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AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, pp.

4-36, 2013

MOSAICO DO JACUPIRANGA - VALE DO RIBEIRA/SP: CONSERVAÇÃO,


CONFLITOS E SOLUÇÕES SOCIOAMBIENTAIS.
MOSAICO DEL JACUPIRANGA – VALE DEL RIBEIRA / SP:
CONSERVACIÓN, CONFLICTOS Y SOLUCIONES AMBIENTALES.
MOSAIC JACUPIRANGA - RIBEIRA VALLEY / SP: CONSERVATION,
ENVIRONMENTAL CONFLICTSAND SOLUTIONS.

Ocimar José Baptista Bim1


Profª. Drª. Sueli Angelo Furlan2

RESUMO: O processo de criação do Mosaico de Unidades de Conservação do


Jacupiranga foi uma solução inédita no Estado de São Paulo, cuja análise nos
remete a importantes impactos na conservação e nas comunidades rurais
envolvidas. Se consideradas as características do antigo Parque Estadual de
Jacupiranga (PEJ), com os equívocos da sobreposição em áreas com
comunidades residentes; a presença de 8.000 habitantes em mais de 40
bairros rurais em seu perímetro; os conflitos socioambientais e disputas
territoriais; a falta de recursos financeiros e humanos na gestão, constata-se
que a criação do Mosaico foi a melhor alternativa para mediação dos conflitos
existentes, desenvolvimento de estratégias para conservação da área e
acesso à terra. Se, por um lado, a criação do antigo Parque Estadual de
Jacupiranga seguiu o pressuposto da separação entre sociedade e natureza,
a criação do Mosaico vem desencadeando um processo de diálogo e de
contextos de participação das comunidades, possibilitando a construção de
acordos e consensos para um ordenamento territorial que viabilize a
conservação e o desenvolvimento rural local. De território do medo para
território de direitos, trabalho e cidadania: este é o desafio que vive agora o
Mosaico de Unidades de Conservação do Jacupiranga e que esta pesquisa
analisou por meio da metodologia de trabalho de campo, descrição
contextualizada e a observação participante.
PALAVRAS CHAVE: Mosaico; Unidades de Conservação; território;
comunidades tradicionais; conflitos socioambientais.

RESUMEN: El proceso de creación del mosaico de áreas protegidas en


Jacupiranga no tiene precedentes en el Estado de São Paulo, cuyo análisis
nos conduce a impactos importantes en la conservación y las comunidades
rurales involucradas. Si tenemos en cuenta las características del Parque
Jacupiranga (PEJ), con las concepciones erróneas de la superposición de las
áreas con las comunidades residentes; la presencia de más de 8.000
personas em 40 distritos rurales de su perímetro; los conflictos ambientales
y disputas territoriales; la falta de gestión de recursos humanos y financieros,
se observa que la creación del mosaico era la mejor alternativa para la
mediación de conflictos, el desarrollo de estrategias para la conservación de

1
Mestre em Geografia – USP, pesquisador científico do Instituto Florestal – SMA – SP. E-mail:
ocimarbim@ig.com.br; bim@usp.br.
2
Professora Doutora do Departamento de Geografia da FFLCH-USP. E-mail:
suelifurlan@uol.com.br.  
5 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

la zona y el acceso a la tierra. Si, por un lado, la creación del Parque


Jacupiranga siguió a la asunción de la separación entre la sociedad y la
naturaleza, la creación del mosaico ha promovido un proceso de diálogo y
contextos de la participación de la comunidad, lo que permite la construcción
de acuerdos y consenso para ordenamiento territorial que permita la
conservación y el sitio de desarrollo rural. Territorio del miedo para territorio
de los derechos, trabajo y ciudadanía: este es el reto que ahora vive el
Mosaico de Unidad de Conservación del Jacupiranga, y que esta investigación
analizados usando la metodología del trabajo de campo, la descripción
contextualizada y la observación participante .
PALABRAS CLAVE: Mosaicos; Unidades de Conservaciones; territorios;
comunidades tradicionales; conflitos.

ABSTRACT: The process of creating the mosaic of protected areas in


Jacupiranga was unprecedented in the State of São Paulo which analysis leads
us to important impacts on the conservation and rural communities involved.
If we consider the characteristics of the old Jacupiranga State Park (Parque
Estadual de Jacupiranga – PEJ), with the misconceptions of the overlap in
areas with resident communities, the presence of more than 8,000 people in
40 rural districts in its perimeter; environmental conflicts and territorial
disputes; lack of financial and human resources management, it appears that
the creation of Mosaic was the best alternative for mediation of conflicts,
developing strategies for conservation of the area and access to land. If, on
one hand, the creation of the former Jacupiranga State Park followed the
assumption of separation between society and nature, the creation of the
mosaic has promoted a process of dialogue and contexts of community
participation, enabling the construction of agreements and consensus for land
use planning that allows for the conservation and rural development site.
From Territory of fear to Territory of rights, labor and citizenship: this is the
challenge that now lives Mosaic of Conservation and the Jacupiranga this
paper analyzed using the methodology of fieldwork, contextualized
description and participant observation.
KEY WORDS: Mosaic; Conservation Unities; Territory; traditional
communities; environmental conflicts.

1. INTRODUÇÃO

A implantação de Mosaicos de Unidades de Conservação (UCs) no


Brasil é recente e está prevista na Lei nº 9.885/07/200 que criou o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Configura-se em uma
estratégia de gestão integrada de um território de áreas protegidas, num
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Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

contexto regional mais amplo e, geralmente, é estabelecido junto a um


conjunto pré-existente de áreas protegidas. No entanto, a experiência
vivenciada no Mosaico de Unidades de Conservação do Jacupiranga (Mojac)
contradiz essa lógica por propor a implantação de um mosaico a partir da
fragmentação de uma área protegida, o antigo Parque Estadual de
Jacupiranga (PEJ) com intuito de resolução de conflitos e fortes pressões
sociais na região.

Numa análise superficial, tal ação poderia ser interpretada como uma
estratégia que compromete todo um sistema de conservação por possibilitar
a transformação de uma Área Protegida de proteção integral, portanto mais
restritiva, em outras menores e de categorias menos restritivas. No entanto,
se consideradas as características de manejo e/ou a falta deste, bem como
os intensos conflitos sociais e fundiários em função da presença de
comunidades rurais, dos equívocos de delimitação, ausência de gestão efetiva
pelo Estado e a falta de recursos financeiros e humanos para a gestão,
comumente detectados nas Áreas Protegidas do Brasil e agravadas no PEJ
pela presença de 8 mil habitantes, pode-se constatar que a recategorização
do território foi a melhor estratégia adotada. Tanto que a área original de
139.418,3 ha do antigo Parque Estadual de Jacupiranga se converteu, numa
proposta pactuada com as comunidades, em um Mosaico de 234.000 ha,
contendo três Parques, cinco Reservas de Desenvolvimento Sustentável
(RDS), quatro Áreas de Proteção Ambiental (APA) e duas Reservas
Extrativistas (Resex).

Como resultado deste processo houve aumento em mais de 10 mil ha


de área de proteção integral e a criação de várias unidades de uso
sustentável, que possibilitaram a permanência das populações tradicionais e
camponesas no local, de forma organizada, e o uso da terra de acordo com
o modo de vida tradicional, sem a pressão de estarem ocupando um parque
“onde tudo é proibido”.

Se, por um lado, a criação do antigo Parque Estadual de Jacupiranga


seguiu o pressuposto básico da separação entre homem e natureza, não
levando em conta a presença humana na área, a estratégia adotada para a
criação do Mosaico do Jacupiranga está demonstrando ser a mais adequada
7 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

diante da realidade local. Construído a partir de processos participativos, o


Mosaico vive agora o desafio de ser implementado, aliando conservação com
o modo de vida das comunidades que ali vivem.

2. O VALE DO RIBEIRA

Figura 01- Vale do Ribeira (BIM, 2012).

O Vale do Ribeira é uma das mais antigas regiões de colonização do


país, tendo os primeiros núcleos de povoamento europeu chegado à região
no século XVI. A região é cortada pelo Rio Ribeira de Iguape e forma um
polígono irregular localizado no Sudeste do Estado de São Paulo, com 1,7
milhões de hectares entre o oceano Atlântico e a Serra do Mar e corresponde
a 10% da área territorial do Estado de São Paulo. O clima é tropical úmido e
com alta precipitação anual média (PETRONE, 1958, p.55), fator este sempre
lembrado quando se analisa fracassos da integração histórica da região nas
políticas econômicas rurais do estado de São Paulo.
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Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

A região possui o maior índice de cobertura vegetal natural do Estado,


onde 1,2 milhões de hectares são de nítida vocação florestal (LEPSCH, 1990,
p. 10). No Vale do Ribeira estão concentrados os mais importantes
remanescentes de florestas em área contínua dos ecossistemas da “Mata
Atlântica” em suas várias formações florestais e não florestais, cuja
importância para proteção é reconhecida mundialmente. As Matas Atlânticas
abrangem tipologias que variam desde a floresta tropical de altitude aos
manguezais e restingas. Esse contínuo de vegetação assim como várias áreas
adjacentes, apresenta grande diversidade estrutural, ou seja, grande
diversidade e zonação de ambientes e, consequentemente, alto nível de
biodiversidade, incluindo níveis genéticos de espécies, de comunidades e
ecossistemas, bem como a presença de espécies-chaves e endêmicas de
fauna e flora, que requerem todos os esforços para a sua conservação.

Desde 1958 e de forma mais intensa nas décadas de 1970 e 1980, os


esforços preservacionistas levaram à criação de Unidades de Conservação
que impediram que uma grande quantidade de área florestal fosse derrubada
de forma predatória para a exploração econômica. No entanto, essa mesma
política de proteção ambiental restringiu as comunidades locais ao uso da
terra e acesso aos recursos naturais, impedindo-as de exercer suas atividades
agrícolas e extratoras, sem lhes proporcionar alternativas de geração de
renda ou mecanismos compensatórios. Tal ação afastou a população local do
processo de preservação do meio ambiente, colocando-se na contramão de
diversas experiências cujo êxito na conservação ambiental dependeu da
cooperação das comunidades locais (MENDES JR; NOGUEIRA J., 2007, p. 61).
O elo mais fraco desta corrente são os pequenos agricultores, em geral
posseiros e moradores das regiões mais afastadas, nas terras declivosas e de
baixa fertilidade natural. Em muitos casos, são áreas com restrições de
caráter ambiental, principalmente relativas às legislações dos Parques ou
outras Unidades de Conservação (UCs).

A região foi extremamente carente quanto à infraestrutura,


especialmente viária, até a década de 1960, o que demonstra séculos de
abandono, não sendo contemplada com políticas públicas que pudessem
contribuir para a conexão da região ao próprio Estado de São Paulo. No
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entanto, a construção da rodovia Régis Bittencourt (BR-116), no final dos


anos 1950, foi a principal intervenção estatal na região e a maior indutora
dos processos de mudança na sua estrutura econômica e rede urbana.

Após a implantação da rodovia, deu-se o avanço da especulação


imobiliária, quando foram divulgados, nos jornais de São Paulo, anúncios de
terras localizadas ao longo deste eixo viário (IBAMA, 1998, p. 13). Na década
seguinte, os governos programaram tentativas de diminuir seu isolamento.
Com a instalação da energia elétrica em toda a região e a melhora do sistema
viário, o Vale passou a ser considerado atrativo do ponto de vista econômico,
graças à grande extensão de terras baratas, aliada à abundante mão de obra
alheia às conquistas sindicais de outras regiões do Estado. Essa integração
parcial acabou resultando na diminuição das culturas temporárias que
visavam o mercado interno e o aumento de algumas culturas comerciais, tais
como a banana e o chá (Ibidem, 1998, p. 13).

O processo de incorporação do Vale do Ribeira à economia estadual e


nacional, a partir da década de 1960, levou à intensificação da
mercantilização da agricultura, transformação das técnicas de produção
nativas, criando demandas para insumos e implementos agrícolas. Ao mesmo
tempo se acelerou o processo de incorporação das pequenas parcelas de terra
constituídas como unidade de produção familiar sob o regime de posse pelos
grandes latifúndios ou empresas rurais. Diante disto, ocorreram dois
movimentos: ou os pequenos agricultores deixavam o campo em direção aos
centros urbanos; ou avançavam para áreas marginais menos aptas à
agricultura, inclusive para as áreas de parques e reservas, acentuando os
problemas fundiários na região.

A questão fundiária na região foi marcada por violentos conflitos,


resultado do processo de concentração de terras em latifúndios improdutivos,
ao lado de grande número de minifúndios. Os imóveis com área inferior a 50
ha, agrupados, representam 81% do total de propriedades ocupando 20% da
área, e os com área maior de 500 ha representam 1,8% do total e ocupam
44% de toda área (IDESC, 2006 p. 19). Estudos científicos e governamentais
indicam que cerca de um milhão de hectares estão envolvidos com alguma
forma de conflito fundiário. A questão fundiária no Vale do Ribeira, portanto,
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Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

continua sendo um dilema a toda e qualquer ação com vistas à implantação


de uma política de desenvolvimento local sustentável na região.

3. DILEMAS DO ANTIGO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA

O Parque Estadual de Jacupiranga (PEJ), área considerada como


Reserva da Biosfera da Mata Atlântica desde 1993 (UNESCO, 2005) e Sítio
do Patrimônio Mundial Natural (Ibidem, 1999), foi criado através do Decreto-
Lei Estadual Nº 145 de agosto de 1969, abrangendo uma área de 150 mil
hectares distribuídos por seis municípios do Vale do Ribeira: Barra do Turvo,
Cananeia, Cajati, Iporanga, Eldorado e Jacupiranga (Figura 02).

Figura 02- Mapa do PEJ com a área de 139 mil ha (BIM, 2012).
11 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

A vegetação é predominantemente de Mata Atlântica (Floresta


Ombrófila Densa e Ombrófila Mista) e outros ecossistemas associados – tais
como restingas, manguezais e campos de altitude. O PEJ localiza-se sem
relevo diversificado, indo dos 10 m de altitude na planície litorânea até os
1500 m de altitude nas serras e divisores de águas do Planalto do Turvo. O
PEJ protege uma grande biodiversidade, com várias espécies raras e
ameaçadas de extinção, como, por exemplo, o papagaio-de-peito-roxo
(Amazona vinacea) e o mico-leão-da-cara preta ou caiçara (Leontopithecus
caissara), uma das mais recentes descobertas de primatas no Brasil. No
interior do Parque está localizado e protegido um dos mais importantes sítios
arqueológicos do Estado de São Paulo. Trata-se de um sambaqui fluvial, onde
foi localizado o fóssil humano mais antigo do Estado, datado de 9400 anos,
descoberto pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São
Paulo, em 2000.

Apesar de contar com uma biodiversidade complexa, importante e


ainda pouco estudada, o Parque foi criado por um ato governamental
autoritário característico do momento histórico em que o País vivia nas
décadas de 1960 e 1970: o período da ditadura militar. Nesta época foram
criadas no Estado de São Paulo várias Unidades de Conservação (UCs) com
o objetivo de proteger áreas bem preservadas, ou segundo alguns autores,
criar uma reserva de capital natural. No caso do PEJ, a antiga Reserva
Estadual criada em 1945 foi transformada em Parque Estadual englobando
em sua área várias comunidades tradicionais – quilombolas, caiçaras e
caboclos/caipiras – que ali já viviam há várias gerações.

Também ficou no interior do perímetro do Parque uma das mais


importantes rodovias do País, a Régis Bittencourt (BR-116), principal ligação
da região Sul ao Norte do território nacional, eixo rodoviário estratégico entre
o porto de Santos e o porto de Paranaguá e por onde também transita a
integração econômica e comercial dos países do Mercado Comum do Sul
(Mercosul).

Esta situação, por si mesma, já apresentaria problemas de gestão em


uma área tão extensa e com tendências opostas à conservação ambiental.
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Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

Porém, como agravante, destaca-se o fato de o Estado ter mantido o Parque


abandonado por mais de 20 anos, disponibilizando poucos funcionários para
o trabalho de gestão voltado ao uso público, pesquisa e proteção. O Parque
sofreu muitas agressões ao patrimônio natural e também social, desde a
retirada ilegal de madeira para comercialização clandestina, a formação de
pastagens por fazendeiros com desmatamentos e queimadas, e madeireiros.
Também outra característica é a mobilidade social que levou a ocupações
ocorridas nas décadas de 1970 e 1980 por migrantes oriundos das regiões
metropolitanas de Curitiba e São Paulo. Frente à condição do desemprego,
esses migrantes – em sua maioria agricultores que já haviam sido expulsos
de outras terras na década de 1960 – se estabeleceram no Parque, em busca
de alternativas de sobrevivência.

Sem contar com as mínimas condições de gestão e fiscalização, o PEJ


teve boa parte das áreas próximas à rodovia Régis Bittencourt (BR-116),
ocupadas pelos migrantes, na expectativa de retornarem à condição de
agricultores, em uma área legalmente proibida para as atividades agrícolas,
o que acabou propiciando o surgimento de inúmeros conflitos. No mesmo
movimento, estabeleceram-se na área fazendeiros – criadores de gado – que
chegaram a ter um rebanho bovino com mais de 8.000 cabeças. Esses novos
ocupantes vieram se juntar aos caiçaras, caipiras e quilombolas que já
habitavam a região.

Na década de 1980, a criação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente


trouxe um novo quadro de controle territorial do Estado na região. No mesmo
movimento se deu uma valorização da legislação ambiental, associada à
estrutura que o Parque Estadual de Jacupiranga passou a contar a partir do
início dos anos 1990 com projetos do governo federal, financiados com
recursos internacionais para fiscalização na região, ampliando os conflitos.
Essas ações, com forte repressão nas áreas ocupadas, estabeleceram um
quadro dramático de conflito entre os ocupantes e o órgão gestor estadual.
Na literatura científica e governamental encontram-se referências da
ocorrência de vários episódios de prisões de ocupantes e ataques a veículos
oficiais, além de uma infinidade de processos abertos no Poder Judiciário por
crimes ambientais cometidos (SOS MATA ATLÂNTICA, 1993).
13 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

Após o término dos investimentos do Programa Nacional para a Mata


Atlântica (PNMA) vieram em 1998 mais recursos para as ações de
fiscalização, provenientes do Projeto de Preservação da Mata Atlântica
(PPMA), viabilizados através do convênio entre o Estado e o banco alemão
KFW, o que ajudou a manter a situação conflituosa no Parque e seu entorno.
Cabe aqui ressaltar que, enquanto nas outras Unidades de Conservação que
integravam o convênio parte dos recursos foi utilizada para a realização dos
Planos de Gestão e formação dos Conselhos consultivos das UCs, no PEJ
apenas se privilegiava as ações de fiscalização, priorizando a política de
considerar os povos locais que ocupavam a área como comunidades invisíveis
e criminosas, tornando a questão da ocupação um problema de polícia e
regularização fundiária.

4. O PROCESSO DE MUDANÇA: DE PARQUE A MOSAICO

Entre 1984 e 2003 esta situação perdurou na região, resultando em


várias manifestações de moradores do antigo PEJ na sede da Secretaria
Estadual do Meio Ambiente e na Assembleia Legislativa do Estado. Neste
período, os camponeses criaram e organizaram os seus sindicatos e
associações de moradores, fortalecendo o movimento social local que passou
a exercer forte pressão política visando a resolução dos problemas
enfrentados, especialmente o conflito pela posse da terra. É também, em
contexto mais abrangente, o período da redemocratização do País, em que
se fortalece a organização dos movimentos sociais na região. Nos municípios
de Barra do Turvo e Cajati, são criados os sindicatos ligados à Central Única
dos Trabalhadores (CUT), com a vocação para a organização dos
trabalhadores e a luta por seus direitos.

O fortalecimento do movimento social dos camponeses, aliado às


discussões que ocorreram no segmento conservacionista, tanto na sociedade
civil quanto no poder público – buscaram como perspectiva a garantia da
possibilidade de populações ocuparem o território de Unidades de
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Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

Conservação restritivas, como Parques, Estações Ecológicas e Reservas


Ecológicas. No contexto da discussão da lei que regulamenta o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), levaram ao questionamento
da forma como foi criado o PEJ e das adversidades a que os camponeses
foram submetidos durante todo esse período.

Nos anos de 1994 e 1995 foram realizados dois encontros de


moradores de UCs para discutir a organização dos moradores e buscar
mudanças na situação existente. Diante da situação de conflitos, o
movimento social articulou-se com suas lideranças políticas e encaminhou
para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) o Projeto de Lei
n° 984/03, que previa a retirada da área do Parque de mais de 40 bairros
existentes, onde já funcionavam 12 escolas públicas, quatro postos de saúde,
quatro postos de combustível, vários pequenos comércios e uma intrincada
rede de estradas rurais com mais de 200 km de extensão, além de salões de
baile, restaurantes, lanchonetes, enfim, a vida acontecia a despeito do Parque
e uma gama de serviços e atividades que não se enquadram no manejo de
uma área protegida de proteção integral, mas que comprovavam o nítido
vínculo cultural e afetivo que os moradores mantinham com o lugar e a
ausência por décadas de políticas territoriais pelos governos do Estado. A
figura 03 demonstra bem esse quadro.

Figura 03- Mapa do PEJ, com as 2.100 ocupações


distribuídas pelo território (BIM, 2012).
15 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

O projeto de Lei n° 984/03 foi gerado em um encontro regional dos


agricultores familiares, realizado em Registro, no ano de 2001, e capitaneado
pelo Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Vale do Ribeira
(Sintravale) e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cajati. Aprovado pela
Alesp em sessão extraordinária, em 2005, foi vetado pelo então governador
do Estado, Geraldo Alckmin. Tal ato acirrou ainda mais a situação conflituosa.
Prova disto foi a grande manifestação promovida pelos moradores ocorrida
na rodovia Régis Bittencourt (BR-116), com a paralisação da rodovia, além
de outros episódios que demonstraram a insatisfação geral das comunidades
locais e de agentes públicos - prefeituras e câmaras municipais, que se
integraram ao movimento pela mudança dos limites do perímetro do Parque.
O governo do Estado recuou e instituiu, em setembro de 2005, o Grupo de
Trabalho Intersecretarial do Parque Estadual de Jacupiranga (GT-PEJ),
composto por técnicos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA),
Instituto Florestal (IF), Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp),
Procuradoria Geral do Estado (PGE), Fundação Florestal e incorporando
lideranças comunitárias e as Câmaras de Vereadores e Prefeituras
envolvidas, Associações Quilombolas, Conselho Consultivo do PEJ, ONGs
locais, Sindicatos de Trabalhadores Rurais e moradores do Parque,
envolvendo mais de 100 pessoas, que participaram ativamente do processo
de discussão visando a elaboração da proposta de alteração dos limites do
Parque e de criação de um Mosaico de UCs. Como parte dos diagnósticos de
situação realizados nesta época foi criado um cadastro que indicou a presença
de 2107 ocupações no PEJ, com uma população estimada em 8.000 pessoas
residentes, o que claramente indicava a necessidade de mudança da situação
vigente. Foi iniciado, então, um processo de avaliação socioambiental, tendo
como princípios - discutidos no GT-PEJ - a não redução das áreas de proteção
integral e a garantia de que o maior número das áreas ocupadas fossem
recategorizadas para UCs de uso sustentável, onde seria garantida a presença
humana (LINO, 2009, p. 11). Esta proposta encontrou eco nas comunidades
que, pela primeira vez, enxergaram uma possibilidade de um caminho para
a solução do conflito existente há décadas. Houve uma mudança de
mentalidade também nas instituições, pois no passado, a Secretaria de
Estado de Meio Ambiente não admitia que nem um metro quadrado sequer
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Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

de Parque pudesse mudar de categoria. Os estudos técnicos e os debates


com as comunidades contribuíram, por um lado, para que fossem
identificadas áreas com grande importância ambiental – matas bem
preservadas, nascentes, cavernas, cachoeiras, riachos – que estavam sem
proteção eficaz e que poderiam ser incorporadas às novas áreas de proteção
integral e, por outro, áreas ocupadas por pequenos agricultores que poderiam
ser transformadas em Unidades de Conservação de Uso Sustentável.

Todo esse processo coincidiu com a criação dos conselhos consultivos


regionais do PEJ dos Núcleos Cedro, Caverna do Diabo e Cananeia, onde se
fortaleceu um processo de gestão marcado por diálogos entre Estado e
sociedade. Antes, os sérios problemas existentes no território eram resolvidos
na Delegacia de Polícia ou no Fórum, os únicos locais de encontro entre
representantes do Estado e da sociedade. A constituição dos Conselhos marca
o momento em que este paradigma foi quebrado.

O processo de discussão da proposta culminou com a realização de três


Audiências Públicas em Eldorado, Barra do Turvo e Cananeia, reunindo mais
de 1000 participantes. Na audiência pública realizada em Barra do Turvo, na
sede do PEJ, mais de 600 moradores e lideranças se fizeram presentes,
referendando o processo que resultou na elaboração do Projeto de Lei nº
638/2007, propondo a criação de um Mosaico de Unidades de Conservação,
encaminhado depois à Assembleia Legislativa do Estado.

Figura 04- Processo de mobilização para a criação


do Mosaico de Unidades de Conservação do
Jacupiranga Mojac – Audiência pública em Barra
do Turvo (IF, 2007).
17 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

Durante o processo de análise e discussão do projeto pelas comissões


da Assembleia Legislativa, foram constatados equívocos na condução do
processo, particularmente na região de Cananeia, levantados pelas
comunidades locais. A proposta criava o Parque Estadual do Lagamar de
Cananeia (Pelc) e colocava comunidades inteiras no interior de um novo
Parque, repetindo os mesmos erros cometidos quando da criação do PEJ. O
equívoco foi corrigido após processo de negociação com a comunidade local
envolvida.

Com a nova Lei do Mosaico de Unidades de Conservação do


Jacupiranga, aprovada na Assembleia Legislativa em 20 de dezembro de
2007 e sancionada pelo governador do Estado em 21 de fevereiro de 2008,
o Parque Estadual de Jacupiranga - que possuía 139 mil hectares de extensão
- teve sua área de proteção integral ampliada para 154.872,17 hectares,
sendo subdividida em três Parques: Parque Estadual da Caverna do Diabo
(PECD), com 40.219,66 ha, abrangendo os municípios de Eldorado, Iporanga,
Barra do Turvo e Cajati; Parque Estadual do Rio Turvo (Pert), com 73.893,87
ha, nos municípios de Barra do Turvo, Cajati e Jacupiranga; e Parque Estadual
do Lagamar de Cananeia (Pelc), com 40.758,64 ha, nos municípios de
Cananeia e Jacupiranga.

Além dos parques, novas Unidades de Conservação foram criadas,


ficando o Mosaico formado por cinco Reservas de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) com 12.665,06 ha, quatro Áreas de Proteção Ambiental
(APA) com 73.558,09 ha, duas Reservas Extrativistas (Resex) com 2.790,46
ha, totalizando assim 243.885,78 ha de áreas protegidas.
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Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

Figura 05- Mapa do Mosaico Jacupiranga (BIM, 2012).

Apesar de o projeto ter possibilitado que mais de 1.400 posseiros


deixassem de residir no perímetro do antigo Parque Estadual do Jacupiranga,
muitos ainda permanecem no interior das novas Unidades de Conservação de
proteção integral – entre elas o Parque Estadual do Rio Turvo (Pert), com
aproximadamente 200 famílias, que têm seu modo de vida baseado na
agricultura de subsistência e que ainda continuam sob a legislação restritiva.
A lei prevê que áreas públicas ocupadas irregularmente por empresas e
fazendeiros oriundos do Estado do Paraná sejam arrecadadas e destinadas à
realocação das mais de 300 famílias de camponeses que ainda ficaram nos
Parques Rio Turvo, Lagamar de Cananeia e Caverna do Diabo.
19 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

Desta forma, a questão fundiária é ainda, sem dúvida, o grande desafio


para a implantação do Mosaico. É nela que permanece o questionamento: se
estas terras, que desde a criação do antigo Parque de Jacupiranga não foram
arrecadadas para implantação efetiva da unidade, agora serão arrecadadas
para o reassentamento dos agricultores que ainda vivem nos novos Parques
criados?

O Mosaico vive agora o desafio de ser implantado, aliando conservação


com o modo de vida das comunidades que ali vivem. As questões principais
que se colocam frente a esta nova realidade são:

•   A concretização do Mosaico poderá garantir a apropriação do território


pelas comunidades através da legitimação da posse da terra?
•   Uma nova relação entre Estado e população residente em Unidades de
Conservação pode ser iniciada com a implantação do Mosaico?

Após a promulgação da lei foram propostas mais de 20 ações de


reintegração de posse para a arrecadação dessas áreas e várias liminares
estão sendo concedidas, em favor do Estado, o que pode viabilizar o
reassentamento das famílias que ainda permaneceram nos Parques. O
desafio agora é, de fato, realizar o reassentamento no território.

5. DE PARQUE A MOSAICO: DO TERRITÓRIO DO MEDO PARA O


TERRITÓRIO DE USO E DA CONSERVAÇÃO

A implantação de um Mosaico de áreas protegidas configura-se em


uma estratégia de gestão e ordenamento territorial, uma ferramenta trazida
no bojo da Lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC). O território do Mosaico do Jacupiranga apresenta similaridades com
o território do Vale do Ribeira, com as mesmas características de uso -
agricultura de produção de alimentos e de mercado, extrativismo, pesca,
madeira, caça; e de perfil da população que habita a região - migrantes,
20
Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

caiçaras, caboclos, quilombolas - numa referência à conceituação de território


material e imaterial e multiterritorialidade (HAESBAERT, 2005, p. 6774).

[...] aparece como uma resposta a esse processo identificado


por muitos como “desterritorialização”: mais do que a perda
ou o desaparecimento dos territórios, propomos discutir a
complexidade dos processos de (re)territorialização em que
estamos envolvidos, construindo territórios muito mais
múltiplos ou, de forma mais adequada, tornando muito mais
complexa nossa multiterritorialidade. Assim, a
desterritorialização seria uma espécie de “mito” (Haesbaert,
1994, 2001b, 2004), incapaz de reconhecer o caráter
imanente da (multi)territorialização na vida dos indivíduos e
dos grupos sociais. Assim, afirmamos que, “mais do que a
desterritorialização desenraizadora, manifesta-se um processo
de reterritorialização espacialmente descontínuo e
extremamente complexo” (HAESBAERT, 1994, p. 214).

A criação de várias Unidades de Conservação de Uso Sustentável no


Mosaico do Jacupiranga (Mojac) possibilitou a permanência das populações
residentes no território, de forma organizada e sem as pressões que sofriam
quando estavam ocupando um Parque “onde tudo é proibido”, criando uma
multiterritorialização que perpassa pela complexidade territorial proposta por
Haesbaert (2006, p.15) em que as questões da relação sociedade e natureza
são intrinsecamente ligadas, podendo-se dizer que uma (sociedade) não
existe sem a outra (natureza). A marca do território do Mojac é esta relação
sociedade e natureza: como as comunidades se apropriam e usam o território
e como o Estado tenta preservá-lo.

Se, por um lado, a criação do antigo Parque Estadual de Jacupiranga


seguiu o pressuposto básico da separação entre sociedade e natureza,
seguindo o padrão preservacionista (BRITO, 2000) e não levando em conta a
presença humana na área, a estratégia adotada para a criação do Mosaico do
Jacupiranga está demonstrando ser a mais adequada diante da realidade
local, lembrando que o processo de construção se deu a partir de pressões e
participação da sociedade, por meio da qual foram consideradas as
características ambientais e sociais do território.

A criação do Mojac ocorreu por meio da transformação de uma área


pré-estabelecida pelo Estado, portanto, um território político jurídico imposto
21 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

no meio de uma grande diversidade de perspectivas. Esse território passa por


uma reterritorialização, inicialmente determinada pelo Estado através da
criação da reserva florestal, na década de 1940, e do Parque Estadual de
Jacupiranga (PEJ) em 1969, que não levou em consideração a presença de
populações em seu interior e tampouco os usos tradicionais que essas
populações faziam deste território. Vale ressaltar que o território, para seus
ocupantes, já estava estabelecido bem antes da implantação do Parque.
Como consequência desta imposição, estabelece-se o conflito de uso. Como
afirma Diegues:

[...] Conflito se reporta também à ecologia política ou à política


toutcourt, uma que o Estado impõe espaços territoriais onde
vivem populações tradicionais, outros espaços tidos como
“modernos e públicos”: o dos parques e reservas de onde, por
lei, necessariamente devem ser expulsos os moradores. Num
primeiro momento, esses atores sociais são invisíveis, e os
chamados “planos de manejo dos parques” nem sequer
mencionam a sua existência (1996, p. 158).

Mudar esta situação que caracteriza a criação das áreas protegidas no


Brasil, de um território imposto (Ibiden, 1996 p.19), para um novo território
de uso - com a criação de unidades de conservação de uso sustentável, em
que o uso e a apropriação do território se dão pelos ocupantes - mesmo que
ainda sob a tutela do Estado (que se dá por meio do domínio jurídico e pela
indicação do gestor da área) - é o que se tem proposto com a criação do
Mosaico do Jacupiranga. Esse processo se configura numa nova postura,
adotada para criação de áreas protegidas, seguindo o que preconiza o SNUC.
A criação do Mosaico do Jacupiranga é importante, pois vem romper com o
processo de imposição territorial do Estado sobre a sociedade e concretizar
essa nova política. Por meio de intensa mobilização, as sociedades locais
forçam o Estado a aceitar uma nova territorialização, que não estava
planejada e não constava na pauta política do Estado. A mobilização social
provoca o debate, a revisão territorial das áreas protegidas e a adoção de
novas posturas antes tidas como um mito no interior dos órgãos que
administram estas unidades no Estado. Porém, o processo de negociação
estabelecido poderá possibilitar novos usos deste território. O Estado cedeu
22
Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

diante da força da sociedade organizada, estabelecendo o processo de


desterritorialização e territorialização, superando anos de discussões e
impasses sobre a presença humana e o uso daquele território. Como afirma
Haesbaert:

O mito da desterritorialização é o mito dos que imaginam que


o homem pode viver sem território, que a sociedade pode
existir sem territorialidade, como movimento de destruição de
territórios não fosse sempre, de algum modo, sua
reconstrução em novas bases. Território, visto por muitos
numa perspectiva política ou mesmo cultural é enfocado aqui
numa perspectiva geográfica intrinsecamente integradora,
que vê a territorialização como processo de domínio (político
econômico) e/ou apropriação (simbólico cultural) do espaço
pelos grupos humanos (2006, p. 16).

Refletindo sobre o que afirma Haesbaert, o processo ocorre numa


arena de conflitos que marcam a relação entre Estado e sociedade. O que
estava em jogo, por um lado, era o acesso à terra e a garantia de um território
para seus usos materiais e imateriais e, por outro, a preservação dos recursos
naturais a qualquer custo. O que se constatou ao longo dos tempos foi a
inquietação e o repúdio dos ocupantes por não poderem se apropriar política
e culturalmente do território, já que no território imposto não lhes era
permitido o seu uso, ocorrendo o inverso do que alguns cientistas políticos
dizem do fim dos territórios.

A criação do Mojac, em tempos dos territórios em redes, concretiza-se


em um “novo” território, passando de território do medo para território de
uso e conservação, por meio da apropriação do espaço, num verdadeiro
movimento de contra corrente que constitui a passagem da
desterritorialização para a construção do novo território, mesmo que ainda
comandado pelo Estado, mas sob forte influência do poder da mobilização
social.

[...] Desterritorialização, na verdade, é uma nova forma de


territorialização, a que chamamos de
“multiterriterritorialidade” [...] processo concomitante de
destruição e construção de territórios [...] (Haesbaert,2004,
23 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

p. 32). Designa-se por território uma porção da natureza e,


portanto, do espaço sobre o qual uma determinada sociedade
reivindica e garante todos ou parte de seus membros direitos
estáveis de acesso, de controle e de uso com respeito a
totalidade ou parte dos recursos que aí se encontram e ela
deseja e é capaz de explorar (GODELIER, 1984, p. 112 apud
HAESBAERT, 2006, p. 56).

Não existe entre a sociedade e seu espaço uma simples relação de


territorialidade, mas também uma ideologia do território, pois tudo o que se
encontra no entorno e entre o homem tem algum significado. O território não
traz em si somente o “ter”, mas o “ser”. As comunidades tradicionais -
quilombolas de Barra do Turvo e Eldorado, caboclos de Cajati, Barra do Turvo,
Eldorado e Iporanga e os caiçaras de Cananeia, têm com o território uma
relação espiritual e afetiva, para além da produtiva. Ao longo dos anos e do
processo de ocupação, esta relação também se interioriza nas comunidades
de migrantes que chegam ao Parque, que recompõem o espaço social e se
enraízam na região. Neste contexto, este território representa a porção da
natureza e do espaço que uma sociedade o reivindica como o lugar em que
os seus membros encontrarão permanentemente as condições e meios
materiais para sua existência.

A partir da criação do Mojac, o território passa a ter novos desafios e


novas oportunidades. A reterritorialização trouxe as Áreas de Proteção
Ambiental (APAs), as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e as
Reservas Extrativistas (Resex), lugares-territórios onde as atividades de
sobrevivência estão intimamente ligadas ao uso da terra, propiciando o
fortalecimento do sentido de territorialidade e pertencimento e das práticas
da agrofloresta e da agroecologia. Além disso, o Mosaico possibilitou o acesso
às informações sobre técnicas de manejo de produção visando, como
exemplo, a melhoria da atividade agropecuária desenvolvida na área, além
da disponibilidade de serviços públicos de infraestrutura, como a instalação
da energia elétrica, a recuperação e manutenção das estradas rurais e a
execução de projetos de habitação. Com o Mosaico, os limites dos Parques
são definidos e, principalmente, compreendidos pela população - mas ainda
questionados em algumas regiões. Antes, as comunidades não entendiam
que, naquele espaço onde havia ocupação humana, comércio e agricultura,
24
Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

existia um Parque. Para os ocupantes, a figura de um Parque – dotado com


floresta, cachoeira, caverna e turistas visitando os atrativos – é que deveria
realmente ser conservada. Quando os limites dos Parques foram discutidos e
estabelecidos em lei no Mosaico, ficou clara para a população a ideia de que
“onde é parque é parque, e tem que conservar”. Porém, persiste ainda a
reivindicação de que as áreas das APAs e RDS aumentem em direção aos
limites dos Parques, já que vários sítios ainda permaneceram dentro dos
Parques.

A aprovação da Lei do Mojac foi considerada um fato “histórico” para o


Vale do Ribeira e de importância fundamental para o desenvolvimento destas
comunidades e a conservação da natureza, além da garantia do acesso à
terra para mais de 1.400 posseiros que viviam sob uma legislação restritiva
que os impedia de viver e trabalhar a terra para dela retirar o seu sustento.
O fato foi comemorado pelas comunidades locais e pela maioria das
organizações não governamentais que atuam na região, conforme apontam,
a seguir, trechos de depoimentos extraídos das Atas de reuniões dos
Conselhos do Mojac e pesquisados em campo na coleta de registros orais.

Aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,


em dezembro do ano passado e sancionada no último dia 21
de fevereiro, a lei que criou o Mosaico de Unidades de
Conservação do Jacupiranga é considerada um avanço não só
na proteção dos últimos remanescentes de Mata Atlântica do
Vale do Ribeira, em São Paulo, mas como alternativa para
resolver os conflitos socioambientais que se instalaram nessa
área. O desafio será conciliar a conservação do meio ambiente
com as atividades e o modo de vida das comunidades que
estão inseridas na área de abrangência do mosaico (ISA,
2007).

[...] Sr. Ezequiel diz que desde 1989 eles estavam esperando
a criação da mesma da Reserva do Tumba, pois é a forma
responsável de explorar os recursos necessários para
subsistência tais como, mourão, taquara, madeira para
confecção de canoa, pequenas roças e no manguezal o
caranguejo, ostra; almeja ao mesmo tempo ajudar na
fiscalização desses recursos e diz que ele acha que as pessoas
do Marujá e Ariri ainda não se deram conta da importância da
criação dessa reserva para as comunidades (RESEX TUMBA,
2011).
25 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

[...] a grande maioria dos moradores, da população,


principalmente as comunidades tradicionais, elas querem
realmente ver o Mosaico implantado e ver as nossas áreas que
foram transformadas em outro tipo de Unidade de
Conservação também implantadas, e aonde for possível
regularização fundiária, que aconteça a regularização pra
quem possa ter acesso mais fácil e mais rápido a
financiamento, que a gente possa cobrar mais facilmente as
autoridades municipais pra melhoria das nossas estradas, a
questão do Programa Luz Para Todos, ver se agilizamos isso
pra que as coisas aconteçam e esse tipo de pessoas eu
acredito que não dá pra ele desenvolver um projeto deste sem
enfrentar esses obstáculos (PERT, 2010).

[...] um projeto que tá mudando a qualidade de vida das


pessoas e as estruturas de vida porque antes isso não era real,
era impossível falar do Programa Luz Para Todos, era
impossível falar de um agricultor acessar o Programa do
PRONAF Mais Alimentos, ter o seu tratorzinho (PERT, 2010).

[...] o pessoal do Braço Feio, Capelinha e outros bairros


sofriam muito pra que pudessem ter benefício do município,
tais como melhorias das estradas e das casas e era muito
difícil, então esse projeto é tão sério que hoje essas
comunidades estão muito contentes e satisfeitas com a
realização dessas obras que puderam ser realizadas através
da luta deste projeto (PERT, 2010).

Os conselhos consultivos e deliberativos das unidades de conservação são


outra marca do processo de criação e implantação do Mosaico. Há nove conselhos
organizados e funcionando rotineiramente, com a participação de mais de 200
lideranças e moradores da região como conselheiros e suplentes. A existência
dos conselhos possibilita que, através dos debates, o processo possa ser
compreendido e apropriado por maior número de pessoas. No período de
2009 a 2012, foram realizadas mais de 100 reuniões dos conselhos, contando
com a presença de representantes dos moradores, lideranças da sociedade
civil e do Estado, sendo constantes nestes encontros os debates sobre as
mudanças do território, o acesso à terra e os usos do território. Os conselhos
são fóruns permanentes onde os gestores locais das UCs e as comunidades
discutem, constroem, consensuam, definem e articulam os caminhos
possíveis para viabilizar a execução das diversas possibilidades que se
abriram com a criação do Mosaico.
26
Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

6. OS POVOS DO MOSAICO DO JACUPIRANGA

O mosaico cultural presente no território do Mojac é representado pela


presença de várias comunidades remanescentes de quilombos (quilombolas),
populações de pequenos agricultores, caipiras, ribeirinhos e caiçaras. A
recategorização do território possibilitou a estas comunidades assegurar o
seu modo de vida tradicional, caracterizado pelo cultivo itinerante de roças
de “coivara” (derrubada e queima da floresta para subsequente plantio),
manejo de recursos florestais, pesca e a criação de animais. Esses grupos
são de extrema importância para a sustentabilidade socioambiental que se
deseja para a região. O modo de vida dessas populações proporcionou a
conservação dos remanescentes de Mata Atlântica existente na região.

6.1. Quilombolas

Doze comunidades quilombolas estão presentes no Mojac, localizadas


em Barra do Turvo, Cananeia, Eldorado e Iporanga. Os quilombolas são
descendentes dos escravos negros que sobreviveram em enclaves
comunitários, muitas vezes antigas fazendas deixadas pelos grandes
proprietários. Apesar de existirem, sobretudo após o fim da escravatura, no
final do século XIX, sua visibilidade social é recente, fruto da luta pela terra,
da qual, em geral, não possuem escrituras. A Constituição de 1988 garantiu-
lhes o direito sobre a terra na qual vivem, em atividades vinculadas à
pequena agricultura, artesanato, extrativismo. Algumas famílias integram a
Cooperafloresta - Associação dos Agricultores Agroflorestais de Barra do
Turvo e Adrianópolis, onde desenvolvem a agrofloresta, criam abelhas e
produzem açúcar mascavo na pequena agroindústria existente na
comunidade (ISA, 2008).
27 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

6.2. Os caipiras-caboclos-sitiantes

Os caipiras do Mojac são sitiantes que vivem em pequenas


propriedades onde desenvolvem atividades agrícolas e a pecuária, cuja
produção visa a subsistência familiar e o excedente é comercializado no
mercado. No caso de Barra do Turvo, a pecuária tem maior importância, já
que os caipiras contam com áreas maiores e têm uma tradição de lida com
bovinos e, mais recentemente, têm dominado a tecnologia da criação de
búfalos. Utilizam também os fragmentos de Mata existente em suas posses
para a retirada do mel, de ervas medicinais, cipós e fibras para a manufatura
de utensílios de uso - poucos comercializam esses artefatos. A mão de obra
dos sítios é principalmente familiar, apesar de, em alguns momentos do ciclo
agrícola, utilizarem alguma força de trabalho assalariada. Em alguns casos,
principalmente em Barra do Turvo, utilizam a cooperação dos vizinhos - por
meio do mutirão (puxirão) - para a roçada de pasto, preparo do terreno para
roça de milho e feijão e na implantação e manutenção das áreas de
agrofloresta. No Mojac, essas comunidades estão no Pert, PECD e as APAs de
Cajati, Planalto do Turvo, Rios Vermelho e Pardinho, e as RDS Barreiro-
Anhemas, Pinheirinhos e Lavras. Constituem maioria nas RDS e estão em
menor número nas APAs. Para Antônio Cândido,

[...] a sociedade caipira tradicional elaborou técnicas que


permitiram estabilizar as relações do grupo com o meio
(embora em nível que reputaríamos hoje precário), mediante
o conhecimento satisfatório dos recursos naturais, a sua
exploração sistemática e o estabelecimento de uma dieta
compatível com o mínimo vital – tudo relacionado a uma vida
social de tipo fechado, com base na economia de subsistência
(CANDIDO, 1964, p. 19).

Esse povo desenvolveu formas de convívio e ajuda mútua nas


atividades agrícolas, bem como formas de religiosidade peculiares, em torno
de capelas e igrejas, onde em domingos e feriados e dia santos são realizadas
28
Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

as festas a seus santos padroeiros (DIEGUES, 2005). Nos últimos anos, o


protestantismo tem crescido entre os caipiras, o que pode ser constatado pelo
grande número de igrejas evangélicas - de várias correntes - construídas nas
comunidades da área de estudo, conforme informações registradas no
cadastro do Itesp (2007), que indicou a existência de 34 igrejas evangélicas,
destacando-se entre elas a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã do
Brasil.

6.3. Os caiçaras

O caiçara é o resultado da mestiçagem étnico-cultural entre índios e


colonizadores europeus, sobretudo os portugueses, mas também africanos
em algumas localidades litorâneas do Sudeste. A cultura caiçara
desenvolveu-se principalmente nas áreas costeiras dos atuais Estados do Rio
de Janeiro, São Paulo, Paraná e Norte de Santa Catarina. Possuem um modo
de vida característico, baseado na estreita relação com a natureza e seus
recursos, onde sobressai a pequena agricultura de coivara (as roças de arroz,
mandioca, milho, feijão, etc.); o extrativismo; a caça para alimentação
própria e atualmente também nas atividades associadas ao turismo de sol e
praia.

É estreita a relação com a Mata Atlântica, nicho importante


para sua reprodução social. Dali, retiram a madeira para suas
canoas, para a construção, equipamentos de pesca,
instrumentos de trabalho, medicamentos, etc. Algumas dessas
sociedades se reproduzem explorando uma multiplicidade de
habitats: a floresta, os estuários, mangues e as áreas já
transformadas para fins agrícolas. A exploração desses
habitats diversos exige não só um conhecimento aprofundado
dos recursos naturais, das épocas de reprodução das espécies,
mas a utilização de um calendário complexo dentro do qual se
ajustam com maior ou menor integração, os diversos
ecossistemas (DIEGUES, 2005, p. 47).

As atividades que os caiçaras da região do Mojac realizam com maior


29 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

destaque são a pesca e a coleta e criação de ostras, caranguejos e mariscos


nos ambientes aquáticos do estuário do Lagamar de Cananeia. Essa coleta é
para consumo próprio e o excedente da produção, tanto agrícola quanto da
pesca e do extrativismo, é vendido para aquisição de mercadorias e bens de
serviço. Parte das comunidades caiçaras também trabalha com turismo em
épocas de temporada como monitores, guias de pesca ou ainda oferecendo
serviços de hospedagem e transporte de turistas em suas embarcações
(IDESC, 2009; DIEGUES, 2005). No Mosaico, os caiçaras estão no Pelc, RDS
Itapanhapima, Resex Tumba e Taquari e no entorno dessas áreas, sendo
esses moradores do entorno também beneficiários das UCs de Uso
Sustentável. “Essa ligação entre a utilização do mar e da mata, seguindo os
ciclos naturais dos quais os caiçaras tinham e ainda têm um grande
conhecimento, constitui-se, portanto, num elemento central dessa cultura”
(Ibidem, 2005, p.88).

6.4. Agricultores migrantes de várias matrizes culturais

Essa parcela da população é formada por agricultores que, na década


de 1970, saem das suas cidades de origem no interior dos Estados da região
Sul para Curitiba (PR) e do interior do Nordeste para a cidade de São Paulo.
O desemprego que se abate sobre as grandes cidades brasileiras
polarizadoras da migração na década de 1980 vai influenciar o movimento
desses agricultores à procura de terras baratas e “livres” para se
estabelecerem. “Pelos dados do Censo de 91 foi, indubitavelmente, um
aumento sem precedentes da migração de retorno no País” (CUNHA;
BAENINGER, 2000, p. 53). Alguns poucos migrantes também vieram dos
Estados de Minas Gerais e Mato Grosso. O que ocorreu na região não foi a
migração de retorno aos Estados de origem, porém, a ida para a área do
antigo Parque Estadual de Jacupiranga (PEJ). É o retorno à agricultura, à terra
para trabalho. “É nesse período também que a migração brasileira passa por
30
Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

mudanças significativas, com a redução dos processos migratórios de longa


distância para novas fronteiras agrícolas, ampliando-se a migração intra e
inter-regional” (CUNHA; BAENINGER, 2000, p. 53).Apesar de não ser nascida
na área de estudo, a maioria dos migrantes do Mosaico é formada por
pequenos agricultores que, em determinado período nas suas localidades de
origem, saíram do campo em busca de trabalho nas cidades. Ao voltarem ao
campo, retornam à condição de agricultores, com as marcas da cultura
caipira. Portanto, acaipirados também. Porém, os juízes da Comarca de
Jacupiranga, por exemplo, consideram que, para ser considerado como
morador tradicional, o agricultor deve estar na região há pelo menos três
gerações (informação verbal), e não as práticas que o migrante traz nem
tampouco as relações afetivas que essas populações constroem ao longo do
tempo com o território. Esse tempo de três gerações foi arbitrado e não tem
nenhuma justificativa antropológica. A Figura 06 apresenta a distribuição
espacial dos povos do Mojac, que representam a diversidade cultural do
Território.
31 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

Figura 06- Mapa dos Povos do Mojac (BIM, 2012).


32
Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A riqueza do processo de elaboração e criação da Lei do Mosaico de


Unidades de Conservação do Jacupiranga evidenciou e acolheu, antes de
tudo, a importância da organização da sociedade civil. Foi ela que, diante de
uma situação de conflito e total falta de diálogo que marcava a história do
antigo Parque Estadual de Jacupiranga (PEJ), se revoltou, protestou, se
organizou e articulou a proposição da primeira lei que colocaria a região em
evidência e na pauta da política ambiental do Estado.

Mas, vencida esta fase inicial e percorridos cinco anos e meio desde a
promulgação da lei, é necessário agora vencer os desafios que se colocam
para a sua efetiva implantação. E os principais entraves são provenientes da
omissão dos órgãos do Estado responsáveis pela área, que não dão à área e
seus habitantes a prioridade que necessitam e merecem, negligenciando o
cumprimento da lei.

Os entraves para a implantação do Mojac são ainda os mesmos que


afligem a todo o sistema de criação de Unidades de Conservação no Brasil,
ou seja, as UCs são criadas, mas sem o financiamento e o planejamento
necessários para sua efetiva implantação. O desafio é fazer com que o Estado
cumpra a sua responsabilidade, encaminhando desde as questões
relacionadas aos recursos humanos e financeiros para o atendimento das
demandas da gestão das áreas, quanto as questões mais complexas que
estão explícitas na lei de criação do Mojac e que resultam na necessidade de
políticas públicas consistentes.

Entre elas, o funcionamento da Comissão de Implantação - que foi


criada e só se reuniu duas vezes, uma em 2010 e outra em 2011; a criação
do Conselho Consultivo do Mosaico; a discussão e elaboração dos Planos de
Manejo; e a execução das políticas de regularização fundiária – que
praticamente não avançam. Nenhuma área ocupada irregularmente foi
arrecadada, apesar de várias ações de reintegração de posse já terem sido
ganhas na Justiça pelo Estado, nem foi adquirida nenhuma área para
realocação dos ocupantes dos Parques.
33 AGRÁRIA, São Paulo, No. 18, 2013 BIM, O. J. B. e FURLAM, S. A.

Além disso, poucos recursos orçamentários foram destinados para a


gestão, cuja integração entre as diversas UCs é preconizada no SNUC, bem
como também não foi implantado o Conselho Gestor do Mosaico.

O movimento social organizado não se acomodou diante da lentidão do


Estado no andamento da implantação efetiva do Mojac. Em março de 2011,
diante do não atendimento da cobrança de soluções para a questão fundiária,
de infraestrutura e de implantação do Mosaico pela Fundação
Florestal/Secretaria de Estado do Meio Ambiente, os moradores e lideranças
comunitárias dos Parques Estaduais do Rio Turvo (Pert) e do Parque Estadual
da Caverna do Diabo (PECD) ocuparam o Núcleo Cedro do Pert, localizado em
Barra do Turvo.

A manifestação, liderada pelo Sintravale, Cooperafloresta e Sindicato


dos Trabalhadores Rurais de Cajati, cobrava medidas para acelerar o
processo de implantação do Mosaico, tendo como principais reivindicações:
elaboração dos Planos de Manejo das Unidades de Conservação do Mosaico;
aquisição de terras para realocação das famílias que permaneceram em áreas
de Parques após a criação do Mosaico; suspensão das ações por crime
ambiental contra os agricultores familiares do Mosaico; criação de uma
comissão permanente de negociação A ocupação cobrou do Estado o
cumprimento da Lei nº 12.810 e a colocação desta na ordem de prioridade
da política estadual de meio ambiente.

Os movimentos ocorridos no processo da criação e implantação do


Mosaico do Jacupiranga comprovam a complexidade do processo e sua
magnitude. O que está em curso no Mojac é um teste para o SNUC, pois todo
o processo se confunde com a própria história de implantação da lei do SNUC,
precursora em considerar as populações residentes nas Unidades de
Conservação. Isso não significa, no entanto, que tais populações sejam
reconhecidas e valorizadas no seu modo de vida e incorporadas às políticas
de conservação. Portanto, a organização e a mobilização destas populações
é que vão garantir a implantação da lei, de forma a respeitar os seus direitos
e a criar um novo paradigma para a conservação da região do Mojac, fazendo
com que tudo não acabe resultando apenas em um mosaico de papel.
34
Mosaico do Jacupiranga - Vale do Ribeira/SP: conservação, conflitos
e soluções socioambientais, pp. 4-36.

Pode-se afirmar que a criação do Mojac foi alternativa acertada,


construída a partir de diretrizes que foram se consolidando na agenda política
ambiental de São Paulo e que acompanharam a discussão nacional e
internacional sobre a presença de populações em áreas protegidas. É
importante frisar que esse modelo só pode ser concretizado graças à
mobilização dos sujeitos sociais locais que, através de suas organizações,
ganharam força, visibilidade e conseguiram inserir suas demandas na arena
política. A criação do Mosaico do Jacupiranga conseguiu atender a um dos
seus principais objetivos - a redução dos conflitos socioambientais relativos
ao uso do território para as comunidades que vivem em áreas
recategorizadas. Permanece ainda o conflito para as famílias que ficaram no
interior dos Parques. Mas a própria lei prevê mecanismos para encaminhar
soluções a esta questão, tornando possível a revisão dos limites das UCs
através da elaboração do Plano de Manejo.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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