunto  destes  movimentos  que  conquistaram,  já  na  Constituição  de  1988,  a  inclusão  
de   alguns   artigos   para   a   garantia   desses   direitos   e   criação   de   mecanismos   de  
exigibilidade  e  de  deliberação  e  controle  de  políticas  de  promoção  de  direitos.  

A  criação  dos  conselhos  temáticos  de  direitos  e  de  políticas  sociais,  como  por  exemplo,  
o   Conselho   Nacional   de   Combate   à   Discriminação   (CNDC),   o   Conselho   Nacional   de  
Promoção   da   Igualdade   Racial   (CNPIR),   o   Conselho   Nacional   dos   Direitos   da   Mulher  
(CNDM),  é  resultado  também  da  pressão  dos  movimentos  por  igualdade  de  direitos  e  
combate   à   discriminação.  O   Conanda,   em   2005,   colocou   pela   primeira   vez   na   pauta   da  
conferência  nacional  o  tema  específico  da  igualdade  e  diversidade.  Isto  significou  que  
todo   o   País   foi   convidado   a   discutir   os   direitos   de   crianças   e   adolescentes,  
considerando  o  direito  à  diferença.  

Assim,  a  ação  dos  conselheiros  deve  ser  nos  dois  sentidos.  Diante  de  um  preconceito  
praticado  pelos  indivíduos,  ou  na  prática  discriminatória  das  instituições,  tem  que  agir  
legalmente.  
A   violência   contra   os   fóruns   e/ou   focos   de   diversidades   leva   à   necessidade   de   atenção  
especial  face  às  práticas  de  violência,  como  a  violência  doméstica,  a  homofobia,  pois  
estas   situações   demandam   ações   de   promoção,   de   proteção   e   de   defesa   que  
promovam/valorizem  a  igualdade  e,  ao  mesmo  tempo,  mantenham  e  reconheçam  as  
diversidades.   As   violações   contra   os   direitos   humanos   geram   necessidades   de  
programas  de  defesa  de  direitos,  e  serviços  como  delegacias  especializadas,  programas  
que  respeitem  as  diferenças  diante  das  violações,  como  Brasil  sem  Homofobia,  as  Casa  
Abrigo,  os  Centro  de  Referência,  entre  outros.  

Uma   sociedade   democrática,   justa   e   humanitária   pressupõe   o   respeito   a   todas   as  


pessoas  e  a  garantia  de  direitos,  independente  de  sexo,  cor,  idade,  condições  físicas,  
mentais   e   orientação   sexual.   Esta   é   uma   disposição   de   nossa   Lei   maior,   desde   1988.  
Cabe   aos   conselhos   promoverem   a   discussão   na   sociedade,   estimulando   a  
transformação   da   mentalidade   antiga   para   estes   novos   conceitos   e   visão   de   homens   e  
mulheres,  combatendo  as  desigualdades  e  valorizando  a  diversidade  humana,  em  que  
todas  as  diferenças  são  fundamentais.  

http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/cc/2/promocao.htm    

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