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ENTRE TERRITÓRIOS: POLÍTICAS PÚBLICAS E COMUNIDADES

TRADICIONAIS

Alex Sandro Santos Fonseca1

Resumo

Tendo em vista a questão do espaço e suas dimensões materiais e imateriais os


conceitos de território e territorialidade possibilitam problematizar enunciações que
tangem as relações entre o Estado e as comunidades tradicionais. Nessa perspectiva é
necessário, sobretudo, evidenciar inter-relações e interdependências a partir das quais é
exercido o poder e onde também se constroem campos de conflitos. Pensando as
implicações que se estabelecem a partir de políticas públicas na formação,
deslocamento, limitação, circunscrição e deterioração de territórios e territorialidades
tradicionais, este trabalho pretende deslindar as tensões que se estabelecem entre os
territórios e as práticas a partir da interação, nem sempre convergente, entre os poderes
públicos e as comunidades. Objetiva-se analisar os processos de territorialização e
desterritorialização a partir do diálogo com as políticas públicas, buscando, sobretudo,
compreender sua historicidade e revelar suas intencionalidades. Dessa forma, apresenta-
se uma breve análise de alguns recortes históricos da comunidade caiçara de
Camaroeiro, do município de Caraguatatuba, Litoral Norte de São Paulo, que podem
contribuir qualitativamente como objeto de analise para a proposta.

Apresentação: Entre formas de pensar os territórios

Tendo em vista a questão do espaço e suas dimensões materiais e imateriais os


conceitos de território e territorialidade possibilitam problematizar enunciações no que
tangem as relações que se estabelecem entre o Estado e as comunidades tradicionais.
Nessa perspectiva é necessário, sobretudo, evidenciar as inter-relações e inter-
dependências a partir das quais é exercido o poder e onde também se constroem campos
de conflitos.

Pensar os processos de territorialização, ou seja, a formação de territórios,


como um processo concomitantemente des-reterritorializador e, portanto,
des-ordenador, não é tarefa fácil. Implica, em primeiro lugar, substituir as
leituras estanques, “euclidianas”, de território como uma área ou superfície
relativamente homogênea e dotada de limites ou fronteiras claramente
estabelecidas. Devemos partir da constatação de que o espaço geográfico é
moldado ao mesmo tempo por forças econômicas, políticas, culturais ou
simbólicas e “naturais” que se conjugam de formas profundamente
diferenciadas em cada local. (HAESBAERT, 2006, p. 120-121)

1
Mestrando em História pela Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de
São Paulo (EFLCH-Unifesp) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP).
A partir dessa abordagem os territórios e as práticas acontecem mediante tensões
que se estabelecem a partir da interação, nem sempre convergente, entre os poderes
públicos e, neste caso, as comunidades tradicionais. Esta ênfase no território se faz
necessária, pois, uma vez que as séries de mudanças, objetivas ou discursivas, que
contribuiu para intensas transformações no contexto social das comunidades, não
acontecem apenas no contexto territorial enquanto espaço geográfico, mas,
principalmente, nos campos simbólicos e nas experiências. Neste sentido, a construção
de territorialidades acontece também no tempo, segundo vivências e apropriações que
correspondem a configurações que também se transformam conforme o contexto. Dessa
forma, os territórios se entrelaçam, perpassando o material e o imaterial (imaginário,
simbólico), onde também se estabelecem trocas e conflitos em espaços ora de controle e
disciplinarização das práticas, ora de apropriações inventivas, circularidades e
transculturações (CERTEAU, 1998).

Sobre a diversidade dos territórios Bernardo Mançano Fernandes (2009) aponta


a necessidade de definir uma tipologia, que possibilite extrapolar a concepção do
território como espaço exclusivo de governança, revelando assim, tanto os conflitos
quanto as relações cotidianas. Para tanto, Fernandes (2009) diferencia o território em
seus aspectos material e imaterial, sendo o primeiro caracterizado pela fixidez e fluxo
com que se estabelece na urdidura de espaços de governança, propriedade e espaços
relacionais. Por outro lado o território imaterial, que Fernandes define como quarto
território, está circunscrito ao campo das ideias. Contudo, apesar dessa diferenciação,
Fernandes (2009) ressalta que as dimensões do material e do imaterial nos territórios
não estão desarticuladas, ou seja, não se apresentam de formas independentes, mas,
sobretudo, se constituem nas inter-relações entre as intencionalidades e as condições
materiais que confluem na elaboração de territórios e a partir de relações de poder.
Pensar essa diferenciação entre as formas como se estabelecem os territórios torna-se
essencial, uma vez que a partir das tipologias é possível ressaltar as relações de poder e
os papéis dos agentes na formação destes territórios em uma perspectiva mais ampla em
relação à atuação dos grupos frente às políticas e poderes públicos.

Rogério Haesbaert (2006), por sua vez, estabelece uma relação entre território e
identidade cultural. Neste sentido opera a construção identitária conforme se
transformam também as acepções acerca dos territórios. Haesbaert não concorda com o
pressuposto de que as transformações e mudanças das territorialidades contribuam para
o desaparecimento de indentidades. Sobretudo, salienta as interlocuções que se
estabelecem no processo de mobilidade e fluidez territorial que implica mudanças nas
conceituações e nas acepções práticas dos térritórios. Para tanto, em Haesbaert e
Mondardo (2010) emprega conceituações que contribuem para a compreensão deste
processo:

Para a compreensão dos diferentes aspectos dessa complexidade, vista por


alguns como emergência de multipertencimentos, por outros como “explosão
de identidades” ou, ainda, como momento das multiplicidades, prolifera uma
série de termos como hibridismo, multiculturalismo, transculturação,
mestiçagem, crioulização, antropofagia, cultura migrante, trânsito identitário,
entre outros. O surgimento desses termos parece ocorrer no momento em que
a intensificação da mobilidade e a multiplicidade do espaço configuram um
grande potencial para trocas e mesclas culturais que apontam para uma
“nova” realidade sócio-espacial, reveladora dessa reinvenção de
territorialidades. (HAESBAERT E MONDARDO, 2010, p. 21)

Para Haesbaert (2012), o hibridismo implica mobilidade, trânsito no espaço,


assim como o estabelecimento de multi/transterritorialidade. Territórios e
territorialidade que ora se distanciam, ora se aproximam a partir da relação entre os
sujeitos, e neste movimento participam na construção de novas identidades e alteridades
em uma perspectiva multi/transcultural.

Assim como na geografia, território também é problematizado no âmbito da


Antropologia, utilizado inicialmente para diferenciar sistemas políticos como demonstra
João Pacheco de Oliveira. Porém, o antropólogo afirma que para analisar o processo de
territorialização é preciso ir além deste paradigma e observá-lo como um não apenas
emanado de um poder político, como uma imposição sobre os grupos e comunidades,
que acontecem segundo enunciações pré-estabelecidas sob a condição de dominação e
subalternização, nesse sentido é preciso também considerar as ações destes grupos em
relação a essas imposições e a interação que se estabelecem no processo de constituição
das territorializações. Para Oliveira (1998) o processo de territorialização se apresenta
como:

o movimento pelo qual um objeto político-administrativo (...) vem a se


transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade
própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e
reestruturando as suas formas culturais. (OLIVEIRA, 1998, p. 56)

Ainda neste âmbito, Paul Elliott Little (2002) condiciona a territorialidade aos
usos que determinados grupos fazem do território. Segundo o antropólogo, a
territorialidade se apresenta como um aspecto imanente aos grupos sociais e se
manifesta segundo necessidades específicas da historicidade de cada grupo. Para Little
(2002) é necessário analisar em uma perspectiva histórica, como tais esforços coletivos
estabelecem identidade e territorialidade, no sentido de reconhecer as especificidades de
cada processo em suas dimensões sociais e políticas (LITTLE, 2002, p. 252-253).

Em relação às tipologias, Fernandes (2009) situa os usos no terceiro território


relacionando-os às territorialidades, mas diferenciando-os de sua produção, o que,
segundo o geógrafo, está relacionado à representação das formas de uso. Ainda
segundo Fernandes (2009) o espaço dos usos (terceiro território) é o espaço relacional,
onde se estabelecem os conflitos e também onde confluem propriedades fixas e móveis.
Os movimentos que se perpetuam no espaço relacional são determinados pelas relações
e conflitos sociais, de classes e grupos, assim como entre sociedade e Estado
(FERNANDES, 2009, p. 213).

Os territórios e territorialidades das comunidades tradicionais, pensados sob


esses pressupostos, permitem elucidar algumas questões que se pretendem levantar
neste trabalho. É necessário sempre salientar a importância da atuação dos grupos e dos
sujeitos na concepção de territórios frente às condições perpetradas a partir dos âmbitos
de poder. Neste contexto apresenta-se a possibilidade de acrescentar a este debate
algumas noções elaboradas por Michel de Certeau (1998) e desenvolvidas
posteriormente por Roger Chartier (2002), sobretudo levando-se em consideração as
práticas ordinárias, a disciplina e as apropriações inventivas no cotidiano. Neste
caminho, é necessário relacionar os elementos já levantados, problematizando desta vez
a ação do Estado, em suas faces objetiva e discursiva, enquanto política pública.

Políticas Públicas e reconfiguração territorial

Como apontado por Secchi (2013), Lima (2012) e Souza (2006), o estudo das Políticas
Públicas é bastante recente no Brasil, havendo certa polissemia em relação a definições
da abrangência do campo do conhecimento, assim como do próprio conceito. Contudo,
a disciplina apresenta alguns pressupostos úteis para a análise em outros âmbitos, neste
caso, para a compreensão da historicidade dos territórios no contexto das comunidades
tradicionais. Dessa forma, entende-se que as políticas públicas contribuem, enquanto
fenômeno de ordem político-administrativa, para a convergência de conflitos e
mudanças, seja nas configurações territoriais, seja, a partir dessas, mudanças nas
mentalidades.

A fim de conceituar o termo, para Secchie:

Uma política pública possui dois elementos fundamentais: intencionalidade


pública e resposta a um problema público; em outras palavras, a razão para o
estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um
problema entendido como coletivamente relevante (SECCHI, 2013, p. 2).

Tais pressupostos indicam alguns caminhos para a definição de uma proposta de


análise. Porém, e necessário reiterar a arbitrariedade na conceituação do termo Políticas
Públicas, conforme afirma Secchie (2013), uma vez que a própria literatura disponível
não concorda necessariamente em uma definição comum.

Do corpus teórico apresentado por Secchi (2013) buscou-se contribuições da


vertente pluralista, uma vez que se pretende compreender também o papel dos grupos e
dos sujeitos, frente às pressões e decisões do Estado. Dessa forma, é possível analisar
além do poder emanado das instâncias de poder estatal, mas também, de forma inter-
dependente, as pressões contrárias e resistências dos grupos. Por se tratar de um campo
que alia de forma interdisciplinar conhecimentos de várias das ciências humanas, as
Políticas Públicas estabelece também afinidades com estudos referentes às comunidades
tradicionais nos diversos campos onde estes têm se consolidado.

Percebe-se que as decisões governamentais e as políticas públicas são


responsáveis por empregar transformações nos territórios das comunidades tradicionais
ao longo do tempo. A partir de determinadas demandas e tomadas de decisões desde o
âmbito governamental, as políticas públicas tornam-se muitas vezes responsáveis por
desmembrar, deslocar, limitar, circunscrever e deteriorar os territórios. Neste contexto,
Fernandes (2009) entende que

O território é utilizado como conceito central na implantação de políticas


públicas e privadas, (..). Essas políticas formam diferentes modelos de
desenvolvimento que causam impactos socioterritoriais e criam formas de
resistências, produzindo constantes conflitualidades. Neste contexto, tanto o
conceito de território, quanto os territórios, passam a ser disputados. Temos,
então, disputas territoriais nos planos material e imaterial (FERNADES,
2009, p.213).

Em ralação às comunidades tradicionais, as políticas ambientais e culturais têm


estabelecido grandes impactos sobre os territórios tradicionais atualmente. Porém, em
uma perspectiva histórica, é necessário recuperar os impactos também de políticas
fundiárias e de desenvolvimento urbano e industrial. Em contextos como esses, as
comunidades tradicionais muitas vezes se encontram no centro de disputas territoriais,
estabelecendo-se assim conflitos pela manutenção de suas fronteiras materiais e
imateiriais.

Entre a praia e a cidade: Os processos de (des)territorialização das comunidades


caiçaras

Como objetivo central deste trabalho e a partir dos pressupostos que tangem as relações
entre a concepção e aplicação de políticas públicas e os processo de
(des)territorialização das comunidades tradicionais, buscou-se observar o caso
específico da comunidade caiçara de Camaroeiro do município de Caraguatatuba,
Litoral Norte do Estado de São Paulo. Esta comunidade enfrentara a partir da década de
1950 um intenso processo de mudanças e deslocamentos que alteraram profundamente
aspectos inerentes à sua identidade e territorialidade.

Para além dessa compreensão que reduz a cultura caiçara das comunidades
tradicionais a uma naturalização, é necessário problematizar a trajetória de determinada
comunidade que apresente especificidades tais que não se encaixe de maneira precisa
nos pressupostos abrangidos no conceito de cultura caiçara. Até meados do século XX,
a Comunidade de Camaroeiro se desenvolveu segundo o que se pressupõe para uma
comunidade tradicional, se estabelecendo como comunidade rústica fechada e
conservadora (CANDIDO, 1987; MARCÍLIO, 1986). Contudo, sua proximidade com o
centro do município de Caraguatatuba proporcionou contatos precoces dessa
comunidade com os processos de avanço do turismo e intensa urbanização que
transformaram a cidade de Caraguatatuba a partir da década de 1950. Com este
fenômeno as famílias que compunham a comunidade de Camaroeiro foram removidas
de seu espaço original, a orla das praias da região central do município, e tiveram de se
adaptar a novas configurações de espaço geográfico em bairros interiorizados, como o
Bairro Ipiranga.

É possível perceber nos movimentos que trouxeram modificações para a


comunidade de Camaroeiro o início de uma nova configuração de comunidade, para
além das transformações econômicas, sociais e geográficas, o caiçara que antes ocupava
a orla da praia com casebres de pau a pique e ranchos para o abrigo de canoas e
petrechos de pesca, passou a ocupar novos espaços. O mar, antes presença constante,
deixou a fazer parte de seu horizonte visível, exceto nos momentos de trabalho. A
paisagem conhecida agora era tomada por paredões de concreto armado. O caiçara
visivelmente afastado de seu local original precisou dar novo significado a sua forma de
ver o mundo e assim sua cultura. Como se tivesse cortado o cordão com o qual esteve
ligado umbilicalmente durante todo o processo de estabelecimento da comunidade.
Simbolicamente este momento representa a ruptura na qual o caiçara é inserido em um
novo espaço e precisa se adaptar a um novo contexto.

A questão que se levanta neste momento é a forma como esta comunidade


estabelece uma continuidade de elementos da cultura caiçara, refazendo suas práticas
em um local distinto, pouco propício para o seu desenvolvimento, desenvolvendo um
processo de reterritorialização (CHELOTTI, 2010). Necessariamente o trabalho
pesqueiro se apresentou neste sentido como fator que propiciou a manutenção de uma
identidade comum, caiçara. Quanto à configuração espacial, a geografia empresta
alguns conceitos que podem contribuir para a compreensão dos fenômenos que
propiciaram a coesão da comunidade mesmo após sua fragmentação e dispersão no
espaço. Sobretudo, nota-se que apesar das intensas transformações a identidade caiçara
encontra formas de se reconfigurar mediante a ligação com um novo espaço.

A compreensão de território imaterial desenvolvida por Bernardo Mançano


Fernandes (2009) contribui para a compreensão da cultura caiçara no processo de
deslocamento enfrentado pela comunidade de Camaroeiro. Segundo o autor os
territórios imateriais são as bases de sustentação de todos os territórios. Sendo
impossível, pensar os diversos territórios sem pensar os territórios imateriais, as
pessoas e os grupos que pensam e formam esses os territórios (FERNANDES, 2009, p
213). Para tanto, é necessário definir os limites de apropriação dos territórios por parte
de comunidade de Camaroeiro, a fim de compreender em que medida sua identidade
caiçara se circunscreve ao espaço ou à memória. É evidente que a comunidade manteve-
se coesa mesmo não partilhando um assentamento comum, contudo, observa-se a
inscrição de alguns constructos na paisagem (HALBWACHS, 1990), como o entreposto
de pesca de Camaroeiro e a Capela de São Pedro, construída no bairro Ipiranga na
década de 1970. Para o caiçara, resistir neste período não significou real enfrentamento
às novas populações, turistas e veranistas, com as quais se estabeleceu alteridade, mas
elaborar formas de reconhecimento mútuo e de inscrever novos referenciais identitários
como forma de não subsumir ao novo meio, visto que a comunidade se estabeleceu aí
de forma bastante dispersa. O trabalho com a pesca representava um importante
elemento de aderência para o grupo, contudo era necessário ainda cumprir a demanda de
dar materialidade à memória coletiva (HALBWACHS, 1990) que se encontrava
suspensa, encontrando lugar apenas nos saberes e práticas ordinárias (CERTEAU,
1998).

Após a pulverização do grupo em diferentes lugares a comunidade adentra uma


nova realidade transformando o modelo fechado e conservador a partir do contato e
inserção dos indivíduos dentro de uma nova lógica. Em seu espaço original os fogos se
localizavam distanciados no espaço, contudo, entre uma casa e outra só havia grandes
extensões de areia. Ao construírem seu novo bairro, os caiçaras passam a residir em
uma vizinhança na qual dividem lugar com populações migradas de outras regiões do
estado de São Paulo, assim como a população flutuante representada pelos veranistas
que visitavam a cidade algumas vezes no ano. Esse movimento significou a abertura da
comunidade para novos modos de sociabilidade, sendo que com esses novos grupos
passou a estabelecer estreita relação, muitas vezes de amizade duradoura (PAES, 2003).

A cultura caiçara desta comunidade resistiu a esse processo e mesmo que


determinados elementos da cultura não tenho permanecido intactos após a retirada das
famílias da orla da praia, a comunidade manteve a aderência dos indivíduos, mesmo que
interpelados por novas demandas sociais e econômicas.

A aridez dos novos bairros, marcados por uma grande quantidade de casas
desabitadas na maior parte do ano também pode ter contribuído para a manutenção do
modelo anterior, no que fortaleceu os laços da comunidade, uma vez que neste novo
espaço os membros do antigo grupo ainda se apresentavam como referência para a
sociabilidade. Habitando desta vez uma área suburbana no município, os caiçaras
precisaram fortalecer seus laços identitários uma vez que a nova configuração de
comunidade levava ao processo de decadência dos costumes tradicionais. Dessa forma,
é possível afirmar que este fazer-se e refazer-se é próprio da cultura popular (caiçara) no
que também se inserem os processos de (des/re)terriorialização, uma vez que a cultura
neste caso se ressignifica conforme as novas demandas do contexto em que está
inserida, de certa forma mesclando formas de resistências e resiliência no sentido de se
manter coerente, preservando traços de sua originalidade, mesmo diante de todos os
processos de transformação enfrentados (CHARTIER, 1995).

Uma vez definido este pressuposto, de que a comunidade de Camaroeiro se


constitui a partir de suas formas próprias de resistir ao impacto das mudanças é possível
problematizar e historicizar a relação entre as políticas públicas e a territorialidade da
comunidade. As interferências das políticas governamentais nos processos que marcam
a trajetória e os deslocamentos da comunidade de Camaroeiro se intensificam a partir da
década de 1950, como já apontado. A partir de 1947 com a Lei nº 38 de 30 de
dezembro, a cidade de Caraguatatuba, elevada à categoria de Estância Balneária,
passaria a receber uma série de investimentos estaduais que propiciassem o incremento
do turismo no município como geração de divisas.

Nesse contexto, as comunidades caiçaras do município, assentavam-se


originalmente na orla das praias, locais que passaram a ter centralidade no processo de
desenvolvimento de uma política de turismo o que corroborou para o surgimento de um
conflito pelo espaço. O exercício do poder sobre o território nesse caso se através de
políticas em várias frentes, sendo uma delas o Serviço de Profilaxia da Malária, a
principal responsável pela remoção das famílias da orla das praias da região central do
município. Destaca-se principalmente a forma como as ações governamentais se
complementam em busca de um objetivo comum. Uma vez que a presença da
Comunidade de Camaroeiro se revelava um empecilho ao desenvolvimento de uma
política de turismo, a remoção destas famílias tornou-se viável a partir de uma ação de
combate ao mosquito Anopheles transmissor da malária. Após o deslocamento dessas
famílias para locais mais interiorizados no espaço, a região ocupada pela comunidade
deu espaço a loteamentos e edifícios.

Nesse sentido, percebe-se que as ações governamentais corroboram para que as


comunidades, no caso a comunidade de Camaroeiro, subsuma perante uma nova lógica
econômica. As formas de exercer o poder sobre o território tornam-se evidentes, uma
vez que a partir dos mecanismos próprios do aparato estatal, as Políticas Públicas, os
indivíduos são deslocados conforme as exigências dessa nova lógica. Sobretudo, o que
se destaca a partir da análise de algumas fontes, um intuito de descaracterizar e
deslegitimar as identidades das comunidades, como se destacam em alguns inventários
das comunidades caiçaras de Caraguatatuba produzidos já no início da década de 1990.
Apesar de manter-se coesa, a comunidade de Camaroeiro não consta entre as demais
comunidades caiçaras do município no levantamento descrito nas cartas do
Macrozoneamento Ambiental do Litoral Norte – Caraguatatuba (SECRETARIA, 1990).
Nota-se, que no que pode ser descrito como uma ampla ausência de fontes que possam
caracterizar a presença da comunidade no município, a existência de uma eficaz
“Política de Esquecimento”, uma vez que frente à necessidade de incrementar as
estratégias do turismo no município, as comunidades caiçaras, com sua cultura rústica,
até então se apresentavam como empecilho a esse desenvolvimento. Apesar disso,
alguns elementos originais da cultura resistiram a todo o processo o que possibilita
alinhar a problematização da história da comunidade com o seu próprio discurso, uma
vez que a própria comunidade se afirma caiçara, e definir que a comunidade de
Camaroeiro permaneceu como comunidade caiçara mesmo não partilhando o mesmo
contexto territorial.

Em um momento imediatamente posterior, a comunidade de Camaroeiro ao


contrário das ações empregadas anteriormente, ganhará certa centralidade nas políticas
de turismo.

Considerações finais

Não elaborar políticas contundentes em relação aos patrimônios materiais e imateriais,


assim como em relação à preservação dos costumes das comunidades tradicionais,
privilegiando em vez disso o avanço do turismo, se apresenta como uma forma de
manutenção de um status quo, usufruindo do que as comunidades podem oferecer em
termos de produto para um mercado específico e propiciando a degradação dos lugares,
dos territórios e dos ecossistemas que essas culturas necessitam para se perpetuarem.
Apresenta-se não somente como uma omissão, mas sobre tudo uma escolha, um
privilégio de uma demanda em relação à outra, sendo que a primeira ocasiona profundos
impactos na segunda.
O presente trabalho buscou apresentar algumas contribuições para a
compreensão dos aspectos que abrangem a relação entre as Políticas Públicas e seu
impacto sobre o território e as territorialidades das comunidades tradicionias.
Especialmente, buscou-se analisar como essas políticas impactaram o modo de vida das
comunidades tradicionais da região, contribuindo também para deslindar aspectos da
história dessas comunidades, ainda pouco explorados. Através de algumas fontes
foi possível perceber o delineamento de algumas ações que privilegiaram o avanço do
turismo em detrimento de um modo de vida original da região.

As populações caiçaras, historicamente marginalizadas (LUCHIARI, 1999 e


1992; DIEGUES, 2005 e 2004, ADAMS, 2000), mais uma vez se encontraram diante de
um movimento de mudanças que solaparam seu modo de vida, suas relações e sua
cultura. A construção de políticas de turismo para o litoral revelou-se um importante
mecanismo de marginalização do caiçara, identificando-o como um empecilho para o
progresso da região. É possível observar a expulsão das famílias da comunidade de
Camaroeiro da orla da praia como ponto crucial para a vitória desse discurso, uma vez
que as famílias da comunidade não ofereceram nenhuma resistência, dada sua aceitação.

A imagem de preguiço e indolente construída sobre o caiçara persiste até a


atualidade em diversas enunciações. A resistência do caiçara em se adaptar a um
modelo produtivo mais dinâmico, distante do tempo lento do trabalho com a pesca,
afastou-o desse modelo, colocando-se sempre à margem desse processo. A comunidade
de Camaroeiro por diversas esteve absorvida em um processo de esquecimento e
apagamento de sua memória. Contudo, encontrou novas formas de resistência
adaptando-se às mudanças até ser reconhecida em sua identidade na atualidade,
adentrando um novo processo de transformações.

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