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Poses e flagrantes:
ensaios sobre história e fotografias
Editora filiada à
Apresentação, 11
Introdução, 13
Parte I
Capítulo 1 – Através da imagem: fotografia e história – interfaces, 29
Capítulo 2 – História e semiótica: sobre o conceito de
intertextualidade na análise de fontes de memória, 49
Capítulo 3 – Passado composto: fotografia e memória, 57
Parte II
Capítulo 4 – As fronteiras da cor: imagem e representação social
na sociedade escravista imperial, 75
Capítulo 5 – Na mira do fotógrafo: o Rio de Janeiro e seus espaços
através das lentes de Gutierrez, 93
Capítulo 6 – A inscrição na cidade: paisagem urbana nas fotografias
de Marc Ferrez e Augusto Malta, 111
Capítulo 7 – Imagens de passagem: fotografia e os ritos da vida
católica da elite brasileira, 1850-1950, 121
Parte III
Capítulo 8 – Janelas que se abrem para o mundo: fotografia
de imprensa e distinção social no Rio de Janeiro,
na primeira metade do século XX, 149
Capítulo 9 – Flávio Damm, profissão fotógrafo de imprensa:
o fotojornalismo e a escrita da história
contemporânea, 171
Capítulo 10 – Genevieve Naylor, fotógrafa: impressões
de viagem (Brasil, 1941– 1942), 195
Capítulo 11 – O mundo como comunidade imaginada: diversidade
cultural nas representações fotográficas de Flávio
Damm e Sebastião Salgado, 227
Conclusão
Entre os tempos, a título de conclusão precária, 245
Referências, 253
Enfim, juntos....
O processo de comunicação social é, atualmente, dominado
pela imagem: até para escrever, entramos em uma imagem e dialo-
gamos com “ícones”. Portanto, creio que não haja mais, no campo
das ciências sociais, quem não veja a fotografia – e as imagens em
geral – como um objeto (tanto físico quanto de estudo) capaz de
revelar aspectos fundamentais dos fenômenos sociais. Isso porque a
fotografia, sobretudo a de caráter documental, representa sempre um
aspecto relevante da vida social. No entanto, pela banalização de seu
uso e pela sua natureza polissêmica, aparentemente tão aberta, há até
pouco tempo parecia impossível tratá-la cientificamente. Ela é, antes
de tudo, um produto e responde, portanto, aos próprios imperativos
da sua produção. Outra característica interessante é que ela só se rea
liza plenamente no ato do consumo, na leitura de quem a vê. De um
lado, temos então um olhar que é o agente do recorte de um aspecto
do mundo visível, que seleciona o conteúdo da imagem e a forma de
apresentá-lo o que, por si só, já é matéria de estudo, tanto quanto a
cena representada na imagem. E, de outro lado, temos o leitor que vai
decodificar a imagem à sua maneira e com os condicionamentos de
seu tempo e sua inserção social. Enfim, o uso da fotografia é um ato
eminentemente cultural do princípio ao fim.
Acontece que tanto a produção quanto o consumo de uma
fotografia envolvem, para sua realização, o emprego da imaginação,
ou seja, da nossa capacidade de pensar abstratamente com o fim es-
pecífico de descrever plasticamente o mundo visível. Ou seja, criar
uma imagem que responda, de alguma maneira, não só à razão – como
percebemos uma cena –, mas também às emoções e às sensações
que são inerentes a este ato de percepção. É aí que entra o trabalho
de Ana Mauad, que orienta o nosso olhar sobre as imagens para nos
ajudar a descobrir mais e com mais qualidade, nos dando roteiros de
leitura, enriquecendo nossa percepção e dirigindo-a para a produção
de conhecimentos.
Estes textos, na verdade, propõem percursos do olhar tanto
históricos quanto conceituais, que trama uma estratégia de análise
que nos permite encontrar, no transcurso da leitura, tempos e refe-
rências diversas, além de travar um estreito diálogo com a produção
acadêmica em geral. A primeira parte do livro enfatiza a necessidade
de uma análise transdisciplinar da imagem, ao incorporar numa pro-
Milton Guran
curso de história.
O volume é composto por textos apresentados em simpósios
e seminários, escritos para sistematizar a pesquisa de dados e ao
mesmo tempo consolidar uma reflexão teórico-metodológica sobre
um campo da historiografia que veio se definindo juntamente com
reflexões sobre a história da imagem, ou ainda, história visual (ME-
NESES, 2003). As relações entre história e imagem, longe de definirem
um campo autônomo de estudos, apresentam-se como um fórum em
que se pode debater a história social. Assim, busca-se dimensionar o
estatuto epistemológico do social pela valorização das diferenciadas
experiências que definem as práticas sociais, dentre essas, a relação
entre ver e conhecer, ou ainda, ver e imaginar.
Animada pelos pedidos reiterados de alunos e colegas em
relação a trabalhos que publiquei em periódicos esgotados, anais
de congressos com edição limitada, enfim, textos de difícil aquisição
pelo público, dediquei-me a organizar esta coletânea. Entretanto, não
me limitei a reproduzir as reflexões datadas, empenho-me aqui em
travar um diálogo de idéias entre tempos. A cartografia do volume se
orienta por duas temporalidades, a da minha própria trajetória como
pesquisadora no campo de estudos da história da imagem, e uma outra,
delimitada pelos tempos da história nos quais a prática fotográfica se
inscreveu como objeto de estudo. Neste sentido, se distribuíram os
textos por três partes, sendo que cada uma delas é introduzida por
uma reflexão sobre a problemática histórica na qual ela se inscreve.
A primeira parte concentra um conjunto de reflexões de caráter
teórico-metodológico, associadas à concepção da fotografia como
fonte e objeto da história. Nesta parte são apresentados os princí-
pios da metodologia histórico-semiótica para a análise da fotografia,
desenvolvida em minha tese de doutorado. A ordenação cronológica
dos textos e os comentários sobre cada um servem de medida para se
avaliar a aplicabilidade de tal metodologia, suas contribuições para
o campo de estudos e os seus limites. As reflexões que acompanham
esta parte buscaram ampliar o enquadramento estritamente semiótico,
incluindo-se as temáticas sobre narrativa, tempo e memória.
A segunda parte é composta por análises da fotografia na socie-
dade oitocentista. Ressaltam-se nos trabalhos a dimensão da fotografia
como prática de produção de sentido social, bem como seus usos e
funções na sociedade imperial. Nesse sentido, a produção fotográfica
na cidade do Rio de Janeiro é objeto de estudos cuja abordagem valo-
riza a centralidade do olhar como forma de representar a sociedade
brasileira nos Oitocentos. As experiências sociais tratadas são varia-
A ilusão da realidade
A fotografia surgiu na década de 1830 como resultado da feliz
conjugação do engenho, da técnica e da oportunidade. Niépce e
Daguerre – dois nomes que se ligaram por interesses comuns, mas
com objetivos diversos – são exemplos claros desta união. Enquanto
1
Dentre os trabalhos que tratam a fotografia como objeto de análise histórica, des-
tacam-se: MARCONDES DE MOURA, C.E. Retratos quase inocentes. São Paulo: No-
bel, 1983; VASQUEZ, Pedro. D. Pedro II e a fotografia no Brasil. Rio de Janeiro: Index,
[19--]; FABRIS, A. Usos e funções da fotografia no século XIX. São Paulo: Edusp, 1993;
TURAZZI, M .I. Poses e trejeitos: a fotografia e as exposições na era do espetáculo
(1839-1889). Rio de Janeiro: Rocco: Funarte, 1995.(Ao longo dos dez anos que nos
separam da publicação desse artigo, o perfil das produções brasileiras se ampliou
bastante, todavia, continuam limitadas aos programas de pós-graduação, sem uma
linha editorial que as divulgue.)
1995. A simples menção da foto já nos remete aos fatos e aos seus
resultados.
Por outro lado, também faz parte da nossa prática de vida foto-
grafar nossos filhos, nossos momentos importantes e os não tão signi-
ficativos. Um elenco de temas que vai desde os rituais de passagem até
os fragmentos do dia-a-dia no crescimento das crianças. Apreciamos
fotografias, as colecionamos, organizamos álbuns fotográficos, em
que narrativas engendram memórias. Em ambos os casos é a marca
da existência das pessoas conhecidas e dos fatos ocorridos que salta
aos olhos e nos faz indicar na foto recém-chegada da revelação: “Olha
só como ele cresceu!”.
Desde a sua descoberta até os dias de hoje, a fotografia vem
acompanhando o mundo contemporâneo e registrando sua história
numa linguagem de imagens. Uma história múltipla, constituída por
grandes e pequenos eventos, personalidades mundiais e gente anô-
nima, lugares distantes e exóticos e intimidade doméstica, sensibili-
dades coletivas e ideologias oficiais. No entanto, a fotografia lança ao
historiador um desafio: como chegar ao que não foi imediatamente
revelado pelo olhar fotográfico? Como ultrapassar a superfície da
mensagem fotográfica e, do mesmo modo que Alice nos espelhos, ver
através da imagem?
Conclusão
Nunca ficamos passivos diante de uma fotografia: ela incita
nossa imaginação, faz-nos pensar sobre o passado, a partir do dado
de materialidade que persiste na imagem. Um indício, um fantasma,
talvez uma ilusão que, em certo momento da história, deixou sua marca
registrada numa superfície sensível, da mesma forma que as marcas
do sol no corpo bronzeado, como lembrou Dubois (1992 p. 55). Num
determinado momento, o sol existiu sobre aquela pele; num determi-
nado momento, um certo aquilo existiu diante da objetiva fotográfica,
diante do olhar do fotógrafo, e isto é impossível negar.
Discute-se a possibilidade de a imagem fotográfica mentir. A
revolução digital provocada pelos avanços da informática torna cada
vez maior esta possibilidade, permitindo até que os mortos ressurjam
para tomar mais um chope, tal como a publicidade já mostrou. Não
importa se a imagem mente, o importante é saber por que mentiu e
como mentiu. O desenvolvimento dos recursos tecnológicos deman-
da do historiador uma nova crítica que envolva o conhecimento das
tecnologias feitas para mentir.
Toda imagem é histórica. O marco de sua produção e o momento
de sua execução estão indefectivelmente decalcados nas superfícies
da foto, do quadro, da escultura, da fachada do edifício. A história
embrenha as imagens, nas opções realizadas por quem escolhe uma
expressão e um conteúdo, compondo, através de signos de natureza
não-verbal, objetos de civilização, significados de cultura.
O estudo das imagens, como bem ensinou Panofsky (1991) no
seu método iconológico, impõe o estudo da historicidade desta ima-
gem. O objetivo central deste texto, embora sem seguir uma linha ico-
nológica, foi refletir sobre a dimensão histórica da imagem fotográfica
e as possibilidades efetivas de utilizá-la na composição de um certo
conhecimento sobre o passado. O caminho proposto é também uma
escolha, num conjunto de reflexões possíveis.
1
Utilizo-me do conceito imagem limitando-o às imagens visuais (bidimensionais e
tridimensionais), excluindo as imagens oníricas, pensamentos e imagens literá-
rias.
Conclusão
Fala-se muito hoje em dia de crise, do advento de um pós-
modernismo que dissolve o sujeito numa história sem face. Por outro
lado, fala-se também da renovação dos métodos da história, de novos
objetos e novas abordagens, que definitivamente se consolidam no
Brasil. Entre o dito e o feito existe ainda uma grande distância, cabe-
nos diminuí-la em nossa prática acadêmica cotidiana. Para tanto, a
Sobre a memória
Passado composto: fotografia e memória
Conclusão
O escritor inglês, Bernard Shaw, parafraseando o provérbio
chinês que originou a nossa pergunta inicial – “Uma imagem vale mais
do que mil palavras” –, escreveu: “Uma imagem vale mais do que mil
palavras desde que elas tenham as mil palavras para acompanhá-las.”
A colaboração entre palavras e imagens é tão antiga quanto a neces-
sidade de comunicação da espécie humana. Ambas atuam tanto no
sentido de relatar, compor narrativas e registrar como no de indicar,
apresentar e ilustrar. No entanto, tanto a fotografia como os relatos
dela provenientes compõem imagens-monumentos que selecionam o
que deve ser lembrado.
No que diz respeito ao significado das fotografias familiares,
ficam claras as diferenças entre as referências escrita e oral em rela-
ção às imagens fotográficas. O título no verso da foto, ou no álbum,
pode simplesmente dizer: mamãe e papai, Vassouras, agosto, 1893,
e oferecer apenas um registro da época e do lugar. Já as histórias
provenientes dos relatos pessoais, contadas a partir da apreciação
de uma imagem, são sempre mais densas e complexas, indo muito
além do enquadramento da foto e revelando um extracampo bastante
significativo.
“Nesta foto”, aponta a saudosa sobrinha, “aparece a tia Maria-
zinha e o tio Antônio, os biscoitos amanteigados que ela fazia eram
simplesmente o máximo! E ele adorava uma conversa.” Por outro
lado, diante da mesma foto, o filho do casal nos relata como a mãe era
superprotetora, ou como o pai o tiranizava. As fotografias de família
não mudam, mas as histórias que elas ensejam, sim.
Neste texto, tomei como referência o relato de dois guardiães da
memória, e desse relato busquei pistas e indícios para a compreensão
de toda uma história que inclui o vivido, o retratado, o lembrado e o
que foi herdado, passado de avó para neto, de geração em geração,
compondo, assim, um mosaico feito de fragmentos de memória.
O trabalho intertextual, com fontes de memória visual e oral,
impõe como imperativo a busca de outras evidências através de di-
ferentes tipos de registro histórico, tais como: anúncios, crônicas e
notícias veiculadas na imprensa ilustrada, fotografias de outras famí-
lias etc. No entanto, esta premissa não tem como objetivo a busca de
2
Sobre a aplicação dos princípios da micro-história numa pesquisa de dados sobre
história do Império Brasileiro, ver: MUAZE, Mariana de Aguiar. Império do retra-
to: família, riqueza e representação social no Brasil oitocentista (1840-1889). Tese
(Doutorado)-Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Flu-
minense, Niterói, 2006.
1. Fisionomia agradável;
2. Nitidez geral;
3. As sombras, os meios-tons e os claros bem pronunciados, estes
últimos brilhantes;
4. Proporções naturais;
5. Detalhes nos negros;
6. Beleza.
1
Para um inventário minucioso e bem estruturado das imagens de escravos e ex-
escravos ver CARNEIRO, M.L.T.; KOSSOY, B. O olhar europeu: o negro na iconogra-
fia brasileira do século XIX. São Paulo: Edusp, 1994.
2
Referências retiradas do Jornal do Commercio, Actualidade, Almanack Laemmert,
entre outros periódicos que circulavam na Corte do Rio de Janeiro, na segunda
metade do século XIX.
Tabela 3
Aluga-se ou vende-se
Tipo de pessoa (cor e sexo); escravo (a) ou ocupação
Idade, qualidades (fiel, humilde, limpo etc.) e endereço para a negociação
Tabela 4
1878 1881 1885 1888
jul. /set. jan./mar. abr./jun. abr./jun. out./dez.
VENDA* 18,6% 11,7% 1,6% 0,3% –
ALUGUEL* 120,7% 143,1% 89,5% l68,9% 54,6%
*Média diária de anúncios
Figura 14 - Creoulas, Ro -
dolpho L indemann, Bahia,
cartão - postal , c. 1900.
A mira do fotógrafo:
trajetória social de Juan Gutierrez
Visualizando a cidade
Para compor sua imagem da cidade do Rio de Janeiro, Gutierrez
realizou um conjunto de escolhas em meio a um conjunto de possibili-
Tabela 5
Tipo da foto
Posada 93,0%
Instantânea 7,0%
Sentido da foto
Horizontal 85,5%
Vertical 14,5%
Direção – ponto de vista do fotógrafo
Da direita para a esquerda 44,0%
Da esquerda para a direita 9,5%
Centralizada 46,5%
De baixo para cima 5,0%
De cima para baixo 57,0%
Nivelada 38,0%
Distribuição de planos
1 plano –
2 planos 24,5%
3 planos 55,0%
4 planos 20,5%
Objeto central
Figuração 2,5%
Objeto exterior 17,0%
Paisagem
Densamente edificada 36,0%
Regularmente edificada 16,0%
Reconstruindo a cidade
O espaço da cidade é hierarquizado por meio da cartografia
fotográfica de Gutierrez, hierarquia que se estabelece em função de
Panorama urbano
3. Vista geral da cidade: VGC
4. Região portuária em perspectiva: RPP
5. Região portuária – Instalações: RPI
Região litorânea
6. Movimento costeiro: MC
7. Litoral do centro com casario: LCC
8. Região central – densidade de edificação, aspectos do arruamento,
morros com edificação, morros sem edificação, destaque para as
construções religiosas, laicas e públicas: RC
9. Região Florestal (com benfeitorias urbanas): RFU
10. Prédios Públicos: PP
11. Região residencial com casario e perfil dos morros: RR
12. Praia residencial: PR
13. Fábrica: F
14. Beleza natural (sem edificação): BN
15. Arrabalde em fase de urbanização: A
16. Ponto turístico: PT
Panorama marítimo:
17. Ilha sem identificação: I
18. Praia tropical: Pt
19. Parques e Jardins: PJ
3
Ao lado de cada tema, a abreviação que foi utilizada na tabela de quantificação a
seguir.
Tabela 6
Na mira do fotógrafo: o Rio de Janeiro e seus espaços através das lentes de Gutierrez
LOCAL
TEMA RETRATADO
RETRATADO
MERC TRANS VGC RPP RPI MC LCC RC RFU PP RR PR F A BN I PT Pt PJ
CENTRO DA CIDADE
Cais Pharoux –
6 6
mercado de peixe
Cais Pharoux –
1 1
adjacências
Cais dos Mineiros 1 1
Docas da Alfândega 1 2 3
Saco da Gamboa 1 1
Arsenal da Marinha 1 1
Mosteiro de São
1 1
Bento
Ilha das Cobras 1 1
Ilha Fiscal 2 2
Praia de Santa Luzia 4 4
Passeio Público e
1 1
adjacências
Centro da Cidade 9 1 10
Morro do Castelo 3 3
Praça XV e
1 1
adjacências
Rua Larga 1 1
Lapa e adjacências 4 4
Praça da República
2 2 1 5
e adjacências
Morro de Santa
2 2
Tereza
Morro do Senado 2 2
Praça Tiradentes 1 1 2
LOCAIS INDEFINIDOS
Ilha na Baía de
1 1
Guanabara
CONJUNTO DA CIDADE
Rio visto da Ilha de
1 1
Villegagnon
Rio visto da
2 2
Floresta da Tijuca
Rio visto do
2 2
Corcovado
NITERÓI
Pedra do Índio 2 2
Pedra de Itapuca 2 2
Paquetá 3 1 4 9
FLORESTA NO RIO
Caminho do
3 3
Silvestre
Paineiras 2 1 3
Estrada do
1 3 2 6
Corcovado
Mirante Chapéu
2 2
de Sol
BAIRROS FORA DO CENTRO
Catete 3 3
Flamengo 2 2
Praia do Russel 1 1
Glória 3 3
Largo do Machado 2 2
Laranjeiras 2 2
Jardim Botânico 1 7 8
Praia da Saudade /
3 2 5
Enseada da Urca
Copacabana 1 4 5
São Cristóvão 1
Botafogo 2 1 2
TOTAIS 6 3 1 2 1 5 25 3 9 21 11 4 9 1 4 4 9
A cidade vivida
Na série de fotografias em que Gutierrez recria a paisagem do
Rio de Janeiro, em somente 30% das imagens aparece alguma figuração,
distribuída de acordo com a seguinte tabela.
Tabela 7
FIGURAS TRANSEUNTES MULHERES MULHERES HOMENS HOMENS CRIANÇAS ANIMAIS
RETRATADAS INDEFINIDOS NEGRAS BRANCAS NEGROS BRANCOS
ATIVIDADE
Transitando 5 1 2 1 2 1 1
Trabalhando 3 2 2 2
Conversando 1 1 1 1
No bonde 2
Posando para foto 1 1 15 1
INDUMENTÁRIA
Roupas simples de
3 4 4 15
trabalho
Roupa estilizada
3
(baiana)
Roupas de passeio 2 2 1 2
POSIÇÃO DAS PESSOAS NA FOTO
1 Plano e objeto
o
3
central
1o Plano no contex-
2 1 4 15 2 1
to da paisagem
2o Plano 4 1 1 1
3o Plano
Local da cidade . Cais Pharoux- Cais Praça da Cais Cais Pharoux Paquetá; Praça XV e
mercado de Pharoux e República e Pahorux e e adjacên- Praça XV e adjacências =
Peixe; Cais adjacências Adja- adjacências, cias, Praça adjacências 1 foto
Pharoux adja- = 4 fotos cências; Caminho do da República = 2 fotos
cências; Botafogo= Silvestre = 3 e adjacên-
Rua Larga; Pra- 2 fotos fotos cias, Praça
ça da República Tiradentes,
e adjacên- Pedra de
cias, Mirante Iatpuca,
Chapéu do Sol, Paquetá;
Copacabana = Estrada do
9 fotos Corcovado;
Copacabana
= 15 fotos
Os detalhes da cidade
Um universo significativo de objetos compõe o mosaico de
panoramas elaborados pelas lentes de Gutierrez. Ao fragmentarmos
a imagem em seus detalhes, em suas unidades culturais, os objetos
adquirem uma função sígnica, como vetores de relações sociais. Via
de regra, estes objetos se apresentam, na imagem fotográfica, a partir
de uma tipologia básica: objetos interiores, exteriores e pessoais. Tais
objetos indicarão a interpenetração dos espaços ou a valorização de
um em detrimento de outro, dimensionando a ênfase entre as esferas
públicas e privadas.
No conjunto de fotografia analisado, a tabela de objetos foi a
seguinte:
Tabela 8
OBJETOS RETRATADOS OBJETO DISTRIBUÍDOS ENTRE OS
POR FOTOS CENTRAL PLANOS-CONTEXTO DA PAISAGEM
EXTERIORES
Barcos 3 19
Postes 16
Cestos 3
Caixas 3
Toldos 5
Guindastes 9
Prédios públicos 6 27
Edificação militar 4
Construção religiosa 2 17
Diversão pública 2
Construção provisória 1
Construção precária 9
Casario (casas baixas e
2 42
sobrados)
Palácios e chácaras 1 6
Prédio de fábrica 1 1
Casa de operários 1 1
Material de construção 5
Jardins 7 13
Pátios e terreiros 8
Lojas 3
Quiosques 7
Hotel 1
Entre imagens:
campo fotográfico e habitus de classe
A inscrição na paisagem:
Ferrez e Malta visualizando a cidade
A fotografia surge em um momento no qual a cultura ocidental
estabelecia uma nova consciência do mundo natural associada aos
processos de expansão e colonização de novas regiões do globo. Ao
menos visualmente, a fotografia possibilitava controle quase total da
terra, segundo o padrão de ordenamento e as demandas políticas do
colonizador.
Dois eixos norteariam as representações elaboradas visual-
mente pela fotografia neste contexto: o primeiro estaria associado
ao pitoresco e ao lazer possibilitado pela cada vez maior circulação
de pessoas entre diferentes países. Neste caso, o pitoresco é um
índice cultural, e o turista pitoresco busca cenas ideais pautadas em
determinados pressupostos não ditos, numa mirada penetrante que
tem a ver tanto mais com um ideal imaginado do que propriamente
com o que está sendo visto. O segundo buscaria representar o espa-
ço modernizado e civilizado. A natureza dominada visualmente terá
como ícone da modernidade a paisagem urbana. A fotografia urbana
do final do século XIX, como explica a historiadora Vânia Carvalho,
reintroduz a noção de “belo ideal” nas imagens da natureza ordenada
segundo os modelos dos jardins franceses. Na refuncionalização do
espaço da natureza pela fotografia urbana, estariam implícitas formas
de disciplinarização baseadas no seu uso produtivo e como espaço
de lazer (CARVALHO, 1993, p. 225).
O crescente processo de urbanização da segunda metade do
século XIX produziu uma nova textualidade, na qual textos verbais e
não-verbais se entrecruzariam na elaboração dos campos de signifi-
cação da cidade como imaginação e vivência. A fotografia toma parte
desse processo, de maneira ativa, simultaneamente respondendo à
variedade e à multiplicidade da vida e de experiências urbanas, e às
questões relativas a como a cidade era percebida e representada. Em
resumo, o ato fotográfico inscrito no espaço urbano relaciona-se, es-
treitamente, à complexidade visual da cidade tanto como experiência
quanto como imagem (CLARKE, 1997, p. 75).
2
A produção paisagística de Ferrez e Malta foi analisada a partir das fotografias
publicadas em livros e catálogos. A lógica que norteou a montagem do corpus foi
a da relação entre paisagem e cidade, entendendo-se as fotos publicadas como
lugares de memória, acepção atribuída pelo historiador francês Pierre Nora aos
lugares onde a memória se torna objeto da história. Publicações consultadas: FER-
REZ, Gilberto. O Rio Antigo do fotógrafo Marc Ferrez: paisagens e tipos humanos,
1865-1918. Rio de Janeiro: Ex-Libris, 1985; VASQUEZ, Pedro. Mestres da fotografia no
Brasil: a coleção Gilberto Ferrez. Rio de Janeiro: CCBB, 1995; ARQUIVO GERAL DA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Augusto Malta: catálogo da série negativo em vidro,
Aristógiton Malta. Rio de Janeiro: Secretaria de Cultura, Divisão de Editoração,
1994; SANTOS, Affonso Carlos Marques dos. O Rio de Janeiro de Lima Barreto. Rio
de Janeiro: Rioarte, 1983.
Figura 16 - Publicidade
KODAK, Revista Fotogra-
ma, Rio de Janeiro, 1925.
Figura 20 - Retrato, 18 x
24cm, fotógrafo p
rofissional
não identificado, 1950,
coleção da autora.
Figura 22 - Retrato, 17 x
22cm, fotógrafo profissional
não identificado, 1939,
coleção da autora.
Figura 23 - Retrato, 18 x
24cm, Sacha fotógrafo,
1956, coleção da autora.
1
Texto resultante da entrevista realizada, em junho de 1998, com Mariana Jabour
Mauad e Julieta Mauad, ambas com cerca de 80 anos, as quais vivenciaram, na
mesma época, os ritos da vida católica. Uma delas, Mariana Jabour, dona da cole-
ção de fotografias analisada por mim em outro trabalho.
Conclusão
A fotografia, como representação que se fundamenta num ato,
numa pragmática, remete à análise dos processos de produção de
sentido por ela veiculada e ao contexto histórico no qual é realizada.
Neste caso, sua leitura é sempre histórica. A dimensão da historici-
dade, reinscrita na mensagem fotográfica pela idéia de ato fundador,
não só reabilita o sujeito como agente produtor de sentido, como o
identifica com o objeto fotografado, considerando ambos como partes
de uma mesma ação.
Desta forma fica para o historiador, sujeito de um outro tempo
e agente de um novo sentido, o desafio de aperfeiçoar sua capacidade
em decifrar pistas, compreender indícios e avaliar sinais.
1
Segundo Pierre Bourdieu, o conceito de habitus pode ser compreendido como “um
conjunto de esquemas implantados desde a primeira educação familiar, e cons-
tantemente repostos e reatualizados ao longo da trajetória social restante, que
demarcam os limites à consciência possível de ser mobilizada pelos grupos e/ou
classes, sendo assim responsáveis, em última instância, pelo campo de sentido
que operam as relações de força” (MICELLI, Sérgio. Economia das trocas simbó-
licas. São Paulo: Perspectiva, 1982. p. XLII). É interessante notar a adequação do
conceito de habitus ao de representação para os estudos dos processos de con-
trole da produção de sentido social por parte de grupos/classes. Neste sentido,
não só a imagem fotográfica, mas também os próprios atos de fotografar, se deixar
fotografar e consumir imagens fotográficas podem ser considerados importantes
integrantes do habitus social.
fazer rir, alegrar a tua boa alma carinhosa [...] com o comentário
leve das coisas da atualidade [...]. Para os graves problemas da
vida, para a mascarada política, para a sisudez conselheiral das
finanças e da intrincada complicação dos princípios sociais,
cá temos a resposta própria: aperta-se a sirene... FON-FON!
(Fon-Fon, 15 abr. 1907)
Flagrantes e instantâneos
A composição do espaço fotográfico está intimamente relaciona-
da ao tipo de aparelhagem utilizada. A máquina fotográfica limitará as
possibilidades de enquadramento, tamanho, profundidade de campo
e nitidez da foto.
As imagens fotográficas das revistas ilustradas sofreram uma
variação de padrão correspondente à própria evolução da técnica
fotográfica, e do acesso que as redações das revistas tinham a este
progresso tecnológico. Paralelamente a estas variáveis, mais um fator
5
A historiografia brasileira sobre o período estudado não é consensual no que diz
respeito à utilização do conceito de classe burguesa para este momento da histó-
ria do Brasil. Noções como camadas médias urbanas, classes médias, frações do-
minadas da classe dominante são correlativos para a noção de burguesia urbana
tal como a utilizamos aqui. A opção pelo conceito de burguesia urbana deveu-se
principalmente ao objetivo central do estudo, qual seja: avaliar como, dentro do
contexto de inserção do Brasil na lógica do capitalismo internacional, os costumes
e comportamentos no espaço das cidades, notadamente na Capital, transforma-
ram-se. Tal transformação tomou como referência os códigos de comportamento
dos países do Hemisfério Norte, primeiro a França e a Inglaterra e, depois da Se-
gunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, estes, sem dúvida alguma, pautados em
valores e normas burgueses. Não cabe aqui discutir a base econômica da classe
dominante brasileira do período, eminentemente agrária, mas absenteísta por na-
tureza e cosmopolita por verniz.
Tabela 9
Tamanho 40% pequenas; 30% grandes; 30% médias
Formato Retangulares (99%)
Suporte Reportagem fotográfica com título e legenda (44% do total)
Tipo 68% posada e 32% instantâneos
Enquadramento Sentido horizontal (66%); direção central (57%); 2 planos
distintos(80%); grupo misto como objeto central disposto eqüita-
tivamente em semicírculo ou linha reta (quase não há fotos com
pessoas espalhadas)
Nitidez Linhas definidas (90%), com todos os planos no foco (90%); sem
sombras e com contraste (90%)
Tabela 10
Tamanho 58% pequenas; 26% médias e 14% grandes
Formato Retangulares (99%)
Suporte Reportagem fotográfica com título, texto e legenda (72% do total,
sendo que cerca de 50% foram realizadas nos moldes do fotojor-
nalismo)
Tipo 60% fotos posadas contra 40% de instantâneos
Enquadramento Sentido vertical (76%); direção central (56%); 2 planos distintos
com objeto central concentrado no 1o plano devido à opção verti-
cal (80%); mulher como objeto central (27%)
Nitidez Linhas definidas (90%); objeto central no foco (74%); sem som-
bras e com contraste (90%)
Tabela 11
1 Plano
o
2o Plano Plano central
Figura masculina 18% 8% 17,5%
Figura feminina 18% 6,5% 27%
Geografia da diferença
A cidade, suas avenidas, praias, contorno dos morros ou a baía
– um espaço próximo e vizinho compõe uma determinada imagem
do Rio de Janeiro que, por predominar, silencia as demais. O Brasil,
suas regiões e paisagens criam uma imagem que expõe tanto a face
Tabela 12
Região Revista CARETA Revista O CRUZEIRO
RJ – Zona Sul 36,5% 24,5%
RJ – Zona Norte 7% 1%
RJ – Centro 24% 15%
RJ – Subúrbios 1% 4%
Estado do RJ 2% 9,5%
Fora do Rio, no Brasil 10% 8%
Fora do Brasil 15% 32%
RJ (não identificada) 4,5% 6%
6
“Técnicas do beijo”, reportagem publicada com fotos de artistas se beijando, pela
revista O Cruzeiro, em 1934.
Por outro lado, a imagem feminina foi associada à vida dos artistas
e de pessoas famosas do high society internacional e principalmente à
moda. Sobre a moda havia uma distinção entre as novidades interna-
cionais e a sua utilização no âmbito nacional. É justamente através da
imagem da moda nacional que a especialização entre o espaço feminino
e masculino evidencia-se mais claramente, posto que tal temática está
representada nas fotografias do Jockey Club, onde as mulheres são
retratadas como o público elegante, destacando-se a sua indumentária
bem cuidada e o seu estilo requintado.
Entretanto, no espaço feminino também se incluíram imagens
das condições de vida das classes populares, que veiculavam uma
representação dicotômica da sociedade que vem a confirmar os papéis
socialmente impostos. A mulher das classes populares é fotografada,
via de regra, trabalhando em serviços braçais, tais como: lavar roupa,
cozinhar, cuidar de criança etc., ou em situações de dificuldade e pre-
cariedade. A ela são associadas roupas simples e à sua casa poucos
objetos interiores, além de estar localizada nos subúrbios desassistidos
pelas autoridades.
Neste sentido, o espaço feminino para as classes populares é
formado por um ambiente periférico, que acaba por confundir-se com
o coletivo, não recebendo com isso a mesma valorização das mulheres
da classe dominante, que surgiam na imagem sempre com boa aparên-
cia, em lugares exclusivos e protagonizando situações de lazer ou de
romance.
Na representação criada pela imagem fotográfica, o universo
infantil é um simulacro daquele do adulto, no qual todas as potencia-
lidades para um cidadão realizado são apresentadas como condição
natural e inerente ao grupo social do qual provêm.
Em 10% das fotos analisadas, as crianças aparecem sozinhas,
em 14% estão acompanhadas de adultos, o restante são fotos exclusi-
vamente de adultos. Diante de tal proporção, investiu-se na descoberta
dos temas e do tipo de indumentária que foram associados às crianças,
para dimensionar-se quais eram as representações sociais que estavam
atreladas ao universo infantil.
Basicamente, os eventos sociais, os banhos de mar e os passeios
foram os temas que obtiveram a maior incidência de crianças sem a
companhia de adultos (21%). Neste caso, os eventos sociais são for-
mados por festas de encerramento do ano letivo e por bailes infantis
em ocasiões especiais – um exemplo deste tipo de evento são as fotos
dos bailes da Exposição Internacional de 1922, em suas versões adulta
e infantil.
ele respira. Considerado por seu irmão mais novo como fotógrafo
batedor de carteira em função de sua discrição ao fotografar o que
ele chama de cotidiano surrealista, Flávio Damm defende a idéia de
que a fotografia é uma arte sim. Para ele, os grandes mestres da foto-
grafia, como é o caso de Cartier-Bresson, legaram momentos de arte
através da fotografia.
O esboço biográfico de Flávio Damm confirma o fato de que, ao
elegermos o fotojornalismo como matéria fundamental da pesquisa,
elegemos também um sujeito histórico: o fotógrafo de imprensa que
atua como mediador cultural do processo comunicativo. A noção de
mediação cultural tal como apresentada por Raymond Willians e apro-
priada por diferentes pensadores latino-americanos, dentre os quais,
destaca-se Martin-Barbero, permite que se rompa com a ultrapassada
teoria do reflexo e se desvende a intricada rede de influências sociais
que consubstanciam a produção cultural na sociedade capitalista. A
idéia defendida por Willians propõe associar mediação ao próprio ato
de conhecer e elaborar expressões no âmbito do ativo processo de
produção de representações sociais.2
Fotojornalismo em perspectiva
A fotografia entrou para os jornais diários em 1904, com a publi-
cação de uma foto no jornal inglês Daily Mirror. Um atraso de mais de
20 anos em relação às revistas ilustradas, que já publicavam fotografias
desde a década de 1880.3 No entanto, o ingresso da fotografia no perio-
dismo diário traduz uma mudança significativa na forma de o público
se relacionar com a informação, através da valorização do que é visto.
O aumento da demanda por imagens vai levar ao estabelecimento da
profissão do fotógrafo de imprensa, procurada por muitos a ponto de
a revista Collie’r’s, em 1913, afirmar: “It is the photographer that writes
history these days. The journalist only labels the characters.”
Uma afirmação bastante exagerada, tendo em vista o fato de
que, somente a partir dos anos 1930, o conceito de fotorreportagem
estaria plenamente desenvolvido. Nas primeiras décadas do século, as
fotografias eram dispostas nas revistas de modo a traduzir em imagens
um fato, sem muito tratamento de edição. Em geral, eram publicadas
3
Para uma avaliação do fotojornalismo no mundo contemporâneo, ver: SOUSA, Jor-
ge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Chapecó: Grifos Florianó-
polis: Letras Contemporâneas, 2000; Freund, 1989.
[a Life surge] Para ver a vida; para ver o mundo, ser testemunha
ocular dos grandes acontecimentos, observar os rostos dos
No Brasil
O mercado editorial brasileiro, mesmo incipiente, já existia des-
de o século XIX, com publicações as mais diversas (SUSSEKIND, 1990).
Em 1900, é publicada a Revista da Semana, que foi o primeiro periódico
ilustrado com fotografias. Desde então, os títulos se multiplicaram,
como também o investimento neste tipo de publicação. Um exemplo
disso é o aparecimento, em 1928, da revista O Cruzeiro, um marco na
história das publicações ilustradas (MAUAD, 2005b).
A partir da década de 1940, O Cruzeiro reformulou o padrão
técnico e estético das revistas ilustradas, apresentando-se em grande
formato, com melhor definição gráfica, reportagens internacionais ela-
boradas a partir de contatos com agências de imprensa do exterior e,
em termos estritamente técnicos, introduz a rotogravura, permitindo
uma associação mais precisa entre texto e imagem. Toda esta moder-
nização era patrocinada pelos Diários Associados, empresa de Assis
Chateaubriand, que começava a investir fortemente na ampliação do
mercado editorial de publicações periódicas.
Flávio Damm: Não. A revista do Globo era quinzenal [...] Ela era
preto-e-branco. E era uma revista muito conceituada no Sul. Ela
foi fundada pelo Bertázio e pelo Getúlio. Dr. Getúlio, né. E..., e
coincidentemente a minha grande primeira reportagem foi a...,
foram as primeiras fotos do..., de Getúlio em 47 [1947]. Getúlio
foi deposto em 29 de outubro de 45 [1945] e foi pro exílio na
fazenda do Itu, em São Borja, no Rio Grande do Sul. Durante
dois anos ele recebeu jornalistas do mundo inteiro, mas não
recebeu fotógrafos. Estava muito gordo, aquela coisa, aquelas
bombachas. E não queria a idade dele explorar. Então ele não
Figuras 24 a 31 – pri-
meira reportagem de
Flavio Damm, Revis-
ta do Globo, Porto
Alegre, ano 19, n. 470,
6 nov. 1948. Disponí-
vel em: <http://www.
ipct.pucrs.br/cgi-bin/
letras/letras.cgi>.
Acesso em: 22 maio
2006.
Conclusão
A relação entre história e imagem fotográfica é caminho para
se compreender as estratégias de investimento de sentido que a im-
prensa realiza pelo viés da construção da memória. As fotografias que
integram as fotorreportagens e narram os acontecimentos passados
são monumentos, projeções para o futuro, e devem ser tratadas pelo
estudioso na sua dimensão de memória oficial. As relações de poder
dentro das revistas e jornais, entendidos como espaços instituciona-
lizados, são relações de força que definem a lógica da representação
do acontecimento mediático. Longe de traduzirem um consenso, ex-
1
Sobre a doutrina do destino manifesto e a política moral norte-americana: DONO-
GHUE, D. et al. A América em teoria. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993.
Os ingredientes da magia:
Vivendo e fotografando,
7
DIP, Divisão de Turismo, “Assuntos que devem ser fotografados no Rio de Janeiro”,
c. 1941 cortesia de Peter Reznikoff.
8
Aníbal Machado, texto datilografado, encontrado entre os papéis de Genevieve
Naylor, sob a guarda do seu filho Peter Reznikoff.
That last day in Rio was a heller what with gathering last minute
letters of introduction and Lourival’s (I hear he is out on his
bunda [ass], Graças a Deus [Thank God]) card of permission to
take photos and the squeezing of the last minute elephants into
match-box suitcases, we finally got off in a terrific rush leaving
last minute telephone calls, etc., undone, only to have a first
class disaster smack us in the face half away to Bello Horizonte.
Misha and I had the last beds in the last car of the train and
were killing time and dirt having a drink in the restaurant car
when we stopped with a boom in some small station. The xixi
(pee) I had decided to take previously simply couldn’t wait, so
we wandred back to find the back end of our car folded up like
an accordion and the rear engine (put on as an aid) puffing and
steaming right in the middle of our beds. WELL, I lost ten kilos on
the spot because we have previously stored all our baggage in-
cluding my complete work (negatives) of a year and all of Misha’s
paintings in a small space in back of the beds and the engine
steaming and (as I thought) melting my negatives to a grease
spot and the dfp (son of a whore) conductor sayng “well, we will
leave the car here and you can get your things tomorrow”, and
another fdp calling us quinta columnas [traitors] (a year of my
negatives), so with a few ers on my part, and Misha’s gestures
9
Sobre a relação entre imagem cinematográfica e política da boa vizinhança ver:
WOLL, Allen L. The latin image in american films. rev. Los Angeles: UCLA Latin
American Center Publications, 1980; LOPEZ, Ana M. Are all Latins from Manhattan?:
Hollywood, ethnography and cultural colonialism. In: ______. et al. Mediating two
worlds: cinematic encounter in the Americas. London: Verso, 1993; MENDONÇA,
Ana Rita. Carmen Miranda foi a Washington. Rio de Janeiro: Record, 1999; MAUAD,
Ana Maria. A América é aqui: um estudo sobre a influência cultural norte-america-
na no cotidiano brasileiro (1930-1960). In: TORRES, Sonia (Org.). Raízes e rumos:
perspectivas interdisciplinares em estudos americanos. Rio de Janeiro: 7Letras,
2001. p. 134-146; MAUAD, Ana Maria. As três Américas de Carmen Miranda: cultura
política e cinema no contexto da política da boa vizinhança. Transit Circle: Revista
Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro, v. 1, Nova Série, p. 52-77, 2002;
FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Diplomacia em celulóide: Walt Disney e a política de
boa vizinhança. Transit Circle: Revista Brasileira de Estudos Americanos, Rio de
Janeiro, v. 3, Nova Série, p. 60-79, 2004; FREIRE-MEDEIROS, Bianca. The travelling
city: U.S. Representations of Rio de Janeiro in Films, Travelogues and Schorlarly
writing (1930s-1990s). Tese (Doutorado)-Binghamton University, State University
of New York, New York, 2002.
The field of visual education offers one of the most effective me-
ans of reaching the American public. Much of Latin America can
now be seen on the screen through a number of very interesting
films available through the CIAA and through other sources.
My first striking visual sight was not the bustling energy of the
Copacabana beach or the boulevards and slums, but a solitary
young negro girl sitting cross-legged in the center of a street,
intensely focused on constructing a wooden flute. If there ever
was a moment to have my camera! Unfortunately, the Brazilian
authorities have confiscated my equipment while they scrutini-
ze my back ground to make sure I’m not some fifth-columnist
subversive!13
12
Catálogo da exposição Genevieve Naylor, Faces and Places in Brazil, Pinacoteca,
nov. 1994. p.12.
13
Carta de Genevieve Naylor para Cynthia Gillipsie, RJ, sob a guarda Peter Reznikoff.
A trama visual
As fotografias na sua absoluta maioria são grandes (máximo 24 x
20cm e mínimo 15 x 16), retangulares, verticais e instantâneas. Padrão
adequado ao tipo de aparato técnico que a fotógrafa utilizava, uma Rol-
leiflex e uma 4 x 5 Speed Graphic, além de se alinhar às suas diretrizes
de espontaneidade e movimento.
A visualização das imagens segue o padrão característico das re-
vistas ilustradas, cuja leitura se processa da direita para a esquerda (44%)
e de forma nivelada ao plano do chão (50%). No entanto, a incidência de
tomadas de cima para baixo (25,5%) e de baixo para cima (24,5%) indica
15
No National Archives existe uma coleção Nelson Rockefeller, além do material vi-
sual que foi produzido pelo CIAA: propaganda, material fílmico e cartazes resul-
tantes de um concurso realizado em 1940, que envolveu vários concorrentes da
América Latina. Sobre este material, ver em Archives of American Art, microfilmes
contendo os clippings no MOMA, além dos próprios arquivos do órgão no National
Archives.
within the context (and associations) not just a face, but of a for-
mal study and representation of an individual presence. Like the
painting, a portrait photograph conferred individual status, and
advertised the presence of personality (CLARKE, 1997, p. 102).
Figura 32 - Chamada para a exposição de Naylor, acervo Peter Reznikof, Rio de Janeiro, 1942.
The camera work is clear, simple, direct and it reveals that Brazil
has games and overcrowded trolleys, beautiful girls and puppet
shows, festivals and school free lunches and that river vessels
play an important part in the life of the interior. There are, fur-
thermore, a number of interesting photographs of façades of
buildings along streets conveying more than an impression of
Spanish architectural tradition.
Fares, Please – So you think Pittsburgh street car and buses are
crowded? Here is a street car during the rush hour in Rio, Brazil,
another country in which President Roosevelt stopped on his
return from Casablanca. Picture is among an exhibit of 50 pho-
tographs on Brazil currently in the New York Museum of Modern
Art. (Sun Telegraph, 29 jan. 1943)
Think you are crowded? If you are one of the persons complain-
ing about the over crowding of street cars and buses, look at
this photo of a street car in Rio de Janeiro. Aptly titled: “Rush
Hour”, it is included in an exhibition of 50 photos by Genevieve
Naylor on life and scenes in Brazil at NY MOMA. (Time & News,
3 fev. 1943)
Rush Hour: a cozy ride on a streetcar going places in Brazilian
Capital.
On Pan American Day we pay honor to the oldest and most suc-
cessful of sovereign governments on earth’ – From FDR’s message,
April 14, 1942. That success is reflected in beauty and dignity of
Rio’s majestic vista (above). – Photo by Genevieve Naylor, by
permission of Museum of Modern Art.
Conclusão
Depois da guerra, Naylor passa a trabalhar nas principais revistas
de moda norte-americanas, dentre estas a Harper’s Bazaar, na qual tem
como mentor Alexy Brodovich. Aos poucos, se especializa na modali-
dade retrato, tornando-se fotógrafa de celebridades, dentre as quais, a
primeira-dama norte-americana, Eleanor Roosevelt. Por toda a sua vida,
Naylor manteve contato com a comunidade artística brasileira em Nova
York, e com as referências de vocabulário que aprendeu no Brasil. Como
relembra Peter Reznikoff:
17
Entrevista por e-mail em 5 jan. 2004.
Figura 35 - Flávio
Damm, Bahia, 1954.
Figura 38 – Flávio
Damm, Brasília, 1962.
Figura 40 – Flávio
Figura 41 – Flávio
Damm, Roma, 1989.
Figura 43 – Flavio
O mundo como comunidade imaginada: diversidade cultural nas representações fotográficas de Flávio Damm e Sebastião Salgado
Figura 44 – Flavio
Damm, Roma, 1989.
Figura 45 – Flavio
Damm, Veneza, 1996.
Refugees and migrants (20 fotos); Africa Adrift (17 fotos); Struggling for
Land (21 fotos); Mega-cities (17 fotos); The Children (12 fotos). Juntos
os cinco ensaios perfazem um total de 87 fotos. No conjunto, o site
possui 166 fotografias de mais de 20 anos de trajetória.
Ao longo desse tempo, Sebastião Salgado construiu uma noção
de região-mundo delimitada pela noção de igualdade da condição hu-
mana na diversidade das culturas. O mapa, apresentado no seu site,5
fornece a dimensão clara da sua cartografia fotográfica: o Terceiro
Mundo.
No entanto, o conceito de igualdade em Salgado afasta-se da ló-
gica iluminista, da igualdade na cena pública, entendida como disputa
pelo poder e acesso ao mundo do liberalismo ou do neoliberalismo.
Ao contrário, por estar fortemente ancorado na tradição de esquerda
engajada nas lutas do Terceiro Mundo, a igualdade que prega investe
no sentido comunitário das práticas sociais e na capacidade de a
cultura, na sua diversidade criativa, buscar caminhos próprios de
autonomia.
Se o espaço fotográfico se define na delimitação das regiões de
conflito, o tempo das imagens se pluraliza nos tempos da história. Nes-
se sentido, são esclarecedoras as reflexões de Mauricio Lissosvky:
5
Cf. <http://www.terra.com.br/sebastiaosalgado/images/maps/map01.jpg>.
6
Ver fotos de Sebastião Salgado no seguinte endereço eletrônico: <http://www.ter-
ra.com.br/ sebastiaosalgado /el/e_children.html
7
Por questões de direito autoral não foi possível a publicação das imagens. Consul-
tar o seguinte endereço eletrônico:<http://www.terra.com.br/sebastiaosalgado/el/
e05rus.html
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Fontes Orais:
Flávio Damm, entrevistas realizadas nos dias 24/04/2003, 15/05/2003
e 7/10/2003, no âmbito do projeto CNPq: Através da Imagem: História
e memória do fotojornalismo no Brasil contemporâneo (CNPq 2002-
2004), depositadas nos arquivos do Laboratório de História Oral e
Imagem da UFF.
Fontes Visuais:
Revista do Globo, Porto Alegre, ano 19, n. 470, 6 nov. 1948. Disponível
em: <http://www.ipct.pucrs.br/cgi-bin/letras/letras.cgi>. Acesso em:
22 maio 2006.
Cruéis paisagens
Ângela Maria Dias de Brito Gomes
Literalmente falando
Solange Coelho Vereza