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Mulher

Indomável
“Wife for a Penny”

Anne Hampson

Se Liz não se casasse com Nigel Shapani — um desconhecido — toda a herança


deixada por seu excêntrico bisavô iria para uma instituição de caridade. Seus tios e
avós, muito idosos, ficariam na miséria. Assim, obedecendo àquele odioso
testamento, ela concordou com o casamento, embora achasse Nigel arrogante e
prepotente como a maioria dos homens. E foi com ele para a Grécia, tentando
adaptar-se a sua nova situação. Felizmente o casamento era um trato de
conveniência e não a obrigava a maiores intimidades com o marido. Até quando,
porém, suas defesas a protegeriam do magnetismo daquele grego tão sedutor?
Mulher indomável (Wife for a Penny) - Anne Hampson - Sabrina no. 82

Livros Florzinha -2-


CAPÍTULO I

— Venham, senhores! Aproximem-se! Não percam esta oportunidade de beijar a


mais linda garota de Cheshire! Comprem seus bilhetes aqui, somente cinco reais,
senhores, cinco reais!
— Não sou — dizia Elizabeth Dawes, baixinho — a moça mais bonita de
Cheshire!
— Aproximem-se! Aproximem-se! — Sorria a persistente Grace, ignorando o
olhar carrancudo de Líz. — O senhor aí, não quer tentar a sorte?
Ele parou na barraca, uma das muitas armadas sobre o gramado, com seus olhos
escuros e desinteressados vagueando de Grace para a belíssima moça a seu lado.
— Os beijos aqui parecem ser baratos — disse ele, com um sotaque estrangeiro.
— Oferta especial, somente hoje — respondeu prontamente a sorridente Grace.
— Uma oportunidade como esta nunca mais surgirá em sua vida! — Que belo homem,
pensou ela, mas franziu o cenho ao fazer um exame mais detalhado. Boca muito fina,
olhos duros como aço, queixo proeminente. Havia um certo sarcasmo em sua voz
quando ele disse:
— Poderia saber qual das duas está oferecendo esta pechincha?
— Como o senhor é educado — comentou Grace, ironicamente. — Bem-educado,
mas cego. — Não havia agressão em sua voz. A popularidade de Grace era prova
suficiente de que o que lhe havia sido negado em beleza, recebera em personalidade.
De fato era brilhante; sua conversa poderia tanto ser banal ou profundamente
inteligente, dependendo da ocasião.
Os olhos esverdeados do homem cintilaram ao ouvir suas palavras e sua boca
tornou-se mais estreita. Qual seria sua nacionalidade?, pensou Grace. Talvez fosse
grego.
Liz também tentava descobrir sua nacionalidade. Pele morena, cabelos negros e
olhos cinza-esverdeados, alto e musculoso, dando a impressão de força... Um rosto que
poderia ter sido talhado em pedra: Unhas clássicas, queixo proeminente e nariz
aquilino.
— Cruel e terrível! — concluiu Liz.
— Compro dois números — disse um rapaz que passava. Grace tornou-se séria e
olhou-o carrancuda.
— Acho que não gostaria que meu noivo beijasse minha melhor amiga!
Ele sorriu.
— Isso é o que eu queria ouvir. Gosto que minhas mulheres sejam ciumentas. —
Ray pagou e recebeu seus números das mãos da relutante Grace, que ainda parecia
zangada, embora isso o fizesse rir novamente enquanto se dirigia à outra barraca.
— Aproximem-se, senhores! — repetia Grace. notando que muitos rapazes
estavam por perto. — Nào percam esta oportunidade única de beijar a mais linda moça
de Cheshire!
Nâo havia dúvidas quanto à beleza de Liz. Com dezesseis anos desfilara
orgulhosamente pelas ruas de Knutsford, a única cidade do país que comemorava o mês
de maio e elegia uma rainha. Com seus cabelos dourados presos no alto da cabeça,
olhar desdenhoso para seus "súditos", Liz parecia realmente uma rainha de verdade.
— Linda, mas sem coração; pode-se ver isso em seu rosto. — Esse era um
comentário frequente que faziam sobre ela.
— Muito orgulhosa, muito cheia de si.
— Não gostaria que um de meus filhos a desposasse.
— Nem eu. Ela precisa é de alguém que a domine.
— Não acho isso possível. Ela dominará o marido até o túmulo...
— Pense bem, algum pobre moço gozando a vida nesse instante e nem
suspeitando...
Nesses últimos seis anos, Liz se tornara mais fria e arrogante. Os homens a
perseguiam sem trégua: ricos industriais, jovens de sua idade, um ator de cinema, o
dono de um haras etc. Mas, com o tempo, desistiram. Sua força de caráter assustava
seus pretendentes quando a conheciam melhor.
Liz não se importava com isso. Homens são temperamentais, mesmo o melhor
deles; são egoístas, presunçosos e invariavelmente infiéis. Além disso, a liberdade
corria em suas veias e as restrições impostas pelo casamento eram olhadas por Liz
com horror. Ela preferia preservar sua beleza, seu corpo e, acima de tudo, sua
liberdade.
— Comprarei cinco bilhetes. — Uma moeda de prata foi colocada sobre o banco
que servia de balcão. — É um sorteio, não?
— Sua suposição está certa, senhor. — Grace olhou-o maliciosamente, quando
lhe entregou os bilhetes. — Suas chances vão de um a cem.
Seus olhos escuros piscaram, e então gentilmente disse:
— Explique melhor sua matemática.
— Por cada cem bilhetes vendidos aqui, Liz oferecerá um beijo. Assim, se
vendermos quinhentos bilhetes, somente cinco serão sorteados da caixa.
— Compreendo. — Houve uma pequena pausa, antes que ele retrucasse: —
Continuo a achar que os beijos são muito baratos aqui.
— E por uma boa causa — falou Liz pela primeira vez, num tom breve, com o
queixo alto, desafiando-o. — Nós organizamos esta Feira de Verão para ajudar um dos
fazendeiros do lugar, que sofreu um acidente de trator. Nunca mais poderá trabalhar.
— Aceite minhas desculpas — disse ele num tom sarcástico, que parecia não
combinar com a sinceridade de suas palavras. E dirigiu-se então a passos largos para o
portão de saída onde os carros estavam estacionados.
— Que homem insuportável! — comentou Grace segurando a moeda antes de
deixá-la cair na caixa. — Espero que seus números não sejam sorteados.
— Se forem, coloque-os novamente na caixa.
— Como queira, embora isto não seja honesto!
— Eu não vou beijar... aquilo!
— Aquilo... deseja beijar você — afirmou Grace sorrindo e acrescentou: — Foi
muito bonito de sua parte concordar com este sorteio, Liz. Não combina com seu modo
de ser, não é?
— É claro que não, mas como o sr. Cárter disse, seria algo diferente das
barracas de frutas, das de jogos e melhor do que isso, não haveria despesas. — Seus
expressivos olhos cinzentos seguiram aquela figura estranha até desaparecer. Tinha o
estranho pressentimento de que o vira antes e que ele viera para encontrá-la... o que
era ridículo, naturalmente.

Na sala de estar de Caríington Hall pairava a melancolia. Tia Rose, tensa, estava
perto da lareira; tio Oliver, que perdera na última meia hora pelo menos dez anos de
vida, mantinha seu olhar fixo em sua sobrinha mais nova, cuja cabeça pendida
mostrava um acentuado sentimento de culpa. A avó tricotava, apática. Aos noventa e
um anos, nada mais importava, já que o futuro não contava mais para ela.
Somente Liz estava atenta, com seus olhos duros feito pedra e seu gênio
dominador e agressivo.
— Diga alguma coisa, Vivien! Não fique aí assim sentada, com a cabeça baixa
olhando para o chão!
— Já disse o que tinha para dizer — lamentou-se a irmã, erguendo o rosto
coberto de lágrimas. — Vou casar-me por amor e nem você nem ninguém ira me
impedir.
— Você sempre obedeceu Liz — disse tia Rose, irritada. — Ela sempre soube o
que é melhor para você...
— O que é melhor para ela, você quer dizer! O que é melhor para todos vocês!
Eu não quero ser usada. — Vivien começou a chorar, encolhendo-se sob o olhar
ameaçador da irmã. — Vou me casar com Philip — disse ela tentando reanimar suas
forças, embora fracamente. — Nós nos amamos, continuo dizendo a vocês...
— Amor! — escarneceu Liz. — Você tem ido muito ao cinema, ou assistido
demais as novelas melosas da televisão. Amor! Meu Deus, quem é que deseja se casar
por amor?
— Eu quero — protestou Vivien, caindo em prantos novamente.
— Você precisa é de uns bons tapas! — Os lábios de Liz apertaram-se; deu um
passo à frente, como se pretendesse cumprir sua ameaça, mas Vivien encolheu-se
ainda mais em sua cadeira.
— Deixe de molestá-la — falou a avó deixando de lado seu tricô. — Está claro
que ela deseja atingir seu objetivo e, afinal de contas, tem idade suficiente para
tomar suas próprias decisões.
— Idade suficiente tem, mais juízo muito pouco! — disse Liz, aproximando-se da
irmã.
— Você se casará com Arthur Robinson, compreendeu? Os soluços deram lugar
a um choro convulsivo.
— Eu não quero! Você não tem o direito. Eu amo Phil! Um gesto forte da irmã
cortou-lhe a palavra. Liz dirigiu-se então à janela, como se precisasse de ar.
Lilases aquáticos flutuavam sobre o lago no meio do gramado, O jardim era de
inspiração japonesa. Pagodes e pontes rústicas cobertas de flores, sobretudo azaléias,
serviam-lhe de adorno.
— Estou perdendo meu lar por um estúpido capricho de sua parte — disse Liz. —
Vivien ainda soluçava, com parte dos cabelos cobrindo-lhe os olhos.
— Alguém devia castigá-la — afirmou tia Rose. — Isso é o que se fazia em meu
tempo.
— O dinheiro não é tudo... — começou Vivien, mas foí imediatamente silenciada.
— É a única coisa, importante na vida!
— Essa é a sua opinião, porque você nunca se apaixonou! — gritou Vivien.
— E, graças a Deus, nunca o farei, sobretudo vendo que o amor faz isso que está
fazendo com você.
— É um lindo sentimento...
— Poupe-me os detalhes, não estou nem um pouco interessada, Vivien.
— Não sei como você foi deixar tudo isso acontecer —, falou tio Oliver
finalmente, voltando seu rosto envelhecido e magro para a sobrinha. — E o dinheiro,
também, tudo por amor... — Ele balançou a calva cabeça. — Se vocês tivessem vivido as
experiências que vivi.
— Por favor poupe-me os seus detalhes também, titio...
— Oliver estava falando com Vivien, não com você — retrucou a avó, levantando
os olhos. Liz, com ar enfadado, esperou que a senhora concluísse: — Ele adora
relembrar seus casos de amor Indomável.
— Amor nao lhe trouxe muita coisa boa — observou Liz, com sarcasmo. —
Quatro esposas!
— Ah, mas todas eram jovens e estimulantes... — relembrou tio Oliver, os olhos
brilhando. — Pena que estivessem atrás de meu dinheiro...
Com um gesto desgostoso, Liz voltou-lhes as costas.
— Você conversou com Arthur sobre essa sua mudança de sentimentos? —
perguntou a Vivien.
— Ainda não.
— Menina inteligente! — Liz acercou-se novamente da irmã. — Pois se tivesse
feito, eu acabaria com você!
— Alguém — disse uma voz suave da porta — é que um dia deveria acabar com
você!
Todos se voltaram. Encostado à porta de carvalho estava o homem da feira de
caridade.
Um rubor subiu às faces de Liz quando recordou aquele beijo. Uma multidão
estava em volta quando os bilhetes foram sorteados, por isso não houve oportunidade
para colocar o bilhete de volta, sobretudo por aquele tipo estar o tempo todo de olho
nela.
— Nunca deveria ter acontecido — disse Liz mais tarde, mas Grace assegurou
que aquilo não era honesto, e que não seria direito que ela pusesse de novo o bilhete
dentro da caixa.
— Não na frente de todos — disse ela, depois que dois outros felizes
vencedores tinham ganho seus beijos.
— Esta barraca ao lado está ocupada? Os olhos dela se turvaram.
— Ou você me beija aqui ou não haverá beijos — disse, em voz baixa e fria. Suas
palavras porém foram seguidas por uma risada esquisita.
— Você vai lamentar isso se insistir — retrucou ele, suavemente. O que ele
queria dizer com isso? Liz olhou-o diretamente nos olhos, que confirmaram o que havia
dito. Assim, sem pensar, Liz dirigiu-se à barraca vazia, pois a sra. Jones, que lia o
futuro, tinha ido até a reitoria para preparar o chá do esposo.
Uma vez dentro da barraca, Liz o encarou, resignada. Se ele adivinhasse seus
pensamentos, teria ouvido: "Bem, o que está esperando? Decida-se logo e faça o que
pretende de uma vez!"
Ela não expressou seus pensamentos, mas foi como se tivesse feito, pois ele a
tomou nos braços e apertou-a com calor. Seus olhos a cobiçavam enquanto os lábios
descobriam sua boca, a princípio em movimentos suaves e, aos poucos, mais e mais
ardorosos. Seu beijo tornou-se brutal e possessivo; Liz começou a se debater em seus
braços inutilmente, pois eram fortes como aço.
Um furor irrompeu dentro dela; teria batido nele se pudesse, mas seus braços
estavam comprimidos contra o corpo esguio.
— Não esquecerei sua prenda tão barata, senhorita... Somente depois de algum
tempo Liz chegou à conclusão de que ele, de fato, sabia seu nome. Naquele momento,
porém, levantou sua cabeça altivamente e seus olhos arrogantes reduziram-no a nada.
Liz deixou então a barraca, tremendo de raiva.
E agora ele estava ali, em sua casa.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou-lhe carrancuda, recobrando-se
de sua surpresa.
— A porta da frente estava aberta. Pensei em tocar, mas achei que a campainha
poderia não ser ouvida com todo esse barulho dentro da casa. — Entrou na sala,
aparentemente não notando os olhares que se voltaram para ele. Seus olhos per-
correram o ambiente, num rápido exame. Móveis antigos e maciços, obras de arte na
parede, lambris de madeira e a impressão de entradas secretas; prataria, lambris e
tudo o mais aparentavam grande riqueza. — Meu nome é Nigel Shapani...
— Nigel! — disse Vivien, assombrada. —- O irmão de Arthur, da Grécia?
— Meio irmão — retrucou ele, como se aquele parentesco lhe fosse
desagradável.
Liz olhou-o intencionalmente. Então era isso que a fizera pensar já tê-lo visto
antes! Havia uma ligeira semelhança entre os irmãos, embora Arthur fosse todo inglês.
— Você nunca nos contou que Arthur tinha um irmão. — Liz voltou-se
acusadoramente para sua irmã, que enxugava os olhos perscrutando a figura de Nigel,
como se quisesse encontrar nele um aliado.
— Você nunca se interessou.
— Nunca me interessei por nada relacionado a Arthur, sabendo naturalmente
que você era sua noiva. Por que nunca mencionou isso? — Ela interrompeu quando notou
as sobrancelhas de Nigel arquearem-se. — Por que você não disse que ele tinha um
irmão? — insistiu, lançando a Nigel um olhar tão arrogante quanto o dele.
— No começo eu não sabia. Quando Arthur me falou sobre ele, eu já queria
romper o compromisso e achei que não havia razão de lhe falar sobre isso. — Ela parou
de falar quase que abruptamente com o olhar que Liz lhe lançou. Entretanto, foi
deixada em paz por instantes, enquanto Liz voltava sua atenção para o homem que, tão
sem cerimónia; entrara casa adentro.
— Qual a razão da sua presença aqui? Será que devo entender que o senhor
viajou da Grécia para cá a fim de resolver esse problema?
— Meu irmão informou-me da discussão com Vivien e, embora ela não tenha
falado francamente, Arthur teve a impressão que ela não deseja mais se casar com
ele. — O olhar de Nigel pousou em Vivien. — Parece que cheguei num momento
inoportuno. Quero conversar sobre esse assunto com alguém em particular.
— Pelo contrário, você chegou no momento certo — retrucou Liz, — Você pode
discutir o assunto com Vivien, em público.
Nigel lançou-lhe um olhar demorado.
— Em público, hem? — Olhou em volta. — Que temos aqui? — Com um gesto
deliberado apontou as três pessoas que permaneciam em silêncio. — Uma escola para
surdo-mudos?
— Eles não têm nada com isso.
— Todos vão perder seu lar e uma polpuda herança.
— Nunca! — protestou tia Rose, levantando-se da cadeira e sentando-se
novamente. — Pobreza em minha idade é uma desgraça!
Nigel olhou-a como se ela fosse perturbada mental, ao observar os movimentos
de sua cadeira de balanço para frente e para trás.
__ Nigel — disse Vivien —, você está do meu lado? — Ela parecia tão triste e
frágil, que um sorriso espontâneo surgiu quebrando a rigidez daquela boca. Ele ignorou
sua pergunta e disse:
— Você está apaixonada por outra pessoa? Parece que sim, pois enquanto estava
no vestíbulo ouvi você dizer que deseja casar-se por amor.
— Ela vai se casar — interrompeu Liz, suavemente — por dinheiro.
Nigel olhou-a, carrancudo.
— Poderia parar com isso? — retrucou autoritário, e os olhos de Liz fuzilaram-
no. Ela estava extremamente confusa com o desinteresse daquele homem e
intencionalmente disse:
— Você também perderá uma fortuna se nossas famílias não se unirem por esse
matrimónio. Não se importa de perder todo esse dinheiro?
— Como não guardo todos os meus ovos numa cesta só, não perderei todo o meu
dinheiro. — Ele parou por um momento e suas sobrancelhas arquearam-se. —
Entretanto, a eventualidade de perder essa considerável soma fez com que eu viesse
até aqui para ver o que poderia ser feito. Vivien, você não pode mesmo casar-se com
Arthur? Quero que entenda que compreendo sua aversão, mas se não se casar com ele
perderá sua parte que, tenho certeza, é quase tão grande quanto a minha.
— Não dou importância a dinheiro. Quero casar-me por amor. — Lágrimas
escorriam-lhe novamente pelo rosto e os olhos de Nigel momentaneamente se
suavizaram.
— Onde já se viu tanta bobagem? — disse tia Rose para ninguém em particular.
— Casar-se por amor!
— Parece uma ideia bastante antiquada — concordou Nigel, bocejando. — Você
deseja casar-se por amor, criança?
— Tenho dito isso tantas vezes!
— Sinto muito... muito mesmo...
Liz parecia exasperada. Pela primeira vez em sua vida fora derrotada e, em sua
raiva e frustração, procurou se vingar daqueles que estavam mortos:
— Idiotas, os dois! Amor, boa vontade e perdão, como nossos estúpidos bisavós
determinaram.
O silêncio caiu sobre a sala. Archibald, seu bisavô, e Septimus, o bisavô de Nigel
pelo lado materno, tinham se tornado inimigos desde a época escolar e por quarenta
anos nunca se falaram. Então Archibald, persuadido pelos amigos, fez as pazes e nos
últimos anos de sua vida os dois se tornaram amigos.
Mas, nos anos posteriores, os membros mais jovens das suas famílias tinham
levantado suas próprias barreiras. Isso não importava, pois raramente tinham contato.
Entretanto para os dois velhos aquela situação não estava certa.
Havia uma só coisa a ser feita: promover uma reconciliação entre as duas
famílias e o meio mais simples seria o casamento.
Houve grande consternação quando, com a morte de Archibald, tomaram
conhecimento de seu desejo, mas as coisas não mudaram até a morte de Septimus, um
ano depois.
— Você deve casar-se com Arthur — voltou a insistir Liz, com sua costumeira
autoridade de irmã mais velha. Arthur era cordato, pois não tinha intenção de perder
uma enorme fortuna, contrariando os desejos de seu avô.
O casamento fora arranjado e tudo caminhava normalmente até que, para
surpresa de todos, Vivien lhes informou que encontrara alguém e que tencionava se
casar com ele.
— As duas famílias ficarão arruinadas! — disse Liz, incrédula. — Não, minha
pequena, você cumprirá o que foi dito e se casará com Arthur.
Liz tinha certeza que o assunto estava encerrado, mas Vivien e Phil
encontravam-se em segredo, e Vivien não tivera coragem suficiente para quebrar o
compromisso, tão grande era seu temor por Liz. Mas o segredo não pôde ser guardado
por mais tempo, pois o casamento ocorreria dentro das próximas cinco semanas.
Assim, tudo fora colocado em pratos limpos, e Liz andava ao redor da sala como um
leão preso na jaula, repetindo avisos e ameaças que provocavam lágrimas em Vivien
mas não a certeza de que se sujeitaria a sua vontade.
— Você acabou de dizer que não contou a Arthur o que se passava com você —
afirmou Liz, olhando para Vivien com curiosidade.
— Isto é verdade, eu não o fiz, mas brigamos muito, e ele ultimamente me
pareceu estranho uma ou duas vezes, como se pressentisse algo errado. — Vivien
levantou a cabeça e olhou para Nigel. — Ele deve ter adivinhado, por isso mandou você.
— Tem razão, ele realmente pressentiu que você deseja quebrar o compromisso.
Cheguei esta manhã e Arthur informou-me que estariam na Feira de Caridade. Assim,
depois de almoçarmos juntos, fui até lá. — Virou-se para Liz enquanto falava e ela não
pôde evitar enrubescer, lembrando-se daquela situação ridícula. Isso provocou em
Nigel um sorriso sarcástico. Liz adoraria poder lhe bater com alguma coisa que tivesse
nas mãos. — Depois de perguntar por vocês, descobri sua irmã — informou ele a Vivien
—, mas não pude achar você.
— Eu estava na marquise, julgando as candidatas.
— Perdi esse espetáculo — comentou, desapontado. Liz encarou seu rosto
inexpressivo. Teria ele senso de humor?, perguntou-se, notando que Vivien também o
olhava.
— Poderíamos esquecer isso e voltar ao assunto do casamento de Vivien? —
interrompeu tio Oliver, impaciente. — Não é hora para frivolidades, senhor! Estamos
prestes a ficar na miséria. O senhor não poderia fazer alguma coisa com essa menina
obstinada e egoísta?
— Ninguém fará coisa alguma comigo! — exclamou Vivien, mais encorajada com a
presença de Nigel. — Não me importo com meus prejuízos pessoais; quanto a vocês,
terão que ir para um asilo de velhos.
— Um asilo? — gritou tia Rose. — Oh, não!
— Rose, pare com essa choradeira — reclamou a avó. — Perdi um ponto no tricô
e não consigo colocá-lo na agulha. Liz, por favor, faça isso para mim!
— Pronto. Seja mais cuidadosa.., — Liz de costas podia sentir o olhar de Nigel
sobre ela.
Olhou-o então diretamente e ficou imaginando o porquê da estranha impressão
em seus olhos escuros.
— Sr. Shapani — disse tia Rose —, faça alguma coisa com relação a Vivien! Faça
algo, por favor, pois se eu for para um asilo, morrerei em uma semana!
O olhar de Nigel ainda estava fixo em Liz, que se sentou, encarando-o ainda por
alguns momentos. Desviou então o olhar para seus sapatos, como se tivesse
descoberto algo estranho neles.
— A garota deseja casar-se por amor — disse Nigel finalmente, num estranho
tom de voz. — Não há nada que alguém possa fazer contra isso.
Mulher Indomável
Vivien encarou-o abismada, com os azuis brilhando.
— Você está do meu lado! — exclamou, aliviada. — Estou feliz por ter decidido
vir!
— Mas o que faremos? — perguntou tio Oliver. — Como Rose disse, ela não pode
viver num asilo, e eu muito menos.
Liz olhou para Nigel que sorria satisfeito. Isso a irritou muito, e ela disse:
— Não chegaremos a tanto — afirmou, enfaticamente. — Devemos pensar em
algo para cumprir a vontade desses dois velhos tolos e evitar que todo esse dinheiro
vá para uma instituição.
Os olhos de Nigel estavam mais uma vez fixos nela. — Já lhe ocorreu que você
poderia sair e trabalhar para viver? — perguntou.
— Essa fortuna enorme não pode ficar para uma instituição — disse ela,
ignorando sua pergunta.
— Concordo que seria uma grande perda — disse Nigel, olhando para os vários
membros da família. — Mas há outras pessoas que podem se prestar a esse objetivo.
— Seus olhos quedaram-se em tia Rose e Liz franziu o cenho. — Tenho um tio —
prosseguiu —, que talvez pudesse resolver se casar. A senhora casaria novamente? —
perguntou Nigel a tia Rose.
— Novamente? Nunca casei, mocinho, e não perdi a cabeça para fazer isso aos
sessenta e oito anos.
— E quanto ao senhor? Tenho uma tia...
— Então pode guardá-la para você — interrompeu tio Oliver. — Tive quatro
mulheres e a última levou tudo o que eu tinha. Não, jovem amigo — finalizou
enfaticamente —, não conte comigo.
Observando o rosto de Nigel com interesse, Liz imaginou o que ele iria fazer.
Algo estranho, concluiu, e por nenhuma razão aparente toda sua espinha começou a
formigar.
— E a senhora, vovó — perguntou-lhe vagarosamente, saindo de perto de Liz.
Liz mordeu os lábios.
— Ela tem noventa e um anos — disse Vivien.
— Noventa e um? É mesmo? — Ele sacudiu os ombros num gesto resignado. —
Bem, acho que está um tanto idosa. — Virou-se então e encarou Liz com uma expressão
estranha nos olhos.
— Parece que hã apenas uma solução para o problema
— disse ele, finalmente.
Oliver e Rose endireitaram-se ansiosos na cadeira.
— O senhor pensou em algo? — perguntou o tio.
Os olhos de Liz pareciam não acreditar quando Nigel. concordou.
—Sim — disse calmamente —, mas penso que minha ideia não agradará à jovem
senhora.
— Talvez — respondeu Liz, depois de uma breve pausa.
— Poderia ser mais explícito?
— A ideia é nós dois nos casarmos. Fez-se novamente profundo silêncio.
Vivien foi a primeira a falar, com todos olhando para ela, estupefatos.
— Liz nunca se casará.
— Sempre se soube que ela nunca se sujeitaria às restrições impostas pelo
casamento — acrescentou Oliver. — Além do mais, ela não gosta dos homens em geral;
acha-os egoístas, vazios e muito convencidos de sua importância.
— Uma solteirona nata — afirmou Rose, sacudindo a cabeça com tristeza. —
Pensei que o senhor tivesse encontrado uma solução para vencermos nossas
dificuldades, mas Liz não é a resposta para isso.
— O que está se passando? — A avó olhou por cima dos óculos. — Falem mais
alto, não quero ficar fora da conversa. Liz, o que você está dizendo?
— Não disse uma só palavra nesses últimos minutos.
— Nigel desejava casar-se com ela — informou Vivien, falando perto do ouvido
da velha.
— Nigel. Quem é ele?
— Este jovem — apontou tia Rose. — Se ele e Liz se casarem nossos problemas
se resolverão, mas Liz... não quer se casar com ninguém.
— O que há de errado com Nigel? — perguntou a avó, com dificuldade, — Ele me
parece ótimo. Aceite-o, Liz, e não mais haverá problemas.
— Ridículo! - Exclamou Liz. Nigel então levantou-se e foi até a janela.
Perder tudo, pensou ela, aquela casa e uma grande fortuna... Ninguém em seu
juízo perfeito jogaria tudo isso fora. E havia ainda todos aqueles velhinhos,
especialmente a avó, por quem tinha grande afeto. Liz tinha reputação de ser uma
mulher dura, mas a velhice sempre a sensibilizou. Olhou então demoradamente para a
velha senhora.
Seus ouvidos e sua vista estavam fracos e ultimamente o coração começara a
falhar. Restavam-lhe no máximo um ou dois anos de vida. Não poderia em hipótese
alguma passá-los num asilo! Por outro lado, não poderia deixá-la só o dia inteiro, se
precisasse trabalhar. Liz balançou a cabeça. Havia uma única saída... a não ser...
Transferindo seu olhar para Nigel, Liz percebeu que ele adivinhava a luta que se
travava dentro dela.
— Podemos nos casar... — disse enfim, meio relutante — com a condição de
vivermos separados.
— Podemos, mas não concordo com tal espécie de contrato. Ela franziu o cenho,
relembrando seu beijo odioso.
— Nesse caso devemos considerar perdida nossa herança.
— Talvez — sugeriu Nigel, levantando-se do sofá — pudéssemos discutir esse
assunto mais confortávelmente e em particular.
— Não há nada a ser discutido. Nunca me adaptaria a viver com você como
esposa.
No entanto, ele insistiu que conversassem a sós e Liz, com um suspiro resignado,
dirigiu-se para um pequeno escritório, antes ocupado por seu pai e agora por ela.
— Sente-se — convidou-o, secamente.
Ele ofereceu-lhe uma cadeira e ambos sentaram-se um em frente ao outro.
— Disse-lhe que não concordaria com a espécie de casamento que propôs —
começou Nigel sem preâmbulo —, mas não falei que a desejava como esposa no sentido
total da palavra. — Fez então uma pausa, antes de continuar: — Não é normal alguém
se casar e logo se separar. O que iriam dizer? Todos achariam a situação muito
estranha, não é mesmo?
— Meus amigos saberiam o porquê de meu casamento, por isso não achariam
estranho meu marido não estar a meu lado. — Seu rosto estava pálido, suas mãos
crispadas.
— Lamento, mas penso diferente. — Nigel hesitou e Liz teve a impressão de que
ele poderia muito bem concordar com sua sugestão, mas não desejava fazer isso. — Se
eu me casar, você tem que ir comigo para a Grécia.
— Por quê? Há necessidade de contar a seus amigos que está casado?
— Não devo viver uma mentira pelo resto de minha vida. Não, minha cara, se
casarmos você deverá me acompanhar à Grécia.
Liz não quis insistir em sua preocupação pelos mais velhos e, com certo
desgosto, perguntou:
— O que ganharei com isso? Aqui é meu lar e nele quero viver. E o dinheiro?
Quero gastá-lo e gozar a vida. Não. — Ela sacudiu a cabeça enfaticamente. — Só me
casarei com você se nos separarmos logo após a cerimónia.
— Você permitirá que duas fortunas passem para as mãos de estranhos? —
perguntou gentilmente e, notando que ela não respondia, continuou: — Você disse que
ama seu lar e é o que mais você deseja. Mas se não se casar comigo vai perdê-lo de
todo jeito. Casando, esta casa estará sempre a sua espera e você poderá visitá-la
periodicamente, pois será sua.
— Claro, ela faz parte de minha herança!
— Bem, então pense melhor antes de tomar sua decisão. Você realmente
gostaria que fosse vendida a estranhos e o dinheiro doado à tal instituição
— Parece-me — disse ela depois de um longo silêncio — que serei perdedora,
não importa o que eu faça.
— Agora você está se tornando razoável — comentou sarcasticamente,
recostando-se na cadeira.
— Você sabe muito bem que não quero me casar com você — replicou ela. —
Vejo, portanto, que não fui bem explícita.
— Então vamos continuar a discutir amigavelmente, pois de outra forma não
iremos muito longe.
— Parece que você realmente deseja se casar comigo.
— Então devo ter-me expressado mal — disse ele imediatamente, fazendo-a
ruborizar-se. — Não tenciono ter uma esposa, tanto quanto você não quer ter um
marido mas, como você, odeio pensar em todo aquele dinheiro escapando de minhas
mãos. — Nigel calou-se por algum tempo e ela novamente sentiu um arrepio na espinha.
Primeiro ele declarara enfaticamente que não guardava todos os seus ovos numa cesta
só, e de fato aparentava não se importar com a perda da herança. Agora tentava
persuadi-la ao casamento porque odiava a ideia de não poder desfrutar de todo aquele
dinheiro. Teria algum outro motivo para querer casar-se com ela?, pensou Liz
desconfiada. Ele era meio grego e os gregos, isso era sabido, eram o povo mais
ardente do mundo... Aquele beijo, aquele primitivo e selvagem desejo... Mas ela poderia
defender-se! Ele não a forçaria a nada sem sua aprovação, ou forçaria? Aquele abraço
fora certamente prova suficiente de que sua força não poderia ser desprezada.
— Nenhum de nós causará aborrecimento ao outro — afirmou, como se
realmente soubesse o que ela estava pensando. — Moraremos na mesma casa, seremos
cordiais quando meus amigos estiverem por perto, mas cada um terá seu próprio
caminho. — Nigel esperou por algum comentário, mas Liz ainda estava confusa e nada
conseguiu dizer. Ele parece estar sendo honesto, pensou... — E uma solução razoável —
prosseguiu Nigel —, a meu ver a única, se não quisermos perder nossa fortuna.
— Sempre jurei que jamais abriria mão de minha liberdade — declarou Liz, com
um suspiro profundo.
Nigel sorriu suavemente.
— Que engraçado! Nem eu. Mas aí está você e com isso meus planos
desmoronados... Nenhum de nós pode prever o futuro e os problemas que vão surgir
em nosso caminho, — Ele fez uma pausa. — Estamos noivos?—perguntou, divertido.
Liz recusou-se a lhe dar uma resposta imediata; gostaria de pensar
cuidadosamente no assunto.
Mas, quando encarou de perto seus olhos verdes, teve certeza de que aquele
homem iria desempenhar um papel importante em seu destino.

CAPÍTULO II

Deixaram Atenas para trás, viajando por uma estrada que ladeava o mar.
— Você já esteve na Grécia? — perguntou com aquele sotaque que começava a
mexer com os nervos de Liz.
— Certa vez, passei umas férias na Grécia. — Seu tom era gélido e indiferente
e um longo silêncio caiu sobre eles enquanto Nigel concentrava-se na direção e Liz
sentia uma profunda irritação.
Agora teria que ficar ao lado daquele homem a vida toda! Sua liberdade fora
cortada e, conscientemente, não houvera falha de sua parte.
Tentava acalmar a fúria que sentia, dizendo a si mesma que a monotonia seria
quebrada periodicamente por suas visitas à Inglaterra. Uma olhada para o marido fê-
la pensar novamente. Ela ficaria aborrecida... Oh, tremendamente entediada com
aquela criatura sempre a sua volta! Suas mãos crispavam-se em seu colo; não estava
ciente disso até que Nigel falou:
— Mas o que há de errado com você? Fique à vontade, pelo amor de Deus. Não
estou acostumado a viajar com um pedaço de gelo a meu lado.
— Não há nada em nosso contrato que me obrigue a entretê-lo!
— Entreter-me? — Uma olhada furtiva para ela revelou um ar divertido em seus
olhos. — Não imaginava que você fosse muito interessante... Em todo o caso...
Liz sentiu a raiva aflorar novamente.
— Fico satisfeita que você note isso. — Olhou então para fora da janela.
Desciam agora a montanha e desfrutavam do cenário maravilhoso que só a Grécia podia
oferecer. Vales alternavam-se com colinas, onde oliveiras e ciprestes, vinhas e
choupos se misturavam, formando surpreendente e maravilhoso panorama de suave
coloração em contraste com o céu azul safira.
— Espero — disse Nigel, mudando rapidamente a marcha enquanto fazia a curva
— que você não pretenda que levemos uma vida permanentemente isolada um do outro.
Liz sentiu-se tensa.
— Você deixou claro que seria assim.
— Pelo contrário, acredito ter dito que seríamos cordiais quando meus amigos
estivessem por perto. — Alguma coisa no modo dele dizer aquilo trouxe a Liz uma
imediata preocupação. Mas, o que tinha ela a temer? Sua força de vontade era enorme
e fisicamente não era franzina.
Nigel obviamente esperava por algum comentário e ela ainda naquele tom gélido
e deliberadamente hostil, disse-lhe:
— Não espere que eu seja tão amigável e assim não se desapontará. — Ela notou
seus lábios comprimirem-se, sentiu o carro dar um solavanco e aumentar a velocidade.
— Espero, Liz — disse ele, num tom suave — que nos entendamos desde o
começo. Não. sou um homem paciente nem tenho bom gênio; pelo contrário, sou
obstinado. Talvez um aviso oportuno nos poupe aborrecimentos.
Ela encolerizou-se. Quanta arrogância naquele homem! Ninguém poderia pensar
que fosse realmente seu marido! A vontade que tinha de humilhá-lo com suas palavras
e colocá-lo em seu devido lugar para sempre era imensa, mas conteve-se, dizendo, com
sagacidade:
— Acho que sou muito burra, pois não entendi o significado de suas palavras.
Um leve sorriso aflorou-lhe aos lábios.
— Claro que você as entendeu.
— E daí?
— E melhor você tomar cuidado.
— Não me ameace! Não tenho ideia alguma do que você está tentando me dizer,
mas será ótimo se me deixar em paz. Você disse que deveríamos trilhar caminhos
separados e isto é exatamente o que tenciono fazer. Nunca quis casar-me, pois os
homens me causam tédio. Os anos passam e a estupidez dos homens aumenta! Eu
acharei cada momento de nossa vida insuportável.
Fez-se silêncio e a atmosfera tornou-se pesada.
— Espero que alguns momentos sejam menos insuportáveis que outros —
respondeu Nigel, tomando a direita, enquanto um carro vinha na direção oposta.
— E o que você quer dizer com isso? — perguntou quase gritando. Nigel não
disse nada; fez apenas um sinal exasperado como se a conversa tivesse se tornado
irritante para ele. Parecia absorvido pela paisagem.
— Então você nunca quis se casar... — Quando finalmente Nigel falou pareceu
sussurrar, pois Liz quase não o entendeu. — Isso não me parece normal.
— Sou perfeitamente normal! Embora eu ache que você, como grego, ou meio-
grego — corrigiu quando ele a olhou de repente —, considere uma mulher como
escrava. Para vocês nascemos apenas para satisfazer seus desejos, dar-lhes muitas
crianças e estar sempre prontas a agradar-lhes. Você certamente pensa assim, mas
isso já não se usa mais. As mulheres de hoje têm vida própria e vivem da maneira como
escolheram. Foi por isso que decidi ficar solteira.
— Uma solteirona? — repetiu, com certo sorriso. — Parece ter esquecido
alguma coisa.
Liz enrubesceu.
— Ainda me considero uma solteirona — revidou, ciente de sua infantilidade.
— Você está muito bem casada, Liz. — Não trocaram mais palavras durante
longos minutos. Diminuindo a marcha do carro, Nigel finalmente lhe perguntou:
— Deseja beber alguma coisa?
— Não, obrigada. — Ela agia obstinadamente, percebendo muito bem que Nigel
estava com sede. Ele poderia ir sem ela, decidiu, e recostou-se no assento. — Levará
tempo. Eu preferiria continuar, o sol já está se pondo.
Nigel encostou o carro na beira da estrada e brecou-o.
— Temos todo o tempo do mundo — comentou, saindo do automóvel. Ficou de pé,
fechou a porta e disse, inexpressivo: — Desculpe, sim? Ao contrário de você, estou
ávido por um refresco. — Deixou-a no carro, fumegando de raiva, pois sua primeira
tentativa de demonstrar sua vontade havia falhado.
Poucos minutos depois Liz o observava sentado confortavelmente à sombra de
uma árvore alta, tomando refresco e conversando com outro freguês. Estava engolindo
em seco quando Nigel olhou divertido para seu rosto. Ele não era nem um tolo. Sabia
que estava morrendo de sede! Suas mãos crisparam-se.
Nigel não se apressou e meia hora depois estavam a caminho novamente. Liz
estava fervendo de raiva e suspeitando que Nigel sabia disso.
Após cruzarem o esporão do Parnasso, a cidade de Ârachova surgiu colorida,
incrustada na montanha, três mil metros acima do nível do mar.
— É uma cidadezinha bonita, você não acha? — perguntou Nigel informalmente
quando passaram por ela. Liz olhou-o, imaginando se ele estaria aborrecido com o longo
silêncio ou se realmente desejava tornar a viagem mais agradável.
— É linda — concordou Liz quando entraram na rua principal.
Havia cor por toda parte em virtude do artesanato de tapetes e bordados que
faziam a fama da cidade.
— Gosto das ruas pavimentadas de pedra e dos pequenos riachos.
Em todos os níveis os terraços eram pródigos em flores multicoloridas,
plantadas em latas ou em vasos.
Depois disso eles conversaram amigavelmente até chegarem a Kastri.
A casa de Nigel ficava próxima da cidade. Era uma vasta construção de pedra
calcária branca que resistia à ação do tempo, rodeada de colunas, com um pátio
coberto de flores e sombreado por parreiras de uva. No ar sentia-se um forte aroma
de manjericão, misturado com o aroma perfumado e suave de espirradeiras. Elevando-
se nas alturas estavam os cintilantes picos gémeos da montanha, sombreados naquele
momento pela luz rosada e estranha do sol poente.
Liz quedou-se ali, admirando extasiada aquela mágica metamorfose de cores que
acentuava ainda mais a beleza da paisagem.
Sentia-se então invadida por uma estranha sensação de paz. O pátio estava
fresco e não podia haver lugar melhor depois daquela viagem quente e cansativa. A
quietude era profunda, quebrada apenas pelo ruído das fontes e pelo zumbido dos
insetos.
— É muito lindo. — Liz voltou-se para Nigel e olhou-o. Como ele era alto! Isso
dava-lhe um sentimento de inferioridade, pois precisava levantar sua cabeça para vê-
lo.
— Você gosta? — perguntou sorrindo, como se a visse pela primeira vez. — Não
é um palácio como sua casa. Quando a reformei foi para meu uso pessoal e, como você
vê, não passa da casa de um solteiro.
Ela olhou à volta e disse:
— Mas há muitos quartos. Costuma receber hóspedes? Nigel sorriu e bateu
palmas com a mão para chamar o empregado.
— Realmente, quando a fiz tinha hóspedes em mente. Diante disso Liz resolveu
pôr de lado sua boa vontade e quis pagar-lhe com a mesma ironia, mas naquele
momento um empregado apareceu e Nigel disse-lhe:
-- Minha esposa, Nikos...
— Sua... esposa, sr. Nigel? — O homem espantou-se a tal ponto que Liz franziu o
cenho. Nigel já devia ser casado, tão divertida e descrente era sua expressão.
Entretanto se recompôs, dirigindo a Liz um sorriso, enquanto lhe falava em
inglês meio atrapalhado:
— Prazer em conhecê-la, senhora. Seja bem-vinda!
— Obrigada, Nikos. — Liz voltou-se para o marido. Suas feições estavam
impassíveis quando, com um gesto imperioso, indicou o carro.
— Desembarque nossas bagagens, Nikos. E mostre à minha esposa o quarto
branco.
— Claro, sr. Nigel.
O quarto era espetacular. As paredes e o teto eram de um branco imaculado
enquanto os móveis, os tapetes e as cortinas eram de uma suave cor pastel. O
banheiro era pêssego e cinza-claro, com uma enorme banheira e chuveiro separado.
— Está tudo de seu agrado, senhora?
Liz sacudiu a cabeça, imaginando o que ele estava pensando, pois havia uma única
cama de solteiro no quarto e nenhuma porta de comunicação com outro aposento
— Sim, obrigada, Nikos.
— Quer que eu mande minha mulher ajudá-la a guardar a bagagem, senhora?
— Não, eu mesma o farei, obrigada.
Ele retirou-se devagar, fechando a porta, e Liz foi até o terraço onde havia uma
mesinha e uma poltrona confortável. Cestas de flores pendiam de ganchos fixados na
parede Nos cantos do terraço havia vasos cobertos de flores e uma videira cobria as
grades de ferro. Ficou ali contemplando o mar cinza de oliveiras que se descortinava
numa extensão sem fim
Entrando novamente no quarto, Liz desfez sua mala tomou banho e colocou um
vestido de verão, sem mangas e decotado. Em seguida dirigiu-se ao corredor, olhando
em volta, vacilante.
— Senhora... — Nikos apareceu e pediu-lhe que o seguisse ate a sala de jantar,
onde Nigel estava de pé encostado na janela, deslumbrado com o mesmo cenário visto
por Liz em seu quarto. Virou-se e seus olhos percorreram seu corpo dos pes a cabeça.
— Posso servir o jantar, sr Nigel? — perguntou o criado.
- Por favor, Nikos. - Nigel perguntou a Liz o que gostaria de beber.
Optou por um licor, sentando-se perto da janela, no lugar que Nigel lhe indicara.
Ele sentou-se a sua frentes os olhos pensativos e os lábios comprimidos. Liz sentiu-se
estranha numa situação irreal. Lembrou-se da cerimónia do casamento tão calma e
rápida, somente com toda sua família presente exceto a avó que não tivera forças
para ir até a igreja
Um dia antes do casamento, Liz perguntou a Nigel sobre sua atitude quanto à
dissolução do casamento. Ele fora firme e inflexível, respondendo que casamento era
para sempre. Considerava-se mais grego que inglês, disse, e em seu país as pessoas não
se casavam com a ideia do casamento vir a ser facilmente dissolvido.
Ela pensava agora sobre isso. Não era realmente importante. Nunca iria pedir
sua liberdade, portanto esse não era motivo para começar uma discussão a essa altura
dos acontecimentos. Se Nigel desejava permanecer preso pelo resto da vida, isso
também se aplicava a ela.

Nigel tinha negócios em Atenas que requeriam sua atenção e, três dias depois
de sua chegada em Lastri, Liz ficou sozinha. Isso não a perturbava; quando se casou
não esperava e nem desejava a companhia do marido. Naquela casa sentia-se mais
como hóspede e podia fazer o que quisesse.
Fora visitar o santuário e essa experiência jamais seria esquecida. Delfos era o
lugar mais belo da Grécia e sentiu que não havia exagero quando as pessoas declaram
ser seu pôr-do-sol o mais lindo do mundo.
Estava sentada em sua penteadeira, fazendo as unhas, quando Maria, a esposa
de Nikos, bateu timidamente, e entrou. Com expressão assustada, a mulher disse num
inglês imperfeito:
— Onde está o sr. Nigel? Meu marido está fora à procura dele.
— Ele não está aqui. O que é que há, Maria?
— Ah... alímono! — A mulher uniu as mãos. — Há uma visita, senhora, e ela está
furiosa, porque quer ver o sr. Nigel. Meu marido não me disse que o sr. Nigel estava
fora. Alímono! Que faremos agora? Ela está furiosa!
Liz levantou-se e encarou a mulher. Certamente nada a não ser uma catástrofe
poderia fazê-la ficar com aquela expressão. O olhar de Liz afastou-se dela; Nikos
tinha aparecido e em seu rosto havia a mesma expressão assustada.
— O que significa alímono!? — perguntou, carrancuda.
— Maria acabou de dizê-ía — explicou-lhe quando o criado a olhou sem
entender.
— Significa... — Nikos puxou sua mulher. — Senhora, há alguém que quer ver seu
marido e embora eu tenha dito que ele não está em casa, a mulher recusa-se a sair.
Deseja vê-la.
— Quem é ela? — Liz estava recordando as maneiras estranhas de Nikos quando
Nigel a apresentara a ele.
— Ela... ela... — Nikos franziu o cenho. — Que farei? — indagou-se
apressadamente e a expressão de Liz tornou-se ainda mais carrancuda.
— Perguntei-lhe quem é ela. — Liz olhou-o com firmeza.
— Diga-me imediatamente, por favor.
Nikos olhou para sua mulher. Ela moveu-se em silêncio, até desaparecer
apressadamente em direção da cozinha.
— Ela é... ela é... Seu nome é Greta, e ela é a... do Sr Nigel! — O homem recuou e
abaixou os olhos.
— Sua namorada? — perguntou Liz, recordando-se do beijo ardente, cheio de
desejos de Nigel. Não se surpreendera por ele ter uma namorada. De fato, ficaria
surpreendida se não tivesse.
Nikos estava um pouco confuso.
— A senhora não está zangada, senhora?
Líz encarou-o altiva, dando-lhe a entender que não tinha intenção de falar sobre
o assunto com criados.
— Leve a senhora até o salão. Diga-lhe que vou vê-la em poucos minutos.
— Sim, senhora. — Mas na porta ele voltou-se. — Estarei na cozinha, se precisar
de mim.
Um débil sorriso surgiu em seus lábios. Será que Nikos pensava que ela
precisava de proteção?
— Obrigada, Nikos, eu me lembrarei disso.
Ela vestiu-se, escovou os cabelos e foi até o salão. A moça estava sentada de
costas para a sala, olhando pela janela. Líz não fizera barulho ao entrar e tossiu para
revelar sua presença. A moça voltou-se lentamente, seus olhos negros cheios de ódio,
medindo Liz dos pés à cabeça.
— Onde está Nigel? — perguntou, irritada.
— Creio que Nikos já lhe disse que Nigel está fora. — Dirigindo-se para o sofá,
Liz fez um gesto com a mão. — Não quer sentar-se?
— Você me pedindo para sentar? Sabe quem eu sou?
— Talvez possa me esclarecer.
A moça irritou-se e aproximou-se de Liz, os olhos brilhando de raiva.
— Nigel e eu estávamos praticamente noivos antes de ele ir para a Inglaterra
há uma semana! O que aconteceu? Quem é você?
— Noivos? Acho tudo muito estranho!
— Sim, noivos! Quem é você? — repetiu a moça, agressivamente. — Qual é seu
nome?
— Sra. Shapani — respondeu, vingativa — E qual é o seu?
A pequena rangeu os dentes.
— Sheldon! — Ela andou por alguns segundos e depois sentou-se no sofá. Liz
pegou uma cadeira e perguntou-lhe se desejava tomar um refresco.
— Não quero nada de você! Quando Nigel voltará?
— Não tenho ideia.
Greta olhou-a, com uma estranha expressão nos olhos.
— Não tem ideia? E é recém-casada? Que estranho!
— Espero um telefonema de Nigel. — Não houve resposta de Greta, que
subitamente se perdera em seus pensamentos.
— Por que não veio antes? — perguntou Liz de repente. — Chegamos na terça-
feira.
— Eu estava fora. Voltei somente esta manhã e soube do casamento de Nigel.
Minha criada é irmã de Nikos — acrescentou impaciente enquanto Liz a olhava
interrogativamente. — Ela contou-me e eu não pude acreditar; simplesmente não pude
acreditar! Não sei o que tudo isso significa, ou por que ele se casou com você, mas sei
que possivelmente ele não a ama!
Liz enrubesceu e seu primeiro impulso foi mandar a moça embora, mas estava
curiosa. A moça era linda e muito atraente. Era bem morena, com enormes olhos
pretos e um tipo de boca que os homens gostam de beijar. Por sua vez, o corpo era
mais cheio de curvas do que o de Liz.
— Você disse a Nikos que queria me ver — disse Liz, depois de uma pausa.
— Queria apenas olhar para você, isso é tudo — respondeu Greta, com
insolência. — Não podia acreditar em sua existência e cheguei até mesmo a pensar que
minha empregada mentira. — Após uma pequena hesitação, acrescentou: — Por que
Nigel se casou com você?
Liz olhava para a janela e sua atenção estava voltada para o sol que cintilava nas
alturas do Parnasso. Toda hora o cenário mudava, embora a imperecível beleza da
montanha fosse sempre a mesma.
— Há normalmente uma única razão para um casamento
— disse Liz, distante e fria.
— Normalmente, sim. — Os lábios de Greta crisparam-se.
— Ele foi à Inglaterra também a negócios.
— Outros negócios... — O quanto ele teria contado para aquela moça, imaginou
Liz e acrescentou um pouco apreensiva: — Você sabe quais eram esses negócios?
Greta corou e Liz dirigiu-lhe um olhar perspicaz.
— Nigel não teve tempo de me contar.
Um leve sorriso surgiu nos lábios de Liz por um segundo.
— Talvez — sugeriu — ele não confiasse em você! Os olhos de Greta faiscaram
de raiva.
— Já disse que ele não teve tempo. Nigel sempre confiou em mim. Estávamos
quase noivos, já lhe disse isso! — Greta levantou-se e pegou sua bolsa.
Liz surpreendeu-se sentindo uma estranha piedade por ela. Nigel obviamente
brincara com seus sentimentos e, embora Liz nunca pudesse gostar dela, achou que a
conduta dele fora inescrupulosa e sem coração.
— Eu telefonarei todos os dias para saber quando ele voltará! — Greta correu
para a porta e abriu-a antes que Liz pudesse detê-la. — Eu vou saber o que tudo isso
significa! Ele não pode me tratar desse modo e sumir!
Algum tempo depois da moça partir, Liz ainda digeria a conversa. Nigel contara
a Greta que iria à Inglaterra a negócios.
Franziu a testa. Negócios... De algum, modo, aquela palavra não era exatamente
a certa para explicar o porquê da ida de Nigel à Inglaterra.
— Estou imaginando bobagens — disse Liz baixinho e esqueceu o assunto.
Depois do almoço, Liz decidiu passar a tarde no pomar, lendo um livro. Estava
um dia quente e ensolarado, por isso vestiu short e uma blusa leve.
Durante a tarde recebeu a visita de um primo distante de Nigel. Nikos trouxe-o
até o pomar, informando-lhe antes sobre a ausência de Nigel.
— Sra. Shapani? — Liz ouviu seu nome e levantou os olhos do livro. — O que você
está dizendo, Nikos?
— O sr. Nigel viajou para a Inglaterra e voltou com uma esposa. Sra. Shapani,
esse é seu primo, sr. Spiros.
O atarracado jovem encarou-a e Liz enrubesceu, pois não tivera tempo de
trocar de roupa para recebê-lo. Não se importaria com isso se estivesse em sua
própria terra, mas durante sua última visita à Grécia havia aprendido que muito
embaraço seria evitado se não mostrasse muito seu corpo aos olhos de um grego.
— Não quer sentar-se? — convidou-o calmamente. Spiros porém continuou de
pé, olhando-a divertido, Nikos deixou-os a sós.
— Você é a esposa de Nigel? — perguntou Spiros, sentando-se numa poltrona de
frente para Liz. — Estarei sonhando?
Ela teve que rir, tão cómico ele parecia.
— Sim, sou esposa de Nigel. Estamos casados há quase uma semana.
— Mas, mas... — Ele encarou-a novamente e Liz reabriu seu livro, colocando-o no
colo.
— Nigel... casado! Nunca pensei que ele se casasse um dia. Você tem certeza? —
perguntou, olhando-a suspeito.
— Nikos mentiria?
— Não... mas eu ainda não posso acreditar! Quero dizer, quem é você? Nunca
ouvi nada a seu respeito. Vocês jã se conheciam? Onde se encontraram? Ele não
visitava a Inglaterra há muitos anos até a semana passada.
Ela hesitou. Não sabia quanto Nigel tencionava contar a seus parentes.
— Nigel e eu não nos conhecíamos há muito tempo — começou ela, quando para
seu alívio Spiros interrompéu-a de repente, cônscio de sua falta de educação e
cortesia.
— Meu Deus, estou pesaroso, pois não lhe dei as boas-vindas e nem sequer
perguntei seu nome. Sou Spiros, como ouviu. Spiros Loukia.
— Como vai você? Meu nome é Elizabeth, mas me chamam de Liz.
— Liz... — ele repetiu. — Gosto dele. Bem-vinda a Kastri, Liz!
— Obrigada. — Liz sorriu, notando seus cabelos e olhos escuros, a boca rasgada
e as maçãs do rosto proeminentes, típicas de todo grego. — O que gostaria de beber?
— Ela ainda não conseguia bater palmas para chamar Nikos e, como não tencionava
levantar-se, simplesmente olhou em volta, esperando que ele estivesse perto.
. '
— Um refresco. Limonada, ou algo assim.
— Eu tomarei também. Não vejo Nikos. Poderia achá-lo e dizer-lhe o que
queremos?
Spiros olhou-a interrogativamente e bateu palmas. Nikos apareceu de repente e
os refrescos foram servidos.
— E agora — disse Spiros enquanto tomava seu refresco — satisfaria a
curiosidade de seu novo primo e lhe contaria tudo? — Tendo aceito o fato de seu
casamento, Spiros agora demonstrava não estar mais surpreso e, antes que ela fa-
lasse, acrescentou: — Nunca pensei que Nigel fizesse, algo assim tão depressa, como
você mesma disse, mas ao vê-la, Liz, posso perceber que ele não teve tempo para
pensar!
Líz não sorriu. Nunca apreciara bajulação. As opiniões dos homens sobre ela não
a atingiam. De fato, preferia que guardassem suas opiniões para si mesmos, não
importava quão lisonjeiras fossem. Entretanto, depois de momentos, ela falou-lhe
amistosamente, dizendo que tudo acontecera como num turbilhão, e que ela e Nigel
tinham se casado às pressas, por ter ele negócios a tratar e ser inconveniente que
fizesse outra viagem à Inglaterra.
— Bem — disse Spiros —, é realmente romântico. — Depois de uma ligeira
pausa, acrescentou: — Você ainda não encontrou uma garota chamada Greta?
Ela teve que sorrir.
— Sim, estive com ela. — Contou então a Spiros sobre a visita que recebera e
seu sorriso aumentava à medida que ele mudava de expressão.
— Haverá problemas com ela — afirmou ele, quando Liz parou de falar. — Ela
tornou-se tão possessiva a ponto de esperar que seu romance tivesse carãter
permanente, mas vivo aqui tempo suficiente para saber que os gregos nunca se casam
com suas amantes. — Ele então se calou, corando. Liz sorriu levemente, ao perceber
seu embaraço.
— Não me preocupo com Greta.
— Você não... Mas então as inglesas aceitam essas coisas. Não tema, Liz, ele
terminará com tudo agora.
Liz estava pouco se importando se ele terminasse ou não, mas guardou essa
informação para si mesma. Analisou a situação por instantes e chegou à conclusão de
que não havia razão para que Nigel terminasse com Greta. Ele provavelmente
explicaria o porquê de seu casamento e Greta aceitaria. Sabendo que não haveria nada
entre ela e o marido, continuariam com o mesmo relacionamento de antes. Isso
serviria para Liz, pois ainda guardava na memória aquele beijo e aquele abraço
ardente.
— Onde ela mora? — perguntou Liz, curiosa. — Ela trabalha?
— Mora aqui em Kastri ou Delfos, como muitos de nós chamamos. Seu pai é
antiquário, mas está aposentado. Greta trabalha como guia no santuário e arredores.
Sua família tem dinheiro. Um tio faleceu no ano passado e deixou-lhes uma boa
fortuna. Acho que Greta trabalha apenas como diversão.
— Eles são amigos há muito tempo?
— Há alguns anos. Nigel ficava com ela a maior parte do tempo. — Ele parou sem
graça e suspirou, resignado. — Sou um grande idiota! Agora porém é tarde para parar.
Nigel esteve ligeiramente inclinado por ela, mas não se preocupe, Liz, por favor —
disse, olhando ansiosamente para ela. — Nigel não é homem para ser infiel. Não se
preocupe. Diga que não.
Os olhos dela brilharam, divertidos. Se ele soubesse!
— Não me preocuparei — prometeu.
— E não contará a Nigel que lhe contei tudo isso?
— Não direi uma palavra.
Assim passaram a tarde conhecendo-se mutuamente e, para surpresa, Liz
gostou da companhia dele. Era alegre, inteligente e culto; contou-lhe sobre o santuário
e arredores.
— Você precisa conhecer Anfissa e Itea e, se quiser, posso acompanhá-la.
— Você irá comigo?
Viagens dessa natureza quebrariam a monotonia de sua vida, pensou ela, e
concordou em acompanhá-lo.
Quando estava prestes a se retirar, Spiros mencionou o testamento,
perguntando se Liz ouvira falar sobre ele. Ela embaraçou-se e não disse nada.
Spiros então lhe contou sobre a última vontade do bisavô de Nigel, e sobre a
ligação deste testamento com o de outro velho homem. Mencionou a ruptura do
compromisso da irmã de Liz e finalmente disse algo que fez com que ela se
sobressaltasse:
— Nigel sabia há muito tempo que esses testamentos não eram válidos, pois seu
advogado já lhe dissera. Os dois homens eram milionários mas muito idosos quando
mudaram seus testamentos, influenciados por essa tal "Associação da Amizade",
integrada por um bando de imbecis. Quando o bisavô morreu, Nigel estava pronto a
contestar o testamento, mas seu advogado advertiu-lhe que esperasse até que o outro
homem morresse. Assim o caso teria mais força, se as duas famílias lutassem juntas, e
como Nigel já era praticamente milionário, resolveu acatar a sugestão. Entretanto,
quando o segundo homem morreu, parecia não haver nenhum sentido na contestação do
testamento, pois a cláusula de que lhe falei seria cumprida com o casamento de Vivien
e do meio irmão de Nigel. Entretanto a moça percebeu que não queria casar-se com
Arthur, por isso na semana passada, Nigel foi à Inglaterra para ter com a outra
família e decidir sobre a contestação. Isso seria perda de tempo, dissera o advogado
de Nigel, pois os testamentos sem dúvida seriam declarados nulos.
Enquanto prosseguia sua narrativa, Liz quase informou a Spiros quem ela era,
mas se conteve, pois estava muito curiosa para interromper. E mesmo quando ele
parou, ela ainda permaneceu em silêncio, relembrando aquela cena em sua casa, quando
Nigel sugerira que se casassem. Agora Liz percebera por que fora incapaz de aceitar a
palavra "negócio" para qualificar a missão de Nigel, pois seu objetivo, assim Liz tinha
suposto, era apenas descobrir o que havia de errado entre Vivien e Arthur e tentar
colocar as coisas em ordem. Mas não chegara ao fim. Ele viera, como obviamente
dissera a Greta, a negócios, para contestar um testamento.
Liz percebeu: Nigel quis realmente casar-se com ela!
Depois de chegar à Inglaterra com o propósito de anular os testamentos,
mudara subitamente de ideia e decidira casar-se com Liz. Sim, ele tinha realmente
desejado casar-se com ela! Não havia outra explicação, pois Nigel sabia que um
casamento seria desnecessário. Por alguma razão íntima ele forçou esse casamento!
Liz sentiu a raiva dominá-la. Forçar um casamento! Que tola tinha sido. Onde estava
sua inteligência? Ela deveria ter sabido que os testamentos não tinham valor legal.
Forçada a um casamento que não desejava... e por capricho de Nigel! Fechou os
punhos e suas narinas tremiam. Tinha agora vontade de matar seu marido, sem
compaixão. Se pelo menos ele estivesse ali!

Nigel esteve ausente por dez dias. Greta telefonava todos os dias como
prometera, mas, depois do terceiro dia, Liz perdeu a paciência e deu ordens a Nikos
para atender o telefone. Ele olhou-a curioso, mas Liz fingiu não prestar atenção.
Nesse ínterim a criada de Greta já fora informada de que Liz ocupava o quarto de
solteiro e Greta entendera o porquê do casamento do amante.
Liz estava fora quando Nigel retornou. Tinha ido à cidadezinha comprar
pequenas lembranças para mandar a sua família. Queria comprar um presente de
casamento para Vivien, mas não achou nada em Kastri e decidiu esperar até que fosse
a Atenas, pois ela e Spiros decidiram fazer a viagem no fim do mês, quando ele teria
uns dias de férias. Passariam a noite lá, pois a viagem era muito longa e can sativa para
ser feita em um só dia.
Notando o carro parado no pátio, Liz sentiu uma onda de fúria tomar conta de
seu corpo.
— Alô — foi o cumprimento de Nigel quando ela entrou no terraço, onde estava
sentado, tomando café. Seus olhos faiscavam ao encará-lo.
— Talvez pudesse explicar — disse sem preâmbulos — por que me induziu a
casar com você!
Após um silêncio, ele disse, calmamente:
— Você se importaria de ser um pouco mais explícita? — Pegou sua xícara e
tomou um gole de café.
— Seu primo Spiros contou-me! — exclamou. — Disse que você sempre soube a
verdade sobre os testamentos! Explique, por favor, a razão de nosso casamento! —
Sua voz revelava sua ira.
— Não sou surdo, garota. Por favor, fale mais baixo e devagar, quando se dirigir
a mim. — Encarou-a firmemente com seus olhos verdes. — Parece que está perdendo o
controle. Isso não se permite em uma mulher e, quanto mais rápido você aprender a
ter calma, melhor será para mim. Notei essa mesma falta de controle quando falava
com sua irmã — acrescentou ele, parecendo não perceber sua fúria. — Se quiser minha
atenção, então sente-se e conte-me com calma tudo o que Spiros lhe disse. Liz
comprimiu os lábios.
— Já lhe disse que Spiros me contou que você sempre soube que os
testamentos não eram válidos. Você foi à Inglaterra com a finalidade de ver a mim ou
a alguma pessoa de minha família para discutir os testamentos e contestá-los. — Ela
estava tão próxima de Nigel que podia olhar dentro de seus olhos. O gesto não passara
despercebido a ele, e, como Liz bem sabia, o levantar de suas sobrancelhas era um
aviso para ela. Mas como ainda eram estranhos, Liz continuou inconsciente do que
Nigel pensava de seu gesto. — O que o fez mudar de ideia? Posso saber por que estou
aqui casada com você, quando poderia ser livre? — Sua voz estava cheia de emoção.
Nigel apontou-lhe uma cadeira.
— Sente-se — ordenou, mas Liz ficou de pé como se não o ouvisse.
— Não me sentarei, não! Com quem pensa que está lidando? — Mas
instintivamente recuou um passo quando Nigel se levantou e avançou para ela. Sem lhe
dar tempo, pegou-a pelos ombros, levantou-a e colocou-a na cadeira. Quase sufocando
de ódio, Liz quis levantar-se mas a mão de Nigel segurou seus ombros e ela
permaneceu onde estava.
— Cuidado, Liz — disse-lhe Nigel avisando-a. — Eu já lhe disse que não sou nem
tolerante nem fácil de se lidar. Não teste muito minha paciência, pois poderá se dar
mal.
Liz encarou-o sem acreditar.
— O que está dizendo? — Não era possível, ela disse para si mesma, isso não
podia estar acontecendo com ela, cuja vontade e força de caráter tinham sido sempre
tão grandes que todos pensavam duas vezes antes de se opor a qualquer atitude dela.
Em sua casa, dominava a todos; o que quer que dissesse era aceito, sem argumentos.
Somente Vivien a desafiara ultimamente e, pela primeira vez em sua vida, Liz
experimentara a derrota.
Decidiu que não pretendia ser derrotada pela segunda vez, especialmente nas
mãos daquele demónio a quem detestara desde o primeiro momento que o avistara na
feira.
— Ouça-me — disse Nigel sem tirar os olhos de seu rosto. — Agora, se você
estiver preparada para falar com calma, estou pronto a escutar.
— Você não está falando com uma criança! — exclamou, olhando-o selvagemente.
Nigel respirou com impaciência.
— O que há com você? Pode interessá-la o fato de que até agora tenho levado
uma vida bem organizada e cheia de paz?
— Leve a vida que quiser, mas esclareça por que se casou comigo!
— Você sabe por que me casei com você. Ela encarou-o.
— Você está negando que sua verdadeira intenção era contestar os
testamentos?
Ele franziu o cenho e disse, irritado:
— Spiros fala demais. E não seria de todo ruim se pelo menos ele soubesse do
que estava falando.
Liz olhou-o, com suspeita.
— Não tente enganar-me! Você deve ter informado Spiros sobre o testamento.
Por que decidiu casar-se — gritou — quando o meio mais simples seria seguir seu plano
original e contestar o testamento? O que o fez mudar de ideia?
— O meio mais simples não era contestar o testamento — respondeu
calmamente, ignorando a última pergunta —, mas o que escolhi, o casamento. — Havia
um brilho sarcástico em seus olhos. — Acho que realmente cometi uma asneira!
— Você acha? Pode estar certo que sim. Por alguma razão mudou sua atitude e
decidiu casar-se comigo, mas irá lamentar isso pelo resto de sua vida, posso
assegurar-lhe!
Mais uma vez ele respirou impaciente, aborrecido e irritado com toda aquela
conversa.
— Liz — disse num tom macio —, eu já lhe avisei e parece que não fui
compreendido, mas não sou homem de desperdiçar palavras e peço que, para seu bem,
aceite meu conselho. Como disse, minha vida até agora foi cheia de paz, e não há
fêmea...
— Não me chame de fêmea!
Ele levantou as sobrancelhas, surpreso. Sorriu e Liz corou.
— Posso interromper por instantes e dizer que você é uma das fêmeas mais
atraentes em que já pus meus olhos? Tenho encontrado mulheres arrebatadoras em
minha vida, e você vence por uma pequena margem.
— Está se vangloriando de suas conquistas? — perguntou ela, com hostilidade. —
Ou de suas libertinagens?
— Há alguma diferença? — respondeu e continuou: — Talvez haja uma diferença
sutil. Entretanto, voltando ao que eu estava dizendo, quero deixar bem claro que não
há mulher que me vença no mundo. — Ele apontou-lhe o dedo. — Assim, recomendo que
controle seu péssimo génio, pois do contrário você será envolvida num conflito do qual
não irá esquecer tão facilmente.
Incapaz de falar, pois a raiva a emudecera, Liz decidiu entrar em casa, embora
sentisse um certo medo diante da ameaça de Nigel castigá-la. Após algum tempo, ela
conseguiu acalmar-se o suficiente para perguntar-lhe novamente sobre o dinheiro.
— Eu já lhe falei, era o jeito mais simples.
— Você disse que não precisava realmente do dinheiro — lembrou-lhe.
— Admito ter dito alguma coisa desse género, mas disse também ser uma pena
perder tanto dinheiro.
— Você está mentindo — soluçou ela, frustrada por saber que ficaria sem saber
realmente a razão pela qual Nigel decidira não contestar o testamento.
— Estou? — Ele olhou-a com ar enfadado, o que a irritou ainda mais. — Vamos
deixar o assunto de lado, Liz? — Depois de algum tempo, perguntou o que Liz havia
dito a Spiros sobre o casamento.
— Lembre-se do que você disse sobre nossa cordialidade diante de seus amigos
— observou Liz, procurando inutilmente uma resposta que pudesse causar-lhe a dor de
cabeça que merecia. — Spiros não tem ideia do motivo de nosso casamento. Não sabe
sequer que estou ligada a estes testamentos.
— Foi muito inteligente em preservar esse segredo, Liz. Nunca se esqueça
disso, pois caso contrário arcará com as consequências.
CAPÍTULO III

Mais tarde Liz estava no pátio tomando banho de sol, ainda não conformada com
a atitude evasiva de Nigel, quando ouviu o telefone tocar e, em seguida, a voz do
marido atendendo.
Era Greta, com toda certeza, e Liz foi tentada a entrar na casa por uma das
janelas e escutar a conversa. Mas pôs de lado a ideia de bisbilhotar e resolveu deitar-
se novamente e continuar tomando seu banho de sol. Para sua surpresa, Nigel surgiu e
ela deu-se conta que, se tivesse tentado escutar, não teria tido tempo de fazê-lo.
— Era sua namoradinha? — perguntou, pois não conseguiu resistir. Nigel, depois
de passar por ela, deteve-se abruptamente. Liz levantou a cabeça e olhou-o,
arrogante.
— Explique-se — disse ele, tenso.
— Ela veio visitar-me dias atrás, depois de sua partida. Pareceu-me
terrivelmente aborrecida com nosso casamento.
— Diabos, como ela soube disso? — falou para si mesmo, aborrecido.
— Pelos criados — respondeu brevemente, e Nigel inclinou a cabeça,
concordando. Olhou então para Liz. Estava seminua, como no dia em que recebera a
visita de seu primo, mas tencionava tirar vantagem do sol e bronzear seu corpo, por
isso se decidira a não dar importância aos olhares dos outros.
— Você conversou com Greta? Por que não mencionou isso antes?
— Não tivemos muita chance de discutir sobre suas paixões — respondeu-lhe,
sentindo imensa satisfação pela raiva que se estampou em seus olhos. — Falamos sobre
um assunto bem menos agradável!
Seus olhos mediram-na e, por algum motivo, Liz virou-se de costas rapidamente
e ele sorriu com sarcasmo antes de se encaminhar para o portão. Liz seguiu sua esguia
figura até desaparecer e imaginou onde iria. Para Greta? Por que estava perdendo
tempo pensando nisso? Por que se casara com ela?, perguntava novamente a si mesma.
Que homen obstinado ele era, forçando-a a casar e recusando-se a lhe dizer por quê.
Spiros não sabia o que estava falando, afirmara Nigel, mas Liz sabia que dissera a
verdade. Com a possibilidade de uma ruptura entre Vivien e seu irmão, Nigel decidiu
contestar os testamentos e a confirmação disse foi sua visita à Inglaterra.
Sentada ali ocorreu subitamente a Liz a ideia de que aquele beijo teria
provocado em Nigel o desejo de algo mais.. Não havia dúvida de que gostara
imensamente do beijo, e a julgar pela maneira quase primitiva com que ele a segurara
ficou aflita. E se por acaso Nigel decidisse possuí-la? Mas ele a colocara num quarto
separado. Essa não devia ser sua intenção, pois do contrário teria arranjado as coisas
de modo diferente, desde o começo.
Impaciente e ainda apreensiva, Liz entrou em casa para se vestir. Saindo de seu
quarto, ouviu o telefone tocar e foi atender
— Nigel? — perguntou a voz do outro lado. — Onde ele está?
— Meu marido está fora. Posso lhe dar o recado?
— Eu telefonei antes e disse-lhe que precisava vê-lo. Por que não veio? — Liz
segurou o telefone longe do ouvido. Então Nigel não tinha ido ver Greta. Liz sorriu
fracamente. Se Greta falava com ele naquele tom, Liz podia entendei muito bem por
que não fora. — Onde está ele? — A voz da mulher soava alta e aguda. — Onde está
ele?
— Receio não poder lhe dizer onde ele está — respondeu Liz, finalmente. —
Gostaria que eu lhe desse algum recado? — perguntou novamente.
Fez-se um breve silêncio. Ela podia sentir a raiva de Greta.
— Sim, pode dizer a ele que telefonarei à noite. — A moça não disse mais nada,
mas logo depois Liz a ouviu dizer: "Nigel, você veio? Nigel, por que você..." — Fez-se
silêncio de novo e então o telefone foi desligado. Liz fez o mesmo, permitindo-se um
pequeno sorriso. Não precisava se preocupar com as necessidades amorosas de Nigel.
Greta podia satisfazê-lo, como fizera nos últimos dois anos. Spiros chamou-a mais
tarde e Liz convidou-o para o chá.
— Onde está Nigel? — Spiros perguntou aproximando-se de Liz no terraço. —
Sei que voltou, mamãe o viu em seu carro.
Uma ideia diabólica veio à cabeça de Liz e ela disse:
— Foi encontrar-se com sua amante.
— Foi? — Spiros não disse mais nada por um momento e, em seguida,
acrescentou: — Sim, tinha que fazê-lo. Você imagina como ela receberá a notícia de
que foi posta de lado? — Havia um tom malicioso em sua voz, o que fez Liz supor que
Spiros não simpatizava com Greta.
— Talvez — murmurou Liz quando se sentaram à mesa — ela não seja posta de
lado.
—Você acha que ela não vai deixá-lo? — perguntou Spiros balançando a cabeça.
— Você não conhece Nigel há muito tempo, mas deve ter percebido que ninguém o
demove de suas decisões. Se ele realmente tenciona tirar Greta de sua vida, ninguém
vai impedi-lo.
— Pode ser que não tenha intenção de afastá-la.
— É claro que ele a afastará. — Spiros olhou-a preocupado. —Você me parece
muito calma em relação a Greta. As inglesas não são ciumentas? Uma grega explodiria
de raiva se soubesse que seu marido tinha ido ver sua ex-amante.
Liz hesitou. Imersa no sentimento de raiva contra seu marido, ela adoraria dar
rédeas a seu ódio e contar a Spiros a história toda, mas é claro que se refreou. Se não
conservasse seu segredo, responderia por isso, Nigel havia dito, e por mais que
desejasse ignorar aquele aviso, Liz sentiu-se temerosa.
— Não sou ciumenta — disse ela, ciente do olhar ainda atónito e interrogativo
de Spiros.
Nada mais foi dito sobre o assunto e, nesse momento, Nigel surgiu, andando a
passos largos pelo pátio como um deus antigo. Seu corpo magro movia-se como se
tivesse asas.
O profundo silêncio afetou os sentidos de Liz e, a despeito de tudo, sentiu sua
imaginação estimulada pela presença dele. Sua figura parecia não pertencer ao mundo
dos homens. Não havia dúvida de que possuía uma certa nobreza, que Liz nunca
observara antes em um homem. Parecia mais à vontade entre os deuses, pensou ela,
quando o imaginou como amante. Dominador e autoritário, ele não evitaria seus
instintos primitivos... Percebendo até onde chegavam seus pensamentos, Liz deixou-os
de lado, abaixando sua cabeça quando Nigel alcançou o pátio. Ele estava com os olhos
fixos nela. Liz percebeu, mas tomou cuidado para não levantar a cabeça até seu rosto
voltar ao normal.
Nigel sentou-se. Os dois homens começaram a conversar, Spiros querendo
saber tudo sobre o casamento e dizendo quanto estavam todos surpresos, tios e
primos, repetindo isso várias vezes.
Nigel bateu palmas e Nikos apareceu.
— Traga-me chá — ordenou ele, reclinando-se em sua cadeira.
Liz encarou-o, certa de que sua cor tinha voltado ao normal. Usava um vestido
de algodão decotado e muito curto. Seus cabelos pareciam uma nuvem de ouro e prata,
emoldurando seu belo rosto.
Nigel continuava a olhar para ela e seus olhos vagueavam por seu corpo de linhas
graciosas. Liz corou novamente e ele pareceu divertir-se. Seus lábios se comprimiam,
pois controlar-se era difícil, já que seu gênio era imprevisível. Se Spiros não tivesse
presente, ela teria dito a Nigel que guardasse seus olhares para si mesmo!
Entretanto, Spiros estava lá e depois os três conversaram casualmente. Spiros
mencionou a projetada viagem a Atenas. Nigel reagiu estranhamente e, sem querer,
Liz sentiu-se subitamente inquieta.
— Vocês decidiram ir a Atenas juntos... e ficar lá por uma noite?
— Sim. Pensei que você ainda estivesse fora, mas isso não importa, não é? A não
ser que queira nos acompanhar — acrescentou Spiros, como que se desculpando.
— Obrigado pelo convite — replicou, inclinando-se para a mesa quando Nikos
apareceu com o chá.
Spiros olhou-o rapidamente e ficou um pouco apreensivo.
— Disse alguma coisa que não devia? Quero dizer, há algum mal em Liz ir comigo
a Atenas? Afinal, somos primos.
Liz observava Nigel intencionalmente. Por que esses ares de proprietário assim
tão de repente?
— E claro que não há mal algum em nossa viagem a Atenas — disse ela
firmemente e acrescentou: — Nigel, como eu, não tem esse tipo de preconceito... —
Sorriu para ele. — Não é, querido?
Um som quase imperceptível chegou a seus ouvidos, embora o suficiente para
perceber que Nigel estava com raiva. Ignorando sua pergunta, ele observou, num tom
suave:
— Odeio ser desmancha-prazeres, mas não posso permitir que minha mulher
viaje para Atenas em companhia de meu primo. — Relanceou os olhos para Liz e
acrescentou: — Isso não se usa em meu país e Spiros sabe muito bem.
— Não é verdade! — replicou Spiros, indignado. — Isso acontece com parentes.
— Com parentes, talvez.
— E Liz não é uma parente?
— Sem dúvida, mas não tão íntima para essa espécie de viagem que planejam.
Liz corou de raiva. Impossível responder com Spiros ali e Nigel sabia disso.
Tudo o que podia fazer era lançar sobre ele um olhar de indignação que foi recebido
com divertimento. Como, imaginou ela, iria tolerar esse homem insuportável pelo resto
de sua vida?
— Você fala sério, Nigel? — perguntou Spiros, olhando incrédulo para seu primo.
— Vamos ficar lá só por uma noite.
— Liz não irá a Atenas com você — cortou secamente.
— Não quero ouvir nada mais a respeito! — Ele serviu-se de chá e
deliberadamente evitou o olhar de Liz. Ela se conteve até a partida do visitante.
— Agora — começou Liz, mesmo antes de Spiros estar fora do alcance de sua
vista — talvez você possa explicar! O contrato de casamento dizia que ambos teríamos
nossos próprios caminhos. Não estou interferindo no seu e agradeceria se não se
intrometesse no meu. Sairei com quem quiser!
— Acontece — disse Nigel, servindo-se de um sanduíche
— que convidei alguns amigos para jantar no sábado. Naturalmente você terá
que ficar em casa.
Ela olhou-o com suspeita.
— Não sei se posso acreditar nisso.
— Você está me chamando de mentiroso?
— Acho que você inventou isso agora, como desculpa para impedir minha viagem
com Spiros.
— Uma desculpa seria desnecessária. Se eu digo que você não irá com Spiros, é
porque não irá. E isso é o que eu estou dizendo: você não irá!
— Eu... — A raiva dominou-a. Não conseguia pensar mais. As palavras começaram
a sair selvagemente. — Não se atreva a me dar ordens! Não sou sua escrava e
tampouco sua propriedade! Se você deseja oprimir alguém então vá procurar sua
amante! Sem dúvida ela adorará ser massacrada, pois de outra forma não estaria tão
ansiosa para conservá-lo!
Seguiu-se um terrível silêncio e a raiva foi tomando conta de Nigel, fazendo Liz
recuar em sua cadeira. Devagar e deliberadamente Nigel colocou sua xícara sobre a
mesa, levantou-se e encarou-a por um longo tempo. Então, com um movimento rápido,
levantou-a e sacudiu-a até que o sangue lhe subisse à cabeça.
— Fale assim comigo de novo e você, levará umas bofetadas! — A raiva
estampava-se em seu rosto e seus olhos estavam duros como aço. — Em meu país, uma
mulher respeita seu marido e pretendo que você aprenda isso!
Ao soltá-la, quase a fez perder o equilíbrio, quando caiu assustada sobre a
cadeira.
— Insisto que me peça desculpas! — ele disse. Isso foi demais para Liz, que
respondeu furiosa:
— Desista disso, pois nunca o farei!
Os olhos de Nigel ficaram vermelhos feito fogo. Parecia um demônio, e Liz
perguntou-se então por que tinha sido tão tola em casar-se com aquele homem. Mas ao
assinar aquele contrato nunca esperaria que ele pudesse agir daquela maneira. Queria
que ela o respeitasse, e Liz não tinha ilusões. Nunca o respeitaria, embora
inegavelmente Nigel acreditasse que poderia forçá-la.
Nigel sentou-se novamente.
— Eu a avisei, desde o começo, para tomar cuidado! Ainda quero lhe dar outro
aviso, Liz. Nada me trará maior prazer do que dar-lhe uma boa surra. — Ele parou e riu
ao notar a expressão dela.
Sem dúvida parecia que Liz ia ter uma convulsão, a julgar pelo vermelho de seu
rosto, e pelo movimento de suas mãos. Além de tudo, sentia que ele não estava tão
zangado como queria que ela acreditasse. Estaria se divertindo a sua custa? Liz,
sufocada, disse:
— Não sei bem ao certo o que pretende, mas se continuar com esse jogo...
— Jogo? — perguntou Nigel. — Querida Liz, eu lhe asseguro que não estou
disposto a brincadeiras. Nunca em minha vida falei tão sério. Ou você aprende a agir
como uma mulher, e não como uma megera, ou sofrerá as consequências disso, que não
serão, asseguro-lhe, nada agradáveis.
Ela o olhou, sentindo ainda as batidas de seu coração. Já notara a força que ele
possuía e não podia desprezá-la. Embora a raiva ainda a dominasse, prometeu a si
mesma ser mais comedida no futuro, pois não desejava sujeitar-se a tal demonstração
de violência.
Liz continuou a encará-lo. Ele a confundia demais com suas atitudes! Fora a
Londres com o firme propósito de contestar o testamento de seu bisavô, mas, ao invés
disso, mudara de ideia e, sem razão aparente, resolveu casar-se com ela. Casamento
era um passo muito importante para ser dado sem pensar. E, sendo meio grego e
religioso, Nigel sabia que, ao dar aquele passo, estava ligando para sempre sua vida à
de Liz. Isso queria dizer que nunca mais seria livre e, se encontrasse outra mulher e
por ela se apaixonasse, nada podia fazer. Seu comportamento tinha sido realmente
esquisito, deduziu Liz, percebendo algo mais que misterioso. Aquele homem
certamente era um enigma para ela. Finalmente, sem esperança de receber uma
resposta satisfatória, disse:
— Você se importaria de explicar o que significa tudo isso? Parece que seu
objetivo é reformar-me e estou muito interessada em saber qual é o motivo.
Nigel lançou-lhe um sorriso irónico.
— Então acredita que deve mudar? Isso já é alguma coisa. Talvez minha missão
não seja tão difícil, pois já ganhei meia batalha. — Agora Nigel parecia distante,
superior.
Qual seria o jogo dele? As tentativas de subjugá-la teriam sido apenas
diversão? Pelo que Liz pudera deduzir sua vida estava completa: tinha fortuna, pois
era um dos maiores tabagistas da Grécia, e Greta... Por que, então, perder tempo com
ela?
De repente Liz decidiu que o meio mais eficiente de combatê-lo seria
desrespeitar suas ordens e demonstrar uma total indiferença a suas ameaças. Mais do
que nunca consciente de jamais ter sido dominada em sua vida, nem obrigada a cumprir
ordens, não teve dificuldade em dizer-lhe:
— Você não quer me confessar por que deseja mudar meu gênio, mas creio ser
prudente avisá-lo de que sua pretensão é inútil.
—Você realmente pensa assim? — perguntou. — O tempo dirá querida, se
realmente minha pretensão foi inútil, — Liz tentou responder, mas não conseguiu, pois
Nigel mudou de assunto, falando a ela sobre os amigos que convidara para jantar no
sábado à noite. — São três casais, os maridos são gregos e duas das mulheres são
inglesas. Os homens são meus sócios e amigos, e eu espero, Liz, que você seja uma
perfeita anfitriã. Deve ter muita experiência — acrescentou. — Espero não ter
reclamações a fazer quando o jantar terminar.
— Quer que eu jure? — retrucou, com intenção de ser desagradável, e Nigel
encarou-a.
— Você jurará, Liz — disse, suavemente.
— E se não o fizer?
— Então você se arrependerá muito!
Liz sentou-se, agora mais calma, mas bastante intrigada.
— Essas ameaças veladas...
— Não há nada de velado nelas, garanto. Se você tem sensibilidade vai se
resguardar das ameaças.
— O que está tentando fazer?
— Neste exato momento, somente repetindo um aviso. Ela ainda estava
intrigada e, para seu desgosto, interessada.
Nunca antes encontrara um homem tão duro quanto aquele. Os que conhecera
tinham caído inicialmente por sua beleza, mas, depois de conhecer melhor seu gênio
forte, tinham desaparecido depressa. Um olhar divertido passou-lhe pelos lindos olhos
quando relembrou esses fatos, mas subitamente sentiu o olhar de seu marido sobre si.
Liz olhou-o também e, sem saber por que, corou. Ela estava à sombra da parreira, e os
raios de sol penetravam por entre as folhas, fazendo refulgir seus cabelos cor de
ouro. A lenta batida de uma veia no pescoço de Nigel fê-la baixar os olhos. Sua camisa
estava aberta e suficiente para que ela notasse que sua pele morena se perdia por
debaixo de seus pêlos escuros, no meio dos quais havia um crucifixo preso em uma
corrente fina. O crucifixo surpreendeu-a, pois, embora soubesse que era religioso,
nunca podia imaginar que ele usasse um crucifixo. Seu olhar dirigiu-se para a mão dele,
apoiada no braço da cadeira. Seu dorso era coberto de pêlos, bem como o pulso e o
antebraço. Liz levantou a cabeça; Nigel a olhava com interesse. Seus olhos verdes
traziam uma estranha expressão.
— Você me confunde — disse Liz, tentando falar, pois o silêncio era embaraçoso
entre eles. — Tenho que admitir que nunca encontrei alguém como você.
Nigel inclinou a cabeça, num gesto de surpresa. Obviamente não esperava tanta
franqueza da parte de Liz.
— Nem eu encontrei alguém como você — respondeu-lhe, num tom sarcástico. —
Intrigou-me desde o começo.
Liz corou, recordando-se vivamente daquele beijo.
— Não sei por que deveria intrigá-lo.
— Não disfarce, Liz. Você sabe muito bem que é diferente das outras mulheres.
— Assim, somos dois esquisitos?
— Não, necessariamente. — E então, com um estranho tom de voz, acrescentou:
— Acontece que nós nos achamos.
Os olhos dela se arregalaram. Aquela ideia perturbadora veio a sua mente
novamente.
— Por que se casou comigo? — perguntou ela.
— Por que perguntar o que já sabe? Nosso casamento foi por conveniência.
— Então veja se o conserva assim.
— Será possível que eu esteja percebendo uma sombra de medo em sua voz? —
perguntou Nigel, gentilmente.
— Medo? E claro que não! O que tenho a temer?
— Você está assustada, Liz, porque eu poderia me decidir a seduzi-la. Não, não
é bem esta a palavra. Afinal de contas, somos casados. — Nigel sorriu. — Como você
fica encantadora quando cora, querida. Sabe, você fica tão feminina, tão desejável.
— Cale-se! — gritou furiosa, sem conseguir controlar-se. — Tente alguma coisa
comigo e receberá um soco!
— Um soco? — Nigel levantou as sobrancelhas. — Isso cheira a desafio, Liz, e
eu sou o homem certo para aceitá-lo.
— Você não conhece minha força!
— Você não deu mostras dela até agora.
Liz sabia que ele estava pensando naquela sacudida que lhe dera e
provavelmente naquele beijo contra o qual lutara sem forças. Sua respiração
entrecortada tornava evidente sua fúria e frustração. Ela voltou-se, tentando
entender por que aquele homem perturbava tanto suas emoções. Sabia que Nigel não
tinha intenções de cumprir suas ameaças; ele as fizera para enfurecê-la e talvez para
provocar nela um certo... medo, Liz sentia-se irresistivelmente atraída, mas, ao
perceber um brilho divertido em seus olhos, voltou-se para os hibiscos que marcavam
os limites das terras de Nigel.
O silêncio tornou-se opressivo e Liz ficou de pé, envolvida por uma estranha
agitação.
— Eu vou entrar. — Não havia agora agressão em sua voz, nem desafio em seus
olhos. Ela se sentia estranhamente em paz; parecia viver a calma que se segue à
turbulência. Os olhos de Nigel estavam preguiçosos, embora perceptivos. Com um tom
estranho na voz, ele propôs:
— Vou dar um passeio, você quer me acompanhar?
— Eu, eu...
— Sim, Liz, você quer dizer alguma coisa?
Teria ele percebido sua emoção? Liz engoliu em seco, tentando desprezar esse
homem, sua resistência, sua imunidade. Falhou em suas tentativas e percebeu-se
dizendo:
— Sim, gostaria de dar um passeio.
Nigel baixou os olhos por um breve momento, como se não quisesse revelar sua
expressão, mas ela sentiu sua vitória e, surpreendentemente, não ficou enfurecida.
Ele levantou-se e, com graça felina, ficou de pé. Como era alto!
Sua cabeça e ombros estavam acima dela. Era altivo e magro, musculoso e viril!
Eles passearam pelos jardins e pelos campos. Um enorme lagarto atravessou o
caminho deles e desapareceu atrás de umas pedras; o cantar das cigarras vindo das
árvores enchia o ar. O sol ainda brilhava, embora já se notasse no céu azul o contorno
da lua cheia.
— Você tem alguma predileção? — perguntou Nigel tranquilamente, diminuindo
seus passos ao notar a dificuldade de Liz em se emparelhar com ele. — A vila ou o
santuário? Ou talvez queira ir até o hotel para tomarmos algo?
— O santuário.
O recinto sagrado sobre o qual se erguia o colossal templo de Apoio era
realmente o lar dos deuses. Através da paisagem selvagem e agreste, esvoaçavam
fantasmas e ecos de um passado longínquo. A cabeça de Liz girava com imensa certeza
da presença dos espíritos naqueles altares pagãos, onde rituais e orgias tinham se
realizado.
Nigel e Liz entraram por um caminho onde eram guardados os presentes doados
pelas numerosas cidades ao deus Apoio. Magníficas estátuas adornavam-no de lado a
lado. A mais linda era uma brilhante palmeira de bronze de onde pendiam tâmaras
douradas. Em seu topo encontrava-se a estátua de Atenas também em ouro.
Nigel falou do lugar enquanto passeavam é Liz sentiu-se encantada pela sua voz
profunda, enquanto lhe contava histórias sobre os antigos rituais pagãos.
Do enorme templo muito pouco ficou, mas o traçado do terreno era suficiente
para Liz imaginar como tinha sido outrora.
— E triste saber que tudo aqui são lembranças.
— Este é o templo original?
— É claro que não. O original era feito de madeira e foi destruído pelo fogo, o
segundo foi destruído por um terremoto. Ouve muitos terremotos aqui, mas você
provavelmente sabe disso. — Ele sorriu e acrescentou: — Não é um lugar ameno e
suave, Liz, pelo contrário, é muito mais adequado a um temperamento tempestuoso
como o seu.
Ela lançou-lhe um olhar cheio de significados. Nigel sorriu e Liz achou impossível
não lhe responder.
— Você é um homem muito pomposo.
— Sabe, Liz — replicou, começando a andar novamente pelo templo em direção à
rampa de entrada —, você não acreditará em mim, eu sei, mas é a única pessoa que me
chamou de pomposo.
— Talvez ninguém tenha tido motivos para fazê-lo. Algumas pessoas não têm
coragem de dizer o que sentem.
Estranhamente ele não ficou ofendido, apenas a olhou de lado, indiferente.
— Por "pessoas", presumo que esteja se referindo a uma em particular... uma
mulher?
— Sim, Greta. — Liz franziu o cenho. De algum modo esse nome era como lixa
em seus nervos.
— Você não gosta dela, não é? — perguntou ainda sem interesse aparente,
embora Liz, com seu espírito alerta, sentisse uma certa falsidade em sua atitude.
— Não posso sentir nada a não ser desprezo por uma mulher que se deu a um
homem sem se casar ou que o provocou a tal ponto.
Tinham alcançado a rampa e, num gesto inconsciente, Nigel colocou a mão sob o
braço dela quando desceram.
— Diga-me — disse ele, retirando a mão quando chegaram a entrada —, já foi
provocada alguma vez?
— Claro que não.
Ele sorriu ante sua repentina indignação e disse:
— Acho que você não me entendeu. O que quis dizer foi se algum homem já
tentou seduzi-la.
— A resposta é novamente não.
— Nesse caso você tem provas de sua própria invulnerabilidade — observou
delicadamente. — Todos podemos permanecer puros se a tentação não aparece em
nosso caminho.
Suas palavras carregavam um estranho significado e Liz olhou-o
penetrantemente. Os lábios de Nigel curvavam-se num sorriso vago, como se estivesse
revivendo alguns momentos de interlúdio em sua vida.
— Até os mais fortes podem sucumbir à tentação, Liz. Tenha sempre isso em
mente, e tente entender um pouco mais seus amigos e amigas — acrescentou ele.
Caminhavam pelo enorme anfiteatro, que em outras épocas fora usado para
celebrações religiosas. Liz e Nigel começaram a galgar os degraus, que eram
realmente os assentos, e alcançaram o topo. Repentinamente pareceu a ela que o
silêncio que se seguiu às últimas palavras de Nigel lhe deu uma sensação de
tranquilidade que jamais experimentara. Ali havia paz e, embora um grande número de
turistas invadisse o templo e o caminho sagrado, Liz conseguira isolar-se,
experimentando uma estranha e agradável sensação. Sentiu-se tão bem que pensou em
repetir a façanha e ir até aquele lugar mais e mais vezes com seu marido.
O sol estava se pondo quando deixaram o santuário.
—Você vai sair?—perguntou Liz quando entraram no jardim perfumado das
flores dos limoeiros. Naquele pomar havia também laranjeiras, macieiras, pessegueiros
e nogueiras.
— Você quer dizer hoje à noite? — perguntou Nigel. — Não, ficarei em casa.
Por que deveria ficar contente?, pensou Liz e não quis ir adiante. Ela mesma
ainda não estava preparada para as próprias dúvidas.
CAPÍTULO IV

Liz acabara de se vestir quando ouviu bater na porta de seu quarto. Franziu as
sobrancelhas. Seria Maria? Mas o que desejaria aquela hora?
— Entre. — Liz sentara-se em seu toucador, com um vidro de perfume nas mãos.
Pelo espelho viu a porta se abrir. Nigel estava ali num imaculado terno de linho cinza
escuro, alto e elegante, com ar lânguido, contemplando a esposa. — O que deseja? —
perguntou ela, rodando em seu banquinho. As sobrancelhas de Nigel ergueram-se, mas
Liz não teve resposta. Ele a estudava detalhadamente da cabeça aos pés. Uma súbita
raiva apossou-se dela que, embora procurasse dizer algo que o ferisse, descobriu, para
sua vergonha, que as palavras a trairiam.
— Ótimo — disse Nigel vagarosamente.
— O que você quer dizer com ótimo?
— Que você está muito bem — respondeu ele, com brandura.
— É melhor explicar — pediu Liz, tentando controlar-se.
— Conhecendo você, pensei que pudesse me passar para trás.
Dissipou-se a raiva, seu rosto estampou uma expressão estimulante e Liz sorriu
para ele.
— Medo que eu surgisse perante seus amigos vestida como Maria, por exemplo?
— Nunca como Maria — A voz de Nigel era langorosa, como de hábito, embora
houvesse um certo humor quando continuou: — Sinceramente, espero que quando o
tempo chegar, você tome providências para evitar que sua figura atinja proporções
gigantescas.
Os olhos cinzentos de Liz encontraram os dele que brilhavam.
— O tédio provoca o aumento de peso. — Com um requintado movimento, Liz
tocou a ponta de sua orelha com o tampo do perfume.
— Você não conseguiria ficar sem dizer isso. — Os olhos verdes de Nigeí
piscaram divertidos. — Já está entediada?
— Como não? Estou pensando em fazer uma viagem para a Inglaterra.
— Já? — perguntou ele.
— Não há nada em nosso contrato que diga quantas vezes devo ir à Inglaterra.
Visitarei minha casa quando desejar.
Os lábios dele se estreitaram, sombreando sua expressão,
— Espero que não se esqueça que é casada. Uma vez você já agiu como se não o
fosse, lembre-se.
Ela estudou-o, com uma expressão vaga.
— Não sei do que está falando!
— Não haverá separação. Silêncio. Liz virou-se para ele.
— Está com medo que eu o deixe?
Ele andou pelo quarto e parou diante dela. Liz encarou-o, não abaixando seus
olhos nem piscando quando encontrou os dele.
— Não, não receio que isso aconteça. — E em suas palavras, ditas num tom suave
e confidente, Liz lembrou-se da visita ao santuário e do sentimento de prazer que
experimentara quando Nigel declarou que ficaria aquela noite em casa.
Tinham sido momentos agradáveis e de profunda intimidade que ela descobrira
por si mesma. Primeiro, tinha havido aquele interlúdio quando, antes do anoitecer,
permaneceram no pátio, aguardando o jantar. A refeição tinha sido íntima e
aconchegante, com Nigel cobrindo-a de atenções. Depois tinham passeado pelo jardim,
respirando o ar límpido e cristalino da noite grega. No céu, a lua brilhava, iluminando o
Pamasso. Liz foi atingida por aquela mágica atmosfera de irrealidade e por uma
emoção que jamais experimentara.
Nigel movimentou-se ao seu lado e ela acordou de seu sonho. O que diria ele se
lhe contasse seus pensamentos?
— Este lugar não é muito animado — disse ela ao notar que ele aguardava uma
palavra sua.
— Obrigado — retorquiu laconicamente e, vendo que ela não proferia palavra,
observou: — Você é uma criança mimada, Liz, e pretendo encontrar para você algum
trabalho para curar esse tédio...
Liz levantou-se. Era uma bela e sofisticada figura naquele vestido prateado,
tendo ao pescoço um lindo colar de pérolas.
— Nunca trabalhei antes de vir para cá e não tenho a mínima intenção de fazê-
lo agora.
Os olhos de seu marido estreitaram-se e por um breve momento permaneceram
sem movimento. Entretanto ele pensou melhor e, mudando de assunto, lembrou-a
novamente que esperava não haver reclamação quando a noite chegasse ao fim. Olhou
para seu relógio, disse que a encontraria lá embaixo e deixou o quarto.
O jantar transcorreu sem problemas e, para sua surpresa, Liz se divertiu
bastante. Anette e Clarice, ambas com a mesma idade de Liz, ficaram encantadas em
conhecê-la e surpresas, naturalmente, como Clarice declarou, que Nigel desposasse
uma inglesa.
— Aliás ninguém pensou que pudesse se casar — disse Anette. — Nigel sempre
costumava dizer que se orgulhava demais de sua liberdade para amarrar-sé a alguém
permanentemente. — Ela parou e corou com sua falta de tato.
Liz simplesmente sorriu, mas a ideia de que estas duas moças estivessem
pensando em Greta foi um baque em seu orgulho. Seria só em seu orgulho? Olhou o
marido, que conversava com os três gregos, Passos, Petralis e Dendras. Nicoleta,
esposa de Dendras, estava participando da conversa e Liz ficou sabendo por Clarice
que Nicoleta era dona de uma frota de navios cargueiros e era ainda mais rica que seu
marido. Pressentindo seu interesse, Nigel virou-se e cruzou o olhar de sua esposa. Ela
voltou-se para suas companheiras, mas o olhar dele seguiu-a causando-lhe impacto,
embora apenas por alguns segundos. Nigel então disse:
— Venham, garotas, venham beber algo. Deixem as conversas femininas para
depois. — Anette e Clarice foram com Liz até o bar, onde já se encontravam os outros.
— Preciso cumprimentá-lo novamente por seu casamento com uma mulher tão
linda — dizia Passos, enquanto Nigel servia Liz. — Como a conheceu, Nigel?
Nigel sorriu e olhou para Liz.
— Ela estava por lá — falou num tom casual, mas Liz notou algo irónico em sua
voz. Ela podia quase ouvi-lo dizer: "Sim, ela é linda por fora, mas que megera por
dentro!"
Algum tempo depois, Nigel dizia num murmúrio:
— Seu enrubescer é encantador, mesmo quando produzido por consciência
pesada.
— Você não precisava dizer isso! — exclamou com raiva. Nigel, exasperado,
respondeu:
— Você tem um gênio terrível. Estou começando a imaginar se me apanhou
desprevenido!
— Apanhei-o? Você viverá para se arrepender de ter me encontrado!
— Que espécie de ameaça é essa? — perguntou ele, encarando-a. —Você é a
mulher mais imprudente que já encontrei!
— A mais imprudente? — repetiu ela. — Você está certo de que não quer dizer a
menos submissa?
— Por que a comparação? Eu ainda estou para descobrir o mínimo grau de
submissão em você!
Liz suspirou profundamente; não adiantava dizer mais nada. Quando se
despediram dos convidados e os três carros saíram vagarosamente, Nigel voltou-se
para ela e disse:
— Estou orgulhoso de você, Liz, muito orgulhoso, mesmo. Pega de surpresa, Liz
pôde somente dizer:
— Gostaria de compreendê-lo, Nigel. — E, como ele nada comentasse, continuou:
— Por que se casou comigo? — Ela observou-o de perto enquanto esperava uma
resposta. Suas pálpebras baixaram com enfado. Mas Liz estava consciente de que era
uma atitude evasiva, como também o era sua voz quando disse:
— Por que sempre essa mesma pergunta? Já lhe disse, o casamento foi o meio
mais simples de vencer nossas dificuldades.
— O mais simples, talvez, mas não o melhor. Creio que concorda comigo, não é?
— Nada disso. Se o casamento não fosse o meio preferido por mim, eu nunca
teria proposto. — Ele parou e riu com a expressão dela. — Ainda adivinhando? Bem,
como frisei antes, você terá sua resposta a tempo.
Ela ficou silenciosa, pensando naquilo. Nigel tinha então alguma razão para se
casar, isto não precisava ser dito. Obviamente não era o dinheiro, pois poderia ter
conseguido sua herança contestando o testamento. Que não tinha sido paixão era
óbvio, simplesmente porque Nigel não a molestara até agora e era improvável que
fizesse isso. E se nem dinheiro nem paixão foram a causa do casamento, o que seria
então? Que frustração viver assim no escuro!
— Gostaria de saber o que faria se eu tivesse me recusado a casar com você.
Os três carros tinham desaparecido, mas suas luzes traseiras estavam visíveis
por entre as árvores. Nigel e Liz estavam no pátio e, diante de suas palavras doces,
voltou-se para ela e olhou-a.
— É hora de entrarmos. Estou cansado e acho que você também está.
Ela concordou, surpresa por não tentar retomar o assunto do casamento.
— Sim, estou cansada... — Embora ele esperasse que ela o precedesse, Liz não
fez movimento algum para entrar, pois subitamente se sentiu envolvida pela suavidade
da noite enluarada, pela brisa impregnada de perfumes exóticos.
Era tanta a magia da paisagem que carregou para longe seus pensamentos num
místico deleite, fazendo-a esquecer da presença do marido.
— Em que está pensando? — Suas palavras eram suaves e Liz voltou-se para ele
com um sorriso.
— Estava totalmente envolvida pelo encanto deste lugar. Deve ficar orgulhoso
por ter nascido aqui.
_ Não pensamos muito nisso, mas na verdade me orgulhe de dizer que nasci em
Delfos.
Liz examinou-lhe o rosto por um momento, notando suas linhas nobres, o queixo
arrogante, a dura austeridade dos olhos e a testa aristocrática de onde saíam seus
cabelos negros
Um repentino arrepio, que nada tinha a ver com a noite misteriosa, fez Liz
corar e trouxe uma luz nova e suave a seus olhos. Nigel prendeu a respiração e, antes
que Liz tivesse tempo de impedi-lo, tomou-a nos braços e seus lábio procuraram
sequiosos os dela. Ela tentou lutar, mas foi agarrada novamente, e sentiu sua boca na
dele, quente e forte... Gentil a princípio e, depois, dominando-a mais e mais, como
ocorrera da primeira vez.
— Deixe-me ir! — pediu-lhe, logo que afrouxou seu braço. — Avisei-lhe que não
tentasse nenhum truque!
— Ora, Liz — interrompeu-a suavemente. — Até que não foi de todo mau, não?
Ela olhou-o fixamente e teria se virado para ir embora, se a pressão das mãos
dele em seus braços não aumentasse, fazendo-a desistir.
— Qualquer beijo masculino me repugna. Já lhe disse que meu desejo é
permanecer solteirona!
— Nada natural — retrucou Nigel, soltando-a e guardando uma pequena
distância entre eles.
— Pense como quiser. Não estou nem um pouco interessada se me considera
normal ou não. — Ela passou por ele, mas voltou-se quando alcançou a grande porta de
vidro que conduzia ao salão. — Lembre-se do que eu disse sobre não tentar nenhum
truque — advertiu-lhe suavemente, com os olhos crispados. — Disse que você teria um
choque e fique certo disso!
Para sua frustração, aquilo só produziu uma gargalhada em Nigel. Ele era o
homem certo para aceitar aquele desafio.
— Eu também, minha querida, tenho lhe avisado inúmeras vezes que não me
desafie muito. Não estava desperdiçando palavras quando a ameacei com bofetadas.
A fúria brotou nos olhos de Liz. Determinada a não se descontrolar, observou
com calma:
— Suas ameaças tornaram-se ineficientes. — Ela tentou sorrir. — Repetem-se
demais...
— Então minhas ameaças já foram eficientes? — perguntou com uma expressão
irónica que a enfureceu.
— Não, nunca foram. Nem poderiam ser. O que eu deveria ter dito é que elas
começam a me entediar.
Seguiu-se um momento de silêncio. Das oliveiras vinha o cantar dos pássaros
noturnos que se mesclava com os sinos dos carneirinhos através da noite.
— Elas a entediam de verdade? — Nigel sorriu para si mesmo. — Isso é típico
dos ingleses! Tudo lhes causa tédio.
— Nunca disse que tudo me entedia — retrucou com indignação, mas sem raiva.
— No começo da noite você disse que estava entediada com Delfos.
Liz sacudiu a cabeça.
— Há pouco cheguei à conclusão de que este lugar jamais poderia me entediar.
Os olhos de Nigel brilharam estranhamente com o tom das palavras de Liz. Sua
voz era suave, carinhosa e diferente da que habitualmente usava com o marido.
— Então, mudou de ideia quanto a sua ida à Inglaterra? — foi tudo o que ele
disse, mas as palavras eram mais uma afirmativa do que uma pergunta sobre a
capitulação de Liz, coisa que ela jamais aceitaria.
— Não, realmente desejo visitar minha casa e permanecer lá por um tempo.
—Quando pensa partir? — perguntou, apoiando suas costas numa das colunas
que sustentavam o terraço.
— Logo, talvez na próxima semana. — A voz de Liz era um desafio. Nigel
examinou-a e perguntou calmamente:
— Quanto tempo ficará fora?
Suas maneiras controladas sugeriam desinteresse, que era o que ela realmente
desejava, constatou Liz. Mas por que então aquela sensação de medo?
— É difícil saber. Dependerá de quantos convites eu receber — acrescentou ela,
num deliberado desafio.
— Você deve ter alguma ideia do tempo que ficará fora.
— Já disse que não tenho.
Uma nuvem cobriu a lua e o jardim ficou sombreado, embora o terraço
permanecesse iluminado por uma suave luz cor de âmbar, vinda das lanternas presas
por entre as videiras.
Em silêncio, Nigel contemplou Liz, que notou a rápida mudança em sua
expressão. Suas maneiras tornaram-se arrogantes.
— Você ficará fora por quinze dias, não mais do que isso — disse ele finalmente.
Os lábios de Liz tremeram.
— Ficarei fora o tempo que quiser!
— Podemos continuar a discussão amanhã — sugeriu ele. — Como já disse,
estamos ambos cansados.
A nuvem passou levada pelo vento e a lua voltou novamente a brilhar, banhando a
paisagem com sua luz prateada.
Estranhamente, Liz não teve dificuldade em pôr fim à irritação causada pelas
palavras do marido. Mas é claro que ela não podia permitir que ele pensasse ter
vencido mesmo um único passo.
— Sim, Nigel, continuaremos a discussão amanhã... e haverá uma discussão —
observou com um sorriso, sem o menor traço de humor.
Entretanto, a discussão não continuou na manhã seguinte. Logo depois do café
da manhã Nigel comunicou que iria a Atenas. Ficaria fora por dez dias. A decisão fora
tomada subitamente, após ter lido sua correspondência naquela manhã.
— Se você ficará fora dez dias, eu já terei viajado para a Inglaterra quando
retornar. — Ela esperou que Nigel repetisse as palavras da última noite, quando
dissera que não deveria ficar mais do que quinze dias. Mas ele aquiesceu vagamente e
poucos minutos depois deixou a casa.
Mais tarde, Liz foi até o pátio na tentativa de ler um livro que não conseguia
interessá-la. Seus olhos estavam quase fechados e, entediada, reprovava mentalmente
seu bisavô, quando Nikos apareceu para anunciar a presença do primo de Nigel. O
sorriso de boas-vindas de Liz foi recebido com incontrolável prazer por Spiros,
enquanto Nikos o conduzia pelo terraço.
— Você está ficando com um lindo bronzeado — observou ele, empurrando a
cadeira e descansando os pés numa mesinha do jardim.
Sua atitude provocou um súbito franzir de sobrancelhas em Liz, que não deixou
de ficar contente com sua presença. Quando começou a conversar com ele, Spiros
interrompeu-a, perguntando:
— Onde está Nigel? Tenho um recado de minha mãe para ele. Há um batizado a
ser feito na família e querem que Nigel seja o padrinho.
—- Nigel foi para Atenas a negócios esta manhã.
— Foi? Mas voltará amanhã?
— Ficará ausente pelo menos por uma semana. Uma estranha expressão passou
por seus olhos.
— Por que não foi com ele? Pensei que gostaria de visitar Atenas.
— Ele estará o tempo todo ocupado com negócios — explicou Liz depois de uma
pequena pausa durante a qual tentara pensar numa desculpa melhor por não ter
acompanhado Nigel.
— Teria me sentido aborrecida, andando por lá sozinha.
— Você acharia mais o que fazer em Atenas do que ficando por aqui. Vai ficar
tomando sol no jardim todo o tempo? — Ela não respondeu e Spiros observou: — Eu
acho isso meio estranho.
— O que quer dizer com isso?
— Nigel ir sem a esposa. Não é normal, especialmente se são recém-casados. —
Spiros sacudiu a cabeça, intrigado com a situação. E por sua mente estar seguindo uma
certa linha de pensamento e ser desprovido de qualquer tato, disse sem pensar: —
Greta também está em Atenas... — Calou-se, então, ao perceber sua gafe.
— Ela está? — Liz sentiu uma pontada de raiva e sabia por que. A reação normal
seria sentir satisfação-por saber que Nigel fora encontrar-se com Greta. Assim
ocupado, não voltaria sua atenção para a esposa. Era o que desejava: ser ignorada,
mesmo daquele jeito. — Quando ela foi?
— Dois ou três dias atrás. — O rosto dele estava em chamas.
— Eu digo, Liz, sou o maior tolo da Grécia! Não há ligação, acredite-me, não
pode haver! — Spiros não falava com convicção, embora tentasse convencer mais a si
mesmo do que a Liz. — Nigel não faria isso com você, pode ficar certa disto. Se foi a
negócios, então ficará tratando de negócios.
— Não acredita nisso, não é? — disse ela, desconcertando-o.
— Ele não a convidou para acompanhá-lo? — Spiros deliberadamente ignorou a
pergunta dela.
Liz balançou a cabeça, absorta. Nigel e Greta em Atenas e Nigel a proibira de ir
com Spiros. Repentinamente sua fúria era como um vapor que queimava seu corpo.
— Como ele estará ausente — disse, controlando-se — não há motivo para não
fazermos aquela viagem até Atenas.
O queixo de Spiros caiu, ao ouvir sua sugestão.
— Não tem medo de Nigel? — perguntou atónito.
Os olhos azuis acinzentados de Liz estavam duros como aço.
— Não tenho medo de ninguém.
— Gostaria de saber o que está por trás disto tudo. Há algum mistério. Por que
se casaram?
— Isto — respondeu, bruscamente — é da nossa conta. Você me levará a
Atenas? — Era um desafio, Liz o sabia. E não se importava se Nigel pudesse vê-la com
Spiros. De fato, gostaria que isso acontecesse, pois ele estaria com Greta... impedido
de tomar qualquer atitude.
— Adoraria levar você. — Os olhos de Spiros brilharam de prazer. Mas Nigel me
mataria!
Um sorriso malévolo aflorou nos lábios de Liz.
— Não seja melodramático, Spiros. Quando partiremos?
— A hora que você quiser, mas... — ele hesitou, cheio de dúvidas.
— Somos primos. Você mesmo disse que seria absolutamente normal irmos a
Atenas juntos.
— É, eu disse isso — concordou ele, mas tornou a lembrar Liz que Nigel proibira
que fossem a Atenas.
Liz simplesmente não disse nada, ciente de que Spiros acabaria por concordar
com sua sugestão. Ele sorriu e por instantes sentiu-se grata por sua gentileza. Spiros
não podia resistir a seus pedidos.
E estava certa. Spiros estava sob controle e, embora relutasse, disse a ela que
iriam na manhã seguinte.
— Vamos pedir a Deus para não encontrarmos Nigel — observou —, pois se isso
acontecer haverá o diabo. Espero que aguente as consequências!
Liz sorriu. Ela poderia controlar Nigel, pensou, caçoando de Spiros por seu
temor.
Ele chegou às nove horas da manhã seguinte; seus temores tinham desaparecido
e tencionava verdadeiramente gozar o passeio.
Foi uma viagem de quatro horas. Chegaram a Atenas, a tempo para o almoço.
Foram a um restaurante na praça Omonia, depois de enfrentar uma certa dificuldade
para estacionar o carro. Mesmo em Londres, Liz nunca vira tanta gente como ali. Da
janela do restaurante observava o policial em seu trabalho. O tráfego era um
verdadeiro quebra-cabeças, embora Liz notasse que havia uma certa organização. Os
veículos, carros, ônibus, bicicletas e dezenas de outros, surgiam de todos os cantos e
se cruzavam miraculosamente sem bater. Os pedestres esperavam, com os olhos no
policial vestido de verde, que a qualquer minuto apitaria. Assim, quando os carros
paravam, aquela multidão se movia como se fossem exércitos se encontrando.
Mais tarde, do terraço de seu hotel, ela se quedou fascinada, observando o
movimento das pessoas cruzando as ruas. Para onde estavam indo aquelas pessoas que
pareciam formigas, com seus rostos morenos e obstinados?
— Nunca vi tanta gente antes — disse a Spiros mais tarde, quando se encontrou
com ele no bar do hotel. — E sempre assim?
— Estamos na parte mais movimentada da cidade — lembrou-lhe Spiros. —Não,
não será assim todo o tempo.
Era noitinha e, deixando o carro no estacionamento do hotel, vagaram pela
cidade.
Andaram pelo bairro de Plaka, um aglomerado de ruelas com suas tavernas e
clubes, de onde emanava o aroma de carne assada na brasa; eram os kebabs, sendo
assados nos fogareiros de carvão. As cordas de um bonzouki misturavam-se com as
risadas e a música vindas de uma discoteca. Pelas portas abertas, Liz olhou de relance
para os pares que dançavam.
As luzes e o barulho, os homens jogando cartas em volta de mesas, as
vendedores de flores empurrando seus ramalhetes para os turistas, os porteiros dos
clubes convidando para entrar... tudo isso contrastava com a cena tranquila que se
descortinava no ponto mais alto da cidade. Luzes suaves moviam-se
imperceptivelmente, iluminando um e outro monumento na Acrópole, que parecia, de
seu alto esplendor, olhar com desdém para o bairro louco e boémio de Plaka, na parte
mais antiga da cidade e que se transformara em ponto de atração turística.
— Que pena! — exclamou Liz, enquanto saíam apressadamente pela rua, evitando
uma mulher insistente que tentava pregar flores em suas roupas. Muitas pessoas
pareciam ainda viver ali. — Deve ter sido um lugar maravilhoso.
— Ainda é. O ambiente durante o dia é totalmente diferente. Voltaremos pela
manhã, se desejar.
Ela concordou, adorando as novas experiências.
— Vamos descobrir algum lugar para comer — sugeriu Spiros. — Deseja ficar
por aqui?
— Sim, acho que sim.
Spiros conhecia o lugar certo. A entrada era despretensiosa mas, uma vez
dentro, Liz achou que aquele lugar era tudo o que poderia desejar. Do teto pendiam
luzes coloridas e, num palco, dançarinos vestidos a caráter dançavam ao som das
cordas do conjunto de bouzouki, enquanto os visitantes conversavam e consumiam
grandes quantidades de comida e vinho.
— Gostou? — perguntou Spiros, quando voltaram.
— Foi maravilhoso e excitante — respondeu entusiasticamente, e só quando
chegou a seu quarto percebeu que seu primeiro dia em Atenas não fora totalmente
perfeito. Por quê? Spiros era ótima companhia: inteligente, gentil e realmente bonito.
Mas algo estava faltando, algo vital. Abrindo a janela, Liz quedou-se no terraço; o
tráfego continuava intenso na praça e parecia não caber um alfinete entre as luzes.
Os pensamentos de Liz dirigiram-se automaticamente para seu marido, que
estava em algum lugar da cidade com sua amante. Obviamente Greta não se
incomodava com as convenções que proibiam a uma mulher grega fazer amor com um
homem antes do casamento. Ainda meditando e olhando sem realmente enxergar
aquele conglomerado humano abaixo dela, Liz descobriu-se admitindo que, se Nigel
tivesse tentado seduzir Greta, e naturalmente o tinha feito, a moça teria que ter sido
extremamente forte para resistir a seus encantos. Prosseguindo, recordou-se das
palavras de Nigel, quando dissera que mesmo os mais fortes sucumbem à tentação...
As palavras ficaram registradas, verdadeiras e autênticas, mas somente naquele
instante Liz parou para analisá-las, ou melhor, se dispôs a analisá-las. Mesmo o mais
forte de todos nós... Aquelas tinham sido as palavras exatas. Ele ficara refletindo
sobre elas, recordou-se Liz. Era como se ele próprio tivesse sido seduzido e
sucumbido. Isto significaria que ele não desejara realmente ter um caso com Greta,
mas fora incapaz de resistir aos encantos dela? Parecia que sim, e enquanto se deixava
envolver por esses pensamentos, viu-se tomada de uma estranha sensação de otimismo
que não compreendia e que passou a preocupá-la. Por que tal sentimento a invadira?
Ele a fazia recordar da infância e de seu excitamento quando seu aniversário se
aproximava. Mas quanto ao atual sentimento? Não era nem mesmo tangível. Nem ao
menos explicável. Descansada e, pela primeira vez em sua vida, consciente, fechou as
janelas e o barulho diminuiu consideraveímente. O enorme quarto estava agradável e,
embora se sentisse confusa, caiu num sono repousante e sem sonhos.
Tinham resolvido passar quatro dias na cidade e, depois de três dias de
exaustivas visitas aos lugares famosos, decidiram passar o último dia na maior calma.
Logo após o café da manhã, dirigiram-se ao cabo Sounion, onde ficaram nadando nas
mornas águas e tomando sol na areia alva.
Na manhã seguinte voltaram para Delfos e, embora Liz tivesse dito a si mesma
que um encontro com Nigel não a teria embaraçado nem um pouco, descobriu que
estava tremendamente satisfeita por esse encontro não ter acontecido.
CAPÍTULO V

Embora gozasse a viagem, Liz experimentou lum vazio inexplicável e um


consequente sentimento de desassossego, o que a fez avaliar tudo o que havia visto.
Inexplicável... Por que tentar disfarçar a verdade? Não havia ninguém para iludir a não
ser ela própria, então por que não confessar que preferia a companhia de seu marido à
de seu primo? Com um meio sorriso, admitiu: se ela e Nigel tivessem feito essa viagem
juntos, o resultado teria sido um jogo agradável desde o momento que tivessem
deixado Delfos até a volta. Era estranho, mas antes nunca tencionara ser amiga de
Nigel; ele representava a arrogância masculina, que em outros homens se tornava
patética pela luta que desenvolviam para mantê-la.
Aquela tinha sido uma das razões pelas quais nunca desejou casar-se. Agora,
forçada a admitir a força de Nigel, Liz decidiu manter relações de amizade com ele.
Tal atitude devia inevitavelmente forçar a quebra da animosidade entre eles. Com
isso, admitia que tinha sido ela quem criara a hostilidade entre os dois. O grande erro
de Nigel tinha sido sua atitude de zombaria em relação a ela, fazendo aflorar o lado
pior de sua personalidade.
— Por que está tão quieta? — A voz de Spiros a seu lado arrancou-a de suas
meditações e Liz virou a cabeça. Tendo deixado Atenas para trás, percorriam agora a
planície de Tebas.
— Estou apreciando a paisagem. — Liz não desejava conversar com Spiros e,
mesmo que sentisse uma certa dorzinha de consciência quanto a isso, silenciou
novamente, limitando-se apenas a apreciar o cenário.
Surgiu então o monte Helikon, que se estendia de leste a oeste, com seus
declives. Era um milagre de cores agora que o sol se punha dando origem às sombras
da escuridão que se aproximava. Uma nuvem que parecia de cetim vermelho baixou
sobre a montanha como que acordando os deuses que ali dormiam, pensou Liz, sorrindo
com a estranha ideia que lhe surgira na mente.
Agora já podiam ver o Parnasso, que se destacava no céu purpúreo.
A terra selvagem... Como se adaptava a sua pessoa! O espírito de Liz se
identificava de alguma maneira com aquela terra, com aquele povo.
A noite caiu rápida como uma cortina e num trecho solitário da estrada o carro
começou a dar problemas, parando de funcionar.
— O que terá acontecido? — Desculpando-se, Spiros saiu do carro e foi
examinar o motor. — Pode acender a lanterna? Você a achará no porta-luvas.
Quinze minutos se passaram antes que outro veículo passasse pela estrada e o
chofer parasse, oferecendo ajuda.
Spiros não tinha ideia do que acontecera com o carro e, infelizmente, o
motorista também não.
— Posso oferecer-lhes uma carona? — perguntou o homem e, grato, Spiros
aceitou. Foram até Arachova onde Spiros encontrou um mecânico que, depois de
muitas horas, fez o carro funcionar novamente.
Chegaram a Delfos cinco minutos antes da meia-noite, Horas antes Liz
telefonara avisando Nikos que voltaria naquele dia. Havia apenas uma luz acesa na
frente da casa.
O criado surgiu imediatamente e apanhou a bagagem de Liz. Nikos havia
acendido as luzes de fora. Olhou-a inexpressivamente, mas, como Liz estava exausta
com a viagem, não tomou conhecimento.
Alcançando a porta do quarto, Nikos hesitou e, ao abri-la, fez um gesto
floreado, dando um toque dramático aos últimos acontecimentos. Liz ficou de pé na
soleira da porta, e então parou, olhando para a cama, sem acreditar. Seus olhos
fuzilaram Nikos; seu rosto tornou-se lívido, mas a tempo conteve o impulso de
esbofeteá-lo.
— Pode ir!
— Sim, senhora. — O criado "depositou suas valises no chão e ela, furiosa,
empurrou a porta antes que Nikos passasse, obrigando-o a transpô-la com agilidade
fora do comum.
Enraivecida, Liz quase gritava. Depois permaneceu imóvel, em silêncio, com o
rosto crispado e vermelho, em virtude da humilhação que havia sofrido. Sua fúria
poderia tê-la levado ao crime, caso seu marido estivesse ali. E onde estaria ele? Mil
perguntas vieram-lhe à mente e permaneceram sem resposta, pois sua fúria era mais
forte. Uma cama de casal... não havia necessidade de perguntas, sua presença falava
por si mesma. Nigel... por que interrompera sua visita a Atenas? E há quanto tempo
estaria em casa? Greta... Onde se encaixaria dentro desse novo esquema? Ou melhor,
desse esquema que Nigel estava planejando?
De repente os nervos de Liz ficaram tensos; virou-se quando a porta foi aberta.
Nigel entrou, vestindo um pijama preto e dourado, os cabelos desgrenhados.
Obviamente estava deitado quando ela chegou. A porta fechou-se estrondosamente e
o coração de Liz se descompassou, batendo descontroladamente. No entanto, sua fúria
suplantou o medo que sentia.
— Que ideia foi essa!? Que espécie de brincadeira é essa? Que ousadia a sua
humilhar-me na frente de um criado! — Nigel simplesmente se encostou na porta, com
uma expressão calma. — O que tudo isso significa? — gritou Liz, enlouquecida com sua
atitude.
Ele permaneceu perto da porta, olhando-a demoradamente com os olhos
semicerrados. Começou a bocejar e levou a mão à boca, seu olhar movendo-se dos
punhos dela que se crispavam de raiva para a cama que fora trocada aquela tarde pela
de solteiro, por sua vez transferida para seu quarto. Observando-o, Liz sentiu a fúria
sufocá-la. E pensar que momentos atrás decidira ser mais acessível, pois assim teriam
chance de se tornar amigos! Devia estar louca!
— Não seja ingénua — sugeriu Nigel, sem se deixar afetar pela raiva que a
devorava. — Mais uma vez você não deu atenção a meus avisos, por isso agora vamos
ajustar contas.
— Você sabe que estive em Atenas com Spiros? — Sua atitude era desafiadora,
enquanto fazia a pergunta, embora estivesse consciente do sentimento de perda que
vagarosamente tomava conta dela.
— Sei que esteve em Atenas com meu primo.
Suas palavras eram suaves, quase amigáveis, mas Liz não se sentia segura. A
dura expressão que marcava os cantos de sua boca e a veia que pulava
descontroladamente em seu pescoço representavam um perigo real e, a despeito de
sua raiva, a aconselhavam a ter prudência. Por isso controlou sua voz, quando
perguntou:
— Você me viu?
— Dendras a viu. •
— Dendras? — Liz empalideceu. A possibilidade de ser vista por um dos amigos
de Nigel nunca lhe passou pela cabeça. — Onde nos viu? — Automaticamente deu um
passo para trás, ciente de que agora Nigel dificilmente controlaria seu gênio.
— Subindo para o quarto do hotel.
— Quarto? Quartos, por favor! E se seu amigo insinuou que Spiros e eu, que
nós... — ela interrompeu-se e então acrescentou, furiosa: — Eu tomarei satisfações!
Que ousadia a dele intrometer-se e inventar histórias! — A prudência foi esquecida
pela injustiça de que estava sendo vítima. — Será que ele estava sabendo o porquê de
sua viagem a Atenas? Será que sabia que você foi até lá para encontrar-se com sua
amante?
— Minha... — Liz notou um pequeno movimento na garganta de Nigel, como se
tentasse se livrar de algum bloqueio. — Você está indo longe demais com esta
acusação! — Ante o tom ríspido e vibrante da voz dele, Liz ficou ainda mais pálida.
— Greta! — Liz olhou-o distante, esperando que não estivesse tão abatida como
se sentia. — Você estava com ela!
— Estava? Como chegou a tal conclusão?
Liz estava perplexa. Não contava com nenhum argumento a não ser a conclusão
apressada a que chegara. Percebeu então que poderia estar totalmente errada. E fora
graças a essa mesma conclusão que decidira desafiar seu marido e ir a Atenas com
Spiros.
— Ela estava em Atenas, portanto é lógico que vocês estivessem juntos. Decidiu
tudo muito depressa.
— Quem lhe contou que Greta estava em Atenas? .
— Spiros.
— Ah, sim. Bem, pois fique sabendo que não estive com Greta. Fui a Atenas a
negócios e voltei logo que Dendras a viu. Telefonei a Nikos para saber quando você
voltaria.
— Dirigiu seu olhar para o relógio de prata sobre a penteadeira. — Fiquei
acordado até as onze. — Seu tom de voz baixou. Sussurrava. Pressentindo o perigo,
Liz mordeu o lábio.
— Pensei que estivesse com Greta —disse ela, o medo crescendo e fazendo com
que sua raiva aumentasse. Por que temia esse homem?
— Então seu desafio foi um ato de vingança? — O tom de Nigel ainda era calmo,
embora sua expressão fosse estranha. Subitamente lamentou não conhecer melhor a
personalidade de Nigel. O que procurava? Quais seriam seus pensamentos?
— Sim — admitiu ela numa voz trémula —, foi um ato de vingança.
Ele deu um passo em sua direção e novamente Liz recuou. Esse gesto pareceu
libertar sua fúria, pois subitamente seus olhos brilharam. Moveu-se novamente e Liz
se viu envolvida por braços que mais pareciam correntes de ferro. Tentou soltar os
ombros, mas seus dedos fortes a apertavam selvagemente, levando-a a morder os
lábios para evitar um grito de dor.
— O que você pretendia quando resolveu viajar com Spiros e ser vista no hotel
por meu amigo! Um amigo meu! — Todo seu controle fugiu e Liz sentiu-se colhida por
um ciclone; seus cabelos caíram sobre o rosto enquanto Nigel, numa fúria de-
senfreada, a sacudia pela segunda vez, até o sangue subir-lhe ao rosto. — E expor-me
a tal humilhação! Por Deus, garota, você está pedindo algo de que se recordará pelo
resto de sua vida! Como persuadiu Spiros a desrespeitar minhas ordens?
— Sacudiu-a novamente. — Como? Responda-me! Tremendo da cabeça aos pés,
Liz conseguiu apenas encará-lo em silêncio. Não disse palavra. Por um momento
controlou-se, esperando que sua cólera se abrandasse para poder falar.
— Estava entediada e pedi a Spiros que me levasse. Nunca esperei ser vista por
ninguém que conhecesse você.
— Aposto que não! Ê quanto a mim, não sentiu receio da minha atitude?
Liz sentiu a pressão aumentar em seus braços e estremeceu interiormente. Ela
não queria que Nigel soubesse o quanto a estava machucando.
— A possibilidade realmente me ocorreu, mas pensei em você e Greta... — Ela
parou, pois eram desnecessárias outras explicações.
— Então acreditou que se eu a visse eu não seria capaz de protestar? — Sua voz
ainda denunciava irritação. — Não estou surpreso com sua atitude, mas Spiros... Não
acredito que não tenha sentido medo com a possibilidade de eu encontrá-los juntos!
Spiros tivera medo sim, mas Liz percebeu que de nada adiantaria mencionar o
fato naquele exato momento e, embora soubesse que Nigel esperava uma resposta sua,
simplesmente balançou a cabeça. Sentia-se exausta física e mentalmente e, para seu
desgosto, lágrimas brotaram em seus olhos. Nigel também estava cansado e levantou a
mão para reprimir um bocejo. Liz achou que ele fosse bater nela, embora não pudesse
entender o porquê. Em seguida, levada por uma louca e desenfreada raiva, golpeou-lhe
a cintura. O golpe não surtiu outro efeito em Nigel a não ser um olhar de surpresa,
mas Liz partiu uma unha, ao bater em seu relógio. Olhou para seu dedo, desgostosa.
Quebrara até a raiz.
Alcançando com a outra mão uma tesourinha no toucador, começou a cortar a
unha quebrada.
— Por que tudo isso? — Nigel parecia calmo, e havia em sua voz até um certo
humor. -
— Pensei que fosse me bater — respondeu, continuando a cortar a unha.
Constatou que levaria semanas para crescer novamente.
— Pensou? E foi essa a sua reação?
— Fique certo de que, se me bater, eu baterei em você também!
As pálpebras pesadas caíram sobre seus olhos verdes. Foi um gesto meio
preguiçoso e entediado. Liz sentiu vontade de bater nele novamente.
— Parece uma luta de boxe — observou Nigel, com seu sotaque indolente.
Liz rangeu os dentes e, num impulso momentâneo, atirou a tesourinha nele. Era
pequena e sem ponta, por isso não o feriu. Entretanto, Nigel esquivou-se e a
tesourinha caiu sobre o tapete. Por um momento ficou olhando para o chão. Em
seguida, encarou-a e disse:
— Apanhe-a.
As sobrancelhas dela se ergueram.
— Apanhe você mesmo! — Liz voltou-lhe as costas, mas pelo espelho viu-o
mover-se em direção ao toucador. Ele apanhou então uma escova de cabelos e ela
voltou-se para encará-lo. — Como ousa?
— Não vai apanhar a tesoura? — perguntou com a voz e o olhar ameaçadores. As
pestanas de Liz baixaram. Fúria e provocação brigavam com a prudência e o medo. —
Já lhe avisei uma vez que a machucaria — advertiu, observando-a com certo
divertimento. — Asseguro-lhe, Liz, que a menos que me obedeça não vai gostar do que
vai acontecer nos próximos minutos, embora, esteja certa, eu vá adorar —
acrescentou, sorrindo. — Certo? — desafiou-a.
Sem uma palavra Liz apanhou a tesourinha e colocou-a no toucador.
— Eu o detesto — gritou, encarando-o. — Desejava de todo meu coração nunca
ter me casado com você. — Ainda estava furiosa, pela humilhação de ter obedecido às
ordens dele. — Não seja tão confiante, Nigel — preveniu-o, olhando-o com firmeza. —
Prometi que cumpriria meu trato e nunca deixaria você, mas sou capaz de mudar de
ideia.
Sentira ele um pequeno susto?, ela pensou. Será que poderia conservar esta
ameaça sobre sua cabeça e forçá-lo a desistir da ideia de permanecer ali aquela noite?
Depois de examinar nitidamente o rosto de Liz, Nigel sorriu, sacudindo a
cabeça.
— Você é petulante e irascível, Liz, mas também digna de confiança. Creio que
sua palavra é sagrada e seria surpresa para mim descobrir que estava errado a
respeito de seu caráter.
Contra sua vontade, viu-se presa pela confiança que ele depositava em sua
integridade. Mas isto não lhe trouxe satisfação, pois simplesmente por causa dessa
confiança, qualquer ameaça que tivesse em mente não seria válida. Manteve-se em
silêncio e, com um gesto de sarcasmo e divertimento, Nigel olhou para a cama.
— É óbvio que não aprovou a mudança de móveis que houve neste quarto. Tomei
esta providência logo após meu retorno, depois de saber de sua escapada. Não tenho
intenção de permitir que volte à Inglaterra impune. — Colocou a escova no toucador. —
Por ter passado o tempo, acha que perdi a vontade de puni-la... — Aproximou-se,
sorrindo para ela que, movida por um impulso, olhou para a cama. — Você pediu isso,
Liz, espicaçando-me deliberadamente mesmo depois dos repetidos avisos de que minha
paciência estava se esgotando. — Sua voz tinha um tom quase acusatório, como se
fosse um pai relutante em castigar o filho. — Você tem uma lição a aprender —
continuou. — Está levando tempo, mas no fim aprenderá, estou certo disso.
Os olhos de Liz começaram a brilhar enquanto ele falava. Dirigiu-se então para
perto da janela, onde podia ouvir o canto das cigarras, os sininhos dos carneiros nas
colinas e o triste pio da coruja. -
De repente virou-se e examinou o rosto do marido. Não via crueldade
exatamente, mas rudeza e arrogância.
— O que pensa Dendras? — perguntou gentilmente, com uma estranha mágoa na
voz.
— O que espera que pense? — Sua voz era indiferente. — Não acredito que
tenha pensado... Surpreendentemente Nigel sorriu e sua expressão tornou-se
divertida.
— O quê?
— Você entende o que quero dizer. — Após uma breve pausa, acrescentou: —
Ele não pensou, não é? — Sentiu raiva e desejou nunca ter falado sobre o assunto. Por
alguma razão desconhecida, recordou-se de sua recente conclusão: a de preferir a
companhia de Nigel à de Spiros.
— Ele poderia pensar tudo se eu não lhe tivesse informado que a viagem fora
realizada com meu consentimento e aprovação.
Os olhos dela se arregalaram.
— Você disse isso?
— Havia outra maneira de evitar o ridículo? — Seu tom agora era rude.
— Você... o quê, o que você acha?
Ele olhou-a em silêncio por momentos e perguntou:
— É importante para você? Ela concordou, sem hesitação.
— Sim, por estranho que pareça, é. Uma risada incrédula ecoou no quarto.
— Então, querida, há esperanças para você.
Liz franziu o cenho, procurando seu rosto. Por que a hesitação? O que
realmente ele tinha a dizer?
— Você não respondeu minha pergunta.
— Já lhe disse que confio em você.
— Obrigada. — As palavras saíram com dificuldade, pois lhe custara muito
proferi-las. — E você não estava com Greta? É verdade?
Novamente ele sorriu.
— Parece que você está tremendamente perturbada com minhas relações com
Greta.
Ela quis negar, mas honestamente não pôde. Então evadiu-se, perguntando:
— Está seriamente disposto a ficar aqui esta noite?
— Estou. — Suas poucas palavras foram significativas e inflexíveis. Liz deu um
profundo e longo suspiro.
— Parece, então, que não vai cumprir sua palavra.
— Isto é um desafio?
— Claro que é. Ambos fizemos promessas. Eu cumpri as minhas e espero que
você cumpra as suas.
— Então ficará desapontada. Você pagará por desrespeitar minhas ordens!
Liz explodiu novamente; virou-se, dando-lhe as costas.
— Eu devia saber que não podia confiar em você. Os homens são sempre os
mesmos, não têm respeito pelo sentimento dos outros. Esta é a razão por que nunca
quis me casar.
Nigel não fez nenhum comentário. Num movimento rápido envolveu-a em seus
braços, aqueles braços de aço cuja força já sentira naquela feira. Não houve naquela
ocasião meio dé escapar deles, e agora também não havia. Tinha vontade de lutar, era
verdade, e com qualquer outro homem teria chance, mas com Nigel... Deveria encarar o
inevitável, como se aceitasse uma derrota. Estava tremendo e ele percebeu isso, pois a
segurou bem perto de si, seu queixo contra o rosto dela. Liz ouviu-o respirar; a paixão
da raiva tinha dado lugar à enorme paixão dos sentidos.
— Você está com medo? — Nigel beijou então seu pescoço e virou-a para
encará-lo. A última esperança morreu quando notou a expressão dos olhos dele. Ainda
assim tentou resistir. A reação de Nigel foi segurá-la mais firmemente, enquanto seus
lábios esmagaram os dela possessivamente, com um ardor até então desconhecido para
Liz.
Instintivamente ela tapou os lábios com a mão mas, mesmo depois de relaxar
seu abraço, continuou a segurá-la.
— Perdemos muito tempo, minha adorável esposa. — Soltou-a então. — Você
ainda quer fugir? — Sorrindo, tirou uma chave do bolso. — Isso parece um melodrama,
apesar de eu confiar em você em circunstâncias comuns... — ele olhou-a — mas não são
circunstâncias comuns, não acha? — Ela permaneceu ali, mordendo os lábios, e Nigel
prosseguiu, divertindo-se ainda com a situação: — Podem tornar-se circunstâncias
comuns se nós dois estivermos dispostos, mas como sou forçado a me impor diante de
você...
— Saia daqui! — exclamou, interrompendo-o: Nigel fez menção de sair enquanto
ela se despia, mas não havia dúvida que voltaria.
— Tenha cuidado, Liz — avisou-a. — Se meu gênio esquentar novamente você
poderá passar por momentos difíceis.
Ela não duvidava disso e, pálida e resignada, encarou-o. Só podia culpar a si
mesma. Nunca deveria ter se casado com ele, odiando-o como o odiava.
— Se você tenciona sair, faça-o logo, mas por favor, feche a porta sem ruído. A
menos que eu esteja muito enganada, esse seu criado grego está com os ouvidos
atentos.
A maneira resignada com que Liz encarava a situação provocou no olhar de seu
marido uma expressão meio preocupada, meio curiosa. Nigel sacudiu a chave, olhando-a
pensativo.
— Talvez não haja razão para o melodrama, afinal de contas... Haveria, Liz?
Ela o fuzilou com o olhar; sua boca ainda estava cerrada e seus olhos brilhavam
de frustração e raiva.
— Eu não irei a você de braços abertos, se é isso o que sua mente arrogante
decidiu! Você lutará pelo que deseja... e eu espero que o resultado lhe traga sabor de
amargura!
— Amargura, você diz? — Seus olhos examinaram o rosto de Liz. Nigel sacudiu
então a cabeça. — Não, minha querida Liz, amargura não, talvez algo muito melhor...

CAPÍTULO VI

A avó tricotava, como sempre; tia Rose estava perto do fogo, lendo feliz,
enquanto tio Oliver, sentado do outro lado da lareira, jogava xadrez.
— Sua vez — ele repetiu e Liz olhou por cima da revista, irritada.
— O senhor não pode jogar sozinho? — disse ela, finalmente. — Por que não joga
paciência?
— Porque gosto de xadrez. Agora, se eu mover meu bispo, ele terá que proteger
seu rei, por isso deve colocar sua torre aqui...
— Por quê? O que há de errado em mover o bispo?
— Liz — disse o tio —, deixe o jogo para mim. Sei exatamente o que estou
fazendo.
— Ele sempre quer ganhar — comentou tia Rose. — Rouba o tempo todo,
deixando o outro jogador fazer toda sorte de coisas tolas.
Liz suspirou. Velhice. Seu olhar voltou-se para a avó. Estava bem para sua idade,
embora o médico tivesse dito a Liz que, em virtude do reumatismo, suas mãos logo não
poderiam mais se movimentar. Além disso, seu coração também estava fraco.
— Seu coração inspira cuidados. Ela não deve durar muito — disse-lhe o médico.
Ante tais palavras, Liz caíra em depressão e permanecera ao lado da velhinha,
desde então. Pensou como era difícil conviver com pessoas idosas e sentiu-se aliviada
por saber que sua irmã estava casada e morava em outro lugar. Um leve sorriso
aflorou nos lábios de Liz, ao se recordar da cena em que quase obrigara Vivien a se
casar com Arthur. Ela, Liz, fora poderosa até aquele bendito dia e, estranhamente,
nunca mais o conseguira ser.
Estou diferente, pensou, admitindo, embora relutante, que a razão dessa
mudança fosse seu casamento com Nigel.
Apanhou o livro novamente, mas não conseguia ler. Olhou para o relógio.
Jantaria com Grace e seus pais, mas ainda era cedo. Como não podia ficar parada por
muito tempo, resolveu ir até o jardim. Setembro chegava ao fim e as folhas
começavam a cair das árvores. Essa era a época do ano que Liz mais gostava. De
repente, viu-se comparando aquele ambiente com o de sua casa na Grécia. Sorriu
debilmente. O que é superior se torna incomparável. Delfos era um lugar à parte,
destacando-se de qualquer outro lugar sagrado em toda a Grécia, em virtude da
paisagem selvagem e montanhosa, de suas cascatas, ravinas e pedreiras. Além disso
havia o santuário de Apoio e a casa de seu marido.
Vagando por entre os jardins, Liz sentou-se num banco rústico. Uma semana se
passara desde... Um leve rubor tingiu-lhe as faces e ela olhou em volta, como se
temesse alguém por perto que pudesse ler seus pensamentos. A maneira como Nigel a
possuíra tinha sido terna e gentil. Ele não pretendia que ela acordasse na manhã
seguinte, odiando-o. Teria Nigel adivinhado o quanto ela estivera perto da capitulação?
Esperava que não. Suas palavras ferinas, foram eficientes como ela esperava, deviam
ter destruído toda e qualquer confiança que ele tivesse em si mesmo como amante. Em
vista disso e do prolongado silêncio que a seguiu ao sexo, temeu que Nigel se recusasse
a deixá-la visitar sua casa na Inglaterra. Mas ele não fez nenhuma objeção. Chegou
mesmo a reservar-lhe um lugar no avião, como se estivesse contente por se ver livre
dela por algum tempo. Liz ficou magoada com aquilo, pois tinha certeza que nos
próximos quinze dias ele estaria com Greta. Estranho que, dias antes, sua atitude
fosse de gratidão para com a grega. Greta poderia conservar Nigel, porém fora do
alcance de sua vista...
Impaciente com a confusão que lhe invadia a mente, Liz levantou-se e voltou
para casa.
— O chá será servido em instantes. — Tia Rose sorriu quando Liz entrou na sala.
— Não está muito frio lá fora?

— Não, não está.


— Comparado com a Grécia, deve estar.
Liz sentou-se. O que estava acontecendo com ela? Não sabia mais o que queria.
Seu desejo era voltar ao lar, mas estava ali e não podia descansar. Liz não se sentia
mais à vontade entre seus parentes, tão interessada estava em Nigel. Suspirou
longamente. Mesmo quando voltasse à Grécia, o que haveria lá para fazer? Discutir
com Nigel ou se sentir entediada com sua ausência.
— Desejaria nunca ter posto os olhos nesse homem!
— O que disse, querida? — A pergunta delicada de tia Rose aumentou ainda mais
sua impaciência.
— Estava falando comigo mesma.
Quando terminou o chá, Liz escapou para seu quarto. Vestiu-se e, ao entrar no
carro onde o motorista a esperava, já se sentia menos deprimida, quase feliz.
Às sete e meia, foi recebida entusiasticamente por sua amiga.
— Iremos meia hora antes do jantar — disse Grace, convidando Liz para subir
até seu quarto. — Não estou pronta, assim poderemos conversar enquanto termino a
maquilagem. — As duas moças se correspondiam regularmente desde o casamento de
Liz, mas a não ser as descrições de Delfos e seus arredores, Liz contava pouca coisa à
amiga, que praticamente desconhecia seus problemas mais íntimos.
— Conte-me tudo sobre seu marido. Tudo está correndo bem? — Grace fechou
a porta do quarto. — Será que valeu a pena, Liz, casar-se por aquele motivo, quero
dizer...
— Salvar meu lar e minha fortuna? — disse Liz, sentando-se na cama. — Para
ser honesta, Grace, não sei se fiz bem ou mal... — Sacudiu a cabeça. — Tive que pensar
nos outros, especialmente em minha avó.
— Nunca imaginei você se sacrificando dessa maneira — disse Grace sorrindo,
embora sem se comprometer. — Não está dando certo?
— O casamento, como tal, não funciona — observou Liz.
— Foi simplesmente um casamento de conveniência. Grace sentou-se no
toucador, olhando para Liz através do espelho, e perguntou:
— Como ele é? Eu estava no casamento, mas nunca consegui firmar um retrato
mental dele a não ser por aquela imagem dele na feira: olhar superior e arrogante,
sempre falando com aquele sotaque arrastado.
— O sotaque é normal, não é afetação. — Suas palavras foram cortantes. Ela
também odiava o sotaque de Nigel; por que então estava arrumando desculpas para
defendê-lo?
Grace surpreendeu-se com sua reação.
— Não me diga que se apaixonou por ele! — exclamou.
— Apaixonei-me? Não seja ridícula, Grace! — Mas o que seria aquela súbita
sensação? Será que a agitação em seu espírito era resultado das palavras proferidas
pela amiga? Recordou-se de que não era a primeira vez que experimentava aquela
sensação.
— Não, não você, que sempre desprezou os homens, jurando nunca se casar
porque os conhecia intimamente desde a mais tenra idade! — Grace sacudiu a cabeça
novamente. — Você não poderia apaixonar-se por um homem como Nigel. Ele é muito
frio e sem emoções, um tipo muito formal.
Formal! Se Grace soubesse quanto estava errada sobre Nigel, principalmente no
que se referia a seu temperamento. Liz recordou-se então daquela noite, de todo
aquele interlúdio revelador da imensa ternura escondida dentro de Nigel. Nem por um
instante houve falta de finura, nenhum momento de perda de controle, pois isso não
tinha sentido em vista do ardor com que Nigel fizera amor com ela. Devia ser a
experiência e naturalmente a aptidão inata de todo grego para a arte de amar. Nigel
era um perfeito amante, Liz não podia negar, embora não pudesse fazer comparações.
— Por que corou tanto? — A voz de sua amiga, suave e doce, fez Liz voltar à
realidade.
— Eu não estou... quero dizer, não sei por que estou ficando vermelha.
— Bem, você está — disse Grace, acrescentando: — Deve haver alguma razão
para isso. — Liz não disse nada. Grace então perguntou: — Posso estar errada? Será
que essa ardorosa solteirona está amando aquele magnífico grego?
— Eu já lhe disse que não — respondeu Liz, carrancuda.
— Não falou nada disso. Simplesmente me confessou que era ridículo, o que
pode ter sido uma tentativa de se safar.
— Por que me apaixonaria por um homem como aquele?
— disse Liz, zangada consigo mesma por não ter tido mais cautela. Grace não
era tola. De fato, era tremendamente inteligente e perceptiva.
— Se você o ama, então a situação se torna mais agradável. A perspectiva de
passar o resto da vida com alguém que não se ama deve ser muito enfadonha.
— Eu sabia disso quando me casei.
Grace virou-se e disse:
— Conte-me algo sobre ele. — E, num ímpeto, perguntou: — Nigel está satisfeito
com a barganha?
— Acho que sim. — Evasivas novamente, e isto ficou perfeitamente claro para a
amiga.
— O que fazem quando estão juntos? — Liz continuou calada. — Ele não se
importa de viver a vida como um homem solteiro? — insistiu Grace.
Liz baixou os olhos e recordou-se novamente daquela noite. Será que Greta
soubera, por sua criada, que as camas tinham sido trocadas? Não tinha dúvidas quanto
a isso; o risonho Nikos já deveria ter transmitido as novidades para sua irmã, que
certamente as levara para a patroa.
— Ele tem uma amante — informou Liz a Grace, que levou um susto.
— Mas que refinamento! É assim que chamam isso lá? Absorta, Liz concordou,
ainda conservando a cabeça inclinada.
— O nome dela é Greta, eles têm um caso há anos.
— E ainda são amantes?
Liz pensou nisso. Nigel disse-lhe não ter estado com Greta em Atenas, e ela,
estranhamente, acreditou nele.
— Não sei. — Ela então contou a Grace sobre o encontro que tivera com a
amante de seu marido. — Estava furiosa com nosso casamento.
— Aposto que estava. Meu Deus, que situação hilariante! Não parece real.
— Foi bastante real — retorquiu Liz. — Disse que Nigel e ela estavam
praticamente noivos antes dele vir à Inglaterra.
— Você acreditou nisso?
Liz sacudiu a cabeça, concordando.
— Nigel contou-me que nunca quis casar-se. — Houve um momento de silêncio e
então, vagarosamente, Liz prosseguiu: — Nigel não se casou comigo por dinheiro,
Grace. Sabia há muito tempo que os testamentos não tinham a menor validade. Veio à
Inglaterra com o único propósito de me consultar, ou a alguém de nossa família, no
sentido de contestá-los. — Grace a olhava confusa, naturalmente, e Liz continuava a
explicar.
— Então por que se casou com você? — perguntou Grace, curiosa.
— Isso é o que tenho tentado descobrir, desde que Spiros me contou... — Liz
parou subitamente, quando passou por sua cabeça a afirmação de Nigel de que seu
primo não sabia o que estava dizendo. Na época esquecera, mas agora a reconsiderava
preocupada, imaginando por que as palavras do marido vieram até ela naquele exato
momento. Suspirou profundamente. —Você tem alguma ideia? — perguntou, confusa.
Grace permaneceu silenciosa e pensativa e Liz ergueu a cabeça.
— Tenho — murmurou de repente, evitando o olhar de Liz —, mas duvido que
seja correta.
— Bem, diga-me logo. Qualquer ideia é melhor do que nada.
— Naquele dia... você nunca mais falou nisso. Ouvi alguém dizer que Nigel
insistiu para beijá-la a sós.
—Bem, e daí? — Sentiu uma raiva momentânea ao recordar-se.
— O que aconteceu? — perguntou Grace, observando-a curiosamente.
Uma ligeira hesitação e Liz respondeu:
— Ele cobrou o que tinha pago.
— E você não gostou da experiência?
— Não gostei de nenhum dos beijos!
— Mas o de Nigel não foi diferente dos outros? — A expressão de Grace
traduzia interesse e divertimento.
— Diferente? Mas que pergunta! — Depois de alguns segundos, Liz exclamou: —
O homem era intolerável! — A resposta surgiu rápida e agressiva e o olhar de Grace
tornou-se mais interessado. — Mas o que significam estas perguntas? — perguntou
Liz, secamente.
O silêncio invadiu o quarto por momentos. Grace então falou:
— Nunca imaginei que ele tivesse se apaixonado por você naquele dia.
— Apaixonado? — Liz permaneceu muda por segundos. — Você deve estar louca!
Que ideia mais maluca é essa? Pensei que tivesse algo mais plausível em mente.
Grace sorriu e olhou automaticamente para o relógio. Faltavam dez minutos para
o jantar.
— Pode ser que a ideia não lhe agrade, Liz, mas é plausível, sim. Nigel não seria o
primeiro homem a se apaixonar por, você à primeira vista, seria? — O modo com que
Grace levantou a sobrancelha fez com que Liz se recordasse de Nigel.
— Não seja tola!
— Claro, você é modesta — retomou Grace. — Mas o que eu disse é verdade, e
você sabe muito bem disso.
— Não, Nigel não se apaixonou por mim à primeira vista — reagiu Liz
firmemente. — Ele me detesta tanto quanto eu o detesto!
Grace levantou-se e pegou um batom no toucador.
— Você não me contou como vocês vivem. — Não havia quase expressão na voz
de Grace; ela observava a amiga através do espelho, enquanto passava batom nos
lábios.
— Brigamos o tempo todo.
— Brigam? — repetiu Grace. — E quem vence? — acrescentou curiosa, e Liz
respondeu:
— Quem você espera que vença?
— Agora você me fez uma pergunta desconcertante. Seria mais comum você
vencer. Mas Nigel... — Pesarosa, ela sacudiu a cabeça. — Eu não brigaria com um
homem como aquele, embora o conheça muito pouco.
O comprimir dos lábios de Liz fez com que Grace sorrisse.
— Estou ainda imaginando por que Nigel se casou com você. — Grace levantou os
ombros e puxou o zíper do vestido. — Se eu estivesse em seu lugar, faria uma pequena
experiência para descobrir.
— Experiência? Grace encarou-a.
— Poderia amá-lo, se ele a amasse?
Liz olhou-a, pensando por que não respondera prontamente "não" à pergunta
inesperada de Grace. Quando finalmente respondeu, usou de evasivas. — Sua pergunta
é supérflua, pois acontece que Nigel não me ama.
— Liz — disse Grace, um pouco áspera —, Nigel casou-se com você por alguma
razão... que poderia ser perfeitamente amor. Por que teria escolhido esse caminho em
vez de simplesmente contestar os testamentos? Ele deve ter desejado você, do
contrário teria ido adiante em sua intenção inicial de discutir a invalidade dos
documentos. — Liz ficou um pouco pálida e Grace continuou: — Tente ir até o fim,
descubra, como já lhe aconselhei. Em outras palavras, deixe que ele saiba que você é
bem diferente do que aparenta ser...
— Diferente?
— Você é, Liz. A fachada que mostra ao mundo não é realmente a sua. Você
esconde as qualidades que, como sabe, atrairiam um homem, e é por isso que nunca
esteve interessada em se casar, pois nunca desejou revelar como é por dentro. Mas
você se sente atraída por Nigel e não adianta negar, que não acreditarei em você.
Estranhamente Liz não protestou, pois afinal estava admitindo a verdade.
Aceitava os fatos em vez de negá-los, em vez de recusar-se a admitir o significado
daquelas emoções que despertavam dentro dela desde aquele dia, quando Nigel a levou
ao santuário. Sim, estava interessada em Nigel. Mas por nada deste mundo admitiria
isto para Grace. A amiga, graças a seu tato e compreensão, resolveu não insistir no as-
sunto, lembrando Liz que deveriam descer para o jantar.
— Você conhece Daniel, Liz? — A sra. Lunn olhou para o jovem rapaz que
também fora convidado para jantar.
Liz estendeu-lhe a mão. Daniel tinha sido um de seus admiradores em outros
tempos, mas, como os outros, decidiu fugir do gênio temperamental de Liz. Esse fato,
porém, não o impediu de ser amável com ela durante todo o jantar. Depois, quando
estavam sentados um pouco afastados dos outros, ele lhe perguntou, divertido:
— Como se adaptou ao casamento? Nunca pensei que se apaixonasse.
— Mulheres são imprevisíveis — respondeu, recordando-se das perguntas de
Grace e das conclusões a que chegara sobre Nigel. — Mas os homens também o são —
verbalizou Liz, para sua própria surpresa.
— Seu marido deve ser corajoso — brincou Daniel.
— Corajoso como você, Daniel!
— Ele é grego, e os gregos são notoriamente conhecidos por manter suas
mulheres sob seu domínio, mas eu não consigo imaginá-la desta forma.
— Nem eu — disse ela, prontamente.
— Bem — suspirou Daniel —, então um de vocês deve estar recuando.
Um débil sorriso surgiu nos lábios de Liz.
— Está tentando conseguir informações, Daniel, e perdendo seu tempo. Não
discuto meu casamento com outros homens.
— Está certo. Só achei que podia ser interessante saber alguma coisa. Tem
havido muita conversa sobre isso, como você pode imaginar.
— Será que sou tão importante?
— Sua ferocidade é bastante conhecida, e você sabe disso muito bem.
Liz olhou para Grace, que estava sentada no sofá com Ray. A classe dos dois era
a mesma, ela pensou, nunca um tentaria dominar o outro. Ela e Nigel também
pertenciam a uma mesma espécie, mas mesmo que se apaixonasse não sentia que o
casamento pudesse dar certo. Ambos tinham temperamento forte, nenhum dos dois
recuaria, como Daniel observara, e assim não havia a menor possibilidade de sucesso.
— Quando voltará à Grécia? — perguntou-lhe Daniel.
— Daqui a uma semana; vim para ficar quinze dias. — Poderia ficar o tempo que
quisesse, tinha decidido isso, mas cinco minutos antes do táxi chegar para levá-la ao
aeroporto, Nigel tinha dito:
— Não se esqueça, quinze dias e nada mais.
Suas palavras foram tão arrogantes e autoritárias, que fizeram Liz responder-
lhe sem saber se queria realmente dizer o que disse.
— Ficarei fora um mês, se isso me convier!
— Não penso assim. Se não voltar dentro de quinze dias eu próprio irei buscá-la,
e — acrescentou em tom de advertência —, se me causar este aborrecimento, você se
lastimará por muito tempo!
— Você não pode me obrigar a voltar!
— Não — admitiu Nigel, zangado e levemente zombeteiro.— É verdade, mas
estou certo de que voltará mais dócil.
— E então, rindo ante a expressão dela, disse-lhe: — Aproveite bastante,
querida, e dê lembranças minhas à escola de surdos-mudos. — E enviou-lhe um beijo
enquanto o táxi fazia a curva e desaparecia.
Ele sabia que Liz voltaria no tempo estipulado, e ela também. Se ao menos
pudesse ser mais gentil, pensou, quem sabe poderiam se dar melhor. Mas docilidade
significava fraqueza e, quando um homem percebia qualquer manifestação de fraqueza
na esposa, começava automaticamente a submetê-la. Não, não era essa vida que
sonhava. Nenhum homem, nem mesmo um com a força de caráter de Nigel, faria com
que ela se sujeitasse a seu domínio.
— Que tal este país enfadonho comparado com a Grécia?
— perguntou Daniel e Liz então respondeu-lhe:
— Sinto falta do sol, da paisagem. Delfos é um lugar maravilhoso! — exclamou
entusiasmada e Daniel sorriu.
— Gostaria de passar uns tempos por lá. Poderia hospedar-me em sua casa?
Ela olhou-o, pensando em Nigel, pois não podia vê-lo concordando em hospedar
Daniel em sua casa. Mas será que ela não tinha o direito de receber um amigo da
Inglaterra? Então, com ar de superioridade e independência, concordou em receber
Daniel.
— Quando irá? — quis saber.
— Tirarei férias no mês que vem. Adorarei ir, pois você e seu marido poderiam
me mostrar tantas coisas, e isso vai ser muito melhor do que ficar sozinho. Toda a cor
local de um país se perde quando se viaja como turista.
Ela recostou-se no sofá. O sr. e a sra. Lunn conversavam, e Grace e Ray
também. Liz suspirou profundamente. Estava entediada e ainda não sabia por quê. O
ambiente e a companhia eram agradáveis. Por que então se sentia tão aborrecida? A
pergunta era inútil, pois Liz já sabia a resposta. Sabia que o que desejava era a
companhia de Nigel. Estranho que essa dedução lhe trouxesse suavidade às feições,
uma espécie de ternura, nunca antes vista em seu rosto.
Poderia Nigel ter-se casado com ela por amor, como Grace insinuara? Então
vários fatos afluíram à mente de Liz: Nigel dizendo que Spiros não sabia o que estava
dizendo, aqueles avisos quando Nigel pediu a Liz que tentasse adivinhar a verdade...
Mas se realmente ele a amava, poderiam ser felizes? O relacionamento que tinham não
era normal, mas Liz se convenceu de que uma noite era somente o começo, e não o fim.
— Posso levá-la para casa? — perguntou-lhe Daniel, mais tarde, quando ele e Ray
se preparavam para sair.
— Obrigada, mas meu chofer virá me apanhar às onze.
— Então vou anotar seu endereço e escrever a você confirmando a data de
minha visita. — Liz não teve outra alternativa a não ser dar-lhe o endereço, mas em
silêncio pediu a Deus que ele mudasse de ideia. — Obrigado. Logo estarei com vocês —
disse Daniel sorrindo e despediu-se.
No caminho de volta Liz criticava a si mesma por ter sido tão impulsiva em
convidá-lo e sentiu uma forte suspeita de que Daniel não desistiria da visita. Mas
agora o mal estava feito e não ganharia nada preocupando-se com aquilo.

CAPÍTULO VII

Para surpresa de Liz, Nigel estava no aeroporto, esperando-a, quando o avião


aterrissou. A sensação de prazer que sentiu ao vê-lo foi, é claro, disfarçada por ela,
mas quando enrubesceu, Nigel percebeu e seus olhos cintilaram, divertidos.
— Como estão todos em casa? — perguntou Nigel afavelmente enquanto saíam
do aeroporto. — Com saúde, espero.
— Minha avó não está bem, — respondeu Liz tristemente. — Mas já era de se
esperar. Ela levou um tombo e tivemos que chamar o médico.
— E o que ele disse?
— Que seu coração está fraquinho. Tenho medo que não dure muito, tempo. —
Outra vez a tristeza invadiu sua voz e Liz curvou a cabeça.
— Você se preocupa muito com ela, não?
— Pessoas idosas me preocupam, especialmente ela. Sempre nos demos tão
bem...
Após uma pequena pausa, Nigel disse:
— Bem, Liz, você cumpriu seu dever para com eles todos. Não teriam um lar se
não fosse você. — Ela não disse nada e Nigel prosseguiu: — Ainda considera aquele ato
como sacrifício? — Suas palavras não escondiam a zombaria e, embora ela tentasse
ser amigável e calma, surpreendeu-se tentando dizer algo que o ferisse. Por que ele
não poderia ser um pouco mais flexível e despretensioso? Aquele pensamento fê-la
sorrir. Nigel não entenderia o significado dessa palavra.
— Você mesmo não parece estar perturbado pelo meu sacrifício, como você o
chama.
— Por que estaria? Você tomou a decisão, sabendo de suas complicações.
— Sabendo de suas implicações — repetiu Liz.
— Não, é claro que não, não é? Tudo seria tão bonito e platónico, e teria sido
realmente, Liz, se você não tivesse me atormentado tanto.
— Importaria se mudássemos de assunto? — disse ela. — Estou quase
arrependida de não ter permanecido em casa por mais tempo!
— Imagino... — Nigel mudou a marcha. — Conte-me sobre sua visita. O que fez
durante todo o tempo? — Ele sorria quando lhe perguntou.
— Saí várias vezes com amigos, mas a maior parte do tempo fiquei em casa.
Tenho o pressentimento de que nunca mais verei minha avó novamente.
— Você sentiu saudade minha? — perguntou, após um momento de silêncio.
A pomposidade daquele homem! Como conseguiria mostrar-se mais amistosa? Ela
tinha ido longe demais ao considerar a possibilidade de tentar fazer de seu casamento
um sucesso. Deveria estar louca.
— Não senti coisa alguma! Foi maravilhoso ficar longe de você por uns tempos.
— Obrigado — disse ele, laconicamente. — Eu poderia não ter me incomodado
em vir buscá-la.
— Se minha companhia o aborrece, há um remédio. Pare e me deixe onde quiser.
Há muitos táxis disponíveis.
Ele respirou profundamente.
— Seja mais delicada, Liz, pois posso realmente fazer isso. — Ele se calou e,
aumentando a velocidade, ultrapassou um caminhão.
— Que proveito tira você destas discussões? — perguntou Liz friamente, sua
paciência atingindo o limite.
— Algum — concordou, bem-humorado. — Veja, nunca encontrei uma mulher
como você antes. Você é simplesmente excepcional. É claro, se não fosse, você já teria
se casado muito antes de eu tê-la encontrado.
— O que quer dizer exatamente com estas palavras?
— Que você era terrivelmente geniosa para o gosto local, um desafio que
ninguém ousou enfrentar.
— Então você surgiu. —A curiosidade tomou conta da voz dela.
— Eu me senti capaz de domesticá-la. — Ele virou bruscamente a direção para
evitar um ciclista que surgira na estrada.
— Você precisa se dar conta de quão pomposo você é. Não é difícil perceber por
que não se casou antes de encontrar-me!
Ele sorriu.
— Eu poderia tê-lo feito — comentou maldosamente. — Embora você não
acredite nunca nisto.
— Sim, acredito. De fato, retiro o que disse. Greta deve ter-se desencaminhado
para consegui-lo. Sempre imagino por que você não se casou com ela.
— Ela não era excepcional, Liz, por isso não me casei com ela.
— Esta é a única razão? — Liz voltou sua cabeça e olhou-o.
— Que outra razão poderia existir?
— Dizem que um grego nunca se casa com sua amante. Nigel refletiu sobre suas
palavras.
— Se você tivesse sido minha amante, certamente teria me casado com você —
replicou divertido.
Os olhos dela estreitaram-se. Então a razão pela qual se casara com ela tinha
sido desejo, ou assim parecia ser. Com um sorriso irónico recordou-se das palavras de
Grace, quando disse que Nigel possivelmente se casara por amor.
— Devo tomar isto como um elogio? — perguntou ela com sarcasmo.
— Foi um elogio, minha querida, e você sabe disto. Liz corou, mas respondeu:
— Então eu o atraio de algum modo?
Nigel esperou um momento e em tom de zombaria perguntou:
— Você ia dizer "de um certo modo", não ia?
— Muito bem — replicou. — Vamos falar abertamente: eu excito seus baixos
instintos, não é verdade?
Ele ficou carrancudo e, ligeiramente irritado, protestou:
— Como você é indelicada! Que termos! Nunca considerei os instintos naturais
como baixos. — Ela voltou-se bruscamente e passou a contemplar a paisagem. Nigel
simplesmente sorriu com sua atitude e continuou, zombeteiro: — Imagino o que você
diria se eu negasse que você me atrai... de um certo modo?
Ela prendeu a respiração, furiosa.
— Mais uma vez, vamos mudar de assunto?
— Você o trouxe à tona — ele lembrou. Liz suspirou.
— Talvez seja melhor eu tomar um táxi. Pare o carro, vou descer aqui.
Nigel porém aumentou a velocidade e dirigiu por quilómetros sem proferir
palavra. Ao se aproximarem do café onde Nigel parara quando se casaram, perguntou
se Liz desejava tomar algo.
Desta vez ela aceitou sabiamente.
— Sim, por favor.
Um ou dois fregueses ocupavam as mesas. O café estava silencioso e calmo. Liz
e Nigel sentaram-se sob uma frondosa árvore para tomar água gelada e café.
— Desculpe-me, Liz — disse subitamente. — Não sei por quê, mas não posso
deixar de provocá-la.
— Provocar-me? — Ela levantou as sobrancelhas, mas sorriu também. Nigel
então respondeu:
— Que nome você daria para isso, então? — Era amável seu interesse.
— Escarnecer, desafiar, irritar.
— Vamos fazer uma trégua, só por hoje? — Olhou-a demoradamente. — Senti
falta de você, Liz, e estou disposto a admiti-lo. Minha vida antes de conhecê-la foi
extremamente desinteressante.
Os olhos dela abriram-se surpresos. Nigel nunca falara daquele jeito, sem o
menor sinal de orgulho, e Liz sentiu que ela própria poderia fazer algumas pequenas
concessões, embora sentisse muito mais dificuldade que ele. Diante de seu silêncio,
Nigel falou, um pouco impaciente:
— Deixe cair a máscara pelo menos uma vez, Liz. Deixe-me ver como você é de
verdade.
— Não sei de que está falando.
— Seja honesta. Você sabe muito bem a que estou me referindo. Você tem duas
personalidades. Por que persiste em esconder uma delas, eu não sei.
As mesmas palavras de Grace. Liz enrubesceu.
— Não sou nenhuma moleirona, se é o que está esperando.
— É claro que não. Uma mulher moleirona me entediaria! Que divertimento há no
domínio sem luta? Um homem não vale o pão que come se não enfrenta a resistência.
Ela teve que sorrir.
— Se sou excepcional, então você também é.
— Somos da mesma espécie, Liz — murmurou ele, observando-a, acrescentou: —
Devemos lutar até o fim ou você vai me mostrar o outro lado?
— Então o outro lado, como você o chama, é o lado fraco? — desafiou-o, com um
brilho nos olhos.
— Nem tanto. Você está admitindo que feminilidade e fraqueza são sinónimos, o
que é ridículo, simplesmente porque feminilidade é natural, e fraqueza não é. Uma
mulher pode ser natural sem ser fraca. É lógico, não concorda?
Liz riu de novo.
— Está tentando criar-me dificuldades, Nigel?— Seus olhos percorreram o
rosto dele e algo dentro de si pareceu ameaçá-la, empurrando-a de tal modo que punha
em risco seu equilíbrio. Ele era bonito, sem dúvida alguma! E era difícil permanecer
imune a seus atrativos como homem, especialmente com suas emoções recém-
descobertas chamando pela liberdade de crescer e se expandir.
Nigel olhou-a ironicamente.
— Você não cederá um palmo, não é?
Por que não conseguia corresponder à sua abordagem, tão encantadora, tão sem
antagonismo? O que ela desejava não podia ser negado e um sorriso de
arrependimento aflorou a seus lábios.
— Suponha que eu ceda um palmo. Em que espécie de situação eu me
encontraria?
— A mais feliz — respondeu ele sem a menor hesitação e Liz levou um susto.
Seus lábios pareciam convidar a um beijo.
— O que está me dizendo, Nigel?
Ele abriu a boca, mas não disse nada. Liz então percebeu que nunca saberia o
que ele ia dizer, pois num rápido olhar deixou claro que mudara de ideia.
— Talvez esteja tentando lhe dizer que devíamos procurar um jeito mais ameno
de continuarmos juntos. — Seu rosto moreno e sério estava firme e duro.
Notando essa mudança de humor, Liz buscava uma explicação. Nigel quase tinha
declarado seu amor, mas então retrocedeu. Liz o estudou, com os nervos alertas e na
defensiva.
Nigel encarou-a e um meio sorriso aflorou-lhe aos lábios. Será que adivinhara
seus pensamentos?, imaginou Liz, baixando as pálpebras. Nunca contaria ao marido
como se sentia agora, a não ser que ele mesmo demonstrasse alguma fraqueza ou
revelasse de algum modo sua intenção de considerá-la como a um igual.
Alguém tinha colocado um disco e o homem da mesa ao lado levantou-se e
começou a dançar. Isso ocorria regularmente, mesmo se não houvesse turistas. Os
gregos dançam pela simples alegria de viver e seu vigor é inacreditável. Pulavam,
rodopiavam, saltavam, colocando toda sua vitalidade em qualquer dança.
Mas para Liz aqueles dançarinos ainda eram novidade e, enquanto seguia seus
incríveis movimentos, os olhos de Nigel devoravam seu rosto, percebendo cada
mudança em sua expressão. Por fim suspirou, fazendo-a virar a cabeça. Os olhos dele
tornaram-se irónicos e luminosos e ele disse, meio ríspido:
— Está pronta? É hora de continuarmos nosso caminho.
Naquela noite, depois do jantar, quando estavam no terraço, uma estranha
quietude os envolveu e ficaram profundamente imersos em seus próprios pensamentos.
A noite estava clara e serena, o céu coberto de estrelas.
Aromas invadiam o ar parado e aqueles momentos silenciosos trouxeram a Liz
uma sensação de paz nunca antes sentida. No entanto aquela serenidade era
perturbadora, pois estava consciente da presença de Nigel e de sua inata força
máscula. Além disso parecia haver algum sutil intercâmbio de pensamentos, alguma
comunhão doce e íntima entre eles. Isso não podia passar despercebido a seus sen-
tidos cada vez mais vibrantes e vivos, diante da atração que o marido estava
exercendo sobre ela.
Nigel pareceu perceber seus sentimentos e olhou-a, suas feições suavemente
escondidas pelas sombras da árvore.
— Fale-me de seus pensamentos, Liz. — Suas palavras soaram persuasivas.
Entretanto, não era possível responder e ela balançou a cabeça. Então sorriu e
perguntou:
— Você gostaria de dar um passeio?
— Para você se salvar?
— Tal pensamento nunca me passou pela cabeça.
— Neste caso, minha querida, você está completamente cega diante do perigo.
— Perigo? — Olhou-o interrogativamente.
— Posso, meu bem, fazer amor com você aqui mesmo — disse com ar meio
divertido. — Isso me excita e você esteve fora quinze dias.
O semblante de Liz transformou-se. Deu-se conta de que quase tinha chegado a
entregar-se voluntariamente ao marido. No entanto, ele agora tinha estragado tudo,
fazendo com que seu ressentimento reaparecesse, além da firme determinação de
resistir a ele.
— Se pôde viver sem mim por quinze dias, então pode continuar assim — falou
bruscamente, ciente do desapontamento que Nigel provocara. Por que ele era tão
tremendamente cruel?
Ele então se levantou e esbarrou numa lanterna. A luz bateu em cheio no belo
rosto de Liz e Nigel olhou-a inflexível, mas cheio de paixão.
— Como você me entende pouco, Liz! Mas não vai poder resistir para sempre.
Não, não me interrompa. Não sou um tolo, sei perfeitamente que despertei o desejo
em você. Sei que, embora negue isso, realmente gostou de fazer amor comigo.
Os olhos dela brilharam intensamente. Por que não podia ser mais sutil? Mais
diplomático? Ele adorava provocá-la, era isso, e ela era tola o suficiente para permitir
que isso acontecesse. Se pudesse agir com fria indiferença, como várias vezes
prometera a si mesma, então talvez pudesse vencê-lo e assim Nigel desistiria de
insistir em sua zombaria.
— Que opinião você tem de si mesmo! — exclamou ela. — E por que fala em
darmos uma trégua, quando todo o tempo alimenta esse impulso de me provocar? — Liz
não desejava que seu desapontamento traísse sua voz, mas foi o que aconteceu. Nigel
sentiu-o e seu rosto tornou-se mais terno. Com um gesto persuasivo, procurou as mãos
dela.
— Será que sou um tolo? — murmurou quase para si mesmo. — Será que quebrei
algo em você sem perceber? — Os olhos dela brilharam mas, ignorando sua reação, ele
acrescentou com voz macia: — Pegue minha mão, Liz.
O momento era profundo, carregado de suspense, porque ela sabia que desejava
apenas entregar-se a ele. Mas, ignorando a mão que lhe era estendida, disse:
— Sou muito honesta para fingir submissão, Nigel. Sou o que sou: uma mulher
que não se permite aceitar a autoridade masculina.
Nigel agarrou então as mãos dela e em instantes a apertava, devorando seus
lábios, o corpo colado ao dela.
— Não faremos o passeio hoje, afinal de contas está muito tarde — disse Nigel.
— Vou caminhar, não importa o que você ache!
— Sozinha? — Nigel afastou-a dele.
— Não tenho medo do escuro — respondeu com decisão.
Nigel riu.
— Não tem medo de nada, não é? — Aguardou um tempo à espera dos
comentários dela. Liz, porém, livrou-se dele, furiosa porque sua boca estava
machucada e seu corpo tremia sob o peso de Nigel. — Pois eu posso lhe causar medo.
Será que isso a humilharia? Eu posso fazê-la sentir medo, Liz, por isso não tome esta
atitude. Já a avisei de que não sou paciente e que minha tolerância está praticamente
no fim. Cheguei ao ponto em que o instinto punitivo está começando a me dominar.
Tenho fortes ímpetos de quebrá-la, não importa como. — Sua expressão mudara. Nigel
parecia cruel. Apesar de tudo, Liz sentia uma sensação vibrante dentro de si! O
conhecimento disso serviu apenas para aumentar sua raiva. Tentou sair do terraço.
Nigel agarrou-lhe a cintura, impedindo-a de andar, e ela virou-se, com os olhos em
brasa.
— Deixe-me!
— Você é obstinada, Liz! — Sua voz soava divertida, mas suavemente perigosa.
— Você fala em provocação, minha querida, mas é você quem provoca. Você é um
desafio, e isso me deixa cada vez mais excitado. — Sua boca procurou a dela
novamente e Liz percebeu o fogo de sua paixão e lutou desesperadamente contra ela.
Logo a seguir, Nigel tomou-a nos braços; ela sentiu o coração dele pulsar rápido e a
respiração quente em seu rosto. E, sem o mínimo esforço, como se carregasse uma
boneca, Nigel levou-a para dentro do quarto...
Uma semana mais tarde, depois de ficar fora por três dias, Nigel informou Liz
que iriam a uma festa no iate de Dendras, ancorado no porto de Mandraki, em Rodhes.
— Durará três ou quatro dias — disse —, por isso creio que vá precisar de
algumas roupas.
Estavam na sala de estar tomando chá. Liz olhou-o, distante, procurando alguma
resposta que pudesse irritá-lo. Mas tudo o que disse foi:
— Não tenho vontade alguma de ir com você.
— Não posso ir só, Liz — respondeu mansamente.
— Então leve Greta. — As palavras saíram antes que pudesse impedir e Liz
baixou a cabeça para esconder sua expressão. Se ele levasse Greta, como iria se
sentir? Mas, claro, Nigel não levaria a outra, não ao iate de seus amigos.
Os olhos de Nigel se turvaram ante as palavras dela; sua expressão endureceu.
— Você virá comigo — disse ele, num tom perigoso. — E assim vamos pôr um
ponto final nessas recusas e ameaças infantis. Você agora já deve me conhecer
suficientemente bem para saber qual seria minha reação.
— Não pode arrastar-me para esse iate!
— Você voará para a ilha comigo. — O mesmo tom calmo, a mesma expressão
perigosa. Nigel parecia triunfante. Confiante em si mesmo e nela. E era verdade, pois,
ao afirmar com tanta certeza que Liz gostara de fazer amor com ele, sabia o que
estava dizendo. Ainda a forçava e, embora Liz se enfurecesse interiormente,
condenando sua própria inabilidade em resistir a ele, ao mesmo tempo admitia que a
vida sem Nigel não valeria a pena. Havia Nigel vencido simplesmente por se fazer
desejado por ela, como Liz, sem dúvida, era desejada por ele? A ideia fê-la
estremecer. Tentou afastá-lo do pensamento.
— Quando será a festa? — perguntou.
— Daqui a três semanas. Você terá muito tempo para se preparar.
Ela estava interessada, apesar de tudo.
— Seus amigos sempre oferecem festas em seus iates?
— Dendras, é o único que possui um iate e não teria se não fosse o dinheiro de
Nicoleta, sua mulher.
— Então os outros não são tão ricos? Ele sacudiu a cabeça.
— Você nunca pensou em comprar um iate? — perguntou, tentando descobrir a
quanto montava sua fortuna. Nigel sorriu-lhe, suas sobrancelhas arqueando-se num ar
de zombaria.
— Eu posso comprar um, se é o que está querendo saber... — Calou-se e Liz
corou. Logo em seguida, acrescentou suavemente: — E não necessito ajuda de minha
esposa. — Os olhos dela faiscaram; isso o fez sorrir. — Não, minha querida, eu sei que
não receberia qualquer ajuda de sua parte. Não é o que ia dizer?
Sua rápida percepção a irritou, fazendo-a dizer:
— Que esperto! De fato, onisciente!
Nigel reclinou-se, seus olhos sorrindo, sua leve jaqueta cinza contrastando
atrativamente com o brocado de seda italiana que cobria a cadeira.
— Não, querida — negou ele, com ligeiro sarcasmo. — Sempre soube o que
poderia esperar dos outros.
— E não desfrutou disso? — perguntou divertida e surpresa. Ele sacudiu a
cabeça e o sorriso desapareceu. Era tal a atração que emanava dele, que Liz sentiu a
excitação tomar conta de seu corpo.
— Não, nunca — foi sua resposta. — Sabe muito bem que não, Liz — disse
gentilmente. — Você é única para mim e eu soube disso desde o momento que a vi pela
primeira vez... Dois seres da mesma espécie, lembra-se do que eu lhe disse? — Estava
sorrindo para ela, como frequentemente o fazia.
— Que lástima que eu não tenha a capacidade de conhecer esses anseios, como
você os conhece — murmurou, apenas porque estava interessada em sua reação, e não
se arrependia do casamento. Nigel estava certo, eram os dois da mesma espécie e,
embora parecesse que passariam o resto de suas vidas brigando, deveriam permanecer
juntos. Liz não tinha dúvidas sobre isso, não agora que admitia ser seu desejo por
Nigel tão grande quanto o dele por ela.
— Quanto tempo perdido! Não, minha querida, não diga que você tem sido
sensata, pois isto não iria adiantar agora.
— Você devia ter continuado sua vida tão cheia de paz e tão organizada —
observou Liz.
Nigel franziu o cenho, pensativo.
— Cheia de paz e bem organizada... foi como a descrevi? — perguntou curioso e
ela concordou.
— Foram suas exatas palavras.
— Mas eu disse, mais recentemente, que minha vida tinha sido muito enfadonha
até você surgir. Esquisito como nos consideramos satisfeitos quando possuímos tudo o
que nos permite viver bem e confortavelmente. Então, repentinamente, algo acontece
e a estonteante verdade surge diante de nós: descobrimos que a vida é chata e sem
nenhum objetivo, afinal de contas. — Nigel pensava alto, falando mais consigo mesmo,
como se tivesse esquecido a presença de Liz.
— Sua vida não era chata e sem objetivo — comentou, interrompendo
deliberadamente seus pensamentos. Nigel olhou-a. — Você-tinha seu dinheiro, seus
amigos... e Greta — acrescentou Liz, impelida pela maliciosa e irritante força que
sentia existir dentro de si.
O olhar de Nigel tornou-se penetrante; sua própria respiração traduzia a
reprovação com que respondeu.
— Você é o que as mulheres poderiam chamar de vulgar, Liz. Por que não tenta
se controlar?
Ela ruborizou-se mas, estranhamente, não conseguiu agredi-lo.
— Não há necessidade de se tornar pessoal, Nigel. — E embora esboçasse um
leve protesto, descobriu, para seu desgosto, que se sentia dominada por ele. O que
este homem lhe tinha feito? Seria seu objetivo quebrantar-lhe o espírito?. Deveria
ficar alerta? Mas será que ele, Nigel, podia de fato vir a dominá-la nesse nível? Se o
fizesse seria manipulando os sentimentos que experimentava agora em relação a ele.
Liz percebeu que não se sentia ainda assim tão forte para evitar o domínio e a atração
que ele estava exercendo cada vez mais sobre ela.
— Você é que levou a discussão para o âmbito pessoal — lembrou-a, seus olhos
cintilando, quase vidrados. — Greta pertence ao passado. Você e eu temos que nos
preocupar somente com o presente e o futuro.
— Está certo de que ela pertence ao passado? — Liz sorriu levemente.
— Está com ciúme?
— Como você é vaidoso! Por que deveria sentir ciúme de sua amante?
— Minha ex-amante — corrigiu-a.
Liz estremeceu ao admitir que, mesmo assim, não tinha ilusões sobre o lugar que
Greta ocupara na vida de seu marido. E Greta não deveria ter sido a única, pois Nigel
não era diferente dos outros homens. Olhou para as mãos, sentindo-se infeliz e,
estranhamente, muito solitária. Tinham terminado de tomar chá e ela levantou-se.
— Vou me sentar lá fora e ler um pouco — disse. Com inesperada percepção,
Nigel seguiu-a, tomando suas mãos entre as dele.
— Greta pertence ao passado, Liz — repetiu suavemente e, levantando seu
rosto, beijou-a com ternura.

CAPÍTULO VIII

Para desgosto de Liz, Daniel confirmou que viria passar os quinze dias com eles.
Deixaria a Inglaterra em poucos dias, passaria por Veneza e depois iria juntar-se a
eles.
Liz ficou aborrecida consigo mesma. Num súbito desafio tinha dito a Daniel para
vir e hospedar-se em sua casa. Pensara, na ocasião, que Nigel certamente não estaria
em casa, mas agora sabia que, de agora em diante, seu marido ficaria ausente só
quando fosse absolutamente necessário. Bem, ele teria que saber a verdade, quanto
mais cedo soubesse seria melhor. Assim, se dirigiu para o escritório.
Ele estava absorvido em seu trabalho, examinando alguns papéis na
escrivaninha, mas sorriu ao vê-la entrar e ofereceu-lhe uma cadeira.
— O que há, Liz?
Como começar? Liz blasfemou contra si mesma pelo seu ato de desafio.
— Quando estive na Inglaterra, convidei um amigo para passar uns dias aqui —
principiou ela, mas se calou ao notar a expressão do marido.
— Não mencionou isso antes. Quando chegará? Liz tossiu para limpar a
garganta.
— É Daniel Westcliffe, um velho amigo. Um pequeno silêncio; Nigel olhava-a
sombrio.
— Amigo ou antiga paixão? — perguntou finalmente. A raiva tomou conta dela.
— É apenas meu amigo e convidei-o para ficar aqui. Espero que não faça
objeções!
Seguiu-se outro silêncio. Nigel não escondia sua irritação.
— E se eu fizer? — perguntou gentilmente.
— Será pior, porque não há meios de mandá-lo embora. Passará por Veneza
antes de vir para cá. Recebi sua carta há poucos minutos.
— Você o mandaria embora? — Nigel olhava-a estranhamente.
— Não — ela respondeu prontamente e os olhos de Nigel se turvaram. — Eu o
convidei e estou esperando sua visita.
— Quando chegará?
— Na terça.
— Quanto tempo vai ficar?
— Uns quinze dias...
— Quinze dias? Esqueceu-se que daqui a quinze dias teremos que sair daqui?
— Daniel irá embora um dia antes.
Nigel olhou-a, seus olhos frios como aço, sua boca curvada numa linha inflexível
que incomodava Liz, embora estivesse determinada a aguentar as consequências.
— Por que nunca falou sobre ele? — perguntou, deixando cair a caneta sobre a
escrivaninha e reclinando-se na cadeira. — Que ideia é essa de me lançar isso assim na
última hora?
— Não lancei nada em você... — ela interrompeu-se quando Nigel arqueou as
sobrancelhas, mas como não fez comentário algum, ela continuou. — Pensei que Daniel
não viesse. Muitas vezes as pessoas dizem certas coisas mas não estão certas de
cumpri-las.
— Mas se você convidou alguém e ele aceitou, e isso me parece óbvio, é de se
esperar que venha. Está certa de que não pode mandá-lo de volta? — perguntou Nigel,
com suspeita.
Quando ia dizer que uma carta não poderia chegar a tempo, Liz se conteve. Tal
gesto iria fazê-la admitir que tinha se arrependido do convite feito e que não estava
interessada na vinda de Daniel.
— Não quero deixar de recebê-lo. Estou esperando por ele. Nigel suspirou
profundamente e disse:
— Claro que você tem todo o direito de convidar seus amigos, pois esta casa
também é sua. — Liz ficou surpresa com suas palavras, pois pensava que ele ainda
estivesse furioso. — Entretanto, ele não poderá ficar os quinze dias — concluiu Nigel.
— Não posso mandá-lo para um hotel!
— Ele não vai ficar aqui até a hora de nossa partida. Você explicará tudo e seu
amigo entenderá.
Liz sacudiu a cabeça com determinação.
— Ele ficará aqui — afirmou obstinadamente. — Seria o cúmulo da falta de
educação convidá-lo como fiz e depois mandá-lo para um hotel.
— Será por dez dias apenas. — O tom era brando, mas inflexível.
Liz suspirou irada e disse:
— Não há necessidade disto tudo. Não vejo razão para esta atitude.
— Você precisará de tempo para cuidar-se. Terá compras a fazer, cabeleireiro...
— Ele sacudiu a cabeça. — Não, Liz, seu amigo pode ficar dez dias e isto é tudo. —
Nigel pegou sua caneta e disse: — Agora, se permite, tenho que trabalhar.
Seu modo autoritário e a maneira de pegar a caneta irritaram Liz, que se
levantou e caminhou em direção à porta.
— Ele ficará quinze dias — insistiu Liz e teria deixado a sala se Nigel não se
levantasse rápido, agarrando-a pelo braço e fazendo-a rodopiar antes que chegasse à
porta.
— Se você não tomar cuidado — gritou Nigel —, esse Daniel não passará da
porta! Considere-se afortunada por eu ter concordado com sua vinda e deixa as coisas
desse modo. — Seu rosto estava sombrio e duro como se esculpido em granito. — Não
tente, Liz, levar minha paciência longe demais.
— Se você está me ameaçando com violência... — ela começou, mas Nigel
sacudiu-a, cortando-lhe a palavra.
— Não há a menor dúvida quanto a isso. Já prometi uma vez lhe dar umas
bofetadas e, por Deus, terá sorte se conseguir escapar delas! Aceite meus avisos, Liz,
ou sentirá minha força de uma maneira bem diferente da que está acostumada. — Ele
a afastou, notando seu rosto pálido e o movimento convulsivo de seus lábios. — Raiva
ou medo? — perguntou, levemente divertido. — Provavelmente não notou, mas está
lívida como um fantasma.
Além disso ela tremia interiormente, mas não o deixou perceber. Com um
desafio final, levantou o queixo e. gritou:
— Se você me encostar um dedo, eu procurarei proteção!
Para sua surpresa, ele sorriu e disse:
— De quem, posso saber?
— Da polícia.
Outra risada.
— Tão confiante! Minha querida, você está na Grécia. A polícia não se incomoda
com brigas domésticas. Se um homem quer bater em sua mulher, pode fazê-lo, e
ninguém interfere. Então fique avisada e observe bem o que vai fazer. — Com um
pequeno empurrão fê-la sair porta afora. Fechou-a, deixando Liz de pé do lado de
fora, dominada pela raiva. Se ao menos pudesse revidar! Teria algum efeito? Mas
qualquer tentativa sua seria inútil! De repente, lembrou-se de Daniel... Ela poderia
humilhar Nigel flertando com seu amigo... Isso baixaria a crista desse homem domi-
nador e insolente!
Daniel chegou pontualmente dois dias depois e foi apresentado a Nigel, que o
tratou cortes e polidamente, como Liz imaginara. Nem cordialidades nem sorrisos, mas
isso não a surpreendera. Entretanto, suas maneiras foram notadas pelo visitante que,
mais tarde, achando-se a sós com Liz, comentou sobre a falta de entusiasmo de Nigel,
dizendo:
— Não se importou com a minha visita? Quero dizer, ele não é ciumento, não é?
Ela sacudiu o cabeça, mas sentiu que seria muito interessante saber como Nigel
reagiria a seu flerte com Daniel,
— Não, ele não é ciumento. E como reparou, não é um tipo extrovertido, Daniel,
por isso terá que aceitá-lo como é. É bastante sociável, mas aquele alheamento o
acompanha o tempo todo. Faz parte de sua personalidade.
Daniel sacudiu os ombros. Estavam no jardim, sentados nas espreguiçadeiras, e
Nigel no escritório, para onde se dirigira poucos momentos depois da chegada de
Daniel.
— Você está levando um tipo de vida completamente diferente — comentou
Daniel, olhando com curiosidade para Liz. — Não acha calma demais?
Ela olhou ao redor e depois para o jardim, onde se misturavam as mais variadas
plantas. A paisagem era forte demais, as montanhas, o santuário de Apolo, as oliveiras,
tudo enfim que a cercava, sob aquele céu cor de safira. Liz então sacudiu a cabeça. A
paz reinava naquelas montanhas e o silêncio era extremo e profundo. Onde nos dias de
hoje alguém poderia encontrar tal isolamento? Não se via quase ninguém, pois o verão
terminara e durante o inverno os turistas desapareciam.
— Sim, é quieto e sossegado — respondeu Liz. — Mas gosto disso. Pode-se
sentir aqui outra espécie de prazer, ao invés de tantas festas e visitas.
— Se bem me lembro, você nunca gostou muito dessas coisas — lembrou Daniel.
— Mas por outro lado não precisa exagerar a ponto de se enterrar aqui, como parece
estar acontecendo.
Ela recostou-se, colocando as mãos atrás da cabeça.
— Não estou exatamente me enterrando, Daniel. Por exemplo, daqui a duas
semanas Nígel e eu iremos a Rhodes, onde passaremos uns dias num iate de um seu
amigo.
— Daqui a quinze dias? — perguntou Daniel.
— Iremos um dia após sua partida, assim tudo estará bem — assegurou-lhe. Se
Nigel tivesse adotado uma atitude mais tolerante, talvez ela explicasse o ocorrido a
Daniel, mas agora não tinha intenções de fazê-lo, embora se preocupasse por lhe
restar pouco tempo para se preparar enquanto tivesse hóspede em casa. Dificilmente
poderia deixar Daniel sozinho, pois Nigel por certo não o entreteria.
— Está certo, Liz. — Daniel parecia um tanto ansioso, — Posso partir uns dias
mais cedo. Não me importo, pois seria uma oportunidade para conhecer Atenas.
Ela hesitou. O problema poderia ser resolvido se aceitasse a proposta de Daniel;
entretanto, se isto acontecesse, Nigel concluiria que ela se rendera humildemente a
suas ordens. Isso Liz não podia suportar.
— Fique os quinze dias — insistiu. — Não vejo inconveniente algum.

Durante o jantar, Nigel mostrou-se frio e cortês, como as boas maneiras


exigiam, mas mais tarde, quando veio até o quarto de Liz, tocou no assunto:
— Disse-lhe que não seria conveniente ele permanecer aqui os quinze dias?
Nigel estava de pijama e Liz de camisola. Ela sentara-se no toucador, escovando
os cabelos enquanto Nigel a observava perto da janela.
— Não lhe disse nada sobre isso. — Ela voltou-se ao falar, interessada na
reação dele. A brevidade de sua resposta e a rápida determinação trouxe um brilho a
seus olhos, como Liz esperava que acontecesse.
— A gente resolve isso, Liz — foi sua resposta. —- Você está sendo
deliberadamente teimosa; sabe que vai precisar de algum tempo, dois dias no mínimo, a
fim de se preparar para a festa.
— Eu o farei enquanto Daniel estiver aqui. Ele não se importará se eu o deixar
por um dia.
Nigel levantou-se e aproximou-se dela. Parecia duro e inflexível e Liz sentiu um
frio correr-lhe a espinha.
— Você não me deixa outra alternativa a não ser falar diretamente com ele e
pedir-lhe que se vá. Espero que entenda, quando eu expuser o problema. — Nigel
estava visivelmente irritado.
— Ele é meu convidado, por isso você não pode agir assim. Não seria direito
pedir a Daniel que se fosse.
Nigel enfureceu-se. Estava perto dela e Liz sentiu seus nervos à flor da pele.
Em poucos momentos, pensou, ele a tomaria nos braços, a sacudiria, machucaria sua
boca ou daria outra demonstração de seu poder de domínio. Que vida! Mesmo assim Liz
sabia que não queria mudar, mesmo se pudesse. Algo a impelia para Nigel, algo forte e
duradouro, e estranhamente havia uma aura de romance no relacionamento, apesar de
tantas discussões, pois ele continuava o amante perfeito, terno, gentil e persuasivo.
Com um olhar expressivo ela observou-o através do espelho, quase sem
respiração e ansiosa, pois por alguma inacreditável razão sentia-se dócil e receptiva...
e muito feminina. E parecia realmente, vestida com sua camisola branca transparente,
seus cabelos dourados caindo em cascata sobre os ombros nus. Daniel e qualquer
discussão a respeito foram esquecidos; somente ela e Nigel existiam. Através da
janela sons noturnos e perfumes exóticos penetravam juntos com a brisa. Tudo
convidava ao romance. Os olhos de Liz cintilaram e ela sorriu para seu marido; seus
lábios abriram-se, suas mãos trémulas alisaram os cabelos de Nigel... Ela ouviu a
respiração de Nigel tornar-se mais profunda; sua excitação cresceu e ela virou-se e
encarou-o. O olhar dele encontrou o dela e seguiu perambulando por seu pescoço e
costas. E então, confusa, ela notou os olhos dele iluminarem-se estranhamente, como
se por uma ideia secreta.
— Falaremos sobre isso de manhã. — Seu rosto transformou-se em uma
máscara de mais puro tédio e, embora Liz sentisse algo estranho, estava totalmente
despreparada para o que se seguiu. — Estou cansado e tenho certeza que você também
está, assim desejo-lhe boa noite. Durma bem.
Liz assustou-se. Teria ele dito tais palavras? Podia realmente deixá-la? Esta
revelação teve o efeito de um choque.
— Boa-noite. — Qualquer coisa amarga e dura desceu por sua garganta. Nunca
antes um desapontamento a atingira daquele modo. Pegou a escova que permaneceu
imóvel em suas mãos; seus lábios estavam entreabertos. Voltou a si quando disse: —
Está certo. Estou cansada. — Sua voz estava trémula e fraca.
Nigel ficou de pé abruptamente, como se tivesse sido pressionado a
movimentar-se. Tocou sua testa com os lábios. Os olhos de Liz encontraram-se com os
dele, mas ele simplesmente se endireitou e saiu. Ela jurou que por nada deste mundo
deixaria que Nigel percebesse sua expressão. Minutos mais tarde, Liz ainda
permanecia de pé diante da porta fechada, surpreendida ao descobrir que seus olhos
estavam cobertos de lágrimas.
Cumprindo sua ameaça, Nigel conversou com Daniel sobre a duração de sua
permanência. Liz estava ausente em seu quarto e quando desceu os dois estavam
sentados no pátio. Era evidente que, pelas palavras que ouvira quando se aproximava,
Daniel concordara em partir dois dias antes do estipulado. Liz dirigiu ao marido um
olhar firme, mas Nigel retribuiu-lhe o olhar com indiferença e continuou a conversar
com o hóspede. Liz sentou-se, cruzando as pernas.
A atenção de Nigel desviou-se de Daniel por instantes enquanto seus olhos
vagueavam.
Liz sentiu vontade de matá-lo; ele parecia um homem que estava sempre
aguardando o resultado de seu sucesso. Como era difícil entendê-lo! Liz realmente
desejou poder decifrá-lo. Que criatura mais provocante, mais indómita! Ela odiava
aquele sorriso que naquela manhã parecia mais irónico do que nunca, e os olhos que
transbordavam uma enorme satisfação.
— Nigel estava dizendo que não é conveniente eu permanecer aqui os quinze
dias — disse-lhe Daniel e Liz notou que ficara satisfeito, pois isso lhe daria a
oportunidade de permanecer dois dias em Atenas. Suas próximas palavras
confirmaram o fato: — Seria um absurdo ter vindo até a Grécia e voltar sem visitar
Atenas. Partirei na terça, em vez de quinta-feira.
Ao olhar Nigel, Liz percebeu novamente o ar de irónico triunfo em sua
expressão e conservou-se calada. Não poderia obviamente discutir na frente de
Daniel, embora estivesse mais do que nunca determinada a humilhar Nigel, flertando
com Daniel.

Durante vários dias Nigel pareceu não notar e Liz ficou imaginando por que
assumira tal indiferença. Era simplesmente impossível saber o que se passava dentro
de sua cabeça, pois possuía habilidade suficiente para disfarçar qualquer sentimento.
Durante todas estas noites ele permaneceu em seu próprio quarto. Isso
encolerizou e feriu Liz profundamente. Talvez não mais a desejasse, pensou,
continuando a flertar com Daniel, à espera da reação de Nigel, que permaneceu alheio
a tudo, entediado e nem um pouco enciumado. Então, uma semana após a chegada de
Daniel, Nigel anunciou que iria a Atenas por uns dias.
— Greta estará lá? — perguntou ela, ressentida com sua determinação em
permanecer no próprio quarto e também pela indiferença a seu flerte com Daniel.
— De fato ela estará lá — replicou Nigel. Estavam a sós no terraço, pois Daniel
fora sozinho visitar o santuário.
— Irão se encontrar? — a pergunta escapou-lhe, embora não tivesse intenções
de fazê-la.
— Sem a menor dúvida. — Lançou-lhe um olhar zombeteiro, cheio de ironia. Os
olhos de Liz brilharam furiosos. Estava prestes a romper em lágrimas e Nigel não
podia perceber, embora seu olhar estivesse extremamente estranho enquanto
esperava por sua resposta.
— Espero que se divirtam... — disse ela e baixou a voz ao acrescentar, com
firme convicção: — Como me divertirei com Daniel.
Labaredas pareciam brotar dos olhos dele e, apesar da bravata, Liz sentiu seu
pulso bater acelerado. Um desses dias passaria dos limites, estava certa. Mas Nigel
realmente a atormentava! Os olhos dele piscaram enquanto ela o observava e ele falou
arrastadamente:
— Está na moda hoje em dia casais trocarem de pares. É tão inteligente, não
concorda? Elimina a possibilidade de tédio. Cada um retorna para o seu par renovado
pela experiência... — ele parou, sorrindo ante a expressão explosiva dela. — O que há
de errado? perguntou, ainda divertido. — A prática é agradável a você... a julgar pelo
que disse.
O tom de sua voz fora suficientemente claro para Liz adivinhar imediatamente
que Nigel confiava nela irrestritamente. Estava somente se divertindo, sabendo muito
bem que não tinha intenções de envolver-se num sórdido caso com Daniel. Não tinha
dito certa vez que nunca séria amante de um homem? E não tinha Nigel declarado
enfaticamente que confiava nela? Assim sua velada ameaça em ter um caso com Daniel
tinha inevitavelmente falhado e Nigel não fora tocado por isso desde o primeiro
momento. Ela mesma é que fora afetada, pois Nigel colocara os pratos na mesa,
embora ela própria tivesse tocado no nome de Greta. Liz olhou para ele. Seus olhos
naquele momento tinham perdido a dureza e um ar de enfado tomava conta deles.
Bocejou e isso parece tê-la provocado.
— Se você está tão entediado, por que permanece a meu lado?
Depois de breve pausa, Nigel, num tom gélido, respondeu:
— Você pode pertencer à aristocracia britânica, Liz, mas suas maneiras deixam
muito a desejar.
Liz enrubesceu. Fora grosseira e teria que desculpar-se, admitiu, mas se sentiu
ferida, tão ferida que não conseguiu. Como podia Nigel encontrar-se com Greta, depois
de tudo o que houvera entre os dois? Liz não podia acreditar nisso. Mesmo de um
grego. Desviou seus pensamentos, pensando na possibilidade de Nigel estar fazendo o
mesmo jogo que ela. Esta possibilidade a enfureceu, pois parecia que mais uma vez ele
seria o vencedor.
— Você é a última pessoa de quem eu esperaria ouvir uma reclamação sobre o
comportamento de alguém — retorquiu ela, levantando o queixo abruptamente. — Até
agora o seu tem deixado muito a desejar!
Ele sacudiu a cabeça, os olhos brilhantes e zombeteiros. A agressão de Liz o
deixara mais frio e imperturbável do que nunca.
— Que resposta mais infantil, Liz — disse, seus lábios esboçando um sorriso ao
perceber os punhos de Liz se fecharem. — Não pode dizer algo mais original? — Ela
permaneceu calada, os pensamentos concentrados em Greta e na possibilidade dos
dois ficarem juntos em Atenas. — Quando irá perder seu péssimo hábito de agredir?
Está se tornando maçante.
Liz virou-se, consciente do duplo sentido de suas palavras. Significaria talvez
que, se ela desistisse das ameaças e fosse um pouco mais feminina e maleável,
conseguiriam ser felizes juntos? Se fosse assim, era porque ele a amava. Mas, se a
amava, por que se afastou naquelas últimas noites? Por que tencionava encontrar-se
com Greta em Atenas.
— Vai realmente com Greta para Atenas? — perguntou-lhe, incapaz de controlar
seu coração, pois era ele quem suplicava e implorava para que Nigel negasse que ia se
encontrar com Greta. Encarou-a por um longo momento antes de responder, com
aquele sotaque que tanto a irritava mas que, inconscientemente, achava agora
atraente.
— Já lhe disse que Greta e eu nos encontraremos em Atenas. — Após uma
pequena pausa, acrescentou: — Você deveria estar encantada com minha partida,
querida, pois minha presença deve certamente limitar suas atividades com seu amigo
Daniel.
Com aguçada percepção, ela olhou-o, seu. rosto pálido, os olhos entristecidos e
suplicantes.
— Você sabe muito bem que não há nada entre Daniel e eu e nunca poderia
haver.
— Está aborrecida por eu não ter demonstrado ciúme, como esperava? —
perguntou, arqueando as sobrancelhas.
Ela respondeu calmamente:
— Não pode haver ciúme sem amor.
Ante seu rápido consentimento, demonstrado pela inclinação de sua cabeça, os
lábios de Liz tremeram. O que ela desejava desse homem? Amor? Sim, realmente
sabia disso agora. E subserviência? Humildade? Desejaria superá-lo com sua própria e
infatigável força de caráter? Liz sacudiu a cabeça, sorrindo para os próprios
pensamentos. Ninguém, nem homem nem mulher, nunca conseguiria superar Nigel. Ele
era como um velho guerreiro, invencível e imbuído de tal força, que o mais poderoso
inimigo jamais poderia atingi-lo. E Liz sabia que não o teria de outra forma. Admitiu
finalmente que desejava Nigel como ele era e, se naquela relação tivesse que haver um
vencedor, teria que ser ele.
— Você está certa, Liz, não pode haver ciúme sem que haja amor. — A pontada
de ironia não fora esquecida e Liz prendeu a respiração. Estaria provocando-a? Será
que realmente a amava, mas desejava fazê-la suplicar de joelhos, antes de declarar
seu amor? Aquilo era muito para Liz que, completamente esquecida dos pensamentos
de momentos atrás, levantou seu belo rosto e olhou-o com firmeza.
— Então nos entendemos perfeitamente. Você irá ter com sua Greta e eu
poderei ter um caso com Daniel. Como você mesmo observou, ambos nos reanimaremos
pela mudança! — Ela levantou-se e entrou em casa. A risada de Nigel ecoou atrás dela.
E Liz poderia jurar que fora uma risada feliz... uma risada triunfante e satisfeita.

CAPÍTULO IX

Com a partida de Nigel, Liz sentiu-se tão entediada como nunca pensara que
fosse se sentir. Na Inglaterra chegara a admitir que sentira sua falta; mas ali, em sua
casa na Grécia, ela sentia muito mais. Que seria dela?, considerou, olhando para Daniel
que, deitado na grama, fitava o céu azul. A partida de Nigel a surpreendera. Nigel
parecia estar sempre a observando pois raramente a deixava a sós com Daniel.
Contudo, quando pela manhã dissera adeus, seus olhos brilhavam zombeteiros ao notar
sua expressão de surpresa e desapontamento. Liz sabia que ele podia ler sua mente,
mas não se importou, pois a ideia dele estar correndo para os braços de Greta era
como se uma faca rasgasse seu coração. Liz sentiu que não poderia suportar aquilo e
instintivamente sabia que não deveria rebaixar-se e pedir a Nigel que não fosse a
Atenas. Somente o orgulho a contivera e agora estava pesarosa.
A que situação chegaram! Se estivessem dispostos a levar adiante o casamento,
um deles deveria inevitavelmente fazer concessões. Ela não poderia e Nigel, mesmo
com seu gênio mais ameno, também não o faria. Tudo levava a crer que permaneceriam
nesse impasse por toda a vida.
Com um profundo suspiro, desceu para encontrar-se com Daniel. Não havia mais
necessidade de flertar com ele e, com o passar do dia, o rapaz notou que Liz estava
reservada e que além do mais estavam sozinhos. Assim, durante o jantar observou,
delicadamente;
— Parece que não deu certo.
Ela o olhou carrancuda e perguntou:
— O que não deu certo? -
— Você tentou provocar ciúme em Nigel, mas obviamente ele não é nem um
pouco ciumento, pois do contrário não teria partido e nos deixado a sós.
Liz sentiu uma certa raiva ao ouvir suas palavras. Mais do que nunca, estava
arrependida de tê-lo convidado.
— Eu não o compreendo, Daniel. O que faz você pensar que eu estava tentando
provocar ciúme em Nigel?
— Foi tão óbvio! — exclamou sorrindo e acrescentou, num tom jocoso: — Não
fique zangada, Liz, estava somente mostrando uma realidade; se for honesta, vai ter
que admitir que tencionava me usar. — Após uma pequena pausa acrescentou: — O que
há de errado? O casamento de vocês não vai bem?
— Você sabe muito bem por que nos casamos; todo mundo sabia sobre os
testamentos.
— Admito isto, mas de algum modo, quando a vi em casa de Grace, há dois meses
atrás, pensei que tivesse se casado por algo mais do que conveniência.
— E algo sobre o qual não desejo falar, Daniel.
— Desculpe-me. Mudemos de assunto.
Mais tarde Spiros veio visitá-los e Liz deixou os dois homens conversarem. Mas
depois de algum tempo, notando que Liz não estava participando, Spiros pediu-lhe
desculpas e a integrou na conversa.
Ele ficou até meia-noite, mas às onze e meia Daniel desculpou-se e pediu licença
para se recolher, pois não conseguia manter os olhos abertos. -
-- É o clima — justificou-se, deixando Liz e Spiros no terraço.
— Estou surpreso com a partida de Nigel, tendo um hóspede em casa. — Spiros
olhou interrogativamente è Liz sacudiu a cabeça.
— Parece que tem importantes negócios a tratar. — Os pensamentos de Liz se
voltaram para Greta e seus lábios crisparam-se. Visões de Nigel e Greta em Atenas
passaram-lhe pela mente, e ela inclinou a cabeça para esconder sua expressão. — Ele
voltará em dois dias — acrescentou, a fim de convencer a si mesma que a brevidade da
viagem pudesse impedir que seu marido passasse muito tempo com a amante.
Spiros concordou, como habitualmente fazia. Ficou pensativo, enquanto olhava
vagamente para a escuridão além do terraço.
— Não posso compreender — murmurou para si mesmo, sacudindo a cabeça.
Voltou-se então para Liz e encarou-a.
— Eu não poderia deixá-la, Liz, e certamente nunca a largaria aqui sozinha com
esse rapaz.
Ela teve que sorrir, pois Spiros corou rapidamente, ciente de sua falta de tato.
Liz não quis poupá-lo quando perguntou:
— Você não confiaria em mim?
— Sou um grande tolo, como já disse antes. É claro que confiaria em você.
— Então por que não poderia deixar-me aqui com Daniel?
— Não poderia deixá-la de nenhum jeito. Meu Deus, Liz, será que ele não
percebe quanto você é adorável? — Spiros estava se tornando ousado e Liz ficou
alerta. Nada de complicações com Spiros, pensou. Mas elas poderiam acontecer se ele
achasse que Nigel não a amava.
— Nigel precisou tratar de negócios — disse ela calmamente. — Não pode
esquecê-los, simplesmente porque é casado.
— Mas você poderia tê-lo acompanhado. Ele costumava levar... — Outra vez se
calou e ficou vermelho.
— Greta? — concluiu Liz, adivinhando antes que ele pronunciasse o nome.
— Sim, Greta. Você sabe tudo sobre ela, assim não vejo razão para que eu tente
me remendar, mais do que já fiz — disse, resignadamente. — E devo lhe dizer, Liz, que
tudo isso me intriga...
— Você é que está preocupado com isso, Spiros.
— E se não soubesse que Greta está aqui em Delfos — prosseguiu —, estaria
muito inclinado a acreditar que ela estivesse com Nigel.
Liz encarou-o sem palavras e um longo silêncio se seguiu. Spiros finalmente
falou, tentando se desculpar, mas Liz perguntou antes dele:
— Greta está aqui, em Delfos?
— Sim. — Ele parou e olhou, confuso. — Liz! — exclamou.
— Liz, você não pensou... Não, nem deve pensar! Já lhe disse antes, Nigel nunca
a-deixará. Não pensou que ele estivesse com Greta! Não poderia!
Um sorriso triunfante aflorou de seus lábios. Liz não se conteve e disse:
— Parece que tem memória fraca, Spiros. Você mesmo, há poucos momentos,
disse que se Greta não estivesse aqui em Delfos, você estaria muito inclinado a
acreditar que ela estivesse com Nigel, em Atenas.
— Eu disse aquilo sim, mas não pretendia dizer. — Ele falava com certo
embaraço.
Liz decidiu cortar o assunto. Sua mente estava totalmente ocupada com as
novidades trazidas por Spiros. Neste momento ela imaginou como Nigel errara ao
sentir-se tão seguro de que ela não descobriria a verdade. Que ele estivera jogando o
mesmo jogo era evidente, mas agora não tinha sido de todo bem-sucedido.
Esperaria até que voltasse. Contaria a ele o que sabia? Não, seria mais
interessante permanecer calada.
Ele voltou antes do almoço do dia seguinte e Liz calculou que tivesse deixado
Atenas muito cedo. Estivera ausente somente um dia e meio. Ela o examinou longa e
detalhadamente enquanto Nigel entrava no terraço. Cumprimentou-a cordialmente e
perguntou subitamente se apreciara a companhia de Daniel.
— Muito. — Ela continuou a provocá-lo: — E você apreciou a de Greta?
— Foi muito divertido. Liz sorriu para ele.
— E voltou mais reanimado?
— Completamente. — Nigel dirigiu-lhe um olhar divertido, cheio de ironia. — E
você? — perguntou. — Está mais animada? — Sorria para ela.
Liz estava tentada a fazê-lo perceber que também poderia rir... mas à custa
dele. Contudo aquilo poderia descer a cortina sobre aquela pequena farsa, mas tal era
o prazer de Liz, que ela desejou prolongá-la.
--- Mais ou menos. Eu poderia estar melhor se você permanecesse ausente por
mais tempo.
Nigel sorriu e, com um movimento ligeiro, a segurou nos braços.
— Você é detestável, Liz, deliciosamente detestável! Afinal de contas vou ser
obrigado a bater em você. De fato estou inclinado a pensar que devia ter feito isso há
muito tempo. — Em vez disso, beijou-a longamente, deixando-a sem respiração.
Enquanto a segurava com firmeza, perguntou divertido:
— Sentiu minha falta? — Liz ergueu a cabeça, mas ele não lhe deu oportunidade
de responder, pressionando sua boca contra a dela novamente. — Não deixarei que
minta — disse Nigel. — Você sentiu minha falta e sempre sentirá quando eu estiver
ausente. Admita-o. — Ele a sacudiu levemente. — Deixe cair esta maldita máscara e
admita.
— Claro que senti falta das discussões — replicou ela num tom adocicado. —
Suas pomposas e eternas discussões. O ambiente aqui estava maravilhosamente
pacífico e, como acabei de dizer, poderia ter aproveitado mais se você tivesse ficado
ausente por mais tempo.
— Mentirosa.
— Não sou.
— Não é, bem? — Sua voz era macia, seus olhos ainda a encaravam com firmeza
até que finalmente ela foi obrigada a abaixar a cabeça. — Bem, neste caso, não se
importará se eu voltar a Atenas. De fato, voltei apenas para apanhar alguns papéis que
havia esquecido. — Com os dedos sob seu queixo, obrigou-a a encará-lo e encontrou
seu olhar. — Estarei de volta uns dias antes de nossa partida para Rhodes.
O coração de Liz parecia ter parado. Por que era tão estúpida? Mesmo assim,
não poderia conservá-lo a seu lado, se fosse verdade o que dissera sobre os papéis que
esquecera. Afastando-a, dirigiu-se para a sala, servindo-se de uma bebida. Estaria
falando a verdade? Sabia que Nigel era muito organizado, por isso não era plausível
que tivesse esquecido documentos importantes. Essas seriam as primeiras provi-
dências que tomaria. Quanto mais considerava isso, mais suspeitava que era pirraça
dele dizer que ia viajar novamente. Mesmo assim, não iria se não houvesse motivo para
ir, que era o que Liz suspeitava. Ele voltou para o terraço, com um copo na mão.
— Quando voltará a Atenas? — perguntou Liz.
— No final da tarde. — Ele parecia entediado e, quando Daniel desceu para o
jardim, Liz afastou-se de Nigel. Ele porém acompanhou-a, sorrindo.
O fato de não ter estado com Greta evidenciava sua participação no jogo que a
própria Liz planejara e, com toda honestidade, ela não podia culpá-lo. Além disso, ele
não estava nem um pouco perturbado pelas suas insinuações a respeito de seu
relacionamento com Daniel. Para Nigel, ela poderia muito bem ter poupado seu fôlego,
pois sabia exa-tamente o que sua mulher pretendia. Mas, naquele momento,
entretanto, o jogo em que ambos estavam envolvidos tornava-se monótono. Que amava
seu marido era evidente. Que o queria assim como era, também admitia. Por outro
lado, suspeitava que Grace estava certa quando sugerira que Nigel se casara com ela
porque a amava. De fato, aquela poderia ter sido a única razão, Liz compreendia agora.
Caminhou em direção a Daniel, suspirando. O único problema parecia ser o da
capitulação total e completa de sua parte. Nigel nada aceitaria a não ser isso, caso
contrário prosseguiria naquele processo contínuo até seu desejo ser satisfeito, não
importa o que lhe custasse. Os lábios de Liz comprimiram-se ante essa ideia. Não era
uma mulher bajuladora, pronta a suplicar diante de seu homem! Não, desejaria vê-lo
em Rhodes primeiro!

Voaram até Rhodes, sobrevoando o Egeu com suas numerosas ilhas, espalhadas
como contas e brilhando à luz do sol. Nigel falara pouco durante o vôo e Liz, em
silêncio, pensava em sua casa na Inglaterra, tão amada e pela qual sacrificara sua vida
— pelo menos acreditava nisso quando se casou. Aos poucos essa imagem foi
desaparecendo e em seu lugar surgiu a linda vila de Nigel, tão pequena em comparação
à Mansão Carlington, mas erguida orgulhosamente no planalto ao lado da montanha,
cercada de árvores tropicais, voltada para o Parnasso e a grande planície coberta de
oliveiras. .
Do aeroporto foram de táxi até o porto de Mandraki, onde o grande iate estava
ancorado. Muitos outros iates e barcos estavam ali e havia muito movimento. A nova
experiência era excitante para Liz e, ao lhe mostrarem o iate, ela suspirava de
admiração.
— É realmente magnífico — disse mais tarde quando ela e Nigel estavam na
cabine preparando-se para jantar. A ideia de uma cabine só a agradara; forçaria seu
marido a dormir com ela, pois desde aquela noite, quando abruptamente a deixara,
nunca mais estivera em seu quarto. Durante todo o caminho tinha imaginado como
seriam as acomodações, pois nada seria mais decepcionante do que descobrir que
seriam alojados em cabines separadas. Ela deveria ter sabido, entretanto, que, além
do espaço limitado que há em um barco, nenhum grego poderia pensar em separar
marido e mulher.
— Você está apaixonada pelo iate, não é? — perguntou Nigel. Seu tom era frio,
mas sorria para ela, como sempre. — Talvez compre um iate como este. Poderíamos
navegar por entre todas estas ilhas.
Os olhos dela brilharam.
— Eu adoraria. — Automaticamente, lhe virou as costas e ele abotoou-lhe o
zíper. Suas mãos permaneceram no corpo de Liz, movendo-se do pescoço para a sua
garganta. Ele fê-la se virar e encará-lo.
— Está linda, minha Liz. — Seus olhos estavam ternos e Liz sabia
instintivamente que somente teria que apertá-lo afetuosamente e tudo estaria
resolvido. Mas não podia, porque tal atitude poderia parecer rendição e ela tinha
certeza que, em troca, receberia um sorriso sarcástico e triunfante. Assim,
permaneceu imóvel, um pouco tensa pela determinação que tomara em cumprir a
promessa de nunca ser conquistada. Nigel deu um pequeno suspiro e, beijando-a
levemente no rosto, voltou-se e foi até uma gaveta, procurando um lenço.
Havia dez pessoas a bordo, entre as quais Anette e Clarice, com seus maridos.
As duas moças estavam contentes em rever Liz e a apresentaram aos outros convi-
dados, antes que todos se dirigissem para o salão. Liz procurou por Nigel, que
conversava com seus amigos gregos perto do bar. Depois de instantes, sentindo-se
observado ele voltou-se e seus olhos escuros a fitaram. Liz recordou-se do impacto
que seu olhar sempre lhe causava, embora desta vez a sensação fosse bem mais forte.
Depois do jantar, vários casais deixaram o barco para passear ou procurar
divertimento. Nigel e Liz também saíram, mas sozinhos.
Caminharam até à cidade e entraram num romântico parque, construído durante
a ocupação italiana. Palmeiras gigantescas cercavam o jardim repleto de arbusto e
flores. Ali se podia ouvir o barulho das ondas quebrando na praia.
— Veja o castelo — disse Nigel, apontando para cima. O parque chegara ao fim
abruptamente, e um amontoado de picos e torres, talhados em pedras cor de mel já
desgastadas pelo tempo, surgiu diante deles. Portões maciços guardavam a fortaleza
dos cavaleiros da antiga Ordem de São João de Jerusalém, entre cujos membros
existira um grande número de cruzados. Enquanto se aproximavam da fortaleza, luzes
foram acesas, realçando suavemente a delicada e antiga pintura que cobria o
maravilhoso edifício. Nigel então disse:
— O espetáculo de luz e som está prestes a começar. Gostaria de assisti-lo? —
Liz concordou. — Bem, vejamos em que língua será encenado. Inglês, francês ou grego?
— Se for a grega, você terá que traduzir para mim.
— O que será um prazer — respondeu galantemente, e Liz alegrou-se pelas
sombras das árvores esconderem seu rubor e o brilho de ternura que invadiu seus
olhos.
Naquela noite a língua usada seria a inglesa. Nigel envolveu-a com seus braços
de modo dominador e conduziu-a até a entrada, onde um grego sorridente vendia os
bilhetes.
Nos jardins do castelo pessoas passeavam, pois o espetáculo só começaria em
quinze minutos. Havia árvores e flores por toda parte. O silêncio entre Liz e Nigel era
profundo, como a quietude da noite, quando toda a natureza dorme e os conflitos
cessam. Liz admirava aquilo tudo com os olhos cheios de ternura. Seu coração parecia
acelerar com a proximidade de seu marido.
Era muito alto e, embora seus movimentos fossem leves, o modo como segurava
seu braço fazia com que ela sentisse toda sua força. O outro braço circundava seu
ombro, mas quando chegaram ao local onde as cadeiras estavam dispostas em
semicírculo, prontas para o espetáculo, ele puxou o braço de Liz sob o dele e o
conservou colado ao corpo. Liz sentiu seu calor e controlou-se. Por que se continha se
o queria tanto? Era ridículo e estava pronta a admiti-lo. Se estivesse disposta a
ceder... ou se Nigel pudesse dar o primeiro passo em vez de permanecer tão inflexível
e determinado a fazer esse jogo de espera!
Sentaram-se e passaram a observar as luzes brilhantes e coloridas que primeiro
focalizaram uma parte do castelo, depois a outra. Suas tonalidades variavam do sépia
ao amarelo-pálido, do vermelho-vivo ao rosa-claro.
Então surgiram as vozes, altas e claras vozes de um passado distante e glorioso.
— Como a imaginação é fantástica! — comentou Liz, acompanhando as luzes com
o olhar. Nigel concordou.
— Este espetáculo é maravilhoso. Sempre o apreciei. Fui à Acrópole em Atenas,
outra noite...
— Com Greta? — perguntou Liz.
Silêncio. Talvez ele não tivesse ouvido. Sim, ele ouvira e Liz não podia dizer se
ficara contente ou triste.
— Precisamos estragar a noite? — perguntou duramente e Liz baixou a cabeça.
— Desculpe-me. — A desculpa fora dada, surpreendendo a ambos, mas a rápida
aquiescência de Nigel fora a única evidência de sua surpresa. Mais uma vez
permaneceram em silêncio, ouvindo aquelas vozes do passado.
O espetáculo terminou. Liz continuou sentada por um momento.
— Foi maravilhoso, mas triste — comentou. Nigel olhou-a, com ar divertido.
— Você sabia que o fim seria triste. — Ela simplesmente concordou e Nigel
acrescentou: — Você não se importa com fins trágicos, não é?
— Devemos ser realistas. Muitos fins são trágicos, se levarmos os problemas
muito longe.
— Nem todos, minha querida. — Nigel não se explicou. Levantou-se e esperou-a.
Tomou então seu braço e caminharam juntos até o portão de saída.
Retornando ao iate encontraram apenas Dendras e sua mulher a bordo, pois os
outros tinham saído para dançar.
— Este tipo de festa é excelente — comentou Liz para Nigel. — Podemos fazer
exatamente o que queremos, sem nos preocuparmos em ofender nossos anfitriões.
Nigel concordou e por instantes os quatro se sentaram no convés, conversando
e observando as luzes do porto.
Era quase meia-noite quando o resto dos convidados voltou. A noite ainda estava
quente e eles permaneceram ali por mais uma hora, antes de dizerem boa-noite e se
dirigirem a suas cabines.
Uma vez dentro, Liz sorriu para seu marido. Estava exultante com a situação em
que se encontravam. Nigel teria que ficar com ela, pois não tinha outra alternativa, e
Liz decidira deixá-lo saber o quanto o amava. Ele poderia então dar o primeiro passo,
que ela ficaria satisfeita. Impressionava-a o fato de não estar mais esperando que
Nigel a humilhasse, pois já havia decidido que o queria de maneira como realmente ele
era. Sorriu-lhe. Para sua surpresa Nigel não o percebeu, pois deu-lhe as costas e
dirigiu-se à vigia, observando a escura massa de oceano lá fora.
— Que linda noite — comentou finalmente, virando a cabeça. — Acho que vou
dormir no convés.
No convés... Liz ficou trémula. Não se conteve então e disse:
— Não se sentirá confortável.
— As espreguiçadeiras são tão confortáveis como camas. — Sua voz estava fria
e sem expressão; seu olhar, indiferente.
Ela olhou para as mãos, consciente do vazio dentro dela. Cometera um erro?
Será que Nigel não a queria, agora?
— Ficará frio mais tarde e bastante úmido.
— Há sacos de dormir no armário do convés. Dendras sempre tem um bom
suprimento, no caso de alguém desejar dormir lá fora.

Ele se fora há mais de vinte minutos e Liz ainda estava sentada ali, a mente
desperta, sem saber o porquê de sua atitude. Nigel a amava, estava convencida disso,
mas o amor nunca o faria humilhar-se. Se ela o queria, devia ir até ele.
Outros dez minutos se passaram e, para sua surpresa, seus olhos se encheram
de lágrimas, refletindo a dor que sentia no coração.
Começou a despir-se, determinada a não capitular. No momento seguinte porém
estava admitindo que tudo o que fizesse naquela noite seria temporário; na noite
seguinte aconteceria a mesma coisa e assim continuariam até que um dos dois cedesse.
Não, até que ela cedesse! Não o farei! Ele se cansará antes de mim!, pensou. E, mesmo
convencida de que ele nunca o faria, Liz acabou de se despir e deitou~se.
Uma hora mais tarde, não conseguindo dormir, levantou-se e vestiu um roupão.
Levou um bom tempo antes de se decidir a fazer aquilo. Tinha que fazê-lo
imediatamente! Sua vida não poderia continuar daquele jeito.

Nigel estava encostado na grade do convés e, surpresa, ela olhou a sua volta,
procurando pela cadeira e pelo saco de dormir que ele mencionara. Não havia sinal
deles e ela chegou mais perto, notando sua imobilidade e aparente concentração nas
luzes do porto. Cafés e hotéis ainda estavam freneticamente iluminados e ainda havia
muito movimento.
Outro passo e Liz se deteve. Nigel sentiu sua presença e voltou-se para ela.
Permaneciam ali, olhando um para o outro com indescritível doçura.
Então Nigel repentinamente perguntou:
— O que há, Liz?
Ela deu outro passo em sua direção.
— Não consegui dormir — respondeu suavemente, conservando sua cabeça
baixa, pois poderia encontrar aquela expressão triunfante em seu rosto, fazendo com
que sua decisão caísse por terra.
— Não é nada sério, não? — Sem dizer nada, ela concordou com a cabeça. —
Quer tomar alguma coisa?
Ela vacilou. O que ele estava tentando fazer? Talvez não a amasse, afinal de
contas... Ela sacudiu a cabeça quando se lembrou do conselho que Nigel lhe dera para
que continuasse adivinhando. Liz ignorou a pergunta.
— Estive pensando — murmurou Liz num tom brando e persuasivo. Nigel moveu-
se.
— Em quê? — Os olhos dele procuram os dela; Liz tentou sorrir, mas percebeu
que sua expressão assumira um ar de censura. Parou de sorrir, embora ainda lutasse
entre aceitar seu destino ou resistir.
— Sobre o que uma vez você me disse. Para que continuasse tentando
adivinhar...
Seguiu-se um leve silêncio, quebrado apenas por uma risada vinda da praia.
— Acredito que tenha feito.— Nigel estava sério, não havia o menor traço de
zombaria ou divertimento em suas palavras. — E você adivinhou, Liz?
Ela concordou, tocando a mão dele que agora segurava seu queixo.
— Você disse que eu teria de adivinhar por que se casara comigo — lembrou-lhe.
Diante de seu silêncio, prosseguiu: — Acho que se casou comigo porque, porque... — ela
se interrompeu, ao pressentir que o medo a invadia. Entretanto, quando olhou para ele,
percebeu que sua expressão se tornara suave e seu olhar infinitamente terno. —
Porque me amava — completou confiante, embora um pouco trémula.
Em resposta, ele a puxou contra si e segurou-a com força. Nigel deu então um
profundo suspiro. Isso fez com que Liz compreendesse que ele quase perdera as
esperanças.
— Sim, Liz, eu me casei com você porque a amo. — Ele calou-se por instantes,
ouvindo a brisa vinda do mar. — Será que meu amor é correspondido? — sussurrou em
seu ouvido.
— Eu o amo — respondeu simplesmente. O último traço da sua inflexibilidade
transfigurou-se numa doce e gentil rendição quando, levantando o rosto, convidou-o a
beijá-la.
Por um longo momento ambos ficaram em silêncio. Nigel então lhe perguntou por
que levara tanto tempo para procurá-lo.
— Você estava me esperando? — quis saber e, quando ele concordou, um brilho
surgiu nos olhos de Liz. Estava realmente apaixonada e não tinha a menor importância
o fato de ter sido ela quem dera o primeiro passo.
— O tempo foi passando — disse Nigel — e senti receio que você tivesse se
ocultado atrás daquele bendita máscara e, protegida por ela, caído num sono profundo.
Liz sorriu e percebeu que chegara quase ao fim de suas forças. Aninhou-se
então junto dele e quis demonstrar-lhe seu amor. Seus lábios se encontraram
novamente. Beijaram-se com ternura e a mais ardente emoção.
— Querida — sussurrou junto a seu rosto. — Não estive com Greta, a semana
passada.
Ela hesitou, mas sua honestidade prevaleceu. — Eu sei que não esteve. Ela
estava em Delfos. Ele a afastou, olhando-a.
— Como descobriu isto?
— Não se preocupe, ela não me visitou novamente, se é o que está pensando.
Spiros contou-me.
— Spiros está sempre se metendo. E você sabia o tempo todo, então?
— Sim, sabia.
— E me deixou partir dizendo que eu aproveitasse...
— E se refizesse — lembrou-lhe ela.
— Rindo de mim, hein?!
— Bem, Nigel, você mereceu. E além do mais, você tem se divertido comigo
desde o começo.
— No futuro, querida, riremos juntos, não um do outro. Ela concordou feliz e
descansou a cabeça em seu peito.
Depois de alguns segundos, Liz murmurou:
— Quando paramos naquele bar da estrada, acho que você quase disse que me
amava.
— Sim — Nigel admitiu —, mas pensei melhor e nada disse, pois senti que você
não estava pronta para receber uma declaração de amor, pelo menos não da maneira
que eu queria que recebesse.
— Eu não era suficientemente humilde? — Havia certa dúvida em sua voz, que
desapareceu ao reparar na expressão de Nigel.
— Nunca quis que se humilhasse, Liz. Nem desejo agora. Quero uma mulher para
esposa, uma mulher com todos os atributos que atraem um homem. — Nigel sacudiu a
cabeça num gesto de reprovação. — Você foi tola, Liz!
Ela concordou e em seguida perguntou a Nigel o que tinha querido dizer quando
afirmou que Spiros não sabia o que estava falando.
— Ele pensou que estivesse certo - respondeu Nigel. — Contou a você sobre
minha intenção de contestar os testamentos, mas não sabia o bastante, pois me
apaixonei por você no momento em que a beijei na barraca.
— Mas Spiros não sabia de meu envolvimento com o testamento.
— Justamente. E só o que fez foi deixá-la confusa. Não o fez por mal, é claro,
mas me deixa furioso.
— Compreendo agora, Nigel...
— Sim, meu amor.
— Você não quis realmente ter um caso com Greta, não é?
— O que leva você a dizer uma coisa dessas?
— Por que certa vez você me disse que o mais forte pode também sucumbir à
tentação. Pensei nisso e em Greta... Por ela ser tão atraente, você poderia...
Ele olhou para Liz, sacudindo a cabeça num gesto de exasperação.
— Se essas palavras têm atormentado você, meu amor, é porque você não quis
ver nelas um outro significado. Eu me referia à tentação que você mesma
representava, colocando-se em meu caminho. Eu a vi e fiquei perdido de amor.
Ela olhou-o ternamente.
— Sabe, Liz, Greta e seus pais estão deixando Delfos. Compraram uma fazenda
ao norte da Grécia.
Nigel olhou para sua esposa, que nada comentou.
— Eu a amo, Liz — disse ternamente. — Quero que saiba, querida, que você é a
única mulher que amarei em toda minha vida. Entende o que quero dizer?
Ela sorriu feliz e teria respondido, mas Nigel impediu-a com um beijo. Liz
entregou-se a seus carinhos, antes que Nigel a envolvesse em seus braços e a
carregasse para a cabine.

FIM

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