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Educação e aprendizagem para todos: olhares dos cinco continentes. – Brasília : UNESCO,
Ministério da Educação, 2009.
112 p.
BR/2009/PI/H/6
Apresentação ..................................................................................................................7
Ásia e Pacífico
Declaração asiática sobre a construção de sociedades igualitárias
e sustentáveis na Ásia e no Pacífico .......................................................................15
África
O pronunciamento africano sobre o poder da educação de jovens e adultos
para o desenvolvimento da África.........................................................................21
Estados Árabes
Declaração sobre o investimento na educação de adultos: construindo sociedades
baseadas na aprendizagem e no conhecimento nos Estados Árabes .......................31
Parte 2 - Relatório Síntese Regional da América Latina e Caribe
da alfabetização à aprendizagem ao longo da vida:
tendências, questões e desafios na educação de jovens
e adultos na América Latina e no Caribe
Acrônimos...........................................................................................................97
Abreviaturas........................................................................................................98
Referências..........................................................................................................98
Anexos...............................................................................................................101
Sobre a autora...................................................................................................109
APRESENTAÇÃO
com a educação e aprendizagem de jovens e adultos como fonte de informações e perspectivas que
nos ajude a entender a nossa realidade e a aprofundar e questionar as nossas próprias práticas. Espe-
ramos que uma leitura crítica e analítica do Informe Brasileiro, já divulgado pelo MEC * no contexto
do relatório regional da América Latina e do Caribe, e dos documentos finais das cinco conferências
regionais possam despertar a consciência e responsabilidade internacionais de cada delegado e de cada
observador. Será um privilégio extraordinário sediar a CONFINTEA VI no Brasil para a qual, no
verdadeiro espírito da EJA, precisamos nos preparar na medida em que reafirmamos: Vivendo e
aprendendo para um futuro viável: o poder da aprendizagem de adultos.
* BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Documento Nacional Preparatório
à VI Conferência Internacional de Educação de Adultos (VI CONFINTEA). Brasília: MEC; Goiânia: FUNAPE/UFG, 2009.
PARTE 1
Declarações finais das
conferências regionais preparatórias
para a Sexta Conferência Internacional
de Educação de Adultos (CONFINTEA VI)
AMÉRICA LATINA E CARIBE
1. Nota do tradutor: o original utiliza a expressão “ao longo e ao largo da vida”, para designar aprendizagens que se realizam ao longo do
tempo e em todos os âmbitos da vida social. Optou-se por empregar a expressão “ao longo da vida” porque a tradução literal ao português
não agrega o significado pretendido.
2. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e da Educação para Todos (EPT), a Quinta Conferência Internacional de Edu-
cação de Adultos (CONFINTEA V), a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS), o Projeto
Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC), o Plano Ibero-americano de Alfabetização e Educação Básica de
Pessoas Jovens a Adultas (PIA), entre outros. 11
A especificidade e heterogeniedade países ocorreram avanços significativos no plano
desta região legal e das políticas, em termos do reconhe-
A América Latina e o Caribe constituem uma cimento do direito à educação, à diversidade
região com grandes especificidades e enorme- linguística e cultural destas nações. Em parti-
mente heterogênea, formada por 41 países e cular, têm-se retomado as agendas nacionais e
territórios, onde são faladas cerca de 600 línguas, internacionais, os planos, programas e campa-
com realidades muito diferentes em todos os nhas de alfabetização. Foram institucionalizadas,
sentidos, incluindo o educativo e especificamente deste modo, ofertas para completar e certificar
o de educação de pessoas jovens e adultas (EPJA). os estudos de educação primária e secundária
Essa diversidade entre países e dentro de cada para as pessoas jovens e adultas, em alguns casos,
país exige cautela quanto às generalizações e um vinculados a programas de capacitação e for-
grande esforço de diversificação, elaboração e mação para o trabalho.
melhoramento de políticas e programas, ade- A oferta educativa não formal ampliou-se
quando-os a contextos e grupos específicos, consideravelmente, abrangendo tópicos muito
considerando entre outras diferenças, idade, diversos, vinculados a direitos, cidadania, saúde,
12 gênero, raça, região, língua, cultura e pessoas violência intrafamiliar, HIV/Aids, proteção do
com necessidades educativas especiais. meio ambiente, desenvolvimento local, econo-
Esta é também a região mais desigual do mia social e solidária etc. Em alguns países houve
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
mundo com 71 milhões de pessoas vivendo na avanços na eqidade de gênero. Também começou
indigência e cerca de 200 milhões de pobres. a ter visibilidade a atenção a grupos especiais,
Exclusão educativa e exclusão política, econô- como imigrantes e pessoas privadas de liber-
mica e social são todas faces da mesma moeda. dade. Os meios audiovisuais e o uso das TICs
A EPJA situa-se exatamente nessa problemática, penetraram no campo da EPJA, em alguns casos
entendendo que a educação é uma ferramenta a partir de investimentos e intervenções governa-
fundamental para lutar contra a pobreza e a mentais e de cooperação internacional.
exclusão social, mas considerando também a Em alguns poucos países, a EPJA obteve
impossibilidade de resolver tal problemática avanços importantes em termos de construção
de sistemas de informação, documentação,
exclusivamente do campo educativo, na ausência
monitoramento e avaliação dos programas.
de mudanças estruturais e sem a convergência
Também houve, nos últimos anos, estímulo à
de outras políticas.
pesquisa tanto nacional como regional. A coo-
Os diversos contextos socioeconômicos,
peração Sul-Sul iniciou-se em muitos desses
étnicos e culturais da região estabelecem cada
contextos, com iniciativas regionais e sub-
vez mais obstáculos à alfabetização e outras
regionais de diversas naturezas.
formas de aprendizagens entre as pessoas jovens
e adultas. Entre esses fatores figuram o desem-
Desafios
prego, a exclusão social, as migrações, a violência, Não obstante, cada um dos avanços apresenta
as disparidades entre homens e mulheres, todos ao mesmo tempo, novos e velhos desafios. Con-
esses vinculados, em grande parte à pobreza tinua sendo grande a distância entre o previsto
estrutural. Esta situação tem sido agravada, nos nas leis e políticas e o efetivamente realizado,
últimos tempos, pela crise alimentar, pela crise colocando-se a necessidade de uma construção
energética e pelas mudanças climáticas. mais participativa das políticas e de sua vigi-
lância social por parte da cidadania, em geral, e
Avanços por parte, especificamente, dos sujeitos da EPJA.
Nos últimos anos, a EPJA ganhou impulso A cobertura dos programas governamentais e
renovado na região, após um período de recesso não governamentais continua sendo, em geral,
nos anos 90, tanto por parte dos governos como limitada para as necessidades e a demanda efe-
dos organismos internacionais. Na maioria dos tiva, e continua marginalizando as populações
rurais, indígenas e afrodescendentes3, migrantes, Também, é preciso prestar especial atenção à
pessoas com necessidades educativas especiais formação de educadores e educadoras, à pesquisa
e pessoas privadas de liberdade mantendo ou para a EPJA, em um marco pedagógico-didático
aumentando a exclusão, em vez de reduzi-la. que permita atender os contextos e a especifi-
A estratégia de integrar pessoas jovens e cidade da área, apoiando-se para isso nas univer-
adultas em uma mesma categoria, não pode deixar sidades.
perder de vista a especificidade e os desafios de Do ponto de vista de sua coerência com a
cada grupo etário, considerando que os jovens equidade, é necessário reverter as tendências
são um grupo majoritário na região. Entretanto, atuais, dando prioridade e atenção com quali-
a oferta educativa para certos segmentos por dade e pertinência às áreas, aos setores e grupos
idade vem sendo priorizada, de maneira geral em desvantagem, como são nesta região as
até os 35 ou 40 anos, deixando de fora a popu- populações rurais, migrantes, indígenas, afro-
lação de mais idade e negando, assim, seu direito descendentes e pessoas privadas de liberdade e
à educação, e contrariando a própria adoção do com necessidades educativas especiais.
paradigma da aprendizagem ao longo da vida.
II. Estratégias e recomendações 13
A diversificação e descentralização da oferta
educativa requerem coordenação e articulação
Reconhecer que a realização plena do direito
entre os diferentes atores: governos nacionais e
Ferramentas
8. Desenvolver políticas de pesquisa e siste-
matização de experiências educativas, promover
ÁSIA E PACÍFICO
meio de pesquisa interdisciplinar sistemática enfoque sistemático deve ser dado às mulheres
para a inovação, integração e replicação; e aos grupos mais vulneráveis em todas as
• aos governos avaliar e desenvolver as capa- políticas e abordagens educacionais;
cidades dos recursos humanos, para os profis- • os Estados-membros estabeleçam um órgão
sionais em educação de adultos, em parceria superior de fiscalização em âmbito nacional,
com instituições de pesquisa e de ensino superior; no formato de conselho ou comissão de
• aos governos reforçar e estabelecer parâ- aprendizagem ao longo da vida, a fim de
metros de equivalência por meio do estabele- mobilizar e coordenar os esforços de todos
cimento de padrões de qualidade e certificação os atores da aprendizagem e educação de
em âmbito nacional; adultos;
• aos governos estabelecer redes e parcerias • sejam criados programas de aprendizagem
entre os provedores de AEA e as organizações e educação de adultos mais acessíveis, gra-
que os apoiam e financiam, em nível nacional tuitos ou subsidiados pelo governo, com
e local, para reforçar as capacidades insti- incentivos de aprendizagem, incluindo
tucionais e fortalecer o desenvolvimento bolsas de estudos para alunos da educação de
profissional; adultos;
• à UNESCO facilitar o desenvolvimento • sejam construídas parcerias sólidas entre
de redes internacionais para a colaboração e governos, ONGs, OSCIPs, bem como
a troca de boas práticas entre os Estados- provedores da aprendizagem e educação de
membros. adultos juntamente com organizações das
comunidades locais. Tais parcerias fortale-
Participação e inclusão cem a capacidade de participação das comu-
20. A construção de sociedades igualitárias nidades no planejamento e na implantação
e sustentáveis na Ásia e no Pacífico requer a de programas de aprendizagem e educação
participação do maior número possível de de adultos;
atores, sejam governamentais ou não governa- • sejam estabelecidas redes formadas por
mentais, públicos ou privados, individuais ou centros comunitários de aprendizagem para
coletivos. Para combater a marginalização, a construir as bases para a oferta da apren-
pobreza e o desemprego, a necessidade de ex- dizagem e educação de adultos;
pandir o acesso do adulto à alfabetização e • a aprendizagem e educação de adultos sejam
aprendizagem tem se tornado cada vez maior e integradas com programas de geração de
renda e projetos comunitários inovadores para e especialistas, a fim de monitorar o pro-
o desenvolvimento; gresso das iniciativas de aprendizagem e
• sejam oferecidos serviços de avaliação gra- educação de adultos na região;
tuitos e informações sobre o mercado de • um Relatório Global sobre a Aprendizagem
trabalho visando a motivação de potenciais e Educação de Adultos seja produzido com
alunos; mais frequência, e que deva incluir os relató-
• a sabedoria popular, o conhecimento, as rios nacionais regulares e a avaliação de AEA;
metodologias e as línguas maternas sejam • seja realizado um balanço intermediário
valorizados e aplicados nos programas de em 2015 (data que coincidirá com as metas
aprendizagem e educação de adultos. da EPT e os ODMs) para relatar as imple-
mentações nacionais das iniciativas da
Monitoramento CONFINTEA VI.
21. A falta de dados e evidências confiáveis
dificulta o monitoramento do progresso da
implementação de políticas realizadas pelos
governos, por seus parceiros e outros atores. 19
A educação de adultos não é exceção. A constante
coleta de dados, em âmbito nacional e interna-
Nós, representantes dos 46 países africanos atenção para a promoção da democracia, a paz,
desta conferência regional preparatória para a a justiça social, a segurança e o respeito aos
CONFINTEA VI, declaramos o compromisso direitos humanos. Esta denúncia pelos povos do
em tornar a Educação de Jovens e Adultos um Sul e Norte é sem precedentes. A mudança
direito e uma realidade para o nosso povo. política histórica que acontece no país mais
Novos desafios e demandas acontecem na África poderoso do mundo mostra que todas as ordens
para controlar situações novas e velhas e cha- sociais estão suscetíveis a mudanças e fracassos.
mamos a África para a CONFINTEA VI: junte- Apesar de todo o esforço econômico e social e
se a nós e nos apóie nessa luta para a apren- do progresso realizado pelos países Africanos, os
dizagem ao longo da vida, desenvolvimento indicadores internacionais de desenvolvimento
sustentável, e uma cultura de paz. Tal mudança pintam um triste cenário para a África. Real-
social evolui como um produto da cidadania mente o continente africano está ainda enfren-
consciente e melhores condições de vida. A edu- tando extrema pobreza, recorrentes conflitos
cação e aprendizagem de jovens e adultos consti- armados, instabilidade política, pandemia de
tuem o veículo para tal mudança, uma vez que HIV e Aids e várias formas de exclusão, violência
capacitam os jovens e adultos a participar ativa- e migração.
mente no desenvolvimento desse processo. A África é a segunda maior e uma das mais
A preparação para a CONFINTEA VI diversas regiões do mundo. O potencial da África
acontece num contexto marcado por uma série reside em seus elementos linguísticos, culturais e
de decisões novas pela União Africana tais humanos assim como na sua diversidade eco-
como a Carta da Renascença Cultural Africana, lógica e seus recursos naturais. Entretanto, a
a Segunda Década para a Educação, a Carta à África enfrenta uma variedade de sérios desafios.
Juventude e a implementação da Academia Três quartos das pessoas mais pobres do mundo
Africana de Línguas. Todas essas decisões con- vivem na África Subsaariana, uma situação
tribuem para o desenvolvimento da aprendi- exacerbada pela negligência persistente e falta de
zagem e educação de jovens e adultos (ALE). capacidades induzidas por sistemas sociopolíticos
e econômicos desiguais. É também um continente
Contexto geral desafiado pelo rápido crescimento e urbanização
de sua população e pela necessidade de prover as
A séria crise econômica e social que vivemos exigências educacionais e de sustento dos jovens.
atualmente tem estimulado pessoas cujas vozes Nesse contexto, a Educação de Jovens e Adultos
haviam sido silenciadas e ignoradas. Líderes afri- constitui o alicerce para o desenvolvimento sus-
canos estão denunciando veementemente as crises tentável. Somos unânimes em reconhecer que o
artificialmente induzidas sobre a diminuição de desenvolvimento das capacidades da África por
recursos naturais e escassez de alimentos. Simul- meio da educação e o uso das línguas africanas
taneamente, a sociedade civil tem chamado são críticos para se ter uma África próspera, 21
pacífica e integrada. A educação e aprendizagem em um grande número de programas. Esses
de jovens e adultos são uma ferramenta eficiente empreendimentos têm sido apoiados por agên-
para o desenvolvimento dos povos da África, e cias de desenvolvimento técnico-financeiro e
permitem transmitir habilidades apropriadas organismos internacionais.
(incluindo competências técnicas e vocacionais),
conhecimento e atitudes entre os jovens e adultos, Qualidade da provisão de recursos
no sentido de capacitá-los a participar ativa- Em resposta às necessidades específicas de
mente no desenvolvimento integral dos seus aprendizagem de jovens e adultos, os currículos
países, assim como no cumprimento dos Objetivos foram inovados em diversos tópicos. Em alfa-
de Desenvolvimento do Milênio e de Educação betização e outros programas de educação de
para Todos. adultos, a questão de gênero tem sido predomi-
Falamos de uma perspectiva Africana sobre a nante e isso tem causado impactos na liderança
educação e aprendizagem de jovens e adultos, a e participação das mulheres nos processos de
qual está enraizada nas filosofias e culturas afri- tomada de decisão. Os programas que tratam
canas e na integração com o conhecimento mo- HIV/Aids também têm sido promovidos, assim
derno e tecnologias. Tal perspectiva possibilita como programas de Tecnologia da Informação e
22 uma estrutura conceitual e prática para desen- Comunicação (TICs) e Educação a Distância e
volver políticas eficientes, práticas, pesquisa, Aberta (EAD), integrados em desenvolvimento
parcerias e contatos para prover oportunidades de programas de alfabetização e educação básica
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
que beneficiam e empoderam tanto os jovens e vários outros setores de desenvolvimento, tais
quanto os adultos. O foco da educação e apren- como saúde e nutrição, microcrédito, direitos
dizagem de jovens e adultos consiste em responder humanos e cidadania, usando uma variedade de
tanto aos interesses de aprendizagem do indi- metodologias de participação.
víduo quanto às necessidades de aprendizagem Em relação à necessidade de uma avaliação
coletiva das pessoas que vivem nas diversas mais eficiente, o monitoramento e avaliação em
comunidades. educação e aprendizagem de jovens e adultos
levaram a inovações na validação da aprendi-
Avanços na África zagem anterior e o reconhecimento do saber e
habilidades obtidas pelo processo de educação
Políticas e programas não formal. Vários países africanos estão desen-
Na última década, nossos países, com algum volvendo Estruturas de Qualificações Nacionais
apoio das comunidades internacionais e organi- (NQFs, National Qualification Framework).
zações da sociedade civil, têm promovido várias Essas estruturas reconhecem que é necessário
políticas e programas inovadores que tiveram implementar sistemas de validação de aprendi-
impacto positivo na educação e aprendizagem zagem, os quais são equivalentes aos sistemas de
educação formal. Independentemente de onde e
de jovens e adultos. Por exemplo, por meio de
quando a aprendizagem acontece, tais estruturas
estratégia de outsourcing (faire-faire), os governos
asseguram uma justa equivalência entre a
têm desenvolvido parcerias com outros países
aprendizagem formal e não formal, capacitando
doadores para viabilizar financiamentos e au-
os alunos às diversas formas de acesso à educa-
mentar e melhorar a provisão de recursos para a ção e consequentes oportunidades de trabalho e
alfabetização e educação de adultos. Houve aprendizagem ao longo da vida.
investimento por parte de campanhas de alfa- Todos esses avanços acontecem de forma
betização em massa por meio de iniciativas seto- isolada. Eles precisam ser trabalhados por meio
riais eficientes para a aprendizagem em múltiplos de políticas eficientes para sua implementação
níveis. (incluindo planejamento, financiamento, susten-
tabilidade, parcerias e redes de contato, moni-
Parcerias toramento e avaliação) dentro e entre os países
Múltiplas parcerias entre governos, comuni- africanos. Além disso, grandes desafios perma-
dades, organizações da sociedade civil e o setor necem.
privado têm aumentado a provisão de recursos
Desafios longo da vida, não apenas em alfabetização e
educação básica.
Os desafios da educação e aprendizagem de Onde ocorre descentralização de governança
jovens e adultos devem ser registrados e supe- e/ou provisão de recursos, o problema de
rados de forma enérgica. As nossas expectativas alocação inadequada de recursos é sentido em
para a CONFINTEA VI são que essa reunião todos os níveis.
importante venha energizar nossa mobilização Educação (e particularmente educação e
coletiva para os próximos dez anos – no pensar aprendizagem de jovens e adultos) é raramente
estratégico, planejamento e comprometimento vista como um investimento e sim como um
de recursos para vencer esses desafios. simples gasto. O financiamento de educação e
aprendizagem de jovens e adultos é raramente
Conceitos e dados da educação baseado em uma avaliação adequada de neces-
e aprendizagem de jovens e adultos sidades, dados de pesquisa ou levantamentos
reais de custo e receitas. Os benchmarks existen-
tes sobre a proporção da receita nacional para a
Há uma visão estreita de que a educação e
educação dedicada à educação e aprendizagem
aprendizagem de jovens e adultos estejam 23
de jovens e adultos (como um todo, ou mera-
frequentemente limitadas à alfabetização, o que
mente relacionada à alfabetização) são parcamente
acarreta uma dificuldade no levantamento de
entendidos ou considerados.
dados e estatísticas confiáveis e relevantes para a
formal e outra crise (menos óbvia, mas de parti- aprendizagem de jovens e adultos, de forma que
cular importância a longo prazo) nas institui- os alunos possam estar mais bem equipados para
ções de ensino superior, as quais foram concebidas administrar suas vidas frente às diversas facetas
para nutrir novos líderes, especialistas e aqueles do trabalho, da vida e da aprendizagem.
que trabalham com educação de adultos. As
demandas para a profissionalização da prática Recomendações
de educação de adultos têm sido trabalhadas
de forma inadequada. Muitos programas de Reconhecendo que o cumprimento do direito
qualificação e treinamento de profissionais que à educação de jovens e adultos encontra-se
trabalham com a educação de adultos não são condicionado a estruturas de políticas, legislação,
financiamento e implementação, que buscam
reconhecidos, e há uma necessidade de melhores
tratar desafios impostos aos países da região, nós
condições de trabalho e fortalecimento de insti-
recomendamos o seguinte:
tuições terciárias, que educam e treinam profis-
sionais, gestores e elaboradores de políticas de
Para a CONFINTEA VI
educação de adultos tanto em âmbito nacional
quanto regional.
A CONFINTEA VI deve ser orientada para
ação e resultados. Os governos participantes
A parceria entre governo e sociedade civil devem assumir um forte compromisso para
O importante papel da sociedade civil (ONGs, revitalizar a educação e aprendizagem de jovens
OSCIPs, organizações religiosas e outras organi- e adultos e deve haver uma agenda de ações de
zações) em educação e aprendizagem de jovens e acompanhamento rápido e eficiente em âmbito
adultos está sendo reconhecido de forma inade- internacional, regional e nacional. Deve ser
quada e precisa ser ativamente encorajado e formado um grupo de defesa de educação e
apoiado. Para tal, devem ser desenvolvidas estru- aprendizagem de jovens e adultos, composto de
turas mais responsáveis e transparentes. governantes, organizações bilaterais e multi-
laterais e o terceiro setor, para mobilizar fundos
Implementação de programas em vários para educação e aprendizagem de jovens e adultos
setores de educação e aprendizagem e tratar seriamente as necessidades da África.
de jovens e adultos
Reconhecemos a necessidade de renovar por Políticas e planos de ação
completo os sistemas, currículos, materiais e o Todos os países devem ter uma política
treinamento de pessoal, para que as conquistas nacional abrangente de educação e aprendiza-
gem de jovens e adultos e planos de ação (os desenvolver estratégias e parcerias que aumen-
quais também fornecem uma política linguística tem o uso das TICs e da mídia para avançar na
abrangente e promovem a criação de ambientes educação e aprendizagem de jovens e adultos.
letrados). Essa política deve ser apoiada pela
legislação e ser fortalecida para ter capacidade de Profissionalização dos trabalhadores
execução. Também deve considerar estratégias de Educação e Aprendizagem
para minimizar os efeitos causados pela pobreza. de Jovens e Adultos
26
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
EUROPA E AMÉRICA DO NORTE
Avaliação e monitoramento
21. Incorporar atividades de monitoramento
e acompanhamento nas estratégias e políticas de
educação de adultos.
22. Convocar os Estados Árabes a estabelecer
bancos de dados para fins de planejamento,
avaliação e monitoramento e incentivar o
estabelecimento de políticas de alfabetização e
educação de adultos.
23. Criar uma estrutura comum de refe-
rência para a observação, monitoramento e
avaliação de programas de educação de adultos
em consonância com critérios e indicadores
internacionais usados para coleta de dados e
levantamentos no campo da educação de
adultos.
24. Convocar os Estados Árabes a estabelecer
mecanismos nacionais para o monitoramento e
a implementação de decisões e recomendações
desta conferência.
25. Convocar os Estados Árabes a estabelecer
e disponibilizar um mecanismo regional de
implementação e monitoramento das decisões
tomadas nesta conferência.
26. Convocar os organismos regionais e
internacionais – UNESCO, ISESCO, ALECSO
e o Escritório Árabe de Educação para os
Estados do Golfo (Arab Bureau of Education for
the Gulf States) – para criar um mecanismo
comum de monitoramento e implementação de
PARTE 2
Relatório Síntese Regional da América
Latina e Caribe da alfabetização à
aprendizagem ao longo da vida:
tendências, questões e desafios
na educação de jovens e adultos
na América Latina e no Caribe
Sobre este Relatório Regional
Belém, Pará, Brasil, 1º a 4 de dezembro de 2009
Este relatório regional foi preparado como necessária e um debate informado sobre a AEA e
parte do processo que conduz à Sexta Conferência a aprendizagem ao longo da vida no nível nacio-
Internacional sobre Educação de Adultos nal e regional, ao mesmo tempo levando em
(CONFINTEA VI), Vivendo e Aprendendo conta e participando na discussão e no movi-
para um Futuro Viáve: o poder da educação de mento internacional mais amplo facilitado pelo
adultos (Belém, Pará, Brasil, 1º a 4 de dezembro processo da CONFINTEA VI, de sua preparação
de 2009), organizada pelo Institute for Lifelong e seus encaminhamentos.
Learning da UNESCO (UIL). Um esboço preliminar deste relatório regional
O que aconteceu na América Latina e no (em espanhol) foi apresentado e discutido na
Caribe em termos de educação, de aprendizagem Conferência Regional sobre Alfabetização e na
e da educação de adultos (AEA) em particular, Conferência Preparatória para a CONFINTEA
principalmente desde a CONFINTEA V VI – Da alfabetização à Aprendizagem ao Longo
(Hamburgo, 1997)? Houve avanços quanti- da Vida: Rumo aos Desafios do Século XXI,
tativos e qualitativos com relação às principais organizada pelo UIL e INEA, no México (10 a
tarefas e desafios identificados há mais de uma 13 de setembro de 2008). Esta versão revisada
década? Quem são os novos atores que intervêm recebeu insumos dos debates, painéis e contri-
na área? Novas estratégias estão sendo pensadas buições ocorridos durante a conferência. Também
e implementadas? Como a expansão das modernas recebeu subsídios dos encontros e comentários
Tecnologias de Informação e Comunicação dos autores de outros relatórios regionais e de ca-
(TICs) afetou a área? Quais foram as lições pítulos temáticos do Relatório Global sobre
aprendidas ao longo da década passada? Quais Aprendizagem e Educação de Adultos preparado
são as principais questões, tendências e desafios para a CONFINTEA VI.
para a AEA hoje em vista dos atuais cenários
regionais e internacionais? Que parâmetros defi- Fontes de informação
nem a boa prática em AEA, valorizando a cen- De acordo com as diretrizes do UIL, as prin-
tralidade dos alunos e da aprendizagem, além dos cipais fontes de informação para este relatório
indicadores tradicionais de matrícula, conclusão foram os relatórios nacionais para o CONFINTEA
ou certificação? Como o paradigma proposto, VI preparados por governos, ministérios de
de aprendizagem ao longo da vida, é recebido, Educação e departamentos de Educação de Adul-
interpretado e utilizado nos marcos legislativos, tos durante o primeiro semestre de 2008, com
políticas, programas e práticas de educação, base em um questionário distribuído pelo UIL a
capacitação e aprendizagem em geral, e de jovens todos os países e regiões. Vinte e cinco dos 41
e adultos especificamente, nos diversos países? países e territórios que compreendem a região
Estas são algumas das perguntas que o presente apresentaram relatórios: Argentina, Belize, Bolí-
documento aborda e tenta responder. Seu obje- via, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile,
tivo é ajudar a provocar e organizar uma reflexão República Dominicana, Equador, EL Salvador, 39
Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Educação de Jovens e Adultos na América
Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, São Vicente e Latina e no Caribe (2000-2010) preparados
Granadinas, Santa Lucia, Suriname, Uruguai e por UNESCO-OREALC, CREFAL, INEA
Venezuela (um na América do Norte, sete na e CEAAL (ver Quadro 4), e o Relatório Regio-
América Central, dez na América do Sul, e sete nal apresentado na revisão de prazo médio
no Caribe). A maioria dos relatórios recebidos (BANGKOK, 2003);
foi elaborada em espanhol (18); o restante em in- b) dezenove relatórios nacionais elaborados
glês (5), em português (1) e em francês (1). A por Departamentos de Educação de Adultos
maioria foi produzida por funcionários de de- para o Plano Ibero-americano para Alfabe-
partamentos de Educação de Adultos, ou por tização e Educação Básica de Jovens e Adultos
consultores contratados para essa tarefa. No caso (PIA, 2007-2015) coordenado pela Organi-
do México e da Colômbia, também foram pro- zação dos Estados Ibero-Americanos (OEI):
duzidos documentos independentes e comple- Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa
mentares por especialistas em AEA. Somente em Rica, Cuba, Chile, República Dominicana,
alguns países – notadamente Brasil e Uruguai Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras,
– os relatórios foram elaborados por meio de México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru,
40 processos participativos que incluíram outros Uruguai e Venezuela;
atores além de órgãos governamentais. A sugestão c) vinte estudos nacionais e um relatório
do UIL de que fossem organizadas comissões na- síntese regional sobre o estado da arte da
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
1. Este relatório regional foi comissionado pelo Institute for Lifelong Learning da UNESCO (UIL). Sua produção foi financiada pelo CREFAL (Centro de Co-
operación Regional para la Educación de Adultos en América Latina y el Caribe baseado no México) como uma contribuição à CONFINTEA VI.
2. O primeiro estudo (UNESCO) compreendeu 19 países, incluindo territórios independentes e dependentes. Os independentes são: Antígua & Barbuda,
Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Grenada, Guiana, Haiti, São Vicente, Santa Lucia, São Cristóvão e Neves, Jamaica, Suriname, e Trinidad & Tobago. Os
dependentes são: Anguilla, Montserrat, Ilhas Virgens britânicas, Ilhas Turks & Caicos e as Ilhas Caimã; estes países não buscaram sua independência da
Grã Bretanha. O segundo estudo (OEA) analisou a Comunidade do Caribe (CARICOM), compreendendo 14 países, principalmente nações anglófonas:
Antigua & Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Grenada, Guiana, Jamaica, São Cristóvão e Nevis, Santa. Lucia, São Vicente & Granadinas,Trinidad
& Tobago, e Haiti (cuja língua oficial é o francês) e Suriname (cuja língua oficial é o holandês, situado na América Sul).
No processo de pesquisa e elaboração deste zados durante a preparação do relatório. Assim,
relatório regional, houve um esforço especial para nos casos da Argentina, Bolívia, Chile, Guatemala,
incorporar todos os países da América Latina e México e de Uruguai, os pesquisadores nacio-
do Caribe, incluindo aqueles que não submete- nais – a maioria associada ao Ceaal ou ao Crefal
ram relatórios nacionais para a CONFINTEA – colaboraram na preparação de uma análise com-
VI. Foi feito um esforço especial para incorporar parativa dos diversos relatórios e estudos nacionais
os pequenos países e territórios do Caribe que de AEA produzidos em cada um desses países ao
frequentemente estão ausentes das estatísticas, longo dos últimos cinco anos.3
diagnósticos e perspectivas regionais mesmo Neste documento, foi evitada a apresentação
quando se referem à região como um todo – de informações quantitativas e estatísticas deta-
América Latina e Caribe. lhadas, dada sua rápida desatualização e o fato de
No total, mais de 300 documentos e 150 sites que esses dados estão facilmente acessíveis na
foram consultados. Consultas on-line específicas internet. Os leitores interessados podem visitar
e pedidos de colaboração também foram organi- os sites sugeridos consultados para este estudo.4
41
3. A autora agradece aos pesquisadores que fizeram as análises transversais nacionais: Argentina: María Sara Canevari e Andrea Zilbersztain, Universidad
Nacional de Luján; Bolívia: Benito Fernández, Wilfredo Limachi e Leocadio Quenta, Associação Alemã para a Educação de Adultos; Chile: Edgardo
Alvarez, CEAAL; Guatemala: Francisco Cabrera, CEAAL; México: Gloria Hernández, Instituto Superior de Ciencias de la Educación del Estado de México;
e Uruguai: Jorge Rivas, REFAL.
4. Entre outros na lista dos acrônimos ao final deste relatório estão: Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe); Relatórios de Monitora-
mento Global da EPT; FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação); BID (Banco Inter-Americano de Desenvolvimento);
OEA (Organização dos Estados Americanos); OEI (Organização de Estados Ibero-Americanos); PRIE (Projeto Regional de Indicadores da Educação);
SITEAL (Sistema de Informação de Tendências em Educação da América Latina); UNESCO-OREALC (Escritório Regional da UNESCO para América
Latina e Caribe); UIS (Instituto para Estatísticas da UNESCO).
O cenário regional: uma região específica
e altamente heterogênea
A América Latina e o Caribe constituem uma Em uma região habitada por 577 milhões de
região muito heterogênea e de especificidades pessoas (menos de 10% da população mundial –
evidentes em vários aspectos, sejam eles histó- ONU, dados de 2004), a população indígena
ricos, políticos, econômicos, sociais, culturais, está estimada em cerca de 40 milhões, organi-
linguísticos, e também em termos educacionais zados em mais de 400 grupos étnicos. México,
– o que dificulta a generalização de diagnósticos, Bolívia, Guatemala, Equador e Peru possuem os
conclusões e recomendações para a região como maiores números de populações indígenas. Há
um todo. Ao contrário, o reconhecimento de tal também uma importante população afrodescen-
heterogeneidade reforça a necessidade de políti- dente em vários países, sobretudo no Brasil e nos
cas e programas diversificados que levem em países do Caribe.
conta os contextos locais. O espanhol e o português são as duas línguas
A região divide-se em duas sub-regiões – oficiais na América Latina, e o inglês e o francês
América Latina e Caribe – e cada uma delas apre- são as línguas oficiais no Caribe. Entretanto,
senta, também, heterogeneidade interna. As duas outras 600 línguas são faladas por toda a região,
regiões constituem mundos diferentes em muitos bem como variantes padrão e não padrão destas
aspectos e tem pouco contato entre si, não apenas mesmas línguas. Por trás das poucas línguas
devido à geografia, mas também por causa das oficiais, associadas aos respectivos passados
barreiras linguísticas, culturais e históricas. Os coloniais, a região possui complexa realidade
países da América Latina estão organizados geo- linguística frequentemente oculta em diagnós-
graficamente em América do Norte, América ticos e estudos regionais, e que não está devida-
Central e América do Sul. Existem também sub- mente refletida nos programas e políticas educa-
grupos formados sob diversos acordos comerciais cionais. Contextos multilíngues e multiculturais
e de coordenação supranacional, tais como a Co- são comuns na América Latina. O Caribe também
munidade Andina (CA), o Mercado Comum do possui uma situação linguística variada. Na
Sul (Mercosul), a União de Nações Sul-America- maioria dos países do Caribe de língua inglesa e
nas (UNASUL), a Comunidade do Caribe (Ca- francesa, a primeira língua da população é o
ricon), a Organização do Estados do Caribe creole, que está relacionado com o idioma oficial
Oriental (OECO). Além disso, existem diferentes (como na Guiana, Jamaica ou Haiti) ou com um
agrupamentos geopolíticos organizados em torno idioma não oficial (como é o caso da Dominica
de diferentes organismos internacionais.5 e de Santa Lucia, onde o inglês é a língua oficial,
5. A América Latina e o Caribe – denominação adotada pela UNESCO e mais comumente utilizada tanto regionalmente quanto internacionalmente – compreende 41 países e
territórios, 19 na América Latina e 22 no Caribe, 33 dos quais são Estados-membros da UNESCO.
As Américas compreendem todos os países do Continente Americano, incluindo Canadá e Estados Unidos da América (EUA). Desde a exclusão de Cuba da Organização dos
Estados Americanos (OEA), o país não mais participa das atividades e planos ligados à Cúpula das Américas (ou Cúpula Hemisférica) coordenadas pela OEA ou pelos EUA. A
Ibero-América compreende 22 países: 19 países na América Latina e no Caribe (ex-colônias da Espanha e Portugal) cuja língua oficial é o espanhol ou o português; e três países
na Europa (Península Ibérica): Espanha, Portugal e o Principado de Andorra – o idioma oficial de Andorra é o Catalão. (Esta é a lista de países incluídos no Documento Base do
PIA – Plano Ibero-Americano de Alfabetização e Educação Básica para Jovens e Adultos, OEI - Organização dos Estados Ibero-Americanos, 2006. Porto Rico e Guine Equatorial
(na África) também aparecem na lista de países ibero-americanos no site da OEI. Ver http://www.oei.es/acercaoei.htm) 43
mas a principal língua falada é o kwéyòl, língua mentos gerou um aumento no número de pes-
creole baseada no francês, do Suriname, onde a soas que passam fome, totalizando 51 milhões de
língua oficial é o holandês, mas a língua falada é pessoas, um número próximo dos 52,6 milhões
o sranan tongo, uma língua creole baseada no de 1990. Após a eclosão da crise financeira mun-
inglês). Entretanto, em todos esses países, exceto dial no final de 2008, iniciada nos Estados Uni-
o Haiti, a educação – incluindo alfabetização de dos e que rapidamente espalhou-se pelo mundo,
adultos – é conduzida no idioma oficial (WAR- estima-se que a situação das pessoas pobres piore
RICAN, 2008a,b). ainda mais em 2009; e muitos dos avanços con-
A América Latina e o Caribe é a região mais quistados nos anos anteriores serão novamente
urbanizada no hemisfério sul. Entre 1950 e 2005, perdidos (CEPAL, 2008)
a proporção da população que vive em áreas ur- A AEA enfrenta muitos desafios econô-
banas cresceu de 41,9% para 77,6%. Existem di- micos, sociais e políticos na região, incluindo o
ferenças significativas e sistemáticas entre o meio analfabetismo ainda concentrado nas áreas rurais
rural e o urbano na maioria dos países, sendo a di- em alguns países, e entre as mulheres e os povos
ferença na educação apenas uma delas. indígenas; acesso limitado à educação obriga-
Esta também é a região mais desigual do tória – geralmente de baixa qualidade – para jo-
44 planeta, com a maior diferença entre ricos e po- vens e adultos que estejam fora da escola; desem-
bres. A região possui a maior concentração de prego; exclusão social; aumento da segregação
milhardários (aqueles com mais de 30 milhões em urbana; migração interna e internacional; violên-
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
dinheiro, além de propriedades e coleções de cia; racismo e machismo. Assim como no resto do
arte). A fortuna dessas pessoas está crescendo mundo, há um aumento do segmento de idosos.
mais rapidamente que a de seus correspondentes Em muitos países existe uma preocupação
em outras regiões do mundo, e elas são as menos com o aumento do número de jovens inativos –
generosas (YNCH; CAPGEMINI, 2008). Em
jovens que não estudam e não trabalham (em es-
2007, dados da Cepal informavam que 34,1%
panhol, No Estudia ni Trabaja tornou-se um
da população vivia em situação de pobreza e
acrônimo – NET)6. Em 2004, no Paraguai, 65%
12,6% vivia em situação de pobreza extrema.
Jovens e adultos que participam dos programas dos jovens que vivem nas cidades e 78% que
de AEA geralmente pertencem aos citados seg- vivem nas zonas rurais estavam nessa situação. Na
mentos da população. Esta é a razão pela qual a Argentina, em 2005, a proporção era de um em
educação de adultos tem sido associada, tradi- cada vinte jovens. No Brasil, em 2006, o quadro
cionalmente, com a transformação social e a ação representava 27,1%. No México, em 2007, 30%
política. Em tempos modernos neoliberais, en- dos estudantes que completaram a educação
tretanto, a ação parece estar associada com planos secundária continuaram a estudar, 25% encon-
e estratégias destinadas à redução da pobreza, traram emprego, ao passo que os 45% restantes
inclusão social e coesão social – segundo as novas permaneceram inativos (RIVAS, 2007). Na Ja-
terminologias e tendências. maica, no período de 1998-2001, entre 24% e
Ocorreu ligeira redução da pobreza entre o 34% dos jovens estavam inativos. Mais da me-
período de 2002 e 2007. Entretanto, esse mo- tade residia nas áreas rurais, um quarto vivia
vimento cessou em 2008 devido, sobretudo, à
abaixo da linha de pobreza e estudou nove anos ou
alta mundial dos preços de alimentos e petró-
menos, e a metade vivia em domicílios chefiados
leo. Três milhões de pessoas regrediram da si-
por mulheres. Cuba, nesse ponto, é o único país
tuação de pobreza para a situação de extrema po-
breza (CEPAL, 2008). De acordo com a FAO que tem políticas governamentais sistemáticas
(2008), entre 2006 e 2008 a luta contra a fome para lidar com jovens que abandonam a escola;
na região praticamente perdeu todos os avanços eles são atendidos em instituições públicas de
alcançados nas duas últimas décadas. Entre 1990 educação profissional e capacitação que oferecem
e 2005 a desnutrição na região fora reduzida de aos estudantes a possibilidade de concluir a
12% a 8%; em 2007, porém, a escassez de ali- educação secundária regular enquanto fazem es-
6. Reduzir o desemprego entre os jovens e diminuir significativamente a porcentagem de jovens que não trabalham nem estudam foi um dos compromissos
de nível nacional propostos pelo Plano de Ação adotado na 4a Cúpula das Américas (Mar del Plata, Argentina, 2005).
Ver <http://www.summit-americas.org/IV%20Summit/Eng/mainpage-eng.htm>.
tágio profissional. Cuba é, de fato, o único país Quadro 1
da região que mantém uma política de aprendi-
zagem ao longo da vida – do berço à cova – sem, Educação primária, básica e obrigatória
no entanto, assim denominá-la. na região
De acordo com a Classificação Internacional
Padrão da Educação (Isced, International
A situação da educação e Standard Classification of Education) 1997, a
da aprendizagem dentro educação básica compreende a educação
e fora da escola primária e secundária.
Entretanto, o termo educação básica é usado
A região da América Latina e do Caribe tem, diferentemente nos diversos países da região.
tradicionalmente, boa reputação por sua alta taxa Em alguns países, a educação básica compre-
de matrículas nas escolas primárias – quase uni- ende também um ou dois anos de educação
versal neste momento (97%) – e por apre- pré-escolar. Em muitos países, a educação
sentar oportunidades para as crianças em idade básica tornou-se equivalente à educação
escolar. As taxas de retenção e conclusão também obrigatória, geralmente incluindo 8, 9, 10 ou
melhoraram, embora a repetência continue mais anos de escolaridade. Em alguns casos, 45
alta, com efeitos sociais devastadores e dispen- a educação básica começa com a educação
diosos: estima-se que a cada ano US$12,000 pré-escolar (ex: Argentina, Colômbia, Repú-
adultos), com exceção dos países e das zonas com de pessoas na mesma faixa etária não concluíram
altas concentrações de povos indígenas. Em alguns a 2a etapa da educação secundária. Os países da
países, especialmente os do Caribe anglófono e América Central enfrentam os maiores desafios
também em diversos países latino-americanos, com relação à conclusão da educação primária e
há mais meninas e mulheres do que meninos e secundária (UNESCO-OREALC, 2007).
homens em todos os níveis de educação; elas
também têm melhor desempenho acadêmico, Tabela 1:
especialmente em idiomas, conforme a tendência Taxas estimadas de alfabetização de
mundial dominante (ver, por exemplo, os resul- adultos (a partir de 15 anos
tados do PISA). Entretanto, mesmo nos casos em de idade) 1985 – 2015
que as estatísticas demonstram paridade ou 1985- 2000- Projeções
mesmo vantagem das mulheres, discriminações 1994 2006 para 2015
persistem em áreas qualitativas e “invisíveis” América Latina
87% 91% 93%
(como expectativas da família e dos professores, e Caribe
currículo, pedagogia, e assim por diante) e são
América Latina 87% 91% 94%
posteriormente estendidas ao mundo do trabalho
(poucas oportunidades de emprego e salário mais Caribe 66% 74% 78%
baixo para o mesmo trabalho). A discriminação Fonte: UNESCO. Relatório de Monitoramento
de gênero também tende a persistir dentro do Global da EPT, 2009.
campo da AEA, com as mulheres compondo a
maioria dos alunos – e dos educadores/facilita- O Brasil, o maior país da região e uma das
dores – nos programas e centros de alfabetização, maiores economias do mundo (população total
mas os homens predominam nos níveis de edu- de 185 milhões), tem o número mais alto de
cação superior, nos programas de capacitação analfabetos (aproximadamente 13 milhões de
técnica e profissional, na capacitação e utilização pessoas, 40% do total da região) e tem, atual-
das TICs e nas oportunidades educacionais não mente, uma incidência ligeiramente maior de
formais que vão além de tarefas simples e do analfabetismo entre os homens (11,4%) do que
mundo doméstico (INFANTE, 2000; MESSINA, entre as mulheres (11,1%)8. Mais de 68 milhões
2001; TORRES, 2008b). de brasileiros a partir de 15 anos de idade não
9. Dados fornecidos em setembro de 2008 pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), responsável pelo programa
Brasil Alfabetizado.
10. A Pesquisa Mundial do Gallup examina anualmente cidadãos de 140 países. A pergunta sobre o padrão de vida era: “Você está satisfeito ou insatisfeito
com o seu padrão de vida e com as coisas que você pode comprar?” O BID adicionou algumas perguntas específicas relacionadas à qualidade de vida
na América Latina e Caribe. No total, 40 000 pessoas em 24 países na região responderam a pesquisa. Ver as publicações do Gallup
http://www.gallup.com/consulting/worldpoll/24046/About.aspx e do BID http://iadb.org/publications/
Avanços e perspectivas da Deve-se destacar que os dados educacionais
Educação para Todos (EPT) são geralmente de três ou mais anos atrás, e que
na região somente 26 países estão listados nessa tabela.
Um país da América Latina (Costa Rica) e muitos
O Relatório de Monitoramento Global da países do Caribe (Anguila, Antigua & Barbuda,
Educação para Todos (EPT) de 2008 estimou Belize, Bermuda, Ilhas Virgens Britânicas, Domi-
que 18 países na América Latina e no Caribe nica, Guiana, Haiti, Ilhas Caimã, Montserrat,
estavam em uma posição intermediária no que Antilhas Holandesas, São Cristóvão & Neves,
diz respeito à possibilidade de atingir, em 2015, Suriname, Ilhas Turks & Caicos) não estão
os quatro objetivos incluídos no Índice de De- incluídos devido à falta de informações ou infor-
senvolvimento da Educação para Todos (IDE): mações incompletas.
educação primária universal; aumento da alfa- É importante ter em mente que o Índice do
betização de adultos; paridade de gênero; e Desenvolvimento da Educação para Todos,
qualidade educacional. Três países – todos no criado em 2003 para monitorar a iniciativa em
Caribe – já alcançaram tais objetivos, cinco estão nível mundial, mede a qualidade da conclusão da
próximos de alcançá-los e nenhum está longe de 5ª série, não em termos de processos de aprendi-
48
atingi-los. (ver Tabela 2). zagem e formação eficientes, uma questão muito
problemática nessa região. Isso também deixa de
Tabela 2: Perspectivas de alcance dos quatro fora dois objetivos da EPT: Objetivo 1 (atenção
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
11. Ver a explicação para todos os objetivos da iniciativa EPT na seção da iniciativa EPT na UNESCO <http://portal.unesco.org/education/en/ev.php-
URL_ID=53844&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>.
Ver também o observatório da iniciativa EPT: Os Mitos e os Objetivos da iniciativa EPT <http://educacion-para-todos.blogspot.com/>.
cação na primeira infância (ECCE, Early Child- séries em 16 países na região. Cuba ficou no topo;
hood Care and Education), universalização da Chile, Costa Rica, México e Uruguai formaram
matrícula e conclusão da educação primária, a o grupo 2; Argentina, Colômbia e Brasil, o grupo
necessidade de assegurar a qualidade e o pro- 3; e os países restantes, República Dominicana,
gresso rumo à paridade de gênero. Dessa vez, Equador, El Salvador, Guatemala, Nicarágua,
a atenção e a educação na primeira infância Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai formaram o
(ECCE) está incluída. Entretanto, mais uma último grupo. Ambos os estudos do LLECE con-
vez, as necessidades básicas de aprendizagem dos duzidos até agora incluíram somente países de
jovens e dos adultos foram deixadas de fora, língua espanhola e portuguesa, e não os de língua
como se não fizessem parte da Educação para inglesa e francesa que são a maioria no Caribe.
Todos. A idade continua sendo o principal fator
discriminante na educação apesar do crescente Os Objetivos de Desenvolvimento
discurso da aprendizagem ao longo da vida. do Milênio (ODMs) e a Aprendizagem
e Educação de Adultos (AEA)
Quadro 2
http://www.summitsof
theamericas.org/
http://www.unesco. Traduzido do original em espanhol
http://www.summit- org/santiago http://www.oei.es/metas2021/indice.htm
americas.org/Educa-
tion/education.htm
13. Durante a preparação deste relatório regional, uma consulta online sobre o tema foi organizada, e concluiu que o termo EPJA deveria ser usado. Os
comentários recebidos (em espanhol) podem ser lidos no blog organizado para esse trabalho http://confinteavi.blogspot.com/. O documento final da
conferência regional do México adotou a sigla EPJA e a traduziu para o inglês como Adult and Youth Education (AYE).
14. Ver o site do Ministério da Educação/Educação Alternativa da Bolívia http://www2.minedu.gov.bo/veea/dgea/index.htm. 53
cação Popular Permanente, que permanece o Em todos os casos, faz-se referência aos vários
mesmo até hoje. Em diversos países existem promotores e prestadores da AEA, incluindo o
também associações e atividades em torno da governo, a sociedade civil, igrejas e o setor pri-
educação social, que compreende a educação de adul- vado com fins lucrativos, com exceção de Cuba,
tos, mas o termo não é usado em marcos e docu- onde o governo é o único prestador. Na maioria
mentos oficiais. dos países, a AEA está oficialmente sob a respon-
Seja qual for o nome adotado, os estudos e sabilidade dos ministérios da Educação. Na
relatórios nacionais confirmam a existência de Antigua, é a Secretaria da Mulher que organiza
diferentes entendimentos de educação de adultos os programas da AEA (WARRICAN, 2008b).
em toda a região. Três importantes fatores dife- Nos últimos anos, algumas campanhas nacionais
renciadores são: de alfabetização colocadas sob a responsabilidade
• Idade: a maioria estabelece 15 anos como o dos ministérios para o Desenvolvimento Social
ponto inicial, mas a escala varia entre 10 e 18 (por exemplo, Uruguai e Panamá, que utilizam
anos. Alguns países têm programas para ado- o programa Yo Sí Puedo). Programas específicos
lescentes que estão fora da escola (como o voltados para jovens ou mulheres estão muitas
Modelo de Educação para a Vida e o Trabalho vezes sob a responsabilidade de ministérios da
54 – para adolescentes entre 10 e 14 anos de Família, dos Jovens, das Mulheres, da Inclusão
idade – do México e o sub-programa do Peru Social, e outros; também, os programas que tratam
para adolescentes – de 12 a 18 anos de idade da capacitação profissional e técnica são frequen-
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
– atendidos pelo Programa de Educação Bá- temente ligados aos ministérios do Trabalho. Em-
sica Alternativa). Alguns países ou programas bora geralmente se reconheça que a AEA perpassa
restringem a idade máxima (atuais programas setores e ministérios diferentes, informações es-
de certificação pelo INEA no México aten- tatísticas e financeiras raramente são fornecidas
dem pessoas entre 15 e 34 anos), enquanto ou disponibilizadas ao setor não educacional.
outros não estipulam limite de idade.
• Níveis cobertos: da alfabetização básica à Alfabetização
educação terciária, com a maioria dos países
oferecendo atualmente o equivalente à edu- O alfabetismo é a habilidade de usar informa-
cação primária ou básica. São Vicente & Gra- ções impressas e escritas para funcionar na
nadinas elimina explicitamente a educação sociedade, alcançar objetivos, e desenvolver o
próprio conhecimento e potencial (definição
terciária (superior) de sua definição de
de alfabetização pela Pesquisa Internacional da
educação de adultos e educação continuada
Alfabetização e das Habilidades do Adulto).
(ACE, Adult and Continuing Education), en-
tendida como a educação ou a capacitação em
A alfabetização é uma área particularmente
esquema de meio expediente para pessoas
confusa, caracterizada por terminologias e defi-
acima da idade escolar obrigatória para am-
nições variadas e até mesmo isoladas, como veri-
pliar o conhecimento, competências e a cons-
ficado na preparação deste relatório regional pela
ciência cultural, mas não inclui a educação
análise de inúmeros documentos (ver Quadro 3).
terciária (SÃO VICENTE & GRANADI- A falta de consenso internacional no tema, e as
NAS. Relatório para a CONFINTEA VI, 2008, mudanças contínuas dos termos e conceitos,
p.10); e também estão refletidas nesta região. Algumas
• Inclusão ou não de capacitação: alguns diferenças tradicionais relacionam-se à com-
países/programas incluem atividades conce- preensão usual da alfabetização como alfabetiza-
bidas como educação dentro da AEA, en- ção de jovens/adultos versus alfabetização como
quanto outros incluem também capacitação. um conceito mais abrangente, para todas as
No Haiti, é usado o termo educação e capa- idades, dentro e fora da escola; a inclusão (ou
citação de adultos (EdFoA, Éducation et não) da aprendizagem de operações matemáticas
Formation des Adultes); desde 2006 o nome básicas; alfabetização como um estágio versus a
do ministério tem sido Ministère de l’Education alfabetização como um processo de aprendiza-
Nationale et de la Formation Professionnelle gem ao longo da vida; o escopo da alfabetização,
(MENFP). compreendida como alfabetização inicial, básica
ou como conhecimento e uso mais avançado da
também no idioma creole, um texto pequeno
língua escrita. Alguns especificam o(s) idioma(s)
a ser(em) considerado(s) na definição de uma de aproximadamente 15 linhas, mantendo e
pessoa alfabetizada (por exemplo, o creole no desenvolvendo esta habilidade durante toda a
Haiti ou holandês no Suriname). O termo alfa- vida (Projeto da campanha nacional de alfabe-
betizações, no plural, foi introduzido nos últimos tização 2007-2010).
anos por acadêmicos ligados aos chamados novos
estudos da alfabetização; outros, ao contrário, Jamaica: Nova definição de alfabetização:
preferem expandir o conceito de alfabetização Alfabetismo não é apenas ter a habilidade de
para incluir as demandas novas e mais amplas ler e escrever, tipo de definição que, por mui-
colocadas no campo da leitura e da escrita (Torres, tos anos no passado, foi a norma. É mais do
2008b). Também, os termos analfabetismo e a que isso. A fim de viver e aprender em nossas
alfabetismo são cada vez mais usados de forma atuais sociedades, baseadas no conhecimento
flexível, como equivalente à falta de conhecimento e na informação intensiva, o alfabetismo pre-
sobre/conhecimento básico de de praticamente cisa agora ser visto como a habilidade de com-
qualquer o campo (por exemplo, analfabetismo/ preender e usar vários tipos de informação, nas
alfabetismo digital, analfabetismo/alfabetismo várias comunidades; deve ser ligada às práticas 55
científico, analfabetismo/alfabetismo ambiental, sociais e culturais para que a sua definição seja
analfabetismo/alfabetismo na saúde, e assim por significativa. A alfabetização abrange, entre
diante), assim adotando o velho preconceito que outras coisas, a habilidade de ler, escrever e
Fonte: relatórios nacionais para a CONFINTEA VI (2008). Traduções para o inglês dos textos originais em francês (Haiti) e em espanhol
(Argentina, Guatemala e México).
(Elaborado por R.M. Torres)
EPT. UNESCO, 2006, p. 22) – veio a ser vista
leitura, da escrita, da visão e da resolução de
sob duas lentes diferentes: associada a determi-
problemas. Inclui um leque de competências
nada quantidade de anos na escola, ou associada
exigidas para viver em um mundo dinâmico e
ao vínculo entre a alfabetização e a capacitação
complexo. O processo de alfabetização começa
profissional, o trabalho ou atividades geradores
antes da escola, com a aquisição da primeira
de renda.
língua da criança, e as instituições onde a co-
Ambas as noções estão presentes na região.
municação se dá em contextos naturais. O de-
A dominante é aquela que associa o analfabetismo
senvolvimento das habilidades da alfabetização
funcional a menos de quatro anos de escolaridade
continua além da escola, nas oportunidades e
(conceito do Siteal de educação incipiente).16
potenciais aprendizagens ao longo da vida para
Entretanto, a ideia de que quatro anos de escola
o desenvolvimento pessoal e da comunidade.”
assegurariam a alfabetização funcional foi desa-
(Definição adotada na Política e Plano de
fiada e testada empiricamente desde da década
Alfabetização desenvolvidos pelo Ministério
1980, e é cada vez mais questionada pela comu-
da Educação, em 2005).
nidade do Caribe anglófono (WARRICAN,
2008a). Um estudo pioneiro sobre alfabetização
56 Suriname: Uma pessoa está alfabetizada
quando é capaz de ler e escrever, especialmente funcional, conduzido pela UNESCO-OREALC
em holandês (língua oficial do Suriname). no fim da década de 1990, em áreas urbanas de
sete países latino-americanos (Argentina, Brasil,
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
15. Existem várias propostas para classificar os níveis de alfabetismo e de competências (para uma breve consideração internacional, ver Letelier, 2008). A
Pesquisa Internacional de Alfabetização e Habilidades do Adulto (Internacional Adult Literacy and Skill Survey - IALSS), que mede o nível de alfabetização,
uso das quatro operações matemáticas básicas e habilidade de resolver problemas, identifica cinco níveis de proficiência. Veja as estatísticas da IALSS
no Canadá http://www.statcan.gc.ca/. Veja também o Programa de Avaliação e Monitoramento da Alfabetização (Literacy Assessment and Monitoring
Programme - LAMP), desenvolvido pelo Instituto de Estatísticas da UNESCO (UNESCO Institute for Statistics - UIS) com base na pesquisa IALLS:
<http://www.uis.unesco.org/ev.php?URL_ID=6409&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201>.
16. No Paraguai, o Censo de 2002 definiu uma pessoa analfabeta como alguém que tem 15 anos de idade ou mais e que não concluiu a segunda série.
(Relatório da CONFINTEA VI no Paraguai, 2008).
17. Ver Comissão Europeia/Educação e Treinamento/Aprendizado ao Longo da Vida:
<http://ec.europa.eu/education/policies/lll/lll_en.html>.
ao longo da vida sem que se diferencie educa- apropriadamente e consistentemente traduzida
ção de aprendizagem, como foi o caso no relató- para o espanhol e para o português, em que o
rio da comissão Delors, bem como em vários equivalente é uma frase longa, e aprendizagem
documentos e sites internacionais; e continua a continua a ser confundida com educação.19 Além
ser associado a adultos, e não com todo o ciclo disso, nos países do Caricom, a aprendizagem ao
de vida, do berço à cova. Apesar da centralidade longo da vida parece ter seguido os mesmos mar-
da aprendizagem ao longo da vida no discurso e cos adotados nos países europeus – por exemplo
nas políticas mais recentes da UNESCO, nem o desenvolvimento de recursos humanos. Na Ja-
aprendizagem nem aprendizagem ao longo da maica, por exemplo, onde a política de aprendi-
vida estão explicitamente associadas à iniciativa zagem ao longo da vida foi elaborada em 2005,
EPT. De fato, nenhum desses termos foi incor- a aprendizagem ao longo da vida foi orientada
porado ao glossário do Relatório de Monitora- para o trabalho e teve como foco o Programa de
mento Global da EPT de 2009. Equivalência à Educação Secundária (HISEP,
A aprendizagem ao longo da vida é mencio- High School Equivalencey Programme ). A visão
nada hoje em muitos documentos legais e em dessa política é Uma Jamaica transformada onde
programas políticos na região com os mesmos cada pessoa valoriza e participa do aprendizado
vieses encontrados internacionalmente. A redu- ao longo da vida para gerar e sustentar a produ- 57
ção da aprendizagem ao longo da vida está pre- tividade pessoal em busca do crescimento e do
sente na maioria das iniciativas e planos nacionais desenvolvimento nacional. A política foi desen-
Fontes: (Relatórios nacionais do Brasil e do México para a CONFINTEA VI, 2008; GADOTTI, 2008; IRELAND, 2007, 2008;
DI PIERRO, 2008a, 2008b; UNESCO, 2008; SITEAL, n.d.).
Site da Alfabetização Solidária: <wwwalfabetizacao.org.br/>.
Site do MEC Brasil: <http://portal.mec.gov.br/>.
Site do INEA no México: <http://www.inea.gob.mx/>.
(Elaborado por R.M. Torres)
Articulação entre educação formal e os programas são nomeados de acordo com as
não formal questões e tópicos que abordam. A ENF é subs-
tituída por termos como educação fora da escola,
A educação não formal (ENF) sempre esteve alternativa, aberta, flexível, popular, comunitária
associada à educação de adultos, não sendo uti- e outros. No Peru, a distinção entre EF/ENF é
lizada – ou sendo raramente utilizada – na região atualmente aplicada à distinção governamental/
no contexto da educação de crianças, como é o não governamental, independentemente das
caso na África e na Ásia, e conforme definido na modalidades adotadas em cada caso; também, a
Isced 1997 (ver Anexo A)20. Contudo, em termos oferta não governamental é rotulada de educação
gerais, a associação tradicional entre a educação comunitária (relatório do Peru para a CONFIN-
de adultos e a ENF não é mais válida para a região TEA VI, 2008). O Haiti, mesmo reconhecendo
como um todo, embora possa continuar aplicável o termo ENF, declara que não há qualquer arti-
para alguns países específicos. A AEA move-se culação entre programas de EF e ENF no país (rela-
dentro e entre canais formais, não formais e infor- tório do Haiti para a CONFINTEA VI, 2008).
mais de aprendizagem; entretanto, terminologias, Em muitos países, a ponte entre a AEA e a
dicotomias e estruturas tradicionais dificultam a cultura escolar tornou-se ainda mais forte e visí-
60 compreensão de tal dinâmica. vel em várias frentes: equivalências e certificação
As fronteiras entre a educação formal e não oficial por ministérios da Educação; utilização
formal nunca foram claras, e são hoje questiona- de instituições escolares para fins de AEA (em
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
das na AEA por uma série de razões, incluindo: alguns casos, com políticas e/ou regulamentos
• a forte tendência de conclusão e certificação específicos para garantir o uso compartilhado da
de estudos formais – a luta para universalizar infraestrutura e equipamentos); contratação de
a educação primária/básica/obrigatória, e o professores escolares como educadores de adultos;
combate à baixa escolaridade, sub-escolari- associando qualidade de ensino na AEA com a
dade, ou atraso educacional, como alguns certificação formal (formação escolar) do profes-
países colocam; sor; complementando programas regulares com
• a expansão e a combinação de velhas e novas cursos flexíveis ou com capacitação no trabalho,
tecnologias e meios na área, abrindo o cami- e assim por diante.
nho para novas modalidades de ensino e aprendi- A Venezuela é um caso que ilustra bem o
zagem que não se encaixam mais nas distinções questionamento das fronteiras entre EF e ENF
tradicionais de formal/não formal/ informal; em todos os níveis educacionais: desde 2003 a
• as diversas atividades de AEA que ocorrem oferta de educação para jovens e adultos teve uma
em instâncias e campos variados, embora não expansão significativa desde a alfabetização até a
reconhecidas como educação de jovens e educação terciária, através de estratégias não
adultos; e formais (as chamadas missões, vinculadas ao
• a confusão usual entre os termos não formal e Ministério da Educação) e da certificação formal
informal aplicados à educação e à aprendizagem. dos estudos. De acordo com dados oficiais de
A ENF não desapareceu; provavelmente ela 2008, mais de 4 milhões de venezuelanos foram
está mais disponível, flexível, diversificada e oni- atendidos nas diversas missões: um milhão e
presente – portanto invisível – do que antes, e meio na Missão Robinson I (alfabetização), outro
parte dela é regulada, oferecida e certificada por milhão e meio na Missão Robinson II (educação
órgãos oficiais. Como em outras questões, há primária), mais de 800.000 na Missão Ribas
uma grande variedade de realidades na região e (educação secundária), e mais de 500.000 na
em cada país. Poucos relatórios nacionais para a Missão Sucre (educação terciária).21
CONFINTEA VI se referem à ENF como uma Apesar da tendência geral de formalização ou
categoria específica de programas; em vez disso, regularização, uma parcela importante da oferta
20. Ver também o site da UNESCO sobre educação não formal, focado na sociedade civil, nas ONGs e especialmente na CCNGO/EPT (Consulta Coletiva
a ONGs sobre a iniciativa EPT): <http://portal.unesco.org/education/en/ev.php-URL_ID=30233&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html>.
21. Ver VENEZUELA.Ministério do Poder Popular para a Educação. Disponível em: <http://www.me.gob.ve/>. VENEZUELA. Ministério do Poder Popular
para a Educação. Missão Robinson. Disponível em; <http://www.misionrobinson.gov.ve/>.
de AEA pelo governo/Ministério da Educação,
em um país como Uruguai – com forte tradição
de educação pública e com alta taxa de conclusão
de educação secundária – a ENF aparece como
uma novidade, um complemento da educação
escolar formal, voltada principalmente para
adultos. O Programa Aprender Siempre (PAS),
lançado em 2008 pela Área de Educação Não
Formal recentemente criada dentro do Ministério
da Educação, consiste em uma série de cursos
semanais abertos sobre um amplo leque de tópi-
cos voltados para a população entre 20 e 60 anos de
idade (relatório do Uruguai para a CONFINTEA
VI, 2008).22
61
22. Ver URUGUAI. Ministério da Educação. Departamento de Educação não Formal. Disponível em: <http://educacion.mec.gub.uy/noformal.htm>.
A última década: da CONFINTEA V (1997)
até a CONFINTEA VI (2009)
23. O relatório do Paraguai, preparado por uma nova equipe que assumiu com o novo governo, indicou explicitamente: "Não encontramos nenhum
documento ou referência à CONFINTEA V nos arquivos da Diretoria de Educação Permanente, nem em consulta com sua equipe." (relatório do
Paraguai para CONFINTEA VI, 2008, p. 69).
países latino americanos e caribenhos partici- e parceiros internacionais foram a UNESCO, o
param de sua elaboração, incluindo Haiti e Unicef, o Pnud e o Banco Mundial) – que in-
Belize, os únicos dois países não hispanófonos. cluiu dois objetivos específicos relacionados à
UNESCO, CEAAL, CREFAL e CINTER- educação de jovens e adultos (ver Anexo B)24 –
FOR/OIT colaboraram, bem como INEA do a maioria dos governos na região e muitas agên-
México e Ministério da Educação do Chile. cias internacionais seguiram as diretrizes do
Banco Mundial. Desde o final da década de 1990
Quatro grupos prioritários foram identifica-
e início da década de 2000, o Banco Mundial
dos: indígenas, camponeses, jovens e mulheres.
vem retificando ambos os argumentos – as altas
Sete áreas de intervenção prioritária foram
taxas de retorno da educação primária e o des-
identificadas: 1. Alfabetização; 2. Educação e
perdício e o fracasso da educação de adultos
trabalho; 3. Educação, cidadania e direitos
(LAUGLO, 2001; TORRES, 2004)25 – e está
humanos: 4. Educação de camponeses e in-
atualmente oferecendo empréstimos para progra-
dígenas; 5. Educação e jovens; 6. Educação e
mas e reformas da educação de jovens e adultos
gênero; 7. Educação, desenvolvimento local em países como Chile e México, bem como alguns
e sustentável. países do Caribe anglófono.
Fonte: UNESCO-OREALC/CREFAL/INEA/CEAAL, Marco
Desde o final da década de 1990 e início dos 65
Regional para a Ação na Educação de Jovens e Adultos (EPJA) na anos 2000, tem ocorrido uma reativação visível
América Latina e Caribe (2000-2010) Santiago, 2000. Ver original da AEA na região, em consequência de uma série
espanhol em: <http://www.ilo.org/public/spanish/region/ ampro/
24. Objetivo 6 da iniciativa EPT, aprovado em 1990 (Jomtien) – disseminação de informação através da mídia de massa e de todos os meios disponíveis
– não foi incluído na avaliação da década EPT 1990-2000, e foi eliminado dos objetivos EPT aprovados no Fórum Mundial de Educação em 2000
(Dacar).
25. Ver o site de Educação de Adultos (Adult Outreach Education) do Banco Mundial, disponível como toolkit desde junho de 2005:
<http://go.worldbank.org/2F6VWCXNJ0>.Ver também a seção do Banco Mundial sobre aprendizagem ao longo da vida: <http://www1.worldbank.org/
education/ao longo da vida_learning/>.
sensíveis a gênero, idade, contexto, língua e cul- para a CONFINTEA VI; Warrican, 2008a).
tura, a fim de responder a necessidades e grupos Também existem programas nacionais, subnacio-
específicos dentro de cada país. nais e locais implementados por governos locais,
A região também enfrenta agora uma ênfase grupos religiosos, sindicatos de professores, ONGs,
exagerada na alfabetização. Há um imenso leque movimentos e organizações sociais (CARUSO et
de programas e planos nacionais, regionais e in- al., 2008; TORRES, 2008b).
ternacionais de alfabetização de jovens e adultos. Após quase duas décadas dos objetivos de
Há uma proliferação de eventos e encontros redução do analfabetismo no âmbito da agenda
sobre o tema e de inventários de boas ou melhores
EPT (1990-2015), uma nova onda nova de
práticas coletadas em anos recentes e disponíveis
erradicação do analfabetismo tomou conta da
em publicações e sites.26 Há uma produção exces-
região. Por um lado, esse impulso está relacionado
siva e uma duplicação desnecessária de diagnós-
ao surgimento de vários governos progressitas nos
ticos em AEA no nível nacional, alimentando os
diversos programas e planos. A alfabetização de últimos anos, que reavivaram a associação tradi-
adultos foi o tópico selecionado pela Campanha cional entre campanhas de alfabetização e pro-
Global para a Educação para a Semana Global cessos progressivos e revolucionários. Nos últimos
66 anos/meses, países como Venezuela, Bolívia, Ni-
de Ação 2009 (20 a 26 de abril).27 O excesso de
visibilidade da alfabetização agrava o problema carágua, Panamá e Equador lançaram campanhas
da falta de atenção e visibilidade de muitas e ou programas nacionais visando a erradicação do
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
variadas áreas de AEA que têm menos impacto analfabetismo, os primeiros quatro usando o
político. programa cubano Yo Sí Puedo. Por outro lado, há
A reativação da AEA na região é refletida pelo o surgimento de novos atores supranacionais e
seguinte: internacionais engajados na educação de adultos
e especialmente na alfabetização de adultos na
Ímpeto renovado da alfabetização de região, notadamente o governo cubano e seu
jovens/adultos programa Yo Sí Puedo, a Organização dos Estados
Muitos países estão atualmente implemen- Ibero-Americanos e o Plano Ibero-Americano
tando programas ou campanhas nacionais de para a Alfabetização e a Educação Básica de
alfabetização, mesmo alguns dos países com forte Jovens e Adultos (PIA) coordenado pela OEI (ver
tradição de sistemas públicos, altos padrões de Tabela 4). A Década das Nações Unidas para a
educação e taxas de analfabetismo menores do Alfabetização (UNLD, 2003-2012), coordenada
que 3%, como Argentina e Uruguai, considerados pela UNESCO, também pode fornecer um
tecnicamente livres de analfabetismo há algum marco internacional para esse ímpeto renovado.
tempo. A exceção é Cuba, declarado território
livre do analfabetismo há quase meio século
(1961), bem como vários países no Caribe an-
glófono, onde o foco governamental na alfabeti-
zação está no sistema formal (relatórios nacionais
26. CEAAL: Banco de métodos e abordagens de alfabetização: <http://ceaal.org/content/blogcategory/33/122 />. Convenio Andrés Bello (TÁXI): Carteira
de Alfabetização: <http://www.micrositios.net/cab/index.php?idcategoria=1091>. Fundación Santillana: Register your experience: <http://www. alfabet-
izacion.fundacionsantillana.org/paginas/registra.asp>.
OEI/SEGIB. Prêmios para a Alfabetização Ibero-americana (Experiências em Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos): <http://www.oei.es/ con-
cursoalfabetizacion/index.html>.
27. UNESCO: práticas eficazes de alfabetização: <http://www.unesco.org/uil/alfabetizaçãoprogrammes />.
UNESCO-OREALC. Red Innovemos. <http://www.redinnovemos.org>.
Ver GCE. The Big Read: <http://www.campaignforeducation.org/en/big-read>. A Campanha Global para a Educação (Global Campaign for Education –
GCE) descreve alfabetização como "aquisição e uso de habilidades de leitura, escrita e operações matemáticas básicas, e desse modo o de-
senvolvimento da cidadania ativa, a melhoria da saúde e da subsistência, e a igualdade de gênero."
Tabela 4: Principais iniciativas supranacionais de alfabetização e educação
básica implementadas na região (2003-2015)
Yo Sí Puedo PIA
(Sim, eu posso) Plano Ibero-americano para
a Alfabetização e a Educação
Básica de Jovens e Adultos
2003 2007
(Venezuela – Missão Robinson) 16ª Cúpula Ibero-Americana
Documento Base do PIA
Início/lançamento aprovado na 176ª Cúpula
Ibero-Americana (Santiago,
Chile, novembro 2007)
Prazo 2003 – sem prazo 2007 - 2015
Governo venezuelano Convênio Andrés Bello (CAB)
Parceiros
(desde 2005) 67
Internacional: implementado Ibero-americano; 18 países
em 27 países até 2008, a hispanófonos e lusófonos na
28. O relatório de Cuba para CONFINTEA VI indicou que entre 2003 e 2008 mais de 3 milhões de pessoas tnham participado do programa Yo Sí
Puedo nos 27 países e nos vários níveis do programa.
29. Haiti, cuja língua oficial é o francês, não é um país ibero-americano. Após uma pressão regional, incluindo uma campanha organizada pelo CEAAL, a
OEI incluiu o Haiti no PIA (resolução adotada no Congresso Ibero-Americano de Alfabetização realizado em Havana em junho de 2008). Desde essa
época, entretanto, de acordo com autoridades do Haiti, o auxílio da OEI ainda não se materializou. Em fevereiro de 2009, o governo do Haiti, através
da Secretaria Nacional de Alfabetização, anunciou que, devido a severas restrições orçamentárias, o objetivo de oferecer alfabetização a 3 milhões de
pessoas até o ano 2010 seria reduzido a 250.000 pessoas. Anunciou também que o governo não solicitaria ajuda externa, pois "a educação é uma
questão de soberania nacional" (traduzido do francês original). Agence Haitienne de Presse (AHP), Port-au-Prince, 9 de fevereiro, 2009.
Há outras iniciativas supranacionais de alfa- Jamaicano para o Avanço da Alfabetização
betização de adultos iniciadas nos anos 1990, (Jamal) foi transformado em 2006 na Fundação
como os Programas de Alfabetização e Educação Jamaicana para a Aprendizagem ao Longo da
Básica de Adultos (PAEBA) aprovados em 1992 Vida (JFLL, Jamaican Foundation for Lifelong
na 2ª Cúpula Ibero-Americana. O programa, que Learning), agora engajada na expansão de seus
visa a atingir objetivos limitados, começou na programas básicos tradicionais de alfabetização e
República Dominicana e em El Salvador, e foi operações matemáticas básicas para incluir um
mais tarde expandido para Honduras (1996- amplo leque de oportunidades educacionais para
2003), Nicarágua (1997-2003), Paraguai (2000 indivíduos a partir dos 15 anos de idade, resul-
em diante) e Peru (2003 em diante). Há também tando na melhoria da educação básica e conti-
o Projeto Regional de Bi-alfabetização em nuada e certificação do nível secundário para
Questões Produtivas, Ambientais, de Gênero e 250.000 jamaicanos ao longo dos próximos
de Saúde Comunitária iniciado em 1998 pelo cinco anos (relatório da Jamaica para a CON-
UNFPA/Cepal na Argentina, Bolívia, Chile, FINTEA VI; ANDERSON, 2008). O PIA da
Equador, Guatemala, Paraguai e Peru (TORRES, OEI, o programa cubano Yo Sí Puedo e a inicia-
2008b).30 tiva LIFE da UNESCO também propõem ir
68 Também, desde 2006 dois países na região – além da alfabetização inicial. A declaração da
Brasil e Haiti – participam da Iniciativa de Bolívia como território livre do analfabetismo,
Alfabetização para o Empoderamento (LIFE, em dezembro de 2008 – com o Programa Nacio-
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
Literacy Initiative for Empowerment) da UNESCO nal de Alfabetização Yo Sí Puedo, que durou dois
(2006-2015), um marco estratégico global para anos e meio, conduzido em espanhol, quechua e
a implementação da Década das Nações Unidas aymara, com apoio de Cuba e da Venezuela – foi
para a Alfabetização a fim de alcançar os objeti- acompanhada do anúncio do seguimento do pro-
vos da iniciativa Educação para Todos (EPT), grama Yo Sí Puedo, começando no início de 2009
com foco específico em adultos, crianças e ado- e oferecendo a conclusão da educação primária
lescentes fora da escola. A iniciativa LIFE é coor- em dois a três anos.31 O mesmo processo seguirá
denada pelo UIL e seu foco são os 35 países no a campanha nacional de alfabetização da Nicará-
mundo com os níveis mais altos de analfabe- gua De Martí a Fidel (2007-2009), e a declaração
tismo. da Nicarágua como livre do analfabetismo em
julho de 2009. O atual governo do Equador
A alfabetização de uma perspectiva também estabeleceu julho de 2009 como prazo
educacional e cultural mais ampla para erradicar o analfabetismo no país.
Como tendência, a alfabetização de jovens e O interesse em melhorar os ambientes letra-
adultos é vista de uma perspectiva mais ampla de dos começou a ser considerado nas políticas e
educação primária, básica e continuada, em que programas de alfabetização em diversos países.
a alfabetização é considerada uma etapa inicial Nas ações de alfabetização no Caribe anglófono,
ou o primeiro nível de um programa regular de as políticas de leitura e linguística tendem a for-
educação, que em alguns casos compreende alguns mar um pacote em vez de linhas de ação isoladas
anos de educação primária, e em outros inclui usuais (relatórios nacionais para a CONFINTEA
também a educação secundária (atualmente parte VI; Warrican, 2008a). Na Venezuela, dois milhões
da educação obrigatória em vários países). Em e meio de Bibliotecas Familiares, contendo 25
muitos países, o que era chamado de alfabetiza- livros cada uma, foram distribuídos aos gradua-
ção passou a ser chamado Nível 1 e Níveis 2 e 3 dos da Missão Robinson I, em 2004-2006. No
da pós-alfabetização de um programa regular, Peru, 700 bibliotecas comunitárias itinerantes
geralmente adotando modalidades de aceleração. (100 livros cada uma) foram criadas em 2008 nos
Um exemplo dessa tendência pode ser encon- distritos que alcançaram objetivos de alfabetiza-
trado na Jamaica. O conhecido Movimento ção planejados no âmbito do Programa Nacional
32. Ver Convenio Andrés Bello (CAB): alfabetização para o desenvolvimento. Disponível em: <http://www.micrositios.net/cab/index.php?idcategoria=628>.
33. Ver OEA. Educação. Disponível em: <http://portal.oas.org/Default.aspx?tabid=239&language=en-US>.
O Crefal também apoiou um estudo de campo sabem antes de ingressarem no programa; for-
transnacional sobre alfabetismo e acesso à cultura mativo, para identificar as realizações e as áreas
escrita de jovens fora da escola e adultos em nove que necessitam de apoio adicional; e, finalmente,
países na região (TORRES, 2008b). Criou um para verificar o que os alunos aprenderam ao
Prêmio para as Melhores Teses de Graduação, final de cada módulo. No Chile, a avaliação de
Mestrado e Doutorado, mantém diversas publi- resultados dos alunos é realizada no âmbito do
cações sobre AEA, como a Interamerican Journal Sistema Nacional para a Avaliação da Aprendiza-
on Adult Education e Decision, e lançou uma nova gem e Certificação de Estudos, que inclui todos
coleção – Paideia Latinoamericana – que com- os programas e modalidades de AEA, e adota
pila o trabalho de renomados autores latino- uma abordagem baseada em competências.
americanos da área. O Ceaal mantém suas redes Foram avaliados 260.000 pessoas até 2008.
regionais de ONG, e suas diversas sub-redes e México e Chile adotaram esquemas baseados em
núcleos de coordenação sub-regional, além de resultados para determinar o pagamento das
suas revistas e boletins regulares, como La Piragua instituições edo corpo docente contratado para
e La Carta del CEAAL programas da AEA, Plazas Comunitarias no caso
mexicano e ChileCalifica no caso chileno; o
Avanços na avaliação 71
pagamento é aprovado somente se os alunos
A avaliação tornou-se um aspecto central dos terminam e são aprovados no curso, nível ou
sistemas e reformas escolares na região desde a programa. Também, no México e no Chile, a
34. Ver INAF. Instituto Paulo Montenegro: <http://www.ipm.org.br/>. E INAF. Ação Educativa: <http://nsae.acaoeducativa.org.br/portal/index.php?option=
com_content&task=view&id=1344>.
educação e capacitação ligadas à produção, à emprego). Esse impacto positivo foi maior entre
comercialização, à troca e outras atividades gera- as mulheres e os alunos mais jovens; para os adultos
doras de renda-geração para famílias, cooperativas masculinos o impacto foi ligeiramente negativo
e comunidades organizadas. Existem muitas (relatório do Chile para a CONFINTEA VI, 2008).
instituições e sites focados nesses tópicos, compi-
lando experiências inovadoras. Mais atenção aos grupos especiais
Em vários países, os programas de alfabetiza- É visível a atenção dada em anos recentes a
ção são vinculados a atividades de capacitação adultos com deficiência, migrantes e população
específica ou em geração de renda. Na Argentina
carcerária. O uso de tecnologias tradicionais e
e na Colômbia há programas de governo que
modernas facilitou essa tarefa, especialmente com
combinam alfabetização, educação básica e tra-
adultos com deficiência e com a população
balho: o Programa Nacional de Alfabetización,
migrante.
Educación Básica y Trabajo para Jóvenes y Adultos
(PNAByT), há vários anos em operação em Bue- A atenção à educação no sistema penitenciá-
nos Aires, combina a conclusão da educação bá- rio, mencionada em quase todos os relatórios na-
sica com capacitação para o trabalho; o programa cionais, aumentou desde 2006 no marco do
72 na Colômbia funciona em vários departamentos programa EUROsociAL da Comissão Europeia;
do país, com apoio da OEI. No Brasil há o Pro- educação no contexto carcerário ou de confina-
grama Pescando Letras, que oferece alfabetização mento é uma de suas linhas de ação.35 A Rede
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
para homens e mulheres que trabalham com a Latino-Americana da Educação nas Prisões
pesca artesanal, e o Projeto Alfa-Inclusão, ofere- (RedLECE), financiada pela Comissão Europeia
cido pelo Ministério da Educação e a Fundação e pelo Ministério da Educação francês, inclui Ar-
Banco do Brasil, que combina alfabetização e gentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador,
capacitação para atividade empreendedora com El Salvador, Honduras, México, Paraguai, Peru e
o objetivo de gerar renda e garantir sustentabili- Uruguai. A RedLECE reconhece a educação no
dade em assentamentos rurais e urbanos. sistema penitenciário como um direito humano
Um Projeto de Educação e Capacitação Téc- de aprendizagem ao longo da vida (UNESCO
nico-Profissional (ETVETP) está em funciona- Brasil; OEI Brasil, 2008).
mento há muitos anos no âmbito das Cúpulas Iniciativas voltadas para adultos cegos, com
das Américas, coordenado pela OEA. Programas deficiência visual ou com deficiência auditiva
de capacitação (pré)profissional, técnica ou pro- estão sendo desenvolvidas em muitos países
fissional são oferecidos na maioria dos países, nos últimos anos. Em Antígua e Barbuda, por
adotando vários tipos de programas e modalida- exemplo, destaca-se uma iniciativa do governo
des, em muitos casos com abordagens e colabo- que inclui tecnologias e instalações especiais e
ração transetorial, associando educação formal e que beneficia a Associação de Pessoas com Defi-
ciências (site de Antígua e Barbuda).
não formal, bem como educação formal e capa-
A partir de nossas próprias observações em
citação no trabalho. Um desses programas é Chile
campo, constatamos que a educação de adultos
Califica. Uma avaliação de impacto conduzida
é um campo inclusivo em si mesmo. Pessoas de
no Chile com respeito à conclusão da educação todas as idades e etnias; pessoas excluídas do
secundária no programa do governo ChileCalifica sistema escolar e convencidas de que não conse-
revelou efeitos positivos na autoestima, na per- guem aprender; pessoas com deficiências físicas
cepção da família, no ambiente de trabalho e na ou mentais; migrantes, pessoas desabrigadas e
cidadania, bem como na renda (um aumento de órfãos são integrados nesse centro e encontram
9,7%, resultando não de um aumento no número um lugar onde são acolhidos, incentivados e
de vagas, mas na disponibilidade de um novo tratados com afeto (TORRES, 2008b).
35. "EUROsocial é um programa de cooperação técnica da Comissão Europeia para apoiar a coesão social na América Latina através do compartilhamento
de experiências entre administrações públicas responsáveis pela administração da Justiça, da Educação, do Emprego, da Tributação e da Saúde". Ver
<http://www.programaeurosocial.eu/>.
A chegada de novas tecnologias três milhões de jovens e adultos (de 15 a 34
Nos últimos anos, os meios audiovisuais se
anos de idade) que não terminaram a educação
disseminaram na área de AEA, principalmente
secundária. O objetivo é reduzir essa lacuna
com o programa de alfabetização e pós-alfabeti-
zação Yo Si Puedo apoiado por Cuba e implemen- em 4,9%.
tado em vários países, e utilizado pela primeira As Plazas Comunitarias são parte dessa estra-
vez em larga escala na Venezuela, em 2003. Os tégia. São espaços modernos equipados com
computadores e a internet estão alcançando o computadores e internet, uma biblioteca de
campo, particularmente para a população mais vídeo e outras mídias, situadas em localidades
jovem, com o México abrindo caminho com seu rurais e periurbanas. São operadas por um
programa de Plazas Comunitarias (ver Quadro promotor e por uma equipe de técnicos em
6). Os telecentros ou infocentros (diferentes dos informática; e dispõem de conselheiros que aju-
cybercafés, que são privados e visam lucro) são in- dam os alunos a aprender. A aprendizagem é em
corporados aos programas de educação básica em grande parte independente e autoinstrucional,
áreas urbanas e rurais em diversos países latino- seguindo os módulos digitados do MEVyT.
americanos. Em áreas rurais remotas, usinas de Existem atualmente mais de 3.000 Plazas Co-
energia ou painéis solares foram instalados, por munitarias no país. As Plazas Comunitarias 73
exemplo, na Bolívia e no México. Para melhor são consideradas hoje a iniciativa de TIC de
ou para pior, em muitos lugares hoje é mais fácil maior destaque na região. Elas buscam resolver
dois problemas de uma só vez: a lacuna edu-
região. Até o ano 2000, o Telesecundaria atendia direto da área adquirido na linha de frente, sabe-
mais de um milhão de alunos no México e havia mos que há uma lacuna imensa entre o que é re-
sido expandido para os estados do sul dos Esta- comendado e o que é realmente feito. Um estudo
dos Unidos e vários países da América Central e de campo sobre alfabetização e acesso à cultura
do Sul (Torres e Tenti, 2000). 36 escrita por jovens fora da escola e adultos em
nove países da região conduzido em 2006-2008
Algumas fragilidades e limitações concluiu que as “políticas nesse campo se torna-
antigas e novas ram autônomas, com quase nenhum contato
com a prática real na linha de frente” (TORRES,
Os avanços coexistem com limitações antigas 2008b).
e novas que podem ser vistas como desafios para Exceto a Colômbia, todos os países na região
o futuro. incluem o direito à educação pública gratuita em
suas Constituições nacionais (TOMASEVSKI,
O baixo status da educação de jovens e 2006). No Equador, a nova Constituição (2008)
adultos continua a ser mal-entendido garante a educação gratuita até a educação ter-
A educação de adultos continua a ser mal-en- ciária. No Brasil, as autoridades públicas são le-
tendida e tratada inadequadamente. Seu baixo galmente responsáveis por garantir o direito à
status tradicional está relacionado à combinação educação para todos os cidadãos. Entretanto, o
de dois fatores que caracterizam a maior parte da direito à educação gratuita de qualidade continua
população-alvo da AEA: idade (em relação às a ser negada a uma parcela grande da população
crianças), e status socioeconômico. As estimativas na maioria dos países. Observatórios, muitos dos
de custos de programas e planos raramente con- quais focados em questões educacionais e alguns
sideram infraestrutura, equipamento ou mesmo incluindo também a AEA, proliferaram na região
trabalho remunerado. Devemos lembrar que a nas últimas duas décadas, em um esforço para ga-
educação de adultos é frequentemente e indevi- rantir controle social maior sobre as políticas,
damente considerado um regime especial com além de mais participação social na formulação
outras áreas que desafiam classificações tradicio- e validação das políticas.
nais e que continuam a ter suas especificidades De modo geral, a análise detalhada e as con-
ignoradas, como a “educação intercultural bilín- clusões sobre políticas relacionadas à AEA na
gue, a educação especial e escolas multissérie” última década são limitadas por uma série de
37. É importante mencionar que USAID está fortemente engajada na alfabetização escolar em muitos países na região, especialmente através dos
Centros de Excelência em Formação de Docentes (CETT, Centers for Excellence in Teacher Training), anunciados pelo presidente Bush em abril de 2001,
atuando na região da América Latina e Caribe para melhorar a qualidade do ensino de leitura em sala de aula nas três primeiras séries, com ênfase
nos países mais pobres e comunidades em desvantagem. As atividades são implementadas através de três centros regionais baseados na
Jamaica (Caribe), Honduras (América Central), e Peru (Região Andina). Ver <http://www.usaid.gov/about_usaid/presidential_ initiative/teacher-
training.html>.
temala. Também, vários países estão adotando campo; também não há recursos suficientes de-
políticas ou planos de compensação vinculados à dicados à capacitação e desenvolvimento desses
educação, como o Plan Jefes y Jefas de Hogar da profissionais” (Madrigal, 2000:1. Traduzido do
Argentina, a Missão de Robinson e outras original espanhol). Este continua a ser o caso, de
missões de educação da Venezuela, e o Programa acordo com informações apresentadas pelos rela-
de Oportunidades do México, que começou em tórios nacionais para a CONFINTEA VI e por
2002. Também houve menções a bolsas de estu- outros estudos nacionais e regionais sobre o tema.
dos, subsídios para transporte, alimento ou Os requisitos para educadores de adultos estão
compra de materiais para programas específicos mais rigorosos em alguns países, incluindo uma
(por exemplo, no Chile), bem como subsídios formação profissional na área de educação ou
para adolescentes grávidas ou mães solteiras
conclusão da educação secundária, e não apenas
(como na Costa Rica).
a educação primária; esses pré-requisitos tendem
Com relação ao financiamento, na literatura
ser mais flexíveis nas áreas rurais e nos programas
nacional revisada não foram encontrados parâ-
de alfabetização, que continuam a funcionar na
metros financeiros nacionais específicos para
maioria dos casos com voluntários jovens ou co-
AEA. No nível internacional, a Campanha Glo-
76 munitários.
bal para a Educação (GCE, Global Campaign
for Education) propôs no mínimo 3% do orça- A formação oferecida geralmente é curta e de
mento da educação a ser alocado para ações de baixa qualidade. Suas limitações são ainda mais
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
38. Ver a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007): <http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=23794&Cr
=indigenous&Cr1>.
analfabetas e indígenas” (traduzido do espanhol Qualidade e aprendizagem permanecem
original). No Brasil, o número de analfabetos nas questões distantes
áreas urbanas é de 9,7 milhões contra 4,7 mi- Os indicadores quantitativos (matrícula e re-
lhões nas áreas rurais; entretanto, em termos de tenção, número de grupos organizados, materiais
porcentagem, as áreas rurais têm quase três vezes ou equipamentos distribuídos, e outros) predo-
mais analfabetos – 26,3%, em contraste com minam como indicadores de realização e sucesso
8,7% nas áreas urbanas. Países como Jamaica – portanto de seleção e definição de boas práti-
relatam que os índices de desemprego e de jovens cas ou práticas exemplares – em educação. Um
desocupados são significativamente mais altos número mínimo de participantes geralmente é
nas áreas rurais. estabelecido como requisito para iniciar um pro-
Ao mesmo tempo, é nas áreas rurais e nas grama ou abrir um centro, equipá-lo e contratar
condições mais precárias que algumas das expe- um facilitador, o que muitas vezes leva a artifícios
riências educacionais mais inovadoras e desafia- para atender tais exigências quantitativas (por
doras podem ser encontradas na região.39 exemplo, manipulação de estatísticas, ou com-
pletando a lista com membros da família, amigos
Baixa cobertura dos programas ou pessoas que não são parte da população alvo)
A cobertura de programas de AEA, incluindo (TORRES, 2008b). 79
aqueles implementados por governos nacionais e Em programas de alfabetização, objetivos na-
locais, continua a ser muito limitada para atender cionais e internacionais continuam a ser estabe-
39. Apenas para mencionar alguns: o modelo da Pedagogia da Alternância para a educação secundária de jovens surgiu e foi especificamente elaborado
para áreas rurais, estando em funcionamento há muitos anos em vários países na região; o programa multi-série Escuela Nueva na Colômbia, propagação
de Escuela Nueva a diversos outros países; CONAFE e Telesecundaria em México, entre outro. Estes e outras experiências inspirando foram com-
pilados no blog: <http://otraeduacion.blogspot.com/>.
40. Sobre a Campanha Nacional de Alfabetização do Equador Monsignor Leonidas Proaño ver: <http://www.fronesis.org/ecuador_cna.htm>.
educacional do governo. A experiência mostra entrada no trabalho. Um estudo do IIPE de 52
que a ênfase na conclusão, nos resultados e na programas em 14 países latino-americanos con-
certificação tem o risco de se transformar em um cluiu que os programas de educação/capacitação
fim em si mesmo, perdendo de vista e até mesmo voltados para preparar jovens para o trabalho:
sacrificando a aprendizagem. • adotam uma visão simplista da inclusão de
jovens no mercado de trabalho;
Alfabetização: quanto mais rápido, • alcançam somente uma proporção pequena
melhor? da população alvo potencial;
• adotam uma abordagem estreita focada em
Dois exemplos da ênfase renovada na quanti- capacitação específico; e
dade e na velocidade nos últimos anos: • não levam em conta suficientemente a im-
1. Parte da atração do programa cubano de al- portância da educação formal, da competiti-
fabetização e pós-alfabetização baseado em vidade do mercado de trabalho e da escassez
material audiovisual Yo Sí Puedo é que propõe de empregos decentes (JACINTO, 2007, 2008).
alfabetizar uma pessoa em oito semanas; tam-
bém propõe reduzir o tempo e o esforço ne- A ascensão da visão do lucro e de
80 cessários para o capacitação dos facilitadores mecanismos de mercado
da alfabetização. Há um declínio visível do voluntariado, da
2. O Banco Mundial elaborou propostas al- mobilização social e do compromisso político
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
EPT UNLD
Década das Nações Unidas para PIA
Educação para Todos
MPE a Alfabetização Plano Ibero- 81
Grande Projeto de americano para
Educação na América a Alfabetização
Latina e no Caribe LIFE e a Educação básica
41. É importante destacar que esses relatórios nacionais para a CONFINTEA VI foram elaborados no primeiro semestre de 2008, antes do surgimento
da grande crise financeira internacional em outubro 2008.
vida atenção a seus contextos e objetivos so- Entre as exceções estavam Santa Lúcia (necessi-
ciais. Alguns relatórios pareceram principalmente dade de melhorar a alfabetização em kweyol, a
focados na consecução de objetivos interna- língua nacional), Bolívia, Equador, Panamá e
cionais como a iniciativa EPT e os ODMs. Paraguai.
A necessidade de fortalecer a cooperação e a Identificar, documentar, disseminar e inter-
articulação, bem como de construir sinergias cambiar boas práticas – também chamadas de
(entre o governo e a sociedade civil, e entre seto- inovadoras, inspiradoras ou efetivas – foram
res) dentro e entre países, tanto regionalmente identificados como demanda popular e expecta-
quanto internacionalmente, surgiu como uma tiva concreta relacionada à CONFINTEA VI,
preocupação forte e disseminada nos relatórios na América Latina e no Caribe.
nacionais para a CONFINTEA VI. Também foi A maioria dos países considera que se benefi-
sugerida a melhoria da formação e da profissio- cia do conhecimento e da experiência de outros
nalização dos educadores da AEA (Equador, países, ao passo que alguns países (especialmente
Nicarágua) e dos profissionais da AEA em geral Cuba, Venezuela, e Chile) consideram que con-
(Santa Lúcia). Peru e Suriname se referiram à ne- tribuem com suas próprias experiência e lições
cessidade de identificar e priorizar determinados aprendidas. Brasil, o país anfitrião da CONFIN-
82 temas de pesquisa, nacionalmente e regional- TEA VI e um dos poucos países onde o relatório
mente. Peru e Honduras mencionaram a respon-
nacional para a CONFINTEA VI foi elaborado
sabilização e a necessidade de controle social com
em colaboração com organizações da sociedade
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
Esta seção é baseada nos relatórios nacionais ção, incluindo a educação de jovens e adultos.
para a CONFINTEA VI e em literatura consul- Particularmente, podem ser muito úteis como
tada para a preparação deste relatório regional, critérios para definir a prática melhor, boa, ou
assim como no próprio conhecimento, na pes- exemplar, levando em conta as perspectivas e a
quisa empírica e na experiência da autora em satisfação dos alunos, o acesso efetivo, a imple-
mais de 30 anos de atuação regional e interna- mentação real, a qualidade da provisão, relevân-
cional na área. cia e pertinência e o impacto nas vidas dos
alunos, suas famílias e comunidades (em vez de
A AEA plenamente assumida como apenas orçamento alocado ou custos, número de
parte do direito à educação matrículas e número de alunos que concluem,
O direito à educação tem sido tradicional- infraestrutura, distribuição de materiais e equi-
mente associado às crianças e à escola (primária), pamentos, características inovadoras, uso de
embora a Declaração Universal dos Direitos Hu- tecnologias modernas, ou aplicação de testes)
manos (NAÇÕES UNIDAS, 1948) declare que (ver Quadro 8).
42. Ver: Comentário geral sobre a implementação do Pacto Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: <http://www.unhchr.ch/
tbs/doc.nsf/(symbol)/E.C.12.1999.10.En?OpenDocument>. 83
rante determinado período de tempo, e não tuação de desvantagem. Políticas, programas,
chegam aos grupos mais difíceis de alcançar, estratégias e parâmetros homogêneos e de
especialmente em áreas rurais e remotas. tamanho único reforçam a desigualdade. Os
A acessibilidade tem várias dimensões. A desafios maiores de adaptabilidade são encon-
acessibilidade econômica implica educação trados nas áreas rurais (dispersão da popula-
gratuita: nenhuma taxa, materiais de aprendi- ção, distâncias grandes, frequente falta de
zagem disponíveis gratuitamente, subsídios serviços básicos como eletricidade, pobreza,
para cobrir outros custos associados ao estudo trabalho pesado, cansaço), entre grupos indí-
e à aprendizagem (como transporte e alimento). genas (línguas e culturas não hegemônicas,
A acessibilidade física inclui programação subordinação e isolamento das mulheres em
adequada, assim como os meios necessários muitas comunidades e culturas), entre popu-
para chegar efetivamente ao local onde a lações errantes (trabalhadores migrantes,
atividade ocorrerá (como distância de casa ou pessoas sem terra, pessoas deslocados por
do trabalho, estradas adequadas, condições de causa de, por exemplo, conflitos ou desastres
segurança e meios para pessoas portadoras de naturais), entre grupos altamente heterogê-
84 deficiência física) ou as mídias necessárias no neos (em termos de idade, histórico educacio-
caso da educação a distância (rádio, televisão, nal, língua, cultura e assim por diante) e entre
computador). A acessibilidade curricular e pe- grupos com necessidades especiais, que exigem
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
43. Ver, por exemplo: UNESCO; BRASIL. Ministério da Educação. O Índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje.
Brasília: UNESCO, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade/Ministério da Educação, 2006. (Coleção Educação para Todos).
A nova Constituição do Equador (setembro de 2008) reconhece pela primeira vez que Equador é um país plurinacional, não somente pluricultural e
multilíngue, como estipulado na Constituição anterior (1998). Na Bolívia, hoje, onde o Presidente da República é um Aymara nativo e onde uma cam-
panha nacional de alfabetização de dois anos (2006-2008) ocorreu em Quechua, Aymara e espanhol, há pessoas falantes de Quechua e Aymara que
argumentam que estas são culturas orais e que a alfabetização é uma imposição (TORRES, 2008b).
A paridade de gênero enfrenta novas que assumem e defendem a diversidade e a fle-
questões e desafios xibilidade é essencial para a ação governamen-
A paridade de gênero é uma questão para mu- tal e não governamental, uma dimensão neces-
lheres e homens, portanto exige políticas e pro- sária da equidade, qualidade e efetividade das
gramas específicos para o contexto e medidas de políticas e dos programas. Vale mencionar a
discriminação positiva para meninos e homens criação, em 2004 no Brasil, da Secretaria de Edu-
em vários países e áreas, da educação inicial à cação Continuada, Alfabetização e Diversidade
educação terciária e incluindo a AEA. Estatisti- (Secad), onde está situado o Departamento de
camente, a discriminação educacional das mu- Educação de Adultos. Aqui, a “diversidade ex-
lheres continua ligada às áreas rurais, às popu- pressou um conceito forte, não apenas de inclu-
lações indígenas e às mulheres mais velhas. A de- são educacional mas, sobretudo, de respeito e
fesa do direito das mulheres à educação básica valorização das múltiplas nuances das diversida-
está, portanto, associada a um quadro mais des étnicas e raciais, de gênero, sociais, ambientais
amplo que inclui povos indígenas, organizações e regionais do Brasil” (IRELAND, 2007:5).
de camponeses, adultos e idosos. Além disso, de-
fender esse direito hoje implica ir além dos indi- Vinculando a educação de adultos
86 cadores quantitativos usuais da educação e tratar
ao sistema escolar
de questões qualitativas e um tanto invisíveis,
Muitas pesquisas e avaliações continuam a
bem como da transição entre a educação e o tra-
confirmar a inter-relação óbvia entre a educação
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
44. Há muitos programas interessantes que tratam das relações entre os pais (mães)-filhos e relações familiares. Entretanto, não podem facilmente ser
captados como educação de adultos pois são classificados como educação inicial, educação pré-escolar ou desenvolvimento da primeira infância, e
mesmo os educadores de adultos frequentemente não vêem nem reivindicam esses programas como AEA. Um exemplo claro é programa cubano
Educa tu hijo, incluído aqui em um quadro. O programa aparece classificado como uma inovação em Desenvolvimento de Currículo no site da
UNESCO Red Innovemos: <http://www.redinnovemos.org/content/view/364/70/lang>. e sob Educação Inicial no site da OEI: <http://www.oei.es
/linea3/inicial/cubane.htm>.
tural (DINEIB), as próprias organizações e um direito negado a milhões de jovens e adultos
comunitárias organizaram o atendimento às – mesmo aqueles que têm educação formal e for-
crianças pequenas. mação sólida. A defesa do direito ao trabalho é o
Para saber mais acesse: <http://www.fronesis. complemento necessário não somente ao direito
org/ecuador_cna.htm>. das crianças e adolescentes à educação escolar
relevante que as prepara para o trabalho e para a
Bolívia: Yuyay Jap’ina (Nos apropriando do vida, mas também à defesa do direito dos traba-
conhecimento, em quechua) é um programa lhadores à educação continuada e à capacitação
implementado com apoio do Unicef, desde para poder lidar com as mudanças no mundo do
1992, em áreas rurais dos Departamentos de trabalho.
Potosí e Cochabamba. O programa, inspirado
no famoso modelo Warisata que revolucionou Mais e melhor uso de tecnologias
a educação indígena na Bolívia, oferece edu- tradicionais e modernas
cação primária intercultural bilíngue aos pais, O rádio, ferramenta educacional pioneira e
particularmente às mulheres, com 15 a 45 anteriormente forte na região para fins de AEA,
anos de idade. É complementado pelo pro- acabou cedendo lugar às tecnologias audiovisuais 89
grama Kallpa Wawa (Fortalecendo as Crian- e digitais. Entretanto, o rádio continua a ser o
ças, em quechua), voltado para crianças
meio mais difundido na região, alcançando as
pequenas e sob a responsabilidade de educa-
45. Rádio Santa Maria, na República Dominicana; Instituto Radiofónico Fe y Alegría (IRFA) em diversos países; e Radio San Gabriel na Bolívia, são alguns
exemplos pioneiros de maior destaque e duração do uso de rádio atualmente sendo utilizados para fins de AEA.
46. De acordo com dados recentes (2008), na América Latina mais de 400 milhões de pessoas possuem telefone celular. Mais de 80% usam os celulares
somente para receber chamadas, que não têm custo.
Mais esforços para empoderar as educação de adultos e não formal, mas também
pessoas em vez de fazer lobby para o sistema de educação como um todo, den-
Influenciar as políticas de educação tornou- tro e fora da escola.
se uma tendência marcante entre atores da socie-
dade civil. Os esforços são geralmente voltados Tratar das questões conceituais e
para tentar influenciar os responsáveis pelas terminológicas na área
decisões nacionais e internacionais, por meio de Problemas conceituais e terminológicos
lobby e advocacy, evidência de pesquisas, partici- acompanham a área da educação de adultos
pação em reuniões, elaboração e edição de do- desde o início, e continuam a ser um desafio não
cumentos e declarações. Isso reflete e reforça a somente no nível mundial, mas também na
ideia da política e da tomada de decisão como região, em particular. A necessidade de um en-
algo elitista, como tarefa burocrática e tecnocrá- tendimento comum dos conceitos de alfabetismo
tica, em vez de um processo que precisa e deve funciona e desenvolvimento, bem como a ne-
estar aberto à participação e à consulta dos cida- cessidade de um Sistema Padronizado de Relató-
dãos. É essencial trabalhar e influenciar não rio de Dados, eram preocupações e problemas
somente para cima (formuladores de políticas, centrais no planejamento e na implementação do
90 autoridades), mas também e especialmente para Programa de Alfabetização Experimental Mun-
baixo (organizações de base, movimentos sociais) dial em meados da década de 1960 (UNESCO,
para fortalecer a capacidade das pessoas de parti- 1977). A proposta de um glossário internacional-
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
cipar na formulação de políticas, exigir ativa- mente aceito para a AEA foi feita diversas vezes
mente seus direitos, com suas próprias vozes e no passado, e desenvolvida para os países no
sem mediadores, e moldar seus próprios progra- hemisfério Norte (por exemplo para a Europa:
mas. Tal mobilização social informada e organi-
Federighi, 1999). Nenhum debate ou consenso
zada de baixo para cima não somente é mais eficaz,
foi realizado nas regiões do hemisfério Sul, em
mas também é um processo de construção de ci-
que os termos e as tendências foram importados
dadania (TORRES, 2007). A correlação encon-
geralmente do Norte sem uma discussão interna
trada na região entre educação de baixa qualidade,
apropriada sobre relevância ou adaptação a reali-
expectativas baixas e satisfação com uma educa-
dades específicas. As definições e classificações
ção de baixa qualidade (LORA, 2008) exige mais
elaboradas pela ISCED da UNESCO claramente
esforços para assegurar mais e melhor educação
para os pobres, para que eles possam distinguir continuam a atender às realidades, ideologias e
melhor a educação de boa qualidade da educa- aspirações dos países industrializados. O glossário
ção de má qualidade e exercer seus direitos. fornecido no último Relatório de Monitoramento
Global da EPT (2009) ignora os termos aprendi-
Revitalizando o espírito da educação zagem e aprendizagem ao longo da vida, que
popular estão no cerne da educação e da transformação
Isso significa fortalecer o caráter alternativo educacional nos tempos atuais.
da AEA e do Movimento de Educação Popular O processo da CONFINTEA VI pode forne-
na região, reconhecendo a dimensão política da cer uma oportunidade valiosa de tratar de antigos
educação para a transformação social. Está claro e novos termos, conceitos e tendências, e de
que a educação em si e por si só não trará as aprovar uma terminologia comum (e a tradução
mudanças econômicas e sociais necessárias para em diversas línguas relevantes, incluindo as indí-
construir sociedades mais equitativas e justas. genas) que leve em conta as diversas realidades
Renovar as estratégias implica renovar a visão e da região. A identidade da área está em jogo,
renovar o esforço. No contexto regional atual, o incluindo a revisão de categorias como formal/
Paraguai, sob um novo governo progressivo, não formal/informal, fora da escola, alternativo
embarcou em um processo participativo que e popular e de idade como uma categoria central
tenta reviver a educação popular no país, de uma para identificar a área.47 Sem o desenvolvimento de
perspectiva governamental, não somente para a um entendimento comum, uma língua comum
47. A Classificação Padrão Internacional da Educação (ISCED) não classifica níveis de educação por idade dos participantes. Educação primária (ISCED 1),
secundária inferior (ISCED 2) ou secundária superior (ISCED 3) são classificadas como tal mesmo que os alunos sejam adultos (ver Anexo A).
e metodologias estatísticas comuns, os avanços • derrubar as barreiras entre educação e capa-
em todas as esferas serão limitados e não compa- citação. Do ponto de vista da aprendizagem
ráveis. e dos alunos, tais diferenças são irrelevantes e
percebidas como um continuum, como é a
Da alfabetização à aprendizagem ao alternância ou a simultaneidade entre es-
longo da vida tudo e trabalho, ambos sendo oportunidades
Da alfabetização à aprendizagem ao longo da de aprendizagem;
vida foi o título da Conferência Regional prepa- • reorganizar os parâmetros de tempo e idade
ratória (México, 10 a 13 de setembro de 2008). tradicionalmente associados à educação;
Isso representa na verdade um enorme desafio reorganizar e articular espaços onde a apren-
para a região, onde a alfabetização de adultos dizagem ocorre durante toda a vida – lar,
é atualmente enfatizada em excesso, com um comunidade, sistema escolar, trabalho, meios
leque de iniciativas e planos nacionais e suprana- de comunicações, participação social, artes,
cionais espalhados por toda a região e que fun- esportes, recreação, leitura e escrita, ensino,
cionam de modo um tanto descoordenado. aprendizagem autônoma, uso de TICs e
Entrementes, o paradigma da aprendizagem ao assim por diante. Isto significa articular a
longo da vida não foi assimilado e continua a ser aprendizagem formal, não formal e informal; 91
associado apenas com adultos. Embora mencio- • reconhecer, valorizar e validar a aprendiza-
nado nas políticas e nos instrumentos legais, a gem que ocorre na vida cotidiana fora do
de esforços e mau uso dos recursos. em 2000 (Dacar). A EPT, a cada ano desde 2003,
• A experiência indica que a descentralização reconhece esse descuido. Entretanto, reconhecê-
e a terceirização não trazem necessariamente lo não mudou a situação. O Relatório de Moni-
as vantagens prometidas. toramento Global da EPT de 2009, lançado em
• O contraponto da expansão das TICs para novembro de 2008, e sua divulgação mundial
fins de AEA é a improvisação, mau uso das que coincide com o ano da Sexta Conferência
tecnologias, critérios mal definidos para deci- Internacional sobre Educação de Adultos
dir qual a melhor combinação a ser utilizada (CONFINTEA VI), continua a ignorar a AEA,
em cada caso específico e – o mais grave – ne- não a considerando de importância estratégica
gligência do relacionamento pedagógico para a consecução da Educação para Todos até
interpessoal essencial. 2015 (UNESCO, 2009).48
• A relação custo-efetividade aplicada à AEA Dois mitos importantes devem ser revistos:
frequentemente é entendida e traduzida como de que são necessárias mais evidências e de que
mais barato e mais rapidamente, assim am- são necessários mais recursos financeiros para se
pliando e reforçando um círculo vicioso de obter a atenção que a AEA merece. Na verdade,
baixa qualidade e parcos resultados. há décadas há evidências teórica e empírica sufi-
Muitas práticas selecionadas como boas ou cientes do que deve e já deveria ser considerado
melhores práticas estão desatualizadas, com base senso comum e orientação clara para a tomada
em documentos, pareceres de especialistas ou de decisão e para a ação: a AEA tem efeitos dire-
autoavaliação dos próprios atores, e carecem de tos e positivos sobre a autoestima e as oportuni-
evidência empírica sobre sua implementação, dades de vida dos alunos adultos, além de influir
seus resultados e percepções dos participantes. positivamente no bem-estar de seus filhos (con-
Poucas passariam o teste dos quatro As – dispo- forme expresso pelos indicadores relacionados à
nibilidade (availability), acessibilidade, adaptabi- mortalidade e morbidade infantil, parto, práticas
lidade e aceitabilidade. Por outro lado, muitas de puericultura, acesso à escola, resultados dos
experiências relevantes ainda não foram sistema- alunos e assim por diante), de suas famílias e
tizadas e continuam desconhecidas devido à falta comunidades. Aqueles que têm conhecimento
crônica de tempo e recursos na área da AEA, seu de primeira mão sobre educação, sobre o campo
compromisso com a ação e suas muitas urgên- da AEA e sobre a cultura política na região sabem
cias. que a falta da atenção à AEA não se deve à insu-
48. Ver "Comentários do ICAE sobre o Relatório EPT 2009 GMR da UNESCO" (ICAE, 2008).
ficiência de dados, de evidências ou falta de as situações mais desvantajosas e com os segmentos
clareza conceitual, como argumentado de forma mais vulneráveis da sociedade, os mais afetados
inconsistente no Relatório de Monitoramento pela pobreza, exclusão e subordinação em muitos
Global da EPT de 2009.49 O que se sabe sobre a aspectos: político, econômico, social, cultural ou
AEA – teoricamente e empiricamente, no nível linguístico. Também está relacionada com a su-
regional e internacional – é mais do que sufi- bordinação associada às condições de sua principal
ciente para saber o que precisa ser feito e deve ser população-alvo, que resulta em pouca atenção e
feito bem. O déficit principal está relacionado à priorização nacional e internacional em termos
ação, não à informação e ao conhecimento. de orçamento e em geral. O quanto mais pode
Por um lado, como as avaliações no campo ser feito ou melhorado sob as circunstâncias con-
da educação escolar reiteram, não há qualquer cretas de cada caso é uma pergunta aberta com
conexão direta e necessária entre mais recursos pelo menos uma resposta clara: a menos que mu-
financeiros e melhor educação. É necessário danças econômicas e sociais importantes ocorram
não somente mais – o único aspecto geralmente nas condições gerais da população atendida pela
destacado– mas melhor uso dos recursos dispo- AEA, a AEA não poderá cumprir sua missão.
níveis, precisamente por serem escassos. Devem É hora de repensar a equação: a educação por si
ser elaborados parâmetros de boa despesa e boa só não pode combater a pobreza e a exclusão, a 95
cooperação internacional em AEA. menos que políticas econômicas e sociais especí-
Por outro lado, o déficit financeiro geral- ficas e intencionais – não apenas programas com-
49. "Há pouco acordo sobre como definir as noções de aprendizagem de adultos e habilidade de vida, e que atividades de aprendizagem incluir." Habilidade
de vida e habilidade de subsistência, ambos aspectos da aprendizagem de adultos, assumiram diferentes significados em diferentes países." Também, "o
fato de não terem sido estabelecidas metas quantitativas claras em Dacar, além da meta principal de alfabetização, pode ter contribuído para a falta
de urgência. Além disso, a redação do compromisso é ambígua. Alguns entendem o objetivo 3 como um chamado para o acesso universal a programas
de aprendizagem e de habilidades de vida, mas outros, incluindo os elaboradores do Marco de Dacar, não entendem tal intenção." (UNESCO, 2009,
2008, p. 91).
vência são maiores não apenas para as pessoas, zagem podem fazer hoje a diferença entre a vida
mas para o planeta. Todos os desafios estão rela- e a morte, a esperança e o desespero, para milhões
cionados à educação e à AEA de forma específica de jovens e adultos na América Latina e no
e crucial, pois não é somente o futuro que está Caribe que continuam a ter negados os direitos
em jogo, mas também o presente. humanos mais básicos, incluindo o direito a uma
Este não é o momento para mais mudanças educação gratuita, relevante e de qualidade e a
de paradigma; é o momento de resgatar, entender aprendizagem durante toda a vida como meio de
e lidar com as diversas visões ampliadas e reno- emancipação e transformação pessoal, familiar,
vadas formuladas no passado para a educação comunitária e social.
básica (1990), a educação e aprendizagem de
adultos (1997), a educação e capacitação técnica
e profissional (1999), a alfabetização (2003) e a
educação em geral, ainda não apropriadas e
traduzidas na prática.
Este não é o momento para pesquisa não
substancial ou repetitiva para fornecer evidência
96 adicional para convencer aqueles que tomam
decisões e definem políticas no papel. É o mo-
mento da ação, da ação melhor e mais refinada
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
Educação de adultos (ou educação conti- programas educacionais que oferecem alfabetiza-
nuada ou recorrente) – Todo o corpo de proces- ção de adultos, educação básica para crianças fora
sos educacionais organizados, seja qual for o da escola, competências de vida, competências
conteúdo, nível e método, seja formal ou não, profissionais e cultura geral. Os programas de
seja uma extensão ou uma substituição da educa- educação não formal não seguem necessaria-
ção inicial nas escolas, faculdades e universidades mente o sistema de escada, e podem ter diferentes
bem como no estágio profissional, por meio do durações.
qual as pessoas consideradas adultas pela socie- Educação para pessoas com necessidades
dade à qual pertencem melhoram suas qualifica- especiais – A intervenção e o apoio educacional
ções técnicas ou profissionais, desenvolvem suas voltado para a educação de pessoas com necessi-
habilidades, enriquecem seu conhecimento com
dades especiais. O termo educação para pessoas
a finalidade de: (a) concluir um nível de educação
com necessidades especiais veio substituir o
formal; (b) adquirir conhecimento e competên-
cias em um campo novo; (c) reciclar ou atualizar termo educação especial. O termo mais antigo
seu conhecimento em um campo particular. era entendido principalmente em referência à
Educação formal – Educação fornecida no educação de crianças portadoras de deficiência
sistema das escolas, faculdades, universidades e oferecida em escolas ou instituições especiais
outras instituições educacionais formais que distintas das instituições do sistema escolar e
geralmente constitui uma escada contínua de universitário regular e externamente a ele. Em
educação em tempo integral para crianças e jo- muitos países hoje uma proporção grande de
vens, geralmente começando na idade de cinco a crianças portadoras de deficiência frequenta
sete anos e continuando até 20 ou 25 anos de instituições do sistema regular. Além disso, o
idade. Em alguns países, os degraus superiores conceito de crianças com necessidades educacio-
dessa escada são constituídos por programas nais especiais se estende além daquelas que
organizados de emprego de meio expediente e
podem ser incluídas em categorias de deficiência
participação de meio expediente no sistema re-
para incluir aquelas que estão fracassando na
gular da escola e da universidade: tais programas
vieram a ser conhecidos como sistema duplo ou escola por uma ampla variedade de outras razões
termo equivalente nesses países. que sabidamente podem impedir o progresso
Educação não formal – Qualquer atividade ótimo de uma criança. Se esse grupo de crianças
educacional organizada e sustentada que não mais amplamente definido precisa de apoio adi-
corresponde exatamente à definição de educação cional depende de até que ponto as escolas pre-
formal acima. A educação não formal pode, cisam adaptar seus currículos, ensino, organização
portanto, ocorrer dentro ou fora das instituições e fornecer recursos humanos ou materiais adicio-
de educação e atender pessoas de todas as idades. nais para estimular a aprendizagem eficiente e
Dependendo do contexto do país, pode abranger efetiva desses alunos. 101
Educação pré-profissional ou pré-técnica –
A educação projetada principalmente para apre-
sentar os participantes ao mundo do trabalho e
prepará-los para a entrada em programas de
educação profissional ou técnica. A conclusão
bem-sucedida de tais programas não resulta ainda
em uma qualificação profissional ou técnica re-
levante para o mercado de trabalho. Para que um
programa seja considerado como educação pré-
profissional ou pré-técnica, pelo menos 25% de
seu conteúdo tem que ser profissional ou técnico.
Esse mínimo é necessário para garantir que a
disciplina profissional ou técnica não seja so-
mente uma entre muitas outras.
Educação profissional ou técnica – Educação
projetada principalmente para levar os partici-
102 pantes a adquirir a habilidade prática, a com-
preensão e o conhecimento necessários para obter
emprego em uma ocupação ou ofício ou em uma
Educação e Aprendizagem para Todos: olhares dos cinco continentes
2. Acesso universal e conclusão da educação 2. Assegurar que, até 2015, todas as crianças,
primária (ou qualquer nível mais elevado particularmente as meninas, vivendo em
considerado “básico”) até o ano 2000. circunstâncias difíceis e as pertencentes a minorias
étnicas, tenham acesso ao ensino primário gratuito,
obrigatório e de boa qualidade.
3. Melhoria dos resultados da aprendizagem de 3. Assegurar que sejam atendidas as necessidades de
modo que uma porcentagem convencionada de aprendizado de todos os jovens e adultos por meio
uma amostragem de determinada idade (por de acesso equitativo a programas apropriados de
exemplo, 80% dos maiores de 14 anos) alcance ou aprendizagem e de capacitação para a vida.
ultrapasse certo nível de ganhos de aprendizagem
considerados necessários.
4. Redução da taxa de analfabetismo dos adultos, no 4. Alcançar, até 2015, uma melhoria de 50% nos
ano 2000, para metade do nível de 1990. O grupo níveis de alfabetização de adultos, especialmente no
de idade adequado deve ser determinado em cada que se refere às mulheres, bem como acesso
país e deve-se insistir na alfabetização feminina para equitativo à educação básica e contínua para todos
modificar a frequente desigualdade entre índices de os adultos.
alfabetização de homens e mulheres.
5. Ampliação dos serviços de educação básica e de 5. Eliminar, até 2005, as disparidades de gênero no
capacitação de outras competências essenciais ensino primário e secundário, alcançando, em 2015,
necessárias para jovens e adultos, avaliando a igualdade de gêneros na educação, visando
eficácia dos programas em função da modificação principalmente garantir que as meninas tenham
da conduta e do impacto na saúde, no emprego e acesso pleno e igualitário, bem como bom
na produtividade. desempenho, no ensino primário de boa qualidade.
6. Aumento da aquisição por parte dos indivíduos e 6. Melhorar todos os aspectos da qualidade da
das famílias de conhecimentos, capacidades e valores educação e assegurar a excelência de todos, de forma
necessários para viverem melhor e conseguirem um a que resultados de aprendizagem reconhecidos e
desenvolvimento racional e sustentável por intermédio mensuráveis sejam alcançados por todos,
de todos os canais de educação – incluindo os meios especialmente em alfabetização linguística e
de informação modernos, outras formas de matemática e na capacitação essencial para a vida.
comunicação tradicionais e modernas e a ação social –
avaliando-se a eficácia dessas intervenções em
função da modificação da conduta.
103
Anexo C
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODMs) 2000-2015
Objetivo 1 Objetivo 2
Erradicar a extrema pobreza e a fome Atingir o ensino básico universal
Meta 1.a. Reduzir pela metade, entre 1990 e Meta 2.a Garantir que, até 2015, todas as crian-
2015, a proporção da população com renda in- ças, de ambos os sexos, terminem um ciclo com-
ferior a um dólar PPC por dia. pleto de ensino básico.
1.1 Proporção da população que ganha menos 2.1 Taxa líquida de matrícula no ensino pri-
de 1 dólar PPC por dia. mário.
1.2 Índice de hiato de pobreza (incidência x 2.2 Proporção dos alunos que iniciam o 1º ano
grau de pobreza). e atingem o 5º.
1.3 Participação dos 20% mais pobres da po- 2.3 Taxa de alfabetização na faixa etária de 15
pulação na renda ou no consumo nacional. a 24 anos.
1.4 Taxa de crescimento do PIB por pessoa Meta 3.a. Eliminar a disparidade entre os sexos
empregada. no ensino primário e secundário, se possível até
1.5 Razão entre emprego e população dos dois 2005, e em todos os níveis de ensino, a mais
sexos. tardar até 2015.
1.6 Porcentagem de pessoas empregadas com
renda inferior a 1 dólar por dia (dólar PPC). 3.1 Razão meninas/meninos no ensino básico,
1.7 Porcentagem de trabalhadores por conta médio e superior.
própria e que contribuem para a previdên- 3.2 Percentagem de mulheres assalariadas no
cia social, em relação ao emprego total. setor não agrícola.
3.3 Proporção de mulheres exercendo mandatos
Meta 1.c. Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, no parlamento nacional.
a proporção da população que sofre de fome.
Objetivo 4
1.8 Prevalência de crianças (com menos de 5 Reduzir a mortalidade infantil
anos) abaixo do peso.
1.9 Proporção da população que não atinge o Meta 4.a. Reduzir em dois terços, entre 1990
nível mínimo de crescimento dietético de ca- e 2015, a mortalidade de crianças menores de
lorias. 5 anos. 105
4.1 Taxa de mortalidade de crianças menores Meta 6.b. Alcançar, até 2010, o acesso universal
de 5 anos. ao tratamento de HIV/Aids para todas as pessoas
4.2 Taxa de mortalidade infantil. que necessitem.
4.3 Proporção de crianças de 1 anos vacinadas
contra o sarampo. 6.5 Proporção de portadores de HIV com in-
fecção avançada que têm acesso a medica-
Objetivo 5 mentos antirretrovirais
Melhorar a saúde materna
Meta 6.c. Até 2015, ter detido a incidência da
Meta 5.a. Reduzir em três quartos, entre 1990 e malária e de outras doenças importantes e come-
2015, a taxa de mortalidade materna. çado a inverter a tendência atual.
Rosa María Torres del Castillo. Educadora e linguista. Pesquisadora e assessora internacional
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com vasta experiência em educação básica. Especializada em educação de jovens e adultos, alfabeti-
zação, comunidades de aprendizagem e aprendizagem ao longo da vida. Diretora Pedagógica da