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GUILLERMO ALTARES
Pintura rupestre de uma cena cotidiana com gado no Neolítico, em Tassili n’Ajjer (Argélia). DE AGOSTINI PICTURE
LIBRARY (GETTY)
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24/02/2020 A autêntica revolução foi no período Neolítico | Ciência | EL PAÍS Brasil
Ponderar se foi uma desgraça ou uma sorte algo que aconteceu há 10.000
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anos e que não podemos reverter pode ser absurdo, mas é importante
Quando os
tentar saber como aquela passagem aconteceu e saber se a vida das humanos
populações melhorou. O motivo é que foi naquele período que a começaram a
realizar
humanidade começou a transformar o meio ambiente para adaptá-lo às
funerais?
suas necessidades, e quando a população da Terra começou a crescer
exponencialmente, um processo que só se acelerou desde então. Os Encontrado em
Israel um fóssil
estudos sobre o Neolítico se multiplicaram nos últimos tempos e não é por
candidato a ser
acaso: hoje vivemos a passagem para uma nova era geológica, do o ‘Homo
Holoceno ao Antropoceno, uma mudança planetária imensa. De fato, sapiens’ mais
antigo
alguns estudiosos acreditam que esse salto começou no Neolítico.
Cães ajudaram a
“O crescimento demográfico constante, que ainda está fora de controle, humanidade a
provocou concentrações humanas, tensões sociais, guerras, sobreviver
On Inventa l’Agriculture, la Guerre et les Chefs (Fayard, 2017) [Os Dez Achado
Milênios Esquecidos Que Fizeram a História. Quando Inventamos a arqueológico
Agricultura, a Guerra e os Chefes]. “Acredito que é a única verdadeira pode revelar elo
entre comum
revolução na história da humanidade”, explica Demoule por telefone. “A entre homens e
revolução digital que estamos vivendo atualmente não é mais do que uma macacos
consequência de longo prazo daquela. Mas, curiosamente, é a menos
ensinada na escola. Começamos com as grandes civilizações, como se
fossem óbvias, mas é muito importante perguntar por que chegamos até aqui, por que
temos governantes, exércitos, burocracia. Acho que no nosso inconsciente não queremos
fazer essas perguntas.”
O capítulo que o ensaísta israelense Yuval Noah Harari dedica ao Neolítico em seu célebre
livro Sapiens – Uma Breve História da Humanidade (Harper, 2011), um dos ensaios mais
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lidos dos últimos anos, intitula-se ‘A maior fraude da história’. “Em vez de anunciar uma
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nova era de vida fácil, a revolução agrícola deixou os agricultores com uma vida geralmente
mais difícil e menos satisfatória do que a dos caçadores-coletores”, escreve Harari. O
antropólogo da Universidade de Yale, James C. Scott, professor de estudos agrícolas, se
pronuncia num sentido semelhante: “Podemos dizer sem problemas que vivíamos melhor
como caçadores-coletores. Estudamos corpos de áreas onde o Neolítico estava sendo
introduzido e encontramos sinais de estresse nutricional em agricultores que não
encontramos em caçadores-coletores. É ainda pior nas mulheres, onde identificamos uma
clara carência de ferro. A dieta anterior era sem dúvida mais nutritiva. Encontramos
também muitas doenças que não existiam até os humanos passarem a viver mais
concentrados e com os animais. Além disso, sempre que ocorreram assentamentos de
populações, começaram guerras”.
Scott percebeu que todas as ideias que tinha sobre o Neolítico estavam erradas enquanto
preparava um curso sobre a domesticação de plantas e animais. “Passei três anos
estudando tudo o que havia sido publicado tentando entender o que realmente havia
acontecido”, explica por telefone desde seu escritório. Assim, escreveu Against the Grain: A
Deep History of the Earliest States (Yale University Press, 2017) [Contra As Sementes: uma
História em Profundidade dos Primeiros Estados], livro que teve grande impacto no mundo
anglo-saxão. “A versão que contamos do Neolítico nas escolas, que aprendemos a
domesticar as plantas, então criamos as cidades e a fome acabou é falsa”, diz Scott.
Sua leitura desse período é a mais revolucionária e nem todos os estudiosos concordam
com sua interpretação, mas podemos falar de uma reavaliação geral daqueles milênios,
provocada, entre outras razões, porque o estudo do DNA antigo permitiu conhecer
populações do passado como nunca até agora. Em seu ensaio, Scott argumenta que já se
utilizava a agricultura e a irrigação antes do nascimento dos Estados, e que diferentes
catástrofes como epidemias ou desmatamento, e a salinização do solo, fizeram que o
Neolítico fosse um processo de ida e volta e que sociedades agrícolas voltassem a ser
caçadoras-coletoras. “Durante 5.000 anos passaram de um estado a outro dependendo das
condições climáticas. Houve muita fluidez entre essas duas formas de vida”, afirma.
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Perguntado se isso esconde lições para o presente, o professor diz que é uma questão que
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levantam o tempo todo, mas ele não quer “ser profeta”. Como leitor, é muito difícil abstrair
essa tentação: a ideia de que o avanço da humanidade pode ser reversível se brincarmos de
aprendiz de feiticeiro, ao colocar em marcha processos que não somos capazes de
controlar, é muito inquietante. Especialmente porque vivemos um momento em que
estamos rodeados por fenômenos (dos plásticos no mar aos avanços em inteligência
artificial ou o aquecimento global) cujas consequências a longo prazo estamos apenas
começando a vislumbrar. Aquelas primeiras populações que deixaram o nomadismo para se
assentar e viver da agricultura e da pecuária tampouco podiam ter uma ideia do que estava
acontecendo.
Outros livros publicados recentemente que questionam algumas verdades adquiridas sobre
o Neolítico são La Forja Genética de Europa. Una Nueva Visión del Pasado de las
Poblaciones Humanas (Edicions Universitat de Barcelona, 2018), do geneticista espanhol
Carles Lalueza-Fox, professor do Instituto de Biologia Evolutiva (CSIC-UPF) e Les Chemins
de la Proto-Histoire. Quand l’Occident s’Éveillait (Odile Jacob, 2017) [Os Caminhos da
Proto-História. Quando o Ocidente Despertava] de Jean Guilaine, que aos 81 anos é uma
referência nos estudos de pré-história na Europa e atualmente é professor emérito do
Collège de France. “O Neolítico nos deixou uma mensagem clara: um ambiente natural
transformado e bem regulado pode alimentar um grande número de bocas”, explica
Guilaine. “Mas essa mensagem sublime também foi pervertida pelo homem, ávido por
dominar seus semelhantes: exploração irracional do meio, acumulação de sementes,
desigualdades sociais, espírito de supremacia sobre os mais fracos. A esperança de uma
sociedade em harmonia com a nova economia fracassou por causa da recusa a
compartilhar.”
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Quase ninguém mais acredita que houve uma única revolução neolítica que eclodiu no
Oriente Médio com a domesticação do trigo e que daí se espalhou a todo o planeta. A ideia
mais difundida é que houve vários pontos de partida mais ou menos simultâneos, na China
com o arroz ou na América com o milho. Por outro lado, existe a certeza, graças à genética,
de que o trigo chegou à Europa por meio das migrações dos primeiros camponeses, em um
momento de grandes movimentos populacionais.
Sardenha. Além de Portugal e Espanha, essa cerâmica, que não está associada ao uso
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cotidiano, mas ritual, apareceu na França, Itália, Reino Unido (incluindo a Escócia), Irlanda,
Holanda, Alemanha, Áustria, República Tcheca, Eslováquia, Polônia, Dinamarca, Hungria e
Romênia. “Sua escala geográfica não tem precedentes no continente até a chegada da
União Europeia”, escreve Lalueza-Fox em seu ensaio. Guardando todas as proporções, seu
alcance geográfico poderia ser comparado ao de um Tok &Stok do fim da pré-história.
Durante décadas existiram duas teorias opostas: a cerâmica teria chegado com populações
que migraram ou teria existido algum tipo de transmissão oral. Ao longo de 2016, equipes do
Instituto de Biologia Evolutiva do CSIC, do Wolfgang Haak, do Instituto Max Planck, e David
Reich, que dirige em Harvard um laboratório de genética e que acaba de publicar o ensaio
Who We Are and How We Got Here: Ancient DNA and the New Science of the Human Past
(Pantheon, 2018) [Quem Somos e Como Chegamos até Aqui: o DNA Antigo e a Nova Ciência
do Passado Humano], analisaram amostras de indivíduos que pertenciam a essa cultura,
coletadas em todo o continente. “Descobrimos que não estava associado a movimentos de
genes e, portanto, de pessoas, mas que se tratava do primeiro exemplo de difusão maciça
de ideias”, explica Lalueza-Fox. Posteriormente houve um movimento maciço de população
para as Ilhas Britânicas, que levou a essa cultura e, de fato, substituiu as populações então
existentes.
Esse período é particularmente importante porque é a partir desse momento que começam
a surgir sinais arqueológicos claros da existência de uma aristocracia e, portanto, de
desigualdades sociais. “É um momento crítico de mudança social, caracterizado pela
emergência de uma classe aristocrática guerreira que perdura além da própria cultura”,
escreve o pesquisador catalão em seu ensaio.
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As lições que esconde podem ser muito úteis para um presente em que a humanidade está
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levando a natureza e seus recursos ao limite de suas possibilidades.
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