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Estudos Amazônicos
1
Daniela Cordovil
(Organizadora)
2015
Religião, Gênero e Poder
© 2015 by Fonte Editorial
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
ISBN: 978-85-66480-98-6
ulo
ssi AGRADECIMENTOS
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Religião, Gênero e Poder
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Sumário
Introdução
Sobre os Estudos de Gênero e as Ciências da Religião
na Amazônia, 9
Daniela Cordovil
Capítulo 1
Negras Guerreiras do Ciclo do Marabaixo, 13
Alysson Brabo Antero
Capítulo 2
Festa e Devoção: Relações de poder e de gênero nas
Irmandades Religiosas de Belém no século XIX, 31
Maria de Nazaré Fonseca de Senna Pereira
Capítulo 3
A cultura afro-brasileira e a construção do gênero
feminino em Mar Morto de Jorge Amado e A Cidade
das Mulheres de Ruth Landes, 49
Tayná do Socorro da Silva Lima
Capítulo 4
“Mulher que presta é aquela que é vivida”: a interdição
feminina gerada pela sangria menstrual, 69
Lucielma Lobato Silva
Capítulo 5
Da morte à vida: poder e prestígio feminino na figura de
Pombagira Lindeuá, 99
Jefferson João Martins Baldez
7
Religião, Gênero e Poder
Capítulo 6
Novas Faces da Pajelança Cabocla na Amazônia: o caso
da Pajé Zeneida Lima de Soure, Marajó, 115
Mayra Cristina Silva Faro Cavalcante
Capítulo 7
A Construção da Identidade Ecológica no Candomblé
Jeje Savalu: leituras a partir da fala de uma Sacerdotisa
Jeje, 143
Manoel Roberto Ferreira Chagas
Capítulo 8
A Construção da Identidade Política a partir da trajetória
de Três Sacerdotisas do Candomblé Angola em Belém,
Pará, 169
Luis Augusto Barbosa Teixeira
Capítulo 9
Metodismo e homofobia cordial: uma análise da Carta
Pastoral “Igreja e a Questão do Homossexualismo”, 187
Tony Welliton da Silva Vilhena
8
Introdução
Sobre os Estudos de Gênero e as
Ciências da Religião na Amazônia
Daniela Cordovil
Este livro é o resultado das pesquisas que vêm sendo desen-
volvidas no interior do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Religião da Universidade do Estado do Pará, no que diz respeito as
interfaces entre relações de gênero, sexualidade e o fenômeno reli-
gioso. Este campo de estudos não é novo e já existe vasto acúmulo
na bibliografia especializada, no Brasil e no mundo. O propósito des-
ta coletânea é apresentar para a comunidade acadêmica um conjun-
to de pesquisas cujo o foco voltou-se majoritariamente para expres-
sões religiosas características do Norte do Brasil, tais como a pajelança
e as religiões de matriz africana.
Na maioria dos artigos o leitor irá encontrar mulheres, sacer-
dotisas da pajelança e religiões de matriz africana, como protagonis-
tas de manifestações religiosas subterrâneas a uma cultura religiosa
hegemônica cristã e falocêntrica. As mulheres apresentadas nesta
coletânea recriam o universo religioso no qual estão inseridas, apre-
sentando-o sob uma ótica feminina, a do cuidado. Muitas vezes mar-
ginalizadas pelos poderes hegemônicos, não cessam de desenvolver
estratégias para garantir sua fé.
No entanto, o livro não se esgota no campo empírico da paje-
lança e religiões de matriz africana, nem trata apenas de pesquisas
desenvolvidas a partir de religiões da Amazônia. Alguns dos autores
presentes nesta coletânea optaram por outros temas, como a interfa-
ce entre religião e literatura e o campo religioso protestante. Porém,
em ambos os casos, o enfoque dos artigos é a questão de gênero e
suas assimetrias de poder.
O propósito desta obra é apresentar uma amostra da biblio-
grafia produzida na Amazônia em torno da temática gênero, religião
e poder, fomentando a criação de novos campos de pesquisa e de
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Religião, Gênero e Poder
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Introdução
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Capítulo 1
Negras Guerreiras do Ciclo do Marabaixo
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Negras Guerreiras do Ciclo do Marabaixo
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Algumas considerações
Mergulhar nas fontes bibliográficas e, ao mesmo tempo, co-
nhecer histórias de vida, por meio do resgate da memória individual e
coletiva por quem vive o Ciclo do Marabaixo, proporcionou-me uma
visão holística do fenômeno que pretendo investigar mais a fundo
como parte da minha dissertação. Simultaneamente, fez-me reco-
nhecer que tal manifestação é por demais ampla e complexa, e que o
trabalho que pretendo desenvolver sobre a construção da identidade
e o uso do Marabaixo como símbolo da identidade negra, representa-
rá apenas um olhar sobre o fenômeno. Acredito, todavia, na relevân-
cia de minha pesquisa por está trazendo algo novo que ainda não foi
abordado na literatura existente.
Diante dessa multiplicidade de olhares que o fenômeno do
Marabaixo permite-nos fazer, tentei nesse artigo resgatar o papel da
mulher na manutenção dessa tradição no Estado do Amapá e, ao
mesmo tempo, mostrar os sentimentos misóginos da igreja presentes
nos discursos contra essa manifestação.
Pelo que concluo que em meio ao desenvolvimento histórico
dessa tradição afroamapaense, ela vem se recriando e se ressignifi-
cando de acordo com os momentos históricos. E nessas conjunturas,
na maioria das vezes adversas, o Marabaixo vem conseguindo man-
ter-se vivo, graças às iniciativas de mulheres e homens, desconheci-
dos para a maioria da população, mas que foram de fundamental
importância na manutenção dessa tradição. Dona Gertrudes Satur-
nino da Favela (Tia Gertrudes), pelo seu histórico de vida e fé, com-
põe o rol desse grupo de baluarte da tradição afrodescendente no
Amapá. A ela e a outras guerreiras e guerreiros afroamapaenses
termino este artigo oferecendo uma parte do poema “Negras Guer-
reiras” (autor Poka):
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Negras Guerreiras do Ciclo do Marabaixo
Referências bibliográficas
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Notas do Capítulo 1
1
Na atualidade essa etnia não existe mais, se extinguiu em 1758. PORTAL DO
GOVERNO DO ESTADO DO AMAPÁ. Disponível em <http://www.ap.gov.br/
amapa/site/paginas/historia/indios.jsp>. Acessado em 14 nov 2013.
2
Malê, forma de culto que surge na África Ocidental a partir do século XVI do
entrechoque do islamismo com as religiões nativas (CANTO, 1998, p 19). É
considerado também um grupo étnico da África, influenciado pelo islã.
3
Maria Libório (Tia Zezé) em entrevista concedida ao Documentário Marabaixo:
ciclo de amor, fé e esperança.
4
Raimunda Rodrigues em entrevista concedida ao Documentário Marabaixo:
ciclo de amor, fé e esperança.
5
José Osano em entrevista concedida ao Documentário Marabaixo: ciclo de
amor, fé e esperança.
6
Comunidade remanescente de quilombo, distante 21 km de Macapá.
7
O termo Ladrão(ões) pode ser interpretado como versos “roubados” das his-
tórias e dramas da vida real da comunidade que viram canções.
8
Curiaú é uma comunidade remanescente de quilombo distante de Macapá a 12
km. Considerado terra e território de negros, patrimônio cultural, lugar de me-
mória, festas, fé e trabalho (VIDEIRA, 2013).
9
Desde 2012 um projeto da Secretaria de Estado de Política para o
Afrodescendente – SEAFRO – organiza com todos os grupos de Marabaixo da
Capital a Quarta da Murta na orla de Macapá com o termino na Igreja de São
José, tal como era realizado a décadas atrás.
10
Espécie de planta aromática comum nos campos do Amapá.
11
Nos dias em que ocorrem Marabaixo, é possível ver a presença de crianças,
jovens, adultos e idosos. A presença de mulheres no decorrer do festejo é majo-
ritária. A maioria delas exercem a função de dançadeiras e grande parte vai
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vestida de saia estampada comprida, sandálias baixas e blusa branca com uma
toalha ao ombro. Em alguns momentos é possível ver algumas mulheres puxan-
do os cânticos e tocando as caixas de Marabaixo.
12
Os relatos foram colhidos em entrevista concedida pela Tia Zezé nos dias 19
e 20 de julho de 2013 na sua casa no bairro de Santa Rita.
13
Nayra de Souza. Entrevista concedida em 22 de julho de 2013.
14
Localidade situada próximo de uma área de preservação ambiental, distante 5
km de Macapá. Está em processo de reconhecimento para receber o título de
área quilombola.
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Capítulo 2
Festa e Devoção: relações de poder e de gênero nas Irman-
dades Religiosas de Belém no século XIX
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dientes (pelo menos é isso que este autor nos quer fazer acreditar)
aos mandos e desmandos do presidente vitalício da confraria, mestre
Leopoldino: “Era elle quem mandava, todas as irmans obedece-
ram sem protestos”. A um leitor mais exigente e menos distraído do
artigo de Arthur Vianna, saltam sutis momentos em que a submissão
das irmãs não parece assim tão unânime. É possível perceber, no
decorrer da narrativa, que estas mulheres eram membros participan-
tes e ativos na confraria, não só no sentido de executoras das vonta-
des de Leopoldino, mas também mostrando sua opinião e ação em
momentos significativos da irmandade. Mas, quem eram essas mu-
lheres? O que as motivava a participar da irmandade? Qual seu “ver-
dadeiro” papel dentro da confraria? São questões que buscaremos
elucidar a partir de agora.
Como já expusemos anteriormente, as mulheres formavam o
grosso dos participantes da irmandade de São Raimundo. Já no mo-
mento das primeiras inscrições isso é notório: são sete mulheres (Ju-
liana, Rosa, Felippa, Joanna da Ponte e Souza, Maria, Nathalia do
Nascimento e Simôa) e dois homens (Leopoldino e, posteriormente,
José Pinho). Elas também são trabalhadoras (algumas eram vende-
doras nas ruas de Belém e, uma grande maioria, escrava), algumas
são solteiras e não têm filhos e, em termos étnicos, são mestiças e
mulatas. Mostram-se independentes, tanto financeira como social-
mente. Leiamos com atenção os trechos a seguir.
A viagem, sem accidentes no mar, foi, comtudo, barulhenta e
irriquieta, porque em companhia do mestre iam nada menos de
sete mulheres (...) mulatas de tom, vendedeiras nas ruas (...) Com-
panheiras joviaes e alegres, não iriam passar a noite inteira da
viagem nos braços de Morpheu (...) (VIANNA, 1905, p. 376).
A percepção que temos ao analisarmos esses dois pequenos
trechos da descrição de Vianna é que o trabalho desempenhado por
estas mulheres permitia-lhes gozar de relativa autonomia social (num
pequeno grupo, saem sozinhas para se divertir, sem a presença de
um marido ou namorado; sendo a presença de Leopoldino necessá-
ria no sentido de justificar o contexto da sociedade patriarcal e ma-
chista da época), e econômica (que lhes possibilita contribuir com
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Considerações parciais
Sendo espaços representativos da ação masculina – já que
são os homens que estão na organização e direção das confrarias
religiosas –, às mulheres sempre couberam papéis secundários e
subalternos no interior das irmandades. Em relação a este aspecto, a
confraria de São Raimundo constitui-se um caso, se não raro, pelo
menos curioso. Constituída, quase que exclusivamente por mulheres
– “[...] ennumerava mil e tantas irmans [...], sendo em sua mai-
oria escravas [...]” –, estava sob a direção de uma figura masculi-
na – o mestre Leopoldino, barbeiro bastante conhecido do largo da
igreja de Santana. Sujeito controverso, o mestiço Leopoldino do Es-
pirito Santo Figueira de Andrade, seu nome de pia, exerceu em toda
sua vida diversas funções: pedreiro, barbeiro, sineiro, sacristão, den-
tista e médico amador. Demonstrando já na vida profissional suas
múltiplas facetas, a atuação de Leopoldino na confraria não seria
nada diferente, acumulava as funções de presidente, secretário, te-
soureiro, conselheiro e orador – um verdadeiro déspota, nas palavras
de Arthur Vianna, que complementa sua observação ressaltando a
absoluta autoridade de mestre Leopoldino sobre os membros femini-
nos da confraria, sempre obedientes e submissas ao seu presidente.
Se é a total autoridade de Leopoldino e a plena submissão das irmãs
de São Raimundo que Vianna faz questão de destacar, o que nos
salta aos olhos é a constante iniciativa e autonomia da ala feminina
desta associação religiosa.
O expressivo número de mulheres que a constituiu já nos cha-
ma atenção, tendo em vista que geralmente estas chegavam às con-
frarias por afinidades de parentesco (são seus pais, maridos ou fi-
lhos, como membros associados que estendem seus direitos às
esposas, mães e filhas). Não bastasse apenas isso para destacá-las,
as irmãs de São Raimundo praticam ações que demonstram uma
relativa autonomia em relação ao comportamento esperado das mu-
lheres inseridas no contexto de uma sociedade patriarcal e machista,
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Referências bibliográficas
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Capítulo 3
A Cultura Afro-Brasileira e a Construção
do Gênero Feminino em Mar Morto de Jorge Amado
e A Cidade das Mulheres de Ruth Landes
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nas. Fato este que podemos correlacionar com uma das temáticas
amadianas retratadas no romance pesquisado, no qual o escritor
Amado apresenta tal evidência pelo fato de citar nomes de grandes
pais de santo do ambiente baiano, o que podemos refletir o quanto a
percepção do contexto social do romance Mar Morto (1936) esta-
va além do momento em que ele escreveu. Fato este que podemos
observar no trecho da obra a seguir:
O pai-de-santo Anselmo era o porta-voz dos marítimos pe-
rante Iemanjá. Macumbeiro da beira do cais, antes fora
marinheiro, andara pelas terras da África aprendendo a lín-
gua verdadeira deles, o significado daquelas festas e da-
queles santos. [...] Era agora ele quem fazia as festas de
Iemanjá, quem presidia as macumbas do Mont Serrat [...]
Não havia naquela beira de cais e naquele mundão d’agua
que não respeitasse o Anselmo, que já andara na África e
rezava em nagô (AMADO, 2008, p. 79, 80).
A cultura afro-brasileira e a construção do gênero feminino
em Mar Morto e A Cidade Das Mulheres
Jorge Amado retrata em Mar Morto o contexto que ocorre
nos arredores da beira do cais, cujo mesmo encontra-se imbricado
de vários componentes de interpretações, vale destacar, que a Bahia
foi palco de chegada de várias etnias nos séculos anteriores, cada
uma com sua cultura, ressaltando as diferenças étnico-culturais, que
contribuíram talvez, para que o referido autor abordasse de forma
crítica e descritiva o cotidiano da cultura afro-brasileira presente nas
famílias que desenvolviam suas atividades sociais, econômicas, polí-
ticas e religiosas naquele lugar.
Favorecendo para uma reflexão a respeito da cultura afro-
brasileira, importa evidenciar que esta abarca uma pluralidade de
segmentos socioculturais trazida ao Brasil não só pelos africanos,
mas também por outros povos que aqui se instalaram. Daí, apontar
para as possibilidades de uma discussão no que se refere à aborda-
gem do escritor voltada as temáticas sociais, especificamente a po-
pulação que circulava à beira do cais, que em sua maioria constituía-
se de pessoas negras.
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Considerações finais
Jorge Amado e Ruth Landes foram escritores pouco agracia-
dos em pesquisas acadêmicas, logo fazer um trabalho voltado para a
interpretação do romance Mar Morto e da obra etnográfica A Ci-
dade das Mulheres, e identificar a grandeza de suas contribuições
para literatura e para a antropologia brasileira , tornou-se um desafio
no sentido de se conseguir fazer uma abordagem hermenêutica das
duas obras, analisando de forma sistemática elementos simbólicos sig-
nificativos da cultura e da religião afro-brasileira.
Porém, como em qualquer pesquisa, no início ocasionou certa
insegurança, pelo fato de não se ter um acervo teórico tão vasto
referente ao escritor baiano e a antropóloga norte-americana, sobre
as temáticas evidenciadas pelos mesmos. Entretanto, o fato de as
próprias obras serem constituídas de vários elementos simbólicos e
interpretativos, e com auxílio de outras bases teóricas, foi possível
obter um suporte teórico para se adentrar nas peculiaridades da Bahia
descrita por Amado e Landes, e analisar uma gama de aspectos
culturais descritos por eles.
E através disso, desmistificar a visão preconceituosa de cer-
tos críticos em relação as obras de Jorge Amado e as pesquisas
antropológicas de Ruth Landes, demonstrando na presente pesquisa
o fato do romance Mar Morto apresentar um valor literário diferen-
cial dos demais, uma vez que apesar do contexto da época em que a
maioria de suas obras foram escritas, o país enfrentava um contexto
bem complexo, e por conta desse envolvimento, favoreceu para que
na obra o autor utilizasse recursos metaforizados para descrever e
abordar de forma crítica a população menos favorecida da época e
suas diferentes formas de crenças, especificamente no contexto so-
ciocultural da Bahia.
Dessa forma, apesar das numerosas críticas direcionadas
as obras de Jorge Amado e Ruth Landes, pretende-se deixar um
legado de como eles contribuíram para a intelectualidade brasilei-
ra e que de acordo com novas concepções por parte da crítica
literária, uma nova reavaliação hermenêutica de suas obras, no
sentindo de fazer uma redescoberta do valor simbólico que os
escritores deixaram literariamente como herança poética e an-
tropológica como abordagem de gênero.
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Referências bibliográficas
AMADO, Jorge. Mar Morto; posfácio de Ana Maria Machado.
São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. 6ª. ed. rev. e atual.
São Paulo: Global, 2001.
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MACHADO, Ana Maria. Jorge Amado está bem vivo. Entrevista
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des Religiões. Culto Afro. São Paulo: Duetto Editorial. s/d.
TÁTI, Miécio. Jorge Amado- Vida E Obra. Belo Horizonte: Itatiaia,
1961.
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Capítulo 4
“Mulher que presta é aquela que é vivida”1:
a Interdição Feminina Gerada pela Sangria Menstrual
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Como pode ser comprovada pelo quadro 02, a Tenda hoje pos-
sui 08 filhos de santo sendo que apenas 06 primeiros frequentam
com assiduidade o espaço sagrado. Nos períodos de festas de santo
ou de obrigações para as entidades da casa, todos ajudam no desen-
volvimento do ritual, mas os pormenores são, em sua maioria, feitos
especialmente pela mãe de santo como a colheita de ervas, a produ-
ção dos banhos, o preparo de alimentos e a arriação das oferendas.
Por isso a importância da sacerdotisa é total para a casa de santo,
pois ela detém toda a gama de conhecimento que envolve a religião
Mina Nagô. A mãe de santo ainda pontua:
A comida é de santo é feita por mim mesma e pela mãe
pequena. Eu faço questão de fazer a comida do meu orixá
eu mesma, por que o médium ainda não tem condição de
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meche pra zelar. Mas, ela não pode tocar14 nos pontos, mas
na minha ausência ela poderia abrir o trabalho. Mas se eu
estou ela não faz ela não faz, ela respeita a hierarquia15.
As outras filhas de santo apesar de não possuírem o grau mais
elevado como Marcelina, que também são relevantes para o espaço
sagrado, elas estão sempre ajudando nas organizações do terreiro
como a limpeza do mesmo, ajudando de forma direta e indireta na
produção dos alimentos e banhos16, na confecção dos indumentários
e das roupas das entidades. Além de ajudarem financeiramente para
as despesas dos rituais e das festas de obrigações.
Os filhos de santo são três, mas somente um está frequentan-
do o espaço sagrado, este filho comparece no terreiro apenas mo-
mentos antes dos rituais, o que implica dizer que ele não ajuda em
nenhum processo de organização ritualística de sua casa, até porque
ele é um menino de 12 anos de idade, o qual está estudando nos
momentos em que os rituais são organizados. Os demais filhos au-
sentes17 da casa estão sempre ajudando com auxílios financeiros para
manutenção do espaço sagrado e para que seus pontos fiquem sem-
pre firmados.
No rol dos homens médiuns que frequentam a casa temos tam-
bém os tamboreiros que assim como qualquer casa de matriz africa-
na são de fundamental importância para a manutenção da casa, uma
vez que todo ritual inicia por intermédio desses agentes sociais que
ao tocá-los emitem os sons que somados às doutrinas cantadas im-
pulsionam as entidades a virem à terra resolver as aflições. Eles são
três, mas somente Décio é consagrado para esta função, os outros
vão para as festas e rituais quando a mãe de santo manda chamar e
os paga pelo trabalho realizado. Para a sacerdotisa:
O tamboreiros é importante por que ele é quem bate os tam-
bores pra chamar as entidades pra vir ver os nossos anseios,
sem o tamboreiros não tem teria nada, ele é de suma importân-
cia para o ritual como todo. Pela estrutura da própria religião.
O tambor é de responsabilidade dos tamboreiros.18
Sendo assim, este espaço sagrado é um reduto de poder femi-
nino, elas são as que comandam toda a estrutura, pois os homens
assumem o posto secundário nas ordens e determinações do mesmo,
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por mais que estes estejam nos toques dos atabaques que é uma
função primordial, mesmo assim eles não têm poder de mando. São
todos admirados pela mãe de santo e pela mãe pequena. Algo seme-
lhante foi visto por Ruth Landes (2002) no Candomblé da Bahia,
onde esta autora afirmava que o Candomblé e, especialmente, o lu-
gar das mães-de-santo na sociedade baiana chamaram muita aten-
ção Landes, pois as mulheres eram quem canalizavam a vida na
Bahia. É a partir dessas mulheres que ela passa a refletir sobre a
própria condição feminina, fazendo uma leitura sensível do poder
que detinham.
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Uma mulher envolvida por seu fluxo menstrual não pode vir
na casa de santo e principalmente no período de obrigações
(festas de santo), por que elas vão se prejudicar em suas
evoluções espirituais. Esse prejuízo é por causa do Exu, que
gosta de sangue, e então ele se aproxima com mais força
daquela mulher, muitas vezes estas não consegue nem ficar
de pé, e o que deveria ajudar a matéria daquela pessoa, a
impede de progredir na sua espiritualidade (...) veja a cada
obrigação as energias ajudam os médiuns a evoluírem ainda
mais (...). Se ela entra em guma para perder energia é melhor
nem aparecer aqui!22.
Essas informações relativizam a sangria menstrual, pois ela é
vista de dois prismas um pelo poder da mãe de santo e outro como
sendo a falta de poder das filhas, pois na condição de menstruação a
mãe pode fazer determinados rituais que não poderiam de maneira
alguma serem adiados. Por outro lado, as filhas não podem ir ao
terreiro se estiverem menstruadas, mesmo que tais rituais sejam im-
portantes. Mas essa assertiva é válida apenas para rituais de suma
importância que por causa da lua ou por necessidade extrema do
cliente consulente não podem mudar de data, somente nessa condi-
ção a mãe de santo poderia entrar no terreiro e fazer todo o trabalho.
Nas demais datas essa questão não poderia ser realizada, pois
inclusive a mãe de santo era considerada pela entidade, como peri-
gosa. Em um relato de seu Rompe Mato23 me disse que não aceitava
que a mãe de santo continuasse a menstruar, pois a sua missão fica-
va restringida, e segundo ele, ela foi criada para realizar tais traba-
lhos mediúnicos a todo instante que alguém precisar, e a menstrua-
ção era um entrave. Seja como for, no final de ano de 2010, surgiu
um cisto no útero da mãe de santo, por isso foi retirado todo esse
órgão, desde então ela não menstrua.
Dessa forma, a construção sócio religiosa do tabu na religião
Mina Nagô se estabelece como um importante meio de interdição
para o gênero feminino, qual possui poder hierárquico, como mãe de
santo, filha de santo ou participante/adepta da religião, mas está sem-
pre presa por seu próprio ser, pois “lidar com mulher é lidar com
tabus. É ter que se proteger de incríveis ambiguidades. (...). A mu-
lher é marginal por si só, já que ela assume, mais claramente do que
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As entidades falam
As entidades tem grande relevância quando se pensa na es-
trutura desta casa de santo, pois todas as determinações da mãe de
santo são perpassadas pelos desejos das entidades. Em outras pala-
vras, qualquer concepção criada neste espaço sagrado vem das en-
tidades, inclusive a respeito da menstruação ser considerada pela
mãe e pelos seus filhos como tabu. Nesse sento o Caboclo Sete
Flechas, o atual chefe da mãe de santo afirma:
Os rituais não podem ser realizados quando se tem a presen-
ça de uma mulher que está de regras, pois a menstruação é
uma energia ruim, que pode prejudicar o próprio ritual e a
mulher. Quem entrar para a Mina e para a Umbanda tem que
saber que está rezando sobre uma cartilha que determina o
que o médium pode ou não fazer, e, a menstruação é uma
proibição. É uma proibição que não vem de agora, que foi
estabelecida em outros tempos.
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vai ser abalada, ai vai ficar com uma carga de energias nega-
tivas, até porque quando a gente vem renovar nossos axés
aqui no terreiro, sai de nós muitas energias negativas que são
atraídas pelos corpos fracos.
Além do mais é respeito mesmo, coisa que não se deve ques-
tionar, não pode e pronto, a filha de santo e a mãe tem que
criar um calendário que não se aproxime dos dias de menstru-
ação, se coincidir marca outra data e pronto. O pior é agir
contra os ensinamentos, você em sua religião faz o que ela
não permite? Se faz, sabe das consequências! Assim é que
acontece com nós.
Nesse sentido, o sangue menstrual ganha uma versão de abo-
minável ou temível, pois prejudica as entidades da casa, em especial
os cabocos indígenas como Seu Sete Flechas, mas também prejudica
a filha de santo que atrai entidades consideradas ruins para mulheres
neste estado físico, como a presença de exus que são atraídos pelo
cheiro do sangue e fincam, segundo as entidades e a própria mãe de
santo, chupando esse sangue. Além disso, o povo da agua como os
botos quando baixam querem ficar o tempo todo do lodo dessa mu-
lher menstruada, uma vez que o sangue o magnetiza.
O sangue menstrual nas diversas sociedades é motivo de in-
terdição, devido ser levado à condição mágica de impureza. Sua exis-
tência pode vir a prejudicar toda a estrutura social, isso porque as
condições biológicas são tratadas a nível mágico, e assim, torna-se
um agente de forte perturbação social. A antropóloga Ondina Leal
(1995) afirma que o sangue menstrual é pensando como algo alheio
a mulher, pois não é o mesmo sangue que se distribui nos tecidos de
seu corpo, ele é identificado como “forte, nojento grosso”, por isso o
fluxo menstrual é em grande parte “dissociado do próprio corpo” (p.
22). Devido essa dissociação esse sangue tem sido tratado, princi-
palmente pelas sociedades patriarcais como elemento de repulsão.
James Frazer (1982) faz uma importante referência quando
apresenta diversas formas de uma pessoa se tornar perigosa para a
sua comunidade em quase todos os humores humanos estão presen-
tes. Freud (1996) também se remete aos diversos elementos biológi-
cos humanos como as secreções, as quais são consideradas fonte de
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Religião, Gênero e Poder
Os filhos falam
A visão recriada sobre a sangria menstrual é, como já foi visto
acima, negativa, pois as mulheres são afastadas, não podem fazer
nada nesse estágio, pois se assim fizerem, podem sofrer diversas
penas que o povo de santo chama de peia, como dores de cabeça, no
corpo, nas costas e perturbações. Por essa razão, elas não “se atre-
vem a vir menstruadas para cá para o terreiro”.24 E como não pode-
ria ser diferente as filhas e os filhos de santo acreditam que a mens-
truarão é algo muito ruim, um perigo grande que elas próprias podem
sofrer e fazer sofrer os outros.
Segundo Marcelina:
Quando eu comecei meu tratamento na Tenda em 1999 eu
ainda menstruava, e por isso era impedida de participar
dos rituais quando estava sob as regras. Isso era muito
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e foi para o ronkó para trocar a roupa de Rompe Mato e vestir a sua,
mas as suas indumentárias estavam todas fora do lugar e ninguém
encontrava sua espada e a camisa branca. Ele dentro no quarto sa-
grado já estava estressado, pois já se fazia alguns minutos em que
ele estava incorporando e nada de sua camisa chegar. Havia uma
filha, Marcicleide que sabia por onde estava a camisa da entidade,
mas ela não poderia entrar no terreiro devido estar menstruada.
A entidade aflita gritava dentro do ronkó, mas as outras filhas
ficavam a procura e sem encontrar levaram outras camisas que eram
atiradas longe pela entidade. A filha menstruada estava do lado de
fora do terreiro somente entoando as doutrinas e observava o que
acontecia. Como não encontraram nada, ela foi obrigada a entrar,
mas só pode apontar para as outras filhas onde a camisa poderia
estar, pois a menstruação a impedia de pegar nas roupas que são,
segundo a filha de santo sagradas.
Essas questões mostram para todas as pessoas que se fazem
presente no terreiro o temor que a menstruação causa para os mem-
bros desta casa de santo, pois esses impedimentos ocorrem, sem
pudor, diante de todos os presentes.
Em outro trabalho de segunda feira, dia 12 de setembro de
2012, o ritual teve início às 20:00 horas. A mãe de santo se preparou,
fez orações e começou a entoar as doutrinas. Canta para os orixás,
os senhores de toalha e em seguida para os cabocos. Ela se concen-
tra, mas ainda assim nada acontece, ou seja, nem ela e nem os filhos
e filhas de santo são incorporados.
A mãe de santo se desespera momentaneamente, logo respira
fundo e canta outra doutrina para Caboclo Sete Flechas, mas ainda
assim não é incorporada. Todos ficaram apreensivos com que esta-
va acontecendo. A mãe de santo segurou as mãos bem apertadas no
peito e olhou pra traz, se arrepia e diz em voz alta que havia uma
pomba gira entrando no terreiro. Disse também que ela (a entidade)
não estava conseguindo adentrar. Segundo a mãe de santo, a pre-
sença da pomba gira estava impedindo que os cabocos pudessem ter
passagem para as incorporações.
Novamente foi pedida a pólvora, mas agora, com muita eufo-
ria e medo, todos se assustaram. Mas, a filha de santo não encontra-
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Referências bibliográficas
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de São Paulo; São Luís: FAPEMA, 1995.
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Notas do Capítulo 4
1
Uma frase dita pelo Caboclo Barreira na Tenda Espírita de Oxum em um
ritual de cura no dia 21 de setembro de 2012; em uma entrevista em que se
queria saber sobre a influencia da menstruação para as entidades que esta-
vam em “trabalho de cura espiritual e material”.
2
Isso devido a impossibilidade de qualquer homem vir a ser possuído pelas
entidades espirituais.
3
Segundo Landes (2002) as mulheres do Candomblé baiano recebiam as
entidades devido seu comportamento considerado integro, pois mesmo
diante as dificuldades não se prostituiam ou se embebedavam como fazia o
seu sexo oposto. Em outras palavras elas agiam de acordo com as regras da
sociedade brasileira, que segundo Gilberto Freyre somente o homem pode
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Capítulo 5
Da Morte à Vida: Poder e Prestígio Feminino
na Figura da Pombagira Lindeuá
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Da morte à vida...
o marido, por exemplo, não estava satisfeito com a forma com que
sua esposa estava agindo ou pretendia agir.
É interessante, nesta ótica, perceber que essa força do femini-
no apresentada, não se limita a existir apenas em vida. Mesmo que
Maria Júlia não tivesse a vida terrena que desejou e não obteve o
prestígio, ou, no mínimo a liberdade que desejava, conquista tais di-
reitos agora que se tornou uma entidade de importante destaque dentro
do que se chama religiões afro-brasileiras.
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próprio requerente. A isso cito uma fala proferida por Cabocla Mari-
ana quando incorporada em pai Mário:
Exu ele não é mal, Exu ele é o bem e o mal, quando alguém
pede para fazer um trabalho quem fez a maldade não foi exu
que fez, foi a pessoa que veio pedir, porque o Exu é tudo
aquilo que a pessoa quer ser só que ela não pode ela pede
para a pessoa fazer e faz, né? (Cabocla Mariana, incorporada
em pai Mário).
É bem claro aqui que a questão das entidades da “esquerda”,
exus e pombagiras, e suas atuações vistas comumente como algo
demoníaco, dotada de atitudes simplesmente incentivadas pela ação
do domínio contrário à ética cristã, não se configura, em grande par-
te dos casos, como uma constante religiosa stricto sensu, mas como
um caso em que as expressões dos desejos humanos e sociais soam
mais evidentes do que os casos de possessão por espíritos que, na
concepção de alguns segmentos religiosos, principalmente neopen-
tecostais, vem para matar, roubar e destruir. Tais ideias não limitam-
se apenas nas múltiplas faces afro-brasileiras das Pombagiras, mas
ao gênero feminino.
A esse respeito o sacerdote exprime
E por esse nome, por esse título de ser um espírito ligado a
magia, ligado ao ocultismo, ligado ao amor, muitas pessoas
denigrem a imagem da tal entidade para tipo assim usar de um
comentário errôneo sem saber o que tá dizendo. Julga sem
conhecer. Então pombagira são mulheres, são espíritos mara-
vilhosos, espíritos sábios, entidades em evolução espiritual.
Aonde, por não serem espíritos totalmente evoluídos, ainda
se prendem muito aos vícios terrenos como, por exemplo, as
bebidas, cigarros, charutos, enfim, é isso (Pai Mário Sigboni-
lé - Candomblecista).
Posso afirmar que isto tudo representa uma herança do Brasil
colônia em que Igreja, estado e sociedade eram os principais forja-
dores da imagem da mulher para que chegasse a sociedade atual
com vestígios do legado associado ao mal: “A mulher, assim diaboli-
zada, confundia-se com o mal, o pecado e a traição, tudo aquilo en-
106
Da morte à vida...
Referências bibliográficas
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LEWIS, Ioan M. Êxtase religioso: Um estudo antropológico da pos-
sessão por espírito e do xamanismo. São Paulo: Perspectiva, 1977.
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Religião, Gênero e Poder
Notas do Capítulo 5
1
Espaço sagrado onde acontece o ritual nas religiões de matriz africana.
2
O espírito de morto referido aqui é o egum, espírito de pessoa que morreu,
mas por alguma razão ainda permanece no plano terreno, prejudicando os
vivos, mesmo que esta não seja sua intenção.
3
O termo “vontades” aqui empregado refere-se não a toda e qualquer von-
tade em termos mundanos. Alguns são adotados: consumir bebidas alcoó-
licas, fumo, palavrões entre outros. De acordo com o sacerdote Lindeuá
morreu antes do tempo, sem ter cumprido sua missão terrena. E essa missão
também faz parte em suas manifestações: trabalhos relacionados ao amor,
sexualidade, conselhos.
4
A esse respeito o médium pode ou não ser consciente de alguns fatos que
ocorrem durante o fenômeno da possessão, assim como a entidade tem
limites para atuar. Um exemplo disso foi o que pude perceber quando o
sacerdote relata que Lindeuá ficou um período sem se manifestar, pois sua
presença estava atraindo muitas prostitutas e a reputação do local sendo
comprometida.
5
Depois dessas afirmativas feitas pela entidade em público, a cliente e a
Cigana se retiraram do local em que ocorria a gira e foram conversar em
particular.
6
É preciso ressaltar que esse imaginário não corresponde ao que de fato
pensam e fazem os próprios afrorreligiosos com relação a essas entidades.
7
Em especial um em que pombagira é chamada de “puta gostosa“ e “quem
quiser puta igual tem que buscar na zona“.
8
O pedido de diferentes tipos de trabalhos varia de acordo com a entidade,
apesar de todas serem dotadas de poderes para atender os mais variados tipos
de trabalhos, há aqueles que não gostam de “trabalhar para o lado do mal”.
110
Capítulo 6
Novas Faces da Pajelança Cabocla na Amazônia:
o caso da Pajé Zeneida Lima de Soure, Marajó
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Novas faces da pajelança cabocla na Amazônia
cidade ainda não é a mais adequada tanto para receber turistas quanto
para suprir as próprias necessidades da população. O sistema de
transporte público, por exemplo, é precário, contando apenas com
mototáxis, algumas kombis e pouquíssimos ônibus (sendo que estes
dois últimos ficam mais frequentes nos fins de semana e, principal-
mente, em período de férias e feriados).
As ruas centrais da cidade são a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª ruas, onde se
concentram diversas atividades sociais, econômicas e religiosas, que
ocorrem em diferentes períodos do ano. Na 1ª rua localiza-se o tra-
piche de onde saem e chegam a balsa e pequenas embarcações, e
também a praça principal, chamada Independência, que no mês de
julho fica bastante movimentada. Na 2ª rua, encontra-se o espaço
em que ocorre a feira de exposições que acontece durante o evento
anual chamado “Marajó Búfalo Fest”. Na 3ª rua se encontram o
Mercado Municipal, um importante ponto de mototáxi e ônibus, uma
loja de artesanato e produtos regionais muito visitada por turistas, um
dos hotéis mais antigos da cidade, a Igreja Matriz de N. S. de Naza-
ré, e outros pontos sociais e econômicos. A 4ª rua é a mais extensa
da cidade e leva às praias e fazendas, além de ser onde acontecem
festas de carnaval no mês de fevereiro.
A cidade é dividida em oito bairros: Tucumanduba, Centro,
Pacoval, São Pedro, Matinha, Bairro Novo, Macaxeira e Umirizal, e
dispõe de quatro praias: Pesqueiro (a mais conhecida e visitada),
Araruna, Barra Velha e Garrote.
Ao caminhar pela cidade é comum ver búfalos nas ruas,
soltos, andando, presos em alguma árvore ou puxando uma carro-
ça. A figura do búfalo se tornou praticamente um símbolo da ilha,
sendo bastante produzido e vendido o “queijo do Marajó”, feito do
leite do animal.
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Religião, Gênero e Poder
vistas realizadas por mim com a pajé, entre os anos de 2009 a 2011,
e na análise de sua obra “O mundo místico dos Caruanas da Ilha do
Marajó” (2002).
Meu primeiro contato com essa pajé, uma senhora bastante
reservada e de difícil acesso, ocorreu em novembro de 2009 com
uma entrevista na varanda de sua casa. Em uma de nossas conver-
sas, a pajé definiu suas práticas como “pajelança marajoara”, e se
diferenciou dos demais pajés que, segundo ela, praticam a pajelança
da “linha do Maranhão e de São Sebastião”, que podemos entender
como sendo a “pajelança cabocla”, amplamente estudada por Gal-
vão (1955), Maués (1990) e muitos outros autores.
Entende-se por pajelança cabocla como sendo um significati-
vo aspecto da cultura brasileira, mais especificamente da cultura
amazônica, e é uma religiosidade bastante presente em várias locali-
dades da região, apresentando suas particularidades dependendo do
contexto histórico-social e da localidade na qual está inserida. A pa-
jelança cabocla segundo Maués (1990) é um conjunto de práticas e
crenças xamanísticas que tem em suas expressões culturais diver-
sos elementos da religiosidade indígena, africana e católica, mescla-
dos em graus variáveis.
Maués e Villacorta (2004) reconhecem uma nova perspectiva
surgindo no campo da pajelança cabocla, vivenciada por D. Zeneida
Lima em Soure e Maria Rosa em Colares (VILLACORTA, 2000),
ambas são mulheres pajés que apresentam um discurso essencial-
mente ecológico, onde a natureza e o ser humano são interligados
por uma “teia” cósmica, sagrada e o homem não poderia quebrar
essa ligação, devendo respeitar e preservar a natureza e seus recur-
sos. Esta “nova face” da pajelança é denominada por esses autores
de “pajelança ecológica”. Contudo, é difícil afirmar se o discurso
dessas pajés, e especificamente de D. Zeneida Lima, é efetivamente
novo, atual, influenciado talvez pela mídia ou pela evidente destrui-
ção da natureza, ou se é um discurso originalmente antigo, reformu-
lado ou ressignificado. Ou talvez, seja ambos.
D. Zeneida Lima possui sete livros publicados, sendo o mais
famoso “O Mundo Místico dos Caruanas da Ilha do Marajó” (2002),
atualmente em sua 6ª edição, em que escreve sobre sua infância em
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durante o qual se acredita que sua alma deixa o corpo para realizar
ascensões celestes ou descensões infernais”.
Na pajelança cabocla ao invés de voo xamânico poderíamos
chamar de “mergulho xamânico”, já que a viagem do(a) pajé se dá
ao fundo das águas, o Fundo ou Encante, que é o lugar encantado
onde habitam os seres mágicos que auxiliam o pajé.
O xamã é, então, o sacerdote deste culto, o mediador funda-
mental entre os espíritos (de antepassados, de deuses e de animais)
e os seres humanos. Dentre suas funções a principal é curar as mais
diversas doenças e males, e que para Lévi-Strauss (2003) tal cura
xamânica se processa por meio de uma manipulação psicológica na
qual “a cura consistiria, pois, em tornar pensável uma situação dada
inicialmente em termos afetivos, e aceitáveis para o espírito as dores
que o corpo se recusa a tolerar” (p. 228).
Para D. Zeneida, o pajé não é somente o instrumento (ou “ave”)
dos caruanas (seres mágicos que habitam o fundo dos rios e interior
das matas, e detentores de grande poder tanto para provocar a cura
quanto a doença) e a ponte de ligação com o mundo encantado, mas
também um defensor e guardião da natureza e de sua sabedoria. Daí
a razão do trabalho que desenvolve com a educação e a ecologia,
por meio de uma ONG (Instituição Caruanas do Marajó) que a pajé
fundou e mantém em Soure.
Os caruanas, conforme esta pajé, são energias das águas, e
explica que:
São energias do fundo, energias do meio das águas e as ener-
gias da superfície, cada um tem, dentro da pajelança, tem um
posto, cada um tem uma hierarquia, [...] quer dizer, então,
cada um tem um domínio (entrevista de julho de 2010).
O domínio que ela se refere é o local onde reside cada carua-
na, ou seja, cada praia, rio, igarapé é habitado por um ou mais encan-
tados. Os caruanas são os encantados das águas doces, e possuem
caráter “positivo”, enquanto que os encantados das águas salgadas
são denominados de caruás, possuem caráter “negativo” e geral-
mente efetuam malinezas, mas também têm o poder de curar.
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Considerações finais
O estudo sobre as mulheres pajés na Amazônia está se ampli-
ando cada vez mais e vem demonstrando que elas participam do
universo da pajelança de uma maneira ou de outra, seja agindo efe-
tivamente como pajés ou xamãs, seja agindo como serventes ou
meuans. Em todo o território amazônico elas são mulheres que cu-
ram, são as curandeiras, benzedeiras, parteiras e pajés, que possuem
saberes das plantas curativas, da mata, das águas, dos ciclos da lua e
da natureza.
Em alguns locais são restritas ao conhecimento dos mistérios
da cura e da encantaria. Mas, teimosas, insistem em adentrar nesse
mundo místico, de transe e magia, e contrariando o sexo masculino,
que geralmente predomina na pajelança, são castigadas socialmente
e chamadas de feiticeiras, bruxas e matintas. Em contrapartida, nou-
tros locais as mulheres assumem posição destacada, podem ser con-
sideradas mais poderosas que os homens, e são reconhecidas como
xamãs ou pajés.
Com este estudo foi possível constatar que em Soure as mu-
lheres não são restritas em serem pajés ou de atuarem na prática da
cura. Pelo contrário, dentre os entrevistados (durante a pesquisa de
2009 a 2011, num total de cinco informantes) elas representaram
quantidade maior do que os homens. Entretanto, devido ao seu ciclo
fisiológico natural e aos simbolismos a ele atribuídos, a mulher pajé
deve seguir certas restrições que o homem geralmente não segue.
Em período de sangramento menstrual ela não deve realizar nenhum
ritual de cura, pois está “impura” ou com as “correntes quebradas”
(como afirmou uma outra pajé de Soure, não mencionada neste arti-
go), e também deve seguir uma dieta alimentar baseada em determi-
nados tipos de peixes e não comer a parte da cabeça destes.
Foi possível observar também em Soure uma diversidade de
práticas e rituais de cura que se configuram de maneira diferenciada
e nova no campo da pajelança, principalmente as crenças e práticas
exercidas pela pajé Zeneida Lima. Essa constatação nos faz refletir
acerca da dinâmica da cultura e religião, que estão em constantes
mudanças e adaptações à realidade e ao tempo, e na pajelança não
poderia ser diferente.
133
Religião, Gênero e Poder
134
Novas faces da pajelança cabocla na Amazônia
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Religião, Gênero e Poder
Notas do Capítulo 6
1
Informações retiradas do site: www.paraturismo.pa.gov.br.
2
A pesquisa que embasou este artigo resultou no trabalho de conclusão de
curso em Ciências da Religião pela UEPA em 2010 e na produção de uma
dissertação de mestrado em Ciências da Religião, defendida em 2012.
3
Um influente político e advogado, que nos anos 30 e 40 atuava ao lado de
Justo Chermont e Magalhães Barata, sendo este último, inclusive, o padrinho
de nascimento de Zeneida Lima (LIMA, 2002).
4
D. Zeneida Lima fundou a “Instituição Caruanas do Marajó – Cultura e
Ecologia” que coordena junto com sua família, onde desenvolvem projetos
na área de educação.
136
Novas faces da pajelança cabocla na Amazônia
5
Extraído do site <www.caruanasdomarajo.com.br>. Acesso em 30/11/2010.
6
A matéria sobre essas pajés Yawanawá e a entrevista com elas está
disponível em <http://altino.blogspot.com.br/2006/04/primeira-paj-
brasileira.html>. Acesso em 15/08/2012.
7
A pajelança do Marajó foi declarada como patrimônio cultural imaterial do
Pará em 28 de outubro de 2010, com o Projeto de Lei Ordinária Nº 289 da
deputada estadual Ana Cunha (segundo informação no site: http://
www.caruanasdomarajo.com.br/noticias28-04-2010.php).
137
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Capítulo 7
A Construção da Identidade Ecológica no Candomblé Jeje
Savalu: leituras a partir da fala de uma Sacerdotisa Jeje
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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*
Quarto onde é guardado o assentamento do vodum da casa.
**
Atabaque
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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Amá si vodun ô
Amá si vodum ô
Oné amá hundê vodun
Oné amá hundê vodun
Amá si é vodun ô
O ancestral esposo das folhas
O ancestral esposo das folhas
O ancestral senhor das folhas chegou
O ancestral senhor das folhas chegou
O ancestral esposo das folhas.
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
Conclusão
A riqueza do povo de santo está relacionada à preservação de
sua tradição que envolve a plena harmonia entre os homens e a na-
tureza numa relação imanente. Cada ser humano deve acreditar no
seu potencial, mesmo sem conhecer a divindade que reina em cada
um de nós. A riqueza não está relacionada a dinheiro e bens materi-
ais, más está diretamente ligada com forma de como nos relaciona-
mos com a natureza e com as divindades, quem tem uma divindade
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A construção da identidade ecológica no Candomblé Jeje Savalu
Referências bibliográficas
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Religião, Gênero e Poder
Notas do Capítulo 7
1
Porém sabemos que um ano antes, em 1807, nas terras da fazenda Boa
Vista, pertencentes ao engenho de Herminigildo Netto, no distrito Madre
de Deus (perto de Santo Amaro), existiu uma congregação ritual aparente-
mente mais estável, liderada por Antônio, um jovem escravo angola. Antô-
nio foi preso e identificado nos documentos como “presidente do terreiro
dos candombleis”. Trata-se do primeiro registro da palavra “candomblé”,
um termo provavelmente de origem banto. Nessa expressão,”candombléis”
parece utilizado como sinônimo de batuque, podendo referir-se a prática de
curas e/ou adivinhação, mas o título de “presidente” sugere uma incipiente
organização hierárquica de uma coletividade religiosa. Como comenta Rachel
Harding, a palavra “candomblé” surge no momento em que o termo “calundu”
deixa de ser utilizado. PARÉS, Luis Nicolau. A formação do Candomblé:
história e ritual da nação jeje na Bahia. Rio de Janeiro: Editora Unicamp,
2007, p. 126.
2
Racismo ecológico ou ambiental se refere a qualquer política ou diretiva
que afete ou prejudique, de formas diferentes, voluntaria ou
involuntariamente, a pessoas, grupos ou comunidades por motivo de raça
ou cor. Esta ideia se associa com políticas públicas [...]. Robert Bulart –
Sociólogo e Diretor do Environmental Justice Resource Center. Fonte: Re-
vista ECO 21, ano xv, nº 98, Janeiro/2005.
3
O termo ecologia, como conceito científico, deve o seu nascimento ao
biólogo alemão Ernst Häckel (1834-1919), que oferece uma definição do
referido termo em 1866, quando falas da relações entre organismos. Ou seja,
trata-se de um estudo das relações entre os sistemas vivos entre si e com o
seu meio ambiente. Não se trata, portanto, apenas de um estudo dos seres
vivos em si, mas das relações existentes entre eles. Contudo a ecologia hoje
é de domínio multidisciplinar que desperta interesse não apenas às ciências
da natureza, mas também à filosofia, à teologia, à ética. Algumas teorias
estabelecem uma ligação entre esses variados saberes e a ecologia (COSTA
JUNIOR, 2011, p.25).
4
Os Savalus chegaram ao Brasil em meados do século XVII, juntamente
com outras etnias. O barracão (Candomblé) de Anjunsun – Sakpata (rei de
Savalu, África) foi fundado mais tarde pela africana Gaiacu Satu, em Salva-
dor, Bahia e recebeu o nome mais conhecido por Cacunda de Yayá. Savalu
é uma cidade da República do Benin, localizada no departamento de Collines
a uns 70 quilometros da cidade de Dassa-Zoumé, onde existe o templo de
mesmo nome dedicado a Nanã Buruku. O termo Savalu vem de “Savé” que
era o lugar onde se cultuava Nanã.
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Momento no ritual em que se imola os animais para produzir entre a pessoa
e a divindade.
6
Objetos sagrados confeccionados com recipientes de barro ou bacias
esmaltadas.
7
Folhas sagradas.
8
É de todos conhecido que o Orixá Ossaim é o Orixá das ervas, das plantas
sagradas e medicinais, mágicas, litúrgicas. Todos os mitos relativos a Ossaim
falam de seus poderes mágicos de curar e do domínio das plantas. Ossaim,
conta uma das lendas, guardava as folhas sagradas numa cabaça que foi
quebrada por Iansã, que provocou uma ventania espalhando-as por todos
os cantos. Cada Orixá se apropriou de uma quantidade delas. Ossaim só
conseguiu esconder as mais secretas, mas continuou dono do poder mági-
co, e, por isso, todos tem de lhe pedir licença para usar as folhas. BRAGA,
Julio. Oritameji: o antropólogo na encruzilhada. Feira de Santana: UEFS,
2000, p. 181.
9
Para Mauss e Hubert (2013. P27-28), “o sacrifício é um ato religioso que só
pode se efetuar num meio religioso e por intermédio de agentes essencial-
mente religiosos”. Nesse sentido, palavra sacrifício sugere imediatamente a
ideia de consagração.
10
O axé é a força vital, é o conteúdo mais importante do “terreiro”. É a força
que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o devir. Sem
axé, a existência estaria paralisada, desprovida de toda a possibilidade de
realização. É o princípio que torna possível o processo vital. Como toda
força, o axé é transmissível; é conduzido por meios materiais e simbólicos e
acumulável. É uma força que só pode ser adquirida por introjeção ou por
contato [...]. Mas esta força não aparece espontaneamente: deve ser trans-
mitida. Todo objeto, ser ou lugar consagrado só o é através da aquisição do
axé. Compreende-se assim que o “terreiro”, todos os seus conteúdos mate-
riais e seus iniciados, devem receber axé, acumulá-lo, mantê-lo e desenvolvê-
lo. Para que o “terreiro” possa ser e preencher suas funções, deve receber
axé. O axé é “plantado” e em seguida transmitido a todos os elementos que
integram o “terreiro”. SANTOS (2012).
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Capítulo 8
A Construção da Identidade Política a partir da
Trajetória de Três Sacerdotisas do Candomblé Angola
em Belém, Pará
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O pai teve que vender tudo, vendi tudo era marreteiro, tinha
sitio, e veio pra Belém para cuidar da saúde dela e um dia
desesperada saiu correndo no meio da rua e foi cai na casa do
Bassu Pai e sem conhecer. Depois passou a ser filha do seu
Osmar Arauna, pois seu primeiro pai morreu (Entrevista reali-
zada no dia 28/05/13).
Mame’to diz que “até acompanhava sua mãe ao terreiro, pois
auxiliava carregando as sacolas etc. Aquele cheiro fazia mal doía
muito à cabeça; gostava de olhar, mas não queria participar”. (En-
trevista realizada no dia 28/05/13)
“A minha inkisse é o vendo que você retira é fogo é o raio né
a minha inkisse é a rainha dos mortos chamados de eguns” (Entre-
vista realizada no dia 28/05/13). Mãe louva sua inkisse observando a
contemplação como sacerdotisa da nação Angola.
Depois que entrei na angola “eu adquiri paz, união na mi-
nha família saúde que não tinha progredi economicamen-
te” pois meu inkisse meu deu o espaço pois fiz um contrato
com minhas entidades que eu ia ceder e ate da confiança
de receber eles direitinho cultuaram eles direitinhos as-
cender as velas e tudo que tinha de direito mas se eles me
dessem a minha meu espaço se eles me derem (Entrevista
realizada no dia 28/05/13).
Mãe Beth entra no candomblé angola a partir de um convite
de um irmão de santo Antônio Alves Guimarães com dijina Luandê,
entra na casa Rudembo Axé Di Jaciluango em 1989 onde se inicia
com Tatá Torodê de nome civil Raimundo Walter da Silva do Inkisse
Hosi Mocombi: “fique 14 anos nesta casa. Recebi meu cargo com
10 anos. Quatro mulheres eram o esteiro da casa ficamos apoiando
o Kutala, inaugurei minha casa com 14 anos” (Entrevista realizada
no dia 28/05/13).
Mame’to dá ênfase que pertence a uma família de Salvador
“sou de angola da família de Tumba Juçara de salvador da Mãe
Branco de Colodina uma mãe de santo famoso em salvador super -
reconhecida também tem casa aberta no rio de janeiro” (Entrevista
realizada no dia 28/05/13). Hall nos ajuda a pensar sobre essa iden-
tidade que se apresenta no jogo político. Essa afirmação mostra que,
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Considerações finais
Nessa história política há uma corrida de legitimidade há uma
corrida de status no campo afrorreligioso de Belém. O centro é o
poder político e poder religiosos nesse angoleiros de Belém; Bour-
dieu nos ajuda a refletir que a religião contribui maximamente para a
manutenção da ordem política, logo, reforça o poder simbólico das
divisões entre ordem política e simbólica, pela aquisição da função
precisa, no sentido de contribuir na continuidade ordem simbólica do
poder simbólico (BOURDIEU, 2003).
Falar de Candomblé Angola é falar de identidade, ou seja, “está
profundamente envolvido no processo de representação” (HALL,
1992, p. 19) essa representa é construída a partir das políticas públi-
cas que os afros modelam sua religião. O angola em Belém não
nasce nos bantus na Bahia, mas sim, nas busca da iniciação legítima
cobrada pela FEUCABEP e a volta desses novos candomblecistas
com suas táticas para ser visto na geografia mineira e umbandista.
Atentar essa questão é adentrar nos sistemas das políticas. Afirmar
que Angola é uma identidade política é perceber a importância colos-
sal nos ethos político dentro das casas de santo assim. O candomblé
angola é uma identidade política, pois a afirmação do pertencimento
angoleiro só se dá a partir dos vínculos precisos com as políticas.
Hoje se ver as casas de Angola movimentadas por uma bandeira
politica ora políticas públicas.
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Referências bibliográficas
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Notas do Capítulo 8
1
Este termo será utilizado para abranger a diversidade de religiões afro-
indígenas.
2
Tanto Ketu, Angola e Jeje são nações do candomblé estabelecidas em
Belém do Pará. O Candomblé como uma religião de matriz africana se cons-
trói no Brasil a partir da origem/nação de cada candomblé, ou seja, de cada
região da africana, como o Ketu da região atualmente Nigéria; a Angola
deriva-se com negros bantus localizados hoje, na Angola, Congo etc; Já a
nação Jeje origina-se da região atual Benim.
3
Ou Inkisse, termo utilizado para designar as divindades do Candomblé
Angola.
4
Inkisse que corresponde a Nanã na nação Ketu, deusa mais antiga, senho-
ra da morte, do termo e da lama.
5
Sacerdotes que equivalem na tradição Ketu – ogãn. Tatá são aqueles que
tocam e cantam nos atabaques.
6
Sacerdotisa s que equivalem na tradição Ketu – ekedis. Kotas são aquelas
que auxiliam os sacerdotes da casa e que paramentam os deuses.
7
Tocadores dos Ngomas ou tambores.
8
Filhas de santo que não possui a mediunidade de incorporação que auxi-
liar os sacerdotes que vetes os inkisses.
9
Termo que significa casa.
10
Federação Espirita e Umbandista dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado
do Pará.
11
Incorporação do orixá para a iniciação.
12
Inkisse que corresponde a Omolu na nação Ketu deus da cura.
13
Inkisse que corresponde a Yemanjá na nação Ketu deusa das águas.
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Capítulo 9
Metodismo e Homofobia Cordial: uma análise da Carta
Pastoral “Igreja e a Questão do Homossexualismo”
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Considerações
Após os bispos tentarem a todo custo dobrar textos bíblicos
para encaixá-los conforme a (in)capacidade dos seus esforços teóri-
cos e a necessidade de se impor perante a Igreja e à sociedade como
vozes do respeito e da tolerância, o que lhes daria mais notoriedade e
firmeza nas atribuições de direção do Metodismo no Brasil, o que
resta é um documento singelo em conteúdo, rasteiro em informa-
ções, pobre em teologia, mas decididamente defensor da institucio-
nalização da heterossexualidade compulsória – “construção de uma
conexão naturalizada entre ‘sexo’, ‘gênero’, ‘desejo’ e ‘práticas’
heterossexuais (que) requer uma desqualificação de modos de vi-
vência da sexualidade e do gênero que sejam dissidentes em relação
a esta norma” (NATIVIDADE; OLIVEIRA, 2009: 125).
Vê-se que na conclusão do documento é retomado o chavão
abominamos o pecado, mas amamos o pecador. Em seguida, mas
sem a fundamentação bíblica, que neste caso poderia ser realmente
extensa e elucidativa, os bispos asseveram que “sobre hipótese algu-
ma devemos ter uma atitude preconceituosa e discriminatória em
relação aos homossexuais. São pessoas carentes de respeito e amor”
(IGREJA METODISTA, 2000). Aqui se retoma os aspectos da ho-
mofobia cordial, nas proposições de receptividade às pessoas ho-
mossexuais, mas que de forma inaudível querem dizer “venha, ache-
gue-se, depois se converta ou vá embora!” (ibid.).
Seguindo com o tom conciliador, em desarmonia com o que
apresentaram no resto do texto, os bispos definem que “não deve-
mos considerar os homossexuais mais pecadores do que alguns que
estão dentro da igreja, que são mentirosos, maldizentes, injustos (...).
Igreja tem a tendência de considerar um/a adúltero/a um/a pecador/
a mais aceitável do que um homossexual” (ibid.).
E num discurso pleno de homofobia cordial, o Colégio de
bispos entende que
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Metodismo e homofobia cordial
Referências bibliográficas
BARRETO, Maria Cristina Rocha; OLIVEIRA FILHO, José Evaristo
de. “A inclusão de homossexuais no protestantismo”. In: Revista
Brasileira de História e Ciências Sociais, vol. 4, n. 8, p. 117-135,
dez. 2012.
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Notas do Capítulo 9
1
Segundo os Cânones, a Constituição da Igreja Metodista, em seu Artigo
117, o Colégio Episcopal é o órgão responsável pela “supervisão da ação
missionária e pastoral da Igreja Metodista, assegurando o pleno cumpri-
mento do Plano para a Vida e a Missão, preservando a unidade da Igreja
Metodista no que se refere à área Teológica, Pastoral e de Educação Cristã”
(CÂNONES, 2012: 73). Composto pelos bispos, é de sua competência, entre
outras atribuições, redigir e publicar pastorais, visando dar à Igreja a orien-
tação quanto à doutrina e aos princípios de fé, moral e ética cristãs.
2
Sigla que abarca Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Im-
portante anotar que até a Primeira Conferência Nacional GLBT, em junho de
2008 – Brasília/DF, o G de gays estava na frente do L de lésbicas. Mas num
acordo político que pretendia dar maior visibilidade às lutas das lésbicas,
que por sua condição feminina sofriam “em dobro” com o preconceito,
decidiu-se pela inversão de prioridades, colocando-se o L na frente da sigla.
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Sobre os Autores
Alysson Brabo Antero
Licenciado em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do
Pará. Especialista em Mídias na Educação pela Universidade Fede-
ral do Amapá. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciên-
cias da Religião da Universidade do Estado do Pará. Membro do
Grupo de Pesquisa Religiões de Matriz Africana na Amazônia (GER-
MAA). E-mail: alysson.edu@hotmail.com
Daniela Cordovil
Bacharel em Ciências Sociais, mestre e doutora em Antropologia
Social pela Universidade de Brasília. Professora do Programa de
Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade do Estado
do Pará, onde desenvolve pesquisas sobre religiões de matriz africa-
na, neopaganismo, relações de gênero e sexualidade. Líder do grupo
de pesquisa Neoesoterismo e Religiões Alternativas (NERA) e mem-
bro do grupo de pesquisa Religiões de Matriz Africana na Amazônia
(GERMAA). E-mail: daniela.cordovil@gmail.com
Jefferson João Martins Baldez
Graduado em História pela Escola Superior Madre Celeste. Especi-
alista em Relações Étnico-raciais pelo Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia do Estado do Pará. Mestrando do progra-
ma de Pós-graduação em Ciências da Religião. Membro do Grupo
de Pesquisa Religiões de Matriz Africana na Amazônia (GERMAA).
E-mail: jeffbaldez@hotmail.com
Lucielma Lobato Silva
Licenciada em História pela Universidade Federal do Pará. Especi-
alista em Relações Étnico-raciais pelo Instituto Federal de Educação
do Pará. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade do Esta-
do do Pará. Membro do grupo de pesquisa Religiões de Matriz Afri-
cana na Amazônia (GERMAA). Email: lucielma.lobato@gmail.com
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Tayná do Socorro da Silva Lima
Graduada em Licenciatura Plena em Letras, Língua Portuguesa, pela
Universidade do Estado do Pará. Especialista em Educação para as
Relações Étnico-raciais do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Pará. Mestranda do Programa de Pós-graduação em
Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará. Membro
do Grupo de Pesquisa Religião e Cultura e do grupo de pesquisa
Religiões de Matriz Africana na Amazônia (GERMAA).
Email: tayna.slima88@hotmail.com
Tony Welliton da Silva Vilhena
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Fede-
ral do Pará. Especialista em Ciências da Religião pela Universidade
Metodista de São Paulo. Mestrando do Programa de Pós-Gradua-
ção em Ciências da Religião, Universidade do Estado do Pará. Mem-
bro do grupo de pesquisa Movimentos Sociais, Educação e Cidada-
nia na Amazônia. Email: tonysvilhena@hotmail.com.
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