wookacontece Gratuita  |  Dezembro 2019  | Número 3 

O blogue literário da

WOOK

wookacontece.pt

Entrevista exclusiva de A a W Centenário

1 0 José Luís Carlos Vaz Sophia
5 601023 809387

80938.10 Subscreva a nossa newsletter Peixoto Marques Jorge de Sena

Há 20 anos A WOOK dá!
que ninguém tem Oferta de um livro na sua
o que a WOOK tem. próxima encomenda.
Obrigado por nos
acompanhar nesta
história.

CÓDIGO: WOOKACONTECE1 CÓDIGO: WOOKACONTECE2

CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO
/livrariawook
Inserir o código do livro escolhido no primeiro passo do checkout no campo «tem um código?» e validar.

CONDIÇÕES GERAIS DA CAMPANHA

@livrariawook
Visite-nos em wook.pt Oferta de um livro em encomendas de valor igual ou superior a 15€, registadas e pagas até 31 de janeiro de 2020.
Exclui escolares, artigos vendidos no Marketplace e eBooks. Campanha limitada ao stock existente.
Não acumulável com outras campanhas.
 10 Entrevista exclusiva
José Luís Peixoto

2 As nossas sugestões
wook temos 22 de A a W
Carlos Vaz Marques
na estante

6 Especial
Prémio Nobel 24 Entrevista exclusiva
Monja Coen
da Literatura

8 Leituras de outono
Vire a página 30 Guia infantojuvenil
Livros que piscam
com livros o olho ao Pai Natal

18 Centenário
Sophia 32 Poema
«Ode aos livros que
e Jorge de Sena não posso comprar»

PROPRIEDADE Porto Editora S.A. DIREÇÃO Luís Morais RESPONSÁVEL PELO PROJETO Ana Chaves
COLABORAM NESTE NÚMERO António Vale, Matilde Vieira, Pedro Ribeiro, Sandra Reis, Sara Santos Silva e Vanessa Pereira
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Rosália Teixeira, Graciete Teixeira, Vasco Teixeira, José António Teixeira SEDE DE ADMINISTRAÇÃO E REDAÇÃO Rua da Restauração, 365; 4099-023 Porto
IMPRESSÃO Bloco Gráfico – Unidade Industrial da Maia Via Doutor Vasco Teixeira, 370; 4470-498 Maia NIPC 500 221 103 PERIODICIDADE Trimestral
TIRAGEM 20 000 exemplares CONTACTO wookacontece@wook.pt
Registo da ERC n.º 127305 O estatuto editorial da revista Wookacontece está disponível em wook.pt
wookacontece • outono
wook temos
na estante
Estamos no outono, mas já parece Natal.
Na altura do ano em que mais livros dão
à estampa, mostramos-lhe algumas
das novidades literárias que as editoras
apresentaram no último trimestre.
setembro
Ficção
Para começar em beleza a tempo-
rada, a Porto Editora apresentou
dois grandes títulos: Milkman, obra
magnífica de Anna Burns que ven-
ceu o prestigiado The Man Booker
Prize 2018, e Lá, Onde o Vento
Chora, romance de estreia da nor-
te-americana Delia Owens que con-
quistou leitores por todo o mundo.
2
Pela Dom Quixote saiu o último livro
de Afonso Reis Cabral, o jovem es-
critor agraciado com o Prémio José
Saramago 2019. Leva-me Contigo
é um diário de viagem sobre a
aventura de percorrer a pé a maior
estrada de Portugal, a mítica Estra-
da Nacional 2.
A Bertrand publicou Lisboa, Chão
Sagrado, de Ana Bárbara Pedrosa
(fixe este nome, ainda vai ouvir falar
muito dele), que é uma das boas
novidades da literatura portuguesa:
um romance pungente e visceral
que não vai conseguir parar de ler.
Aos 77 anos, e no ano em que ce-
lebra 40 anos de vida literária, An-
tónio Lobo Antunes, presença habi-
tual na rentrée, apresenta um novo
título: A Outra Margem do Mar, edi-
ção da Dom Quixote.
Não ficção
A Planeta editou Vigilância Massiva,
Registo Permanente, de Edward
Snowden, a história na primeira pes-
soa do jovem espião que colocou
em xeque a diplomacia internacio-
nal, e a Objectiva publica Um Futuro
Livre e Radioso, de Paul Mason, que
nos mostra uma perspetiva profu-
samente otimista e promissora do
futuro e nos deixa a questão: «Que-
remos ser controlados? Ou quere-
mos algo melhor?»
Para encontrar respostas e bons
conselhos, procure este título: A Sa-
bedoria da Transformação, o último
livro da inspiradora figura budista
Monja Coen (entrevista exclusiva na
página 24 desta revista).
Infantojuvenil
No mundo dos sonhos, a Minotauro
editou O Elefante com o Coração na
Lua, de Marlene Ferraz, e as Edições
ASA, um livro que narra as aventuras
de um avô muito especial – Paul Mc-
Cartney – e os seus netos: Ei, Avozão!
Poesia
A Dom Quixote reuniu Os Sonetos
de Manuel Alegre e Nuno Júdice e
brindou-nos com O Coro da Desor-
dem.
Chegou também às livrarias, pela
Assírio & Alvim, Epílogo, a monu-
mental obra reunida de José Agos-
tinho Baptista, e Seria Sempre Tarde,
um novo livro de poemas de Manuel
Afonso Costa.

outubro
Ficção
Com o carimbo da Cavalo de Ferro
chegou-nos Conduz o Teu Arado
sobre os Ossos dos Mortos, um ro-
mance arriscado e singular da pola-
ca Olga Tokarczuk, Prémio Nobel da
Literatura 2018. Já lemos e não po-
díamos recomendar mais.
A Elsinore brindou-nos com três
grandes lançamentos: Primavera, o
terceiro volume da tetralogia inspi-
rada nas estações do ano, da escri-
tora escocesa Ali Smith; Vernon
Subutex 2, segundo volume da trilo-
gia da autoria de Virginie Despentes;
e Frankissstein: Uma História de
Amor, de Jeanette Winterson, um
dos 13 finalistas (longlist) do The
Man Booker Prize 2019.
Já a Porto Editora publicou Filhas
do Capitão, o novo livro de Maria
Dueñas; Suite 405, de Sveva Casa-
ti Modignani; e Uma Vida Inteira, de
Robert Seethaler.
Na Gradiva, nome de peso: José
Rodrigues dos Santos, o maior best-
-seller português da atualidade, re-
gressa com o criptanalista Tomás
Noronha em Imortal. Teve entrada
direta para os tops de vendas.
Pela Dom Quixote regressou John
le Carré com Agente em Campo,
cujo lançamento mundial aconte-
ceu em 29 de outubro. Já a Cami-
nho publicou o novo livro de Mia Cou-
to, O Universo num Grão de Areia, e a
Alfaguara reeditou Todas as Almas,
uma obra de 1989 de Javier Marías
há muito esgotada, e ainda Bem-vin-
da a Casa, uma coletânea de textos
autobiográficos de Lucia Berlin.
A Companhia das Letras pôs nas
livrarias Grande Sertão: Veredas, de
João Guimarães Rosa, obra icónica
do modernismo brasileiro.
Num mês cheio de boas novidades,
há mais uma imperdível: o novo ro-
mance de Ana Margarida de Carva-
lho. Chama-se O Gesto que Faze-
mos para Proteger a Cabeça, edição
da Relógio d’Água. Destaque ainda
para a reedição de Imaginação, de
Gonçalo M. Tavares, pela mesma
editora.
Fechamos a lista com a novidade
de banda desenhada mais aguar-
dada do ano: Astérix – A Filha de
Vercingetórix, que saiu pelas Edi-
ções ASA.
Não ficção
Neste domínio, importa destacar
O Evangelho das Enguias, um en-
saio de Patrik Svensson sobre este
animal peculiar que fascinou Aristó-
teles e Freud, uma edição da Objec-
tiva, e Uma Beleza que nos Perten-
ce, uma compilação de aforismos e
citações pela mão do cardeal e
poeta José Tolentino Mendonça.
wookacontece • outono
Na Porto Editora, um destaque im-
perdível: o basco Daniel Innerarity,
um dos pensadores mais influentes
do mundo, obriga-nos a refletir so-
bre o atual estado de coisas em Po-
lítica para Perplexos. Outro autor a
merecer destaque, até pela perti-
nência do tema que traz ao debate,
é Jordan B. Peterson: Mapas do
Sentido, um livro de 800 páginas
em que se debruça sobre a arquite-
tura da crença.
A Presença, por fim, lançou Os Ho-
mens que Salvavam Livros, um rela-
to de David E. Fishman sobre a his-
tória da Brigada do Papel que salvou
milhares de livros do regime nazi.
Infantojuvenil
Os fãs vão gostar de saber que a
Porto Editora publicou mais um tí-
tulo de David Walliams, O Monstro
que Veio do Gelo, e a Livros Hori-
zonte editou O Cuquedo e os Pe-
quenos Aprendizes do Medo, de
Clara Cunha, com as ilustrações de-
liciosas a que já nos habituou Paulo
Galindro.
Poesia
Na Tinta da China, há um novo títu-
lo a juntar-se à coleção de poesia
dirigida por Pedro Mexia: Câmera
Lenta e Outros Poemas, de Marília
Garcia, e na Dom Quixote saiu Poe-
mas de Amor, de Pablo Neruda.
3
wookacontece • outono
Na Assirinha, a editora de pequeno
formato da Assírio & Alvim, saiu
O Livro dos Gatos Práticos do Velho
Gambá, o famoso conjunto de poe-
mas sobre gatos da autoria de T. S.
Eliot, publicado originalmente em
1939. Tem uma capa deliciosa.
novembro
Ficção
A Companhia das Letras conseguiu
a proeza de juntar no mesmo mês
três lançamentos de grandes no-
mes da Literatura – e, pelo meio,
ajuda-nos a despachar alguns pre-
sentes de Natal: o novo romance de
Chico Buarque, Prémio Camões
2019, cujo título é Essa Gente. João
Tordo surpreende os leitores com o
seu primeiro thriller, A Noite em que
o Verão Acabou; e Afonso Cruz diz
– e bem – que Paz Traz Paz.
Os fãs vão gostar de saber que o
mestre do terror tem um novo livro.
Falamos, claro, de Stephen King,
desta feita em coautoria com o fi-
lho, Owen King: Belas Adormecidas
é o título e a edição é da Bertrand,
que apresenta também o novo ro-
mance de Jeffrey Archer, Kane e
Abel, e o mais recente policial de
John Grisham, O Poder da Justiça.
Pela Alma dos Livros saiu Mistério
em Nine Elms, o novo thriller de Ro-
bert Bryndza.
4
Com o carimbo editorial da Porto
Editora, importa destacar três gran-
des novidades: Longa Pétala de
Mar, novo romance de Isabel Allen-
de sobre um importante período da
história do século XX; Cari Mora, de
Thomas Harris, criador do temido
Hannibal Lecter; e, por fim, Britt-
-Marie Esteve Aqui, de Fredrik Ba-
ckman, um romance particular-
mente acutilante e humano.
Margarida Rebelo Pinto regressa à
escrita com A Desordem Natural
das Coisas, uma edição Clube do
Autor. Já a Manuscrito publica o
novo romance de Raul Minh’alma,
Ganhei uma Vida Quando te Perdi.
Fechamos com chave de ouro: a
Planeta lançou um novo volume da
Série Os Tudor, de Philippa Gregory.
O título? O Último Tudor.
Não ficção
No ano em que se assinalam 80
anos do fim da Segunda Guerra
Mundial, a Planeta publica Última
Paragem Auschwitz – Como Sobre-
vivi ao Horror (1943-1945), um arre-
piante testemunho do médico ju-
deu Eddy de Wind escrito dentro
do campo de extermínio.
Pela Bertrand saiu Pessoas, Poder e
Lucro, do Prémio Nobel da Econo-
mia Joseph E. Stiglitz, e a Quetzal
lançou o muito aguardado volume
IV, Tomo 2, da Bíblia, de Frederico
Lourenço.
Na esfera do humor, e uma vez que
a mítica Caderneta de Cromos, de
Nuno Markl, fez 10 anos de vida
(momento: «ena, como o tempo
passa!»), a Objetiva quis comemo-
rar a efeméride com uma edição de
colecionador que, tal como a pri-
meira, é ilustrada por Patrícia Furta-
do. A não perder.
Infantojuvenil
Sabia que Cristiano Ronaldo é um
herói? É verdade. Para muitos, na
vida real e agora também em livro.
Striker Force 7 é a nova coleção de
banda desenhada inspirada no fu-
tebolista português, uma aposta
Oficina do Livro.
Poesia
A Assírio & Alvim deu à estampa o
mais recente livro de poesia de Ana
Luísa Amaral, Ágora; reuniu toda a
poesia de David Mourão-Ferreira
num só volume e ainda trouxe de
volta o esgotadíssimo Poema à Du-
ração do mais recente Prémio No-
bel da Literatura Peter Handke.
E porque o amor nunca é de mais,
a Companhia das Letras juntou
numa belíssima edição de capa
dura Todo o Amor, de Vinicius de
Moraes.
Com o carimbo da Tinta da China
saiu Frentes de Fogo, o novo livro de
António M. Pires Cabral, que se jun-
ta à coleção de poesia dirigida por
Pedro Mexia («Mil luzes acendi – e
a radiosa/escuridão prevaleceu in-
tacta.»)
Como vê, bons livros não faltam.
Esperemos que tempo, esse luxo
absoluto, também não.
5
ESPECIAL Em dose
Prémio Nobel da Literatura dupla
A fisionomia Com um interregno
de um ano, após os

de um prémio
escândalos sexuais
que envolveram
membros do júri, a Real

Quem foi Alfred Nobel? Academia Sueca acabou

por deliberar a escolha
de dois nomes, em 2019.
E, assim, surgiram dois
Nascido em Estocolmo, Alfred Bernhard Nobel escritores europeus
(1833-1896) foi um célebre químico e industrial contemporâneos: Olga
que ficou conhecido como o inventor da dinamite Tokarczuk e Peter
Handke.
e da pólvora sem fumo. Uma vez registadas as Conheça-os melhor.
patentes, Nobel tornou-se milionário por algo que ele
acreditava poder ser usado na construção de túneis
e canais e na exploração de petróleo. Mas a dinamite
acabara por ser sinónimo de morte e destruição.
Sem filhos e impressionado com a utilização das suas
invenções para fins bélicos, deixou em testamento
como último desejo a criação de um instituto que
premiasse aqueles que prestam maior contributo
à Humanidade.

Assim, em 1900, foi criada a Fundação Nobel,

incumbida de distinguir anualmente
personalidades nas áreas da Física,
da Química, da Fisiologia ou
Medicina, da Literatura e da Paz,
atribuindo-lhes um prestigiado
prémio: o Nobel.

Olga
Tokarczuk,
a feminista
irreverente
Olga Tokarczuk nasceu
em 1962, em Sulechów,
Polónia, e formou-se em
Psicologia na Universidade
de Varsóvia.
Publicou o seu primeiro
livro de poemas em 1989
e, em 1993, o seu primeiro romance, The Journey
of the Book-People.
Em 2015, a autora recebeu também o German-Polish
International Bridge Prize, que distingue personalidades
que promovem ações de paz e entendimento entre
os povos da Europa.Vencedora do Man Booker
Internacional Prize 2018 com o livro Viagens, a
Academia Sueca atribui-lhe o Nobel pela sua
imaginação narrativa, que, com paixão enciclopédica,
representa o atravessar de fronteiras enquanto forma
de vida.
Dos mais de 15 livros escritos por Olga Tokarczuk
destacam-se Primeval and The Other Times e The
Books of Jacob. Em português estão traduzidos os
livros Viagens e Conduz o Teu Arado Sobre os Ossos
dos Mortos. Unanimemente considerada uma das
melhores escritoras europeias da atualidade, é também
uma feminista convicta que se insurge contra um país
reacionário e patriarcal.
Neste caso, a Academia não elegeu apenas uma boa
vencedora, mas também alguém culturalmente
importante.
CURIOSIDADES
1. Trabalhou como terapeuta clínica antes de se
dedicar à escrita.
2. É (apenas) a 15.ª mulher laureada em 120 anos.
3. O ex-primeiro ministro polaco Donald Tusk, agora
na oposição, celebrou o prémio afirmando que leu
toda a obra de Tokarczuk «do princípio ao fim»,
referindo-se às declarações do atual ministro da
Cultura Piotr Gliński, que, antes de a escritora
vencer o Nobel, afirmara não ter conseguido chegar
ao fim de nenhum dos livros.
wookacontece • outono
Peter Handke,
um talento
contraditório
e controverso
Peter Handke, nascido
em Griffen, Áustria, em
1942, é um autor
multifacetado cuja obra
passa pelo teatro,
tradução, romance
e cinema. Galardoado
como poucos, já recebeu o Franz Kafka Award, o
International Ibsen Award e
o Georg Büchner Prize. Em 2019, foi reconhecido pela
Academia Sueca por ter uma obra influente que,
com engenho linguístico, explorou a periferia e a
especificidade da experiência humana, uma notícia
que não foi bem recebida por todos. Altamente
controverso pelas suas posições político-partidárias
e pelo apoio manifestado a Slobodan Milošević, líder
nacionalista sérvio entre 1989 a 1997 – que acabou
condenado pela prática de crimes de guerra –, Handke
chocou o mundo civilizado e democrático ao negar
o genocídio de Srebrenica e sugerindo publicamente
que os muçulmanos de Sarajevo se massacraram.
Por tudo isto, a atribuição do Nobel foi amplamente
criticada. Vários nomes se insurgiram, entre eles,
o escritor Salman Rushdie e o romancista e jornalista
Hari Kunzu, que classificou a escolha como uma
«cegueira ética chocante».
Boa parte dos seus livros estão traduzidos em
português: A Mulher Canhota, Uma Breve Carta Para
um Adeus Longo, Numa Noite Escura Saí da Minha
Casa Silenciosa, A Angústia do Guarda-Redes Antes
do Penalty, Os Belos Dias de Aranjuez, Poema à
Duração, entre outros.
CURIOSIDADES
1. Peter Handke publica desde os 24 anos. O Comité
do Nobel elencou 95 obras editadas – um número
verdadeiramente excecional.
2. O suicídio da mãe do autor, em 1971, é o tema da
sua peça A Sorrow Beyond Dreams.
3. Em 2014, Handke pediu a abolição do Prémio
Nobel da Literatura, considerando-o um «circo».
7

O outono marca o início
do tempo frio e oferece-nos,
mais do que qualquer outra
estação do ano, a
oportunidade de renovação.
Assim como as árvores
se despem das folhas
e se preparam para o rigor
do inverno, também nós
somos convidados a criar
espaço para novos hábitos
que nos permitam mais tarde
colher os frutos. Escolha o
que deseja manter na sua
vida e aquilo que deve
deixar para trás.
Abrande o ritmo, saboreie o
momento e acompanhe-nos
na leitura.
Temos dez livros para si.
A Alegria de Viver
Yongey Mingyur Rinpoche
Um livro que não se resume a
práticas budistas, mas antes a uma
forma de encarar a vida com uma
certa leveza para encontrar o
próprio caminho.
Nas palavras de Daniel Goleman,
autor de Inteligência Emocional,
«[…] esta obra é um guia prático,
um manual para tornar a vida
melhor. E essa viagem começa
onde quer que estejamos, ao
darmos o primeiro passo.»
3 Minutos para Meditar
Christophe André
Uma introdução simples à arte
da meditação: 40 exercícios
e 3 minutos diários para meditar,
podendo ser praticada em
qualquer lugar. Um fascinante
treino da mente e do espírito que
proporciona energia, serenidade
e lucidez, assim como resiliência
para a vida do quotidiano. Se já
se dedica à meditação, vai poder
intensificar a sua prática e
potenciá-la dia após dia.
O Caminho
Menos Percorrido
M. Scott Peck
«A vida é difícil.» Esta é a primeira
frase do livro e é para ser lida com
espírito construtivo, no sentido em
que o sofrimento traz dor, mas
também traz em si a possibilidade
de crescimento interior. Deixe-se
guiar em direção a uma nova forma
de serenidade e plenitude na vida.
Guia para Viagens
Inspiradoras
Sarah Baxter
Um guia para viagens inspiradoras
a lugares espirituais: 25 destinos
que são um bálsamo para a mente
e um tónico para a alma. Perfeito
para aqueles que querem
afastar-se para longe de tudo
e viver experiências raras e
profundas. De paisagens de cortar
a respiração a capitais religiosas,
está tudo aqui!
À Prova de Stress
Mithu Storoni
Se o stress é uma constante
na sua vida, crie estratégias para
o combater e descubra como
alterações na dieta, o exercício
físico, o reforço das defesas
naturais e outros truques simples
libertam o corpo e a mente.
Um estilo de vida saudável vai
prolongar a vida do seu cérebro
e do seu corpo. Tire proveito
destas sinergias.
Parar. Sentir. Respirar.
Vera Simões
Quando foi a última vez que parou
e respirou fundo? O yoga é uma
prática milenar com a qual
aprenderá a relaxar a mente e o
corpo com o propósito de alcançar
a calma e a plenitude em diversas
vertentes da sua vida. Ponha-se
em forma e recupere o equilíbrio.
Mais do que ter flexibilidade
corporal encontre uma sensação
de bem-estar duradoura.
A Arte de Criar
Memórias Felizes
Meik Wiking
As memórias são as pedras
angulares da nossa identidade
e moldam quem somos e como
agimos. Aqui a premissa é simples:
quanto mais recordamos memórias
felizes, mais felizes nos sentimos.
Descubra os ingredientes para criar
momentos inesquecíveis e dê
um novo sentido à sua vida.
A Arte de Caminhar
Erling Kagge
Erling Kagge explora a caminhada
como uma arte de viver sem
pressa na era da velocidade. Se por
um lado a prática da caminhada
nos traz os usuais benefícios
físicos, por outro lado permite-nos
abstrair das dificuldades do dia
a dia e contemplar o mundo com
uma nova perspetiva. Um passo
de cada vez.
A Magia do Silêncio
Kankyo Tannier
O silêncio permite-nos abrandar
o ritmo, quando confrontados com
um ambiente agitado. Evite o
excesso de informação, reencontre
o prazer de estar presente a cada
momento e reduza os julgamentos.
Esse silêncio consentido faz-nos
ganhar distância face aos conflitos
com que nos deparamos
diariamente. Não se limite a
sobreviver, reaprenda a apreciar.
Miga, esquece lá isso!
Clara Não
Sabia que o riso pode aliviar
a tensão física e libertar endorfina,
uma substância química que gera
a sensação de bem-estar
e relaxamento? Nada como
transformar problemas em risadas
de amor-próprio. Um livro cheio
de amor, humor e ironia, com
ilustrações muito criativas.
9
José
Luís
 Entrevista

Peixot «Sem
dificuldades
não existe
realização»
Uma Autobiografia que é um
romance, uma obra de ficção
plena de realidade.

Num exercício arriscado,

profundamente literário e, por
isso, contraindicado para leitores

s
preguiçosos, José Luís Peixoto
apresenta-nos um jovem escriba
e um escritor consagrado
– José e Saramago – e serve-nos
de bandeja possivelmente o seu
melhor romance até à data.

Aproveitamos o mote para uma

conversa em que só não coube a
pressa de chegar ao fim.
wookacontece • outono
José Luís Peixoto, Galveias, Portalegre, Alto Alentejo,
1974. «Portugal é o instante exato em que nasci.»
Queres explicar esta frase?
Quando escrevi esse poema em que falava sobre
Portugal, no fundo, aquilo que eu queria referir era
a questão da relação identitária com o país e aquilo
que, para mim, é o significado desse país, que é
indissociável de mim próprio. A minha cultura sou eu;
o meu país é a minha cultura. Penso na minha família,
penso nas minhas origens. Penso naquilo que me
constitui e que eu não consigo, de maneira nenhuma,
separar de mim.
Galveias faz parte de um interior do país esquecido,
deprimido, envelhecido. Nunca foi entendido como um
lugar onde as oportunidades não surgem?
Galveias é um lugar deste país. Para mim, é muito
importante dizer isso, porque, uma vez que escrevi um
romance com esse título, às vezes, pode haver a
tentação de se pensar que é apenas uma abstração,
mas não. Enquanto estamos aqui, existem pessoas
nessas ruas, e isso é fundamental. Mas efetivamente
vivemos num país muito centralizado, o que, a meu ver,
não tem qualquer razão de ser. Somos um país com
uma superfície não tão grande assim para que
tenhamos estas fronteiras invisíveis a separar as
oportunidades que existem nas grandes cidades e no
litoral de uma forma tão vincada em relação àquelas
que não existem no interior. Espero que essa seja uma
memória distante daqui a algum tempo e que
consigamos ter uma visão equilibrada do território
– e que Galveias continue a prosperar.
A caminho de Lisboa, o que é que ficou para trás?
Como muitas outras pessoas, fui estudar no ensino
superior numa grande cidade, neste caso, em Lisboa,
e a partir daí a minha vida tem-se desenvolvido
justamente à volta de Lisboa, embora tenha vivido
alguns anos em Coimbra e alguns em Cabo Verde.
Há muitas coisas que ficam nesse caminho, mas
prefiro olhar para certos aspetos que ganhei.
Até em relação ao meu passado, ganhei uma certa
distância que me permitiu escrever sobre ele.
Comecei a escrever sobre a minha infância e as
minhas origens geográficas justamente quando deixei
de viver lá e percebi a importância efetiva que tinham
na minha vida e na pessoa que sou. Por outro lado,
Lisboa é uma cidade que também me diz muito – e
um sinal disso é até o facto de a ter chamado para ser
12
o espaço onde se desenrola o meu último romance –
Autobiografia.
Como é que acontece a transição de professor
do ensino secundário para escritor?
Durante grande parte do meu tempo de estudante,
sempre achei que ia ser professor.
A minha irmã mais velha é professora, tem 13 anos
a mais do que eu, e ela era o meu modelo de vida.
Eu achava qua ia seguir esse caminho e estava
contente com isso. Na verdade, fui professor apenas
durante quatro anos, mas foi uma experiência muito
cativante. Quando surgiu a oportunidade de viver da
escrita, algo que eu nunca tinha considerado, decidi
tentar esse caminho, e aí não houve regresso.
A escrita tornou-se cada vez mais presente na minha
vida, e isso fez com que a escola passasse a ser um
lugar onde eu continue a ir, mas enquanto escritor.
Vou lá para desassossegar os alunos, provocá-los um
pouco, falar de leitura e literatura de uma forma que eu
pretendo que seja sempre irreverente… e, depois, no
dia seguinte, volto para a minha vida.
Dizias, há pouco, que não foi possível voltar atrás
também porque foste o mais jovem escritor de sempre
a receber o Prémio Saramago. Tinhas 27 anos.
Recordas-te desse dia?
Quando recebi o Prémio José Saramago, mudou tudo.
Estava a viver um momento muito especial.
Tinha publicado o meu primeiro romance
– Nenhum Olhar –, depois de ter passado um período
longo à procura de editora, sem resultados, e também
publiquei aquele que é efetivamente o meu o primeiro
livro, que se chama Morreste-me, em edição de autor.
Quando recebi o Prémio Literário José Saramago,
houve uma espécie de explosão no que diz respeito
à curiosidade que um número alargado de pessoas
sentiu em relação àquilo que eu escrevia.
Tive um número maior de leitores e surgiram várias
oportunidades no estrangeiro para tradução de livros
meus. Mudou tudo. Foi aí que comecei a viver
da escrita, e o caminho fez-se até àquilo que é hoje.
Falaste do processo de encontrares uma editora
que te quisesse publicar. Recentemente, ouvi um
podcast no Expresso em que a Maria do Rosário
Pedreira, que foi a editora que te lançou, afirmava
que a literatura portuguesa está num mau momento.
«Quando recebi
o Prémio José
Saramago,
mudou tudo»
Qual é a tua opinião sobre isso?
É muito difícil ter uma opinião valorativa sobre
a literatura portuguesa no exato momento em que
a estamos a viver. A literatura precisa de um tempo
para que nos distanciemos de certas questões do
momento, que têm muita importância agora, mas não
sabemos como as iremos ver no futuro. Ainda assim,
a forma como eu olho para a literatura portuguesa
contemporânea é encontrando uma diversidade
enorme, e isso é um sinal de riqueza. É claro que
tenho as minhas opiniões, até porque eu escrevo livros,
e uma parte da ambição dos meus livros
é comunicar com esse panorama, acrescentando-lhe
alguma coisa. Sinto que na prosa e na poesia estamos
a viver um momento que, para já, me parece bastante
estimulante.

Diversidade é sempre sinónimo de riqueza?

A diversidade é naturalmente um sinónimo de riqueza.
Quanto mais ampla for a literatura, quanto mais temas
tocar e quantas mais formas puder ter, maior é a sua
proposta. Também sei que, hoje em dia, até por
questões externas àquilo que é estritamente literário,
por questões de mercado, se publicam muitos livros
e que, por várias razões, às vezes de forma muito
injusta, são completamente engolidos pelo tsunami
editorial. O facto de se publicarem muitos livros faz
com que a atenção dada a cada um desses livros
seja menor.
Ainda assim, acredito que a literatura precise de um
certo tempo para ser realmente compreendida.
Esse tempo não pode ser abreviado, não depende
de lógicas de mercado, não depende de questões
práticas.

13
wookacontece • verão
Estás a falar da boa literatura e dos teus pares, e eu
estava a perguntar-te pelos livros, na sua globalidade,
que são publicados em Portugal…
[risos] Falar de livros é falar de muita coisa. Há livros
com muitas características, e eu não tenho capacidade
para acompanhar sequer todo o mundo editorial
português. Há três ou quatro autores que eu vou
acompanhando e, por vezes, aventuro-me em alguns
nomes que nunca ouvi. Às vezes, tenho boas
surpresas, outras nem tanto.
Lembras-te de alguma boa surpresa recente?
Há vários casos. Por exemplo, o da Djaimilia
[Pereira de Almeida], que é fabuloso. É uma autora
de que seguramente iremos ouvir falar sempre que
ela publique, porque é uma voz que se vê que tem
segurança. Ou o Bruno Vieira Amaral, que é
um autor já muito reconhecido.
Quais são as características que um livro deve ter
para que o aprecies?
A primeira característica que um livro, no caso, um livro
de literatura, tem de ter para que o considere sequer
competente é a coerência interna. Tem de ser
consequente na história, na construção das
personagens, na linguagem. Os diversos elementos
têm de manter essa coerência. Depois, tem de ter
aqueles rasgos que me surpreendam, e que podem
também acontecer em qualquer um desses níveis, seja
com a construção das personagens, a estrutura da
narrativa, a linguagem, a ousadia de tratar certos temas
que acrescente alguma coisa que eu nunca tenha visto,
que me faça saber algo que eu não sabia antes.
Isso é algo que nós, leitores, sentimos com este
teu novo livro, Autobiografia, que é, na verdade,
um romance em que transformas Saramago numa
personagem. Como é que surgiu esta ideia,
esta ousadia?
A primeira ideia para escrever este livro foi justamente
a de ter Saramago como personagem. Quando surgiu,
era ainda bastante vaga, mas teve de se tornar
concreta para poder edificar o romance à volta desse
conceito. E, claro, depois, foram surgindo novas ideias,
novas questões, atualmente tão importantes como
essa para aquilo que é realmente o livro, como seja
o facto de se tratar de um livro que anda à volta de
questões ligadas com a própria escrita, com a leitura,
seja sob o ponto de vista verdadeiramente literário,
14
com questões ligadas à identidade do narrador,
seja sob o ponto de vista prático, no que se refere
à vida dos escritores, à forma como eles lidam com
o texto ou como as suas vidas são vividas.
Podias ter escolhido outro escritor que não Saramago?
Podia ter escolhido, mas dificilmente teria escolhido
outro escritor com um lugar semelhante àquele que
Saramago tem, não só no que diz respeito à literatura
portuguesa contemporânea, como figura tutelar que
deixou uma marca impossível de negar, mas também
na presença que teve na minha vida com o Prémio
Saramago. Tive contacto com Saramago a partir desse
momento – portanto, desde 2001 até 2010 –, e isso
também me forneceu matéria-prima para eu criar esta
imagem, que é uma imagem ficcional naquilo que lhe
é mais essencial, mas que dialoga muito diretamente
com os aspetos documentais dessa vida – com a obra,
com os factos que aconteceram – e com um aspeto
subjetivo, ainda assim suficientemente objetivo, que é a
minha memória e as minhas avaliações dos momentos
em que tive oportunidade de privar com ele.
E se Saramago ainda fosse vivo, terias escrito
este livro?
A primeira vez que pensei nisso tive logo a tentação de
dizer que não. Mas, pensando melhor, cheguei à
conclusão que talvez o pudesse ter feito.
Em primeiro lugar, talvez não o fizesse por respeito
e devido a uma certa distância que eu mantinha para
com José Saramago. Quando o conheci, era um autor
que já tinha ganhado o Prémio Nobel e que já passava
dos 80 anos, com toda uma obra e uma presença que
era um pouco intimidante para mim. Por outro lado,
sempre tive dele uma grande consciência das regras
do trabalho literário, no sentido em que, se havia
alguém que verdadeiramente compreendia aquilo que
se propõe neste livro, seguramente seria José
Saramago, na medida em que a proposta deste livro
é essencialmente literária.
Não posso saber se teria escrito o livro na presença
de José Saramago, mas, agora que está escrito, fico
muito satisfeito por o ter feito.
Referes muitas vezes que Saramago te dizia para
olhares para a tua obra. Tens como hábito
confrontar-te sobre o que fizeste, com o que fazes?
Chegas a alguma conclusão?
Sempre tive essa consciência de obra – até uma fase
em que não existia obra e eu estava a ser muito
otimista e ambicioso de mais ao já colocar as coisas
nesse pé. Mas eu sempre sonhei com essa construção.
E hoje, que estou prestes a fazer 20 anos desde a
publicação do meu primeiro livro, já sinto que existe
alguma coisa construída, porque aquilo que escrevi,
embora mantenha uma certa diversidade, também
tem uma série de linhas que realmente são os temas
acerca dos quais eu tenho alguma coisa para dizer e,
por motivos difíceis de explicar, aqueles que mais
me tocam.
Quando escrevo um novo livro, parece-me
efetivamente diferente de tudo aquilo que eu já escrevi,
mas, depois, à medida que vai avançando, vou
encontrando todas as linhas e vou percebendo que
todas essas obsessões, no fundo, são questões para as
quais eu ainda não encontrei uma resposta e, por isso,
continuo a insistir nelas.
Este bloqueio criativo, em que está submerso o jovem
literato José, é algo que te aconteça com frequência?
Toda a gente tem de lidar com o bloqueio criativo.
Essas dificuldades são o que todos necessitamos de
ultrapassar para depois alcançarmos a realização.
Sem dificuldades não existe realização. Quando não
existe, há que duvidar e há que procurar.
Essa superação é que vai trazer aquela indicação de
que se conseguiu chegar a algum lugar.
No fundo, é isso que a escrita de um livro exige:
que se coloque um propósito e que esse propósito dê
trabalho e exija sacrifício, e que se consiga lá chegar.
Aquilo a que se chama o bloqueio criativo, assim de
uma forma mais estereotipada, eu tento ultrapassar
através de uma série de estratégias, porque afinal
também já tenho muita experiência.
Pois tens. Aliás, tu moves-te com sucesso em
diferentes géneros literários: romance, poesia, crónicas,
infantojuvenil. Quando começas a escrever, já sabes
o que vai sair?
Tento sempre definir alguns aspetos essenciais do livro,
nomeadamente, o enredo. Normalmente, sei o que irá
acontecer até ao final, porque também preciso de
começar a preparar o final logo no início. O futuro já
está aqui. Nós é que não somos capazes de distinguir,
mas, daqui a dez anos, quando olharmos para este
momento, perceberemos que muitas das coisas que
vão acontecer já estavam aqui em potência. Isso é
também o que tem de acontecer às personagens de
um livro. O futuro delas já tem de estar de alguma
forma presente ou possível no início. Ainda assim, o
caminho da escrita deixa muito espaço para se
encontrarem elementos que são do momento.
A escrita, as palavras, a linguagem… em certos
aspetos, é muito bom que exista espontaneidade;
muitas vezes surpreendo-me a mim próprio quando
escrevo.
Qual foi o último livro que leste e recomendas?
Uma leitura intensa e exigente que terminei há alguns
meses: um livro do Salman Rushdie, que se chama
Os Filhos da Meia-Noite.
15
wookacontece • verão

É uma grande montanha de histórias indianas que fala

um pouco sobre a independência da Índia. Para mim «aquilo que mais
me toca, em algum
foi muito exigente, porque precisei de me documentar
para perceber essa história e compreender o livro, mas
ao mesmo tempo, foi muito inspirador, dada a
capacidade de efabulação, comparável, talvez, com
o realismo mágico latino-americano, ali com um sabor
momento, acaba
um pouco mais picante e condimentado da Índia.
por chegar aos
És assumidamente fã de metal. Já foste guitarrista
numa banda – Hipocondríacos – , escreveste letras
para os Moonspell. Que papel tem a música
livros que escrevo»
na tua vida?
A música é fundamental. A música é parente da
literatura e da linguagem, porque existem elementos
da música na própria linguagem: no ritmo com que Talvez, então, um dia, também surja o livro?
falamos, em certas musicalidades que usamos Sim, é muito provável. Normalmente, aquilo que mais
e que são essenciais para construir uma retórica me toca, em algum momento, acaba por chegar aos
que comunique e que cumpra os propósitos livros que escrevo. Os meus livros acabam por ser um
daquele momento. balanço da minha vida, não porque acho que seja
Sinto que a música é, muitas vezes, aquilo que as necessário fazer esse balanço e partilhá-lo com as
palavras não conseguem ser, no sentido em que parece pessoas, mas porque é o que eu tenho para dizer.
tocar o indizível. A música parece ter uma intensidade –
mais controlada ou mais descontrolada, como no caso Estamos a chegar ao fim, e acho que é justo escolheres
do metal – que nos fala. Nem sempre aquilo que diz é uma passagem deste novo livro para nos
verbal. É uma forma humana naquilo que o humano despedirmos…
tem de mais misterioso. É-nos muito difícil apontar com «O silêncio, e novo estrondo, e outro, e outro, outro,
o dedo e dizer «está aqui». Mas está. e uma descarga violenta, ininterrupta. José correu para
a janela e assistiu à queda gigante de livros do céu.
E, além da escrita e da música, há outra grande paixão Livros em toda a distância dos céus de Lisboa, de
na tua vida: as viagens – que também originam livros. Portugal inteiro talvez, não se abriam no ar, caíam em
De todos os lugares do mundo onde já estiveste, qual linha reta, sem restolhar de páginas, sem espalhafato,
foi o que mais te impressionou? E porquê? e batiam de chapa no chão, estrondos que punham
É uma pergunta difícil de responder. Sinto que a em sentido, que se sobrepunham a todos os outros
resposta que eu der hoje vai ser diferente daquela que ruídos, espécie inédita de cataclismo. José olhou mais
eu vou dar daqui a algum tempo. Ainda assim, neste de perto, com detalhe, estavam a chover livros
momento, o espaço que mais me cativa e que mais de Saramago.»
me motiva para conhecer melhor é a China. É um país
imenso com uma quantidade de culturas também
enorme, e que nós, de um modo geral, desconhecemos
porque existem questões civilizacionais particulares.
Estamos a falar de uma cultura com cerca de 4000
anos, que tem valores muitos específicos e uma vida
contemporânea muito própria. Conhecer melhor esse
país é conhecer o melhor mundo em que vivemos.
Não só pelos quase 1400 milhões de habitantes mas
também pela importância cultural que tem na nossa
realidade, embora nem sempre estejamos
VÍDEO
completamente despertos para a identificar. Veja esta entrevista.

16
 Gran de s l iv ros
«Augustus» é o mais premiado Dois mestres da espionagem.
romance do autor do bestseller Dois bestsellers. Da realidade
internacional «Stoner». à ficção, não faltarão descobertas.

A obra-prima de Thomas «As Regras da Cortesia» Uma saga familiar pela

Mann pela primeira vez é uma nostálgica revisitação escritora que todos
traduzida em Portugal. da Nova Iorque dos anos 30. associam a Elena Ferrante.

«Hotel Melancólico» é um Os pequeninos podem deliciar-se

romance sobre a relação a aprender as letras com Henrique,
turbulenta entre a arte e a vida. mestre de partidas nojentas.

O mais recente romance de 2500 anos de espionagem Um autor perseguido

António Lobo Antunes. Angola contados pela primeira vez e exilado conta o que se
a caminho da Guerra Colonial. numa obra de dois volumes. está a passar na Turquia.

Finalmente em português
O Verdadeiro Mestre
um dos mais icónicos
do thriller nórdico.
romances de Roth.

Para seres brilhante tens de O novo e muito aguardado Sábias palavras do

ser irracional. Uma lição de um romance da série Charles Boxer, Papa Francisco para iluminar
autor que pensa fora da caixa. o especialista em sequestros. todos os dias do ano.
CENTENÁRIO SOPHIA E JORGE DE SENA 1919-2019

O esplendor
das coisas
visíveis
Há 100 anos, no Porto, nascia
Sophia de Mello Breyner
Andresen. De ascendência
dinamarquesa pelo lado
paterno, criada no seio
de uma família aristocrata,
mulher de silêncio, olhos grandes
e azuis pousados insistentemente
na contemplação de tudo
quanto a rodeava.

18

«Quem vê o esplendor do mundo
também conhece o seu lado mais
sombrio.»
Sophia. Sabedoria.
Imensamente livre, inteligente, contraditória e solitária,
escrevia e reescrevia dias inteiros fechada num quarto
onde reivindicava silêncio, a mãe de cinco filhos.
Comecei a escrever numa noite de primavera,
uma incrível noite de vento leste e junho.
Nela o fervor do universo
transbordava e eu não podia reter,
cercar, conter – nem podia
desfazer-me em noite,
fundir-me na noite.
Escreveu poesia, contos, prosa,
teatro. Traduziu Eurípedes,
Shakespeare, Claudel, Dante
e, para o francês, alguns poetas
portugueses. Apesar de avessa
a prémios e homenagens em
vida, recebeu várias distinções
literárias, das quais se destacam
o Grande Prémio de Poesia
da Sociedade Portuguesa
de Autores, em 1965, e o
Prémio Camões, em 1999.
Também recusou outros:
«Olhe, Mário [Soares],
mas eu não quero essa
condecoração para
nada, o que eu
precisava era de
uma boa cozinheira,
a Ordem da Liberdade,
não», recorda o filho
Miguel Sousa Tavares,
naquela que é a primeira vez
que fala da mãe, numa entrevista
recente ao Diário de Notícias.
wookacontece • outono
Em Sophia encontramos uma rigorosa economia
do efeito, um ofício de escrita que burila as palavras
até que fique apenas o seu sentido matricial, aberto
às ondulações de uma vida sem maneirismos ou
artifícios barrocos.
Nela mora a vontade intransigente do acordo entre
as coisas e a Natureza, essa busca de tudo o que se
perdeu por não passarmos suficiente tempo em frente
ao mar. Inspirada pela Antiguidade greco-romana,
Sophia procurava os deuses num percurso em que
a ética era uma exigência permanente.
Dela fica também o exemplo de resistência à ditadura
salazarista e o seu empenho ingénuo e total na
democracia que surge na manhã que ela esperava,
«inteira e limpa».
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
Autora de um espólio ímpar, após a sua morte,
em 2004, proliferaram trabalhos académicos,
discursos oficiais, homenagens, encómios, o Panteão.
Atribuíram-se-lhe poemas que não eram seus,
fixaram-se os lugares-comuns: mar, azul, branco,
Grécia, Granja.
Sem biografias que perpassem até àquilo que lhe
é mais íntimo, retrato complexo e completo, e,
no entanto, basta escrevermos Sophia para todos
sabermos de quem falamos.
19
wookacontece • outono
Jorge
de Sena
«uma extraordinária
impressão
de grandeza»*
Passados 100 anos sobre o nascimento de Jorge
de Sena, um olhar atento sobre a sua obra revela
não só o seu lugar único na literatura portuguesa
do século XX mas, sobretudo, a figura do homem
de letras na verdadeira aceção da palavra. À vida
e à obra de Sena poder-se-ia acrescentar como
epígrafe o célebre verso-sentença de Ricardo Reis:
«Para ser grande, sê inteiro».
Poeta, ficcionista, crítico, tradutor, ensaísta, professor,
poucos autores se terão desdobrado com tamanho
mérito em tantos papéis.
Estar perante Jorge de Sena é estar diante de um
escritor prodigioso e multifacetado, mas também
de um homem singular, marcado pela condição
do ser estrangeiro em toda a parte.
Nascido em Lisboa em 1919, Sena ingressa na
Escola Naval, mas acaba por cursar Engenharia Civil
na Universidade do Porto. Depois trabalha como
engenheiro até 1959, ano em que, por razões
políticas, parte para o Brasil, onde se naturaliza, faz
o doutoramento em letras e inicia uma carreira
de professor universitário.
Daí sairá, depois do golpe de estado de 1964, para
os Estados Unidos, onde dará aulas, primeiro no
Wisconsin, depois em Santa Barbara, na Califórnia,
onde permanece até à sua morte em 1978.
Esta itinerância não faz mais do que sublinhar
um certo isolamento dentro das letras portuguesas,
como o próprio autor sublinha numa entrevista:
«Fui sempre um exilado, mesmo antes de sair
de Portugal, em 1959».
20
A figura do engenheiro que se dedicava às letras,
a frontalidade, a ironia mordaz e a forma implacável
como condenava, nas suas próprias palavras,
«a mediocridade, a estupidez, a vileza, a malignidade,
a incultura», não foram alheias à forma muitas vezes
amargurada com que Sena se referiu a um país que
nunca soube realmente reconhecer o seu génio.
Como ficcionista, Jorge de Sena foi autor de obras
marcantes como O Físico Prodigioso (1977) ou Sinais
de Fogo (1979); como tradutor, deu a conhecer obras
de autores tão importantes como Faulkner, Emily
Dickinson ou Kavafis. Como crítico e estudioso,
escreveu estudos incontornáveis sobre Camões
e Fernando Pessoa.
É, contudo, na poesia que encontra a sua forma maior
de expressão. Numa entrevista admite mesmo:
«Penso que o sentimento poético está
sempre por detrás de tudo o que escrevo.
Por isso considero-me realmente um poeta,
mesmo quando escrevo estudos eruditos.»
Desde o seu primeiro livro Peregrinação, publicado
em 1942, a poesia de Sena assume-se como uma
poesia comprometida com o mundo. Não com escolas
ou correntes poéticas, que sempre recusou, mas com
ideais maiores como a liberdade ou a justiça. Ainda
que o poeta escreva, como no poema Tentações
do Apocalipse, que «não é de poesia que precisa
o mundo», a verdade é que é o mesmo Sena
a defender num prefácio à sua obra que «à poesia,
melhor que a qualquer outra forma de comunicação,
cabe, mais que compreender o mundo, transformá-lo.»
A propósito de um dos seus volumes de poesia,
Sophia de Mello Breyner, amiga de longa data, fez
notar «uma grandeza que é estilo, precisão, exatidão,
força, construção e mais ainda testemunho, olhar
olhando de frente, inteireza, coragem.»
Poderíamos dizer o mesmo do escritor. Da obra
de Sena emerge a figura de um homem íntegro que
nos continua a dar, 100 anos depois, um testemunho
valioso de Humanidade. Segundo o poeta:
«Não me arrependo de ter tido essas palavras.
Tive-as, não as tenho mais, elas me têm a mim.»
* Sophia de Mello Breyner Andresen em carta a Jorge de Sena,
20 de março de 1961.
 Um thriller de cortar a respiração

Do autor de
O Silêncio
Dos Inocentes

JÁ DISPONÍVEL!
de Tinha o ficheiro

a no computador
«e ia acrescentando,
cortando, substituindo,
a um ritmo que podia
prolongar-se
indefinidamente»,
começa por dizer
no e-mail de resposta.
«Quis fazer uma
enumeração caótica,
borgesiana, em que
não houvesse um
padrão definido.»

Carlos Vaz Marques,

55 anos, jornalista,
apresentador, tradutor,
editor e um dos maiores
bibliófilos deste país,
é o rosto de estreia
desta rubrica.

A
Ainda não é o fim nem
o princípio do mundo; calma,
é apenas um pouco tarde  ¶

Carlos Vaz
B
Beckett, Beethoven,

Marques
Benfica – nem sempre
por esta ordem  ¶
C
Comer bem  ¶
K
Kafka e o riso de Kafka  ¶
S
«Só sei que nada sei»  ¶

D
Dirijo-me apenas às coisas
L
Lisboa  ¶
T
Ter tempo
que me excitam / é o supremo luxo  ¶

M
Positivamente e me levam a

fazer outras coisas, dirijo-me /
Às pessoas de que gosto,
nunca às de que não gosto  ¶
U
Mahler, Miles, Metheny;
música, incluindo a que não Um só, como explicou

E
começa por M  ¶ o Sr. Whitman, pode
ser uma multidão  ¶

Ella e Billie e Nina  ¶

N V
F
Não te mexas, morre
e ressuscita  ¶  Vem e vê  ¶ 

O W
Fernando António Nogueira
Caeiro de Campos Reis
Soares Pessoa   ¶
Olhai os lírios do campo  ¶ Wikipedia e Google

G
e o privilégio do acesso

P
imediato a toda a memória
do mundo  ¶ 
Gatos  ¶
Prosa sempre, poesia sempre

H
que possível  ¶

Hoje é o dia  ¶
Q
I
Querer não é poder  ¶
A ideia: o convidado deve

R
percorrer as letras de A a W
Inquietação, inquietação  ¶  (de WOOK) e dizer… o que
bem entender.
O desafio: a ausência

J
Rejeitar a nostalgia  ¶ de amarras criativas;
a criatividade.
O resultado: sempre uma
«Je est un autre»  ¶ incógnita.

23
Monja
Coen

«Não queira estar numa
linha reta de tranquilidade,
porque isso é a morte.»
Apresenta-se leve e firme. Termina
a entrevista com uma gargalhada
sonora e as mãos em prece.
Fonte inesgotável de inspiração
e um autêntico fenómeno de
audiências, Monja Coen é uma
das figuras budistas mais seguidas
da América Latina – comprovam-no
mais de um milhão de seguidores
no seu canal de YouTube.
A autora veio à WOOK e, numa
longa conversa, lançou as primeiras
coordenadas de uma bússola
que nos aponta o caminho
da transformação e da paz interior.
Começo mesmo pelo início: o que é o budismo-zen?
O zen budismo é uma tradição dentro das várias
tradições budistas. É como se fosse uma árvore:
nós temos a raiz comum, o caule comum, o tronco
comum, mas várias bifurcações.
Uma das bifurcações do budismo é o zen.
A palavra zen significa meditar. Nós não traduzimos
exatamente para meditar, porque em português é um
verbo transitivo direto, que exige um objeto, e não há
objeto na meditação, é o eu com o próprio eu,
a auto-observação que transcende o eu.
Então, a tradição zen tem como prioridade as práticas
do silêncio e da meditação.
wookacontece • outono
Existem várias ramificações, mesmo dentro do zen,
e eu pertenço a uma escola que se chama Sōtō zen.
Sōtō zen tem a característica de dizer que basta sentar.
Em japonês, há a palavra shikantaza: se você apenas
sentar na postura correta, você acessa aos níveis mais
profundos de consciência.
Lembra-se do dia em que percebeu que queria seguir
este caminho? Que idade tinha?
Eu comecei as práticas meditativas com 28 anos e
fui ordenada monja com 36. Fui para o Japão e fiquei
morando lá por mais de 12 anos.
Fiz toda a minha formação no mosteiro feminino
de Nagoya e, depois, voltei para o Brasil. Fui trabalhar
na sede da América Latina durante seis anos e agora
criei um templo que é mais aberto a toda a população
brasileira. O templo em que eu fiquei quando voltei
do Japão para o Brasil era mais ligado à colónia
japonesa, que em São Paulo é uma das maiores
do mundo.
Como é que se anuncia essa decisão no seio
de uma família católica?
Pois então… Minha mãe teve uma grande
preocupação, porque somos uma família católica
apostólica romana e ela disse: Mas, minha filha, porque
é que vais a uma religião do outro lado do mundo?
E, tendo que explicar a minha mãe, eu acabei me
autoconvencendo. Uma das coisas que Buda dizia é
que, se alguém vai se ordenar monge ou monja,
precisa da aprovação dos seus pais, vivos ou mortos,
porque os pais vivem dentro de nós.
E, num determinado momento, eu sentei em
meditação. Minha avó era filha de Maria, uma família
muito tradicional católica, e eu pensava assim: estou
traindo Jesus! E, nesta minha meditação, era como
se estivesse Buda e Jesus, lado a lado, e não brigavam
um com o outro.
25
 wookacontece • outono
entrevista
«A meditação não cura
nem ansiedade nem
depressão, mas ela nos
aponta um caminho.»
Para mim, de repente, eu fiz a comunhão entre os
dois. E foi nesse dia que minha mãe me telefonou do
Brasil, eu estava nos Estados Unidos, em Los Angeles,
e disse: Minha filha, eu entendo, você estará servindo
a quem eu chamo de Deus. Seja qual for a tradição
espiritual a que vá, é a Deus que estará servindo
e eu a abençoo. Então, com a bênção de minha mãe,
eu pude me tornar monja.
Que recordações guarda da sua infância?
Tem boas e más. As nossas infâncias não são só
prazeres: têm alegrias, contentamentos, descobertas,
o maravilhamento pela existência... Mas também tem
coisas mais difíceis: perder os dentes não é fácil!
Trocar os dentes, escola, muitas vezes, repreensões...
Todo o processo educacional na infância é tão
agradável quanto também desagradável.
Há um capítulo neste livro com o título
«O que se move?» cuja resposta é «a nossa mente».
O que a move a si?
A vida me move. Nós todos somos movimento
e transformação. Nenhum de nós está parado;
a diferença é quando você percebe isto. Todo o nosso
corpo é uma renovação constante de células. Nada
para nem por um instante. Somos a vida da Terra,
estamos girando junto com o planeta, em torno de si
mesmo e em torno do Sol. Não dá uma parada nem
vai para trás. Então, o movimento é contínuo, sempre
em transformação e para a frente.
Quando nós percebemos isso, podemos fluir com
o fluir da vida. É o autoconhecimento que transcende
o eu menor. O Freud vai chamar de ego. Nós podemos
chamá-lo de eu menor. Sem ele, nós não comemos,
não nos vestimos, não nos banhamos e não tomamos
decisões. Mas é preciso perceber que existe alguma
coisa maior do que isto.
26
E quando você trabalha e vive para um bem maior do
que o seu individual, do egoico, do pequeno, você vive
em plenitude. Enquanto eu quero tirar vantagens das
coisas e penso muito o que é bom para mim, eu estou
perdendo oportunidade de pensar o que é bom
para nós.
Nas suas palestras, tem abordado os temas da
ansiedade e depressão, que são já consideradas as
doenças do século. A meditação ajuda até que ponto?
A meditação não cura nem ansiedade nem depressão,
mas ela nos aponta um caminho. Ela faz com que
a pessoa perceba o que está acontecendo e saiba lidar
melhor. Então, a pessoa muito ansiosa, ela não vai
deixar de ser tão ansiosa, talvez fique um pouco menos,
mas vai perceber a hora em que a ansiedade vem
e como lidar com ela, e a chave-mestra é a respiração
consciente. Perceba que, em toda a ansiedade,
a respiração vai ficando mais alta e mais rápida.
Se você trabalha com essa chave de ouro, que é
a respiração consciente, pode baixar o nível da
ansiedade para poder resolver suas questões.
A Espanha, recentemente, teve o que se chama a gota
fria, que foi a grande depressão. Nunca haviam usado
esta palavra, depressão, para questões climáticas, mas
veja que é semelhante à nossa mente. Quando vêm
questões climáticas é muito aguaceiro, não é? Então,
o que acontece? É muito choro, muito pranto, muito
desencontro, e nós podemos ser levados por esta água
das nossas tristezas, daquilo que vem e destrói os
nossos sonhos, as nossas expectativas, as nossas
casas, o nosso trabalho. E é um pouco isto, mas nós
não ficamos lá. Assim como nenhum país fica quando
há inundações; passada a inundação, reconstruímos.
E há pessoas que não, elas ficam naquele estado:
Nossa, foi tudo destruído, o que eu sonhei, o que eu
esperava, a vida ficou branca e preta, não tenho mais
nada. Quando não temos mais nada, estamos abertos
a ter tudo e a recomeçar e a ressignificar a existência.
Eu trabalho muito com isso de dizer: o sofrimento é
opcional. A dor existe, a perda existe, temos que
atravessar os lutos das perdas, quer sejam de pessoas
que nós amamos, que vão embora, quer seja dos
nossos sonhos e expectativas. Atravessamos e nos
renovamos, e isso é o mais importante, o ressignificar
a existência.

Acredita que é possível treinarmos a nossa mente
no sentido de vermos só coisas boas?
Não, não queremos ver só coisas boas. A nossa mente
tem que ser capaz de ver tudo. Os nossos ouvidos
ouvem todos os sons: ruídos e sons harmoniosos.
As nossas narinas sentem todos os odores e a boca
todos os paladares e os olhos tudo veem. A diferença
é que eu vejo e compreendo. Há uma analogia de que
gosto muito de um monge vietnamita, Thich, em que
ele diz o seguinte: as pessoas preferem ver a flor e
sentir a fragância de uma flor e têm repulsa pelo lixo;
mas se esquecem que a flor murchará e estará no lixo,
e o lixo que você tanto rejeita vai ser o húmus fértil dos
alimentos que vai comer.
Olhar em profundidade não significa que só quero ver
o que é bonito e belo. Eu vejo tudo o que acontece.
Como uma câmara, ela filma tudo, a luz e a sombra,
mas nós podemos depois escolher as imagens que
queremos desenvolver em nós. A mídia, por exemplo,
pelo menos no Brasil, dá muita ênfase a tudo o que
é criminoso, pecaminoso, destruidor, e se nós ficarmos
sendo bombardeados por informações prejudiciais
o tempo todo, nossa mente fica assustada, somos
sensíveis e vamos ficar com medo, vamos ficar com
ansiedades e depressões. Tem que ver um pouco
também da maneira que as informações chegam
até nós. Então, o que é que importante? Saber filtrar.
A quem interessa essa informação? Quais são os grupos
que estão interessados em passar para a Humanidade
esse tipo de informação? Porque outras coisas lindas
estão acontecendo e, muitas vezes, não se dá
prioridade àquilo que é bom, benéfico e saudável.
É preciso manter esse equilíbrio. Mas os olhos tudo
têm de ver. Temos de perceber tudo e entender.
Porque é que acha que isso acontece, a nossa
tendência para focarmos mais vezes no mau
do que no bom?
A nossa tendência de nos cuidarmos faz com que
demos bastante atenção ao que possa ser prejudicial.
Não é porque nós tenhamos uma mente malévola
nem depressiva, mas exatamente aquilo que pode
causar mal ao ser humano é que nos chama mais à
atenção, que é uma espécie a dizer: cuidado, preste
atenção! Isto pode ser perigoso para você, para a
Humanidade. Então, essa ênfase que se dá naquilo
que não é benéfico tem um sentido de cuidado, mas
se nós não percebermos que existem caminhos de
libertação, nós ficamos aprisionados, dizendo não
wookacontece • outono
tem jeito, a vida é sofrimento e dor, não podemos
sair daqui, é um vale de lágrimas, como dizia a minha
avozinha! E não é, ela tem lágrimas, mas tem
sorrisos também.
Outro assunto a que dá ênfase no seu livro é
a importância de parar. De nos sabermos ouvir.
Que conselhos daria a um leigo interessado
na prática budista para iniciar o seu caminho?
Qual seria o primeiro passo?
O primeiro passo é sentar-se ou deitar-se, se não
poder se sentar, numa posição correta, alongamento
da coluna vertical, ombros para trás e para baixo e
vamos trabalhar com respiração consciente.
Geralmente, colocamos as mãos no que chamamos
o mudra cósmicos, a mão direita em baixo, a esquerda
em cima e os polegares se tocam bem de leve – faz
uma elipse, que são os planetas em torno do Sol.
Estamos nos cosmos e o cosmos está em nossas
mãos. Serve também como um termómetro, para você
perceber como está. Quem estiver com muita
fraqueza, pouca energia vital, o que acontece?
A mão cai. E quem estiver com muita tensão,
a mão fica dura. Você pode se alinhar, perceber como
está e aí trabalhamos com respiração consciente.
A inspiração é passiva, o ar apenas entra
e a expiração é ativa. Fazemos isso algumas vezes,
umas duas, três, e depois ficamos em silêncio.
Os olhos pousados no chão, observando, estando
presente onde está, sentindo o corpo que se move
com a inspiração, a expiração, percebendo o
movimento mental, pensamentos, emoções,
sentimentos e tudo faz parte, não há nada a ser jogado
fora, mas apenas silenciar e observar. Até que há um
ponto em que não há mais observado e observador,
você se torna e se percebe a vida da terra,
interconectada a tudo e a todos.
Quantas vezes pratica meditação no seu dia a dia?
Não é a questão de quantas vezes, é mais a qualidade
do que a quantidade. Cada um de nós deve saber os
seus momentos. É recomendado logo ao acordar,
antes de tomar café da manhã. Ir ao banho, lavar-se e
sentar-se em algum lugar confortável. Pode ser numa
cadeira, pode ser numa almofada, com as perninhas
cruzadas, e para quem estiver doente, pode ser na
cama, desde que não durma; por isso nós procuramos
manter os olhos entreabertos, porque às vezes
fechamos os olhos e começamos a imaginar coisas.
27
 wookacontece • outono
entrevista

A meditação não é imaginação e nem é relaxamento,

é o despertar da mente, é provocar-se a questionar-se.
«nós nos cansamos muito
Qual o sentido da existência? O que é a mente daquilo que temos
humana, como funciona? E, para quem começa o zen,
a gente diz: comece com cinco minutos, não queira e então queremos
muito tempo, não fique pensando vou fazer dez
minutos, meia hora. Não vai dar. Não estamos
novidades»
acostumados a silenciar, não estamos acostumados a
olhar para dentro. Mas é um olhar para dentro que, na Coen significa círculo perfeito.
verdade, é o olhar para fora. No começo, não Porque escolheu este nome?
entendemos isto, mas vai-se percebendo aos poucos Nós não escolhemos o nome; quem nos dá o nome
que tudo o que tem dentro de nós é o que está fora é nosso professor. Eu estava praticando no zen center
de nós e que não há fora nem dentro, que somos a de Los Angeles, eu morava lá. O nome do meu
vida deste planeta e que estamos pulsando com ele professor era Co e ele me deu um dos caracteres
e que o tempo todo a nossa vida é movimento. Logo, do nome dele que é o Co, que quer dizer só e En,
não queira estar numa linha reta de tranquilidade, que quer dizer círculo. O só ou um só círculo vem
porque isso é a morte. O batimento cardíaco, as ondas de um poema muito antigo na China, no século VIII,
cerebrais, elas estão sempre alto e baixo, alto e baixo. em que dizia assim: mente lua, só e completa.
E quando queremos uma linha única, significa o fim O círculo é a completude, é a perfeição.
da existência. Então, aprecie. Aprecie a alegria, a
tristeza, a dúvida, a ansiedade, a paz, a tranquilidade. Aos 72 anos, acredita ter encontrado aquilo
A nossa vida é múltipla, não queira que seja uma linha que sempre procurou?
reta. Que tenha as suas pequenas alternâncias. Eu procurei muitas coisas na vida. Fiz várias jornadas
diferentes em momentos diferentes da minha
Nota que hoje em dia há mais pessoas interessadas existência. Se eu estou satisfeita com a minha vida aos
nas terapias e rituais orientais? 72 anos? Quase que sim, eu acho que a gente nunca
Eu acho que o Ocidente começou a querer descobrir tem a satisfação completa, porque é sempre uma
alguma coisa nova, nós nos cansamos muito daquilo procura. O caminho é uma procura. E quando você
que temos e então queremos novidades. Uma das encontra, você continua a procurar, porque não tem
novidades são as práticas que vêm do oriente de fim, é sempre possível ir um pouco além, então, não
meditação. Mas as práticas meditativas não são só há um estado de dizer agora estou completa e nada
orientais. Se você prestar atenção, tem muitas no me falta. Não, falta... Ainda falta paciência, ainda faltam
Ocidente. As tradições religiosas cristãs, todas elas têm muitas coisas a serem trabalhadas e desenvolvidas.
práticas meditativas: não só as carmelitas, mas
os beneditinos. Então, tem várias ordens que são
baseadas na contemplação e na meditação.
E isso existe em todas as tradições espirituais.
No islamismo, no judaísmo, nas tradições indígenas,
nas tradições africanas do candomblé. Todos têm
momentos em que a pessoa se retira da sua vida
comum e vai entrar no silêncio do autoconhecimento
que transcende o eu, porque se ficar preso sentado,
pensando meu pai, minha mãe, minha avó, meu
emprego, minhas contas, não sai do lugar. É como
ficar se rodando no mesmo lugar. Começamos por aí,
mas temos de dar um salto quântico.

VÍDEO
Veja esta entrevista.

28
Guia de leitura infantojuvenil 1-5 anos
365 Histórias

Livros que
para Dormir
Noite após noite, uma
nova história para embalar
o sono. Contos que

piscam o olho
transformam a hora
de ir dormir num
momento único.

Histórias

ao Pai Natal de Princesas

Um livro cheio de magia
e de deslumbrantes
ilustrações clássicas.
Para descobrir ou
redescobrir as aventuras
Um livro traz sempre emoções inesperadas, porque das heroínas da Disney.
nunca se sabe quantas aventuras e momentos
divertidos cabem dentro dele.
As nossas sugestões contêm alegria, palavras
doces e magia à altura de qualquer sapatinho.

Partilhe as histórias em família.

Histórias Viradas
do Avesso
Sónia Morais Santos
Cinquenta histórias em
que não faltam leões cor-
-de-rosa e madrastas que
afinal são boas, entre
outras travessuras. Para ler
sem pressas, como todas
as boas histórias para
crianças.

O Meu Coração
Corinna Luyken
Com ilustrações e palavras
delicadas, este livro leva os
leitores a pensarem no seu
próprio coração e na
importância do amor
por si e pelos outros.

Especial POP-UP
O Monstro das Cores
Anna Llenas
As emoções explicadas
às crianças através das cores num
delicioso formato pop-up.
A Lagartinha Muito
Comilona – O meu livro
pop-up
Eric Carle
O ciclo vital de uma lagarta ganha
vida a cada página, numa arquitetura
tridimensional.
Contos Clássicos
pop-up – Branca de Neve
e Os Sete Anões
Susanna Davidson
A narrativa da Branca de Neve
e os Sete Anões numa nova
dimensão e com mais graciosidade.
Um conto clássico para desfrutar
uma e outra vez.
6-8 anos
Puto Detetive: as aventuras
de Rory Branagan
– O grande golpe
Andrew Clover
O Puto Detetive ri nas barbas do
crime, come mauzões ao pequeno
almoço e resolve crimes antes
da sopa. Um livro e uma coleção
muito divertidos!
50 truques de magia
incríveis
Uma caixa, um livro com 50 truques
e muitos acessórios para planear
o espetáculo de magia perfeito
lá em casa.
Sozinho em Casa
Kim Smith
O clássico do cinema é agora
um livro ilustrado para toda a família
– cheio de ladrões desastrados,
armadilhas e um rapaz chamado
Kevin que se vê sozinho em casa.
Um Conto de Natal
Geronimo Stilton
A obra clássica de Charles Dickens
livremente adaptada por Geronimo
Stilton. Será o Natal uma perda
de tempo?
wookacontece • outono
9-12 anos
O Monstro que Veio do Gelo
David Walliams
David Walliams está de volta com
a maior e mais épica aventura
de sempre, porque há heróis
de todos os tamanhos e feitios.
O Rapaz ao Fundo da Sala
Onjali Q. Raúf
Uma história memorável sobre
a importância da amizade e da
bondade num mundo tantas vezes
intolerante e sem sentido.
O Diário de um Banana
De-mo-li-ção
Jeff Kinney
Não é fácil ser criança.
E ninguém sabe isso melhor
do que o Greg.
O regresso do herói improvável
e divertido, como sempre.
Caderno (da Natureza)
do Bicho do Mato
Diana de Oliveira
Um guia para explorar e
experimentar a Natureza com
técnicas essenciais, como construir
um abrigo ou decifrar códigos.
Tudo para um verdadeiro explorador!
31
Sena, um rio de palavras.
Assinalamos o centenário do seu nascimento com um
dos poemas mais bonitos de toda a literatura portuguesa.

Ode aos livros

que não posso comprar
Hoje, fiz uma lista de livros,
e não tenho dinheiro para os poder comprar.

É ridículo chorar falta de dinheiro

para comprar livros,
quando a tantos ele falta para não morrerem de fome.

Mas também é certo que eu vivo ainda pior

do que a minha vida difícil,
para comprar alguns livros
­– sem eles, também eu morreria de fome,
porque o excesso de dificuldades na vida,
a conta, afinal certa, de traições e portas que se fecham,
os lamentos que ouço, os jornais que leio,
tudo isso eu tenho de ligar a mim profundamente,
através de quanto sentiram, ou sós, ou mal-acompanhados,
alguns outros que, se lhe falasse,
destruiriam sem piedade, às vezes só com o rosto,
quanta humanidade eu vou pacientemente juntando,
para que se não perca nas curvas da vida,
onde é tão fácil perdê-la de vista, se a curva é mais rápida.

Não posso nem sei esquecer-me de que se morre de fome,

nem de que, em breve, se morrerá de uma fome maior,
do tamanho das esperanças que ofereço ao apagar-me,
ao atribuir-me um sentido, uma ausência de mim,
capaz de permitir a unidade que uma presença destrói.

Por isso, preciso de comprar alguns livros,

uns que ninguém lê, outros que eu próprio mal lerei,
para, quando se me fechar uma porta, abrir um deles,
folheá-lo pensativo, arrumá-lo como inútil,
e sair de casa, contando os tostões que me restam,
a ver se chegam para o carro eléctrico,
até outra porta.

Jorge de Sena, 1944

Há 20 anos A WOOK dá!
que ninguém tem Oferta de um livro na sua
o que a WOOK tem. próxima encomenda.
Obrigado por nos
acompanhar nesta
história.

CÓDIGO: WOOKACONTECE1 CÓDIGO: WOOKACONTECE2

CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO
/livrariawook
Inserir o código do livro escolhido no primeiro passo do checkout no campo «tem um código?» e validar.

CONDIÇÕES GERAIS DA CAMPANHA

@livrariawook
Visite-nos em wook.pt Oferta de um livro em encomendas de valor igual ou superior a 15€, registadas e pagas até 31 de janeiro de 2020.
Exclui escolares, artigos vendidos no Marketplace e eBooks. Campanha limitada ao stock existente.
Não acumulável com outras campanhas.
 wookacontece Gratuita |  Dezembro 2019  | Número 3 
O blogue literário da

WOOK

wookacontece.pt

Entrevista exclusiva de A a W Centenário

1 0 José Luís Carlos Vaz Sophia
5 601023 809387

80938.10 Subscreva a nossa newsletter Peixoto Marques Jorge de Sena