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O que a filosofia da visão ensina à filosofia? Que visória e aberta do sentido. Ensina que, assim como o
ver não é pensar e pensar não é ver, mas que sem a visão visível é atapetado pelo forro do invisível, também o pen-
não podemos pensar, que o pensamento nasce da subli- sado é habitado pelo impensado.
mação do sensível no corpo glorioso da palavra que con-
Chaui, 1999, p. 60-61
figura campos de sentido a que damos o nome de idéias.
Que o pensamento não são enunciados, juízos, proposi-
ções, mas afastamentos determinados no interior do Ser.
Que não é contato invisível de si, interioridade transpa- Introdução
rente e presença a si, mas excentricidade perante nós a
partir de nós, “estrelas de Van Gogh” e espinhos em nos- O belíssimo texto de Marilena Chaui, “Janela
sa carne. Que o conceito não é representação completa- da alma, espelho do mundo”, serve de mote para este
mente determinada, mas “generalidade de horizonte” e a artigo, tendo em vista que sintetiza, poética e filoso-
idéia não é essência, significação completa sem data e ficamente, algumas das várias problematizações que
sem lugar, mas “eixo de equivalências”, constelação pro- pretendo fazer aqui, a respeito das pesquisas em edu-
cação que têm como objeto ou como material empí-
rico as imagens da televisão ou as diferentes formas
de veicular e receber produtos da mídia televisiva.
* Algumas das discussões deste texto fazem parte do traba-
Pergunto-me: como estudar as imagens, textos e sons
lho “O dentro e o fora da recepção: por uma análise da heteroge-
da mídia, especialmente da televisão, tendo como
neidade dos processos comunicacionais”, apresentado no XI
pressuposto que não extrairemos das imagens repre-
COMPÓS – Encontro Nacional dos Programas de Pós-Graduação
em Comunicação, realizado na UFRJ, de 4 a 7 de junho de 2002,
sentações acabadas, mas antes possibilidades de sig-
no GT “Mídia e Recepção”. nificação, datadas e bem localizadas, seja do ponto
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Problematizações sobre o exercício de ver
plexidade do que tenho chamado de “dispositivo pe- gias de captura de determinados públicos, em certas
dagógico da mídia”2 (Fischer, 2000, 2001b, 2001c), épocas e horários; c) os modos de articulação do pú-
com suas técnicas e estratégias específicas de inter- blico com o produto veiculado, dados por situações
pelação dos sujeitos. Mas o que seria exatamente o muito diferentes, como as pesquisas de marketing e
“visível” e o que seria o “enunciável”, em se tratan- as pesquisas de audiência, as manifestações dos re-
do de programas de tevê, eleitos por nós como “do- ceptores buscadas e veiculadas pela própria televisão
cumentos”? ou por outros meios de comunicação, como jornais e
Parece-me que o visível (jamais separado do revistas; também as formas de participação e inter-
enunciável), aqui, poderia ser pensado como uma tra- venção do público, permitidas por outras situações,
ma de visibilidades, a saber: a) o próprio produto, um como aquelas que se dão no âmbito das próprias pes-
programa ou um conjunto “x” de programas de tele- quisas de recepção; d) finalmente, a trama de visibi-
visão, com toda a riqueza de sua linguagem audiovi- lidades teria a ver igualmente com as condições de
sual, que poderá ser analisada nos detalhes específi- produção e de emergência de certos discursos que cir-
cos dessa linguagem: o roteiro, os diversos “blocos” culam em determinados produtos da mídia, em certa
do programa, os atores ou personagens em jogo, a época e lugar; trata-se aqui das práticas institucionais,
sonorização, o texto propriamente dito, a cenografia, dos acontecimentos políticos, dos diferentes proces-
o gênero de programa (ficção, jornalismo, publicida- sos econômicos e culturais que, como nos ensina
de, humor, musical, reality show, talk show, e assim Foucault, não seriam “expressão” de um discurso nem
por diante), a edição, a seleção de planos, a sintaxe sua causa imediata, mas algo “que faz parte de suas
das seqüências narrativas; b) o produto e sua inserção condições de emergência” (Foucault, 1986, p. 187).
numa política global de produção e veiculação, numa Fica claro, portanto, que falar de visibilidades é falar
determinada emissora ou num conjunto de emissoras também de enunciados, daquilo que se “murmura”,
de tevê aberta ou a cabo, com as diferentes estraté- das coisas ditas em determinado tempo e lugar.
Para exemplificar, trago imagens que hoje são
presença obrigatória na televisão, nas revistas, nos
jornais: a figura das meninas adolescentes que ascen-
temática da prevenção da AIDS e do HIV no Brasil é discutida a dem meteoricamente ao estrelato do chamado mundo
partir da análise de filmetes produzidos pelo Ministério da Saúde fashion. Se nos debruçarmos sobre essas imagens,
e veiculados na televisão; no segundo, os modos de constituir a sobre a reiteração desses corpos jovens, quase infan-
mulher, seu corpo, seus afetos, sua sexualidade, é investigado a tis, sobre a insistência de seus olhares duros e frios,
partir das narrativas destinadas ao público infantil, como os fil- distantes, atemorizadores até, podemos descrever um
mes de animação de Walt Disney. Em ambos, faz-se uma análise pouco dessa discursividade de elogio a um corpo que
detalhada de linguagens específicas (o cinema na indústria do en- se faz belo e desejável de um determinado modo, e
tretenimento e os filmetes de propaganda oficial para veiculação que se associa àquilo que Jurandir Freire Costa cha-
em tevê), ao mesmo tempo em que se discutem problemas funda- ma de cultura das sensações, de cultivo de uma “sub-
mentais da sociedade contemporânea, como os relativos aos mo-
jetividade exterior” (Costa, 2001). Tudo indica que
dos de existência propostos nesses materiais quanto às questões
tal discurso se constrói a partir de outros discursos,
de gênero e às formas de sexualidade constituídas como verdades
ou a eles se associa, sem medo de uma possível in-
a serem aprendidas e vivenciadas.
2
congruência. Aliás, parece fazer-se exatamente dessa
Defino “dispositivo pedagógico da mídia” no texto “ ‘Téc-
nicas de si’ na TV: a mídia se faz pedagógica”, como um aparato
fragmentada incongruência: nos textos e imagens que
discursivo e ao mesmo tempo não-discursivo a partir do qual ha- oferece sobre a última novidade no mercado das pas-
veria formas muito particulares de produção do sujeito contempo- sarelas, a mídia é capaz de nos remeter àquele fato
râneo (Fischer, 2000, p. 115). como “coisa do mercado”, como sucesso econômico
e profissional, simultaneamente como revelação de época. Mais do que inventar ou produzir um discur-
uma inocência bela a se expor a nossos olhos e, ain- so, a mídia reduplicá-lo-ia, porém, sempre a seu modo,
da, como oferta de “carne”, de “suculência”.3 Em ou- na sua linguagem, na sua forma de tratar aquilo que
tras palavras: o discurso hedonista de nosso tempo “deve” ser visto ou ouvido. Isso quer dizer, então, que
associa-se, sem qualquer pudor, a um discurso politi- ela também estaria simultaneamente replicando algo
camente incorreto, relacionado a uma sugestão pou- e produzindo seu próprio discurso, sobre a mulher,
co velada de pedofilia – mesmo que a mesma mídia, sobre a criança, sobre o trabalhador ou, no caso do
a mesma emissora ou rede, por vezes até simultanea- exemplo anterior, sobre a juventude ou a adolescên-
mente àquele tipo de emissão, dediquem-se “sincera- cia das passarelas.
mente” a combater o crime de assédio sexual de adul- A propósito da discussão sobre o fato de a tele-
tos a crianças e adolescentes. visão ou a mídia produzirem ou apenas replicarem
Assim, tratar de visibilidades, na análise enun- discursos, é bem instigante a observação que fazem
ciativa proposta por Foucault, significa tratar dos es- Deleuze e Guattari (2001), em O que é a filosofia?.
paços de enunciação de certos discursos – espaços Os filósofos lembram como em nosso tempo uma das
institucionais muito definidos, como é o caso da es- reivindicações do campo da comunicação (e de seus
cola, por exemplo, e espaços mais fluidos e amplos, correlatos, como a informática, o design, a publicida-
como é o caso da mídia, em sua relação com os vá- de; eu acrescentaria: da moda e da mídia, de uma ma-
rios poderes, saberes, instituições que nela falam. neira mais ampla) é justamente a de que é nesses es-
Nesse sentido, poderia dizer-se que a mídia se consti- paços que ocorre a criação, ali é que se inventam até
tui um espaço de “visibilidade de visibilidades”; ela mesmo “conceitos” (o estilista dirá, por exemplo, que
e suas práticas de produção e circulação de produtos seu último desfile foi totalmente “conceitual”). Tra-
culturais constituiriam uma espécie de reduplicação ta-se de um bom exemplo de como os meios de co-
das visibilidades de nosso tempo. Da mesma forma, municação e todas as suas “disciplinas” produzem (ou
poderíamos dizer que a mídia se faz um espaço de se apropriam de) certos discursos. Trata-se de uma
reduplicação dos discursos, dos enunciados de uma luta, de disputas de poder muito específicas, a partir
das quais (ou no interior das quais) se fazem e refa-
zem os discursos, os saberes especializados, bem
3
Eventos da moda como os conhecidos “São Paulo Fashion”
como os modos de nos tornarmos sujeitos de certas
e “Rio Fashion”, que trazem modelos famosas como Gisele verdades. Reivindicar para si o grande e exclusivo
Bündchen ou Naomi Campbell, ao lado de novas meninas brasi- lugar da criação, no caso da mídia e da publicidade,
leiras, são descritos na mídia com a voluptuosidade de palavras seria um modo de ensinar a todos nós que outros es-
que seguidamente remetem à associação da mulher e do corpo paços (como o da filosofia, da literatura, da própria
feminino com tudo o que diga respeito a apetite, fome, prazer vi- educação, da arte) teriam deixado de ser importantes
sual-oral. Exemplo disso foram duas reportagens, uma na revista em nosso tempo.
semanal ISTOÉ, edição nº 1713, de 31 de julho de 2002 (em que Portanto, analisar discursos significa em primei-
se fala num desfile que conseguiu “números robustos”, “resulta- ro lugar não ficar no nível apenas das palavras, ou
dos suculentos”, numa matéria que dá espaço especial à atriz Luana
apenas das coisas; muito menos, buscar a bruta e fá-
Piovani, que desfilou de seios sustentados apenas pelas mãos da
cil equivalência de palavras e coisas. Como escreve
modelo), e outra no Caderno Donna do jornal Zero Hora do dia 27
Deleuze (1991), o visível tem suas próprias leis, des-
de julho de 2002 (em que uma nova modelo, de 15 anos, gaúcha
fruta uma certa autonomia em relação ao enunciável,
do município de Viamão, na Grande Porto Alegre, é saudada como
justamente porque “as coisas ditas” também têm sua
nova promessa e elogiada pelo sucesso que fez, em virtude de ter
coberto “inocentemente” os seios que se expuseram nus, por um
relativa autonomia. Em suma, o visível e o enunciá-
problema com o aplique de cabelos da menina). vel não se reduzem um ao outro, eles exercem uma
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Problematizações sobre o exercício de ver
espécie de força um sobre o outro, de tal forma que naquilo que Deleuze chama de “condição que as abre”
haveria simultânea e permanentemente “a lição das (idem, p. 66).
coisas e a lição da gramática” (p. 60, grifo do autor). O interesse de Foucault pelos espaços institucio-
E é essa heterogeneidade dos ditos e das visibilidades nais, como a prisão, o hospital,4 remete ao fato de que
que proponho seja descrita em nossas investigações olhar para esses lugares tão concretos e tão palpá-
sobre produtos midiáticos. Quando afirmo que a mídia veis, nessa perspectiva, significa tratar de dimensões
se constituiria um espaço de “visibilidade de visibili- de exterioridade de funções como a de isolar, seqües-
dades”, não estou aqui confundindo visibilidade com trar corpos, classificar – funções diretamente relacio-
elementos visuais, com objetos palpáveis, mostrados nadas a enunciados de um discurso específico, o dis-
em suas qualidades sensíveis stricto sensu. Sim, va- curso da sociedade das disciplinas. Foucault chegou
mos operar sobre programas de tevê que gravamos, a enunciar essas funções não porque para ele haveria
materiais que manipulamos e que buscamos descre- uma perfeita correlação entre um visível e um enun-
ver em suas minúcias de materialidade audiovisual. ciável, mas porque a minuciosa e complexa investi-
Mas a visibilidade que vamos descrever diz respeito gação de um sem-número de modos, procedimentos,
a um trabalho minucioso e árduo de abrir, “rachar” enfim, práticas discursivas e não-discursivas, de pro-
essas imagens, textos e sons, abrir e rachar a minúcia duzir isolamentos, totalizações e distinções entre os
das práticas institucionais relativas ao ver e ao fazer indivíduos, lhe permitiu “ver” isso, construir essa his-
ver da televisão num país como o Brasil, abrir e ra- tória das prisões, mostrar como nos constituímos desse
char as coisas ditas nos telejornais e telenovelas, nos jeito no Ocidente, numa certa época.
comerciais e nos reality shows, e extrair deles alguns Como escreve Paul Veyne no conhecido texto
(mesmo que poucos) enunciados (idem, p. 62) – sa- “Foucault revoluciona a História”, a filosofia de
bendo que não há verdades ocultas nem visibilidades Foucault não é uma filosofia do discurso, mas uma
tão plenamente expostas nem tão evidentes. filosofia da relação (Veyne, 1982, p. 177). E é disso
“Que tudo seja sempre dito, em cada época, tal- que estamos tratando aqui, quando propomos um
vez seja esse o maior princípio histórico de Foucault: modo de tomar a mídia, seus ditos e a suas visibilida-
atrás da cortina não há nada para se ver, mas seria des como objeto de nossas investigações no campo
ainda mais importante, a cada vez, descrever a corti- educacional. Na esteira dessa filosofia, recusamos a
na ou o pedestal, pois nada há atrás ou embaixo” idéia de que se deva, por exemplo, estudar a televisão
(Deleuze, 1991, p. 63). Por mais que protestemos, é e seus produtos para expor única e exclusivamente a
preciso enfrentar o fato de que não há enunciados es- maquinaria de uma forma de manipulação de crian-
condidos naquilo que a mídia produz e veicula; o que ças, adolescentes, homens e mulheres das camadas
há são emissores e destinatários dos meios de comu- populares. No lugar disso, propomos uma investiga-
nicação (como o rádio, a tevê, as revistas e jornais), ção que se aventure a responder a uma série de rela-
que variam conforme os regimes de verdade de uma ções, de “comos”, que se aventure a perguntar sobre
época, e de acordo com as condições de emergência e as sucessivas transformações no grande tabuleiro so-
de produção de certos discursos. Portanto, há que olhar cial, em que arranjos de poder e de saber são conti-
para essa complexidade dos processos comunicacio- nuamente feitos, e que podem ser “apanhadas” justa-
nais, procurando não o que estaria escamoteado, mas
os modos de se fazer verem certas coisas num deter-
minado tempo. Pode ser paradoxal, mas o que nos 4
A descrição da história das prisões, feita pelo autor, em
ensina Foucault é que, se ficarmos nas evidências, na Vigiar e punir (Foucault, 1991), merece ser consultada, se dese-
ilusão das coisas em si, palpáveis e plenamente visí- jarmos apreender melhor essa inseparabilidade entre o visível e o
veis, aí é que não as veremos naquilo que importa, enunciável.
mente nesse lugar específico de enunciação, que é a cia midiática e seus limites” (Sarlo, 1997b), a autora
mídia. Assim, nessa perspectiva, interessaria muito analisa, por exemplo, de que modo a televisão argen-
um estudo que pudesse responder de que modo, nes- tina participou de uma verdadeira guerra, cujos parti-
se lugar das imagens em zapping, da informação frag- cipantes eram um casal e sua filha pequena, além da
mentada, da narrativa das celebridades e dos aconte- própria televisão, seus jornalistas, suas equipes de pro-
cimentos-bomba, nesse paraíso dos corpos, se dução e o público telespectador. A separação dos pais
produzem certas formas de sujeição em nosso tempo, argentinos, que se casaram no Canadá, e a luta pela
relativas a como investimos tempo e energia na trans- posse da criança que fora com a mãe para Buenos
formação de nossos corpos infantis, adultos, adoles- Aires passaram a ser objeto de intensa atenção da tevê.
centes, nossos corpos masculinos e femininos; ou Para Sarlo, o fato interessa não pela óbvia espetacu-
então um estudo que não temesse imiscuir-se nas inú- larização da vida privada e do sensacionalismo daí
meras práticas aprendidas diariamente através do que decorrente, mas especialmente porque mobiliza uma
vemos na televisão, sobre nossos modos de olhar o série de discursos produzidos a partir da mídia televi-
outro, de constituir os diferentes de nós, os pobres, os siva: por exemplo, o discurso do orgulho nacional e o
adolescentes,5 as mulheres, as mães,6 as professoras, discurso de uma suposta ordem natural a ser defendi-
os que encarnariam a imagem do mal,7 do indesejá- da, justamente aqui e agora, num mundo de sentidos
vel, daquilo que merece ser eliminado ou “detona- morais erodidos (ambos a justificarem a permanên-
do”,8 e assim por diante. cia da menina na Argentina, com a mãe).
Da mesma forma, a autora – como acontece em
Modos midiáticos de ser outros textos seus sobre cultura e mídia9 – mostra de
que modo vida cotidiana, cidadãos comuns e tevê se
As análises da estudiosa argentina Beatriz Sarlo irmanam: a mãe em questão, segundo Sarlo, emerge
talvez sejam aqui as mais adequadas para exemplifi- como uma personagem midiática, perfeitamente ade-
carmos de que modo é possível fazer da mídia objeto quada ao meio, alguém que encontrou a oportunida-
de estudo, para dessa maneira falar sobre nosso tem- de para devolver à própria tevê o que com ela apren-
po, problematizar nosso cotidiano, fazer a história de deu (a mãe praticamente faz o papel de diretora e
nosso presente, sem procurar os não-ditos, as verda- roteirista dos programas relativos a seu drama). Mais
des recalcadas, mas antes descrever como nos vamos do que isso: na análise de Sarlo, aparece a televisão
constituindo deste e não daquele jeito, no caso, a par- como organizadora e catalisadora de um debate na-
tir da ação da mídia ou, pelo menos, com sua insis- cional, sobre o qual todos se pronunciam. Mesmo
tente participação. No instigante texto “A democra- numa época de graves problemas econômicos, o povo
argentino vê-se às voltas com uma mínima história
privada, e isso toma conta das audiências, como se
5
Veja-se a propósito a dissertação de mestrado de Celso não fosse possível viver de outra forma, como se não
Vitelli (2002). saber da história do casal fosse estar privado de estar
6
Aqui lembro a pesquisa de Fabiana de Amorim Marcello com todos num espaço público. Em nosso país, não é
(2002), que investiga de que modo se constrói na mídia um dis- diferente, e somos todos reféns do Big Brother Bra-
curso sobre a maternidade hoje. sil. Como escreve Sarlo,
7
A propósito desse tema, das figurações do mal na cultura
contemporânea, remeto à pesquisa de Paola Menna Barreto Go-
mes (2002).
9
8
Expressão usada no programa Big Brother Brasil pelo apre- Refiro-me aqui aos ensaios do livro Cenas da vida pós-
sentador Pedro Bial, nas ocasiões de votação do participante que moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina (Sarlo,
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Problematizações sobre o exercício de ver
A esfera midiática introduziu inúmeras modificações O que essa autora nos sugere é que os modos
na apresentação dos problemas que magnetizam a socieda- pelos quais a mídia existe em nosso tempo são
de, mas o que fez com maior originalidade foi o rearranjo instauradores de uma nova ordem, a ordem da
de fronteiras entre o que é público e o que é privado. Como videopolítica,10 segundo a qual as tecnologias de co-
conseqüência disso, alterou-se a relação entre os fatos que municação produzem modos de existência, estilos, que
afetam a todos os cidadãos e aqueles cuja projeção diz res- se apresentam como “naturais”, como imediatos, su-
peito apenas aos que estão privada e diretamente envolvi- gerindo que a familiaridade das imagens televisivas e
dos em um conflito. Emerge uma solidariedade do privado das páginas de jornais e revistas se imponha como
em uma sociedade que está perdendo critérios públicos de garantia de verdade, de “afetuosa” partilha de cotidi-
solidariedade. (1997b, p. 123-124) anos, e não de jogo de interpelação. Todos, pela ação
da mídia, políticos especialmente, precisam fazer-se
O exemplo acima é paradigmático da metodolo-
populares, íntimos, “imediatos”, atores da indústria
gia de investigação que faço neste artigo: proponho
do entretenimento, com um certo estilo discursivo que
que as imagens audiovisuais sejam tomadas na sua
elimina as “complicações” semânticas e sintáticas, os
materialidade específica, na sua condição de tal ou qual
torneios de linguagem, as metáforas mais elaboradas,
gênero de programa televisivo, mas que exatamente
a sofisticação das diferenças de linguagem e de esti-
essa operação sobre os textos, figuras, sonoridades,
los, bem como a particularidade, a singularidade de
cores e movimentos da tevê se faça concomitantemen-
cada evento, de cada indivíduo ou de cada grupo tor-
te a um trabalho de auscultação dos sujeitos envolvi-
nado visível aos olhos do mundo pela tevê. Há na
dos, das personagens que se deixam ver ou que são
mídia uma equivalência de temas, valores, afetos, sa-
convidadas ou expostas a um certo tipo de visibilida-
beres: é assim que, por exemplo, a atriz de telenovela
de, também dos produtores, criadores, jornalistas, es-
poderá estar lado a lado com um ministro de Estado
pecialistas, todos os participantes de uma trama narra-
ou com um catedrático de renomada instituição uni-
tiva em que se fazem circular alguns discursos. Que
versitária, e opinará sobre a violência praticada com
discursos são esses? Que enunciados podem ser extra-
crianças pequenas no Brasil.
ídos dessas enunciações televisivas? Que campos de
Esse “ar democrático” da mídia, segundo
saber se aliam ou se contrapõem entre si nesse lugar
Beatriz Sarlo, precisa ser investigado no que con-
específico? Que modos de subjetivação podem ser aí
cerne às novas relações que têm se estabelecido en-
identificados? Na análise de Sarlo (1997b), o aconte-
tre sistema político, cidadania e opinião pública
cimento midiático é fonte de uma discussão sobre de-
(1997b, p. 138). No âmbito deste artigo, tais obser-
mocracia, sobre as redefinições do público e do priva-
vações reforçam a proposta de que a análise do dis-
do, sobre o que seria a participação popular, a pesquisa
curso da mídia, nas pesquisas educacionais, precisa
de opinião (vendida na mídia como prática democráti-
dar conta exatamente dessa complexa trama – de uma
ca), e permite que a autora conclua, sobre o episódio:
linguagem específica, a audiovisual, em correlação
[...] as paixões sitiam as instituições cuja eficácia não pare- com os sentidos que nela circulam e são construí-
ce evidente, enquanto o imaginário tece sua crença de que dos, elementos que não se separam de modos de ser
há verdades mais simples, mais imediatas e mais naturais. e estar, ensinados exatamente no interior dessas prá-
Todo o problema da cultura contemporânea resume-se nes- ticas de produção, veiculação, recepção de produtos
te conflito em que o vazio de compromissos significativos midiáticos. Visualidade eletrônica é hoje parte cons-
comuns é compensado por um emaranhado de laços sim-
bólicos que operam provavelmente com mais força sobre
quem está mais excluído das grandes decisões que definem 10
Ver, a propósito, o artigo “Sete hipóteses sobre a
sua vida. (p. 128) videopolítica” (Sarlo, 1997b, p. 129-138).
titutiva da visibilidade cultural (Martín-Barbero e pensa que é aquele a quem se destina tal ou qual pro-
Rey, 2001), e é isso que precisamos investigar. O grama? Quem aquela emissora ou aquele criador ima-
estilo discursivo da televisão, como referi anterior- gina que eu sou, que nós somos, que esta criança é? E
mente, produz alterações até mesmo nos modos de quem se deseja que sejamos? Podemos apreender es-
concebermos como deve ser um político, um pro- ses “modos de endereçamento” na própria análise dos
fessor, um religioso: as instituições cada vez mais programas, porque o espectador está de alguma for-
são julgadas, vistas, concebidas em relação com um ma lá, foi projetado, imaginado pela tevê, e nessa
tipo de performance audiovisual (não é à toa que medida ele existe. Mas proponho que se vá adiante,
emergem figuras como o padre Marcelo, o profes- que se busquem formas de investigação pelas quais
sor Pasquale, ou políticos performáticos como o eter- seja possível estabelecer um movimento permanente
no candidato Enéas). Analisar, portanto, o discurso entre a análise dos produtos midiáticos e a escuta de
da mídia, no âmbito das pesquisas educacionais, será grupos selecionados de espectadores – cujas falas,
mergulhar num tipo específico de linguagem, a au- assim como os textos midiáticos escolhidos, consti-
diovisual,11 tendo selecionado um conjunto expres- tuiriam, ambos, o corpus de nossa análise.
sivo de materiais, exatamente porque podem dar con- De qualquer modo, penso que o fundamental seja
ta dessas paisagens imaginárias de nosso tempo, e montar uma estratégia básica de abordagem dos ma-
têm uma presença efetiva no cotidiano dos sujeitos teriais midiáticos, a saber: a elaboração de ferramen-
sociais, dos alunos, meninos e meninas, crianças, tas de pesquisa que tenham uma espécie de coerência
adolescentes, dos professores e professoras, com os interna, de tal forma que a própria temática em questão
quais interagimos no cotidiano escolar. esteja articulada com a criação de categorias de análi-
Imagino, portanto, que a leitura dos materiais se, a escolha dos conceitos teóricos, a operacionalização
audiovisuais e o estudo das estratégias de produção, desses mesmos conceitos e, evidentemente, a análise e
criação e veiculação dos produtos da mídia não per- interpretação dos dados. Como vimos no exemplo de
cam de vista a dimensão das profundas repercussões análise feita por Beatriz Sarlo, o tratamento das várias
dessas práticas na vida das pessoas. Ou seja, emerge, reportagens e matérias sobre o casal argentino e seu
hoje, mais do que nunca, a necessidade de complexi- conflito conjugal contemplou simultaneamente uma
ficarmos nossas investigações a respeito do receptor análise minuciosa da linguagem stricto sensu da tevê,
que, na falta de um nome melhor, ainda assim é cha- das interpelações em direção aos espectadores; jamais,
mado. A quem se endereçam os produtos televisivos? porém, a autora desvinculou essa análise de um traba-
Como pergunta Elizabeth Ellsworth (1997), quem se lho detalhado sobre a temática da democracia, de
videopolítica, e especialmente da temática dos novos
arranjos das esferas pública e privada.
11
Arlindo Machado (1998) oferece elementos bastante ricos Pesquisar, ou: problematizar o presente
para nos apropriarmos da tecnologia de produção, veiculação e
recepção das imagens audiovisuais eletrônicas. Modestamente, em
Em suma, esta proposta, feita com base em uma
meu livro Televisão & educação: fruir e pensar a TV, especial-
série de pesquisas – incluindo-se aqui não só a pes-
mente no capítulo “As imagens e nosso olhar atento: com que
quisa acadêmica,12 mas estudos qualitativos de audiên-
linguagens opera a TV?”, também sugiro formas de abordar as
cia e até mesmo criação de programas para crianças,
imagens televisivas (Fischer, 2001c). Sugiro também a leitura do
livro de Gillian Rose (2001), que, aliás, serviu de referência para
as análises feitas por Luis Henrique Sacchi dos Santos (2002), já
referidas acima, sobre anúncios televisivos de campanhas oficiais 12
Ver, a propósito, Fischer, 1993; 1996a; 1996b; 2000;
de prevenção à AIDS e ao HIV. 2001b).
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Problematizações sobre o exercício de ver
13
Refiro-me aqui à experiência na TV Educativa do Rio de
15
Janeiro, como pesquisadora e como coordenadora de produção de Obviamente, Martín-Barbero está aí servindo-se de seu
programas educacionais (de 1979 a 1990). clássico conceito de mediação (sobre o qual nos abstemos de
14
Sobre essa relação entre o que vemos e como somos vis- discorrer, tal a quantidade de estudos que o citam e tal a produ-
tos, sugiro, além da obra de Didi-Huberman (1998), a leitura de tividade de seu emprego, já há mais de 20 anos, nos estudos de
Nos textos “The work of representation” e “The fartamente exemplificado por Hall no seu texto sobre
spectacle of the ‘other’” – em que Stuart Hall (1997) “o espetáculo do outro”, referido anteriormente).18
se dedica a expor densa e extensamente alguns con- Imagino ter contribuído aqui para ampliar a dis-
ceitos como discurso, representação e diferença –, cussão sobre nossas investigações a respeito das ima-
encontramos um bom exemplo da proposta aqui fei- gens da mídia na pesquisa educacional, tendo busca-
ta, de como a análise de imagens ou textos midiáticos do articular aqueles dois pólos citados, tensionados
pode vir profundamente articulada a uma discussão por uma discussão que poderia ser chamada de
teórica sobre temas e problemas de nosso tempo, de temática/teórica. Com isso, assumo mais uma vez a
modo que a investigação sobre os processos comuni- urgência e a riqueza de pautar as análises da mídia a
cacionais transite, no mínimo, por dois pólos princi- partir da idéia de que não só “vemos” tantas e tão
pais, sempre relacionados entre si: o pólo da produ- diferentes imagens, mas somos igualmente “olhados”
ção (da elaboração, da construção lingüística, sonora por elas.19 Olhar, como escreve Marilena Chaui, abri-
e imagética) e o pólo da recepção17 (ou seja, da ope- ga necessariamente a crença na atividade da visão, e
ração sobre os materiais, que inclui, no caso desse esta depende de nós, de nossa atividade, mas igual-
autor e dos relatos publicados nessa obra em espe- mente de uma certa passividade, daquilo que nasce
cial, um trabalho pedagógico muito particular, de en- “lá fora, no grande teatro do mundo” (Chaui, 1999,
sino e aprendizagem sobre a cultura). Ambos estão p. 34). Procurei argumentar em favor de um modo de
estreitamente relacionados ao que eu chamaria pro- investigar as relações entre emissor/receptor, produ-
priamente de investimento teórico (relativo à escolha to/apropriação, a partir da idéia de prática cultural
de produtos e temáticas muito específicos, intencio- como prática política, ou de espaço público como
nais, que permitam trazer à tona a discussão de con- teatralidade, agonismo, experiência de pluralidade (ver
ceitos de ordem filosófica, psicanalítica, sociológica, Arendt, 2000), para além do clássico binarismo de
histórica, pedagógica, centrais para a própria com- “conteúdo” e “forma”. Pelo contrário, quis mostrar
preensão da cultura contemporânea – por exemplo, que há uma complementaridade entre esses dois as-
questões sobre a filosofia da diferença, racismo, vio- pectos; mais, que há uma inseparabilidade fundamen-
lência, relações de gênero, e assim por diante, como é tal entre ambos.
A análise dos processos comunicacionais, à me-
dida que dê conta da complexidade da produção/
17
Na pesquisa “Subjetividade feminina e diferença no dis-
emissão/veiculação, e igualmente da recepção/apro-
positivo pedagógico da mídia”, que desenvolvo atualmente, reali- priação, e, principalmente, da colocação em pauta
zo um estudo de recepção, aliado a uma investigação sobre produ- de temáticas contemporâneas – de modo especial,
tos televisivos que tenham como figura proeminente a mulher. de conceitos teóricos claramente definidos –, pode
Nas sessões de recepção (feitas com alunas de um curso de peda- ser oferecida como possível, plausível e produtiva,
gogia), interessou-me debater com as estudantes exatamente a nas análises que estamos empreendendo no cruza-
temática das relações entre vida pública e vida privada, constru- mento dos campos da educação e da comunicação.
ção de novas identidades e subjetividades, invasão da intimidade Defendo aqui uma posição que espero ter explicitado
no espaço “público” da mídia, produção e tratamento das diferen- suficientemente: nossas análises dos meios de co-
ças, a partir de Homi Bhabha (1998) e, igualmente, do conceito de
normalidade e anormalidade em Foucault, referências que, com
os conceitos relativos à “televisibilidade” (Sarlo, 1997a) e aos
18
“modos de endereçamento” (Ellsworth, 1997), conduziram as aná- Em meu livro Televisão & educação: fruir e pensar a TV
lises dos produtos televisivos e, igualmente, as sessões de “escu- (Fischer, 2001c), chamo a atenção para algumas dessas questões
ta” dos grupos de mulheres, bem como a análise desses mesmos que denomino “sintomas da cultura”.
19
textos (as falas das alunas). Ver, a propósito, Didi-Huberman (1998).
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Problematizações sobre o exercício de ver
aos modos e “exercícios do ver”20 dos diferentes pú- BORELLI, Sílvia Helena Simões, (1995). Gêneros ficcionais:
blicos. No entanto, mais importante do que isso, a materialidade, cotidiano, imaginário. In: SOUSA, Mauro
proposta é que tais investigações sobre produtos mi- Wilton de (org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo:
diáticos e seus públicos sejam tecidas a partir de uma Brasiliense.
genuína preocupação com a história do presente, com
CHAUI, Marilena, (1999). Janela da alma, espelho do mundo. In:
atenção naquilo que hoje se faz urgente pensar –
NOVAES, Adauto (org.). O olhar. São Paulo: Cia. das Letras.
aceitando que “o visível é atapetado pelo forro do
COSTA, Jurandir Freire, (2001). Subjetividade exterior. Disponível
invisível”, e que “também o pensado é habitado pelo
em: <http://www.jfreirecosta.hpg.ig.com.br/Ciencia_e_Educacao/
impensado” (Chaui 1999, p. 61). Nesse sentido, ima-
9/Artigos/subjetividade.html>.
gino que o esforço estará em mergulhar sem medo
nossos estudos em teorias que dialogam com os “pe- DIDI-HUBERMAN, Georges, (1998). O que vemos, o que nos
rigos” contemporâneos, como escreve Foucault olha. Rio de Janeiro: Ed. 34.
(1995, p. 256), sem procurar propriamente alterna- DELEUZE, Gilles, (1991). Foucault. São Paulo: Brasiliense.
tivas, mas incessantemente trabalhar com problema-
DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix, (2001). O que é a filoso-
tizações, já que, ao fim e ao cabo, tudo é mesmo
fia? Rio de Janeiro: Ed. 34.
muito perigoso.
ELLSWORTH, Elizabeth, (1997). Teaching positions: difference,
pedagogy and the power of address. New York: Teachers
ROSA MARIA BUENO FISCHER é professora adjunta do
College, Columbia University.
Departamento de Estudos Especializados e do Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação, da Universidade Federal FISCHER, Rosa Maria Bueno, (1993). O mito na sala de jantar.
do Rio Grande do Sul (UFRGS). Como pesquisadora, trabalha Porto Alegre: Movimento.
com a temática das relações entre mídia, cultura, discurso, modos , (1996a). Adolescência em discurso: mídia e produ-
de subjetivação e educação. Durante dez anos trabalhou na TV ção de subjetividade. Tese de doutorado – UFRGS/PPGEDU,
Educativa do Rio de Janeiro, como coordenadora de programas Porto Alegre.
para crianças, adolescentes e professores. É autora dos livros O
, (1996b). A paixão de “trabalhar com” Foucault. In:
mito na sala de jantar (Movimento, 1993, 2ª ed.) e Televisão &
educação; fruir e pensar a TV (Autêntica, 2001). Publicou tam- COSTA, Marisa Vorraber (org.) Caminhos investigativos: no-
bém vários artigos em revistas especializadas, além de ensaios e vos olhares na pesquisa em educação. Porto Alegre: Media-
capítulos de livros, sobre os temas de suas pesquisas. Desde 1997 ção. p. 37-60.
é editora da revista Educação & Realidade, da Faculdade de Edu- , (1997). O estatuto pedagógico da mídia: questões
cação da UFRGS. Participou, de 1998 até 2000, do Comitê Cien- de análise. Educação & Realidade. Porto Alegre, UFRGS/
tífico da ANPEd.
FACED, v. 22, no 2, jul./dez.
, (2000). “Técnicas de si” na TV: a mídia se faz peda- de um dispositivo: a maternidade como significante vazio –
gógica. Educação UNISINOS, São Leopoldo (RS), v. 4, no 7, PPGEDU/UFRGS, Porto Alegre. (Proposta de dissertação de
jul./dez.,p. 111-139. mestrado).
, (2001a). Foucault e a análise do discurso em educa- MARTÍN-BARBERO, Jesús, (1995). América Latina e os anos
ção. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, FCC/Autores Associa- recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In:
dos, no 114, p. 197-223. SOUSA, Mauro Wilton de (org.). Sujeito, o lado oculto do re-
, (2001b). Mídia e educação da mulher: uma discus- ceptor. São Paulo: Brasiliense.
são teórica sobre modos de enunciar o feminino na TV. Revista MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán, (2001). Os exercí-
o
Estudos Feministas, Florianópolis, UFSC, v. 9, n 2, p. 586- cios do ver. Hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São
599. Paulo: SENAC.
, (2001c). Televisão & educação: fruir e pensar a TV. MORIN, Edgar, (1999). Por uma reforma do pensamento. In:
Belo Horizonte: Autêntica. PENA-VEJA, Alfredo, NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do
FOUCAULT, Michel, (1986). A arqueologia do saber. Rio de Ja- (orgs.). O pensar complexo. Edgar Morin e a crise de moderni-
, (1995). Sobre a genealogia da ética: uma revisão do SARLO, Beatriz, (1997a). Cenas da vida pós-moderna; intelec-
trabalho. (Michel Foucault entrevistado por Hubert L. Dreyfus tuais, arte e videocultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora
Uma trajetória filosófica. Para além do estruturalismo e da , (1997b). Paisagens imaginárias. São Paulo: EDUSP.
hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense. SANTOS, Luís Henrique Sacchi dos, (2002). Biopolíticas de
GOMES, Paola Menna Barreto, (2000). Princesas: produção de HIV/AIDS no Brasil: uma análise dos anúncios televisivos
subjetividade feminina no imaginário de consumo. Disserta- das campanhas oficiais de prevenção (1986-2000). Tese
ção (Mestrado) – PPGEDU/UFRGS, Porto Alegre. (Doutorado).
, (2002). Anatomia do dragão: imagens do mal na SOUSA, Mauro Wilton de, (1995). Recepção e comunicação: a
indústria do entretenimento. PPGEDU/UFRGS: Porto Alegre. busca do sujeito. In: SOUSA, Mauro Wilton de, (org.). Sujei-
(Proposta de tese de doutorado). to, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense. p. 13-38.
HALL, Stuart, (1997). Representation: cultural representations and THOMPSON, John B., (2002). A mídia e a modernidade: uma
signyfying pratices. Londres: Sage/Open University. teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes.
JACKS, Nilda, (2000). Histórias de família & etnografia: proce- VEYNE, Paul, (1982). Como se escreve a história. Foucault revo-
dimentos metodológicos para uma análise integrada. In: Mídias luciona a história. Brasília: UnB.
e recepção. São Leopoldo: UNISINOS. VITELLI, Celso (2002). Estação adolescência: identidades na
MACHADO, Arlindo, (1988). A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense. estética do consumo. Dissertação (Mestrado).
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Resumos/Abstracts
the concept of habitus, based on the In analysing a Brazilian daily circulando como verdade em nosso
singularity of those social and cultural television programme for children and tempo, produzem, para indivíduos e di-
conditionings experienced by modern young people – Bambuluá – I present ferentes grupos sociais, determinados
societies. this cultural artefact as a device used modos de subjetivação. A análise dos
Key-words: socialisation, habitus, for integrating the pedagogical discursos da mídia é entendida como
configuration, modernity. apparatus of governmental societies, uma ferramenta para descrever práticas
teaching people many things, including discursivas e não-discursivas, o visível
Marisa Vorraber Costa a set of truths which make up the e o enunciável dos modos de ver con-
curriculum through which we learn to temporâneos.
Ensinando a dividir o mundo; as
divide the world. I argue that media Palavras-chave: mídia, recepção, análi-
perversas lições de um programa de
pedagogies and other artefacts of the se do discurso, pesquisa em educação,
televisão
cultural industry carry out much of the subjetivação.
Ao analisar o programa diário da Rede
identity shaping that is undertaken by Problematising ways of seeing:
Globo de Televisão – Bambuluá – diri-
contemporary neoliberal societies. media and educational research
gido a crianças e adolescentes, eu apre-
Authors like Shirley Steinberg, This article presents and discusses a
sento esse artefato cultural como um
Douglas Kellner and Stuart Hall, methodological proposal for
dispositivo que integra o aparato peda-
along with researchers from a field investigating media, especially
gógico das sociedades governamentais,
called Foucaultian studies (Jorge television products, in the educational
ensinando muitas coisas às pessoas,
Larrosa, Nikolas Rose, Alfredo Veiga- field. With theoretical support from
entre elas, um conjunto de verdades
Neto), have helped me to understand authors like Foucault, Deleuze, Beatriz
que compõe o currículo no qual se
these artefacts as languages which Sarlo and Martín-Barbero, I argue for
aprende a dividir o mundo. Meu argu-
invest in entertainment as a way of investigations into audio-visual
mento é que boa parte da modelagem
producing convenient meanings for language that seek to describe
identitária empreendida pelas socieda-
political, social and cultural discourses circulating as hegemonic
des neoliberais é levada a efeito pela
hegemonic projects, putting into truths, in order to produce determined
mídia e por outros artefatos da indús-
operation governmental techniques ways of subjectivation. Analysis of
tria cultural. Autores/as que desenvol-
which conflate consciousness and discourse, related to media products,
vem análises da cultura contemporânea
shape behaviour. They are part of a works as a "tool" for describing
como Shirley Steinberg, Douglas
cultural policy that deploys people and practices of discourse and non-
Kellner e Stuart Hall, com pesquisado-
groups hierarchically in the societies discourse about ways of seeing in
res/as de um campo que vem sendo de-
in which they live. contemporary life.
nominado estudos foucaultianos (Jorge
Larrosa, Nikolas Rose, Alfredo Veiga- Key-words: media and education, Key-words: media, reception, analysis
Neto), ajudam-me a entender esses ar- education and televison, cultural of discourse, educational research,
tefatos como linguagens que investem pedagogies, cultural studies, subjectivation.
no entretenimento como uma forma de curriculum.
produzir significados convenientes a Ana Lúcia Silva Ratto
projetos políticos, sociais e culturais Rosa Maria Bueno Fischer Cenários criminosos e pecaminosos
hegemônicos, colocando em funciona- Problematizações sobre o exercício de nos livros de ocorrência de uma
mento técnicas de governo que forjam ver: mídia e pesquisa em educação escola pública
consciências e moldam comportamen- Apresento e discuto uma proposta O artigo identifica relações entre a
tos. Eles são parte da política cultural metodológica para investigações que, temática da confissão e a narrativa exis-
que dispõe pessoas e grupos hierarqui- no campo educacional, tratam da análi- tente nos livros de ocorrência recentes
camente nas sociedades em que vivem. se de produtos da mídia, especialmente de uma escola pública de Curitiba, base-
Palavras-chave: mídia e educação, edu- da televisão. Apoiada em autores como ando-se em referenciais analíticos pós-
cação e televisão, pedagogias culturais, Foucault e Deleuze, Beatriz Sarlo e estruturalistas. Esses livros relatam ca-
estudos culturais, currículo. Martín-Barbero, argumento em favor sos de alunos considerados pela escola
Teaching how to divide the world; de um trabalho de pesquisa que busque como problemáticos e indisciplinados,
the perverse curriculum of a descrever, a partir de um estudo da lin- contendo um total de 517 ocorrências
television programme guagem audiovisual, os discursos que, nos anos de 1998 e 1999. Trata-se de