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Por designação de Latour e de “seus amigos”, como ele mesmo chama, os Science
studies remetem ao grupo de sociólogos, economistas, historiadores, cientistas políticos,
antropólogos, filósofos que se acrescem do título “das ciências e das técnicas”, com o
objetivo de reatar mais simetricamente os conhecimentos “exatos” com o exercício do poder,
ou seja, reatar a natureza e a cultura. Segundo o autor: “Nós mesmos somos híbridos,
instalados precariamente no interior das instituições científicas, meio engenheiros, meio
filósofos, um terço instruídos sem que o desejássemos; optamos por descrever as tramas onde
quer que estas nos levem.” (LATOUR, 1992, p. 9) Dessa forma, há a escolha por parte deste
grupo de pesquisadores pela utilização das noções de tradução e rede, com a justificativa de
que para abarcar toda essa multiplicidade de disciplinas e conhecimentos acadêmicos seria
necessária uma noção mais flexível que “sistemas”, mais histórica que “estruturas” e mais
empírica que “complexidades”, por isso, a noção de “redes”.
Uma das primeiras preocupações de Latour em cunhar a máxima de que “jamais
fomos modernos” é a análise da produção de conhecimento “ocidental”, principalmente,
representada pelo o que entendemos como ciência - e aqui entram tanto as ciências
consideradas duras e naturais, quanto as ciências sociais. Para ele, há uma característica
compartilhada por esse tipo de produção de conhecimento, de existência de uma separação
obrigatória entre fatos, poder e discurso, onde os primeiros são referentes à natureza dada, “lá
fora”, objetiva; o segundo referente à sociedade e construção social e o terceiro, o que tange
ao subjetivo e “não confiável”. Essa separação, para Latour, é uma forma de purificação do
conhecimento com objetivo de acabar com os híbridos que compõem o mundo, ou seja, a sua
preocupação com a modernidade é que ela se caracteriza por estes processos purificadores,
que separam em categorias acontecimentos que podem ser mais complexos - os híbridos.
Assim nasce sua preocupação em estudar a ciência, os fatos científicos seriam um
exemplo prático e bem visível de processo de purificação de híbridos, “os fatos científicos
são construídos, mas não podem ser reduzidos ao social, porque ele está povoado por objetos
mobilizados para construí-lo”. (LATOUR, 1992, p. 12) Podemos perceber inclusive sua
preocupação com as ciências mais “sociais”, como por exemplo, com a sociologia e como ela
também purifica seus próprios objetos de pesquisa, recaindo no “social” como redução e
conclusão em todas as explicações. Por isso a importância, para ele, dos estudos das redes,
pois elas não seriam nem apenas objetivas, nem apenas sociais e nem apenas efeito dos
discursos, seriam ao mesmo tempo reais, coletivas e discursivas.
Aqui podemos observar uma das diferenças nas abordagens de Latour e Ingold,
generalizando de forma rápida ambos os conjuntos de teorias. Ao se aproximar de uma
sociologia da ciência (LATOUR, 2005), Latour cunha suas observações ao focar nos
processos de produção de conhecimento, reconstrói historicamente, por exemplo, as formas
em que Boyle e Hobbes dentro das respectivas ciências (naturais e sociais) representaram
marcos da separação entre o que tange o estudo do real e do social. Justamente é na pesquisa
da produção e concepção destas formas em que a sociologia de Latour parece mirar, “É
precisamente esta linguagem que permite conceber a política como algo exterior à ciência que
tentamos compreender e explicar”. (LATOUR, 1992, p. 21)
Para Ingold, o movimento de pesquisa deve acontecer de forma diferente, talvez até
de forma contrária. Por partir de uma etnologia ecológica, o autor afirma que a melhor forma
de se efetuar antropologia é começar pela investigação das propriedades intrínsecas do
mundo, antes da produção de conhecimento de terceiros sobre ela. Segundo ele, a experiência
vivida precisa vir antes do que ela representa, mesmo sem que se exclua esta última. Por
exemplo, no caso de suas análise sobre os sentidos, comenta: “Se existe uma conclusão
principal a ser extraída de minha crítica à antropologia dos sentidos, é que qualquer tentativa
em separar o discurso acerca da visão de sua prática real de olhar, observar e ver é
insustentável.” (INGOLD, 2008, p. 39) Portanto, o que às vezes basta para Latour, como ver
através do cientista praticante trabalhando ou falar do que importa na definição de uma
ciência (LATOUR, 1996), para Ingold deveria retornar às características mais básicas do
humano ou das propriedades mais visíveis do mundo. A observação que ele faz sobre a
Antropologia dos sentidos, portanto, também poderia ser projetada em Latour:
Com este intuito de "reagregar" o social, Latour argumenta que os rumos de nossas
explicações devem mudar. Devemos seguir as redes e seus humanos e objetos para que a
explicação não deixe o "social" intocado. Apesar de reconhecer que a ANT não representa de
forma exatamente análoga as ideias de Latour, Ingold mesmo assim mistura suas críticas,
principalmente direcionando-as às concepções sobre humanos e não humanos, à confusão que
existe entre noções de actantes (actância) ou agentes (agência) e coisas ou objetos. O autor é
um grande crítico da noção de "agência dos objetos", o que para ele é uma das grandes
dificuldades de teorias como estas:
Para Ingold, devemos trazer as coisas de volta à vida, parar de pautar nossos
pensamentos no modelo hilemórfico que, desde Aristóteles, separa em essência a matéria da
forma. Segundo ele, inspirando-se em Deleuze e Guattari, que por sua vez são inspirados
pelas críticas de Simondon ao hilemorfismo, o mundo não estaria dividido em matéria e
forma, substância e atributos, mas sim entre materiais e força. Esta concepção rejeita,
portanto, que existe algo como uma forma imposta por um agente com um determinado
objetivo sobre uma matéria passiva e inerte, "Meu objetivo final, por outro lado, é derrubar o
próprio modelo, e substituí-lo por uma ontologia que dê primazia aos processos de formação
ao invés do produto final, e aos fluxos e transformações dos materiais ao invés dos estados da
matéria." (INGOLD, 2012, p. 26) Ao dar mais importância aos processos e fluxos, conceito
do qual muito se utiliza, compreendemos a razão do autor se incomodar tanto com ideias
como "agência" e "objeto".
Por mais que pareçam apenas detalhes de uma filosofia de conceitos, e por mais que
algumas das contraposições podem muitas vezes não existir realmente desta forma em
Latour, por exemplo, a questão de usar ou não agência da maneira que Ingold o critica tanto,
são bastante interessantes as (re)formulações deste sobre - pequenos - conceitos que podem
fazer uma diferença enorme conforme forem utilizados. Um exemplo disto é a contraposição
da ideia de agência pela ideia de "vida". Contra o modelo hilemórfico, Ingold afirma que
"forma é morte, dar forma é vida" (INGOLD, 2012), vida seria um bom termo para
acompanhar os fluxos de materiais existentes no mundo, quase como a capacidade geradora
de todo campo englobante das mais diversas relações, onde as formas surgem e são mantidas
no lugar. Para além disto, esta concepção não estaria completa se continuássemos nos
utilizando da ideia de objetos. Para Ingold, o termo "coisas" representa melhor algo que não
está contido em si e separado de um mundo inerte.
A "coisa" não é uma entidade fechada ao exterior, é um acontecer no mundo,
seguindo a onda de Bateson de que "a mente vaza", para Ingold (2012, p. 29): "Numa
palavra, as coisas vazam, sempre transbordando das superfícies que se formam
temporariamente em torno delas." Por isso, ao habitar o mundo, percebemos que a vida não é
contida num espaço com objetos, mas sim inerente à própria circulação de materiais em
fluxos e relações constantes, o problema da agência para Ingold estaria na tentativa de
reanimar um mundo de coisas mortas e inertes em função da interrupção dos fluxos de
substância que lhes dão vida. Talvez tenha relação com o que foi falado antes, há a
preocupação do autor em acessar elementos do mundo e suas características intrínsecas, como
se a preocupação de apenas relatar a produção de conhecimento sobre estas características
fossem apenas mais uma forma de romper com os fluxos da vida.
Portanto, as coisas "estão vivas, não porque elas têm agência. E elas estão vivas
precisamente porque não foram reduzidas ao estado de objeto. (...) Com efeito, tomar a vida
de coisas pela agência de objetos é realizar uma dupla redução: de coisas a objetos, e de vida
a agência." (INGOLD, 2012, p. 33-34) Sua proposta, neste sentido, é seguir os materiais, em
um mundo de matéria em fluxo. Interessante pensar que a proposta de Latour (2005) é
parecida: seguir as redes de relações (entre humanos e não-humanos). Porém, em cartas
trocadas entre ele e Lemonnier (1996), o autor representante do que seria uma Antropologia
da técnica faz uma crítica a Latour, por este não sair bem sucedido na sua almejada análise de
rede sociotécnica (LATOUR, 1992) durante o projeto de automatização completa do metrô de
Paris. Em sua análise, Lemonnier indica como o próprio Latour recorreu ao maior peso da
descrição na explicação pelo social, de que o projeto não haveria ido para frente por questões
políticas, esquecendo, por exemplo, de analisar que, para a época, as necessidades materiais -
no caso um computador do tamanho de uma sala gigante - também seriam responsáveis pela
falha do projeto. Poderíamos considerar uma questão a se pensar sobre o estudo em rede de
Latour, se estes fluxos de materiais (INGOLD, 2012) estariam sendo realmente
contemplados.
Recorrendo à metáfora da formiga (ANT) e da aranha (SPIDER), Ingold (2015)
inclusive escreve reforçando como a ideia de emaranhado, teia, poderia ser ainda mais
produtiva que a de rede. Para ele, a prática na vida é "improvisativa", que não se desenrola
apenas em conexões, mas sim através de linhas ao longo das quais as coisas estão sendo
constantemente formadas. Como a teia de uma aranha. (INGOLD, 2015) "Assim, as
linhas-fios da teia colocam as condições de possibilidade para que a aranha interaja com a
mosca. Mas elas não são, em si, linhas de interação. Se essas linhas são relações, então elas
são relações não entre, mas ao longo de." (INGOLD, 2012, p. 41) Um emaranhado onde a
agência única e centrada não seria possível:
Da maneira em que apresenta sua crítica à Antropologia dos sentidos, Ingold nos faz
lembrar da crítica de Latour aos "modernos". Ao falar de etnografias realizadas dentro desta
área, de autores como Gell, Seeger e Stoller, demonstra que as conclusões, no lugar de falar
sobre as diferentes sociedade ou sobre as propriedades dos sentidos humanos, falam mais
sobre a própria tradição ocidental e suas pré-concepções sobre as coisas. (INGOLD, 2008)
Em algum nível estas divisões e pré-concepções sobre a forma de analisar os sentidos,
denunciadas por Ingold, também cabem na divisão entre natureza e cultura, o que é objetivo e
o que é subjetivo e social, ou seja, não deixam de ser purificações de diversos "híbridos
sensoriais". E, além disso, ao buscarem desesperadamente por sociedades que privilegiam
outros sentidos além da visão, os antropólogos dos sentidos estariam forçando uma
simetrização "assimétrica", ou seja, simetrização que na realidade só reforça ainda mais a
hierarquização de fenômenos que ocorrem ao mesmo tempo e são complementares.
Para Latour a simetria é um conceito interessante, acredito que ele também serviria
para este exemplo de Ingold. Seria válida, portanto, a crítica do primeiro às teorias sociais
que buscaram pelo princípio da simetrização igualar as análises entre natureza e cultura,
porém, falharam em seu propósito deixando a natureza de lado e colocando todo o peso de
suas explicações no social: "construtivista para a natureza, e realista para a sociedade".
(LATOUR, 1992, p. 95) Neste sentido, para resolver o problema, faz-se necessária uma
simetria generalizada, com o antropólogo presente entre as coisas, num lugar central de onde
possa acompanhar não só as atribuições humanas, mas também as não humanas, seguindo as
redes. Só assim a possibilidade de uma real antropologia de comparação entre as diversas
naturezas-culturas: "Ao voltarem para casa, os etnólogos não ficariam limitados a periferia,
de forma que, assimétricos como sempre, são audaciosos com relação aos outros e tímidos
quanto a si mesmos." (LATOUR, 1992, p. 100)
Aqui percebemos como o voltar para casa, "voltar-se a si", é importante para a
formulação de uma antropologia simétrica, tanto para Latour, quanto para Ingold (2012, p. 3):
Minha sensação sobre a antropologia é que ela é de fato um esforço de vida inteira
para trazer as coisas de volta para casa e para entender tanto quem somos como, ao
mesmo tempo, entender o mundo. Então, nesse sentido, meu caminho é o de volta
para casa, de minha própria descoberta. Encontrar um modo de escrever que pareça
eu mesmo escrevendo, e não apenas alguém jogando jogos acadêmicos.
Dizer que jamais fomos modernos é de certa forma olhar para si e efetuar uma
antropologia que volta para a casa e busca a real simetrização. Como Latour na relação
natureza e cultura e produção de conhecimento na ciência ocidental, Ingold também inverte a
noção de que a divisão entre sentidos e a predominância de um dos sentidos em relação aos
outros é anterior e produtora do pensamento hegemônico ocidental. Para ele, na realidade, é
este pensamento que, por sua vez, ajuda a produzir a noção de separação dos sentidos e a
proeminência, neste caso, da visão. Evidenciando também formas híbridas da vida, Ingold
(2008) dá o exemplo dos desenhos cantados e odores que movem o processo de cura dos
xamãs Shipibo-Conibo, sem esquecer do poder da fragrância e da canção, concomitantes e
misturadas com a importância sagrada das imagens visuais, em uma missa católica. Vivemos
com e através dos híbridos, mas os separamos nas nossas formas de explicar e produzir o
conhecimento.
Referências
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2011. Being alive: essays on movement, knowledge and description. New York:
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