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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA-UnB

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

Laís Stefâni dos Santos Mota

O MÉTODO DO TEATRO DO OPRIMIDO E A FUNÇÃO PEDAGÓGICA DO


ASSISTENTE SOCIAL: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA.

Brasília-DF
2018
LAÍS STEFÂNI DOS SANTOS MOTA

O MÉTODO DO TEATRO DO OPRIMIDO E A FUNÇÃO PEDAGÓGICA DO


ASSISTENTE SOCIAL: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Instituto de Ciências
Humanas do Departamento de Serviço
Social da Universidade de Brasília, como
requisito parcial para a obtenção do título
de graduação em Serviço Social sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Kênia Augusta
Figueiredo.

Brasília-DF
2018
LAÍS STEFÂNI DOS SANTOS MOTA

O MÉTODO DO TEATRO DO OPRIMIDO E A FUNÇÃO PEDAGÓGICA DO


ASSISTENTE SOCIAL: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA.

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Instituto de Ciências
Humanas do Departamento de Serviço
Social da Universidade de Brasília, como
requisito parcial para a obtenção do título
de graduação em Serviço Social sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Kênia Augusta
Figueiredo.

Data da Aprovação: 09/07/2018

Banca examinadora

Profª Drª. Kênia Augusta Figueiredo


Universidade de Brasília – Departamento de Serviço Social

Profª Drª.Valdenízia Bento Peixoto


Universidade de Brasília - Departamento de Serviço Social

Prof Ms. Rafael Augusto Tursi Matsutacke


Universidade de Brasília – Departamento de Artes Cênicas
AGRADECIMENTOS

O processo até aqui não foi nada fácil. Estudar em escola pública e passar em
uma Universidade Pública já foi uma grande conquista. Todos os obstáculos postos
em meu caminho antes e durante a Universidade foram vencidos com garra, mas
nenhum deles foi sozinha. Sou imensamente grata por ter tanto a agradecer e por
tantos anjos em meu caminho. Esse espaço é para todas essas pessoas que foram
incentivo e que, sem cada uma delas, não seria possível estar aqui.
Primeiramente, agradeço a Deus, que mesmo diante de todas as minhas
dúvidas e questionamentos me mostra a todo instante que esteve – e está, sempre a
me carregar no colo. Obrigada por me fornecer o sopro de vida e continuar soprando
sempre que me canso, Jesus.
Agradeço aos melhores pais, por me proporcionarem todas as condições
necessárias para estudar. Por, mesmo com todas as dificuldades, não terem deixado
faltar comida na mesa e, sobretudo, afeto para ser forte no mundo.
À mulher mais incrível que eu já pude conhecer em toda a minha vida, minha
mãe, Leni. A mulher que me colocou no mundo, que me deu afeto e paciência. Que
me ensinou a escolher com sabedoria e a me perdoar quando a minha escolha não
for a mais feliz. Mulher que eu mais admiro pela força e superação, sobretudo por sua
resiliência. Que lutou por mim quando nem eu mais acreditava. Obrigada por tudo,
mãe. Você é genial.
Ao grande homem, meu pai Luiz, por me ensinar valores imprescindíveis para
um ser humano: a honestidade, a bondade, a lealdade e a confiança em Deus. Por
me ensinar, através de sua história, que a gente deve lutar com fé e que somos muito
mais fortes do que pensamos. Agradeço por, desde pequena, ter aprendido que a
desigualdade social não é normal e que devemos questionar e lutar por uma
sociedade mais justa. Obrigada por tudo, pai. Você é incrível.
À minha irmã e assistente social preferida, Lorena. Que sempre foi a minha
melhor amiga e minha companheira de história. Que foi a primeira a me fazer admirar
o Serviço Social, assim como quem foi meu espelho para pensar que uma
Universidade Pública, para quem veio de escola pública, era sim possível. Obrigada
por todas as caronas durante a minha graduação e por ser a melhor amiga que eu
poderia conhecer, mana. Agradeço ao meu cunhado Ricardo, pelas inúmeras caronas
nas aulas noturnas, que nunca eram apenas caronas, era sempre momento de
partilha. Obrigada pela sensibilidade, pelos poemas e pelos conselhos, cunha.
Ao meu parceiro, Higor Filipe, pelo apoio em qualquer circunstância. Obrigada
pelo carinho, pelo cuidado e pelos inúmeros debates construtivos sobre as nossas
“visões de mundo”. Agradeço por estimular ainda mais o meu interesse pelo teatro e
por me mostrar que o “fazer teatral” vai muito além do palco. Por não medir esforços
por mim e, sobretudo, por me presentear com o melhor que eu poderia receber: o
nosso filho. Obrigada por acreditar na nossa família.
Agradeço ao (a) bebê, por ter sido um dos motivos pelos quais eu encontrei
forças para não postergar este trabalho de conclusão de curso e por me deixar tão
feliz, mesmo que cheia de sono, azia e oscilações de humor. Um dia você verá isso
filho (a) e eu quero que você saiba que você sempre foi combustível para a mamãe
melhorar.
Agradeço à maravilhosa Mikaelle Tavares, por ser uma grande amiga e
companheira desde o primeiro dia dessa árdua jornada. Com você os trabalhos
ficaram mais leves e as manhãs muito mais divertidas! Obrigada por ir muito além da
universidade e por me amar por aquilo que eu posso ser. Obrigada por todo apoio e
por compartilhar comigo a sua admirável história. Muito nos aguarda!
Às queridas Lara Limberger e a Tarsila Borges, pela amizade e
companheirismo nessa trajetória. E por se aproximarem ainda mais de mim no
momento em que mais precisei de apoio. Ter vocês como companheiras foi
imprescindível nesse caminho, seja pra um banho de cachoeira ou para uma noite de
afeto. Obrigada por tudo, quero muito vocês por perto nessa nossa nova fase.
À grande amiga Renata Café, que dividiu comigo não só os trabalhos
acadêmicos, mas as festas, os almoços, os cafés rápidos e que, principalmente nos
últimos semestres, se tornou alguém muito importante para minha vida inteira. A
primeira companheira a se formar. Obrigada pela amizade.
Às queridas amigas de vida, Bruna Stefani e Lorenna Rocha, por sempre
lançarem palavras de força e conforto, por se alegrarem com as minhas vitórias e por
darem força na hora do caos. Eu amo vocês e admiro de uma forma inexplicável suas
histórias.
À Lara Rodrigues por ter voltado pra minha vida no final da graduação e por
fazer parte desse período intenso que é o tcc. Obrigada por ser companheira.
Agradeço aos meus avós, por suas histórias de luta e superação que me
espelham: vó Emília, vô Pedro e vó Lindaura. Ao meu avô José Vicente, que lutou e
conquistou sua terra através do MTST. O senhor me orgulha e, pensando em ti, eu
nunca me conformarei com as injustiças do mundo. Quando conseguiu a sua terra, o
senhor já não tinha mais saúde para trabalhar nela. Obrigada por sua trajetória inteira.
À Emília e ao Jesse, por me lembrarem sempre do amor de Deus e por serem
amigos pra todas as horas. À Camila, pelos pratos de comida e por me ouvir sempre
que preciso. Aqui reservo para agradecer aos queridos familiares amigos que torcem
por mim e apoiam as minhas conquistas. Obrigada a todas as tias e tios que olharam
por nós em momentos difíceis. Todos, em especial.
Ao Dr. Denis Furtado, por me ajudar a retomar a minha vida quando eu já não
tinha mais saúde. Obrigada! O tratamento ortomolecular foi imprescindível para que
eu retomasse a minha graduação e tivesse forças para escrever este trabalho.
Aos excelentes profissionais do setor psicossocial do MP de samambaia: Ana
Luiza, Paulena, Doni e Katharina. Obrigada por terem tornado esse período muito
mais leve e divertido! Ao departamento de Serviço Social, em especial à incrível
professora Priscilla Maia, a que tenho muito carinho e a professora Lúcia Lopes, a eu
tenho imensa admiração.
À minha querida orientadora, Kênia Figueiredo, pelas considerações, por tirar
as dúvidas e por confiar nas minhas ideias. Sobretudo por aceitar de braços abertos
o tema proposto. Fiquei muito feliz por encontrar no departamento de Serviço Social
uma professora que se preocupa com a comunicação e com a cultura. Me fez sentir
menos só.
À Valdenizia Peixoto e ao Rafael Tursi, por aceitarem prontamente compor a
minha banca examinadora.
Ao Boal e a todos os que lutaram e lutam para a transformação social. Enfim,
obrigada a todos os que fizeram parte dessa história.
“Numa sociedade em decadência, a arte, para ser
verdadeira, precisa refletir também a decadência. Mas, ao
menos que ela queira ser infiel à sua função social, a arte
precisa mostrar o mundo como passível de ser mudado. E
ajudar a mudá-lo.” Ernst Fischer
RESUMO

O presente trabalho tem como proposta uma reflexão teórica sobre a


contribuição do método do Teatro do Oprimido para a função pedagógica do
assistente social na contemporaneidade. Para tal foi realizada uma contextualização
geral acerca do processo de alienação dos trabalhadores, das expressões da Questão
Social, da função pedagógica do assistente social, da função social da arte e sobre o
método Teatro do Oprimido com vistas a demonstrar como a aproximação do Teatro
do Oprimido na prática profissional do assistente social pode proporcionar e estimular
a reflexão crítica e a consciência da exploração vivida pela classe trabalhadora.
Percebe-se que o Movimento de Reconceituação e o atual projeto ético-político da
profissão são essenciais para afirmar compromisso da categoria é com a classe
trabalhadora e que a função pedagógica, portanto, se dá no viés de transformação da
realidade social.

Palavras-chave: Arte. Serviço Social. Teatro do Oprimido. Função social da arte.


Projeto Ético-político do Serviço Social.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7

CAPÍTULO 1 – CAPITALISMO, SERVIÇO SOCIAL E ARTE .................................. 10

1.1 Alienação Capitalista ........................................................................................ 10


1.2 As expressões da questão social e os desafios inerentes ao seu
enfrentamento. ....................................................................................................... 15
1.3 A função pedagógica do assistente social para uma cultura contra
hegemônica. .......................................................................................................... 18
1.4 A função social da arte e seu potencial educador ............................................ 26
1.4.1 Arte elitista, arte para as massas e arte popular. ....................................... 35
CAPÍTULO 2 – TEATRO: UMA DIMENSÃO DE ARTE E CULTURA ..................... 37

2.1 O Teatro do Oprimido ...................................................................................... 39


CAPÍTULO 3 – SERVIÇO SOCIAL, TEATRO DO OPRIMIDO E O PROJETO
ÉTICO-POLÍTICO ..................................................................................................... 49

3.1 Um projeto ético-político crítico: direcionador da prática profissional contra


hegemônica ........................................................................................................... 50
3.2 O Teatro do Oprimido e o Serviço Social como forma de emancipação .......... 57
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 66

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 70
7

INTRODUÇÃO

Este estudo propõe a aproximação entre o método Teatro do Oprimido,


dimensão materializada da arte, e a prática profissional dos assistentes sociais
através da função pedagógica, como alternativa necessária ao enfrentamento das
novas demandas postas à profissão. Além disso, defende-se que, através de
movimentos internos e externos à profissão, a função pedagógica se dá em um viés
de transformação e superação da ordem dominante, tendo em vista que o projeto
ético-político atual oferece bases e norte para uma atuação crítica no sentido de
emancipação da classe trabalhadora e não o contrário.
O atual momento de velozes avanços tecnológicos, de flexível acumulação do
capital – combinação da extração de mais-valia e trabalho morto – e da informação e
conhecimento como os principais insumos de uma ordem produtiva altamente
tecnologizada e que se converte em valor cultural tem produzido novas expressões
da questão social, exigindo das profissões, em especial dos assistentes sociais uma
leitura crítica da realidade e alternativas criativas que vão de encontro ao projeto ético
político da profissão.
Uma das alternativas possíveis relaciona-se ao uso da arte na prática
profissional do assistente social que contém uma dimensão pedagógica e potencial
de estímulo à capacidade criativa e reflexão crítica dos sujeitos. Diante da alienação
a que estão submetidos os sujeitos na sociedade capitalista, aonde o trabalho
alienado, como pilar que sustenta o modo de produção capitalista, faz com que o
indivíduo esteja alheio tanto ao processo de trabalho, quanto ao objeto resultado
desse trabalho e também alheio à sua própria espécie e aos outros homens, a arte
tem o potencial de tirar os sujeitos desse estado fragmentado, resgatando-o para a
totalidade do ser e proporcionando reflexões acerca da realidade que vivenciam.
A função pedagógica do assistente social diz respeito à capacidade profissional
de contribuir para um novo modo de pensar e de agir da sociedade. Sob essa ótica, o
Serviço Social está inserido diretamente na organização da cultura. Na mesma
direção, a função social da arte encontra-se situada em similar perspectiva, onde a
arte, ao longo do tempo e a depender das forças atuantes sobre ela, também é capaz
de intervir no modo de pensar e agir da sociedade. Pode-se, tanto através da função
pedagógica do assistente social quanto da função social da arte, atuar sob dois vieses
8

diferentes: na emancipação dos sujeitos e na luta contra hegemônica ou na


manutenção da hegemonia dominante.
A pesquisa realizada foi qualitativa, onde foram analisadas bibliografias que
abordaram o tema proposto, “O método do teatro do oprimido e a função pedagógica
do assistente social: uma reflexão necessária” para refletir acerca dos desafios e
possibilidades dessa aproximação. O método de análise utilizado foi o materialismo
histórico dialético, possibilitando uma análise mais profunda e crítica acerca da
realidade social, compreendendo as múltiplas determinações e transformações da
sociedade, analisando historicamente os fenômenos aqui abordados.
Busca-se, portanto, refletir acerca de algumas indagações iniciais relacionadas
ao tema. O Teatro do Oprimido pode contribuir para o desempenho da função
pedagógica do assistente social, dentro da perspectiva do projeto ético político
emancipador? Como o Teatro do Oprimido, no exercício profissional dos assistentes
sociais, pode contribuir para a emancipação dos sujeitos? Quais os desafios postos a
essa aproximação do Teatro do Oprimido enquanto um recurso de intervenção dos
assistentes sociais?
Os resultados desta pesquisa bibliográfica constituem o presente trabalho de
conclusão de curso, requisito obrigatório para obtenção do título de bacharel em
Serviço Social e foi dividido em três capítulos de forma a melhor apreender o tema.
O primeiro capítulo teve o intuito de estabelecer o panorama geral ao qual
pretendemos nos adentrar. Partimos da problemática e do contexto amplo para
apenas posteriormente traçarmos a relação entre as categorias. Foram elas: a
alienação na sociedade capitalista; as expressões da Questão Social e os desafios
inerentes ao seu enfrentamento; a função pedagógica do assistente social; e a função
social da arte. Dessa forma, tem-se como objetivo central a compreensão das forças
atuantes em relação ao nosso tema.
O segundo capítulo, já sendo mais específico, busca explicar a dimensão da
arte ao qual nos propomos neste trabalho, que é o teatro. Primeiramente faz-se uma
breve passagem pela trajetória do teatro e, posteriormente, fala-se do que é o método
do Teatro do Oprimido, em qual contexto histórico ele surgiu e quais as técnicas
abrangidas pelo método.
O último capítulo tem como objetivo a articulação de todas as categorias
pesquisadas nos capítulos anteriores. Primeiramente busca-se a análise acerca de
9

como o projeto ético-político da profissão1 e o Movimento de Reconceituação do


Serviço Social 2 contribui para a função pedagógica no sentido de transformação da
hegemonia dominante. Depois é feita a análise da relação entre o Teatro do Oprimido
e a prática profissional dos assistentes sociais, as possibilidades e desafios dessa
aproximação.
O tema escolhido é relevante para ascender o debate acerca de alternativas
referentes à intervenção profissional e para pensar o teatro como dimensão da arte a
qual os assistentes sociais e a sociedade como um todo devem se apropriar, posto
que o assistente social está inserido na organização da cultura e necessita aproximar-
se da mesma para um melhor aproveitamento de suas potencialidades. Além disso, a
presente pesquisa tem o potencial de contribuir para uma prática que impulsiona o
potencial criativo e crítico dos sujeitos, estimulando a consciência de classes e a
retomada da totalidade do ser enquanto sujeito coletivo.

1 Este conceito será abordado no capítulo 3.1 deste trabalho, cabendo adiantar que os projetos
profissionais representam a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam
socialmente, seus objetivos e funções. Formulam requisitos e normas de comportamento para o seu
exercício. Representa o “dever ser” da profissão.
2 Este conceito será abordado no capítulo 3.1 deste trabalho. Porém, cabe adiantar que “o Movimento

de Reconceituação do Serviço Social – emergido na metade dos anos 1960 e prolongando-se por
uma década – foi, na sua especificidade, um fenômeno tipicamente latino-americano. Dominado pela
contestação ao tradicionalismo profissional, implicou um questionamento global da profissão: de seus
fundamentos ídeo-teóricos, de suas raízes sociopolíticas, da direção social da prática profissional e
de seu modus operandi”. (IAMAMOTO, 2006, p. 206)
10

CAPÍTULO 1 – CAPITALISMO, SERVIÇO SOCIAL E ARTE

Para adentrar na discussão ao qual nos propomos nesta monografia,


percebemos como importante tomarmos previamente um panorama geral e amplo,
que compreenda as categorias as quais vamos nos referir ao longo dos capítulos.
Portanto, o objetivo deste capítulo é o de contextualizar, em tópicos individuais,
as três frentes a que pretendo discutir ao longo do projeto: o capitalismo, o serviço
social e a arte. Posteriormente estabeleceremos a relação entre elas.
Ao abordar o capitalismo, escolhemos duas categorias cuja ênfase será maior:
A alienação, para compreendermos o processo pelo qual o capitalismo, através da
fragmentação do trabalho, esmaga o real potencial criador dos seres e a Questão
Social, cujas expressões, com a intensificação do trabalho e o avanço do capitalismo,
se tornam cada vez mais intensas e exigentes de novas estratégias para o seu
enfrentamento.
Neste capítulo, o Serviço Social será abordado sob a ótica da atuação do
assistente social em sua função pedagógica. O assistente social como intelectual
orgânico da classe trabalhadora tem a possibilidade de instigar o pensamento crítico,
ao influenciar e contribuir com a compreensão da relação contraditória inerente à
sociedade do capital colocando em prática o projeto ético-político da profissão.
Por último, discutiremos acerca da função social da arte e seu potencial
educador. A arte como aparelho de hegemonia, seja a favor da classe dominante e
de sua manutenção, seja com o caráter de superação da hegemonia vigente.
Portanto, a arte aqui mencionada, refere-se à arte que proporcione consciência crítica
e política, e não a arte pela arte, que compreende apenas a individualidade e
subjetividade dos seres. Para acrescentar na compreensão de função social da arte,
traremos três conceitos de arte com funções diferentes no capitalismo: a arte elitista,
a arte para as massas e a arte popular.

1.1 Alienação Capitalista

O ser social se diferencia dos outros animais, por sua capacidade de


transformar a natureza e executar o trabalho consciente e proposital, objetivando
previamente as suas ações. Enquanto os animais executam o trabalho e satisfazem
as suas necessidades instintivamente, os seres humanos têm a capacidade de
11

planejar ações previamente e construir ferramentas para atingir aos objetivos


previamente idealizados com menos esforço.

Neste caso, o trabalho aparece como veículo de comunicação entre os


homens, através dele eu e você nos apresentamos um ao outro. Você se
transforma aos meus olhos, passa a ser alguém que gosta de imbuia, por
exemplo. Você também se apresenta e se transforma na medida em que
interage comigo, defende seus argumentos, aprende com os meus. Depois
dessa relação e da madeira escolhida, somos outra pessoa, perante o outro
e perante nós mesmos; novos verbos, novas imagens, novos conceitos, outra
consciência, novas relações com o outro. Através do trabalho você se iguala
e se diferencia de si e do outro em uma ciranda quase mágica, se exercita
socialmente, transforma o outro e é transformado por ele. (CODO, 1985, p.
12).

Portanto, o trabalho enquanto categoria ontológica do ser social e enquanto


criador de valor de uso é indispensável à vida do homem. É natural e necessária essa
troca do homem com a natureza, como forma de sobrevivência. Fala-se sobre “troca”,
pois, do mesmo modo que o ser humano transforma a natureza, também é
transformado por ela. A natureza é modificada por meio do trabalho empregado nela,
e o ser humano, por todas as habilidades adquiridas e pela nova compreensão acerca
da natureza e consequentemente de si mesmo.

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a


natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona,
regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com
a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais
de seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos –, a fim de apropriar-se dos
recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando
assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica
sua própria natureza (MARX, 2014, p. 211).

Já o trabalho alienado, como pilar que sustenta o modo de produção capitalista,


ao contrário, impossibilita as potencialidades criativas do trabalho, fazendo com que
o indivíduo esteja alheio tanto ao processo de trabalho, quanto ao objeto resultado
desse trabalho e também alheio à sua própria espécie e aos outros homens.
Portanto, uma atividade que deveria, inicialmente, proporcionar uma maior
consciência e ampliar as potencialidades do homem, passa a ter um caráter contrário:
impedir essas potencialidades, reduzindo o homem a uma mera mercadoria a fim de
fazer com que o sistema continue a funcionar. O trabalho alienado é fundamental no
modo de produção capitalista exatamente por reduzir o trabalhador a uma mercadoria,
tornando-o mais uma máquina de produção.
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Perguntar/responder sobre o que é alienação, é responder/perguntar sobre a


fronteira entre o ser e o não ser. O homem alienado é um homem desprovido
de si mesmo. Se a história distancia o homem do animal, a alienação re-
animaliza o homem. Se nos reconhecemos como um ser único e indivisível,
a alienação explode a nossa individualidade, através dela o homem é a sua
negação. (CODO, 1985, p. 8).

Para Mészáros (1981, p. 77):

A atividade produtiva é, portanto, atividade alienada quando se afasta de sua


função adequada de mediar humanamente as relações sujeito-objeto, entre
homem e natureza, e tende, em lugar disso, a levar o indivíduo isolado e
reificado a ser reabsorvido pela ‘natureza’.

Na sociedade capitalista, o trabalho torna-se somente um meio de subsistência,


porém, os objetos produzidos não servem para satisfazer as necessidades do
trabalhador, e sim as do capital, excluindo as potencialidades do trabalho e da relação
inicial do homem com a natureza.

Aqui o trabalho se volta contra o seu criador, quem produz riqueza colhe
miséria. Sem saber, você, na fábrica, produziu a sua pobreza. Se
anteriormente dissemos que o trabalho promove as relações entre as
pessoas, que a produção insere o indivíduo na história, que o homem se
hominiza pelo que faz, aqui ocorre o inverso: o trabalho impede as relações
entre as pessoas, rouba do homem o seu destino, usurpa o que temos de
humano. (CODO, 1985, p. 18-19).

Um primeiro aspecto do trabalho alienado é a relação do trabalhador com o


objeto produto de seu trabalho. Há uma relação de estranhamento, o trabalhador não
reconhece o objeto como uma criação sua, e então o mesmo passa a ser uma
ameaça. O objeto não é o resultado das capacidades humanas, mas é algo estranho
àquele que o executa. A produção e tampouco os objetos produzidos por ele são
pertencentes a ele mesmo. O trabalhador não cria ou compreende aquele objeto
enquanto criação própria, ele é uma peça útil apenas para executar sem refletir ou
sem reconhecer-se no objeto resultante do seu próprio trabalho. Assim:

A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se


transforma em objeto assume uma existência externa, mas que existe
independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder
autônomo em oposição com ele. (MARX, 1964, p. 160).

Dessa forma, o trabalho alienado desumaniza cada vez mais o trabalhador e o


oprime. Quanto mais se trabalha, mais alienado se torna. Quanto mais produz, mais
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alheio ao produto o trabalhador se torna, passando a tornar-se servo do que ele


mesmo produz.
Além dessa característica do trabalho alienado, em relação ao não
reconhecimento dos objetos que cria e de seu estranhamento, há uma segunda
característica: também e, antes disso, relaciona-se ao processo de produção ao qual
o trabalhador faz parte, que é quando o trabalhador aliena-se de si mesmo. É esse
ato de produzir alienado, que gera o produto alienado. No processo de produção
fragmentado, o trabalhador não faz parte do todo, não vê o ato de produzir como uma
expressão da capacidade humana, tornando-se apenas um meio de subsistência para
garantir a sua sobrevivência. O trabalho, aqui, é algo externo ao trabalhador,
sacrificante e também alheio a ele, como uma atividade humana que não lhe pertence.
O processo produtivo, no trabalho alienado, é fatigante. Reduz-se, de fato, a
uma forma de satisfazer outras necessidades e não à já satisfação de uma
necessidade e uma atividade humana, que seria o próprio trabalho. O trabalhador
sente-se alheio também ao processo produtivo, como se não fosse seu, não se
reconhecendo como útil naquele processo inteiro de criação, porque, de fato, apesar
do grande dispêndio de energia para executar e produzir determinado objeto, ele não
faz parte do processo completo. Sendo assim, esse trabalho é forçado, imprime
obrigações e a execução sem criação, fazendo com que o trabalhador se sinta livre
apenas fora dele, no momento em que exerce as suas funções animais, como as
necessidades fisiológicas: comer, dormir e de reprodução.

Em primeiro lugar, o trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer, não


pertence à sua natureza; portanto, ele não se afirma no trabalho, mas nega-
se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as
energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito.
Por conseguinte, o trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto
no trabalho se sente fora de si. Assim, o seu trabalho não é voluntário, mas
imposto, é trabalho forçado. Não constitui a satisfação de uma necessidade,
mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades. O seu caráter
estranho ressalta claramente do fato de se fugir do trabalho como da peste,
logo que não exista nenhuma compulsão física ou de qualquer outro tipo. O
trabalho externo, o trabalho em que o homem se aliena, é um trabalho de
sacrifício de si mesmo, de mortificação. Finalmente, a exterioridade do
trabalho para o trabalhador transparece no fato de que ele não é o seu
trabalho, mas o de outro, no fato de que não lhe pertence, de que no trabalho
ele não pertence a si mesmo, mas a outro. [...] Pertence a outro e é a perda
de si mesmo (MARX, 1964, p. 162).

Outra característica do trabalho alienado é a alienação do ser humano em


relação à sua própria espécie. Enquanto trabalhador, ele não se reconhece enquanto
14

ser social. Não se percebe como membro da espécie e como parte de uma
comunidade, passando a trabalhar e viver pela sua própria individualidade, como um
meio de garantir apenas a sua própria existência física.

Uma vez que o trabalho alienado 1) aliena a natureza do homem, 2) aliena o


homem de si mesmo, a sua função ativa, a sua atividade vital, aliena
igualmente o homem a respeito da espécie; transforma a vida genérica em
meio de vida individual. Em primeiro lugar, aliena a vida genérica e a vida
individual; em seguida, muda esta última na sua abstração em objetivo da
primeira, portanto, na sua forma abstrata e alienada. De fato, o trabalho, a
atividade vital, a vida produtiva, aparece agora ao homem como o único meio
de satisfação de uma necessidade, a de manter a existência física. A vida
produtiva, porém, é a vida genérica. É a vida criando vida. No tipo de atividade
vital reside todo o caráter de uma espécie, o seu caráter genérico; e a
atividade livre, consciente, constitui o caráter genérico do homem. A vida
revela-se simplesmente como meio de vida (MARX, 1964, p. 164).

Portanto, como consequência da alienação do ser humano enquanto sua


própria espécie há ainda outra característica do trabalho alienado, que é a alienação
dos homens em relação aos outros homens. Se o trabalhador não se reconhece
enquanto membro da espécie e enquanto ser genérico, a maneira como ele vai
enxergar os outros homens e seus respectivos trabalhos e fruto do trabalho também
é alienada e com estranhamento.

Uma consequência imediata da alienação do homem a respeito do produto


do seu trabalho, da sua vida genérica, é a alienação do homem relativamente
ao homem. Quando o homem se contrapõe a si mesmo, entra igualmente em
oposição com os outros homens. O que se verifica com a relação do homem
ao seu trabalho, ao produto do seu trabalho e a si mesmo, verifica-se também
com a relação do homem aos outros homens, bem como ao trabalho e ao
objeto do trabalho dos outros homens. De modo geral, a afirmação de que o
homem se encontra alienado da sua vida genérica significa que um homem
está alienado dos outros, e que cada um dos outros se encontra igualmente
alienado da vida humana (MARX, 1964, p. 166).

A partir da compreensão dessas dimensões do trabalho alienado, em que o


trabalhador é alienado do produto do trabalho, do ato de produção, do seu ser
genérico e dos outros homens, podemos perceber que o trabalho, na sociedade
capitalista, não impulsiona a capacidade crítica e reflexiva. Não estimula
potencialidades e não é uma atividade humana que insere o trabalhador no produto
daquilo que ele mesmo constrói. Cada vez mais o homem se distancia de seu sentido
humanizante, questionador, crítico e sensível, cumprindo apenas com o seu papel no
processo produtivo, porque apenas inserido nesse processo alienante é que ele tem
chance de garantir o mínimo para a sua subsistência. O trabalho alienado é
15

imprescindível à manutenção do sistema capitalista, tendo em vista que, se o


trabalhador se reconhecesse em todas essas dimensões, teria outra relação com o
próprio trabalho e uma consciência a buscar o desenvolvimento enquanto membro da
espécie humana. O caráter alienante do trabalho é um dos fatores que, alinhado ao
controle ideológico, torna-se um empecilho para a consciência de classes e para a
formação de uma nova cultura. Reconhecendo tal categoria e articulando-a as que se
seguem, torna-se mais possível o reconhecimento e levantamento de estratégias que
possibilitem ganho na luta contra hegemônica.

1.2 As expressões da questão social e os desafios inerentes ao seu


enfrentamento.

O objetivo ao abordar as expressões da questão social e de seu


desdobramento neste trabalho é o de percebermos o papel central que ela exerce na
atuação profissional do assistente social e a atenção necessária para um olhar criativo
para que possamos melhor intervir em suas expressões.
A questão social encontra-se na gênese da profissão do Serviço Social. É a
questão social a base que sustenta a fundação do Serviço Social enquanto profissão,
por ser esta, objeto de formulação teórica, metodológica e política da profissão. O
surgimento do Serviço Social como profissão institucionalizada vincula-se desde sua
origem, à questão social oriunda da contradição entre capital e trabalho.

O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na


divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento
capitalista industrial e a expansão urbana, processos esses aqui apreendidos
sob o ângulo das novas classes sociais emergentes - a constituição e
expansão do proletariado e da burguesia industrial - e das modificações
verificadas na composição dos grupos e frações de classes que compartilham
o poder de Estado em conjunturas históricas específicas. É nesse contexto
em que se afirma a hegemonia do capital industrial e financeiro, que emerge
sob novas formas a chamada “questão social”, a qual se torna base de
justificação desse tipo de profissional especializado. (IAMAMOTO;
CARVALHO, 2009, p. 77, grifo do autor).

Faz-se importante frisar que, apesar da importância de tal conceito para a área,
não há consenso acerca do mesmo pelos autores do Serviço Social, havendo autores
que defendem uma “nova questão social” e outros que defendem a permanência da
“velha questão social” sob novas roupagens, que somente criou novas expressões,
acompanhando a intensificação do capitalismo. Para estes, a questão social na
16

contemporaneidade, simplesmente se reproduz sob novas mediações históricas e,


portanto, manifesta inéditas expressões acerca de todas as dimensões da vida em
sociedade, não significando, portanto, que originou-se uma “nova questão social”.
Acerca disso, aborda Netto (2001, p. 48) que:

Inexiste qualquer “nova questão social” e sim “a emergência de novas


expressões da ‘questão social’ que é insuprimível sem a supressão da ordem
do capital. A dinâmica societária específica dessa ordem não só põe e repõe
os corolários da exploração que a constitui medularmente: a cada novo
estágio de seu desenvolvimento, ela instaura expressões sócio-humanas
diferenciadas e mais complexas, correspondentes à intensificação da
exploração que é a sua razão de ser.

Aqui utilizaremos, portanto, essa segunda visão, de autores que compreendem


que há uma “velha questão social”, ainda inserida na contradição do capital e
centralizada no trabalho, que são Iamamoto e Netto.
Importante salientar também, apesar de não adentrarmos profundamente em
tais questões, que as expressões da questão social foram lidas de formas diferentes
ao longo do tempo: a desigualdade já foi por vezes naturalizada, por outras
criminalizada e seus enfrentamentos também se deram de formas diferentes, ora
como objeto de caridade, como objeto de repressão, ora como papel para intervenção
do Estado. A Questão Social está diretamente ligada ao contexto do trabalho “livre”
em uma sociedade marcada profundamente pela escravidão. Conforme Iamamoto e
Carvalho (2009, p. 125):

A “questão social”, seu aparecimento, diz respeito diretamente à


generalização do trabalho livre numa sociedade em que a escravidão marca
profundamente seu passado recente. Trabalho livre que generaliza em
circunstâncias históricas nas quais a separação entre homens e meios de
produção se dá em grande medida fora dos limites da formação econômico-
social brasileira. Sem que se tenha realizado em seu interior a acumulação
(primitiva) que lhe dá origem, característica que marcará profundamente seus
desdobramentos.

A questão social está intimamente ligada à contradição entre capital e trabalho,


sendo, portanto, as expressões dessa contradição e não se reduzindo à simples
desigualdade social. São as expressões das desigualdades da sociedade capitalista,
onde a produção social é cada vez mais coletiva, ao mesmo tempo que a apropriação
não é dividida na mesma coletividade, sendo distribuída de forma desigual para uma
pequena parcela da sociedade. De acordo com Iamamoto (2006, p. 27):
17

A questão social é compreendida como o conjunto das expressões das


desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a
produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais
amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se
privada, monopolizada por uma parte da sociedade.

Portanto, o objeto de trabalho dos assistentes sociais se insere no


enfrentamento das múltiplas expressões da questão social, que ganham novas
roupagens à medida que o capitalismo avança e também se intensifica. A Questão
Social se expressa através do desenvolvimento da classe operária e das exigências
para que o Estado a reconheça enquanto classe. Nesse momento, a classe passa a
exigir novos tipos de intervenção. Segundo Iamamoto e Carvalho (2009, p. 77):

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e


desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da
sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da
contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros
tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão.

Segundo Netto (2001) as primeiras expressões da questão social decorrem do


pauperismo provocado pelos impactos do que o autor chama de primeira onda
industrializante, que ganhou maior destaque, principalmente a partir do final do século
XIX. Nesse período, o capitalismo passa por profundas modificações no seu
funcionamento e na sua própria dinâmica econômica, incidindo, sobretudo, na sua
estrutura social.
Ainda segundo Netto (1992), o desenvolvimento do capitalismo imperialista
tinha como objetivo a urgência de viabilização de um objetivo primário: o acréscimo
dos lucros capitalistas através de controles de mercado. Concomitante a esse cenário,
outros elementos típicos da monopolização também contribuem para o aparecimento
das primeiras expressões da questão social: a supercapitalização que se caracteriza
pela dificuldade de valorização do montante de capital acumulado, e o parasitismo da
vida social da classe burguesa. É nesse contexto, que o Estado passa a atuar como
guardião das condições externas da produção capitalista, direcionando-se para
garantir os superlucros dos monopólios.
Dessa forma, o Estado passa a ser o “garantidor” das condições necessárias
para a produção e reprodução do capital, tanto propiciando condições necessárias à
acumulação, como mantendo as condições para exploração da força de trabalho:
18

Através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista


procura administrar as expressões da ‘questão social’ de forma a atender às
demandas da ordem monopólica conformando, pela adesão que recebe de
categorias e setores cujas demandas incorporam sistemas de consenso
variáveis, mas operantes. (NETTO,1992, p. 30).

Importante, portanto, perceber que o Estado não passa a intervir nas


expressões da Questão Social com foco na classe trabalhadora e no que ela estava
sofrendo com o processo produtivo. O Estado burguês preocupa-se em resguardar as
condições mínimas para que o capital continue a explorar a mão de obra e extrair
mais-valia. As políticas sociais e o enfrentamento da questão social, portanto, atuam
em um cenário de forças contraditórias.
As diversas expressões da Questão Social têm sido cada vez mais agudas nos
tempos atuais, de avanço do neoliberalismo e de desmonte dos direitos adquiridos
pela classe trabalhadora através de muita luta e organização. Por ser a questão social
objeto de atuação profissional dos assistentes sociais é fundamental para o Serviço
Social compreender esses desdobramentos em uma dupla perspectiva: para que se
possa tanto apreender as várias expressões que assumem, na atualidade, as
desigualdades sociais - sua produção e reprodução ampliada na sociedade capitalista
- quanto projetar e criar formas de resistência e de defesa dos trabalhadores. É
somente percebendo a maneira como elas se configuram que os assistentes sociais
podem ser capazes de analisar criticamente esses desdobramentos e se munir de
estratégias criativas que acompanhem tais mudanças.

1.3 A função pedagógica do assistente social para uma cultura contra


hegemônica.

A capacidade profissional do assistente social possui dimensão pedagógica,


que está relacionada ao enfrentamento das demandas próprias da profissão. Tal
dimensão pedagógica do assistente social está ligada à capacidade profissional de
intervir no modo de pensar e de agir da sociedade, estando o Serviço Social inserido
na organização da cultura, sendo essa uma possibilidade de enfrentamento e luta
contra hegemônica. Conforme Abreu (2008, p. 17):

[...] a função pedagógica do assistente social em suas diversidades é


determinada pelos vínculos que a profissão estabelece com as classes
sociais e se materializa, fundamentalmente, por meio dos efeitos da ação
profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos nos
processos da prática. Tal função é mediatizada pelas relações entre o Estado
19

e a sociedade civil no enfrentamento da questão social, integrada a


estratégias de racionalização da produção e reprodução das relações sociais
e do exercício do controle social.

Sendo assim, ao atuar na maneira de agir e pensar da sociedade, os


assistentes sociais, através da função pedagógica, estão inseridos nos processos de
organização e reorganização da cultura. “[...]A prática do assistente social insere-se
no campo das atividades que incidem sobre a organização da cultura, constituindo-se
elemento integrante da dimensão político-ideológica das relações de hegemonia”
(ABREU, 2008, p. 17-18). O uso da arte, nesse sentido, pode contribuir para que os
sujeitos redimensionem a situação que vivem, tendo a oportunidade de refletir
criticamente sobre ela. Conceição (2010, p. 57) diz que:

A dimensão pedagógica do Serviço Social está vinculada à intervenção do


assistente social na maneira de agir e de pensar da sociedade e aos
elementos políticos e culturais da luta pela hegemonia, visto que está inserido
nos processos diferenciados de organização e reorganização da cultura.
Enquanto isso, a possibilidade de emancipação e humanização inerentes a
arte pode oferecer aos sujeitos condições para criticar a situação vivida e
redimensioná-la. Desse modo, indaga sobre as contribuições que a arte pode
trazer quanto ao caráter pedagógico da prática profissional.

Aqui, tomamos a cultura a partir do conceito gramsciano, entendendo-a em seu


sentido mais amplo, como o “modo de vida” de um povo, nação ou grupo social mais
restrito. Portanto, a cultura diz respeito a um conjunto de símbolos e um sistema de
significações que compõem uma visão de mundo, porém não se restringe apenas a
essas dimensões, também envolvendo a prática social e meios de produção materiais
e simbólicos de um grupo social concreto. Nesse sentido, os elementos subjetivos
simbólicos refletem de algum modo a base material da sociedade e o modo como se
produz. É importante distinguirmos esse conceito amplo de cultura, pois a cultura em
um sentido mais restrito, também chamada de “cultura culta”, está ligada a educação
formal, ao “cultivo do espírito”, da ciência, da filosofia ou à “evolução da mente”.
Aspectos esses meramente individuais e que representam um viés elitista de cultura,
tendo em vista que, na maioria das vezes, quem dita o que é culto ou evoluído é a
própria elite da classe dominante. Portanto, aqui entendemos a cultura em seu sentido
amplo e coletivo. De acordo com Almeida (2011, p. 3):

No sentido mais amplo, cultura diz respeito ao “modo de vida” de um povo,


nação ou grupo social mais restrito e é entendida como conjunto de símbolos,
um sistema de significações, o acúmulo de ideias, práticas, meios de
20

produção e produtos relacionados a um grupo social - podendo ser uma


ordem social relativamente “completa”, ou um pequeno agrupamento
presente no interior desta. Enfim, de qualquer agrupamento social que possa
ser identificado e delimitado de algum modo.

O assistente social, em sua inserção na organização da cultura, assume o


papel de intelectual profissional do tipo tradicional, enquanto representantes de uma
continuidade histórica, estabelecendo vínculos políticos estreitos com a classe
trabalhadora. Importante salientar que entender o assistente social como intelectual
tradicional não significa desvirtuar as funções políticas da profissão nem
superdimensioná-la. Para Abreu, tal reducionismo é ocasionado pela não
compreensão das categorias intelectuais distinguidas por Gramsci. Segundo Abreu
(2008, p. 49):

Entender o assistente social como intelectual não significa um


superdimensionamento das funções políticas da profissão, nem tampouco
desloca a intervenção profissional para o terreno do militantismo político,
ponto de vista criticado, no debate profissional brasileiro, durante a década
de 80.

Acerca do destaque de Gramsci em relação processo histórico real de


formação dos intelectuais, há a categoria dos intelectuais tradicionais, das camadas
intelectuais preexistentes e os intelectuais orgânicos. Os intelectuais tradicionais
podem constituir-se em intelectuais de acordo com as funções exercidas, podendo ser
intelectuais a favor da burguesia ou do proletariado. Conforme Abreu (2008, p. 50):

Intelectuais tradicionais, isto é, das camadas intelectuais preexistentes -


como representantes de uma continuidade histórica, podendo estas camadas
estabelecerem vínculos políticos estreitos com as classes fundamentais
modernas, e até mesmo, no exercício de suas funções intelectuais,
principalmente via mediação partidária, confundirem-se com os intelectuais
orgânicos de uma classe fundamental. Isto significa que os intelectuais
tradicionais podem constituir-se em intelectuais orgânicos de uma classe
fundamental (considerando-se aqui as diferentes gradações da atividade
intelectual que dão a dimensão da maior ou menor organicidade à classe), na
medida em que as funções que venham a desempenhar traduzam funções
orgânicas, inerentes às atividades essenciais dessas classes, inclusive de
cunhos organizativo e diretivo, como é o exemplo de alguns advogados,
médicos, etc.

Os assistentes sociais, portanto, como intelectuais tradicionais, podem


constituir-se em intelectuais orgânicos de determinada classe. Importante salientar
que essa atuação não se restringe apenas como intelectual da classe trabalhadora,
podendo também constituir-se como intelectual orgânico da burguesia. Dessa forma,
21

o assistente social atua como organizador e dirigente político. De acordo com Abreu
(2008, p. 51):

O entendimento de que o assistente social como um intelectual do tipo


tradicional pode constituir-se em intelectual orgânico, seja do proletariado,
seja da burguesia, considera as possibilidades de as funções intelectuais
desempenhadas pelo mesmo expressarem desdobramentos de atividades
essenciais às referidas classes nos campos econômico, político e social,
como organizador e dirigente político.

Ainda na perspectiva do assistente social como intelectual orgânico, vê-se o


profissional como quem dá homogeneidade aos grupos a que se direcionam, sendo
necessário que os assistentes sociais possuam a capacidade técnica para dirigir a
massa. Nesse sentido, necessita-se sempre estar atento, pois o assistente social,
através da função pedagógica, pode atuar tanto a favor da classe trabalhadora como
da classe dominante, a depender dos direcionamentos postos ao exercício dessa
função. Segundo Conceição acerca do conceito de intelectual orgânico para Gramsci:

O intelectual orgânico é aquele que dá homogeneidade e consciência ao


grupo ao qual se vincula, devendo para isso possuir certa capacidade
dirigente e técnica, ser um organizador de massa. Pode atuar tanto a favor
da classe trabalhadora como da classe dominante, pois o exercício dessa
função diretiva/organizativa pode tomar direcionamentos distintos. Desse
modo, ao trabalhar para a classe dominante, tem por função legitimar o
domínio, manipulando os meios de comunicação e publicidade, as artes, a
educação e a política. Por meios persuasivos, o intelectual orgânico tenta por
fim à contestação, buscando fazer parecer universais interesses restritos a
determinado grupo, fortalecendo, assim, a hegemonia desta classe.
(CONCEIÇÃO, 2010, p. 53)

Fala-se da capacidade pedagógica, com o objetivo de assinalar as


possibilidades de influência dos assistentes sociais em relação à construção de
hegemonia pelas classes subalternas, para que assim, essa classe reorganize a
cultura através de sua própria ótica. Vê-se a redefinição do lugar da cultura como uma
estratégia necessária para o processo de emancipação da classe trabalhadora, sendo
uma necessidade a construção da hegemonia pelas classes subalternas. De acordo
com Abreu (2008, p. 24):

No pensamento gramsciano, as exigências históricas da construção da


hegemonia pelas classes subalternas como estratégia revolucionária
redefinem o lugar da cultura como condição necessária do processo de
emancipação político-ideológica dessas classes, do qual faz parte a luta pela
constituição e redimensionamento das relações de força e a conquista do
poder do Estado. Este processo integra o amplo movimento ideológico -
22

político-militar de superação da ordem burguesa e de construção de uma


nova sociabilidade pelas referidas classes.

Entendemos hegemonia de acordo com o conceito gramsciano, onde


hegemonia representa a direção intelectual e moral, a liderança e a condução de uma
determinada classe em relação à sua concepção de mundo. Para Gruppi (1978, p. 1,
grifo do autor), “o termo hegemonia deriva do grego eghestai, que significa “conduzir”,
“ser guia”, “ser líder”; ou também do verbo eghemoneuo, que significa “ser guia”,
“proceder”, “conduzir”, e do qual deriva “estar à frente, “comandar”, ‘ser o senhor’”. A
hegemonia se expressa e se exercita através de organizações sociais como a escola,
a igreja, meios de comunicação, movimentos sociais e família. Nesse sentido, é
apresentada em toda sua amplitude, operando não apenas sobre a estrutura
econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo
de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o próprio modo de
conhecer. De acordo com Ferreira (1986, p. 16):

Definida a hegemonia como a direção intelectual e moral do processo, ou


como a supremacia de uma forma de unidade do pensamento e da vida que
se expressa em uma concepção de vida, ou em uma visão de mundo, segue-
se que detém a hegemonia do processo aquele grupo social que consegue
fazer os demais grupos aceitarem o seu especial “modo de vida, de pensar,
de agir”, empenhando ao máximo o aparato da hegemonia e ao mínimo
aquele governativo-coercitivo.

Dessa forma, a hegemonia do proletariado ou contra hegemonia representa a


tomada de direção da classe trabalhadora “na construção de uma nova sociedade, de
uma nova estrutura econômica, de uma nova organização política e também de uma
nova orientação ideológica e cultural” (GRUPPI, 1978, p. 2). Para que isso seja
possível, é necessário que os sujeitos envolvidos tenham consciência cultural e
teórica para guiar suas ações. Ainda de acordo com Gruppi (1978, p. 11):

Sem esta unidade de teoria e ação, a hegemonia é impossível, porque ela só


se dá com a plena consciência teórica e cultural da própria ação; com aquela
consciência que é o único modo de tornar possível a coerência da ação, de
emprestar-lhe uma perspectiva, superando a imediaticidade empírica.

Portanto, evidencia-se o papel da cultura como grande aliada no processo de


tomada de consciência da classe trabalhadora. “A perspectiva de formação de uma
nova cultura vincula-se ao processo de sua organização como classe, no movimento
mais amplo da constituição de sua hegemonia na sociedade” (ABREU, 2008, p. 33).
23

A formação de uma nova cultura encontra empecilhos em suas bases materiais.


Ao mesmo tempo em que essa classe deve lutar pela reconstituição de sua identidade
e pela superação de sua exploração, ela deve garantir meios para garantir a própria
existência material e subjetiva, de modo a conseguir sobreviver.
Sendo, portanto, o assistente social um intelectual tradicional e profissional com
potencial pedagógico de intervir no modo de pensar e agir da sociedade e, sendo a
redefinição da cultura uma condição essencial para a superação da hegemonia
vigente, a aproximação do Serviço Social à cultura e arte é pertinente para um melhor
aproveitamento dos potenciais da profissão.
Aqui falamos em possibilidade de intervenção contra hegemônica porque, há
duas formas diferentes de influenciar: A função pedagógica transformadora e a função
pedagógica de manutenção. A primeira, atendendo aos interesses da classe
trabalhadora e atuando contra a hegemonia dominante, contribuindo para uma
emancipação crítica; a segunda, atuando de modo a manter a hegemonia dominante,
perpetuando valores e construções necessárias à manutenção do capitalismo e da
exploração de uma classe por outra. Dessa forma, a educação não apresenta
neutralidade: ela reflete o posicionamento a favor ou contra a manutenção do
capitalismo. Conforme Conceição (2010, p. 52):

Por seu caráter político, a educação não é neutra. Na sociedade capitalista,


ela pode tanto aderir à ideologia vigente, dissimulando as contradições –
caracterizada pela transferência de conhecimentos e valores de uma classe
para outra, por meio de diversos aparelhos, com o intuito de ajustar as classes
dominadas aos interesses da dominante, como também pode buscar superar
e desmascarar tal ideologia por meio da resistência à educação dominante,
gerando conhecimentos e valores que lhe são próprios. Pode ser responsável
pelo aparecimento de uma nova ordem intelectual e moral, que superando o
senso comum, possibilite o questionamento e o desenvolvimento de forças
para a transformação e superação das contradições da sociedade.

O surgimento do Serviço Social dá-se com a tarefa de atuar na função


mediadora entre o Estado e a classe trabalhadora, das necessidades referentes à
manutenção da reprodução da força de trabalho do proletariado, condição necessária
para a produção e reprodução do modo de produção capitalista. Supostamente era
tido como uma prática a serviço da classe trabalhadora, mas em sua verdade, era
instrumento da burguesia para conter o proletariado. Conforme Martinelli (2011, p. 67):

Fetichizado misticamente como uma prática a serviço da classe trabalhadora,


o Serviço Social era, pois, na verdade, um importante instrumento da
24

burguesia, que tratou de imediato de consolidar sua identidade atribuída,


afastando-o da trama das relações sociais, do espaço social mais amplo da
luta de classes e das contradições que as engendram e são por ela
engendradas.

O Serviço Social, portanto, não surgiu compreendendo a contradição de


classes e atuando contra a exploração da classe trabalhadora. Com seu surgimento
ligado ao pauperismo provocado pelo agravamento da exploração das grandes
fábricas e aos valores caritativos da igreja, atuou, por muito tempo, somente no
sentido de manutenção da hegemonia vigente e como profissional de controle social.
Conforme Martinelli (2011, p. 63):

A origem do Serviço Social como profissão tem, pois, a marca profunda do


capitalismo e do conjunto de variáveis que a ele estão subjacentes -
alienação, contradição, antagonismo -, pois foi nesse vasto caudal que ele foi
engendrado e desenvolvido.

Porém, identifica-se que esse perfil, a partir dos anos 90, rompe com o Serviço
Social Tradicional, refletindo posicionamento mais crítico acerca da necessidade de
reorganização da cultura e do papel dos assistentes sociais nesse processo. Há o
avanço da construção de um projeto profissional comprometido com a emancipação
da classe trabalhadora, refletindo a negação da cultura dominante e o desejo de
construir uma nova cultura pelos trabalhadores. De acordo com Abreu (2008, p. 36):

[...] Nas últimas quatro décadas, na contracorrente desse processo, vem


avançando na sociedade brasileira a construção de um projeto profissional
vinculado a uma perspectiva emancipatória das classes subalternas. Essa
perspectiva funda-se na negação da citada cultura; portanto, tal projeto
inscreve-se no movimento em que se gesta a construção de uma nova e
superior cultura pelas referidas classes.

A partir do pós Segunda Guerra Mundial, na complexidade e contradições


inerentes ao processo fordista sob regulação do Estado a partir do modelo
keynesiano, a classe trabalhadora encontra condições de luta e resistência a esse
padrão. Esse movimento da história influenciou a prática dos assistentes sociais, para
olhar suas capacidades numa perspectiva mais emancipatória para a classe
trabalhadora. Conforme Abreu (2008, p. 66):

Isto significa dizer que a função pedagógica do assistente social, em seu


desenvolvimento, é tensionada por dois movimentos distintos: por um lado, o
movimento de formação do trabalhador fordiano no processo de organização
do americanismo e, posteriormente, do padrão cultural instaurado pelo
25

Welfare State, tendo por base o conformismo mecanicista como princípio


educativo; e, por outro, o movimento da classe trabalhadora na perspectiva
de sua emancipação, que supõe a construção de uma nova cultura, a partir
de um novo conformismo social, este movimento inscreve-se no conjunto dos
processos de luta que intensificam e marcam os anos 50-70 em todo o
mundo.

Dessa forma, percebemos que, assim como o desenvolvimento da profissão, o


desenvolvimento da capacidade pedagógica também é tensionado a partir dos
movimentos contraditórios do capital. O surgimento de ambas foi objetivado pelo
capital como forma de manutenção de sua reprodução e controle social sob o modo
de viver e pensar da classe trabalhadora, como forma de contenção de sua luta.
Conforme Martinelli (2011, p. 67):

O Serviço Social já surge, portanto, no cenário histórico com uma identidade


atribuída, que expressava uma síntese das práticas sociais pré-capitalistas -
repressoras e controlistas - e dos mecanismos e estratégias produzidas pela
classe dominante para garantir a marcha expansionista e a definitiva
consolidação do sistema capitalista

Porém, isso não significa que a profissão se conforme com essa condição,
como sendo determinista à sua atuação. Assim como a profissão se reformula em um
movimento dialético, passando por diversas transformações ao longo da história, a
capacidade pedagógica também se consolida nesse mesmo processo. O movimento
de reconceituação da profissão e o projeto ético-político dão base para uma prática
mais crítica, que atue de forma a pensar a emancipação da classe trabalhadora em
sua prática, mesmo que a profissão ainda esteja inserida nos movimentos
contraditórios aos quais são próprios da socialização capitalista. Isso se dá pelo fato
de que nenhuma ideologia tem o inteiro poder de domínio, havendo sempre a disputa
ideológica, inserida no contexto de correlação de forças, que abre possibilidades para
que o educador incentive uma nova educação. Conforme Conceição (2010, p. 52):

Isso ocorre, porque nenhuma ideologia pode dominar inteiramente, havendo


no espaço social a possibilidade de uma correlação de forças, de disputa
ideológica. Assim, apesar da prevalência da ideologia dominante, existem
espaços de contradição e compete ao educador semear, nesses espaços,
elementos de uma nova educação.

É no viés de pautar a prática profissional aos olhos do Código de Ética que


percebemos o papel atual do assistente social como um agente que colabora para a
emancipação da classe trabalhadora, tendo o potencial de estimular um olhar crítico
26

e reflexivo acerca das expressões da questão social e da condição alienante do


trabalho. Reforçamos, mais uma vez, a importância dada à cultura no processo contra
hegemônico e a necessidade de aproximação do Serviço Social desta temática.

1.4 A função social da arte e seu potencial educador

Compreender a função social da arte exige um olhar histórico para a sua


trajetória. É assimilada e utilizada em diferentes papéis, de acordo com cada
sociedade, porém, origina-se como algo necessário ao resgate da própria totalidade
do ser e de seu desenvolvimento. A sua função original se difere, em muitos aspectos,
da função social que desenvolve em diferentes sociedades ao longo da história, ou
seja, apesar de uma função original da arte, novas funções passaram a existir ao longo
do tempo. Neste tópico abordaremos a arte em sua origem e os desdobramentos e
ecos de seu papel inserido na sociedade de classes. Para isso, utilizaremos
principalmente as referências do autor Ernst Fischer (1981), cuja produção foi
essencial para melhor compreensão do tema.
Primeiramente questionamo-nos acerca da “razão de ser” da arte, em seu
sentido original. Encontramos que a arte é necessária para a união do indivíduo como
o todo, para a superação da própria fragmentação individual e para a inserção do seu

“eu” no coletivo. “A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo como o

todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de


experiências e ideias”. (FISCHER, 1981, p. 13).
O processo de trabalho, para um artista, é consciente e racional, ao qual, ao
fim de sua criação, a obra de arte é tida por ele como um objeto dominado e não o
contrário. “O artista não é consumido pela besta-fera, mas doma-a”. (FISCHER, 1981,
p. 14).
Ainda a respeito disso, Fischer (1981, p. 14) diz que:

Para conseguir ser um artista, é necessário dominar, controlar e transformar


a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma. A
emoção, para um artista, não é tudo; ele precisa também saber tratá-la,
transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos, formas e
convenções com que a natureza - esta provocadora - pode ser dominada e
sujeitada à concentração da arte.

Ora, se retornarmos ao primeiro tópico do primeiro capítulo desta monografia,


veremos a categoria da “alienação” e os seus desdobramentos para a concepção que
27

o homem tem do que produz, do processo produtivo, de si mesmo enquanto ser da


espécie e em relação aos outros homens. Portanto, a alienação faz do homem, um
ser fragmentado, desprovido de si mesmo e de suas potencialidades criativas, as
quais, o trabalho em seu sentido ontológico possibilita. Em seu sentido ontológico, o
trabalho é inerente ao ser humano e sua relação de troca com a natureza faz parte do
processo de desenvolvimento enquanto espécie e da compreensão de “ser total”.
Apenas posteriormente, com o trabalho alienado, é que o trabalho passa a ter o
sentido contrário, em que o homem se fragmenta e apenas se sente livre fora dele. O
trabalho, dessa forma, não é mais uma atividade humana que estimula as
potencialidades do homem, um lugar de criação e de autotransformação.
Resgatando o caráter alienante do trabalho, podemos prosseguir, agora
associando a “razão de ser” da arte, como forma de resgatar o “homem total” e a
condição de trabalho alienado, que provoca essa fragmentação ao qual o homem está
submetido. A arte e o trabalho estão ligados em seu sentido primordial.

No mundo alienado em que vivemos, a realidade social precisa ser mostrada


no seu mecanismo de aprisionamento, posta sob uma luz que devasse a
“alienação” do tema e dos personagens. A obra de arte deve apoderar-se da
plateia não através da identificação passiva, mas através de um apelo à razão
que requeira ação e decisão. (FISCHER, 1981, p. 15).

Originalmente, a arte se dá como uma forma de trabalho ontológico, portanto,


a arte é quase tão antiga quanto o homem. Se a arte é uma forma de trabalho e o
trabalho é uma atividade característica do homem, então a arte é uma atividade
também inerente à condição humana. No processo em que o homem descobre o
potencial de se apropriar da natureza, passa a transformá-la como se fosse um mágico
e assim, a ter mais domínio sobre si e sobre o mundo a sua volta.

O homem se apodera da natureza transformando-a. O trabalho é a


transformação da natureza. O homem também sonha com um trabalho
mágico que transforme a natureza, sonha com a capacidade de mudar os
objetos e dar-lhes novas formas por meios mágicos. Trata-se de um
equivalente na imaginação àquilo que o trabalho significa na realidade. O
homem é, por princípio, um mágico. (FISCHER,1981, p. 21).

Nessa concepção de transformação do mundo como um mágico, percebemos


o trabalho como arte e, dessa forma, a sua origem. Conforme Fischer (1981, p. 44) “A
arte era um instrumento mágico e servia ao homem na dominação da natureza e no
desenvolvimento das relações sociais”.
28

Em relação a função social da arte nesse período primitivo, evidencia-se que


era a de conferir poder sobre tudo que estava em volta do homem, no sentido de
fortalecer a sua coletividade e propiciar o domínio sobre tudo. Não havia relação com
o “belo” ou com a mera contemplação estética. A arte era tida como um instrumento
mágico, exatamente por conferir poderes para que a coletividade humana
conseguisse sobreviver e dominar a natureza.

Nos alvores da humanidade, a arte pouco tinha a ver com a “beleza” e nada
tinha a ver com a contemplação estética, com o desfrute estético: era um
instrumento mágico, uma arma da coletividade humana em sua luta pela
sobrevivência.
[...] As agitadas danças tribais que precediam uma caçada realmente
aumentavam o sentido do poderio da tribo; a pintura guerreira e os gritos de
guerra realmente tornavam o combatente mais resoluto e mais apto para
atemorizar o inimigo. As pinturas de animais nas cavernas realmente
ajudavam a dar ao caçador um sentido de segurança e superioridade sobre
a presa. As cerimônias religiosas, com suas convenções estritas, realmente
ajudavam a instilar a experiência social em cada membro da tribo e a tornar
cada indivíduo parte do corpo coletivo. O homem, aquela fraca criatura que
se defrontava com uma natureza perigosa e incompreensivelmente
aterradora, era muitíssimo ajudado em seu desenvolvimento pela magia
(FISCHER, 1981, p. 45-46).

A magia original foi se ramificando ao longo da história, conforme o


desenvolvimento do domínio humano, diferenciando-se posteriormente em religião,
ciência e arte, combinando-se umas às outras. Importante salientar a coletividade da
arte. Ela originou-se em uma produção coletiva, da sociedade para a sociedade, não
havia separação do indivíduo em relação ao grupo na sociedade primitiva. Era uma
atividade comum a todos, elevando a coletividade dos homens acima da natureza.
Apesar da substituição da comunidade primitiva pela sociedade de classes, a arte
nunca perdeu completa e inteiramente esse caráter coletivo.

A arte não era uma produção individual e sim coletiva, se bem que as
primeiras características da individualidade tenham começado a tentar
manifestar-se nos feiticeiros. A sociedade primitiva implicava uma forma
densa e fechada de coletivismo. Nada era mais terrível do que ser excluído
da coletividade e ficar sozinho. A separação do indivíduo em relação ao grupo
ou à tribo significava a morte: o coletivo significava a vida e o conteúdo da
vida. A arte, em todas as suas formas - a linguagem, a dança, os cantos
rítmicos, as cerimônias mágicas - era a atividade social par excellence,
comum a todos e elevando a todos os homens acima da natureza, do mundo
animal. A arte nunca perdeu inteiramente esse caráter coletivo, mesmo muito
depois da quebra da comunidade primitiva e da sua substituição por uma
sociedade dividida em classes. (FISCHER, 1981, p. 47).
29

A função social da arte não permanece a mesma. Ao longo do tempo e de sua


inserção em diferentes modelos produtivos, por exemplo, ela exerce diferentes papéis,
transformando-se à medida que o mundo se transforma. Conforme Fischer (1981, p.
16) “a razão de ser da arte nunca permanece inteiramente a mesma. A função da arte,
numa sociedade em que a luta de classes se aguça, difere, em muitos aspectos, da
função original da arte”.
O que se percebe é que a arte é condicionada pelo seu tempo e momento
histórico, representando as ideias e aspirações de um povo, ao mesmo tempo em que
supera essa condicionalidade, atuando também na criação de um momento de
humanidade naquele período. De acordo com Fischer (1981, p. 17):

Podemos colocar a questão da seguinte maneira: toda arte é condicionada


pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com as ideias e
aspirações, as necessidades e as esperanças de uma situação histórica
particular. Mas, ao mesmo tempo, a arte supera essa limitação e, de dentro
do momento histórico, cria também um momento de humanidade que
promete constância no desenvolvimento.

A arte, dessa forma, não é uma mera descrição cíclica do mundo real, ela é
crítica, propicia a identificação da individualidade com o coletivo, de conseguir
enxergar aquilo que o ser não é, mas pode vir a ser… com o papel de ajudar o homem
a não só reconhecer-se, mas a pensar e transformar a realidade social ao qual está
inserido. “Sua função concerne sempre ao homem total, capacita o “Eu” a identificar-
se com a vida de outros, capacita-o a incorporar a si aquilo que ele não é, mas tem
possibilidade de ser.” (FISCHER,1981, p. 19).
Com o início da sociedade de classes, da divisão do trabalho, do aparecimento
da propriedade privada e do Estado, a sociedade e a arte sofrem alterações em seu
papel. Agora o trabalho já não era mais de relação com a natureza e, à medida que
os homens vão se apartando da natureza e deixando de ser uno com ela, trazendo
cada vez mais a individualidade para o seu modo de agir e pensar, menos harmonia
os homens encontram, menos reconhecem a si mesmos.

Na medida em que os homens se vão separando cada vez mais da natureza,


na medida em que a unidade tribal vai sendo gradualmente destruída pela
divisão do trabalho e pela propriedade privada, o equilíbrio entre o indivíduo
e o mundo exterior vai sendo cada vez mais perturbado. A falta de harmonia
com o mundo exterior conduz à histeria, aos transes, aos acessos de loucura
[ …] (FISCHER,1981, p. 49).
30

A arte, então, foi recrutada para exercer outro papel para cada classe: dar voz
aos seus próprios interesses particulares. Por um lado, uma arte que perpetua e
glorifica a manutenção da classe dominante, por outro, uma arte que ecoa os
interesses de justiça e manifestações contra a nova sociedade centralizada na
propriedade privada e na fragmentação.

Numa sociedade dividida em classes, as classes procuram recrutar a arte - a


poderosa voz da coletividade - a serviço de seus propósitos particulares. [...].
De um lado, encontramos a glorificação apolínea do poder e do status quo,
dos reis, dos príncipes, das famílias aristocráticas e da ordem social
estabelecida por elas, refletindo-lhes a visão ideológica de maneira a fazê-la
passar por imagem da ordem universal. De outro lado, havia uma revolta
dionisíaca de baixo para cima, a voz da antiga comunidade destruída que se
refugiava em sociedades e cultos secretos, protestando contra a violação e
fragmentação da sociedade, contra a hubris da propriedade privada e contra
a maldade da classe dominante, preconizando retorno aos velhos tempos e
aos velhos deuses, bem como anunciando a vinda de uma idade de ouro de
bem comum e justiça. (FISCHER, 1981, p. 51).

Nesse início, mesmo com a divisão de classes que se instaurava e todas as


consequências que a mesma gerou na sociedade e alterações que provocou na
função social da arte, o artista continuou sendo visto como o representante da
sociedade e do coletivo, sua função era refletir as ideias de seu povo e classe.
Segundo Fischer (1981, 52):

A tarefa do artista era expor ao seu público a significação profunda dos


acontecimentos, fazendo-o compreender claramente a necessidade e as
relações essenciais entre o homem e a natureza e entre o homem e a
sociedade, desvendando-lhe o enigma dessas relações.

Se, então, a sociedade de classes provocou fragmentação e perda de


totalidade, a função do artista era - e em certa medida ainda é - restaurar a unidade
perdida. O artista tem como função e missão atuar na suspensão dessa fragmentação
contribuindo, através de sua arte, o retorno dos seres ao “eu” enquanto ser total.
Com o avanço da sociedade de classes e com o aumento de sua complexidade,
a individualização foi ganhando espaço, afetando, também, a arte. Pagou-se um
grande preço com a complexidade das relações sociais e de produção, distanciando
os homens da natureza e de si mesmos.

Na realidade, o homem pagou um preço colossal por sua elevação a formas


de maior complexidade e maior produtividade social. Em consequência da
diferenciação de habilidades, da divisão do trabalho e da separação das
classes, ele se alienou não só da natureza como de si mesmo. O padrão
31

complexo da sociedade representou uma dissolução nas relações inter-


humanas: o crescente enriquecimento social representou, em muitos
aspectos, um crescente empobrecimento humano. (FISCHER, 1981, p. 52).

A individualização foi marcada com o surgimento da classe dos navegadores


comerciantes, cuja individualização e heroísmo marcavam suas grandes viagens.

Isso aconteceu quando uma nova classe social, a dos navegadores


comerciantes, surgiu na história: uma classe que tanto tinha a ver com a
evolução da personalidade humana. [...] Um Aquiles ou um Ulisses só podiam
ser concebidos longe do solo pátrio; em casa, eles não eram heróis
individuais, eram meros representantes de suas nobres famílias [...] O
navegador comerciante era algo bem diverso: um “self-made man”
desprendido de tudo, acostumado a arriscar a vida, subordinado não à rotina
conservadora do plantio e da colheita da terra, mas à inconstância e
mutabilidade do mar, que tanto podia elevá-lo como fazê-lo
naufragar. (FISCHER, 1981, p. 53).

Tal individualidade em ascensão junto à elevação do dinheiro e do comércio,


desumanizou as relações sociais. O “eu” passou a se sobressair em relação ao
coletivo. Mas, mesmo assim, o coletivo não havia desaparecido totalmente dessas
personalidades que surgiam. Ainda havia o elemento coletivo em cada indivíduo, não
o haviam abandonado totalmente.

O novo individualismo, entretanto, ainda se continha dentro dos limites de


uma ampla armação coletiva. A personalidade era o produto de novas
condições sociais; a individualização não era algo que acontecesse
excepcionalmente com um homem ou com alguns poucos homens, mas um
desenvolvimento que se repartia entre muitos e se tornava comunicável, de
vez que toda comunicação pressupõe um fator comum. Se existisse em todo
mundo um único “Eu”, consciente de si mesmo, erguido ante a coletividade,
seria absurdo tentar comunicar essa condição única. (FISCHER,1981, p. 55).

Na arte, mesmo com a subjetividade desenvolvida pela individualidade, o


artista, ao descrever seus próprios sentimentos para a coletividade, não está sendo
de todo individual. Porém, ainda assim, não há retorno à coletividade como um dia
fora nas sociedades primitivas.

Um artista só pode exprimir a experiência daquilo que seu tempo e suas


condições sociais têm para oferecer. Por essa razão, a subjetividade de um
artista não consiste em que a sua experiência seja fundamentalmente diversa
da dos outros homens de seu tempo e de sua classe, mas consiste em que
ela seja mais forte, mais consciente, mais concentrada. A experiência do
artista precisa apreender as novas relações sociais de maneira a fazer que
outros também venham a tomar consciência delas; ela precisa dizer hic tua
res agitur. Mesmo o mais subjetivo dos artistas trabalha em favor da
sociedade. Pelo simples fato de descrever sentimentos, relações e condições
que não haviam sido descritos anteriormente, ele canaliza-os do seu “Eu”
32

aparentemente isolado, para um “Nós”; e este “Nós” pode ser reconhecido


até na subjetividade transbordante da personalidade de um artista.
(FISCHER, 1981, p. 56-57).

Nesse período, os artistas também sentiam esse conflito da nova


individualidade surgente através de sua própria consciência coletiva e a função
original da arte de ser voz da coletividade - através das demandas próprias da
comunidade a qual ele pertencia. Mas até esse período, ainda conseguiam conciliar
tais demandas e ter a liberdade artística de tratar de quaisquer temas que viessem do
povo.
Na medida em que o conflito de classes novamente explodiu, as contradições
e desigualdades se tornaram mais agudas e o capitalismo se instaurou, a arte sofreu
grande transformação e os artistas encontraram em uma situação difícil e
problemática, afinal, tudo se transformou em mercadoria. Conforme Fischer (1981, p.
58):

Numa sociedade em decadência, a arte, para ser verdadeira precisa refletir


também a decadência. Mas, ao menos que ela queira ser infiel à sua função
social, a arte precisa mostrar o mundo como passível de ser mudado. E ajudar
a mudá-lo.

A arte no capitalismo, quando o mesmo percebeu que ela poderia trazer lucros,
se desenvolve enquanto mercadoria e, o artista, enquanto produtor de tais
mercadorias. As relações humanas diretas e a coletividade perderam completamente
o espaço para uma sociedade alienada de si e da realidade social. Aqui, a então obra
de arte que antes era desenvolvida consciente e racionalmente pelo artista e
reconhecida ao final como resultado dominado, agora exerce função contrária: sua
obra, na sociedade capitalista, subordina-se às leis do mercado e da competição, ou
seja, domina-o.

[...] O patrocinador individual foi invalidado por um mercado livre no qual a


avaliação das obras de arte se tornava difícil, precária, e onde tudo dependia
de um conglomerado anônimo de consumidores chamado “público”. A obra
de arte foi sendo cada vez mais subordinada às leis da competição.
(FISCHER, 1981, p. 59).

O artista não é tido mais como representante da coletividade, mas sim


estimulado às “liberdades individuais”, à subjetividade e ao ser que é domado apenas
33

pelas emoções. Pela primeira vez era exaltada a individualidade e subjetividade do


artista.

Pela primeira vez na história da humanidade, o artista aparecia como artista


“livre”, personalidade “livre”, desfrutando uma liberdade que chegava ao
absurdo, que chegava à mais gélida das solidões. A arte tornou-se uma
ocupação meio romântica, meio comercial. (FISCHER, 1981, p. 60).

Inicialmente, a arte não era valorizada pelo capitalismo. Portanto, só é


recrutada por estes, quando percebe que a arte pode ser lucrativa e quando “precisa
dela como embelezamento de sua vida privada ou apenas como um bom
investimento” (FISCHER, 1981, p. 61).
Porém, com todas as contradições inerentes ao sistema capitalista, deu origem
a novos sentimentos e ideias e proporcionou meios para que os artistas pudessem se
expressar. “Desse modo, ao mesmo tempo que o capitalismo era basicamente hostil
à arte, favorecia o seu desenvolvimento, ensejando a produção de grande quantidade
de trabalhos multifacetados, expressivos e originais”. (FISCHER, 1981, p. 61).
Após 1848, ano de colapso da revolução democrático-burguesa na Europa, a
arte decaiu. A sua inserção no mundo capitalista desenvolvido havia acontecido junto
a materialização das relações sociais, ao caráter alienante do trabalho e à
fragmentação do ser humano em relação a ele mesmo. Conforme Fischer (1981, p.
62):

O período artístico brilhante da burguesia estava chegando ao fim. Os artistas


e as artes entravam no mundo capitalista da produção de mercadorias em
sua forma desenvolvida, com sua completa alienação do ser humano, com a
exteriorização e materialização de todas as relações humanas, com a divisão
do trabalho, a fragmentação e a rígida especialização, com o obscurecimento
das conexões sociais e com o crescente isolamento e a crescente negação
do indivíduo.

Agora “o artista sincero e humanista autêntico já não podia afirmar semelhante


mundo. Já não podia acreditar, de posse de uma clara consciência, que a vitória da
burguesia significava a vitória da humanidade”. (FISCHER, 1981, p. 63).
Nos tempos atuais, com o avanço do capitalismo neoliberal e os
engendramentos da divisão do trabalho, percebemos cada vez mais o distanciamento
dos homens de seu sentido humanizante, cada vez mais destituídos de si mesmos e
ao mesmo tempo cada vez mais individualizados e, a arte, como forma de trabalho e
enquanto categoria inserida na socialização capitalista acompanha tais
34

consequências. A arte enquanto mercadoria se torna alienante tanto aos artistas,


quanto ao acesso dos homens à arte criada, restringindo-se apenas a uma parcela da
população com acesso à essa atividade. Apesar disso, a arte, enquanto representante
de determinado momento histórico, mas ao mesmo tempo com a capacidade de
exprimir novas ideias nesse momento histórico, transformando e reintegrando o “eu”
individual ao homem total coletivo, tem um forte papel na formação de uma nova
consciência de classes.
O potencial educador da arte, assim como a função pedagógica dos assistentes
sociais, possui dupla possibilidade: pode atuar no sentido de manutenção da
hegemonia dominante pela classe burguesa ou, no sentido de transformar a
sociedade de classes, visando a luta contra hegemônica. Conforme Conceição (2010,
p. 58), “nota-se, aqui, a relação da arte com a educação: que carregada de uma
determinada ideologia, a arte pode tanto servir à manutenção da hegemonia
dominante, como pode ter por função a libertação e a transformação do homem”.
Portanto, através da arte emancipadora é possível pensar na formação de uma
consciência mais crítica e revolucionária, onde os sujeitos conseguem, através da
arte, compreender a mecânica do funcionamento social, entendendo os lugares aos
quais estão inseridos e as expressões da questão social ao qual vivenciam, e
concluírem ações transformadoras que podem contribuir para a transformação da
cultura dominante.
Através dessa breve passagem histórica pela trajetória da arte, desde sua
origem, podemos compreender um pouco melhor a respeito da função social da arte
e de como ela pode ser utilizada pelos assistentes sociais em sua prática profissional,
alinhando a função educativa emancipatória da arte ao caráter pedagógico da
profissão. Em uma sociedade fragmentada e alienada, a arte é essencial para que o
sujeito possa reintegrar-se, compreender a realidade e transformá-la. Funciona como
uma espécie de libertação do caráter alienante da divisão do trabalho, possibilitando
um olhar mais crítico para a própria existência.

Só a arte pode fazer todas essas coisas. A arte pode elevar o homem de um
estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total. A arte capacita o
homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la como a
transformá-la, aumentando-lhe a determinação de torná-la mais humana e
mais hospitaleira para a humanidade. A arte, ela própria, é uma realidade
social. A sociedade precisa do artista, este supremo feiticeiro, e tem o direito
de pedir-lhe que ele seja consciente de sua função social. (FISCHER, 1981,
p. 57).
35

No subtópico seguinte serão abordados três eixos, que seriam os tipos de arte
que coexistem nas contradições da sociedade capitalista conforme Canclini (1984).
Tomamos como importante a abordagem desses três eixos para analisarmos as
características de cada arte e qual delas atua em um sentido político mais crítico, de
forma a contribuir com a emancipação da classe trabalhadora.

1.4.1 Arte elitista, arte para as massas e arte popular.

Na sociedade capitalista, de acordo com as consequências e desdobramentos


de sua exploração, a arte também sobrevive em um processo contraditório. Não
podemos ignorar a correlação de forças inerentes ao movimento das classes sociais
e os reflexos da mesma na função social que a arte tem a exercer nesse tempo.
Acerca da função social da arte na contemporaneidade e na complexidade capitalista,
Canclini (1984) fala de três eixos da arte que coexistem na sociedade capitalista
moderna: arte elitista, arte para as massas e arte popular. Importante observarmos as
características específicas de cada uma, para identificarmos qual arte é produzida do
povo para o povo e qual arte é produzida pela burguesia para ela mesma e também
para o povo. Através dessas categorias também é possível questionarmos qual o tipo
de arte que se conecta ao objetivo de controle ideológico da classe dominante e qual
o tipo de arte que resgata a coletividade e propicia ao homem enxergar-se enquanto
ser total. O autor compreende que os três níveis de arte não são isolados, coexistindo
conjuntamente na sociedade capitalista de acordo com a produção.
A arte elitista é produzida pela burguesia, com o intuito de ser apreciada pela
própria burguesia. Aqui, o artista é valorizado pela originalidade de sua criação
subjetiva como expressão de emoções e sentimentos. A arte é tida como expressão
individual, ignorando-se a coletividade. A obra de arte é fetichizada e aparece como
resultado do processo intuitivo de seu criador. Tal arte não é acessível ao grande
público.

Arte elitista, originada da burguesia, mas que inclui também setores


intelectuais da pequena burguesia, privilegia o momento da produção,
entendida como criação individual: supõe que o artístico se realiza,
inapreensivelmente, no gesto criador, e substancializa-se na obra de arte[...]
(CANCLINI, 1984, p. 49).
36

A arte para as massas é produzida pela burguesia ou por alguém que esteja ao
serviço dela, para o grande público. Há dois objetivos: ideológico e econômico. Aqui
se objetiva a disseminação da ideologia burguesa e seu controle sobre o proletariado,
com temas de fácil acesso pelas massas. E objetiva-se o lucro aos donos difusores
desse tipo de arte. Sua ênfase é na distribuição da arte como produto, não se
importando com a qualidade da mesma.

A arte para as massas, produzida pela classe dominante, ou por especialista


a seu serviço, tem por objetivo transmitir ao proletariado e às camadas
médias a ideologia burguesa, e proporcionar lucros aos donos dos meios de
difusão. Tem como centro o segundo momento do processo artístico, a
distribuição, tanto por razões ideológicas como econômicas[...] (CANCLINI,
1984, p. 49).

A arte popular é produzida pela classe trabalhadora ou por artistas que


representem seus interesses, sem objetivação mercantil. O foco é o prazer de
produzir, unindo a sensibilidade e criatividade ao conhecimento e capacidade de ação.
Essa arte é vista como a possibilidade de libertação e humanização da classe
trabalhadora, cooperando para o dimensionamento da realidade ao qual os sujeitos
estão inseridos, proporcionando reflexões críticas acerca do funcionamento social.

[...] A arte popular, produzida pela classe trabalhadora ou por artistas que
representam seus interesses e objetivos, põe toda a sua tônica no consumo
não mercantil, na utilidade prazerosa e produtiva dos objetos que cria, não
em sua originalidade ou no lucro que resulte da venda; [...] (CANCLINI, 1984,
p. 49).

Ao observarmos os três níveis de acordo com o autor, acreditamos que a arte


popular é aquela pela qual os seres têm uma maior possibilidade de se libertarem,
combatendo a fragmentação de si e se elevando a um nível maior de percepção do
coletivo. Percebemos nessa função um maior cunho político, confrontando a indústria
cultural capitalista e a exploração da classe trabalhadora. Essa, portanto, é a função
social da arte que mais se aproxima ao seu sentido original, de observar e transformar,
pelo bem coletivo. É essa a concepção de arte que pretendemos nos aproximar neste
trabalho, não entendendo aqui, portanto, a “arte pela arte”, em seu sentido subjetivo.
37

CAPÍTULO 2 – TEATRO: UMA DIMENSÃO DE ARTE E CULTURA

Neste capítulo, abordaremos a dimensão da arte a qual nos propomos focar


neste TCC: o teatro. Conforme Scherer (2013, p. 88) “o teatro pode ser visto como
uma prática social, pois tem o poder de questionar a sociedade, fazendo o homem
pensar criticamente o seu cotidiano, materializando, assim, uma manifestação
artística crítica”. Ao longo da história, o teatro, assim como as diversas dimensões da
arte, foi utilizado de diferentes formas, ora como voz do povo, ora como instrumento
de domínio da classe hegemônica. Portanto, essa dimensão da arte também passa
por transformações fundamentais que marcam a sua função social ao longo do tempo.
Boal (2011, p. 11) afirma que a discussão acerca da relação entre o teatro e a
política é antiga, desde antes de Aristóteles discute-se tal relação. Por um lado, há os
que defendem que a arte é estética e contemplação. Por outro, os que defendem que
a arte é política e representa visão e posicionamento no mundo. De acordo com o
autor:

A discussão sobre as relações entre o teatro e a política é tão velha como o


teatro...ou como a política. Desde Aristóteles, e desde muito antes, já se
colocavam os mesmos temas e argumentos que ainda hoje se discutem. De
um lado se afirma que a arte é pura contemplação e, de outro, que, pelo
contrário, a arte apresenta sempre uma visão do mundo em transformação e,
portanto, é inevitavelmente política, ao apresentar os meios de realizar essa
transformação, ou de demorá-la. (BOAL, 2011, p. 11)

Para o autor, o teatro é necessariamente político, tendo em vista que todas as


atividades do homem são políticas e que o teatro é uma delas, sendo tido como uma
arma muito eficiente a qual devemos lutar. “Os que pretendem separar o teatro da
política, pretendem conduzir-nos ao erro - e esta é uma atitude política” (BOAL, 2011,
p. 11).
Conforme Boal (2011), em seu surgimento, “Teatro” era o povo cantando ao ar
livre, era tido como uma festa, um momento democrático ao qual era permitido a todos
participar. Não haviam protagonistas ou a divisão do palco e da plateia.
Posteriormente, a aristocracia veio para estabelecer divisões, quando somente
algumas pessoas passaram a ir ao palco enquanto a massa permanece sentada,
passiva ao que está sendo transmitido no palco. Pensando em transmitir
eficientemente a ideologia dominante, a aristocracia estabeleceu uma nova divisão no
próprio palco. Dessas pessoas que passaram a subir no palco, algumas agora seriam
38

protagonistas e os demais seriam o coro, simbolizando a massa que estava ali


presente, apenas assistindo passivamente ao espetáculo que antes era feito do povo
para o povo e agora havia se tornado uma forma de domínio desse mesmo povo.
Conforme Boal (2011) a burguesia veio e com a Poética da Virtù3, de
Maquiavel, transformou esses protagonistas conforme seus próprios interesses:
deixaram de ser objetos de valores morais e passaram a ser sujeitos
multidimensionais, afastados do povo. Bertolt Brecht, com influências marxistas,
responde a estas poéticas. O sujeito volta a ser objeto, porém, objeto de forças sociais,
onde o ser social é quem determina o pensamento.
É o método do Teatro do Oprimido, idealizado e implementado pelo teatrólogo
brasileiro Augusto Boal que, nos tempos atuais e sob a influência de Brecht, busca a
destruição das barreiras criadas pela classe dominante através do próprio teatro.
Nesse sentido, todos devem representar e protagonizar o espetáculo e as
transformações da sociedade. De acordo com Boal (2011, p. 12) acerca do seu
método:

Primeiro se destrói a barreira entre atores e espectadores: todos devem


representar, todos devem protagonizar as necessárias transformações da
sociedade [...] depois destrói-se a barreira entre os protagonistas e o Coro:
todos devem ser, ao mesmo tempo, coro e protagonistas - é o “Sistema
Coringa”. Assim tem que ser a “Poética do Oprimido”: a conquista dos meios
de produção teatral.

Entendendo o Teatro do Oprimido como um recurso do qual os assistentes


sociais podem e devem recorrer, este capítulo pretende dar um passo de aproximação
até esse método, compreendendo o contexto em que surge o Teatro do Oprimido e o
que ele propõe. Posteriormente articularemos a relação entre o Teatro do Oprimido e
o Serviço Social, refletindo acerca dessa aproximação.

3 A Virtù trata-se da capacidade do príncipe em controlar as ocasiões e acontecimento do seu governo.


Maquiavel não define virtù, mas a utiliza em um contexto na qual designa como um agente político
deve possuir capacidade, inteligência e sagacidade para transformar a realidade política.” (POYER,
2013, p. 8)
39

2.1 O Teatro do Oprimido

O Teatro do Oprimido é um método teatral desenvolvido pelo teatrólogo


brasileiro Augusto Boal, nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 1931 4. A trajetória
de Boal é marcada pela forte ligação com a realidade social e com o poder que a
cultura tem de transformar tal realidade. Desde criança, Boal ensaiava, dirigia e
apresentava suas próprias peças para os seus familiares, datando daquela época a
sua admiração pelos atores e pelo fazer teatral. Em sua autobiografia, Boal (2000, p.
82) conta:

Minha admiração pelos atores data daqueles espetáculos. Tenho certeza


que, a partir da primeira experiência com meus irmãos, adotei a ideia fixa de
fazer teatro. Assim que a minha primeira temporada teatral infantil acabou,
começou meu desejo de ser artista. Sou!.

Quando adolescente, estudou e formou-se em Engenharia Química.


Posteriormente, em 1953, quando seu pai lhe permitiu e condicionou fazer uma
especialização na área, Boal aproveitou a oportunidade para estudar teatro na
Universidade de Columbia, em Nova York, e desde então, aproximou-se novamente
do teatro. Boal (2000, p. 116) diz:

Meu pai me deu o direito a um ano de especialização no exterior. Podia


estudar um ano inteiro. Engenharia Química, bem entendido. Pensei na
França (tinha visto espetáculos franceses no Municipal), e nos Estados
Unidos (gostava de O’Neill, Miller, Williams…). Mas teria que estudar
plásticos e petróleo misturados com teatro.

Voltou para o Brasil em 1955, para ser diretor no Teatro Arena, em São Paulo.
O Arena era um espaço pequeno, porém, um espaço para se fazer grandes
revoluções estéticas. Em meio à escassez de recursos, a criatividade dos artistas foi
e é essencial para fazer essa limitação se tornar um estímulo para protagonizar
transformações. Boal (2000, p. 139) conta que:

José Renato mostrou a miúda arena, minúsculos metros quadrados, cinco


por cinco. Pouco maior que a sala de jantar. Devagar entendi que era ali a
arena do Arena. Naquele pequenino ali mesmo, ali deveríamos fazer
revoluções estéticas… Algumas, com estudo e trabalho, fizemos! Escassez
é limitação, não vamos elogiar a falta de recursos como se fosse bênção
divina; desejar a carência - absurdo! O artista, no entanto, não choraminga.

4 Augusto Boal faleceu em 2 de maio de 2009, aos 78 anos, por insuficiência respiratória. O diretor
teatral faleceu no Rio de Janeiro, onde trabalhou no Centro do Teatro do Oprimido até a data de sua
morte.
40

Com desejo e arte, falta de meios pode ser estímulo. Em nossos países
escravizados estamos condenados à criatividade!

Durante a ditadura militar, Boal foi preso e torturado. Primeiramente, foi


sequestrado. Depois torturaram-no e prenderam sem que sua família soubesse de
seu paradeiro. Enquanto era torturado, a equipe de torturadores leu a lista de
acusações graves entre os quais que dizia que Boal difamava o Brasil quando viajava
ao exterior ao afirmar que no Brasil existia tortura. Boal (2000, p. 277) diz que:

O chefão telefonava, contava que me tinha algemado: artista conhecido,


estava orgulhoso pela captura - eu servia à sua vanglória. Vagaroso, sem
me olhar, examinou informações. Adjetivos: Subversivo, rebelde, revoltoso,
autor de textos contra o governo, publicados no estrangeiro. Nenhum
substantivo ou fato incriminador.

Exilou-se na Argentina, onde permaneceu por 5 anos e, querendo fazer teatro,


porém com receio de ser preso novamente, iniciou o “Teatro Invisível”. Em 1973 vai
para o Peru, onde desenvolve o Teatro Fórum em um programa de alfabetização
integral. No Equador, desenvolve, com populações indígenas, o Teatro Imagem.
Muda-se para Portugal e continua consolidando seu trabalho com o Teatro do
Oprimido. Em 1978, Boal estabelece-se em Paris, local onde cria o primeiro centro de
pesquisa e difusão do Teatro do Oprimido, época em que desenvolve o “Arco-Íris do
desejo” - outra técnica do Teatro do Oprimido - em parceria com sua esposa, Cecília
Boal.
Boal retorna definitivamente ao Brasil no ano de 1986, quando cria o Centro do
Teatro do Oprimido5, que resiste até hoje no Rio de Janeiro, mesmo após a sua morte,
em 2009, difundindo o Teatro do Oprimido através da multiplicação do método. As
técnicas do Teatro do Oprimido buscam democratizar o fazer teatral, criando
condições para que o oprimido se aproprie das possibilidades oferecidas pelo teatro,
ampliando assim as suas próprias formas de expressão.
O Teatro do Oprimido não objetiva apenas conhecer a realidade, mas sim
transformá-la, com viés claro a favor dos oprimidos. A intervenção é tida como o início
de uma transformação social, uma atividade política, e não apenas um momento de
contemplação e repouso. De acordo com Boal (2009, p. 215):

5 O Centro de Teatro do Oprimido localiza-se no centro do Rio de Janeiro e há mais de 30 anos é o


espaço oficial de disseminação do método. No centro são ministradas oficinas de capacitação para
reprodução do Teatro do Oprimido. O espaço funciona como um centro de pesquisa e difusão da
criação de Augusto Boal.
41

A meta principal do TO é, através dos meios estéticos, descobrir e conhecer


a sociedade em que vivemos e, sobretudo, transformá-la. Sempre. Em todas
as intervenções que fazemos, esse é o nosso desejo. Por essa razão,
dizemos que um espetáculo ou evento do TO não termina quando acaba:
sempre procura deixar raízes.

Conforme Boal (2011, p. 19) “O Teatro do Oprimido, em todas as suas formas,


busca sempre a transformação da sociedade no sentido da libertação dos oprimidos.
É ação em si mesmo, e é preparação para ações futuras”. O método conta com uma
enorme diversidade de técnicas que correspondem a novas necessidades que
surgem. Essas técnicas se complementam e formam a árvore do Teatro do Oprimido
e nenhuma é abandonada com o surgimento de outras. Conforme Boal (2011, p. 15):

A enorme diversidade de Técnicas e de suas aplicações possíveis - na luta


social e política, na psicoterapia, na pedagogia, na cidade como no campo,
no trato com problemas pontuais em uma reunião da cidade ou nos grandes
problemas econômicos do país inteiro - não se afastaram, nunca, um
milímetro sequer, de sua proposta inicial, que é o apoio decidido do teatro às
lutas dos oprimidos.

Para compreendermos melhor este método, analisaremos a “Árvore do Teatro


do Oprimido” explicada por Boal (2011) e o que cada parte simboliza. Essa Árvore se
origina no mesmo solo fértil da Ética e da Política, da História e da Filosofia e é lá que
ela vai buscar nutrientes que norteiam as técnicas. A árvore tem raízes, tronco, galhos
e copas. De acordo com Boal (2009, p. 185):

O TO é uma Árvore Estética: tem raízes, tronco, galhos e copas. Suas raízes
estão cravadas na fértil terra da Ética e da Solidariedade, que são sua seiva
e fator primeiro para a invenção de sociedades não opressivas. Nessa terra
coexistem o remanescente instinto predatório animal e o avanço humanístico.
Na terra, vemos a miséria do mundo; nas copas, o sol da manhã.
42

Fotografia 1 - Árvore do Teatro do Oprimido

Fonte: Fotografia tirada do livro “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas” (BOAL, 2011, p. 16)

A Estética do Oprimido em si, busca desenvolver a capacidade de perceber o


mundo através de todas as artes e não apenas do teatro. Esse processo se dá
centralizado na Palavra (todos devem escrever poemas e narrativas); no Som
(invenção de novos instrumentos e de novos sons); e na Imagem (pintura, escultura e
fotografia). Tais elementos estão localizados nas raízes da árvore.
No tronco da árvore surgem, primeiramente, os Jogos. A importância dos jogos
diz respeito à duas características que os jogos carregam, que são essenciais na vida
em sociedade. A primeira, porque os jogos possuem regras, assim como a sociedade
possui leis necessárias. A segunda, porque os jogos necessitam de liberdade criativa
para que não se transformem apenas na obediência, sem questionamentos. Essas
regras valem para a vida em sociedade e por esse motivo os jogos se encontram no
tronco da árvore. Conforme Boal (2011, p. 16) isso se dá:
43

[...] porque reúnem duas características essenciais da vida em sociedade:


possuem regras, como a sociedade possui leis, que são necessárias para
que se realizem, mas necessitam de liberdade criativa para que o Jogo, ou a
vida, não se transforme em servil obediência. Sem regras não há Jogo, sem
liberdade não há vida.

Além dessa metáfora, os Jogos também ajudam a desmecanizar os corpos e


as mentes alienadas às tarefas repetitivas do trabalho e da vida cotidiana. Cria-se,
através da alienação do corpo, máscaras musculares de comportamento. Os jogos
são importantes para tirar essa mecanicidade, criando diálogos sensoriais fluidos que
exigem a criatividade dos participantes. Conforme Boal (2011, p. 16):

O corpo, no trabalho como no lazer, além de produzi-los, responde a


estímulos que recebe, criando, em si mesmo, tanto uma máscara muscular
como outra de comportamento social que atuam, ambas, diretamente sobre
o pensamento e as emoções que se tornam, assim, estratificadas. Os Jogos
facilitam e obrigam a essa desmecanização sendo, como são, diálogos
sensoriais onde, dentro da disciplina necessária, exigem a criatividade que é
a sua essência.

Através da invenção da palavra, o ser humano pode comunicar-se e expressar


o que sente. Foi uma grande invenção, porém, atrofia as nossas outras formas de
percepção. Na perspectiva de que a Arte é exatamente a busca de verdades através
dos nossos aparelhos sensoriais, o Teatro do Oprimido contém técnicas que
dispensam o uso da palavra. O Teatro Imagem, por exemplo, também presente no
tronco da Árvore, busca o desenvolvimento dessas outras formas perceptivas. Usa-
se o corpo, expressões, distâncias, cores e objetos, ampliando a visão sinalética dos
participantes.
No tronco da Árvore também se encontra e, por último, o Teatro Fórum, uma
das formas mais conhecidas e praticadas de Teatro do Oprimido. Nessa Técnica, os
espectadores (spect-atores6) são convidados a entrar em cena, tendo a oportunidade
de atuar os seus próprios pensamentos e reflexões, intervindo durante o espetáculo
acerca do tema abordado, podendo oferecer alternativas por eles mesmos pensadas.
“O espetáculo é o início de uma transformação social necessária e não um momento
de equilíbrio e repouso. O fim é o começo!” (BOAL, 2011, p. 19).
No solo o qual essa árvore está plantada, percebemos dois componentes que
compõem fortes características do Teatro do Oprimido: A Ética da Solidariedade,

6 Boal entende que os participantes do teatro do oprimido nunca são apenas espectadores. São, ao
mesmo tempo, espectadores e atores.
44

quando o Teatro do Oprimido aumenta o seu poder transformador e une os diversos


grupos de oprimidos, promovendo a Solidariedade entre semelhantes, quando os
mesmos passam a conhecer não só as próprias opressões, mas também as
opressões alheias; e a Política da Multiplicação, que representa os frutos que caem
no solo, com a capacidade de multiplicar o método do Teatro do Oprimido. É assim
que ele cresce e se desenvolve, alcançando cada vez mais grupos de oprimidos pelo
mundo.
As folhas da Árvore são formadas por cinco Técnicas que serão explicadas em
seguida: Teatro Jornal, Ações diretas, Teatro Legislativo, Teatro Invisível e o Arco-íris
do desejo.
O Teatro Jornal é composto por doze técnicas de transformação de textos
jornalísticos em cenas teatrais. Combina-se Imagens e Palavras, revelando
significados nas imagens que são ocultadas pelas palavras nas manchetes de jornais,
onde cada composição é pensada e parcial de acordo com os interesses da imprensa.
Conforme Boal (2011, p. 18):

O Teatro Jornal serve para desmistificar a pretensa imparcialidade dos meios


de comunicação. Se jornais, revistas, rádios e TV’s vivem economicamente
de seus anunciantes, não permitirá jamais que informações ou notícias
verdadeiras revelem a origem e a veracidade daquilo que publicam, ou a
quais interesses servem - a mídia sempre será usada para agradar aqueles
que a sustentam: será sempre a voz de seu dono!.

As Ações Diretas consistem em fazer teatro representando manifestações de


grupos organizados como protestos, marchas de camponeses, procissões laicas e
desfiles. Utiliza-se vários elementos teatrais para tal representação.
O Teatro Legislativo é a técnica que mistura o teatro aos rituais convencionais
para a criação de um projeto de lei. A partir da problemática do espetáculo, os
participantes podem opinar e sugerir um projeto de lei que solucione ou amenize o
problema. Ao final do espetáculo, segue-se para o encaminhamento burocrático para
apresentação das propostas aos legisladores.
O Teatro Invisível é uma forma de teatro não revelada, onde os atores têm seu
roteiro ensaiado, mas não revelam a atuação no momento da execução da cena.
Apresenta-se entre o povo, que permeia entre o que é realidade e o que é ficção. O
público, nessa forma de teatro, pode intervir a qualquer momento na busca por
soluções. Conforme Boal (2011, p. 20)
45

O espetáculo invisível pode ser apresentado em qualquer lugar onde sua


trama poderia realmente ocorrer ou teria já ocorrido (na rua ou na praça, no
supermercado ou na feira, na fila do ônibus ou do cinema…). Atores e
espectadores encontram-se no mesmo nível de diálogo e de poder, não
existe antagonismo entre a sala e a cena, existe superposição.

Por último, o Arco-íris do Desejo utiliza-se de técnicas introspectivas que,


através de Palavras e, principalmente, de Imagens, permite a teatralização de
opressões introjetadas pelo interior de cada um dos participantes. Apesar de buscar
em cada indivíduo suas opressões, o objetivo da técnica é mostrar que tais opressões
têm sua origem na vida social.
A Árvore do Teatro do Oprimido busca, portanto, assim como toda árvore,
florescer e dar frutos que se multipliquem em mais frutos, cooperando para a tomada
de consciência e reflexão das opressões que os oprimidos sofrem e, para além disso,
cooperando para a transformação e extinção dessas opressões. O método busca
proporcionar a libertação do oprimido através da retomada do fazer teatral, onde o
povo volta a representar e deixa de assistir passivamente aos espetáculos. De acordo
com Boal (2011, p. 177) através do Teatro do Oprimido:

O povo oprimido se liberta. E outra vez conquista o teatro. É necessário


derrubar muros! Primeiro, o espectador volta a representar, a atuar: teatro
invisível, teatro foro, teatro imagem, etc. Segundo, é necessário eliminar a
propriedade privada dos personagens pelos atores individuais: Sistema
Coringa.

O Sistema Coringa consiste em um modo estruturado de fazer Teatro, onde


todos os atores se revezam na interpretação de todos os personagens
independentemente de características físicas ou outros motivos. Além disso, também
existe a presença clara do personagem Coringa, que conduz a narrativa, podendo
parar o espetáculo a qualquer momento, pedir para refazer cenas e outras
intervenções que o Coringa julgue necessário.
O Sistema Coringa surgiu pela primeira vez em 1965, no espetáculo “Arena
Conta Zumbi”, no Teatro de Arena de São Paulo, onde Boal foi diretor (BOAL, 2011).
Neste momento, foram utilizadas 4 técnicas: a desvinculação ator-personagem; a
perspectiva narrativa unitária; ecletismo de gênero e estilo; e o uso da música.
A desvinculação ator-personagem diz respeito à atuação em que cada ator
representa qualquer personagem na totalidade da peça, utilizando a máscara
correspondente. Conforme Boal (2011, p. 257) “[...] em Zumbi, independente dos
46

atores que representavam cada papel, procurava-se manter, em todas, a


interpretação da ‘máscara’ permanente de cada personagem interpretado”. A narrativa
unitária relaciona-se ao ponto de vista assumido no espetáculo, onde o ponto de vista
ideológico é assumido por todo o grupo que faz a encenação. De acordo com Boal
(2011, p. 259)

[...] o espetáculo deixava de ser realizado segundo o ponto de vista de cada


personagem e passava, narrativamente, a ser contado por toda uma equipe,
segundo critérios coletivos. [...] Conseguiu-se assim um nível de
‘interpretação coletiva’.

O ecletismo de gênero consiste na multiplicidade de gêneros diferentes durante


o espetáculo, onde cada cena pode ser de gêneros diferentes. Conforme Boal (2011,
p. 259) “[...] dentro do mesmo espetáculo percorria-se o caminho que vai do
melodrama mais simplista e telenovelesco à chanchada mais circense e vodevilesca
[...]”.
A quarta técnica é o uso da música, que prepara a plateia rapidamente para
receber textos simples através do lúdico. Boal (2011, p. 260) traz que “[...] a música
tem o poder de, independente de conceitos, preparar a plateia a curto prazo,
ludicamente, para receber textos simplificados que só poderão ser absorvidos dentro
da experiência simultânea razão-música.”
O personagem Coringa, outra característica que compõe esse sistema, tem a
função de narrar e conduzir o espetáculo, com semelhança de consciência a um autor
ou adaptador que tem autonomia em relação ao espaço e tempo dos personagens. O
Coringa tem o poder de criar, de inventar o que for preciso durante o espetáculo.
Também é concedido ao Coringa a premissa de poder desempenhar qualquer papel
da peça. Conforme Boal (2011, p. 276):

Sua realidade é mágica: ele a cria. Sendo necessário, inventa muros


mágicos, combates, banquetes, soldados, exércitos. Todos os demais
personagens aceitam a realidade mágica criada e descrita pelo Coringa. Para
lutar usa arma inventada, para cavalgar inventa o cavalo, para matar-se crê
no punhal que não existe. O Coringa é polivalente: é a única função que pode
desempenhar qualquer papel da peça, podendo inclusive substituir o
Protagonista nos impedimentos deste, determinados por sua realidade
naturalista.
47

A proposta do Coringa é criar um sistema permanente de fazer teatro, ou seja,


o sistema já é previamente estruturado e pode ser adaptado de acordo com os estilos,
gêneros, temas e quantidade de atores. De acordo com Boal (2011, p. 268):

No Coringa pretende-se propor um sistema permanente de fazer teatro


(estrutura de texto e estrutura de elenco) que inclua em seu bojo todos os
instrumentais de todos os estilos ou gêneros. Cada cena deve ser resolvida,
esteticamente, segundo os problemas que ela, isoladamente, apresenta.

Percebemos, portanto, que o Teatro do Oprimido é um método teatral que


abrange diversas técnicas para atingir o objetivo maior: que o povo oprimido se
aproprie novamente do fazer teatral, que tem a capacidade de tornar tais opressões
conscientes, promovendo o debate para as soluções que findem suas condições de
oprimidos. “Para que se compreenda bem esta Poética do Oprimido deve-se ter
sempre presente seu principal objetivo: transformar o povo, “espectador”, ser passivo
no fenômeno teatral, em sujeito, em ator, em transformador da ação dramática”.
(BOAL, 2011, p. 182)
Acerca dos oprimidos e opressores, é necessário que não se confunda com a
ideia comparativas entre “anjos” e “demônios”. Muitas vezes oprimidos oprimem, ao
tempo que opressores que também eram oprimidos. Boal (2011, p. 23) diz que:

Oprimidos e opressores não podem ser candidamente confundidos com anjos


e demônios. Quase não existem em estado puro, nem uns nem outros. Desde
o início do meu trabalho com o Teatro do Oprimido fui levado, em muitas
ocasiões, a trabalhar com opressores no meio dos oprimidos, e também com
alguns oprimidos que oprimiam.

A questão é que, trabalhar com os oprimidos é uma escolha filosófica, política


e social. Trabalhar com o Teatro do Oprimido já é claramente tomar partido por um
dos lados, que é o lado dos oprimidos. De acordo com Boal (2011, p. 25) “fazer Teatro
do Oprimido já é o resultado de uma escolha ética, já significa tomar o partido dos
oprimidos. Tentar transformá-lo em mero entretenimento sem consequências, seria
desconhecê-lo; transformá-lo em arma de opressão, seria traí-lo”. Ainda conforme
Boal (2011, p. 30, grifo do autor) acerca do posicionamento claro do Teatro do
Oprimido:

O Teatro do Oprimido jamais foi um teatro equidistante que se recuse a tomar


partido - é teatro de luta! É o teatro DOS oprimidos, PARA os oprimidos,
SOBRE os oprimidos e PELOS oprimidos, sejam eles operários,
48

camponeses, desempregados, mulheres, negros, jovens ou velhos,


portadores de deficiências físicas ou mentais, enfim, todos aqueles a quem
se dispõe o silêncio e de quem se retira o direito à existência plena.

Tendo, portanto, compreendido o método Teatro do Oprimido e seus objetivos,


podemos passar para o último capítulo, que visa articular esse modo de fazer teatral
à função pedagógica dos assistentes sociais, percebendo como o projeto ético-político
da categoria coopera para o uso da função social da arte que visa a emancipação dos
sujeitos e o estímulo a uma nova consciência de classes.
49

CAPÍTULO 3 – SERVIÇO SOCIAL, TEATRO DO OPRIMIDO E O PROJETO


ÉTICO-POLÍTICO

Neste último capítulo, objetivamos fazer uma articulação entre os tópicos que
já foram abordados separadamente nos capítulos anteriores. Após entendermos o que
o trabalho alienado provoca e outras consequências da sociedade capitalista, a função
pedagógica do assistente social e o que o Teatro do Oprimido propõe, podemos refletir
acerca da aproximação entre a prática profissional dos assistentes sociais e o método
teatral de Augusto Boal, quais os limites e possibilidades desse encontro.
Vimos anteriormente que tanto a função pedagógica da profissão quanto a
função social da arte carregam a possibilidade de ter um caráter de transformação
social e superação da hegemonia vigente ou de cooperação para a manutenção do
status quo. Aqui refletiremos acerca do posicionamento crítico da categoria no viés de
transformação da sociedade e quais foram os movimentos internos à profissão que
cooperaram para que sua prática seja voltada ao interesse da emancipação da classe
trabalhadora. Além disso, e como intenção principal, buscaremos relacionar as
afinidades entre o Serviço Social e o Teatro do Oprimido. Ambos vivenciaram o crítico
período da ditadura militar brasileira e, estando inseridos nesse contexto, lutaram pela
transformação dentro do espaço ao qual estavam inseridos e encontraram no
marxismo uma possibilidade de atuar de forma crítica em prol da classe trabalhadora
e dos oprimidos, buscando a sua real emancipação e acreditando que a prática
profissional crítica deve contribuir para a consciência de classes e para a
transformação social.
Aqui perceberemos que o projeto ético-político da profissão nos possibilita
afirmar que os princípios profissionais contribuem para prática profissional que atue
na defesa da classe trabalhadora. A mesma coopera para a tomada de consciência
das opressões que os sujeitos vivem, portanto, a função pedagógica atrelada à arte
tende a direcionar-se no sentido de transformação social e luta contra hegemônica.
Tal projeto ético-político crítico se desenvolveu ao longo da história e se consolidou
através do movimento de reconceituação da profissão - momento em que o Serviço
Social se apropriou da concepção marxista como norteadora da prática profissional.
De acordo com Teixeira e Braz (2009, p. 11):

[...]O que se está a dizer é que nosso projeto é expressão das contradições
que particularizam a profissão e que seus princípios e valores - por escolhas
50

historicamente definidas pelo Serviço Social brasileiro, condicionadas por


determinantes histórico-concretos mais abrangentes - colidem (são mesmo
antagônicas em sua essência) com os pilares fundamentais que sustentam a
ordem do capital.

Tendo em vista que a arte da qual os assistentes sociais devem se apropriar


tem que ser condizente com seus objetivos profissionais, ou seja, deve ser uma arte
que também vise a superação da ordem e a emancipação dos sujeitos, o Teatro do
Oprimido cabe nessa aproximação, sendo um método que também busca a
transformação social através da tomada de consciência dos oprimidos e o debate para
que os mesmos possam, além de conhecer tal realidade, modificá-la a seu favor.
Conforme Scherer (2013, p. 87):

O teatro, quando não atravessado pelos interesses do capital, abre


possibilidades de o indivíduo observar-se, ver-se em cena, ver-se no seu
cotidiano e, deste modo, ter uma visão de si mesmo e do mundo que o cerca
a partir de um ângulo que normalmente lhe é oculto.

Portanto, agora discutiremos acerca das possibilidades e potencialidades da


arte, mais propriamente do TO, para uma prática pedagógica crítica e criativa do
assistente social, condição cada vez mais exigida diante das múltiplas expressões que
a questão social tem assumido na atualidade.

3.1 Um projeto ético-político crítico: direcionador da prática profissional contra


hegemônica

O entendimento de que a aproximação do Serviço Social com o método do


Teatro do Oprimido se dá na perspectiva de transformação da realidade social e
superação da hegemonia vigente tem embasamento no projeto ético-político da
profissão. Sem o projeto que direcione a prática profissional a um viés crítico, a
capacidade pedagógica do assistente social seria restrita à sua função de manutenção
da classe dominante e do conservadorismo, portanto, atrelado à arte, a mesma
também atuaria em sua função social de manutenção da ordem. O atual projeto, pelo
contrário, vincula-se à concepção de transformação da sociedade e emancipação dos
sujeitos e surgiu a partir de grandes discussões da categoria profissional, através do
Movimento de Reconceituação, que foi um marco histórico do rompimento com o
Serviço Social Tradicional.
51

No início da profissão, o Serviço Social tinha caráter conservador e


assistencialista, marcado pela referência da caridade e da ajuda presentes nos
valores da Igreja Católica. Era tido como um instrumento de controle da classe
trabalhadora, apesar de vestir máscaras para ocultar tal intenção. Na década de 1960,
surge na América Latina, o movimento da categoria que questionava tal
tradicionalismo e conservadorismo da prática profissional, que gerou bastante debate
acerca da cientificidade da prática profissional. Tais questionamentos perduraram por
anos e culminaram no Movimento de Reconceituação. No Brasil, a Ditadura Militar
retardou tal movimento, que só veio a ganhar forças na década de 80. Acerca da
renovação do Serviço Social no Brasil, utilizaremos Netto (2015, p.172), que entende
renovação como

O conjunto de características novas que, no marco das constrições da


autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas
tradições e da assunção do contributo de tendências do pensamento social
contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza
profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas
sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão
às teorias e disciplinas sociais.

Netto (2015) fala da existência de três direções existentes no Movimento de


Reconceituação: A Modernização Conservadora; Reatualização do Conservadorismo;
e Intenção de Ruptura. A Modernização Conservadora buscou renovar suas técnicas
e formas de intervenção, porém, baseada em valores e concepções tradicionais e
conservadoras, não houve rompimento com tal vertente. Conforme Netto (2015, p.
201):

O que caracteriza esta perspectiva, todavia, está longe resumir-se à exclusão


de tendências contestadoras: antes, o que lhe confere seu tônus particular é
a nova fundamentação de que se socorre para legitimar seu papel e os
procedimentos profissionais.

A Reatualização do Conservadorismo recupera a herança histórica


conservadora da profissão e utiliza-os através da fenomenologia, como se fosse uma
base teórico-metodológica nova, repudiando, ao mesmo tempo, pensamentos ligados
ao padrão crítico dialético de raiz marxiana. Portanto, o que se percebe é o resgate
do passado, reatualizando com o mesmo, sem de fato romper com o
conservadorismo. Segundo Netto (2015, p. 204):
52

Trata-se de uma vertente que recupera os componentes mais estratificados


da herança histórica e conservadora da profissão, nos domínios da (auto)
representação e da prática, e os repõe sobre uma base teórico-metodológica
que se reclama nova, repudiando, simultaneamente, os padrões mais
nitidamente vinculados à tradição positivista e às referências conectadas ao
pensamento crítico-dialético, de raiz marxiana.

E, por último, a Intenção de Ruptura, que tem a intenção de romper com o


Serviço Social Tradicional e que, ao contrário das direções anteriores, possui crítica
sistemática ao aporte tradicional e conservador da profissão. Neste momento, há uma
maior aproximação com o marxismo como forma de apropriação de uma nova teoria
social crítica. De acordo com Netto (2015, p. 206):

Ao contrário das anteriores, esta possui como substrato nuclear uma crítica
sistemática ao desempenho “tradicional” e aos seus suportes teóricos,
metodológicos e ideológicos. Com efeito, ela manifesta a pretensão de
romper com a herança teórico-metodológica do pensamento conservador (a
tradição positivista), quer com os seus paradigmas de intervenção social (o
reformismo conservador).

Nesse sentido, a partir do Movimento de Reconceituação e de seu


desenvolvimento no Brasil, o Serviço Social deixou a “pedagogia da ajuda” e passou
a construir uma “pedagogia emancipatória pelas classes subalternas”. Isso quer dizer
que, nessa perspectiva, o objetivo é articular a prática profissional para contribuir com
a organização da luta dos trabalhadores, cooperando para a sua emancipação.
Conforme Abreu (2008, p. 133):

Esses setores pretendem uma articulação da prática profissional às lutas e


organização das classes subalternas, apontando, assim, para uma inserção
em processos de organização de uma nova cultura por essas classes. Esses
esforços vão viabilizando maior organicidade desses segmentos ao referido
movimento, bem como qualificam a contribuição dos mesmos mediante
aprofundamento e redimensionamento dessa orientação teórico-política no
referido campo profissional.

O projeto ético-político, portanto, foi construído a partir do Movimento de


Reconceituação, abarcando tais questionamentos acerca da prática conservadora e
de sua insuficiência em relação às novas demandas da profissão. Nesse novo projeto
da profissão, os assistentes sociais buscavam compreender melhor a real importância
e significado da prática profissional para a sociedade. O Código de Ética do Assistente
Social e a Lei de Regulamentação da profissão nº 8.662, ambas de 1993, se
consolidam sob o contexto de fortes alterações capitalistas (BRASIL, 2012). Isso se
53

dá pelo processo de renovação que o Serviço Social já estava articulando nas


décadas anteriores (70 e 80) e também aos avanços em termos de mobilização e
organização que os movimentos sociais da classe trabalhadora alcançaram na
década de 1990.
Conforme Teixeira e Braz (2009, p. 15):

[...] Como tais alterações capitalistas só chegaram no Brasil a partir dos anos
1990, foi nesta década que passamos a sentir os impactos dessas estratégias
capitalistas. Contraditoriamente, foi nesta década que o projeto ético-político
se consolidou. Isto se deu por duas razões principais, intimamente
articuladas: primeiro, o processo de renovação do Serviço Social brasileiro,
que se abriu na virada dos anos 1970 para os anos 1980, teve
prosseguimentos nos meios profissionais - recorde-se que a profissão
consolida seus avanços teóricos (a produção de conhecimentos), intensifica
sua organização política (tocada pelo conjunto CFESS-CRESS e pela
ABEPSS) e reformula e atualiza seus estatutos legais (a dimensão jurídico-
política da profissão expressa na nova Lei de Regulamentação Profissional e
no novo Código de Ética, ambos de 1993); segundo, porque foi justamente
na virada da década de 1980 para a de 1990 que os movimentos sociais das
classes trabalhadoras brasileiras, ainda que resistindo à ofensiva do capital e
valendo-se dos avanços da década anterior, conseguiram galgar níveis de
organização e de mobilização que envolveram amplos segmentos da
sociedade, inclusive os assistentes sociais.

Assim, entendendo o contexto ao qual o Serviço Social traçou sua luta e


questionamento, e os movimentos internos e externos à profissão que marcaram a
criação dos novos arcabouços legais, percebemos que atualmente a prática
profissional dos assistentes sociais está pautada em princípios que compreendem a
contradição de classes e, além disso, buscam a emancipação da classe explorada
através de sua prática profissional. O projeto ético-político é essencial para tal
afirmação, tendo em vista que é ele que norteia a prática profissional para que a
mesma seja crítica, questionadora das contradições do capitalismo e construa
caminhos que expressem claramente o compromisso ético-político através de suas
ações. É tal projeto ético-político que nos possibilita afirmar que o compromisso dos
assistentes sociais é com a classe trabalhadora.
Conforme Teixeira e Braz (2009, p. 5):

Não há dúvidas de que o projeto ético-político do Serviço Social brasileiro


está vinculado a um projeto de transformação da sociedade. Essa vinculação
se dá pela própria exigência que a dimensão política da intervenção
profissional põe. Ao atuarmos no movimento contraditório das classes,
acabamos por imprimir uma direção social às nossas ações profissionais que
favorecem a um ou a outro projeto societário.
54

Ao analisarmos o Código de Ética Profissional do Assistente Social de 1993,


percebemos o compromisso da categoria com a classe trabalhadora, através de seus
princípios e artigos. O mesmo tratou-se de um esforço coletivo e amplo debate acerca
dos valores e compromissos ético profissionais. Faz-se importante, portanto, dominar
e compreender tal aparato para que a ação profissional tenha respaldo e
direcionamento através desse compromisso firmado pela categoria profissional.
Conforme Paiva e Sales (2009, p. 174):

O debate sobre ética no Serviço Social foi desencadeado pelas entidades


nacionais da categoria a partir de 1991, culminando em 1993 com a
aprovação do novo Código de Ética Profissional do Assistente Social. Tratou-
se de um esforço coletivo que visava redimensionar o significado dos valores
e compromissos ético-profissionais, na perspectiva de lhes assegurar um
respaldo efetivo na operacionalização cotidiana do Código, enquanto
referência e instrumento normativo para o exercício profissional, entre outros
propósitos.

Ao falarmos em Código de Ética, estamos nos referindo à dimensão ética


profissional que trata do caráter normativo e jurídico que regulamenta a profissão no
que diz respeito às implicações éticas de sua ação. Ele estabelece normas, deveres,
direitos e proibições, legitimando socialmente a categoria profissional ao mesmo
tempo em que fornece à sociedade uma forma de controle de qualidade dos serviços
prestados. Podemos dizer que o Código precisar tematizar o “dever ser”, servindo
para mostrar como a prática pode ser realizada com os princípios éticos definidos pelo
projeto político profissional e aquilo também mostrando aquilo que não é aceitável e
permitido dentro do exercício do Serviço Social. Ainda de acordo com Paiva e Sales
(2009, p. 178):

O Código de Ética de 1993, como foi também o de 1986, não se pretende


somente corporativo, mas tenciona assegurar vínculos com as prioridades da
sociedade. Dessa maneira, o atual Código se propõe a estabelecer, nexos
com essas prioridades, as quais vão estar bem expressas por meio de
princípios e valores. A perspectiva é, então, buscar fortalecer uma clara
identidade profissional articulada com um projeto de sociedade mais justa e
democrática.

Aqui, trazemos alguns dos princípios contidos no Código de Ética que nos
mostram o compromisso dos assistentes sociais com ideais igualitários e libertários
pertencentes ao horizonte das lutas sociais dos trabalhadores. O artigo primeiro do
Código diz respeito ao Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das
demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos
55

indivíduos sociais. Tal princípio aponta a liberdade como valor ético central, sendo
essa liberdade diferente da liberdade presente no liberalismo, que se dá apenas na
perspectiva de “livre arbítrio” e de individualismo. Aqui a liberdade é entendida como
as alternativas para uma escolha, como condição para a igualdade, a realização de
liberdade de cada um requer a plena realização de todos. Tal conceito é um desafio
ao contexto do capitalismo, tendo em vista que o capitalismo, por si só, é um limitador
da liberdade.
O segundo princípio é o da Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa
do arbítrio e do autoritarismo. Já diz, por si só, acerca do compromisso dos assistentes
sociais na defesa dos direitos humanos e de sua posição contra qualquer tipo de
abuso de autoridade, torturas, violência doméstica e sua forte vinculação à luta em
favor dos direitos humanos.
O terceiro princípio é o da ampliação e consolidação da cidadania, considerada
tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e
políticos das classes trabalhadoras. O assistente social tem a particularidade de atuar
no espaço de viabilização de direitos e pensar na cidadania como proposta no Código
de Ética, consiste em pensar na universalização dos direitos sociais, políticos e civis,
que são essenciais para a plena realização da cidadania.
O princípio quarto é o da defesa do aprofundamento da democracia, enquanto
socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida. Este está
intimamente ligado à defesa da cidadania, a concepção de democracia preconizada
pela categoria entende a necessidade de socialização da riqueza e a distribuição de
renda.
O quinto princípio é o do posicionamento em favor da equidade e justiça social,
que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas
e políticas sociais, bem como sua gestão democrática. É necessário, portanto, que o
acesso aos programas e políticas sociais sejam garantidos de forma universal e que
todos sejam tratados de forma equânime.
O sexto princípio é o do empenho na eliminação de todas as formas de
preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos
socialmente discriminados e à discussão das diferenças. Se trata então do respeito
às diferenças e do combate ao preconceito, possibilitando o debate acerca das
diferenças para a superação de qualquer tipo de discriminação.
56

O sétimo princípio é o da garantia do pluralismo, através do respeito às


correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e
compromisso com o constante aprimoramento intelectual. Garantir a liberdade das
diferentes linhas de pensamento e a teorização das mesmas, não significando, porém,
que a categoria de assistentes sociais optará por todas. A categoria vai optar e se
posicionar por aquela que, ao seu ver, melhor explica e enfrenta os dilemas da prática
profissional.
O oitavo princípio é o da opção por um projeto profissional vinculado ao
processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração
de classe, etnia e gênero. Este princípio mostra o ideal de construção de uma nova
ordem societária, que não explore ou discrimine por nenhum motivo. Abriga as novas
expressões da questão social, não deixando de assinalar a concepção da divisão de
classes.
O nono princípio é o da articulação com os movimentos de outras categorias
profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos/as
trabalhadores/as. Percebemos a articulação da prática profissional junto aos
movimentos que também visam a construção de uma nova ordem societária,
estabelecendo a atuação em conjunto de todas as categorias para que seja possível
maior força política.
O décimo princípio é o do compromisso com a qualidade dos serviços
prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da
competência profissional. Fala-se aqui do constante aprimoramento intelectual dos
assistentes sociais, para que haja sempre compreensão acerca das dinâmicas e
contradições do capital, possibilitando atuação crítica e de qualidade a favor da
população.
Por último, décimo primeiro princípio trata-se do exercício do Serviço Social
sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social,
gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade
e condição física. O último princípio assegura o direito e o dever do assistente social
atuar de forma a não ser discriminado e a não discriminar os usuários por qualquer
motivo que seja, sendo um dever exercer a profissão de forma a respeitar as
diferenças dos usuários e ser respeitado por suas diferenças.
57

Percebemos através dos princípios do Código de Ética, que o mesmo direciona


a prática profissional de forma crítica e compromissada com a classe trabalhadora.
Dessa forma, a função pedagógica do assistente social pauta-se na perspectiva de
luta contra hegemônica, contribuindo para a emancipação da classe trabalhadora
através de sua atuação crítica, auxiliando no processo de tomada de consciência da
mesma. Sendo assim, torna-se evidente que a apropriação da arte enquanto um
recurso de atuação profissional também exercerá a função social que visa a
transformação da realidade para que a classe trabalhadora lute para a criação de uma
nova cultura.

3.2 O Teatro do Oprimido e o Serviço Social como forma de emancipação

Tendo em vista o entendimento de que a forma de arte ao qual o Serviço Social


deve se aproximar não é a arte meramente contemplativa e sim a arte crítica que
cumpra a função de superação da hegemonia e dominação vigentes, encontramos no
Teatro do Oprimido um grande potencial para ser utilizado como um recurso na
atuação dos assistentes sociais. Não se propõe aqui a aproximação da arte pela arte,
ou do teatro como um todo. Buscamos a aproximação com o Teatro do Oprimido, em
específico, justamente por ser este um teatro crítico da realidade social tal como está
e pelo mesmo propor a transformação da sociedade através da consciência dos
oprimidos. Falamos do teatro revolucionário. De acordo com Scherer (2013, p. 63):

De todos os elementos que compõem os processos de homogeneização, a


arte muitas vezes é vista como um elemento inferior, como algo destinado
somente ao entretenimento e “embelezamento”. Tal visão demonstra uma
lógica reducionista, provocada, em grande parte, pela ideologia capitalista
que instaura, em muitos casos, a alienação desta dimensão da
homogeneização humana.

As expressões da questão social tornam-se um desafio cada vez maior aos


assistentes sociais, “ao olhar para o palco da realidade pode-se observar as profundas
mudanças societárias ocorridas nas últimas décadas, e que, em termos globais,
agravaram ainda mais as expressões da Questão Social” (SCHERER, 2013, p. 23).
Os avanços do capitalismo e intensificação da exploração exigem novas alternativas
às demandas postas à profissão. Conforme Iamamoto (2006, p. 18) “estes novos
tempos reafirmam, pois, que a acumulação de capital não é parceira da equidade, não
rima com a igualdade. Verifica-se o agravamento das múltiplas expressões da questão
58

social [...]”. Tais alternativas precisam ser criativas para compreender os sujeitos que
vivenciam as múltiplas expressões da questão social e as particularidades inerentes
a cada uma. Ainda de acordo com Iamamoto (2006, p. 20):

Um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é


desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de
trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de
demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e
não só executivo.

Portanto, enxergamos no Teatro do Oprimido um recurso de trabalho para os


assistentes sociais, uma possibilidade para contribuir para a apreensão dos
trabalhadores atendidos pela categoria sobre a realidade econômica, política e social.
“[...]Torna-se fundamental pensar ações e estratégias que venham a contribuir de
modo significativo para o reconhecimento dos Direitos Humanos para todos os
segmentos sociais [...]” (SCHERER, 2013, p. 16). Através desse encontro de áreas,
pode-se utilizar as técnicas e jogos do Teatro do Oprimido no exercício profissional,
buscando entender tanto a questão social vivida por determinado grupo como para
que eles mesmos, através do estímulo da reflexão crítica, possam expressar e
“denunciar” a questão social que vivenciam e entender de qual forma estão inseridos
na sociedade. Tal compreensão da realidade e das contradições do capitalismo,
proporciona que os oprimidos se organizem de forma a combater a opressão que
vivem. Se antes a questão social era vivida na esfera individual, por meio da
contribuição do Teatro do Oprimido, tais expressões podem ser entendidas como
coletivas, possibilitando, por meio da vivência do teatro, pensar em formas de
enfrentamento coletivas para as demandas vividas.
A apropriação do Teatro do Oprimido como um recurso de intervenção do
assistente social se dá em sua função pedagógica. Conforme Abreu (2008, p. 17) “[...]
por meio do exercício dessa função, a prática do assistente social insere-se no campo
das atividades que incidem sobre a organização da cultura, constituindo-se elemento
integrante da dimensão político ideológica das relações de hegemonia”. Vimos
anteriormente que tanto a função social da arte quanto a função pedagógica dos
assistentes sociais podem atuar na manutenção da ordem social ou na sua
superação. Porém, também vimos que o projeto ético-político da profissão após o
Movimento de Reconceituação estabeleceu compromisso com a classe trabalhadora
e rompimento com o Serviço Social Tradicional. Isso significa que a sua função
59

pedagógica hoje se dá na perspectiva de emancipação da classe trabalhadora. Da


mesma forma, o Teatro do Oprimido foge à regra e é um dos métodos que busca
romper com o modelo de teatro apropriado pela burguesia na sociedade atual, que
visa a reprodução dos interesses da classe dominante para a perpetuação de sua
ideologia. O Teatro do Oprimido, percebendo a insuficiência e a deturpação que a
classe dominante fez ao afastar o povo do fazer teatral, rompe com essa forma de
fazer teatro e busca ser um método que inclui o povo no lugar de onde ele nunca
deveria ter saído: o teatro é uma ferramenta política, que deve ser apropriada pelo
povo como um recurso de transformação social. Sendo assim, o método Teatro do
Oprimido também está inserido na função social da arte emancipadora, que contribui
para a criação de uma nova ordem. Ambos, Serviço Social e Teatro do Oprimido, se
inserem na possibilidade emancipadora, carregando muitas características e ideias
em comum em sua trajetória. “Criar uma contra hegemonia implica fomentar uma
consciência crítica nos indivíduos, pela qual possam ter a real ciência dos processos
de dominação a que são impostos e, assim, criar possibilidades de luta contra a
exploração” (SCHERER, 2013, p. 71).
Na fase sombria da Ditadura Militar no Brasil, o Serviço Social e o Teatro do
Oprimido, vivenciando as censuras e restrições, reformularam sua prática tradicional
e fizeram desse momento a oportunidade para o debate e aproximação crítica para
transformar a realidade posta. Ambos não se contentaram com o cenário que
vivenciavam e, cada um de sua forma e com forças distintas, se renovaram no viés
de buscar combater as opressões através de suas práticas. Nesse período, as
aproximações com as ideias marxistas de sociedade proporcionaram a consolidação
de uma nova visão acerca da prática profissional do assistente social, mais crítica e
claramente a favor da superação da ordem vigente, e o entendimento de que o teatro
deveria retornar ao povo de forma a voltar a ser uma arma de transformação e não a
mera contemplação passiva do palco.
Perceber o potencial da apropriação do Teatro do Oprimido como um recurso
de intervenção dos assistentes sociais requer que reflitamos acerca do caráter
alienante do trabalho provocado pela exploração capitalista. “O homem no palco da
alienação se constitui como um Ator que representa um texto que ele mesmo
desconhece, no escuro da solidão, sem público” (SCHERER, 2013, p. 55). Ao nos
distanciarmos e estarmos alienados do produto do nosso trabalho, do ato de
60

produção, de nós enquanto seres genéricos e dos outros homens, estamos


fragmentados em nossas reflexões e na capacidade crítica para compreender a
realidade. O trabalho alienado, diferente do trabalho ontológico, estimula a
incapacidade de reflexão. Ora, se o ser se torna fragmentado de si mesmo, seu
pensamento também se torna fragmentado. Como entender e articular a totalidade,
se ele mesmo não está total? A capacidade de organização social também é
comprometida com a alienação. Os seres não se reconhecem em si mesmos,
tampouco reconhecem-se nos outros. Isso faz com que não haja estímulo à
compreensão da exploração a que todos estão submetidos e cada vez se torna mais
difícil a superação das opressões vivenciadas. De acordo com Scherer (2013, p. 55)
“assim, os processos de alienação são fundamentais no sistema capitalista para que
seja possível uma melhor exploração do trabalhador, impedindo-lhe de entender os
processos de exploração e manipulação em que está inserido”.
O Teatro do Oprimido como intervenção na prática profissional, ao nosso ver,
toca exatamente nesse sentido: suspender a fragmentação a que os indivíduos estão
submetidos, ao menos no momento da prática do teatro na intervenção do assistente
social, estimulando a visão crítica da realidade, o reconhecimento de pertencer ao
grupo e apreender as suas semelhanças. Conforme Scherer (2013, p. 62) “a arte tem
a possibilidade de questionar verdades cristalizadas na vida cotidiana, exercendo um
papel transformador na sociedade, isso porque age diretamente na autoconsciência
da humanidade”. Através dos exercícios corporais do Teatro do Oprimido é possível
que os participantes tenham melhor percepção do próprio corpo que, no decorrer do
dia, esteve absolutamente alienado no trabalho. Acerca disso, diz Boal (2011, p. 190)
que “existem uma enorme quantidade de exercícios que se podem praticar, tendo
todos, como primeiro objetivo, fazer com que o participante se torne cada vez mais
consciente do seu corpo, de suas possibilidades corporais [...]”. Assim, através do
Teatro do Oprimido é possível que o indivíduo reflita criticamente acerca do seu
cotidiano, que também é uma esfera alienada. “A arte, assim como a ciência, a moral
e o trabalho, representa meios que possibilitam ao indivíduo centrar o seu olhar na
esfera do cotidiano, elevando a cotidianidade para penetrar na esfera humano-
genérica” (SCHERER, 2013, p. 62). Os exercícios que trabalham o corpo têm como
um dos objetivos principais a retomada de consciência corporal e uma forma de sair
da rotina alienada. As técnicas do Teatro do Oprimido estimulam a capacidade crítica
61

e a reflexão acerca do espaço ocupado pelos indivíduos, proporcionando um espaço


de debate, discussão e percepção das expressões da questão social vividas pelos
mesmos.
Conforme Scherer (2013, p. 73):

Neste sentido, a arte se constitui como uma forma de expressão cultural, que
tem a capacidade de constituir o homem em sua totalidade, de tal modo que
ele desenvolva a capacidade de, como um humano não fragmentado, se
conectar com os outros homens, em busca da criação de uma consciência
não alienada, isto é, formando conceitos próprios, que dizem respeito à sua
realidade, assim como à sua individualidade como ser humano particular,
bem como a sua cultura, como ser social.

Nessa perspectiva, através de sua função pedagógica e do potencial educador


da arte, o assistente social tem a oportunidade de se aproximar de diversos grupos e
compreender suas reais necessidades, atuando no desvendamento da questão social.
Entendendo o teatro como uma forma de linguagem, percebemos o mesmo como uma
nova alternativa de linguagem que possibilite uma comunicação mais acessível,
maleável e que se adequa aos diferentes grupos de trabalho dos assistentes sociais.
O método permite a criação de exercícios, jogos e uso de técnicas que melhor
dialogam com grupos específicos. Portanto, enxergamos múltiplas funções do Teatro
do Oprimido na prática profissional e no dimensionamento das múltiplas expressões
da questão social. De acordo com Scherer (2013, p. 74):

A arte tem a capacidade de fazer com que o indivíduo se torne um ser criador,
fazendo com que ele possa manifestar, através da obra artística, o seu eu
particular, possibilitando-lhe compreender os processos nos quais está
inserido, bem como lhe dá a possibilidade de transformar a natureza de modo
livre, à sua maneira.

Através do Teatro do Oprimido é possível que os grupos expressem e


“denunciem” as expressões da questão social que vivenciam. Através do debate e da
ocupação dos personagens em uma apresentação, os participantes têm a
oportunidade de falar acerca de sua vivência cotidiana. Para os assistentes sociais
essa é uma oportunidade de desvendamento das novas expressões da questão social
e dos sujeitos que as vivenciam, tendo em vista que é conhecendo que há a
possibilidade de traçar estratégias para o seu enfrentamento.
Também é possível, através das técnicas, que os participantes enxerguem
questões sociais que ainda não percebiam fazer parte de seu cotidiano. Através do
62

debate e do estímulo à reflexão acerca de determinados temas, é possível que os


oprimidos compreendam que são explorados de diversas maneiras pelo sistema
capitalista.

Neste sentido, a arte exerce uma função social, dentro de uma sociedade
dominada pelos dogmas do capital, sendo a de mostrar a realidade social em
que os indivíduos estão inseridos, com o objetivo de desencadear
movimentos a favor de uma mudança social. (SCHERER, 2013, p. 74).

O próprio caráter alienante do trabalho pode ser percebido por meio do debate
teatral. Portanto, a dimensão pedagógica do assistente social encontra espaço para
debater acerca de diferentes temas de atuação, no sentido de proporcionar acesso a
informações relacionadas aos direitos dos usuários. A compreensão crítica do homem
é um elemento fundamental para que haja transformação social, sendo inviável que
exista articulação por mudanças sem que os sujeitos consigam se enxergar enquanto
sujeitos de direitos.
Conforme Scherer (2013, p. 63):

Esta compreensão crítica do homem e da sociedade constitui-se em


elemento fundamental para uma transformação social. Deste modo, é
possível que os sujeitos consigam se compreender enquanto sujeitos de
direitos, e busquem, articulando-se enquanto seres individuais e coletivos, a
garantia de seus direitos, e uma melhor condição de vida, uma vez que
compreendem os processos aos quais estão inseridos e realizam
movimentos a favor da mudança.

Outra possibilidade é que a atuação profissional consiga cooperar para a


organização e mobilização social. A partir do momento em que o indivíduo encontra
espaço para expressar as questões sociais que vive, percebe o mecanismo social do
qual faz parte e é estimulado a analisar as consequências da socialização capitalista
e, através do que Boal chama de “solidariedade”, enxerga-se no outro, tornando-se
possível a organização e elaboração de estratégias para o enfrentamento da opressão
que vivenciam. De acordo com Abreu (2008, p. 134):

[...] as estratégias e mecanismos de politização das relações sociais no


processo de intervenção consciente das classes subalternas no movimento
histórico impulsionam a reconstrução da solidariedade e da colaboração no
interior das referidas classes, como elementos de unidade das mesmas e de
força na relação com o Estado e com as classes detentoras do capital,
supondo a construção de processos de mobilização, capacitação e
organização das classes[...]
63

Percebemos, nesse sentido, que o Teatro do Oprimido pode ser um recurso


maleável aos objetivos idealizados pelos assistentes sociais, possibilitando diversas
formas de se comunicar com os sujeitos que vivenciam a questão social. A abertura
de poder trabalhar múltiplos temas e a existência de diversas técnicas tornam possível
que os profissionais se adequem à diferentes realidades. Isso é essencial na
contemporaneidade, tendo em vista que os assistentes sociais possuem cada vez
mais expressões da questão social em sua alçada. O Serviço Social atualmente atua
em políticas sociais recentes como: violência doméstica, população em situação de
rua, violação de direitos da criança e do adolescente, violação de direitos dos idosos
e a atuação juntos aos movimentos sociais, como o movimento feminista, movimento
negro, movimento LGBT e outros movimentos de luta contra as opressões vividas.
Todas as possibilidades advindas do uso do método Teatro do Oprimido
enquanto recurso de intervenção dos assistentes sociais cooperam para a elaboração
de uma nova cultura, assim como a função pedagógica já se insere no campo das
atividades que incidem sobre a organização da cultura, contribuindo para a
emancipação dos seres. Através da aproximação da população com o fazer teatral,
do estímulo às reflexões críticas e compreensões acerca da correlação de forças, é
possível estimular que os mesmos se apropriem da cultura e reformulem a mesma,
de forma a modificar e formar uma cultura a favor da classe trabalhadora.

A organização de cultura pelas classes subalternas a partir da referência


gramsciana apresenta-se como constituinte do movimento histórico real de
organização dessas classes como classe para si, significando, num primeiro
momento, o rompimento com a ideologia dominante e a conquista da própria
consciência, a qual se consubstancia na elaboração de uma concepção de
mundo e da vida (ABREU, 2008, p. 23).

Além disso, é evidente que inserir a arte na prática profissional dos assistentes
sociais contribui na materialização do próprio projeto ético-político da profissão. Isso
se dá pelo fortalecimento da emancipação dos sujeitos através da mesma, objetivo
que consta na essência do projeto profissional. De acordo com Scherer (2013, p. 169):

[...] A arte possui inúmeras contribuições na materialização do Projeto Ético-


Político do Serviço Social, uma vez que esta, quando ligada à explicitação da
essência dos sujeitos, pode contribuir no fortalecimento de processos sociais
emancipatórios, sendo assim, a arte pode estar presente nos processos de
trabalho nos quais o assistente social se insere, estando fortemente
relacionada com a dimensão educativa da prática do assistente social.
64

Sendo assim, o Serviço Social, enquanto profissão inserida nos processos de


organização da cultura, deveria ter a arte como um recurso da prática profissional. O
que se vê, ao contrário, é um grande distanciamento das mesmas. Pouco se debate
acerca das possibilidades de intervenção com o uso da arte nos cursos de graduação
em Serviço Social e nas pesquisas acadêmicas. Vê-se que a arte é secundarizada no
meio acadêmico, refletindo nas poucas produções teóricas acerca dessa temática.
Além disso, há a redução da arte apenas na lógica mercadológica, ignorando as
funções sociais que a arte toma de acordo com a força que a utiliza e ignorando a arte
como dimensão da vida humana e como forma de trabalho. De acordo com Scherer
(2013, p. 16):

A arte é, em muitos casos, secundarizada na academia, não havendo muitas


produções teóricas sobre essa temática. Além disso, reproduz-se no âmbito
acadêmico a lógica econômica, que reduz a arte a uma forma de
entretenimento, e não a trata como uma dimensão da vida humana com
possibilidade questionadora, criadora de mecanismos de compreensão e de
mudança da realidade social.

Assim como existem inúmeras possibilidades emancipatórias através da arte,


também existem limites para a mesma, desafios aos quais os assistentes sociais
devem estar atentos para não reduzir o potencial da arte em sua atuação. “Desta
forma, deve-se ter o cuidado de reconhecer as possibilidades emancipatórias da arte,
bem como seus limites diante da realidade” (SCHERER, 2013, p. 171). Acerca dos
limites que encontramos nessa aproximação proposta, percebemos o risco ao qual os
profissionais devem estar atentos, de não transformar o uso da arte como uma mera
técnica de passatempo, buscando o simples “entretenimento”, porque isso é subverter
todo o potencial da arte e reduzi-lo à arte alienante e mercadológica do sistema
capitalista. Atualmente existem muitos projetos sociais, em organizações não
governamentais – ONG’s, por exemplo, que articulam a arte enquanto passatempo ou
como uma forma de ocupar o tempo dos usuários para que os mesmos “não façam
algo errado na rua”. Reduzir a arte a essa dimensão não é utilizá-la de maneira nova,
enquanto se abre mão das inúmeras possibilidades que a arte carrega de estimular o
desenvolvimento crítico e reflexivo. De acordo com Scherer (2013, p. 170):

Na atualidade, vê-se uma explosão de projetos sociais que articulam a arte,


enquanto passatempo. [...] A arte genuína está carregada de grandes
possibilidades emancipatórias, sendo que, ao reduzir a um simples meio de
65

entendimento, “como meio te tirar crianças da rua”, abre-se mão destas


possibilidades, alienando e reduzindo a arte tal qual o faz a Indústria Cultural.

Outro limite encontrado nessa aproximação diz respeito ao cuidado que o


profissional deve ter para não transformar a arte em um instrumento com finalidades
terapêuticas, que trata de uma visão fragmentada da realidade, baseada na
perspectiva individual dos sujeitos. Conforme Scherer (2013, p. 170):

Esta postura de articulação da arte reduz suas possibilidades políticas no que


diz respeito a uma leitura mais ampla do sujeito, dificultando a percepção da
totalidade dos processos que ocorrem na sociedade e são determinantes
para o fortalecimento de processos sociais emancipatórios.

Entendemos que a aproximação do Teatro do Oprimido e do Serviço Social se


compõe no viés de emancipação e luta contra hegemônica. Todas as formas de
resgate da sensibilidade e potencial criativo devem ser pensadas e validadas para
uma estratégia de atuação efetiva. O teatro, como afirma Boal ser uma arma a ser
tomada pelo povo, deve ser apropriada também pelos assistentes sociais. Se o
sistema capitalista se utiliza de tal arma para perpetuar a sua manutenção, os
assistentes sociais tendem a fortalecer seu projeto ético-político ao aprender a
dominar essa arma e estimular que a classe trabalhadora também retome a posse de
tal armamento.
66

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa bibliográfica teve como objetivo contribuir para o debate da


aproximação ao Teatro do Oprimido no que tange às alternativas criativas possíveis
para a prática profissional dos assistentes sociais na atualidade através da função
pedagógica, cooperando para o aumento do arcabouço teórico acadêmico em relação
ao tema, acreditando ser esse o caminho para o fortalecimento dessa aproximação.
Buscou-se, nesse processo, aprofundar nas semelhanças entre o Teatro do Oprimido
e o Serviço Social, percebendo os pontos possíveis de serem ligados em uma
aproximação.
Ao longo dos capítulos foi possível perceber a necessidade que uma sociedade
alienada de si mesmo tem de encontrar maneiras de superar tal fragmentação do
pensamento, pois somente assim é possível refletir criticamente acerca da realidade
e perceber a exploração vivida no cotidiano. A arte tem o potencial de suspender essa
fragmentação e lidar com o que há de mais criativo e sensível nos seres, sendo esta
uma possibilidade para estimular que os sujeitos se identifiquem uns nos outros. Além
disso, vimos que as expressões da Questão Social na atualidade vestem novas
roupagens que exigem estratégias criativas no seu enfrentamento. É possível, pois,
que através do Teatro do Oprimido, os assistentes sociais possam desvendar as
expressões da Questão Social ao mesmo tempo em que atuam em seu
enfrentamento, através da tomada de consciência.
É nesta perspectiva que essa pesquisa se desenvolve, na tentativa de perceber
a totalidade da situação social e produtiva ao qual estamos inseridos, as múltiplas
expressões da questão social que estão surgindo e o uso da arte - mais propriamente
o Teatro do Oprimido, como enfrentamento criativo dessas novas demandas pelos
profissionais do Serviço Social, que atuam diretamente neste objeto. Através do uso
da arte como intervenção, podemos, por um lado, instigar a capacidade crítica e
reflexiva dos sujeitos para que eles mesmos desenvolvam alternativas para a sua
superação e, por outro, para que eles passem a perceber quais lugares esse sistema
os inseriu e quais as expressões da questão social eles vivem.
A função pedagógica dos assistentes sociais atua no sentido de influenciar no
modo de pensar e agir da sociedade. O Serviço Social, portanto, está inserido na
organização da cultura e, sendo assim, entendemos como ainda mais importante que
haja aproximação com a arte e suas potencialidades. A função pedagógica, em sua
67

essência, pode responder tanto no sentido de transformação da realidade social


quanto no sentido de manutenção da hegemonia. Porém, uma das reflexões dessa
pesquisa é exatamente a análise de que a prática profissional dos assistentes sociais
na atualidade cumpre o papel de transformação e luta contra hegemônica, tendo em
vista que o mesmo se insere no processo de organização e reorganização da cultura.
Isso se dá pelo projeto ético-político que norteia a prática profissional, cujos princípios
dizem respeito a uma prática emancipatória e de superação da ordem social
dominante. Percebe-se, portanto, que o projeto ético-político da profissão diz muito
acerca de como será dada a sua prática. O Movimento de Reconceituação, que
envolveu amplo debate e rompimento com o Serviço Social Tradicional, foi
imprescindível para repensar o projeto ético-político tal como está. Diante disso, é
visível a importância de luta para que o projeto profissional sempre seja debatido,
renovado e respeitado.
A arte tem a capacidade de possibilitar o questionamento da vida cotidiana,
exercendo papel transformador na sociedade. O Teatro do Oprimido, na mesma
direção, tem como motriz a transformação, a tomada de consciência seguida da ação.
É proporcionado, dessa forma, o estímulo a reflexões críticas acerca das vivências do
cotidiano, funcionado como espaço em que os sujeitos denunciam as desigualdades
que vivenciam, ao mesmo tempo em que percebem e tomam consciência de outras
expressões da questão social que não haviam sido questionadas. Além disso, há o
potencial de organização e mobilização social, pois através do Teatro do Oprimido na
prática do assistente social, o debate sai da esfera individual, passando a ganhar
forças na esfera coletiva, onde a proposta é exatamente repensar, em conjunto,
maneiras para combater e extinguir as opressões.
Outro aspecto importante diz respeito ao fortalecimento do projeto ético-político
através do Teatro do Oprimido na prática profissional. Tendo em vista que o projeto
profissional atua no sentido de uma nova ordem societária e emancipação dos
sujeitos, a aproximação com o Teatro do Oprimido se faz no sentido de fortalecer os
princípios do projeto, já que o mesmo tem a capacidade de estimular a consciência
crítica e, logo, proporcionar a emancipação dos sujeitos.
Importante aspecto levantado no decorrer da pesquisa bibliográfica relaciona-
se aos limites dessa aproximação. Assim como existem as inúmeras possibilidades,
é necessário que os assistentes sociais se atentem aos desafios postos no uso da
68

arte. É preciso estar atento para que a arte aqui mencionada não seja, de forma
alguma, reduzida à mera dimensão de entretenimento e apreciação, tampouco à
prática terapêutica. Entendemos que discutir acerca do acesso da classe trabalhadora
aos diversos tipos de arte existentes é um tema interessante, sendo necessário uma
nova pesquisa acerca do tema. Aqui, abstemo-nos a nos aproximar da arte que
instiga, incentiva a criticidade e fornece informações para debate. Não falamos, em
nenhum momento, da arte pela arte. Esta exige função social condizente com os
princípios contidos no projeto ético-político dos assistentes sociais.
Entendemos, nesse sentido, que a aproximação do Serviço Social com o Teatro
do Oprimido se dá no viés da transformação, onde ambos tendem a se complementar
e agir no processo de tomada de consciência e suspensão da fragmentação dos
sujeitos, que os impossibilita de refletir e questionar acerca da realidade posta.
Percebemos que a união do Teatro do Oprimido com o Serviço Social se dá no sentido
de que ambos tendem a potencializar e tornar-se mais fortes quando unidos, posto
que o assistente social acessa diretamente a classe trabalhadora em sua intervenção
profissional.
Aqui objetivamos a aproximação ao método do Teatro do Oprimido como um
recurso para os assistentes sociais, buscando a reflexão teórica acerca das
alternativas existentes para a intervenção profissional. Portanto, entendemos que
acerca de aspectos relacionados às questões empíricas de como efetivar tais
intervenções na prática profissional sejam mais pertinentes para uma outra
oportunidade de reflexão, em que haja pesquisa acerca dos profissionais que já
utilizem o método como um recurso em seu dia-a-dia.
Além disso, foi possível perceber a escassa quantidade de produções
relacionadas ao Teatro do Oprimido e ao uso da arte na prática profissional do
assistente social. Isso trouxe dificuldades para a execução da pesquisa e reforçou a
importância da mesma no sentido de contribuir na ampliação do debate. Nesse
sentido, questionamo-nos ainda mais profundamente acerca da fragilidade posta em
relação ao tema pelos cursos de graduação em Serviço Social, posto que a
consciência social e a reflexão crítica são necessárias e essenciais para a superação
da hegemonia dominante.
Importante ressaltarmos o entendimento acerca do contexto atual que o país
tem vivenciado, com o desmonte dos direitos conquistados com muita luta pelos
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trabalhadores e um governo ilegítimo no poder. Os assistentes sociais, inseridos na


divisão sócio técnica do trabalho, obviamente também vivenciam as consequências
de um governo ilegítimo. Porém, esse trabalho busca a “não acomodação” a esse
contexto, com o intuito de, além de observar a realidade, buscar possibilidades que
contribuam para a luta dos trabalhadores em um contexto de golpe. Buscamos,
portanto, a reflexão acerca de possibilidades de acordo com a realidade vivenciada,
apesar de estarmos inteiramente cientes acerca dos desafios postos ainda mais fortes
nesse contexto. Não entendemos que o Teatro do Oprimido como um recurso para os
assistentes sociais vá transformar magicamente a realidade, mas entendemos sim
que ele possa contribuir – atrelado a outras formas de intervenção, para a luta da
classe trabalhadora no combate à exploração de classes.
A luta é contínua. Percebemos que os requerimentos atuais acerca da prática
profissional dos assistentes sociais não são simples, dado que a atividade burocrática
e rotineira cada vez mais sufoca e frustra os profissionais nos seus campos de
trabalho – fato também consequência da exploração capitalista. Porém, o exercício
da profissão deve ir além disso, o assistente social deve ter o diferencial de ter
competência para propor e pensar projetos criativos que apreendam o movimento da
realidade. As alternativas não surgem magicamente nesse contexto burocrático,
exigem que os profissionais se apropriem das possibilidades postas na realidade e,
como sujeitos, possam desenvolvê-las e transformá-las em projetos. De acordo com
Iamamoto (2006, p. 21) “sempre existe um campo para a ação dos sujeitos, para a
proposição de alternativas criadoras, inventivas, resultantes da apropriação das
possibilidades e contradições presentes na própria dinâmica da vida social”. Há que
buscar aproximar-se das possibilidades que favoreçam a luta e a consolidação do
projeto ético-político, e é evidente que os assistentes sociais, em seu potencial
artístico (tendo em vista que trabalhos criadores devem carregar tal dimensão), são
capazes de repensar estratégias e, se for preciso, criar novos espaços de luta pela
emancipação da classe trabalhadora e para o retorno do “eu” ao homem total.
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